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CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. spe 01, p. 133-153, 2011 133 Paulo Gilvane Lopes Pena, Adryanna Cardim, Maria da Purificação N. Araújo TAYLORISMO CIBERNÉTICO E LESÕES POR ESFORÇOS REPETITIVOS EM OPERADORES DE TELEMARKETING EM SALVADOR-BAHIA 1 Paulo Gilvane Lopes Pena * Adryanna Cardim ** Maria da Purificação N. Araújo *** O presente artigo visa a compreender o processo de adoecimento pelas Lesões por Esforços Repetitivos (LER) em operadores de telemarketing e suas relações com as estratégias gerenciais associadas às novas tecnologias. Para este estudo qualitativo foram entrevistados trinta opera- dores portadores de LER, atendidos em ambulatório, entre 2007 e 2009 e realizadas observa- ções nos ambientes de trabalho de dez empresas. Observaram-se condicionantes nocivos, de- correntes das transformações tecnológicas, do caráter virtual e comunicacional, o que deman- da novas formas de cuidados a serem considerados na prevenção das LER. A noção de redes sociais, que permite operar “hipercorpos”, nas relações entre operadores e clientes, ajuda no entendimento de aspectos subjetivos que favorecem a ocorrência de tensões e conflitos no universo virtual. Trata-se de estratégias gerenciais nocivas, que resultam em particularidades no desenvolvimento das LER, com produção social de estigmas e perversão de práticas de medicina do trabalho sincronizadas com princípios do taylorismo. PALAVRAS-CHAVE: trabalho, lesões por esforços repetitivos, telemarketing, novas tecnologias, saú- de do trabalhador. INTRODUÇÃO As epidemias prevalentes no mundo do trabalho mudam, assim como as técnicas de pre- venção, diagnóstico e prognóstico, e, no âmbito da saúde do trabalhador, incluem-se ainda mu- danças na esfera jurídica do reconhecimento das patologias ocupacionais. O trabalho muda e, so- bretudo, as técnicas se transformam ou são uti- lizadas de forma diferente na conformação de condições nocivas de risco para a saúde. As Le- sões por Esforços Repetitivos (LER), ou Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT) foram as primeiras patologias relaciona- das aos movimentos repetitivos, descritas em 1700 por Bernadino Ramazzini (Ramazzini [1700]1999) e encontradas em escribas e notários. A escrita, iniciada com um instrumento simples, como o lá- pis, incorporou anos depois a datilografia – pro- cesso mecânico e, posteriormente, a máquina datilográfica elétrica. Seguiram-se a revolução nu- mérica engendrada pela informática e a digitação de dados para alimentar informações em computador. A atividade de digitação está associada ao gigantes- co complexo comunicacional da Internet, na emer- gência de uma sociedade em rede (Castells, 1999), mas subjugada às formas de precarização e intensi- ficação do trabalho. Esse contexto se constitui no fenômeno técnico-organizacional que condiciona as causalidades da LER/DORT e outros distúrbios re- lacionados ao trabalho na atualidade. Os entendimentos a respeito da determina- ção social das doenças e das suas práticas que ge- ram cuidados diferenciados e desiguais nas socie- dades surgiram em meados do século XIX, na França e na Alemanha, por influência da Revolução Fran- cesa (Rosen, 1994). Tratava-se da concepção da me- * Doutor em SócioEconomia do Desenvolvimento. Pro- fessor adjunto do Departamento de Medicina Preventi- va e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia-UFBA. Faculdade de Medicina, Departamento de Medicina Pre- ventiva. Av. Reitor Miguel Calmon, s/n. Vale do Canela. Cep: 40000-000 - Salvador, BA - Brasil. [email protected] ** Fisioterapeuta e Nutricionista. Professora Assistente da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Sanita- rista do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador - CESAT/ Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. *** Nutricionista. Professora da Escola de Nutrição da UFBA. Doutoranda em Saúde Pública da Pós-Graduação em Saúde Coletiva, UFBA. 1 Agradeço ao CNPq pelo apoio financeiro para realização de parte da pesquisa.

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Paulo Gilvane Lopes Pena, Adryanna Cardim,Maria da Purificação N. Araújo

TAYLORISMO CIBERNÉTICO E LESÕES POR ESFORÇOSREPETITIVOS EM OPERADORES DE TELEMARKETING EM

SALVADOR-BAHIA 1

Paulo Gilvane Lopes Pena*

Adryanna Cardim**

Maria da Purificação N. Araújo***

O presente artigo visa a compreender o processo de adoecimento pelas Lesões por EsforçosRepetitivos (LER) em operadores de telemarketing e suas relações com as estratégias gerenciaisassociadas às novas tecnologias. Para este estudo qualitativo foram entrevistados trinta opera-dores portadores de LER, atendidos em ambulatório, entre 2007 e 2009 e realizadas observa-ções nos ambientes de trabalho de dez empresas. Observaram-se condicionantes nocivos, de-correntes das transformações tecnológicas, do caráter virtual e comunicacional, o que deman-da novas formas de cuidados a serem considerados na prevenção das LER. A noção de redessociais, que permite operar “hipercorpos”, nas relações entre operadores e clientes, ajuda noentendimento de aspectos subjetivos que favorecem a ocorrência de tensões e conflitos nouniverso virtual. Trata-se de estratégias gerenciais nocivas, que resultam em particularidadesno desenvolvimento das LER, com produção social de estigmas e perversão de práticas demedicina do trabalho sincronizadas com princípios do taylorismo.PALAVRAS-CHAVE: trabalho, lesões por esforços repetitivos, telemarketing, novas tecnologias, saú-de do trabalhador.

INTRODUÇÃO

As epidemias prevalentes no mundo dotrabalho mudam, assim como as técnicas de pre-venção, diagnóstico e prognóstico, e, no âmbitoda saúde do trabalhador, incluem-se ainda mu-danças na esfera jurídica do reconhecimento daspatologias ocupacionais. O trabalho muda e, so-bretudo, as técnicas se transformam ou são uti-lizadas de forma diferente na conformação decondições nocivas de risco para a saúde. As Le-sões por Esforços Repetitivos (LER), ou DoençasOsteomusculares Relacionadas ao Trabalho

(DORT) foram as primeiras patologias relaciona-das aos movimentos repetitivos, descritas em 1700por Bernadino Ramazzini (Ramazzini [1700]1999)e encontradas em escribas e notários. A escrita,iniciada com um instrumento simples, como o lá-pis, incorporou anos depois a datilografia – pro-cesso mecânico e, posteriormente, a máquinadatilográfica elétrica. Seguiram-se a revolução nu-mérica engendrada pela informática e a digitação dedados para alimentar informações em computador.A atividade de digitação está associada ao gigantes-co complexo comunicacional da Internet, na emer-gência de uma sociedade em rede (Castells, 1999),mas subjugada às formas de precarização e intensi-ficação do trabalho. Esse contexto se constitui nofenômeno técnico-organizacional que condiciona ascausalidades da LER/DORT e outros distúrbios re-lacionados ao trabalho na atualidade.

Os entendimentos a respeito da determina-ção social das doenças e das suas práticas que ge-ram cuidados diferenciados e desiguais nas socie-dades surgiram em meados do século XIX, na Françae na Alemanha, por influência da Revolução Fran-cesa (Rosen, 1994). Tratava-se da concepção da me-

* Doutor em SócioEconomia do Desenvolvimento. Pro-fessor adjunto do Departamento de Medicina Preventi-va e Social da Faculdade de Medicina da UniversidadeFederal da Bahia-UFBA.Faculdade de Medicina, Departamento de Medicina Pre-ventiva. Av. Reitor Miguel Calmon, s/n. Vale do Canela.Cep: 40000-000 - Salvador, BA - Brasil. [email protected]

** Fisioterapeuta e Nutricionista. Professora Assistenteda Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Sanita-rista do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador -CESAT/ Secretaria da Saúde do Estado da Bahia.

*** Nutricionista. Professora da Escola de Nutrição daUFBA. Doutoranda em Saúde Pública da Pós-Graduaçãoem Saúde Coletiva, UFBA.

1 Agradeço ao CNPq pelo apoio financeiro para realizaçãode parte da pesquisa.

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dicina social, que procurava entender as epidemiasque assolavam a Europa a partir das condições soci-ais e históricas, em contraposição ao modelobiomédico, que procurava apenas causalidades bio-lógicas, como os microrganismos ou alterações orgâ-nicas centradas no indivíduo. Na esfera da saúde dotrabalhador, que se contrapõe ao modelo biomédicopredominante no âmbito da medicina do trabalhoempresarial, o estudo das LER e de seusdeterminantes históricos e sociais envolvem o recur-so às ciências humanas para se compreender a natu-reza desse fenômeno (Minayo-Gomez; Thedim-Cos-ta, 2003). Trata-se de analisar as formas particularesda sua ocorrência em cada categoria profissional, con-siderando as especificidades do processo de traba-lho, suas respectivas práticas gerenciais e as relaçõesdessas doenças com o desenvolvimento tecnológico.

A origem do telemarketing está na telefonia,que foi inventada no século XIX, e se passaramquase cem anos para que estudiosos como LeGuillant et al. (1984) começassem a identificar ci-entificamente suas consequências para a saúde dastelefonistas, como estresse crônico, distúrbios neu-róticos, fisiológicos, dentre outros. A telefonia foiautomatizada e, em seguida, entrou no mundo di-gital, onde foram criadas as condições para a emer-gência do telemarketing ou call centers (termo maisamplo, referente à central telefônica em setor deempresa ou na empresa propriamente dita). Atu-almente, as LER2 representam o conjunto de pato-logias mais prevalentes no mundo do trabalho noBrasil e em países desenvolvidos. Em levantamentorealizado pelo Instituto Nacional da Seguridade So-cial (INSS), na Bahia, constatou-se que 1.107 tra-balhadores de call centers foram afastados dotrabalho no período entre 2003 e 2005. Esse levan-tamento demonstrou que, dentre as principaisdoenças responsáveis por afastamentos do

telemarketing, 45% estavam relacionadas às doen-ças osteomusculares ou LER (Cardim, 2009).

A palavra marketing é de origem anglo-saxônica e resulta da união da palavra market, quesignifica mercado, com o sufixo “ing”, que significaação. Nas relações de produção, serviço e consu-mo, construir mercado é essencial para atividadeeconômica. A adição do prefixo tele resulta de re-voluções tecnológicas e transformações na divisãodo trabalho em construção, desde a invenção dotelefone até a telemática da atualidade. O marketingpode ser realizado à distância por empresasespecializadas que se transformaram em um dosmais dinâmicos setores do serviço da atualidade.

O crescimento das atividades denominadasde telemarketing tem se destacado no Brasil e nomundo pela rapidez da sua expansão nos últimosanos. No Brasil, segundo dados da Associação Bra-sileira de Telemarketing, em 2008, existiam aproxi-madamente 750 mil trabalhadores nessa categoria(Cardim, 2009), o que transforma esse setor no mai-or empregador na área de serviços. Nele, assumepapel central a utilização de novas técnicas gerenciais(informática, informacional, comunicacional e me-cânico-sensorial) aplicadas aos trabalhadores emtelemarketing, o que influencia nas formas de ocor-rência das patologias do trabalho. Um aspectomarcante desse setor se refere à utilização de práti-cas de precarização, cujo resultado tem sido o gran-de aumento de enfermidades clássicas e outras ain-da desconhecidas nos seus processos saúde e do-ença relacionados ao trabalho.

Essas patologias prevalentes no setor detelemarketing dispõem de consensos clínicos,epidemiológicos e previdenciários que necessitamaprofundamentos. Constituem exemplos: LER; pa-tologias da voz (e laringopatias em geral), em parti-cular disfonias com lesões de cordas vocais; distúr-bios psíquicos e manifestações neuróticas diversas,como alterações psicorgânicas relacionadas aoestresse; alterações gastrintestinais diversas, dis-túrbios miccionais e vesiculares; fadiga psíquica,alterações psicoendócrinas de ciclos menstruais;ergoftalmia; mudança de hábitos alimentares eoutros (Assunção; Almeida, 2005).

2A Previdência Social denomina LER também como DORT– Distúrbios Ósteo-Musculares Relacionados ao Trabalho.Essa denominação é restrita à dimensão ortopédica dadoença, eliminando-se a problemática neurológica e psí-quica relacionadas às LER, além de não propiciar a análi-se social inerente a tais patologias. Outras denominações,também não consensuais, são frequentes na literatura como:Doenças Músculo-Esqueléticas (DME); Lesões Atribuídasao Trabalho Repetitivo (LATR), utilizada no Canadá, den-tre outras (Kuorinka; Forcier, 1995).

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No entanto, a investigação de condicio-nantes inscritos em um modelo social permitecompreender o conjunto de associaçõessindrômicas e fisiopatológicas de lesões e distúr-bios psicorgânicos relacionados à precarização, àhipersolicitação no trabalho, dentre outros pro-cessos técnicos e sociais que conformam a reali-dade do profissional de telemarketing. Dessemodo, patologias diversas e sem relações aparen-tes podem ser entendidas, na sua essência, nãoapenas pela semelhança em complexos de causa-lidade na esfera biológica, mas também por meiode relações inscritas nos processos históricos, so-ciais e culturais. A economia psicodinâmica3 dotrabalhador (Dejours, 1993), os distúrbiospsicofisiológicos, as doenças, os acidentes e amorte precoce mantêm elos profundos commodos e condições de trabalhos nocivos. Trata-se de uma abordagem que busca envolver, paraalém do modelo biomédico, aspectos sociais eculturais que geram o trabalho nocivo e confor-mam os riscos de doenças e acidentes, por issomesmo concentrada na dimensão social, seusdeterminantes e condicionantes compreendidosa partir da análise do processo de trabalho(Minayo-Gomez; Lacaz, 2005). Nessa perspecti-va, as consequências para a saúde poderão serestudadas no conjunto de seus impactos, e nãopor síndromes específicas, isoladas, entendidasapenas na esfera do corpo e da biomecânica.

O estudo dos processos de trabalho e suasrespectivas mudanças tecnológicas e organiza-cionais são essenciais para se entenderem os agra-vos à saúde de operadores de telemarketing ob-servados na sua integralidade. Pelo mesmomotivo, o conhecimento dos modos nocivos de tra-balho pode resultar em melhores prognósticos, aose orientar a reestruturação sanitária das empresasatravés de mudanças, reformas sociais, regulatórias,técnicas e culturais, portanto na esfera social, que

podem eliminar ou reduzir possibilidades de epi-demias de doenças e acidentes do trabalho. Porconsequência, categorias como trabalho, técnica etecnologia são essenciais para o entendimento daproblemática em estudo.

O trabalho representa a categoria centralna compreensão da sociedade e uma das deter-minações do processo saúde e ou doença (2005).Em uma perspectiva de construção da saúde, otrabalho pode estar inserido em um processocapaz de estruturar as dimensões biopsíquica,social, cultural e ambiental. Porém, de formaantagônica, a exploração no trabalho não rara-mente se relaciona com a doença e a morte pre-coce. O trabalho exercido de forma parcelada,repetitiva, insalubre e perigosa materializa-se emdoenças, acidentes e sofrimento psíquico.

No processo de divisão do trabalho, o serhumano apresenta característica singular: a pos-sibilidade de transferir tarefa para outro(s) e seapropriar do resultado. Com essa particularida-de humana, inexistente em qualquer outra mo-dalidade de trabalho animal, emergiu a necessi-dade de gerenciar tarefas nas atividades coleti-vas de trabalho (Braverman, 1987). No final doséculo XIX e início do século XX, a indústria,seguida dos outros setores, incorporou uma novatécnica gerencial denominada “método científi-co do trabalho”, ou seja, o método de gestãotaylorista, matricial para a compreensão dogerenciamento no setor de telemarketing. Taylorintroduziu princípios como o de aptidão atravésde mecanismos de seleção do mais apto, comexclusão de trabalhadores inaptos e, sobretudo,o princípio de adaptação do ser humano ao tra-balho e à técnica, submetendo-o a ritmos exces-sivos, cronometrados e nocivos para a saúde(Braverman, 1987; Paraguay, 2005).

As inovações tecnológicas potencializaramo método taylorista. Inicialmente, o administradortaylorista, que utilizava prancheta e lápis, passou àera eletrônica e, depois, à era do computador comcálculos precisos sobre a produção de tarefas e tem-po exato de sua realização (Neffa, 1987). Com aintrodução de sistemas informáticos em rede, o

3 Segundo Dejours (1993, p.208), o trabalhador desenvolveestratégias de defesa individual e coletiva em uma dinâmi-ca de economia entre a organização do trabalho – comocausa – e a doença mental, como efeito. A ruptura dessaeconomia psicodinâmica entre trabalho, sofrimento e re-conhecimento pode resultar em patologias mentais epsicossomáticas.

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controle gerencial com o suporte informático incor-porou o método taylorista em softwares administrati-vos. A inteligência artificial passou a “vivificar” asideias de Taylor reificadas nos comandos numéricosde sistemas semirrobóticos. Trata-se de situações emque se inicia a passagem do taylorismo assistido porcomputador para sistemas informáticos,comunicacionais, acoplados às câmeras digitais devigilância do trabalho – esfera sensorial – próximoao que pode ser conceituado de robô, ou seja, desen-volve-se robótica com funções gerenciais, como emvários outros campos industriais e de serviços, cujossoftwares são concebidos com matrizes do métodotaylorista (Pena; Thébaud-Mony, 2005).

Apenas a análise do desenvolvimento datécnica não explica o que se passa no mundo dotrabalho. A enorme expansão das atividades detelemarketing ou teleatendimento está relacio-nada também ao crescimento do modelo deteletrabalho, associado ao processo de agrava-mento da precariedade no trabalho, sobretudopor meio da intensificação do tempo de traba-lho (Santos, 2004; Venco, 2006). A reestruturaçãoprodutiva – modelo japonês, pós-fordismo ououtra denominação dessas profundas transfor-mações no trabalho – introduz mudanças comimpactos na vida das pessoas e na relação entreos países, e, consequentemente, nas formas deviver e de adoecer. Essas transformações modi-ficam, assim, os determinantes do processo saú-de–doença e intensificam a exclusão no (do) tra-balho de acidentados e doentes (Franco et al.,1994), tanto na indústria como nos serviços.

As primeiras referências de agravos rela-cionadas ao trabalho de telefonistas datam de1910, quanto Jullard descreve na “Revue Suissedes Accidents du Travail” (apud Le Guillant etal.1984) os traumas psíquicos decorrentes doschoques elétricos comuns no uso da rede telefô-nica da época, além da fadiga e da tensão nervo-sa decorrentes de conflitos com clientes. Aindasegundo esses autores, em 1918, Fontegne e Solariconstataram a importância de vários sintomasligados à profissão de telefonista, a exemplo decefaleias, insônia, dificuldade para refletir e para

fixar atenção, humor às vezes violento e nervo-sismo, e caracterizaram essa síndrome com onome de neurose das telefonistas. Os primeirosestudos sistemáticos relacionados à saúde da te-lefonista foram realizados por Le Guillant et al.(1984), e se tornaram referências pelo fato deconsagrarem termos como “fadiga nervosa” e“neurose das telefonistas”. Desoille et al. (1991)enfatiza a perda auditiva abrupta decorrente dedescarga sonora inesperada nas telefonistas pro-fissionais no uso do head-phone, e a denominoude choque acústico.

No âmbito da psicodinâmica do trabalho,Dejours (1993) utilizou as atividades de telefo-nistas para exemplificar a riqueza da construçãodo que denominou “estratégias defensivas”, quetrata do comportamento em relação à doença eao trabalho. A ideologia defensiva se estabelecealém do sistema defensivo na dimensão biológi-ca, contrária à “ideologia da vergonha”, em queo sujeito se mantém distante da percepção dorisco. A ideologia defensiva nega ou menosprezao risco no plano subjetivo, assim como os res-pectivos mecanismos de defesa do indivíduo oudo coletivo, e isso faz com que haja uma convi-vência do sujeito e do grupo com a situação derisco no cotidiano do trabalho. Na hipótese dofracasso na ideologia defensiva, emergem diver-sas questões relativas à ansiedade, e a sobrevi-vência se torna um fenômeno simultaneamenteindividual e coletivo.

Outros estudos sobre a gestão temporaldas múltiplas tarefas existentes nas centrais deatendimento telefônico mostram uma dinâmicade intensificação dos ritmos submetida a umasignificativa divisão sexual do trabalho, com pre-dominância do sexo feminino como uma das es-tratégias de precarização inscritas no processode reestruturação produtiva (Hirata, 1997; San-tos, 2004). As operadoras são obrigadas a execu-tar tarefas múltiplas (polivalência, gerando um“hipertaylorismo”), monótonas e repetitivas paratentar comprimir o tempo de atendimento e au-mentar a produtividade.

Sobre as condições de trabalho no setor de

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telemarketing verificam-se: alta rotatividade noemprego; predominância do sexo feminino; orga-nização das atividades sob grande pressão de tem-po; exigência de grande responsabilidade acom-panhada de falta de controle sobre o processo detrabalho; rigidez postural; sobrecarga estática desegmentos corporais; avaliação de desempenhopor monitoramento eletrônico; gravação e escutade diálogos; incentivos ou premiação por produ-ção; precariedade nas intervenções ergonômicas,com práticas centradas em aspectos secundáriosdo processo; precária higiene dos conjuntos demicrofone e fone de ouvido (head sets) individu-ais e problemas operacionais diversos, quando nãosão substituídos prontamente em caso de neces-sidade (Bonfim, 2009; Cardim, 2009; Santos, 2004;Venco, 2006; Vilela; Assunção, 2004).

Diante desse contexto, o presente artigotem como objetivo compreender os significadosdo processo de adoecimento de operadores detelemarketing portadores de LER nas suas rela-ções com as estratégias gerenciais e novastecnologias.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa junto a30 operadores de telemarketing portadores de LERrelacionadas ao trabalho, com diagnóstico definidoem clínicas particulares ou pelo próprio ambulató-rio do sindicato. Esses trabalhadores, atendidos noserviço médico do Sindicato dos Trabalhadores emTelecomunicações (SINTTEL), durante o períodode 2007 a 2009, foram convidados pelos pesquisa-dores a participar do presente estudo. A seleção foifeita em um universo de aproximadamente 800 do-entes atendidos por ano, o que gerou mais de 2000atendimentos com retorno no serviço. Do total, par-ticiparam cinco homens e 25 mulheres portadoresde LER, mesmo com outras doenças diagnosticadas,como disfonias e perda auditiva. Os participantesforam entrevistados mais de uma vez, no próprioserviço do sindicato ou na Universidade.

Na sua maioria, esses trabalhadores doen-

tes procuravam o serviço médico do sindicato apósa demissão, com o objetivo de assegurar direitosjunto à Previdência Social e, em alguns casos, in-denizações no judiciário. O número elevado deatendimentos refletia o grande turnover de traba-lhadores praticado pelas empresas, associado aofato comum de demitir operadores após suspeitadiagnóstica de doenças do trabalho, especialmen-te as LER/DORT. Foram realizadas entrevistassemiestruturadas individuais e coletivas e regis-tros de campo (observação) dos ambientes de tra-balho, revisões de prontuários médicos e análisede documentos do sindicato e das empresasdisponibilizados principalmente pelo Centro Es-tadual de Referência em Saúde do Trabalhador(CESAT) e Procuradoria Regional do Trabalho –5ª Região.

Realizou-se uma interpretação herme-nêutico-dialética das narrativas dos doentes, bus-cando compreender os significados por eles atri-buídos de forma consensual, de acordo com uni-dades de sentidos, associados ao entendimentode contrastes, dissensos, ruptura de sentidos(Minayo, 2010) no contexto histórico do proces-so de trabalho das empresas estudadas. Os ex-tratos e expressões significantes das narrativasforam categorizados, tendo-se em vista as doen-ças, as condições de trabalho, os meios de traba-lho e as experiências referentes a um conjuntode agravos à saúde existente na(s) empresa(s) detelemarketing. Fez-se uma análise microssocialdo trabalho, considerando o entendimento so-bre inovações técnicas, organização do trabalho,ambiente em geral e, em especial, as relaçõescom técnicas gerenciais existentes nas empresastrabalhadas.

Além das narrativas analisadas, foram re-alizadas dez visitas com suporte do CESAT4 nasempresas de call centers citadas nas entrevistas,com o objetivo de observar a organização e ascondições de trabalho nesse ramo produtivo.Essas observações seguiram protocolo previa-

4 Documentos Técnicos nº 001/2004; nº 004/2008; nº 034/2008; nº 039/2008 da Coordenação de Vigilância de Am-bientes e processos de trabalho do Centro Estadual deReferência em Saúde do Trabalhador – CESAT.

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mente elaborado pela instituição e centravam-sena análise ergonômica do trabalho. Também fo-ram analisados documentos técnicos de um ór-gão público que realiza ações de vigilância emsaúde do trabalhador, no estado da Bahia. Dasempresas observadas, apenas uma possuía con-trato de prestação de serviço para órgãos públi-cos. As demais empresas prestavam serviços acartões de crédito, telefonia e bancos. O estudoseguiu procedimentos éticos, em conformidadecom o estabelecido na Resolução Conselho Na-cional de Saúde n. 196/96 para pesquisa em se-res humanos, e ainda se obteve a aprovação dapesquisa junto ao sindicato da categoria e aosgrupos de doentes lesionados que se organizamde forma independente. Os nomes dos informan-tes serão preservados e indicados apenas comletras iniciais nos extratos de suas narrativas.

O TRABALHO ACELERADO E PRECÁRIONAS EMPRESAS DE TELEMARKETING

Os processos de trabalho nas empresasestudadas assemelham-se aos descritos na lite-ratura e suas características genéricas são apre-sentadas a seguir.§ Os profissionais de telemarketing são predo-

minantemente mulheres, em conformidadecom uma divisão sexual do trabalho que utili-za o trabalho precário da mulher na pretensãogerencial de maior propensão ao suporte domarketing. Recebem pouco mais de um salá-rio mínimo, possuem curso secundário ou sãoalunos de faculdades particulares, possuindocompetências no uso do computador. É im-portante afirmar que, apesar de remuneraremo teleoperador com salário baixo, as empresasfornecem assistência médica supletiva, conce-dendo ao funcionário o pagamento de peque-na parcela dos gastos.

§ As empresas se organizam por setores com suas“células” ou “ilhas” (a denominação varia con-forme a empresa) sob a responsabilidade docoordenador ou supervisor de cada ilha, que

agrupa em torno de dezesseis a vinte operado-res. Cada ilha é dividida em postos de atendi-mentos individualizados, em que o operadorpermanece sentado em cadeira ajustável, comcomputador, telefone, fone de ouvido e mi-crofone (conjunto denominado de head set),em espaço restrito por divisórias de meia pa-rede. Essa condição é suficiente para dificultara comunicação com os operadores vizinhos dailha ou equipe, mas permite a vigilância geralpor meio da visão panorâmica. Nesse posto, ooperador mantém-se por seis horas, com umintervalo de vinte minutos para o lanche e saí-da controlada para o banheiro.

§ Os serviços são organizados setorialmente emdois grandes grupos de atendimento, caracte-rizados como operadores de telemarketing ati-vos e receptivos. O estímulo à produtividade éonipresente e reflete uma marca da estratégiagerencial. Em algumas situações, o operadoragrega fotos, lembranças da família, desde queretirados ao final da jornada. O pouco espaço,muitas vezes, é preenchido por mensagens dossupervisores, como: “É hora de ajustar nossosmotores”, “Fique atento à temperatura da metade superação, ela garante uma bela remune-ração”, “Regule a meta individual, ela garan-te uma bela recompensa”, “Cuide da metaBr... ela te dá mais do que o dobro de potên-cia”, dentre outras formas de aceleração dotrabalho. Muitas vezes, o próprio operadorreproduz o discurso e escreve as suas metasindividuais em frente ao monitor, para lem-brar a necessidade de superá-las, a exemplo:“Sem palhaçada, bater a meta TMA [tempomédio de atendimento] de 29 [segundos] e aVoc. [vocalização] de 84,00[segundos]”. Mas aestratégia mais visível adotada por algumasempresas encontra-se na publicação dos no-mes dos operadores mais produtivos para omodo ativo e receptivo, por turno.

§ O script ou fraseologia indica rigidamente aconduta do operador no diálogo com o clien-te, nas modalidades ativa e receptiva. A suautilização correta é rigorosamente avaliada pela

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monitoria de qualidade ou por supervisores,ou mesmo por “clientes espiões”. Porém, emsituação real, variações e solicitações podemnão estar previstas. Por prestar serviços paradiferentes localidades do país, o teleoperadortem de lidar com uma série de diferenças cul-turais e regionais, mantendo a fraseologia-pa-drão. Muitos operadores mencionaram o fatode serem constantemente criticados por clien-tes de outros estados, por conta do sotaquelocal. O script indica não apenas a prescriçãode frases, mas a modulação do discurso, aofomentar o uso de artifícios que simulam emo-ções na fala, como o “sorriso na voz” (Guena,2009), ou o estabelecimento de normas, comoa proibição do uso de gírias e de desligar otelefone antes do cliente.

Muitas empresas não possuem programade prevenção de doenças e agravos relacionadosao trabalho, nem realizam a Análise Ergonômicado Trabalho (AET). Todas elas dispõem de Ser-viços de Medicina do Trabalho, que realizam ri-gorosos exames médicos admissionais, para im-pedir a admissão de operadores com qualquersinal ou condições favoráveis à ocorrência deLER, disfonias e outras patologias crônico-degenerativas. Tais serviços realizam examesmédicos periódicos, cuja função predominanteconsiste em identificar doentes na fase precocepara, em seguida, demiti-los, além de exames“demissionais” que, contrariamente ao exameadmissional, evitam diagnosticar doenças, sobre-tudo as ocupacionais, com a finalidade de facili-tar a demissão e evitar encaminhamento ao sis-tema previdenciário, em conformidade com omodelo clássico de medicina do trabalhotaylorista (Davezies et al. 1998).

A organização do trabalho nos call centersobservados é centrada em técnicas gerenciais quevisam à intensificação do trabalho a qualquercusto, para elevar a rentabilidade da empresa.Nessa perspectiva, o modo gerencial se configu-ra no estabelecimento de um conjunto de metasessencialmente quantitativas, fundadas em indi-cadores de tempo referenciados em segundos. O

tempo médio de atendimento (TMA) receptivopara cada ligação atendida ideal seria de 22 se-gundos para serviços como o 102, ou de 120 a360 segundos para clientes especiais, para evitaro cancelamento de contas bancárias, de cartãode crédito ou de linhas telefônicas. No serviço102, é comum o operador atender 600 a 800 li-gações por seis horas de trabalho (principalmentese as chamadas forem originadas de telefonepúblico), considerando as folgas para lanche; ou,em média, 100 atendimentos para “clientes es-peciais”. O número de toques realizado em umachamada de ligação padrão para o 102 gira emtorno de 50 a 60 toques por atendimento, o quepode alcançar 8.640 toques por hora. Esse valor épróximo ao limite proposto pela NormaRegulamentadora n. 17. Deve-se considerar queessa atividade de digitação ocorre de forma si-multânea com o uso da voz e dos olhos, na aten-ção às sucessivas telas utilizadas no atendimento,o que causa estresse crônico, pausas insuficien-tes, dentre outras situações precárias. A ativida-de de digitação mantém um número de toquespróximo ao limite normativo, porém esse contex-to agrava a carga de movimentos repetitivos,transformando-a em risco importante para o de-senvolvimento de LER nos teleoperadores.

O atendimento é acelerado, e existe a ne-cessidade de realizar movimentos repetitivoscomo: digitação, uso de mouse e mudanças detelas, com carga intensa para membros superio-res; leitura rápida de telas no computador, comforte exigência para os olhos; aparelho fonadorcom uso da voz moderada com diálogo contro-lado pelo script. Exige-se ainda o controle emo-cional ou a gestão emocional, conformeHochschild (1979), para realizar diálogo sempredo mesmo modo prescrito, mantendo semprealta concentração e esforço físico em um traba-lho pobre em conteúdo.

No serviço 102, a empresa estabelece o TMAmenor que 30 segundos por cliente. Quando o ope-rador encontra-se com TMA acima do previsto,avisos, alertas de todo tipo lhe são dirigidos pelagerência para reduzir seu TMA por meio da acele-

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ração do ritmo de trabalho. Na esfera coletiva, o ope-rador com TMA elevado, acima do previsto, é cons-trangido de diversas formas, por meio de expres-sões, cartazes, mensagens que o culpabilizam pordificultar à equipe atingir a meta desejada.

O trabalho prescrito é definido por meio descripts que determinam os padrões de diálogos como cliente e condutas no desempenho do serviço. In-tegra a prescrição de condutas estabelecidas em nor-mas gerais de comportamento, para evitar conversacom os colegas ao lado, não alterar a voz com ocliente, não responder a agressões, não deixar o cli-ente em espera sem lhe solicitar que aguarde duran-te alguns segundos, etc. Essas limitações represen-tam especificidades do controle emocional no tra-balho do operador. O script ou fraseologia, cujautilização correta é rigidamente avaliada pelamonitoria de qualidade, gera conflitos no uso coti-diano, pois aspectos culturais, condições sociaisou solicitações de clientes não estão previstas. Oteleoperador tem de lidar com uma série de diferen-ças culturais e regionais, mantendo a fraseologia-pa-drão, apesar de lidar com clientes ou usuários dediversas localidades do país. Muitos clientes de ou-tras regiões criticam operadores por conta do sota-que. Esses parâmetros, assim como o respeito ao tem-po de pausa são pontuados na avaliação de desem-penho. Toda a estratégia organizacional da empresase concentra no indicador do TMA como forma deacelerar o trabalho no menor espaço de tempo, mes-mo em detrimento da qualidade de atendimento, ape-sar do objetivo explícito de satisfazer o cliente.

Conforme Vilela e Assunção (2004), os me-canismos de controle do trabalho a que sãosubmetidos os operadores são variados: contro-le do tempo, do conteúdo, do comportamento,do volume de serviços realizados e dos resulta-dos obtidos. Para o controle do comportamentono trabalho, as empresas estudadas realizamacompanhamento gerencial direto, como o “pan-óptico”, ou seja, a visão geral do ambiente, gera-do pela estrutura arquitetônica que permite vi-giar diretamente cada ilha de trabalho pelosupervisor de equipe, assim como pelo gerenteao dispor de visão geral de todo salão de ilhas

(Coriat, 1991). Agregam-se ainda estratégias in-diretas, como evitar a formação de grupos deamigos entre os operadores, tanto na empresacomo fora do trabalho, por exemplo, evitar fes-tas conjuntas para dificultar a formação de vín-culos de solidariedade entre os próprios opera-dores. O controle do trabalho é facilitado pelastecnologias informáticas, gravação digital dosdiálogos e computação de dados como o TMA,que se adicionam aos sistemas de câmaras ópticasanalógicas. Os tempos são rigidamente controla-dos, adotando-se o próprio aparato técnico comomeio para obter os valores necessários ao con-trole dos critérios estabelecidos.

Essas empresas de telemarketing se carac-terizam por uma modalidade de trabalho consi-derada como serviço, que se afirma socialmentepela realização de “uma atividade do prestadorem um suporte que pertence ao beneficiário”(Orban, 2005, p.18), ou que poderá pertencer,no caso das práticas de telemarketing ativo paraa venda de produtos. Trata-se, no entanto, deatividade com relacionamento à distância, emconsequência das tecnologias comunicacionaisinerentes à telemática. Essas atividades levam àexigência de capacidades com características pró-prias do processo de trabalho, envolvendo a si-multaneidade da relação com clientes. Dessa con-dição, surgem peculiaridades nas relações de ser-viço, como avaliação rápida do beneficiário oucliente; compreensão e interpretação do pedidopor meio da linguagem e da análise situacionaldo cliente, a qual pode ser uma relação de co-construção ou construção simultânea com obeneficiário (Orban, 2005). Isso ocorre quandoo cliente se interessa pelo produto oferecido, nocaso das práticas ativas, ou quando requer a in-formação, no caso das práticas receptivas. Esseproduto do processo de trabalho resulta em co-construção à distância.

Nessa perspectiva, o serviço de telemarketingé entendido como suporte que não pertence aoprestador de serviço, o qual pode ser: comprador;utilizador; usuário que realiza serviço sobre um bem(conserto, manutenção, transporte etc.); gestor de

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capital na forma de dinheiro, títulos monetários,seguros; saúde; suporte intelectual, relacional; in-formação sobre serviços ou produtos oferecidos, etc.Todavia, o serviço realizado nem sempre decorrede uma co-construção, e sim de antagonismos cujosresultados não geram produtos, mas conflitos. Pordecorrência, no telemarketing como suporte, con-flitos podem ocorrer na esfera do consumo imedia-to do produto ou na relação com a empresa-cliente.O teleoperador é central nessa triangulação e, aomesmo tempo, receptor das tensões geradas pe-los antagonismos frequentes nessas relações pró-ximas, mas de natureza virtual.

CLIENTE IDEAL

“O cliente ideal é o que fala pouco, objeti-vo, vai direto no que quer e não fica puxandoconversa, e com isso não perde tempo e nãoaumenta o TMA”(Ce.). Essa expressão da opera-dora de telemarketing indica o condicionamentodo script, que projeta um modelo ideal de clien-te para a empresa. Procura-se fortalecer a pers-pectiva de um diálogo condicionado pelo pro-grama da empresa com cartazes em áreas visí-veis que dizem “Eu atendo sem blá, blá, blá”.Essa indução comportamental se complica nanossa realidade, em que muitos clientes não sãoalfabetizados ou são analfabetos funcionais edesconhecem a lógica matemática formal querepresenta a matriz do código binário cibernético,com seus signos e condutas. Nesse sentido, háclientes que fogem do script como: dificuldadeem expressar endereços completos; apresenta-ção de pontos de referências informais, que es-tão fora dos mapas urbanos ou rurais; indicaçãode nome incorreto do que desejam; discursosnão-lineares; falta de controle emocional quan-do há riscos; apresentação de informações des-necessárias, dentre outros. Isso cria ruídos nacomunicação que aumentam o TMA e tornam arelação tensa com o teleoperador.

A empresa requer uma relação entre pesso-as sem diversidade cultural, afetividade, e demais

incertezas contidas na interação social, tanto parao operador quanto para o cliente. Elimina possibi-lidades de relações lúdicas, afetivas e outras quepoderiam surgir na relação entre cliente e consu-midor, uniformizando o comportamento do clien-te e do trabalhador com uma conduta disciplinarrígida, sob a dupla lógica cibernética e taylorista. Ocliente se submete a uma racionalidade de fluxode ligações que o orienta na digitação de opçõesde serviços. Esse percurso implica a compreen-são das palavras utilizadas que, muitas vezes,não fazem parte do cotidiano da sua linguagem.Portanto, a conduta cibernética não contempla arealidade dos diálogos, o que gera conflitos pelaimposição de relação mediada por uma lingua-gem diretiva, objetiva e desumanizada. Estabele-ce-se, aí, mais do que a contradição entre o traba-lho prescrito por meio dos scripts e a dimensãoreal: há uma prescrição indireta para o cliente.

No entanto, essa conduta da empresa emestabelecer o marco do diálogo não é passiva, poishá um contingenciamento técnico operacional queinduz o cliente a organizar sua demanda e diálo-go segundo o modelo cibernético de comporta-mento. O cliente não necessariamente se enqua-dra na prescrição comportamental da empresa edesenvolve suas estratégias de adaptação ou deatividade real (Schwartz, 2003). O diálogo se es-tabelece nessa interação mediada entre duas con-tradições: entre o prescrito e o real na interfaceentre as relações de trabalho e consumo, media-das pela telemática.

A conduta cibernética, além de facilitar a in-trodução de voz robótica, fundada na matriz da ló-gica formal, impõe ao cliente tarefas virtuais semque ele perceba. A primeira se refere ao uso do cli-ente como suporte gerencial para acelerar e contro-lar o trabalho do teleoperador. Esse modelo não énovidade no terciário, pois se trata de transferir ta-refas para o consumidor, cuja modalidade exem-plar é o autosserviço. Nesse sentido, o cliente aofazer uso de serviço de telemarketing, vigiará o tra-balho do teleoperador. Essa função já foi estudadano setor de supermercados, bancos e outros, emque o cliente na fila tem a tarefa não explícita de

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vigiar o trabalho do operador de caixa (Pena;Thébaud-Mony, 2005; Rémy; Orban; Mouillet,2005). No caso do setor de telemarketing, essa for-ma se caracteriza por uma televigilância efetuadapelo cliente sobre a qualidade do atendimento edo ritmo de trabalho do teleoperador como supor-te ou ajuda ao sistema gerencial, com o apoio dagravação dos diálogos feita regularmente para con-trole administrativo aleatório ou regular do desem-penho do funcionário.

A outra tarefa consiste na avaliação pelocliente do trabalho do teleoperador com o pro-pósito de estimular uma melhor qualidade noatendimento. No entanto, essa avaliação, comnotas ao final do atendimento, coloca o clienteem uma relação de superioridade com o opera-dor. Isso fragiliza o operador quando é agredidopelo cliente – seu avaliador – em conflitos resul-tantes de demandas que estão fora das prescri-ções ou da sua governabilidade.

Essa duas funções convergem para o usodo cliente como um importante controlador e ace-lerador do trabalho do teleoperador. Isso signifi-ca que o cliente, sem saber, se insere no comple-xo de causas do modo nocivo de gerenciamentodas empresas de telemarketing. O cliente se trans-forma em suporte da gestão taylorista do traba-lho, como instrumento ativo no condicionamen-to de situações prejudiciais à saúde. A aceleraçãodo trabalho representa riscos para a saúde do tra-balhador. Por esse motivo, verifica-se, no setor detelemarketing, a produção do cliente-risco parasaúde, em que a sua conduta cibernetizada, inde-pendente da sua vontade, pode resultar em da-nos ao trabalhador.

Caracteriza-se, no telemarketing, a condi-ção de cliente com funções gerenciais e estressorascomo condição de risco de doenças relacionadasao trabalho. O cliente, ao fazer ou receber umaligação de um operador de telemarketing, vivenciatemporariamente o exercício de atividadestaylorizadas, prescritas e organizadas para a exe-cução de tarefas em espaços virtuais na modali-dade de teleatendimento, particularmente quan-do solicita o serviço denominado help-desk. Nes-

se caso, o cliente deve agir como ajudante de téc-nico em eletrônica ou em computador e seguir aprescrição do teleoperador para diagnosticar de-feitos em equipamentos ou ajustar parâmetros defuncionamento de sistemas. Com a orientação doteleoperador, o cliente passa informações sobredefeito ou disfunção do produto adquirido, man-tendo a visita técnica nos casos sem sucesso. Ocliente realiza tarefas prescritas pelo teleoperador,em conformidade com o esperado. Deve enten-der a linguagem indicada nos equipamentos e aces-sórios para seguir competentemente as prescri-ções do teleoperador. Esse conceito pode se ca-racterizar como um tele autosserviço e implica atransferência de tarefas para o consumidor de for-ma semelhante ao que ocorre em supermercados,restaurantes e outros serviços.

Nos postos de trabalho dos operadores detelemarketing, emerge a dimensão do espaço vir-tual e do teletrabalho, em processos interativosvirtuais (no sentido digital) em uma relaçãosincrônica com o cliente. No teleatendimento, afila é, consequentemente, virtual e, em toda liga-ção, o operador é avaliado pelo cliente. No aspec-to relacionado a essa avaliação do trabalho, Zarifian(1999) considera que o serviço prestado define oresultado e a maneira pela qual foi alcançado ejulgado em função de valores, ou seja, avaliadopelos atores sociais individuais e coletivos. Dessaforma, a avaliação do operador representa outraatividade administrativa transferida ao cliente epode causar impacto no ritmo de trabalho e,consequentemente, na saúde do trabalhador.

Em adição à avaliação de produtividadecom base no TMA, o gerente ou supervisor podeouvir sigilosamente, a qualquer momento, o aten-dimento realizado pelo teleoperador, além dedispor de gravações selecionadas aleatoriamen-te. Por isso, a queixa de um cliente sobre o ritmode um operador de telemarketing, quandoidentificada, pode trazer sérias consequências, in-clusive ameaça de desemprego. Para o teleoperador,essa situação é estressante, pois seu trabalho é ava-liado a todo instante. Com isso, o cliente, nessatarefa, é induzido a se tornar um agente “estressor”

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do operador de telemarketing, tornando-se, in-conscientemente, um cliente-risco para a saúde.

A comprovação da execução dessas tare-fas gerenciais pelos clientes se verifica quando aprópria empresa de telemarketing ou a empresaque contrata seu serviço decide utilizar o deno-minado “cliente-espião” ou “cliente-policial”.Nesse caso, trata-se de um supervisor da empre-sa que assume secretamente a função cliente comdemandas estabelecidas e utiliza o serviço. Comessa estratégia, o supervisor ou gerente executadiretamente sua função de avaliar serviços e asatividades dos teleoperadores. Obviamente, ha-veria a necessidade de grande quantidade de “cli-entes-espiões” não fosse a transferência dessatarefa para o cliente comum. A necessidade docliente-espião comprova o uso do cliente na ta-refa gerencial, uma espécie de autosserviço não-autorizado. O exemplo na narrativa seguinte ilus-tra essa estratégia:

Havia funcionários do banco designados a fazeresse tipo de teste [cliente-espião]. Ele se passavapor um cliente normal. E aquele atendimentopoderia levar você até um elogio formal ou aodesligamento. Era frequente. Segundo a supervi-são era frequente. Mas nós não tínhamos essanoção de quantas ligações eram feitas, os horári-os que eles faziam... Só tivemos algumas noçõesde desligamento em decorrência disso. (Di.)

O teleoperador não sabe se o cliente é realou um espião agindo clandestinamente, e isso ofaz manter-se em estado de vigilância perma-nente. Do ponto de vista do cliente, violenta aperspectiva de solidariedade para com o traba-lhador devido à desconfiança inscrita na organi-zação do trabalho. Essa condição estabelece umahierarquia que mantém o cliente com poder inter-mediário superior ao trabalhador e inferior em re-lação ao supervisor. Clientes utilizados na execu-ção de tarefas gerenciais de aceleração do trabalhosão encontrados em outros setores, a exemplo desupermercados, bancos e correios.

A carga de tarefas prescritas para o clientese soma ao próprio estresse da sua demanda, agra-vando possibilidades de conflitos: cliente estressadogera tensão no operador de telemarketing. Mas essa

possibilidade de teleagressão se soma a outra ca-racterística desse setor, qual seja a emergênciade riscos para a saúde do trabalhador na socie-dade em redes.

AGRESSÕES ENTRE HIPERCORPOSCIBERNÉTICOS VIRTUAIS

As primeiras formas de LER foram des-critas em 1700, por Ramazzini (1999), em artesãosescribas e notários que utilizavam técnicas sim-ples, como canetas, para escrita. O artesão seautogerencia na organização do seu trabalho e naaceleração do ritmo em função das demandas so-ciais. Com a invenção da máquina de datilografia,das linhas de produção e do computador, novoscondicionantes técnicos conformaram exigênciasdo corpo com repercussões particulares nos mo-dos de desenvolvimento das LER e de outras pato-logias do trabalho. Porém o telégrafo, a telefonia ea internet agregaram técnicas comunicacionais àdistância, que, associadas à simultaneidade na re-lação com clientes, trazem novas percepções sub-jetivas do corpo e no modo de relacionamento, asquais se refletem em particularidades no proces-so de adoecimento.

O operador de telemarketing está alocadoem um posto de trabalho que deve ser compre-endido no âmbito subjetivo e na sua relação comouniverso virtual em redes de telecomunicação.Na sociedade em rede, esse trabalhador se rela-ciona com pessoas em qualquer lugar, em temporeal, com técnicas inscritas nas redes sociais deteleinformação que amplificam sistemas sensori-ais e comunicacionais do seu corpo. A primeiraesfera de representação dos atores em comunica-ção não tem referencial sensorial real, exceto noplano da voz. As redes informático-informacionaise comunicacionais ampliam o corpo biológico, fa-zendo-o operacionalizar uma espécie de hipercorpo(Lévy, 1998) alocado no espaço virtual das redessociais, com ações que podem abarcar dimensõesna esfera do próprio planeta. O corpo virtual emer-giu com a linguagem e, na era moderna, “... nos

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associamos virtualmente a um só corpo com osque participam das mesmas redes técnicas e médi-cas.” (Lévy, 1998, p.31). A subjetividade inerentea esse hipercorpo cibernético geralmente é inculcadasem reflexão individual ou coletiva, numa popula-ção de centenas de milhões de pessoas das redessociais da internet. A análise de processos nocivosque impõem riscos de morbidades necessita consi-derar não apenas o biológico e o social real ou osubjetivo na esfera da virtualidade da linguagem,mas essa nova expressão do virtual na “extensãodo corpo”, inscrita no ciberespaço. No caso, trata-se do hipercorpo do trabalhador.

O operador de telemarketing se insere na redevirtual, assumindo uma espécie de hipercorpo sempré-reflexão, ao afirmar, por exemplo, que “necessi-ta entrar na mente do cliente para vender o produ-to” (Ta.), sem perceber que não há interação face aface, e sim mediada pelo espaço cibernético das re-des virtuais. O operador se comunica com o clien-te, o que significa falar e ouvir em distâncias desco-nhecidas, analisar seus hábitos de consumo e de-senvolver estratégias de sedução para a compra doproduto, sabendo que ele está refletindo sobre asua oferta. Essa comunicação se faz numa distânciadesconhecida, propiciando a emergência deinterações entre hipercorpos ou corpos tecnicamenteexpandidos do cliente e do operador. O sistema téc-nico operacional se integra ao próprio corpo deambos como se fosse uma extensão das técnicasbiológicas dos aparelhos fonador e auditivo. Sãotécnicas que extrapolam o plano físico do corpo eadquirem expressão virtual cibernética.

Conflitos na rede virtual, nessa era decibercultura, agregam novas indagações nos pro-cessos de adoecimento, ainda desconhecidas. Aproximidade da relação entre cliente e trabalhador éuma característica do processo de trabalho no setorserviços, o que condiciona doenças do trabalho, aci-dentes e agressões (Pena; Thébaud-Mony, 2005). Nocaso do telemarketing, há uma relação social virtualcom operações de hipercorpos. Essa relação é, si-multaneamente, de proximidade e de distância, eesse detalhe necessita de exame na análise dascondicionantes do adoecimento no trabalho. Na

relação presencial ou pública, ou semipública, se-gundo Goffman (2010), há uma interação face a faceou imediata, em que o comportamento social segueregras formais e informais de etiquetas e juízos devalores que influenciam a conduta dos atores, en-tendidos por meio de um “sistema natural fecha-do” ou um modelo de ordem social que contémnormas morais.

Formula-se a hipótese, a partir das análisesdas narrativas e das observações realizadas, de queesse modo de comunicação à distância favorece aagressividade entre cliente e operador quando háconflitos no processo. E conflitos não faltam, pois aestratégia das empresas em prender o cliente na suabase a qualquer custo e aplicar práticas estelionatáriasde invenção de tarifas e modificação de planos etc.as colocam nas mais altas frequências de queixasdo consumidor. Em um diálogo presencial entreatendente e cliente, os atores envolvidos interagempor meio dos órgãos dos sentidos em ambientes pú-blicos com mensagens linguísticas e extralinguísticasem arranjos simétricos ou assimétricos de comu-nicação (Goffman, 2010).

Quase toda a população da sociedade atualusuária de serviços de telemarketing já vivenciouconflitos com operadores desses sistemas. A rela-ção presencial no posto de trabalho típico envol-ve uma série de ritos, representações e significa-dos mediados por todos os sistemas sensoriais quecondicionam a relação em espaço público. O“olhar de ódio” no engajamento de face, o respei-to às expressões corporais compõem um con-junto de percepções na comunicação sujeitas àsetiquetas e normas comportamentais (Goffman,2010) que tendem a inibir situações agressivas nasrelações presenciais e públicas, diferentemente dasvirtuais, mediadas apenas pela comunicação oral.Nesse sentido, há mais elementos inibidores deimpulsos agressivos na relação presencial quandocomparada à comunicação que envolve apenas avoz percebida à distância. Assim, o comportamentodo cliente virtual possui menos instrumentos decontenção de agressões e, por parte do operador, aconduta imposta pelo script desconsidera esseuniverso, com etiquetas fluidas que podem ser

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insatisfatórias na manutenção de certa ordem soci-al. Por parte do operador, a situação é semelhante:“... bota no mute [recurso que impede o cliente deouvir a conversa do operador] e aí começa a xin-gar o cliente. Sabe? O cliente não tá ouvindo, mastá descarregando ali. [...] O pessoal costuma... Ba-tia, xingava, gritava o cliente, mas o cliente nãoouvia nada...” (An.). Essa conduta constitui umexemplo de conflito possível apenas no meio vir-tual, com uma reação de agressão ao cliente e, si-multaneamente, de defesa do operador. Obviamen-te, na relação presencial não existe essa facilidadede agredir o cliente, mesmo que seja como estraté-gia de defesa. A dificuldade na contenção de agres-sões (algumas empresas proibiram o “mute”) au-menta a tensão no cotidiano desse modo de traba-lho. As agressões e o estresse pós-traumático (diag-nosticado no serviço médico do Sindicato e relata-dos nas entrevistas) inscritos na relação virtual en-tre cliente e teleoperador se inserem no cotidianodessa interação entre hipercorpos que se teleagridem.

Tais condições agravam doenças latentes egeram impactos invisíveis na saúde do trabalhadore do consumidor. O operador de telemarketing sabequando a fila virtual está grande e procura atendermais rápido para evitar ou reduzir conflitos comclientes fatigados da espera. Por isso, essa tensãoacelera o trabalho e, portanto, o ritmo, os movimen-tos repetitivos e o estresse. Por consequência, naesfera da fila virtual do atendimento à distância,circunstanciada pelo modelo gerencial que deter-mina uma relação entre operador e cliente, assimcomo na fila presencial, a aceleração das atividadesaumenta risco de LER e de doenças psicossomáticas.Muitos desses efeitos perversos são desconhecidose resultam de revoluções técnicas que mudam con-tinuamente as formas de telerrelacionamento. A baseestrutural do desenvolvimento de tecnologias utili-zada nas empresas – na esfera da cibercultura – crianovas formas de trabalho, facilita a precarização dotrabalho e muda modos de relacionamento com ocliente. Por exemplo, a perspectiva do uso de com-putador por comando de voz assim como a difusãodo videofone agregarão o deslocamento de riscosno corpo dos teleoperadores, dos membros superi-

ores – mãos, punhos e dedos – para o aparelhofonador, para as articulações têmporo-mandibula-res e para o aparelho auditivo. Agregadas às práti-cas gerenciais e a essas revoluções tecnológicas, va-riadas formas de adoecimento terão visibilidade, alémdas já conhecidas afecções musculoesqueléticas edos transtornos psíquicos. Além de o videofone im-plicar a emergência, para os teleoperadores, da rela-ção face a face, mesmo que virtual, seu usocondicionará novos riscos para a saúde decorren-tes do uso de produtos estéticos (alergiasocupacionais, disseminação de infecções pela trocade produtos etc.), associados à anorexia ou àhiperexia (principalmente em homens), pois elesnecessitarão manter os corpos nos padrões estéti-cos dominantes. Nesse caso, a gestão emocional(Hochschild, 1979) não alcançará apenas a voz, masa expressão facial e gestos em geral.

A terceira dimensão gerencial (a primeirase faz pela empresa de telemarketing, a segundapela empresa-cliente) decorre da vigilância doEstado ou da cirbervigilância do trabalho, origi-nária do quadro normativo. As instituições pú-blicas, como a ANATEL, ao supervisionarem otrabalho das empresas de telemarketing, conside-ram apenas a legislação de defesa do consumidore desconsideram a legislação de defesa da saúdedo trabalhador. Por decorrência, ao pressionaremas empresas para cumprirem normas de defesa doconsumidor, adicionam tensões que as gerênciasrepassam para o operador de telemarketing.

Tem um dia estratégico para todos os supervisores,que é a medição da Anatel, que o grupo deles deveestar todo alinhado com a medição; nenhum [OPE-RADOR] pode estar deslogado. Todo mundo logadopra eles é melhor, porque a qualidade dele sobe,ai vem uma renda extra pra empresa, pra ele tam-bém. Isso acontece uma vez no mês. Tem que ficarali sentado. [...] É. É parceria [entre a ANATEL e aempresa]. Tudo é parceria. No dia da medição,todos são obrigados a fazer hora extra pra podermanter... No atendimento, o cliente não pode ficaresperando mais de seis segundos na linha, no diada medição. Muitos são exigidos demais e têmmedo de perder emprego e tudo. Aí, o que é queacontece? Passam mal, têm depressão, ou entãotem aquele... Ó, meu Deus, como é o nome? Asíndrome... [a síndrome do pânico] Eles já andamassustados com isso tudo. (Di.)

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Essa terceira dimensão gerencial, feita pelaANATEL, concentra-se apenas na proteção docliente. Na prática, adita-se à pressão da deman-da dos clientes e eleva a carga de trabalho rece-bida pelo operador de telemarketing, tornandomais complexa a análise das condições de traba-lho e da saúde do operador. Considerando que ométodo taylorista se concentra na intervençãona organização e nas formas de controle do ho-mem no trabalho,5 essa pressão ao cubo justificaa hipótese de a organização dos métodos de tra-balho “hipertaylorizados” (Lipietz, 1997) gerarperfis extremamente elevados de morbidade.

Nesse sentido, para a prevenção das LERno setor de telemarketing, existe a necessidadede articular a proteção do consumidor e da suasaúde em conjunto com ação preventiva no âm-bito da saúde do trabalhador. Essa prática re-presentaria uma primeira aproximação dessesdois campos que raramente dialogam. A prote-ção da saúde do cliente envolveria a redução doestresse e das tensões geradas pelas estratégiasde marketing. Essa ergonomia do produto, emconsonância com a ergonomia aplicada à prote-ção ao trabalhador, unificaria esses dois camposem torno da preservação simultânea da saúdedo trabalhador e do consumidor.

ESTIGMA DAS LER: a construção social deestratégia gerencial

Cinco operadoras de telemarketing porta-doras de LER tiveram o benefício da PrevidênciaSocial cessado e retornaram à empresa. Não hou-ve estudo para adequar as condições de trabalhode cada uma delas às tarefas, de modo a permitir areinserção segura no trabalho. A empresa colocou

essas funcionárias em área isolada das ilhas de tra-balho, sem assentos suficientes, o que exigiarevezamento para evitar o cansaço; não delegou ta-refa alguma a essas funcionárias, que deveriam cum-prir toda a jornada nessa condição. No entanto, omais importante dessa estratégia se configurou nofato de elas serem colocadas em área de grande cir-culação, de modo a permitir que os teleoperadorese supervisores visualizassem as “doentes”, em umaexposição deliberadamente pública.

Essas funcionárias foram expostas comoincapazes e improdutivas em cenário apropria-do, para inibir a procura do diagnóstico e doreconhecimento previdenciário das doenças dotrabalho. Foi o único momento em que a visibi-lidade da doença na empresa se fez presente naforma de exposição pública punitiva do doente,tornando-o culpado por estar improdutivo emmeio a uma população de supostos hígidos.

O suplício pela exposição pública foi detal magnitude, que uma funcionária desenvol-veu forte ideação de suicídio a ser levado a ter-mo na empresa, como forma de protesto extre-mo. Essa possibilidade gerou intervenção rápidado sindicato e da equipe de pesquisa, providen-ciando imediatamente um suporte psicológicoespecializado, o que evitou a efetivação da pro-messa: “Eu não aguento mais e vou acabar comminha vida lá”.

A relação entre trabalho e suicídio é anti-ga no Brasil. Os escravos se suicidavam comoreação desesperada contra a violência impostapelo regime de cárcere, com a destruição de la-ços familiares e suporte cultural, castigos públi-cos, mutilações e humilhações. O banzo (depres-são pela saudade da África) e o suicídio eram for-mas de reação ao escravismo em situações de faltade alternativas de liberdade e de melhoria das con-dições de vida. Recentemente, repercutiu a sériede 22 suicídios ocorridos no processo dereestruturação da FRANCE TELECOM, maiorempresa de telefonia da França. A relação entresuicídio e trabalho se estabeleceu com força apósesses casos, relacionados às pressões externas e àperspectiva de desemprego, cujo resultado foi o

5 Na dimensão microindustrial, o fordismo (microfordismo)representa, predominantemente, a aplicação daracionalidade cibernética da organização da técnica do tra-balho, enquanto o taylorismo responde pela intervençãona organização do homem no trabalho, subordinando-oao complexo técnico (Lipietz, 1997). O fordismoredesenhou o método de produção da primeira revoluçãoindustrial ao transformar o espaço da fábrica em uma gran-de máquina, na qual inclui o ser humano como mero su-plemento na engrenagem cibernética.

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primeiro reconhecimento de suicídio relacionadoao trabalho pelo sistema previdenciário na França.

Os agrônomos nos séculos XVIII e XIXrecomendavam que todo o castigo aplicado aosescravos fosse público, pois mais importante doque o sofrimento e mesmo o sacrifício de umindivíduo era o exemplo para os outros que as-sistiam, para gerar o medo coletivo e condicioná-los à subserviência extrema (Marquese, 2004).No caso da empresa de telemarketing na Bahia,a exposição pública representava mais uma for-ma de punição da sua estratégia gerencial paraas portadoras de doenças do trabalho, tornandovisível a ameaça aos outros do que poderia lhessuceder caso utilizassem o expediente de procu-rar direitos previdenciários quando acometidospor doenças do trabalho. Mais ainda: segundorelato das funcionárias submetidas a esse rito, aexpectativa da empresa era de que elas volunta-riamente se demitissem ao sentir sintomas deLER ou de distúrbios psíquicos menores e, dessemodo, facilitar o expurgo de doentes, métodorealizado rotineiramente por meio dos examesmédicos periódicos.

Para a empresa, os portadores de LER re-presentam um perigo à obtenção de lucros a qual-quer custo social e de saúde. Por isso, o estigmarepresenta um extraordinário suporte na sua es-tratégia gerencial. Isso explica essas formas dis-simuladas de suplício público de doentes comouma das modalidades de composição da cons-trução social do estigma da LER. Elas, no seuconjunto, articulam as técnicas tayloristas clás-sicas de exigências de trabalho cronometrado eacelerado, submetido a ritmos extremos de pro-dução, com estratégias médicas de negação téc-nica da enfermidade e de produção de ambien-tes de trabalho limpos de doentes, por meio dediversas modalidades de expurgo.

As metáforas sobre a doença, o estigmaou preconceito são construções sociais e históri-cas. A noção de estigma tem raízes na Grécia,onde os gregos criaram essa terminologia paradesignar

as marcas corporais destinadas a expor o quehavia de incomum e detestável em relação aostatus moral da pessoa marcada. Estes sinaiseram gravados no corpo com faca ou ferro embrasa e proclamava que aqueles que os portavameram escravos, criminosos ou traidores... e deve-riam evitar todos os lugares públicos. [traduçãolivre] (Goffman, 1975, p.11).

Posteriormente, o termo passou a ser am-plamente utilizado não apenas para sinalizar“marcas corporais”, mas para descrever atribu-tos de sua identidade social não somente relaci-onados ao “status social”, mas também aspectosestruturais como “ocupação” (1975).

Lepra,6 epilepsia, tuberculose, loucura e,mais recentemente, a AIDS exemplificam doen-ças em que, em muitas situações, o estigma comoexperiência de doença representa mais sofrimen-to do que sinais, sintomas e limitações da esferabiológica. O estigma relacionado a cada uma des-sas doenças resultou de especificidades históricase técnicas sobre conhecimento de causas, terapi-as e modos de acometimento de grupos sociais.As LER foram descritas há três séculos, porém asreferências históricas ao estigma são recentes ecoincidem com a emergência dessa enfermidadecomo doença do trabalho mais prevalente eincapacitante no mundo do trabalho.

As práticas médicas de diagnosticar, tratare prevenir doença são deslocadas, na empresa,pela ação voluntária do médico em negá-las,7

desqualificá-las e utilizar da própria autoridadetécnica para sugerir que o paciente dissimula,fabula ou alucina ao relatar os sintomas e sofri-mentos em relação às LER. Trata-se de uma per-versão da prática médica, porém extremamenteintegrada ao modelo taylorista de gestão, que ar-ticula várias outras estratégias de exclusão de do-entes do espaço da empresa, como contratação ape-6 Medida importante tomada no Brasil foi a substituição da

denominação Lepra por doença de Hansen, exatamente paraproteger os doentes do estigma. Os países desenvolvidos queerradicaram a Lepra continuam utilizando o mesmo nome,pois não há mais doentes para protegê-los do estigma.

7 Embora isso ocorra com frequência na prática de medici-na do trabalho, essa conduta inverte a essência da rela-ção médico–paciente, ao violar princípios éticos ehipocráticos milenares como o da beneficência e não-maleficência, ou seja, a função essencial do médico édiagnosticar e tratar doenças, e não o contrário.

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nas de trabalhadores hígidos, identificação de por-tadores de doenças do trabalho nos exames perió-dicos e sua consequente demissão (encaminhamentopara a Previdência Social apenas nos casos de pres-são social dos Sindicatos ou em eventuais ações deinstituições públicas). A tudo isso, já descrito naliteratura científica, soma-se à técnica de induzir opaciente a acreditar que ele imagina sintomas quan-do sente dores, dormências, limitações de movi-mentos ou outros sintomas ligados às LER. Essediscurso médico-empresarial não é dirigido apenasao doente, mas a todos que frequentam serviços mé-dicos, reuniões gerenciais, palestras e grupos soci-ais nas empresas, pois é essa a principal função domédico nesse modelo gerencial: o de dar o suportetécnico de construção do estigma da LER no espaçoda empresa.

E o próprio médico da empresa... Ele achou queeu estava mentindo. Ele tocou em mim e disseque meus exames poderiam dar normais.8 É me-lhor você voltar [retornar do INSS]. E eu fiqueinervosa. Ele querendo dizer que eu estava men-tindo. Tanto que eu até chorei na hora e disse: nãoestou mentindo! [fala chorando]. Eu estou real-mente sentindo dores. (Lu).

Desespero, lágrimas, perplexidade e angus-tia resultaram em reações comuns dos pacientes aocircularem na empresa, no INSS e no sindicato.Aspecto importante é que esses pacientes sempreportavam os resultados dos exames médicos paraatestarem cotidianamente a veracidade da enfermi-dade como estratégia de defesa diante da dúvidaimposta pela empresa, pela perícia médica e mesmopor colegas e familiares. “E meu irmão me deu assimuma reclamação de eu parar de ficar levando meusexames para ficar mostrando às pessoas que eu estoudoente, entendeu?” (Va.). Existe parcela pequena desimuladores de doenças para usufruir dos benefíci-

os sociais, principalmente os securitários.9 Porémutilizar o pressuposto de que todos são simulado-res ou estelionatários violenta não apenas o sujeitodoente, mas o sujeito ético, que tem seus valoresdesconstruídos por prejulgamentos e preconceitos,como exemplifica a narrativa:

Tem dia que fazer isso assim, fazer isso [realizaum movimento de segurar um papel] parece im-possível segurar um papel, parece impossível.Parece que você está pegando cem quilos. Quan-do a gente fala isso para o perito, ele acha que agente está mentindo. Eu sempre fui educada poruma família humilde, fui educada para não men-tir. Porque quando a verdade for descoberta, aí avergonha vai ser muito maior. Então assim, issodói. É tanto que todos os lugares que eu vou hoje,eu ando assim com os exames. (Vi.)

Das nossas observações e das narrativasanalisadas, verifica-se o modo de construção so-cial do estigma como algo associado ao modelogerencial das empresas de telemarketing. Há umaextensão social do estigma do trabalho para aresidência, para os serviços médicos e institui-ções públicas, principalmente Previdência do So-cial e Ministério do Trabalho. Entretanto, o estig-ma das LER é uma construção social centrada,fortalecida e originada na empresa.

A construção do estigma das LER é facilita-da pela preservação do corpo, principalmente daestrutura muscular e articular, que geralmente nãorevelam sinais de enfermidade, exceto quandoocorrem edemas e deformidades ósseas em situa-ções mais graves:

As pessoas só acreditam no que vê. Então, às ve-zes, duvida que você esteja tão doente. Porquenão é brincadeira! Quando a gente vê a doença[doença com sinal corporal aparente] até acredi-ta, porque o impacto é maior. E quando o serhumano está só reclamando? Às vezes achamque é um pouco de exagero. Houve pessoas dafamília mesmo, como irmãos e amigos, que du-vidavam do que estava acontecendo. Às vezes8 Essa paciente possuía exame de eletroneuromiografia con-

cordante com diagnóstico de Síndrome do Túnel de Carpoe ultrassonografia (houve a investigação de tendinites).Não é possível simular resultados positivos nesses exa-mes. A ultrassonografia revela imagem de tecido alterado; aeletroneuromiografia revela a ausência de recepção nervosaperiférica após estímulo elétrico no nervo em análise, e nãohá como a ação consciente regular esses efeitos e alterar re-sultados segundo vontade do paciente – essas informaçõestécnicas sobre os princípios desses exames são básicas paraqualquer médico, independentemente da sua especialidade.

9 Não identificamos casos entre os sujeitos participantes doestudo. No entanto, há referências clássicas na literaturasobre simuladores que se beneficiarem do sistemasecuritário, a exemplo dos que se mutilam para tornar crô-nica lesões como a dermatite artefacta ou autolesionismo(Ali, 2010). No entanto, trata-se de situação pouco frequentena prática médica, que não justifica generalização.

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até por ignorância, por não conhecerem [as LER].(Jo.).As pessoas [referindo-se à família] olham paravocê e não veem nada. Olha para gente e nãoveem nada, não veem uma ferida, então, assim,não entende. (Vi.)

O preconceito imposto aos portadores deLER, da mesma forma como em outras doençasestigmatizadas, gera sofrimento e agrava prognós-ticos na medida em que o trabalhador adia a pro-cura do médico, evita tratamento que o identifi-que, a exemplo da tala no punho ou membro superi-or e deixa de procurar suporte previdenciário.

No entanto, em outras categorias profissi-onais, como a dos esportistas, quando há o aco-metimento por formas de LER associado àhipersolicitação de parte do corpo, não há práti-cas de construção de estigma. A epicondilite late-ral ou “cotovelo do tenista” (Kuorinka; Forcier,1995), algumas lesões de ligamentos nos joelhosem jogadores de futebol, judocas e outros profis-sionais são exemplos de formas de LER frequen-temente citadas na imprensa quando acometemjogadores famosos, porém sem metáforas ou es-tigmas impostos aos esportistas lesionados. Sãopatologias semelhantes na esfera clínica, porémdiferenciadas na dimensão social diante do fortepreconceito imposto aos trabalhadores portado-res de LER.

Inibir ou punir empresas que praticam aprodução social de estigmas por meio de estra-tégias gerenciais e médicas nocivas se torna tãoimportante na prevenção das LER como as pró-prias medidas de proteção ergonômica. Do mes-mo modo que, para a AIDS, foi importante proi-bir a realização de exame para identificarsoropositivos em exames médicos admissionais,periódicos e demissionais pelas empresas, como objetivo de evitar a admissão ou demissão de-corrente do estigma, há necessidade de consti-tuir legislação capaz de proibir práticas de cons-trução social de estigma pelas empresas em rela-ção às LER.

ESTRATÉGIAS MÉDICAS NA RELAÇÃO COMOS PORTADORES DE LER

A matriz gerencial da empresa em sua orga-nização do trabalho, divisão de tarefas e concep-ção da gestão dos trabalhadores define o modo deabordagem da saúde, tanto na concepção como naspráticas. As características gerais do métodotaylorista aplicadas na seleção, treinamento, di-visão de tarefas e ritmo do trabalho configura-ram um conjunto de práticas em medicina e en-genharia de segurança no trabalho caracterizadopor alguns autores como medicina taylorista. Elase fundamenta nos princípios do DarwinismoSocial (Davezies et al., 1998), caracterizado porseleção de trabalhadores hígidos ou dos maisaptos, eliminando-se os doentes dos ambientesde trabalho, elevado turnover e centralização dacontratação junto aos jovens, muitos como pri-meiro emprego. Isso gera uma espécie de limpe-za sanitária de doentes da empresa, impulsiona-da pela realização de exames médicosadmissionais rigorosos, para impedir acesso detrabalhadores doentes, demissão de doentes esintomáticos, controle dos serviços médicosassistenciais com descredenciamento de servi-ços médicos que diagnosticam doenças do tra-balho (principalmente LER). Cria-se, assim, umadinâmica de contratação de hígidos, com a de-puração ou exclusão dos doentes ou eliminaçãodos mais fracos, incapazes de se submeterem aoritmo acelerado imposto aos operadores detelemarketing. Como a estratégia se concentrana contratação de jovens, pela sua constituição atlé-tica e sua higidez, muitos deles utilizam recursosadvindos dessa ocupação para pagar faculdade pri-vadas e, ao adoecerem, “reabilitam-se” em outraprofissão por iniciativa própria e, assim, o ciclo deprodução de jovens doentes se amplia.

Na esfera da epidemiologia, essa manu-tenção de trabalhadores hígidos na empresa édenominada de efeito do trabalhador sadio, comoforma de caracterizar a baixa prevalência de do-entes em comparação com a população geral. Osentrevistados adoeceram nas empresas, ou seja,

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entraram hígidos ao passarem pelo rigoroso exa-me médico admissional. Para manter ainvisibilidade epidemiológica,10 a empresa utili-zava estratégias com o objetivo de dificultar ouimpedir a emissão da CAT: “Depois foi que elechegou [o médico da empresa] me disse que seele me desse a CAT, ele estava contraindo doisproblemas pra ele: um com o INSS e outro coma empresa” (An.). Além de impor uma ativa atu-ação ideológica, ao negar a existência de doençasdo trabalho, conforme relato de entrevistadas, paraa empresa, “LER não existe”, “LER é invenção dosindicato” e “LER é lerdeza do trabalhador”. Coma confirmação de uma afecção do sistemamusculoesquelético, a estratégia médica se deslo-cava para deturpar a causalidade da enfermida-de, ao indicar a origem relacionada à realizaçãode alguma prática esportiva, ou causada pelo exa-gero na atividade sexual ou doméstica. O impor-tante, para os serviços de medicina do trabalho,era descaracterizar as LER como responsabilida-de da empresa, ou considerá-la outra doençamusculoesquelética não-relacionada ao trabalho.

Outra estratégia gerencial associada à saú-de consistia em fornecer assistência médica supleti-va para todos os operadores de telemarketing. Éimportante observar que essa é uma categoria queganha pouco acima do salário mínimo, e essa as-sistência médica supletiva se configura em ofer-ta aparentemente elogiosa e pouco comum di-ante de outras categorias profissionais situadasnessa mesma faixa salarial. No entanto, verifi-cou-se que três aspectos dessa oferta inibem oafastamento por doença do operador detelemarketing: quando ele se afasta por doença,aumenta a dedução financeira no salário e issoestimula o retorno imediato ao trabalho; com ademissão, há a suspensão imediata da assistên-cia médica supletiva, e essa situação dificulta a

realização dos exames médicos exigidos pela perí-cia médica do INSS para caracterizar a doença dotrabalho, pois o SUS não consegue atender a essademanda em função das filas. Assim muitos tra-balhadores doentes deixam de receber benefíciospor falta de acesso a serviços médicos capazes deatender às exigências da Previdência. Esses proto-colos exaustivos de exames médicos, muitas ve-zes desnecessários, de que o próprio SUS não dis-põe, leva a iniquidades no acesso e, sobretudo, namanutenção do benefício (Souza, 2010). O tercei-ro se relaciona ao controle dos diagnósticos pelaempresa de telemarketing junto às empresas mé-dicas conveniadas. Muitos entrevistados referiramo descredenciamento de clínicas pela assistênciamédica supletiva quando os seus serviços médi-cos emitiam laudos caracterizando doença do tra-balho, principalmente LER, e encaminhavam o tra-balhador doente para a Previdência Social.

Desse modo, as práticas dos Serviços deMedicina do Trabalho das Empresas (SESMT) detelemarketing não se situavam na esfera da pre-venção, diagnostico precoce, tratamento, reabili-tação e notificação dos casos de LER e de outrasdoenças do trabalho nas empresas. Contrariamen-te, mantinham estratégias articuladas ao modelotaylorista de gerenciamento para tornar invisíveissocial e epidemiologicamente essas enfermidades,o que contribuía para agravar os quadros, promo-ver sofrimentos e adoecimentos em perfeita in-versão dos padrões elementares exigidos para oexercício da medicina. Diante de tais práticasmédicas, a inexistência de SESMT protegeria asaúde dos operadores de telemarketing.

CONCLUSÃO: perfil das LER no setor detelemarketing

Aspectos importantes sobre modelos degerenciamento e novas tecnologias levaram as LERa mudarem seu perfil clínico-epidemiológico. Opresente estudo trouxe fortes indícios da impor-tância dos condicionantes nocivos para a saúdedos operadores de telemarketing, decorrentes das

10 Situação diferente de invisibilidade foi encontrada nosestudos de Franco et al. (1994) na indústria de Salvador,em que esses processos de exclusão de doentes e aciden-tados do trabalho estavam fortemente relacionados àterceirização ocorrida nas indústrias. Como as empresasde telemarketing são as terceiras e quase não terceirizam,o modo de exclusão ou invisibilidade se pautou em estra-tégias internas das empresas.

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transformações tecnológicas e do caráter virtuale comunicacional, os quais estabelecem novasformas de cuidados a serem considerados na pre-venção dessas enfermidades. A noção de redessociais, que permite operar “hipercorpos”, ajudano entendimento de aspectos subjetivos que fa-vorecem a ocorrência de tensões e conflitos empráticas simultâneas de agressões entre clientese operadores no universo virtual. Essas dinâmi-cas de transformações técnicas são componen-tes importantes de modelos gerenciais antiqua-dos, em que a matriz taylorista se faz presentena organização do trabalho e nas práticas médi-cas. A nocividade dessas estratégias gerenciais re-sulta em particularidades no desenvolvimento dasLER em operadores de telemarketing, expressasna produção social de estigmas e na perversão depráticas de medicina do trabalho sincronizadascom princípios do taylorismo. Mais do que umaprodução social difusa, o estigma das LER resul-tou de uma construção centrada nas empresas detelemarketing, por meio das suas práticasgerenciais, dentre as quais se incluíram ações doserviço médico. Trata-se de empresas que utili-zam tecnologias avançadas na esfera da telemática,mas que produzem modalidades de adoecimentoconformadas em função das particularidades dosseus processos de trabalho precários.

Outras estratégias gerenciais foram utilizadas,embora houvesse, aqui, a seleção das que foramconsideradas importantes para o agravamento dosofrimento e das enfermidades adquiridas pelosoperadores de telemarketing entrevistados.

O modelo gerencial nas empresas estuda-das leva o cliente à dupla condição de estressordo trabalho, pela execução de tarefas gerenciaisde aceleração do trabalho em concomitância, ede cliente aprisionado pelas estratégias demarketing, sem a proteção do Estado. Os pro-cessos geram, simultaneamente, riscos sociais ede saúde para os trabalhadores e para os consu-midores. O controle pelas instituições públicasdeveria considerar essa dupla dimensão nas suasestratégias de vigilância e de proteção da saúde:além de construir leis e normas de proteção ao

trabalho associadas à proteção da saúde do consu-midor, articular a legislação de proteção do trabalhocom o Código de Defesa do Consumidor na prote-ção à saúde. Da mesma forma, na esfera social, ha-veria a necessidade de aproximar as organizaçõessindicais das organizações autênticas de defesa doconsumidor. Essa seria uma perspectiva nova naconstrução da saúde do trabalhador em sintonia coma saúde do consumidor.

A miríade de revoluções tecnológicas de su-porte às práticas gerenciais nocivas poderá levar anovas modalidades de LER, a exemplo de lesão poresforço vocal repetitivo e de lesões nas articulaçõestêmporo-mandibulares relacionadas à emergência decomandos vocais para computadores. Outras no-vas especificidades de LER poderiam se associar àgestão emocional ou à exposição a padrões de bele-za, com o surgimento de estigmas estéticosconstruídos nas empresas e decorrentes da chega-da do telemarketing por meio do videofone. Sãocenários possíveis decorrentes das hipóteses aquiavançadas, frutos da compreensão de narrativas deportadores de LER.

(Recebido para publicação em 24 de janeiro de 2011)(Aceito em 18 de abril de 2011)

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Paulo Gilvane Lopes Pena, Adryanna Cardim,Maria da Purificação N. Araújo

CYBER TAYLORISM AND REPETITIVESTRAIN INJURY IN TELEMARKETING

OPERATORS IN SALVADOR, BAHIA

Paulo Gilvane Lopes Pena

This paper aims to understand the diseaseprocess by repetitive strain injury (RSI) ontelemarketers and its relationships with themanagement strategies associated with newtechnologies. For this qualitative study thirtyoperators and also RSI patients were interviewedwho were treated at a clinic, between 2007 and2009 and observations carried out in the workplaceof ten companies. Adverse conditionants wereobserved resulting from technological changes andtheir communicational and virtual character, whichrequire new forms of care to be considered in theprevention of RSI. The notion of social networks,enabling one to operate “hyperbodies”, in therelations between operators and customers, helpsin understanding the subjective aspects that favorthe occurrence of tensions and conflicts in the vir-tual universe. These are harmful managementstrategies, that result in particular in thedevelopment of RSI, with the social production ofstigma and perversion of labor medical practiceswork in sync with the principles of Taylorism.

Keywords: labor, repetitive strain injuries,telemarketing, new technologies, worker’s health.

TAYLORISME CYBERNÉTIQUE ETTROUBLES MUSCULOSQUELETTIQUES

CHEZ LES OPÉRATEURS DETÉLÉMARKETING À SALVADOR-BAHIA

Paulo Gilvane Lopes Pena

Cet article se veut de comprendre leprocessus des maladies dues aux troublesmusculosquelettiques (TMS) chez les opérateursde télémarketing et leurs rapports avec lesstratégies de gestion associées aux nouvellestechnologies. Pour cette étude qualitative, trenteopérateurs porteurs de TMS, traités en clinique,ont été interviewés entre 2007 et 2009 et desobservations sur les lieux de travail ont étéréalisées au sein de dix entreprises. On a puobserver des conditions défavorables dues auxchangements technologiques et au caractèrevirtuel et communicationnel, ce qui suppose quede nouveaux types de soins devront être pris enconsidération pour la prévention des TMS. Lanotion de réseaux sociaux, qui permet d’opéreren “hypercorpus” dans les relations entre lesopérateurs et les clients, nous aide à comprendrecertains aspects subjectifs qui favorisentl’apparition de tensions et de conflits dansl’univers virtuel. Il s’agit de stratégies de gestionnuisibles qui entrainent des particularités dansle développement des TMS, engendrant uneproduction sociale de stigmates et une perversiondes pratiques de la médecine du travail enharmonie avec les principes du taylorisme.

MOTS-CLÉS: travail, lésions dues aux effortsrépétitifs (TMS), télémarketing, nouvellestechnologies, santé du travailleur.

Paulo Gilvane Lopes Pena - Médico pela Universidade Federal da Bahia-UFBA. Doutor em Sócio Economia doDesenvolvimento pela École des Hautes Études en Sciences Sociales – Paris. Professor adjunto do Departamentode Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFBA. Mestrado em Recherches Comparativessur le Développement, Paris. Mestrado em Saúde Pública pela Universidade Federal da Bahia. Tem experiênciana área de Medicina, com ênfase em Saúde do Trabalhador, Saúde Coletiva e Medicina do Trabalho, atuando nostemas: trabalho, saúde, condições de trabalho, medicina do trabalho e saúde pública. É co-organizador dacoletânea Relações de produção, consumo, saúde e ambiente, (Fiocruz, 2007) e de artigos publicados emdiversas revistas (RBSO - Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, Scripta Nova (Barcelona), Revista Brasilei-ra de Otorrinolaringologia, Saúde e Sociedade, Prevenir Cahiers d’Étude ET de Réflexion Mutualistes, Ciência& Saúde Coletiva).

Adryanna Cardim - Mestre em Saúde, Ambiente e Trabalho, pela Universidade Federal da Bahia.Fisioterapeutae Nutricionista. Professora Assistente da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Sanitarista do Centrode Estudos da Saúde do Trabalhador – CESAT/ Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Tem experiência naárea de Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde do Trabalhador e Saúde da Família. Publicação mais recente:PENA, P. G. L.; FREITAS, M. C. S.; Cardim, A. Trabalho Artesanal, cadências infernais e lesões por esforçosrepetitivos: estudo de caso em uma comunidade de mariscadeiras na Ilha de Maré, Bahia. Ciência & SaúdeColetiva, v. 01, p. 0917, 2009.

Maria da Purificação N. Araújo - Nutricionista. Professora da Escola de Nutrição da UFBA. Doutoranda emSaúde Pública da Pós-Graduação em Saúde Coletiva, UFBA. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas emAlimentação Coletiva – GEPAC (CNPq). Tem experiência na área de gestão de Unidades de Alimentação eNutrição. Realiza pesquisas na área de alimentação e saúde de trabalhador.