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  • TATIANA FERREIRA DE ALMEIDA

    Anlise da disperso das populaes nativas americanas: uma abordagem gentico-fisiogrfica

    Dispersion analysis of the native american populations: a genetic-fisiographyc approach

    So Paulo2011

  • TATIANA FERREIRA DE ALMEIDA

    Anlise da disperso das populaes nativas americanas: uma abordagem gentico-fisiogrfica

    Dispersion analysis of the native american populations: a genetic-fisiographyc approach

    D i s s e r t a o a p r e s e n t a d a a o Departamento de Gentica e Biologia Evolutiva do Instituto de Biocincias da Universidade de So Paulo, para a obteno de Ttulo de Mestre em Cincias, na rea de Gentica e Biologia Evolutiva

    Orientador: Walter Alves Neves

    So Paulo2011

  • Ficha Catalogrfica

    Comisso Julgadora:

    Almeida, Tatiana FerreiraAnlise da disperso das populaes nativas americanas: uma abordagem gentico-fisiogrfica 374 Pginas

    Dissertao (Mestrado) - Instituto de Cincias da Universidade de So Paulo. Departamento de Gentica e Biologia Evolutiva

    1. Biogeografia 2. Nativos Americanos 3. Marcadores Moleculares I. Universidade de So Pau lo . Ins t i tu to de B ioc inc ias , Departamento de Gentica e Biologia Evolutiva

    _____________________________Prof(a). Dr.(a).

    _____________________________Prof(a). Dr.(a).

    _____________________________Prof(a). Dr.(a).Orientador(a)

  • Dedicatria

    Dedico este trabalho a minha me que mais uma vez abdicou de tanto por

    um sonho meu

  • Epgrafe

    Take a bone from a dog: what remains? Alice considered. The bone wouldnt remain, of course, if I took it - and the dog wouldnt remain: it would come to bite me - and Im sure I shouldnt remain! Then you think nothing would remain? said the Red Queen. I think thats the answer. Wrong, as usual, said the Red Queen: the dogs temper would remain.

    Lewis Carrol, Through the looking glass

  • Agradecimentos

    Ao meu orientador, Prof. Dr. Walter Alves Neves, pela pacincia, dedicao, perseverana e pelo exemplo cientfico;

    Ao meu co-orientador, Prof. Dr. Diogo Meyer, pelo tempo disposto e fundamental auxlio durante todo o processo de mestrado;

    Aos professores que me orientaram no percurso desta pesquisa;

    Prof. Dr. Regina Clia Mingroni e Dr. Nadia de Moraes Barros, pelas orientaes durante a qualificao que proporcionaram maior robustez minha pesquisa;

    FAPESP pelo fundamental apoio financeiro;

    minha famlia, que mesmo longe tem papel fundamental em minhas conquistas;

    minha amiga Mariana, que de perto viu todos os meus melhores e piores momentos e esteve sempre comigo;

    Aos meus amigos distantes, Clarissa, Raul e Cntia que sempre me apoiaram e mesmo durante os momentos mais atribulados no me negaram nunca sua amizade;

    Ao meu pai Airton e minha me Flvia, que sempre me apoiaram e me dedicaram um amor incondicional durante todas as minhas decises;

    E ao meu marido, Danilo, grande amor da minha vida, sem ele nada disso teria sido possvel.

  • INTRODUO! 3

    Sada da frica e teorias de disperso continentais! 4

    Gentica e Biogeografia! 17

    Uso de marcadores em estudos populacionais ! 19

    Introduo Biogeografia e seus objetivos! 24

    Biogeografia da Amrica ! 33

    MATERIAL E MTODOS! 35

    Banco de Dados ! 35

    Microssatlites! 36

    DNA mitocondrial! 37

    Localizaes geogrficas ! 40

    Banco de dados fisiogrficos (biomas)! 44

    Construo das matrizes ! 54

    Matrizes de distncia gentica ! 57

    Matrizes de distncias geogrficas/fsicas ! 62

    Matrizes de distncias fisiogrficas! 66

    Testes estatsticos! 68

    Testes de correlao ! 69

    Teste de significncia de Mantel! 70

    Algoritmo de Monmonier! 71

    RESULTADOS! 73

    DNA mitocondrial! 73

    Conjuntos menores ! 73

    Amrica global! 84

    1

  • Amrica do Norte ! 86

    Amrica do Sul! 87

    Patagnia! 89

    Regio centro norte da Amrica do Sul! 92

    Microssatlites! 94

    Amrica global! 94

    Amrica do Norte ! 96

    Amrica Central! 98

    Amrica do Sul! 99

    Algoritmo de Monmonier! 102

    DISCUSSO E CONCLUSES! 104

    Validade dos Mtodos! 104

    Distncia gentica e geografia ! 108

    Distncia gentica e fisiogrfica! 111

    RESUMO ! 114

    ABSTRACT! 115

    REFERNCIAS! 116

    ANEXOS 141

    2

  • 1. INTRODUO

    A questo norteadora deste trabalho consiste na investigao da possvel relao

    entre a estrutura gentica das populaes nativas americanas e os ambientes por elas

    ocupados, procurando compreender qual o papel das fronteiras ecolgicas no

    assentamento dessas populaes.

    Ela formada a partir da suposio de que essas fronteiras, aqui representadas por

    biomas, podem ser consideradas como parte do carter formador da estrutura gentica

    dos nativos americanos. Se a hiptese de que as barreiras fisiogrficas foram importantes

    para a estruturao da diversidade gentica desses povos estiver correta, espera-se

    encontrar uma menor distncia gentica entre as populaes que ocupam um mesmo

    ambiente, em comparao a populaes assentadas em ambientes diferentes. No

    entanto, se a hiptese no for verdadeira espera-se encontrar uma correlao no

    diferente daquela representada pelo acaso entre as distncias gentica e fisiogrfica.

    Este problema foi primeiramente levantado por James Mosimann e Paul Martin, em

    1973 (Dixon 2001), quando propuseram um modelo de ocupao da Amrica, no sentido

    norte-sul, em linhas arqueadas e paralelas (Figura 1), provocada pela busca de

    megamamferos como recursos alimentares (Martin 1973), cunhado depois o termo

    blitzkrieg1 para descrever a ocupao que provocou o extermnio da megafauna

    (ORourke 2010). Em 1991, John M. Beaton props, em contraponto a teoria de

    Mosimann & Martin, que as populaes nativas do Novo Mundo ocuparam o territrio

    americano obedecendo os limites de grandes biomas como costas, desertos, florestas e

    montanhas. Essa proposta teve grande influncia para o modelo defendido por James

    Dixon (2001), segundo o qual, os ambientes foram ocupados por populaes com

    ferramentas adaptadas a eles, sendo necessria uma readaptao da tecnologia e da

    subsistncia para a ocupao de um novo ambiente (Figura 2).

    3

    1 Nome importando de um termo de guerra, que faz aluso ao mtodo de ataques rpidos e brutais do exrcito alemo durante a segunda guerra mundial.

  • Este trabalho procura testar de forma quantitativa qual modelo explica melhor a

    diversidade gentica nativa americana atual, lanando mo de ferramentas estatsticas e

    de modelos fisiogrficos.

    Nesta introduo sero apresentados os pontos tericos necessrios para o

    desenvolvimento da hiptese e a interpretao dos resultados obtidos ao longo da

    pesquisa. A introduo foi dividida em dois grandes tpicos: o primeiro com descries

    dos modelos de disperso humana desde a origem da espcie e o segundo sobre as

    bases tcnicas de biologia molecular e biogeografia, que subsidiaro teoricamente este

    trabalho.

    1.1.Sada da frica e teorias de disperso continentais

    Este primeiro tpico foi dividido em duas partes: uma, sobre a sada da frica e a

    ocupao de territrios adjacentes, at o momento de entrada na Amrica e outra, sobre

    as teorias de disperso mais relevantes dentro do prprio continente americano.

    O Homo sapiens atualmente a espcie conhecida com mais ampla disperso no

    mundo (Foley 1993), ocupando diversas regies do planeta, abarcando, com isso, uma

    imensa gama de variaes ecolgicas. uma espcie que apresenta uma boa

    performance em diversas situaes ambientais e tem como marca a capacidade de

    adequar suas tecnologias conforme as exigncias do meio em que vive (Klein 2005).

    Devido distribuio cosmopolita dos humanos, uma questo fundamental a ser

    respondida diz respeito a como ocorreu essa distribuio, onde se originou e de que

    forma ocupou tantas regies diversas.

    Existe atualmente um consenso sobre o local aproximado do surgimento do Homo

    sapiens. Este ponto de origem est localizado no continente africano, muito

    provavelmente no leste da frica, na regio de Omo Kibbish, na atual Etipia, onde o

    4

  • mais antigo crnio de humano anatomicamente moderno foi encontrado (McDougall et al.

    2005). Outra forte evidncia da sada do homem moderno a partir da frica pode ser vista

    atravs da distribuio da diversidade gentica humana, que aponta a frica como o local

    de maior diversidade (Bowcock et al. 1994; Jin et al. 2000), alm de ser o local onde se

    encontra o ramo mais basal (quando se trata de microssatlites e polimorfismos de

    insero Alu) em anlises de filogenia (Batzer et al. 1994; Bowcock et al. 1994). Tambm

    estudos de morfologia craniana (Betti et al. 2009) e de biologia molecular (Ramachandran

    et al. 2005) demonstraram tambm uma perda progressiva de diversidade gentica

    medida que as populaes se afastam da frica, podendo ser interpretada como

    consequncia da migrao a partir do continente africano, seguindo pela Europa, Oceania

    e sia at chegar s Amricas (Handley et al. 2007). Para outras teorias de surgimento da

    espcie humana ver Wolpoff et al. (2000).

    A partir do surgimento do Homo sapiens anatomicamente moderno houve trs

    tentativas bem caracterizadas de sada da frica. A primeira, por volta de 115 mil anos

    5

    Figura 1: Mapa adaptado do trabalho de Martin (1973)

  • antes do presente (AP), que alcanou o Levante, regio onde hoje se localiza Israel

    (Stringer 2003), considerada naquela poca apenas uma extenso do territrio africano,

    sem distino da fauna e da flora africanas (Shea 2003).

    A segunda tentativa de sada da frica, h aproximadamente 85 mil anos AP, teve

    sucesso em chegar, pela poro sul da sia e Europa, at a Austrlia, porm sem

    alcanar as regies de maiores latitudes ao norte da sia (Klein 2005).

    A terceira e maior expanso a partir da frica, que chegou a latitudes extremas e

    povoou inclusive a Amrica, deu-se por volta de 55 mil anos AP (Forster & Matsumura

    2005), concomitante exploso do Paleoltico Superior (Bar-Yosef 2002). Existem teorias

    de que foi uma resposta rpida s exigncias do meio que permitiu ao ser humano

    6

    Figura 2: Mapa adaptado de Dixon (2001)

  • explorar ambientes nunca antes dominados por nenhum outro hominneo, como o

    extremo nordeste da sia e a Amrica (Hall 2004).

    Aps a terceira sada da frica, o Homo sapiens passou a ter representantes em

    todos os continentes do planeta, e para cada regio ocupada existiu uma histria

    particular de chegada e colonizao (Pavlov et al. 2001; Salas et al. 2002; Atkinson et al.

    2008).

    A distribuio gentica das populaes europias indica que desde a sada da

    frica at tempos atuais houve cinco episdios distintos de colonizao: o primeiro

    durante o Paleoltico Superior, de populaes vindas da frica; o segundo, representado

    por uma re-colonizao de populaes que se encontravam numa regio de refgio ao sul

    da Europa, aps o ltimo perodo de mximo glacial (LGM); o terceiro, constitudo de

    populaes provindas de reas desrticas aps o final do Younger Dryas2 (marcando o

    final do Pleistoceno); o quarto, consistindo na disperso de populaes localizadas mais a

    leste; e o quinto perodo formado por pequenas migraes em todo o continente devido

    s redes econmicas a partir da Idade do Cobre (Soares et al. 2010).

    A Oceania, assim como o Oriente Mdio e a Europa, forma um dos primeiros

    pontos de estabelecimento das populaes humanas aps a sada da frica. Na Austrlia

    e na Nova Guin existem stios arqueolgicos de aproximadamente 50 mil e 40 mil anos,

    respectivamente. Nessa poca, esses territrios estavam unidos, devido retrao dos

    oceanos, como consequncia do sequestro de gua marinha nos plos (Clark 2001), e

    sua juno foi denominada Sahul. Alguns cientistas acreditam que a ocupao da

    Australia e da Nova Guin se deu de forma independente, outros acreditam que as

    populaes que saram da frica se estabeleceram em Sahul, ocupando os dois lugares

    ao mesmo tempo. As ilhas mais distantes da Australia e da Nova Guin foram

    7

    2 Mantido o termo Younger Dryas, por falta de uma traduo para o portugus que seja to adequada quanto o original. Na traduo de Marcos Santarrita, da obra de Steven Mithen (2003), Depois do Gelo: uma histria humana global 20.000-5.000 a.C., o termo foi traduzido por Jovem Dryas.

  • posteriormente ocupadas, tendo um componente melansico (do sudeste da sia)

    bastante importante. Ainda no se tem certeza de que rota foi seguida para se chegar

    Oceania, mas existem fortes evidncias de que a ocupao desta regio se deu por uma

    rota ao sul da sia, entrando pela ndia (Kayser 2010).

    Neste mesmo sentido, aps a sada da frica, houve tambm a colonizao da

    sia, a partir de sua poro sul, na regio onde atualmente se encontra a ndia, o

    Paquisto, o Nepal, o Buto, Bangladesh, o Sri Lanka e Mianma. Ainda no est claro

    quantas migraes foram responsveis pela estruturao das populaes na regio, mas

    acredita-se que existiram duas rotas principais a partir da frica, uma vinda pelo norte,

    atravs do Vale do Nilo e outra pelo sul, passando pela Pennsula da Somlia, atravs do

    Mar Vermelho, pela costa da ndia, sendo esta via pelo sul a mais antiga (Majumder

    2010).

    Aps a ocupao do sul da sia, sua regio leste foi naturalmente ocupada pelas

    populaes humanas em decorrncia dos deslocamentos posteriores. Acredita-se que

    foram dois grandes eventos de expanso: o primeiro, h 50-100 mil anos pela rota sul,

    atravessando a Arbia Saudita e a costa da ndia e o segundo, entre 15-50 mil anos atrs

    pelo norte do Himalaia. A ocupao do leste da sia ocorreu, conforme mostra grande

    parte dos resultados em biologia molecular, de sul para norte, at atingir altas latitudes no

    extremo nordeste (Stoneking & Delfin 2010).

    Em torno de 27 mil anos atrs comearam os primeiros movimentos para a

    ocupao da Sibria. Esta data baseada tanto nos achados de stios arqueolgicos na

    regio do Rio Yana, na Sibria (Pitulko et al. 2004), quanto no relgio molecular de

    hapltipos de DNA mitocondrial (Achilli et al. 2008; Fagundes et al. 2008a).

    Aps ocupar o extremo nordeste da sia, o homem permaneceu na regio por um

    determinado perodo antes da entrada na Amrica (Waguespack 2007). Na poca da

    ocupao humana, por volta de 30.000 anos AP, a paisagem nesta regio era bastante

    8

  • diferente da que hoje (Alfimov 2001). A retrao dos oceanos, que teve por

    consequncia a exposio de pores de terra atualmente submersas, alm de Sahul,

    formou tambm a Berngia, regio entre o nordeste da sia e o noroeste da Amrica, que

    cobria desde Kolyma, prximo ao Rio Lena, a oeste, at o territrio de Yukon, a leste

    (Guthrie 2001; Tamm et. al. 2007). Essa exposio de terra resultou em regies de refgio

    com um clima mais ameno para as populaes de animais que ali viviam, formando um

    osis de flora e fauna em meio a regies permanentemente congeladas, viabilizando

    possibilidades de caa e de coleta aos humanos (Guthrie 2006).

    Porm, paradoxalmente, o ambiente frio, ao mesmo tempo em que exps um

    caminho terrestre que ligava a sia e a Amrica, tambm impediu a migrao para dentro

    da Amrica, com barreiras de gelo nas altas latitudes, obrigando assim que as populaes

    migrantes permanecessem na Berngia (Kitchen et al. 2008). Durante esta permanncia

    na Berngia, que ocorreu entre 30 a 20 mil anos atrs (Kitchen et al. 2008; Tamm et al.

    2007), as populaes se diferenciaram de seus ancestrais tanto por processos de deriva

    populacional, quanto por processos seletivos relacionados principalmente ao clima

    (Roseman & Weaver 2004).

    Os stios arqueolgicos mais antigos encontrados na Amrica, fora da regio da

    Berngia, datam de aproximadamente 12.000 14C 3 anos atrs (Waguespack 2007), sendo

    a evidncia mais antiga de humanos na Amrica do Norte estabelecida pela presena de

    coprlitos de aproximadamente 12.300 14C anos atrs, no estado do Oregon nos EUA

    (Thomas et al. 2008). O mais antigo stio arqueolgico da Amrica do Sul encontrado no

    Chile (Dillehay 2009), data de aproximadamente 12.500 14C AP (Lewin 1998).

    Adicionalmente, o esqueleto humano mais antigo, diretamente datado, encontrado na

    Amrica de aproximadamente 11.000 14C AP (Waters et al. 2007). Poucas so as

    controvrsias nesse sentido, porm, pesquisadores no Brasil acreditam que possa ter

    9

    3 Dataes marcadas com 14C denotam os anos pela datao da queda do istopo de carbono 14, sem a correo devida perda no contnua de carbono 14.

  • havido uma colonizao muito anterior, marcada pela entrada das populaes na Amrica

    por volta de 100 mil anos atrs, estimativa essa, baseada na datao de uma pintura

    rupestre na cidade de So Raimundo Nonato no Piau de 34 mil anos atrs (Guidon

    2008).

    Uma vez discutidas as possveis datas de entrada para os primeiros habitantes da

    Amrica, outro ponto importante a ser esclarecido para a compreenso da ocupao do

    continente o caminho por onde entraram. senso comum que todas as populaes

    nativas americanas entraram pelo norte, atravs do estreito de Bering (Powell & Neves

    1999; Kitchen et al. 2008). Porm, existem hipteses, que no podem ser totalmente

    refutadas, de rotas alternativas. Uma dessas hipteses sugere que a entrada na Amrica

    se deu por via martima vinda do centro-leste da sia, tendo como apoio a presena de

    um haplogrupo mitocondrial presente nesta regio da sia, na Austrlia e na Amrica,

    porm ausente no extremo nordeste da sia (Wilson 2008). Uma hiptese alternativa de

    rota, para a chegada s Amricas, seria atravs da Polinsia. Os achados que sugerem

    esta rota so de parasitas humanos presentes em esqueletos antigos, que no seriam

    capazes de sobreviver migrao pela Sibria devido s baixas temperaturas (Araujo et

    al. 2008), e tambm pela existncia do stio arqueolgico em So Raimundo Nonato,

    citado anteriormente, no qual seria impossvel chegar pelo norte do continente, que at

    19.000 AP estava coberto por gelo (Brigham-Grette 2001).

    Tendo em mente quando e por onde as populaes que saram da frica, e que

    povoaram a Europa, a sia e a Oceania, chegaram ao continente americano natural

    que surja a pergunta: em que condies essas populaes entraram no novo continente?

    De acordo com os achados da gentica, principalmente baseados em haplogrupos de

    DNA mitocondrial, chegou-se a pensar em diversos nmeros de ondas migratrias para a

    entrada no Novo Mundo (Schurr 2004), sendo que atualmente o grande embate se d

    10

  • entre modelos que propem uma nica migrao (Fagundes et al. 2008b) e outros que

    sugerem mais de um evento migratrio (Hubbe et al. 2010 e Perego et al. 2009).

    O cenrio gentico atual das populaes nativas americanas usado como base

    para prever como era este cenrio no momento da entrada no Novo Mundo. Os primeiros

    estudos feitos em populaes americanas, com o intuito de compreender os processos de

    migrao, utilizaram marcadores clssicos, que so protenas geralmente polimrficas e

    que permitem inferir gentipos facilmente (ORourke 1992; Callegari-Jacques et al. 1994).

    Para ORourke (1992), os marcadores clssicos de antgenos de clulas

    sanguneas revelaram um padro evidente de cline de norte para sul na Amrica do

    Norte, um padro menos forte para a Amrica Central, e nenhuma correlao, ao

    contrrio de Salzano e Callegari-Jacques (Salzano 1988), entre geografia e gentica para

    as populaes da Amrica do Sul.

    O DNA mitocondrial para as populaes nativas americanas representado por

    cinco haplogrupos A, B, C, D e X (Merriwether 1995), sendo os autctones achados nas

    populaes nativas americanas: A2, B2, C1, D1 e X2a (Achilli et al. 2008; Fagundes et al.

    2008a). Conforme descrito mais recentemente, os haplogrupos fundadores das

    populaes nativas americanas so: B2, X2g, X2a, A2, A2a, A2b, C1b, C1c, C1d, C1d1,

    C4c, D1, D2a, D3 e D4h3a (Perego et al. 2010; Malhi et al. 2010). Todos esses

    haplogrupos so provenientes das linhagens ancestrais, N, M e R, que so, por sua vez,

    provindas da linhagem L3, africana. (Perego et al. 2010). Estudos de biologia molecular

    em esqueletos antigos evidenciaram a presena do haplogrupo M na Amrica, que

    atualmente no est mais presente entre os nativos americanos (Malhi et al. 2007).

    Em termos de distribuio dos haplogrupos na Amrica, o haplogrupo A diminui de

    frequncia de norte para sul, enquanto C e D aumentam nessa direo (Schurr 2004). O

    haplogrupo B apresenta outro padro de disperso, estando presente na Amrica do Sul,

    11

  • Central e no sudoeste da Amrica do Norte (Wilson 2008). Todos estes haplogrupos so

    encontrados em populaes asiticas (Fagundes et al. 2008).

    O cromossomo Y representado na Amrica pelos haplogrupos Q-M3, R1a1-M17,

    P-M45, F-M89 e CM130, sendo QM3 e P-M45 representantes da maioria dos haplogrupos

    nativos americanos. O haplogrupo QM3 est presente em todas as populaes nativas

    americanas estudadas e apresenta um aumento de frequncia de norte para sul (Schurr &

    Sherry 2004).

    O uso de microssatlites autossmicos traz algumas vantagens sobre as anlises

    com cromossomo Y, DNA mitocondrial e marcadores clssicos. Os microssatlites so

    informativos sobre a herana materna e paterna simultaneamente, alm de apresentar um

    padro neutro de evoluo e um alto grau de resoluo de polimorfismos, j que

    apresenta a maior taxa de polimorfismos dentre os trs marcadores citados acima

    (quando no se utilizam abordagens de sequenciamento). As anlises com esses

    marcadores demonstram que as populaes nativas americanas experimentaram

    sucessivos gargalos populacionais a partir do estreito de Bering at o sul da Amrica

    (Wang et al. 2007).

    Estudos de inseres Alu demonstraram afinidades das populaes das Amricas

    com as populaes asiticas e colocaram os nativos americanos em uma posio

    intermediria ao sudeste e o nordeste asitico (Battilana et al. 2006). Novick e

    colaboradores (1998) encontraram uma menor variabilidade nos stios de insero Alu

    para as populaes nativas americanas quando comparadas com o restante do mundo,

    sugerindo uma forte ao de gargalo populacional e deriva gentica nas populaes que

    entraram no continente (Novick et al. 1998).

    Tendo em vista este cenrio geral de distribuio da diversidade gentica nas

    populaes nativas americanas atuais, pode-se pensar sobre como essa distribuio foi

    atingida. Sendo importante compreender em qual arranjo essas populaes iniciaram o

    12

  • processo de povoamento para depois entender como se deu a disperso deste arranjo

    inicial e mais tarde por qual motivo as populaes nativas americanas esto alocadas da

    forma como so vistas hoje.

    A explicao mais econmica para a ocupao das Amricas a de que todos os

    nativos americanos so originrios de um nico evento migratrio que continha todos os

    haplogrupos encontrados entre os nativos atuais, tanto de DNA mitocondrial, quanto de

    cromossomo Y, a partir da sia (Bonatto & Salzano 1997; Novick et al. 1998; Fagundes et

    al. 2008a). Esta afirmao baseada nos achados de tempo de disperso comum entre

    os 5 haplogrupos de DNA mitocondrial (Fagundes et al. 2008b) e na presena de um

    mesmo alelo de microssatlite compartilhado por todas as populaes nativas do Novo

    Mundo (Schroeder et al. 2007; Schroeder et al. 2009). Porm, o modelo de uma nica

    migrao no , para alguns, a melhor explicao para os achados genticos em nativos

    americanos, levando muitos pesquisadores a propor modelos alternativos (Ray et al.

    2010; Perego et al. 2009; Volodko et al. 2008).

    Karafet e colaboradores (1999), estudando a variabilidade do cromossomo Y,

    propuseram um modelo de mais de uma migrao paternal a partir da regio do Lago

    Baikal. Estudos baseados em DNA mitocondrial tambm questionam a migrao nica

    confirmando a possibilidade de mais de uma migrao. Perego e colaboradores (2009),

    num estudo de sequncias de DNA mitocondrial, retomaram a idia de duas rotas de

    entrada na Amrica, uma mais antiga pela costa oeste, responsvel pela presena de um

    haplogrupo raro (D4h3) nas populaes que atualmente ocupam a costa do Pacfico, e

    outra mais recente, pelo interior da Amrica do Norte, entre os lenis de gelo Laurentidea

    e Cordileriana, devido presena de outro haplogrupo raro X2a, exclusivamente nas

    populaes desta regio (Perego et al. 2009). Outro grupo de pesquisadores sugere ao

    menos duas migraes distintas para a formao do pool gentico das populaes de

    esquims da Groenlndia (Gilbert et al. 2008). Ainda em 2008, Volodko e colaboradores

    13

  • publicaram um artigo sugerindo duas fontes populacionais de origem Siberiana para a

    formao da estrutura gentica dos nativos americanos (Volodko et al. 2008).

    Os dados de microssatlites autossmicos no contradizem a teoria de migrao

    nica, porm no testaram explicitamente as outras possibilidades (Wang et al. 2007).

    Mais recentemente, Ray e colaboradores, tambm baseados em dados de microssatlites

    e utilizando mtodos de estatstica Bayesiana, testaram trs modelos de migrao para as

    Amricas: um, consistindo em um modelo com uma onda migratria; outro, com duas

    ondas migratrias; e um terceiro, sem um nmero fixo de ondas migratrias, mas que

    permitiria um fluxo gnico contnuo entre as populaes asiticas e americanas. Este

    ltimo modelo explicou melhor os dados genticos atuais (Ray et al. 2010).

    Alm da biologia molecular, a paleoantropologia e a arqueologia tambm discutem

    como o Novo Mundo foi inicialmente ocupado e, com base em dados de morfologia

    craniana, propem modelos que explicam esta entrada. Um modelo proposto em 1989 por

    Neves & Pucciarelli, com base no estudo de crnios antigos de nativos americanos,

    sugere a ocupao das Amricas por dois grupos humanos diferentes, o que indicaria ao

    menos duas migraes para o continente. O modelo paleoantropolgico foi depois

    reafirmado por outros pesquisadores (Gonzalez-Jose et al. 2001) e apesar de no se

    preocupar a fundo com o nmero exato de migraes, afirma que dois padres distintos

    de morfologia humana povoaram as Amricas (Neves & Hubbe 2005).

    Uma populao com morfologia mais generalizada, crnio longo e faces baixas,

    habitou o continente antes da chegada dos povos com morfologia mongolide, de crnio

    curto e faces altas (Neves et al. 2003). Os crnios de morfologia generalizada foram

    encontrados nas regies de Lagoa Santa, no Brasil, Terra do Fogo, no Chile, Baixa

    Califrnia, no Mxico, nos Estados Unidos e arredores de Bogot, na Colmbia

    (Gonzalez-Jose et al. 2003; Neves et al. 2007a e Neves et al 2007b). Esses crnios

    datam de 9.330 14C a 3.135 14C anos atrs (Neves et al. 1999; Neves et al. 2007a) e

    14

  • alguns acreditam que ainda possam existir remanescentes desse povo entre os nativos

    americanos atuais (Lvi-Strauss 2004; Atu 2005).

    Recentemente Gonzles-Jos et al. (2008), numa tentativa de combinar os

    conhecimentos gerados at hoje pela biologia molecular e pela paleoantropologia de

    forma multidisciplinar, chegaram concluso que a Amrica recebeu o influxo de vrias

    migraes de uma mesma populao que sofreu processos microevolutivos e passou de

    uma morfologia mais generalizada para uma mongolide mais especializada, na Sibria.

    Apesar de no haver consenso sobre como os primeiros americanos vieram para

    o Novo Mundo, fato indiscutvel que chegaram s Amricas e povoaram o continente

    com as mais diversas culturas e lnguas. Para uniformizar as descries e discusses

    sero usados os pontos de maior consenso sobre a entrada e as dataes dos primeiros

    ocupantes do continente. Neste trabalho ser adotada a rota de chegada pela Berngia,

    por ser a mais provvel, desconsiderando as demais possibilidades. As datas de at

    20.000 anos para a entrada no continente sero tambm adotadas pelos mesmos

    motivos.

    A viso mais atual sobre a disperso dos nativos americanos mostra que uma rota

    costeira partindo do estreito de Bering at a Amrica do Sul, talvez tenha sido a primeira

    forma de entrada e ocupao do continente (Waguespack 2007; Perego et al. 2009). H

    indcios de que a costa oeste da Amrica estava livre de gelo desde aproximadamente

    19.000 anos atrs (Hall 2004), o que proporcionou uma rota de disperso relativamente

    rpida (Fix 2005), como indicam os achados em Monte Verde, no Chile, Quebrada

    Jaguay, no Peru, Arlington Springs, na California e On-Your-Knees Cave, no Alaska,

    datados de 12.500 a 9.200 14C anos AP (Dillehay 1997; Waguespack 2007), alm de

    simulaes de percurso com microssatlites que demonstraram que entre uma rota

    costeira e outra pelo interior, a primeira se encaixa melhor na distribuio gentica atual

    das populaes nativas americanas (Wang et al. 2007). Contudo, essas evidncias no

    15

  • descartam a possibilidade de ocupao por rotas interioranas, atravs do corredor livre de

    gelo, com presena de stios arqueolgicos nesta regio datados de aproximadamente

    11.000 14C (Waguespack 2007) e recentemente retomada por Perego et al. (2009) com

    anlises de alelos raros de DNA mitocondrial.

    Tanto a rota costeira quanto a rota interiorana assumem uma entrada pelo norte do

    continente com posterior ocupao at chegada ao extremo sul, padro este confirmado

    por dados de microssatlites (Wang et al. 2007). Alm disso, existe uma discusso sobre

    a distribuio das populaes em um sentido longitudinal. Tarazona-Santos et al. (2001),

    com base em dados de cromossomo Y, observaram uma diversidade gentica maior para

    os povos localizados a oeste quando comparados s populaes a leste. De acordo com

    esses autores, esse padro poderia ser explicado por um nmero de indivduos

    fundadores maior, e maior fluxo gnico, nas populaes a oeste de que a leste da

    Amrica do Sul. J para Pucciarelli et al. (2006 & 2008), os dados de morfologia craniana

    mostraram um padro de diferenciao entre as populaes localizadas no oeste e no

    leste, e indicam que, ao contrrio do visto por Tarazona-Santos et al., essa diferena entre

    as duas localidades no resultado de uma divergncia na quantidade de variao

    presente em cada lado, mas sim que ocorreu padres diferentes de fluxo gnico, de

    tamanhos de populaes fundadoras e de intensidade de deriva gentica entre as regies

    leste e oeste do continente, assim como parcialmente sugerido por Fuselli et al. (2003).

    O cenrio gentico das populaes nativas americanas atuais bastante diferente

    daquele de populaes em outros pontos do mundo e as explicaes de como se deu a

    ocupao do territrio americano podem ser de extremo auxlio para entender essa

    singularidade. As populaes nativas americanas so o grupo mais homogneo do

    planeta, constitudo de baixa heterozigosidade, com populaes muito uniformes

    internamente e que por consequncia aparentam uma grande distncia gentica entre si

    (Rosenberg et al. 2002).

    16

  • Para explicar este carter peculiar das populaes nativas americanas Neel e

    Salzano propuseram na dcada de 1960 a teoria de fisso e fuso (Neel & Salzano,

    1967). Esta teoria trabalha com a idia de que as populaes nativas se uniriam em

    situao de abundncia, mas se separariam em pequenas populaes endogmicas em

    situaes de escassez (Steward 1963; Hunley et al. 2008).

    O mesmo carter tambm poderia ser explicado como uma consequncia de

    deriva extrema, devido ao pequeno tamanho populacional, baixo fluxo gnico entre as

    populaes fundadoras e pelos inmeros gargalos populacionais sofridos durante a

    ocupao (Monsalve et al. 1999). No entanto, foi observado, ao menos para as

    populaes nativas do nordeste da Amrica do Norte, um grande fluxo gnico entre

    populaes em regies prximas, o que diminuiria o efeito da deriva (Shook & Smith

    2008).

    Em resumo, as populaes nativas americanas apresentam um padro de variao

    gnica muito singular, que pode ser resultado de uma histria demogrfica particular em

    que uma grande regio foi povoada de forma rpida por grupos de tamanho populacional

    pequeno e que permaneceram de certa forma endogmicos, evitando assim a

    homogenizao entre populaes.

    A colonizao da Amrica est longe de ser completamente entendida e ainda

    apresenta muitas controvrsias quanto ao tempo de entrada, quais e quantas populaes

    foram responsveis pela formao do pool gentico dos nativos americanos atuais e

    quais rotas foram utilizadas por essas populaes para chegarem ao Novo Mundo (Schurr

    & Sherry 2004).

    1.2.Gentica e Biogeografia

    Este segundo tpico foi dividido em trs partes; a primeira, dedicada descrio de

    mtodos de biologia molecular utilizados para a compreenso dos processos evolutivos e

    17

  • estudos populacionais. A sua importncia bastante clara ao se perceber que, sem

    conhecimentos bsicos sobre alguns conceitos em gentica, no se pode obter de forma

    correta a total compreenso do texto. Alm disso, a falta de conhecimento sobre as

    tcnicas aplicadas nos estudos de gentica impossibilita uma correta leitura dos

    resultados, pois intrinsecamente a cada resultado obtido existem limitaes inerentes aos

    marcadores e aos mtodos empregados.

    A segunda parte enfatiza, atravs de um resumo histrico da Biogeografia, como as

    relaes entre as espcies e os indivduos com o ambiente esto diretamente

    relacionadas teoria evolutiva e como as metodologias criadas para a avaliao dessas

    relaes influenciam profundamente os resultados. Sua relevncia para o presente

    trabalho ainda bastante discreta, pois no foram usadas metodologias especficas, mas

    sim, anlises preliminares.

    A terceira parte apresenta o cenrio ambiental em que se encontrava a Amrica

    desde o momento da colonizao at o momento atual. Tal caracterizao importante

    do ponto de vista tcnico e terico, pois a entrada e a colonizao do continente

    americano se deram durante um perodo de grande mudana ambiental, em uma regio

    que inclusive atualmente abarca uma grande variedade de ambientes.

    A ocupao da savana em detrimento da floresta que estava diminuindo, a

    explorao de novos territrios com a sada da frica, a relao com os outros animais ao

    passar de carniceiro a caador so exemplos de como o ambiente importante para a

    histria da evoluo humana e como assinaturas genticas e fenotpicas podem ajudar a

    reconstruir a insero das linhagens humanas nos cenrios evolutivos passados

    (Martinn-Torres et al. 2007; Thorpe et al. 2007). Para tanto fundamental conhecer as

    teorias da Biologia Molecular e da Ecologia que se ocupam em descrever e explicar quais

    mudanas ocorreram na espcie humana e por quais motivos elas aconteceram.

    18

  • 1.2.1.Uso de marcadores em estudos populacionais

    Nos primrdios dos estudos dos mecanismos de evoluo, especialmente a partir

    da proposio dos mecanismos da Seleo Natural, descobriu-se que a grande

    variabilidade nos seres vivos contribuiu enormemente para a possibilidade de mudana e

    formao de novas espcies (Darwin 2004). Porm, no se tinha idia, poca, como

    essas diferenas eram passadas aos descendentes e por quais meios elas permaneciam

    na nova populao ou espcie (Zimmer 2001).

    Mesmo sem compreender corretamente como os mecanismos de herana

    funcionavam, Darwin foi capaz de descrever o fenmeno de forma to completa que ele

    usado at hoje praticamente da mesma forma em que foi proposto. A Seleo Natural

    descreve um dos meios pelos quais ocorrem as mudanas nas populaes ao longo do

    tempo e tem como consequncia a evoluo biolgica. A partir de uma enorme gama de

    variaes dentro das populaes locais, os indivduos que, devido a foras exercidas pelo

    ambiente, conseguem deixar um maior nmero de descendentes, quando comparados a

    outros indivduos da mesma populao, deixam suas caractersticas mais frequentemente

    representadas na prxima gerao e com o passar do tempo a populao em questo se

    modifica (Darwin 2004). Atualmente, tambm se acredita que essas mudanas no

    ocorrem apenas de forma gradual, mas tambm por grandes saltos de mudanas

    drsticas (Gould & Eldredge 1993).

    Com os trabalhos de Gregor Mendel, redescobertos em torno de 1900, comeou-

    se a entender como as caractersticas so passadas gerao a gerao e o que as faziam

    se apresentar como eram (Griffiths 2006). Atualmente, os conceitos de gentipo e fentipo

    ficaram mais complexos e para se entender a fundo o que significam necessrio ter em

    mente outros conceitos mais bsicos como os de alelo e de locus.

    O alelo pode ser definido como uma variante de DNA (seja por sequncia ou

    tamanho) presente em um locus cromossmico, sendo este ltimo entendido pelo local

    19

  • fsico no cromossomo que a sequncia de DNA em questo ocupa. No DNA de todos os

    organismos vivos, para cada locus existe um ou mais alelos correspondentes. Naqueles

    seres constitudos por um par de cromossomos o locus o mesmo para os dois, podendo

    os alelos em um locus do mesmo indivduo serem iguais (indivduo classificado como

    homozigoto) ou distintos (indivduo classificado como heterozigoto) (Griffiths 2006; Ridley

    2006). Apesar de o nmero de alelos no exceder o nmero de loci em um indivduo

    possvel que haja na populao mais alelos do que loci naquela espcie (Griffiths 2006).

    Tendo em mente os conceitos de locus e alelo, os atuais conceitos de gentipo e

    fentipo podem ser caracterizados como: gentipo sendo a composio especfica de

    alelo(s) de uma clula ou indivduo respeitando a diviso por loci e fentipo como a

    manifestao externa dos gentipos, por meio de caractersticas fsicas, comportamentais

    e bioqumicas de um indivduo (Griffiths 2006; Ridley 2006).

    Primeiramente, o exame do gentipo era feito com base em fentipos discretos,

    assim como os primeiros trabalhos de Mendel sobre a herana gentica (Griffiths 2006).

    Contudo, essas caractersticas, alm de serem difceis de ocorrer, pois a maioria dos

    caracteres fenotpicos determinada por interaes entre mais de um gene (Ridley 2006),

    muitas vezes no apresentavam variaes (polimorfismos) suficientes. Alm disso,

    fentipos podem ter sido fixados por foras seletivas e no indicar, portanto,

    ancestralidade comum.

    A fora seletiva e a baixa quantidade de polimorfismos dificultam as anlises de

    caracteres quando se tratam de populaes. Para suprimir tais dificuldades tcnicas

    foram desenvolvidas as anlises de protenas. A separao de enzimas em gel de

    polmero uma delas. Aps a separao, as diferentes posies das enzimas so

    reveladas pela reao com seu substrato. Presume-se tambm que essas alteraes

    teriam carter neutro, uma vez que a enzima continua com a sua funo preservada,

    mesmo ocupando pontos diferentes no gel de polmero (Murphy 1996). Em meados de

    20

  • 1950, foram obtidos os primeiros sequenciamentos de protenas, que so fruto da

    transcrio e da traduo direta da sequncia de DNA (Avise 1994). Entretanto, ainda no

    tinha sido encontrada uma fonte confivel de informaes sobre o material de transmisso

    gentica, pois as protenas que apresentam a mesma velocidade de corrida em gel, ou a

    mesma sequncia, no garantem de forma alguma a certeza de ancestralidade e muito

    menos que os polimorfismos encontrados sejam evolutivamente neutros (Raybould et al.

    1996).

    O desenvolvimento de tcnicas que avaliassem diretamente a molcula de DNA foi

    o passo consequente dos esforos para se compreender as variaes populacionais.

    Com a idealizao da tcnica de reao em cadeia de polimerase (polimerase chain

    reaction - PCR) tornou-se possvel amplificar a poro do DNA desejada em quantidade

    suficiente para se fazer anlises em gel de trama polmera ou at mesmo

    sequenciamento das bases nucleotdicas da fita de DNA. Apenas a poro desejada

    estaria presente na anlise, sem contaminaes com outras pores que poderiam levar

    a concluses equivocadas (Palumbi 1996).

    Outro recurso desenvolvido para a observao direta do material gentico a

    anlise de fragmentos obtidos por enzimas de restrio. Esta tcnica consiste em cortar a

    fita de DNA em pontos especficos marcados por tais enzimas. O DNA digerido colocado

    em um gel de trama polmera que permite movimentao dos fragmentos e sua

    separao por tamanho e/ou conformao. As variaes nos padres de fragmentos so

    chamados pela sigla RFLP (Restriction Fragments Lentgh Polymorphisms)4. Apesar do

    grande avano esta tcnica apresenta, mesmo que em menor escala e com um olhar

    direto sobre o material gentico, os mesmos problemas descritos anteriormente para as

    protenas (Dowling 1996).

    21

    4 Traduzido diretamente do ingls os RFLP so polimorfirmos de comprimento gerados por enzimas de restrio.

  • Parte desses problemas pode ser contornada com a amplificao de regies

    especficas do DNA, que so altamente polimrficas e sabidamente no esto sob

    seleo. Essas regies denominadas de microssatlites e minissatlites so pores de

    repetio de nucleotdeos que so contabilizados pelo tamanho de cada fragmento (Li et

    al. 2002). Outras regies no codificadoras presentes ao longo do DNA nuclear e

    mitocondrial tambm podem ser usadas com o mesmo objetivo.

    O sequenciamento direto do DNA, apesar de mais custoso e demorado em relao

    aos mtodos discutidos anteriormente, tambm bastante utilizado, por permitir uma alta

    preciso na contabilizao de mutaes e na quantidade de polimorfismos de qualquer

    regio do DNA. Ele pode ser feito de diversas maneiras, sendo a tcnica de

    sequenciamento de Sanger a mais utilizada atualmente por sequenciadores automticos

    (Hillis 1996).

    Mesmo com os dados brutos sobre gentipos e fentipos em mos, necessrio

    ainda o uso de ferramentas estatsticas para que seja possvel explicar como e porque a

    distribuio das variantes se encontram nas populaes da forma como esto. O

    conhecimento da herana gentica e dos mecanismos de determinao de caractersticas

    herdadas no suficiente para inferir as consequncias dos mecanismos de ao da

    evoluo para as populaes. Para tanto faz-se necessria uma disciplina que contabilize

    as heranas parentais no mbito populacional atravs de geraes e permita a

    formulao de modelos microevolutivos, para que os efeitos da evoluo possam ser

    detectados e previstos. Tal disciplina conhecida como Gentica de Populaes

    (Templeton 2006), e tenta solucionar questes especficas de um grande problema geral,

    como as espcies e as populaes deixaram de ser como eram no passado e se

    tornaram como so no presente (Gillespie 2004; Templeton 2006)?

    Os estudos de gentica de populaes mostraram a importncia de outro

    mecanismo evolutivo, a deriva gentica. Neste mecanismo, os genes que formam uma

    22

  • gerao so antes de tudo uma amostra aleatria dos genes que estavam na gerao

    anterior. Assim, alm do valor adaptativo da caracterstica ou do indivduo, os efeitos de

    amostragem para a formao da gerao seguinte teriam tambm grande importncia na

    fixao, na extino e na alterao de frequncias de caractersticas e na formao de

    novas espcies (Ridley 2006). Na dcada de 1930 e 1940, as teorias evolutivas foram

    unidas na sntese moderna que abarcava os eventos randmicos, como a deriva

    gentica, e os eventos determinsticos como a seleo natural. A nova sntese moderna,

    alm dessas foras descritas, acrescentou a resposta randmica, as limitaes

    mutacionais e as epigenticas (Mayr 1970).

    O primeiro modelo estatstico sobre estrutura populacional pelo ponto de vista

    evolutivo foi o modelo de Equilbrio de Hardy-Weinberg (Ridley 2006). De acordo com ele,

    as frequncias gnicas de uma populao permanecem as mesmas ao longo das

    geraes e as frequncias genotpicas devem estar nas propores p2, 2pq e q2 (p2 e q2

    para os gentipos homozigotos e 2pq para os gentipos heterozigotos, considerando uma

    populao com indivduos diplides com apenas 2 alelos polimrficos (p e q) no locus em

    questo). Para que este equilbrio seja mantido ao longo das geraes preciso que no

    haja qualquer mecanismo de evoluo atuando na populao (Falconer 1996). A partir

    desse modelo possvel fazer previses de como os mecanismos evolutivos afetaro as

    frequncias gnicas e genotpicas das populaes e quais frequncias sero as

    esperadas ao longo das geraes (Beiguelman 1994). Algumas foras evolutivas, como a

    mutao, o endocruzamento, o fluxo gnico, a deriva gentica e a seleo natural so

    bem compreendidas teoricamente e podem ser analisadas matematicamente a partir do

    modelo de Equilbrio de Hardy-Weinberg (Gillespie 2004).

    Um ponto fundamental na aplicao das teorias evolutivas, ao se analisar a histria

    e a estrutura de uma populao, consiste em observar a poro mais adequada do

    material gentico a ser investigado (Avise 1994). Dentro destes aspectos, os marcadores

    23

  • mais adequados para revelar a histria demogrfica e a estrutura de uma populao so

    os que apresentam padres evolutivos neutros e grandes polimorfismos.

    Sem a atuao da Seleo Natural de forma primordial possvel obter uma boa

    estimativa da histria demogrfica da populao, atravs da teoria de coalescncia.

    Porm, quando a seleo est presente ela altera expectativas e frequncias, podendo

    ser estudada para um gene especfico, tornando difcil a anlise da histria demogrfica

    populacional (Templeton 2006). Os marcadores sob seleo tambm podem revelar

    detalhes da histria populacional, mas devem ser usados com cautela, uma vez que duas

    populaes diferentes podem apresentar as mesmas frequncias gnicas devido a uma

    convergncia seletiva e no por compartilhar uma histria recente comum (Gillespie

    2004). J o polimorfismo necessrio para se ter material para comparao. Um mesmo

    alelo presente em duas populaes, de um marcador com poucos alelos, no

    necessariamente um indicativo de histria demogrfica comum, mas apenas uma

    consequncia de se ter poucas variantes. Em contrapartida, um excesso de polimorfismos

    pode tornar difcil a anlise populacional devido possibilidade de diviso excessiva da

    populao, criando identidades familiares e no populacionais.

    Os estudos evolutivos dos diferentes taxa podem ser feitos, em princpio, com

    qualquer marcador gentico, mas as concluses retiradas dos resultados obtidos devem

    ser bastante cuidadosas, no sentido de no fazer formulaes tericas para as quais os

    marcadores em questo no so adequados

    1.2.2.Introduo Biogeografia e seus objetivos

    A Biogeografia o estudo da distribuio dos seres vivos no ambiente e de como a

    diversidade biolgica varia na superfcie da Terra, tanto no passado quanto no presente.

    uma disciplina sinttica que envolve outras reas da cincia como a gentica, a

    24

  • sistemtica, a paleontologia e a geologia. O desenvolvimento dessas disciplinas influencia

    diretamente o andamento das pesquisas em Biogeografia (Lomolino 2005).

    O conhecimento da distribuio dos animais e das plantas no planeta sempre esteve

    presente na histria humana, pois de grande importncia conseguir identificar no

    ambiente quais os seres vivos que co-habitam e que podem ser usados como recursos

    (Lvi-Strauss 2004). Os primeiros estudos envolvendo os conceitos gerais da

    Biogeografia so de Aristteles, no sculo IV AC. Na poca da colonizao das Amricas

    pelos europeus, mesmo no sendo uma disciplina formal, a Biogeografia ganhou muita

    fora devido necessidade de se compreender os novos seres presentes nas terras

    recm descobertas (Lomolino 2005).

    Antes da publicao da Origem das Espcies em 1859 e da consolidao das teorias

    evolutivas, acreditava-se que os seres vivos eram imutveis e muitas teorias foram

    elaboradas para explicar a distribuio deles no planeta (Nelson 1978). No sculo XVIII,

    Carolus Linnaeus publicou trabalhos em que descrevia o padro de distribuio da

    diversidade biolgica conhecida na poca, adotando uma teoria de que os seres vivos,

    criados por Deus, eram dispersos a partir de um nico ponto de origem (Linnaeus 2004;

    Lomolino 2005).

    Aps Linnaeus, ainda no sculo XVIII, George-Louis Leclerc, conhecido como conde

    de Buffon, tambm havia observado que as espcies eram diferentes dependendo do

    lugar onde estivessem e que teriam condies prprias para suportar as presses do

    meio (Leclerc 2004). Ele postulou uma lei, conhecida como o primeiro princpio da

    Biogeografia a lei de Buffon estabelecendo que regies ambientais similares, porm

    isoladas, apresentam diferentes tipos de mamferos e pssaros. O que foi demonstrado

    mais tarde ser aplicvel para os outros seres vivos (Lomolino 2005).

    Christian Bergman e Joel Asaph Allen, no sculo XVIII, criaram postulados que

    relacionavam a morfologia dos corpos dos animais com o clima. Estes postulados

    25

  • prediziam que animais de clima frio teriam corpos maiores com membros mais curtos se

    comparados a animais de clima quente (Lomolino 2005), o que foi confirmado pelos

    estudos em animais de climas quente e frio e pode ser percebido inclusive entre os

    hominneos (Jacobs 1985).

    Em 1820, de Candole publicou o Gographie Botanique que definiu parte das ideias

    gerais da disciplina de Biogeografia. Em 1855 reconheceu, pela primeira vez, trs tipos

    fisiolgicos diferentes de plantas relacionados ao clima (de Candolle 2004). James

    Cowles Prichard e William Swainson, na primeira metade do sculo XIX, construram um

    mapa de distribuio global de animais, separando-os em seis regies concordantes com

    os continentes (Cox 2005). Entretanto, a biogeografia de plantas avanou mais rpido do

    que a de animais, pela facilidade de coleta e determinao da rea de distribuio

    (Lomolino 2005).

    At aquele momento, o estudo da distribuio dos organismos na Terra estava

    restrito descrio das observaes feitas. Mesmo com esta limitao, ainda no sculo

    XIX, emergiram novas teorias demonstrando que tanto os seres vivos quanto a Terra

    apresentavam mudanas no decorrer do tempo e estas poderiam ser a chave da

    explicao de como os organismos estavam distribudos no planeta (Lomolino 2005).

    Com os trabalhos de Charles Lyell, Charles Darwin e Alfred Russel Wallace inaugurou-se

    um marco nos estudos de Biogeografia, porquanto se propuseram a explicar como as

    mudanas na superfcie terrestre e nos seres vivos ocorrem atravs do tempo e do

    espao (Darwin 2004; Wallace 2004). A partir de ento, os trabalhos de Biogeografia

    concentraram-se em explicaes de como e por que os seres vivos se distribuem no

    planeta da maneira como esto e passaram a criar modelos e testar hipteses mais

    rigorosas.

    Wallace, considerado hoje o pai da Zoogeografia, desenvolveu um mapa de regies

    biogeogrficas da Terra bastante preciso e detalhado, baseado na distribuio dos

    26

  • animais. Ele percebeu que existiam duas faunas distintas nas ilhas da Indonsia, sendo a

    do oeste mais semelhante da sia e a do leste australiana; tal linha divisria nas ilhas

    da Indonsia leva o seu nome (Wallace 2004; Cox 2005). Em 1879, Engler desenhou um

    mapa do mundo que mostrava as floras regionais, muito semelhante ao padro

    atualmente aceito de distribuio (Cox 2005).

    Apesar do incio to remoto do estudo da distribuio dos seres vivos no planeta, a

    Biogeografia foi aceita como disciplina somente nos anos 1950 e 1960, pois alguns dos

    maiores desenvolvimentos para o estudo da Biogeografia aconteceram nos ltimos 50

    anos. Dentre eles, a aceitao da teoria das placas tectnicas, o desenvolvimento de

    novos mtodos filogenticos, novas abordagens cientficas no estudo da ecologia e a

    investigao dos mecanismos que limitam as distribuies dos organismos vivos

    (Lomolino 2005).

    As primeiras ferramentas que a Biogeografia dispunha para estudar a diversidade

    entre os seres vivos eram a morfologia e a ecologia (Mayr 2004). No incio dos anos 1960,

    iniciaram-se os trabalhos de cladstica que, apesar de promover um grande avano nos

    estudos de Biogeografia, por trazer tona relaes evolutivas mais claras e rigorosas,

    ainda apresentava o problema de trabalhar somente com caractersticas morfolgicas

    (Cox 2005). Com os trabalhos de Dobzhansky, na primeira metade do sculo XX, as

    variaes genticas e fisiolgicas puderam entrar como mais uma fonte de dados para os

    estudos sobre a distribuio geogrfica das populaes (Dobzhansky 1982). A

    importncia de se utilizar dados genticos para entender a distribuio dos seres vivos,

    principalmente quando envolve estudos de filogenia, consiste tambm no fato de que os

    efeitos de convergncia nos genes so mais discretos e controlveis do que na

    morfologia, uma vez que a proporo de sequncias idnticas por convergncia menor

    do que a proporo de estruturas morfolgicas pelo mesmo motivo.

    27

  • Inicialmente, as populaes eram classificadas considerando-se sua distribuio

    geogrfica e suas semelhanas morfolgicas, dados que podem ter um grande vis por

    no acessar a real proximidade gentica dessas populaes. Com o aperfeioamento e a

    especializao da Gentica de Populaes, alguns problemas puderam ser sanados

    permitindo acessar, de fato, a distncia gentica entre as populaes e separ-las com

    base na quantidade de fluxo gnico que ainda persistiam entre elas (Pritchard et al.

    2000).

    Tendo em vista a diversidade de temas abarcados pela Biogeografia, mais

    conveniente para fins didticos separ-los em duas grandes reas, a Biogeografia

    Ecolgica e a Biogeografia Histrica (Wiens & Donoghue 2004). A Biogeografia Ecolgica

    visa ao estudo da distribuio atual dos organismos, acessada por dados ecolgicos,

    genticos e morfolgicos. , por exemplo, mais utilizada em estudos de conservao. A

    Biogeografia Histrica procura entender como ocorreu a disperso dos organismos no

    passado, por um longo perodo de tempo e quais suas relaes evolutivas. Trabalha

    geralmente com reas grandes e globais, com taxa acima do nvel de espcie e utiliza

    larga escala de tempo que abarcam grandes mudanas climticas dentro das regies

    estudadas (Morrone 1995). A Paleontologia fundamental para a Biogeografia Histrica

    (Wiens & Donoghue 2004).

    O estudo da Biogeografia est bastante avanado e existem muitas teorias que

    auxiliam a descobrir as relaes evolutivas e ecolgicas que ocorrem entre os taxa.

    Entender que os seres vivos se relacionam no s com seu ambiente, mas tambm com

    outros seres vivos foi de primordial importncia para se construir teorias sobre a disperso

    dos organismos.

    Um ponto de especial importncia nessa abordagem so as barreiras de disperso.

    A rea de distribuio de uma espcie cercada por regies que ela no conseguiria

    ocupar e manter populaes viveis. Tais regies devem ser vistas como barreiras que

    28

  • precisam ser ultrapassadas para se poder colonizar outro ambiente. Sob este ponto de

    vista cada espcie torna-se prisioneira de sua prpria histria evolutiva (Cox 2005).

    A disperso de uma espcie est relacionada sua histria evolutiva e histria do

    local em que se encontra. Os estudos biogeogrficos preconizam que h trs principais

    maneiras para a consolidao da distribuio de populaes ao longo da geografia e do

    tempo. Na primeira, a extino, populaes que previamente ocupavam um habitat se

    extinguem e passam a no estar mais presentes no local. Isso afetaria no somente a

    distribuio desta populao em particular, mas tambm das populaes que com ela

    interagem. A segunda, chamada disperso, explica como uma populao pode ser

    encontrada em dois pontos distintos separados por uma barreira. Atravs da migrao ao

    acaso de indivduos da populao original, que conseguiram ultrapassar a barreira e

    chegar ao outro ponto e estabelecer uma nova populao. A terceira, denominada de

    vicarincia, explica a presena de populaes semelhantes em locais diferentes

    separados por barreiras que se instalaram posteriormente disperso da populao por

    essas regies (Cox 2005).

    Existem muitas razes para que populaes transponham barreiras ecolgicas. A

    principal a restrio ao seu crescimento. Os habitats geralmente apresentam restrio

    de recursos, o que gera competio entre os indivduos, conferindo vantagem queles

    que conseguem transpor uma barreira e estabelecerem-se em um novo local, com novos

    recursos para ele e seus descendentes (Pulliam 1991; Cox 2005).

    Os biogegrafos acreditam que existem trs caminhos para se transpor uma barreira.

    O primeiro, por meio de um corredor com caractersticas semelhantes aos dos habitats

    envolvidos, que une duas localizaes ecologicamente semelhantes, cercados por

    diferentes condies. As espcies de cada extremo passam livremente pelo corredor e

    chegam ao outro extremo. O segundo, comparvel a um filtro, em que haveria um

    corredor unindo habitats semelhantes em suas extremidades, mas o corredor em si

    29

  • constitudo de apenas algumas amostras da totalidade dos habitats presentes nas

    extremidades e apenas as espcies que estivessem adaptadas aos ambientes presentes

    no corredor poderiam ser encontradas nas duas extremidades. O terceiro, em que o

    habitat inicial est completamente envolto por ambientes diferentes, sem a presena de

    corredores com ambientes total ou parcialmente semelhantes, tornando a travessia dos

    ambientes a que no esto primariamente adaptados um evento primordialmente ao

    acaso (Cox 2005).

    Na maioria das vezes essas barreiras no so claras, como, por exemplo, quando

    um deserto ou montanhas separam duas regies semelhantes, mas se apresentam como

    diferenas discretas na distribuio de espcies e de microclima, impondo um

    impedimento presena dos indivduos de uma populao qualquer.

    Apesar de as barreiras interferirem na distribuio dos organismos, muitas vezes

    podem no existir limites bem definidos e seu papel como fator biogeogrfico difcil de

    ser detectado (Templeton 2006). Um exemplo desse caso se d quando se observa os

    ambientes graduais, regies em que ocorre uma transio progressiva de um ambiente

    para outro (Ridley 2006), tendo como consequncia para os seres que ali vivem um

    estresse fisiolgico medida que a paisagem muda e com isso populaes menos

    numerosas acompanham a mudana do habitat (Cox 2005), resultando em espcies que

    podem ser vistas geneticamente como cline5 ou cline escalonada6 (Templeton 2006).

    Alm do padro de disperso dos indivduos, tambm de primordial importncia

    para os estudos de Biogeografia a classificao correta desses indivduos quanto sua

    espcie, gnero e taxa mais abrangentes, pois com esta informao sabe-se

    30

    5 Cline uma gradao geogrfica na frequncia de um gene ou no valor mdio de um caracter (Ridley, 2006)

    6 Cline escalonada uma cline em que ocorre uma mudana brusca na frequncia de um gene ou de uma caracterstica (Ridley 2006)

  • corretamente quais as caractersticas dos indivduos em questo e as inferncias sobre

    sua relao com o habitat tornam-se mais precisas.

    preciso ter em mente que muitas teorias e anlises biogeogrficas trabalham

    com taxa acima do nvel de espcie, o que significa que no h fluxo gnico entre os

    diversos agrupamentos e que a teoria de base no precisaria, na maioria das vezes,

    considerar essa troca de informaes gnicas nem precisaria lidar com o problema de

    quais seriam os grupos discretos (Katinas 2003). Esses problemas tornam-se evidentes

    quando se tenta aplicar as teorias da Biogeografia em populaes de uma mesma

    espcie, sendo o primeiro deles reconhecer quais so os limites das populaes, para

    depois abordar o quo discretas elas de fato so e quais as implicaes disso para a

    disperso da espcie.

    A primeira disciplina a estudar as relaes biogeogrficas dentro das espcies a

    Filogeografia. Ela foi originalmente proposta por John C. Avise em 1987 e utiliza como

    marcador gentico o DNA mitocondrial (Avise 1987; Katinas 2003), que permite fazer

    inferncias sobre as relaes genealgicas entre genes que, por sua vez, permitem

    inferncias sobre a histria evolutiva e demogrfica da populao em questo e tambm

    por apresentar a tendncia de ser mais varivel entre as diversas populaes do que

    dentro delas (Katinas 2003).

    O estudo das populaes pela Filogeografia parte de alguns princpios bsicos que

    podem ser resumidos como: (a) na maioria das populaes o DNA mitocondrial apresenta

    uma estrutura filogeogrfica, (b) populaes com pouca estrutura filogeogrfica estavam

    em reas onde o fluxo gnico no era impedido e (c) as populaes que apresentam uma

    marcada estrutura filogeogrfica devem ter tido uma longa histria de barreira ao fluxo

    gnico entre elas (Avise 2000).

    Para que a anlise de comparao entre a rvore filogentica e a geogrfica seja

    considerada informativa preciso que a estrutura inter-populacional se mantenha mesmo

    31

  • depois que muitas tcnicas de reamostragem sejam utilizadas, e que permanea

    inalterada quando diferentes conjuntos de genes so analisados. A partir desses dados

    pode-se analisar se outras espcies apresentam os mesmos padres de estrutura e se

    podem estar relacionados com as mesmas barreiras geogrficas. Esta tcnica

    concentrada basicamente na comparao entre a rvore filogentica das populaes e a

    distribuio geogrfica de cada uma delas, com o intuito de se encontrar relaes entre

    barreiras genticas e geogrficas (Avise 1987).

    Em 1992, Kare Bremer props a tcnica de reas ancestrais para definir quais as

    reas de ocupao atual que so as mais provveis de terem sido a origem de disperso

    daquelas espcies. Essa tcnica utiliza cladogramas como matria prima que podem ser

    obtidos tanto com informaes morfolgicas, quanto com informaes genticas ou por

    ambas.

    At aquele momento, as tcnicas de estudo das populaes requeriam, ou um

    conhecimento a priori de quais eram as populaes a serem estudadas, ou separavam as

    populaes em rvores filogenticas que podem no indicar a real estruturao da

    populao em questo (Hunley & Long 2005). Por conta disso, houve a necessidade de

    se procurar entender quais so as reais barreiras genticas em uma espcie e quais so

    de fato as populaes que compem essa espcie (Barbujani & Belle 2006).

    Para tanto foi desenvolvida a disciplina denominada de Landscape Genetics7, em

    que os principais objetivos so detectar as descontinuidades genticas e correlacion-las

    com o ambiente. Idealmente, na Landscape Genetics trabalha-se com os prprios

    indivduos para que as barreiras genticas possam ser melhor detectadas, mas tambm

    possvel trabalhar com as frequncias gnicas das populaes, pois a tcnica capaz de

    avaliar, mesmo nessas condies, se as divises espaciais entre as populaes so

    coincidentes com as barreiras genticas (Manel 2003).

    32

    7 Mantida a expresso Landscape Genetics por no se ter conhecimento de uma traduo formal do nome do modelo em portugus.

  • No mbito da Landscape Genetics existem vrias tcnicas, entre elas a

    interpolao, o Wombling, o algoritmo de Monmonier (Dupanloup et al. 2002) e o mapa

    sinttico (Cavalli-Sforza et al. 1994). A principal diferena entre a Landscape Genetics e

    as tcnicas empregadas pela Biogeografia que com aquela possvel visualizar a

    distribuio gentica no prprio mapa geogrfico em que ela ocorre, sendo possvel

    identificar padres como cline, cline escalonada, isolamento por distncia, barreiras ao

    fluxo gnico e metapopulaes (Manel 2003).

    Com este apanhado geral histrico possvel perceber que a indagao de como as

    espcies esto distribudas no espao acompanha a questo de como as espcies

    surgiram. Entender a distribuio fsica dos seres vivos um grande passo para a

    compreenso dos processos evolutivos que os influenciam e de sua histria natural,

    sendo a linhagem humana parte dessa conformao e no uma exceo.

    1.2.3.Biogeografia da Amrica

    Considerando que a proposta deste trabalho compreende a investigao, atravs

    do uso de marcadores genticos, de como se deu a disperso dos nativos americanos

    nos ltimos 20.000 anos, no se pode ignorar o fato de que as populaes humanas

    ocuparam a regio em franca transformao ecolgica, devido ao fim da era glacial.

    Nesse sentido, a descrio do cenrio biogeogrfico daquela poca at o presente de

    fundamental importncia para o entendimento da ocupao do Novo Mundo pelo homem.

    O ltimo perodo glacial durou de 120.000 at 10.000 anos atrs (Ahn & Brook

    2008), com algumas interrupes por perodos mais quentes chamados de interstadiais,

    mas o perodo da colonizao inicial da Amrica ocorreu no final do Pleistoceno, durante

    a transio entre o perodo glacial e o primeiro perodo interglacial desde a sada do

    homem da frica (Fagundes et al. 2008; Tamm et al. 2007).

    33

  • As regies de altas latitudes foram mais afetadas pelo frio e tiveram suas florestas,

    atualmente consideradas temperadas, substitudas por florestas boreais (Cox 2005). As

    florestas tropicais sofreram retrao e foram permeadas por regies mais ridas de

    savana, o que provavelmente ocasionou a reteno dos animais adaptados ao clima

    tropical mido em zonas de refgio, regies de floresta tropical preservada e permeada

    por regies mais secas (Whitmore 1987). possvel que no perodo em que os animais

    de floresta tropical estavam limitados a pequenas ilhas microclimticas tenha ocorrido a

    grande diversificao da vida que vista hoje nas florestas tropicais (Haffer 1969;

    Vanzolini 1992). Porm, esta no uma viso consensual entre a comunidade cientfica

    (Lessa et al. 2003).

    Pouco antes do fim da era glacial h 14.000 anos, as temperaturas comearam a

    subir de maneira no uniforme em diferentes regies ocenicas e terrestres, o que

    provocou um pequeno intervalo de aquecimento, que foi seguido por um perodo de

    intenso resfriamento, principalmente nas pores do planeta banhadas pelo Oceano

    Atlntico entre aproximadamente 12.900 e 11.500 anos atrs (entre 11.100 e 10.000 14C

    anos atrs) que foi chamado de Younger Dryas (Broecker 2006). Em torno de 10.000

    anos atrs, iniciou-se de fato o perodo interglacial e as temperaturas subiram

    consideravelmente, mudando completamente a paisagem do mundo vista pelos humanos

    (Cox 2005).

    Durante a colonizao da poro nordeste da sia, atualmente conhecida como

    Sibria, o clima glacial, ao provocar a retrao das guas ocenicas, exps pores de

    terra que ligaram o nordeste da sia ao noroeste da Amrica por faixas contnuas de terra

    (Tamm et al. 2007). H 18.000 anos ocorreu o ltimo perodo de mximo glacial,

    chegando a temperaturas nos trpicos de 2 a 3 C menores do que as atuais e de 4 a 5C

    nas regies subtropicais (Shin 2003). Esse perodo coincide com dados moleculares e

    arqueolgicos das primeiras tentativas dos homens de colonizarem a Amrica. Naquele

    34

  • momento os lenis de gelo que cobriam a Amrica do Norte no permitiam a entrada

    para o interior do continente, havia apenas uma poro sem gelo na costa do Pacfico,

    prximo ao Alaska e Ilhas Aleutas (Hetherington 2003).

    Ainda atualmente a Amrica apresenta particularidades para a disperso de

    populaes humanas, porque, alm de ter sido altamente modificada devido s alteraes

    climticas no momento em que as populaes entravam no continente, o continente que

    mais abarca variaes latitudinais e por consequncia apresenta uma vasta extenso e

    diversidade de climas e biomas. Compreende desde regies bastante frias nas altas

    latitudes (norte e sul) at regies de floresta tropical sempre midas, permeadas com

    regies desrticas em reas de baixas latitudes. Presentes tambm nos trpicos esto as

    regies de intensa mudana climtica durante as estaes do ano, mudando radicalmente

    sua paisagem no perodo de um ano (Whitmore 1987, Kottek 2006).

    neste cenrio bastante dinmico que a disperso e a ocupao humana devem

    ser interpretadas. Assim como os genes nas populaes estavam mudando, pelo

    processo de deriva gentica e isolamento por distncia, tambm possvel que

    estivessem acompanhando as mudanas ocorridas na paisagem enquanto estas

    populaes adentravam o Novo Mundo, j que os indivduos poderiam responder de

    forma variada a essas alteraes deixando a marca de sua passagem em seus

    descendentes.

    2. MATERIAL E MTODOS2.1.Banco de Dados

    Para o cumprimento dos objetivos foram utilizados dois tipos de marcadores

    genticos, os microssatlites e o DNA mitocondrial. O primeiro, apesar de sua

    amostragem estar restrita a poucas populaes, apresenta maior preciso de informao

    gentica, uma vez que os indivduos apresentam vrios loci compostos de diversos

    35

  • polimorfismos. J o segundo, apresenta a vantagem de ser representado por mais

    populaes, mas com menor preciso, pois distingue-se por apenas um locus, com quatro

    variveis. Alm disso, existe uma diferena em termos de representao da histria

    demogrfica, uma vez que microssatlites so herdados de ambos os pais e podem sofrer

    recombinao. O DNA mitocondrial transmitido apenas por herana materna, tendo um

    grau de recombinao entre molculas desprezvel (Oliveira et al. 2010). Os bancos aqui

    analisados provm de estudos anteriores. Neste trabalho no foram obtidos originalmente

    dados de sequncia ou de genotipagem para os marcadores descritos. Por se tratar de

    uma proposta indita, no houve a necessidade de angariar mais informaes ao banco

    de dados porque ainda no se sabe qual a resoluo do mtodo proposto.

    Tambm foram utilizadas informaes de geoprocessamento sobre as localizaes

    espaciais das populaes, para que pudesse ser acessada a distncia fsica entre elas e

    a sua insero nos diferentes ecossistemas.

    2.1.1.Microssatlites

    O banco de dados utilizado compreende 530 indivduos, de 29 populaes nativas

    americanas, sendo trs da Amrica do Norte, oito da Amrica Central, dez do oeste da

    Amrica do Sul e oito do leste. Todos os gentipos trabalhados foram obtidos diretamente

    do material suplementar Dataset S1 (doi:10.1371/journal.pgen.0030185.sd001) de Wang

    et al. (2007).

    Conforme descrito por esses autores, os gentipos dos 678 loci, espalhados pelos

    22 cromossomos autossmicos, de cada indivduo de 24 populaes (Chipewyan, Ojibwa,

    Cree, Zapotec, Mixtec, Mixe, Kachikel, Cabecar, Guaymi, Wayuu, Arhuaco, Kogi, Zenu,

    Embera, Waunana, Ing, Ticuna Tarapaca, Ticuna Arara, Quchua, Aymara, Huilliche,

    Ache, Guarani e Kaingang) foram obtidos pelo Mammalian Genotyping Service. Este

    servio faz genotipagem pelo sistema SCAFUD (Scanning Fluorescence Detector), que

    36

  • permite que os fragmentos de DNA sejam separados por eletroforese em gel e detectados

    por fluorescncia em vez de filmes radioativos. A leitura dos alelos feita com um

    s o f t w a r e q u e a n a l i s a o s d a d o s d i r e t a m e n t e d o S C A F U D ( h t t p : / /

    research.marshfieldclinic.org/genetics/Technology/technology_index.asp). Os marcadores

    dos microssatlites foram retirados de Marshfield Screening Set 16 e 54. As cinco

    populaes restantes (Pima, Maya, Piapoco, Karitiana e Suru) tiveram seus gentipos

    caracterizados para os mesmos 678 loci descritos no banco de dados do Human Genome

    Diversity Panel (HGDP-CEPH).

    O banco de dados foi adaptado da plataforma Linux para a plataforma Windows

    sendo necessria a busca de um programa que trabalhasse na plataforma Windows e

    que permitisse um nmero infinito de colunas, uma vez que o Bloco de Notas, programa

    oficial do Windows, no permite.

    Originalmente o arquivo estava estruturado para uso no software STRUCTURE

    (Figura 3) (Pritchard et al. 2000) e teve de ser reformulado para uso no ARLEQUIN

    (Figura 4) (Excoffier 1995). Essa transformao foi realizada com o auxlio dos programas

    Windows Office Excell e TextPad. Aps a mudana de uma estrutura para outra todos os

    parmetros foram revistos e os indivduos foram conferidos um a um, quanto sua

    alocao nas respectivas populaes.

    2.1.2.DNA mitocondrial

    Ao contrrio do banco de dados para microssatlites, o de DNA mitocondrial no foi

    inteiramente obtido de uma nica fonte. A partir de Mendes (2005), foram obtidas as

    referncias para a composio do banco de dados de DNA mitocondrial. As frequncias

    de DNA mitocondrial presentes no trabalho foram conferidas e outras populaes foram

    includas.

    37

    http://research.marshfieldclinic.org/genetics/Technology/technology_index.asphttp://research.marshfieldclinic.org/genetics/Technology/technology_index.asphttp://research.marshfieldclinic.org/genetics/Technology/technology_index.asphttp://research.marshfieldclinic.org/genetics/Technology/technology_index.asp

  • O banco de dados final consiste em trezentas e trinta e duas populaes, com

    descrio das frequncias de quatro haplogrupos (A-D) da regio hipervarivel I do DNA

    mitocondrial. O quinto haplogrupo (X) no foi contabilizado pelo fato de a maioria dos

    artigos no trazer a pesquisa deste haplogrupo nas populaes descritas, sendo na maior

    parte das vezes relatado como pertencentes a outros os haplogrupos que no se

    encaixam em nenhum dos outros quatro A-D. Como no se pode ter certeza que esses

    outros sejam todos pertencentes ao X, a posio mais conservadora foi excluir essas

    frequncias das anlises.

    A consolidao do banco final foi baseada em cinquenta e duas referncias. As

    frequncias de haplogrupos foram obtidas por duas tcnicas principais, o RFLP e o

    sequenciamento direto da regio hipervarivel I. A tcnica de RFLP definia os

    haplogrupos conforme a presena ou ausncia de determinado stio de restrio (Tabela

    1). Mais recentemente, passou-se a estudar a sequncia de nucleotdeos diretamente, o

    que permitia tambm o acesso aos haplogrupos j descritos. A Tabela 2 traz a informao

    da metodologia empregada para quarenta e sete artigos usados na construo do banco

    de dados. As populaes, suas frequncias de haplogrupos e os respectivos artigos de

    referncia esto descritos no Apndice I.

    38

    Tabela 1: Marcadores especficos de haplogrupos mitocondriais humanos (Merriwether & Ferrel 1996)

    Haplogrupo Stio Condio

    A Hae III np 663 ganho

    B deleo de 9 pb perda

    C Alu I np 5176 perda

    D Hinc II np 13259 ganho

  • RefernciaCarlyle et al 2000

    Mtodo empregadoRFLP

    Bailliet et al. 1994Bert et al 2001

    Bolnick & Smith 2003Brown et al. 1998

    Demarchi et al. 2001Derbeneva et al. 2002Easton et al. 1996

    Eshleman et al. 2004

    Forster et al. 1996

    Fuselli et al. 2003

    Gonzalez-Oliver et al. 2001

    Horai et al. 1993

    Kaestle & Smith 2001

    Keyeux et al. 2002

    Kolman & Bermingham 1997

    Kolman et al. 1995

    Lalueza-Fox et al. 2003Lewis et al. 2004Lorenz & Smith 1996Malhi et al. 2001

    Malhi et al. 2003

    Malhi et al. 2004Merriwether & Ferrell 1996

    Merriwether et al. 1995Merriwether et al. 1996Mesa et al. 2000

    Moraga et al. 2000O'Rourke et al. 2000Mendes, 2005Rickards et al. 1999Saillard et al. 2000Schmitt et al. 2004Schurr et al. 1990Shields et al. 1993

    Shinoda et al. 2006Smith et al. 1999

    Starikovskaya et al. 1998Stone & Stoneking 1998Torroni 1993Torroni et al. 1992Torroni et al. 1994a

    Torroni et al. 1994b

    Vona et al. 2005

    RFLPRFLP

    RFLPRFLP

    RFLPsequenciamentoRFLP

    sequenciamento

    sequenciamento

    sequenciamento

    RFLP e sequenciamento

    sequenciamento

    RFLP

    RFLP e sequenciamento

    RFLP e sequenciamento

    RFLP e sequenciamento

    sequenciamentoRFLP e sequenciamentoRFLPRFLP e sequenciamento

    RFLP e sequenciamento

    sequenciamentoRFLP

    RFLPRFLPRFLP

    sequenciamentoRFLP e sequenciamentoRFLPsequenciamentoRFLP e sequenciamentoRFLP e sequenciamentoRFLPsequenciamento

    RFLP e sequenciamentoRFLP e sequenciamento

    RFLP e sequenciamentoRFLP e sequenciamentoRFLPRFLPRFLP

    RFLP

    sequenciamento

    Tabela 2: Relao dos artigos e mtodos empregados para a classificao dos indivduos dentro dos haplogrupos de DNA mitocondrial. Cada referncia est associada a uma cor nica.

    39

  • RefernciaCarlyle et al 2000

    Mtodo empregadoRFLP

    Ward et al. 1991

    Ward et al. 1993

    Williams et al. 2002

    RFLP

    sequenciamento

    RFLP e sequenciamento

    2.1.3.Localizaes geogrficas

    As localizaes geogrficas para as vinte e nove populaes de microssatlites

    tambm foram acessadas atravs dos dados suplementares de Wang et al (2007) e esto

    descritas na Tabela 3 e plotadas no mapa da Figura 5.

    Para as populaes de DNA mitocondrial, as coordenadas foram obtidas de trs

    formas distintas. A primeira, a partir das coordenadas descritas nos artigos originais, de

    mapas presentes nos artigos e de dados etnogrficos. As coordenadas obtidas

    diretamente dos artigos foram agregadas ao banco de dados exatamente como esto

    dispostas nos artigos e foram marcadas com a cor verde na tabela (Apndice II). A

    segunda, obtida por uma aproximao em mapa, so marcadas pela cor amarela na

    tabela (Apndice II), foram encontradas com o auxlio da ferramenta Google Earth 5.0.

    Um marcador foi colocado na localizao aproximada pelo mapa descrito no artigo

    original, para ser posteriormente conferida a real possibilidade de ocupao da

    localizao encontrada. Aqueles marcadores que recaram sobre regies de cursos

    dgua, lagos, picos de montanhas e cobertas totalmente por gelo foram realocados de

    forma a estarem de acordo com a proximidade proposta pelo mapa do artigo original e

    fora dessas regies de difcil ocupao. A terceira forma de obteno das coordenadas,

    marcadas em vermelho na tabela (Apndice II), foi por pesquisa indireta na literatura

    etnogrfica da populao descrita e passaram pelo mesmo teste de alocao com a

    ferramenta Google Earth 5.0 descrito anteriormente (Figura 6).

    40

    Tabela 2 (continuao)

  • Populao Latitude LongitudeChipewyan 107,3W 59,55NCree 102,5W 50,33NOjibwa 81W 46,5NPima 108W 29NMixtec 97W 17NZapotec 97W 16NMixe 96W 17NMaya 91W 19NKaqchikel 91W 15NCabecar 84W 9,5NGuaymi 82W 8,5NKogi 74W 11NArhuaco 73,8W 11NWaunana 77W 5NEmbera 76W 7NZenu 75W 9NInga 77W 1NQuechua 74W 14SAymara 70W 22SHuilliche 73W 41SKaingang 52,5W 24SGuarani 54W -23SWayuu 73W 11NPiapoco 68W 3NTicunaTarapaca 70W 4STIcunaArara 70W 4SKaritiana 63W 10SSurui 62W 11SAche 56W 24S

    41

    Tabela 3: Populaes de microssatlites e suas respectivas coordenadas geogrficas em decimais.

  • 42

    Figura 5: Localizao geogrfica das populaes de microssatlites

  • 43

    Figura 6: Populaes de DNA mitocondrial plotadas em mapa do Google Earth 5.0

  • A partir do banco de dados original foram retiradas as populaes que estariam

    ocupando coordenadas geogrficas idnticas (que poderiam ser consideradas amostras

    diferentes da mesma populao) e foram mantidas as populaes com o maior nmero de

    indivduos amostrados, restando das 332 populaes originais apenas 237.

    No Apndice II esto representadas as populaes que foram usadas para as

    anlises, trazendo tambm as informaes sobre o nmero de indivduos amostrados em

    cada populao, a frequncia absoluta dos haplogrupos e as coordenadas geogrficas.

    Os padres de cores so os mesmos descritos anteriormente.

    O passo seguinte para a concretizao do banco de dados de coordenadas

    geogrficas para DNA mitocondrial consistiu na conferncia dos pontos obtidos pelo

    Google Earth 5.0 no mapa em que seriam usados pelo programa de geoprocessamento

    para o clculo das distncias geogrficas entre as populaes.

    Na passagem de dados de um local para outro poderia ocorrer um desvio na

    localizao das populaes mesmo sendo as coordenadas no Google Earth 5.0 e no

    mapa de relevo utilizado no trabalho (Amante & Eakins, 2009) frutos de uma projeo

    cilndrica simples com o datum WGS84. Para que no houvesse risco de as populaes

    estarem alocadas em lugares diferentes daqueles primeiramente obtidos, cada populao

    foi conferida quanto sua localizao no novo mapa (Figura 7).

    2.1.4.Banco de dados fisiogrficos (biomas)

    Como o objetivo principal deste trabalho a anlise do papel das barreiras

    ecolgicas na composio gentica dos nativos americanos, a escolha de qual diviso

    ecolgica adotada foi de suma importncia. Neste caso foi escolhida a diviso por biomas.

    O conceito de biomas, criado por Frederick E. Clements, em 1949, pode ser

    traduzido como uma comunidade de plantas e animais que ocupam uma determinada

    rea em que as relaes climticas essenciais so semelhantes ou idnticas (Coutinho

    44

  • 2006). Essa diviso foi escolhida por definir regies em que os meios de subsistncia

    fossem semelhantes devido constncia de tipos vegetais e animais.

    A diviso de biomas adotada neste trabalho foi adaptada de um mapa oferecido

    pela WWF (World Wildlife Fund) construdo por Olson et al. (2001) (Figuras 8 e 9). Este

    mapa apresenta catorze biomas distintos para o mundo todo. de extrema importncia

    destacar que a Amrica apresenta todos os catorze biomas. Destes, onze foram

    ocupados pelas populaes aqui amostradas: florestas midas tropicais e subtropicais,

    45

    Figura 7: Localizaes geogrficas das populaes de DNA mitocondrial.

  • florestas de conferas tropicais e subtropicais, florestas temperadas de folhas largas,

    florestas de conferas temperadas, florestas boreais e taiga, savanas e pradarias tropicais

    e subtropicais, savanas e pradarias temperadas, pradarias montanhosas e arbustos,

    tundra, desertos secos de arbustos e florestas mediterrnicas cobertas por rvores e

    arbustos (Tabelas 4 e 5).

    46

    Figura 8: Populaes nativas americanas com dados de microssatlites plotadas no mapa de biomas.

  • 47

    Figura 9: Populaes nativas americanas com dados de DNA mitocondrial plotadas no mapa de biomas.

  • 48

    Tabela 4: Biomas nos quais as populaes com dados de microssatlites esto inseridas

    Populaes Biomas

    Chipewyan Floresta boreal/taiga

    Cree Savanas e pradarias temperadas

    Ojibwa Florestas temperadas de folhas largas

    Pima Florestas de conferos tropical e subtropical

    Mixtec Florestas de conferos tropical e subtropical

    Zapotec Florestas de conferos tropical e subtropical

    Mixe Florestas de conferos tropical e subtropical

    Maya Florestas midas tropicais e subtropicais

    Kaqchikel Florestas de conferos tropical e subtropical

    Cabecar Florestas midas tropicais e subtropicais

    Guaymi Florestas midas tropicais e subtropicais

    Kogi Florestas midas tropicais e subtropicais

    Arhuaco Florestas midas tropicais e subtropicais

    Waunana Florestas midas tropicais e subtropicais

    Embera Florestas midas tropicais e subtropicais

    Zenu Florestas midas tropicais e subtropicais

    Inga Florestas midas tropicais e subtropicais

    Quechua Florestas midas tropicais e subtropicais

    Aymara Deserto e arbustos secos

    Huilliche Florestas temperadas de folhas largas

    Kaingang Florestas midas tropicais e subtropicais

    Guarani Florestas midas tropicais e subtropicais

    Wayuu Deserto e arbustos secos

    Piapoco Florestas midas tropicais e subtropicais

    Ticuna Tarapaca Florestas midas tropicais e subtropicais

    TIcuna Arara Florestas midas tropicais e subtropicais

    Karitiana Florestas midas tropicais e subtropicais

    Surui Florestas midas tropicais e subtropicais

    Ache Florestas midas tropicais e subtropicais

  • Populao Bioma

    Ache

    Akimal Oodham

    Aleuts

    Aleuts ancient

    Aleuts St. Paul

    Anasazi ancient

    Ancash

    Anikenk

    Apache

    Arara

    Arequipa Peru

    Assurini

    Assurini

    Atacameno

    Atacameno

    Atacamenos

    Aw-Guaj

    Aymara

    Aymara

    Banwa

    Bella Coola

    Bella Coola

    Bella Coola

    Bella Coola

    Boruca

    Bribi-Cabecar

    Cayapa

    Cayapa Ecuador

    Cherokee

    Cherokee Oklahoma Red Cross

    Cherokee Stillwell

    Cheyenne/Arapahoe

    Cheyenne/Araphoe

    Chickasaw

    Chickasaw/Choctaw

    Chimane

    Chimila

    Chippewa

    Chippewa Turtle Muntain

    Chippewa Wisconsin

    Chippewa/Kickapoo

    Choctaw

    Choroti

    Choroti

    Chumash

    Ciboneys

    Florestas midas tropicais e subtropicais

    Florestas mediterrnicas cobertas por rvores e arbustos

    Tundra

    Tundra

    Tundra

    Florestas mediterrnicas cobertas por rvores e arbustos

    Pradarias montanhosas e de arbustos

    Savanas e pradarias temperadas

    Florestas mediterrnicas cobertas por rvores e arbustos

    Florestas midas tropicais e subtropicais

    Florestas mediterrnicas cobertas por rvores e arbustos

    Florestas midas tropicais e subtropicais

    Florestas midas tropicais e subtropicais

    Pradarias montanhosas e de arbustos

    Pradarias montanhosas e de arbustos

    Florestas mediterrnicas cobertas por rvores e arbustos

    Florestas midas tropicais e subtropicais

    Pradarias montanhosas e de arbustos

    Pradarias montanhosas e de arbustos

    Florestas midas tropicais e subtropicais

    Florestas de conferos tempradas

    Florestas de conferos tempradas

    Florestas de conferos tempradas

    Florestas de conferos tempradas

    Florestas midas tropicais e subt