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RODRIGO FERNANDES MENEGATTI O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS MONOGRAFIA FAPAS Santa Maria, RS, BRASIL 2011

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RODRIGO FERNANDES MENEGATTI

O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A

PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS

MONOGRAFIA

FAPAS

Santa Maria, RS, BRASIL

2011

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O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A

PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS

por

RODRIGO FERNANDES MENEGATTI

Monografia apresentada ao curso de Graduação da

Faculdade Palotina (RS), como requisito Parcial

para a obtenção do grau de LICENCIADO

em Filosofia.

Santa Maria, RS, Brasil

2011

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FACULDADE PALOTINA

CURSO DE FILOSOFIA

A COMISSÃO EXAMINADORA, ABAIXO

ASSINADA, APROVA A MONOGRAFIA

O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO PARA A

PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS

ELABORADA POR

RODRIGO FENANDES MENEGATTI

COMO REQUISITO PARCIAL PARA A

OBTENÇÃO DO GRAU DE

LICENCIADO EM FILOSOFIA

COMISSÃO EXAMINADORA:

______________________________________________________________

Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves – orientador (FAPAS/UNIFRA)

_______________________________________________________________

Prof. Dtdo. André Roberto Cremonezi – (FAPAS)

_______________________________________________________________

Prof. Ms. – (FAPAS/UNIFRA)

_________________________________________________________________

Prof. Dr. Valdemar Antônio Munaro – (FAPAS/UNIFRA - SUPLENTE)

Santa Maria, RS, ? de novembro de 2010.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ............................................................................................... v

RESUMO ................................................................................................................... vi

ABSTRACT .............................................................................................................. vii

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 1

2. VIDA, OBRA E INFLUÊNCIA DE HANS JONAS ........................................... 4

2.1 O problema do dualismo e a resolução segundo Jonas ...................... 4

2.2 As influências de Heidegger no pensamento de Jonas ...................... 14

2.2.1 Influências da análise existencial de Heidegger ................................. 15

2.2.2 Influências da critica a técnica ............................................................ 18

3. A CRÍTICA A TÉCNICA E AO ANTROPOCENTRISMO ........................... 21

3.1 O novo espaço de poder da ação humana .......................................... 22

3.2 As insuficiências éticas tradicionais ................................................... 29

3.2.1 Antigos e novos imperativos éticos .................................................... 31

3.3 A técnica moderna como objeto da ética .......................................... 35

4. O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO

PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA NO PLANETA ........................................ 41

4.1 A heurística do temor na ética da responsabilidade ......................... 41

4.2 Fim e valor na ética da responsabilidade ........................................... 46

4.3 Bem, dever e ser na ética da responsabilidade .................................. 56

4.4 Estereótipos de responsabilidade: jurídico, político e paterno ........ 61

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 66

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 69

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v

AGRADECIMENTOS

Ao final dessa etapa de minha formação acadêmica nasce o sentimento de

gratidão a tantas pessoas que formam inspiração, motivação, apoio e principalmente

por possibilitarem os meus estudos. Primeiramente agradeço imensamente a meus

pais, Ailton Antunes de Macedo e Almira Lima de Carvalho Macedo. Sou grato a

eles por todo apoio, humano e financeiro, e principalmente por serem exemplos

vivos de dedicação, perseverança e solidariedade. Agradeço a meus irmãos Wyllian

Carvalho de Macedo e Weslley Carvalho de Macedo por todo companheirismo e

fraternidade. A eles dedico especialmente esse trabalho.

Agradeço à Província Nossa Senhora Conquistadora, que através do Colégio

Maximo Palotino me possibilitou os estudos acadêmicos e todos os recursos

necessários para que eu fizesse um ótimo curso de Filosofia. Agradeço a todos os

formadores do Colégio Máximo em especial ao Padre Mércio Cauduro e ao Padre

Paulo Höring Filho. Agradeço também ao Padre Clésio Facco, meu primeiro

formador e grande amigo.

Manifesto meu agradecimento especial aos meus professores na FAPAS. Ao

professor Alceu Cavalheiri, figura importante no meu despertar filosófico. Ao

professor André Cremonezi que em suas aulas de teoria do conhecimento me

despertou para os estudos fenomenológicos. Ao professor Valdemar Munaro que

com sua postura crítica e coerente me ajudou a repensar muitas coisas. Ao professor

Ricardo Antônio Rodrigues pelo trabalho em conjunto como orientador desse

trabalho e de outras pesquisas. Em suma, agradeço a todos os excelentes professores

que pude encontrar nesses anos de estudos filosóficos.

Agradeço também aos meus colegas e amigos que estiveram comigo nessa

caminhada. Aos que estiveram presentes na sala de aula, no Colégio Máximo, e a

todos os que mesmo distantes fizeram parte desse percurso.

Em suma, muito abrigado a todos!

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vi

RESUMO

O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COM FUNDAMENTO ÉTICO PARA

A PRESERVAÇÃO DA VIDA SEGUNDO HANS JONAS.

Autor: Rodrigo Fernandes Menegatti

Orientador: Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves

O presente texto monográfico tem o objetivo de analisar o princípio responsabilidade

de Hans Jonas. Para tal, não foi possível penetra com profundidade em seu

pensamento sem antes conhecer a sua trajetória de vida bem como as influências

sofreu. Sendo Judeu, sua vida foi profundamente marcada pelo nazismo. Como aluno

de Heidegger, absorveu as estruturas existências e a crítica à técnica. A partir disso,

foi preciso compreender a suas críticas às premissas da técnica moderna,

principalmente ao antropocentrismo. O ponto central foi à constatação que as éticas

tradicionais já não eram suficientes graças à potencialização da ação humana pelos

desenvolvimentos científicos e tecnológicos modernos. Com isso, um novo objeto

acresce na ordem da responsabilidade humana, isto é, a biosfera toda do planeta.

Jonas críticas os velhos imperativos éticos e propõe novos imperativos para a

civilização tecnológica. Na busca por fundamentos, retornou aos pré-modernos para

lançar através da ontologia novas bases éticas. Teorizou nova ética e ajudou a

preconizar as contemporâneas ecologia e bioética. Assim, fez emergir o princípio

responsabilidade como fundamento primeiro da ética da responsabilidade. Através

das projeções catastróficas com a Heurística do temor e com os conceitos de Fim,

Valor, Bem, Dever e Ser. Por fim, dois estereótipos da nova ética surgiram, a saber, a

responsabilidade paterna e a responsabilidade política.

FACULDADE PALOTINA

CUSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

Monografia de Graduação em Filosofia

Santa Maria, RS, 26 de novembro de 2011

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vii

ABSTRACT

ESSAY ABOUT THE FOUNDATIONS OF THE PHENOMENOLOGY OF

HUSSERL'S CARTESIAN MEDITATIONS.

Author: Rodrigo Fernandes Menegatti

Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves

FACULDADE PALOTINA - FAPAS

PHILOSOPHY COURSE

MONOGRAPHY FOR PHILOSOPHY GRADUATION

Santa Maria, RS, November 26th, 2011

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1. INTRODUÇÃO

Este texto monográfico tem como objetivo estudar os fundamentos basilares

da teoria ética de Hans Jonas. Para Jonas, o princípio responsabilidade constitui a

base de sustentação de uma nova ética desenvolvida para a contemporânea

civilização tecnológica. Na sua essência, está presente a tentativa de estabelecer uma

nova ética correspondente aos novos desafios impostos principalmente pela ciência e

técnica moderna.

A proposta jonasiana justifica-se pela sua fundamental importância para a

filosofia contemporânea, com especial destaque a ética comprometida com a vida em

geral e humana. Além do mais, as suas contribuições oferecem base teórica para

fomentar as discussões de problemas da nossa época. A partir desta base, é possível

pensar sobre a ecologia, os avanços da genética, o uso de agentes sintéticos, uso das

novas tecnologias, questões bioéticas e biomédicas. Estes são alguns assuntos de

pano de fundo que suas contribuições legaram à filosofia.

Jonas faz parte do grupo de filósofos cuja trajetória pessoal de vida esteve

profundamente ligada a sua filosofia, tornando impossível qualquer tentativa de

compreensão isolada do seu pensamento. Sendo judeu e vivendo na Alemanha

durante a segunda guerra mundial sofreu na pele a perseguição e os boicotes. Além

disso, sua trajetória intelectual foi profundamente marcada pelos estudos histórico-

crítico sobre a gnose do cristianismo antigo, pela filosofia de Heidegger e pelos

estudos biológicos através da filosofia da biologia.

Entretanto, a fase que o lançou no cenário filosófico mundial em meados do

século XX foi justamente a fase ética. Os seus estudos iniciais partiram da religião,

depois através do contato com os fenômenos biológicos na América da Norte foram

dirigidos aos estudos da filosofia da biologia, por fim, como consequência das suas

vivencias e estudos, partiu para a teorização da ética da responsabilidade.

A ética da responsabilidade surge por uma necessidade. Jonas empreende

uma investigação minuciosa na tradição do pensamento ocidental com intuito de

investigar a trajetória do poder de ação da atividade humana. Descobre que na

modernidade, com o advento das ciências positivas e o desenvolvimento desenfreado

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da tecnologia, ouve uma grande potencialização da ação humana. Na verdade,

uniram-se os ideais prometeano, galileano e baconiano com a engenhosidade técnica.

Dessa união entre o desenvolvimento teórico e a capacidade de transformação, o

poder de ação humano extrapolou todos os limites naturais.

Na antiguidade, por mais insistentes que poderiam ser as intervenções

humanas, a natureza mantinha-se inalterada. Mas, agora com a nova capacidade de

ação unida aos efeitos cumulativos, pode estar em perigo toda à vida no planeta. Se

antes as preocupações permaneciam dentro das esferas das ações humanas próximas.

Agora é preciso levar em conta o extrahumano e o futuro das gerações precedentes.

Constatado que o mau uso desse poder pode levar toda a vida no planeta para a zona

de perigo.

Diante desse quadro, Jonas propõe uma revisão nas éticas tradicionais. Se a

ética é responsável pelas ações humanas e se as ações foram alteradas, será que a

ética não devia acompanhar estas mudanças. As éticas tradicionais demonstram ser

insuficientes para corresponder aos apelos contemporâneos. Diante desse quadro,

Jonas propõe novos imperativos éticos que servem de antídoto contra o niilismo

moderno que não somente esteve batendo a porta, como entrou e se alojou.

Imperativos que não possuem contradições, diferentes dos velhos imperativos das

religiões e principalmente dos imperativos kantianos. Em suas constituições, os

novos imperativos possuem caráter universal, extrahumano, coletivo e a longo prazo.

Nesse ínterim, Jonas se reporta aos pré-modernos com intuito de retirar da

metafísica a fundamentação da nova ética. Nas suas constituições, a ética da

responsabilidade adquire caráter ontológico. Contudo, não bastam às boas intenções,

os pressupostos do ser como bom, belo, uno, indivisível, é preciso ir além das boas

intenções. Para tal, Jonas propõe o primeiro passo fundamental de sua teoria ética, a

heurística do temor. A heurística do temor adquire caráter pedagógico, pois trabalha

com a capacidade humana projetiva. Através da real contemplação de catástrofes

futuras, criam-se sentimentos para com o dever de conservação. O temor é o único

capaz de despertar os seres humanos dos ideais utópicos e mover a vontade para

ações e medidas de respeito à vida futura.

Nesse sentido, a ética jonasiana é uma ética do futuro quer responder, de

forma especial, as possibilidades de destruição física e essencial da vida sobre a terra.

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Com esse intuito, fez-se necessário compreender a sua fundamentação. Jonas

trabalha com os conceitos de Fim, Valor, Bem, Dever e Ser. Desses conceitos, retira

o princípio responsabilidade como fundamento último para a preservação da vida.

Por fim, o presente texto monográfico quer descrever, a nível introdutório, os

elementos fundamentais do princípio responsabilidade. Para isso, foi preciso

percorrer a sua trajetória de vida, bem como, as influências que teve ao logo da sua

trajetória acadêmica. Posteriormente a necessidade de tratar da crítica realizada a

técnica moderna e a ética tradicional. Finalizado, já no campo metafísico, com os

componentes básicos do princípio responsabilidade e seus estereótipos.

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2. VIDA E OBRA DE HANS JONAS

Hans Jonas ganhou notoriedade no cenário filosófico a partir do lançamento

de seu livro O princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização

tecnológica. Para o autor de um texto sobre a gnose na antiguidade, até então

desconhecido, seu livro apesar de ser acadêmico tornou-se um fenômeno de vendas.

Cumpre destacar que Jonas foi um dos um dos autores mais estudados no período

pós-guerra na Alemanha1, cujo teor filosófico contribuiu muito com a ética

contemporânea.

Filho de imigrantes Judeus nasceu em Mönchengladbach, na Alemanha, dia

dez de maio de 1903. Suas raízes familiares lhe proporcionaram o contato com a

religião judaica a qual manteve estritas relações. Na juventude, um vínculo forte com

a questão da religião chagando a aderir ao sionismo2. Sua trajetória intelectual

iniciou com estudos de filosofia e teologia em Friburgo, Berlim e Heidelberg.

No ano de 1921 decidiu estudar em Freiburg atraído pela fama de Husserl. Lá

conhece Martin Heidegger e passa a frequentar os seminários por ele oferecidos. De

imediato, Jonas passou admirar a filosofia do jovem professor Heidegger. Ele

absorve muito da sua filosofia, apesar disso, em uma “declaração ao periódico

L’Unita, Jonas revela sua inquietação, descrevendo-o como ‘um grande pensador,

mas pessoalmente um miserável’”(Zancanaro, 1999, p. 21). Manifestando, desta

forma, o repudio por conta da posição política aderida por Heidegger3. Na mesma

época, conheceu e estabeleceu amizade com Günther Anders.

1 Hoje as contribuições de Jonas na ética estão sendo muito estudadas. Vale ressaltar que a revista

Dissertatio dedicou uma edição inteira somente sobre o tema do princípio responsabilidade de Jonas.

Isso graças ao apoio do Prof. Robinson dos Santos, no seu artigo O problema da técnica e a crítica à

tradição na ética de Hans Jonas, ele expõe alguns a importantes contribuições de Jonas para se pensar

a ética na atualidade. Movimento nacionalista judaico iniciado no séc. XIX, com vista ao

restabelecimento, na Palestina, dum Estado judaico, e que se fez vitorioso em 1948. 2 Segundo o dicionário Aurélio sionismo significa: “Movimento nacionalista judaico iniciado no séc.

XIX, com vista ao restabelecimento, na Palestina, dum Estado judaico, e que se fez vitorioso em

1948”. 3 “A crítica à técnica e à ciência moderna levou Heidegger a uma tomada de posição politica,

ocupando o posto de reitor da Universidade de Freiburg (1933-1934) e aderindo ao partido nazista.”

(Livro sobre Heidegger, p. 82)

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Apesar do contato direto com grandes filósofos, Jonas dirigiu seus estudos

iniciais a temas voltados a religião, no mesmo ano de 1921 decidiu ir para Berlim e

matriculou-se simultaneamente na Universidade Friedrich-Wilhelms de Berlim e na

Escola Superior de Ciências do Judaísmo. Leo Strauss, Gershom Scholem, Martin

Buber, Franz Rosenzweig foram alguns pensadores com quem conviveu nesta época

e que, conforme ele mesmo atesta, tiveram influência sobre sua posição relativa ao

tema da religião.

Nos anos 1923/24 Jonas retornou a Freiburg e retoma os seminários de

Husserl, na mesma época conheceu Max Horkheimer e teve breve contato com

Rudolf Carnap. Em 1924, atraído por Heidegger mudou-se para Marburg. Foi

marcante nesta época a grande amizade e convívio que estabeleceu com Hannah

Arendt e com Hans-Georg Gadamer. Jonas permaneceu em Marburg até 1928,

quando concluiu seus estudos. Para obtenção do doutorado elaborou tese que teve

como orientadores o filósofo Heidegger e o teólogo Rudolf Bultmann sobre o

conceito de gnose da antiguidade tardia posteriormente publicada4.

Em 1933, com a ascensão do partido nazista ao poder, Jonas se vê obrigado a

deixar sua pátria pelos boicotes e perseguições que sofreu. Assim, mudou-se para a

Inglaterra e no ano seguinte para Israel em Jerusalém onde permanece de 1935 a

1949. Entre os anos de 1940-1945, engajou-se como soldado da armada judia do

exercito britânico combatendo, como soldado da artilharia, no Mediterrâneo, na Itália

e na ocupação da Alemanha. Com isso, cumpre a sua promessa de somente voltar ao

seu país de origem se fosse como integrante de um exército vitorioso5.

Imediatamente após a queda de Hitler, retornou a sua cidade de origem para ver sua

mãe, mas toma conhecimento de que ela tinha sido manda para a câmara de gás em

Auschwitz. Este episódio contribuiu para que ele não quisesse permanecer mais na

Alemanha.

Retorna a Jerusalém e adere ativamente ao sionismo tomando parte na Guerra

árabe-israelense de 1948. Já em 1949, transferiu-se para o Canadá, onde foi professor

visitante nas universidades de Ottawa e Montreal (1949-1955). Depois foi para Nova

4 Este trabalho de Jonas foi sobre a gnose no cristianismo antigo que posteriormente tornou-se livro e

foi publicado em 1934. 5 Em seu livro Memórias escreve Jonas: “Eu fiz um juramento sagrado, uma promessa: não regressarei

jamais, a não ser como soldado de um exército invasor”. (2005, p. 142).

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York e assumiu o cargo de professor titular da New School of Social Research

(1955-1976) e por fim professor visitante na Columbia University, Princeton

University, University of Chicago e em Munich (1982-1983) 6.

Apesar de modesta, possui uma rica produção intelectual. As principais obras

de Jonas são: O princípio vida: fundamentos para uma biologia filosófica (1966); O

Princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica

(1979); Ética, Medicina e Técnica (1994). Além destas obras, existem centenas de

ensaios, conferências e artigos publicados. Ele recebeu diversas condecorações,

prêmios e títulos honoris causa. Contudo, foi na Alemanha que o seu pensamento

ganhou a merecida atenção7. Em cinco de fevereiro de 1993 ele faleceu com 89 anos

em sua casa, em Nova York.

Para finalizar, é preciso dizer que três são os momentos da vida intelectual

Jonas. Na apresentação do livro Princípio Responsabilidade há uma alusão a cada

um deles. No primeiro, sob a influência de Heidegger e Bultmann, debruçou-se sobre

o tema da gnose no cristianismo primitivo. O segundo foi o grande momento de sua

vida intelectual, pois tentou reconduzir novamente a vida a uma posição privilegiada,

distante dos extremos do idealismo e do limitado materialismo. Por fim, a terceira

grande fase intelectual de Jonas, na busca por fundamentos éticos, trabalhou na

formulação do princípio responsabilidade. (2006, p. 21)

2.1 O problema do dualismo e a resolução segundo Jonas

Para compreender o pensamento jonasiano e a sua teoria ética é importante

conhecer as principais influências que foi tendo ao longo do sua formação

intelectual. Tendo presente as fases de seu pensamento, não é possível compreender

a ética sem antes passar pelos seus estudos históricos da gnose e os estudos acerca

dos fenômenos biológicos. Uma abordagem que contribui para perceber os aspectos

mais importantes destas duas fases é o dualismo. O problema do dualismo moderno

6 Mais detalhes podem ser encontrados na tese de doutorado do professor Zancanaro O conceito de

responsabilidade em Hans Jonas e no livro de Jonas Memórias. 7 Fonsêca ajuda a caracterizar melhor o destaque que o livro de Jonas teve ao dizer: “o princípio

Responsabilidade, obteve uma procura de 200.000 exemplares, uma cifra absurda para um livro de

filosofia na Alemanha.” (2007, p. 165).

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torna-se chave de leitura de seu progressivo pensamento que desembocou na ética.

Por fim, não é possível compreender Jonas sem a influência do pensamento

heideggeriano, com destaque as categorias existências e a questão da técnica

moderna.

A questão do dualismo é um tema recorrente na obra de Jonas, principalmente

nas fases anteriores à elaboração ética. Ele merece destaque, pois é concebido “como

um problema central na reflexão filosófica Jonasiana” (Fonseca, 2010, p. 57). Nesta

esteira, Jonas apresenta uma possível superação solução do dualismo radical gnóstico

e cartesiano.

Igualmente, é necessário saber por que o dualismo é tão importante ao ponto

de ser considerado um dos problemas centrais das reflexões de Jonas? Por que ele é

um problema que precisa ser solucionado? Jonas preocupou-se muito com a questão

do dualismo, de forma especial, para pensar a dignidade do homem agindo no

interior do mundo onde ele se encontra.

Desde os seus mais tenros escritos é possível perceber os esforços para a

resolução do dualismo. Ele aparece tanto na sua tese sobre a gnose8, quanto na sua

obra O Princípio Vida. O dualismo de início ganha importância para Jonas pelo seu

papel histórico. Segundo Jonas, “sua importância para o nosso contexto consiste em

que ao longo de toda sua carreira, [...] ele trabalhou para retirar da esfera física os

conteúdos espirituais, e por fim, [...] deixou atrás de si um mundo privado de todos

8 “O termo ‘gnose’ quer dizer, literalmente ‘conhecimento’. Mas, tecnicamente, tornou-se indicador

daquela forma particular de conhecimento místico própria de algumas correntes religioso-filosóficos.

[...] A gnose que nos interessa aqui é a que se vincula ao cristianismo. [...] O objetivo específico do

conhecimento gnóstico é Deus e as coisas últimas relativas à salvação do homem”. (Reale, p. 34)

Além destes elementos, “a gnose diz respeito aos seguintes pontos: 1) quem éramos e o que

nos tornamos; 2) onde estávamos e onde fomos lançados; 3) aonde desejamos ir e de onde fomos

resgatados; 4) o que é o nascimento e o que é o renascimento. [...] Na experiência do gnóstico, a

tristeza, e a angústia emergem como dados fundamentais, porque revelam um impacto negativo e a

consequente tomada de consciência de uma cisão radical entre bem e mal. [...] Se o homem sofre o

mal, isso significa que ele pertence ao bem. Portanto, o homem provém de outro mundo e a ele deve

retornar. [...] O gnóstico deve tomar consciência de se e, conhecendo-se a si mesmo através de si

mesmo poderá então retornar á pátria originária. [...] Este mundo, que é mal, não foi feito por Deus,

mas sim por um demiurgo mal.” ( Reale, p. 35).

Principalmente esta ultima parte exposta sobre a doutrina gnóstica sobre a via negativa para

afirmação do bem foi assimilada por Jonas. Posteriormente irá propor como movente do sentimento

de responsabilidade, em termos jonasiano heurística do temor.

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15

estes atributos.” (2004, p. 22). O dualismo tornou-se uma das via de compreensão do

niilismo moderno9 e do ceticismo moral.

Na primeira ordem, dentro das investigações de Jonas, encontra-se o

dualismo gnóstico. Sobre ele, Jonas escreve que “a descoberta do “eu” [...] culminou

com a concepção cristã e gnóstica de uma interioridade no ser humano totalmente

alheia ao mundo”. (2004, p. 22). Isso porque, no contexto gnóstico, o mundo é

desprezado em face do eu interior. Além disso, este dualismo constitui “uma ruptura

absoluta, uma torção ou uma perversão da cadeia do ser que atinge as raízes mesmas

da vida humana no mundo.” (Jonas apud Fonseca, 2010, p. 58).

Eventualmente, Jonas não se preocupou com a solução imediata do dualismo

em si, sim com as suas consequências. A consequência mais temida por Jonas é o

niilismo que torna os valores relativos e as ações vãs. Referindo-se a posição de

Jonas, Fonseca afirma que “na base de sua crítica ao dualismo gnóstico encontra-se,

por um lado, as críticas ao niilismo e, por outro, ao ceticismo moral, como a sua pior

consequência10”. (2010, p. 58).

Nestas alturas, é possível perceber o germe da separação que houve entre vida

interior humana com as coisas da natureza. À medida que o dualismo avançava, foi

se acentuando a separação, ao ponto de os elementos separados deixarem de ter

qualquer coisa em comum. Com essa separação entre alma e mundo, quem saiu

perdendo foi o mundo, pois “enquanto, a alma, que se voltava para si própria, atraía

para si todo o significado e toda a dignidade metafisica, e se concentrava no seu ser

mais íntimo, o mundo era despido de todas estas exigências” (Jonas, 2004, p. 24).

Assim sendo, o dualismo gnóstico fortaleceu ainda mais a ideia de separação.

Depois dele, existem duas realidades a alma e o mundo. Entretanto, Jonas assevera

que “o mundo inteiro é sema, túmulo da alma ou do espírito, daquela estranha

inclusão no que de resto não tem relação alguma com a vida” (2004, p. 24). Esse é

um dos traços fortes da gnose, o desprezo pelo mundo. Neste tipo de dualismo, os

9 Em Jonas é possível perceber mais duas vias que contribui para o niilismo moderno: o dualismo

entre homem e natureza e a questão da técnica e da potencialização do sujeito moderno que

posteriormente será desenvolvida. 10 Além desta questão do dualismo, Jonas foi profundamente influenciado pela posição gnóstica

negativa, da angústia e tristeza, como pressuposto para tomada de consciência da cisão entre bem e

mal. Neste particular, em estudos posteriores Jonas reelaborou esta via negativa, formulando um dos

traços fortes de seu pensamento o método da heurística do temor.

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polos se encontravam como oposições correlatas ou interdependentes, não havia

anulação de um pelo outro.

Além do dualismo gnóstico, Jonas trata do dualismo moderno, sujeito/objeto

espirito/natureza. Segundo Jonas, o segundo termo desse dualismo, “goza de uma

realidade independente e, finalmente interior” (2004, p. 24). Na antiguidade não era

concebida a separação entre espírito e matéria. Já na modernidade isso passou a ser

comum. O precursor desse tipo de dualismo foi René Descartes com a separação

radical entre res cogitans e res extensa.

A posição sustentada por Descartes e sua explicação da res cogitans e res

extensa são insuficientes para Jonas. Fonseca explica a posição de Jonas onde

“embora admita que a tese cartesiana seja teoricamente consistente; ao se reduzir de

um lado à natureza objetivante e de outro ao espírito subjetivante, tal formulação não

permite a emergência do organismo vivo.” (2010, p. 60). Essa redução denunciada

por Jonas empobreceu ainda mais a compreensão da vida em geral e da vida humana.

Com intuito, Jonas tenta superar estas duas visões dualistas através dos

fenômenos biológicos com a noção de organismo. Na visão de Zancanaro, “Jonas

percebe no organismo, na sua fusão insolúvel de interioridade e exterioridade a

contraprova decisiva da divisão dualista e também a chave para reintegrar uma

ontologia e uma teoria do ser nessa realidade fracionada.” (1998, p. 28).

Contudo, o que esta em jogo nesta investigação de Jonas é a liberdade. Para

Jonas, a liberdade está prefigurada nas mais remotas formas de vida. Assim, enfatiza

que já “o metabolismo, a camada básica de toda existência orgânica, permite que a

liberdade seja reconhecida – ou que ele é efetivamente a primeira forma da

liberdade” (2004, p. 13).

Com isso, é possível perceber este lampejo de liberdade presente no

metabolismo considerado como a mais remota forma de vida. A liberdade assim

entendida é nada mais do que este princípio estranho aos astros, aos planetas e aos

átomos. Jonas não se preocupa com a origem do ser, apenas trabalha com a noção de

ser ai. Aliás, segundo Jonas, “o conceito de liberdade pode efetivamente servir-nos

de fio de Ariadne para a interpretação do que nós chamamos de ‘vida’” (2004, p. 13).

Existe um caminho ascendente cuja liberdade está presente, se assemelha a

teoria darwinista, apesar de Jonas não estar de acordo com ela. O caminho

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ascendente proposto por Jonas não é constituído tão somente de êxitos. Dado que

para ele, “o privilégio da liberdade carrega em seus ombros o fardo da necessidade, e

significa existência em risco” (2004, p. 14). Percebe-se que no constante embate

existente entre a liberdade e necessidade, ser e não ser acontece a dinâmica

ascendente, das mais remotas formas de vida a mais complexa, o ser humano. Ou

seja, a vida torna-se dinâmica e pode ascender quando se encontra em embate com a

sua antítese, a mesma dinâmica acontece com os polos dualistas em pauta.

Segundo Jonas, a vida se manifesta nestas polaridades básicas que por sua vez

determinam a existência. Polos como ser e não ser, eu e mundo, forma e matéria,

liberdade e necessidade. Neste sentido, “viver é essencialmente estar relacionado

com algo; e relação, com tal, implica ‘transcendência’” (2004, p. 15). O homem

transcende o mundo em que vive, ou melhor, a própria existência no mundo é

chamada transcendência.

Das polaridades mencionadas, a mais fundamental é a do ser com o não ser.

Por que constitui a existência como uma luta pela sobrevivência do ser que por fim

será vencido pelo não ser (morte). Jonas explicita a ousadia da existência, pois “cheia

de medo da morte, põe em foco a ousadia original da liberdade que a substância

assumiu ao torna-se orgânica” (2004, p. 16). Assim, a preocupação recai sobre o

organismo tanto do ponto de vista objetivo das realidades do mundo, como do ponto

de vista das reflexões interiores do homem.

Para Fonseca o objetivo das investigações de Jonas sobre o dualismo consiste

em “alcançar uma compreensão integral dessas duas dimensões, eliminando a

separação entre o homem e as demais formas de vida” (2010, p. 61).

Jonas não nega a polaridade existente, antes estende até as mais remotas

fronteiras da vida, para afirmar que nas contradições como liberdade e necessidade,

eu e mundo, criatividade e imortalidade estão em germe às formas mais primitivas da

vida. Esta oscilação que acontece entre os diferentes é em si um “horizonte interno

de transcendência” (Jonas, apud Fonseca 2010, p. 62). Quer dizer, não há

contradição ou anulação de um pelo outro, mas uma relação dialética de

complementaridade.

No entanto, a liberdade em jogo está longe de ser absoluta. Ela encontra-se

em constante embate com a necessidade. A liberdade enquanto privilegio diferente

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18

da matéria inanimada porta o fardo da aflição que significa existência em perigo.

Fonseca caracteriza esta liberdade de “liberdade dialética, que tem o risco

permanentemente crescente como sua outra face” (2010, p. 65). Neste embate entre a

liberdade e a necessidade, Jonas apresenta a expressão do desafio que coloca a cada

organismo, para assegurar a própria sobrevivência11.

Deste modo, é possível extrair algumas consequências desta possível

resolução do dualismo segundo Jonas. Primeiramente, a exposição de Jonas amplia a

dignidade humana a todo ser vivo, ao fazer da liberdade uma condição inalienável de

todas as formas de vida. Assim, segundo Fonseca, “ele transpôs o abismo que

separava o homem e o mundo, restituindo ao homem sua condição de integrante do

mundo, em estreita relação com todos os demais seres vivos” (2010, p. 70).

A segunda consequência extraída contribui para o plano ético, pois poderá

estabelecer no nível ético uma dialética semelhante à dialética da liberdade.

“Corresponderia à dialética do valor e da obrigação ética se impondo à liberdade

humana” (Ibid.). A terceira consequência útil para a ética é aplicar a resolução do

dualismo apresentado, no dualismo moral que opõe o ser ao dever-ser.

Por fim, com o conceito de liberdade ampliado a todo ser vivo, em relação

dialética com a necessidade, forma-se o organismo que pode e deve realizar o

metabolismo. Neste sentido, existe uma “continuidade entre mente e organismo,

entre organismo e natureza e por isso a ética se torna parte da filosofia da natureza”.

(Jonas, 2004, p. 271).

Para finalizar, o problema do dualismo nasce em Jonas por causa das suas

consequências niilistas. De um lado, com a posição gnóstica temos o descredito da

ação humana no mundo, de outro, com o cartesianismo a separação psicofísica

resultado no problema da falta de explicação da ação do corpo no mundo. Assim,

Jonas investigando os fenômenos da vida, em consonância com a realidade,

encontrou inúmeras dualidades em relação dialética. Neste embate entre as

polaridades, os diferentes não se anulam, mas se completam continua e

simultaneamente.

11 Sobre este assunto existe um artigo publicado na revista Dissertatio intitulado A transanimalidade

do homem: uma premissa do princípio responsabilidade. O autor chega à conclusão, a luz do

pensamento de Jonas, que é no ser humano como transanimal que a liberdade alcança seu auge e,

consequentemente, nele se efetiva a demanda da responsabilidade.

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19

2.2 As influências de Heidegger no pensamento de Jonas

Jonas toma contato com o professor Heidegger em meados da década de 20

quando passa a frequentar os seminários por ele oferecidos em Freiburg. A partir daí,

passa a fazer parte dos privilegiados alunos do Jovem Heidegger. Mesmo tendo

escolhido estudar tema relacionado à religião, Heidegger passou a influenciar a sua

pesquisa. Zancanaro comenta que, “a influência de Heidegger é decisiva, e seu

projeto é impensável sem seus ensinamentos” (1998, p. 22). Com esse intuito, é

imprescindível saber: quais foram as principais influencia que Heidegger exercera

sobre Jonas? O que as suas investigações suscitaram nele?

Durantes os anos que foi aluno de Heidegger, Jonas participou ativamente das

discussões que antecederam a obra Ser e Tempo. Além do mais, a base do

pensamento jonasiano foi ancorada nas suas categorias existenciais. Ele percebia no

jovem Heidegger um pensador em potencial, com capacidade peculiar de penetrar

nos textos antigos e traze-los para atualidade de forma inovadora e surpreendente.

Deste modo, duas coisas são imprescindíveis conhecer em Heidegger, a primeira diz

respeito às categorias existências, isto é, a sua análise existencial, a segunda diz

respeito à questão da técnica moderna.

2.2.1 Influências da análise existencial de Heidegger

Na primeira fase de seu pensamento, Heidegger de modo particular realizou

análises detalhadas sobre a condição existencial. Com este empreendimento, lançou

as bases do existencialismo contemporâneo ocidental. Não cabe aqui fazer

explanações exaustivas sobre o existencialismo, apenas mostrar alguns aspectos em

particulares desta fase que foram importantes para Jonas.

Nicola Abbagnano acena, em relação à filosofia contemporânea da existência,

três designações para o termo existência: “1) o modo de ser próprio do homem; 2) o

relacionamento do homem consigo mesmo e com o outro; 3) relacionamento que

resolve em termos de possibilidade” (2000, p. 400). Neste momento, é importante

fixar as reflexões apenas na segunda designação, pois nela o existencialismo é um

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modo de ser em situação, entendendo-se com isso, o conjunto de relações analisáveis

que vinculam o homem ás coisas do mundo e aos outros homens. Entretanto, as

relações não são necessárias nos seus modos de manifesta-se, as situações concretas

só podem ser analisadas em termos de possibilidades. Neste ponto, Heidegger foi o

primeiro a formular uma análise das caraterísticas da existência.

Ele não está interessado em investigar os conceitos abstratos de existência

contidos na tradição clássica ocidental. Para ele, não bastam às essências racionais é

preciso levar em conta a existência concreta isto é, o ser aí (Dasein) 12. Tematiza

originalmente, um modo de ser próprio da existência humana, em sua singularidade,

que transcende as investigações abstratas. Heidegger acusa a tradição de ter

esquecido o ser. Em seus termos, o elemento ontológico faz essencialmente parte da

filosofia da existência, sem esse elemento não se pode conhecer a condição

existencial.

A existência como possibilidade está intimamente ligada com a alternativa

entre o modo de ser autêntico e inautêntico. Para Heidegger, o modo inautêntico é

aquele que leva os entes a existência cotidiana e anônima. Percebe-se, pois, o que

está em jogo é a possibilidade da existência autêntica. Ela deve ser escolhida sendo a

mais própria do ser. Mas o que possibilita a existência autentica? Para ele, essa

possibilidade é a morte. Segundo Zilles, “para Heidegger, esta possibilidade própria

é a morte, pois ‘viver para a morte’ é a ‘possibilidade da impossibilidade da

existência” (1995, p. 16). Em termos gerais, viver para a morte é compreender a

impossibilidade da existência, isto exige uma existência mais autêntica.

Nos seus estudos iniciais, Jonas trabalha o tema da gnose. Entretanto, o que

se fomentava na época eram termos relacionados ao existencialismo13. Jonas relata,

ao voltar para o estudo da gnose, que pode perceber pontos de vistas diferente do

tema, graças às contribuições existenciais de Heidegger. Elas possibilitaram

“condições de ver aspectos do pensamento gnóstico que ainda não havia sido visto

até então” (2004, p. 233).

12 Caracterização do Dasein mais detalhada livros: o que é existencialismo, Heidegger, Stein, Zilles; 13 No da coleção primeiros passos O que é existencialismo é possível encontrar os traços gerais desta

corrente que foi muito discutida na década e 40 e 50. Dentre as correntes recorrentes é possível

encontrar a corrente ligada a Heidegger que mais nos interessa.

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Em contrapartida, o existencialismo que havia fornecido os meios para uma

análise histórica, ficou ele próprio envolvido pelos resultados desta análise. Ele

contribuía com o seu método e através das suas categorias. As categorias têm por

objetivo explicar as estruturas básicas da existência humana, tornando-se em Jonas,

instrumento de compreensão da gnose. Entretanto, a gnose também contribuiu para

com o existencialismo, possibilitando novas abordagens. Para Jonas, a solução

existencialista da gnose e a leitura gnóstica do existencialismo se complementam.

No texto que aborda esta questão, Jonas está interessado em expor as

contribuições da gnose e do existencialismo moderno, com intuito de apresentar as

consequências niilistas14. Percebe que, ao longo da história, culminando com o

existencialismo perdeu-se algumas características fundamentais que, por sua vez,

favoreceram o niilismo. Como os valores do ser, que na antiguidade eram definidos

agora deixam de ser considerados. A desconsideração do valor em si das coisas. A

vontade que se torna substituta da contemplação (teoria). A supressão da condição

transcendente do ser humano pela relação de poder e domínio. Enfim, a relação com

a natureza de forma meramente instrumental.

Jonas diz que, “no fundo da situação metafisica que levou o existencialismo

moderno aos seus aspectos niilistas, se encontra uma mudança na imagem de

natureza”. (2004, p. 237). Sem o referencial de natureza as ações humanas tornam-se

vãs.

Jonas apresenta o niilismo como ponto de união das duas posições. A

primeira provém da cristandade tardia com os gnósticos. Até então, a visão de mundo

era harmoniosa e o homem fazia parte da totalidade do cosmo. Mas, a partir das

contribuições gnósticas, o homem passa a ver o mundo estranho a sua realidade. Para

o gnóstico, o mundo é naturalmente alheio à realidade humana, hostil e mal. O

homem é lançado a este mundo que não escolheu e é obrigado a conviver com ele.

Com isso, quebra-se a antiga visão da lei cósmica, que era venerada pela razão que

14 Dentro do livro O principio Vida, Jonas tem um artigo intitulado Gnose, existencialismo e niilismo,

com ele que pretendemos explorar a relação de Jonas com as termos existências em Heidegger. Nele

também Jonas pretende explorar as contribuições tanto do gnosticismo ao existencialismo, quanto do

existencialismo para o gnosticismo. Além disso, afirma que os dois possuem alguma coisa em comum

entre si, e que esta alguma coisa é de tal natureza que seu estudo pode levar a uma mútua e mais clara

compreensão de ambos.

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dela provinha e orientava a razão humana. Na visão de Jonas, a consequência disso

“torna vã a liberdade do ser humano” (2004, p. 240).

A noção de mundo, impressa pelos gnósticos, tira o caráter ordenador do

mundo. Apesar disso, ele continua sendo cosmo, isto é, ordem, mas uma ordem mais

tirânica e desvinculada do humano. O que predomina neste ‘estar no mundo’ é o

medo. “O medo sinaliza que o eu interior despertou do sono ou da embriaguez do

mundo” (2004, p. 241). O ser humano sente-se alienado ao mundo e a si mesmo.

Com isso, é possível perceber aberturas para a instalação do niilismo. Entretanto, este

quadro apresentado pelos gnósticos, tem solução segundo Jonas. A saída apresentada

provém do mundo, pois o mundo deve ser vencido pelo poder.

A segunda constitui um modo mais rebuscado de niilismo, pois ganha forças

com o existencialismo moderno. Segundo Jonas, em relação ao existencialismo, ouve

uma desvalorização da natureza, manifestado pelo esvaziamento espiritual da ciência

natural moderna. O existencialismo não se preocupou com a natureza, pois não

conservou nenhuma dignidade. Jonas afirma, “nunca uma filosofia preocupou-se tão

pouco com a natureza quanto o existencialismo” (2004, p. 250).

Com esse empreendimento, Jonas mostra que, os aspectos da gnose

contribuíram para compreender o existencialismo e o niilismo moderno. Da mesma

forma, com as contribuições das categorias existenciais pode perceber melhor os

movimentos da gnose. O existencialismo contribuiu para esse niilismo, situado

primeiro por Nietzsche e depois por Heidegger, que consiste no dualismo entre

homem/natureza e homem/realidade.

No entanto, em Jonas há uma preocupação grande por solucionar este

problema do niilismo moderno. Com Heidegger, Jonas pretende superar o dualismo,

através da compreensão da existência, que é estar no mundo, mas em movimento de

transcendência, pois o fim para o qual o homem corre está no mundo. Diferente da

compreensão que não leva em conta a natureza e o mundo onde o homem não corre

para nenhum fim. Para Jonas, o mundo tem sentido referencial, pois possibilita o

desejo de transcendência. Todavia, ele também representa liberdade que usada de

forma errada pode colocar em perigo a existência.

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Nas palavras de Zancanaro, “a influencia heideggeriana pode ser percebida

no uso de estruturas existenciais, como: possibilidade, projeto, renúncia, presente,

passado, futuro, liberdade, cuidado, angústia e existência” (1998, p. 33).

Jonas afirma que a possibilidade das conquistas tecnológicas, das catástrofes

e da não existência de vida no futuro, faz com que o temor pela morte essencial ou

vital seja capaz de impor limites ou freios as ações humanas. Por isso, os ‘projetos’

tem como objetivo antecipar certas possibilidades e a catástrofe é uma delas.

O futuro é um continuo inesperado que precisa ser zelado. Zancanaro

comenta que, “aqui se revela novamente a ‘heurística do temor’, ou seja, sem o

pressentimento do futuro, o presente seria uma terra sem cuidados” (1998, p.34). Na

compreensão de Jonas, o passado é o imutável, o presente são as ações e o futuro é o

mutável. O futuro, deste modo, é alvo de ‘pré-ocupação’, com ameaça de poder

engolir o presente. O presente cheio de cuidados é um eco do futuro.

Jonas afirmar que as possibilidades de catástrofes não são mais delírios

ilusórios. Diante da expressão do poder do homem pela técnica e pela onipotência da

vontade de potencia do homo faber, não resta alternativa senão antecipar ou projetar

esse mesmo ‘nada’ como possibilidade de mover o sentimento para a ação. A

possibilidade da impossibilidade heideggeriana é revelada por Jonas ao falar da

escolha por um não ao não ser. É a via negativa de tomada de consciência daquilo

que é possível que se realize. A existência para Jonas é “ser adiante de si, cuidado,

projeto, decisão, antecipação da morte, são modos existenciais do futuro”

(Zancanaro, 1998, p. 36).

Para concluir, é importante ressaltar que durante esta explanação foi possível

perceber alguns aspectos de Heidegger que também estão presentes em Jonas. Os

dois estiveram preocupados com a questão do niilismo. Jonas de modo perceptível

pelos esforços em retirar da própria condição existencial a responsabilidade objetiva

e Heidegger, apesar de ficar no plano metafísico, procura resgatar o sentido do ser

criticando a técnica moderna.

2.2.2 Influências da critica a técnica

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24

Para Jonas, Heidegger conseguiu perceber os movimentos que foram

acontecendo ao longo de toda história da filosofia, pois descreveu de forma original a

experiência moderna da ansiedade como consequência da compreensão distorcida do

ser. Isso o levou a ter uma visão pessimista da ciência e da tecnologia,

compreendendo nelas uma visão dogmática onde se reduz a existência a sua

instrumentalidade. Acontece desse modo, o ‘esquecimento do ser’ e isso inviabiliza o

projeto da existência humana autêntica. Entretanto, Heidegger limita-se tão somente

a entender a essência da técnica, não demonstra nenhuma preocupação com a ética.

Essa é uma tarefa para os seus alunos.

Heidegger foi um dos primeiros filósofos a propor uma revisão do sentido da

técnica moderna. Pretendia discutir a essência da técnica para além das dimensões

metafisicas e epistemológicas. Numa de suas conferências intitulada Língua da

tradição e língua da técnica, investiga a questão da técnica de modo particular.

Segundo ele “a técnica – corretamente concebida – penetra e domina todo o domínio

da nossa meditação” (1995, p. 14).

O caminho que Heidegger parte, passa pela desmistificação da noção de

técnica frequentemente concebida. A técnica, neste sentido, não pode ser apreendida

como um meio para obter algo ou como atividade humana. Tão pouco, Heidegger

está interessado pela concepção moderna da técnica como instrumento de

intervenção na natureza. Até por que, a técnica não é a mesma coisa que a essência

da técnica. Ele está interessado na essência da técnica. A essência da técnica é o ‘que

é’ propriamente, já a técnica comumente concebida é um meio para um fim realizado

pelo homem15.

Avançando na compreensão, é importante destacar como Heidegger vai

conceber a essência da técnica. Ele fez o caminho inverso, partiu da compreensão

histórica da técnica para se chegar à essência. Partiu de uma análise dos termos

poiesis, techné, episteme e aletheia. A poiesis significa: fazer emergir conduzi-lo ao

aparecer, seria a produção natural que independe do homem. A techné é a produção

com intervenções humana, mas de forma simples. A episteme é o conhecimento

desta produção, natural (poiesis) ou técnica (techné). Esse conjunto de fatores

15 Dubois, esclarece que “a essência deve aqui ser compreenda historicamente, no sentido de um certo

destino dos ser e do desvelamento”. (2004, p. 136).

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constitui a aletheia que é o desvelar. Esse desvelar, diz Heidegger, que os gregos

chamavam aletheia, os romanos denominavam verdade. (César, 1980, p. 66).

Com isso, Heidegger chega à essência da técnica: desvelar, mostrar a

verdade. Ele supera a concepção moderna de técnica como usura da natureza por

meios de intervenção humana. Agora, a técnica é essencialmente um modo de

verdade (desvelamento) dos entes que são realidades em termos de manifestação.

Nesse sentido, qual seria o modo específico de desvelamento, que distingue a técnica

moderna, e como o homem nela toma parte?

A moderna técnica não requer dos entes a produção, mas a requisição da

natureza. Ela desafia a realidade dos entes e, exige deles, para satisfazer a realidade

de consumo. Por exemplo, existe diferença entre usar uma roda d´água num rio e

construir uma usina para extrair energia. A primeira forma, não exige uma mudança

radical na manifestação do rio, enquanto que a usina exige do rio a sua força, toma

de forma autoritária. Eis a diferença, a requisição da moderna técnica que, por sua

vez, não tem nada haver com a produção no sentido antigo.

Na moderna técnica, as necessidades são elas mesmas um produto. Os entes

para os modernos nada mais são do que objetos a serem utilizados e manipulados

pelos sujeitos. O homem através da essência da técnica tem a possibilidade de optar

por duas atitudes: em desenvolver apenas aquilo que se revelou o que caracteriza o

mundo, ou buscar, de modo original, o significado das coisas. No caso da

modernidade, a opção é a primeira, o mundo é tornado um fim em si e se torna

ameaçador. Heidegger esclarece essa questão dizendo:

O que a técnica moderna tem de essencial não é uma

fabricação puramente humana. O homem actual é ele próprio

provocado pela exigência de provocar a natureza para

mobilização. O próprio homem é intimado, é submetido à

exigência de corresponder a esta exigência. (1995, p. 29).

O que poderia lançar luzes sobre está situação da técnica? Já que o destino do

homem é corresponder às exigências dos apelos da técnica. Na compreensão de

Dubois, “O perigo diz respeito portanto justamente á própria essência do homem,

isto é, de ser aquele que responde pelo próprio ser!” (2005, p. 139).

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Heidegger cita e medita estes versos de Hölderlin: ‘mas ali onde há perigo, ali

também cresce o que salva’. Com base, no perigo que a técnica encerra, reside à

possibilidade de salvação do homem. Até porque, salvar em sua compreensão quer

dizer reconduzir à essência. Neste sentido, Stein tem razão ao dizer que “a salvação

emerge da consciência de que o homem se defronta na técnica apenas com um modo

de desvelar a verdade” (1966, p. 118).

Heidegger caracteriza a época atual de técnica planetária, da pura

instrumentalidade, do engenho e do desvelamento dos entes. O homem rompe com a

sua própria essência, que consiste em manter-se aberto ao sagrado, ao ser. Em

Heidegger, há um apelo grande para refrear o obscurecimento do mundo e por

recuperar a verdade dos entes. Nas palavras de César, “A técnica é um saber, que

pode fazer emergir a compreensão do ente como totalidade. A tarefa do homem é

assumir esse saber, mediante o qual põe à luz do ser” (1980, p. 68). Cabe ao homem

converter o esquecimento do ser em desvelamento, isto é, ater-se a escutar os apelos

daquilo que é.

Concluindo, Heidegger critica a técnica moderna que desembocou no

esquecimento do ser. Contudo, as conclusões para o campo ético não estiveram

presente em suas meditações. Ele apenas foi fiel em descrever a situação atual. A

tarefa de extrair medidas éticas ficou a cargo de seus alunos. Dentre eles destacam-se

dois: Hans Jonas como o princípio responsabilidade e Anders com o princípio

desespero. Com intuito de explorar a questão apenas em Jonas, será tratado no

próximo capitulo a crítica por ele realizada à técnica moderna.

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3. A CRÍTICA A TÉCNICA E AO ANTROPOCENTRISMO

O ponto de partida da principal obra de Hans Jonas Princípio

responsabilidade é a figura do prometeu desacorrentado. Com essa figura, ele quer

caracterizar o perigo que a humanidade adentrou com o poder transformador da

técnica moderna. Principalmente, através do forte impulso da ciência moderna e dos

incentivos econômicos. O poder do homem pode ter se transformado numa desgraça

para ele mesmo. De encontro a esta realidade, Jonas explicita no prefácio à obra que

“a tese de partida deste livro é que a promessa da tecnologia moderna se converteu

em ameaça, ou esta se associou àquela de forma indissolúvel.” (2006, p. 21).

Nenhum traço do passado se compara a atual submissão da natureza e ao

sucesso da técnica moderna. O homem no presente, diferentemente do passado,

possui o poder de transformação e de destruição de toda a vida do Planeta. A técnica

moderna alterou essencialmente o horizonte e as coordenadas espaço-temporais em

que se inscreve, e onde se desdobra seus efeitos no agir humano. Com isso,

quebraram-se alguns paradigmas em relação à ação humana e o modo de concebê-la.

Toda sabedoria que foi sendo acumulada ao longo da evolutiva trajetória

histórica culminou com a total rendição da natureza pelo importante, no entanto,

perigoso poder da técnica. Neste sentido, para Jonas “o novo contingente da práxis

coletiva que adentramos com alta tecnologia ainda constitui, para a teoria ética, uma

terra de ninguém” (Jonas, 2006, p. 210). Todas as diretrizes éticas do passado são

supreendentemente superadas. Não existe na tradição parâmetros suficiente para esta

realidade completamente desconhecida que se revela sob o símbolo do perigo.

A previsão de perigo, na reflexão de Jonas, adquire valor pedagógico, pois

segundo o seu pensamento as possibilidades de catástrofes futuras já não são mera

ficção. Até porque, o potencial de transformação e de intervenção humana foi

elevado muito acima do necessário. Por isso, é fundamental olhar para o futuro por

uma lente pessimista, isto é, a possibilidade do futuro catastrófico pode despertar a

consciência e mover a vontade para medidas de contenção. Somente com a antevisão

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da desfiguração do homem é possível chegar “ao conceito de homem a ser

preservado” (2006, p. 21).

Por conseguinte, percebe-se que os esforços de Jonas, representam o ensaio

de uma ética para a civilização tecnológica. Em uma alusão a Spinoza e

Wittgenstein, Jonas apresenta seu ensaio como um Tractatus tecnológico-ethicus,

cujo objetivo é apontar a existência de problemas atuais outrora inexistentes. Por

isso, faz-se necessário a defesa de uma nova teoria ética de medidas, respeito,

ponderação e custódia. Essa nova dimensão de responsabilidade nasce da própria

condição existencial e tecnológica.

Diante disso, surgem algumas perguntas que são fundamentais para a

compreensão da proposta jonasiana. Diante do poder da técnica o que pode servir

como bússola para orientar as ações humanas? Será que não é necessário que a ética

invada o espaço da técnica e exija freios voluntários em face da real possibilidade de

morte essencial e vital do mundo humano e extrahumano? Diante do fato da técnica

ter adentrado e rompido com os parâmetros éticos é possível pensar uma ética que

possa corresponder aos anseios oriundos do poder da técnica moderna? As éticas

tradicionais ainda são válidas para o novo contexto tecnológico? Será que o futuro

das gerações posteriores seria comprometido pelo mau uso das tecnologias

disponíveis no tempo presente? Com estas indagações de pano de fundo, mister se

faz, agora, percorrer os caminhos que levaram Jonas a propor uma nova teoria ética.

3.1 O novo espaço de poder da ação humana

Olhando para a atual sociedade técnica, Jonas percebeu a necessidade de

revisão do poder de ação humana, por causa do seu potencial catastrófico que pode

levar a total aniquilação da vida na terra. Dois foram os motivos mais eminentes

desta mudança: a ciência e a técnica que na modernidade se juntaram e ganharam

forças. Além disso, receberam grandes incentivos econômicos no atual sistema

capitalista16. Esta realidade põe em cheque os pressupostos éticos do passado.

16 Uma exposição mais detalhada sobre as tecnologias e as influencias econômicas é tema do livro:

Ética e poder na sociedade da informação. (Dupas, 2001)

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Jonas aponta para as consequências na vida prática. Ele se propõe a examinar

as realidades que foram modificadas para tentar encontrar respostas éticas a atual

situação. Por estar inserido diretamente nestas discussões, Jonas afirma que “a

natureza modificada do agir humano também impõe uma modificação na ética”

(2006, p. 29). Para compreender por que a ética deve ser modificada, primeiramente

é preciso compreender a modificação que houve do agir humano.

Desde as formas mais remotas de intervenção, com o uso da técnica, o

homem passou a se relacionar com a natureza de forma dominadora e predatória.

Segundo Jonas, com o advento da modernidade ouve uma grande mudança no agir

humano. Na antiguidade, por mais insistentes que tenham sido as intervenções

humanas, não havia grandes alterações na natureza. O que não acontece com o atual

potencial de ação humana. Diferentemente, hoje o homem detém o poder de

destruição de toda a vida no Planeta pelas ações coletivas dentro desse contexto

tecnológico17.

Preocupado com tal questão, Jonas discute o poder e o fazer humano como

premissas históricas da tecnologia. Com intuito de caracterizar esse poder e fazer

humano, Jonas remete-se ao famoso canto do coral de Antígona, de Sófocles18. Nele,

17 Na primeira parte de seu texto intitulado Desafios Éticos advindos da efetividade do Binômio

ciência-técnica, Maria de Jesus dos Santos apresenta três conceitos históricos importantes para a

compreensão do pensamento de Jonas: téchne, técnica e tecnologia. Isso com intuito de investigar as

substantivas interferências da ciência na transformação do entendimento e de sua aplicabilidade. O

termo téchne caracterizava a vivência dos gregos antigos e se configurava como uma arte

transformadora. Nota-se que neste contexto o homem não se distinguia da natureza. As suas

intervenções não tinham pretensões de dominação e nem poder de destruição. O termo técnica ainda

está atrelado a téchne, mas com o advento da modernidade não é mais possível entender este termo no

sentido de arte, pois entra em cena o binômio ciência e técnica. Com esta realidade, o saber passa a ser

um artifício de dominação e de poder. Heidegger é preciso ao destacar que na modernidade a técnica

proporciona o ‘abandono do ser’. Os dois precursores desta potencialização do poder humano são:

Francis Bacon com a pretensão de que por meio da dominação da natureza pela técnica e pelo saber

científico se resolveria todos os problemas e Descartes através do desenvolvimento do método

científico. Com isso, na modernidade a técnica alia-se com a ciência que resulta numa mudança

substancial do agi humano, aumentando substancialmente o poder de ação humana. Por fim, a

tecnologia é uma caraterística da contemporaneidade. Ela é profundamente marcada por uma espécie

de hegemonia. A tecnologia é a união da técnica e da ciência levada a extremo. Caracteriza-se pelo

domínio sobre a natureza e pelo poder de destruição total da vida no planeta. Ela proporcionou muitos

benefícios à humanidade, mas também foi responsável por hegemonias e relações de poder. Sempre

quando forem mencionados alguns destes termos subtendem-se estas características. 18 Segue na integra a citação que Jonas faz de Sófocles para explicitar o poder e o fazer humano.

“Numerosas são as maravilhas da natureza, mas de todas a maior é o homem! Singrando os mares

espumosos, impelido pelos ventos do sul, ele avança e arrosta as vagas imensas que rugem ao redor”.

E Gea, a suprema divindade, que a todas mais supera, na sua eternidade, ele a corta com suas

charruas, que, de ano em ano, vão e vêm, fertilizando o solo, graças à força das alimária!

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Jonas percebe que mesmo na antiguidade já existia poder humano opressivo que

violava a ordem cósmica. Aliás, para Jonas, “a violação da natureza e a civilização

do homem caminhão de mãos dadas”. (2006, p. 32). Nota-se que a intervenção

humana entendida como poder de ação fez parte do processo civilizatório da

humanidade.

Neste contexto, o homem é caraterizado como artífice de seu próprio destino,

capaz de reinventar as situações que o circundam e transforma-las conforme a

necessidade. Jonas demostra a compreensão dessa realidade ao afirmar que “o

homem é o criador de sua vida humana. Amolda as circunstâncias conforme sua

vontade e necessidade, e nunca se encontra desorientado, a não ser diante da morte.”

(2006, p. 32). Para ele, a morte proporciona a contemplação da realidade mesma,

visto que diante dela o homem toma consciência de sua vulnerabilidade e

desmistifica os ideais pretensiosos e utópicos19.

Jonas menciona alguns elementos que não foram explicitados no canto de

Sófocles, mas que são importantes para caracterizar o poder e o fazer humano antigo.

O que ali [no canto de Antígona] não está dito, mas que

estava implícito para aquela época, é a consciência de que, a

despeito de toda grandeza ilimitada de sua engenhosidade, o

homem, confrontado com os elementos, continua pequeno: é

justamente isso que torna as suas incursões naqueles

Os bandos de pássaros ligeiros; as hordas de animais selvagens e peixes que habitam as águas

do mar, a todos eles o homem engenhoso captura e prende nas malhas de suas redes.

Com seu engenho ele amansa, igualmente, o animal agreste que corre livre pelos montes,

bem como o dócil cavalo, em cuja nuca ele assentará o jugo, e o infatigável touro das montanhas.

E a língua, e o pensamento alado, e os sentimentos de onde emergem as cidades, tudo isso ele

ensinou a si mesmo! E também a abrigar-se das intempéries e dos rigores da natureza! Fecundo em

recursos, previne-se contra os imprevistos Só contra a morte ele é impotente, embora já tenha sido

capaz de descobrir remédios para muitas doenças, contra as quais nada se podia fazer outrora.

Dotado de Inteligência e de talentos extraordinários, ora caminha em direção ao bem, ora ao

mal... Quando honra as leis da terra e da justiça divina ao qual jurou respeitar, ele pode alçar-se bem

alto em sua cidade, mas excluídos de sua cidade ele, caso se deixe desencaminhar pelo Mal.”

(Sófocles apud Jonas, 2006, p. 31) 19 De forma especial, Jonas contesta os ideais pretenciosos de transformação da vida humana através

da ciência e da tecnologia e também no campo políticos os ideais utópicos marxistas. Segundo Jonas,

o ideal utópico fracassa por que deposita todas as expectativas na crença do progresso tecnológico e

científico. As consequências destas promessas levam a humanidade ao desvario e ao desastre ora

percebidos. No que ele apresenta, para que se realize o ideal utópico o preço pode ser o fim da

humanidade. Cf. SANTOS, Maria de Jesus. Desafios éticos advindos da efetividade do binômio

ciência-técnica. Pensando: Revista de Filosofia. v. 1, n 2, 2010, p. 90

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31

elementos tão audaciosas e lhe permite tolerar a sua

petulância. (2006, p. 32)

Com isso, Jonas explicita a condição do poder humano daquela época. Por

mais ameaçadora e exploradora que possa ter sido a intervenção do homem antigo na

natureza, ela contornava a situação e prevalecia sobre os ataques. Porque o poder de

ação ainda era superficial e pequeno diante das forças naturais. O homem tinha

alcançado, sim, nesta época a domesticação das necessidades pela astúcia. Mas ao

refletir sobre isso, assustava-se diante do próprio atrevimento20. (Jonas, 2006, p. 33).

Todavia, os avanços daquela época nem se comparam aos avanços da atual sociedade

tecnológica, além do mais, o poder da ação humana não tinha potencial catastrófico.

Com a inclusão do homem no processo civilizatório, aos poucos ele deixa de

fazer parte de um todo cósmico e passa a viver num contingente antropológico. De

cidadão do mundo tendo o cosmo com ordem e lei natural, passa a viver em cidades,

único espaço antropológico de responsabilidade moral. Na visão de Jonas, o homem

se desenvolvia entre o que permanecia e o que mudava. O que permanecia era a

ordem natural das coisas e o que mudava eram as suas próprias obras. De todos os

empreendimento humanos, a maior dessas obras era a cidade, à qual ele podia

emprestar um certo grau de permanência por meios que inventava e aos quais se

dispunha a obedecer. (Jonas, 2006, p. 33).

A cidade como artefato do homem era o único objeto de responsabilidade a ele

confiado. Para Jonas, a cidade não era objeto da responsabilidade humana. Esse fato,

associado à inviolabilidade essencial da natureza, justificavam seu domínio e o uso

abusivo para fins humanos. A natureza externa estava fora do contingente de

responsabilidade humana.

No entanto, adverte Jonas, “na cidade, ou seja, no artefato social onde homens

lidam com homens, a inteligência deve casar-se com a moralidade, pois essa é a alma

de sua existência.” (2006, p. 34). A moralidade tinha suas caraterísticas

20 Sobre isso comenta Giacoia: “Por mais que o homem capture e domine as espécies animais, bem

como as forças da natureza, por mais que procure submeter a si os poderes e os recursos naturais,

subordinando-os a seus próprio fins, ele nada pode, em ultima instância, contra essa natureza que o

domina, que subsiste intacta em seu poder e soberania, e acaba sempre de novo forçando o poderio

humano a obedecer seus ciclos e suas leis.” (2001, p. 196)

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32

profundamente enraizadas no mundo intrahumano e o saber tinha sua dose de

importância na moral. A ética fundamentava a moral e não tinha nenhum

compromisso com a realidade fora deste contingente. Com efeito, Jonas afirmar que

todas as éticas da tradição levaram em conta tais pressupostos, condicionados ao

universo antropológico.

Jonas percorre a antiguidade buscando caracteriza-la, nela encontra a natureza

inviolável pelo então poder humano. Até aqui não há modificações essenciais no

poder de ação humana. Mas à medida que vai acontecendo o processo civilizatório

dentro do artefato cidade, o poder de fazer gradativamente aumentou, modificando

significativamente a natureza de seu agir.

A técnica moderna foi a principal responsável pela modificação da ação

humana aliada aos incentivos modernos da ciência com a potencialização do sujeito.

A ética era antropológica, não tinha pretensões e nem necessidades de se preocupar

com o extrahumano21. No entanto, com o advento da modernidade houve uma

potencialização apocalíptica da ação humana. Mas será que a técnica aliada à ciência

não invadiu o espaço humano? Se o poder de ação humana foi modicado será que a

ética tradicional ainda é suficiente?

Dessa forma, com Jonas é possível perceber modificações no poder de ação do

homem através da técnica moderna. Diante deste fato, destaca-se a importância da

ética para a atual civilização tecnológica, pois as consequências destas modificações

tornaram-se perigosas. Sendo ela responsável pelas ações humanas, tem agora, um

enorme desafio pela frente. Ciente desta realidade, Jonas se propõe a investigar as

éticas tradicionais com intuito de verificar a veracidade das normativas frente ao agir

modificado do ser humano e seu potencial transformador.

3.2 As insuficiências éticas tradicionais

É possível afirmar, com base nos preceitos de Jonas, que a relação do homem

com a natureza ao poucos foi sendo modificada. A principal responsável por esta

mudança foi à técnica moderna. A técnica aumentou o poder de transformação da

21 Nota-se que neste contexto ainda não é possível caracterizar a bioética e a ecologia, pois elas

surgem mais tarde por necessidades diante do agir modificado.

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33

ação humana. Enquanto isso, a ética que se ocupava da ação humana, permaneceu

imutável. Tendo está contradição como pano de fundo, Jonas se propõe investigar os

parâmetros éticos tradicionais para saber se ainda são suficientes para responder aos

apelos do agir modificado pela técnica.

Com objetivo de caracterizar as éticas tradicionais e fazer uma comparação

com o estado atual das coisas, Jonas ressume em cinco pontos as características

destas éticas. 1) Para ele, “todo o trato com o mundo extra-humano, isto é, todo o

domínio da techne (habilidade) era – a exceção da medicina – eticamente neutro”

(2006, p. 35). Com isso, a atuação sobre objetos não humanos não formava um

domínio eticamente significativo. A ação humana não se preocupava com o mundo

extrahumano, restringia-se ao espaço antropológico. E, portanto, a ética não se

ocupava da técnica, pois não havia necessidade já que ela não intervinha nas ações

humanas.

2) Neste ponto, Jonas menciona que a significação ética dizia respeito ao

relacionamento direto de homem com homem, inclusive o de cada homem consigo

mesmo; toda ética tradicional é antropocêntrica. (2006, p. 35). De fato, o

antropocentrismos é uma forte caraterística da ética tradicional. Qualquer domínio

longe do universo humano não interessava, pois a natureza era considerada

inviolável. 22

3) O terceiro ponto vem de encontro a condição fundamental do ser humano.

Jonas descobre que “[...] a entidade “homem” e sua condição fundamental era

considerada como constante quanto à sua essência, não sendo ela própria objeto da

techne (arte) reconfiguradora” (Ibid). Com isso, percebe-se que a condição humana e

todas as suas constituintes não era objeto da técnica. Sendo que a essência humana

fazia parte das realidades eternas, neste caso, tinha-se a ideia de que a essência

humana era boa e dela advinha à dignidade. O homem não fazia parte dos fins da

técnica. Pelo contrário, a partir da essência imutável do homem era possível

estabelecer o que é bom e fundamentar a ética.

22 Fonseca comenta o ponto um e dois da seguinte forma: “O ponto um e dois são semelhantes, e o

fundamental nessas avaliações, é que isso deve gerar novas dimensões de responsabilidade, a

complementar as dimensões da ética “próxima” que já conhecemos, chamando-nos atenção

especialmente à passagem da moral de estilo privado para a dimensão da responsabilidade no nível

social e planetário.” (2007, p. 26).

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34

4) Outro aspecto destacado por Jonas é a simultaneidade da ação humana. Na

sua compreensão o bem e o mal, com o qual o agir tinha de se preocupar,

evidenciavam-se na ação, seja na própria práxis ou em seu imediato, e não requeriam

um planejamento. (2006, p. 35). Os objetivos e as consequências das ações humanas

não respondiam pelo futuro. A ética tradicional levou a marca da presença como

herança, com efeito, a ética tinha que ver com o aqui e agora, como as ocasiões se

apresentava aos homens, com as situações recorrentes e típicas da vida privada e

pública.

5) Jonas inda reforça que “todos os mandamentos e máximas da ética

tradicional, fossem quais fossem suas diferenças de conteúdos, demonstram esse

confinamento ao círculo imediato da ação”. (Ibid). Exemplifica com algumas

máximas conhecidas pela ética e pela religião23, mas mostra que todas elas possuem

em comum o caráter imediato, simultâneo, antropológico e recíproco em suas

fundamentações. E finaliza esta descrição dizendo que toda a moralidade situava-se

dentro desta esfera da ação próxima e recíproca. (2006, p. 36).

Jonas caracterizou de forma objetiva os traços fundamentais das éticas

tradicionais. Realizou isso com intuito de mostrar suas insuficiências ante as

modificações oriundas principalmente da técnica moderna. Cumpre assinalar, no

entanto, que por se tratar de uma tese geral, Jonas não especifica qual das éticas da

tradição direciona a problemática. Neste sentido, fica difícil compreender a qual das

éticas da tradição é endereçada esta caraterização em particular (se esta se refere à

ética da Antiguidade, Medieval, ou Moderna). (Santos, 2009, p. 275). Mesmo não

encontrando menção direta a específica ética, é possível perceber indícios de que

Jonas está se referindo principalmente à ética aristotélica e kantiana24.

23 “Ama teu próximo como a ti mesmo”; “Faze aos outros o que gostaria que eles fizessem a ti”;

“Instrui teu filho no caminho da verdade”; “Almeja a excelência por meio do desenvolvimento e da

realização das melhores possibilidades da tua existência como homem”; “Nunca trate os teus

semelhantes como simples meios, mas sempre como fins em si mesmo”. Todas estas máximas estão

prezas ao circulo imediato de ação, não possuem preocupação com o futuro. (Jonas, 2006, p. 36) 24 É importante esclarecer que Jonas não tem a pretensão de realizar uma crítica aos postulados da

ética tradicional, seja ela aristotélica ou kantiana. E neste ponto Maria de Jesus dos Santos comenta:

“Talvez Jonas pretenda apenas indicar algumas limitações destas. O que lhe move verdadeiramente é

a constatação de uma realidade gravemente modificada. Esse é o mote que lhe orienta a repensar num

modelo ético inaugural”. (2010, p. 101-102).

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35

O que desencadeia o interesse de Jonas pela ética tradicional é o ato mesmo

do agir modificado. Na sua concepção, a técnica moderna introduziu elementos

novos que modificaram as ações humanas. Entretanto, a ética não acompanhou este

processo técnico e ficou presa ao seu esquema antropocêntrico, simultâneo e

recíproco25. Assevera Jonas, “a técnica moderna introduziu ações de uma tal ordem

inédita de grandeza, com tais novos objetos e consequências que a moldura ética

antiga não consegue mais enquadrá-la”. (2006, p. 39). É a partir destas novas

realidades bem como das insuficiências éticas, que Jonas busca justificar a

necessidade de uma nova ética para os novos tempos26.

Jonas não está descartando completamente a ética da tradição e as suas

contribuições para o ser humano. Apenas expandindo pra um plano que não era

contemplado.

As antigas prescrições éticas “do próximo” – as prescrições

da justiça, da misericórdia, da honradez etc. – ainda são

válidas, em sua imediaticidade íntima, para a esfera mais

próxima, quotidiana, da interação humana. (Jonas, 2006, p.

39).

Jonas destaca apenas que o nível de ação não é mais aquele próximo,

característico do passado, mas agora o caráter da ação é coletivo, no qual o autor, a

ação e os efeitos não são mais os mesmos. Nasce, a partir destes elementos, uma

nova dimensão de responsabilidade nunca antes sonhada. 27

Os efeitos cumulativos do agir coletivo trouxeram novas realidades e também

novas necessidades. A partir da modernidade, foram criadas novas modalidades de

25 “Jonas define esta forma de pensar e agir como ética da simultaneidade. Com estes dois aspectos

problemáticos, isto é, através deste caráter vinculado ao presente e marcadamente centrado no homem,

tanto futuro distante e desconhecido quanto todo o mundo extra-humano (a biosfera) são

desconhecidos para a reflexão em torna da moral”. (Santos, 2009, p. 276). 26 “Esta deve ter como horizonte de sua projeção o futuro desconhecido, incluindo nele o direito dos

que ainda não existem a ter como centro de referência não apenas o homem, mas a vida do cosmos,

isto é, a totalidade daquilo que vive. Com isso em lugar da ética antropocêntrica é reivindicada uma

ética bio-ou cosmocêntrica.” (Santos, 2009, p. 276). 27 Neste particular Fonseca comenta que “A tarefa da ética parte desse pressuposto da crise, ameaça, e

de que a humanidade se levante contra o perigo; o que aparece eminentemente é a vulnerabilidade da

natureza e da natureza humana” (2007, p. 26).

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36

saberes como a ecologia28 e a bioética29 justamente para responder aos novos

desafios. A natureza, por conta disso, tornou-se vulnerável e dependente de cuidados.

Se em Sófocles e na antiguidade, por mais insistentes que poderiam ter sido as

interferências humanas na natureza, nada se alterava. Agora, com o poder coletivo do

homem, a natureza não consegue mais conter os efeitos das ações humanas. De fato,

nada menos do que a biosfera inteira do planeta, acresceu-se àquilo pelo qual a

humanidade deve ser responsável, pois sobre ele detém poder. 30 (Jonas, 2006, p. 39).

Esse fato justifica as insuficiências das éticas precedentes, pois elas não

tinham nenhuma responsabilidade pela natureza. Mas, agora, com o poder humano

transformador da biosfera isso muda, se o homem tem o poder, dele deriva

necessariamente um dever. Na compreensão de Jonas, “a natureza como uma

responsabilidade humana é seguramente um novum sobre o qual uma nova teoria

ética deve ser pensada”. 31 (2006, p. 39). Com isso, ele acena para a necessidade de

uma nova teoria ética32.

Jonas aponta para alguns conceitos fundamentais para caracterizar a ideia de

insuficiência ética na tradição são eles: irreversibilidade, magnitude e acumulação.

Para Jonas, eles estão interligados e colocam diretamente em perigo as condições

necessárias de vida futura. O que torna ainda maior a responsabilidade no presente,

pois para ele é inconcebível colocar em risco a sobrevivências dos que ainda não

nasceram.

Em vista disso, Jonas confia um novo papel ao saber na moral, pois segundo

ele “o saber torna-se um dever prioritário, mais além de tudo o que anteriormente lhe

era exigido, e o saber deve ter a mesma magnitude da dimensão causal do nosso

28 Sobre isso, Giacoia escreve um artigo intitulado Um direito próprio da natureza? Notas sobre ética,

direito e tecnologia, descreve os limites da ética antropológica e apresenta a proposta de Jonas como

um das precursoras da atual ciência ecológica. 29 Flaviano Oliveira da Fonsêca escreve um livro com o título Hans Jonas: (bio)ética e crítica à

tecnologia, onde expõe de forma sistemática o pensamento de Jonas como um dos pioneiros à

fundamentar a bioética. 30 “Como diferença radical em relação às éticas antigas, há que se considerar que atualmente a ação

humana, tecnologicamente potencializada, pode danificar crítica e irreversivelmente a natureza e o

próprio homem.” (Giacoia, 2001, p. 197). 31 Giacoia destaca alguns elementos que justificam a posição de Jonas. “A extensão, tanto espacial

como temporal, da série causal da práxis tecnológica, aliada à nova ordem de grandeza, à

irreversibilidade dos efeitos e ao caráter cumulativo dos mesmos, produz uma completa e radical

transformação até mesmo o ponto de partida das éticas tradicionais”. (2001, p. 198) 32 A referida teoria será tema do último capítulo deste trabalho.

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37

agir”. (2006, p. 41). O saber torna-se objeto de um dever, superando o papel que foi

conferido pelas éticas precedentes. Por que, mesmo o saber não sendo capaz de

acompanhar a magnitude das ações técnicas no futuro ele ganha significado ético33.

Nas prerrogativas de Jonas, “reconhecer a ignorância torna-se, então o outro

lado da obrigação do saber, e com isso torna-se uma parte da ética que deve instruir o

autocontrole, cada vez mais necessário, sobre o nosso excessivo poder” (Ibid). Tudo

em vista da preservação das condições globais da vida geral e humana, o futuro

remoto e a existência mesma da espécie.

Concluindo, primeiramente, Jonas trabalha com as modificações do agir

humano e com as contribuições da técnica que, por sua vez, corromperam as bases

éticas da tradição. Com isso, surge um dever de preservação frente à

irreversibilidade, a magnitude e o caráter cumulativo das ações humanas. Tal dever é

movido pela necessidade do saber advindo da real possibilidade de catástrofes

futuras.

Portanto, não se trata meramente de um interesse utilitário, de cuidar da

galinha dos ovos de ouro, de não serrar o galho sobre o qual se está sentado ou ainda

de preservar a natureza para fins humanos. Mas de considerar a hipótese de um

direito próprio, de uma autônoma significação ética e de uma responsabilidade

humana ampliada. O ser humano enquanto ser consciente e ativo é o mais evoluído34

dentre os seres da terra, entretanto isso não outorga o direito sobre a natureza. Pelo

contrário, requer o dever de preservação. Assim, Jonas avança da doutrina do agir até

a doutrina do existir, isto é, do antropocentrismo a ontologia (metafisica) para daí

fundamentar uma nova ética.

3.2.1 Antigos e novos imperativos éticos

A ética proposta por Jonas adquire caráter normativo, pois trabalha com as

prescrições de dever. Este tipo de ética específica é dividido em duas categorias:

33 “[...] Esse descompasso entre a previsibilidade e o poder efetivo de ação se coloca, para Jonas,

como um problema de relevância ética, impondo o reconhecimento do desconhecimento como

contraface do dever de saber”. (Ibid). 34 De forma especial, este tema da evolução do ser humano e do seu caráter transanimal, é tema de um

artigo intitulado A transanimalidade do homem. (Oliveira, 2010, p. 77)

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38

teleológica e deontológica. A ética teleológica determina o que é correto de acordo

com a finalidade. Já a ética deontológica procura determinar o que é correto segundo

normas fundamentais de ação. Um dos elementos que contribui para diferencia-las

consiste na justificativa ou não da ação. Na ética teleológica o elemento é externo ao

sujeito, isto é, os fins como, por exemplo, a ética aristotélica que depositava na

felicidade o fundamento das ações éticas. Enquanto que na ética deontológica, o

elemento fundante é o dever que em Kant a própria consciência do sujeito lhe impõe

através do imperativo categórico racional35.

Jonas insiste numa terceira via ética chamada ontológica36. A ética

ontológica, portanto, leva em conta as lacunas das éticas precedentes,

fundamentando-se na própria existência37. Para melhor explicitar a sua proposta,

Jonas toma como contraponto diferencial o imperativo categórico de Kant, para num

segundo momento apresentar os seus novos imperativos éticos para a civilização

tecnológica.

O poder tecnológico desenvolvido pela modernidade abriga uma dimensão

ameaçadora. Jonas não se preocupou apenas com a destruição física da natureza e

dos seres humanos, mas também com o perigo da morte essencial. Na sua concepção,

a morte essencial é consequência da desconstrução e construção tecnológica aleatória

do meio ambiente e da humanidade.

Com base nestes preceitos de perigo e destruição, Jonas sente a necessidade

da responsabilidade. Jonas não entende a responsabilidade imposta de fora ou dada

pela razão, mas uma responsabilidade provinda do dever inerentes as coisas mesmas.

Dentro desta esfera, toda a biosfera passa fazer parte desse dever de

35 Para uma compreensão mais detalhada sobre a ética normativa, ética teleológica e deontológica é

importante conferir o livro Ética: o que você devia saber sobre... 36 Também pode ser considerada uma metaética que difere da ética normativa. A Metaética não

pretende terminar as ações a serem realizadas, mas investigar a natureza dos princípios morais,

indagando se são objetivos e abusivos os preceitos defendidos pelas diversas teorias éticas, ou se são

ineligiveis, ou ainda, se podem ser verdadeiros esses princípios éticos num mundo sem Deus. (Cf.

Borges, Dall’Agnol e Volpato. 2001, p. 7-8) Jonas trabalha nas duas perspectivas, por um lado quer

estabelecer uma ética do dever, mas para isso procura através da Metaética estabelecer fundamentos. 37 “Aqui, mais uma vez se justifica, para o autor, a passagem da ética à metafísica, indo ‘da doutrina

da ação à doutrina do ser’, pois para ele toda ética funda-se na base a base ontológica, haurindo dali

sua justificação natural-social e seu sentido de ação em vista de fins.” (Fonsêca, 2007, p. 27).

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39

responsabilidade. Além disso, a responsabilidade para Jonas advém também do

futuro, principalmente da existência de um38.

[...] como proposição moral, isto é, como uma obrigação

prática perante a posteridade de um futuro distante, e como

princípio de decisão na ação presente, a assertiva é muito

distinta dos imperativos da antiga ética da simultaneidade; e

ela somente ingressou na cena moral com os nossos poderes e

o novo alcance da nossa capacidade de previsão. (Jonas,

2006, p. 45).

Jonas examinou a possibilidade de estabelecer um novo imperativo para a

ética capaz de superar o imperativo kantiano. Este novo imperativo precisou transpor

dupla demanda, a saber, do antropocentrismo e do caráter de simultaneidade das

éticas tradicionais. Neste sentido, formulou sua crítica ao imperativo categórico

kantiano:

O imperativo categórico de Kant dizia: “Aja de modo que tu

também possas querer que a tua máxima se torne lei geral.”

Aqui, o “que tu possas” invocado é aquele da razão e de sua

concordância consigo mesma: a partir da superação da

existência de uma sociedade de atores humanos (seres

racionais em ação), a ação deve existir de modo que possas

ser concebida, sem contradição, como exercício geral da

comunidade. Chame-se atenção aqui para o fato de que a

reflexão básica da moral não é propriamente moral, mas

lógica: “o poder” ou “não poder” querer expressa

autocompatibilidade ou incompatibilidade, e não aprovação

moral ou desaprovação. (2006, p. 47).

Kant, em seu imperativo categórico, não expressa nenhum compromisso para

com o futuro das ações humanas. Jonas, por sua vez, considera que “o sacrifício do

futuro em prol do presente é logicamente mais refutável do que o sacrifício do

presente a favor do futuro” (2006, p. 47). Além disso, o imperativo kantiano se

restringiu ao caráter particular de ação individual. Enquanto Jonas esteve preocupado

38 A responsabilidade é um termo recorrente na obra de Jonas. Ela ganha significado próprio,

diferenciando-se do seu uso casual. A responsabilidade, neste sentido, é entendida não apenas em

relação a fatos passados, mas também a possibilidades futuras, uma responsabilidade pelo futuro.

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com a responsabilidade com o futuro, ou seja, um dever ético coletivo. Nestes termos

não é aceitável escolher o não ser de futuras gerações em proveito desta geração39.

Deste modo, Jonas não acredita que o imperativo categórico kantiano possa

responder às exigências acima citadas. Ele propôs sua versão do um novo

imperativo. O imperativo jonasiano não é mais aquele dos atos consigo mesmo, mas

dos efeitos finais. A sua universalização não é meramente lógica, mas de ações

coletivas que assumem caraterística universais. Para todos os efeitos é uma relação

de totalização. Jonas enfatiza o caráter do novo imperativo cujo fundamento é

metafisico.

Um imperativo adequado ao novo tipo de agir humano e

voltado para o novo tipo de sujeito atuante deveria ser mais

ou menos assim: “Aja de modo que os efeitos da tua ação

sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida

humana sobre a Terra”; ou, expresso negativamente: “Aja de

modo a que os efeitos da tua ação não sejam destrutivos para

a possibilidade futura de uma vida”; ou simplesmente: “Não

ponhas em perigo as condições necessárias para a

conservação indefinida da humanidade sobre a Terra”; ou, em

um uso novamente positivo: “Incluas na tua escolha presente

a futura integridade do homem como um dos objetos do eu

querer.” (2006, p. 47-48).

Depois de expostos os novos imperativos categóricos, Jonas mencionou o que

eles têm de diferente e inovador. Na sua concepção, eles são válidos para a atual

sociedade tecnológica, porque não conduzem a nenhuma contradição. E não permite

colocar a vida futura em perigo, o novo imperativo diz que é permitido “arriscar a

própria vida, mas não a da humanidade” (2006, p. 48). 40

Para concluir, destaca-se a importância do novo imperativo categórico

formulado por Jonas em vista da sociedade tecnológica. Sendo que, diante da

39 De fato, Fonseca diz que é possível as pessoas decidirem sobre a esfera de suas vidas individuais,

mas não incluindo no mesmo nível a biosfera e o futuro. “É como se isso fosse um princípio mais

forte do que nós e diz respeito à manutenção individual, pois é posto pela natureza em nós e diz

respeito à manutenção da coletividade.” (2007, p. 30). 40 Para ilustrar essa realidade, Jonas se reporta a imagem grega de Aquiles. Segundo Jonas, “Aquiles

tinha, sim, o direito de escolher para uma vida breve, cheia de atos gloriosos, em vez de uma vida

longa em um segurança sem glórias [...]; mas que nós não temos o direito de escolher a não-existência

de futuras gerações em unção da existência da atual, ou mesmo de as colocar em risco”. (2006, p. 48).

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41

realidade do desenvolvimento da tecnologia e dos novos paradigmas que ela trouxe

para a atual civilização, os imperativos individuais, imediatos, simultâneos,

recíprocos e antropocêntricos perderam a validade. Isso graças ao real perigo da não

existência da vida futura sobre a terra.

Portanto, diante deste quadro sem perspectivas, surgiu uma nova proposta,

um novo imperativo que teve a pretensão senão de resolver ao menos conter estes

perigos. Ele requer uma responsabilidade de caráter coletivo para preservar as

condições de vida futura de todo planeta. Uma proposta ousada que contribui para

que a ética responda aos novos desafios do poder da técnica. Diante disso, surge a

necessidade de entender porque a técnica moderna tornou-se objeto da ética e como

Jonas abordou esta questão.

3.3 A técnica moderna como objeto da ética

Na concepção de Jonas, a técnica moderna trouxe algumas caraterísticas que

destoam da tradição. Dentre essas caraterísticas, destacam-se todos os

desenvolvimentos nas áreas da saúde, dos transportes, da comunicação e da produção

de alimentos. Estes desenvolvimentos proporcionados pela técnica tornaram-se

indispensáveis. Mas por outro lado, estes avanços tecnológicos trouxeram consigo o

germe do niilismo moderno responsável pelo ‘mal estar ético no século XX’. Além é

claro, de todos os problemas que são visíveis atualmente como à poluição, o uso

predatório da natureza e o poder de destruição em massa do planeta. Diante desta

realidade, Jonas investigou os efeitos do poder adquirido com a técnica moderna e as

suas implicações éticas.

Com efeito, ele não se contrapôs a técnica de forma cética e categórica,

apenas esteve preocupado com o seu uso e as suas consequências para a vida futura.

Ele problematizou a técnica moderna para dela retirar consequências éticas. Por ser

aluno de Heidegger, Jonas também trabalhou dentro da perspectiva crítica da

essência da técnica moderna, mas distinguiu-se de seu mestre por outro plano de

problematização.

Jonas vivenciou o contexto pós-guerra onde se fomenta muitas investigações

acerca da ciência e da técnica moderna. De modo especial, àquele que por muito foi

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42

seu mentor e mestre intelectual Heidegger. Como foi apresentado no primeiro

capítulo, Heidegger foi um dos primeiros autores a fazer uma crítica sistemática à

técnica moderna. Além disso, ele influenciou diretamente as posições de Jonas. No

entanto, o que distinguiu o empreendimento de Heidegger dos demais autores que

trataram deste tema nesta época foram os desfechos.

Enquanto Heidegger se preocupou com questões de ordem metafísica do

esquecimento do ser ao longo da tradição, seus alunos especialmente Anders e Jonas

tentaram conduzir suas reflexões ao campo prático, especificamente à ética. Anders

com a formulação do ‘princípio desespero’ um contraponto aquele ‘princípio

esperança’ do filósofo marxista Ernest Bloch. Hans Jonas parece ter entendido as

duas posições e formula, a partir disso, uma nova teoria tendo como fundamento o

‘princípio responsabilidade’. (Viana, 2010, p. 109)

Dois outros autores que são referências sobre a ética e a tecnologia são:

Habermas e Apel. Segundo Alcoforado, existem diferenças substancias entre a ética

do discurso de Habermas e a ética da responsabilidade de Jonas. Apesar de

concordarem sobre os problemas emergentes da época, os autores seguem caminhos

divergentes41. Apel também trata de resolver o problema primeiramente no plano

teórico, enquanto Jonas esteve interessado a oferecer uma resposta concreta42.

Hans Jonas, primeiramente com a sua obra Princípio responsabilidade e

depois com a obra Técnica, Medicina e Ética43 que consiste numa tentativa de

aplicação de seu princípio. Neste ultimo, Jonas sustenta a tese de que a relação entre

ética e técnica a muito deixou de ser neutra. Esse sentido, quais seriam os motivos,

segundo Jonas, que fizeram com que a técnica moderna se tornasse objeto para a

ética?

Se a técnica moderna tornou-se objeto da técnica, isso mostra que

antigamente ela não era objeto. De fato, a técnica moderna foi uma das responsáveis

41 Cf. Alcoforado, 1993, p. 294-295 42 Uma exposição mais detalhado sobre a ética da responsabilidade e a ética do discurso em Jonas e

Apel é dado por Santos num artigo intitulado Ética da responsabilidade e ética do discurso: as

propostas de Hans Jonas e Karl-Otto Apel. 43 O referido texto é uma tradição do Alemão feito pelo professor Giacoia que se encontra in: JONAS,

Hans. Por que a Técnica moderna é um objeto para a ética. Tradução Oswaldo Giacoia Junior.

Natureza Humana: Revista Internacional de Filosofia e Práticas Psicoterapêuticas, São Paulo, v. 1, n

2, p. 407 – 420, 1999.

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43

pela potencialização da ação humana na modernidade. Além disso, ela também

assume parcela de culpa pelo mau uso deste poder. Jonas é perspicaz ao conduzir a

questão, para ele, a técnica moderna adentrou e modificou as ações humanas. A ética

sendo responsável por reger as ações justifica-se para intervir no uso da técnica.

Jonas quer mostrar as alterações que a técnica moderna impõe ao agir humano e por

consequência os desafios que a ética necessita enfrentar.

A tese de partida de Jonas é que a técnica moderna constitui, de fato, um caso

novo e particular, dos fundamentos para isso, ele indica cinco. No primeiro

argumento, Jonas mostra as ambivalências dos efeitos. A técnica produz efeitos que

ora estão nas mãos do próprio homem e depende exclusivamente dele o seu uso para

o bem ou para o mau.

Em geral, toda capacidade “como tal” ou “em si” é boa e se

torna má pelo mau uso. Por exemplo, é inegavelmente bom

ter o poder da palavra, mas é mau utilizá-lo para enganar os

outros ou para seduzi-los para sua própria ruína. Por isso, é

totalmente sensato ordenar: use esse poder, aumenta-o, mas

não faça mau uso dele. Está pressuposto aqui que a ética pode

diferenciar claramente entre ambos, entre o emprego correto

e o falso de uma e mesma capacidade. (Jonas, 1999, p. 409)

A ética se justifica sua invasão no campo da técnica porque é através dela que

se pode diferenciar entre o bom e o mau uso da capacidade técnica. Algumas ações

técnicas podem ser boas em sua intencionalidade, mas os seus efeitos podem

potencializar-se e vir a tonar-se maus efeitos, em vista, dos bons efeitos imediatos.

Com isso, Jonas quer mostrar que não é apenas no mau uso da técnica que reside o

perigo, senão que mesmo quando é bem empregada para seus autênticos e bons fins,

“ela tem em si um lado ameaçador que, a longo prazo, poderiam ser a ultima

palavra.” (1999, p. 409).

Até nas boas intenções do fazer técnico, com a potencialização dos seus

efeitos, em longo prazo, podem causar enormes estragos. Em face deste perigo, ora

camuflado sob o signo do proveitoso, reside mais no sucesso que no fracasso da

técnica. Jonas completa sua argumentação dizendo que “uma adequada ética tem que

se ocupar com essa interna equivocidade do fazer técnico” (1999, p. 410).

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44

O segundo argumento explicitado por Jonas reside na compulsoriedade da

utilização. Como ilustração, Jonas exemplifica a questão dizendo que a pose de um

poder, seja por indivíduos ou grupos, não significa a sua utilização. Ou seja, o poder

que a técnica proporciona, não significa necessariamente na sua utilização. Mesmo

assim, Jonas tem suas reservas sobre o real perigo que está implícito nas promessas

da técnica até as mais dispendiosas e objeta da seguinte forma:

Todavia, essa relação tão óbvia entre poder e fazer, saber e

utilização, posse e exercício de um poder não vale para o

Fundus de capacitação técnica de uma sociedade que, como a

nossa, fundamentou sua inteira configuração da vida em

trabalho e ócio sobre a atualização corrente de seu potencial

técnico, considerado na ação conjunta de todas as suas partes.

(1999, p. 410).

Isso significa dizer que o poder e o fazer já entraram nas correntes sanguíneas

da atual sociedade. Jonas já percebia certo determinismo na posse e exercício de

poder que a tecnologia concebia. Além disso, ele se preocupou em apresentar a falta

de neutralidade do poder da técnica que atingiu um estágio que foge do controle

humano. A utilização do poder pode ter acontecido individualmente e de forma

isolada do potencial da ação técnica, mas ele traz em si o compelir à utilização e

torna essa utilização uma permanente necessidade vital, não mais individual, senão

coletiva.

No terceiro argumento, com base na extensão global no espaço e no tempo,

Jonas fala que ate agora foi visto o poder de ação humana e suas mudanças

essenciais. A ação humana deixou de ser neutra em relação à ética, extrapolou as

barreiras individuais pela nova práxis técnica coletiva e pela potencialização de seus

efeitos extrapolou também a esfera imediata das ações. Acresce a estes argumentos o

presente fazer técnico, comparado ao potencial ou os limites onde há atuação

humana, isto é, a terra, suplantou todas as barreiras e concorre ao perigo. Isso

significa dizer que o planeta não vai suportar o uso desenfreado do poder.

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45

A técnica moderna está interiormente instalada para o

emprego em larga escala e, nesse processo, torna-se talvez

demasiado grande para a extensão do palco sobre o qual ela

se passa – a terra – e para o bem-estar dos próprios atores –

os homens. Isso, pelo menos, é certo: ela e suas obras se

propagam sobre o globo terrestre; seus efeitos cumulativos se

estendem possivelmente sobre inúmeras gerações futuras.

Com aquilo que aqui e agora fazemos, e na maioria das vezes

com os olhos sobre nós mesmos, influenciamos maciçamente

a vida de milhões em outros lugares e futuramente, que não

tiveram nenhuma voz naquilo que fazemos. (Jonas, 1999, p.

411)

Jonas traz a tona uma discussão atual, a saber, a discussão em torno da

ecologia. O ser humano habita um planeta finito e faz uso como se fosse infinito. Nos

últimos tempos é possível perceber a extensão do planeta. Ele tem os seus limites que

ora estão constantemente sendo descobertos pelo homem nos efeitos catastróficos

que tem acontecido. Além disso, Jonas preocupou-se de forma especial com o uso

desenfreado e irracional do planeta e com as futuras gerações.

Neste sentido, o homem presente não tem o direito de hipotecar o futuro das

gerações precedentes. Talvez não seja possível agir de outra maneira dado ao estado

atual. Contrariando as expectativas, Jonas menciona que se esse é o caso, então

temos que empregar a mais extrema atenção em fazê-lo com honestidade em relação

aos descendentes, ou seja, de maneira que as chances de eles se libertarem daquela

hipoteca não fique antecipadamente comprometida44.

Jonas quis mostrar com isso as dimensões futuras e globais nas decisões

cotidianas da humanidade. Certamente é uma novidade para a ética. A técnica está na

base principal de todas estas mudanças. Com isso, Jonas emprega uma nova

categoria a ética nunca antes levada em conta, a saber, a categoria da

responsabilidade. Uma responsabilidade não mais com o que já passou, mas

comprometida com o futuro. Sendo que, para Jonas, “as conclamações à

responsabilidade crescem proporcionalmente aos efeitos do poder”. (1999, p. 411).

No quarto argumento, Jonas reforçou o rompimento que houve nas

coordenadas espaço-temporais com o antropocentrismo. Jonas mostra que “O direito

44 (Cf. Jonas, 1999, p. 412).

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46

exclusivo do homem à humana consideração e à observância ética foi rompido

precisamente com a conquista de um poder quase monopolístico sobre toda outra

vida.” (1999, p. 412). Levando em conta tal poder, não lhe é mais lícito pensar

somente em si.

Trata-se de uma dupla via de responsabilidade ética que o homem é

conclamado a assumir. Por um lado, com o extrahumano empobrecido, empobreceria

e comprometeria todo projeto humano, por outro, através da consciência humanas da

realidade se confere ao extrahumano um valor em si. Jonas relata, com isso, que a

responsabilidade humana se torna pela primeira vez cósmica. E conclui a sua

argumentação que em relação ao planeta: “Foi necessária à ameaça global, fazendo-

se visível, do começo efetivo da destruição do todo, para nos levar a descobrir (ou

redescobrir) nossa solidariedade com ele: um vexatório pensamento.” (1999, p. 413).

No quinto e ultimo argumento destacou a questão metafísica. Nestes termos,

o potencial apocalíptico da técnica coloca a questão metafísica. Esta questão é

completamente estranha à ética. O maior desafio imposto à ética é a pergunta

inteiramente conveniente diante das argumentações, a saber, por que deve haver

vida. Em vista disso, cabe outra pergunta: quanto é lícito arriscar em grandes apostas

tecnológicas e quais são os riscos inadmissíveis?

Sem dúvidas, ao longo da argumentação de Jonas é possível encontrar

argumentos convincentes para conter alguns dos potenciais catastróficos. Não apenas

aqueles que nitidamente perigosos, mas também aqueles que se potencializam dentro

das coordenadas futuras. A responsabilidade com o futuro exige do presente algumas

atitudes que podem contem algumas catástrofes reais. Antes mesmo do esgotamento

das energias naturais não seria conveniente pensar em medidas alternativas?

Jonas afirmou alternativas menos perigosas. “Nós podemos até chegar a

reduzir a extensão da voragem e voltar a poder viver com menos, antes que um

esgotamento catastrófico ou a poluição do planeta nos constranjam a algo pior que a

temperança.” (1999, p. 415). Contudo, isso ganha impulso ainda maior diante do fato

de que não há solução a não ser a mudança de atitudes, os sinais advertem que foi

adentrado na zona de perigo. Com isso, Jonas esclarece as prerrogativas de uma ética

para a técnica.

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47

Colocamo-nos já, a cada novo passo (o mesmo que

“progresso”) da grande técnica, sob a compulsão do próximo

passo e legamos a mesma compulsão à posteridade, que

finalmente tem que pagar a conta. Porém, mesmo sem essa

visão de longo alcance, o elemento tirânico enquanto tal na

técnica atual, que transforma nossas obras em nossos

senhores e nos coage a seguir multiplicando-as, já apresenta

em si um desafio ético – para além da pergunta sobre o bom

ou ruim de cada uma daquelas obras singularmente. Em razão

da autonomia humana, da dignidade que exige que nós

tenhamos a posse de nós próprios e não nos deixemos possuir

por nossas máquinas, temos que trazer sob controle

extratecnológico o galope tecnológico. (Jonas, 1999, p. 417)

No final desta exposição, tem-se a impressão de que, em Jonas, não há muitas

perspectivas boas para o futuro. Sem dúvidas as posições crentes de um futuro

melhor passam longe das argumentações dele. A leitura que Jonas faz da realidade

humana, específico à técnica moderna, é prioritariamente negativa. Mas apenas como

movente da consciência, a saber, uma abordagem pedagógica para o dever da

responsabilidade.

Assim, a técnica é vista em todas as suas facetas como objeto da ética. A ética

deve assumir a reponsabilidade por conter não apenas o uso como também o

desenvolvimento de certas tecnologias que em face da benção pretendida podem

amaldiçoar todo o futuro do Planeta. Esta nova ética nascente com Jonas encontra

seus fundamentos na própria metafísica e quer retirar do futuro o grau de

responsabilidade e impô-lo ao presente. Cabe entender como Jonas desenvolve a sua

argumentação em busca de fundamentos dessa nova ética.

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4. O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO

PARA A PRESERVAÇÃO DA VIDA NO PLANETA

Jonas preocupou-se de forma toda especial pela necessidade de medidas

éticas diante das transformações que a técnica e o saber científico causaram

invadindo e suprimindo as antigas prescrições éticas. Se Nietzsche disse que o

niilismo e o vazio ético estavam batendo a porta, para Jonas este niilismo não

somente bateu a porta, mas entrou e é preciso conviver com ele.

Segundo Jonas, os movimentos científicos modernos aliados ao poder que a

técnica alcançou erodiram os fundamentos sobre os quais se poderiam estabelecer

qualquer tipo de norma ética. Tão grave é a situação que foi destruída a própria ideia

de norma como tal. A ética não consegue dar conta das realidades existentes que

conclamam por normatizações. Primeiramente, aconteceu a neutralização da natureza

sobre o aspecto valorativo e depois foi à vez do próprio homem tornar-se objeto da

técnica.

Na concepção de Jonas, treme-se na “nudez de um niilismo no qual o maior

dos poderes se une ao maior dos vazios; a maior das capacidades, ao menor dos

saberes sobre para que utilizar tal capacidade.” (2006, p. 65). Diante desta realidade,

nasce uma pergunta que se torna fundamental, a saber, é possível ter uma ética que

possa controlar os poderes extremos que se possui e que impõe seguir conquistando e

exercendo.

Jonas procurou, ao longo da formulação do princípio responsabilidade, dar

respostas a esta pergunta de forma concisa. Inicia sua formulação com a heurística do

temor45. Segundo ele “diante de ameaças iminentes, cujos efeitos ainda podem nos

atingir, frequentemente o medo constitui o melhor substituto para a verdadeira

virtude e a sabedoria” (2006, p. 65). A heurística do temor trabalha o temor como um

movente da vontade para o dever, ela substitui facilmente as antigas prescrições de

‘sabedoria’ em Platão e também a noção de ‘respeito’ de Kant.

45 No pensamento de Jonas é recorrente o termo temor ou medo. Ele constitui parte da sua formulação

ética. Em muitos textos traduzidos encontra-se medo, já a expressão que melhor representa a sua

intenção é o temor. Dessa forma, mesmo aparecendo medo será tomado como temor.

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49

Contudo, ressalva que o temor como método falha diante das perspectivas de

longo alcance. Isso porque não é possível que aconteça, com muita distância, o

efeito esperado através do temor. O efeito esperado somente é possível diante da real

contemplação do sagrado, ou seja, daquilo que conclama responsabilidade, o próprio

ser.

Para Jonas a vida deve ser recolocada novamente num lugar de hora que hora

foi usurpado pelas ideais utópicos de progresso impulsionados pela modernidade. A

ética torna-se indispensável dentro deste projeto. Seguido as ideias de Jonas, “da

religião pode-se dizer que ela existe ou não existe como fato que influencia a ação

humana, mas no caso da ética é preciso dizer que ela tem de existir.” (Ibid). Ela deve

existir porque as pessoas agem, dessa forma, é necessário que exista a ética para

ordenar estas ações e regular seu poder.

Neste sentido, quanto maiores são os poderes de ação, mais necessários torna-

se a ética para regula-las. Da mesma forma, a ética almejada deve levar em conta a

magnitude do poder atual, bem como, adaptar-se ao tipo de ação que se quer regular.

Jonas tem presente que as novas exigências da técnica moderna requerem novas

medidas.

Foi dito “não matarás” porque o homem tem o poder de

matar, e frequentemente a ocasião e a inclinação para isso –

em suma, porque de fato se mata. É somente sob a pressão de

hábitos de ação concretos, e de maneira geral do fato que os

homens agem sem para tal precisem se mandados, que a ética

entra em cena como regulação desse agir, indicando-nos

como estrela-guia aquilo que é o bem ou o permitido. Uma

tal pressão provém das novas faculdades de ação tecnológicas

do homem, cuja utilização está dada pelo simples fato da sua

existência. (Jonas, 2006, p. 66)

Jonas está preocupado com a pressão que as novas modalidades do agir estão

fazendo ao futuro. Por isso, ele procura por novidades éticas que possam guiar as

ações, mas acima de tudo que possam ser sustentadas e confirmadas teoricamente o

seu valor. Até agora o agir humano tornou-se coletivo, cumulativo e tecnológico

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50

tanto ao se referir a objetos quanto a magnitude, com isso deixou de ser neutro.

Daqui pra frente, Jonas empreende a tarefa de buscar respostas para esta realidade.

Jonas vai até os pré-modernos para encontrar princípios metafísicos com

intuito de fundamentar a sua nova teoria ética da responsabilidade. Com este

empreendimento ousado, ele pretende elencar e elucidar algumas categorias

fundamentais para a edificação ética contemporânea. Tendo sempre presente os dois

objetivos centrais que moveram as suas investigações, a saber, os avanços da técnica

moderna e a ascensão do niilismo moderno. Trabalhou as seguintes categorias:

Heurística do temor, Fim, Valor, Bem, Dever e Ser com intuito de fundamentar

princípio responsabilidade.

4.1 A heurística do temor na ética da responsabilidade

Ao iniciar a discussão sobre a heurística do temor, Jonas inaugura uma nova

categoria filosófica que pode resgatar a decaída categoria de sagrado46. Diante do

cenário ético atual, a sua investigação sobre o temor serve de baluarte para uma nova

teoria ética correspondente.

Antes de seguir a investigação acerca do temor é importante caracterizar esse

estado ético atual. Santos, auxilia nesta tarefa ao chama atenção para algumas

características dos tempos atuais. Na sua concepção, parece que na atualidade a ética

aparenta ter perdido os seus princípios fundamentais. Além disso, destaca a

descrença no temor como critério de decisão. Dos fundamentos para isso, aponta

duas tendências intimamente ligadas aos desenvolvimentos tecnológicos: o

“imediatismo do viver para o aqui e agora, por um lado, e o estado hipnótico

provocado pela magia da técnica por outro, não só inibem, mas também dispensam o

homem contemporâneo de preocupar-se com o futuro distante.” (2009, p.285).

Na época atual, fale-se muito das mudanças que se desencadearam na ética.

Baumann aponta para uma ética pós-moderna 47. Segundo as suas perspectivas,

existem novidades, primeiramente na maneira de tratar os problemas morais

46 Jonas entende por sagrado àquela especificação do ser e da vida que requer um cuidado e que deve

ser inviolável. 47 Bauman é um dos autores que mais tem escrito sobre as mudanças que tem ocorrida na sociedade,

além de produzir muito sobre a sociedade liquida, sem bases sólidas e comprometidas eticamente.

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51

modernos. Isso não significa que se devam ser extintos os preceitos éticos do

passado. Dado que, os grandes temas éticos como: direitos humanos, justiça social,

equilíbrio entre cooperações pacíficas e auto-afirmação pessoal, sincronização da

conduta individual e do bem-estar coletivo, não perderam nada sua atualidade.

Apenas precisam ser vistos e tratados de maneira nova. (Bauman, 1997, p. 8).

Jonas empreendeu os seus esforços justamente para reestabelecer a ética e

recolocar a vida no seu lugar de honra. Entretanto, fez movimento contrário das

tendências éticas contemporâneas. Buscou princípios que sejam capazes de

apresentar o potencial nefasto da tecnologia presentes nas obras do homem

tecnológico. O móvel da reflexão de todo o empreendimento ético jonasiano é a

continuidade indefinida da vida no futuro. Este é o ponto crucial de toda a sua

investigação. Nos itens anteriores foi demonstrado que os desdobramentos

tecnológicos podem ameaçar o futuro. Dessa forma, Jonas descobre através da

filosofia, justificativas para formular uma ética que seja capaz de assegurar a vida

digna.

Jonas identificou a dupla tendência que pode guiar as ações humanas. A

primeira diz respeito à ciência e a tecnologia contemporânea que ameaçam a

sobrevivência da humanidade e de todas as formas de vida que coabitam na terra. A

segunda igualmente representa grave perigo ao ameaçar, ao agir desse modo, a

própria dignidade e autonomia da pessoa humana através da manipulação dos

indivíduos futuros. Jonas queria contribuir para um saber mais adequado às novas

interrogações.

Nesse intuito, de início, realizou uma apologia do temor48. Para Jonas o temor

é de suma importância para a construção de uma nova ética que não se perca num

romantismo cego. Na elaboração da heurística do temor, ele explicita a relação entre

saber, poder e o sentimento e, depois, aponta para a necessidade de reconhecer o

perigo da técnica moderna. Ou seja, o temor como método moveria o sentimento

para o saber, do saber ao dever de responsabilidade e posteriormente como movente

para encontrar cada vez mais princípios éticos consistentes.

48 Jonas não é um pessimista que desconsidera o bem e a bondade humana. Apenas defende que o mal

causa mais efeito na consciência e na vida dos seres humanos. Em relação ao termo temor, não foi

possível encontrar uma especificação ou diferença em relação ao medo, com base nos seus escritos, é

possível que sejam dentro do seu pensamento sinônimas.

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52

De certa forma, Jonas privilegiou a heurística do temor na parte inicial da sua

teoria49. No entanto, ele mesmo adverte que o temor não deve ser tomado como a

última palavra em ética. É preciso avançar até as concepções metafisicas para retirar

os princípios fundamentais de sustentação da nova ética.

Jonas afirmou que “na busca de uma ética da responsabilidade a longo prazo,

cuja presença ainda não se detecta no plano real, nos auxilia antes de tudo a previsão

de uma deformação do homem, que nos revela aquilo que queremos preservar no

conceito de homem.” (2006, p. 70). De fato, diante da real possibilidade de

destruição da humanidade é quase impossível não mover o sentimento para a

preservação. Diante da desfiguração da condição humana é que se toma consciência

da autêntica condição. Neste particular, Jonas acentua que o saber se origina não da

contemplação, mas daquilo contra o que se deve proteger.

De fato, Jonas é um dos poucos autores que defendem como método a via

negativa. A sua ética da responsabilidade pode ser considerada em parte como uma

ética do temor. Todavia, é preciso entender bem a sua posição para não tirar

concussões precipitadas. Ele acentua a predominância do mal para dele acentuar o

bem. Percebeu que o ser humano toma consciência com mais facilidade daquilo que

não deseja do que daquilo que já possui. Para Jonas, “o reconhecimento do malum é

infinitamente mais fácil de que o do bonum; é mais imediato, mais urgente, bem

menos exposto a diferença de opinião”. (2006, p.71). Jonas menciona que somente

diante da doença é que as pessoas se dão conta da saúde, somente quando há uma

privação da liberdade é que se toma consciência de seu valor, ainda mais, somente

diante da morte às pessoas realmente tomam consciência da vida e da finitude50.

Para Jonas, “o mal se impõe pela simples presença, enquanto o bem pode

ficar discretamente ali e continuar desconhecido, destituído de reflexão” (Ibid).

Aquilo que não se deseja é mais fácil de saber do que daquilo que se deseja. Desta

forma, se tratando de filosofia moral, Jonas priorizou a consulta ao temor, antes

mesmo de consultar o desejo. Muito embora, Jonas tenha consciência de que “a

50 Santos, comenta que “Tais privações reais ou fictícias (representações de privações) podem ter um

efeito positivo sobre nossa disposição e sobre o nosso agir.” (2009, p. 285)

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53

heurística do medo não seja a ultima palavra na procura do bem, ela é uma palavra

muito útil.” (2006, p. 71).

É possível perceber no pensamento de Jonas um movimento dialético entre o

bem e a mal, saúde e doença, riqueza e pobreza. Neste movimento dialético

constante é que se dá o conhecimento. Para Jonas, o conhecimento em questão diz

respeito à tecnologia, ou seja, através do movimento dialético entre os potenciais

catastróficos da tecnologia e o futuro que se quer preservar. Surge daí, o

conhecimento heurístico. Com o conhecimento, o homem é forçado a frear a

compulsão e a onipotência dos ideais de progresso da técnica moderna. Assim sendo,

o mal imaginado e experimentado através do temor deveria servir de contraponto ao

agir concreto aqui e agora. Seria uma antecipação preventiva contra possíveis

ameaças.

No desenvolvimento de sua argumentação em defesa da heurística do temor

como método analítico, Jonas destaca alguns deveres. O primeiro dever da ética do

futuro jonasiana é de antecipação. Em sua concepção, o mal imaginado nas futuras

catástrofes antecipadas, deve ser experimentado no presente. O procedimento para tal

acontecimento é produzir intencionalmente experiências catastrófica através das

projeções futuras.

A segunda obrigação pontuada por Jonas consiste na obrigação da

mobilização de sentimentos. Não basta apenas imaginar o mal hipoteticamente, é

preciso fazer uma experiência, somente assim ele passa a ter significado. A

experiência, portanto, possibilita a antecipação daquilo que poderá ser pior. Jonas,

contudo, preocupa-se em distinguir a sua posição daquela sustentada por Hobbes.

Em Jonas não se encontra a defesa do medo patológico da morte violente

como em Hobbes, aqui, o medo tem caraterística espiritual que nasce de uma atitude

deliberada da pessoa. Assim ele conclui, “a adoção dessa atitude, ou seja, a

disposição para se deixar afetar pela salvação ou pela desgraça (ainda que só

imaginada) das gerações vindouras é o segundo dever ‘introdutório’ a ética

almejada” (2006, p.72).

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54

O temor adquire caráter pedagógico dentro da teoria de Jonas enquanto

método analítico51. Além disso, o temor constitui parte essencial da responsabilidade

acentuada por Jonas. Ou seja, o temor imaginado ou antecipado pela capacidade

projetiva é objeto de responsabilidade.

A doutrina de princípios buscada por Jonas não consegue uma exatidão como

a ciência. O saber possível, dentro de seu pensamento, é suficiente para a doutrina

dos princípios, pois trabalha com o mal experimentado. A infelicidade causada pelo

sentimento de não haver futuro ou das caóticas condições futuras implicam na

necessidade de princípios. Para Jonas a reflexão sobre o possível fornece acesso a

novas verdades. Estas verdades não precisão ser colocadas como provas, apenas de

ilustração. Assim escreve, “trata-se de uma casuística imaginativa que serve à

investigação e à descoberta de princípios ainda desconhecidos (e não, como a

casuística habitualmente serve, no direito e na moral, ao exame de princípios já

conhecidos).” (2006, p.74). Com isso, Jonas revelou a parte fraca das projeções que

apesar de coerentes em relação ao futuro não são suficientes para serem implantadas

no plano político.

Jonas sentiu que seria necessário justificar as projeções que priorizam o mau

prognóstico. Isso porque a tecnologia não respeita mais o processo natural das coisas

em face de pequenas compensações. Jonas preocupou-se em fundamentar e acentuar

os maus prognósticos para preservar as futuras condições de vida digna. Jonas

especifica a sua posição relatando a sua percepção dos empreendimentos da

tecnologia moderna52.

O grande empreendimento da tecnologia moderna, que não é

nem paciente nem lento, comprime – com um todo e em

muitos de seus projetos singulares – os muitos passos

51 Zancanaro comenta que o “temor poderá, efetivamente, sensibilizar para o dever de saber e para o

reconhecimento do desconhecimento.” (1998, p.75). 52 Rotania fala do intuicisnísmo negativo em Jonas. “O intuicionísmo negativo, ou seja, a percepção

das consequências nefastas deste desenvolvimento científico e tecnológico, seria uma decorrência de

várias constatações, a saber: 1) de que uma intervenção artificial extremamente condensada e

planejada ao ponto de chagar a extrapolar a vontade e os planos dos agentes tende a substituir o lento

e cego trabalho do acaso no processo natural evolutivo; 2) que esta intervenção tecnológica está

atrelada a uma dinâmica cumulativa acelerada (progresso) que torna o processo irreversível e

incontrolável, deixando pouco espaço para a autocorreção natural; e 3) de que a incerteza sobre as

consequências a longo prazo do conhecimento científico, privado de valor e sem necessidade de

legitimação, orientado para atingir eficácia e melhoramento, coloca em risco o próprio sujeito da

evolução, isto é, a existência humana enquanto tal”. (2001, p. 208-209)

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minúsculos do desenvolvimento natural em poucos passos

colossais, [...] O fato de “tomar o seu desenvolvimento em

suas próprias mãos”, isto é, de substituir o acaso cego, que

opera lentamente, por um planejamento consciente e de

rápida eficácia, fiando-se na razão, longe de oferecer ao

homem uma perspectiva mais segura de uma evolução bem-

sucedida, produz uma incerteza e um perigo totalmente

novos. (2006, p. 77).

Jonas demostrou ser descrente em relação às promessas da tecnologia.

Segundo a sua concepção, não se está levando em conta o processo que a natureza

leva para digerir as intervenções humanas. De um lado, o tempo para corrigir os

erros que acontecem não alterou, por outro lado já as intervenções cresceram. O que

não se pode ignorar é a substituição da longa duração da evolução natural pelo prazo

relativamente curto da ação humana planejada.

Jonas não admite o tudo ou nada quando o que está em jogo são as condições

e a vida futura da humanidade53. Assim assevera que o “mandamento da ponderação

em vista do estilo revolucionário que assume a mecânica evolutiva do “este ou

aquele” sob o signo de uma tecnologia, com suas apostas de “tudo-ou-nada”, a ela

imantes e alheia à evolução.” (Ibid).

A heurística do temor jonasiana é, portanto, um instrumento fundamental e se

mostra completamente adequado às anseios dessa nova ética, que tem a missão de

alertar sobre as ameaças provenientes dos efeitos propiciados pela ideologia do

progresso tecnológico54. Foi mostrado que isso não esta longe, o progresso

tecnológico possui finalidades em si mesmo que podem extinguir com a vida no

planeta. O temor tem a função de chamar atenção para a qualidade das ações e das

apostas. E nos custos e benefícios, sempre dar preferencia as custos altos que pedem

53 “As gerações futuras, o destino dos que ainda não existem, não guardam com os indivíduos

existentes um vínculo de amor ou de convivência, portanto o temor pelo futuro das gerações humanas

só pode ser de natureza intelectual, próprio do homem como consequência de uma atitude”. (Rotania,

2001, p 210) 54 “O medo seria uma forma de frear a compulsão e a onipotência prometeana de considerar o

conhecimento científico ilimitado.” (Zancanaro, 1998, p. 76).

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ser pagos por toda a humanidade, em face, muitas vezes, de pequenos ganhos

individuais55.

Ressalta-se que a tecnologia definitivamente adquiriu um poder globalizante,

destrutivo, efetivo que ultrapassa meramente as decisões individuais. Neste

particular, Jonas está chamando atenção para o uso politico dos potenciais

tecnológicos. O que não pode acontecer é que a esfera política tome decisões que

coloquem em perigo o destino da humanidade e a existência de tudo é de todos.

Jonas é pessimista, porque ele acredita que decisões políticas normalmente não se

preocupam com as consequências más futuras, apenas estão preocupados com a

esfera próxima, pois são elas que notabilizam as suas ações.

Para Jonas, o que é duvidoso e pode trazer riscos para a vida digna presente e

futura não devem ser realizado. A preferencia e o critério de decisão devem ser os

maus prognósticos. A sequência do pensamento de Jonas segue essa ordem: do

perigo experimentado através da heurística do temor na dialética entre o mal a ser

evitado e o bem almejado, surge um mandamento que nasce de um dever de

conservação da vida, o mandamento é a responsabilidade com o ser que deve ter

preferência ente o não ser (nada).

Jonas propõe, pois, a elaboração de uma teoria valorativa centrada na

objetividade de valores do ser, que tenha condições de aceitabilidade na modernidade

e a partir da qual se possa deduzir um comportamento de preservação e

responsabilidade.

A heurística do temor possui um caráter de cautela, moderação e prudência no

agir. É apenas a parte inicial da ética da responsabilidade. Sozinho o temor não é

suficiente para assegurar o fundamento da ética esperada. Daí a importância de

demonstrar a existência de princípios fundamentais que asseguram os maus

prognósticos em face do que se quer preservar56.

Por fim, diz Jonas, “agora importa apenas constatar que entre as apostas

lançadas no jogo, em que pese toda a sua proveniência física, encontra-se um estado

55 Esta ideia é reforçada por Zancanaro “Nenhum tipo de conquista, ganho ou sucesso autoriza o

aniquilamento de qualquer coisa.” (1998, p. 80) 56 “A raiz da ética está na ontologia, como forma de combater o niilismo moderno, atacando-o pelo

lado mais frágil, que é seu desinteresse pela vida. Por isso, Jonas retorna intencionalmente aos pré-

modernos e retira um dever do ser.” (Zancanaro, 1998, p. 80)

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de coisas metafisico, um absoluto que, como bem fiduciários o valor mais alto e

vulnerável, nos impõe o mais alto dever de conserva-lo.” (2006, p. 80). Desse modo,

o perigo é o critério de decisões das ações humanas tecnológicas. Cabe agora,

apresentar outros princípios que Jonas apresentou para sustentar a sua nova ética.

4.2 Fim e valor na ética da responsabilidade

Dentro da investigação empreendida por Jonas é fundamental, por um lado,

explicitar os fins e por outro os valores. Para ele, fim “é aquilo graças ao qual uma

coisa existe e cuja produção ou conservação exigiu que algum processo ou que

alguma ação fosse empreendida” (2006, p. 107). Nesta perspectiva, os fins

respondem a pergunta para quê? Definindo as coisas e metas. Mas é preciso

esclarecer também no caso de serem tomados em si mesmos, ou seja, a finalidade de

cada objeto. A primeira questão que Jonas quer tratar refere-se ao conceito e o fim

em si mesmo. A segunda tem como objetivo trabalhar o conceito de um valor em si

mesmo.

Os fins que se encontram na própria coisa não são passiveis de juízos

valorativos, pois derivam das coisas e não do juízo de valor que é projetado a eles.

Os fins que se encontram na natureza dos objetos independem dos juízos valorativos

dos agentes. Segundo Jonas, as coisas pelo fato de serem possuem fins em si mesmo

por natureza, a partir destes fins, é possível afirmar um valor em si das coisas. Para

melhor explicar a categoria de fim, Jonas fez uso de algumas figuras à primeira dela

é o martelo.

O martelo tem o fim do poder-se-martelar-com-ele: foi criado

com esse fim e para ele; esse fim faz parte do seu Ser,

produzido para tal, de um modo totalmente diferente do fim

momentâneo que tem a pedra há pouco recolhida e

arremessada ou o galho que se quebra para alcançar algo. O

fim, podemos dizer, faz parte do conceito de martelo, e esse

conceito precedeu sua existência, como acontece com todos

os artefatos; foi a causa de seu devir. (2006, p. 109)

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Jonas diz que a finalidade do martelo não encerra o juízo de valor, sendo uma

determinação real da necessidade projetada para o mesmo. Os artefatos não estão

desprovidos de finalidades próprias. No caso do martelo, é o fabricante que atribui

um valor de uso. Zancanaro comenta que neste particular “o conceito é fundamento

do objeto e não o objeto fundamento do conceito.” (1998, p. 97). Assim, é possível

compreender as preocupações de Jonas neste horizonte, onde a sociedade se encontra

emersa pela técnica por meio dos inventos tecnológicos, pois atualmente tudo é

criado com finalidades.

Jonas utiliza como exemplo a figura do tribunal para explicitar o duplo

sentido da expressão ter um fim. O tribunal para Jonas “também é um artefato

nomeadamente uma instituição humana, e nele o conceito, evidentemente, também

precede a coisa: foi instalado para fazer justiça.” (2006, p. 111). Entretanto, aqui o

conceito não apenas precedeu a coisa, mas também teve que penetra-la para que ela

pudesse ser aquilo correspondente ao seu fim. Ou seja, todas as instituições sociais

criadas não existem distintas dos seus fins. Completa Zancanaro, “não podemos

explicar o Parlamento, a instituição financeira, o sistema judicial; enfim, todas as

instituições humanas, sem indicar seu fim”. (1998, p. 98).

Diferentemente do martelo, é impossível compreender o tribunal sem antes

compreender o seu conceito, ou seja, os componentes que sustentam ou justifiquem a

ideia de tribunal. É preciso compreender o conceito de tribunal para ver com clareza

os fins embutido nele. Isso porque o tribunal não é um objeto concreto, foi

intencionalmente criado, daí a necessidade de conhecer o conceito abstrato para

compreender os fatos e derivar seus fins.

Com estes dois exemplos, Jonas quer explicitar que os fins não podem ser

desvinculados dos homens. Em ambos o fim é o homem. Se as criações humanas não

podem ser pensadas desvinculadas de fins humanos é preciso pensar bem a questão

das criações tecnológicas. As tecnologias, portanto, possuem fins que podem ser

manipulados a bel prazer pelos homens. Zancanaro argumenta “os fins são

percebidos como uma questão ética ligada ao sentido que o usuário lhe dá, seja no

plano individual, seja no social.” (1998, p. 99). Com isso, percebe-se a importância

da ética, pois ela pode orientar estes fins.

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Jonas parte para a distinção entre os meios naturais e artificiais que se refere à

atribuição de fins. Para isso, fez uso do andar humano, pois para ele, diferentemente

do martelo o andar tem fim subjetivo. Anda-se para chegar a um determinado lugar,

mas o impulso de andar é objetivo. O fim para o homem é o resultado da soma de

ações individuais, particulares, que conduzem à etapa seguinte.

A questão central que Jonas quer desenvolver é se existe um fim ultimo. Uma

resposta capital que respondesse a pergunta: “existe finalidade no mundo objetivo,

físico, ou somente no mundo subjetivo, psíquico?” (Jonas, 2006, p. 123). Jonas

considera quando se trata de artefatos, por serem desenhos humanos nele se

incorpora finalidade. Por si só os artefatos não possuem finalidades, são os homens

quem estabelece um fim.

Para Jonas, tudo tem um próprio fim. O ser humano, os animais, as espécies

de animais, todos, independentemente de sua função, tem como finalidade a

participação no ciclo natural da vida. Assim, todos os fins da produção técnica

devem ser levados a uma discussão ética. Diferentemente dos animais que agem por

um esquema de estimulação instintiva, o ser humano busca suas realizações através

das somas das ações, como também constrói a liberdade pela soma de atos livres.

Nesta perspectiva, Jonas não pretende explicar a natureza por meio de fins

hipotéticos, mas interpreta-la para buscar nela a presença de fins. Dessa forma, ele

compreende a natureza em vista dos fins, para arrancar o argumento que sustenta a

responsabilidade. Na natureza encontram-se valores e fins. Neste sentido, quais

seriam os fins na natureza que poderia sustentar a responsabilidade? A resposta a

essa questão crucial, é a própria existência, isto é, a própria vida.

Jonas aponta para um erro que se tem cometido nos últimos tempos,

principalmente a partir da modernidade, a negação da natureza em razão do domínio

exercido sobre ela. Com isso, ele crítica às ciências naturais, que através dos seus

processos quantitativos, não pode ter a pretensão de dizer tudo sobre o homem. Para

fundamentar a nova ética, Jonas recorre a uma fundamentação ontológica.

Afirmando que a ciência natural não diz tudo sobre a natureza, além disso, é incapaz

de dar conta do fenômeno da consciência, ou mesmo o caso mais elementar do sentir.

Existe a ponta de um iceberg de que o mundo dá testemunho. Jonas pretende

compreender o fenômeno da subjetividade e perceber nele a existência de fins como

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testemunho universal. Ele quer justamente explicar esta ponta de iceberg e, com isso,

reintroduzir a metafísica na ética e recolocar o homem no seu lugar de destaque.

Como foi dito anteriormente o fim, pois, em questão é a própria vida. Ela

constitui-se o fim de todo o vivente e o fim próprio de todo corpo. Preservá-la é

contribuir para que esse fim se realize. Com o poder que os seres humanos têm sobre

a natureza, este deve proclamar o imperativo ético do ser sobre o não ser. O fim da

natureza está na exigência do cumprimento do seu fim ultimo, ou seja, na

continuidade da existência. Assim, a vida passa a ser objeto de responsabilidade

ética.

Contudo, o homem, no uso de sua liberdade, pode dizer não ao mundo. A

possibilidade de dizer não, para Jonas, confirma a existência de fins e, ao mesmo

tempo, confirma a impossibilidade de uma natureza livre de valores. A existência de

fins confirma a existência de valores e de uma obrigação com a natureza. A partir de

agora, o bem, a vida, o valor são objetos de responsabilidade.

Para Jonas os fins intrínsecos se tornam valores, à medida que são

reconhecidos pelo homem como um bem ontológico57. Quando é relacionado o bem

à necessidade na perspectiva ética, valoriza-se então o bem concreto como um bem

ou um valor. Basicamente é possível afirmar que todos os valores supõem um bem,

como também é possível afirmar a existência de bens que não estão sendo

apreciados. Eles passam a serem valores pela sua objetividade. Por outro lado, na

visão de Jonas a palavra valor também evoca subjetividade e ela se manifesta no seu

exercício, isto é, da mesma forma é possível disser não a natureza e aniquila-la.

Portanto, para Jonas a natureza tem valores porque tem fins. O valor, o fim, o

bem maior, inclusive para ela própria, é a vida e sua continuidade. Este é o

argumento fundante da sua teoria ética. O fim que Jonas quer assegurar e que

demanda responsabilidade é a continuidade da existência humana e extrahumana

presente e futura. Já o valor fundamental é, pois, a superioridade do ser sobre o não

ser: a ética se funda no sim ao ser e no não ao não ser. Ambos são percebidos

57 A influência Leibniziana em Jonas é surpreendente. A exigência do ser é, para Leibniz, puramente

metafísica: cada possibilidade do existente tende à apreciação de sua essência que é para Jonas de

natureza ética.

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ontologicamente como universais. Com isso, Jonas fundamenta também o dever ser

que será tratado no item seguinte.

4.3 Bem, dever e ser na ética da responsabilidade

Jonas fundamenta a sua ética em hipóteses ontológicas, dentre os conceitos

formulados por ele estão o bem, o dever e o ser. Para ele a ciência e suas resoluções

não são a ultima palavras, principalmente, em relações humanas. Na liberdade de

poder dizer não ao não ser, o bem, entendido por Jonas, em todas as suas dimensões

resulta em um dever.

Jonas argumenta a favor de uma fundamentação do bem que é também

compreendido como valor. Mas, para que isso aconteça é preciso se aventurar na

complexa passagem do ser ao dever ser. Neste sentido, cabe saber em que consiste o

valor ou o bem para Jonas? O que ele esta entendendo por bem, ele é por si ou é o

sujeito o responsável, aquele que o define?

Jonas entende que “esse bem ou valor, quando existe por si mesmo e não

graças a desejo, necessidade ou escolha, é algo cuja possibilidade contém a exigência

de sua realização” (2006, p. 149). Assim, a exigência do bem é constatada na coisa

em si, mas a sua realização, na perspectiva moral, somente acontece na efetivação

daquilo que deve realizar-se, isso por meio da liberdade de adesão que o ser humano

possui.

A intenção de Jonas é mostrar que o bem nos seres deve cumprir o seu

objetivo. O ser humano é privilegiado ou não por meio do seu poder de escolha.

Aqui, Jonas querer restaurar as escolhas humanas em harmonia com o valor ou bem

da finalidade das coisas. A natureza possui uma finalidade que o poder humano pode

ameaçar. Daí a importância da ética da responsabilidade para chamar atenção para o

dever de conservação de toda a biodiversidade da natureza.

Para Jonas, o dever não nasce tão somente da coisa em si ou de seu valor ou

bem, mas também do sujeito da ação ou da adesão ao ser ou ao não ao não ser.

Desse modo, é necessária a construção de uma ponte entre o valor em si das coisas e

a vontade que comanda as ações, para fundamentar a ética na natureza, a partir do

princípio ontológico.

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Nesta perspectiva, Zancanaro comenta que “o “bem” ou “valor” pertence à

realidade do “ser”, porque lhe é inerente. O “bem” se converte num “dever”, no

momento em que “existe uma vontade capaz de perceber tal exigência e transformá-

la em ação”.” (1998 p 113). Nasce, com isso, a ética da responsabilidade, não apenas

da exigência racional impositiva, mas também do bem intrínseco que requer cuidado.

Jonas assume uma posição pré-moderna onde não ratifica o homem moderno

racional cartesiano ou autônomo kantiano. Mas, volta sua atenção às exigências do

ser, posição inspirada em Aristóteles. Com isso, quer resgatar o valor da natureza que

na modernidade foi, de certa forma, desprezada em face da crença na subjetividade

transformadora através da ciência e tecnologia. Assim, o bem se torna um valor e

dele origina-se o dever ou a responsabilidade em pauta, como demanda do próprio

ser, da vida e da sua continuidade.

Para Jonas, a finalidade das coisas deve ser compreendida com bem em si. A

natureza, por exemplo, tem metas ou finalidades que independem da subjetividade

humana para existirem. Pela finalidade, que consiste no bem, exige-se da parte do ser

humano zelo, cuidado, vigilância e dedicação. Com isso, as decisões humanas não

podem ser tomadas em termos de êxito ou fracasso, sim porque existe um bem e um

fim em si que exige cuidados. Como consequência dessa finalidade de bem nasce um

dever que é explicitado por Jonas.

Logo, como consequência analítica do conceito formal de

bem em si, decorre um dever, na medida em que esse

primeiro bem autovalidado e todos os outros dele decorrentes

encontrem abrigo em uma vontade. Mas o conteúdo desse

primeiro bem e sua ancoragem na realidade nada mais são do

que já fora afirmado naquela primeira manifestação da sua

dignidade axiomática: a superioridade da finalidade sobre a

falta de finalidade. (2006, p. 150).

Na busca por finalidades, acontece à autoafirmação fundamental do ser. Para

Jonas, o ser é melhor do que o não ser. O ser como finalidade declara-se a favor de si

mesmo, mas contra o nada. Com isso, a primeira coisa que se apreende do ser é que

ele se encontra evolvido com algo, senão com outros, ao menos consigo mesmo.

Além disso, Jonas é enfático ao afirmar o sim da vida e o não ao não ser.

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A vida é essa confrontação explicita do Ser com o não-Ser,

pois, na sua carência constitucional decorrente das

necessidades metabólicas, cuja satisfação pode falhar, a vida

abriga em si a possibilidade do não-Ser como uma antítese

sempre presente, como ameaça. O modo do seu ser é a

manifestação do fazer. O “sim” do esforço é fortalecido pelo

“não” ao não-Ser. (2006, p. 152).

Com a negação do não ser, o ser torna-se um interesse positivo, uma escolha

permanente de si e uma exigência de prioridade. O sim ao ser, em face do não ser

adquire a força de um dever. Através da liberdade o homem é chamado a ser um

continuador da finalidade da natureza. Mas, também dependendo do uso, pode ser

tornar seu destruidor. Por isso, “ele precisa incorporar o “sim” à sua vontade e impor,

ao seu poder, o “não” ao não-Ser.” (2006, p. 152).

Jonas constata a capacidade destrutiva da tecnologia e deixa transparecer o

temor pela destruição do bem essencial. Para Jonas, o sim ontológico em questão,

adquire a força de um dever de responsabilidade concreto. Mas, a responsabilidade,

não é apenas individual da razão com ela mesma, deve levar em conta as ações

modificadas pela técnica e pela ciência, são coletivas.

Na concepção de Jonas, o valor e o bem não possuem força na norma, mas no

fim natural estabelecido antes de qualquer escolha. O bem independe de desejos e

opiniões subjetivas, pois possui um valor que está de acordo com o seu fim natural.

Entretanto, somente o fundamento do ser é que pode enfrentar a vontade. Tirando

isso, o ser não pode impor forçosamente um dever. Jonas ressalta que o bem não

pode forçar a vontade livre a torá-lo a sua finalidade, apenas pode extorquir-lhe a

confissão de que esse seria o seu dever. “Se a vontade não se submete a essa

exigência, o sentimento de culpa expressa esse reconhecimento” (2006, p. 156).

Em contrapartida, a ética da tradição, na ética da responsabilidade “o bem é a

causa do mundo” (Ibid). Já a moral tradicional, tem demonstrado demasiado valor às

normas e regras, tornando-se egoísta por que propõe para si metas. Neste ponto, se

contrapõe também a Kant, pois o que está em jogo não é a forma, mas o conteúdo da

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ação. Ele torna dever aquilo que a inteleção mostra que é digno de existir por si

mesmo e necessita da intervenção humana.

Jonas menciona o papel do lado emocional na nova ética. Segundo ele, o lado

emocional tem de entrar em jogo, pois é própria da inteleção a transmissão de apelos

que encontrem respostas em sentimentos humanos. O sentimento que Jonas está se

referindo é de responsabilidade.

Com o toda teoria ética, uma teoria da responsabilidade deve

lidar com ambos os aspectos: o fundamento racional do

dever, ou seja, o princípio legitimador que está por trás da

reivindicação de um “deve-se” imperativo, e o fundamento

psicológico da capacidade de influenciar a vontade, ou seja,

de ser a causa de alguma coisa, de permitir que sua ação seja

determinada por ela. Isso que dizer que a ética tem um

aspecto objetivo e subjetivo, aquele tratado da razão e o

ultimo, da emoção. (Jonas, 2006, p. 157)

A teoria de Jonas, como todas as teorias éticas, leva em conta o aspecto

objetivo e subjetivo. O aspecto objetivo tem a ver com a razão; e subjetivo com o

sentimento. A filosofia se ocupa com o estado objetivo, cuja preocupação está

relacionada à validade e ao fundamento racional da obrigação. O aspecto subjetivo

busca o fundamento psicológico como a capacidade de mover a vontade; de

converter-se em causa para o sujeito; de deixar determinar sua ação por aquele. Jonas

acentua que, ao longo da história, ou se priorizou o objetivo ou o subjetivo. Mas,

para apesar de esforçar-se pelo lado objetivo, considera ambos os aspectos

mutualmente complementares, pois são partes integrantes da ética como tal.

Jonas faz uma apologia da importância do sentimento na moral. E cita Kant

como aquele que percebeu o sentimento na alma e na natureza sensível, ao invés de

vê-lo como elemento ético em si. No entanto, tal intuição passa por toda a tradição

do pensamento ocidental.

O temor de Deus judaico, “o eros” platônico, “a eudaimonia”

aristotélica, “o amor cristão”, o amor “dei intellectualis” de

Spinoza, a “benevolência” de Shaftesbury, “o respeito” de

Kant, “o interesse” de Kierkegaard e “o gozo da vontade” de

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Nietzsche são formas de determinação desse elemento

emocional da ética. (Jonas, 2006, p. 159)

O objetivo da responsabilidade de Jonas é totalmente diferente destes

exemplos citados. Nesses exemplos, não é possível encontrar uma real preocupação

pelo futuro concreto da humanidade e muito menos do planeta. Para Jonas, a causa é

concreta, e a fundação metafísica está na coisa. É ela que desperta o sentimento de

responsabilidade em relação ao frágil.

De forma diametralmente diferente, o objeto da

responsabilidade é algo perecível como tal. Contudo, apesar

dessa comunhão entre mim e ele, é um “outro” que tem

menos chances de comigo partilhar alguma coisa, quando

comparado a todos os outros objetos transcendentes da ética

clássica: um “outro”, não como algo incomparavelmente

melhor, mas como nada mais do que ele mesmo em seu

próprio direito e sem que essa alteridade possa ser superada

por uma aproximação minha em sua direção, ou vice-versa.

Exatamente essa alteridade se apossa da minha

responsabilidade, e não se pretende aqui nenhuma

apropriação. (Jonas, 2006, p. 159)

O pensamento de Jonas quer resgatar a importância das coisas em si, não ao

estado da vontade. A responsabilidade, o respeito e o cuidado nascem da existência

concreta das coisas. Não é o cuidado e o respeito à norma ou a lei que impõe a

vontade o dever de ação, mas o sentimento provocado pelo temor. Neste sentido,

Jonas critica o dever kantiano por não estar atento ao mundo da necessidade, porque

sua dinâmica é lógica e não moral, embora a crítica não valha quando fala do

respeito à dignidade das pessoas como fins em si mesmos. Jonas defende a vontade

livre, mas precisa que ela seja forçada a reconhecer que o ser humano é responsável

pelo planeta e pelo futuro.

4.4 Estereótipos de responsabilidade: jurídico, político e paterno

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Antes mesmo de adentrar nos estereótipos de responsabilidade é importante

compreender as primeiras distinções que Jonas realiza. Ele assume outra posição se

contrapondo as imputações causais de atos cometidos. Neste sentido é preciso saber

em que momento o poder causal é condição de responsabilidade?

Jonas entende o poder causal por outra ótica diferente da jurídica. Para ele se

há possibilidade, então existe um dever. A ação está na esfera do poder humano

como antecipação da possibilidade. Neste caso existe uma responsabilidade

justamente pela capacidade de antecipação dos efeitos das ações. Diferentemente do

âmbito do direito onde a responsabilidade é julgada a partir da norma, em Jonas a

responsabilidade remete a esfera do poder, principalmente pelos atos irresponsáveis.

O direito civil penal trabalha dentro da perspectiva do ato como critério de

julgamento. A responsabilidade neste caso assim constituída não põe fins; a ação é

interpretada a partir da carga formal onde o autor responderá por seus atos. Essa

situação revela que, se atua, mais cresce a responsáveis pelo realizado, e vice-versa.

As ações são julgadas a partir da norma estabelecida previamente, através de um

princípio jurídico. Jonas quer superar isso quando requer a exigência do bem, como

ponto de partida, o medo e a prudência, que obrigue a renúncia e a preservação não

pela lei ou pela norma.

Através do fim e do bem intrínseco das coisas é que adem um dever de fazer.

Diferentemente da norma jurídica e da tradição ética, agora o acento está fora do ser

humano, todavia está na esfera do seu poder. Que exige responsabilidade é a

existência, o primeiro dever da nova responsabilidade não é mais pelos atos e as suas

consequências, mas pela bondade das coisas mesma. As ações, para Jonas, tem um

proposito definido, ou seja, estão para o fim, para o bem e o valor.

Jonas elucida esta realidade através de exemplos contrários a

responsabilidade esperada, a irresponsabilidade.

O jogador que arrisca no cassino tudo o seu patrimônio age

de forma imprudente; quando se trata não do seu patrimônio,

mas do de outro, age de forma criminosa; quando é pai de

família, sua ação é irresponsável, mesmo que se trate de bens

próprios e independente do fato de ganhar ou perder. O

exemplo nos mostra que só pode agir irresponsavelmente

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quem assume responsabilidade. A responsabilidade rejeitada

nesse exemplo é do tipo mais abrangente e duradouro. (2006,

p. 168)

Com isso, Jonas explicita a natureza da sua proposta de responsabilidade. Ela

não mais trabalha com a concepção de dever que requer obrigação, mas trabalha com

a noção de responsabilidade numa relação não recíproca. Este constitui uma das

fortes características da ética Jonasiana. Ele não requer nenhuma obrigação de

resposta ao bem praticado.

Jonas ainda menciona a responsabilidade natural e a responsabilidade

contratual. A natural é aquela exemplificada pela família no sentido paternal, “não

depende da aprovação prévia, sendo irrevogável e não-rescindível, além de englobar

a totalidade do objeto.”(Jonas, 2006 p. 170). A responsabilidade contratual é

caraterizada pelo artificial. Ela é atribuída a partir da execução de um cargo, como

exemplo, a assunção de uma função ou de um acordo. No caso da responsabilidade

contratual, a escolha pode ser renunciada ou descumprida porque o dever foi extraído

da força obrigatória do acordo, enquanto o princípio ontológico ou responsabilidade

natural tem força por si mesmo.

Jonas também menciona a responsabilidade livremente escolhida do homem

político. Ela está enraizada no conceito de responsabilidade universal, é autoeletiva e

está fundamentada no conceito de responsabilidade que foi livremente escolhida.

Dessa forma, é possível entender o sentido da obrigatoriedade e do dever. Zancanaro

comenta esta realidade e conclui dizendo: “O bem substancial constitui o fundamento

da responsabilidade. O poder é investido de moralidade cuja exigência está no bem

substancial.” (1998, p. 131). Assim, testemunhar, respeitar, cuidar, ser responsável

de tudo e todos é um agir possível e ético, bem como, está na esfera do poder do ser

humano. A consciência ética nasce da concordância do processo reflexivo e do

exercício pedagógico da responsabilidade.

Jonas menciona que existem dois estereótipos de responsabilidade eles

conduzem a análise dos seus aspectos comuns, a saber: responsabilidade paterna e

política. A paterna possui o caráter natural, incondicional totalmente envolvido pela

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totalidade do objeto. Já a responsabilidade política é definida como sendo fruto de

uma escolha com intenção de exercer a responsabilidade suprema.

Jonas resume os aspectos comuns do conceito de responsabilidade na

totalidade, continuidade e futuro. Além disso, é necessário analisar o polo

fundamental do ser humano e as suas marcas: transitoriedade, precariedade e

vulnerabilidade.

Para Jonas a responsabilidade é uma caraterística exclusivamente humana. O

ser responsável efetivamente por alguém ou qualquer coisa é tão inseparável da

existência do homem quanto o fato da fala. Nesse sentido, segundo Jonas, no ser do

homem existente há um dever contido; “sua faculdade de sujeito capaz de

causalidade traz consigo a obrigação objetiva sob forma da responsabilidade externa”

(2006, p. 176). Com isso, o homem torna-se capaz de ser moral ou imoral.

A existência torna-se objeto de responsabilidade por exigência ontológica e

não por ideais esternos de sumo bem ou de mandamentos divinos. O objeto da

responsabilidade nasce da existência, isto é, a vida que suplica cuidado. Diante dos

desafios dos novos tempos, da existência em risco por conta do poder de ação, é

necessário dizer que “se podes, então deves”.

A responsabilidade proposta por Jonas está vinculada em todos os casos onde

a existência estiver implicada. Ela deve acontecer em todos os campos do agir, ou

seja, no político, no pai, no educador, no cientista, no artista, no físico etc. Com isso,

a responsabilidade revela o conceito de totalidade. Nas palavras de Jonas, “a

responsabilidade abarca o Ser total do objeto, todos os seus aspectos, desde a sua

existência bruta até os seus interesses mais elevados.” (2006, p. 180)

Dentro deste contexto, a responsabilidade paterna, do ponto de vista temporal

e da sua existência, constitui o arquétipo de toda responsabilidade. Segundo Jonas, o

seu objeto é a criança na sua totalidade e potencialidade, não exclusivamente nas

suas carências de cuidados imediatos. Primeiramente a dimensão física,

posteriormente a educação em geral de seu filho e por ultimo à felicidade.

Na responsabilidade política o que importa é o bem público. Jonas descreve

que “o “homem público”, no pleno sentido da palavra, ao longo da duração de seu

mandato ou poder, assume a responsabilidade pela totalidade da vida da comunidade,

por aquilo que costumamos chamar de bem público” (Ibid). Apesar das diferenças,

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essa responsabilidade possui o mesmo objeto que a responsabilidade paterna, a saber,

ambos se estendem da existência física aos mais elevados interesses, da segurança à

plenitude e a felicidade.

Jonas ainda assinala que as duas responsabilidades são divergentes, pois uma

representa a maior das singularidades e a outra a mais ampla generalidade. No

entanto, elas se interpenetram em relação ao objeto. Por um lado, a responsabilidade

paterna tem como objeto a educação da criança. Ela é responsável por incluir a

criança no mundo dos homens, através da linguagem, de códigos, e normas sociais.

Isso possibilita o nascimento dos direitos do cidadão. O cidadão é um objeto

imanente da educação, e assim parte da responsabilidade dos pais, não só por causa

de uma imposição do estado. “Por outro lado, assim como os pais educam os filhos

para o estado, [...] o estado assume para si a educação da criança” (2006, p. 181).

Nesse sentido, o conceito de totalidade está relacionado a tudo o que é

susceptível ao poder humano, para que se torne possível à continuidade. Aqui a

obrigação não é individual, mas uma responsabilidade de proporção cósmica. Na

política a continuidade se manifesta pelo poder de ação. O homem político tem o

dever de, em suas escolhas, incluir o bem comum e a continuidade da existência. Ele

não tem compromisso somente com o momentâneo, mas deve se preocupar com o

presente, o passado e o futuro.

Na responsabilidade paterna, a continuidade acontece no individuo concreto.

No seu desenvolvimento que vai se constituindo ao longo da sua história. Assim, a

vida reclama tanto da política, quanto da paternidade a responsabilidade a

continuidade do valor presente no futuro. Por fim, a responsabilidade, seja ela

individual ou coletiva, se ocupa fundamentalmente com o futuro. A responsabilidade

por uma vida, individual ou coletiva, se ocupa antes de tudo com o futuro, bem mais

do que com o presente imediato.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O percurso desenvolvido neste trabalho monográfico teve como ponto de

partida e fio condutor a vida e o pensamento de Hans Jonas. Esse filósofo teorizou

efetivamente uma das mais significativas éticas da contemporaneidade, a saber, a

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ética da responsabilidade. No particular, o ponto central da presente exposição foi o

princípio responsabilidade como fundamento ético para a preservação da vida em

geral e da vida humana.

No primeiro capítulo, foram apresentados os aspectos importantes da sua vida

e as principais influências que teve ao longo da sua trajetória intelectual. Nasceu na

Alemanha e pode acompanhar de perto os grandes acontecimentos de início do

século XX. Pelo fato de ser judeu, sofreu na própria pele as perseguições e os

horrores da Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, ficou profundamente revoltado

contra essa situação, a ponto de deixar a Alemanha para retornar mais tarde como

soldado da artilharia do exercito inimigo.

Teve o privilegio de conhecer e conviver com os maiores intelectuais da

época, como Bultmann, Husserl, Heidegger, Anders, Jaspers, Hannah Arendt e

Buber. Todos foram muito importantes para o desenvolvimento de seu pensamento.

Principalmente, de início, com as contribuições teológicas de Bultmann no seu

primeiro trabalho acadêmico sobre a gnose no cristianismo primitivo. Depois mais

profundamente pela influência do filósofo Heidegger. São as estruturas do

pensamento de Heidegger, como; futuro, passado, presente possibilidade, morte,

antecipação, temor, projeto, prevenção, cuidado, renúncia que possibilitaram todo o

seu pensamento, sem elas seria impossível entender o princípio responsabilidade.

(Zancanaro, 1999, p. 192).

Sua primeira fase intelectual foi marcada pelos estudos sobre a gnose. Neste

particular, consegue fazer uma nova leitura do florescente existencialismo a luz das

contribuições gnósticas. Especialmente para combater o niilismo moderno que surgia

com grande força. Jonas viu no dualismo radical um dos principais motivos para a

alienação do ser. Empreende dessa forma, muito esforço para resolver esse

problema. Estende as investigações até as formas remotas de vida, com a noção de

organismo retirar uma possível resolução desse problema. Para Jonas, a dualidade é

de suma importância, pois é na liberdade e necessidade, ser e não ser, alma e mundo

que acontece o fenômeno da vida. Elas estão numa relação de complementariedade.

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Por volta dos anos 50, no auge dos desenvolvimentos tecnológicos mais

significativos do século, Jonas assiste o desencadeamento do progresso tecnológico.

Neste período pós guerra, o sentimento que pairava no ar era de que poderia a

humanidade viver melhor com ganhos tecnológicos oriundos da Segunda Guerra

Mundial. No entanto, o que surgia com o progresso era a onipotência do poder

científico e os seus efeitos catastróficos. Com as explosões de Hiroshima e Nagasaki,

a humanidade tomou consciência de seu real potencial de destruição.

É inegável e até mesmo impossível não reconhecer os ganhos do

desenvolvimento científicos. Descobertas que facilitaram e possibilitaram a

humanidade melhoras significativas da qualidade de vida. Forma encurtadas

distâncias, quadrados os limites espaciais. Ganhos fundamentais na área da saúde

com a descoberta de muitos remédios, o mapeamento do DNA, as novas formas de

tratamento e remédios. Nunca se produziu tantos alimentos.

Ao mesmo tempo em o este poder tecnológico transformava o mundo,

também modificava as relações humanas e a ética. A medida do poder é a medida da

necessidade da prudência na sua utilização. O agir humano foi modificado e coloca

em risco o empreendimento através da possibilidade de transformação aleatória no

homem e na natureza. A ética entrou em crise, pelo no contingente da práxis

tecnológica.

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