[tcc] teoria dos jogos e negociação de contratos

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  • 8/12/2019 [Tcc] Teoria Dos Jogos e Negociao de Contratos

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    Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    EDUARDO MIGUEL SERAFINI FERNANDES

    A aplicao da teoria dos jogos na negociao

    de contratos com clusula compromissria

    Porto Alegre

    2010

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    EDUARDO MIGUEL SERAFINI FERNANDES

    A aplicao da teoria dos jogos na negociao

    de contratos com clusula compromissria

    Monografia apresentada aoDepartamento de Direito Privado eProcesso Civil da Faculdade deDireito da Universidade Federal doRio Grande do Sul, sob orientaoda Profa. Dra. Vra Maria Jacobde Fradera como pr-requisitopara obteno do grau de bacharelno curso de Cincias Jurdicas e

    Sociais desta Universidade.

    Porto Alegre

    2010

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    AGRADECIMENTOS

    Fao um agradecimento minha orientadora, Profa. Dra. Vra Maria

    Jacob de Fradera, professora exemplar e notvel pessoa comprometida com a

    excelncia do ensino e o incansvel esforo em trazer alunos para alm do

    obscurantismo. Obrigado pela ateno, dedicao, confiana e compreenso.

    Agradeo tambm aos colegas de trabalho, em especial Profa. Me.

    Lilian Christine Reolon, profissional dedicada e exemplo de instigao

    acadmica, que soube compreender as minhas necessidades e no hesitou em

    me auxiliar quando precisei. Levo comigo este modelo de comportamento em

    que me espelharei certamente quando estiver na mesma condio.

    Aos colegas, em especial a Ezequiel Fajreldines dos Santos, pelas

    interminveis conversas e viagens que renderam concluses, inferncias e

    insights que permitiram o constante questionamento de um trabalho sempre

    inacabado. Junto a ele, Guilherme Nabinger Goulart e Brulio da Silva de

    Matos, depositrios da minha vontade de dar certo.

    A Luis Gustavo Meira Moser, guia nos estudos e exemplo de jovem

    profissional, incansvel, dedicado e acima de tudo compreensvel com seus

    monitorados eu, Diego Alano Brk e Henrique de David: o meu registro de

    agradecimento a vocs por tudo o que passamos juntos.

    Aos amigos, que ainda sem terem conhecimento, sempre

    contriburam para os grandes momentos. Petry, Michel, Iuri, Leco, Caetano e

    Guto :os meus grandes companheiros.

    Por fim, aos meus pais Haroldo e Loanda e minha irm Alana

    que desde o incio, antes de tudo, contriburam para me manter com o

    esprito aceso e curioso, que no mediram esforos para me levarem condio em que estou e sempre me guiaram. A vocs, o meu mais sincero

    agradecimento.

    Depois do cansativo processo de feitura desta monografia, preciso

    reconhecer que todos vocs, de uma maneira ou de outra, estiveram comigo.

    Mais do que uma tarefa, considero este trabalho uma realizao. E vocs,

    partcipes desta conquista.

    Obrigado.

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    RESUMO

    Este estudo visa, mediante o recurso anlise econmica do direito,oferecer uma melhor compreenso das possibilidades estratgicas entre partescontratantes, quando decidem entabular determinados tipos de contrato, comdestaque para aqueles onde se insere uma clusula compromissria, com o fitode resolver um eventual litgio mediante arbitragem. Com isso, objetiva-semostrar como as partes, decididas a estabelecer vnculos negociais, vem aspropostas oferecidas e como a estratgia dominante pode ser alterada com ainsero da clusula compromissria. A partir do recurso da Teoria dosJogos, busca-se analisar as possibilidades matemticas que cada uma daspartes (jogadores/contratantes) tem no momento da formao de vnculos.

    Com maiores incentivos, a estratgia dominante para ambas as partes passa aser contratar a partir do momento em que a proposta feita pela ofertantesatisfaz as necessidades do ofertado, levando em considerao a garantia deexecuo do contrato, os benefcios de sua governana e os custos de seucumprimento. Dessa maneira, a pesquisa ora apresentada busca mostrar aspossibilidades estratgicas dos jogadores no momento de formao devnculos contratuais, considerando a influncia desempenhada por diversasvariveis na fase pr-contratual.

    Palavras-chave: formao do contrato, arbitragem, teoria dos jogos, clusulacompromissria.

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    ABSTRACT

    This paper aims at providing a better comprehension, through thestudy of Law & Economics, about the strategic possibilities between parties thatengage in contracting, when they attempt to reach certain types of contracts,especially the ones in which the arbitration clause is included, endeavoring thesolving of litigation through arbitration. That way, this work demonstrates howparties acknowledge the drafts offered once they decide to entail negotiationbonds and how the dominant strategy can be altered with the inclusion of anarbitration clause in the deal. Based on game theory fundaments, we attempt toanalyze the mathematical possibilities each agent (player/contracting party) hasonce they are about to conclude an agreement. With higher incentives, the

    dominant strategy for both parties is hiringonce the offer made by the offerorsatisfies the conditions presented by the other party and takes intoconsideration the governance benefits and the enforcement costs. Thus, thispaper attempts to set forth players strategic possibilities during the formation ofcontractual bonds, taking into account the influence of the many variablespresent during the pre-contractual period.

    Keywords: formation of contract, arbitration, game theory, arbitration clause.

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Quadro 1 Resumo das principais teorias econmicas do contrato. 26

    Figura 1 Zona de negociao. 27

    Figura 2 Insero do novo vendedor. 28

    Figura 3 Insero do novo comprador. 28

    Figura 4 Insero de um novo comprador e de um novo vendedor. 29

    Figura 5 Possibilidades de acordo dentro da zona de negociao. 30

    Quadro 2 Benefcios de governana e custos de cumprimento. 48

    Quadro 3 A Batalha do Mar de Bismarck. 52

    Figura 6 Jogo da Partilha e da Captura na forma estendida. 70

    Quadro 4 O Jogo da Partilha e da Captura na forma normal. 71

    Quadro 5 O Jogo da Partilha e da Captura com rodadas sucessivas. 74

    Figura 7 Jogo das 6 Moedas. 76

    Figura 8 Oferta de Pegar ou Largar de C1a C2. 78

    Figura 9 Oferta de Pegar ou Largar de C2a C1. 79

    Figura 10 Oferta de Pegar ou Largar com funes de recompensa. 80

    Figura 11 Insero da clusula compromissria 91

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    SUMRIO

    1 INTRODUO 7

    2 A NEGOCIAO DOS CONTRATOS 12

    2.1 A fase pr-contratual e as negociaes 12

    2.2 A abordagem da doutrina tradicional 15

    2.3 A oportunidade de uma abordagem diferente 22

    3 A CLUSULA COMPROMISSRIA 34

    3.1A conveno de arbitragem: a clusula compromissria e o

    compromisso arbitral34

    3.2As vantagens e as desvantagens da insero da clusula

    compromissria38

    3.3 Benefcios de governana e custos de cumprimento 48

    4 A TEORIA DOS JOGOS 54

    4.1 Aspectos preliminares da teoria dos jogos 54

    4.2 A restrio da aplicabilidade da teoria dos jogos 66

    4.3 Aplicao da teoria dos jogos em contratos 70

    4.4 A insero da clusula compromissria 83

    5 CONCLUSO 94

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 95

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    1 INTRODUO

    A vida em sociedade necessita da ocorrncia de trocas, nas suas

    mais diversas dimenses. O relacionamento entre pessoas, seja da natureza

    que for, exige um intercmbio de atenes, cuidados, afetos, bens, riquezas,

    coisas, que ao mesmo tempo so funo e liga da vida gregria. O espao

    social precisa fomentar a atividade da troca para manter, criar e fortalecer laos

    entre os indivduos.

    O homo economicus, dimenso do ser humano que habita a polis,

    faz trocas o tempo todo a fim de ampliar o bem-estar de que esto sempre

    necessitando. Cada vez mais, a uma intensidade cada vez maior, o homem

    busca alargar o espao que entende como seu e, para tanto, acumula tanto

    quanto bens, necessidades.

    Mas em um ambiente em que os recursos so limitados, as

    necessidades infinitas encontram limitadores nas necessidades de outrem.

    As mesmas riquezas so disputadas por duas ou mais pessoas porque no

    podem a todas servir. Assim, necessrio que haja algum mecanismo de

    repasse de uma pessoa a outra o bem em questo, pois a disputa existe, mas

    deve existir de maneira socivel, especialmente por ser elemento intrnseco

    vida em sociedade.

    O contrato, dessa forma, vem a se mostrar um instrumento vlido

    dar fora dinmica das trocas. Sua instituio permite haver o repasse de

    bens de um indivduo a outro, de forma a lev-los se bem arquitetados a

    uma maximizao do seu bem-estar.

    No entanto, a formao de um contrato precisa conciliar interesses

    que inicialmente podem parecer divergentes. Assim, ele o fenmeno possvelem uma situao em que pretenses no caminham paralelas. O ponto de

    interseco entre duas esferas autnomas que no carregam entre si

    necessariamente um lao de ligao.

    Como ocorrer ento? Como possvel existir o contrato em um

    contexto como esse? Sua existncia s pode dar naquele instante pontual em

    que essas esferas autnomas tornam-se um nico interesse. Nessa zona de

    convergncia, o contrato pode habitar.

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    Para tanto, necessrio que seja um elemento de troca eficiente,

    que ajeite as aes dos contratantes a fim de que o objetivo a ser alcanado

    seja efetivamente satisfeito. Portanto, o contrato pode ser visto como um

    coordenador de vontades e condutas, capaz de criar e extinguir obrigaes e

    direitos para ambos os plos da relao.

    Torna-se necessrio, portanto, conceb-lo eficientemente, para que

    no crie obrigaes cuja extenso seja maior do que a tolerada ou direitos to

    abrandados que no trazem benefcios. O momento de arquitet-lo forma

    pretendida , ento, durante a negociao.

    A negociao do contrato, momento anterior emanao de

    obrigaes, o momento contratual que permite s partes mold-lo sua

    vontade, de acordo com as suas preferncias. E, em um contexto de trocas, a

    sua feitura, tendo como escopo a maximizao do bem-estar, torna-se

    imprescindvel.

    O ambiente em que as trocas se do deve tambm fornecer

    mecanismos que eficientemente resolvam as dvidas e controvrsias que tais

    combinaes engendram. Para tanto, um aparato solucionador de conflitos

    precisa satisfazer as necessidades de quem realiza intercmbios rapidamente.

    A arbitragem, assim, vem a se apresentar como uma opo razovel

    e eficaz, capaz de resolver disputas de maneira a no alimentar a litigiosidade

    e fomentar um ambiente cada vez mais propcio a trocas. Frente a um cenrio

    de abarrotamento do Poder Judicirio, a arbitragem vista pelos negociantes

    como uma via segura e satisfatria.

    No entanto, sendo via privada de composio, a arbitragem no est

    imune passar o momento negocial sem que seja ponto de discusso. Nem

    sempre da vontade de ambos os contratantes quer-la no instrumento quereger suas relaes. Como negoci-la, portanto? Como estrutur-la de forma

    a beneficiar aos envolvidos?

    Como o instante de negociaes um perodo de forte jogo

    psicolgico, com interesses ainda por convergir, muitos estmulos e elementos

    desempenham um papel que de uma forma ou de outra acabam tomando

    corpo com a concluso do contrato. Assim, os diversos detalhes que tornam a

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    anlise deste perodo muito complexa precisam ser observados de maneira a

    nos fazer compreend-los.

    Assim, a teoria dos jogos pode fornecer um instrumental capaz de

    auxiliar o observador das negociaes. A simplificao radical no instante pr-

    contratual torna mais clara a percepo dos elementos que mais atuam nas

    condutas dos contratantes. Sua formulao, embora muitas vezes difcil, pode

    ser de extrema ajuda quando bem modelada. E, como uma proposio

    matemtica, apresenta certezas e concluses irrefutveis.

    Diante disso, tenta-se estabelecer uma conexo entre a negociao

    contratual, a arbitragem e a teoria dos jogos no presente trabalho. A relao,

    ainda que no imediata, apresenta elementos que dialogam entre si, pois se

    inserem em um contexto econmico que pede agilidade na formulao de

    solues s controvrsias oriundas da relao contratual e, alinhado-se a

    anlise econmica do direito, a teoria dos jogos busca complementar o

    entendimento do assunto com seu aparato terico e prtico.

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    2 A NEGOCIAO DOS CONTRATOS

    2.1 A fase pr-contratual e as negociaes

    Todo o perodo que antecede a formao de um contrato, isto , a

    assinatura do instrumento particular que cria obrigaes para ambas as partes,

    denominado de perodo pr-contratual. Durante esse perodo, h uma

    constante atividade dos contratantes para que o vnculo obrigacional se

    estabelea de forma a atender seus objetivos. durante essa etapa do

    contrato que se delineia o arranjo obrigacional e a forma de cumprimento das

    obrigaes contidas nesse instrumento.

    O perodo da negociao dos contratos apresenta-se como um

    terreno em que a autonomia age de forma plena, em sua mxima expresso, a

    fim de desenhar uma relao contratual que satisfaa o interesse dos

    contratantes. Durante essa fase, tem-se como regra que as propostas e

    sugestes as negociaes preliminares no so criadoras de direitos1.

    Portanto, a possibilidade de livre conduta dos agentes d-lhes incentivos

    ilimitados para barganhar o melhor desenho contratual, i.e., a relao que mais

    benefcios lhe oferecem2.At o momento em que se sucede a concluso de um contrato, as

    partes se engajam em esforos que visam chegar a um acordo. Esse acordo

    representa um acrscimo patrimonial para ambos os contratantes3. A relao,

    como um todo, tende a produzir um ganho global4e um ganho a cada uma das

    1Via de regra, pode-se afirmar que a fase de negociao de contratos no cria direitos nemobrigaes; no entanto, possvel que uma das partes crie na outra uma legtima expectativade direito, fazendo-a incorrer em determinada conduta para ver sua pretenso atendida. Nodireito anglo-saxo, chamado de reliance, para a verificao de damages e necessriacompensao. Por ora, o trabalho no visa adentrar na seara da responsabilidade civil pr-contratual, limitando-se simplesmente meno do tema.2 Conforme Baird (BAIRD, Douglas et al. Game Theory and the Law. Cambridge: HarvardUniversity Press, 1998), a falta de sanes por parte do direito incentivo suficiente para queas partes busquem a maior recompensa livremente.3 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigaes e teoria geral doscontratos. 7 ed. So Paulo: Atlas, 2007, p. 390.4

    Conforme aponta a doutrina americana de Direito e Economia, o ganho global (net gain) darelao a maximizao dos benefcios trazidos por uma determinada alocao de recursos.

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    partes5. Os negociantes devem assumir posicionamentos que maximizem seus

    ganhos a fim de que as negociaes lhe sejam favorveis.

    No entanto, ao participar das tratativas do contrato, o contratante fica

    sujeito a ingentes esforos e desgaste psicolgico, frutos de longas conversas,

    participao em reunies, viagens, estudos, etc. que representam custos

    monetariamente mensurveis e custos que no so incorporados ao contrato.

    Esses esforos, embora muitas vezes dispendiosos, no geram qualquer dever

    no outro contraente de adotar as mesmas medidas e empregar os mesmos

    esforos, como se fossem uma espcie de contraprestao6. Todo o processo

    negocial visa chegar a um estabelecimento de vnculo, mas esse

    estabelecimento s ocorre quando h uma proposta suficientemente clara

    seguida de uma aceitao. Todo o esforo incorrido antes da aceitao s tem

    como finalidade chegar propriamente a essa aceitao, a partir de qual

    emanam obrigaes a ambas as partes. Antes disso, porm, no se pode exigir

    deveres do outro porque no h criao de deveres durante esse perodo.

    Mas afinal, que momento contratual esse das negociaes?

    As tratativas (negociaes) podem ser definidas como o perodo em

    que o contrato toma corpo. Durante essa fase, os principais pontos de uma

    relao contratual so definidos, estipulando qual a natureza das obrigaes

    que deste instrumento adviro e que tipo de contraprestao lhes devida.

    No apenas os elementos centrais de um contrato objeto, preo e

    contratantes , mas todos os deveres acessrios tambm sero objeto de

    discusso, bem como questes operacionais como datas, prazos, foros de

    resoluo de conflitos, especificidades que caracterizam aquela relao como

    singular.Caio Mrio da Silva Pereira define as negociaes da seguinte

    forma:

    O contrato, que historicamente tem sido estudado como o acordo

    criador de nova relao jurdica, passou a ser entendido como o acordo de

    5A exemplo da nota anterior, os ganhos individuais tambm so objetos de inmeros estudospela doutrina americana de Direito e Economia. POSNER, Richard. The Present Situation inLegal Scholarship.Yale Law Journal, vol 90, n. 28. 1981.6

    Como j mencionado, a exceo fica por conta da legtima expectativa de direito criada emum dos contraentes pelo outro, ou do teste de reliance no Common Law.

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    vontades cujo objetivo criar, modificar, ou extinguir relao jurdica de contedo

    patrimonial disponvel. A relao contratual pressupe criao de vnculos e o

    momento que antecede a formao desses vnculos o instante em que

    diversas condutas, propostas e reviso de condies so feitas. Obviamente, o

    perodo negocial est inserido em uma srie de etapas que compem um

    contrato, o qual visto como um processo7que tem como fim o adimplemento

    das principais obrigaes que nele esto contidas.

    As negociaes preliminares (tractatus, trattative, pouparles)so conversas prvias, sondagens, debates em quedespontam os interesses de cada um, tendo em vista ocontrato futuro. Mesmo quando surge um projeto ou minuta,

    ainda assim no h vinculao das pessoas. No raro, nosnegcios que envolvem interesses complexos, entabula umapessoa conversaes com diversas outras, e somenteencaminha a contratao com aquela que melhores condiesoferece. Enquanto se mantiverem tais, as conversaespreliminares no obrigam. H uma distino bastante precisaentre esta fase, que ainda no contratual, e a seguinte, emque j existe algo preciso e obrigatrio. No obstante faltar-lheobrigatoriedade, pode surgir responsabilidade civil para os queparticipam das negociaes preliminares, no no campo daculpa contratual, porm da aquiliana8.

    H aqui que se salientar a questo do contexto em que as

    negociaes se desenvolvem. Presume-se que negociantes adotem

    determinadas condutas e ajam com certos comportamentos em uma situao

    em abstrato, terica. No se pode, no entanto, olvidar que qualquer tentativa de

    estabelecer um vnculo contratual est imersa em um contexto que influencia

    diretamente a racionalidade dos agentes.

    Uma vez que as relaes se do dentro de uma dada realidade e

    no em modelos abstratos, a multiplicidade de elementos que devem serabarcados para se auferir as recompensas e os riscos daquelas condies

    contratuais torna a tarefa do negociador muito maior do que o simples

    conhecimento da tcnica contratual. O contexto onde se desenvolve a

    negociao pode determinar o nvel de informao de que as partes dispem,

    7FERNANDES, Wanderley (Org.) Fundamentos e Princpios dos Contratos Empresariais.Srie GVlaw. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 206.8

    SILVA PEREIRA, Caio Mrio da. Instituies de Direito Civil. VIII. Rio de Janeiro: Forense,1990.

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    por exemplo, e assim, influenciar diretamente no preo ou nas condies

    estipuladas no acordo, bem como os direitos e obrigaes atribudos a cada

    um dos contratantes.

    O perodo pr-contratual extinto a partir do momento em que a

    oferta final (a ltima das propostas) aceita, ou seja, no momento em que as

    vontades se encontram. A partir da, passa-se fase contratual propriamente

    dita.

    A dificuldade que se apresenta, como veremos adiante, bastante

    especfica: em que momento se d a aceitao da oferta? Quando se pode

    afirmar que o contrato foi efetivamente formado? O modelo abstrato aqui

    criticado no oferece dvida quanto clareza da aceitao da proposta, mas a

    realidade revela esse instante de maneira bastante nublado, sequer havendo

    muitas vezes uma conduta ou manifestao que possa ser chamada

    claramente de aceitao.

    Este trabalho enfocar os contratos de compra e venda de bens

    disponveis matria incontroversa a respeito da insero da clusula

    compromissria, que ser estudada futuramente. No se est aqui a buscar um

    entendimento completo de todo e qualquer contrato, mormente dos seus

    perodos de negociao, que dependendo da sua natureza apresenta

    costumes e prticas prprias que influenciaro decisivamente o perodo das

    negociaes. Pretende-se jogar luz a um momento da relao entre

    contratantes que pode desempenhar papel chave nas obrigaes vindouras,

    determinando o tipo de prestao a ser exigido futuramente, bem como auxiliar

    na interpretao de clusulas obscuras ou obrigaes sobre as quais o

    contrato quedou-se silente.

    2.2 A abordagem atual feita pela doutrina

    A abordagem tradicional dada pela doutrina trata as negociaes

    preliminares como um perodo que antecede o encontro de vontades, isto , o

    ajustamento das intenes entre os dois contratantes para que se possa formar

    uma ligao obrigacional que feita por meio do instrumento particular. De

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    modo geral, pode-se afirmar que as negociaes contratuais antecedem a

    concluso dos contratos, perodo em que ocorre de duas declaraes

    unilaterais serem realizadas distintamente, se cruzarem, e chegarem a seus

    destinatrios, fazendo contrair fora reciprocamente obrigatria aos seus

    emissores9. Assim, o momento final dessa fase do contrato, como j foi

    mencionado, ocorre no instante em que o contrato se forma. A partir da, j

    emanam direitos e obrigaes para os dois plos da relao.

    O momento em que se encerram as negociaes verificado

    quando uma das partes (oblato) declara aceitar a proposta oferecida pelo

    proponente. O binmio oferta-aceitao, portanto, representa o encontro de

    vontades entre as partes. A inteno de ambos os contratantes est, a partir

    da, amalgamada em um acordo que estabelece a extenso dos deveres que

    ambos esto dispostos a cumprir a fim de obter o desejado sob o contrato.

    Com a aceitao por parte do oblato, d-se incio primeira das fases

    contratuais, em que as partes buscam adimplir suas obrigaes. H que haver,

    portanto, uma identificao do exato momento que houve a aceitao, pois

    este momento crucial para posterior interpretao da relao obrigacional, a

    fim de inferir quando as partes cessaram as negociaes e deram incio fase

    em que suas aes passaram a emanar efeitos para ambos.

    Um dos problemas, entretanto, reside justamente em apontar o

    momento especfico em que o contrato formado, pois uma declarao ntida

    de aceitao no sempre verificvel, especialmente quando as partes j vm

    de rodadas em que se mostram engajadas em negociar e formar vnculos,

    pressupondo que a aceitao, muitas vezes, ocorre de maneira tcita eis que

    naturalmente trabalhada pelas partes , j que, em um caso hipotticoqualquer, o contrato est em vias de ser formado e a inteno das partes vem

    sendo atendida at aquele dado momento10.

    No se espera haver qualquer tipo de solenidade entre contratantes

    para determinar a partir de que instante as obrigaes passam a viger e as

    9MARTINS, Fran. Contratos e obrigaes comerciais. 14 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:Forense, 1997, p. 135.10

    FIUZA, Csar. Direito civil: curso completo. 11 ed. revista, atualizada e ampliada. BeloHorizonte: Del Rey, 2008, p. 437.

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    partes se consideram contratualmente vinculadas. Entre agentes que vem de

    um histrico de negociaes, barganha, tratativas e reunies, a confiana e a

    boa-f o autorizam a pensar que a vinculao recproca um passo natural.

    Exceto por alguma questo extraordinria, o andamento conseqente de

    pessoas que passaram um dado perodo negociando , obviamente, concluir o

    contrato. Da que nem sempre se pode apontar algo que pudesse ser

    considerado o solene momento da aceitao 11. O dia a dia de negociantes

    apresenta um painel de detalhes abundante em comportamentos variados e

    sujeitos a interpretaes diversas, repousando na subjetividade dos agentes,

    que adotam condutas orientadas por inmeros fatores circunstanciais e

    pessoais, que acabam por diluir o pontual momento que a dogmtica entende

    por aceitao12.

    Ainda assim, o tratamento doutrinrio do tema, pelo menos in

    abstrato, considera majoritariamente s existir um modelo unitrio binominal13

    de oferta e aceitao. O valioso, portanto, ao estudo da relao contratual

    teria como ponto de incio a aceitao do combinado14. Dali em diante,

    manifestar-se-iam os aspectos mais relevantes da relao obrigacional.

    Anterior a isso, porm, no haveria objeto merecedor de maior estudo seno o

    comoe o quandose deu a proposta e a sua aceitao.

    Poder-se-ia afirmar que a doutrina identifica15mormente o fenmeno

    da proposta e da contraproposta como antecedente do momento anterior ao da

    concluso do pacto. Alguns autores despendem maior preocupao com esse

    11VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigaes e teoria geral doscontratos. 7 ed. So Paulo: Atlas, 2007, p. 476.12 Freqentemente, os contratantes sequer esto presentes no momento da aceitao. A

    prtica contratual faz uso de e-mails, correspondncia e outros meios de comunicao parafazer com que o contrato seja concludo. O direito lana mo de diversas teorias paradeterminar qual o momento de celebrao do contrato. As teorias da expedio, da informaoe da recepo auxiliam na indicao do exato instante em que o contrato passa a emanarefeitos. Mais sobre o assunto, GOMES, Orlando. Contratos. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense,2001, 582p.13 CARRARA, Giovani. La Formazione dei contratto. Milo: Francesco Vallardi, 1915;ROPPO, Enzo. O Contrato. Traduo de Ana Coimbra e M. Janurio C. Gomes. Coimbra:Almedina, 1988; GOMES, Orlando. Contratos. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001;GONALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigaes: parte especial. 5 ed. So Paulo:Saraiva, 2001.14ROPPO, Enzo. O Contrato. Traduo de Ana Coimbra e M. Janurio C. Gomes. Coimbra:Almedina, 1988, p. 87.15

    GOMES, Orlando. Contratos. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 604; FRITZ, KarinaN. Boa-f objetiva na fase pr-contratual. Curitiba: Juru, 2008, p. 29.

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    16

    assunto, como o caso do professor italiano Franco Ferrari, que restringe o

    tema da oferta e da aceitao aos contratos internacionais sob regncia da

    Conveno de Viena sobre a Compra e Venda Internacional de Mercadorias de

    1980. Em seu artigo16A Comparative Overview on Offer and Acceptance Inter

    Absentes, discorre o autor, entre outros aspectos da oferta e da aceitao,

    acerca do que se constitui a proposta e a contraproposta.

    Segundo ele, o ordenamento de alguns pases entende haver uma

    nova proposta (ou contraproposta) se a proposta original sofrer qualquer

    modificao e deixar de ser a imagem espelhada da segunda. Seria o caso,

    por exemplo, da Itlia, Alemanha, do Japo e da Arglia. Noutros,

    diferentemente, a proposta original tem de ter sido alterada apenas nos seus

    aspectos mais fundamentais tais com preo, objeto etc. para que passe a

    ser considerada uma contraproposta. Caso contrrio, seria meramente uma

    modificao da proposta original, o que no alteraria, entre outras coisas, quem

    foi o emissor original dela e sua inteno com tal emisso. A ttulo de exemplo,

    podemos citar o caso do ordenamento jurdico da Rssia.

    Ainda assim, pode-se encontrar parte da doutrina que aborda o

    tema a partir do paradigma oferta-aceitao, mas fazendo algumas ressalvas:

    alguns autores alertam para o fato de que as negociaes contratuais abarcam

    uma riqueza de detalhes que merece maior estudo. O professor italiano

    Giovani Carrara, expoente da doutrina civilista clssica, afirma:

    Para a formao do contrato seriam, portanto, sempreexigveis, no mnimo, duas declaraes cronologicamenteseqencias: uma proposta contratual seguida da sua aceitao.Neste dilogo com turnos bem definidos, a nica variantepossvel consistiria na pluralidade de propostas sucessivas, na

    medida em que, podendo uma alterao pelo receptor de umaproposta valer como uma nova proposta (contraproposta), ocontrato se forma pela aceitao da mais recentecontraproposta. Nesta frmula estereotipada de formaosucessiva do acordo contratual, a proposta e a aceitaopodem no ser a primeira e a segunda, mas so certamente apenltima e a ltima das declaraes contratuais eficazes.Adiante se ver que este modelo unitrio, com o qual tambma jurisprudncia e a doutrina se tm conformado, est longe derepresentar a variedade que facilmente se descortina na vida

    16

    FERRARI, Franco. A comparative overview on offer and acceptance inter absentes. BostonUniversity International Law Journal, Boston, vol. 10, n 2, p. 171 201, outono, 1992.

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    jurdica e que a prpria lei afinal tambm reconhece. Talpanorama pouco menos que acrtico prolonga-se naenunciao das caractersticas exigveis para que umadeclarao se possa qualificar como proposta contratual: queseja completa e precisa, firme e formalmente adequada.17

    Enzo Roppo, doutrinador igualmente clssico, tece crticas a

    mstica do momento de formao do contrato. Afirma ele:

    [O] problema da formao do contrato freqentementeencarado com se se tratasse de verificar a existncia fsica deuma coisa: a questo de saber se um contrato se formou ouno, fica reduzida questo de verificar se determinadosfactos da esfera psicofsica do homem (as vontades doscontraentes, devidamente manifestadas e fundidas numa

    unidade) geraram causalmente um certo fenmeno (oconsenso contratual), do qual o contrato constituiriajustamente o produto mecnico. Esta uma concepo queradica na concepo jusnaturalista e novecentista da vontadecomo fonte exclusiva dos efeitos jurdicos (mstica davontade), e ao mesmo tempo numa certa tendncia de feiopositivista mais ingnua do que errnea para interpretar ereconstituir os fenmenos jurdicos com as mesmas categoriasconceituais com que se interpretam e reconstroem osfenmenos da realidade natural. Mas trata-se de umaconcepo deturpada, que impede uma abordagem correcta dofenmeno jurdico da formao do contrato, e dos problemasreais que ao se colocam18

    De fato, as tratativas preliminares, como reconhece o professor

    Carrara, mostra-se como um instante mais rico e diversificado do que a

    dogmtica e a jurisprudncia o vem abordando. Jogar luz a este instante,

    portanto, torna-se imprescindvel, j que h diversas questes cujos subsdios

    para suas respostas so oportunizadas a partir da interpretao deste

    momento contratual. Aspectos controversos quanto interpretao declusulas podem achar soluo na averiguao do nimo dos contraentes

    quando da insero de determinado dispositivo, por exemplo. Ainda,

    ilustrativamente, julgadores podem se deparar com questes acerca de quais

    17CARRARA, Giovani. La formazione dei contratto. Milo: Francesco Vallardi, 1915, p. 48.18

    ROPPO, Enzo. O Contrato. Traduo de Ana Coimbra e M. Janurio C. Gomes. Coimbra:Almedina, 1988, p. 93.

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    aes e intenes afetam o contedo substantivo do acordo formado.19Quais

    aes objetivamente verificveis bastam para concluir o perodo de barganha e

    formar obrigaes recprocas?20Suscitaes como estas so endereadas ao

    intrprete, que encontra no perodo pr-contratual uma possvel fonte para tais

    inquietaes.

    Talvez se possa arriscar a contundente assertiva21 de que a

    Common Lawmelhor compreendeu essa necessidade ao internalizar a teoria

    da barganha ao direito.

    De acordo com a bargain theory, a obrigatoriedade de cumprir ou

    no uma determinada prestao est fundamentada na comutatividade da

    relao, na existncia de um quid pro quod22. Simplificadamente, seria o

    processo pelo qual passa a maioria dos acertos pactuais negociados pelas

    partes, que entabularam o preo dos bens ou servios a serem prestados.

    Qualquer que seja a obrigao a ser prestada, ela teria como base a sua

    obrigao contrria, i. e., a prestao devida pela parte contrria e endereada

    ao contraente da primeira.23

    A partir da teoria da barganha, d-se incio teoria da

    consideration24, que autoriza a parte a ensejar prestao da parte contrria

    ainda que de valor simblico, uma vez que houve consenso e confiana na

    19KATZ, Avery. The Strategic Structure of Offer and Acceptance: Game Theory and the Law ofContract Formation. Michigan Law Review, Ann Arbor, vol. 89, n. 2, p. 215 295, novembro,1990.20KATZ, Avery. The Strategic Structure of Offer and Acceptance: Game Theory and the Law ofContract Formation. Michigan Law Review, Ann Arbor, vol. 89, n. 2, p. 215 295, novembro,

    1990.21DAVID, Ren. Les contrats em droit anglais. Paris: LGDJ, 1973; VON WAHLENDORF, H.A. Scharwz-Libermann. Introduction lEsprit et lHistoire du Droit Anglais. Paris: LGDJ,1977; HOLMES JR., Oliver W. The Common Law. Buenos Aires: Tipografica Editora ArgentinaS.A., 1964; TALLON, DENIS, HARRIS, DONALD e outros. Le contrat aujourdhui:comparaisons franco-anglaises. Paris: LGDJ, 1987; ANSON, William. Law of Contract. 23ed. Oxford: Oxford University Press, 1969. Citados em LYRA TAVARES, Ana Lucia. O espritoda Common Lawe os contratos. Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro, n18, p. 23-57, 2000.22FERNANDES, Wanderley (Org.) Fundamentos e Princpios dos Contratos Empresariais.Srie GVlaw. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 208.23 FARNSWORTH, E. Allan; YOUNG, William F. Contracts. Cases and Materials. 5 ed.Westbury, NY: The Foundation Press, Inc., 1995, p. 48.24

    HELEWITZ, Jeffrey. Basic contract law for paralegals. 5 ed. Aspen: Aspen PublishersOnline, 2007, p. 84.

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    promessa ou conduta do outro contraente, muito embora no se verifique

    necessariamente haver barganha.

    A famosa estria de Uncle Story25, utilizada nas faculdades de direito

    norte-americanas, ilustra bem a ideia da consideration:

    Conta-se que um homem, William Story, promete ao seu sobrinho,

    ento com 15 anos, por ocasio de uma festa de sua famlia, que se este se

    abstivesse de jogar, beber, e fumar at os 21 anos de idade atividades,

    poca (1869), permitidas a um jovem moo , receberia em doao a quantia

    de US$ 5.000,00. Diante de tal promessa, o sobrinho, obedientemente, se ateu

    a cumprir com o recomendado pelo tio e deixou, durante anos, de fumar, beber

    ou jogar.

    Recm celebrados seus 21 anos, o rapaz chegou ao tio,

    entusiasmadamente, com o fito de receber sua recompensa por conta da

    promessa feita anos antes. William Story, no entanto, pediu mais alguns anos

    ao sobrinho. Com esse segundo perodo de espera, o sobrinho ganharia

    maturidade para lidar com tamanha soma de dinheiro.

    Ocorre que Uncle Story faleceu em 1887 sem pagar ao sobrinho o

    que lhe era devido. O sobrinho, durante essa espera, transferira os direitos

    patrimoniais que tinha sobre esse patrimnio para uma senhora chamada

    Louisa Hamer. Este, por sua vez, ajuizou ao contra a recm aberta sucesso

    de William Story, a fim de reaver a quantia. Na qualidade de testador, William

    Sidway, alegara que a promessa havia servido de incentivo ao sobrinho para

    que vivesse uma vida saudvel, sem vcios. Mais do que isso, alegara que no

    devia a quantia prometida por Story porque este no recebera nada em troca

    por t-lo feita e tal relao no conteria espao para barganha, pois no se

    beneficiara do comportamento do sobrinho.A Corte de Apelaes americana, entretanto, julgou em favor da Sra.

    Hamer, entendendo que o detrimento que o sobrinho sofreu era consideration

    suficiente para fazer com que a promessa fosse cumprida26. Com isso, a

    25Hamer v. Sidway, 124 N. Y. 538, 27 N. E. 256 (N.Y. 1891).26It is no moment wether such performance actually proved a benefit to the promisor, and thecourt will not inquire into it (...) the abandonment of the use was sufficient consideration to

    uphold the promise (FARNSWORTH, E. Allan; YOUNG, William F. Contracts. Cases andMaterials. 5 ed. Westbury, NY: The Foundation Press, Inc., 1995, p. 50.)

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    confiana no cumprimento da promessa feita (reliance27) passou a ser tutelada.

    As circunstncias em que as promessas so feitas durante a fase negocial

    podem, portanto, receber ateno do direito em razo deste precedente.

    Com isso, busca-se chamar a ateno para o cuidado especial com

    que a doutrina contratual do Common Law trata do tema das negociaes e,

    principalmente, das promessas feitas. Isso decorre da noo de contrato que

    cuida da realidade a que est submetido, imerso em situaes de informao

    assimtrica ou em relaes imperfeitas de mercado; sem esquecer por bvio

    da conceituao clssica do acordo de vontades, que modifica relaes

    jurdicas obrigacionais.

    Observa-se, portanto, cada vez mais, a necessidade de junto da

    dogmtica levar em considerao o que efetivamente ocorre entre as partes.

    Elementos como risco, contexto econmico28 e custos de transao podem

    alterar decisivamente o agir e a conduta dos futuros contratantes. Proponente e

    oblato esto atentos s circunstncias e externalidades que afetam o objeto de

    negociao. Paralelamente ao que deve ser o fenmeno contratual, a

    observao de como ele ocorre fornece-nos elucidao do comportamento dos

    agentes indispensvel boa aplicao do direito.

    2.3 A oportunidade de uma abordagem diferente

    J discorremos a respeito da viso que a doutrina tradicional possui

    em relao ao perodo de negociao de contratos. O papel protagonista de tal

    instante confiado ao binmio oferta e aceitao. A partir deste momento,

    as obrigaes mtuas tomam assento e passa-se a transitar pelo momentocontratual seguinte a fase de execuo do contrato.

    27 If the promise changed its position to its detriment in reliance on the promise as byincurring expenses in performing or preparing to perform the Court might award a sum ofmoney intended to compensate for this loss. Recovery would them be measured by thepromisees reliance interest, in an attempt to put the promise back in the position in which thepromise would have been had the promise not been made. (FARNSWORTH, E. Allan.Contracts. Boston: Little, Brown and Co., 1990, p. 42). In: FERNANDES, Wanderley (Org.)Fundamentos e Princpios dos Contratos Empresariais.Srie GVlaw. So Paulo: Saraiva,2007, p. 208.28

    FERNANDES, Wanderley (Org.) Fundamentos e Princpios dos Contratos Empresariais.Srie GVlaw. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 207.

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    Dentro dessa viso doutrinria, as negociaes so resumidas a

    dois tipos diferentes de ofertas a proposta e a contraproposta. Em linhas

    gerais, a proposta elaborada como uma minuta deve trazer os elementos

    essenciais do contrato, tais como o bem negociado, preo e partes

    contratantes. A contraproposta, por sua vez, nada mais que uma proposta

    alterada ou seja o bem, o preo ou os contratantes diferem da oferta inicial

    em algum aspecto decisivo do combinado originalmente29. Em um plano terico

    simplificado, a negociao ocorreria em sucessivas rodadas, mediante a

    apresentao de ambas (proposta e contraproposta) at o momento em que

    uma delas a proposta final ser seguida da aceitao.

    Percebe-se a necessidade, no entanto, de fazer relao com alguns

    temas que so recorrentes aos operadores de tais transaes. A pragmtica

    nos fora a voltar os olhos a questes inquietantes do fenmeno contratual que

    no podem escapar ao contratualista. O comportamento dos agentes, por

    exemplo, durante o perodo negocial ser decisivamente alterado conforme a

    gradao obrigacional em jogo ou os custos que operam naquela relao.

    Diante de um panorama que pede ateno aos detalhes prticos da

    realidade dos contratos, a anlise econmica do direito foi uma das escolas

    que mais atentou a essas particularidades prprias da vivncia contratual. Sua

    prpria ideia de contrato enquanto maximizador de bem-estar30 j denota a

    flagrante diferena de abordagens que apresenta frente escola francesa

    clssica31, por exemplo. Por razes como esta, faz-se necessrio atentar s

    lies que a anlise econmica do direito pode nos fornecer.

    A anlise econmica do direito ou Law & Economics32 no

    pretende rechaar qualquer outra interpretao jurdica que se d aos

    29H controvrsias a respeito da configurao da contraproposta: discute-se se a aceitao deuma proposta alterada configuraria efetivamente uma aceitao ou se tornaria umacontraproposta. Via de regra, o segundo entendimento mais difundido e espelhado na maioriados ordenamentos jurdicos.30 COASE, Ronald H. The problem of the social cost. Journal of Law and Economics,Chicago, vol. 3, p. 1-44, outubro, 1960; KAPLOW, Louis e SHAVELL, Steven. Principles offairness versus human welfare: on the evaluation of legal policy. Harvard Law School, Law-Econ Discussion Paper n 277, 2000.31 O contrato, no sistema francs, expressa-se pelo individualismo, fruto da autonomia davontade. O art. 1.134 do Cdigo francs dispe que as convenes feitas nos contratosformam para as partes uma regra qual devem se submeter como prpria lei.32

    H uma diferena entre o correto uso do termo Law & Economics e sua correspondnciadoutrinria Anlise Econmica do Direito. Alguns autores argumentam que o correto emprego

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    contratos. Pelo contrrio, a viso econmica pretende ser complementar,

    objetivando descrever a realidade e os fenmenos observveis dos agentes

    que coordenam suas condutas a fim de alocar eficientemente seus recursos. A

    Law & Economics no tem qualquer pretenso normativa maior do que a

    dogmtica jurdica j carrega consigo.

    Mas qual seria a vantagem de se olhar para a mecnica contratual

    sob uma perspectiva econmica? Que tipo de benefcio possvel de se obter

    ao entender a coordenao de vontades sob a tica da Law & Economics?

    Em verdade, no h razes que possam dar preferncia anlise

    econmica em detrimento da contratualstica tradicional. Pelo menos, no em

    um primeiro momento. Afinal, durante sculos, a sociedade ocidental, por meio

    de seus indivduos, vem ajustando suas condutas coordenadamente a fim de

    celebrar pactos cujo fim seria obter alguma vantagem patrimonial ou

    pecuniria, e a abordagem que a doutrina mais tradicional dos contratos vem

    realizando tem dado perfeita conta dos problemas e dvidas que surgem com o

    passar dos anos de atividade comercial. As solues encontradas para os

    problemas que surgem com as trocas e a elaborao de conceitos jurdicos

    que identificam elementos para uma melhor tcnica fazem com que a atividade

    comercial encontre terreno jurdico seguro para prosperar33.

    Ainda assim, no podemos prescindir de uma nova compreenso. A

    viso interdisciplinar que a Law & Economics pode-nos fornecer mostra-se

    bastante elucidativa. A identificao de agentes e, principalmente, de seus

    comportamentos auxilia o jurista na determinao de pretenses e interesses

    demonstrados na mecnica contratual. Ainda que no se possa escapar ao

    olhar dogmtico, a anlise econmica observa aes dos contratantes que

    podem influenciar o seu desempenho negocial e, ainda, as condutas que osexpem a situaes em que a verificao jurdica nem sempre possvel34.

    do termo em portugus deveria ser Anlise Jurdica da Economia e outros contestam talassertiva. Contudo, no entraremos neste estudo e, por ora, adotaremos a exatacorrespondncia dos termos Law & Economics e Anlise Econmica do Direito comosinnimos.33COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol. 3: direito de empresa. 10 ed.So Paulo: Saraiva, 2009.34 Seria o caso de uma renegociao motivada por interesses ou eventos que s as partes

    envolvidas teriam capacidade de observar, mas que no teriam como provar em juzo ou,ainda, no tivessem interesse em demonstrar em juzo por razes de confidencialidade.

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    Alm disso, a anlise econmica, geralmente, auxilia a

    normatividade com um instrumental baseado no custo-benefcio das relaes.

    O estudo da alocao de recursos durante a fase negocial, para citar um

    exemplo, ilustrao da complementaridade que a viso econmica pode

    fornecer ao direito. Ademais, pode-se afirmar que a Law & Economics tem

    como objetivo o respeito e apoio s regras negociais dominantes, j

    consagradas pelos usos e costumes comerciais e ratificadas pelo direito

    contratual.

    Embora se possa sugerir uma aparente convivncia harmnica entre

    a doutrina tradicional e a aproximao econmica, o confronto de ideias

    inolvidvel. H, invariavelmente, uma tenso entre o carter deontolgico e o

    carter consequencialista do estudo dos contratos. Tenso essa que propicia

    derivaes de ordem terica e prtica para tentar sanar a contraposio que,

    muitas vezes se afigura, entre as manifestaes da autonomia privada e a

    eficincia das trocas. A Law & Economics apresenta proposies menos

    dogmticas ao apresentar uma roupagem de cincia social descritiva,

    fornecendo uma viso realista e pragmtica de algumas de alguns institutos

    jurdicos.

    O campo contratual tornou-se um dos objetos de maior dissecao e

    estudo por parte da Law & Economics. Para a maioria das escolas, o contrato

    entendido com um instrumento de maximizao uma troca que deve levar

    em conta aspectos objetivos em sua avaliao. Geralmente, o critrio paretiano

    de anlise o mais utilizado para concluses das situaes das partes antes e

    depois das transaes35. Deve haver, portanto, uma aceitao de um critrio

    certeiro e imune a subjetivaes para verificar a consequncia de escolhascontratuais que so superiores ou inferiores.

    Dentro desta viso, pode-se apontar trs teorias predominantes que

    tentam explicar o contrato. H, no entanto, uma discusso anterior a essa

    Conforme ARAJO, Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p.15.35H outros critrios empregados para verificao da situao de bem-estar dos contratantes,

    tais como o mtodo de Hicks-Kaldor, o mtodo de eliminao iterativa, equilbrios como o deNash etc.

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    delimitao, que a correta nomenclatura da expresso Law & Economics

    para designar a gide sob a qual se d o estudo dos contratos.

    De um lado, observa-se a preferncia pela expresso Economics of

    Contracts36para dar nfase abordagem feita por economistas. Essa doutrina

    tem uma aproximao maior com a privatstica37 para analisar o contrato

    dentro de um quadro normativo qualquer (pressupe-se manuteno das

    regras), estuda-se a melhor configurao contratual e como as partes melhor

    estariam arranjadas. No outro plo, existe o que se pode denominar de Law &

    Economics stricto sensu, que seria a viso do jurista publicista38. De acordo

    com essa doutrina, o tema central dos contratos gira em torno da viso crtica

    da produo legislativa acerca do assunto, mais do que a alocao de recursos

    de uma relao contratual.

    Feita essa distino, observa-se um desdobramento do tema em

    teorias que vem o fenmeno de maneira distinta. H tantas teorias quantas

    escolas econmicas existem. Cumpre-nos destacar as abordagens de maior

    expresso dentro da doutrina econmica dos contratos.

    A Incentive Theory39 foca as recompensas trazidas aos contratos e

    os benefcios em celebr-lo. O tema central o equilbrio contratual dos

    agentes, que decisivamente determinado pela elasticidade-preo dos

    contratantes. Para isso, parte-se de premissas que levam em conta um cenrio

    de pouca perturbao na disposio de pagar e comprar. Essa teoria, mais

    alinhada ao cnone neoclssico econmico do que ao cnone

    neoinstitucionalista40, assenta-se no pressuposto da perfeita racionalidade dos

    agentes, de informaes completas (porm nem sempre simtricas), com

    preferncias estveis.

    36ARAJO, Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 204.37Alguns autores chamam essa abordagem de bottom-up approach. A ideia dar prioridade anlise da relao privada e tomar isso como ponto de partida para a observao de umarealidade maior, no plano da produo legislativa.38 Tambm referida como top-down approach, pelo fato de visualizar a questo a partir dodireito pblico para descer relao entre particulares.39ALLEN, Douglas W. & LUECK, Dean. Contract choice in modern agriculture: cash rent versuscropshare.Rand Journal of Economics,n 2, vol. 35, 1992; LEVMORE, Saul. Commissionsand conflicts in agency arrangements: lawyers, real estate brokers, underwriters and other

    agents rewards. Journal of Law and Economics, vol. 36, 1993.40ARAJO, Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 206.

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    A Incomplete-Contract Theoryenfatiza a questo da impossibilidade

    de verificao das obrigaes contratuais. Para dar resposta a essa

    problemtica, lana mo de normas supletivas e de solues renegociadas ou

    relacionais 41. Diferentemente da teoria dos incentivos, a informao ser

    simtrica neste caso. essa varivel que garante a verificao das obrigaes

    entabuladas e do seu cumprimento.

    A Transaction-Costs Theory, largamente utilizada, detm-se nos

    custos de transao e nos benefcios de governana contidos (governance

    benefits) em contratos erigidos para aumentar (maximizar) o bem-estar das

    partes. A questo da governana toma ateno especial para entender como

    os contratantes agem de maneira eficiente criando seu prprio conjunto de

    direitos e obrigaes.

    Dentre as maiores linhas tericas, esta que apresenta um carter

    mais indutivo, estatstico e experimental, fazendo maior uso da matemtica

    para descrever o fenmeno contratual e expressar as suas concluses. A teoria

    dos custos de transao abarca o conceito de racionalidade limitada, de

    agentes munidos de informaes incompletas e assimtricas, e

    diferenciando-se radicalmente das demais de apoio institucional externo frgil

    ou imperfeito42.

    Simplificadamente, em um quadro43, pode-se traar as principais

    diferenas entre as trs teorias do contrato:

    Teoria Racionalidade Informaodas partesInstituies

    externas Tema central

    Incentive

    TheoryIlimitada

    Completa e

    assimtricaPerfeitas44 Recompensas45

    41ARAJO, Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 206.42 BROSSEAU, ric. & FARES, Mhand. The Incomplete Contract and the New InstitutionalEconomics Approaches to Contracts: Substitutes or Complements? In: ARAJO, Fernando.Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 207.43ARAJO, Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p.206.44 Funcionamento das instituies externas perfeito, para garantir o cumprimento das

    obrigaes.45Remunerao dadas por incentivos quando da celebrao e realizao do contrato.

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    Incomplete-

    Contract

    Theory

    IlimitadaCompleta e

    simtricaImperfeitas46 Deciso47

    Transaction-

    Cost TheoryLimitada

    Incompleta e

    assimtrica

    Muito

    imperfeitas48Confiana49

    Quadro 1 Resumo das principais teorias econmicas do contrato.

    A percepo do momento das negociaes pela anlise econmicado direito difere radicalmente da doutrina civilista que geralmente apresenta um

    forte pendor dogmtico na sua abordagem. A Law & Economicsse centra na

    explorao do intervalo de disposio negocial dos agentes (zonas de

    transao), como observado na Figura 1.e.1, que alterar o bem-estar total da

    relao50 e de cada um dos contratantes em particular51, pois joga com a

    disposio mxima de pagar do comprador e com a disposio mnima de

    vender da parte alienante. So essas as duas fronteiras que delimitaro oespao negocial52.

    Figura 1 Zona de negociao.

    46 Instituies externas com funcionamento imperfeito, impossibilitando a completa verificaodas condutas.47Atribuio de direitos residuais, tais como a defesa contra o hold up.48 As instituies externas apresentam-se muito imperfeitas (inverificveis), somando-se racionalidade limitada.49Alm do reforo da tutela da confiana, h a criao de procedimentos de deciso ex post.50H uma diferena acerca do total surplus e do net gain. O primeiro envolve trocas produtivasou solucionadoras; o segundo, trocas redistributivas ou competitivas (jogos de soma zero).51O individual gainobtido em um jogo de trocas produtivas (trocas positivas).52

    Todas as imagens a seguir foram retiradas da obra de Fernando Arajo (ARAJO,Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 53-54.

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    Estrategicamente, esse modelo de negociao simplificado pode

    apresentar alguns incrementos elucidativos do comportamento dos agentes ou,

    principalmente, de alterao da zona de negociao inicial.

    Pensemos, por exemplo, na insero de um segundo vendedor (V2)

    na disputa pelo contrato em jogo (Figura 1.e.2). Persuasivamente, a presena

    de uma nova oferta na negociao pode alterar a disposio mnima de vender

    do vendedor original.

    Figura 2 Insero do novo vendedor.

    Outro exemplo ilustrativo do uso da persuaso a estratgica

    insero de um novo comprador na disputa (Figura 1.e.3), fazendo com que

    haja um aumento na disposio mxima de comprar. Fingindo-se de

    desinteressado, o comprador inicial causa um efeito de encurtamento da zona

    de negociao em favor do segundo comprador o preo negociado ser

    menor.

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    Figura 3 Insero do novo comprador.

    Naturalmente, possvel haver uma combinao de ambos osefeitos. Uma possvel descrio seria o fenmeno de persuaso bilateral: de

    um lado, o vendedor mostra-se desinteressado em negociar a um preo que

    lhe seria desfavorvel (embora dentro da rea de negociao), e o comprador

    igualmente deixa de ver vantagens suficientes em um acordo celebrado com o

    preo em questo. Como observamos na Figura 1.e.4, a insero, de um lado,

    de um novo vendedor e, do outro, de um novo comprador, altera a zona de

    negociao e o possvel bem-estar resultante ao final da operao.

    Figura 4 Insero de um novo comprador e de um novo vendedor.

    necessrio atentar ao fato de qualquer que seja o acordo

    celebrado dentro da faixa de negociao (Figura 1.e.5), este trar bem-estar a

    ambas as partes. No intervalo de transao que se negociam os reservation

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    points53, ou nveis em que a troca ser maximizadora de bem-estar. Fora dessa

    faixa, a troca no ser eficiente e, portanto, no ocorrer.

    Vale lembrar que isso no toca questo da justa troca ou justia

    distributiva do arranjo contratual; o que est em jogo apenas a eficincia do

    contrato livre, como mostra a esquematizao abaixo54.

    Figura 5 Possibilidades de acordo dentro da zona de negociao.

    Todos os preos em negociao cabem na zona de negociao;

    portanto, asseguram a maximizao do bem-estar total. O somatrio doexcedente de bem-estar do vendedor (V) com o excedente de bem-estar do

    comprador (C) 55. Contudo, os preos determinam uma muito diversa repartio

    do bem-estar total56: o preo P1 muito favorvel ao comprador (C1 > V1), o

    preo P3 muito favorvel ao vendedor (V3 > C3), e apenas o preo P2

    representa algum equilbrio (V2= C2).

    H que se mencionar tambm o elemento contextual em que ocorreo fenmeno negocial. A lio do Prof. Fernando Arajo57ensina:

    53Tambm chamados de threat pointsou fall-back positions.54ARAJO, Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 53.55(V1+C1) = (V2+C2) = (V3+C3) = Bem-estar total.56Para o professor Avery Katz, a possibilidade de dividir o bem-estar total ( total surplus) darelao j incentivo suficiente para que as partes invistam grandes esforos para alterar taldiviso, o que faz as partes incorrerem em um tipo especfico de custos de transao oscustos de comportamento estratgico (strategic behavior costs). KATZ, Avery. The StrategicStructure of Offer and Acceptance: Game Theory and the Law of Contract Formation. Michigan

    Law Review, Ann Arbor, vol. 89, n. 2, p. 215 295, novembro, 1990.57ARAJO, Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 30.

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    No pode a Teoria do Contrato furtar-se a ser o espelho dosvalores sociais circundantes, nem se afigura conveniente, nemsalutar, nem sequer realizvel, enfeud-la em radicalismosmaniquestas que s no pareceriam mutiladores dentro de

    torres de marfim. Por outro lado, uma parte da conciliaoest j assegurada pelas necessidades prprias de qualquerteoria que queira libertar-se do casulo da irrelevncia: pense-se, por exemplo, que o consequencialismo se v forado atransitar do plano normativo/valorativo para o planodescritivo/positivo da anlise da conduta contratual, tendo quejogar simultaneamente (e algo ambiguamente) em ambos ostabuleiros e, ao faz-lo, se v forado a apreciar as incidnciasconsequencialistas da nfase na autonomia contratual omesmo podendo dizer-se, simetricamente, da vertentedeontologista58., pois, na aceitao da pluridimensionalidade dos seus nexos

    tericos que a anlise econmica avana para essa peculiarcobertura jurdica das transaes que o contrato, essasoluo estabilizadora e tutelar que pretende constituir uma viaintermediria entre o contato pontual num mercado informal edinmico e a necessria rigidez e minimizao das transaesna integrao vertical. 59

    A disposio de se envolver em relaes contratuais est, portanto,

    sempre associada ao momento poltico e ambiente macroeconmico em que

    tais relaes so travadas. A deciso de se envolver em um contrato

    depender do mercado operante em que se insere a transao, a natureza dos

    agentes, sua averso ou no ao risco e a complexidade do negcio especfico,

    dentre outros fatores60.

    A anlise do bem-estar dos contratantes implica na adoo de um

    mtodo. Este mtodo no pode ter qualquer pretenso de fazer uma avaliao

    valorativa de justia substantiva. No atravs do emprego de um instrumento

    objetivo de anlise que se obtm respostas a perguntas dessa natureza. A

    utilizao desses critrios s poder servir para uma justia procedimental61, ou

    seja, uma ferramenta que apontar injustias apenas no que diz respeito s

    regras que recaram sobre o emprego do mtodo.

    58ARAJO, Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 34.59ARAJO, Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 35.60FERNANDES, Wanderley (Org.) Fundamentos e Princpios dos Contratos Empresariais.

    Srie GVlaw. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 205.61ARAJO, Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 54.

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    Dir-se-, por exemplo, que uma troca que no se deu, por algum

    motivo, dentro da zona de negociao da rea em que operam os reservation

    points uma troca injusta. O que houve para que essa transao ocorresse

    uma anlise posterior a ser feita e, ademais, o opo ou no pelo emprego de

    medidas que alterem essa operao tema extremamente controverso e

    centro de interminveis discusses que adentram no campo da poltica.

    Importa ressaltar apenas que uma injustia como a apontada antes

    fere a prpria concepo de contrato como maximizador de bem-estar, pois,

    flagrantemente, estar-se-ia ferindo o bem-estar de uma das partes. Essa a

    extenso em que se d o debate acerca da justia contratual no campo da

    anlise econmica do direito. So fronteiras delineadas claramente para

    instrumentalizar o jurista na verificao de abusos, quebra de confiana e

    conduta irregular das partes.

    V-se, assim, que temos uma ideia da compreenso diferenciada

    proporcionada pela anlise econmica do direito ao instante negocial. Seu forte

    carter pragmtico impe ao olhar do contratualista a necessidade de observar

    o fenmeno na realidade, esta pressuposta ao contrato, determinando muitas

    vezes a avaliao que dada a certas obrigaes, riscos, responsabilidades,

    garantias e contingncias62. Assim, o contratualista pode encontrar auxlio na

    anlise econmica do contrato para solucionar o problema dirio dos contratos

    incompletos.

    Pela srie de exemplos e motivos descritos, o estudo da negociao

    contratual pode beneficiar-se do instrumental terico da Law & Economics. A

    conduta dos negociantes tema que daremos maior enfoque a seguir passa

    a desempenhar um papel protagonista no instante contratual de coordenaode vontades. Para tanto, acreditamos que a adoo dessa compreenso

    terica poder oportunizar um aprendizado sobre o comportamento de agentes

    que resolvem se envolver em tratativas com fins de entabular um contrato.

    62

    FERNANDES, Wanderley (Org.) Fundamentos e Princpios dos Contratos Empresariais.Srie GVlaw. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 206.

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    3 A CLUSULA COMPROMISSRIA

    3.1 A conveno de arbitragem :

    compromisso arbitral e clusula compromissria

    A Lei 9.307/96 trata, no seu Captulo II, da conveno de arbitragem,

    gnero do qual so espcies a clusula compromissria e o compromisso

    arbitral. Ambos os institutos tem a funo de deslocar a controvrsia do mbito

    pblico, atravs do Judicirio, para o mbito privado, atravs de uma cmara

    arbitral.

    Diferentemente de outros pases, como a Espanha63, por exemplo, o

    legislador ptrio optou por fazer uma distino clara entre as duas formas por

    meio das quais os contratantes submetem a questo conflituosa apreciao

    do rbitro. A diferena entre a clusula compromissria e o compromisso

    arbitral em que momento o conflito passa a ser resolvido no juzo privado

    se antes do conflito nascer ou no momento em que ele surge.

    O compromisso arbitral, regulado expressamente nos artigos 9 ao

    12, trata do conflito presente. A controvrsia remetida ao mbito arbitral

    depois que a controvrsia j existe. No est, portanto, inserido no contrato e

    ser celebrado mediante instrumento particular, com a presena de duas

    testemunhas, ou instrumento pblico, conforme o art. 9, 2 da Lei 9.307/96.

    Ao compromisso so facultados alguns elementos diferentes da

    clusula compromissria. permitido que conste o local (ou locais) onde

    ocorrer a arbitragem64; a autorizao da apreciao da disputa e deciso por

    63A lei espanhola de arbitragem, mais recente do mundo, no faz distino entre a clusulacompromissria e o compromisso arbitral, denominando ambas as formas sob o termoconvenio arbitral. O debate em torno da opo deste nome pelo legislador espanhol sugereque escolha da expresso convenio faz referncia a uma homenagem mais ampla autonomia da vontade por facultar aos entes privados a via privada de composio eminmeras relaes que antes sofriam resistncia aceitao da arbitragem, como o caso darelao de consumo. OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Arbitragem na relao de consumo.Soluo para desafogar o nosso Poder Judicirio. Revista Jus Vigilantibus, So Paulo.Disponvel em: . Acesso em 15 de setembro de 2010.64 Diferentemente do local onde ser prolatado o laudo arbitral, o procedimento no precisaocorrer em um s lugar. Ora provas so produzidas em uma localidade; ora realiza-se

    audincia na sede ou domiclio de uma das partes; ora uma testemunha ouvida no seudomiclio, por exemplo.

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    equidade; o prazo para apresentao da sentena; a fixao dos honorrios; as

    regras aplicveis indicao da lei nacional ou regras corporativas; e a

    declarao de responsabilidade pelo pagamento dos honorrios e das

    despesas com a arbitragem65. J o lugar em que ser proferida a sentena,

    bem como a matria que ser analisada, a qualificao das partes, dos rbitros

    e da instituio arbitral, se houver, so elementos que devem constar

    obrigatoriamente.

    A clusula compromissria tema central do presente trabalho -

    est especificamente regulada entre o artigo 4 e o artigo 8 da referida lei.

    Possui um formato pactual que remete o conflito que porventura surja no meio

    da relao contratual apreciao de um tribunal arbitral, retirando-o da

    apreciao do Poder Judicirio no que concerne o mrito da disputa. No h

    conflito instaurado quando a clusula compromissria celebrada; o que existe

    o endereamento do litgio, quando vier a surgir, ao tribunal privado. Esse

    dispositivo instrumental em particular no tem uma disputa ainda existente a

    alcanar; os contornos de qualquer controvrsia ainda esto por ser

    desenhados quando a clusula compromissria inserida em um contrato.

    At a promulgao da Lei de Arbitragem, a clusula compromissria

    era vista como um pr-contrato66 de compromisso, ou seja, as partes

    signatrias se comprometiam a celebrar o compromisso arbitral quando viesse

    a ocorrer o conflito. No havia, at antes da promulgao da Lei de Arbitragem

    (Lei 3.907/96), qualquer tcnica especfica para a execuo e cumprimento da

    clusula. O tratamento jurdico dado ao instituto em nada se diferenciava do

    tratamento dado ao compromisso arbitral. A legislao no apontava qualquer

    previso de emprego de meios especficos para forar a parte recalcitrante asubmeter o conflito ao juzo arbitral. O artigo 5 da Lei, no entanto, deu

    autonomia clusula, prescindindo da necessidade de firmar qualquer outra

    conveno em um momento futuro da relao.

    65Art. 11, I e II, Lei 3.907/96.66

    PINTO, Jos Emlio Nunes. A clusula compromissria luz do Cdigo Civil. Revista deArbitragem e Mediao, Ano 2 n 4, janeiro maro, 2005, p. 34 47.

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    Poder-se-ia afirmar que a clusula compromissria assumiu certo

    protagonismo67na Lei de Arbitragem com a via executiva prpria, independente

    da necessidade do compromisso, que veio a desempenhar um papel

    secundrio na soluo privada de conflitos. Diante da fora atribuda a ela, de

    ser bastante para a instaurao do procedimento arbitral, viu-se necessidade

    de dar resposta eficaz e rpida resistncia por qualquer das partes de

    instituir o tribunal arbitral. Com a edio da Lei, o art. 7 passou a oferecer um

    remdio prprio questo da recalcitrncia: a clusula compromissria possui

    agora execuo especfica, desde que ela seja segundo terminologia arbitral

    uma clusula cheia, i.e., uma clusula de cuja simples leitura depreende-se

    os efeitos bastantes que dela emanam para a instituio da arbitragem. A

    escolha legislativa em dar tratamento especial e diferenciado clusula fruto

    do contexto em que a norma foi produzida: a opo pelas arbitragens

    institucionais (em detrimento das arbitragens ad hoc) e o cuidado em produzir

    clusulas completas, a fim de possibilitar a consolidao do instituto68.

    A clusula compromissria completa ou cheia tem o condo de ser

    suficiente e bastante para instituir a arbitragem69. Clareza e preciso, portanto,

    fazem-se necessrias ao redigi-la; afinal, no se pretende ver a disputa ser

    resolvida no Poder Judicirio quando se decide inserir o dispositivo no contrato,

    da a imprescindibilidade da redao inequvoca da clusula, a no deixar

    qualquer dvida ou interpretao divergente daquela que as partes

    contratantes lhe querem conferir, sob pena de no atender materializao

    das suas expectativas e sua real vontade ao entabular o contrato.

    Uma clusula cheia deve conter elementos bsicos, como o nmero

    de rbitros70, as regras da arbitragem71, o idioma empregado durante

    procedimento, a sede (local), a natureza dos conflitos a serem resolvidos (oslimites da arbitragem), a autorizao para deciso por equidade72e qualquer

    67CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentrio Lei n 9.307/96 . 3ed. red., atual. e ampl. So Paulo: Atlas, 2009, p. 54.68 PINTO, Jos Emlio Nunes. A clusula compromissria luz do Cdigo Civil. Revista deArbitragem e Mediao, Ano 2 n 4, janeiro maro, 2005, p. 34 47.69 PINTO, Jos Emlio Nunes. A clusula compromissria luz do Cdigo Civil. Revista deArbitragem e Mediao, Ano 2 n 4, janeiro maro, 2005, p. 34 47.70Preferencialmente mpar, em decorrncia da possibilidade de empate no painel arbitral.71

    Ou instituio cujas regras sero utilizadas.72Art. 2, Lei 3.907/96.

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    outro detalhe que as partes julguem previdente deixar consignado no

    instrumento. Uma clusula padro pode apresentar a seguinte redao:

    Toda e qualquer controvrsia que surgir da interpretao ouexecuo do presente contrato ser resolvida atravs dearbitragem, de acordo com as normas do Regulamento dearbitragem da (nome da cmara arbitral), por ____ rbitro(s),nomeado(s) conforme o disposto no referido Regulamento. Aarbitragem ser realizada em ____ (cidade) e ser conduzidano idioma __________.All disputes arising out of the interpretation or execution of thiscontract shall be settled in accordance with the rules of the(nome da cmara arbitral), by ____ (nmero de rbitros),appointed pursuant the above mentioned rules. The arbitration

    will be held in _______ (cidade) and will be conducted in_________ (idioma).73Alm disso, necessrio observar o dever de cooperao e de

    proteo mtua na confeco da clusula. Ainda que, na fase pr-contratual,

    nenhum dos dois deveres precisa necessariamente estar configurado74, ambos

    decorrem do princpio da boa-f objetiva75, elemento que deve nortear as

    negociaes, uma vez que a confiana sempre presente nas relaes

    negociais condio sine qua non para o estabelecimento de qualquercoordenao contratual76.

    A constitucionalidade da Lei de Arbitragem foi analisada pelo

    Supremo Tribunal Federal apenas em 2001, no julgamento da SE 5.20677. Por

    sete votos a quatro, a corrente vencedora entendeu que o inciso XXXV do

    artigo 5 da Constituio Federal representa um direito ao, mas no um

    dever, podendo, portanto, as partes ofertarem a apreciao da controvrsia a

    um ente privado.

    73CAMARB Cmara de Arbitragem Empresarial Brasil. Clusula compromissria padrorecomendada pela Cmara de Arbitragem Empresarial Brasil. Disponvel no site:. Acesso em 15 denovembro de 2010.74Lemes, Selma Maria Ferreira. rbitro: princpios da independncia e da imparcialidade:abordagem no direito internacional, nacional e comparado, jurisprudncia. So Paulo:LTr, 2001, p. 51.75 MARTINS-COSTA, Judith H. A Boa-F no Direito Privado Sistema e Tpica noProcesso Obrigacional. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.76ARAJO, Fernando. Teoria econmica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 23777

    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sentena Estrangeira n 5.206. Relator: Min.Seplveda Pertence, julgado em 12 de dezembro de 2001.

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    Desde ento, muitas das dvidas de natureza processual da

    arbitragem foram esclarecidas pelos tribunais, na sua atividade

    jurisprudencial78. Mesmo o Cdigo de Processo Civil, que sofreu substanciais

    alteraes, suscitaram questes que tiveram de ser elucidadas pelo trabalho

    dos juzes. Os tribunais, assim, cumpriram seu papel educativo79 e

    fortaleceram a cultura da arbitragem no Brasil.

    A arbitragem, celebrada pelas duas formas admitidas no

    ordenamento brasileiro, uma opo sedimentada e vlida na atualidade.

    Algumas caractersticas que a tornam prpria, dentro do espectro de

    possibilidades dos mtodos alternativos de resoluo de conflitos, mostram-se

    como vantagens de que as partes pretendem se beneficiar. Discute-se ainda

    sobre a sua aplicao no campo do direito do trabalho80; nas relaes de

    consumo; nos contratos administrativos e nas controvrsias fiscais. Mas a

    atividade comercial j encontra terreno frtil e seguro na utilizao da via

    privada de soluo de disputas, prpria do dinamismo dos negcios e da atual

    conjuntura econmica brasileira.

    3.2 As vantagens e as desvantagens

    da insero da clusula compromissria

    H que se apontar quais os benefcios de se optar pela arbitragem.

    Afinal de contas, quais as vantagens de querer ver sua controvrsia resolvida

    por um rbitro e no por um juiz? primeira vista, a insero da clusula

    compromissria em um contrato de compra e venda implicaria em um

    dispndio de recursos a mais. Mas contrariando a lgica comercial, gastos

    desnecessrios devem ser evitados e, assim, qualquer contratante que no

    78BRASIL. Tribunal de Justia de So Paulo, Primeira Cmara de Direito Privado. Apelao n994030602870. Relator: Des. Elliot Akel, julgado em 25 de julho de 2010 e BRASIL. Tribunal deJustia do Rio Grande do Sul, Dcima Stima Cmara Cvel. Agravo de Instrumento n70036347342. Relatora: Des. Elaine Harzheim Macedo, julgado em 15 de julho de 2010.79CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentrio Lei n 9.307/96 . 3ed. red., atual. e ampl. So Paulo: Atlas, 2009, p. 23.80LEMES, Selma Maria Ferreira. O Uso da arbitragem nas relaes de consumo. OAB SP,26 de julho de 2006. Disponvel em

    . Acesso em07 de outubro de 2010

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    veja as vantagens de se resolver a disputa por um procedimento privado

    poderia rechaar de plano a ideia da arbitragem.

    A situao de um advogado, em um primeiro momento, impe-se

    contraposta a dos negociantes81. Ele deve permanecer eqidistante da euforia

    dos contratantes com o negcio fechado. tarefa dele se certificar de que o

    contrato ser cumprido. No dever haver recalcitrncia do outro lado da

    relao contratual. Na qualidade de defensor dos interesses de seu cliente,

    deve ento desempenhar o papel de verdadeiro arquiteto da transao: a ele

    compete desenhar a relao obrigacional de maneira que as obrigaes no

    instrumento contidas sero prestadas voluntariamente e, no caso de

    inadimplncia, que o cumprimento dessas obrigaes se faa exigido pela

    autoridade competente.

    A tarefa de trazer as partes a um acordo e, ao mesmo, certificar-se

    de o vnculo obrigacional esteja forte e claro a ambos os plos deve ser

    desempenhada com cuidado e sutileza. No raras so as vezes que as

    exigncias de um ou outro contratante orientados pelos seus advogados

    tornam invivel a aproximao entre os negociantes82. Os termos em que so

    colocadas as exigncias de um e de outro podem ser de tal maneira rigorosas,

    que a parte contrria hesita em vincular-se a um contrato que impe um arranjo

    obrigacional to estrito83.

    Para alm desse desafio, h a necessidade de lembrar consigo,

    durante todo o perodo de negociao do contrato, que o advogado deve

    privilegiar a mxima expresso de vontade de seu(s) representado(s). Tal

    lio84deve dar a escorreita configurao a todas as clusulas do contrato, no

    apenas para a clusula compromissria.

    No raras so as vezes em que o advogado se coloca em posiocontrria a do seu cliente, evitando tomar parte na euforia dos contratantes,

    que celebram o sucesso da negociao. Nessa fase contratual, o advogado

    81 PINTO, Jos Emlio Nunes. A clusula compromissria luz do Cdigo Civil. Revista deArbitragem e Mediao, Ano 2 n 4, janeiro maro, 2005, p. 34 47.82 PINTO, Jos Emlio Nunes. A clusula compromissria luz do Cdigo Civil. Revista deArbitragem e Mediao, Ano 2 n 4, janeiro maro, 2005, p. 34 47.83 GARCEZ, Jos Maria Rossani. Arbitragem nacional e internacional: progressosrecentes. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 5384

    PINTO, Jos Emlio Nunes. A clusula compromissria luz do Cdigo Civil. Revista deArbitragem e Mediao, Ano 2 n 4, janeiro maro, 2005, p. 34 47.

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    deve se certificar de que o mecanismo escolhido para dirimir controvrsias

    advindas daquela relao seja eficaz. Ao mesmo tempo, deve privilegiar a

    vontade dos contratantes, deixando-lhes expressar sua escolha pelo

    mecanismo de resoluo de disputas.

    O cuidado em obter o mximo benefcio da relao contratual pode

    ser entendido como parte do comportamento estratgico. Dentre diversas

    posies assumidas durante a fase de negociao, o comportamento

    estratgico pode ser definido como o comportamento que a parte assume para

    obter a melhor alocao de recursos para si em detrimento do ganho global

    que aquela relao pode oferecer85. Embora indesejvel, esse fenmeno

    garante a maximizao do bem-estar das partes.

    Para que essas escolhas individuais, tais como a insero ou no de

    um mecanismo de resoluo de disputas privado, sejam conquistadas, a parte

    assume custos que deve entender melhor para si para beneficiar-se. Esses

    custos levam em considerao to-somente as vantagens de um dos plos, e

    no os ganhos totais da relao.

    Com a noo do comportamento estratgico em mente suas

    conseqncias positivas para o ganho individual e suas desvantagens no

    ganho total os negociantes precisam tomar cincia do que implica envolver-

    se em uma disputa. Independente do desfecho da relao, a litigiosidade

    poder comprometer o relacionamento futuro das partes, as negociaes, a

    reputao dos envolvidos e, como resultado, os ganhos que cada um auferir

    ao trmino do contrato. Por isso, faz-se imprescindvel calcular, ao momento de

    ingresso na relao contratual, os custos de litigiosidade e a melhor maneira de

    gerenci-los.

    Para tanto, h que se observar a viabilidade da opo arbitral.Qualquer dos mtodos alternativos de resoluo de conflitos traz consigo

    vantagens e desvantagens. A arbitragem possui as suas, que precisam ser

    apontadas.

    Via de regra, a arbitragem no um procedimento barato.

    Geralmente, envolve custos que devem ser pagos de imediato para que o

    85KATZ, Avery. The Strategic Structure of Offer and Acceptance: Game Theory and the Law of

    Contract Formation. Michigan Law Review, Ann Arbor, vol. 89, n. 2, p. 215 295, novembro,1990.

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    procedimento se instale. Embora o procedimento judicial tambm apresente

    taxas e custas que devem ser pagas para dar incio apreciao da causa, o

    procedimento arbitral apresenta custos imediatos, em montantes geralmente

    significativos, que devem ser pagos em um nico momento. primeira vista,

    portanto, a arbitragem parece ser um processo mais caro que o processo

    judicial.

    Os custos de um processo variam caso a caso: a produo de

    provas, a realizao de audincias em cidades distantes, a expedio de cartas

    e documentos longa a lista de fatores que aumentam o dispndio de

    recursos. Na arbitragem, no diferente. A sede da arbitragem, por exemplo,

    pode levar os custos do processo a nveis mais elevados do que se previra ao

    instalar o procedimento. A produo de provas tcnicas e a participao de

    peritos muito especializados tambm elevam ainda mais o custo do

    procedimento privado. H ainda os fatores que encarecem o processo judicial

    (diligncias externas, viagens, envio de documentao etc.), do qual no foge

    regra a arbitragem. Somem-se a isso os honorrios do rbitro, que ao

    contrrio do procedimento judicial no tem o amparo na prestao

    jurisdicional estatal, fazendo com que o contribuinte no concorra no

    pagamento dos vencimentos, como no caso do juiz. O rbitro ente privado

    que recebe remunerao e honorrios. Portanto, seu custo repassado ao

    custo total da arbitragem, que ser suportado pela parte sucumbente. Alm

    disso, para que ocorra a instalao da arbitragem, necessrio que uma taxa

    inicial seja paga, o que leva o custo total do procedimento a aumentar mais

    ainda.

    Alm disso, a arbitragem no est livre de inidoneidades. H poucos

    mecanismos que asseguram a imparcialidade, a competncia e oprofissionalismo dos rbitros privados. A execuo do laudo arbitral no

    necessita homologao e basta como ttulo executivo. Salvo ofensa flagrante

    ordem pblica, no h como anular a sentena. Trfico de influncias,

    ameaas ou qualquer tipo de conduta reprovvel da qual no se tenha prova

    passa a ser inatacvel depois que o rbitro ou o corpo de rbitros proferiu o

    laudo. H que se tomar cuidado para evitar dissabores durante a arbitragem,

    portanto.

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    Cmaras com j notria reputao construda podem aumentar a

    confiana que as partes tem na idoneidade do procedimento. Alm disso, a

    preferncia por cmaras que contenham um corpo de rbitros j cadastrados e

    reconhecidos diminui as chances de haver alguma conduta reprovvel ou

    questionvel.

    Por fim, a composio trinria de rbitros, sendo dois rbitros

    escolhidos pelas partes e o terceiro, pelos rbitros anteriormente escolhidos,

    faz com que haja vigilncia e superviso cruzadas de ambos os plos da lide.

    Considerando que h interesse de ambas as partes em ter um julgamento de

    qualidade, em que todo o material probatrio produzido durante o curso do

    procedimento arbitral seja apreciado, a superviso dos rbitros ocorrer por

    conta do litigante do plo oposto ao de sua indicao.

    No entanto, as principais desvantagens ora elencadas devem ser

    postas em comparao com as vantagens da arbitragem. A clusula

    compromissria s deve ser includa depois de levadas em conta as

    especificidades do contrato. No em qualquer contrato que convm o

    procedimento arbitral, pois a arbitragem encontra restries relativamente bem

    delineadas86. Ainda assim, contratos de compra e venda, envolvendo somas

    vultosas, cujos negociantes possuem estratgias competitivas que no

    permitem dispndio significativo de tempo para resolver questes controversas,

    podem considerar a arbitragem uma alternativa vivel. Dessa maneira,

    necessrio que se entenda no apenas quais as possveis desvantagens que a

    arbitragem pode trazer, mas tambm as suas vantagens.

    J dissertamos a respeito do custo da arbitragem. No entanto, o que

    pode ser de um custo mais elevado se mostra, na verdade, um custo apenas

    aparentemente maior na maioria dos casos. Isso porque a arbitragem tende adurar muito menos do que o procedimento judicial.

    de amplo conhecimento que o Poder Judicirio, em todos os

    estados da federao, est abarrotado de processos. O perodo de tramitao

    86

    Como j mencionado, alguns contratos tais como administrativos, de consumo etrabalhistas tem uma maior restrio ao emprego da arbitragem.

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    de um processo no Rio Grande do Sul dura, em mdia, de 4 anos87; j no

    estado de So Paulo, esse perodo passa a ser de 6 anos88. E em outros

    estados, essa mdia permanece igualmente elevada89. Devido a essa demora

    na resoluo dos conflitos90, o processo que inicialmente teria um custo

    menor acaba por internalizar custos que no estavam includos no momento

    de ingresso da ao.

    No bastassem todos os custos que o processo j traz consigo,

    como a necessidade de produo de provas, a expedio de cartas precatrias

    e rogatrias, a traduo de pareceres e instrumentos, o reconhecimento

    pblico de documentos etc., o processo ainda carrega os custos de

    sucumbncia ao derrotado e a estipulao dos honorrios. Mais ainda: os

    honorrios contratuais cobrados pelos advogados91 tendem a atingir valores

    extremamente altos com o prolongamento da vida processual.

    Assim, o montante, que era calculado com determinados valores no

    incio do percurso processual, passa a sofrer adicionais com o passar do

    tempo. J ao contrrio do procedimento judicial, o procedimento arbitral se

    encerra em um perodo mais curto na maioria das vezes. Quando muito, a

    arbitragem pode durar at trs anos92. O tempo de durao tomado para que

    87ALBUQUERQUE, Luciano Campos de. Tempo de Durao do Processo. Instituto Innovare,VI Edio 2009. Disponvel em: . Acesso em 12 de setembro de 2010.88ALBUQUERQUE, Luciano Campos de. Tempo de Durao do Processo. Instituto Innovare,VI Edio 2009. Disponvel em: . Acesso em 12 de setembro de 2010.89Apesar deste trabalho no ter como escopo discorrer longamente sobre o assunto, pode-seapontar algumas causas que levam ao volume infindvel de processos que tramitam eingressam nos judicirios estaduais incentivos litigncia pelo uso indiscriminado daassistncia judiciria gratuita, a falta de outras vias de composio, a concepo de Estadopaternalista etc. so algumas das razes apontadas para o abarrotamento da via judicial.

    ALBUQUERQUE, Luciano Campos de. Tempo de Durao do Processo. Instituto Innovare, VIEdio 2009. Disponvel em: . Acesso em 12 de setembro de 2010.90H que se apontar tambm o excesso de recursos disposio das partes, que os utilizam,muitas vezes, com fins manifestamente protelatrios, demorando na satisfao do direito.91Embora dependa do si