taxa sancionatória excepcional

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O novo agregador da advocacia 16 Março de 2011 www.advocatus.pt Debate O Regulamento das Custas Processuais, criado pelo DL 34/2008 de 26 de Fevereiro veio introduzir no Código Processual Civil a possibilidade de condenação das partes no pagamento de uma taxa sancionatória excepcional, a fixar pelo juiz “Este novo regime tem como objectivo evitar a prática de actos processuais que, por manifesta improcedência, embaracem a marcha do processo” “Contudo, parece- -nos que o citado art. 447.º-b permite ir bem mais longe, na medida em que permite sancionar a parte que, recorrendo aos tribunais superiores, queira discutir o mérito da causa contra entendimento maioritário” Madalena Januário Sócia da CRBA (Capitão, Rodrigues Bastos, Areia & Associados) Taxa sancionatória excepcional O Regulamento das Custas Proces- suais, criado pelo DL 34/2008 de 26 de Fevereiro veio introduzir no Código Processual Civil a possibi- lidade de condenação das partes no pagamento de uma taxa san- cionatória excepcional, a fixar pelo juiz entre 2UC e 15UC, e aplicável a todos os processos, os novos e aos pendentes à data da sua entra- da em vigor, a 20/04/2009, (art. 27.º n.º 3 do RCP). Este novo regime tem como objec- tivo evitar a prática de actos pro- cessuais que, por manifesta impro- cedência, embaracem a marcha do processo. Nas palavras de Salvador da Costa, esta nova taxa tem como fim a “moralização da actividade processual” . Com efeito, prescreve o art. 447.º- B do CPC que o tribunal, fundada e excepcionalmente, poderá aplicar uma taxa sancionatória “aos reque- rimentos, recursos, reclamações, pedidos de rectificação, reforma ou de esclarecimento adicional quando estes, sendo considerados mani- festamente improcedentes: a) Sejam resultado exclusivo da fal- ta de prudência ou diligência da parte, não visem discutir o méri- to da causa e sejam meramente dilatórios, ou b) visando discutir também o mé- rito da causa, sejam manifesta- mente improcedentes por força da inexistência de jurisprudência em sentido contrário e resultem exclusivamente da falta de dili- gência e prudência da parte”. Conforme resulta da norma su- pra transcrita, a referida taxa será aplicável aos actos processuais mencionados em dois casos: i) Quando apenas se discutam questões formais, importa que sejam manifestamente improce- dentes e dilatórios, ou seja, que não exista interesse processual atendível na prática do acto; e resultem, em exclusivo, da falta de prudência ou diligência da parte; ii) Quando se discutam também questões de mérito, importa que sejam manifestamente im- procedentes por força da ine- xistência de jurisprudência em sentido contrário e resultem ex- clusivamente da falta de diligên- cia e prudência da parte - sen- do que, não será censurável a utilização de novos argumentos face a uma questão, mas a sua defesa em total desconhecimen- to da jurisprudência, pacífica, em sentido contrário. O preceito legal em causa tem sus- citado alguma polémica entre os diversos agentes judiciários: por um lado, os seus pressupostos de apli- cação são de tal forma genéricos que podem redundar na atribuição de um poder quase discricionário ao juiz; por outro, parece existir al- gum confronto e sobreposição da referida norma com o disposto no art. 16.º do CCJ, entretanto revoga- do, e com o conceito de litigância de má-fé previsto no art. 456.º do CPC. A principal crítica que lhe tem sido apontada é de, na prática, consubs- tanciar, uma forma menos grave de litigância de má-fé, mas sem as garantias desta: por um lado, não é concedida à parte a possibilidade de se pronunciar previamente vio- lando-se, assim o direito ao contra- ditório; e por outro, não é recorrível, atentos os requisitos gerais do art. 678.º do CPC. As duas figuras em análise distin- guem-se contudo quanto ao objec- to da sanção. A litigância de má-fé destina-se a sancionar um compor- tamento globalmente negativo da parte mediante uma avaliação de toda a lide. A taxa sancionatória pretende sancionar a prática de um acto quando estes se apresentam como meramente dilatórios. Há ainda quem entenda que este preceito seria uma versão “actuali- zada” do art. 16.º do CCJ, em que o juiz podia sancionar a parte em taxa de justiça, a fixar entre 1 UC e 10 UC “nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide” em função da sua complexidade, do processado a que deu causa ou da sua natureza manifestamente di- latória. Contudo, parece-nos que o citado art. 447.º-B permite ir bem mais lon- ge na medida em que permite san- cionar a parte que, recorrendo aos tribunais superiores, queira discutir o mérito da causa contra entendi- mento maioritário. Por outro lado, esta taxa tem natureza sancionató- ria, complementar e não substituti- va da taxa de justiça normal devida pela parte no processo. 1 - Regulamento das Custas Pro- cessuais Anotado, Almedina, 2009. 2 - Sobre a constitucionalidade da norma, pronunciou-se o STJ no processo 4831/05.7TVLSB L1 S1 reconhecendo que não há lugar ao exercício do con- traditório.

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Taxa sancionatória excepcional

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Page 1: Taxa sancionatória excepcional

O novo agregador da advocacia16 Março de 2011

www.advocatus.ptDebate

O Regulamento das Custas Processuais, criado pelo DL 34/2008 de 26 de Fevereiro veio introduzir no Código Processual Civil a possibilidade de condenação das partes no pagamento de uma taxa sancionatória excepcional, a fixar pelo juiz

“Este novo regime tem como objectivo evitar a prática de actos processuais que, por manifesta

improcedência, embaracem a marcha

do processo”

“Contudo, parece- -nos que o citado

art. 447.º-b permite ir bem mais longe, na

medida em que permite sancionar a parte

que, recorrendo aos tribunais superiores,

queira discutir o mérito da causa

contra entendimento maioritário”

Madalena Januário

Sócia da CRBA (Capitão, Rodrigues Bastos, Areia & Associados)

Taxasancionatóriaexcepcional

O Regulamento das Custas Proces-suais, criado pelo DL 34/2008 de 26 de Fevereiro veio introduzir no Código Processual Civil a possibi-lidade de condenação das partes no pagamento de uma taxa san-cionatória excepcional, a fixar pelo juiz entre 2UC e 15UC, e aplicável a todos os processos, os novos e aos pendentes à data da sua entra-da em vigor, a 20/04/2009, (art. 27.º n.º 3 do RCP).Este novo regime tem como objec-tivo evitar a prática de actos pro-cessuais que, por manifesta impro-cedência, embaracem a marcha do processo. Nas palavras de Salvador da Costa, esta nova taxa tem como fim a “moralização da actividade processual” .Com efeito, prescreve o art. 447.º-B do CPC que o tribunal, fundada e excepcionalmente, poderá aplicar uma taxa sancionatória “aos reque-rimentos, recursos, reclamações, pedidos de rectificação, reforma ou de esclarecimento adicional quando estes, sendo considerados mani-festamente improcedentes:a) Sejam resultado exclusivo da fal-

ta de prudência ou diligência da parte, não visem discutir o méri-to da causa e sejam meramente dilatórios, ou

b) visando discutir também o mé-rito da causa, sejam manifesta-mente improcedentes por força da inexistência de jurisprudência em sentido contrário e resultem exclusivamente da falta de dili-gência e prudência da parte”.Conforme resulta da norma su-pra transcrita, a referida taxa será aplicável aos actos processuais mencionados em dois casos:

i) Quando apenas se discutam questões formais, importa que sejam manifestamente improce-

dentes e dilatórios, ou seja, que não exista interesse processual atendível na prática do acto; e resultem, em exclusivo, da falta de prudência ou diligência da parte;

ii) Quando se discutam também questões de mérito, importa que sejam manifestamente im-procedentes por força da ine-xistência de jurisprudência em sentido contrário e resultem ex-clusivamente da falta de diligên-cia e prudência da parte - sen-do que, não será censurável a utilização de novos argumentos face a uma questão, mas a sua defesa em total desconhecimen-to da jurisprudência, pacífica, em sentido contrário.

O preceito legal em causa tem sus-citado alguma polémica entre os diversos agentes judiciários: por um lado, os seus pressupostos de apli-cação são de tal forma genéricos que podem redundar na atribuição de um poder quase discricionário ao juiz; por outro, parece existir al-gum confronto e sobreposição da referida norma com o disposto no art. 16.º do CCJ, entretanto revoga-do, e com o conceito de litigância de má-fé previsto no art. 456.º do CPC. A principal crítica que lhe tem sido apontada é de, na prática, consubs-tanciar, uma forma menos grave de litigância de má-fé, mas sem as garantias desta: por um lado, não é concedida à parte a possibilidade de se pronunciar previamente vio-lando-se, assim o direito ao contra-ditório; e por outro, não é recorrível, atentos os requisitos gerais do art. 678.º do CPC. As duas figuras em análise distin-guem-se contudo quanto ao objec-to da sanção. A litigância de má-fé

destina-se a sancionar um compor-tamento globalmente negativo da parte mediante uma avaliação de toda a lide. A taxa sancionatória pretende sancionar a prática de um acto quando estes se apresentam como meramente dilatórios.Há ainda quem entenda que este preceito seria uma versão “actuali-zada” do art. 16.º do CCJ, em que o juiz podia sancionar a parte em taxa de justiça, a fixar entre 1 UC e 10 UC “nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide” em função da sua complexidade, do processado a que deu causa ou da sua natureza manifestamente di-latória. Contudo, parece-nos que o citado art. 447.º-B permite ir bem mais lon-ge na medida em que permite san-cionar a parte que, recorrendo aos tribunais superiores, queira discutir o mérito da causa contra entendi-mento maioritário. Por outro lado, esta taxa tem natureza sancionató-ria, complementar e não substituti-va da taxa de justiça normal devida pela parte no processo. 1 - Regulamento das Custas Pro-

cessuais Anotado, Almedina, 2009.

2 - Sobre a constitucionalidade da norma, pronunciou-se o STJ no processo 4831/05.7TVLSB L1 S1 reconhecendo que não há lugar ao exercício do con-traditório.