tcc leonardo Ávila
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA
CAMPUS SÃO BORJA
COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO JORNALISMO
DISCIPLINA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO II
“Nas Asas da Calhandra”:
web-documentário a serviço da cultura regional
Autor: Leonardo Cendón do Nascimento Ávila
Projeto experimental apresentado como requisito à conclusão do curso de Comunicação Social – Jornalismo, da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), sob a orientação do Prof. Ms. Marco Bonito.
SÃO BORJA
2012
LEONARDO CENDÓN DO NASCIMENTO ÁVILA
“NAS ASAS DA CALHANDRA”: WEB-DOCUMENTÁRIO A SERVIÇO DA CULTURA REGIONAL
Projeto experimental apresentado ao curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do Pampa, como requisito à obtenção do grau de bacharel em comunicação social.
SÃO BORJA
2012
LEONARDO CENDÓN DO NASCIMENTO ÁVILA
“NAS ASAS DA CALHANDRA”: WEB-DOCUMENTÁRIO A SERVIÇO DA CULTURA REGIONAL
Projeto experimental apresentado ao curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do Pampa, como requisito à obtenção do grau de bacharel em comunicação social.
Área de concentração: Comunicação; Jornalismo; Web-documentário
Trabalho de conclusão defendido e aprovado em:Banca examinadora:
___________________________________________________________________________Prof. Ms. Marco Bonito
Orientador(Comunicação Social – Jornalismo) – (UNIPAMPA)
___________________________________________________________________________Prof. _________________________
(____________________________) – (UNIPAMPA)
___________________________________________________________________________Prof. _________________________
(____________________________) – (UNIPAMPA)
A Mariah, pela mão suave no afago e firme no
puxão de orelha. Pela confiança e alento
dedicados, mesmo quando eu não merecia. E
pelo sorriso estonteante que lhe confere a
condição irrevogável de musa inspiradora
desta obra.
A meu irmão e amigo, Maurício, merecedor de
todo meu respeito e admiração, companheiro
de uma vida que, sem ele, não teria a menor
graça.
A minha mãe, Margareth, rainha de um lar
onde imperam o amor incondicional, o diálogo
e a liberdade de expressão. Sua visão crítica do
mundo, e o fato de ter me apresentado os
primeiros livros, foram fundamentais à minha
futura condição de jornalista.
A meu pai, Flávio, que – neste mundo de
faladores – é um pensador e um fazedor. Alma
forte e coração sereno, ensinou-me o valor de
ser um homem digno, generoso, e de
consciência tranquila. Para isso, não precisou
erguer a mão ou falar grosso, pois bastou o seu
exemplo.
AGRADECIMENTO
Aos os meus amigos, que me abrilhantam a vida com suas presenças, ainda que,
eventualmente, em ausência física. São muitos e bons. Citar todos implicaria no risco de
algum ou outro esquecimento, o que seria uma bárbara injustiça. Mas eles sabem quem são.
Um amigo, no entanto, merece destaque neste espaço, pela participação direta no trabalho.
Marcelo “Batata” Recchi, com seu talento e disposição, colaborou imensamente para que este
projeto acontecesse. Além disso, sua companhia transformou as horas de trabalho exaustivo
em momentos prazerosos e divertidos.
Ao professor e parceiro, Marco Bonito, por ter apostado suas fichas neste cavalo azarão,
quando o mais sensato era não o fazer. Seus conselhos foram preciosos e seu incentivo
contagiante.
Garanto, sem medo de parecer um falso modesto: o que de bom houver neste trabalho é
mérito deles, e o que houver de falho é culpa minha. Abaixo, uma lista de outras pessoas que
também merecem agradecimento:
Carlos Alberto da Rosa; Colmar Duarte; Fabrício Ramos; Francisco Alves; Heitor Schmidt;
José Luiz Villela; Juarez Fonseca; Júlio Machado da Silva Filho; Lourival Gonçalves; Luiz
Carlos Borges; Luiz Machado Stábile; Marco Antônio Loguércio; Marco Antônio Rillo
Loguércio; Pirisca Grecco; Ricardo Duarte; Thedy Corrêa; Veco Marques.
Alguém deve rever, escrever e assinar os autos do Passado, antes que o Tempo passe tudo a raso.
Cora Coralina
RESUMO
Recentemente introduzido na prática jornalística, o formato web-documentário tem sido
instrumento de informação, reflexão e entretenimento na plataforma digital. Este é o relatório
de um projeto experimental em comunicação, no qual o web-documentário é empregado para
divulgar a história do festival de música regional Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande
do Sul, de Uruguaiana (RS – Brasil) e, por consequência, difundir a cultura regional do
estado. Composto por três episódios, o trabalho também apresenta conteúdo adicional -
reunido num endereço eletrônico - que complementa o produto audiovisual, caracterizando o
formato e proporcionando interatividade.
Palavras-chave: Web-documentário, Califórnia da Canção Nativa, Rio Grande do Sul,
Nativismo, História.
ABSTRACT
Recently introduced into the practice of journalism, the web documentary format has been an
instrument of information, reflection and entertainment on digital platform. This is the report
on an experimental communication project, in which the web documentary is used to divulge
the history of the regional music festival Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul,
from Uruguaiana (RS – Brazil) and, therefore, to promote the regional culture of the state.
Consisting in three episodes, the work also presents additional content – brought together in a
website – which complements the audiovisual product, fulfilling the format’s features and
providing interactivity.
Keywords: Web documentary, Califórnia da Canção Nativa, Rio Grande do Sul, Nativismo,
History.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………….9
2. METODOLOGIA………………………………………………………………………….12
3. DESENVOLVIMENTO…………………………………………………………………...14
3.1 Formato…………………………………………………………………………………...14
3.2 Trajetória de pesquisa e realização do TCC………………………………………………19
3.3 Descrição do produto……………………………………………………………………..25
3.4 Circulação………………………………………………………………………………...26
3.5 Equipamentos……………………………………………………………………………..26
3.6 Custos…………………………………………………………………………………….26
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.…………………………………………………………….28
5. REFERÊNCIAS…..………………………………………………………………………30
1. Introdução
O tema escolhido para este projeto experimental é a Califórnia da Canção Nativa do
Rio Grande do Sul, um festival de música regional gaúcha que ocorre no município de
Uruguaiana desde 1971. A Califórnia, como é sempre referido o evento – com o artigo
feminino, a despeito da norma culta que forçaria à concordância com o masculino festival -
completa quarenta e um anos de fundação em dezembro de 2012. O festival é considerado
Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul, pela lei 12.226, de janeiro de 2005.
A proposta pioneira da Califórnia, um certame musical onde só podem competir
canções que tratam da temática regional gaúcha, serviu de modelo a dezenas de festivais1 que
surgiram posteriormente no estado. A isso se deu o nome de Movimento Nativista2 do Rio
Grande do Sul. Trata-se de um movimento cultural predominantemente musical, expresso no
ciclo de festivais do gênero inaugurado espontaneamente através da Califórnia da Canção.
Diferentemente do Movimento Tradicionalista3 Gaúcho, o Nativismo não é um
movimento formal, estruturado. Não se trata, portanto, de uma instituição, mas antes um
estado de espírito partilhado pelos organizadores, artistas e público. Ainda assim, sua
repercussão, além de mudar a fisionomia do cancioneiro gaúcho – antes bastante limitado - foi
marco de mudanças culturais, sociais e econômicas no estado. São comuns relatos orais e
documentados de pessoas que viveram as décadas de 1960 e 1970 afirmando que, nessa
época, havia forte desprezo por elementos que dissessem respeito à identidade cultural
gaúcha, dentro do próprio Rio Grande do Sul, especialmente entre a juventude urbana e a
classe média em geral. Com a popularização do movimento, valores de apreciação à cultura
regional – antes amortecidos – ganham novo fôlego, conforme diz o jornalista e escritor
Carlos Urbim:
A mudança de comportamento em relação às “coisas do Rio Grande” foi facilmente detectada, pois a população de classe média passou a admirar e adotar hábitos
1 Algumas fontes apontam em torno de 60 festivais, na década de 1980, outras mencionam cerca de 80 eventos do gênero.2 Até o presente momento, não foi possível identificar a autoria do termo “Movimento Nativista”, que parece simplesmente surgir esporadicamente na imprensa e logo é incorporado pelos músicos e estudiosos. “A expressão ‘canção nativa’ é ao que tudo indica de onde se originaria ‘nativismo’”, conforme Álvaro Santi (2004, p. 56).3 O Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) é a federação que coordena todas as atividades do Tradicionalismo no Rio Grande do Sul (JACKS, 2003). Tem como objetivo o resgate e preservação das raízes culturais do estado.
tradicionais anteriormente taxados de “grossura” como usar bombachas e tomar chimarrão, o que fez com que aumentasse em 80% o consumo de erva-mate. (URBIM apud JACKS, 2003, p. 48)
Percebemos, portanto, que não se trata de um simples festival, mas de um fenômeno
cujos desdobramentos se estendem para além do âmbito musical. Isso posto, podemos nos ater
ao evento que é foco de nosso estudo.
Depois de viver seu auge na década de 1980, a Califórnia entra num período de
decadência que perdura até os dias de hoje. Originalmente um evento anual, o festival não se
realizou nos anos de 2006, 2008, 2010 e 2011. Muitas são as alegadas justificativas para a
atual situação: falta de verbas, administração ineficiente, interferências políticas e disputas
internas no CTG4 Sinuelo do Pago, entidade à qual a Califórnia está vinculada desde a
primeira edição.
Percebemos que, com a passagem do tempo e não tendo a Califórnia demonstrado
perspectivas animadoras de retorno com o vigor de outrora, corre-se o risco de que essa
história caia no esquecimento futuro. A falta de registro em uma plataforma dinâmica e
amplamente disponível também se identificou como uma carência para os eventuais
interessados no festival.
Dada a complexidade do tema e o volume de informações a respeito, nos parece ideal
a opção pelo formato web-documentário. A abordagem e o tratamento da informação em
profundidade que esse formato proporciona, além da função de entreter, nos parecem as mais
adequadas. Acreditamos poder, através do jornalismo, levar o público ao cerne da questão, a
fim de trazer à baila a importância da Califórnia, e assim contribuir para o debate e o
engajamento na manutenção e continuidade do festival que tanto fez pela cultura gaúcha.
Um trabalho jornalístico em linguagem vídeo-documental sobre a Califórnia da
Canção Nativa é, até o momento, inédito. Com a produção deste, que deverá ser distribuído
gratuitamente via internet, acreditamos poder colaborar com a preservação da memória do
festival, bem como chamar atenção para os vazios informativos que se apresentam neste
período incerto do Movimento Nativista. A avançada faixa etária em que estão os principais
entrevistados, alguns com mais de oitenta anos, faz com que sejam preciosos seus
depoimentos coletados em vídeo. Além disso, acreditamos que a universidade deve estar
comprometida com o contexto social e geográfico em que se insere. No caso da Unipampa,
estarmos atentos às questões culturais gaúchas é pertinente.
4 Centro de Tradições Gaúchas, instituição representativa do MTG.
Pretendemos, com este trabalho, documentar e registrar para posteridade a(s)
história(s) da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul através de um web-
documentário em três episódios, apresentar as informações colhidas fazendo uso dos recursos
da linguagem vídeo-documental e publicar o produto final na internet, a fim de compartilhar o
conhecimento a respeito do tema. Com isso, devemos divulgar a cultura gaúcha, contribuir
para a reflexão a respeito da importância do festival e do Movimento Nativista, e fazer do
trabalho uma fonte para pesquisas futuras.
2. Metodologia
Na concepção metodológica de nosso estudo, definimos uma trajetória de opções
relacionadas ao objeto empírico, na seguinte ordem: método de abordagem, métodos de
procedimento e técnicas. De acordo com Marconi e Lakatos (2003), “método e métodos
situam-se em níveis claramente distintos...”, sendo que “o método se caracteriza por uma
abordagem mais ampla, em nível de abstração mais elevado, dos fenômenos da natureza e da
sociedade” (MARCONI; LAKATOS, 1991, p. 81). Quanto aos métodos de procedimento,
Marconi e Lakatos nos dizem: “seriam etapas mais concretas da investigação, com finalidade
mais restrita em termos de explicação geral dos fenômenos e menos abstratos.” (1991, p. 81).
Acreditamos que a história da Califórnia só pode ser bem compreendida se analisada
como um complexo de processos dinâmicos, permeado por mudanças qualitativas5, - ora
planejadas, ora espontâneas – que dão origem a outros processos e assim por diante. Não
obstante, é um fenômeno que não pode ser tratado isoladamente, fora de seu contexto social,
geográfico, político, etc. Tendo isso em mente, elencamos como método de abordagem o
método dialético, onde “as coisas não são analisadas na qualidade de objetos fixos, mas em
movimento: nenhuma coisa está ‘acabada’, encontrando-se sempre em vias de se transformar;
desenvolver; o fim de um processo é sempre o começo de outro” (MARCONI; LAKATOS,
1991, p. 75).
Em seguida foram escolhidos os métodos de procedimento, dentre os quais utilizamos
o método histórico e o método comparativo. O primeiro parte do princípio de que para
analisar as atuais intituições, costumes e demais processos, é preciso investigar suas raízes no
passado, podendo assim verificar sua influência na sociedade contemporânea (MARCONI &
LAKATOS, 2003). Já o método comparativo, no sentido de contribuir para uma melhor
compreensão do comportamento humano, “realiza comparações, com a finalidade de verificar
similitudes e explicar divergências” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 107), seja entre
grupos no presente e no passado, seja entre sociedades de iguais ou diferentes estágios. No
caso da Califórnia e do Movimento Nativista, é importante traçar paralelos entre este
movimento e o Movimento Tradicionalista, entre o Rio Grande do Sul de fins da década de
1960 e o de hoje, por exemplo.
5 Por exemplo: a Califórnia surge com ímpeto revanchista, ante o desprezo pela cultura regional gaúcha na época; anos depois, deixa de ser um simples festival e adquire status de movimento cultural.
Quanto às técnicas, ou seja, o conjunto de processos e normas de que se serve uma
ciência, de forma prática (MARCONI; LAKATOS. 2003), trabalhamos com pesquisa
documental, bibliográfica, observação e entrevista. A pesquisa documental, restrita a
documentos ou fontes primárias, assim como a pesquisa bibliográfica que, por sua vez,
abrange a bibliografia já publicada sobre o assunto (MARCONI; LAKATOS. 2003), foram
utilizadas como ponto de partida para apreender a dimensão do tema, estabelecer um roteiro
de perguntas para as subsequentes entrevistas e, eventualmente, checar informações obtidas
nas fases seguintes.
A observação, conforme Marconi e Lakatos (2003, p. 190), “é uma técnica de coleta
de dados para conseguir informações e utiliza os sentidos na obtenção de determinados
aspectos da realidade”. Considerada elemento básico da atividade científica, essa técnica
exige o uso da razão para examinar os fatos.
A entrevista, “um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha
informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza
profissional” (MARCONI; LAKATOS. 2003, p. 195), foi a principal técnica utilizada para
coleta de informações neste trabalho. Indispensável ao fazer jornalístico, essa técnica é
descrita pela jornalista Thaís Oyama como “a base da reportagem e (…) seu momento mais
prazeroso” (2008, p. 8).
Todos os áudios das entrevistas foram capturados com o uso de um microfone de
lapela ligado a um gravador digital e as imagens com uma câmera fixa sobre o entrevistado.
Ao longo desse período, por questões logísticas ou força do acaso, foram utilizadas três
diferentes câmeras, que detalharemos mais adiante.
As 13 entrevistas resultaram num montante de algo em torno de 15 horas de vídeos e
áudios brutos, em cujas falas contidas foram transcritas a fim de facilitar a elaboração dos
roteiros para a edição. Ao fim do processo de edição não linear, obtivemos 3 episódios de
aproximadamente 21 minutos cada.
O produto audiovisual resultante, bem como textos de apoio e imagens de arquivo
coletadas junto às fontes, foram reunidos num endereço eletrônico6, onde tudo se
complementa e fica à disposição do ciber-espectador, caracterizando o formato web-
documentário.
3. Desenvolvimento
6 www.nasasasdacalhandra.wix.com/webdoc
3.1 Formato
Para a realização do projeto, foram necessárias algumas conceituações téoricas que
nortearam a produção jornalística e a definição do formato. Em se tratando de um festival de
música e cultura regional, alguns apontamentos sobre jornalismo cultural são pertinentes.
Para Piza (2009, p. 80), “a reportagem no jornalismo cultural tem pontos de
diferenciação (…) o noticiário quente, instantâneo, no calor dos fatos, é menor do que nos
outros cadernos”. Como no caso do resgate histórico da Califórnia, há matérias que não
pertencem ao “hard news”, mas que tem o objetivo de familiarizar o leitor/espectador com
algo que ele desconhece. (PIZA, 2009). Os cadernos de cultura, conforme Floresta e
Braslauskas (2009, p. 7), “são considerados ‘frios7’ por tratarem, em 90% das vezes, de
assuntos que já aconteceram ou que irão acontecer (…). Raramente abordarão algum assunto
inesperado”. Assim sendo, tomamos como referência o conceito de reportagem documental,
como trabalhado por Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, no livro Técnica de Reportagem:
Notas sobre a narrativa jornalística. Vejamos:
É o relato documentado (…) . Comum no jornalismo escrito, esse modelo é mais habitual nos documentários da televisão ou do cinema. A reportagem documental é expositiva e aproxima-se da pesquisa. (…) Na maioria dos casos, apoiada em dados que lhe conferem fundamentação, adquire cunho pedagógico e se pronuncia a respeito do tema em questão. (FERRARI; SODRÉ. 1986, p. 64).
Seguindo esse modelo e pensando em algumas características das matérias de
jornalismo cultural, que costumeiramente abordam pautas frias, permitindo um maior tempo
de apuração e interpretação dos fatos, percebemos alguns pontos em comum com outra
categoria jornalística: o jornalismo investigativo. As matérias investigativas, bem como as
culturais, podem nem estar relacionadas na pauta diária. “Elas envolvem temas em que os
jornalistas insistem e que dizem respeito a algo que todos deveriam saber, de fato, ao dizer
‘olhe para isso, não é chocante? ’ ” (BURGH 2008, p. 15).
7 “Frio”, no jargão jornalístico, é o assunto não-factual, não necessariamente de atualidade, podendo ser publicado a qualquer momento.
Assim, surgiu uma reflexão: nosso trabalho jornalístico não tenderia a ser considerado,
ao menos em parte, jornalismo investigativo? Ou ainda, nas palavras de Siqueira (2005, p.
15), “Se a investigação é inerente à atividade jornalística, o termo ‘jornalismo investigativo’
não seria redundante?” Sobre isso, parece haver consenso entre diversos autores. A
publicação de notícias demanda, em maior ou menor grau, apuração a partir de fontes
diversas, orais e documentais. Nisto as técnicas de jornalismo se parecem muito, com
pequenas alterações de método e circunstância, o que faz do jornalismo investigativo muito
mais uma marca, ou grife, do que um conceito (FORTES, 2007).
Como se vê, a investigação é um processo que deve permear toda atividade
jornalística. Ao menos nos casos em que se pretenda ultrapassar minimamente a barreira do
superficial, evitando a reprodução irresponsável dos press-releases, por exemplo. O que
costuma diferenciar o chamado jornalismo investigativo são as suas circunstâncias,
frequentemente mais complexas, sua extensão noticiosa e um maior tempo dedicado à
reportagem (FORTES, 2007). Hugo de Burgh nos mostra o que pensa o repórter australiano
John Pilger a respeito dessa segmentação:
John Pilger considera que a expressão jornalismo investigativo “veio da linguagem comum (...) em uma correlação com o declínio da averiguação dos fatos, da curiosidade e da missão entre os jornalistas” (...). Ele gostaria de ver o termo investigativo ser recusado como uma tautologia, uma vez que “todo jornalista deveria ser investigativo”, mas não acredita que as condições do presente permitam isso, exceto para os especialistas. (BURGH, 2008, p. 15)
Mais adiante, sobre as categorias culturalmente construídas em que se acomodam uma
ou outra matéria jornalística, o autor completa: “podem desempenhar uma certa função social;
mas isso é irrelevante para o jornalista em seu trabalho. O importante é que eles representem
os fatos de forma apropriada” (BURGH, 2008, p. 18). Assim, podemos trazer alguns aspectos
do jornalismo investigativo para o nosso trabalho, mesmo não sendo esse nosso foco
principal. Segundo Maria Cecília Guirado:
A reportagem, assim como um caso detetivesco, transforma-se em quebra-cabeça montado com recortes de observação, com trechos de depoimentos, com dados de arquivos, com consultas a especialistas. (GUIRADO, 2004, p. 68)
Logo, percebemos que “o ato investigativo está implícito nas três fases que,
genericamente, caracterizam a reportagem: apreensão, investigação dos fatos e construção do
texto narrativo” (Guirado, 2004, p. 98).
No entanto, a ideia de que todo jornalismo tem algo de investigativo pode levar a uma
armadilha: a crença no discurso questionável, alimentado pelo senso comum, de que o bom
trabalho de reportagem apresentará a verdade, ou um reflexo da realidade. Vejamos as
questões que Luiz Costa Pereira Junior levanta a respeito desse paradigma:
Uma disciplina como o jornalismo, com uma trajetória orientada para os fundamentos objetivos dos fatos, costuma desprezar o chamado paradoxo da representação (...). Para teorizações instrumentalistas sobre a imprensa, a notícia seria, por óbvio, retrato da realidade. Mas não vemos ‘a’ realidade quando lemos um texto, navegamos pela internet, vemos a TV, ouvimos o rádio. (JÚNIOR, 2006, p. 19)
Se não é a realidade, ou um retrato fiel dela, que o público vê através da mídia, o que
seria? Miquel Rodrigo Alsina, na obra A Construção da Notícia, dá uma pista: “A mídia
compila umas construções sociais estabelecidas (...), e diante dos acontecimentos, que são
realidades socialmente construídas, os re-categoriza, através de especialistas da criação do
saber social, que são os jornalistas” (2009, p. 233). O ato de reportar, portanto, é uma
tradução, nunca total ou completamente verdadeira, uma vez que é impossível apreender e
retratar a realidade em todas as suas nuances. Ao privilegiar uma determinada leitura de um
fato, deixa-se outras na obscuridade (GUIRADO, 2004). Segundo Pereira Júnior (2006, p. 70)
“no jornalismo, construir sentido é reduzir incertezas (...). Cabe ao jornalista sedimentar uma
realidade sólida para o público. Sem enganá-lo com a falsa promessa de uma realidade ‘real’,
pronta, acabada”.
A essa noção se contrapõe o princípio da objetividade jornalística. Não cabe aqui uma
longa discussão teórica sobre o assunto, apenas alguns breves apontamentos que
consideramos pertinentes para nosso trabalho.
A adoção da objetividade como padrão jornalístico teve influência dos imperativos
comerciais – a necessidade de vender cada vez mais, para um público heterogêneo, evitando
conflito de opiniões – e da postura científica empirista do século XIX (BURGH, 2008).
Durante a rápida industrialização, a reportagem objetiva tornou-se fetiche no jornalismo
norte-americano, mas já na década de 1960, esse conceito passou a sofrer críticas, que
perduram até hoje (ALSINA, 2009). Segundo JÚNIOR (2006, p. 58) “a possibilidade de uma
objetividade mecânica não só é ineficaz como ofusca a individualidade do profissional”.
Outras razões para rejeitarmos a adoção de uma objetividade absoluta encontram-se na
própria conceituação de documentário, que não é tarefa simples e tampouco acabada em
termos teóricos. Segundo Fernão Pessoa Ramos:
Tanto em sua versão de grandes produções de televisão a cabo, quanto nos formatos mais alternativos (…), a narrativa documentária possui traços estilísticos recorrentes e um nome (documentário), abrangendo a diversidade. (…) Em poucas palavras, o documentário é uma narrativa com imagens-câmera que estabalece asserções sobre o mundo, na medida em que haja um espectador que receba essa narrativa como asserção sobre o mundo. (RAMOS. 2008, p. 22)
Logo, apesar de o julgarmos uma reprodução, por sua fidelidade ao original - ou
capacidade de se parecer com e atuar como o original – o documentário não é uma reprodução
da realidade, mas antes uma representação do mundo em que vivemos, de uma determinada
visão desse mundo (NICHOLS, 2005). Entretanto, ainda que rejeitemos a possibilidade de
uma objetividade completa e da reprodução precisa da realidade, isso não quer dizer que o
documentarista está isento de qualquer compromisso com a busca de uma narrativa fidedigna
e exatidão dos enunciados apresentados. Pequenas imprecisões factuais podem comprometer
o caráter ético e o conteúdo de suas asserções. Por outro lado, um determinado
posicionamento ou asserção – como mostrar um personagem de modo idealizado, por
exemplo - não retira da obra o caráter de documentário. Podemos, no máximo, dizer que tal
obra trabalha com uma perspectiva equivocada (RAMOS, 2008). Ainda sobre o ponto de vista
no documentário, Manuela Penafria conclui:
O documentarista deve poder ser livre de fazer as suas próprias escolhas fílmicas de modo a transmitir-nos um ponto de vista (…). Experimentar o pulsar da vida das pessoas e dos acontecimentos do mundo no ecrã8 é o que o documentário tem de mais gratificante para nos oferecer. É, sem dúvida, um modo de incentivar um conhecimento aprofundado sobre a nossa própria existência.(PENAFRIA. 2001, p. 9)
8 Tela/monitor, no português de Portugal.
Sob a ótica de fazer o espectador refletir sobre a própria existência e a do outro, fazê-
lo experimentar os acontecimentos do mundo de forma aprofundada, dois gêneros estudados
na área de telejornalismo se confundem: documentário e videorreportagem. Oliveira, Roldão e
Bazi (2006), traçam alguns paralelos entre os dois gêneros. Para os autores, algumas das
semelhanças residem nos seguintes fatos: ambos tem como premissa contar uma história com
começo, meio e fim e buscam o aprofundamento, as causas; os dois permitem variações na
construção da forma narrativa e podem fazer uso de um mesmo procedimento metodológico9.
No plano das diferenças, são apontados, entre outros, os seguintes aspectos: a
videorreportagem segue a linha editorial de uma determinada emissora, enquanto o
documentário tem caráter autoral; a videorreportagem, embora não seja diretamente factual,
geralmente terá como gancho algum assunto que esteja na pauta da mídia, ao passo que o
documentário busca justamente a descoberta de histórias que deixaram de ser contadas; na
videorreportagem existe a preocupação de responder às perguntas do telespectador, deixá-lo
satisfeito, enquanto no documentário a intenção é levantar questionamentos, inquietações.
Como se vê, é uma linha tênue, sobre a qual nosso trabalho procurou equilibrar-se,
sem o receio de eventualmente pisar fora dela, para um lado ou para outro. Em nossa
produção, a figura do repórter fazendo passagens, mais usual em videorreportagens do que em
documentários, evidencia a intenção dessa mescla. Porém, a despeito de tentativas de
categorização:
Não há uma estrutura ‘genética’ que identifique única e exclusivamente a totalidade da produção em vídeo, tamanhas são as possibilidades de novas formatações, proporcionadas pela constante geração tecnológica. (OLIVEIRA; ROLDÃO; BAZI. 2006, p. 14)
Dentre as novidades, em termos de formatação, está o chamado web-documentário. O
advento da internet deu origem ao jornalismo em rede e com ele vieram novos formatos,
conforme nos explica Beatriz Ribas:
Ampliou as possibilidades das estruturas narrativas, explorando características do suporte digital como interatividade, hipertextualidade, multimidialidade e memória, contribuindo para o aparecimento de novos gêneros jornalísticos, como o Web Documentário. (RIBAS. 2003, p. 3)
9 Por exemplo: “pré-produção, produção, pós-produção e distribuição” (OLIVEIRA; ROLDÃO; BAZI. 2006, p. 17).
Vejamos, brevemente, como se definem as principais características do jornalismo
online, segundo Palácios (2003). Multimidialidade/Convergência diz respeito à convergência
das mídias tradicionais (imagem, texto e som) numa narrativa multifacetada do fato
jornalístico, onde tudo está agregado. A hipertextualidade é a possibilidade de interconexão
entre textos ou outros materias complementares, através de links10. Já a interatividade está
representada em elementos de interação entre o público e o jornalista (troca de e-mails,
publicação de comentários), entre os indivíduos que compõe o público (fóruns de discussões)
e até entre o público e o produto, uma vez que a navegação hipertextual pode ser também
considerada interação. A customização do conteúdo, também chamada individualização,
consiste na possibilidade do usuário configurar seu acesso ao site noticioso, de modo que ele
seja carregado atentendo às suas preferências individuais, como acontece em alguns portais
noticiosos. A característica da memória refere-se ao potencial do jornalismo online de
armazenar um volume consideravelmente maior de informação, produzindo efeitos nos
processos de emissão e recepção. Finalmente, a instantaneidade/atualização contínua, através
da rapidez do acesso e a facilidade de produção e disponibilização, próprias ao meio digital,
possibilita o acompanhamento contínuo do desenvolvimento do assunto jornalístico de
interesse.
Assim, percebe-se que o gênero não é apenas o modelo de documentário tradicional,
exposto na rede. Para atingir tal conceito, algumas características específicas são desejáveis.
Dentre elas, a possibilidade de uma navegação não-linear, uma vez que, na internet, cabe ao
usuário escolher a ordem e o volume da informação que busca, embora haja uma espécie de
“roteirização” pretendida pelo autor do produto (SACRINI; CARVALHO. 2003). Cabe notar
também que, dadas as facilidades técnicas que o acesso massivo às novas tecnologias
produziu, muda também a noção de sujeito produtor de conteúdo, uma vez que “o modelo
tradicional de circulação da informação de um para muitos, dá lugar ao modelo de muitos
para muitos” (SCOLARI apud EMERIM; CAVENAGHI. 2012, p. 2).
Em suma, nas palavras de Sacrini e Carvalho:
O web-documentário, enquanto produto construído para a web, tende a estabelecer uma modalidade que agrupa elementos intrínsecos ao meio somados aos atributos esperados dos registros documentais. Para a sua construção convergem, portanto,
10 Hiperligações entre páginas da internet, ferramenta típica do meio digital.
características particulares de conteúdo além daquelas relacionadas com uma linguagem própria, conferindo ao produto uma abordagem de conteúdo e forma específicos. (SACRINI; CARVALHO. 2003, p. 6)
De todos esses pressupostos teóricos, somados aos imprevistos da aventura empírica,
nasceu nosso web-documentário, Nas Asas da Calhandra.
3.2 Trajetória de pesquisa e realizão do TCC
A trajetória começa na escolha do tema. Pelo imperativo da viabilidade, ficou
estabelecido que fosse um tema local ou regional, que não exigisse grandes deslocamentos na
pesquisa de campo. Por critério estritamente pessoal, foi decidido que deveria se tratar de um
assunto que remontasse ao passado, que pudesse ser tratado em profundidade. Não menos
pessoal foi a busca de um tema ligado à música, paixão deste acadêmico e, coincidentemente,
também de seu orientador.
A Califórnia da Canção Nativa, como assunto a ser explorado, encaixou-se
perfeitamente nos critérios estabelecidos. A certeza, no entanto, veio durante a leitura do
material já existente sobre o festival, onde constatou-se que a Califórnia foi o embrião de um
movimento cultural cujos efeitos sociais e econômicos respingam até hoje no cotidiano do
povo gaúcho. Sendo o autor deste trabalho natural justamente de Uruguaiana e não tendo
conhecimento da dimensão do fenômeno, chegou-se à óbvia conclusão: essa história
precisava ser contada. O momento também era oportuno, pois o festival completaria quarenta
anos de sua fundação ao final de 2011, ano em que iniciamos o trabalho.
Definido o tema e o formato, por razões já explicitadas, faltava definir um plano de
ação para pôr o trabalho em prática. Para agilizar a produção e buscar uma excelência técnica
em termos de qualidade, foi contratado Marcelo Recchi, um profissional da área de
audiovisual que, não por acaso, é também um amigo de longa data. Recchi manejaria a
câmera e as ferramentas de edição, enquanto o autor deste trabalho seria o responsável pela
apuração, roteiro, produção, direção e distribuição. Estava formada a equipe.
Também na busca da máxima qualidade técnica, foi adquirido um microfone de lapela.
O equipamento permitiria a captção do áudio nas mais diversas locações, com mínimo
prejuízo àquilo que de mais valioso se buscava: a fala dos entrevistados.
Em seguida, foram elaborados um roteiro de perguntas e um mapeamento de fontes,
separando-as em primárias, secundárias e terciárias de acordo com grau de revelância no
contexto da Califórnia. O roteiro consistia em vinte e quatro perguntas básicas que deveriam
ser feitas a todos os entrevistados para que houvesse o maior número deles discorrendo sobre
cada tópico. Desse modo, mais tarde, na elaboração dos roteiros para edição, os trechos das
sonoras poderiam ser concatenados, promovendo uma unidade narrativa coesa e de ritmo
fluente.
As possíveis combinações das falas mostraram-se praticamente infinitas,
proporcionando grande liberdade estilística na construção da narrativa. Ainda sobre o roteiro
de perguntas, cabe lembrar que algumas particularidades em cada entrevista deveriam ser
respeitadas. Por exemplo: obviamente não caberia indagar sobre detalhes da fundação do
festival um entrevistado que sequer fosse nascido na época, ou que não houvesse
acompanhado pessoalmente o processo. Nesses e em outros casos em que o próprio
andamento da conversa exigisse, o roteiro de perguntas deveria adquirir certa flexibilidade.
O mapeamento prévio das fontes mostrou-se uma ferramenta eficaz apenas como
ponto de partida. Logo na primeira entrevista - com o professor, historiador e advogado, Luiz
Stábile – nos foram indicadas outras pessoas que estariam aptas falar sobre o tema, além
daquelas que havia sido possível identificar na pesquisa.
A indicação de boas fontes além das que tínhamos planejado foi uma constante até o
fim do trabalho. A cada entrevista, a menção de outros possíveis entrevistados abria à nossa
frente um leque crescente de nomes que se multiplicavam. Como quem desenrola um
interminável novelo de lã, seguimos esses rastros até percebermos que o assunto parecia não
se esgotar, ao contrário do tempo previsto para a apuração. Além do mais, o material colhido
já era suficientemente rico para contar a história que queríamos: 13 entrevistas gravadas,
totalizando em torno de 15 horas de vídeos brutos e 189 páginas dessas entrevistas decupadas.
A composição dos episódios – inicialmente planejados para uma duração de 10 minutos cada
– é reflexo dessa amplitude de informações e diversidade de opiniões coletadas a respeito do
tema.
Vale lembrar que não existe meio confiável de realizar as decupagens
automaticamente. Os softwares de reconhecimento de voz, em geral, reconhecem um padrão
específico de fala, e devem ser configurados pelo próprio falante, através da leitura de textos
pré-determinados. A decupagem, portanto, é um trabalho manual, árduo e maçante, embora
seja imprescindível para a composição dos roteiros. Para decupar uma entrevista inteira,
levava-se, em média, mais de quatro vezes o tempo de sua duração, com pequenas variações
de acordo com o ritmo e a maior ou menor clareza da fala de cada entrevistado.
Algumas entrevistas merecem destaque por peculiaridades que envolveram sua
execução. Luiz Carlos Borges é um dos artistas vivos de maior expressão na música gaúcha,
um veterano cujo nome é reconhecido internacionalmente e cuja ascensão como músico
começou justamente na Califórnia da Canção. Logo, entrevistá-lo tornou-se uma espécie de
fetiche. No entanto, um empecilho se apresentava: como conseguir o contato e uma hora do
tempo de tal personalidade?
Dois acasos colidiram para que a entrevista acontecesse: o fato de termos um amigo
em comum, Marco Antônio Loguércio – que nos colocou em contato – e o fato de que
Borges, ocasionalmente, estaria no município de São Luiz Gonzaga, próximo a São Borja,
dali alguns dias. Pela condição de grato imprevisto desse encontro marcado, a oportunidade
não poderia ser desperdiçada. Para tanto, teve de ser utilizada uma das câmeras da
universidade, cuja qualidade de imagem era gravemente inferior em relação à câmera que
vínhamos utilizando durante as demais filmagens. Também pela questão logística, não foi
possível contar com o cinegrafista, e o repórter teve de conduzir a entrevista e manejar a
câmera simultaneamente. As más condições climáticas prejudicaram a qualidade do áudio e
da imagem. Armava-se uma tempestade e ventava muito, mas no interior da casa a iluminação
era fraca. Gravamos então no abrigo de uma garagem, com o portão aberto.
Fora essas questões técnicas, que exigiram algum improviso no momento da edição
para que o material pudesse ser aproveitado, a entrevista foi um sucesso. Borges mostrou-se
um exemplo de entrevistado lúcido, atencioso, e de uma humildade que contrasta com a
grandeza de sua obra.
Outra entrevista, por razões parecidas, foi sonhada durante algum tempo antes de se
concretizar. No ano de 2004, a banda Nenhum de Nós se apresentou como atração especial
naquela edição da Califórnia. Sempre houve uma espécie de polêmica a respeito de se
apresentarem no festival gêneros musicais que, como o rock, não fossem considerados
regionais. Daí surgiu o interesse por uma entrevista com Thedy Corrêa, vocalista da banda.
Mais uma vez, a descoberta de um amigo em comum e um golpe de sorte foram
decisivos. O Nenhum de Nós tinha uma apresentação marcada em Uruguaiana e, naquela
tarde, no saguão do hotel em que estavam hospedados os músicos, conseguimos entrevistar
Thedy Corrêa e também o guitarrista Veco Marques. Foram duas conversas proveitosas e
marcadas pela satisfação ingênua de ter entrevistado dois principais integrantes de uma banda
que, uma semana antes, havia estado no programa Altas Horas, da Rede Globo.
Além de boas declarações, essas três entrevistas nos mostraram que as maiores
limitações do repórter inexperiente são as que ele impõe a si mesmo, por insegurança. O
acesso a pessoas célebres – que, por adimiração, tendemos a idealizar - nem sempre é tão
restrito quanto se imagina. Além disso, um pouco de sorte e atrevimento sempre ajudam.
Cabe notar também que, a cada entrevista realizada, sentia-se uma evolução em
relação às anteriores. Para isso contribuíam uma crescente segurança e desenvoltura do
entrevistador. O conhecimento do tema, que se aculumava a cada conversa, permitia elaborar
melhor as perguntas e possibilitava cruzar informações recentemente obtidas, extraindo
delarações mais interessantes.
Mas nem só de sonoras se faz uma reportagem em vídeo, muito menos um web-
documentário. Para que o espectador pudesse vizualizar aquilo que estávamos falando, seria
necessário resgatar fotografias de arquivo e vídeos das edições da Califórnia. Essa se mostrou
nossa maior dificuldade, visto que muito pouco material dessa natureza foi preservado ao
longo dos anos.
Apenas dois de nossos entrevistados possuíam algumas fotografias antigas em seu
acervo pessoal. Ricardo Duarte nos cedeu um álbum com fotos dos Marupiaras (grupo
vencedor da primeira edição da Califórnia), que foram digitalizadas por nós e usadas para
ilustrar certos momentos do primeiro episódio. Outras raridades foram encontradas no acervo
do jornalista Juarez Fonseca, que gentilmente as digitalizou e nos enviou por e-mail. Além
disso, encontramos três vídeos originais de canções apresentadas na Califórnia, que estavam
disponíveis num canal do site Youtube. Utilizamos pequenos trechos desses vídeos e,
naturalmente, demos o devido crédito ao canal onde eles foram encontrados. Fora as descritas
acima, todas as imagens vistas em Nas Asas da Calhandra são de nossa autoria.
Para driblar essa dificuldade, apostamos em imagens de apoio, de forte apelo estético,
para tornar o produto mais agradável aos olhos. São cenários e paisagens do município de
Uruguaiana, muitas delas às margens do rio Uruguai. A escolha dessas imagens também
comunica e constrói sentido, na medida em que ajuda a situar o espectador no espaço e
evidencia a ligação intrínseca do tema com as coisas terrunhas, com o orgulho de cantar a
terra onde se vive.
Também aproveitamos imagens do músico Pirisca Grecco cantando, durante a
entrevista, algumas de suas canções premiadas no festival. Captamos Ricardo Duarte tocando
violão, material que foi aproveitado como trilha sonora para compor a vinheta de abertura dos
episódios. Isso nos poupou da perda de tempo com procedimentos burocráticos para adquirir
direitos de uso sobre uma trilha comercial. Ao mesmo tempo, a autenticidade do som do
violão gaúcho, captado de maneira rústica, encaixou-se perfeitamente no padrão estético que
buscávamos.
Outro recurso concebido ao longo da execução do web-documentário foi a utilização
de passagens/boletins, elemento básico do telejornalismo em que o repórter aparece diante da
câmera. Em dado momento, percebemos que haveria a necessidade de um recurso semelhante
para trazer informações que não tivessem sido sintetizadas nas falas dos entrevistados,
preencher lacunas, e pontuar mudanças de assunto dentro do episódio.
Embora na linguagem vídeo-documental existam outras formas de fazer isso, como o
off, optamos pela passagem. Não só pelos motivos já citados no ítem Formato, mas também
por constituir um desafio maior para o repórter.
É tecnicamente mais fácil gravar um off, no conforto de um estúdio, do que uma
passagem na rua. No segundo caso, os cuidados e as preocupações se multiplicam: vestes
adequadas, maquiagem, luz, expressão corporal, memorização do texto e possíveis
interrupções são fatores de complicação. Contudo, este é um trabalho de graduação que visa ir
ao encontro da prática. Um tubo de ensaio onde os objetivos maiores são o aprendizado e a
exploração dos próprios limites. Assim, consideramos que o autoimposto desafio da
versatilidade enquanto repórter seria enriquecedor, sobretudo em tempos de jornalismo
multimídia.
A escolha das locações para as passagens também foi pensada de modo a construir
sentido. Cada locação tem um significado de acordo com o assunto abordado em tal episódio.
No primeiro, o cenário é uma antiga sala do cinema de Uruguaiana, exato local onde
ocorreram as primeiras edições da Califórnia. As passagens do segundo episódio foram
gravadas no Parque Agrícola e Pastoril, do Sindicato Rural de Uruguaiana, palco das maiores
e mais memoráveis edições do festival. Para o terceiro episódio, foi escolhido como locação o
CTG Sinuelo do Pago, entidade que promove a Califórnia e que não tem conseguido reerguê-
la nos últimos anos. As passagens foram as últimas cenas gravadas. Antes foram elaborados
os roteiros, com base nas entrevistas previamente decupadas.
Em seguida foi escolhido um título para o web-documentário. No intuito de evitar a
obviedade de um título meramente informativo do tema e natureza do trabalho, começamos a
pensar em alguma figura representativa daquilo que estávamos falando. O pássaro calhandra –
que dá nome ao troféu máximo do festival, objeto de desejo dos músicos nativistas – foi
designado por nós como metáfora para batizar o trabalho. Mesmo assim, achamos que ficaria
demasiado vago, e daí a necessidade de um subtítulo. Chegamos, portanto, ao consenso de
que Nas Asas da Calhandra: A História da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do
Sul seria o nome da obra. Os títulos que identificam cada episódio seguem essa mesma linha,
fazendo alusão ao ciclo de vida de uma calhandra. São eles: O primeiro canto; Voando alto; e
O voo derradeiro?.
Feito isso, passamos ao processo de edição. Sob a direção e o acompanhamento
ininterrupto do autor deste trabalho, Marcelo Recchi manejou o software de edição. Embora
não tenha formação na área, seu talento e experiência foram fundamentais para a agilidade do
processo e para que o resultado final do produto tomasse forma satisfatória em termos
técnicos.
Por último foram criados um canal no site Youtube, de modo a abrigar os vídeos, e o
endereço eletrônico que reúne todo o conteúdo produzido. Lá estão os vídeos, as fotografias e
os textos de apoio, caracterizando o formato web-documentário.
3.3 Descrição do produto
Nas Asas da Calhandra: A História da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande
do Sul é um web-documentário em três episódios de, aproximadamente, vinte e um minutos
cada. A primeira parte resgata a origem do festival, mostra depoimentos dos principais nomes
envolvidos e os fatos que culminaram na criação da Califórnia, no ano de 1971. A segunda
trata da consagração do festival como um evento da maior importância; de sua metamorfose
ao atingir status de movimento cultural; do surgimento daquilo que Oliven (2006, p. 11)
define como “um mercado de bens simbólicos e materiais que movimenta um grande número
de pessoas”; e das diferenças entre o Nativismo e o Tradicionalismo. A terceira parte fala de
sua derrocada e traz diferentes pontos de vista sobre o atual panorama do festival.
Além dos episódios em vídeo, a produção conta com textos e imagens
complementares disponíveis no site. Está previsto o lançamento futuro de vídeos extras, com
curiosidades contadas pelos entrevistados e que – por questões de tempo e unidade narrativa –
não tiveram espaço nos três episódios. Os usuários também são convidados a enviar, em
forma de texto ou vídeo, suas histórias relacionadas à Califórnia, que poderão ser publicadas,
promovendo maior interatividade.
3.4 Circulação
Todo material que complementa o web-documentário se encontra no endereço
eletrônico criado para esse fim. O produto principal, a série em três episódios, hospedada num
canal do site Youtube, estará disponível gratuitamente no site assim que este trabalho for
aprovado em banca examinadora.
Site: http://www.nasasasdacalhandra.wix.com/webdoc
Canal do Youtube: http://www.youtube.com/nasasasdacalhandra
3.5 Equipamentos
Foram utilizadas três câmeras para captação de imagens, em diferentes ocasiões. Sony
HX1, semiprofissional; Sony HDD, semiprofissional; e Nikon D5100, profissional. O áudio
foi captado com microfone de lapela marca Karsect KRU-200. A edição das imagens foi
conduzida em software Adobe Premiere CS6 e a masterização dos áudios em Sony Sound
Forge 7.0.
3.6 Custos
Equipamento Custo em reais
Microfone de lapela 325.00
Serviços
Filmagem e edição 400,00
Transporte
Viagem a São Luiz Gonzaga 43,60
Total 768,60
4. Considerações finais
Existe um Rio Grande do Sul imaginário, idealizado, voltado ao passado e a si próprio,
onde o gaúcho ainda sonha estar em meio à Guerra do Farrapos, como um Dom Quixote
gaudério. Para esse, de nada serviria um produto jornalístico que traz o que há de mais recente
em termos de formato e abrangência.
Existe, porém, outro Rio Grande do Sul, concreto, pós-moderno, onde se utiliza raios
laser para o nivelamento de lavouras, onde os tratores são equipados com computadores de
bordo e os peões de estância fotografam e falam ao celular. Com a passagem do tempo, novas
ferramentas são introduzidas ao cotidiano e muita coisa se transforma. Só não podem mudar a
altivez, os brios, do povo gaúcho.
Nas Asas da Calhandra se propõe a fazer um resgate histórico, mas não se permite ser
anacrônico. É o jornalismo, munido de tecnologia, a serviço da cultura regional gaúcha. Nossa
cultura não pode estar à mercê do tempo. Pelo contrário, os avanços que vem com os novos
tempos podem - e devem - ser meios de preservar e difundir nossos costumes, nossa
linguagem, nossa arte. É disso que se trata este trabalho. É nisso que acreditamos.
A plataforma digital para divulgação de nosso produto é um ponto chave para atingir
especialmente a parcela mais jovem da população, que não viveu os áureos tempos de
Califórnia. Por ser um espaço sem fronteiras, a web torna possível que nosso trabalho seja
fonte de conhecimento e entretenimento em qualquer parte do mundo, ao alcance de um
clique. Além da abrangência e abundância de recursos didáticos que comporta, o custo é
sensivelmente reduzido em relação à mídia física, o que confere maior autonomia na
reportagem e liberdade editorial, já que não foi requisitado apoio financeiro de nenhuma
entidade.
Ao mesmo tempo, estamos tratando de um tema mutável, contando uma história que
terá desdobramentos, uma vez que a Califórnia da Canção ainda não acabou e seu futuro
próximo é incerto. Ninguém sabe se a calhandra já alçou seu voo derradeiro. Daí a
impossibilidade de traçar um ciclo narrativo com começo, meio e fim.
Os processos técnicos do jornalísmo em linguagem audiovisual, sabidamente, são dos
mais complexos, e nosso produto precisava ser editado, finalizado e publicado. Eis aí outra
vantagem do web-documentário em relação aos formatos tradicionais. Não se trata apenas de
uma série de vídeos, mas de um complexo de informações hospedado em um endereço
eletrônico, onde tudo converge. Assim é possível, através de textos e imagens, explorar aquilo
que o produto audiovisual não contemplou, bem como atualizar a plataforma de tempos em
tempos, com as eventuais novidades que venham a surgir. O web-documentário não acaba.
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