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VIVIANE BASCHIROTTO TATIANA BLASS: PALAVRAS E FORMAS, RUÍNAS E METAMORFOSES Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Artes Visuais. Orientadora Profª Dra. Rosângela Miranda Cherem FLORIANÓPOLIS SC 2015

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VIVIANE BASCHIROTTO

TATIANA BLASS: PALAVRAS E FORMAS, RUÍNAS E

METAMORFOSES

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Artes Visuais do Centro de Artes

da Universidade do Estado de

Santa Catarina, como requisito

parcial para obtenção do grau de

Mestre em Artes Visuais.

Orientadora Profª Dra. Rosângela

Miranda Cherem

FLORIANÓPOLIS – SC

2015

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC

B298t

Baschirotto, Viviane

Tatiana Blass: palavras e formas, ruínas e metamorfoses /

Viviane Baschirotto. - 2015.

311 p. il.; 21 cm

Orientadora: Rosângela Miranda Cherem

Bibliografia: p. 169-178

Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de

Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação

em Artes Visuais, Florianópolis,2015.

1. Artes plásticas – escultura. 2. Escultura - Brasil. 3. Artistas - Brasil. 4. Performance (Arte). I. Cherem,

Rosângela Miranda. II. Universidade do Estado de Santa

Catarina. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais. III.

Título.

CDD: 730 – 20.ed.

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VIVIANE BASCHIROTTO

TATIANA BLASS: PALAVRAS E FORMAS, RUÍNAS E

METAMORFOSES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes

Visuais do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa

Catarina, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em

Artes Visuais.

Banca examinadora:

Orientador:

__________________________________________________

Profª Dra. Rosângela Miranda Cherem (CEART/UDESC)

Membro:

__________________________________________________

Profª Dra. Maria Raquel da Silva Stolf (CEART/UDESC)

Membro:

___________________________________________________

Profª Dra. Daniela Pinheiro Machado Kern (IA/UFRGS)

Florianópolis, 19/05/2015

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à professora Rosângela Miranda Cherem pela

orientação, atenção e incentivo.

Às professoras Maria Raquel da Silva Stolf e Daniela Pinheiro

Machado Kern por terem contribuído com este trabalho e

aceitado fazer parte da banca.

A todos os professores do curso pelas boas aulas, em especial,

à professora Sandra Makowiecky por ter agregado grande

conhecimento em minha formação.

À Tatiana Blass pela atenção em responder às dúvidas e por

produzir as obras que geraram esta dissertação.

Aos meus amigos e colegas de turma, em especial, à minha

companheira de viagem Mônica, à minha colega de quarto

Clediane e à minha amiga Fernanda pelas trocas de

experiências e dúvidas.

Ao meu esposo Alexandre pela revisão deste texto, com tantas

vírgulas fora de lugar e claro, por sua infinita paciência,

incentivo, amor, amizade e carinho.

Aos meus pais e irmãos pelo apoio e incentivo, em especial, à

minha irmã Jucieli pelo exemplo de dedicação.

Aos meus felinos Dibs, Dugu, Lobinho e Menina pela

companhia na hora da escrita.

À UDESC e ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais

pela oportunidade.

À FAPESC pela bolsa que me possibilitou a dedicação integral

ao projeto.

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RESUMO

Cada artista possui um gesto que permanece consigo em sua

produção, como uma maneira de fazer, como algo que se repete

como uma combinação única de obstinação e premeditação

recorrentes em suas obras. Esta dissertação tem por objetivo

reconhecer a singularidade dos gestos artísticos da artista

brasileira Tatiana Blass (São Paulo, 1979). No primeiro

capítulo, considera a decadência e ruína por meio do recurso da

cera como material escultórico, assinalando uma persistência

na representação do animal frente ao ser humano. No segundo

capítulo, aborda a presença e a ausência da palavra, destacando

a produção de discursos e silêncios em seus vídeos e obras com

suportes biplanares. No terceiro capítulo, reflete sobre a

metamorfose e fantasmagoria das formas e matérias que se

transformam em suas pinturas e esculturas. O gesto que

persiste e insiste no universo desta artista consiste na

desconstrução da forma e dos objetos para uma posterior

construção da obra de arte.

Palavras-chave: Tatiana Blass. Palavra. Forma. Ruína.

Metamorfose.

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ABSTRACT

Each artist has a gesture that remains with him or her in his or

her production, as a way to create, like something that recurs as

a unique combination of obstinacy and premeditation which is

regular in his or her work. This dissertation has the objective of

recognizing the singularity of the artistic gestures of the

Brazilian artist Tatiana Blass (São Paulo, 1979). In the first

chapter, it considers the decadence and downfall through wax

resource as sculptural material, marking some persistence in

the animal representation before the human being. In the

second chapter, it approaches the presence and the absence of

the word, highlighting the production of speeches and silences

in her videos and works with biplane support. In the third

chapter, it reflects about the metamorphosis and

phantasmagoria of the shapes and matters that turn into her

aintings and sculptures. The persistent and insistent gesture in

the universe of this artist consists of the deconstruction of the

shape and the objects to an afterthought building of the work of

art.

Keywords: Tatiana Blass. Word. Shape. Downfall.

Metamorphosis.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – LUZ QUE CEGA SENTADO. TATIANA

BLASS .................................................................................... 15

FIGURA 2 – COLUNA [AGACHADO]. TATIANA BLASS

................................................................................................. 18

FIGURA 3 – THE BUSS DRIVER. GEORGE SEGALL ...... 20

FIGURA 4 – L’EVIDENCE ÉTERNELLE. RENÉ

MAGRITTE ............................................................................ 22

FIGURA 5 – CENÁRIO DE MATIAS................................... 25

FIGURA 6 – FIM DE PARTIDA ........................................... 25

FIGURA 7 – FIM DE PARTIDA. TATIANA BLASS .......... 28

FIGURA 8 – FIM DE PARTIDA. TATIANA BLASS .......... 28

FIGURA 9 – SUA ATÉ SUMIR, SUA CARNE. TATIANA

BLASS .................................................................................... 34

FIGURA 10 – SUA ATÉ SUMIR, SUA CARNE. TATIANA

BLASS .................................................................................... 34

FIGURA 11 – TEATRO PARA CACHORROS E AVIÕES #1.

TATIANA BLASS .................................................................. 36

FIGURA 12 – FIM DE PARTIDA. TATIANA BLASS ........ 37

FIGURA 13 – ENTERRO EM ORNANS. GUSTAVE

COURBET .............................................................................. 40

FIGURA 14 – CACHORRO DE ORNANS. GUSTAVE

COURBET .............................................................................. 40

FIGURA 15 – AUTORRETRATO. GUSTAVE COURBET 41

FIGURA 16 – PÁGINAS 6 E 7 DO CATÁLOGO TEATRO

DA DESPEDIDA .................................................................... 44

FIGURA 17 – TEATRO DA DESPEDIDA #1. TATIANA

BLASS .................................................................................... 44

FIGURA 18 – ELETRICAL ROOM. TATIANA BLASS ..... 47

FIGURA 19 – ELETRICAL ROOM. TATIANA BLASS ..... 47

FIGURA 20 – HARD WATER. TATIANA BLASS ............. 51

FIGURA 21 – PENÉLOPE. TATIANA BLASS .................... 54

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FIGURA 22 – PENÉLOPE. TATIANA BLASS .................... 56

FIGURA 23 – PENÉLOPE. TATIANA BLASS .................... 56

FIGURA 24 – VARREDURA. EDITH DERDYK ................ 59

FIGURA 25 – VARREDURA. EDITH DERDYK ................ 59

FIGURA 26 – METADE DA FALA NO CHÃO – PIANO

SURDO. TATIANA BLASS .................................................. 61

FIGURA 27 – PLIGHT. JOSEPH BEUYS ........................... 63

FIGURA 28 – APITO. TATIANA BLASS ............................ 64

FIGURA 29 – EXECUÇÃO AO PIANO DE TACET 4’33”.

JOHN CAGE ........................................................................... 66

FIGURA 30 – ENTREVISTA 1.2. TATIANA BLASS ......... 67

FIGURA 31 – ENTREVISTA 1.3. TATIANA BLASS ......... 71

FIGURA 32 – THE DESSERT: HARMONY IN RED. HENRI

MATISSE ................................................................................ 75

FIGURA 33 – METADE DA FALA NO CHÃO.

CLARINETE. TATIANA BLASS ......................................... 77

FIGURA 34 – CAUDA CADEIRA. TATIANA BLASS ...... 77

FIGURA 35 – VAGA. TATIANA BLASS ........................... 80

FIGURA 36 – CATEDRAL #2. FELIPE COHEN ................. 82

FIGURA 37 – VOLTANDO PRA CASA. TATIANA BLASS

................................................................................................. 84

FIGURA 38 – SÉRIE TRÁGICA. FLÁVIO DE CARVALHO

................................................................................................. 87

FIGURA 39 – RETRATO MÁRIO DE ANDRADE. FLÁVIO

DE CARVALHO ................................................................... 87

FIGURA 40 – TEATRO #5. TATIANA BLASS .................. 89

FIGURA 41 – TUDO TE É FALSO E INÚTIL II. IBERÊ

CAMARGO ........................................................................... 91

FIGURA 42 – FIM DE PARTIDA. TATIANA BLASS ........ 95

FIGURA 43 – BILDERATLAS MNEMOSYNE. ABY

WARBURG ........................................................................... 95

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................... 15

2 DECADÊNCIA, RUÍNA E HUMANIDADE NAS

ESCULTURAS/PERFORMANCES ...................................... 23

2.1 O corpo em ruína ............................................................... 29

2.2 A cena em Fim de Partida ................................................ 40

2.3 A persistência do animal ................................................... 55

3 PRESENÇA E AUSÊNCIA DA PALAVRA NOS VÍDEOS

E SUPORTES BIPLANARES ................................................ 73

3.1 A presença da palavra ....................................................... 78

3.2 Os discursos de Penélope .................................................. 88

3.3 Ausência do som e da palavra: silêncio .......................... 100

4 METAMORFOSE E FANTASMAGORIA DAS FORMAS

NAS ESCULTURAS E PINTURAS .................................... 115

4.1 As metamorfoses e usos da matéria ................................ 121

4.2 A metamorfose como um acontecimento ........................ 128

4.3 A obra fantasmagórica .................................................... 138

4.4 Das formas, palavras, metamorfoses e ruínas que se

repetem, os fantasmas de Tatiana Blass ................................ 152

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................. 163

6 REFERÊNCIAS ................................................................. 169

7 APÊNDICES ...................................................................... 179

Apêndice A. Cronologia ........................................................ 179

Apêndice B. Entrevista com Tatiana Blass ........................... 195

Apêndice C. Fotos do ateliê da artista ................................... 221

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Apêndice D. Visita a exposições ........................................... 225

Apêndice E. Lista de catálogos ............................................. 228

8 ANEXOS ............................................................................ 231

Anexo A. Paisagem de Papel. Tiago Mesquita ..................... 231

Anexo B. Por um belo desconcertante. Luiz Camillo Osorio 234

Anexo C. Tatiana Blass: sobre dificuldade ou a necessidade do

inverso. Cauê Alves ............................................................... 238

Anexo D. Zona Morta. Thaísa Palhares ................................ 242

Anexo E. Um sol partido ao meio. Rodrigo Moura .............. 244

Anexo F. Desenhando com tesouras a linha do horizonte.

David Barro ........................................................................... 249

Anexo G. Não são assim que as coisas são: obscurantismo e

razão na obra de Tatiana Blass. Tiago Mesquita ................... 263

Anexo H. O labor de Penélope. Douglas de Freitas .............. 270

Anexo I. Fim (?) de Partida. Paulo Venancio Filho .............. 274

Anexo J. Advertência ao público. José Augusto Ribeiro ...... 277

Anexo K. Read between the lines. Fernando AQ Mota ....... 282

Anexo L. Electrical Room. Nora Burnett Abrams ................ 285

Anexo M. Cão Cego. Solange Farkas ................................... 288

Anexo N. Cão Cego. Tatiana Blass ....................................... 289

Anexo O. Cão Cego. Entrevista ............................................ 290

Anexo P. Diálogos Possíveis. Antonio Carlos Portela .......... 294

Anexo Q. Fim de Partida. Mauro Saraiva ............................. 296

Anexo R. Entrevista. Paulo Venancio Filho ......................... 297

Anexo S. O gosto da fissura. Tatiana Blass .......................... 300

Anexo T. Quase figura, quase forma. Lorenzo Mammì ........ 302

Anexo U. A família mobília. Tatiana Blass .......................... 311

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15

INTRODUÇÃO

Tatiana Blass (1979, nasceu, vive e trabalha

em São Paulo) iniciou sua produção principalmente

por pinturas de caráter abstrato que destacavam

cores e formas, com cortes e recortes e forte uso da

colagem. Com o passar dos anos, as técnicas foram

sendo ampliadas e atualmente a artista transita por

diversas linguagens da arte, como pintura,

escultura, instalação, vídeo arte, performance,

desenho e gravura. As matérias também se

diversificaram, além da tinta agora em suas obras

figuram bronze, cera e metais, entre outros

materiais. Sua formação em Artes Plásticas na

Universidade Estadual Paulista – UNESP fez com

que o repertório da história da arte fizesse parte de

seu processo de produção. Alguns artistas como

Nuno Ramos, Paulo Pasta, Matthew Barney e Urs

Fischer são apontados pela artista, em entrevista

anexada, como influências para seu trabalho. Esses

artistas e as possíveis relações com as obras de

Tatiana Blass foram abordados no projeto de

monografia da Pós-Graduação Latu Sensu em

História da Arte, com conclusão em 2014, sob o

título de Tatiana Blass e o gesto na matéria. A

monografia em questão pensou assuntos

relacionados às questões matéricas, sendo

abordados os diferentes meios e materiais que a

artista utilizada em suas obras, como o bronze, a

cera, a tinta a óleo, o mármore e as apropriações de

objetos, a sua trajetória enquanto artista e como

chegou a produzir nesses materiais.

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16

Estudar e pesquisar esta artista no mestrado

é um interesse que emerge a partir deste projeto

anterior, sendo que o objetivo da atual pesquisa é

estudar a artista considerando a singularidade de

seu gesto. A partir do conceito pensado por Giorgio

Agamben em seu texto O autor como um gesto do

livro Profanações, pode-se pensar o gesto artístico

como um dispositivo que captura um sentido que

sempre retorna nas obras de um artista, como algo

que permanece na obra como um sintoma em sua

produção. CHEREM (2012, p.26) escreve sobre:

“Eis o gesto artístico como um feito que, diferente

do hábito consciente ou impremeditado, do

movimento ordinário ou extraordinário, da intenção

ou do estilo, pode ser considerado como o ato de

produzir uma alteração e suspender o

estabelecido”. O gesto, apesar de sua recorrência,

não faz com que o artista se torne acadêmico dele

mesmo, mas sim encontre sempre sua diferença. O

gesto de Tatiana Blass é desconstruir para depois

construir. É possível encontrar esse gesto em

qualquer uma de suas obras. Em suas obras de cera

a obra está pronta enquanto acontece a

desconstrução da figura do homem, por meio de

um processo de derretimento. Nas pinturas, as

figuras, animais e personagens estão com suas

formas indefinidas, desconstruídas, e adicionando

camadas uma por cima das outras, na

desconstrução da forma se encontra a construção de

sua obra. Em seus objetos, instalações, esculturas

de diversos materiais, pode-se reconhecer o gesto

avassalador de desfuncionalizar um objeto para que

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17

a obra de arte se faça emergir. O gesto da artista

relaciona-se a dar visibilidade à ruína como um

processo de decadência orgânica e de mostrar a

perecibilidade das coisas do mundo,

desfuncionalizando a matéria para que a obra de

arte aconteça.

No primeiro capítulo será abordada a

persistência do gesto da decadência e ruína do

corpo nas obras de cera da artista como em Luz que

cega – sentado e Coluna [Agachado]

estabelecendo relações de proximidade com o

artista George Segall e de distanciamento de René

Magritte. Também permeia este capítulo uma

relação entre a obra literária e teatral de Fim de

Partida de Samuel Beckett com a obra Fim de

Partida de Tatiana Blass. Adiante ainda, no

primeiro capítulo, serão abordadas as relações do

ser humano frente a figura do animal que interroga

sua própria humanidade com obras de Tatiana

Blass como Sua até sumir, sua carne, Teatro para

cachorros e aviões #1 e um detalhe da obra Fim de

Partida, desenvolvendo relações com obras de

Gustave Courbet onde o cão aparece com

frequência. O texto tem como base principal os

livros de Eliane Robert Moraes O corpo impossível

e de Jacques Derrida O animal que logo sou.

No segundo capítulo destaca-se a presença e

a ausência da palavra que se faz por meio de seus

textos, prosas e construções de literatura

combinadas com as obras visuais e o silêncio no

momento enquanto cala os instrumentos musicais.

O gesto da literatura se faz presente em obras e

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18

montagens de exposições como em Teatro da

despedida #1, Eletrical Room, Hard Water e

Penélope, que são relacionadas com obras de Edith

Derdyk. As obras Metade da fala no chão – piano

surdo, Apito e Entrevista #1.2 são pensadas frente a

obras dos atistas Joseph Beuys e John Cage pela

presença do gesto do silêncio. O capítulo é

principalmente pautado pelos textos Falar, não é

ver e A solidão essencial de Maurice Blanchot e

Isto não é um cachimbo de Michel Foucault.

No terceiro e último capítulo será abordado

o gesto da metamorfose das formas e das

fantasmagorias que podem ser encontradas em suas

obras. As obras Entrevista 1.3, Metade da fala no

chão – clarinete, Cauda Cadeira e Vaga são

relacionadas com obra de Felipe Cohen e pensadas

a partir do conceito de arquidesenho desenvolvido

no livro A pintura como modelo de Yve-Alain Bois

bem como um acontecimento a partir do

pensamento de Gilles Deleuze no livro A dobra:

Leibniz e o barroco. Também permeia este capítulo

a persistência da fantasmagoria, que é tratada nas

obras Voltando pra casa e Teatro #5, relacionadas

com obras dos artistas Flávio de Carvalho e Iberê

Camargo. Ao final do capítulo, o conceito de

fantasmagoria é pautado pelo livro A imagem

Sobrevivente de Georges Didi-Hubermann, que traz

uma reflexão a cerca do trabalho desenvolvido por

Aby Warburg.

As relações que são feitas ao longo desta

dissertação não foram apontadas por Tatiana Blass

como referência para seus trabalhos ou como

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19

influências diretas, mas o texto se propõe a mostrar

possíveis relações com obras e artistas de diferentes

momentos da arte moderna e contemporânea, e que

fazem parte do repertório visual da história da arte

que a artista provavelmente teve contato em seus

anos de estudos em Artes Plásticas e nos cursos

livres que fez ao longo da carreira, como alguns

apontados em entrevista anexada. Nessa premissa,

as recorrências e detalhes de suas obras são

articuladas de forma anacrônica com outros artistas

de diferentes períodos da história da arte.

Tatiana Blass ganhou destaque nacional e

internacional ao participar da 29ª Bienal de São

Paulo em 2010 com a obra Metade da fala no chão

– piano surdo, que será abordada nos capítulos dois

e três, onde um piano de cauda é “calado” através

de cera líquida derramada em seu interior enquanto

o músico toca músicas de Chopin. Esta obra foi

mais uma de sua série onde cala e inutiliza

instrumentos musicais. Entre eles estão também

baterias, trombone e trompete. Fruto do Prêmio

Pipa, ganho um ano antes, em 2012 passa três

meses em uma residência artística em Londres e lá

produz o vídeo Hard Water, que será abordado no

capítulo dois. No vídeo, duas atrizes têm suas

roupas presas a fios ligados a carretéis instalados

nas paredes, e enquanto tentam movimentarem-se,

os fios embaralham-se cada vez mais. O diálogo

entre as duas atrizes foi pensado também por

Tatiana Blass que, entre outras de suas

características, trabalha com textos próprios e

construções literárias.

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20

Em 2014, lançou seu primeiro livro infanto-

juvenil pela Cosac & Naify intitulado A Família

Mobília. Sua produção atual é marcada por maior

melancolia, trabalhando muitas vezes com temas

fortes, como a morte. Embora este seja um tema

espinhoso, é trabalhado com sutileza e poesia pela

artista. Suas pinturas ganharam formas menos

definidas, que se confundem com o fundo

enevoado de suas paisagens. Teatro e encenações

impossíveis são tratados com leveza, cachorros e

aviões convivem no mesmo palco em Teatro para

cachorros e aviões #1, um carro é “atolado” em

concreto na rampa da galeria em Vaga, e o que

parece ser um corpo estendido no chão coberto por

um lençol, não passa de uma ilusão em Para o

morto.

Do ponto de vista da História e da Crítica de

Arte no Brasil, pouco se aprofundou sobre as

questões artísticas que Tatiana Blass vem

levantando. Predominam pequenos textos críticos

normalmente em releases sobre exposições e se

encontram referenciados em anexo a esta

dissertação como fortuna crítica da artista. Alguns

foram compilados em um catálogo publicado em

2009, mas desde então a artista vem modificando

algumas formas de construção de suas obras.

Estudar e pesquisar a artista significa tentar

entender como algumas questões tão recorrentes na

arte como a ruína, a metamorfose, a palavra e o

silêncio estão chegando até nós nos dias de hoje

por meio da poética da artista. A dissertação fará

uma abordagem a respeito dessas questões que se

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21

repetem e que são encontradas nas obras da Tatiana

Blass e de outros artistas, não necessariamente

apontados por ela como uma influência para seus

trabalhos, mas como uma reflexão sobre as

temáticas e questões que se repetem ao longo da

história da arte.

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I CAPÍTULO

DECADÊNCIA, RUÍNA E HUMANIDADE

NAS ESCULTURAS/PERFORMANCES

“Vai, pássaro encantado, abre a

porta e voa à minha amada.

Aninha-te em seu peito, e conta a

ela que sigo: vivo, mas putrefeito.”

(BECKETT, 2010, p.126)

O gesto de Tatiana Blass relaciona-se ao ato

de desconstruir para depois construir novamente.

Seus homens em cera derretem, definham e

mostram sua fragilidade. E tornam-se obra de arte a

partir de sua desconstrução. São mutilados em um

processo lento e contínuo, como se o que

importasse não fosse o resultado final, o ser

humano disforme, mas seu processo de

transformação. A jornada então valeria mais que o

ponto de chegada?

Já na primeira metade do século XX, o

homem viu-se diante das duas grandes Guerras

Mundiais e essa experiência, com grande avanço

bélico e tecnológico, mudou a forma como o ser

humano foi sendo abordado na arte, sendo que nas

formas humanas foram ficando cada vez mais

desconstruídas e fragmentadas. O cubismo surge

como um dos movimentos que mais chamam

atenção pelo início da desconstrução da forma. O

homem foi pensado diante da máquina e sua

humanidade foi questionada também frente ao

animal. O corpo dilacerado pela experiência da

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guerra sobrevive como um sintoma na arte

contemporânea e Tatiana Blass encontra-se na

esteira da desconstrução do corpo ao trabalhar a

decomposição da forma orgânica.

Sua produção é marcada por caminhos

variados e um deles envolve a cera como material

escultórico. O contato com a fundição de outras

obras em bronze fez com que a artista apreendesse

a técnica da cera perdida ou técnica perdida, que é

utilizada na fundição de esculturas. De 2009 em

diante foram feitas muitas obras em cera, esculturas

de homens e animais, e a inserção da cera líquida

em outros trabalhos, como na obra Metade da fala

no chão – piano surdo de 2010, apresentada na 29ª

Bienal de São Paulo, quando cera líquida é jogada

em um piano de cauda enquanto o músico toca

Chopin. Importante ressaltar que suas esculturas

são produzidas por terceiros, por uma empresa de

fundição e a artista acompanha todo o processo.

Na obra Luz que cega – sentado (figura 1)

de 2011, um homem de cera sentado em uma

cadeira, de frente para seu encosto e com o tronco

apoiado nele, derrete lentamente por meio de um

refletor de luz próximo de suas costas, que estão

expostas a ele. A exposição do homem de cera ao

refletor faz com que lentamente a cera derreta e

desconstrua o personagem. O homem comum

vestido com camisa, calça e tênis, vai sendo

dilacerado aos poucos pela luz do refletor, uma

força externa a ele, capaz de aquecer a sua matéria

e a transformar de estado sólido para líquido. Há

uma situação de dualidade com relação à luz, pois

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ao mesmo tempo em que ilumina e destaca a figura,

destrói e ensaia o desaparecimento da figura. Com

seu derretimento a representação mimética vai

dando espaço a uma desfiguração do sujeito. O que

resta são vestígios do homem que um dia existiu.

O derretimento da cera faz com que outro

elemento apareça na obra, uma coluna vertebral

produzida em bronze. Não obstante, há uma relação

de dualidade também na duração dos materiais

utilizados, a cera e o bronze, nessa junção de um

material duro e outro maleável. O esqueleto do ser

humano é a matéria mais rígida do corpo e aquilo

que o sustenta. Também é uma das matérias do

corpo humano que mais se alongam ao perecer

depois da morte. Os ossos carregam os resíduos do

corpo humano, daquilo que um dia foi e não será

mais. O esqueleto à mostra traz à tona um corpo

que lentamente vai ficando descarnado. A espinha

dorsal é o que faz o ser humano manter-se ereto, é

fundamental para sua movimentação e

funcionamento do corpo. A espinha dorsal do

personagem é de material mais rígido e que não vai

se modificar com a luz do refletor. Irá resistir até o

fim, e com o derretimento lento da cera, mantém

seus restos de pé.

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Figura 1 - Tatiana Blass. Luz que cega – sentado. 2011. Cera

microcristalina, bronze fundido, cadeira e refletor.

150x150x150cm. Prêmio PIPA, MAM-RJ. Fotos Rafael

Adorján.

Fonte: http://www.tatianablass.com.br

O corpo apresentado em deterioração sugere

o vestígio do ser humano. Jean-Luc Nancy (2012),

em seu texto O vestígio da arte, aborda o conceito

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de vestígio na arte contemporânea. O autor lembra

a definição de arte de Hegel: “a arte é a

apresentação sensível da Ideia” (NANCY, 2012,

p.295). A arte seria a visibilidade sensível daquilo

que estaria invisível, a idealização que se torna

presente. O que temos que procurar na obra de arte

é aquilo que não está dado no início, o que não é o

óbvio. Tatiana Blass possui uma preocupação em

não trabalhar em algo que se feche em si mesmo.

Este é um traço notável que se encontra em Luz que

cega – sentado, uma obra que quer significar, que

pode significar diversas questões, como destruição,

desconstrução, vestígio de si mesma. A obra remete

à questão de pulsão de morte, encontrando-se na

ordem do inelutável, sendo que sua destruição é

inerente à sua existência.

Tatiana Blass enfatiza, em entrevista

anexada a esta dissertação, que assim que suas

obras em cera são postas no local, ela não possui

mais um controle sobre o que irá acontecer

exatamente. Afirma que a escultura em cera posta

no local expositivo não está pronta, apenas se torna

obra quando seu derretimento inicia-se. Suscita um

paradoxo de sua existência, que para existir precisa

se desconstruir, pensando sua destruição e

construção que se faz lentamente. Há apenas o

controle da luz que é ligada cada dia de exposição,

mas a forma que a personagem de cera toma é algo

inesperado. Stéphane Huchet, em seu texto A

instalação em situação, reflete sobre o surgimento

do termo, das características que envolvem uma

instalação, e um de seus aspectos diz respeito à

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encenação, quando afirma que: “A instalação,

portanto, é um cenário que constrói um dispositivo

que é um mundo e pretende ser um mundo

enquanto tal, isto é, um conjunto que provoca uma

cesura, um corte com relação ao resto (do mundo)”

(HUCHET, 2006, p. 25). Os cenários que a artista

cria são como uma separação do resto da realidade,

são ficções realizadas na sala de exposição, onde o

mundo real do espectador pode adentrar ao mundo

da ilusão criada pela instação-performance que a

artista cria. Seria um teatro para pensar, uma

teatralização da proposta artística, como afirma o

autor. A instalação não seria apenas uma

encenação, “mas também um convite a um

exercício de leitura de ideias.” (HUCHET, 2006,

p.29). As obras de Tatiana Blass são, portanto, um

convite para se pensar a ruína, a decadência e a

humanidade de seus personagens.

A obra em cera, de material de fácil

modificação, é construída de tal forma que favorece

sua própria destruição. O homem sentado

posiciona-se de costas para o refletor que o irá

modificar, deixando partes de si para trás, virando-

se de costas para aquilo que o modifica. O refletor

que joga a luz que ilumina o personagem e que o

destaca na sala expositiva é também aquilo que

causará sua lenta decadência. O refletor cega, como

diz o título da obra, cega com luz. O vestígio está

na ordem do sensível. Nancy (2012) também reflete

sobre o rastro, que seria “o traçado ou o traçamento

(do) sensível, enquanto seu próprio sentido.”

(NANCY, 2012, p.303). Lembra a planta do pé, de

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forma simbólica, que deixa seu rastro enquanto pisa

no chão. O vestígio seria a pegada do ser passante,

o que resta da arte quando tudo ao redor dela

desapareceu. O passo de Luz que cega – sentado é

seu derretimento, essa é sua marca, seu rastro. A

obra em seu derretimento torna-se vestígio desse

passo e o vestígio está na ordem do sensível. É a

obra de arte, aquilo que fica, que deixou um sopro,

um vestígio.

2.1 O CORPOR EM RUÍNA

Tatiana Blass utiliza poucos materiais e

retrata um ser humano em tamanho real de cera,

mas este vai se desfazendo lentamente, em um

processo de desconstrução da forma, em ruína. De

certa maneira a artista começa sua obra com o ideal

clássico de beleza, em harmonia, equilíbrio e

serenidade. Mas, à medida que o refletor vai

expondo outras partes da obra, feitas de metal, e vai

desfigurando esse personagem, o ideal clássico

também se desconstrói, pois o que se vê agora é o

desarmônico, é o feio, como a fruta perecendo e o

ser definhando. A artista expõe o interior do ser e

quase humaniza esse personagem construído de

cera. Apoiado somente em uma cadeira, o ser

definha até se desfigurar e não poder ser mais visto

como uma representação do ser humano, pois

torna-se líquido, se esvai por entre a cadeira, se

perpetua no chão, tornando-se sólido novamente e

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tomando outra forma, uma forma vestigial. A

artista em suas obras de cera trabalha com a morte,

com o inelutável, a finitude, o tempo e com aquilo

que o ser humano não pode evitar: seu

desaparecimento físico do mundo, a morte. Traz à

tona um tema que vem do mal e do feio, mas

concebe a obra de tal maneira que ela se torna bela.

A artista trabalha com o corpo em ruína e faz com

que seja um belo poético.

A obra Coluna [Agachado] (figura 2) de

2013 apresenta novamente um homem feito de

cera, mas desta vez o corpo em ruína não se faz por

meio de um refletor, e sim de uma chapa de latão

aquecida. O corpo agachado inicialmente toca a

chapa de latão somente por sua cabeça, mas no

decorrer do processo de derretimento, é engolido

por completo pela chapa de latão.

Figura 2 - Tatiana Blass. Coluna [Agachado]. 2013. Cera

microcristalina, bronze fundido, chapa de latão e resistência

elétrica. Aprox.50x200x200cm. ArtBo, Bogotá, Colômbia.

Fonte: http://www.tatianablass.com.br

A placa de latão que derrete o corpo, o

reflete também. Pode-se estabelecer uma relação

com o mito de Narciso. Filho de Liríope, conta a

mitologia que Narciso apaixona-se por sua beleza

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ao se refletir nas águas calmas de uma fonte. O

jovem deixa de se alimentar e dormir e vai

definhando, fixando seu olhar em seu reflexo nas

águas. Assim como Narciso foi decaindo sua

existência ao se refletir nas águas, o corpo de

Coluna [Agachado] é engolido por si mesmo

refletido na placa de latão.

Giorgio Agamben (2007), em seu texto O

ser especial do livro Profanações, lembra que os

filósofos medievais foram fascinados pelo espelho

e que este poderia ser capaz de colher suas formas.

O autor reflete sobre o ser especial refletido no

espelho, se a imagem no espelho ocupa o lugar que

é do espelho ou quando o lugar da imagem não é o

espelho, pois não fica presa a ele: a imagem

refletida é sempre outra. O espelho seria o lugar

onde cada um descobre que possui uma imagem,

esta separada de si, que não a pertence. Pode-se

pensar então na água que reflete Narciso e na chapa

de latão que reflete o homem de Coluna

[Agachado] em dispositivos que os capturam. O

corpo do homem está prostrado diante daquilo que

olha. O reflexo de si é o que o leva à ruína, o traga

para a chapa de latão quente que o destrói

lentamente levando a seu declínio. Existe uma

condição de passividade em relação a essa ruína: o

corpo de Coluna [Agachado], de certa forma, está

paralisado diante de si mesmo, e com uma

prostração melancólica, é levado à decadência por

aquilo que o reflete.

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Tanto em Luz que cega – sentado como em

Coluna [Agachado] a ruína e a morte do corpo

estão presentes, mas ao mesmo tempo são tratadas

com beleza, com poesia pela artista. Mesmo em

decomposição, o corpo nunca é aniquilado

totalmente, restam sempre sulcos, partes de si,

resíduos, vestígios, traços de sua existência. A

dualidade da matéria nas obras de Tatiana Blass se

faz presente também na duração dos materiais. A

carne, feita de cera, permanece perecível, se

deteriora, enquanto o material ordinário, a cadeira,

a chapa de latão, a coluna de bronze e o refletor,

sobrevivem. Do estado sólido para o líquido, o

corpo de desfaz aos poucos, a carne de cera se

esvai pela cadeira e pela chapa de metal, se espalha

pelo chão e desfigura o corpo que inicialmente era

limpo, sereno e puro. A morbidade, mesmo que

presente, é tratada com sutileza pela artista e sua

poética delicada traz à tona um tema tão intenso

como a ruína do corpo em decadência.

Na história da arte moderna e

contemporânea, um artista que se interessou em

trabalhar o corpo foi o americano George Segal

(1924-2000). O artista inicialmente foi considerado

da vertente da arte pop por trabalhar com questões

do cotidiano, mas seu trabalho não se encerrou

nessa nomenclatura. Por alguns anos ministrou

aulas de artes e inglês e foi durante uma de suas

aulas em 1961 que um aluno da turma de adultos

trouxe uma caixa seca de ataduras de gesso. George

Segal levou a caixa para casa e experimentou usar

o gesso em seu próprio corpo, sendo que a partir

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desse momento que o artista passou a utilizar o

gesso como material escultórico.

George Segall fez inúmeras esculturas com

ataduras de gesso moldadas no próprio corpo de

seus modelos. Interessava a ele a construção de

cenas do cotidiano, dos corpos habitando um

espaço. Na figura 3 vê-se a obra The bus driver (o

motorista de ônibus em tradução livre), onde um

homem de gesso está sentado dentro de parte de um

ônibus. Segurando um volante, o homem sério

parece concentrado em sua tarefa e olha fixamente

para frente. Segundo as informações sobre a obra

no site da coleção de obras do MOMA (Museum

Of Modern Art) de Nova York, George Segal criou

a obra The bus driver depois de pegar uma linha de

ônibus tarde da noite na volta para casa, onde

deparou-se com um motorista arrogante e sombrio.

Dias depois teria se deparado com os restos de um

ônibus e então decidiu criar a obra, que teve como

modelo seu cunhado.

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Figura 3 - George Segal. The bus driver. 1962. Gesso sobre

gaze, peças de ônibus (caixa de moeda, volante, bando do

condutor, trilhos e painel) sobre blocos de madeira e concreto.

Dimensões aproximadas: 226 x 131 x 195 cm.

Fonte: www.moma.org

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Em suas obras de gesso, onde colocava

personagens inseridos em cenas do cotidiano, o

artista preocupava-se em retratar as pessoas, seus

gestos, a posição do corpo executando determinada

tarefa, retratando sempre em tamanho natural,

assim como faz Tatiana Blass. Embora as obras da

artista encontram-se sempre na condição de ruína,

algo próprio de seu gesto, inicialmente suas obras

são limpas e imaculadas e na ação dos refletores ou

chapas de metal é que a decadência da matéria

acontece. A primeira imagem da esquerda para a

direita na figura de Coluna [Agachado] de Tatiana

Blass, onde o corpo ainda está completo, poderia

ser uma imagem das obras de George Segal, na

limpeza das formas e na pureza das cores, pois

tanto o gesso como a cera possui uma tonalidade

parecida, são cores claras, sem pinturas e outras

cores, que deixam transparecer a forma dos corpos

apresentados pelos artistas. Outra semelhança entre

George Segal e Tatiana Blass é que ambos criam

seus personagens e os instalam em um lugar, seja

em uma exposição dentro de uma galeria, ou no

caso de George Segal, em alguns momentos

inseridos no cotidiano da cidade, os dois criam

cenas em que os personagens causam uma dúvida

pelo desconhecido, uma denegação por parte do

observador, que se reconhece nas obras dos artistas,

pois as esculturas são feitas à semelhança do corpo

humano, em sua estatura e detalhes.

Em seu livro O corpo impossível, Eliane

Robert Moraes (2012) aborda a consciência

moderna, sobre como o corpo vem sendo

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representado na arte e na literatura e reflete sobre

algumas palavras que fazem parte do vocabulário

modernista:

Fragmentar, decompor, dispersar: o

vocabulário que define a postura

modernista é exatamente o mesmo

que serve para designar a ideia de

caos, supondo a desintegração de

uma ordem existente, e implicando

igualmente as noções de

desprendimento e de desligamento

de um todo. (...) À fragmentação da

consciência correspondeu imediata

fragmentação do corpo humano.

(MORAES, 2012, p.59)

A autora ainda reflete que, em um mundo

onde o corpo pode ser tomado como uma unidade

material mais próxima ao homem, ele foi

imediatamente atacado e fragmentado na arte.

Relembra que a estética modernista tinha como

objetivo destruir o realismo do corpo. Tatiana Blass

é herdeira dessa estética modernista, e decompõe os

corpos lentamente, tornando suas partes

irreconhecíveis, dando a ver apenas do que se

constitui: de um corpo humano mas que,

claramente, encontra-se em decadência e ruína.

Moraes (2012) relembra que a geração

surrealista operava um desejo de decomposição e

fragmentação, sendo esta última observada na obra

de René Magritte L’évidence éternelle (figura 4).

Na obra, o corpo de uma mulher encontra-se

fragmentado em cinco partes, a primeira com seus

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pés e tornozelos, a segunda com os joelhos e parte

das cochas, a terceira com o sexo e barriga, a quarta

com o tronco e os seios e a quinta com o pescoço e

a cabeça. Todas as telas possuem tamanhos

distintos, conferindo um movimento de ruptura de

uma parte até a outra.

O corpo da mulher que Magritte representa

é limpo e sereno. É pensado de forma diferente de

como as obras de Tatiana Blass se apresentam.

Magritte fragmenta o corpo quase como se o corpo

fosse um objeto, cabendo uma parte em cada tela, e

de forma tranquila a personagem fita o espectador.

Nas obras em cera da artista encontra-se o caos

modernista da decomposição e ruína, de um corpo

dilacerado. Em Magritte o corpo é mutilado, mas

ao mesmo tempo, parece não estar, pois todas as

suas partes são vistas e reconhecidas, como se o

corpo pudesse ser montado novamente, diferente

das obras em cera de Tatiana Blass, onde o corpo

que se dissolve deixa de mostrar os membros e

partes do corpo com nitidez, formando uma grande

mistura, uma grande massa sendo derretida, que

não poderá ser desfeita, é um corpo que ao passo

do derretimento não será mais reconhecido como

tal. O corpo em pedaços de Magritte dá a ver o

corpo despedaçado, mas de uma forma menos

violenta do que mais tarde outros artistas o

apresentariam, como nas obras de cera de Tatiana

Blass.

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Figura 4 - René Magritte. L’évidence éternelle. 1930. Óleo

sobre cinco telas. Menil Collection, Houston.

Fonte: www.moma.org

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Moraes (2012) afirma que a anatomia

modernista desfigurava a forma humana, e não a

fixava de forma estável. O corpo apresentado por

Magritte é um corpo esquartejado, mas sem os

vestígios da violência, não há sangue, não há

fluidos, ao contrário da carne de cera de Tatiana

Blass, que torna-se um monte disforme e no chão

forma uma poça. O corpo, como apresentado por

Magritte e Tatiana Blass, não é nada mais que sua

matéria, ou seja, seu corpo: “Esvaziando o homem

de toda concepção ideal e de toda transcendência

psicológica, só lhes restará o corpo – ou melhor,

esse ‘quase nada’ revelado em certas partes do

corpo como, por exemplo, o dedão do pé.”

(MORAES, 2012, p.145).

A violência do corpo em decadência e ruína

traz a tona o tema da morte, como se as obras de

Tatiana Blass fossem memento mori, expressão em

latim que lembra que a morte um dia chegará para

todos. A morte não é nada além daquilo que é

inelutável, daquilo que não se pode evitar, da

condição de ruína do ser humano. As obras em cera

da artista trazem à tona o ciclo de vida e de morte.

O corpo diante da morte passa a ser tomado como

uma matéria, perecível e reciclável. O corpo de

cera em decadência perpassa a morte, que faz parte

da vida de todo ser humano, e que em algum

momento teve que lidar com a morte de outrem e

que lidará com a própria morte, desígnio este

intrínseco ao ser humano. Destino trágico e corpo

em ruína também são apresentados na obra Fim de

Partida tratada a seguir, onde a desfiguração da

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aparência do homem se faz presente, trazendo à

tona mais um retrato da condição humana.

2.2 A CENA EM FIM DE PARTIDA

“O fim está no começo e no

entanto continua-se.”

(BECKETT, 2010, p.113)

Um dos autores que Tatiana Blass costuma

ler é Samuel Beckett1. O universo que o autor cria

com seus fracassos humanos, solidões e maneiras

de pensar sobre a condição humana fazem parte do

imaginário da obra Fim de Partida de Tatiana

Blass. Baseada na peça de Beckett de mesmo nome

e escrita em 1957, foi montada nas artes visuais

pela artista. As relações que permeiam a peça

teatral e a peça visual serão tratadas a seguir. O fim

da vida de seus personagens, sua decadência, ruína

e humanidade estão presentes tanto na peça original

quanto na montagem artística.

1 Samuel Beckett (1906, Dublin – 1989, Paris), graduado em

Literatura, escritor amplamente reconhecido, foi um dos

nomes centrais do modernismo europeu. Em 1928 mudou-se

para Paris para lecionar e conheceu James Joyce, uma

importante referência. Possuía um rigor na montagem de suas

peças, dificilmente negociava mudança com os atores. Entre

todas as peças e novelas que escreveu, destacam-se Molloy,

Malone morre, que enfocava a solidão do homem, e também

O inominável, que lhe valeram o Nobel de Literatura em

1969. Fim de Partida é do ano de 1957, e é mais um de seus

textos que exibem as falhas e os fracassos do ser humano.

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Na peça Fim de Partida quatro personagens

encontram-se no interior de uma casa. Hamm,

personagem central, é cego, possui problemas de

locomoção, está sentado em uma cadeira no centro

do palco. Clov, empregado de Hamm, demonstra

ao longo do texto que também sofre com problemas

da velhice, contracena com uma escada, que

desloca para vários lados e transita entre a sala e a

cozinha. Nagg, pai de Hamm, e Nell, mãe de

Hamm, estão alojados em dois latões ora cobertos,

ora abertos, e os dois personagens foram mutilados

pela guerra. Poucos elementos compõem o espaço,

que conta ainda com um cachorro de três patas, que

Clov estava fazendo para Hamm, mas que este

prefere não esperar seu término para tê-lo em suas

mãos. Montagens da peça no teatro podem ser

obervadas nas figuras 5 e 6, que mostram o cenário

com poucos elementos e seus personagens.

A peça de Beckett possui diálogos

principalmente entre Hamm e Clov, onde o fim da

vida é lembrado com frequência. São diálogos que

permeiam a morte de uma vizinha, lembram o

estado de saúde das personagens, contam histórias

de suas lembranças dentro do cotidiano enfadonho

e repetitivo que se mostra a sala da casa de Hamm.

“Hamm: Você não está cheio disso? Clov: Estou!

Do quê? Hamm: Desse...dessa...disso. Clov: Desde

sempre.” (BECKETT, 2010, p.41). Estar cheio

dessa vida, desse cotidiano, de pedir repetidamente

à Clov seu remédio e não o obter são sempre as

queixas de Hamm. A peça retrata o fim da vida

encenado de forma repetitiva. Fábio de Souza

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Andrade faz a tradução e apresentação da edição de

Fim de Partida de 2010 e afirma:

As personagens de Fim de Partida estão às

voltas com a tarefa de acabar de existir,

virtualmente infinita e de conclusão

impossível. O cenário é um interior

cinzento, austero, batizado de abrigo, em

que seus quatro habitantes vivem como se

fossem os últimos sobreviventes de uma

humanidade devastada, últimos resquícios

de uma natureza que se esgota. A

proximidade enganosa do fim está não

apenas na escassez de meios – tudo na peça

(remédios, provisões, bicicletas) está se

acabando – mas também na decrepitude

física dos personagens (um cego paralítico,

um coxo, dois mutilados) e na rotina vazia

que custa a preencher o tempo da espera,

completamente desprovido de esperança.

(ANDRADE, 2010, p. 14-15)

A peça possui uma melancolia na existência

dos personagens que lentamente esperam por sua

morte, sua ruína. Hamm vê o fim da vida

aproximando-se, e em uma cena com Clov

pergunta-lhe a respeito de como está sua visão e

sua locomoção, ao passo que Clov responde com

um: “Vou e venho” (BECKETT, 2010, p.77),

Hamm lhe responde então:

Um dia você ficará cego, como eu. Estará

sentado num lugar qualquer, pequeno ponto

perdido no nada, para sempre, no escuro,

como eu. Um dia você dirá, estou cansado,

vou me sentar, e sentará. Então você dirá,

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tenho fome, vou me levantar e conseguir o

que comer. Mas você não levantará. E você

dirá, fiz mal em sentar, mas já que sentei,

ficarei sentado mais um pouco, depois

levanto e busco o que comer. Mas você não

levantará e nem conseguirá o que comer.

Ficará um tempo olhando a parede, então

você dirá, vou fechar os olhos, cochilar

talvez, depois vou me sentir melhor, e você

os fechará. E quando reabrir os olhos não

haverá mais parede. Estará rodeado pelo

vazio do infinito, nem todos os mortos de

todos os tempos, ainda que ressuscitassem,

o preencheriam, e então você será como um

pedregulho perdido na estepe.

(BECKETT,2010, p. 77-78)

Figura 5 - Cenário de Matias para uma nova encenação de

Fim de Partida dirigida por Roger Blin (Paris, 1968).

Fonte: BECKETT, Samuel. Fim de Partida. São Paulo:

Cosac Naify, 2010.

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Figura 6 - Fim de Partida, sob direção de Michael Blake,

com Magee, McGowran, Sydney Bromley e Elvi Halle

(Paris, 1964).

Fonte: BECKETT, Samuel. Fim de Partida. São Paulo:

Cosac Naify, 2010.

Neste trecho Hamm descreve sua cegueira,

como uma vasta escuridão. Como lhe parece ser os

dias, cansado de todos os afazeres, desgostoso das

atividades banais do cotidiano. O corpo cansado

chegará a um momento onde se encontrará perdido

na imensidão, no nada, como na estepe, uma região

de vasta planície da Rússia. O ambiente

acinzentado e as condições do tempo e da natureza

descritos por Clov trazem ainda mais a certeza de

um ambiente de melancolia, solidão e agruras em

que vivem as personagens. “Clov: Como tudo está?

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Em uma palavra? É isso que quer saber? Só um

segundo. (Dirige a luneta para o exterior, olha,

abaixa a luneta, volta-se para Hamm) Cadavérico.”

(BECKETT, 2010, p.70). As personagens

encontram-se como na descrição anterior de Hamm

a respeito de sua cegueira, perdidos no meio da

estepe, como se a região onde moram não possuísse

muitos habitantes. Vivem isolados em uma casa

com poucas janelas, onde o interior entra em

contato com o exterior somente pela luneta de

Clov, e mesmo o exterior mantém o mesmo aspecto

interno cadavérico como afirma Clov.

Na peça há ainda a relação de submissão de

Clov à Hamm, onde Clov tenta diversas vezes

deixar Hamm, mas sua dependência não o deixa

sair. “Hamm: Por que você não me mata? Clov:

Não sei a combinação da despensa” (BECKETT,

2010, p.45). Clov vive em uma condição de

passividade diante da situação, obedecendo à

Hamm e permanecendo a seu lado. Nagg e Nell

entram pouco nas cenas, com lembranças

fragmentárias e Nagg aceita escutar as histórias do

filho Hamm por um biscoito. Uma preocupação

com um possível rato na cozinha também

permeiam uma parte da peça que traz à tona “(...) a

vida em suas manifestações mais baixas, paródicas

e elementares (uma pulga, um rato, um cachorro de

pelúcia de três patas e sem sexo) (...) uma alegoria

da convivência entre o corpo e a mente às portas da

morte (...).” (ANDRADE, 2010, p.16).

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Tatiana Blass se apropria desse universo da

peça de Beckett para criar sua obra encenando-a

nas artes visuais. O uso da cera foi constante na

produção da artista por um período de dois a três

anos, onde criou personagens próprios, homens que

derretiam encostados a placas de metal ou sob a

mira de refletores, bem como representações de

cachorros nessas situações de ruína. A obra Fim de

Partida foi sua primeira produção com o material

da cera, e que depois se desdobraram em outras

obras como Luz que cega – sentado e Coluna

[Agachado] como visto no início deste capítulo.

Em Fim de Partida (figura 7) Tatiana Blass

posiciona as personagens feitas de cera em cima de

um palco. Hamm, Clov, Nagg e Nell são

representados cada um a sua maneira pela artista.

Hamm está sentado em uma cadeira de rodas, ao

centro, com um véu sobre sua cabeça. Clov está

representado junto à escada, esta utilizada tantas

vezes na peça de Beckett. Nagg e Nell estão dentro

de seus latões. O cachorro de três patas também

está no cenário. Há alguns outros objetos e, na

parede à direita, há uma pintura recente da artista.

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47

Figura 7 - Tatiana Blass. Fim de Partida. 2010.

Cera microcristalina, refletores, palco e objetos de cena.

5,00x8,00x4,40m.

Fonte: http://www.tatianablass.com.br

A artista preocupou-se em colocá-los no

palco, ficando clara a representação da peça. Em

entrevista concedida em 2013, perguntada sobre

sua alusão à peça de Samuel Beckett, a artista

responde:

Na verdade a obra Fim de Partida não é

exatamente uma alusão, eu encaro mesmo

como uma encenação da peça. Eu peguei

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tudo como é a peça, toda descrição dos

personagens, todo o figurino, os objetos de

cena, tudo como é a peça mesmo, e para

mim aquilo foi uma encenação da peça do

Beckett. (BLASS. In: BASCHIROTTO,

2014, p.56)

Figura 8 - Tatiana Blass. Fim de Partida. 2010.

Cera microcristalina, refletores, palco e objetos de cena.

5,00x8,00x4,40m.

Fonte: http://www.tatianablass.com.br

E a respeito de como foi a experiência de

realizar uma peça teatral nas artes visuais, Tatiana

Blass responde:

Para mim, Beckett, Odisseia ou Chopin, são

coisas tão estabelecidas na história da

cultura que elas são coisas. Como eu me

aproprio ao usar uma cadeira eu me

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aproprio ao usar o Beckett, que já possui

uma força e uma presença tão forte que são

coisas no mundo. Então é com essa

liberdade que eu me apropriei de algo

existente. A princípio eu até havia pensado

em fazer uma peça em que os atores

derretem com a ação do refletor e, no

momento, pensei em eu mesma escrever

esse texto, mas depois vi que não faria

sentido, porque as pessoas teriam que ler o

texto para saber do que se tratava, pois seria

algo totalmente novo. E o Fim de Partida é

algo que se as pessoas não conhecem a

peça, conhecem um pouco do universo que

é o Beckett. Acredito que a peça casou

muito com a ideia inicial, porque é um fim

continuado, um fim que nunca termina.

Então tem muita relação com essa ação que

está sempre em processo, você nunca vê

nem o começo, nem o fim, é sempre esse

indo embora, mas que nunca chega ao fim,

um fim infinito. (BLASS. In:

BASCHIROTTO, 2014, p. 56-57)

Apropriando-se da peça de Beckett, a artista

transforma e transfigura os personagens de carne e

osso em personagens de cera. Diferente de Beckett,

as personagens de cera de Tatiana Blass encenam a

peça muda. O texto é eliminado, ficando apenas a

presença de seu índice por meio das personagens.

A ruína dos personagens por si só permeia a obra

do escritor, mas a artista adiciona um dado

avassalador de sua ruína, pois os personagens estão

derretendo e desfazendo-se enquanto encenam,

enquanto a obra acontece. Presos em seus lugares,

as personagens de cera desfazem-se do estado

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sólido ao líquido por meio de refletores instalados

no teto. As luzes mais uma vez são paradoxais na

peça representada, pois ao mesmo tempo em que

iluminam o ambiente e destacam cada personagem,

também os leva à sua ruína e destruição da forma.

Diferente da encenação teatral tradicional, a

peça de Beckett por meio de Tatiana Blass, dura em

torno de dois meses, tempo de permanência da

exposição no espaço. A artista afirma que a

escultura em cera posta no local expositivo não está

pronta. Apenas torna-se obra quando seu

derretimento inicia-se. Na figura 8 é possível

perceber o derretimento lento que se faz em Nell. A

obra em cera, de material de fácil modificação, é

construída de tal forma que favorece sua própria

destruição. Sobre a obra a artista comenta:

Essa obra durou em torno de dois meses,

ficou no período da exposição. O museu

onde foi realizada ficava aberto algumas

horas por dia e a noite o refletor era

desligado, então o derretimento começava

de novo todos os dias. Esse trabalho foi

como uma continuidade de Fim de Partida,

que tinha a história dos atores que iam

derretendo, de criar essa ação continuada.

(BLASS. In: BASCHIROTTO, 2014, p.56)

A relação do material usado pela artista para

encenar a peça de Beckett parte da questão da

finitude, do derretimento que acontece lentamente,

assim como a existência humana. No fim da vida,

as personagens de Beckett estão envoltas em sua

sobrevivência, em viver um dia de cada vez. Vão

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esvaindo lentamente a cada dia como o material da

cera utilizado, que derrete lentamente cada

personagem enquanto acontece a exposição. O

tempo é uma das questões também abordadas por

Beckett e que Tatiana Blass utiliza com o uso da

cera. O tempo da vida torna-se o tempo da cera. Há

uma especificidade no tempo de uma peça

encenada de maneira tradicional com atores e o

tempo diferenciado da peça encenada pelos

personagens de cera. O tempo do derretimento é

mais lento do que o tempo da encenação, mas é

mais curto do que o tempo da existência do ser

humano. O tempo pensado por Beckett ganha uma

dimensão especial na representação de cera pela

artista que afirma que não possui controle sobre

como a peça vai acabar, apenas dá o início com a

ligação dos refletores. A obra prolonga-se até o fim

da exposição, que pode também ser o fim desse

jogo, desse ciclo, o fim de partida proposto por

Beckett que leva à ruína.

A finitude do ser humano na peça de

Beckett é representada por Tatiana Blass pelo

derretimento da cera, por esse esvaecimento. O

derretimento aparece como ruína, como

desaparecimento da vida. Prolongada por um

tempo, a vida mantém sua sobrevivência, mas uma

sobrevivência disforme, como a mutilação existente

em cada personagem. A deformação presente na

descrição das personagens de Beckett e que

aparecem ao longo de seu texto, como as

dificuldades de locomoção de Clov e Hamm, a

cegueira de Hamm, a mutilação dos corpos de

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Nagg e Nell, aparecem como metamorfoses do

corpo, representadas por essa deformação causada

na cera por meio do calor gerado pelos refletores.

Cada personagem é afetado e acaba por deformar-

se e desfigurar-se. O cachorro de três patas, que se

assemelha aos personagens humanos, também é

representado pela artista, e ele é o único que não

derrete, é um corpo que permanece mutilado desde

o início da peça. A ruína é um resto daquilo que já

existiu e possui diversas camadas de histórias, que

são também futuro.

O aparecimento do fracasso nos textos de

Beckett agora se faz presente na obra em cera, que

fracassa ao tentar manter-se inteira, em um jogo de

paralisia e mobilidade. Personagens quase

paralisados movem-se lentamente através de seu

derretimento. Ainda sobre a apropriação da peça de

Beckett para as artes visuais, a artista comenta:

Não penso tanto sobre o que Fim de Partida

suscita como discurso, mas o que suscita

como ficção, como imagem, como matéria.

Os personagens estão mudos, o texto está

calcificado no cenário, aparece como um

discurso paralisado, esgotado pelo tempo.

Um tempo condensado pela cena

construída, como se a peça inteira

acontecesse de uma só vez ou fosse a sobra

de uma ação que já se realizou. Da mesma

maneira é um tempo esgarçado, esticado,

mais lento do que conseguimos apreender,

já que os personagens ocorrerão por

semanas. (BLASS, 2011)

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Os momentos da vida que antecedem seu

fim pensados por Beckett agora são encenados por

Tatiana Blass, que trabalha não só com esse fim

continuado, mas com a ruína que leva à morte.

Sobre a presença do tema da morte em seus

trabalhos a artista afirma:

Mas acho que a história da morte é algo

muito presente mesmo, mas no sentido não

tanto da morte como algo da morte real

mesmo. Acho que tem muita relação

também com essa ideia de fim continuado

nos trabalhos, que na verdade não é somente

uma morte, mas há também. (BLASS. In:

BASCHIROTTO, 2014, p. 57)

A morte não é nada além daquilo que é

inelutável, aquilo que não se pode evitar, a

condição de ruína do ser humano. Flávio de

Carvalho escrevendo sobre as ruínas do mundo

afirma que as pinturas não naturalistas ou

expressionistas, “possuem as recordações mais

dramáticas da alma do homem, estão

completamente fora da ideia cronológica de tempo,

as formas pintadas são animistas.” (CARVALHO,

2005, p. 44). Pode-se pensar as figuras em ruínas

de Tatiana Blass como essas formas, possuem os

resíduos do mundo, pois representam o ser humano

que um dia existiu mas encontra-se em ruínas.

O resíduo possui uma força, uma

animosidade, e através dele podemos sentir e

compreender mais sobre uma época. “A aparência

estática do resíduo pertence mais à ideia

cronológica de tempo, do tempo em que

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percebemos, pois que o resíduo tem uma

animosidade frequentemente muito mais forte e

muito mais movimentada que a do observador.”

(CARVALHO, 2005, p.48). Os resíduos de Fim de

Partida podem ser os resíduos e a ruína de diversos

seres humanos que um dia encontraram-se

próximos da morte. Em um primeiro tempo o que

aparece são as ruínas do mundo do tempo de

Beckett e mais tarde encontram-se as ruínas do

mundo atual, representado por Tatiana Blass. São

dois tempos que se cruzam, as ruínas de Beckett

com as ruínas da artista, o tempo e as ruínas do

mundo em movimento, com a animosidade de seus

tempos diversos. “(...) porque o resíduo não

recebeu o contato de um só homem isolado a um

dado momento, mas sim o de uma história.”

(CARVALHO, 2005, p.47). A morte permeia o ser

humano desde sua existência, é intrínseca a ele,

assim como aos personagens de Beckett, que vivem

o cotidiano repetitivo e melancólico à espera de seu

fim e aos personagens representados por Tatiana

Blass, que para existirem necessitam ser destruídos

lentamente. Dar a ver a esse aspecto da morte é

perceber que a existência da humanidade sempre

permeou seu fim. E o fim pensado por Beckett é

carregado de outros fins, não somente a possível

reflexão sobre sua própria morte, mas o fim de

Hamm, Clov, Nagg e Nell, contém o fim de toda

humanidade.

Os ossos exprimem a história biográfica do

ser humano. Pode-se pensar que a cera derretida dá

a ver e revela também as personagens e suas

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tragédias. Clov derrete em sua escada, Hamm em

sua cadeira, Nagg e Nell em seus latões. Cada qual

em seus lugares dão a composição construída por

Beckett, cada um com suas limitações. No caso das

personagens em cera não há esqueleto ou caveira

que permaneça, mas a cera, que se transforma

facilmente, também se torna vestígio daquilo que

em algum momento foram as personagens. Para os

alegoristas barrocos, as caveiras eram vistas como

imagens da vaidade, da futilidade, daquilo que era

transitório na existência humana. A história era

vista como um processo de declínio, como na peça

de Beckett, onde as personagens estão à espera de

seu fim e onde as figuras de Tatiana Blass

encontram-se em ruína. Pode-se pensar em Fim de

Partida, tanto a peça encenada por pessoas quanto

por obras de cera como um pensamento sobre a

natureza transitória. Pode ser vista como alegoria

humana, que lembra como o fim está próximo.

2.3 A PERSISTÊNCIA DO ANIMAL

Tatiana Blass, por vezes, retrata o homem

em situações de decadência e ruína, como abordado

anteriormente em suas esculturas de cera que

mostram corpos derretendo. O imaginário

melancólico de Samuel Beckett que permeia Fim

de Partida agrega ainda mais decadência aos

personagens que se encontram em decadência. As

obras da artista trazem elementos que parecem

estar fora do lugar, ao mesmo tempo em que as

ilusões, as ficções imaginadas são plausibilidades

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do pensamento da artista. Chama atenção em suas

obras a persistência do animal, retratado em

dezenas de suas obras, entre pinturas e

esculturas/performances de cera.

O cavalo era representado com maior

frequência no início da carreira em suas esculturas

e gravuras, por vezes fragmentado como em Páreo

de 2006 onde se vê as patas feitas de mármore

branco descendo uma grande escadaria, mas em

nenhum momento o cavalo encontrava-se

definhando ou derretendo. Mais recentemente, a

recorrência têm sido de outro animal, o cachorro,

que aparece se dissolvendo tanto no escorrido de

suas pinturas quanto em suas obras tridimensionais.

Perguntada em entrevista no fim de 2013 sobre a

presença do animal em suas obras a artista afirma:

[...] na verdade eu não tenho muito

uma relação pessoal minha com o

cachorro. Escolhi por ser uma

figura muito próxima ao homem

[...] os cachorros surgiram muito

com essa coisa do ator impossível,

como nas pinturas que estão nos

palcos. Mas não há nenhuma

história pessoal, foi mais por ser o

animal mais próximo do homem,

quase tão humano, e que as pessoas

fazem o máximo para humanizar.

(BLASS. In: BASCHIROTTO,

2014, p.56)

Na obra Sua até sumir, sua carne (figuras 9

e 10) de 2010, um cachorro agachado é colocado

no chão e o refletor, posicionado em suas costas,

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começa derretendo sua carne de cera lentamente,

revelando ossos que vão ficando cada vez mais

aparentes enquanto a exposição acontece e a luz do

refletor derrete o animal. A ruína, neste caso, pode

ser pensada como um olhar histórico que se cruza,

pois os ossos que ali estão pertenceram a um

animal que existiu de fato, mas que acabou

emprestando sua história contida em seus ossos

para a criação de uma obra de arte e, de certa

forma, permanecendo vivo por mais tempo, mas

não escapando novamente de seu destino de

destruição. O cachorro prostrado é entregue a uma

força externa que o leva ao desaparecimento e

desconstrução da forma. Sobram os ossos, os ossos

do mundo.

O animal em decadência dá a ver a ruína do

ser humano, sua decomposição após a morte, seus

restos de ossos. Jacques Derrida em seu livro O

animal que logo sou, publicação consequente de

um colóquio em Cerisy no ano de 1997, reflete

sobre a condição do animal em relação ao ser

humano, e a animalidade do próprio homem.

Derrida afirma que Bentham2 propôs mudar a

forma da questão do animal. Que a questão não é

saber se o animal pode pensar, raciocinar ou falar.

“A questão prévia e decisiva seria a de saber se os

animais podem sofrer. “Can they suffer?”. Eles

podem sofrer?, perguntava simplesmente e tão

profundamente Bentham.” (DERRIDA, 2002,

p.54). Em Sua até sumir, sua carne, a artista coloca

2 Jeremy Bentham (1748-1832), filósofo inglês.

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o personagem cachorro na mesma condição em que

coloca o personagem humano em Luz que cega –

sentado e em Coluna [Agachado]. A decadência e

a ruína que sofre o personagem humano sofre

igualmente o personagem animal. Ambos são

colocados em um patamar de igualdade,

definhando até seu desaparecimento. A questão é se

o animal de Sua até sumir, sua carne também

sofre, se esse corpo em decomposição, a

representação de um cachorro, se esta

representação do animal dá a ver um sofrimento. Se

há sofrimento, tanto do personagem homem como

do personagem animal, esse sofrimento é traduzido

na forma de uma prostração condescendente.

Compartilhamos a mortalidade com os animais,

pois a finitude não é qualidade apenas humana:

“Aí reside, como a maneira mais

radical de pensar a finitude que

compartilhamos com os animais, a

mortalidade que pertence à finitude

propriamente dita da vida, à

experiência da compaixão, à

possibilidade de compartilhar a

possibilidade desse não-poder, a

possibilidade dessa

impossibilidade, a angústia dessa

vulnerabilidade e a vulnerabilidade

dessa angústia.” (DERRIDA, 2002,

p.55)

Com uma afirmativa que diz que sim o

animal sofre, e que compartilha do sofrimento, da

morte e finitude humana, a questão muda. Derrida

afirma que o animal nos olha, interroga a nossa

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própria humanidade, e assim ficamos nus diante

dele, e que seu pensamento começa aí. Reflete

sobre a nudez diante do animal, da vergonha de

ficar nu diante de seu gato que o observa. Afirma

que o animal não está nu, pois não tem a

consciência de estar nu, declara que o que distingue

o ser humano dos animais é o fato de o animal estar

nu sem o saber, sem ter a consciência de estar nu,

sem se sentir nu, sendo o vestir algo próprio ao

homem.

Figura 9 - Tatiana Blass. Sua até sumir. Sua carne. 2010.

Parafina, ossos e refletor. 150x150x100cm.

Fonte: Catálogo Tatiana Blass 2010 Figura 10 - Tatiana Blass. Sua até sumir. Sua carne. 2010.

Parafina, ossos e refletor. 150x150x100cm.

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Fonte: Catálogo Tatiana Blass 2010

Diante do gato que me olha nu,

teria eu vergonha como um animal,

que não tem o sentido da nudez?

Ou, ao contrário, vergonha como

um homem que guarda o sentido da

nudez? Quem sou eu então? Quem

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é este que eu sou? A quem

perguntar, senão ao outro? E talvez

o próprio gato? (DERRIDA, 2002,

p.18)

Em Sua até sumir, sua carne, o cachorro

definha em sua nudez e, nas representações

humanas em outras obras da artista, o ser humano

encontra-se sempre vestido, como se precisasse

estar vestido, pois isso é algo próprio de si. Ambos

derretem, definham até a morte, e estão vestidos, o

ser humano com roupas e o cachorro com o

desconhecimento de estar nu.

Tatiana Blass humaniza o cachorro em

algumas situações, como na obra Teatro para

cachorros e aviões #1 (figura 11) de 2009, onde

cria uma cena impossível de dois cachorros e dois

aviões contracenando em um palco. No quadro de

cores opacas e tinta escorrida, o animal e a máquina

tomam o lugar do homem na representação,

tornando uma cena que poderia ser absolutamente

corriqueira em algo incomum. Cachorros e aviões

em movimento dividem a cena em um palco. Um

avião menor sobrevoa e quase some na escuridão

do fundo. O avião maior pousado no chão possui

uma cortina de tinta escorrida por cima de si, e os

pequenos rastros de tinta fazem perceber que não

está pousado, mas pousando. Os cachorros também

sofrem a ação da tinta escorrida por sobre si, e um

deles, mais próximo ao avião, por pouco não se

mistura com o amarelado do fundo. Outras

manchas escuras na tela poderiam ser mais

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cachorros ou aviões que foram sendo apagados

pelas camdas de tinta.

Figura 11 - Tatiana Blass. Teatro para cachorros e aviões #1.

Acrílica sobre tela. 150 x 220cm. 2009.

Fonte: www.tatianablass.com.br

Os personagens impossíveis de uma cena

teatral imaginada pela artista encontram-se sempre

na condição de desaparecimento, mesmo na

pintura, pois é preciso atenção para reconhecer

cada personagem que se mescla com o fundo ou

possui uma cortina de tinta escorrida por sobre si.

As camadas de pintura, apesar de estarem secas

também propõem uma ação de desconstrução, pois

o escorrido da pintura sugere um movimento

incessante, como acontecem nas obras de cera, que

estão em constante desconstrução. Tanto nas

pinturas quanto em suas obras em cera, o gesto de

desconstrução da artista pode ser encontrado.

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Em um espetáculo teatral, o que se espera

de seus personagens é a fala, o diálogo em si. Os

personagens de Tatiana Blass estão mudos,

primeiro porque são pintura, devaneios sobre a tela,

segundo porque são animais e máquinas que não

possuem a condição da fala. O homem, por sua vez,

possui o poder da linguagem, e com ela nomina

todas as coisas. DERRIDA (2002, p.62) afirma

que: “Os homens seriam em princípio esses

viventes que se deram a palavra para falar de uma

só voz do animal e para designar nele o único que

teria ficado sem resposta, sem palavra para

responder.” O animal estaria então privado de seu

direito de resposta por meio da linguagem, pois não

a possui. A própria designação animal foi cunhada

pelo ser humano. “O animal, que palavra! É uma

palavra, o animal, é uma denominação que os

homens instituíram, um nome que eles se deram o

direito e a autoridade de dar a outro vivente.”

(DERRIDA, 2002, p.48). Privados da palavra, em

sua mudez, os cachorros de Tatiana Blass seguem

encenando um teatro improvável. A condição de

estranhamento da obra traz à luz a própria condição

da fala humana. O teatro de cachorros e aviões faz

refletir a própria humanidade.

Outro cachorro que constrói uma cena nas

obras da artista se encontra na obra Fim de Partida.

Abordada anteriormente em outros aspectos, Fim

de Partida possui o personagem cachorro (figura

12), que é uma espécie de brinquedo feito por Clov

para Ham. Como na peça de Beckett, o personagem

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Ham não quer esperar Clov terminar o cachorro,

ele o ganha mesmo faltando uma pata. O cachorro

então faz parte dos personagens mutilados da cena

de Fim de Partida, como todos os humanos que

possuem cada um sua impossibilidade. Mas o

cachorro de Fim de Partida é o único personagem

que não derrete em cena.

Figura 12 - Tatiana Blass. Fim de Partida (Detalhe). 2010.

Cera microcristalina, refletores, palco e objetos de cena.

5,00x8,00x4,40m.

Fonte: http://www.tatianablass.com.br

O cão de Fim de Partida pode aparecer

como um duplo de seus personagens, pois se

encontra mutilado como todos os personagens

humanos, sendo como uma cópia do corpo

humano, em formato de cachorro. Como a própria

artista afirmou em entrevista no trecho citado

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anteriormente, o cão foi seu animal escolhido não

por uma afinidade pessoal, mas por ser o animal

que mais se aproxima do ser humano em seu dia-a-

dia, que é mais humanizado na sociedade. O animal

em um estado metafórico manifesta a condição

humana apresentada na peça de Beckett e

posteriormente na obra da artista. MORAES (2012,

p.129-130) afirma: “[...] não é o animal que

empresta suas formas para a encenação das paixões

humanas, mas, pelo contrário, é o homem que,

alargando suas fronteiras, toma posse dos

psiquismos bestiais.” O cachorro ser o duplo dos

personagens de Fim de Partida é apropriado, pois o

cão é um animal domesticado e não apresenta mais

a monstruosidade e os comportamentos selvagens

de outros animais que gozam de sua liberdade e

animalidade por completo. O homem, portanto,

assim como o cão, foi domesticado com a

civilização e perdeu sua animalidade. O cachorro,

na cultura ocidental, é tratado como parte das

famílias, tornando-se mesmo o duplo do ser

humano, sendo tratado, em alguns casos, como um.

O homem seria então, um animal domesticado,

assim como o cão.

O cachorro não é mais visto como uma fera,

ou um monstro. MORAES (2012) aponta que a

aranha, o gorila e o hipopótamo podem ser vistos

como animais ferozes que revelam uma semelhança

com os monstros imaginários, pois sua ferocidade e

aparência acompanha esse imaginário do monstro,

causando espanto e medo.

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66

(...) os monstros imaginários

figuram quase sempre como um

prolongamento das formas

naturais; na sua origem não só as

espécies mais aberrantes do reino

animal que desmentem a perfeição

da fauna “acadêmica”, mas

também os homens mutilados e

deformados, que desmentem o

ideal humano. (MORAES, 2012,

p.132-133)

O cachorro mutilado também dá a ver a

imperfeição do animal e, constituído como o duplo

do próprio homem, traz à tona a imperfeição da

natureza e coloca o observador em uma condição

de estranhamento. Na história da arte ocidental

encontram-se diferentes exemplos de artistas que

representaram e tiveram um animal que retornava

em suas obras como vestígio de um sintoma que

sempre se repetia. Na arte moderna há, por

exemplo, Joseph Beyus e a presença da lebre em

seus trabalhos, ou mesmo Marc Chagall e o bode, e

Gustave Courbet e a presença do cachorro, este

último abordado a seguir como o duplo do ser

humano, o animal que o acompanha.

Gustave Courbet (1819-1877), pintor

francês, foi um dos realistas mais conhecidos. O

artista não produzia pinturas religiosas, mitológicas

ou históricas, mas se preocupava em representar o

cotidiano. “O artista moderno deve confiar em sua

experiência direta; deve ser um realista. (“Não

posso pintar um anjo, pois nunca vi nenhum”,

disse)” (JANSON;JANSON, 1996, p.328). Courbet

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se distanciou do clássico e do romântico, mas não

nega as influências que outros artistas como

Caravaggio e Rambrandt tiveram para ele. Seu

realismo não era a imitação da natureza, ou sua

representação mimética, era encarar a realidade de

frente. Segundo ARGAN (2001), sua realidade é o

conjunto de imagens captadas pelo olho. E a partir

dessa realidade captada, o artista a resignifica,

transformando-a. O que Coubert trouxe de

diferente para a arte não foi um novo estilo, mas

um novo tema, onde, a partir do artista, as

representações do cotidiano se tornaram cada vez

mais presentes.

Courbet segundo MALPAS (2001, p.9)

estava convicto de que o tema das pinturas deveria

ser as coisas como elas são e que isso deveria

sustentá-la. O artista colocou em prática esse

pensamento em diversas obras, como em Bonjour

Monsieur Courbet de 1854, onde representa a si

mesmo caminhando pelo campo com uma mochila

de pintor nas costas e encontra seu cliente e um

criado no caminho acompanhados de um cachorro.

Também na obra Enterro em Ornans (figura 13) de

1849-1850, onde apresenta um ritual cotidiano

ocidental, onde coloca em prática seu ideal realista,

até mesmo com seus títulos literais. Na pintura, o

enterro acontece em sua cidade natal Ornans, com

personagens reais da cidade, como sapateiros,

comerciantes, funcionários da igreja, membros do

clérigo e membros da família de Courbet. Cada

pessoa foi ao ateliê do artista para posar para ele e

em meio a clérigos, homens notáveis e senhoras, o

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cachorro de Courbet aparece em cena no ritual.

Próximo à cova, o cão de Courbet aparece de pé,

olhando para o lado oposto ao enterro como

também outros personagens que olham em direções

opostas, possivelmente por conta do mau cheiro

que exala o defunto que está sendo enterrado. O

cão é colocado em pé de igualdade com os

humanos, aparece como mais um personagem que

acompanha o enterro. A obra de Courbet poderia

ser descrita como uma vânitas, que lembra que um

dia todos perecerão, e o cão próximo à cova faz

lembrar novamente que a morte não é uma

condição exclusivamente humana, pois

compartilhamos a mortalidade com todos os seres

vivos.

O cachorro branco com manchas pretas se

posiciona próximo a um homem em destaque e as

senhoras, e se coloca em primeiro plano na pintura.

O mesmo cachorro é representado na obra

Cachorro de Ornans (figura 14) de 1856, anos

mais tarde da primeira representação. Como se

tivesse sido feita uma colagem de imagens, o

cachorro de Enterro em Ornans é duplicado

sozinho em outra tela, ganhando ainda mais

destaque. Desta vez, é colocado em meio a uma

paisagem onde não se avista nenhum outro ser.

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Figura 13 - Gustave Courbet. Enterro em Ornans. 1849-1850.

Óleo sobre tela. 3,15 x 6,68m. Acervo Musée d’Orsay, Paris.

Fonte: www.gustavecourbet.org.

Os cachorros inseridos nas pinturas

acompanham o realismo de Courbet, e são

acrescentados em cenas cotidianas. Em algumas

pinturas acompanham seus donos em passeios, em

outras estão caçando lebres, e em outras estão

posando ao lado das figuras, como na obra

Autorretrato (Courbet com seu cachorro preto)

(figura 15) de 1842, onde Courbet se retrata ao lado

de seu cão. Sentados no chão em meio a uma

paisagem, Courbet está ao lado de seu cachorro,

que o acompanha. Segurando com uma das mãos

um cachimbo, deixou recostado a seu lado sua

bengala e um livro. Ambos olham em direção ao

observador, e o cão aparece como o duplo do

artista, pois da maneira como o cão e o próprio

Courbet se representou, ambos se parecem. Os

cabelos soltos e negros de Courbet aparecem como

uma repetição da pelagem das orelhas do cachorro

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sentado junto a si. O cão interroga sua própria

humanidade e permanece a seu lado como um

duplo de si mesmo.

Figura 14 - Gustave Courbet. Cachorro de Ornans. 1856.

Óleo sobre tela. Acervo particular.

Fonte: www.gustavecourbet.org.

As obras de Tatiana Blass apresentam o

cachorro em um cotidiano imaginado, em meio a

um palco contracenando com aviões ou se

desintegrando ao ser derretido. Courbet apresenta o

cachorro em cenas do cotidiano, que acompanha

seu dono a um enterro, que está ocupado com a

caça, que posa ao lado de seu dono. Mas assim

como o cão que faz parte da cena de Fim de

Partida de Tatiana Blass, o cão de Autorretrato

(Courbet com seu cachorro preto) é o duplo de seu

personagem. Em Courbet o animal não está em

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decadência ou ruína, não derrete, mas se posiciona

como personagem principal, assim como nas obras

de Tatiana Blass e ambos se mostram como o duplo

dos personagens humanos. O animal interroga a

humanidade e o cão preto sentado ao lado de

Courbet lembra que o animal pode ser pensado

como o duplo da representação humana. Courbet

pensa no cão como uma personagem, até mesmo

um protagonista, coloca o personagem cachorro em

igualdade com o personagem humano, algo que

retorna mais tarde em Tatiana Blass e permanece

em repetição.

Figura 15 - Gustave Courbet. Autorretrato (Courbet com seu

cachorro preto). 1841. Óleo sobre tela. 46,3 x 55,5cm. Acervo

do Museé Du Petit Palais, Paris.

Fonte: www.gustavecourbet.org.

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O cão de três patas da artista revela a

decadência e o fim da vida de seus personagens

humanos, e o cão de Enterro em Ornans apresenta

a cova, lembrando que um dia todos perecerão. O

cão de Tatiana Blass repete a sina de

desaparecimento da qual os seres humanos sofrem

e o cão de Courbet repete as ações dos humanos ao

se aproximar da cova e acompanhar o enterro ou

mesmo ao se posicionar ao lado de seu dono, como

se fosse o seu eu duplicado. Os cães de Courbet

como os de Tatiana Blass lembram que a

perecibilidade e a ruína não fazem parte apenas da

condição existencial humana e que o homem

compartilha sua fragilidade carnal e sua decadência

com os animais.

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II CAPÍTULO

PRESENÇA E AUSÊNCIA DA PALAVRA

NOS VÍDEOS E SUPORTES BIPLANARES

Ao longo de sua trajetória, Tatiana Blass foi

despertando e aperfeiçoando a escrita em suas

obras. Escreveu diferentes diálogos para seus

vídeos, pequenas prosas para acompanhar as

pinturas em algumas exposições e se apropriou da

moderna literatura de Samuel Beckett, como

abordado no capítulo anterior. Recentemente

lançou um livro infanto-juvenil pela editora Cosac

& Naify intitulado A Família Mobília, onde texto e

ilustrações são da artista.

O uso das palavras na história da arte

ganhou maior destaque com a arte moderna e

contemporânea. A arte conceitual fez uso

recorrente das palavras em suas obras e na arte

contemporânea encontram-se artistas que utilizam

com frequência textos e livros célebres como ponto

de partida em trabalhos visuais. Na poética de

Tatiana Blass as palavras adicionam mais uma

camada de leitura, nas pinturas são complementos

que carregam ficções, nos vídeos dialogam com as

situações, e mesmo na ausência das palavras,

notamos sua força mesmo na inexistência.

A presença da palavra nas obras da artista se

faz por diferentes vieses. Um deles é

acompanhando suas pinturas, como na obra Teatro

da despedida #1 (figura 16 e 17) que fez parte da

exposição Teatro para cachorros e aviões na

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Galeria Millan em 2010, onde se mesclavam

pinturas e pequenos textos. A obra é mais uma

pintura onde cachorros e aviões convivem em uma

encenação impossível, de mesmo período da

produção de Teatro para cachorros e aviões #1,

abordada no primeiro capítulo desta dissertação. Na

exposição em que Teatro da despedida #1, um

pequeno texto foi apresentado a seu lado:

Figura 16 - Páginas 6 e 7 do Catálogo da exposição Teatro da

Despedida.

2010. Fonte: arquivo pessoal.

Seu tormento vinha do segredo que

alojava. A voz o sufocava, a

palavra saía como um grunhido,

quase só som, sem beira de sentido.

O problema era que sabia de tudo...

Tão melhor que não soubesse!

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Conviver com aquelas palavras

escondidas era como um barulho

que coçava... e quando lembrava,

doía. Às vezes chegava a arder.

(BLASS, 2010, p.7)

Figura 17 - Tatiana Blass. Teatro da despedida #1. 2009.

Acrílica sobre tel a. 80x100cm.

Fonte: www.tatianablass.com.br

O texto fala sobre o segredo que alguém

possui e que dói guardar só para si, que seria

melhor não conhecer aquelas palavras, que

repetidas em sua mente causam dor. A artista

trabalha com poesia em prosa, e cria uma ficção

com seu pequeno texto, cria um personagem que

possui um segredo e está refletindo sobre ele. Na

pintura trabalha o visual e com o texto uma

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narrativa, criando um jogo visual. Afirma que a

relação entre obra visual e obra textual é autônoma,

sendo que se “se você visse a pintura sem ler o

texto ou o texto sem ter a pintura, os dois

sobreviveriam bem. O texto surge muito quando

penso em mais uma camada de literatura, mais uma

camada de ficção.” (BLASS. In: BASCHIROTTO,

2014, p.58). Maurice Blanchot (2001) em seu texto

Falar, não é ver afirma que o olhar e a palavra se

distinguem no que dão a ver. Com o olhar vemos

um conjunto, mas com o limite de uma linha de

horizonte. Com a linguagem é possível ver de todos

os lados, como em um campo de visão estendido,

ampliado.

Com a linguagem é como se

pudéssemos ver a coisa por todos

os lados. (...) Então começa a

perversão. A palavra não se

apresenta mais como uma palavra,

mas como uma visão liberta das

limitações da visão. Não uma

maneira de dizer, mas uma maneira

transcendente de ver.

(BLANCHOT, 2001, p.68)

Com a pintura de Teatro da despedida #1 o

observador pode ver somente um plano, o plano da

pintura, da imagem, e com o texto é possível ver

por todos os lados, sem barreiras, como se a

palavra contasse muito mais da imagem do que a

própria imagem. “A palavra (pelo menos a que

interessa: a escrita) desnuda, sem mesmo retirar o

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véu, e às vezes, ao contrário (perigosamente),

encobrindo – de uma maneira que não cobre nem

descobre.” (BLANCHOT, 2001, p.69). A palavra

pode desnudar mas, ao mesmo tempo, tornar

enigma. Qual seria o segredo de que escreve

Tatiana Blass, que palavras coçam e não podem ser

ditas? Seria possível uma relação do texto com a

imagem de um cachorro e um avião contracenando

em um palco? Estariam o cachorro e o avião

encenando este pequeno teatro da despedida? O

texto em Teatro da despedida #1 acompanhado de

seu título agregam ainda mais possibilidades de

leituras e enigmas que a obra pode suscitar.

Na pintura a artista constrói uma situação

que mais parece ter saído de um sonho, um

cachorro, um avião voando, a tinta escorrida em

devaneios. Seria o fragmento de um sonho?

Aqueles sonhos singulares que não podem ser

compreendidos?

Não é assim que acontece nos

sonhos? O sonho revela

descobrindo. (...) Ver no sonho, é

estar fascinado e o fascínio produz-

se quando, longe de apreender a

distância, somos possuídos pela

distância, investidos por ela. Na

visão, não somente tocamos a coisa

graças a uma distância que nos

alivia, mas a tocamos sem ficarmos

estorvados por ela. No fascínio,

talvez já estejamos fora do visível-

invisível. (BLANCHOT, 2001,

p.69)

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Em um sonho um teatro da despedida pode

se realizar com um cachorro e um avião e a relação

desses personagens com um segredo que é

guardado por um deles. No sonho todos os

devaneios são possíveis e passíveis de acontecer.

No momento do fascínio, quando se está longe de

si, os delírios tornam-se plausíveis.

3.1 A PRESENÇA DA PALAVRA

A palavra em situação bastante elementar

está presente nas obras de Tatiana Blass. Em

diversos vídeos, como parte fundamental de suas

obras, os diálogos incluem informações sobre a

situação pela qual passam suas personagens,

adicionando camadas de ficção às imagens

fílmicas. A seguir serão abordados dois de seus

vídeos, Eletrical Room e Hard Water.

A obra Eletrical Room (figura 18 e 19) foi

produzida no ano de 2013 no Museum of

Contemporary Art Denver. A obra consiste em uma

instalação composta por duas partes, na primeira

uma pilha com diversos equipamentos

audiovisuais, entre eles dez telas onde rodam

vídeos simultâneos de personagens conversando

entre si; na segunda parte, os fios que saem desses

aparelhos atravessam a parede para outra sala e se

estendem por todo espaço expositivo, plugados nas

tomadas espalhadas no chão, nas paredes e no teto.

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Assim como na obra Penélope, que será abordada a

seguir, Eletrical Room pode ser descrita de trás

para frente, pois não possui um começo e nem um

fim determinado, ela pode começar pelas telas e

passar para os fios, ou pode partir dos fios e chegar

às telas.

A instalação ocupa todo o espaço expositivo

e, como na figura 19, parece ser como um iceberg,

onde os televisores seriam a ponta de gelo que

aparece flutuando na água, uma pequena parte do

que esta nas águas mais profundas, neste caso os

fios. Em Eletrical Room os aparelhos se

posicionam amontoados de um lado da parede e os

fios que dão energia a eles atravessam essa parede e

se localizam na outra sala. Alguns dos aparelhos

empilhados estão ligados e neles aparecem as

imagens de atores travando um diálogo. Os atores

falam em português e há um dos personagens que

traduz todas as falas para o inglês, trazendo

também a questão da linguagem, da tradução e

discurso para compreensão do outro. Os dez

personagens são identificados como criança,

homem 1, homem 2, homem 3, mulher 1, mulher 2,

mulher 3, tradutora e velho. O diálogo permeia

barulhos irritantes que trazem incômodos aos

outros personagens, como uma mulher que fica

espirrando e assoando o nariz, e outra que fica

fazendo barulhos repetitivos com a boca.

Figura 18 - Tatiana Blass. Eletrical Room. 2013. 10 vídeos,

equipamentos audio-visuais, fios elétricos e tomadas.

Dimensões variadas. Museum of Contemporany Art Denver.

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Fonte: www.tatianablass.com.br

Figura 19. Tatiana Blass. Eletrical Room. 2013. 10 vídeos,

equipamentos audio-visuais, fios elétricos e tomadas.

Dimensões variadas. Museum of Contemporany Art Denver.

Fonte: www.tatianablass.com.br

O vídeo começa com um homem no alto à

esquerda chamando a atenção da mulher a seu lado

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sobre o ‘barulhinho com a boca’ que o incomoda. A

criança então diz: “Por que tem que ficar quieto?”

(BLASS, 2013), ao que outra mulher responde:

“Qual o problema do silêncio?”. A criança conclui

então que ficar em silêncio é chato. Seguindo o

diálogo, em certo momento o personagem do

velho, que está de costas para o observador, reflete

sobre o tempo: “O tempo que passa me parece

mesmo incoerente. Uma prisão com grades de

borracha, flexíveis, elásticas, que se abrem ao

menor esforço. O preso sou eu, ainda assim me

falta força pra empurrá-las” (BLASS, 2013). Em

seguida o mesmo homem que começou o vídeo

reclamando dos barulhinhos, afirma que não é

possível entender o que o velho acabou de falar, e

sugere que ele deveria se expressar de forma mais

clara e objetiva. Logo após, a mulher ao lado do

velho afirma que entendeu o que ele quis dizer, mas

que não pode transferir para suas palavras o que ele

falou:

Sei bem o que ele falou, mas eu

não detive o sentido. Então o que

eu entendi eu não posso repetir,

transferir para a minha fala. Parece

que o que eu absorvo é

rapidamente dispersado como se

fosse um entendimento inalado e

quando aspirado, solta por todo

canto, sobrando só uma

generalidade de sentido (BLASS,

2013)

A mesma personagem segue falando sobre a

atenção que teria que ser dispensada na fala do

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velho e afirma que a fala foi murmurada de forma

tediosa por ele:

A atenção volta-se a si mesma. Eu

ouço a sua voz como um

murmúrio, uma sonoridade pouco

persuasiva, tediosa, que não ecoa

nem rebate. Eu ouço a sua voz, mas

ela não se torna nutriente nem

dejeto, apenas segue e dispersa,

sílaba por sílaba, sem pronúncia,

arredia à absorção, bloqueada à

captura, um comentário de silêncio.

(BLASS, 2013)

A fala desta personagem gera uma discussão

com o velho, que afirma que a personagem estava

mais preocupada em falar coisas sem sentido sobre

o que não entendeu e não prestou atenção em sua

fala, em vez de falar sobre o que entendeu.

Questiona também se é tão difícil ouvir, ao que ela

rebate perguntando por que é tão ruim falar sobre

sua incapacidade de ouvir. Em seguida outros

personagens discutem sobre a habilidade de ouvir,

de como é difícil apreender a fala do outro e sobre

julgar a fala do outro. Uma fumaça começa a tomar

conta do lugar onde se encontram os personagens e

a mulher gripada volta a tossir ainda mais. Depois a

mulher gripada começa a contar, de forma

descomedida, a história de como pegou gripe e

outros fatos corriqueiros de seu dia a dia quando a

tradutora pede que ela pare de falar repetindo a

palavra stop. Outros personagens pedem para ela

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parar e afirmam que tudo aquilo soa como uma

avalanche. Ao passo que o homem ao alto à direita

afirma: “Foi o que deu pra ficar de tudo isso, um

falatório disforme” (BLASS, 2013). O vídeo

termina com os personagens quietos fazendo

somente os mesmos barulhinhos inconvenientes do

início.

O diálogo traçado suscita questões sobre a

convivência e tolerância com o outro, sobre como a

percepção que se tem da outra pessoa pode afetar a

si mesmo, sobre a alteridade. Como podem ser

compreendidas e entendidas a fala do outro.

Maurice Blanchot (2011) em seu texto A solidão

essencial afirma que escrever é tirar a palavra do

curso do mundo e interpelar o outro, relacionar a ti:

Escrever é quebrar o vínculo que

une a palavra ao eu, quebrar a

relação que, fazendo-me falar para

‘ti’, dá-me a palavra no

entendimento que essa palavra

recebe de ti, porquanto ela te

interpela, é a interpretação que

começa em mim porque termina

em ti. (BLANCHOT, 2011, p.17)

Escrever e falar consiste em colocar as

palavras em jogo, assim como seu entendimento.

Mas não somente da fala, mas também do silêncio

se trata a obra de Tatiana Blass. Seria o silêncio

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algo tão precioso para alguns e algo tão chato para

outros? Curioso é que nem todos os personagens

emitem sons ou travam o diálogo, o homem abaixo

recostado e o cachorro também logo abaixo ficam

em silêncio por todo período. A relação barulho

versus silêncio entra em conflito e ao mesmo tempo

em consonância na obra. O barulho existe por meio

da fala, do diálogo que os atores travam entre si. E

o silêncio parece ocupar a sala ao lado, onde se

encontram os fios. Em uma sala o barulho, na outra

o silêncio, a ausência de, apenas os fios, como

alimentadores da energia do diálogo, fazem com

que os aparelhos permaneçam ligados e o diálogo

aconteça, como catalisadores de palavras. Tatiana

Blass amarra e desamarra o diálogo de Eletrical

Room, ora ele está solto, parecendo sem sentido,

ora trava uma conversa acirrada baseada na

primeira fala do velho, quando colocou em jogo a

questão do tempo, afirmando que se sentia

prisioneiro em uma prisão de grades de borracha. A

partir desse momento o diálogo se estende na

direção do entendimento desta primeira fala.

Em outro vídeo da artista, em Hard Water

(figura 20) de 2012, duas atrizes estão em uma sala

branca sentadas em cadeiras. As duas estão com as

roupas presas em fios de diversos carretéis

colocados nas paredes e no chão. O diálogo se dá

no movimento das duas atrizes e enquanto se

movem acabam por desenrolar os carretéis e

ficando presas no emaranhado de fios. O vídeo foi

realizado em uma residência artística no Gasworks,

na cidade de Londres, resultado da premiação que a

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artista recebeu ao ganhar o Prêmio Pipa 2011. O

título Hard Water, (Água Dura em tradução livre),

faz menção à água de Londres, que possui uma

considerável concentração de calcário e o diálogo

permeia uma cacofonia na repetição da palavra

what (o que) logo no início, como se cada vez que a

palavra é repedida, ecoasse o som de uma gota de

água caindo no chão. A repetição acaba por ficar

cada vez mais frequente, e as atrizes repetem what

como se estivessem latindo uma para outra. Ao se

acalmarem, a atriz da direita do vídeo levanta-se e

começa a se movimentar pela sala, desenrolando os

carretéis e embaralhando os fios onde está presa.

Com o passar dos minutos, movimentar-se se torna

tarefa difícil de ser executada. A atriz da esquerda

que a princípio parecia não ter vontade de se mexer,

agora se vê incomodada pela movimentação da

atriz da direita, que acaba por puxar e deslocar a da

esquerda mexendo e desenrolando os fios. A atriz

da direita então derruba sua cadeira e assusta a atriz

da esquerda, que se irrita com a movimentação da

outra pessoa. As duas dialogam sobre a

incapacidade de livrarem-se dos fios e por não

saberem o que está acontecendo. O vídeo acaba

com a impossibilidade da movimentação.

Blanchot (2001) reflete sobre a palavra

encontrar, cujo significado, segundo o autor, quer

dizer tornear, dar a volta, rodear. Encontrar poderia

ser a definição da movimentação das duas atrizes,

que estão em busca de uma saída, girando em torno

dos fios. “Encontrar é quase exatamente a mesma

palavra que buscar, que diz: ‘dar a volta em’.

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(...)Encontrar, buscar, girar, ir em volta: sim, são

palavras indicando movimentos, mas sempre

circulares.” (BLANCHOT, 2001, p.64). As duas

atrizes buscam livrarem-se dos fios ao mesmo

tempo em que giram em torno de si mesmas e dos

carretéis, complicando ainda mais a situação.

Encontrar uma saída neste caso torna-se tarefa

complicada, uma vez que, a cada passo e cada

movimento das personagens, os fios embaralham

cada vez mais. A busca é para Blanchot (2001) da

mesma espécie que o erro, que não abre nenhum

caminho, para o autor, errar é abandonar-se ao

destino. “Errar é provavelmente isto: ir ao

desencontro.” (BLANCHOT, 2001, p.65). É o

movimento que as duas personagens fazem,

desencontrando-se a todo o momento.

Figura 20 - Tatiana Blass. Hard Water. 2012. Video

performance. 10 min 57seg

Fonte: www.tatianablass.com.br

As duas atrizes presas em linhas e carretéis

estão dentro de uma sala branca, isoladas de tudo,

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estão exiladas do mundo, como se existisse um

mundo paralelo onde uma cena como esta poderia

ser possível, a de duas mulheres sentadas como se

estivessem em uma sala de espera e de repente

veem-se presas a um emaranhado de fios. Para

Blanchot (2001) o exílio é uma exclusão: “(...) a

exclusão acontece no interior de um mundo

fechado onde, pelo jogo de quatro cantos que o

reparte sem parar, o ser do exílio vive, no entanto,

como que do lado de fora.” (BLANCHOT, 2001,

p.65). Como se esta cena inventada pela artista

pudesse ser uma plausibilidade do cotidiano.

Outra via para se pensar as obras em vídeo

de Tatiana Blass é a partir do texto de Michel

Foucault Isto não é um cachimbo de 1968, que

discute a respeito de duas obras de Renné Magritte:

A traição das imagens de 1926 e Os dois mistérios

de 1966. As obras dialogam sobre a representação e

também sobre a relação entre o texto verbal e o

visual. Foucault discute a respeito do caligrama

desfeito de Magritte, a contradição entre a imagem

e a escrita que, afirma sobre A traição das imagens

que é “inevitável ligar o texto ao desenho”

(FOUCAULT, 2006, p.249), assim como nos

vídeos de Tatiana Blass, onde o texto assume parte

do sentido da obra. Magritte desfaz o caligrama e

Tatiana Blass o refaz, forma e texto combinam-se e

fazem a obra. Os caligramas são normalmente

textos poéticos que com palavras formam uma

figura. Hard Water não é exatamente um caligrama,

mas poderia ser lido como um, como se o diálogo

das duas atrizes também contribuíssem para a

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forma que se toma no vídeo. Quando se sentem

incomodadas por estarem presas, ou quando uma se

incomoda com a outra por esta estar se mexendo na

sala e embolando os fios, os diálogos permeiam os

movimentos e acabam por fazer parte da forma

final em que se encontram as duas atrizes.

3.2 OS DISCURSOS DE PENÉLOPE

Na obra Penélope (figuras 21, 22 e 23),

abrem-se várias camadas de ficções e

possibilidades ligadas a seu nome, ao uso do

espaço, à trajetória da artista a as possíveis

interpretações da obra. Penélope foi uma instalação

feita especificamente para a Capela Morumbi em

São Paulo no ano de 2011, quando foi convidada

para fazer um trabalho pensando o espaço da

Capela. O modo como a artista responde ao convite

abre diferentes caminhos para pensar sua obra. Seu

desejo era ocupá-la tanto por dentro quanto por

fora, pois constatou que as últimas exposições na

Capela acabavam ficando apenas em seu interior.

Sendo o espaço da Capela para exposições

específicas para o lugar, a artista o utilizou por

completo, trazendo algo singular para o espaço,

adicionando mais uma camada a ele. Na parte

interna, que pode ser observada na figura 18, a obra

consiste em um tapete vermelho de fios de lã e

chenille que está disposto desde a entrada da

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Capela até o altar, onde está preso a um tear. Do

tear o tapete se desfaz em um emaranhado de fios

que saem pelos buracos na parede já existentes na

Capela resultado da técnica de construção em taipa-

de-pilão. Os fios que saem da edificação se

espalham por todo jardim e tomam o espaço da

vegetação existente, como se pode perceber na

figura 22. A descrição poderia ser feita de outra

forma, tomando como ponto de partida os fios

emaranhados no jardim, que entram na Capela e,

depois do tear, se transformam em tapete, pois a

obra não tem começo nem fim, não tem seu ponto

de partida definido, podendo o espectador tomá-lo

por sua perspectiva.

A exposição é um lugar de múltiplos

discursos, e o artista os rearranja a sua maneira,

como acontece nas várias camadas de pensamento

a respeito de Penélope. Ao ser produzida em uma

Capela, a obra ganha desde sua concepção um

discurso próprio do lugar, e com a obra instalada,

são agregados outros elementos que compõem um

discurso final, que também não se encontra

fechado. Cada obra possui diferentes camadas, e

cabe ao olho que a observa dialetizar e percebê-las,

e Penélope suscita diferentes camadas de ficções

quantos forem os olhares dirigidos a ela.

A obra está ligada diretamente à simbologia

de uma Capela, pois o tapete vermelho é um

elemento próprio religioso. “Eu fui chamada pela

Capela Morumbi e lá há sempre trabalhos de site-

specific e então eu queria usar algum elemento

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próprio de uma capela, por isso escolhi o tapete

vermelho, e a partir disso a ideia foi se

desenvolvendo.” (BLASS. In: BASCHIROTTTO,

2014, p.57). No texto de apresentação da obra,

Douglas de Freitas observa que o tapete vermelho

não se conecta somente à simbologia da religião,

mas que vai além colocando em questão as relações

de poder:

A cor púrpura, muito valorizada na

Antiguidade e Idade Média, é um

vermelho escuro que tende ao roxo,

obtida através de algumas espécies

de moluscos. Eram necessárias

grandes quantidades desses

moluscos e grande mão de obra

para realizar a extração da

substância utilizada para o

tingimento, o que tornava o tecido

extremamente caro. Devido ao alto

custo, o vermelho era tipicamente

usado pela realeza e membros da

Igreja, e com o tempo tornou-se

símbolo do poder real e

eclesiástico. (FREITAS, 2011)

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Figura 21 - Tatiana Blass. Penélope. 2011. Tapete, tear, fios

de lã e chenille. Capela do Morumbi. Fotos de Everton

Balardin.

Fonte: www.tatianablass.com.br

A religião, seu discurso de poder, as

relações que os engendram são uma das camadas

que a obra suscita. De certa maneira, o tapete

vermelho, e as relações de poder ligadas a ele,

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tomam conta também do jardim, pois ele se estende

para fora da Capela. O tear manual de pedal

colocado no altar é o elemento que faz a ligação

entre o que está sendo feito e desfeito, entre a parte

interna e externa. Pode-se pensar o tear como uma

analogia a celebração religiosa, onde a figura do

padre ou pastor é a ligação, a conexão entre o

humano e o divino, entre aquilo que se vê e aquilo

que somente a imaginação alcança. O tear faz o

papel de conectar as duas partes da obra. É um

ponto determinante, pois a partir dele o tapete é

desfeito ou construído.

A parte externa da obra, observada na figura

22, são fios que saem dos furos da Capela por todos

os lados e tomam conta da paisagem. A artista

comenta de onde surgiu a ideia para a parte externa

da obra: “Nesse período eu havia viajado para

Minas Gerais e lá existem vários lugares com um

cipó-chumbo, que é um parasita. Ele é um monte

de fios que vai se trançando nas árvores, como um

cipó mesmo, e chega a matar as árvores.” (BLASS.

In: BASCHIROTTO, 2014, p.57-58). O cipó-

chumbo é uma planta parasita, precisando então de

outra planta para conseguir seu alimento. Seu caule

se desenvolve e se enrola na planta hospedeira, e

cria raízes que retiram a seiva do hospedeiro para

sua alimentação. O cipó-chumbo sufoca a planta

hospedeira, podendo matá-la. Em Penélope, os fios

vermelhos tomam conta de toda vegetação externa

na Capela, também a sufocando. Os fios agem

como o parasita cipó-chumbo, tomando conta de

seu hospedeiro. Depois de cinco meses de

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exposição, a natureza sufocada volta a tomar o seu

espaço, e os fios vermelhos colocados por sobre a

vegetação, iniciam o seu desaparecimento, como

pode ser observado na figura 23.

Figura 22 - Tatiana Blass. Penélope. 2011. Tapete, tear, fios

de lã e chenille. Capela do Morumbi. Fotos de Everton

Fonte: www.tatianablass.com.br

Figura 23 - Tatiana Blass. Penélope. 2011. Tapete, tear, fios

de lã e chenille. Capela do Morumbi. Antes e depois: antes

em setembro de 2011 e depois em março de 2012. Fotos de

Everton Balardin.

Fonte: www.tatianablass.com.br

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Penélope é um amarrar e desamarrar, é

construção e desconstrução, suscita uma dualidade,

sempre presente nas obras da artista, como em suas

obras de cera, onde a personagem, para existir, é

preciso se desconstruir, derretendo-se. Uma camada

de ficção foi adicionada em Penélope com seu

título. A personagem Penélope faz parte do livro

Odisseia de Homero. Conta Homero que Penélope

era esposa de Odisseu, e que depois de um ano de

casados, Odisseu partiu de Ítaca para a Guerra de

Troia. Penélope começa a ser assediada para casar-

se novamente, pois se passam os anos e Odisseu

não retorna para casa. Penélope assegura então que

tecerá um tapete, e que quando este tapete estiver

pronto se casará novamente. Penélope passa a tecer

seu tapete, mas durante o dia o faz e durante a noite

o desfaz, e assim ganha tempo para o regresso de

Odisseu, que demora mais de vinte anos para

retornar para Ítaca.

O mito de Penélope agregou um forte

significado à obra e a artista afirma que o trabalho

partiu do lugar da Capela e que o mito de Penélope

foi agregado depois:

Eu havia feito o trabalho e não

sabia que título dar e então a

produtora da exposição contou o

mito da Penélope, pois pensava que

havia relação. Então resolvi dar o

título, mas na verdade às vezes eu

acho que até atrapalha um pouco,

pode parecer que é uma ilustração

do mito, pois a referência é muito

forte. O trabalho veio de outro

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lugar, era para adicionar mais um

sentido e não pra ilustrar uma

história. (BLASS. In:

BASCHIROTTO, 2014, p.57)

Embora o título possa ter tomado uma força

maior do que a esperada, a obra visual se relaciona

com o mito em sua construção e desconstrução. A

obra visual não tem intenção de ilustrar a obra

literária, mas a partir do momento que faz menção

direta à ela em seu título, a obra agrega mais uma

camada de ficção ligada ao mito de Penélope.

Depois do conhecimento do título da obra é

inerente associá-lo ao mito.

A relação da artista com a literatura pôde ser

observada no Capítulo I, quando a artista se

apropria da peça de Samuel Beckett para criar a

obra visual de mesmo nome. Em Penélope, a

literatura se faz presente não só à referência ao

mito, mas também ao ato de tecer. A relação entre

tecer e texto é estreita. Na etimologia da palavra,

segundo o dicionário Houasiss (2004), tecer tem

origem no latim, de texo, fazer tecido, entrelaçar.

Para BLANCHOT (2001) para encerrar uma

palavra em si mesma basta fechar-se em sua

etimologia, pois as palavras são muito mais do que

seus primeiros significados, estão em suspenso.

“Mas, a palavra tem seu próprio caminho; ela cria

um percurso; nós não somos desviados em seu

âmago, no máximo em seu uso.” (BLANCHOT,

2011, P.66). Também lembra que as palavras em

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seus significados se cruzam: “Em cada palavra,

todas as palavras” (BLANCHOT, 2001, p.67).

Tecer um texto é escrevê-lo, dar vida e forma a ele,

como faz a artista em sua obra, quando tece uma

história, cruzando as palavras tecer e texto. Em

Penélope a obra está paralisada em sua tessitura,

como se a história precisasse ser interrompida, tal

qual o mito de Penélope, onde a personagem quer,

de alguma forma, congelar o tempo até que

Odisseu retorne para casa. A obra de também

suspende esse tempo da tessitura, a obra está

parada, mas, ao mesmo tempo, sugere seu

movimento de construção e desconstrução.

Penélope suscita diversas questões que a

compõem. Os modos de exibir e ver a obra

compõem seu discurso. O espaço da obra de arte, o

lugar onde está inserida, a contaminação que sofre

desse espaço e lugar, as camadas de literatura e

ficções existentes na obra, fazem parte do que é a

obra, e o modo como a obra é posta e exibida

define também como é vista. Tatiana Blass partiu

do lugar, criando uma obra específica para a

Capela, agregou um elemento próprio, um tapete

vermelho, um cipó-chumbo que toma conta da

paisagem e um elemento depois da obra pronta, seu

título. Existe uma dualidade na forma como é

instalada no local, pois não se sabe se o tapete está

sendo construído o sendo desfeito a partir do tear.

Em Penélope o fim e o começo são uma coisa só. A

obra é um amarrar e desamarrar.

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A paulistana Edith Derdyk (1955) vem

pensando sobre o desenho e suas linhas a algum

tempo. Sua poética percorre um estreito caminho

entre artes plásticas e linguagem, entre a obra

visual e a escrita. Desenho e escrita se aproximam

em suas obras, pois pode se pensar a escrita como

um desenho. Quando escrevemos estamos

desenhando as letras, apesar de este ser um ato

automático para os adultos, as crianças quando

estão sendo alfabetizadas aprendem as letras por

vezes as encarando como desenhos. O texto não é

nada mais do que a junção de traços e linhas.

Todavia se texto é desenho então é possível pensar

na linha como texto e também como tessitura.

Sobre a aproximação entre palavra e imagem a

artista comenta em entrevista:

O trânsito entre a palavra e a

imagem é uma questão

presente desde o início da

civilização humana, calcado nas

origens da linguagem. O espaço de

fluxo entre a natureza da palavra e

a natureza da imagem me estimula,

provoca, instiga, justamente porque

tenho afinidade tanto com o

desenho quanto com a escrita,

universos que se entrelaçam

estruturalmente. (DERDYK, 2013)

Edith Derdyk pensa o texto como linhas que

se cruzam, que se agrupam paralelamente, que

estão nos papéis no plano bidimensional e que

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invadem o plano tridimensional em suas

instalações. Na obra Varredura (figura 24) a artista

estica linhas no ar de uma parede a outra, criando

um conjunto de linhas tensionadas no espaço. As

linhas que antes tinham morada apenas nos papéis

tomam vida e invadem o espaço. Depois da

exposição acabada, a artista faz outra intervenção

nas linhas e as corta ao meio, gerando o resultado

que pode ser visto na figura 25. As linhas

tridimensionais se agrupam da mesma maneira que

as linhas no plano bidimensional, mas agora se

rompem e criam um ponto de tensão.

Edith Derdyk trabalha com a linha reta,

tensionada de uma ponta a outra, como se

estendesse as linhas de seus livros para o espaço, e

mesmo no ar sem margens ou o tamanho do livro

ou caderno para balizarem, elas continuam retas,

apenas tomam uma dimensão aumentada. Tatiana

Blass utiliza as linhas de forma orgânica em

Penélope, espalhadas pelo jardim, enosadas, que se

cruzam entre si e tomam conta do espaço. Também

em Eletrical Room e Hard Water as linhas são

sinuosas, percorrem o espaço de uma maneira

diferente que Varredura, pois sua sinuosidade faz

com que as linhas possam ter vida própria,

especialmente em Hard Water, onde se encontram

em movimento pela ação das duas atrizes.

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Figura 24 - Edith Derdyk. Varredura. 2014. Centro Cultural

São Paulo. Imagens Katia Kuwabara.

Fonte: www.facebook.com.br/edithderdyk.

Figura 25 - Edith Derdyk. Varredura. 2014. Centro Cultural

São Paulo. Imagens Katia Kuwabara.

Fonte: www.facebook.com.br/edithderdyk.

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BLANCHOT (2001, p.66) afirma que “a

palavra tem seu próprio caminho; ela cria um

percurso; nós não somos desviados em seu âmago,

no máximo em seu uso.” Se a palavra tem seu

próprio caminho, a tessitura dessa palavra também

o tem, então as linhas de Edith Derdyk e Tatiana

Blass fazem seu próprio percurso invadindo os

espaços expositivos. Embora existam diferenças

entre os trabalhos de uma artista e outra, a linha é

um cruzamento de um ponto ao outro, é ela o ponto

de ligação de duas partes. No caso de Varredura

liga o espaço expositivo de uma ponta a outra,

criando um novo espaço entre um bloco e outro, no

caso de Eletrical Room liga uma sala à outra, os

televisores à seus conectores, em Hard Water

prende as atrizes nas paredes e em Penélope liga o

espaço interno e externo da instalação. As linhas

são esta fonte de ligação, então no entre, são os

desdobramentos de narrativas e tanto Edith Derdyk

quanto Tatiana Blass escrevem em prosa com suas

linhas contínuas.

3.3 AUSÊNCIA DO SOM E DA PALAVRA:

SILÊNCIO

O silêncio é parte constitutiva das obras de

Tatiana Blass. Em conjunto com a palavra, a

literatura, a ruína, encontra-se o silêncio nas bordas

de cada uma. O silêncio é um intervalo, como um

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vazio preenchido. É um vazio cheio, cheio de

silêncio. Na obra Metade da fala no chão – piano

surdo (figura 26), um músico executa cinco

músicas de Chopin em um piano de cauda enquanto

cera líquida é jogada nas estruturas do piano. A

medida que a cera vai sendo depositada no piano,

ela se transforma do estado líquido para o sólido

em poucos instantes e isto faz com que os

mecanismos do piano se paralisem. O pianista

perde gradativamente as notas para tocar e as

músicas ficam cada vez mais difíceis de executar.

Quando chega o momento em que se torna

impossível executar as músicas, o pianista se

levanta e sai de cena. Mais baldes de cera líquida

são jogados então por sobre as teclas. Ao fim da

escultura/performance, a cera tomou conta de todo

o piano em suas engrenagens, nas teclas e banha o

chão, fazendo uma poça de cera. Esta obra foi

executada duas vezes. Uma para a gravação de

vídeo, que é o registro oficial do trabalho, que foi

executado em um teatro sem plateia. A outra foi ao

vivo na 29ª Bienal de São Paulo, dentro de seu

pavilhão, com os espectadores acompanhando a

ação. Em entrevista em anexo a esta dissertação, a

artista comenta o fato de não ver o trabalho como

uma destruição do piano, mas sim como a

construção de outra coisa, uma obra de arte no

caso.

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Figura 26 - Tatiana Blass. Metade da fala no chão – piano

surdo. 2010. Piano de cauda, cera microcristalina,vaselina,

pianista

Fonte: http://www.tatianablass.com.br

Na série Metade da fala no chão, a artista

cala instrumentos musicais, ou com cera líquida, ou

com uma prolongação do próprio instrumento. Em

Piano surdo, o instrumento em ruína se cala com a

cera. Seu som se esvai perante o material que

congela seus movimentos. As músicas que foram

tocadas tornam-se apenas lembrança para aqueles

que as escutaram. “A chamada lembrança de um

acontecimento: isso foi uma vez e agora nunca

mais.” (BLANCHOT, 2011, p. 22). O piano que um

dia foi utilizado para levar melodia aos ouvidos,

agora paralisa e se cala diante da impossibilidade

da cera. O ato de calar o som é um ato de silêncio

forçado, é uma ruína inventada.

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O silêncio paralisante de Piano surdo faz

refletir sobre qual seria essa metade da fala no chão

de que fala o título da obra, seria um piano surdo

ou um piano mudo? Seu título sugere que é um

piano que não escuta, e por isso não transmitiria a

fala, a melodia? O que seria uma fala no chão?

Uma fala pela metade? Uma fala sem sentido? Uma

fala calada? Amordaçada? Uma fala que se escuta

apenas na mente? Uma fala esvaída em cera que

escorre por entre o piano e se prostra no chão,

caída, em forma de poça? Certamente uma fala

interrompida. E é de interrupções que se faz o

silêncio. O silêncio se esgueira por entre as falas,

encontra seu espaço no entre, no espaço do meio,

como o personagem de João Guimarães Rosa

(2005) em seu texto A terceira margem do rio,

onde um homem permanece no rio em silêncio,

longe de tudo e de todos, vivendo nessa terceira

margem, no entre, sozinho, isolado em uma canoa

rio abaixo, rio acima, calado, como coloca o autor:

“E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma.

Nós, também, não falávamos mais nele. Só se

pensava. Não, de nosso pai não se podia ter

esquecimento [...]” (ROSA, 2005, p.80)

O silêncio vive em um lugar que existe na

inversão, pela ausência da fala, como o escuro, que

existe pela ausência da luz. O silêncio é como o

escuro que não se vê, o negativo daquilo que se

escuta. Não quer dizer que seja melhor ou pior, mas

que existe pela ausência do outro. O silêncio é um

grande quarto escuro onde a mente repousa e

espera ser chamada novamente. Existe quando a

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104

fala se cansa, quando o barulho cessa, quando o

instrumento pára, quando tudo ao redor dá espaço

para que o nada habite o ambiente, para que o nada

se instaure e se possa mergulhar nele. O silêncio é

um deserto, imenso e cheio de alucinações.

Uma obra com a qual se pode estabelecer

uma conexão pela questão formal de utilização de

um instrumento musical, também o piano, por ser

uma obra referencial histórica da arte, e pelo fato

de trabalhar diretamente sobre o silêncio, é a obra

Plight (figura 27) de Joseph Beuys (1921-1986)

produzida pelo artista um ano antes de sua morte. O

título em tradução livre significa “apuro” e a obra

se encontra instalada no Centre Pompidou em

Paris. Consiste em uma sala com as paredes

forradas de rolos de feltro cinza com um piano ao

centro e, em cima, um quadro e um termômetro. O

feltro foi um material muito recorrente nas obras de

Beuys, pois o artista possui uma experiência

pessoal com o material de um episódio durante a

Segunda Guerra Mundial em que estava em um

avião que foi abatido. Na ocasião estava sem

paraquedas e foi resgatado e mantido vivo,

besuntado em gordura e enrolado em feltro para se

manter aquecido. “Gordura e feltro permaneceram

como seus principais materiais [...]” (ARCHER,

2008, p.114).

Plight é uma obra que evoca o silêncio, pois

ao entrar na sala onde está instalada, o espectador

pouco escuta do que há do lado de fora dela, o

feltro faz com que os ruídos se tornem mínimos

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105

nesse espaço. O pequeno e discreto termômetro em

cima do piano indica a temperatura do ambiente e

as mínimas variações que acontecem quando uma

pessoa adentra a sala. O quadro negro em cima do

piano tem linhas desenhadas, como que esperando

que uma partitura seja posta nas linhas e uma

melodia seja tocada. Mas o piano permanece

calado, nessa sala silenciosamente acústica, onde o

visitante é levado a um espaço da mudez do piano,

da ausência da fala e do som, de calmaria e

comedimento.

Figura 27 – Joseph Beuys. Plight. 1985. 284 rolos de feltro,

piano, quadro negro, termômetro médico

Fonte: www.centrepompidou.fr

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106

Tatiana Blass cala o piano por meio da cera, em

uma cena trágica. Beuys cala o piano apenas o

fechando e fazendo com que a sala envolvida em

feltro abafe qualquer ruído que possa sair dele e

revela discretamente um quadro negro sem

partituras. Ambas as obras apontam o silêncio,

Tatiana Blass mostra o instrumento em seus

últimos momentos de funcionalidade, enquanto

Beuys utiliza o piano como um objeto mudo desde

o princípio. As obras indicam a interrupção do som

e do ruído, em Piano Surdo pela cera que inutiliza

o objeto como instrumento e em Plight pelo feltro,

que cerceia qualquer ruído que possa ser originado

naquela sala. O silêncio então existe quando o

barulho acaba, ele encontra seu espaço e habita o

lugar, na passagem de uma fala para a outra, no

abafamento de qualquer ruído, na interrupção da

música, na paralização de um apito.

Outra obra de Tatiana Blass, que trabalha com o

silêncio, é Apito (figura 28) de 2014. De porte

pequeno, o apito que era para ser um objeto banal

se torna uma escultura com o acréscimo da

extensão de bronze. Nesta obra, o som parece se

congelar como bronze. O metal saindo em diagonal

do apito leva a crer que o som que saía do objeto

foi paralisado e materializado, calando-se. O som

de Apito é mudo, é um som que se materializou e

passou a não emitir mais seu ruído. Pelo tamanho

da parte de bronze pode-se pensar que o apito que

foi dado e depois materializado foi um apito curto,

um leve soprar, que começou fraco e terminou

forte. Seu formato sugere uma continuidade, que

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foi interrompida pelo silenciar do bronze. Mas para

que serve um apito? Para sinalizar? Para alertar? O

que o apito estava alertando quando foi

materializado? Não saberemos, pois o instante

pausado congelou com ele seu grito abafado. O

som do apito congelado em bronze torna-se

silêncio, e a duração de um silêncio é relativa, pode

durar um segundo em tempo real, mas parecer uma

eternidade para aquele que espera uma resposta. O

silêncio cria distâncias atemporais.

Figura 28 - Tatiana Blass. Apito. 2014. Apito e bronze

fundido. 6 x 27 x 6 cm. Edição 1/10 + 1 PA.

Fonte: www.tatianablass.com.br

Sobre silêncio, tempo e ruídos fala também

Tacet 4’33” do compositor americano John Cage

(1912-1992). A obra é uma composição musical

onde a partitura foi desenhada para que o músico

faça três movimentos mas não toque o instrumento,

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108

não soe nenhuma nota. O músico deveria entrar no

palco como de costume, posicionar-se para tocar o

instrumento mas apenas executar três movimentos

durante os quatro minutos e meio de duração.

Passado o tempo o músico se retira. A composição

foi apresentada inicialmente no piano, como pode

ser visto na figura 29, mas foi feita para ser

utilizada em qualquer outro instrumento. Com

4’33” John Cage transita entre as fronteiras da

música e da arte, e a execução de sua partitura hoje

poderia ser vista como uma performance, dada sua

teatralidade, que se assemelha com Piano Surdo na

cena construída. A partitura de John Cage traz uma

concepção de silêncio que não é vazio, mas cheio,

pois enquanto o músico fica em silêncio, são

percebidos outra série de ruídos no ambiente

gerados pela plateia, em uma concepção de que o

silêncio na verdade faz com que outros sons

apareçam, seria o silêncio com as suas variações. O

silêncio na obra de John Cage não é oposto ao som,

mas convive com ele.

4’33” se aproxima de Apito quando pensa o

silêncio preenchido. Se na obra de John Cage

escuta-se o ruído da plateia, na obra de Tatiana

Blass é quase possível escutar o som do apito em

nossas mentes, como se ela completasse aquele

ruído que agora se encontra congelado. Mas

enquanto Apito materializa o ruído e o faz calar,

4’33” materializa o silêncio, colocando-o em sua

partitura como parte constituinte de sua música.

Nas obras de Tatiana Blass se encontra a ausência

da presença sonora, ou o som esvaindo-se e ruindo

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109

com a cera. Em John Cage há a presença da

ausência, é o ruído considerado como constituinte,

não precisa haver uma melodia com as sete notas

musicais para que haja música. Se fossem assim

pensadas as obras de Tatiana Blass, como presenças

de ausência, também em Piano Surdo a cera

escorrendo por entre o piano e o levando à ruína

poderia ser considerada como um prolongamento

das melodias antes tocadas pelo músico. Seriam

como uma continuação da música pelos ruídos dos

baldes de cera líquida sendo jogados, até o fim das

ações quando as últimas pequenas gotas estivessem

caindo no chão.

Figura 29 – John Cage. Execução ao piano de Tacet 4’33”

por Armin Fuchs. 1952.

Fonte: www.youtube.com/watch?v=gN2zcLBr_VM

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110

Silêncio como vazio, ou silêncio como

preenchimento? Existem tantos tipos de silêncio,

como bem observou o músico Alberto Heller em

sua tese de doutorado a respeito de John Cage e o

silêncio:

Ainda não sabendo se há ou não

fala silenciosa, talvez o mais

acertado seja

começar não pelo silêncio da fala,

mas pela fala sobre o silêncio. Ou

sobre os silêncios. Sim, porque há

vários: há o silêncio da falta e da

completude, da presença e da

ausência, do vazio e do pleno, do

não querer falar e do não poder

falar, do bloqueio e do indizível, da

mudez e da surdez, do calar

(tacerere / Schweigen) e da

quietude (silere / Stille) – enfim,

infinitos silêncios que se cruzam e

se entrecruzam. (HELLER, 2008,

p.10)

E será mesmo que o silêncio absoluto

existe? Quando nos calamos, paramos de emitir

sons e ruídos, mas e em nossas mentes? Muitas

vezes nem dormindo nos calamos, pois temos os

sonhos mais criativos, mais inimagináveis. É nosso

corpo que está em silêncio, não nossas mentes.

Tatiana Blass na Série Entrevista traz mais uma

forma de calar os ruídos que são emitidos durante a

fala. É uma série de obras em pintura e escultura

recentes da artista que traz cenas de personagens

dando entrevistas para a televisão, conversando

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111

com repórteres, nunca sozinhos, sempre

acompanhados. Na obra Entrevista #1.2 (figura 30),

duas cabeças humanas estão presas a uma câmera

filmadora. O que seria o cameraman, captando as

imagens, está com a região dos olhos e testa

saltados, como se tivessem sido tragados pela

câmera, puxados por uma força que existe dentro

dela. Por sua vez, o personagem que faria a

reportagem e que falaria diante da câmera tem a

região da boca e maxilar tragados por ela.

Figura 30 - Tatiana Blass. Entrevista #1.2. 2013. Ferro

fundido. 25x70x30cm.

Fonte: www.tatianablass.com.br

Ainda sobre o silêncio, Blanchot afirma que

“[...] a palavra é palavra contra um fundo de

silêncio, mas o silêncio é ainda apenas o nome na

linguagem, uma maneira de dizer [...]”

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(BLANCHOT, 2001, p.71-72). Em Entrevista #1.2

a palavra é captada pela câmera, se torna muda. A

palavra não poderá ser mais pronunciada em voz

alta na metamorfose das formas. Ao fundir uma

forma com a outra, as duas se anulam, a fala e a

câmera, que como captadora da imagem e da

palavra agora capta a forma, capta o silêncio, que

como refletiu Blanchot, é mais uma forma de dizer.

O que os olhos do personagem que olha pela fresta

da câmera enxergou antes de ter seus olhos

fundidos com ela? Seria algo tão paralisante, algo

tão atraente a ponto de os olhos grudarem-se no

aparelho que ele conduzia? Não estariam todas as

pessoas com os olhos grudados em seus aparelhos

eletrônicos na era da tecnologia? E o que a

personagem que teve a fala interrompida, tragada

pela câmera iria falar? Pois onde deveria ser

captada a imagem, a boca está devorada pela

câmera. Olhos e boca estão paralisados, mas os

ouvidos permanecem perfeitos, com as personagens

possuindo a qualidade da escuta. E o que vão

escutar agora? Talvez a inversão de papéis, pois

aquele que deveria falar agora irá ver e aquele que

deveria ver agora ainda pode falar.

Na obra, os olhos do cameraman e a boca

do entrevistado se fundem com o objeto da câmera,

acontece novamente a interrupção da fala e a ruína

das personagens. Esse silêncio paralisante faz parte

de muitos trabalhos da artista, desde seus vídeos,

como abordados anteriormente, como em Eletrical

Room, a pausa da fala incomoda alguns

personagens, pois o silêncio seria algo difícil de se

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fazer, ou quando um silêncio desconcertante faz

parte de Hard Water. O vazio e o intervalo são

partes constitutivas das literaturas, fábulas,

personagens e histórias que a artista cria e precisam

existir para que o cheio também possa se fazer

presente, para que a fala encontre o seu lugar.

Escreveu a artista para a exposição Teatro da

despedida:

Logo soube: o silêncio refrata o

entendimento. Como soluço detido,

quando se engole em falso, quase

podre, o nome veio. Sem saúde e

sem pudor. Saiu junto a um bafo

azedo, sem espera. Pior ainda,

junto a um arroto que deveria ser

engolido, mas se soltou com um

barulho involuntário,

completamente inconveniente.

Disso veio a agonia de retroceder

no tempo, apagar aquele instante

para que ninguém tivesse flagrado

aquele ato repugnante. Devia ter

segurado um pouco mais para não

deixar sair daquele jeito. Assim,

ridículo e repulsivo, aquele nome

pôde ser ouvido. (BLASS, 2010,

p.11)

O silêncio que despedaça o entendimento,

que deveria existir onde o grunhido e a fala

encontram o seu lugar, entre um pensamento e

outro, e se esconde na fala que sai desajeitada.

Reflete Banchot que o silêncio “esta não-palavra

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114

pertence à linguagem e, no entanto, cada vez que

falamos essencialmente, põe-nos fora da

linguagem, assim como não estamos jamais tão

próximos de falar quanto na palavra que dela nos

desencaminha.” (BLANCHOT, 2001, p.72). O

silêncio poderia ser então um estado iminente antes

da fala? Talvez faça parte dela, como elemento

imprescindível, como pausa entre uma palavra e

outra, entre um sussurro ou um grunhido como

acontece nos vídeos da artista. Mas e quando o

silêncio vem com um som abafado? Seria como em

Metade da fala no chão – piano surdo, quando o

som é cada vez mais aniquilado pela cera que vai

percorrendo e entrando no piano, cada vez mais

profundamente, que chega a calar suas notas. E

quando a obra sugere que o som foi interrompido

bruscamente? Seria o caso de Entrevista 1.2,

quando a fala é suplantada por uma matéria que

aparenta ser mole, gelatinosa, mas na verdade é

feita de bronze. Mas e se o som fosse

materializado, que aspecto teria? Talvez fosse como

ondas sonoras e Apito o seu início. O silêncio nas

obras da artista é materializado, é dominador de

situações, é forçado e é essencial à fala, ao texto. É

pausa necessária. É um silêncio que não apenas

cala, mas que abre espaço para imaginar.

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115

III CAPÍTULO

METAMORFOSE E FANTASMAGORIA DAS

FORMAS NAS ESCULTURAS E PINTURAS

O que poderia ser considerada uma

metamorfose dentro da arte? Talvez uma

transformação da forma. Mas somente isso? Quem

sabe também uma mistura de diferentes materiais?

Ou uma nova forma de enxergar um objeto? Ou

ainda um acontecimento? Nas obras de Tatiana

Blass a metamorfose das formas se faz presente em

diferentes aspectos. Se apresenta na modificação

dos usos dos objetos do cotidiano, como os

instrumentos musicais, ou com os diferentes tipos

de materiais que a artista utiliza e que acabam por

modificar as formas, ou ainda com a cera que

derrete e se transforma nas obras abordadas no

primeiro capítulo. São diferentes tipos de

metamorfoses que as obras da artista sofrem, e

quando muda a situação, muda-se também o estado

metamórfico. Segundo o dicionário Houaiss (2009,

p.1282), metamorfose é a “mudança completa de

forma, natureza ou estrutura; transformação,

transmutação” e, na natureza, o dicionário utiliza o

exemplo da lagarta que se transforma em borboleta,

neste caso, uma mutação da forma física, como

acontece em algumas obras da artista.

Em constante transformação enquanto a

obra e a exposição acontecem, as obras em cera

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116

como Luz que cega – sentado (figura 1), Coluna –

Agachado (figura 2) e Fim de Partida (figura 7),

abordadas no Capítulo I, se metamorfoseiam de

uma figuração que inicialmente as coloca como

pessoas, mas passado os dias a cera que escorre vai

configurando outras formatos para suas

fisionomias. Como se essas obras fossem como o

texto de Nuno Ramos O velho em questão, onde há

um ser que a princípio parece espectral e que pode

se transformar em qualquer coisa que toque,

embora seu maior desejo seja no fim da vida virar

uma pedra. Na metamorfose das formas, a

personagem se encontra entre homem e animal, um

ser bestial com alma humana. “Vem mais uma noite

e entre todos os animais que sou eu sou aquele

animal que dorme, nunca lembro do sonho mas sei

que durei mais um dia. Toco então o elemento em

que me transformo, às vezes porque quero, às vezes

não.” (RAMOS, 2001, p.22).

Em determinado momento, enquanto é lobo

e ataca um velho, a personagem assume a forma do

velho em questão e sendo ele, incorpora suas

lembranças. Passado algum tempo, se prepara para

um dia tocar a pedra que quer ser. Como no ciclo

da vida de cada ser humano, que um dia irá virar

um pedaço de massa sem vida, silenciosa. As obras

de cera de Tatiana Blass também se

metamorfoseiam enquanto vivem, como a

personagem de Nuno Ramos, e se transformam ao

longo de sua existência para em algum momento

serem interrompidos os refletores e a exposição

acabar, fechando seu ciclo de existência.

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117

Uma obra da artista onde também se pode

encontrar a transformação das formas é Entrevista

1.3 (figura 31), da mesma Série Entrevista que foi

abordada no Capítulo II. Neste trabalho, o que

parece ser uma cabeça está presa na parede na

altura aproximada de uma cabeça humana, cinco

microfones estão presos à ela de uma forma que

parece violenta, pois desfiguraram o rosto da

personagem. Dos microfones saem seus fios, cabos

de ligação, que estão presos na parede abaixo,

distribuídos de maneira disforme. Mais uma vez

aqui o que seria dito é calado pelos microfones

pressionados no rosto. O que remete a um rosto

humano, com a adição dos microfones lembra um

ser monstruoso, talvez um polvo marinho, mas um

polvo cuja as garras são feitas de microfones e fios.

Seria um polvo impossível. Um monstro metade

humano, metade máquina. Na metamorfose entre a

cabeça humana e os microfones o que se encontra é

uma forma bestial, uma forma composta por duas

partes distintas, que ao se fixarem dão vida a uma

aparência desconhecida. Seria essa forma um

odradek, tal como Kafka descreve, um ser sem

forma apropriada?

Poderíamos ficar tentados a

acreditar que essa estrutura algum

dia teve uma forma adequada a

determinada função, e que agora

está quebrada. No entanto não

parece ser o caso; pelo menos não

há nenhum indício nesse sentido;

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118

não há remendos nem fraturas

visíveis; o conjunto parece

inutilizável, mas a seu modo

completo. Nada mais podemos

dizer, porque Odradek é

extraordinariamente móvel e não se

deixa capturar. (KAFKA, In:

BORGES, 2007, p.159-160)

O odradek parece não ter função, pois está

quebrado, não é nomeado e nem se conhece sua

forma. Não se sabe para que serve o ser odradek. É

um ser que não possui um equivalente, é

inclassificável, assim como a obra de arte. Suscita a

pergunta: O que é isso? Assim como a obra

Entrevista 1.3, que na junção de duas formas

conhecidas que são uma cabeça humana e

microfones, faz com que o observador se pergunte

o que é isso? É um humano? Um polvo? O que é

aquilo, microfones? Por que estão juntos? Para qual

finalidade? Na metamorfose que sofre aquele rosto

humano desfigurado com a adição violenta dos

microfones, o odradek de Tatiana Blass transforma-

se em um ser cujo nome não conhecemos, cuja

função é ignorada e a forma não pode ser

definitivamente nominada e descrita.

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119

Figura 31 - Tatiana Blass. Entrevista 1.3. 2013. Ferro fundido

e cabos de ferro. Aproximadamente 180 x 80 x 50 cm.

Fonte: www.tatianablass.com.br

De transformação também trata o livro

Metamorfoses de Ovídio, onde cada poema seu

conta uma história onde os personagens de alguma

maneira se modificam. O escritor narra suas

metamorfoses desde o início do livro quando

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120

escreve sobre a criação do mundo: “Portanto, a

fértil mãe, a extensa terra. Do recente dilúvio

repassada, E pelo aéreo lume escandecida,

Inúmeras espécies foi brotando: Deu ser a algumas

com a forma antiga. Noutras enfim criou não vistos

monstros.” (OVÍDIO, 2006, p.33). Até o fim de seu

livro as metamorfoses aparecem e não seria

diferente na narração da história de Cadmo e

Hermíone, quando conta que Cadmo sai da cidade

que construiu, vaga por um longo tempo e acaba

por parar em Ilíria e lá exclama:

Ah! Sagrada talvez era a serpente.

Que no bosque matei quando

expelido. De Sidônia me vi por lei

paterna! Sacro seria o monstro, em

cujos dentes pela terra espalhei

semente infensa! Pois se dos numes

o furor se apura. Tanto, e tanto em

vingá-lo, imploro aos numes. Que

em comprida serpente me

transformem. (OVÍDIO, 2006,

p.55).

Cadmo demonstra sua vontade em se tornar

serpente, seu desejo é atendido e nela ele começa a

se transformar. Vê nascer a escama, a cauda e cai

de peito na terra. Na metamorfose ainda restam-lhe

braços e ainda pode dizer algumas palavras antes

que sua língua se fende, pois “Falecem-lhe as

palavras” como conta Ovídio (2006, p.56). Sua

esposa Hermíone o vê nessa situação e se

desespera, clama por ser transformada na mesma

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121

forma horrenda. Mas Cadmo a lambe a face, e

como pode, abraça seu peito. Todos ficam

aterrados, mas ainda não com medo, pois Cadmo

ainda não tem dentes ferozes e veneno. Ao fim do

conto ele se transforma totalmente e de homem

passa a ser serpente.

As transformações que sofre Cadmo de

homem a serpente perdendo seus membros,

acrescentando escamas e o desaparecimento

gradativo da fala é similar às transformações sobre

o rosto de Entrevista 1.3, pois o ser que a artista

constrói também perde sua fala e também não

possui seus membros, como se fossem substituídos

pelos fios do microfone. Mas em vez de se

transformar de homem para animal como acontece

com Cadmo, a cabeça que a artista apresenta se

funde em uma mistura do homem com o objeto,

nesse odradek, nesse ser que não se sabe nomear.

4.1 AS METAMORFOSES E USOS DA

MATÉRIA

Nas formas metamorfoseadas de Tatiana

Blass juntam-se diferentes meios e matérias que se

combinam para formar as obras. Em Entrevista 1.3

se fazem presentes na escultura de ferro fundido

com a adição de fios de microfone, e até mesmo os

microfones de ferro, que lembram os originais. A

obra se torna uma instalação a partir do momento

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122

em que ocupa o espaço, mas rompe os limites não

apenas da escultura, sendo uma instalação, mas a

própria obra posta presa na parede remete a uma

pintura. Outro exemplo que mistura diferentes

linguagens da arte é Metade da fala no chão –

piano surdo (figura 26), obra abordada no capítulo

anterior, que faz uma combinação de escultura,

performance, instalação e vídeo. Montada duas

vezes, como já mencionado no capítulo anterior, a

primeira versão, produzida em um teatro, é

registrada em vídeo que permanece na exposição

da 29ª Bienal de São Paulo, junto ao segundo

piano, que foi acompanhada a performance pelo

público. A obra também é uma performance,

pressupondo a ação e a cena construída, pois o

público pôde acompanhar na abertura da exposição

o pianista executando as músicas e a equipe

aplicando a cera líquida. Piano Surdo ainda pode

ser vista como uma escultura, dada sua

tridimensionalidade, mas também uma instalação,

pois conversa com o espaço e o utiliza para sua

realização, considerando que a cera está também no

chão, abaixo do piano.

Tatiana Blass designa suas obras em cera

como esculturas-performances e abre uma fenda

para se pensar a respeito dessa junção de

linguagens. O artista brasileiro Tunga (1952),

abordou esta junção criando o termo instauração,

onde “o conceito visava inicialmente substituir o

uso impróprio dos termos ‘instalação’ e

performance.” (LAGNADO, 2001, p.371). O

artista reflete sobre a nomeação e o discurso, que

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123

criam conflitos de interpretações. Lisete Lagnado

em seu texto A Instauração: um conceito entre

instalação e performance lembra que as expressões

“escultura de ação” ou “pintura viva” são

expressões recentes que sugerem uma mudança na

percepção da estrutura do sujeito-objeto e afirma

que:

Para um futuro próximo, o

problema colocado pela

instauração diz respeito às

condições de existência de um

artista que expõe os resíduos de

uma passagem transitória sobre a

matéria. [...] os efeitos da

temporalidade sobre a arte nunca

assumiram uma expressão tão

direta: intensificar a duração

apenas enquanto ela está durando.

(LAGNADO, 2001, p.376)

Essa mistura de diferentes formas de se

fazer arte como quando trabalha com suas

esculturas/performances ou com instauração, para

usar o termo cunhado por Tunga, não foi inventada

por Tatiana Blass, ela é consequência da arte

moderna, da qual a artista é herdeira. E talvez quem

primeiro deu-se conta dessa mistura de técnicas e

sua não-hierarquização foi o francês Henri Matisse

(1869-1954). Pode-se pensar nessa junção de

diferentes técnicas feitas por Tatiana Blass como

uma herança do que Yve-Alain Bois definiu como

arquidesenho em seu texto A pintura como modelo,

onde reflete sobre a consciência que Matisse

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124

possuía sobre essa não diferenciação. O artista cria

uma nova equação para a relação entre desenho e

cor. Desenho e pintura andam juntos, não há

diferença entre um e outro. Matisse afirma:

Quando uso tinta, tenho uma

percepção da quantidade –

superfície de cor – que é necessária

para mim, e modifico seu contorno

a fim de determinar claramente, e

de maneira definitiva, meus

sentimentos (Chamemos a primeira

ação de ‘pintar’, e a segunda de

‘desenhar’). No meu caso, pintar e

desenhar são uma coisa só. Escolho

a quantidade de superfície colorida

e faço com que ela se ajuste ao

meu sentimento do desenho [...].

(BOIS, 2009, p.68)

No caso da obra The dessert: hamnony in

red (figura 32), Matisse utiliza a cor vermelha em

todo o ambiente. A obra é um híbrido entre

desenho e pintura, pois não se sabe delimitar

exatamente os objetos. A estampa da parede é a

mesma da toalha de mesa, e o observador fica sem

saber o que é mesa e o que é parede. O ambiente

todo se funde em função do vermelho que toma

conta da sala de jantar e abre apenas uma fenda no

canto esquerdo quando se avista uma paisagem,

onde não está claro se é possível vê-la porque ali se

encontra uma janela aberta ou se é um quadro

pendurado na parede. Esta obra se encaixa no

conceito de arquidesenho, quando desenho e

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pintura convivem na mesma obra e quando não há

hierarquia entre as técnicas.

Figura 32. Henri Matisse. The dessert: harmony in red. 1908.

Óleo sobre tela. 180 x 220 cm

Fonte: www.henrimatisse.org

Esse pensamento sobre o arquidesenho que

Bois reflete é na verdade inspirado no conceito de

arquiescrita cunhado por Jacques Derrida em seu

livro Da gramatologia, onde o autor retira toda a

ordem e hierarquia do discurso e escrita. Bois então

apoiado nesse raciocínio origina o termo

arquidesenho para refletir sobre as questões que

Matisse levantou na arte, quando ignorou a

separação entre a concepção e execução e entre

desenho e cor. O desenho e a pintura seriam um

espelhamento de uma técnica na outra. A cor não

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126

está hierarquizada, o artista consegue fazer essa

ruptura entre desenho e cor, onde ambos misturam-

se. O artista cria uma nova equação para a relação

entre desenho e cor, na quantidade-qualidade.

Matisse faz esse salto primeiro com suas

xilogravuras, com contornos espessos e grandes

áreas de branco. Depois preocupa-se em conseguir

a mesma qualidade em suas pinturas como em The

dessert: the harmony in red.

Bois afirma: “Matisse, para a opinião geral

o maior colorista do século, frequentemente

considerasse seus desenhos mais bem-sucedidos do

que sua pintura: [...] o arquidesenho atua de

maneira mais direta no desenho, desnudando a

disposição do espaço.” (BOIS, 2009, p.76). O autor

ainda afirma que durante muito tempo a cor era

apenas o complemento do desenho, quando os

artistas começavam por ele e depois acrescentavam

a cor. Matisse executa seus desenhos pensando na

cor, mesmo a branca do fundo, no espaço que

ocupa e cria suas pinturas também com o desenho,

com contornos espessos. A própria pintura em

Matisse é um contorno. Mas o artista, segundo o

autor, não acreditava que existia uma hierarquia a

ser resolvida, para ele, ela nunca existiu.

[...] quando se tornou impossível

distinguir entre o limite e a divisão

que ele forma na superfície,

impossível contrapor um contorno

do que ele contém, quando o

desenho passou a ‘dominar’, a

ponto de o próprio espaço tornar-se

o principal determinante das

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127

relações de cor – foi então que

Matisse pôde começar a enaltecer a

cor. (BOIS, 2009, p.80)

O arquidesenho então é a não-hierarquia

entre desenho e cor, uma questão da qual muitos

artistas que vieram depois de Matisse

internalizaram em seus trabalhos. Tatiana Blass é

mais uma herdeira desse pensamento da mistura

das técnicas, de tratá-las não mais como uma

melhor que a outra, mas trabalhar em conjunto,

com diferentes meios e materiais para que a obra

seja executada da melhor forma possível.

Importante ressaltar que que outros teóricos

pensaram a artista frente à Matisse, como pode see

observado em fortuna crítica sobre a artista ao final

deste trabalho. Mas nenhum texto faz essa

observação com relação ao arquidesenho, com a

junção de diferentes técnicas, essa não

hierarquização.

A metamorfose então pode ser uma questão

matérica, onde uma técnica imbrincada na outra se

transforma em outra coisa, em um arquidesenho na

junção do desenho e da pintura ou em uma

instauração na combinação de instalação e

performance. Matisse enalteceu desenho e cor, para

andarem lado a lado, e por mais inconscientes que

os artistas contemporâneos sejam a respeito do que

o artista levantou na arte, hoje há uma recorrência

na mistura dos materiais, uma junção de

linguagens, metamorfoses e hibridação de técnicas,

que também se faz presente nas obras de Tatiana

Blass.

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128

4.2 A METAMORFOSE COMO UM

ACONTECIMENTO

Assim como Piano Surdo (figura 26) e

Apito (figura 27), abordadas no Capítulo II, outras

obras fazem parte da série Metade da fala no chão

de Tatiana Blass que conta em sua maioria com

instrumentos musicais que são calados, desde o

piano até uma bateria ou uma tuba. Alguns

instrumentos são calados com a cera, outros com

tubos de latão e ainda com bronze fundido como é

o caso da obra Clarinete (figura 33).

Figura 33 - Tatiana Blass. Metade da fala no chão – Clarinete.

2012. Clarinete e bronze fundido. 10 x 180 x 30cm.

Fonte: www.tatianablass.com.br

Nesta obra um clarinete é inutilizado como

um instrumento musical por meio de sua junção

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129

com o ferro fundido, que parece perpassar por entre

o tubo do instrumento e vazar em algumas partes

ao longo de sua extensão para desembocar na

abertura de onde o som deveria sair, agora ocupado

com um material escuro endurecido após um

aparente processo de derretimento. O instrumento

parece ter sido dissolvido em algumas partes, como

se fosse mais uma de suas obras em cera, mas dessa

vez ao contrário do derretimento acontecendo,

vemos um resultado final de um derretimento falso

na junção do ferro fundido com o clarinete. O

instrumento que se transformou, deu lugar a um

novo formato, a uma forma que carrega a junção de

dois materiais diferentes, um instrumento musical e

um material em uma forma bruta, o ferro fundido,

mas que com a sugestão de um derretimento que

teria acontecido, torna-se uma forma orgânica que

perpassa o objeto.

O gesto de metamorfosear os objetos não é

uma característica que se encontra apenas nas obras

mais recentes da artista. No início de sua produção

artística, Tatiana Blass trabalhou com um

derretimento simulado em Cauda Cadeira (figura

34). Nesta obra uma cadeira aparece em uma sala

expositiva com uma parte de seu assento faltando,

como se tivesse sido abocanhado e, como uma

extensão de si, um aparente escorrido cor de rosa

claro vai do assento até o chão. Em Cauda

Cadeira, assim como em Clarinete, o derretimento

e dissolução do material se faz presente (mas como

já observado, com certa diferença da cera nas obras

da artista) pois ambas possuem um escorrido que

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não é maleável, que se faz de uma ilusão. Como se

a cadeira feita de madeira pudesse estar derretendo,

sendo feita de um material flexível e, além disso,

sua cor rosa laqueada desse um tom onírico à obra,

como se ela tivesse saído de um conto de Lewis

Carroll, o escritor de Alice no país das maravilhas.

Os objetos derretidos ou que sugerem um

derretimento fazem parte das ficções imaginadas

pela artista e traem os olhos do observador com as

ilusões de sua dissolução.

Seriam essas ilusões acontecimentos?

Talvez as conjunções de materiais que tanto fazem

parte das obras da artista. No livro A dobra:

Leibniz e o barroco Gilles Deleuze reflete sobre o

que é um acontecimento em um de seus capítulos e

afirma que “o acontecimento produz-se em um

caos, em uma multiplicidade caótica.” (DELEUZE,

2011, p.134). Seriam os derretimentos de Tatiana

Blass fruto de um caos então? Deleuze trata do

caos como uma abstração e se pergunta como o

caos se torna alguma coisa, que seria quando algo

acontece. E aponta algumas condições para o

acontecimento, uma delas seria a extensão. “Há

extensão quando um elemento estende-se sobre os

seguintes, de tal maneira que ele é um todo, e os

seguintes, suas partes.” (DELEUZE, 2011, p.135).

Talvez os objetos metamorfoseados da artista

possam ser vistos como extensões, onde um

material se funde com outro e se torna ele mesmo,

onde o ferro fundido encontra o clarinete, ou onde a

cadeira estende-se por si mesma em seu

derretimento impossível. “As extensões não param

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131

de se deslocar, ganhando e perdendo partes levadas

pelo movimento.” (DELEUZE, 2001, p.139). Estão

em constante movimento.

Figura 34 - Tatiana Blass. Cauda Cadeira. 2005. Cadeira de

madeira e madeira laqueada.

100 x 150 x 200 cm.

Fonte: www.tatianblass.com.br

O acontecimento seria ainda como o gesto

de produzir uma vibração em tal potência, como

uma onda sonora, como um material que se dilui e

se transforma em outro, como uma extensão, como

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132

os materiais de Clarinete e Cauda Cadeira, que

diluem e se transformam, deixam de ser um

instrumento musical e uma cadeira e passam a ser

um outro objeto, uma escultura. A vibração produz

novos encontros e aproximações com diferentes

materiais ou pensamentos. Deleuze ainda aponta

outra condição para o acontecimento que seria as

séries extensivas vistas como intenções e

intensidades, como na transformação dos materiais

nas obras de cera da artista, que se modificam por

meio da intenção da luz acesa e dependem de sua

intensidade para acontecerem, como um desígnio.

E mais um componente do acontecimento seria o

indivíduo, fundamental na apreensão dos

elementos: “Se denominamos elemento o que tem

partes e é uma parte mas também o que tem

propriedades intrínsecas, dizemos que o indivíduo é

uma ‘concrescência’ de elementos” (DELEUZE,

2001, p.136). O indivíduo faria parte então de uma

quase anomalia, de uma afluência entre a obra e o

indivíduo.

Em clave semelhante, o acontecimento faz a

junção de componentes díspares. CHEREM (2010,

p.126) escreve:

Daí decorre o entendimento de que

a arte se constitui como território

que abriga tudo aquilo que é tecido

pelo pensamento, aceitando as

combinações paradoxais de

probabilidades e possibilidades,

através das quais tanto

comparecem as noções operatórias

situadas no domínio do plausível,

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da exatidão e precisão documental,

como os procedimentos para onde

conflui a escala ficcional.

Essa lógica de combinações de partes

distintas e em movimento acontece em Vaga

(figura 35) onde um carro é atolado ao concreto da

rampa de estacionamento em frente à Galeria

Millan em São Paulo. Vaga fez parte da exposição

individual da artista em 2012 na galeria que a

representa. Intitulada Acidente, a exposição ainda

contava com pinturas e esculturas da artista no

interior da galeria. Em Vaga, o carro atolado na

rampa parece ter subido no concreto ainda mole,

como se o carro tivesse sido submergido em parte

deste concreto. Mas assim como o escorrido de

ferro fundido de Clarinete e a madeira de Cauda

Cadeira, o concreto de Vaga permanece rígido e

com uma limpeza a sua volta, em uma fundição da

calçada com o carro impecável, onde não se nota

seus resquícios.

Nesta obra a artista tira um automóvel de

circulação, em um estado de paralização no

concreto. A obra suscita diferentes questões,

algumas como a relação da duração, a permanência

da obra, que durou o tempo em que a exposição

aconteceu, outras com relação ao que pode

significar um carro atolado em uma cidade como

São Paulo, onde o trânsito carregado faz parte da

vida de seus moradores, ou ainda sobre um tempo

paralisado, sobre um objeto neutralizado, como o

carro, que não cumpre mais sua função, assim

como todos os objetos que foram

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desfuncionalizados pela artista, como os nesta

seção abordados, o clarinete e uma cadeira. Os

objetos são encontrados em uma situação incomum

a seu uso e são produzidos intencionalmente como

extensões um do outro na junção de suas matérias.

Figura 35 - Tatiana Blass. Vaga. 2012. Carro Mazda e Fulget.

150 x 300 x 500 cm.

Fonte: www.tatianablass.com.br

Outro componente do acontecimento de

Deleuze seriam ainda os objetos eternos como

possibilidades que se realizam nos fluxos, como

questões que se repetem, como o derretimento e

dissolução das coisas em Tatiana Blass. Seria o

acontecimento como fluxo, um mesmo rio, mesma

coisa e ocasião. Como um fluxo da poética da

artista, de seu gesto, que retorna. Ainda para

Deleuze o acontecimento é “ao mesmo tempo

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público e privado, potencial e atual, entra no devir

de outro acontecimento e é sujeito do seu próprio

devir.” (DELEUZE, 2001, p.137). O acontecimento

presente denota o futuro, como em Vaga, onde a

obra poderia ser o momento de uma paralização de

um acontecimento, pois o carro poderia estar

submergindo ainda mais do que está no tempo

presente.

O acontecimento se produz em um campo

de problemas, agrega elementos díspares mas os

tornam coisas plausíveis, seria um modo de

articular, de produzir sentido. “Há concerto esta

noite. É o acontecimento. Vibrações sonoras

estendem-se, movimentos periódicos percorrem o

extenso com seus harmônicos ou submúltiplos.”

(DELEUZE, 2011, p.141). Um concerto é um

acontecimento pois em seu arranjo encontram-se

diferentes instrumentos que juntos formam o todo.

Seria também o calar do som da série Metade da

fala no chão um acontecimento? A ausência do

timbre, da intensidade do som, poderiam ser

também acontecimento? Na junção das formas

metamorfoseadas das obras com materiais

improváveis que se encontram como um piano e a

cera líquida, o clarinete e o ferro fundido, a cadeira

e seu escorrido laqueado e o carro e o concreto, o

acontecimento se encontra em sua junção, na

formação de inflexões, de linhas curvas e orgânicas

e formam as obras de arte.

Uma obra que poderia ser pensada como o

resultado das vibrações de um acontecimento é

Catedral #2 (figura 36), de Felipe Cohen (1976). O

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artista traz um pregador de roupas aberto e no

espaço onde estaria vazio entre uma forma vertical

e outra há mármore travertino preenchendo o

espaço. A obra, de pequena envergadura, suscita

questões sobre o preenchimento do vazio, sobre

positivo e negativo, dentro e fora e entre outras

coisas sobre a apropriação de objetos do cotidiano,

como mesmo faz Tatiana Blass ao utilizar

instrumentos musicais, apitos, microfones, cadeira

e até um carro para construir suas obras.

O artista esteve na mesma exposição

coletiva com Tatiana Blass intitulada Quase

Figura, Quase Forma na Galeria Estação em 2014

com curadoria de Lorenzo Mammì. Na exposição

em questão, apresentou duas obras bidimensionais

e duas tridimensionais. Eram duas colagens com

papel e duas esculturas com junções de diferentes

matérias, uma com uma lâmpada que descia do teto

até chegar quase ao chão, onde se fundia com uma

taça (Anunciação), e a outra foi Catedral #2. Tanto

as obras de Felipe Cohen quanto Vaga de Tatiana

Blass podem ser pensadas como um acontecimento

que se deu por meio de combinações peculiares de

materiais não usuais.

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Figura 36. Felipe Cohen. Catedral #2. Pregador de madeira e

travertino romano. 16,5 x 9,5 x 2 cm.

Fonte: www.galeriamillan.com.br

Ambos se apossam de objetos de uso banal

e agregam outros materiais que são, por vezes,

muito distintos uns dos outros, como é o caso de

Catedral #2 onde a madeira do pregador é colocada

junto com o mármore que o preenche, ou com Vaga

onde o carro é, de certa forma, também preenchido

até certo momento pelo concreto. A dualidade da

matéria agrega sentidos e torna o acontecimento

um campo de problemas, onde a junção de

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diferentes materiais se torna plausível nas ficções

dos artistas. Tanto em Tatiana Blass como em

Felipe Cohen as obras são feitas a partir da criação

de objetos incomuns à obra de arte tradicional,

evidente que não são os únicos e nem os primeiros,

mas entre os dois há percepções e conjunções

semelhantes no tratamento das obras, na utilização

de materiais distintos e nas proposições inusitadas

ao observador. Ambos são produtores de

acontecimentos, de vibrações e intenções

transformadas em obras de arte.

4.3 A OBRA FANTASMAGÓRICA

Na metamorfose das formas das obras de

Tatiana Blass é possível encontrar humanos que se

unem a microfones ou câmera filmadora, objetos

que perdem sua utilidade por meio da cera derretida

e ganham novos significados. Mas também em suas

pinturas os corpos humanos e de animais parecem

estar, assim como a cera, escorrendo, esvaindo e

sumindo aos poucos nas camadas de tinta que são

acrescentadas durante o processo de criação da

obra. São pequenos detalhes que dão a ver uma

fantasmagoria nas personagens. Como na obra

Voltando pra casa (figura 37), uma pintura de

tamanho maior do que as obras recorrentes da

artista, tamanho este que talvez se fez necessário

para haver a distância que existe entre as duas

personagens.

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Como o título dá uma indicação, a obra

pode talvez contar uma história sobre duas pessoas

que estão retornando pra casa. Onde poderiam

estar? Em um ponto de ônibus? Em um salão no

fim de uma festa? Na própria casa? Talvez em um

vagão de trem, ou em um ônibus retornando para

suas casas. Na obra a personagem da esquerda

parece ser um homem, que está de pé, pálido,

vestindo um paletó e camisa, com a cabeça

inclinada fitando a outra personagem, que parece

ser uma mulher. Seria ela um fantasma? Talvez o

homem se pergunte. Pois a mulher parece sumir

aos poucos no meio do empaste da tinta. Suas

feições não podem ser vistas com tanta nitidez e

uma parte de si está atrás de um bloco verde de

pintura, talvez uma janela, onde ela estaria metade

para fora, metade para dentro. A mulher com

aspecto cadavérico olha fixamente para frente e,

séria, não esboça grandes emoções. Sua cabeça está

cortada da metade da testa para cima, e não

conseguimos ver o restante de seu corpo. Esse

trem, vazio, e apenas com esses dois passageiros,

as cores pálidas, escuras, dão a perceber uma noite

escura, talvez adentrando a madrugada. O trem

fazendo o seu último horário, e esses dois

passageiros, a mulher, que parece um ser espetral e

o homem, que a observa fixamente sem parecer

entender o que está vendo, fazem companhia uma

silenciosa um para o outro.

Voltando pra casa poderia ser mais uma

pintura que retrata o cotidiano, duas pessoas

retornando do trabalho cansados, pálidos. Mas a

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pintura da artista dá a ver algo além de uma

representação de um cotidiano enfadonho, mostra

um dado de fantasmagoria para o observador atento

aos detalhes. Observar com atenção uma obra é

perceber as relações, as ficções possíveis em seus

detalhes. Desde o tamanho dela, que diz também

sobre o que está sendo colocado, até mesmo olhar

com atenção para perceber pequenas nuances de

cores, de blocos pictóricos que podem trazer algo

de inesperado.

Figura 37 - Tatiana Blass. Voltando pra casa. 2014. Óleo

sobre tela. 100 x 235cm.

Fonte: www.tatianablass.com.br

Didi-Huberman (2013), no apêndice de seu

livro Diante da Imagem, reflete sobre a questão do

detalhe e do trecho, é preciso ver em detalhe. O ato

de ver aproxima, antecipa e imita o saber. Ver em

detalhe no sentido filosófico envolve se aproximar

para dividir e ver em pedaços. Depois voltar a olhar

os pedaços para ver o todo. Em Voltando para casa

o detalhe estaria no tom de fantasmagoria que a

obra possui, que apesar de sutil, pode ser

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141

encontrado, não apenas nessa obra, mas em outras

da artista, com seus personagens se dissipando, ou

pela ação de um refletor que derrete a cera, ou pelo

escorrido da tinta e suas camadas, que parecem

também lentamente desconstruir os personagens.

“O detalhe seria – com suas três operações:

aproximação, divisão e soma [...]” (DIDI-

HUBERMAN, 2013, p.298). No caso da

observação de Voltando para casa seria pensar nas

aproximações que podem ser feitas, depois olhar

cada parte em separado e por fim voltar a somá-las

para ver o todo. Didi-Huberman (2013) afirma que

Lacan ao tratar do detalhe diz que este é uma

alienação. “[...] é uma escolha lógica, uma

alternativa na qual somos forçados a perder

alguma coisa, de qualquer maneira” (DIDI-

HUBERMAN, 2013, p.303). Ou seja, na verdade o

detalhe é sempre visto e a pintura ou obra como um

todo é algo que escapa. Como na obra de Tatiana

Blass, que captou o instante em que o homem está

de pé, possivelmente porque acaba de se levantar

para sair do trem, e fita a mulher. A cena

apresentada pela artista é um único instante da

viagem que os dois personagens estão fazendo, é

um detalhe de todo o trajeto. Uma escolha do

momento a ser apresentado. O autor ainda nos

convida a apreciar os detalhes que estão além do

que é dado, o detalhe do invisível, como o detalhe

fantasmagórico da obra da artista, que permanece

como um sintoma em suas obras.

Os fantasmas são seres espectrais de

pessoas e animais que estão mortos, não vivem

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como os vivos, mas fazem suas aparições para eles.

Mas e quando um aspecto fantasmal encontra

forma num ser ainda vivente? E quando a morte

parece iminente no caminhar das horas? A obra de

Tatiana Blass pode ser relacionada com a Série

Trágica (figura 38) do artista Flávio de Carvalho

(1899-1973), quando este faz uma série de

desenhos de sua mãe agonizando no leito de morte.

O artista é uma importante referência da arte no

Brasil, Tatiana Blass não o cita como alguém que

foi importante para sua carreira, mas certamente

por seu referencial teórico conhece e teve contato

com as obras do artista. Na Série Trágica a

fantasmagoria aparece no momento exato da morte,

quando se está entre viver e morrer, quando o corpo

está no caminho do meio do corpo vivo e da forma

espectral. Os desenhos de Flávio de Carvalho dão a

ver a tragédia humana, a morte. E, à medida que o

artista segue em seus desenhos, a forma humana

vai se esvaindo, tornando-se uma forma cada vez

mais translúcida com o papel, fantasmagórica. “Em

sua obra, seja pictórica ou arquitetônica, os

desenhos ou a parte mais experimental, o enfoque é

constantemente no indivíduo e em suas emoções

originárias: o sentimento do medo, de dor, de

prazer, de alegria e de angústia diante da vida e da

morte.” (OSORIO, 2009, p.12).

A mulher de sua Série Trágica agoniza e se

esvai no engendramento do artista, vai tendo cada

vez menos traços para sua representação e quando

eles são marcados, parecem indicar um sofrimento

maior. Os desenhos do artista lembram o ser

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fantasmal de Tatiana Blass, que parece estar

sumindo do vagão de trem, uma personagem que se

encontra pela metade, assim como a mulher que vai

definhando e está entre a vida e a morte. Mas ao

contrário da personagem de Flávio de Carvalho, o

ser espectral da artista não parece estar sofrendo,

pois não esboça grande expressão facial, olhando

fixamente para frente e séria. O oposto do corpo

agonizante que o artista coloca em seus nove

desenhos, que dão a ver o sofrimento e angústia,

como se a mulher também estivesse sendo

derretida, como a cera que se transforma em

líquido de Tatiana Blass.

Foram muitos os artistas que trataram do

tema da morte ou das questões que os cercam.

Sobre as representações de Flávio de Carvalho

sobre a morte, Osorio comenta: “O trato com o

elemento mórbido, com a morte, não é encarado na

sua obra como negação da vida, uma angústia

imobilizadora e esterilizante, mas como algo que

lhe imprime uma urgência existencial, uma vontade

singular de testar limites e pô-los em xeque.

(OSORIO, 2009, p.12). O artista traz a morte com

expressões de dor, agonia, sofrimento, enquanto

nas obras de Tatiana Blass a violência é silenciosa,

com homens derretendo e seres pintados esvaindo-

se em estado de apatia.

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Figura 38 – Flávio de Carvalho. Série Trágica. 1947.

Carvão sobre papel. 9 desenhos cada um com 69,4 x

50,4cm.

Fonte: www.mac.usp.br

Flávio de Carvalho possui uma

expressividade em seu gesto, e como tal manifestou

ela não somente em sua Série Trágica que, apesar

de utilizar poucos traços e presar pela simplicidade,

trás um dado de violência desconcertante. O artista

também em suas pinturas possui uma

fantasmagoria, uma presença espectral como no

retrato que fez de Mário de Andrade (figura 39). A

obra de pinceladas largas e soltas carrega consigo

uma fantasmagoria que, segundo OSORIO (2009,

p.28), assustou até mesmo o próprio retratado, que

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afirmou que Flávio de Carvalho trouxe à tona em

seu retrato aquilo que ele quer esconder dos outros,

seu lado tenebroso. A pintura traz o retrato de

Mário de Andrade sentado, de terno azul, olhando

para o observador com a boca entreaberta

parecendo querer dizer algo.

Figura 39 – Flávio de Carvalho. Retrato de Mário de

Andrade. 1939. Óleo sobre tela. 111 x 80 cm.

Fonte: OSORIO, 2009.

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Aqui, como com o ser espectral de Tatiana

Blass, a tinta empastada e borrada propositalmente

não deixa que os contornos se sobressaiam e o

corpo parece estar ligeiramente se misturando com

o fundo, como o ser fantasmal em Voltando pra

casa que se funde com o bloco verde de tinta. O

fato de a pintura ser sido feita com pinceladas

agitadas faz com que a metade direita do rosto do

retratado fique com manchas avermelhadas,

sugerindo até uma leve desfiguração da forma. O

retrato sombrio traz então seu lado fantasmal na

metamorfose da tinta de pinceladas largas.

Se em Retrato de Mário de Andrade Flávio

de Carvalho encontrou o lado tenebroso de seu

retratado, se pode pensar o mesmo a respeito dois

personagens da sombria pintura Teatro #5 (figura

40) de Tatiana Blass. Nela estão dois personagens,

um de pé, outro sentado. A pessoa de pé pode ser

um homem e está vestido com uma cor escura, que

se mistura com o fundo e a pessoa sentada, uma

mulher, pois parece estar trajando um vestido ou

uma espécie de túnica vermelha. Ainda aos pés do

homem parece haver um objeto, que não se

consegue identificar completamente, talvez um

pedaço à mostra do banco onde a mulher se senta.

Se os dois personagens estão encenando um teatro

como o título sugere, eles o fazem em um palco

escuro, onde o cenário parece conter paredes verdes

que se misturam com o chão, posicionadas em dois

planos. O primeiro seria a parte esquerda do

quadro, onde há apenas o cenário, e o segundo

onde estão os personagens, ao lado direito e onde

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na parede há uma fenda, de onde as personagens

parecem ter surgido. O homem está parado, imóvel

com os braços colados ao corpo e olha para sua

frente. A mulher, por sua vez, sentada um pouco à

frente e ao lado do homem, está sentada com as

mãos pousadas no colo, e que poderia estar

segurando um pequeno pano. Sua cabeça também

olha para frente e seu cabelo não pode ser visto,

como se estivesse fundido com o fundo em uma

mancha maior de uma mistura do verde do fundo

com o avermelhado de sua roupa. Os rostos e

expressões de ambos não podem ser vistos com

clareza, uma vez mais que suas formas se

dissolvem com o fundo.

Em Teatro #5 a fenda de onde o homem está

saindo ou onde se encontra parado, poderia ser uma

ligação entre o que é terreno e o que é sobrenatural,

como um portal fantasmal, de onde esses dois seres

espectrais pudessem ter saído. As formas difusas do

homem e da mulher e os borrões que os formam

dão um aspecto soturno à obra. O homem e a

mulher parecem ser assombrados por eles mesmos,

como se um pudesse amedrontar o outro. E embora

estejam em par, parecem solitários, como no conto

O homem da multidão de Edgar Allan Poe, onde o

narrador persegue noite a dentro um homem que

chama sua atenção enquanto caminha no meio de

uma rua movimentada. O homem observado está

em busca a todo momento de grupos de pessoas

para se misturar, mas parece não interagir com

nenhuma delas. O narrador o persegue até o dia

clarear e percebe que o homem na multidão se nega

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a ficar sozinho mas não se deixa ler. Começa seu

texto com o seguinte parágrafo:

Foi dito, acertadamente, a respeito

de um certo livro alemão, que “er

lasst sich nicht lesen” – “ele não se

deixa ler”. Há certos segredos que

não se deixam contar. Os homens

morrem à noite em seus leitos,

apertando as mãos de

fantasmagóricos confessores e

olhando-os lastimosamente nos

olhos – morrem com o coração em

desespero e a garganta em

convulsão, em virtude do caráter

hediondo de mistérios que não se

dão a revelar. (POE, 2010, p.91)

Figura 40. Tatiana Blass. Teatro #5. 2014. Óleo sobre tela.

110 x 140 cm.

Fonte: www.tatianablass.com.br

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Há então os homens que não se deixam ler

pelo outro, como parece ser o caso dos personagens

de Teatro #5, que parecem ser independentes um do

outro, como se cada um encenasse uma peça em

paralelo, como se pudessem habitar outra dimensão

e conviver no mesmo espaço, ao mesmo tempo,

sem notarem a presença um do outro. Como dois

seres fantasmais habitando o mesmo espaço, que

possuem algo de tenebroso dentro de si que não se

deixam revelar.

Outro artista, que colocou em suas obras o

horror que os seres humanos podem ter dentro de

si, foi o artista Iberê Camargo (1914-1994), que no

fim de sua vida trabalhou com cores escuras, com

figuras muitas vezes quase pretas e retratou a

fantasmagoria do ser humano, como na obra Tudo

te é falso e inútil II (figura 41). A pintura mostra

uma figura humana sentada, provavelmente nua

com o rosto inclinado para o chão, em uma

paisagem bucólica ao lado de uma bicicleta e de

uma forma vertical que não pode ser identificada.

De tonalidade escura, a obra vai do azul ao preto

com alguns pontos de luz no ventre e no rosto da

pessoa. O título sugere um descontentamento, um

sentimento lúgubre e a figura central da obra, de

ombros caídos, parece estar prostrada diante de

uma decepção. Seria essa figura um ser terreno

com aspecto fantasmal ou um ser espectral

dissolvendo-se com o fundo? Estaria essa figura tão

decepcionada a ponto de parecer um ser fantasmal?

Essa figura, sem cabelos longos ou roupas, parece

uma mulher, de ancas largas e seios à mostra e,

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como dito anteriormente, seu ventre e sua cabeça

são os pontos mais luminosos da pintura, seria essa

uma indicação de uma nova vida que estaria

surgindo?

Figura 41. Iberê Camargo. Tudo te é falso e inútil II. 1992.

Óleo sobre tela. 200 x 236 cm.

Fonte: FARIAS; CATTANI; LEENHARDT, 2014, p.33

Icleia Cattani em seu texto Uma obra entre

tempos reflete sobre a vasta produção do artista por

ocasião da exposição Iberê Camargo Século XXI

que aconteceu entre 2014 e 2015, organizada pela

Fundação, que leva o nome do artista, onde a

autora afirma que:

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Iberê escolhia a escuridão nas suas

telas. Questão formal e existencial,

as sombras criavam territórios

densos, pantanosos, como a sua

visão da vida e da morte como

drama. É como nas telas do

conjunto Tudo te é falso e inútil,

noturnas, com a figura humana só,

rodeada apenas por uma bicicleta

ou por uma mesa com carretéis e

um manequim, figura onipresente

nas telas dos últimos anos.

(CATTANI, 2014, p.45)

Se a vida e a morte são como um drama

para Iberê, poderiam ser elas também como uma

encenação em Teatro #5 de Tatiana Blass? Ambas

de cores escuras, com personagens solitários e

poucos elementos que os acompanham, as obras

podem ser pensadas também por suas camadas de

tintas, as de Iberê um pouco mais empastadas, mas

as de Tatiana Blass também com certas camadas, as

duas com sobreposições de tempos em sua fatura.

CATTANI (2014, p.28) afirma sobre Iberê (mas

poderia ser sobre Tatiana Blass também): “O

processo de fazer, desfazer, refazer provoca uma

duração própria na criação da pintura e, também, na

observação pelo espectador, pois revela detalhes só

perceptíveis em um tempo longo do olhar, que se

vincula às diversas temporalidades unidas,

justapostas [...]”. Temporalidades presentes em

cada camada de tinta, em cada linha e borrão

colocados um por cima do outro. Ambas as obras,

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de Iberê e Tatiana Blass, trabalham com o sombrio

do ser humano, evidenciam sua solidão, trazem

cores como o azul, o verde e o vermelho mas de

uma forma opaca e escura, com alguns pontos de

maior claridade. Nas obras de Tatiana Blass no

entanto, a solidão não quer dizer estar sozinho, pois

suas personagens estão sempre acompanhadas, e

mesmo assim parecem solitárias. E, ao contrário do

homem na multidão que não se deixa ler, ambos os

artistas parecem tentar revelar a fantasmagoria de

suas figuras.

4.4 DAS FORMAS, PALAVRAS,

METAMORFOSES E RUÍNAS QUE SE

REPETEM, OS FANTASMAS DE TATIANA

BLASS

Os fantasmas de Tatiana Blass podem ser

lidos não apenas como seus seres espectrais e

sombrios abordados na seção anterior, mas como as

aparições que acontecem e acabam sempre por

retornar em suas obras. As ruínas, as palavras, as

formas metamorfoseadas são alguns desses

aspectos que parecem sempre fazer suas aparições

nas pinturas, nas esculturas e instalações da artista.

Desta maneira a ruína não se encontra apenas em

suas obras em cera, como também a palavra não

aparece apenas em seus vídeos, e sim estão sempre

contidas umas nas outras, e em determinadas obras,

uma de suas características aparece com mais força.

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153

Pensar a respeito da trajetória da artista não como

algo evolutivo, onde suas obras sempre estariam

melhorando em detrimento das anteriores, mas

pensar em suas obras como sintomas que retornam

é estar em consonância com o pensamento da

história da arte vista como anacrônica na

conceituação do historiador da arte alemão Aby

Warburg (1866-1929).

Warburg rompe com a história da arte como

vida e morte, grandeza e decadência e pensa em um

modelo fantasmal da história, psíquico e sintomal.

Didi-Huberman em seu livro A imagem

sobrevivente reflete sobre o legado de Warburg e

sobre como a história da arte pode ser a história de

fantasmas, de algo que sobrevive e sempre retorna.

Warburg substituiu o modelo dos

ciclos de “vida e morte”, “grandeza

e decadência”, por um modelo

decididamente não natural e

simbólico, um modelo cultural da

história, no qual os tempos já não

eram calcados em estágios

biomórficos, mas se exprimiam por

estratos, blocos híbridos, rizomas,

complexidades específicas,

retornos frequentemente

inesperados e objetivos sempre

frustrados. (DIDI-HUBERMAN,

2013, p.25)

Nesse modelo fantasmal Warburg abandona

um pensamento de que cada artista é isolado dentro

da história da arte, e se distancia cada vez mais da

forma como Giorgio Vasari tratou os artistas, como

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blocos fechados de pensamentos. A obra de arte

seria, para Warburg, algo rizomático, que se

estende e se interliga, como se a própria obra de

arte pudesse pensar de forma autônoma e seus

aspectos pudessem retornar em obras de artistas

diferentes de outros tempos, como elementos

híbridos que tem a possibilidade de retornar.

As formas fantasmais de Tatiana Blass

podem ser tratadas como sintomas que se repetem

na história da arte e que encontraram morada em

sua obra. A história da arte rompe as barreiras do

historicismo e da evolução e atravessa paredes,

encontra nos arquivos, como encontrou em

Warburg outro modo de falar sobre si mesma,

como uma história fantasmal dos arquivos,

vestígios materiais. “Dizer que o presente traz a

marca de múltiplos passados é falar, antes de mais

nada, da indestrutibilidade de uma marca do tempo

– ou dos tempos – nas próprias formas de nossa

vida atual.” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p.47).

Considerar a ideia de sobrevivência das

formas seria pensar sobre um rastro, um vestígio

que continua. Tatiana Blass apresenta esses rastros

quando, por exemplo, apresenta o cachorro em

diversas situações, pois eles estão em suas obras de

cera, ora sendo derretidos como em Sua até sumir,

sua carne, ora em cena em Fim de Partida, e em

suas pinturas contracenam com aviões em palcos

montados como em Teatro para cachorros e

aviões, obras abordadas no primeiro capítulo. Os

cachorros são recorrência e permanência em suas

obras, vem e voltam, se repetem nos diversos

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formatos, e são tratados como seres humanos,

como seus duplos.

Outra de suas repetições são as formas

derretidas que podem ser encontradas desde o

início de sua produção como em Cauda Cadeira,

obra abordada neste capítulo, com um escorrido

que é um falso líquido, e mais tarde com o

derretimento verdadeiro, na cera que se transforma

do estado sólido para o líquido. Também em suas

pinturas são encontradas o escorrido da cera e da

cadeira, pois nelas as personagens estão sempre em

meio às camadas de tinta que escorrem de suas

telas. Ainda em seus textos nos vídeos, os diálogos

se desenrolam e derretem por entre o silêncio como

em Eletrical Room abordada no Capítulo II. Elas,

as palavras, estão sempre presentes, seja em sua

forma mais explícita por meio dos diálogos criados

pela artista ou das pequenas prosas que

acompanham as pinturas, até mesmo na

apropriação da peça de Beckett onde o texto está

implícito, ou nas obras onde se encontram

fragmentos de histórias sugerindo cenas teatrais. A

artista retorna também sempre à questão das formas

metamorfoseadas com seus homens e animais que

se tornam seres deformados e indecifráveis ou

mesmo com seus instrumentos musicais onde

agrega diferentes materiais e os transforma em

outra coisa, ganhando novos significados. Essas

questões e ainda outras que podem ser encontradas

pelo observador nas obras de Tatiana Blass acabam

sempre por retornarem. Uma série que talvez possa

exemplificar uma junção das questões abordadas na

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presente dissertação pode ser a série Metade da fala

no chão, pois suas obras poderiam entrar pela porta

de qualquer capítulo deste texto, pois tratam da

ruína de seus objetos, do silenciar do som e de

metamorfosear suas formas.

Didi-Huberman (2013, p. 396-397) afirma

que “o homem de ideias fugidias é também o

homem das ideias que retornam, exceto que nunca

retornam completamente, o que, por conseguinte,

incita a novas tentativas, sempre renovadas.” Seria

então Tatiana Blass uma artista das ideias fugidias

pois suas formas e ideias retornam, mas nunca do

mesmo ponto, sempre levando adiante e retornando

com outros olhares, sempre transformados. É

sempre o mesmo rio, mas as águas correm e

tornam-se outras. Suas obras seriam sobrevivência,

Nachleben, que Didi-Huberman (2013, p.407)

descreveu como “as imagens portadoras de

sobrevivências são montagens de significações e

temporalidades heterogêneas.” Seriam as obras da

artista então montagens de significações e tempos

que sobrevivem, de si mesma e da história da arte

da qual é herdeira. O autor segue no texto se

perguntando de que é feita uma montagem, de

quais elementos e logo a resposta é apontada por

ele, que afirma que são feitas de detalhes, pequenos

pontos a serem percebidos, “detalhes,

principalmente: cortes, recortes, reenquadramentos

expremidos no vasto campo das imagens [...]”

(DIDI-HUBERMAN, 2013, p.410). E a respeito do

detalhe, lembra de uma máxima anotada por

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Warburg em outubro de 1925, para um seminário

em Hamburgo:

‘O bom Deus reside no detalhe

[...]’. Gombrich, que encontrou a

frase escrita em francês em alguns

manuscritos, atribuiu-a a Gustave

Flaubert. Sua referência direta

seria, antes, de acordo com Dieter

Wuttke, um dito filosófico de

Usener, segundo o qual ‘é nos

menores pontos que residem as

maiores forças’. (DIDI-

HUBERMAN, 2013, p.410).

Seriam então os detalhes que fazem das

obras de cada artista serem o que são. São os

detalhes fantasmais, os detalhes contidos na

literatura e nos fragmentos de histórias que as obras

da artista contam, das formas sendo transformadas,

do escorrido, da preocupação com a fatura, da

pesquisa, do conhecimento da história da arte.

Retomando mais uma vez a obra Fim de Partida,

um elemento seu que pode passar despercebido

pelo observador é um quadro que faz parte do

cenário da obra, mas que está virado para a parede,

como pode ser observado na figura 42. A artista

afirma que o quadro foi comprado por ela em um

brechó e que faz parte da descrição do cenário

pensado por Samuel Beckett. Visivelmente com o

tecido e o chassi amarelados, o quadro esconde

uma pintura ou um desenho em um detalhe que se

torna fantasmagórico pela lacuna de sua

identificação. Que pintura seria essa que não pode

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ser vista? Estaria virada de costas pela

impossibilidade de visão da personagem principal

da peça?

Figura 42. Tatiana Blass. Fim de Partida. 2010. Cera

microcristalina, refletores, palco e objetos de cena.

5,00x8,00x4,40m.

Fonte: www.tatianablass.com.br

São os detalhes que fazem a montagem das

obras, que as constituem. DIDI-HUBERMAN

ainda lembra que, ao contrário de Tatiana Blass

que oculta o que existe naquela tela, Warburg na

prancha 43 (figura 43), de seu Bilderatlas

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Mnemosyne, identificou as personagens de pinturas

do artista Domenico Ghirlandaio (1449-1494):

Figura 43. Aby Warburg. Bilderatlas Mnemosyne. 1917-

1929. Prancha 43.

Fonte: DIDI-HUBERMAN, 2013, p.408

Warburg os quis singularizar. E,

desde logo, dar-lhes nomes,

identificá-los: Pedro, João e Juliano

de Medici. O detalhe seria, em

primeiro lugar, indicador de

identidade: o historiador perscrutou

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os rostos, comparou as pinturas

com moedas, acompanhou as

modificações de fisionomias na

história, estudou os brasões de

família, as ricordanze, as

genealogias. E foi assim que pôde

dar um nome a cada rosto ou a

quase cada um dos rostos pintados

por Ghirlandaio na Santa Trinità,

ou por Memling nos painéis

externos de seu Juízo Final. (DIDI-

HUBERMAN, 2013, p.411)

Warburg identifica os rostos dos

personagens e os nomeia por meio de sua pesquisa

atenciosa aos detalhes, mas afirma que o detalhe

não se resume a um indicador de identidade. Mas

será que seria possível nomear os personagens de

Tatiana Blass em Voltando pra casa ou em Teatro

#5, ou em qualquer outra obra da artista? Seriam os

rostos anônimos? Rostos que se perdem? Rostos

que perecem no escorrido da cera e da tinta?

Teriam eles alguma semelhança entre si? Seriam

eles repetições de si mesmos? Não exatamente da

mesma forma, mas assim como as águas de um rio

que parecem ser sempre as mesmas em seu fluxo,

mas na verdade são outras? O aspecto fantasmático

e fugidio desses rostos que se perdem não deixam

de ser detalhe, assim como o quadro virado de

costas em Fim de Partida. Mas o autor em seguida

lembra que: “O objeto supremo visado pela história

warburguiana não é a identidade – a prosografia, ou

a sociologia – dos atores da imagem, e sim sua

‘vida’ [Leben] paradoxal de fósseis enigmáticos:

sua Nachleben.” (DIDI-HUBERMAN, 2013,

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p.412). A procura então não é pela identificação

desses rostos, mas por serem detalhes que se

repetem, que são sobrevivência na obra da artista.

Os rostos deformados pelas luzes acesas dos

refletores nas obras em cera, os rostos

metamorfoseados nas esculturas em bronze e os

rostos em desaparecimento nas camadas de suas

pinturas são sintomas em suas obras, sempre

retornam, em matérias e linguagens diferentes, mas

sempre encontram morada no gesto de

desconstrução da artista. As personagens e objetos

de Tatiana Blass estão sempre em transformação.

São os seres, as literaturas, as formas

metamorfoseadas que aparecem como fantasmas

em suas obras, que fazem sempre sua aparição na

desconstrução da forma e na criação da obra. O

gesto de desconstruir para depois construir parece

ser uma reminiscência, uma questão que sempre

retorna, pois tanto o sintoma quanto imagem

funcionam como vestígios da memória.

Didi-Huberman afirma que o Atlas de

Warburg poderiria ser analisado também em função

dos intervalos produzidos pelo próprio

enquadramento das imagens. “O intervalo é o que

torna o tempo impuro, vazado, múltiplo, residual.

[...] É o meio dos movimentos-fantasma. [...] É a

abertura criada pelas falhas sísmicas, pelas fraturas

da história. [...] É o hiato dos anacronismos, a

malha dos furos da memória.” (DIDI-

HUBERMAN, 2013, p.422). Seria então como o

intervalo entre a aparição de elementos, entre uma

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162

obra e outra, quando determinado aspecto retorna.

O intervalo poderia ser pensado como um detalhe,

como na obra Voltando para casa, na distância

entre um personagem e outro, ou como uma pausa,

entre uma frase e outra de suas literaturas. Seria

talvez um intervalo como o silêncio? Pode ser

compreendido também como o intervalo dos

tempos. Como nas obras em cera de Tatiana Blass,

que possuem um intervalo do derretimento

enquanto a exposição acontece, pois todos os dias

os refletores são ligados e desligados conforme o

espaço expositivo é aberto para o público. Ou ainda

na aparição entre um detalhe e outro como, por

exemplo, na série Metade da fala no chão, pois as

obras não foram feitas todas uma seguida da outra,

cada uma precisou de um tempo de maturação e

enquanto isso, outras obras foram surgindo.

Em outras palavras, as obras são então

regimes descontínuos de temporalidades. Como

bem lembrou BAUDELAIRE (2010, p.14): “O

passado, sem deixar de conservar o atrativo do

fantasma, retomará a luz e o movimento da vida e

se tornará presente.” A obra de arte, com um

inconsciente autônomo, sempre retorna aspectos

como um fantasma, que vem assombrar o tempo

presente e tomar mais uma vez o seu lugar na

história da arte.

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163

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Chega, está na hora disso acabar

[...]. E mesmo assim eu ainda

hesito em... ter um fim.”

(BECKETT, 2010, p.39)

Tatiana Blass possui obras tão distintas em

suas matérias umas das outras que ao observador é

reservada inúmeras leituras a respeito delas. Para

ler uma imagem é preciso ver em detalhes e o que a

dissertação se propôs a fazer foi a princípio dividir,

em seguida agrupar e assim somar as imagens da

artista, para que pudesse fazer uma leitura a

respeito de alguns aspectos que puderam ser

encontrados com frequência em suas obras. Mas

eles não são os únicos, há diversas oportunidades

de estudos que podem ser levadas adiante a partir

de suas obras. As obras de Tatiana Blass estão

sempre em um fim continuado e reverberam as

fantasmagorias contidas na História da Arte.

Foram diversas as obras abordadas da artista

neste texto, que fez um recorte onde as suas

principais questões pudessem ser encontradas. A

ruína, a palavra, o silêncio, a metamorfose e a

fantasmagoria foram pensadas por blocos de

pensamentos. O Capítulo I se propôs a abordar o

gesto da ruína e da decadência nas

esculturas/performances de cera da artista que

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164

retratavam seres humanos, bem como estabeleceu

as relações com obras que retratavam o cachorro,

refletindo sobre a humanidade frente ao animal. O

Capítulo II relacionou palavra e silêncio em seu

gesto de escrita, construção de literaturas e também

no gesto de calar objetos que emitem som, como

apito, microfone e instrumentos musicais. O

Capítulo III trouxe a presença da metamorfose das

formas nas obras da artista pensadas como um

acontecimento e o gesto fantasmagórico como

recorrência e permanência em seus trabalhos e na

história da arte.

Importante ressaltar que no momento da

escrita deste trabalho a artista continuou

produzindo, participando de exposições, feiras e

residência artística, resultando em obras que sequer

foram citadas pelo imediatismo de sua produção.

Desta produção mais recente ficaram de fora, por

exemplo, a série de pinturas Ibsen, que traz pinturas

intituladas com nomes de personagens do

dramaturgo norueguês Henrik Johan Ibsen.

Também Cisma, apresentado em dois vídeos

simultâneos, com dois atores travando um diálogo

e, em cada vídeo, a entonação da conversa sendo

modificada.

A desconstrução para a construção, gesto

operacional da artista, pode ser encontrado e

refletido em diversos momentos ao longo do texto,

ficando evidente em distintos usos da matéria,

desde suas esculturas/performance até mesmo em

suas pinturas e vídeos. As diferentes obras

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165

apresentam as mesmas questões da ruína, da

palavra, do silêncio, da metamorfose e da

fantasmagoria, aspectos que retornam com

frequência em seus trabalhos.

As obras da artista ainda poderiam

desdobrar um estudo a respeito do espaço

expositivo com relação às suas

esculturas/performances que ocupam o espaço, com

a montagem de Fim de Partida ou ainda com suas

instalações como Penélope, pensada para um lugar

específico. Luiz Camillo Osorio refletiu sobre essa

questão quando afirmou que: “Na verdade, creio

que tudo leva a uma noção de ambiente, de criar

um ambiente, uma atmosfera, onde a vida, a mais

comum possível, possa ser vivida na sua estranheza

originária.” (OSORIO, 2009, p.116). Mas não só

em suas obras tridimensionais o espaço se faz

presente, pois em suas pinturas os ambientes são,

em grande maioria, grandes e vazios onde os

personagens humanos e animais encontram-se

pequenos em seus palcos, em uma praia na série

Observadores ou em um museu na série Museu do

meu cansaço, onde o ser humano se encontra

desmesurado na paisagem.

Outra questão que poderia ter sido

enfatizada é a relação estreita da artista com a

literatura, mas não apenas com seus textos e

pequenas prosas que acompanham as pinturas, mas

também a relação com sua publicação A família

mobília, livro infanto-juvenil publicado

recentemente. Essa relação tão próxima entre as

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166

artes visuais e a literatura não é exclusividade da

artista tendo também, por exemplo, em Nuno

Ramos outro artista que trabalha com essas

questões, apenas para citar uma das referências de

Tatiana Blass. “Porque a artista, tal como Nuno

Ramos e Bruce Nauman, também lida com a

palavra como elemento visual. No caso de Tatiana,

não se trata da dedicação do ofício das letras, mas

ao uso do texto como elemento expositivo.”

(MESQUITA, 2010). A literatura se encontra em

muitas obras visuais da artista, mas também em sua

publicação literária o texto é intensamente

contaminado pelo visual.

Também um caminho que se pode seguir a

partir deste pensamento literário são as injunções

entre arte e vida a partir de suas leituras. De que

modo sua biblioteca influencia em suas obras

visuais? Quais os livros que estão claramente

referenciados? A artista afirma que cria ficções,

mas o que essas ficções podem dizer sobre si

própria, sobre seu gosto literário e suas referências?

Suas leituras poderiam ser uma chave para uma

aproximação com um pensamento a respeito de

suas obras que não fosse tão impessoal. Ainda na

esteira das interlocuções entre artes visuais e

literatura poderia se aprofundar na transposição que

a artista fez da obra literária Fim de Partida,

estabelecendo relações com outros artistas que se

apropriam de obras literárias para criar obras de

arte, como o Coletivo Irmãos Guimarães que

também trabalha com textos de Samuel Beckett. As

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167

questões de hibridação das matérias e as fronteiras

das linguagens.

O corpo poderia entrar também novamente

em cena, desta vez como uma questão a ser

pensada não apenas pelo viés da ruína como fez a

dissertação, mas também pela questão da

hibridação, aprofundando as metamorfoses no texto

trabalhadas com a junção de homem e animal,

homem e máquina. Textos como A Metamorfose de

Franz Kafka ou A expressão das emoções no

homem e nos animais de Charles Darwin poderiam

entrar como uma primeira reflexão sobre essas

aproximações bestiais.

E ainda os estudos sobre a artista poderiam

avançar os campos da ilusão com sua obra Para o

morto, que fez parte da exposição Acidente, citada

ao longo do texto, e que mostrava um simulacro de

um corpo estendido no chão coberto por um lençol

branco, mas que na verdade era apenas uma chapa

de latão com um ácido jogado por cima de si para

dar o efeito de lençol. Também em seu vídeo O

engano é a sorte dos contentes, onde em um tom

circense uma mulher parece fazer a apresentação de

um mágico convidando a todos a se deixarem ser

enganados. Como refletiu a respeito desse aspecto,

MESQUITA (2010) afirma: “Isso, porque Tatiana

não se interessa pela realidade, ela fala é da ilsuão.

Do que parece ser subtraído do mundo quando

transformamos as experiências em um código”.

Além da ilusão, também poderia ser pensada a

metalinguagem da arte na obra Fim de Partida,

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168

onde um quadro se encontra de costas, virado com

sua paisagem para a parede. O quadro virado de

costas fala sobre a própria arte, sobre a própria

pintura, teria ela morrido?

Simon Schama, em seu livro O poder da

arte, começa seu texto afirmando que o poder da

arte é o poder da surpresa perturbadora. Seu livro

fala sobre artistas do Renascimento ao

Modernismo, mas poderia se encaixar para a arte

pós-moderna, que suscita a pergunta: O que é isso?

Que Odradek é este? Seria o caso de Tatiana Blass,

que causa sobressalto com seu gesto de

desconstrução, derretendo homens e animais,

colocando animais contracenando em um palco

com aviões, calando instrumentos musicais,

congelando o som de um apito, fazendo parecer

que uma cadeira está derretendo ou ainda inserindo

seres espectrais em suas pinturas. Seriam suas

obras então um sobressalto à normalidade, uma

beleza desconcertante, uma surpresa perturbadora.

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179

APÊNDICES

APÊNDICE A – Cronologia

TATIANA BLASS

1979

Nasce em São Paulo, Brasil

1998

Exposição coletiva "Desenho", Instituto de Artes da

Unesp, São Paulo

1999

Exposição coletiva "Jovem Gravura Brasileira",

curadoria de Luiz Monforte, Academia de Belas

Artes de Viena, Áustria

Exposição coletiva "27º Salão de Arte

Contemporânea de Santo André"

Exposição coletiva "26º Salão de Arte Jovem,

CCBEU Santos"

Exposição coletiva "2º Salão de Arte

Contemporânea de Vinhedo"

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180

2000

Exposição coletiva "32º Salão de Arte

Contemporânea de Piracicaba"

Exposição coletiva "4ª Pequena mostra do que

trabalho", Espaço Coringa, São Paulo

Exposição coletiva "Entre o desenho e a pintura",

Instituto de Artes da Unesp, São Paulo

Exposição coletiva "Cupim na Morsa", Funarte, SP

Exposição coletiva “Jovem Gravura Brasileira”,

curadoria de Luiz Monforte,Fundação Joze Ciuha,

Ljubljna, Eslovênia

2001

Forma-se em Bacharelado em Artes Plásticas na

Universidade Estadual Paulista (UNESP)

Exposição individual "Assim", Galeria do Instituto

de Artes da Unesp, São Paulo

2002

Recebe o prêmio aquisição no "I Salão de Arte

Contemporânea de São José dos Campos"

Exposição coletiva "28+pintura", Espaço Virgílio,

São Paulo

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181

Exposição coletiva "I Salão de Arte

Contemporânea de São José dos Campos"

2003

Recebe o prêmio aquisição do "Programa de

Exposições do Centro Cultural São Paulo"

Exposição individual "III Mostra do Programa de

Exposições 2003", Centro Cultural São Paulo

Exposição individual "Pinturas", Fundação

Joaquim Nabuco, Recife

Exposição individual "Colagens", Livraria Boa

Vista, São Paulo

Exposição coletiva "Flávia Bertinato e Tatiana

Blass", 10,20 x 3,60, São Paulo

Exposição coletiva "Coletiva do Programa de

Exposições", Centro Cultural São Paulo

Exposição coletiva "Edital 2003", MACC,

Campinas

2004

Exposição individual "Atavio", Ateliê 397, São

Paulo

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182

Exposição coletiva "Projéteis de Arte

Contemporânea", FUNARTE, Rio de Janeiro

Exposição coletiva "Posição 2004", Parque Lage,

Rio de Janeiro

Exposição coletiva "Arte Contemporânea no

Acervo Municipal", Centro Cultural São Paulo

Exposição coletiva "9ª Bienal Nacional de Santos"

Exposição coletiva "Outro Lugar", Galeria Virgílio,

São Paulo

Exposição coletiva "Pequenos Formatos", Tapa

Galeria, Ribeirão Preto

2005

Exposição individual "Cauda", Galeria Virgílio,

São Paulo

Exposição coletiva "Salão Nacional de Arte de

Goiás", Goiânia

Exposição coletiva "Para onde caminha a arte?",

curadoria de Cristiana Tejo, Galeria Mariana

Moura, Recife

Exposição coletiva "Exposição de Verão",

curadoria Luisa Duarte, Galeria Silvia Cintra, Rio

de Janeiro

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183

Exposição coletiva "Galeria Virgílio na Casa Cor",

São Paulo

Exposição coletiva "Pratos para Arte VIII", Museu

Lasar Segall, São Paulo

2006

Exposição individual "Um dia seco, claro e quente

com a paisagem mais vazia", Galeria Box 4, Rio de

Janeiro

Exposição individual "Espartilho" e "Páreo",

Temporada de Projetos 2005-2006, Paço das Artes,

São Paulo

Exposição coletiva "XV Salão Ibero-Americano de

Artes", curadoria de Jack Rasmussen, Brazilian

Embassy - Cultural Section, Katzen Arts Center of

American University, Washington, EUA

Exposição coletiva "Geração da Virada", curadoria

de Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, Instituto

Tomie Ohtake, São Paulo

Exposição coletiva "mam[na]oca", curadoria de

Cauê Alves, Felipe Chaimovich e Tadeu Chiarelli,

São Paulo

Exposição coletiva "Paralela 2006", curadoria de

Daniela Bousso, Pavilhão Armando de Arruda

Pereira, São Paulo

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184

Exposição coletiva "Arquivo Geral 2006", Centro

Hélio Oiticica, Rio de Janeiro

Exposição coletiva "Paradoxos Brasil - Rumos

Artes Visuais 2006", Itaú Cultural, São Paulo; Paço

Imperial, Rio de Janeiro; Museu de Arte

Contemporênea, Goiânia; Museu de Arte de Santa

Catarina, Florianópolis

Exposição coletiva "Paço com Arte Contemporânea

na CPFL", curadoria de Daniela Bousso, Espaço

Cultural CPFL, Campinas

Exposição coletiva "Parcial", curadoria de José

Augusto Ribeiro, Galeria Virgílio, São Paulo

2007

Recebe Prêmio Aquisição no "14º Salão da Bahia",

MAM Bahia, Salvador

Exposição coletiva "14º Salão da Bahia", MAM

Bahia, Salvador

Exposição coletiva "La Espiral de Moebius o los

Límites de la Pintura", curadoria de Claudia

Laudanno, Centro Cultural Parque de España,

Rosario, Argentina

Exposição coletiva "Pintura Brasileira no Acervo

do Museu de Arte Moderna de São Paulo",

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185

curadoria de Andrés Hernández, Museu de Arte do

Espírito Santo Dionísio Del Santo (MAES), Vitória

2008

Exposição individual "Globo da Morte", Galeria

Box 4 e Silvia Cintra Galeria de Arte, Rio de

Janeiro

2007

Exposição individual "O engano é a sorte dos

contentes", Galeria Millan, São Paulo

Exposição individual "Zona Morta", Centro

Universitário Maria Antonia, São Paulo

Exposição individual "Tatiana Blass", Galeria

Carminha Macedo, Belo Horizonte

Exposição coletiva "Nam June Paik Award 2008",

Wallraf-Richartz Museum, Colônia, Alemanha

Exposição coletiva "Beneath the Bridge", curadoria

de Juliana Moreira, Pablo’s Birthday Gallery, Nova

York, EUA

Exposição coletiva "Nova Arte Nova", curadoria de

Paulo Venâncio Filho, Centro Cultural Banco do

Brasil, Rio de Janeiro

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186

Exposição coletiva "De perto e de longe" - Paralela

2008, curadoria de Rodrigo Moura, Liceu de Artes

e Ofícios, São Paulo

Exposição coletiva "MAM 60", curadoria de

Annateresa Fabris e Luiz Camillo Osorio, Oca, São

Paulo

Exposição coletiva Premiados no 14º Salão da

Bahia, 15º Salão da Bahia, MAM Bahia, Salvador

Exposição coletiva "Poéticas da Natureza",

curadoria de Katia Canton, Museu de Arte

Contemporânea da USP, São Paulo

Exposição coletiva "Exposição de Verão", Galeria

Silvia Cintra, Rio de Janeiro

Exposição coletiva "Coletiva.", Galeria Millan, São

Paulo

Exposição coletiva "Bordando com Arte", ACTC,

Pinacoteca do Estado, São Paulo

2009

Exposição individual "Cão Cego", Museu de Arte

Moderna da Bahia, Salvador

Exposição coletiva "Coleção MAM-BA | 50 Anos

de Arte Brasileira", Museu de Arte Moderna da

Bahia, Salvador

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187

Exposição coletiva "Observatórios", Mostravídeo

Itaú Cultural, curadoria de Paula Alzugaray, Cine

Humberto Mauro, Palácio das Artes, Belo

Horizonte e Cine Metrópolis, Vitória

Exposição coletiva "Les cartes blanches du Silo à

l'ENSBA", curadoria de Wagner Morales, Beaux-

arts de Paris l'école nationale supérieure, Paris,

França

Exposição coletiva "Realidades Imprecisas",

curadoria de Carolina Soares, SESC Pinheiros, São

Paulo

Exposição coletiva "Nova Arte Nova", curadoria de

Paulo Venâncio Filho, Centro Cultural Banco do

Brasil, São Paulo

2010

Recebe o prêmio "Grants & Commissions Program

Exhibition", Cisneros Fontanals Art Foundation,

Miami, EUA

Recebe o “Prêmio de Arte Espírito Santo

Investimento”, SP Arte, São Paulo

Exposição individual "Teatro para cachorros e

aviões", Galeria Millan, São Paulo

Participa da 29ª Bienal de São Paulo, Pavilhão da

Bienal, São Paulo

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188

Exposição coletiva "In Transition: 2010 CIFO

Grants & Commissions Program Exhibition",

Cisneros Fontanals Art Foundation, Miami, EUA

Exposição coletiva "Offmóstoles10", CA2M -

Centro de Arte dos de Mayo, Madri, Espanha

Exposição coletiva "Páreo #2", SESC Belenzinho,

São Paulo

Exposição coletiva "20 Anos do Programa de

Exposições do Centro Cultural São Paulo", Centro

Cultural São Paulo

Exposição coletiva "Crossing [Travessias]",

curadoria de Priscila Arantes, Paço das Artes, São

Paulo

Exposição coletiva "Tinta Fresca - A nova geração

da pintura brasileira", Galeria Mariana Moura,

Recife

2011

Recebe o "Prêmio PIPA - Prêmio Investidor

Profissional de Arte", Museu de Arte Moderna, Rio

de Janeiro (Voto Popular e Voto do Júri)

Exposição individual "Acidente", Carpe Diem Arte

e Pesquisa, Lisboa, Portugal

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189

Exposição individual "Penélope", curadoria de

Douglas de Freitas, Capela do Morumbi, São Paulo

Exposição individual "Tatiana Blass", curadoria de

José Augusto Ribeiro, Caixa Cultural, São Paulo,

Brasília e Salvador

Exposição individual "Fim de partida", Centro

Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro

Exposição coletiva "Os primeiros 10 anos",

Instituto Tomie Ohtake, São Paulo

Exposição coletiva "Finalistas do Prêmio PIPA",

Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro

Exposição coletiva "17º Festival de Arte

Contemporânea SESC_Videobrasil", SESC

Belenzinho, São Paulo

Exposição coletiva "17ª Bienal de Cerveira",

Portugal

Exposição coletiva "Mapas Invisíveis", curadoria

de Daniela Name, Caixa Cultural São Paulo

Exposição coletiva "Fuso 2011", curadoria de

Solange Farkas, Lisboa, Portugal

Exposição coletiva "Como o tempo passa quando a

gente se diverte", curadoria de Josué Mattos, Casa

Triângulo, São Paulo

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190

Exposição coletiva "Terceira Metade - Manuel

Caiero, Tatiana Blass e Yonamine", curadoria de

Luiz Camillo Osorio e Marta Mestre, Museu de

Arte Moderna do Rio de Janeiro

Exposição coletiva "Porque sim", curadoria de Lais

Myrrha e Rodrigo Bivar, Galeria Millan, São Paulo

Exposição coletiva "O Colecionador de Sonhos",

curadoria de Agnaldo Farias, Instituto Figueiredo

Ferraz, Ribeirão Preto

Exposição coletiva "29ª Bienal de São Paulo –

Obras Selecionadas", Palácio das Artes, Belo

Horizonte

2012

Residência artística Gasworks, Londres, Inglaterra

Exposição individual "Acidente", Galeria Millan,

São Paulo

Exposição coletiva "Unsaid/Spoken", curadoria de

José Rocca e Moacir dos Anjos, Cisneros Fontanals

Art Foundation, Miami, EUA

Exposição coletiva "Para além do arquivo",

curadoria de Cauê Alves e Priscila Arantes,

CCBNB, Fortaleza

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191

Exposição coletiva "Brazilian Art", White Box

Museum of Art, Beijing, China

Exposição coletiva "Beneath", Vogt Gallery, Nova

York, EUA

Exposição coletiva "Open Studio", Gasworks,

Londres, Inglaterra

Exposição coletiva "Coleção BGA - Brazil Golden

Art", MuBE, São Paulo

Exposição coletiva "13 artistas + 13 obras",

curadoria de Fátima Lambert e Lourenço Egreja,

Galeria novaOgiva, Óbidos, Portugal

Exposição coletiva "Laboratório de Curadoria",

Guimarães, Portugal

Exposição coletiva "Otra Generación", curadoria de

Adriano Casanova, Galeria Blanca Soto, Madri,

Espanha

Exposição coletiva "Clube da Gravura", Museu de

Arte Moderna, São Paulo

2013

Foi incluída, pela revista norte-americana

Art+Auction, na lista dos 50 artistas vivos mais

colecionáveis do mundo.

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192

Exposição individual "Interview", Johannes Vogt

Gallery, New York, EUA

Exposição individual "Electrical Room", Museum

of Contemporary Art Denver, EUA

Exposição coletiva "Proyectos Individuales",

curadoria de José Rocca, ArtBo, Bogotá, Colômbia

Exposição coletiva "30x Bienal", curadoria de

Paulo Venancio Filho, Fundação Bienal de São

Paulo

Exposição coletiva "Avante Brasil", curadoria de

Felicitas Rohden e Gertrud Peters, KIT — Kunst

im Tunnel, Dusseldorf, Alemanha

Exposição coletiva "Blind Field", curadoria de

Irene Small e Tumelo Mosaka, Broad Museum,

Michigan University, EUA

Exposição coletiva "Blind Field", Krannert Art

Museum and Kinkead Pavilion, Champaign,

Illinois, EUA

Exposição coletiva "Para Além do Ponto e da

Linha: Arte Moderna e Contemporânea no Acervo

do MAC USP", curadoria de Tadeu Chiarelli,

Museu de Arte Contemporânea, São Paulo

Exposição coletiva "As tramas do tempo na arte

contemporânea: estética ou poética?", curadoria de

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193

Daniela Bousso, Instituto Figueiredo Ferraz,

Ribeirão Preto

Exposição coletiva “100 anos de Arte Paulista no

acervo da Pinacoteca do Estado de São

Paulo”, CPFL Cultura, Campinas

2014

Residência artística "Circulating Air", programa

da Stiftelsen 3,14, Bergen e residência na

Kunstnarhuset Messen, Ålvik, Noruega

Exposição individual "Encrenca _

Trøbbel", Kunsthuset Kabuso, Øystese, Noruega

Exposição coletiva "Cruzamentos: Contemporary

Art in Brazil", curadoria de Jennifer Lange,

Wexner Center, Columbus, Ohio, EUA

Exposição coletiva "Pieces for a Collection",

Bernal Espacio, Madri, Espanha

Exposição coletiva "Quase figura, quase forma",

curadoria de Lorenzo Mammì, Galeria Estação, São

Paulo

Exposição coletiva "Singularidades / Anotações",

curadoria de Aracy Amaral, Paulo Miyada e Regina

Silveira, Itaú Cultural, São Paulo

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194

Exposição coletiva "Único", curadoria de Paulo

Venancio Filho, Carbono Galeria, São Paulo

Exposição coletiva "Ouro", curadoria de Marcello

Dantas, Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de

Janeiro

Exposição coletiva "Canções de Amor - V Mostra

3M de Arte Digital", Instituto Tomie Ohtake, São

Paulo

2015

Exposição coletiva "Nuevas Propuestas", Johannes

Vogt Gallery, Zona Maco, Cidade do México.

Vive e trabalha em São Paulo, Brasil

Obras em acervos públicos: Cisneros Fontanals

Art Foundation, Miami, EUA; Fundação Joaquim

Nabuco, Recife; Instituto Figueiredo Ferraz,

Ribeirão Preto; Itaú Cultural; Museu de Arte

Contemporânea de São Paulo; Museu de Arte

Moderna da Bahia; Museu de Arte Moderna de São

Paulo; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro;

Pinacoteca do Estado de São Paulo; Pinacoteca

Municipal de São Paulo; SESC São Paulo.

É representada pela Galeria Millan - São Paulo,

Brasil www.galeriamillan.com.br. E também pela

Johannes Vogt Gallery - New York,

US http://vogtgallery.com.

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195

APÊNDICE B – Entrevista com Tatiana Blass

A entrevista aconteceu no ateliê da artista situado a

Rua Marcelina, nº 118, na cidade de São Paulo no

segundo semestre de 2013. Teve duração de uma

hora e meia. Foi amplamente utilizada na

monografia latu sensu intitulada Tatiana Blass e o

gesto na matéria de 2014, sob orientação da Me.

Luciane Ruschel Nascimento Garcez para a Pós-

Graduação em História da Arte da Universidade da

Região de Joinville (UNIVILLE). Uma versão

reduzida foi publicada na Revista Valise, Porto

Alegre, v.4, n.7, julho de 2014.

Viviane Baschirotto. Você se preocupa muito com

a fatura dos seus trabalhos? Cria projetos de

execução? É rigorosa com a qualidade de materiais

e com a montagem das exposições?

Tatiana Blass. Como eu trabalho com mídias bem

diferentes, são casos um pouco diversos. Na pintura

não existe projeto, então geralmente tem uma ideia

que agrega a aquilo que eu estou fazendo em

determinado momento. Como agora, que estou

fazendo pinturas em uma série que se chama

Entrevista, que possui geralmente uma relação das

figuras com o espaço entorno, onde elas são

absorvidas pelos equipamentos. Esse aspecto está

agregado a elas, mas o fazer é muito no momento

da execução. É muito diferente, por exemplo,

quando eu faço os projetos que exigem outros

profissionais, outras pessoas, pois tenho que ter

mais clareza do que quero, até pra poder explicar

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196

para as pessoas. Mas eu sou muito contaminada e

gosto de ser contaminada pelas pessoas que acabam

trabalhando junto comigo. Com o Eletrical Room,

fiz um trabalho com vários atores, com um texto

que escrevi e fui modificando o texto conforme a

montagem. Na fundição, por exemplo, quando eu

comecei a fazer, não conhecia muito a técnica,

como ficaria uma escultura em bronze, seu

processo, as pátinas possíveis, então com os

profissionais eu fui descobrindo. Há pouco tempo

eu fiz um primeiro trabalho em fundição em ferro,

que pode também gerar um monte de escolhas, de

como vai ficar. Então normalmente tem uma ideia,

uma rota, mas eu gosto muito de ser contaminada

pelas coisas, acho que enriquece.

V. Você aceita os desvios que existem no percurso?

T. Sim, pois às vezes também são várias traduções.

Acontece de você ter um trabalho que surge como

uma ideia, ele está na sua cabeça, no suporte da sua

cabeça, e quando você transfere para a imagem do

desenho ou tenta explicar, você já está traduzindo e

formalizando de outro jeito. Então são várias

traduções. Passar para uma pessoa é mais uma

camada de tradução e se você ficar querendo

chegar muito próximo ao original da sua ideia vai

ser sempre uma frustração. Porque, na verdade,

você nunca vai chegar ao suporte da sua cabeça.

V. Como acontece o seu processo de fatura? É você

quem maneja seus materiais? Se sim, como escolhe

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197

os profissionais que você terceiriza, como lida com

isso?

T. Existem alguns profissionais que eu trabalho

sim. O que eu tenho capacidade de fazer sozinha é

pintura, o restante eu preciso de ajuda. Mesmo uma

escultura em mármore como Patas, tem o

marmorista. Eu acompanho todo o processo e vou

fazendo junto, mas a técnica eu não tenho. Na

fundição, que acho que é a relação mais forte que

eu tenho, já fiz muitos trabalhos com as mesmas

pessoas. A primeira vez que eu fiz uma fundição

foi em 2007, e quando eu fui fazer, entendi o

processo da técnica perdida (ou cera perdida), vi

uma escultura em cera e foi então que começou a

me dar ideia de trabalhar direto com a cera. Pois

muitas vezes a partir de um trabalho, da

experiência de realizar um trabalho é que gera

outras ideias para realizar outros. A respeito dos

vídeos tem uma produtora que é a Mira Filmes,

ligada ao cinema, também é uma parceria forte que

fez comigo o vídeo da obra Metade da fala no chão

– piano surdo e mais recentemente os vídeos para a

exposição de Denver (EUA), Electrical Room, que

foi um trabalho mais coletivo, porque exigiu várias

pessoas, câmeras, edição, som, vários detalhes.

Então conforme o projeto eu acabo indo atrás

desses profissionais. Agora como chegar neles, na

verdade assim, não tem muita opção, porque o

meio de arte na verdade não é muito grande assim,

então procuro os que outros artistas me dão dicas,

vou experimentando quem dá certo e alguns viram

parceiros mesmo. Os profissionais da fundição

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participaram também do vídeo do piano, são eles

que colocam a cera, então também eles se misturam

com outras coisas.

V. Poderia comentar um pouco mais sobre o

primeiro contato com a cera. Quanto tempo entre o

conhecimento da técnica e o primeiro trabalho com

ela? Como é trabalhar com a cera?

T. O primeiro contato foi em 2007, com o primeiro

trabalho que era fundido, o Patas que era fundido

com uma liga de latão com bronze. E o primeiro

que fiz em cera foi em 2009 com os cachorros, na

exposição Cão Cego no Museu de Arte Moderna da

Bahia. Como a cera tem essa qualidade de ser um

material de fácil transformação, pois com uma

temperatura muito baixa ela derrete e ou se

condensa, ela possui essa transitoriedade que me

interessou. Eu estava querendo uma ação nas

esculturas, e foi então que comecei a fazer as coisas

que iam derretendo durante a exposição.

V. Suas obras trabalham com diferentes meios e

matérias, como é transitar por tantas técnicas

diferentes?

T. Então, não sei, assim que eu comecei a sair da

pintura, pois antes eu fazia só pintura, eu comecei a

ter ideias em outros materiais e fui atrás de

formalizar isso.

V. Você chama as obras em cera como Pendurado

e Luz que cega sentado de escultura-performance,

poderia comentar essa denominação?

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199

T. Não sei, não tenho pensamento muito sobre isso.

Mas é só de criar algo que talvez a própria

escultura esteja representando, está atuando e eu

não tenho muito controle sobre isso, pois eu crio

aquele mecanismo, aquela ação, mas eu não sei

muito como vai terminar.

V. Você pensa em uma ideia e procura a melhor

maneira de realizá-la? Ou você pensa primeiro no

material que gostaria de usar para depois resolver o

trabalho?

T. Eu não consigo fazer muito essa distinção,

porque para mim não existe diferença entre forma e

conteúdo, pois elas não só são juntas como quase

são a mesma coisa, então eu não consigo fazer essa

distinção. Houve um momento no início, quando da

primeira vez que surgiu um trabalho a partir de

uma ideia, que fiquei com um pé atrás, porque na

verdade tudo o que eu não quero é que o trabalho

se torne algo de uma apreensão direta. Penso que às

vezes quando o trabalho vem de uma ideia, ela

pode chegar como algo que se resolve muito

facilmente pra quem contempla. Quando surgiu

isso, fiquei na dúvida de fazer ou não que foi o

trabalho do Zona Morta. Fiquei pensando se iria

fazer, se cortaria um monte de móvel, pois Gordon

Matta Clark já cortou uma casa. Também tem essa

questão que se você ficar vendo tudo que existe,

você não consegue fazer nada e então resolvi seguir

adiante e realizar o trabalho, porque veio bem

como uma imagem, como uma coisa. Foi muito

bom ter realizado, porque aquilo levou para muitos

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200

outros caminhos e que tinham relação com o meu

universo e não com o de Gordon Matta Clark, não

tinha a relação com arquitetura, tinha relação até

com pintura. Acredito que cada trabalho é um

processo, e com certeza muitas vezes uma coisa

leva a outra.

V. Para você são claras as relações entre diferentes

materiais.

T. Acredito que cada meio tem suas

especificidades, mas acho que estão todos

relacionados. O fato de usar muitas linguagens e

mídias diferentes, na verdade não é uma opção, foi

talvez um jeito desconcentrado, meio bagunçado de

ter uma pulsão, de querer fazer as coisas e se

interessar por muitas linguagens diferentes. Até

também de trabalhar com coisas de outro universo,

como os atores, ou mesmo me apropriar de coisas

de literatura, de música. Tudo para mim é bem

parecido, querer um trabalho em mármore, querer

usar o Chopin, todas as coisas que estão no mundo

e que me desafiam a querer fazer, a ir para muitos

lados, eu não consigo trabalhar de uma única

forma. Às vezes também pode ser perigoso, você

acaba realizando várias experimentações que às

vezes não estão bem realizadas, não ficam bem

finalizadas. Mas é uma coisa do momento, e hoje

isso é muito mais forte em mim. E o artista expõe

muito e você muitas vezes ainda está se formando,

principalmente no começo de carreira, então é uma

formação pública, todos estão vendo os seus erros,

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201

e acho que é uma coisa boa também, porque esse é

um enfrentamento que você tem que ter.

V. Você é sistemática com sua produção, produz

regularmente?

T. Não, o que tenho são momentos de imersão,

como para a exposição em Nova York, que fiz seis

pinturas e também tinha outras três que estão em

Denver, então fiquei só pintando. Todos os dias eu

acordava e ficava até onze da noite pintando, mas

depois eu não consigo mais ver tinta na minha

frente que é esse momento. Então tem uns

momentos que eu fico naquilo e depois tem outros

de produzir outras coisas, são vários momentos.

V. Quanto tempo em média você leva pra realizar

uma pintura?

T. Depende muito da pintura, mas há uma grande

que está indo para a próxima exposição nos EUA

que estou há um ano com ela. Ela tem 2 x 2,5m, é

grande, e já foi de todos os tipos. Eu sempre faço

várias pinturas ao mesmo tempo, mas tem umas

que são encrenca, que você faz e não resolve.

V. E nas instalações, as coisas veem ao mesmo

tempo, e quando surge a oportunidade o trabalho é

feito?

T. Sim, quando vêm algumas ideias às vezes nós

anoto. Tenho várias, mas geralmente quando tem

um convite mais certo para uma exposição eu

penso mais, consigo até me concentrar, pensar mais

no que fazer.

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202

V. Como foi o seu ingresso no mundo da arte? De

onde partiu seu interesse?

T. Desde sempre, desde criança. Eu sempre gostei

muito de pintar, ganhava um valor toda semana e

gastava em tinta, purpurina. Perguntavam o que eu

queria ser quando crescesse eu falava que queria

ser vendedora da papelaria, porque a papelaria era

o lugar mais legal do mundo. Eu fazia coleção de

selos também, então sempre houve esse interesse,

também comecei a fazer umas brincadeiras de

colocar nanquim na água e depois colocar na

geladeira. Eu pegava mercúrio cromo e desenhava,

fazia várias coisas que eram brincadeiras para mim.

Fazia também dessas pinturas em papel, que você

coloca tinta, dobra e depois abre e aí eu falava que

era abstrato, eu adorava falar que fazia coisa

abstrata, porque acho que era uma palavra muito

difícil quando eu tinha em torno de 7 e 8 anos. E

quando eu tinha entre 9 e 10 anos eu fiz um curso

de arte no Centro Cultural São Paulo, e eu lembro

que era preciso copiar algumas obras, e eu achei

muito estranho, porque o desafio era conseguir

fazer, por exemplo, um Mondrian sem régua.

Depois na adolescência eu fiz um curso também de

desenho e na própria escola eu tive aula com o

Alex Cerveny e a Sandra Cinto. Também sempre

fui a Bienais desde criança, meus pais sempre

gostaram de ir a exposições, sempre visitaram e eu

ia junto. Meus avós também foram na primeira

Bienal de São Paulo em 1951, então isso sempre foi

algo que fez parte da vida deles e da minha. Na

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203

escola eu lembro que fui com o Alex Cerveny, meu

professor na época, a uma Bienal. Eu gostava muito

disso tudo, depois eu fiz um curso de desenho que

foi importante, fiquei em torno de três anos nesse

curso e entrei direto do colégio na faculdade de

Artes Plásticas. Eu havia prestado outros

vestibulares também. Achava que não poderia viver

de arte, então pensava em fazer arquitetura para

depois trabalhar com alguma coisa a ver com arte,

ou pensava em fazer ciências sociais, para um dia

estudar algo relacionado à arte. Então eu entrei na

UNESP, eu só havia prestado artes plásticas nessa

universidade. A faculdade não foi tão importante,

mas conheci colegas que foram muito importantes,

pois criamos um grupo de estudos e sempre

fazíamos muitos cursos livres.

V. Você é formada em Artes Plásticas, quais

teóricos possui interesse (historiadores, filósofos,

escritores), ou quais são uma referência e/ou foram

importantes em algum momento?

T. Há vários, e a crítica de arte brasileira foi muito

importante para mim. Fiz um curso com o Rodrigo

Naves de história da arte que foi importante. Com o

Alberto Tassinari também fiz um curso sobre o

Impressionismo. Há também o Lorenzo Mammi,

eu fiz parte de um grupo de estudos que ele

coordenava no Centro Universitário Maria Antonia

da USP, fazíamos vários seminários, e essas

pessoas eram muito próximas e foram parte de uma

formação importante. Houve um momento em que

estudei bastante história e teoria da arte e fazia

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204

parte de grupos de crítica, cheguei a fazer uma

disciplina como aluna especial na pós. Mas

começou a acontecer um conflito na minha cabeça,

porque as vezes é difícil demais ficar lendo, por

exemplo, sobre a morte da pintura e fazer pintura

ao mesmo tempo, e em um certo sentido isso

atrapalhou. Claro que a história da arte é uma

matéria bruta para se fazer arte contemporânea, se

você também não tem esse conhecimento é muito

complicado produzir, mas aconteceu de não me

aprofundar nesse lado mais teórico, apesar de me

interessar.

V. E artistas, quais foram importantes para a sua

formação ou são uma referência para você?

T. São vários e a arte tem essa qualidade, de que

ela assim como a sua contemplação, é

contemporânea. Então se você ver um Giotto na

sua frente ele será tão atual quanto, por exemplo,

Matthew Barney, a obra está na sua frente e ela tem

a mesma presença, um pulso forte de ter essa

mesma presença. Há referências de todos os lados,

mas há artistas daqui de São Paulo que foram muito

importantes para mim com os quais fiz cursos

livres. Hoje todo artista praticamente faz faculdade,

mas a 10 ou 15 anos atrás acredito que ainda havia

muitos artistas professores que não tinham

mestrado e que não poderiam dar aula nas

faculdades, então acho que os cursos livres mais

informais chegavam a ser mais importantes do que

a própria faculdade.

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205

Então fiz muitos cursos com artistas, como com o

José Resende. Com o grupo de amigos da

faculdade fizemos encontros com o Paulo

Monteiro. Nos encontrávamos todos os meses com

o Paulo e cada vez chamávamos uma pessoa

diferente para falar dos nossos trabalhos.

Chamamos várias pessoas, como Nuno Ramos,

Paulo Pasta, Cássio Michalany, críticos como

Carmela Gross, Sônia Salzstein. Então nesse

momento inicial foi bom, pois criamos uma casca,

pois todo mundo nos detonava, no sentido bom,

para crescer.

V. E há algum artista que você consiga enxergar

uma relação com seus trabalhos?

T. Há vários que talvez influenciaram. Uma relação

eu vejo com o próprio Paulo Monteiro, com Nuno

Ramos também, que possui vários trabalhos que eu

gosto. Na pintura o Sérgio Sister, Paulo Pasta, a

Cristina Canale, há muitos. Do exterior também,

Matthew Barney, Urs Fischer, Bruce Naumann.

V. Quem era o Rico Blass?

T. É meu tio-avô, era pintor. É, mas eu não o

conheci, quando eu morava em Frankfurt, ele

morava em Frankfurt, eu fui visitar só que um mês

antes ele morreu, com 95 anos. Ele era irmão do

meu avo, então eu nunca o conheci pessoalmente.

Ele fazia muita coisa, fazia serigrafia, ele era um

pintor meio decorativo.

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V. Poderia comentar um pouco sobre a obra Luz

que cega – sentado, que se desconstrói enquanto

acontece a exposição.

T. Essa obra durou em torno de dois meses, ficou

no período da exposição. O museu onde foi

realizada ficava aberto algumas horas por dia e a

noite o refletor era desligado, então o derretimento

começava de novo todos os dias. Esse trabalho foi

como uma continuidade de Fim de Partida, que

tinha a história dos atores que iam derretendo, de

criar essa ação continuada. Começou com os

cachorros, que também criavam essa ação na

exposição, que iam derretendo. E foi depois de Fim

de Partida que começaram a surgir personagens

também, essas figuras humanas.

V. Em Metade da fala no chão – piano surdo

exposto na 29ª Bienal de São Paulo e em outros

trabalhos, você inutiliza instrumentos musicais.

Como você pensa essa certa ‘destruição’ dos

instrumentos?

T. Percebo que há certo senso comum do público

na Bienal, de não conseguir ir além disso. Certa vez

percebi um dos monitores também fortalecendo

esse lado que eu acho tão bobo, de pensar que foi

gasto muito dinheiro em um piano para depois

destruir. O tempo todo as pessoas gastam dinheiro

destruindo coisas, como em comerciais quando um

carro voa, enfim, e ninguém percebe. Na verdade

os dois pianos que usei, um para filmar e o outro

para fazer a performance, foram pianos que

tocaram uma única vez. Um deles por ser muito

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antigo não segurava a afinação, o afinador ficou em

torno de quatro horas para conseguir afinar, para

conseguir tocar uma única vez. O outro era um

piano cheio de cupim, que foi restaurado para tocar

uma vez. Então, na verdade, não custou tanto

dinheiro, para produzir o catálogo sobre a obra foi

mais caro do que os dois pianos que foram usados.

Há muitos pianos de cauda para vender, porque as

pessoas não têm mais o hábito de ter piano de

cauda em casa. E o piano não é quanto mais velho

melhor, dizem que alguns perdem a alma quando

perdem a afinação muito fácil. Até na televisão

uma repórter me perguntou se eu iria destruir o

piano, respondi que não iria destrui-lo, mas sim que

ele iria transformar em uma escultura. Há a

performance do pianista tocando, nesse processo de

realização da escultura, e depois o que resta é a

escultura pronta.

V. Poderia afirmar que o piano é mais uma

escultura–performance?

T. Sim, exatamente. Em todos os trabalhos com os

instrumentos, de alguma forma eu os silencio, e foi

apenas com o piano que houve a performance, os

outros trabalhos são somente escultura.

V. Em Fim de Partida você alude diretamente

sobre a peça de Samuel Beckett, e em Penélope

mais indiretamente à Odisseia de Homero, como é

sua relação com a literatura?

T. Na verdade a obra Fim de Partida não é

exatamente uma alusão, eu encaro mesmo como

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uma encenação da peça. Eu peguei tudo como é a

peça, toda descrição dos personagens, todo o

figurino, os objetos de cena, tudo como é a peça

mesmo, e para mim aquilo foi uma encenação da

peça do Beckett.

V. E como foi realizar a peça da literatura para as

artes visuais?

T. Para mim Beckett, Odisseia ou Chopin, são

coisas tão estabelecidas na história da cultura que

elas são coisas. Como eu me aproprio ao usar uma

cadeira eu me aproprio ao usar o Beckett, que já

possui uma força e uma presença tão forte que são

coisas no mundo. Então é com essa liberdade que

eu me apropriei de algo existente. A princípio eu

até havia pensado em fazer uma peça em que os

atores derretem com a ação do refletor e, no

momento, pensei em eu mesma escrever esse texto,

mas depois vi que não faria sentido, porque as

pessoas teriam que ler o texto para saber do que se

tratava, pois seria algo totalmente novo. E o Fim de

Partida é algo que se as pessoas não conhecem a

peça, conhecem um pouco do universo que é o

Beckett. Acredito que a peça casou muito com a

ideia inicial, porque é um fim continuado, um fim

que nunca termina. Então tem muita relação com

essa ação que está sempre em processo, você nunca

vê nem o começo, nem o fim, é sempre esse indo

embora, mas que nunca chega ao fim, um fim

infinito. E no Penélope foi muito diferente porque

foi o título. Eu havia feito o trabalho e não sabia

que título dar e então a produtora da exposição

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contou o mito da Penélope, pois pensava que havia

relação. Então resolvi dar o título, mas na verdade

às vezes eu acho que até atrapalha um pouco, pode

parecer que é uma ilustração do mito, pois a

referência é muito forte. O trabalho veio de outro

lugar, era para adicionar mais um sentido e não pra

ilustrar uma história.

V. E Penélope surgiu como então?

T. Eu fui chamada pela Capela Morumbi e lá há

sempre trabalhos de site-specific e então eu queria

usar algum elemento próprio de uma capela, por

isso escolhi o tapete vermelho, e a partir disso a

ideia foi se desenvolvendo. Nesse período eu havia

viajado para Minas Gerais e lá existem vários

lugares com um cipó chumbo, que é um parasita.

Ele é um monte de fios que vai se trançando nas

árvores, como um cipó mesmo, e chega a matar as

árvores. Então tinha esse parasita que eu achei

interessante e então juntou essas coisas, e eu tive a

ideia de colocar o tear no altar, pois seria essa

ligação que juntava o tapete. Eu queria muito fazer

alguma coisa fora da Capela também, porque nunca

ninguém tinha feito nada fora, e como havia essa

conexão dos furos existentes nas paredes, assim a

ideia foi se construindo. Na verdade ela se

construiu muito mais pelo lugar da Capela do que

pelo mito, o mito veio totalmente depois.

V. Na série Acidente as pinturas vem

acompanhadas com pequenos textos. Em Electrical

Room você escreve textos para a exposição, em

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outros trabalhos eles também estão presentes, qual

a relação que você faz entre obra e texto?

T. Quando eu era adolescente eu escrevia muito, e

meu sonho era também ser escritora, pois sempre

gostei muito de escrever, principalmente poesia.

Mais tarde quando fiz parte do grupo do Maria

Antonia, havia uma revista, eu escrevia alguns

textos sobre artistas, mas sempre tive bastante

dificuldade em escrever textos mais dissertativos,

mais claros, na verdade não só dificuldade como

também não tinha muito prazer. Mas eu sempre

escrevi, foi algo sempre presente, então foi mais

uma coisa que juntou e agora nos trabalhos em

vídeo, o texto entra muito forte mesmo. Porque nas

pinturas havia uma relação, mas era muito

autônoma, pois se você visse a pintura sem ler o

texto ou o texto sem ter a pintura, os dois

sobreviviam bem. O texto surge muito quando

penso em mais uma camada de literatura, mais uma

camada de ficção. Penso que essa questão foi uma

virada no meu trabalho, pois quando eu fazia

aquelas pinturas mais abstratas, uma hora aquilo se

esgotou pra mim. Eu sentia falta de criar uma

literatura dentro daquilo, não de criar histórias, nem

acho que narrativa seja tão boa palavra. Narrativa

pressupõe um começo, meio e fim e justamente não

era muito isso, eu acho que era criar camadas de

literatura mesmo, com maior relação com a poesia

talvez. Então, na verdade, os textos nunca

explicavam nada, só atrapalhavam.

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V. No início seu trabalho na pintura tinha colagens,

elementos mais coloridos, agora seu trabalho está

mais opaco, com o escorrido. Como você vê esses

elementos, essas mudanças no seu trabalho?

T. No começo a pintura tinha mesmo muita relação

com a colagem e eu também fazia colagens.

Acredito também que esses trabalhos com corte,

como Patas e Zona Morta, possuem relação com a

colagem, como se partissem dela, há uma

autonomia da forma no corte. Acho que naquele

momento eu fazia tudo a partir do recorte, da cor,

onde o lugar dela era naquela forma, não era uma

cor que se expandia. Mais recentemente, houve o

momento do ano passado onde fiz as pinturas da

série Acidente que eram todas brancas e pretas, e

agora eu estou retomando bastante a cor. Mas agora

o que eu não quero é que elas fiquem ligadas à

forma então, muitas vezes, a figura se torna o

espaço, torna-se algo muito junto. Naquelas

primeiras pinturas a cor era realmente muito

importante. Eu criava um certo desafio, como por

exemplo, como colocar um amarelo com prata, ou

um lilás com rosa, coisas que a principio para mim

eram as mais difíceis de conviverem umas com as

outras, como conseguir que elas ficassem bem.

V. E nas esculturas e instalações seus trabalhos

foram passando de materiais mais rígidos para os

mais maleáveis, poderia comentar essa transição

também?

T. É até interessante pensar o trabalho que está na

exposição 30x Bienal. Em Cauda #2 é engraçado

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ver como aquele falso derretimento era feito com

madeira. Era quase uma cenografia de algo

derretendo, e depois eu usei um material que faz

parte da característica dele derreter facilmente. Eu

acredito que o momento do Cauda era um

momento de formação. Naquele momento as

esculturas eram quase que pinturas no espaço ou

esculturas pictóricas, elas eram muito ligadas às

pinturas e elas tinham essa ideia de pensar um

pouco qual é o espaço da pintura no mundo, que

era algo que me interessava, como é a pintura para

além dela mesma. Até o meu TCC (Trabalho de

Conclusão de Curso na graduação) tinha relação

com isso, àquelas pinturas abstratas, a escala das

pinturas que quase criavam um ambiente como em

Barnett Newman e Rothko. Então comecei a pensar

que na verdade o espaço da pintura era o espaço

decorativo, era o espaço da casa em relação às

outras coisas, que ela não era ela nela mesma, ela

tinha uma relação com aquele entorno. Então

comecei a pensar um pouco esse lugar decorativo

da pintura, mas por um lado acredito que havia uma

certa ironia, que é um pouco até da Pop Art, mas

que depois não me interessa mais, porque penso

que é algo que vem mais pela negação do que pela

afirmação e eu prefiro muito mais ainda tentar

construir coisas do que negar. Então acho

engraçado ver aquele trabalho que tem um pouco

essa ironia, do derretimento cenográfico, que não é

do próprio caráter da matéria.

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213

V. Você afirmou que trabalha com ficções, no que

você se inspira para criar essas narrativas? De onde

vêm os temas abordados?

T. É sempre muito difícil falar sobre o trabalho,

pois muitas vezes você está um pouco confusa de

onde veio. Acho que cada vez mais se exige muito

a fala do artista. É um momento que eu sinto, pelo

menos aqui em São Paulo, da crítica de arte com

um espaço muito mínimo, quase não existe debates,

você faz uma exposição, você vai à exposição, não

tem um debate sobre aquilo, não tem uma conversa

pública sobre aquilo. Penso que existe um lado bem

complicado nisso, pois muitas vezes tudo é pautado

na fala do artista, que muitas vezes, não é a pessoa

mais apropriada para ter essa conversa. Porque as

vezes depois tudo que sai publicado é aquilo

mesmo que você falou, que de repente nem sei se

faz muito sentido. Então eu não consigo ver com

muito distanciamento o que é um tema, eu tento ser

o mais sincera possível com as coisas que eu faço,

mas às vezes é muito difícil verbalizar.

V. Percebo alguns conceitos no seu trabalho, como:

narrativa, que você não gostou do termo, gesto,

vestígio, ilusão, morte, encenação, tempo. Poderia

comentá-los?

T. Vejo que há tudo isso, poderia ter mais,

justamente o que quero é que cada um ache as suas

palavras para aquilo. Mas acho que a história da

morte é algo muito presente mesmo, mas no

sentido não tanto da morte como algo da morte real

mesmo. Acho que tem muita relação também com

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essa ideia de fim continuado nos trabalhos, que na

verdade não é somente uma morte, mas há também.

Acredito que os trabalhos com cachorros para mim

são os mais violentos nesse sentido. Na verdade eu

não tinha muita ideia do que estava fazendo quando

eu produzi na Bahia o cachorro preto (Cão cego),

pois ele parece muito real. Ficou muito bem feito, e

ele está parte derretido e aquilo estava em uma

capela, então aquilo realmente tem uma certa

repulsão, que eu acho que também é algo em que

eu nunca tinha mexido. Penso que há um dado de

violência ali, que eu acho que também é um susto,

também uma repulsa, que espero que seja reflexiva

também. Então, penso que às vezes eu tenho certa

tendência de domesticar essa violência, deixar ela

mais branda em vários trabalhos, e penso ser até

algo mais interessante do que a violência tão

escancarada.

V. Percebo no teu trabalho que são temas fortes,

mas tratados de forma poética. Também percebo a

recorrência do cachorro nos seus trabalhos, poderia

comentar.

T. Todo mundo pergunta sobre isso, mas na

verdade eu não tenho muito uma relação pessoal

minha com o cachorro. Escolhi por ser uma figura

muito próxima ao homem, e quando fiz o trabalho

na capela para o MAM da Bahia na exposição Cão

Cego, achei que era interessante a figura do

cachorro numa capela por ter essa coisa meio

amaldiçoada do cachorro. Coloquei um cachorro

vira lata se desfazendo, quis lidar com isso e os

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cachorros surgiram muito com essa coisa do ator

impossível, como nas pinturas que estão nos

palcos. Mas não há nenhuma história pessoal, foi

mais por ser o animal mais próximo do homem,

quase tão humano, e que as pessoas fazem o

máximo para humanizar o cachorro.

V. Você afirma que cria ficções, procura esse

distanciamento da sua vida pessoal?

T. Sim, porque para mim é como escrever um livro,

onde o personagem é um velho, por exemplo. Eu

inventei outro mundo, para mim é mais interessante

inventar vários universos do que ficar falando de

mim mesma. É claro que eu estou ali, não tem

como fugir da minha própria subjetividade, mas

não gosto de ser colada à vida, eu quero criar essas

ficções.

V. E como foi participar da 29ª Bienal de São

Paulo, como surgiu o convite?

T. Foi algo muito importante na minha carreira,

porque tem muita visibilidade. O convite foi um

pouco em cima da hora, e eu fiquei muito com

medo por fazer um trabalho que nunca tinha

realizado antes, pois fiz o trabalho especialmente

para a Bienal. Gostaria muito de ter colocado ao

menos uma pintura, mas não foi possível. Foi muito

bom ter feito o filme antes do Metade da fala no

chão –piano surdo, porque ao vivo foi muito

difícil. E também era um trabalho sobre o silêncio e

estava em uma situação com um espaço com o pé

direito gigantesco, muito amplo, com muitas

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pessoas falando, embaixo da lanchonete. Então foi

muito bom ter feito o vídeo porque ele também não

é só o registro, ele é um trabalho em si também.

V. E na exposição 30x Bienal, você já disse que

não foi você quem escolheu a obra exposta, com

surgiu o convite?

T. Foi um pouco estranho, pois me pediram uma

imagem de uma pintura, perguntei do que se tratava

e me disseram que era para a exposição da Bienal.

Perguntei se estava participando, pois não fui

convidada, então me disseram que sim, então

questionei se era somente com a pintura

mencionada, pois é uma pintura bem pequena, de

2003, do acervo do Centro Cultural São Paulo, mas

até então tudo bem. Depois o curador me escreveu

perguntando da série Cauda #2, falei com quais

colecionadores que estavam e no fim essa pintura

não entrou, pois houve uma confusão com a

prefeitura. Aliás, bem absurdo, porque eles pediram

um valor alto para o empréstimo da obra de um

acervo público, de uma obra que eu doei, e eles não

emprestavam para a Bienal a não ser por um valor

alto. Por isso que está essa obra agora, que é de

uma coleção particular, mas que foi emprestada

sem cobrar nada.

V. Você possui obras em acervos importantes,

como a Pinacoteca SP, MAM Rio e MAM SP.

Como aconteceu esse processo, foi por doação,

aquisição, poderia esclarecer?

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T. No Centro Cultural São Paulo, uma delas eu

doei e a outra foi prêmio aquisição na época em

que houve a exposição. Na Pinacoteca, foi através

da feira SP Arte, onde há empresas investidoras

que dão verba para o museu e o museu escolhe a

obra que vai comprar. O MAC foi a mesma coisa, e

o MAM foi doação, por conta do prêmio Pipa, onde

doei uma obra para o MAM e duas para os

investidores.

V. Como surgem os convites para expor no

exterior? São mediados pela Galeria Milan, que te

representa?

T. Não, nada acontece pela galeria. Ela me dá uma

estrutura de logística e tudo mais, mas as

exposições não são através dela. Meu contato é

direto com a instituição aonde vou expor. Eu já

havia exposto fora, mas obras bem pequenas, esse

ano que eu viajei bastante. Vai acumulando, vão

chegando vários convites de vários lados. Uma

exposição muito importante foi na Cisneros, era um

projeto onde há uma comissão que seleciona os

projetos enviados e eu passei. Foi em Miami

(EUA), e lá fiz Metade da fala no chão – bateria.

Eram cinco artistas na exposição e ela teve muita

visibilidade. Vejo também que o Brasil está muito

em evidencia, então está tendo muitas exposições

de arte brasileira, está até na moda. A exposição em

Denver foi algo bem especial para mim também.

Uma curadora tinha visto a obra da bateria em

Miami e falou de mim, eles foram pesquisar e me

convidaram. Foi pelo trabalho anterior, e lá eles

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comissionaram um trabalho novo, foi incrível, eles

eram ótimos.

V. Como foi a experiência de residência artística

em Londres?

T. Foi muito importante, nunca havia feito

residência artística, mas foi muito importante para

viver outro contexto, poder visitar muitas

exposições, poder viver em Londres onde você vê

muita coisa. Às vezes eu ia até na National Gallery

só pra ver Rembrandt, então não era tão corrido

como uma viagem de turismo, você vivencia a

cidade de outra maneira. Mas talvez o que eu tenha

feito errado é que eu quis realizar um trabalho,pois

normalmente, eu não tinha entendido isso, na

verdade eu não consigo viver muito desse jeito,

mas para eles é mais importante o processo do que

o trabalho. E eu não consigo processar desse jeito.

Quando aconteceu o prêmio Pipa, os quatro

finalistas tinham que escrever o que faria na

residência se ganhasse o premio. Escrevi o projeto

da obra que eu iria fazer, pois tenho uma amiga que

é atriz e mora em Londres, e eu queria fazer uma

coisa com ela. E para mim, se escrevi aquilo e

ganhei o prêmio, eu tinha que realizar o que eu

escrevi. Mas acho que não tinha que ser assim, pois

foi loucura fazer aquele trabalho lá, pois eu não

tinha estrutura nenhuma, não tinha câmera, não

tinha nada vezes nada. Então tive que arcar, não sei

como eu consegui arranjar câmera, luz, atores,

edição, tudo lá, porque no fim, rolou uma

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comunidade brasileira, e todo mundo foi se

envolvendo e eu consegui fazer o Hard Water.

V. De onde provêm os recursos para executar obras

mais caras, como Vaga?

T. Depende. Geralmente a galeria ajuda muito

nesse sentido. O acordo é dividir 50% de todos os

gastos quando é para eles. Muitas vezes em

exposições institucionais eles também ajudam.

Acho que existe uma crítica muito grande referente

ao mercado, mas ao mesmo tempo aqui no Brasil

são eles também que sustentam as instituições.

Quase todas as exposições de artistas

contemporâneos é a galeria que ajuda a produzir.

Também por produzir pintura isso me dá uma

condição maior de viver de arte, mas muitas vezes

eu coloquei dinheiro meu nos trabalhos, era o valor

de uma venda para fazer outro trabalho, ou fazia

acordos com a galeria e ficava um tempo sem

receber, então há muito investimento. Fora todas as

coisas que você faz e não dá certo, que vão para o

lixo. É um trabalho de muito investimento, acho

que é isso que faz girar as outras coisas que vão

vindo depois.

V. Com relação às obras em cera, o que acontece

quando a exposição acaba? O que resta é

descartado? E com relação a obras de maiores

dimensões, como Piano Surdo, Vaga ou até mesmo

Cerco, como você armazena essas obras?

T. Sobre as obras em cera, após as exposições eu as

descarto, mas guardo o molde para poder refazer a

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cera novamente. Piano Surdo é parte da coleção do

Instituto Figueiredo Ferraz e fica permanentemente

exposta. Já Cerco é parte de uma coleção

particular, onde é armazenada. Algumas obras eu

guardo e outras a galeria, mas geralmente as

grandes instalações tem que ser novamente

produzidas a cada exposição.

V. Quais os próximos projetos e/ou exposições que

virão?

T. Agora vou fazer essa exposição que abre dia 17

de outubro de 2013 em Nova York, que é uma

individual em uma galeria. Depois eu estou

participando de um projeto solo na feira de Bogotá,

que também foi um curador que me chamou, e em

janeiro de 2014 eu vou fazer parte de uma

exposição em Ohio, que é uma coletiva de arte

brasileira. E talvez tenha algo no Canadá também,

de ficar algumas semanas lá pra produzir uma obra.

No Brasil fora todas as feiras, como a SP Arte, tem

também a Miami Base, às vezes é muito trabalho.

V. Você tá fazendo uma série chamada Entrevistas,

poderia comentar?

T. É um pouco no sentido dessa exposição, a

entrevista como o seu discurso público de você

mesmo, então um pouco você está encenando o que

você é, tentando achar o jeito certo de falar das

coisas, é mais nesse sentido.

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APÊNDICE C – Fotos do ateliê da artista

As fotos foram tiradas em outubro de 2013 e o

ateliê encontrava-se em sua maior parte com as

paredes vazias por conta de uma montagem de

exposição que se aproximava.

Figura B 1 – Foto do ateliê de Tatiana Blass

Fonte: arquivo pessoal.

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Figura B 2 – Foto do ateliê de Tatiana Blass

Fonte: arquivo pessoal.

Figura B 3 – Foto do ateliê de Tatiana Blass

Fonte: arquivo pessoal.

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Figura B 4 – Foto do ateliê de Tatiana Blass

Fonte: arquivo pessoal.

Figura B 5 – Foto do ateliê de Tatiana Blass

Fonte: arquivo pessoal.

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Figura B 6 – Foto com Tatiana Blass

Fonte: arquivo pessoal.

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APÊNDICE D – Visita a exposições

A seguir os registros de exposições que Tatiana

Blass participou no Brasil entre 2013 e 2014 e que

foram visitadas.

Figura C 1- Exposição 30X Bienal em São Paulo. Outubro de

2013. Obra: Cauda, 2005.

Fonte: arquivo pessoal.

Figura C 4 - Exposição

Quase Figura, Quase Forma.

Galeria Estação, São Paulo,

setembro de 2014.

Obra: Teatro #3, 2013.

Figura C 5 - Exposição

Quase Figura, Quase Forma.

Galeria Estação, São Paulo,

setembro de 2014. Obra: O

fotógrafo #2, 2012.

Fonte: arquivo pessoal. Fonte: arquivo pessoal.

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Figura C 6 - Exposição Quase Figura, Quase Forma. Galeria

Estação, São Paulo, setembro de 2014.

Obra: Voltando pra casa, 2014.

Fonte: arquivo pessoal.

Figura C 2 - Exposição Singularidades/Anotações Rumos

Artes Visuais 1998-2013. Itaú Cultural, São Paulo, setembro

de 2014. Obras: Rublev, 2013 (pintura), Entrevista 1.3, 2013

(escultura abaixo), Entrevista 1.1, 2013 (escultura parede).

Fonte: arquivo pessoal.

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Figura C 3 - Exposição Singularidades/Anotações Rumos

Artes Visuais 1998-2013. Itaú Cultural, São Paulo, setembro

de 2014. Obras: Observadores #2, 2013 (esquerda),

Observadores #3, 2013(direita).

Fonte: arquivo pessoal.

Figura C 7 - Exposição Quase Figura, Quase Forma. Galeria

Estação, São Paulo. Fala com o curador da exposição Lorenzo

Mammì e os artistas também participantes da exposição Paulo

Pasta e Sérgio Sister em 30 de setembro de 2014.

Fonte: arquivo pessoal.

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Apêndice E – Lista de catálogos

A seguir estão listados os catálogos e folhetos de

exposições adquiridos com a pesquisa de campo.

30 X Bienal. Folheto de exposição. São

Paulo: [s.n.], 2013.

Acidente. Catálogo de exposição. São

Paulo: Galeria Millan, 2012.

BARRO, David (org.). Tatiana Blass.

Santiago de Compostela: Dardo, 2008.

Cão cego. Catálogo de exposição. Bahia,

[s.n.], 2009.

Cauda. Catálogo de exposição. São Paulo:

Galeria Virgilio, 2005.

Penélope. Folheto de exposição. São Paulo:

Madai Produções, 2011.

Quase Figura, Quase Forma. Catálogo de

exposição. São Paulo: Lis Gráfica, 2014.

Sala A Contemporânea. Folheto de

exposição. Rio de Janeiro: Centro Cultural

Banco do Brasil, 2010.

Singularidades/Anotações Rumos Artes

Visuais 1998-2013. Catálogo de exposição.

São Paulo: Itaú Cultural, 2014.

Tatiana Blass. Catálogo de exposição. São

Paulo: Caixa Cultural, NU Projetos de Arte,

2011.

Tatiana Blass. Catálogo de obras. São

Paulo: [s.n], 2010.

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Tatiana Blass. Folheto de exposição. São

Paulo: Centro Cultural São Paulo, 2003.

Teatro da Despedida. Catálogo de

exposição. São Paulo: Galeria Millan, 2010.

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ANEXOS

Segue em anexo fortuna crítica pesquisada da

artista.

ANEXO A – Paisagem de papel. Tiago Mesquita

Texto para o Programa de Exposições do Centro

Cultural São Paulo, 2003.

Fonte: Tatiana Blass. Folheto de exposição. São

Paulo: Centro Cultural São Paulo, 2003.

TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

Paisagem de papel

TIAGO MESQUITA

Já faz algum tempo que a pintura de Tatiana Blass

procura formas mais definidas e relações mais

estáveis entre os seus elementos. Desde 2001, a

artista aumentou a sua gama de cores. Passou a

organizá-la de maneira mais regular. Os blocos de

tinta foram fechados em massas bem delimitadas,

organizadas geometricamente, com um vocabulário

visual simplificado. As formas aparecem

dissociadas umas das outras, atuam no quadro

como objetos autônomos.

Elas não estabelecem solidariedade, nem

intimidade com suas convivas. Não têm objetivos,

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232

tampouco ideais comuns. Em geral, suas cores

também não se assemelham. São bem marcadas e

não procuram relações tonais. Apresentam recortes

inusitados e matizes pouco familiarizados. Quando

as manchas se avizinham umas das outras,

estabelecem contrastes notáveis. As formas

parecem ver suas vizinhas como completas

desconhecidas, elas se viram pela primeira vez

nesta tela. Mas isso não é motivo para elas criarem

conflitos.

A artista é delicada, tenta ajeitar estas diferenças.

Aliás, é difícil incomodar estas pastas de tinta. Elas

parecem ter saído direto da fábrica, têm cores

artificiais, por vezes kitsch. Nas colagens, isso é

ainda mais acentuado. As estampas se parecem

com fórmica, capas de caderno e papel de parede.

Em alguns trabalhos imitam um céu desanuviado e

os veios da madeira. Tudo em um padrão contínuo,

que saí quente da máquina. Por isso, temos a

impressão que, talvez, elas aceitassem qualquer

arrumação, mas isso parece pouco para Tatiana.

O trabalho não se dedica apenas à arrumação

mansa das formas num espaço neutro. Também,

não parece lhe interessar a lida estritamente

objetiva com elas. Embora estes materiais sejam

pouco artesanais e não guardem sinais de

expressividade, eles passam longe da serialização

minimalista e mesmo do planejamento do

concretismo. Na contramão desta objetividade das

formas, a artista parece procurar uma nova forma

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233

de se construir intimidade. Deste modo, seu gesto

não muda nossa relação com a natureza isso, ao que

parece, passa bem longe dela. Ela se vale de

materiais prontos e acabados, e os desvia sua

função convencional.

Tais superfícies ainda são regulares, repetitivas e

lisas. Poderiam ser usados da maneira mais discreta

possível. Mas a artista lhes atribuiu ambigüidade.

Ao mesmo tempo, são planas e profundas. Apesar

das formas de tinta, por vezes, se projetarem pra

fora da tela, seus recortes sugerem um volume que

nos leva para dentro. Colocados lado a lado,

aqueles planos, aparentemente anódinos, costuram

contornos com o espaço em branco e insinuam

paisagens. Um pedaço de revestimento de móvel

vagabundo parece uma mobília em um dos

recortes.

A artista se vale da ambivalência da forma e da

escala de seu trabalho para atribuir um sentido

íntimo a formas tão frias. Aqui elas não são

encaixadas em uma ordem predeterminada,

parecem ganhar outro sentido. Como se diante da

impossibilidade de se renovar a relação com a

natureza, coubesse a estes trabalhos, ao menos

atribuir novo sentido aos artefatos, para que eles

não apareçam tão alheios a nós.

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ANEXO B – Por um belo desconcertante. Luiz

Camillo Osorio

Texto escrito para exposição na Galeria Virgilio,

São Paulo, 2005.

Fonte: BARRO, David (org.). Tatiana Blass.

Santiago de Compostela: Dardo, 2008.

Cauda. Catálogo de exposição. São Paulo: Galeria

Virgilio, 2005. Também está no catálogo: BARRO,

David (org.). Tatiana Blass. Santiago de

Compostela: Dardo, 2008.

TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

Por um belo desconcertante

LUIZ CAMILLO OSORIO

O desafio para quem escreve sobre a obra de

Tatiana Blass é dar conta da pulsação cromática de

sua obra. Ela conquista o silêncio com cores que

berram. É um colorido raro, diferenciado, mas feito

de cores comuns, banais mesmo, beirando algumas

vezes o kitsch. Falar da cor aí é falar de uma

ousadia decorativa, de uma vontade desarmada de

assumir um belo desconcertante. É desarmada no

sentido de que nada em sua obra parece forçado ou

artificial e é desconcertante porque é

surpreendente. Como é possível uma pintura cool

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235

usando cores tão “cheguei”? Outra pergunta se

apresenta diante dessas divagações iniciais: será o

belo ainda uma denominação pertinente e desejada

pela arte? Temo esta palavra por conta de uma

certa inviabilidade metafísica. O tempo e as

múltiplas idealizações retiraram dela qualquer

pregnância de sentido. Mas como deixá-la de lado?

Será possível dar-lhe alguma atualidade?

Decorativo, então, é xingamento deliberado. Pobre

Matisse. Cabe dizer, entretanto, que isto não

aconteceu à toa; de fato um esteticismo vazio e

uma cooptação frente às determinações do mercado

levaram a esta situação complicada em que o belo

perdeu espírito e o decorativo abriu mão de

qualquer rigor estético. Para uns o belo é impotente

porque não se deixa apreender intelectualmente,

para outros ele é indesejável pois se deixa seduzir

pelo brilho decorativo.

É neste território minado em que impotência

conceitual e insatisfação ética mostram-se de

imediato que queremos tratar da beleza nas obras

em questão. Diante das colagens, pinturas, objetos

e instalações de Tatiana Blass nos vemos sempre

em alerta, nossos sentidos ficam despertos, atentos

e mobilizados. Deparamo-nos com formas

desengonçadas mas precisas. Uma mistura

poderosa de desassombro e intuição parece

conduzir suas ações plásticas. A intuição aí não

funciona como algo espontâneo, fácil, que daria à

sua poética um caráter um tanto ingênuo. Não. O

que se apresenta é uma sabedoria quase física dos

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236

materiais, principalmente das cores, que funcionam

por contrastes de textura e temperatura. Uma

pintura muitas vezes feita com materiais comuns e

que apela ao nosso sentido tátil. Cores exaltadas e

tímidas convivem sem se acomodarem. São poucos

os artistas jovens, hoje em dia, que assumem a

pintura com o mesmo frescor de Tatiana Blass.

O belo é o que produz uma diferença em nossa liga

sensível com o que está a nossa volta, com o que é

exterior. A autonomia do belo vai se dar no mesmo

momento histórico em que o homem assumia sua

maioridade política e espiritual. Esta possibilidade

do belo coincide com a experiência de um sujeito

livre para sentir e julgar, capaz de se postar frente

ao mundo sem os constrangimentos de uma

racionalidade instrumental que nos distingue a

priori o certo do errado, o artístico do não-artístico.

Schiller sacou esta relação entre a autonomia do

juízo estético e sua vocação política – o sentido

pleno de liberdade. O livre jogo das faculdades,

caro à experiência estética, corresponde ao livre

jogo entre os cidadãos anônimos da polis moderna.

Há que se compreender o belo como um

acontecimento singular que se apresenta aos

sentidos, à percepção, e nos mobiliza a ver o

mundo, senti-lo, de modo diferenciado. O belo nos

retira de uma indiferença perante as coisas e nos

faz desejá-las sem consumi-las. O difícil, e esta foi

a principal razão de seus atritos com a metafísica, é

que a experiência do belo vai ser sempre um

acontecimento singular, calcada no sensível, que

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237

não se antecipa nem se define a priori. Ele se

apresenta e temos que estar a postos. Ele é sempre

diferente, sendo sempre comum. É a diferença que

se dá no meio do comum. Aqui voltamos aos

trabalhos de Tatiana Blass, que quer o comum, nas

suas cores, materiais, formas, para retirá-lo do reino

da banalidade, da indiferença, do mesmo.

Muitas vezes suas peças se deixam contaminar por

uma atmosfera kitsch, mas recusam o excesso

sensorial. Há contenção sem sofrimento nenhum. A

tonalidade afetiva que atravessa a obra mistura,

curiosamente, alegria e tédio. Mas é um tédio que

não inspira desapego, apenas um dar de ombros ao

que não seja a presença gratuita e imediata da obra.

É como se suas peças dissessem: pra mim tá bom

assim. Baudelaire, guardadas as diferenças, acho

que gostaria da atitude destas obras.

Outro aspecto importante que começa a aparecer

em sua obra refere-se à relação entre pintura,

colagem, objeto e instalação. Na verdade, creio que

tudo leva a uma noção de ambiente, de criar um

ambiente, uma atmosfera, onde a vida, a mais

comum possível, possa ser vivida na sua estranheza

originária. Seja na tela, seja fora dela, no espaço

real, o que percebemos são campos de energia

cromática e de formas sensuais que se propagam e

nos abarcam. É um mundo de cores para ser sentido

na pele. Vale dizer também que seus contos, suas

pequenas peças literárias, dialogam de perto com

tudo isso.

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ANEXO C – Tatiana Blass: sobre a dificuldade ou

a necessidade do inverso. Cauê Alves. Texto para a

exposição no Paço das Artes, São Paulo, 2006.

Fonte: BARRO, David (org.). Tatiana Blass.

Santiago de Compostela: Dardo, 2008.

TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

Tatiana Blass: sobre a dificuldade ou a

necessidade do inverno

CAUÊ ALVES

Em 1948, prestes a inaugurar uma grande

exposição no Museu de Arte da Filadélfia, Henri

Matisse, em carta para o então diretor da

instituição, Henry Clifford, manifestou

preocupação com a suposta ausência de

dificuldades de sua pintura: “Sempre tentei ocultar

os meus esforços, sempre desejei que minhas obras

tivessem a leveza e a alegria da primavera, que

nunca nos permite suspeitar o trabalho que custou.

Por isso, receio que os jovens, vendo em minha

obra apenas uma facilidade aparente e negligência

no desenho, se sirvam disso como desculpa para

evitar certos esforços que me parecem

necessários”.

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239

Se pudéssemos incluir Tatiana Blass entre esses

jovens, o receio do mestre teria sido em vão. Sua

pintura, apesar do frescor e da delicadeza, possui

um rigor formal que deixa evidente o empenho que

exige. Não há, por parte dela, qualquer tentativa de

recorrer a atalhos ou chegar à primavera sem antes

atravessar a severidade do inverno. As várias

camadas de tinta sobrepostas jamais dissimulam o

esforço da artista, mesmo que o resultado tenha a

aparência geral de uma paisagem cujos contrastes

cromáticos estejam apaziguados, e isso vale

inclusive para as cores mais berrantes. O seu

esforço é no sentido de acomodar e aquietar massas

diversas de cor do melhor modo possível, ou seja,

encontrar intuitivamente certo acordo cromático

que estruture o trabalho. E essa árdua tarefa é

cumprida ao mesmo tempo em que seu trabalho

ganha densidade.

Embora a pintura seja algo onipresente na trajetória

da artista (inclusive, nas pinturas recentes, as

relações tonais são mais valorizadas e dependem,

cada vez menos, de um fundo neutro que o branco

tendia a se tornar), nos últimos tempos, novas

experiências, notadamente trabalhos

tridimensionais, têm lhe interessado. Páreo —

escultura de mármore em que quatro patas de

cavalo, em tamanho real, descem as escadarias do

Paço das Artes — remete-nos, assim como muitas

de suas pinturas, à paisagem. Mas aqui há apenas

um índice do animal, uma vez que uma espécie de

linha do horizonte elimina a maior parte do seu

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corpo. Assim, cabe ao visitante, mais do que inferir

o dorso do cavalo, completar o entorno e relacionar

o trabalho com o local em que está colocado.

Já a operação feita em Espartilho é diversa, em vez

de seccionar a paisagem, há uma espécie de desafio

à lei da gravidade. Trata-se de quatro plataformas

de diferentes espessuras e alturas, apoiadas em

estruturas de madeira, que elevam os galhos de

uma goiabeira no canteiro central da Avenida da

Universidade. Mais do que aludir a uma paisagem

ou representá-la, a artista interfere diretamente na

natureza. O “fundo” sobre o qual o trabalho pode

ser percebido é a própria Cidade Universitária, mas

só haveria essa percepção se o trabalho não se

disfarçasse entre as árvores para evitar um assédio

direto. A estrutura que agora sustenta a copa da

árvore — assim como a cinta que comprime o

abdome e a cintura da mulher para deixá-la mais

esbelta — não poderia ser evidente e, por isso, a

pintura verde a camufla. Mas é certo que a

goiabeira, segundo um determinado padrão — que

talvez não seja o predominante em nosso tempo,

nem comum para uma árvore — está agora mais

elegante.

Todavia, a elegância desse trabalho diverge das

técnicas de Photoshop ou lipoaspirações tão

comuns nos dias de hoje. É uma elegância altiva,

de um momento determinado, que busca, em vez de

podar a natureza, modelá-la provisoriamente e, por

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241

isso, talvez seja essa uma beleza fora de moda, ou

melhor, que se recusa a estar sempre na moda.

Desse modo, o projeto de Tatiana Blass, se, por um

lado, também oculta as próprias dificuldades do seu

fazer, permite-nos ampliar o receio de Matisse:

mesmo que não traga exatamente uma alegria da

primavera, o trabalho não faz concessões e exige

um esforço também do público.

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ANEXO D – Zona Morta. Taísa Palhares.

Texto escrito para a exposição no Centro

Universitário Maria Antonia-USP, São Paulo,

2007.

Fonte: TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

Zona Morta

TAÍSA PALHARES

Em Zona Morta, Tatiana Blass ocupa uma das salas

do Maria Antonia com móveis e objetos dispostos

como em uma sala de estar, só que fendidos na

altura do olhar do espectador. Trata-se de criar, a

partir de um ato de secção, uma faixa branca de

aproximadamente 80 cm em que se produz uma

zona de silêncio ou intervalo tanto entre as partes

das coisas quanto no espaço expositivo como um

todo. Talvez não exista nada mais doméstico e

cotidiano do que uma sala de estar.

Originariamente é o local de encontro dentro da

casa; onde recebemos os amigos, sentamos para ler

um livro, descansamos e nos sentimos protegidos.

Na sala construída pela artista, pinturas antigas, de

família, convivem com o piano, a televisão, o

tapete, a estante, os discos e trabalhos de sua

autoria. É essa domesticidade que é ligeiramente

dissolvida pela fenda, a “zona morta” que

transporta esse local para o universo do imaginário.

Em suas pinturas e colagens, Blass já explorara a

descontinuidade como elemento constitutivo da

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relação entre formas e cores. Na intervenção Atavio

(2004), campos de cor se espalhavam pelo chão,

criando uma sensação de estranheza, matizada pela

maneira como pareciam brotar naturalmente das

paredes, degraus e vasos.

Em cauda_cadeira (2005) o elemento

desestabilizador encontra-se na junção da mancha

tutti-frutti à cadeira de madeira de linhas

geométricas: de repente tudo parece adquirir uma

maleabilidade de desenho animado. Em Zona

Morta, artifício e realidade novamente se misturam,

causando aquele leve estranhamento pelo qual o

espectador é lançado por um instante a esse

intervalo de dúvida, de espanto, que alguns

filósofos gregos tanto apreciavam como o momento

que precede todo conhecimento.

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ANEXO E – Um sol partido ao meio. Rodrigo

Moura.

Texto escrito para a exposição na Galeria Carminha

Macedo, Belo Horizonte, 2007.

Fonte: BARRO, David (org.). Tatiana Blass.

Santiago de Compostela: Dardo, 2008.

TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

Um sol partido ao meio

RODRIGO MOURA

Minha primeira impressão sobre as pinturas de

Tatiana Blass foi a de estar diante de uma poética

solar, timidamente hedonista, mas apoiada numa

idéia de prazer decorativo ou de forma voluptuosa,

cuja matriz me parecia vir de Matisse. Tratavam-se

de quadros não muito grandes (50x70 cm, em

média), marcados por um processo baseado na

pintura por estêncil (o uso das máscaras servia para

conter as cores e criar formas entre geométricas e

orgânicas) e pelo uso atrevido das cores, oscilando

entre a busca por harmonia e a aceitação mais

direta da acidez obtida (verde e rosa é a

combinação mais óbvia desta paleta de pinturas,

circa 2004). Estas obras tinham uma vibração

sensual que as tornavam irresistíveis e traziam um

frescor que parecia transbordar da tela e querer se

esparramar pelo mundo.

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Num primeiro momento, tais atributos chamaram a

atenção da crítica, sobretudo pela pujança

cromática. Segundo uma leitura mais formalista da

obra, podia se tratar de ousadia dentro de um

programa no qual a abstração (e suas “boas regras”)

ainda era o norte. Daí a expressão kitsch ter

aparecido tão freqüentemente para descrever e

comparar, figurando como contradição a uma

pintura supostamente ainda impregnada dos

ditames greenberguianos – como se sabe, a não

comunicação da arte com qualquer assunto que

extrapole a própria obra. Mas, logo adiante, já

pareciam surgir algumas ligações entre estas

pinturas e objetos mais experimentais que a artista

passou a produzir. Sobretudo, eles comungavam de

uma idéia já presente na pintura: a dificuldade de

articulação entre os elementos de uma mesma

composição, evocando diálogos entre gravidade e

suspensão, contenção e dispersão.

Quando encontrei-me com a artista para a coleta de

dados para este texto, ela vinha de inaugurar uma

exposição no Centro Universitário Maria Antônia.

Nesta peça, chamada Zona Morta (2007), a artista

utilizou uma minúscula sala da instituição para

criar uma instalação na qual reproduzia o ambiente

doméstico de uma sala de estar, tal e qual, com

sofás, estantes, um piano, mesinhas de canto e de

centro, livros, discos e fitas, uma televisão e muitos

quadros na parede. Embora a apropriação não seja

seu assunto central, a sala evoca claramente uma

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típica casa da classe média brasileira, talvez situada

em algum momento dos anos 1970.

Há, contudo, um elemento de profunda estranheza

para um ambiente desta natureza: uma grande faixa

vazia circula todas as paredes do recinto, criando

uma zona morta parecida com um efeito de

desenho animado, mas com impacto

profundamente físico. Passando por cima dos

objetos, esta área, além de instaurar um espaço

vazio, cinde os elementos da instalação, entre eles

um piano, um disco de Roberto Carlos, uma

televisão e uma pintura da própria artista. As partes

não foram retiradas, mas são, radicalmente,

divididas em pedaços. Pensamos em Desvio para o

Vermelho (1967-84), de Cildo Meireles, mas aqui

me parece que a lógica é mais improvável ainda do

que na obsessiva coleção de objetos vermelhos.

Além dos objetos banais, outros elementos chamam

a atenção e oferecem pistas à clef na sala de

Tatiana – referências a Bruce Nauman, objetos op,

um móbile setentista, um livro de Nuno Ramos –

criando uma cadeia de referências metalingüísticas

e autobiográficas no interior do espaço ficcional

criado para o personagem. Não por acaso, o espaço

serviu para a artista encenar um vídeo.

Diante de uma obra com contornos conceituais tão

evidentes, perguntei à artista o que unia trabalhos

como aquele à sua pintura? Ela se referiu ao

encaixe, ao corte e à imposição da linha na

composição. Todos estes atri-butos formais,

presentes na pintura, se colocam de maneira

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247

figurada também no seu trabalho. Por exemplo,

pensemos no estranho lugar que um espaço tão

doméstico cria no contexto de uma instituição arte,

num prédio universitário.

Zona Morta foi desenvolvido logo após a artista

criar uma série de objetos que estão reunidos na

Galeria Carminha Macedo, na sua primeira

exposição individual em Belo Horizonte. Talvez o

mais emblemático deles seja uma série de cadeiras

(2005-2006), que são modificadas e fragmentadas

para acoplarem grandes áreas de cor na forma de

manchas solidificadas. Ao unir cor e forma para

desconstruir um objeto familiar, a artista aproxima

seu método àquele da escultura contemporânea.

Zona Branca [Lustre] (2007) também altera um

objeto industrializado, criando uma grande

instalação com luminárias vermelhas de vidro,

pendentes do teto, que recebem uma faixa

transparente a cruzar sua superfície. Mais do que

significar um abandono da pintura, o que este

movimento também traz para a prática da pintura é

uma abertura ainda maior. Na série de dípticos

recentes aqui expostos, a pintura não é feita em

lona virgem, mas em tecidos com texturas e cores

pré-existentes, utilizados sobretudo para decoração,

conferindo um diálogo da pintura feita no ateliê

com informações capturadas de outros universos

estéticos e formais.

No dia da minha visita a Tatiana, quando partimos

da instituição para o seu estúdio, tomamos de carro

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248

uma linha reta e longa para atravessar a cidade.

Parados em um semáforo, vimos uma árvore

cortada ao meio, cuja raiz continuava no solo e um

pedaço de galho se prendia aos fios de um poste,

criando uma zona morta entre as duas partes. Neste

momento, pensei que algo que me interessava

profundamente na artista era a dialética entre o tra-

balho no ateliê e fora dele. Uma questão pertinente

para muitos artistas que hoje lidam com a arte

contemporânea. À medida que atravessávamos a

cidade, sentíamos a mudança da paisagem urbana,

mas sem que houvesse uma linha nítida de

passagem, como se uma troca visível se fizesse

passar por invisível por ser tão gradual.

Metaforicamente, é assim, sem limites muito

estanques, que Tatiana trabalha este balanço entre o

universo mais contido da pesquisa em pintura com

instalações como Zona Morta, que se colocam

aderidas mais diretamente ao mundo.

Sempre a oeste, chegamos a uma rua calma diante

de um pôr-do-sol, um sol cortado ao meio contra o

horizonte – e uma linha reta para ser percorrida de

volta. “O sol ainda estava acima do horizonte (não

o sol; a aparência do sol; era aquele momento em

que já se pôs ou vai se pôr, e o vemos onde não

está).”*

* BIOY CASARES, Adolfo. A invenção de Morel.

Tradução Samuel Titan Jr. São Paulo: Cosac Naify,

2006. P. 33.

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ANEXO F – Desenhando com tesouras a linha do

horizonte. David Barro.

Texto escrito para o livro de sua publicação.

Fonte: BARRO, David (org.). Tatiana Blass.

Santiago de Compostela: Dardo, 2008.

TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

Desenhando com tesouras a linha do horizonte

DAVID BARRO

Há uma imagem que me parece particularmente

tensa. Uma porta entreaberta deixa entrever

Matisse no seu estúdio, sentado e olhando para

baixo. A fotografia, tirada por Brassaï, não permite

ver o objeto do seu olhar. No estúdio, ordenado por

uma luz filtrada, a imagem dominante é a de um

grande ramo de flores que reforça a serenidade que

o artista defendia nos seus escritos. Matisse pensa a

pintura a partir do olhar interior.

Pego neste gesto como ponto de partida porque me

é dificil não pensar em Matisse ao observar muitas

das obras de Tatiana Blass. Não num sentido

formal, mas no sentido que aquele denominou de

‘desenhar com tesouras’ e que, ao seu tempo,

constituiu uma revolução estética. Afinal, nas obras

de Tatiana Blass está sempre presente o corte ou o

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recorte, seja como fissura, mutilação, rasura,

parêntesis, discordância, concordância, ausência,

distância, descontinuidade, respiração, ocultação,

vazio, engano ou colagem. Um corte que é

simultaneamente radical e suave, velado. Como se

saísse do Photoshop (1). Como Matisse, em vez de

desenhar formas e/ou contornos de figuras para as

encher de cor, Tatiana desenha e compõe

diretamente sobre essa cor, aproveitando as

texturas, que ganham a mesma importância que as

formas.

Rodrigo Moura diz no seu texto ‘Um sol partido ao

meio’ que a primeira impressão que teve das

pinturas de Tatiana Blass foi a de “estar diante de

uma poética solar, timidamente hedonista, mas

apoiada numa idéia de prazer decorativo ou de

forma voluptuosa, cuja matriz me parecia vir de

Matisse” (2). Embora para Matisse tudo fosse

produto de uma simplificação: os tecidos tinham a

mesma importância que as suas odaliscas, e o

recorte era tudo. Mas o seu recorte acrescenta – e

quero pensar que nas obras de Tatiana Blass, mais

do que a voluptuosidade das formas e o prazer

decorativo, aparece a sua omissão – uma

desconstrução dessas formas que nos fala da

impossibilidade e da catástrofe, do acidente como

desvio da norma e de uma espécie de magia,

engano e mistério que radica naquilo que não

podemos ver, na invisibilidade do resto, recorrendo

à terminologia de Derrida. Assim, tento repensar

esse vazio invisível que se esconde por trás da

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porta de Matisse e imagino como seria a cara de

Matisse se a sua pintura tivesse sido dividida em

duas metades, como em Zona morta de Tatiana

Blass.

Tatiana Blass questiona a fissura babélica a partir

de um transbordamento da pintura e da escultura e

das possibilidades destas relativamente à

arquitetura. Nos seus maneirismos, notamos um

domínio do espaço, um verdadeiro exercício de

eventuais continuidades e descontinuidades e,

claro, certo humor sustentado pelo absurdo da

impossibilidade. Nas suas obras, a presença física é

notável, assim como os contrastes de texturas e de

velocidades que sempre seguram a linha – o corte

ou o recorte – como eixo para o discurso conceitual

entre disciplinas. A sua pintura desenvolve-se a

partir do tátil, opondo não só texturas mas também

cores capazes de se chocarem entre si sem roçar o

excesso e roubar delicadeza e sutileza a um

trabalho que gera uma atmosfera ambígua capaz de

evocar e insinuar paisagens e temperaturas

cromáticas.

Tatiana Blass consegue articular diferentes

elementos e materiais numa composição capaz de

conviver pacificamente nessas tensões, “evocando

diálogos entre gravidade e suspensão, contenção e

dispersão” (3). Assim, devemos entender a

densidade da sua pintura como resultado de um

esforço “no sentido de acomodar e aquietar massas

diversas de cor do melhor modo possível, ou seja,

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encontrar intuitivamente certo acordo cromático

que estruture o trabalho.” (4). Tiago Mesquita

escreveu sobre como no inverso desta objetividade

das formas – que nem conservam sinais de

expressividade nem resultam da serialização

minimalista – a artista parece “procurar uma nova

forma de se construir intimidade” (5). E consegue-

o, efetivamente, procurando o acidente das

texturas, das marcas, dos contrastes; essa tal

tatilidade. Porque nada parece encaixar na pintura

de Tatiana Blass e, no entanto, a frescura e o logro

das suas pinturas é evidente. Como quem trabalha

num ofício, Tatiana Blass sabe conter o excesso e

propagar a experiência pictórica para além do

objeto em questão, rompendo simplesmente com a

normalidade com um descaramento tão fresco que

parece inofensivo. Contudo, o resultado é letal: as

suas obras falam-nos da beleza que se esconde na

estranheza da vida, no acidente da experiência.

Como assinalou Luiz Camillo Osorio, “o desafio

para quem escreve sobre a obra de Tatiana Blass é

dar conta da pulsação cromática de sua obra. Ela

conquista o silêncio com cores que berram. É um

colorido raro, diferenciado, mas feito de cores

comuns, banais mesmo, beirando algumas vezes o

kitsch. Falar da cor aí é falar de uma ousadia

decorativa, de uma vontade desarmada de assumir

um belo desconcertante”.(6)

A pintura de Tatiana Blass acontece fora da própria

pintura. Mesmo quando se desenvolve sobre a tela,

o característico fundo neutro desaparece

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253

procurando outro tipo de cruzamentos tonais entre

o pintado e o já ornamentado dos seus suportes

alcatifados. Por outro lado, quando resolve as

formas através de outros meios, como a instalação,

o olhar pictórico permanece em forma de paisagem

dominada por uma curiosa linha do horizonte

(Páreo; Zona Morta…) que obriga o espectador a

gerar as suas próprias formas, a completar esse

vazio. O curioso e paradoxal é que peças como

Patas ou Páreo, conseguem preenchê-lo

completamente, obrigando-nos a ver mais além..

Como num quadro de Rothko ou em Monge à beira

mar de Friedrich, é, curiosamente, o vazio que o

preenche por completo(7). O espectador forma a

sua própria paisagem, dá forma ao resto. Nas peças

de Tatiana Blass intuímos o resto invisível, no

sentido de resto alemão; esse resíduo ou pegada

que Derrida nos diz que não “é” porque não

permanece. Derrida enfatiza essa finitude,

afirmando que “o resto ‘é’ sempre o que pode

desaparecer radicalmente” (8). Como nessa zona

branca das lâmpadas vermelhas de Tatiana Blass ou

na zona morta que permite desdobrar a realidade e

deter o tempo, quando fragmenta os objetos de uma

casa em duas metades, o recorte torna-se margem;

mais do que não lugar seria um lugar fora do lugar,

algo como as heterotopias que Foucault (9) define,

divididas pelo espelho: “Penso que entre as utopias

e estes lugares absolutamente outros, estas

heterotopias, haveria sem dúvida uma espécie de

experiência mista, mediadora, que seria o espelho.

O espelho é uma utopia porque é um lugar sem

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lugar. No espelho vejo-me onde não estou, num

espaço irreal que se abre virtualmente por trás da

superfície, estou além, além onde não estou,

espécie de sombra que me devolve a minha própria

visibilidade, que me permite olhar-me além onde

estou ausente: a utopia do espelho. Mas é também

uma heterotopia, na medida em que o espelho

existe realmente, e tem, sobre o lugar que ocupo,

uma espécie de efeito de retorno; a partir do

espelho descubro-me ausente no lugar em que

estou, porque me vejo para além” (10). Mas esse

espelho, que nunca vemos nas obras de Tatiana

Blass, seria neste caso uma zona de

indiscernibilidade (11) como a que Deleuze intui

nos quadros de Bacon, onde tudo tende a escapar, a

atravessar o espelho da história. Como aquele

espelho de Alice que Lewis Carroll imaginou: “foi

desaparecendo muito lentamente... ficando só o

sorriso, que ficou por algum tempo depois de todo

o animal ter desaparecido” (12). Esse mundo

aliciente bem podia ser o das obras de Tatiana

Blass, como Patas, Páreo ou Zona morta, um

mundo num presente contínuo e, todavia, por

completar.

A elipse proposta por Tatiana Blass é

simultaneamente espacial e temporal. Como toda a

interferência ou disseminação, como toda a

invisibilidade do resto ou coitus interruptus, a

elipse parte do fragmento. É, portanto, uma

interrupção da própria realidade, do seu tempo, do

seu espaço. Mas o corte não é necessariamente uma

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ruptura da sua continuidade. Tratar-se-ia mais de

uma elipse ou dessa necessidade contemporânea de

acidentar, de transformar em fragmento. Assim o

assinalava Adorno na sua Teoria Estética (1970):

“a mais exigente das artes tende a superar a forma

como totalidade e chegar ao fragmentário”. Parece

que o acontecimento só ocorrera no acidental. Daí

verificar-se um certo sentido fractal nas pinturas de

Tatiana Blass, capazes de conjugarem

irregularidade e estrutura. A consciência de ordem

desordenada permanece precisamente pela força do

fragmento ou da fissura no seu potencial anárquico,

ou anarquitetónica, se pensarmos em Gordon

Matta-Clark e na sua obsessão pela leitura de novas

aberturas espaciais. Essas tensões geram um

universo estético realmente interessante,

inquietante e prazeroso em Tatiana Blass.

Isso nota-se especialmente em Zona morta,

intervenção realizada por Tatiana Blass em 2007

para uma exposição no Centro Universitário Maria

Antônia, onde uma pequena sala de estar foi

dividida ao meio, suspendendo a metade superior

dos objetos numa espécie de realidade aliciante e

surreal. Se, em Matta-Clark, a luz é filtrada através

dos seus cortes, em Tatiana Blass gera-se uma

outra parte flutuante, uma zona morta. No seu livro

A poética do espaço, Gaston Bachelard aponta

como “a casa vivida não é uma caixa inerte. O

espaço habitado transcende o espaço geométrico”.

E, efetivamente, quer Matta-Clark quer Tatiana

Blass fazem-nos (re)pensar a habitabilidade do

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256

espaço contemporâneo transgredindo-o, obrigando

o olhar a estender-se para além da funcionalidade,

abrindo novas perspectivas e chamando a atenção

para os recantos esquecidos que escapam a toda a

lógica. Tatiana Blass penetra o vazio das coisas, a

poesia de tudo aquilo que excede, que transborda.

O que se vê em trabalhos anteriores como Cadeiras.

Um corte ao centro descompensa-as e inutiliza-as.

Antes, eram retidas e tornadas parasitárias como a

lava de um vulcão por grandes manchas de cor.

Assim, desconstruía o familiar a partir de enormes

manchas de pintura, que transbordavam tudo, como

nos seus quadros cheios de informações cromáticas

sobrepostas. Tudo consiste numa irônica estratégia

de camuflagem, como quando em Espartilho tinge

de verde quatro plataformas de alturas diferentes e

se disfarça, simultaneamente, de natureza. A

contenção domina outra vez o excesso. E, uma vez

mais, Tatiana Blass pensa a pintura fora da pintura.

Os cortes que Tatiana Blass faz não são mais do

que desconstruções das paisagens que ainda nos

faltam habitar. Por isso mesmo, como nas suas

pinturas, a ênfase na linha capaz de moldar a

composição esteja presente num trabalho como

Zona morta, um trompe l’oeil tridimensional que

fala da estranheza que surge sempre que tentamos

desencaixar uma velha ordem. Tatiana Blass

questiona no invisível, na margem, algo que

também pode estar diretamente relacionado com a

sua escolha do material das suas pinturas, as quais

também propõem um parêntesis e/ou fissura (ainda

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que seja por acumulação) do já construído ou

fabricado.

Assim o disse Marguerite Yourcenar: “Os nossos

pais restauravam as estátuas; nós tiramos-lhes o seu

nariz falso e as suas próteses; os nossos

descendentes, por sua vez, provavelmente farão

outra coisa. O nosso ponto de vista actual

representa simultaneamente um ganho e uma perda.

A necessidade de refabricar uma estátua completa,

com membros postiços, pode dever-se, em parte, ao

ingênuo desejo de possuir e de exibir um objeto em

bom estado, desejo esse inerente, em todas as

épocas, à simples vaidade dos proprietários (…) As

pessoas que gostavam muito de antiguidades

restauravam por pena. Por pena desfazemos nós a

sua obra. Pode ser que também nos tenhamos

habituado mais às ruínas e às feridas (…)

Finalmente, o nosso sentido do patético compraze-

se nessas mutilações; a nossa predileção por arte

abstrata leva-nos a amar essas lacunas, essas

fraturas que neutralizam, por assim dizer, o

poderoso elemento humano daquela estatuária”

(13).

Zona morta é uma obra inquietante que não está

isenta de bom humor. Rodrigo Moura faz

referência a Desvio para o vermelho (1967-84) de

Cildo Meireles (14). E também a alguns elementos

que oferecem pistas para a consciência crítica

desconstrutiva de Tatiana Blass nesta pequena sala,

onde referências a Bruce Nauman ou a Nuno

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258

Ramos, entre outros, tornam o seu discurso

metalingüístico e autobiográfico. A ficção, o

quadro dentro do quadro, as janelas para a história

de arte, são particularmente importantes. Mas

também a fissura entre duas imagens desastrosas, o

contraste de cores e um pequeno detalhe: uma

natureza morta de Morandi. Com um fundo

dividido em duas tonalidades e alguns objectos,

Morandi consegue criar um espaço que se prende

muito àquilo que procura o trabalho de Tatiana

Blass: a arte da elipse. E isso justifica que Morandi

fosse sobretudo admirado por poetas. Porque os

seus pequenos desenhos, tão simples e naturais, nos

remetem para um ambiente e para uma convicção:

para Morandi o tema é a pintura. Tal como no caso

de Tatiana Blass, não se trata de uma pintura

descritiva mas de uma pintura capaz de refletir

sobre si própria a partir da criação de espaços que

dialogam com os seus próprios limites. Essa é a

bonita lição de pintura. Apreender o silêncio, como

esses poemas que não existem se antes de se fazer

ouvir a sua palavra, não se ouvir primeiro o seu

silêncio (15). Um mundo para além das palavras,

onde o dizer é impossível (16).

Assim podemos entender também a sua obsessão

em enquadrar as paisagens em livros e os livros em

estantes que lhes servem de abrigo. Rio das Pedras

e Disfarce são dois exemplos significativos. A

ligação ao mobiliário cotidiano também é evidente

nestas propostas. Em Rio das Pedras, um livro de

400 páginas que repetem a mesma imagem – a

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pedreira de São Gonçalo do Rio das Pedras em

Minas Gerais – a artista traça linhas brancas com a

intenção de encontrar a linha natural desenhada

pela areia branca na pedra. Outra vez a linha e as

suas deslocações, como quando em Cerco (2007) o

faisão dessecado rompe a regularidade do quadrado

de barras de latão que a artista instala previamente.

O movimento congela-se novamente, a

impossibilidade de alcançar a linha do horizonte

provoca no faisão um gesto angustiante, de captura

e de fuga ao mesmo tempo. De desejo e de

sacrifício. Um espírito intermédio que aspira a

pendurar-se no fio de céu e de terra, na zona do

mero cansaço, como diría Heidegger (17).

No fundo, podemos concluir que a fissura em

Tatiana Blass se apresenta como parêntesis e

transparência, como insinuação passível de ser

concretizada sob um olhar atento, como lugar entre

as coisas. Tatiana Blass confronta-nos com o que

não pode ser visto, só imaginado, como um

desenho incompleto. Como no filme Exótica de

Atom Egoyan, a chave estará no aprofundar das

carências. Em Exótica, a luz procede sempre, ou

melhor, situa-se por trás das personagens, ou até

mesmo na diagonal, mas evitando sempre o

tratamento frontal. O protagonista, ou grande parte

dele, permanece fora de plano; às vezes de maneira

muito clara, como quando as personagens saem por

detrás da câmara à procura da criança ou quando

esta tapa a objetiva da câmera com a sua mão,

salientando a evidência de um outro lado. Em

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Exótica há uma resistência da imagem/protagonista

que permanece intocável e, assim, desta frustração

resulta o puro desejo, um erotismo do gênero

daquele descrito por Bataille. A música do strip-

tease, que corresponde ao ‘Romeu e Julieta’ de

Prokofiev, reforça essa ideia de impossibilidade.

Tatiana Blass esvazia uma parte do plano para

saturar outras, dá uma certa respiração, como uma

elipse ou como um eclipse, dependendo da luz. Um

movimento congelado, uma situação sem ação.

Noutras ocasiões, satura e combina, procurando um

tipo de convivência pacífica entre cores e formas,

uma vida em simbiose que decorre de desenhar o

horizonte com tesouras, sem deixar de sonhar.

1 Víctor del Río (“El efecto Photoshop”, Lápiz

nº169/70, 2001) descreve, de forma clara, como o

carácter pictórico de que falamos não residiria tanto

no vocabulário da pintura (telas, paletas, pincéis…)

como na própria estrutura do programa: “A pintura

descreve-se na tradição pelo exercício do

esbatimento e pelo método de camadas. O segredo

da pintura residia num conhecimento das

sobreposições e das transparências e a sua essência,

num modo de ‘pôr’ material sobre a tela numa

sucessão de planos. O Photoshop baseia-se num

sistema de camadas e canais pelos quais é possível

compor e decompor a imagem. Ambos os

dispositivos permitem tratá-la diferenciadamente

nos seus diversos níveis. A estrutura de camadas

possibilita acrescentar elementos alheios à

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fotografia original ao recortar, do seu fundo, outros

elementos que nela estão presentes, além de

permitir também transparências e fusões entre as

diferentes camadas. Por sua vez, o sistema de

canais oferece a possibilidade de tratar

separadamente os diversos componentes de cor que

intervêm segundo o modo em que se edita a

imagem. Talvez o mais interessante seja essa

vocação para a composição”.

2 Rodrigo Moura: “Um sol partido ao meio”,

Galeria Carminha Macedo, Belo Horizonte, 2007.

3 Idem, Moura.

4 Cauê Alves: “Tatiana Blass: sobre a dificuldade

ou da necessidade do inverno”, Paço das Artes, São

Paulo, 2006

5 Tiago Mesquita: “Paisagem de papel”, Centro

Cultural São Paulo, 2003

6 Luiz Camillo Osorio: “Por um belo

desconcertante”, Galeria Virgílio, São Paulo, 2005

7 Friedrich escreveu que “quando uma paisagem

está coberta de nevoeiro parece muito mais

sublime, porque eleva e amplia a nossa

imaginação”. Ao desaparecer a profundidade e ao

suprimir os pontos de fuga em Monge à beira mar,

Friedrich expande o espaço lateral e

superficialmente, como numa pintura oriental.

8 Cristina de Peretti e Paco Vidarte, Jacques

Derrida (1930), Ediciones del Orto, 1998

9 Michel Foucault, Espacios diferentes in Obras

esenciales Vol. III. Estética, ética y hermenéutica,

Editorial Paidós, Barcelona, 1999.

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10 Michel Foucault - Des espaces autres,

Conferência proferida no Cercle des études

architecturals, 14 de Março de 1967, publicada en

Architecture, Mouvement, Continuité, nº 5,

Outubro de 1984.

11 Ver Deleuze

12 Lewis Carroll: Alice no País das Maravilhas.

13 Marguerite Yourcenar, El tiempo, gran escultor,

Editorial Alfaguara, 1992

14 Idem, Moura.

15 José Ángel Valente assinalou que “muita poesia

sentiu a tentação do silêncio. Porque o poema tende

por natureza ao silêncio. Ou o contém como

material natural”, Antoni Tápies/José Ángel

Valente: Comunication sobre el muro, Ediciones de

la Rosa Cúbica, Barcelona, 1998, p.55.

16 Podíamos concluir outro silêncio ou

esvaziamento em Zona branca (lustre), de 2007, na

qual uma série de lâmpadas vermelhas são

interrompidas na sua verticalidade por uma faixa

branca. A mancha aqui é rasura, resto.

17 “Este olhar para cima recorre ao para cima, ao

céu, e no entanto permanece em baixo, sobre a

terra. Este olhar mede o entre céu e terra. Este entre

está assinalado como medida ao habitar do

homem” (M. Heidegger, Conferencias y artículos,

Ed. del Serbal, Barcelona, 1994, pp.169-170).

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ANEXO G – Não são assim que as coisas são:

obscurantismo e razão na obra de Tatiana Blass.

Tiago Mesquita

Texto escrito para a revista +Soma, Kultur Studio,

nº15, janeiro de 2010.

Fonte: TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

Não são assim que as coisas são: obscurantismo

e razão na obra de Tatiana Blass TIAGO MESQUITA

Cinema é feito de imagens recortadas e coladas.

Por vezes, os cortes são tão suaves, que passamos

de uma cena a outra sem perceber que o foco saiu

de um lugar e foi para o canto oposto, criando uma

ilusão perfeita. Mas também existem cortes secos,

bruscos. Mesmo que suponham uma continuidade

da ação que se desenrola diante da câmera,

notamos o intervalo entre uma cena e outra.

Na segunda metade da década de sessenta, Andy

Warhol fazia os seus Screen tests. As imagens eram

como a de retratos que duravam no tempo. Câmera

parada com um personagem posando diante dela.

Um dos filmes mais bonitos desta série é um em

que ele retratou Dennis Hopper.

O ator se mexe pouco, olha para a lente como quem

espera o tempo passar. Em um dado momento, a

imagem é interrompida por um destes cortes

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264

violentos. Menos de um segundo depois, a cena

volta com quase nenhuma modificação. Mesmo

assim, entre um negativo e outro, temos a

impressão que perdemos alguma coisa na

escuridão.

Boa parte dos trabalhos de Tatiana Blass lida com

estas interrupções. Intervalos bem marcados que

parecem ter rompido formas, objetos e ambientes

que tinham alguma integridade. São pernas de

cavalo em metal ou em mármore distribuídas

simetricamente que nos fazem notar a falta do

corpo do animal que deveria estar sobre elas (como

em Páreo, Patas e na Cabine da Monga); ou uma

sala, como a de Zona Morta (2007), que passa a ter

uma faixa branca entre a parte debaixo e a parte de

cima. A lacuna nos traz a impressão de um espaço

recriado, farsesco, que também parece ter perdido

algo de sua realidade.

Isso, porque Tatiana não se interessa pela realidade,

ela fala é da ilusão. Do que parece ser subtraído do

mundo quando transformamos as experiências em

um código.

Desde suas colagens de 2005, sempre achei que

estes intervalos imitavam, em certa medida, um

movimento que fazemos mentalmente ao converter

o que vivemos ou que os outros viveram em uma

imagem, uma narrativa ou uma descrição científica.

Era como se a artista mostrasse os lapsos e o que

ignoramos ao passar uma série de acontecimentos

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descontínuos, simultâneos e insondáveis em

relações coerentes, bem narradas, com começo,

meio e fim, causa e conseqüência.

Em certo sentido, era como se ela, diante dos

nossos olhos, fizesse e desfizesse os esquemas da

ilusão. Sobretudo o das ilusões racionalistas, que

nos fazem tomar a descrição de alguma coisa como

verdade. No intervalo entre uma coisa e outra, as

melhores explicações se eclipsavam, tornavam-se

obscurantismo. Nesse sentido, a ilusão mais

ilusória seria aquela que se pretende como

verossímil. Aquela que explica as coisas como se

insistisse em dizer: “são assim que as coisas são”.

No ano passado, a editora espanhola Dardo, de

Santiago de Compostela, publicou um pequeno

volume com os melhores textos sobre a artista e

imagens da sua obra. A partir do livro, tornou

possível a quem não conhece Tatiana apreender

algo de sua trajetória.

Alguns trabalhos eu não via há algum tempo.

Deparei-me com elas no livro e fiquei surpreso, ao

olhar retrospectivamente, como algumas relações

falseadas sempre interessaram a artista. Como as

imitações do que parece “natural” podem se

mostrar verdadeiras na sua obra.

Por exemplo, desde as pinturas de 2003 e 2004, seu

interesse é pelo o que não é verdadeiro. Nos

trabalhos daquela época, ela figurava relações

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formais artificiais, com cores parecidas da fábrica

de corante de balas. Não por acaso, os trabalhos

tinham nomes como Eno e Tobogã.

Uma consciência cada vez maior das questões da

imitação inverossímil do mundo, fez com que a

artista se aprofundar na pesquisa e trabalhar com as

razões que nos façam atribuir às figuras peso de

realidade, à ilusão verdade. Como se não fosse

nada, era como se ela perguntasse: por que dizemos

que tal bala ou tal sorvete tem sorvete de abacaxi?

Como, mesmo com a distância entre o gosto do

doce e o gosto da fruta, conseguimos colocá-los

dentro da mesma família. Mas isso não é mostrado

como engano, mas como algo curioso, que faz com

que os significados sejam mais maleáveis do que

parecem. Por isso, ao responder o dilema, a artista

não recorre às respostas científicas ou filosóficas,

mas cria novas ilusões.

Em uma pintura feita em 2007, chamada Xadrez

prata [no livro, página 85], ela pinta formas que

parecem ser positivo e negativo umas das outras

sobre uma estampa regular de um xadrez

pequenino. Poderíamos supor que a artista

descamou uma cor e encontrou imagens soltas, que

no fundo são lâminas da mesma cor, mas também

podemos imaginar que são peças desencaixadas

soltas que só sugerem a relação de continuidade

entre uma e outra parte por estarem perto.

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Boa parte de suas pinturas, aliás, se comporta como

colagens. A artista é uma virtuose na técnica.

Embora nos seus primeiros e últimos trabalhos a

pincelada e a escolha da cor sejam fundamentais,

existe a idéia de retirar uma forma ou figura de um

lugar e colar em outro e fazer com que estas formas

ganhem sentido diferente. Ela já fez isso com

cavalos, com um faisão empalhado e agora faz com

silhuetas de cachorro e de humanos que, dispostos

como estão, parecem olhar uma cena, como se

estivessem ao redor de um palco.

Na última exposição que Tatiana Blass fez, em

2009, no Museu de Arte Moderna da Bahia,

mostrou cachorros figurados por todos os lados:

nas pinturas, desenhos, volumes e textos. Porque a

artista, tal como Nuno Ramos e Bruce Nauman,

também lida com a palavra como elemento visual.

No caso de Tatiana, não se trata da dedicação ao

ofício das letras, mas ao uso do texto como

elemento expositivo.

Nestes textos, descobrimos, aliás, que os bichos,

como o cachorro de Goya, são cegos. Circulam por

lá confiando em outros sentidos. Tatiana é precisa:

“são cães cegos que não se pode adestrar para se

tornarem cães guia. São como atores da vida

comum, que vagam pela cena, sem um

comportamento predestinado”.

Nas telas, eles estão sobre um palco de teatro,

algumas vezes, com platéia. Parece-me que tal

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tema tem relação direta com o interesse da artista

na ilusão. Se antes, como nas colagens da série

Páreo, ou na Cabine da monga, partes de um corpo

de cavalo nos sugeria a imagem integral do bicho,

aqui, se trata da conversão daquelas silhuetas em

uma mancha, que faz como que os cachorros se

tornem mais indefinidos do que as patas de cavalo

dispostas regularmente nas escadarias de um

museu.

Quando vi as duas esculturas que a artista mostrou

na exposição, as imagens dos cães me pareceram

mais violentas, selvagens e corrosivas. São

esculturas hiperrealistas em cera e metal. Ambas as

peças se parecem muito com o animal, são cópias

perfeitas. Imitam os pelos, as marcas da costela e

os detalhes da pele do cachorro. O bicho dorme,

mas deve estar morto. São dois, um preto, outro

dourado e braço. O preto é todo de cera, sua cabeça

se derrete, enquanto ele, impassível, espera todo o

seu corpo tornar-se mancha pelo chão. É muito

aflitivo.

Já o outro cão tem mais cara de escultura. Feito

sobre uma base de latão, recebe um volume de

parafina branca no seu interior. O metal fundido

descreve a cabeça, o pescoço, a parte de trás, o rabo

e a ponta das patas do cão. A parafina faz o resto.

No decorrer da exposição, a peça se deforma. A

parafina também se tornou uma mancha disforme.

Sobraram os restos de metal. Assim, aquela

descrição das partes não é mais só incompleta,

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como tendia a ser nos outros trabalhos, mas

mórbida. Não se trata mais de fissura, mas de

decomposição e mutilação.

Tatiana Blass figura a morte. Mas não é o cachorro

cego que morre, mas a imagem que quer eternizá-

lo. Em um dos seus textos a artista anota:

<i>já não consigo esconder meu

desespero. a cada minuto que passa

sou engolido pelo chão! de que

serve este inútil amigo que por mim

nada pode fazer a não ser observar

com seus olhos mórbidos meu

desaparecimento. late cão! late!</i>

Ele não late, desaparece, deixa uma mancha

informe como lembrança. Algo que não dá nem

para nomear. Talvez, como nossa ilusão de

compreender o mundo diante da tragédia, do

inevitável. Não sobra muito mais do que resíduos

quando o fato se põe diante de nós. Embora Tatiana

mostre cães cegos, quem fica no escuro ao lado

deles somos nós.

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ANEXO H – O labor de Penélope. Douglas de

Freitas

Texto escrito para a exposição "Penélope", Capela

do Morumbi, setembro de 2011.

Fonte: Penélope. Folheto de exposição. São Paulo:

Madai Produções, 2011.

TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

O labor de Penélope

DOUGLAS DE FREITAS

“Quatro anos quase, nos contrista, ilusos

De promessas, recados e esperanças,

E al tem no coração. Com novo engano,

Nos disse, ao predispor fina ampla teia:

— Amantes meus (...)

Vós não me insteis, o meu lavor perdendo,

Sem que do herói Laertes a mortalha

Toda seja tecida, para quando

No longo sono o sopitar o fado (...)

Esta desculpa ingênuos aceitamos.

Ela, um triênio, desmanchava à noite

À luz da lâmpada o lavor diurno;”

Odisséia de Homero – trecho sobre Penélope

É do mito grego registrado na Odisséia de Homero

que Tatiana Blass empresta o nome Penélope à

instalação desenvolvida para ocupar a Capela do

Morumbi. Segundo o mito, após um ano de casado,

Odisseu deixa Penélope e parte para a guerra de

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Tróia. Vinte anos depois, sem notícias, Penélope

passa a ser assediada por novos pretendentes, e

assume o compromisso de escolher um novo

marido quando terminasse de tecer uma mortalha

para o pai de Odisseu. Durante o dia, aos olhos de

todos, tecia; durante a noite, solitária, desmanchava

na tentativa de enganar o tempo e iludir seus

pretendentes, aguardando a volta de seu amado.

Na instalação, um grande tear manual de pedal está

posicionado no altar da Capela; de um lado, um

longo tapete vermelho é tecido, do outro o tapete se

desfaz. A simbologia do tapete vermelho não está

particularmente ligada à religião, mas sim ao poder.

A cor púrpura, muito valorizada na Antiguidade e

Idade Média, é um vermelho escuro que tende ao

roxo, obtida através de algumas espécies de

moluscos. Eram necessárias grandes quantidades

desses moluscos e grande mão de obra para realizar

a extração da substância utilizada para o

tingimento, o que tornava o tecido extremamente

caro. Devido ao alto custo, o vermelho era

tipicamente usado pela realeza e membros da

Igreja, e com o tempo tornou-se símbolo do poder

real e eclesiástico.

É esse símbolo de poder que nos recebe na porta da

Capela. Seguimos o tapete até o tear, e vemos sua

construção dissecada; há um movimento dúbio, não

sabemos se a peça se desmancha ou se ela está

sendo construída. Parado, o tear acaba por

desvendar o construir dessa forma, um ato que

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normalmente não se faz visível. Tatiana nos dá

alguns elementos para insinuar uma existência, um

movimento, ou uma construção, e cabe a nós

imaginarmos o restante. Se outros trabalhos da

artista sugerem um parêntese entre as coisas a fim

de explicitar uma ação, ou uma presença através da

ausência, aqui o tear se configura como o que está

entre parênteses, dando materialidade a um

elemento oculto.

Do outro lado do tear, os fios escorrem

desordenadamente, correm o chão ou sobem as

paredes vencendo-as pelos buracos existentes na

arquitetura – resultado da técnica construtiva da

taipa-de-pilão – e ganham o jardim, se arrastando

ao modo de um cipó-chumbo, planta parasita que

serviu de referência para a obra. Por não ter

clorofila, o cipó-chumbo não pode produzir seu

alimento, precisando de uma planta hospedeira para

se manter viva. Por cobrir a planta aos poucos, a

sufoca; a única maneira de matar a praga é matando

também o hospedeiro. Como nos trabalhos

realizados em cera pela artista, assistimos um lento

definhar. Do lado de fora o que vemos é o alastrar

dessa grande mancha vermelha que, apesar de ter

aparência leve, a exemplo da parasita, consome a

paisagem horizontalmente, de certa maneira como

nas pinturas e livros realizados pela artista, onde a

paisagem é invadida por manchas de cor.

Em trabalhos anteriores já existe esse movimento

dúbio de construir/desconstruir de Penélope.

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Cadeiras e mesas escorrem em manchas de cor,

perdendo sua funcionalidade, ficando entre ser

utensílio e ser só cor, objetos são divididos ao meio

e apresentados seccionados ou com pequenos

desníveis, animais são apresentados incompletos, a

fim de nos intrigar; cachorro ou homem derretem

quase até o fim, sempre em transformação, mas

também, sempre no meio do caminho, entre a

forma e a não forma. É isso que vemos em

Penélope, apesar de insinuar um fazer, ou um

desfazer, a obra está parada; sempre no mesmo

ponto, é como se essa construção/desconstrução

sugerida se desse às escondidas.

Na produção de Tatiana Blass, assim como no mito

de Penélope, nós espectadores estamos

constantemente sendo iludidos, afinal, para a

artista, parte do papel da arte é criar estranheza,

assombro, ilusões, um deslocamento da realidade

que desafie a nossa percepção. Como em qualquer

crença, religiosa ou não, cabe a nossa participação

para que ela exista, precisamos nos deixar levar.

Como diz a artista em outro trabalho, o engano é a

sorte dos contentes.

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ANEXO I – Fim (?) de partida. Paulo Venancio

Filho

Para a exposição "Fim de partida", projeto "Sala A

Contemporânea", Centro Cultural Banco do Brasil,

Rio de Janeiro, janeiro de 2011. Revisão: Sonia

Cardoso.

Fonte: Sala A Contemporânea. Folheto de

exposição. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco

do Brasil, 2010.

TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

Fim (?) de partida

PAULO VENANCIO FILHO

A "pobreza" dos elementos visuais na cena

beckettiana pode parecer, a princípio, pouco

inspiradora para um artista plástico. Do palco árido,

vazio, estéril, nada se pode retirar ou acrescentar: a

espacialidade é absolutamente muda. Se é então

impossível acrescentar algo ao espaço, resta

acrescentar ao tempo; estender o já lentíssimo

tempo beckettiano - totalmente contrário à

velocidade contemporânea - ao limite máximo, isto

é, fazer da duração da peça a duração da exposição:

igualar uma à outra.

É esta transposição de "Fim de partida" que Tatiana

Blass propõe. Neste evento mais temporal que

espacial, o tempo é o verdadeiro protagonista. Tudo

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se passa no movimento mais próximo possível da

imobilidade que ocorre ao se perguntar: o que está

acontecendo, se nada acontece?

Samuel Beckett escreveu "Fim de partida" em

1954, ainda sob efeito do desastre da Segunda

Guerra Mundial. Quatro personagens estão em cena

(Hamm, Clov, Nagg e Nell); o palco, Beckett

descreve: "Interior sem mobília. Luz cinzenta (…)

Ao lado da porta, pendurado um quadro, voltado

para a parede (…) cobertos por um lençol velho,

dois latões encostados um ao outro (…) coberto por

um lençol velho, sentado em uma cadeira de rodas,

Hamm." Os personagens estão praticamente

imobilizados e assim permanecem, a fala entre eles

é truncada, reticente, enviesada: "Nunca ninguém

pensou de modo tão tortuoso como nós", diz Clov.

Tempo e espaço se calcificam, inexoravelmente.

Na exposição, toda a ação dramática da peça, já

vagarosa, é desacelerada, reduzida ao quase

imperceptível derretimento e esvaimento da cera;

matéria perfeita para personificar o lento desalento

a narrativa, o esvair de qualquer entendimento entre

os personagens. Assim, Tatiana provoca uma

espécie de inversão escultórica: a regressão da

escultura à matéria, a remissão ao estado informe.

As esculturas, que são os atores e personagens, vão

se dissolvendo sob o calor das luzes e o começo se

torna o fim. Da cera à cera, do pó ao pó.

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De certa maneira, a exposição propõe, nos seus

termos, um fim a "Fim de partida" - aquele em que

tudo derreteu, se esvaiu, se dissolveu… mas

também aí, como profere o personagem Hamm, "O

fim está no começo e no entanto continua-se".

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ANEXO J – Advertência ao público. José Augusto

Ribeiro

Escrito para a exposição "Tatiana Blass", Caixa

Cultural, março de 2011.

Fonte: BARRO, David (org.). Tatiana Blass.

Santiago de Compostela: Dardo, 2008.

Tatiana Blass. Catálogo de exposição. São Paulo:

Caixa Cultural, NU Projetos de Arte, 2011.

TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

Advertência ao público

JOSÉ AUGUSTO RIBEIRO

As atrações de hoje serão as mesmas amanhã. Não

exatamente iguais, em razão de um processo de

esgotamento, ainda assim, as mesmas. Já não são

como ontem e, talvez, nem mereçam ser chamadas

de “atração” dentro de alguns dias, questão de

tempo. Porque o espetáculo jamais vai se

consumar. Dirige-se ao fim, mas não avança.

Antes, esgarça os contornos de sua linguagem até

onde agüenta, muitas vezes sobre lâmina quente, ou

até estourar. Então, como significá-lo se não existe

sentido estável a atribuir ou apreender? É na

produção de resíduos, na aniquilação de

encadeamentos, que a exibição prossegue.

Holofotes acesos, palcos montados, cortinas

abertas; os instrumentos musicais é que não. Esses,

de sopro, repousam calados no chão, fechados à

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própria estrutura, do bocal à campânula, em

circuitos abafados e autofágicos. Um pouco como

acontece nesses teatros concebidos para a

representação de animais, de figuras moribundas ou

elementos inanimados, inclusive um para aviões,

onde ninguém atua. E se há interpretação, trata-se

de uma forma dada pelos atores que se resume a

deixar-se tragar pela cena, tal qual silhueta errática,

sem chance de fala nem de expressão.

Cão e homem, por exemplo: surgem pelos cantos,

de corpo inteiro a princípio, de corpo inerte

praticamente, não fosse o seu único sinal de “vida”

também um índice de morte, gota a gota, sob, sobre

ou atravessados por um calor que não emana a

quantidade de energia que consome. Enquanto isso,

o entorno despenca junto com os personagens,

derrete-se e escorre diante de olhos crentes em

passatempo, numa agonia só. Não que haja

aspiração à tragédia. Porque tragédia constitui

gênero dramático, e o que se apresenta agora não

tem gênero, não tem categoria, em definitivo, não

tem estilo. O dourado que reluz não é ouro, é latão.

Até o anúncio de magia por uma mestre-de-

cerimônias em trajes cintilantes é a cerimônia em

si, uma verborragia enfática, persuasiva, que

engana olhos e ouvidos às raias do fastio – o que

não deixa de ser divertido –, numa espécie de

compacto verbal de números circenses, com

acrobacia, malabarismo, contorcionismo e

ilusionismo embutidos no texto e no tipo de

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locução. Tudo para dizer que “a ficção não virá da

mente, será matéria bruta”.

Pois em parte significativa da produção que

desenvolve desde 2006, Tatiana Blass materializa

tal ficção. Mobiliza conhecimentos e recursos de

manifestações do campo da cultura – do teatro, da

música, da literatura, do circo – para uma

investigação às voltas com formas fraturadas,

interrompidas ou em dissolução, em diferentes

meios (pintura, escultura, objeto, colagem,

instalação, vídeo e texto). São trabalhos que

parecem examinar condições-limite à experiência

estética, por chaves ambivalentes, ao mesmo tempo

de potência e extenuação, de expansão e

encerramento, a caminho, quase sempre, da

invisibilidade e do silêncio. Tanto que os

acontecimentos costumam transcorrer vinculados a

certo cansaço, ao estancamento de seres e à

dissipação de forças anteriormente concentradas.

Seja em objetos e ambientes descontínuos

(respectivamente, Zona branca e Zona morta,

ambos de 2007) ou em tridimensionais cujo estado

da matéria se encontra em transformação, do sólido

ao informe (como nos animais de parafina da série

Cão cego, iniciada em 2009, e de Quanto menos

dorme, quanto menos sono há, de 2010). De todo

modo, trata-se de pôr a existência em suspensão, de

cindir o mundo em intervalos, ao dissipar a

estrutura física de seus materiais.

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A idéia de algo que está ali “pronto para novamente

acabar” se repete no abafamento do poder sonoro

de tuba, trombone e trompete (Metade da fala no

chão, 2008) e na insinuação de eventos que não

ocorrem ou, se ocorrem, vêm à tona atravancados –

como se insinuá-los, apenas, fosse suficiente em

substituição aos eventos (no vídeo O engano é a

sorte dos contentes, de 2007, e no tridimensional

Globo da morte, de 2008). Também as pinturas da

artista nesse período (das séries Teatro para

cachorros, Teatro para animais, Teatro para aviões

e Teatro da despedida) sugerem algo parecido, em

palcos sem dimensões evidentes, de escala

ambígua, acesos em parte por cores luminosas,

ocupados por cães e aviões sem rumo, à iminência

de um revés, por sua vez, encetado por um

cromatismo escuro ou pálido que se espalha nos

fundos ou pelas beiradas. Na fatura desses

trabalhos, chama a atenção o jogo de planos entre,

de um lado, o perfil chapado de aeronaves, pessoas

e animais e, de outro, o recesso sutil da superfície

pictórica, ora pela sobreposição de cores com tinta

liquefeita, rala e translúcida, ora com o simples

acúmulo de camadas, não raro, até o escorrido.

Essa superfície rasa que aí se obtém contribui para

a criação de atmosferas nebulosas e difusas, numa

figuração, ela mesma, de estranhamentos e, ao que

tudo indica, sob a pressão de se esvair. Não é por

acaso que as pinturas de 2009 para cá se intitulam

Tempestade, falam de um Teatro da despedida,

assim como outros trabalhos trazem no título

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referências à cegueira, a separações, a uma batida

em retirada... O conjunto parece aludir assim a um

estado de abandono e privação que, no fim das

contas, é tão somente o cumprimento de um

destino. O desaparecimento paulatino das figuras –

por meio de formalizações que ultrapassam o

controle absoluto da artista sobre os materiais de

que lança mão – acaba por soar, mais do que nunca

na obra de Tatiana Blass, um reiterado lembrete de

finitude, de uma sobrevivência entregue à própria

sorte e, por isso mesmo, violenta, desassistida,

vigorosa e desoladora. Na sua pujança, o trabalho é

capaz de sublinhar que paralisia, definhamento e

descontinuidade aventam algo daquilo que ficou

difícil ou impossível de realizar. Tornar essa

dificuldade visível e tomá-la como matéria bruta,

reportando-se a diferentes expressões artísticas, diz

respeito, ainda, a considerações sobre o estado da

arte enquanto produção de conhecimento e suas

condições de inscrever-se na vida social. Do

contrário, restaria a advertência de que o

espetáculo, aqui, há de fracassar. Mas é preciso

continuar, para além das possibilidades.

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ANEXO K – Read between the lines. Fernando Aq

Mota

Escrito para a exposição Hard Water em Gasworks,

Londres, 2012

Fonte: TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

Read between the lines

FERNANDO AQ MOTA

...the body and ones own embodiment. How one

behaves with and relates to the environment around

oneself might be an old question; even so, it

remains an open one simply because of its mutant

nature. As Heraclitus once said: “Everything flows,

nothing stands still.” However, the exact moments

of transition are hardly noticed in daily life.

Luckily, some people manage to capture these

events in time and space. One of them is Tatiana

Blass, whose exquisite art breaks the rules of

physics and proposes not only a logic but also an

anatomy of what is out there.

Her precise use of different media, and ability to

twist each one of them into something new every

time, is what makes Tatiana Blass one of the most

promising and cutting-edge artists in the Brazilian

contemporary art scene. Regardless of whether the

final work is a painting, sculpture, performance or

installation, its uncanny aspect certainly provokes

the public. She has been able to create quite an

innovative output through the manipulation of

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numerous materials - as aesthetically appealing and

humorous as Urs Fischer, and as conceptually

instigating and human as Bruce Nauman. Her

interdisciplinary practices are often inspired by

music, theater and literature. Metade da fala no

chão (Half of the speech on the ground) is a series

where musical instruments have been turned mute

and the audience finds themselves temporarily

“deaf” while music becomes silence: it suggests the

troubles with communication nowadays. Fim de

partida (Endgame), based on Samuel Beckett’s

play, is made out of wax sculptures that are

imitations of the original characters; as they melt

down due to the heat of the stage lights, the

spectator watches the show of their disappearance.

Her works go beyond mere dematerialization of the

object - they permeate the field of ideas as well. Art

here is similar to magic: it transforms things,

reshaping perceptions.

This time around, Blass is a puppeteer. Hard Water

(the title comes from the texture of the water in

London, as it contacts the human body), her

residence project for Gasworks, is a performance

on video. Two actresses sit on chairs next to each

other in a white room: sewn to their clothes are

spools strung with colorful threads that attach to

bigger spools placed onto the walls; the bodies are

literally connected to the space. The women start a

strange dialogue and, as it develops, one can

conclude they are not on good terms. As they argue

and walk around the room, the spools start to

unwind, and they have to remove some of their

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clothes in order to move, weaving a physical and

simultaneously social web. The messy dialogue

visibly falls all the way to the ground until the

tangled end of the game. The final scene is like a

lively painting in which brushstrokes are crossing

the white cube.

The artist has already worked before with threads

that spread around a space, in a massive installation

in a chapel in Sao Paulo -- the work made reference

to and was named after the Greek myth of

Penelope. Yet in this new story, the tracks left by

these contemporary Ariadnes do not lead out of the

labyrinth. Instead, they place the public inside a

trap along with them, unable to leave the room:

what are the real knots we make for ourselves, and

also, are we able to unravel them? How often do

we talk the talk or walk the walk and what are the

things we truly lose along the way? The lines

coming out of their mouths and the ones visible to

our eyes could be read as links between the human

body and the environment surrounding it -- perhaps

a new version of Lygia Clark’s Baba

Antropofágica? Like any good maverick, Tatiana

Blass knows how to pull strings. Ironically, there is

no way to tie it all up, given that the work, like life,

is in a constant flux(us). Nevertheless, as the piece

metamorphosizes on screen one’s caught along the

hard path of realizing ones own embodiment...

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ANEXO L - Electrical Room. Nora Burnett

Abrams

Para a exposição Eletrical Room no Museum of

Contemporary Art Denver, 2013.

Fonte: TATIANA Blass. Disponível em:

<www.tatianablass.com.br>. Acesso em: 30 mar

2015.

Electrical Room

NORA BURNETT ABRAMS

En sus instalaciones, pinturas y esculturas, la artista

brasilena Tatiana Blass (n. 1979) explora lo que

distingue lo real, las experiencias vividas, y las

ilusiones o representaciones de ellas. A menudo sus

obras tienen una calidad misteriosa y extrana,

mayormente debido a la propensión de la artista en

convertir objetos funcionales en disfuncionales y

retorciendo el lenguaje llegando a un punto en el

cual pierde su efecto, y la comunicación llega a un

punto de quiebre.

Con Electrical Room, cientos de enchufes y cables

dan vuelta por el espacio de la Natasha Congdon

Gallery, creando así una enredada red de material.

Los cables se juntan en un punto fijo, penetrando

en la pared de la galería y aparentemente

otorgándole energía a una densa instalación de

equipos audiovisuales situados en la galería

adjunta. Este montón denso de artículos

electrónicos en el Vicki & Kent Logan Promenade

incluye ambas ruinas de la tecnología moderna y

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también ejemplos de las televisiones mas

sofisticadas en el mercado de hoy. En un principio

el arreglo fortuito parece ser al azar e incidental.

Sin embargo, a través de distintos monitores se

muestra un video en diez canales cada pocos

minutos. Los personajes en el video hablan los

unos a los otros a través de distintos equipos como

si estuvieran actuando en un mismo escenario.

Tanto como su transformación de cables eléctricos

en centro decorativo de líneas y remolinos, Blass

utiliza su video para experimentar con y retorcer

alrededor de las líneas de comunicación habladas

por sus personajes. El video está lleno de lapsus

linguísticos, confusión, falta de comunicación y

gestos equivocados. De muchas maneras, el video

mismo ilustra las fallas del lenguaje. Su video

demuestra la disfunción del lenguaje y los métodos

de comunicación usados con otras personas. El

hecho de que haya sido originalmente escrito en

portugués y después traducido al inglés, hace aun

más pertinente este punto. En el proceso de

traducción el significado esencialmente se

interpreta subjetivamente; en una cierta manera

siempre se altera, irrevocablemente de un

significado a otro.

Llegando al final del video la traductora,

exasperada, dice “estoy tratando de traducir, pero

cuando ella lo agarra, no hace sentido. Lo que yo

podría entender es...” A su vez este

cuestionamiento resulta ser una pregunta del

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público: ¿Es el acto de traducir esencialmente una

futilidad? ¿Es imposible completamente entender

lo que es dicho en idioma ajeno? O, será que la

artista a su vez quiere proponer que cuando

compartimos información – la compartimos con

más gente y lo comunicamos de maneras múltiples

– ésto se convierte en un asunto de entender el

contexto en el cual el lenguaje se expresa. Como,

otro personaje declara, “¡Las cosas que dices! ¡Lo

que tu dices no coincide!” ¿Es el lenguaje que no

hace sentido? O, ¿es la traducción que simplemente

no coincide? Si las traducciones coinciden sigue

siendo una pregunta pendiente. Pero aún dentro de

estas frustraciones, las líneas de comunicación

continúan conectando los personajes entre ellos –

no importando cuan débil, fuerte o claros estos

senderos puedan ser.

En otro video de Blass titulado Hard Water (Agua

Dura), a la vista en el ascensor del museo, las

luchas de la comunicación también aparecen en

forma vívida. Dos mujeres elegantemente vestidas

tratan en vano de moverse dentro de una pieza

blanca mal iluminada. Aunque tratan de interactuar,

ellas parecen hablar encima una sobre la otra en

vez de entre ellas. Como en Electrical Room, el

video presenta una serie de nudos físicos y

linguísticos que los personajes repetidamente tejen

y sobre los cuales se tropiezan, así contemplando la

falta de comunicación inherente en nuestros

intentos en conectar y juntarnos con otras personas.

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ANEXO M – Cão Cego. Solange Farkas

Para apresentação da exposição Cão Cego no

Museu de Arte Moderna da Bahia, 2009.

Fonte: Cão cego. Catálogo de exposição. Bahia,

[s.n.], 2009.

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ANEXO N – Cão Cego. Tatiana Blass

Sobre a exposição Cão Cego no Museu de Arte

Moderna da Bahia, 2009.

Fonte: Cão cego. Catálogo de exposição. Bahia,

[s.n.], 2009.

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ANEXO O – Entrevista para o catálogo da

exposição Cão Cego no Museu de Arte Moderna da

Bahia, 2009, sem entrevistador identificado.

Fonte: Cão cego. Catálogo de exposição. Bahia,

[s.n.], 2009.

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ANEXO P – Diálogos possíveis. Antonio Carlos

Portela

Setor educativo do Museu de Arte Moderna da

Bahia para o catálogo da exposição Cão Cego,

2009.

Fonte: Cão cego. Catálogo de exposição. Bahia,

[s.n.], 2009.

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ANEXO Q – Fim de Partida. Mauro Saraiva

Para a exposição Fim de Partida no Centro Cultural

Banco do Brasil, 2010.

Fonte: Sala A Contemporânea. Folheto de

exposição. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco

do Brasil, 2010.

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ANEXO R – Entrevista. Paulo Venancio Filho

Realizada com a artista na ocasião da exposição

Fim de Partida no Centro Cultural Banco do Brasil,

2010.

Fonte: Sala A Contemporânea. Folheto de

exposição. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco

do Brasil, 2010.

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ANEXO S – O gosto da fissura. Tatiana Blass

Para o Jornal Número.

Fonte: BLASS, Tatiana. O gosto da fissura. N. 3.

São Paulo: USP; Mariantonia, p.22 – 23, 2003.

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ANEXO T – Quase figura, quase forma. Lorenzo

Mammì

Para a exposição coletiva Quase Figura, Quase

Forma de 2014.

Fonte: Quase Figura, Quase Forma. Catálogo de

exposição. São Paulo: Lis Gráfica, 2014.

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ANEXO U – A família mobília. Tatiana Blass

Capa de livro infanto-juvenil de Tatiana Blass com

texto e ilustrações da artista, publicado em 2014.

Fonte: BLASS, Tatiana. A família mobília. São

Paulo: Cosac Naify, 2014.