mitologia e ascese: jerzy grotowski “alÉm do...

120
MELISSA DA SILVA FERREIRA MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO” FLORIANÓPOLIS 2009 1

Upload: others

Post on 27-Jan-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

MELISSA DA SILVA FERREIRA

MITOLOGIA E ASCESE:

JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”

FLORIANÓPOLIS

2009

1

Page 2: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE ARTES – CEART

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO (MESTRADO)

MELISSA DA SILVA FERREIRA

MITOLOGIA E ASCESE:

JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teatro (Mestrado), do Centro de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Teatro.

Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Vargas Sant’Anna

FLORIANÓPOLIS – SC

2009

2

Page 3: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

MELISSA DA SILVA FERREIRA

MITOLOGIA E ASCESE:

JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teatro (Mestrado), do Centro de

Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, como requisito parcial

para a obtenção do grau de Mestre em Teatro.

BANCA EXAMINADORA:

Orientador: _____________________________________________ Prof. Dr. Antônio Carlos Vargas Sant’Anna Universidade do Estado de Santa Catarina

Membro: _________________________________________________ Prof. Dr. André Luiz Antunes Netto Carreira Universidade do Estado de Santa Catarina

Membro: __________________________________________________ Prof. Dr. Rafael Raffaelli Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis, 16 de fevereiro de 2009.

3

Page 4: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Ao meu pai.

4

Page 5: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram para a realização desta dissertação, principalmente:

Antônio Carlos Ferreira, que num momento crucial não me deixou desistir, e por ter instalado em mim a curiosidade de saber o como e o porquê das coisas.

Sônia C. Da Silva, pela sua extrema fé e confiança em mim e em tudo que eu faço.

Milton de Andrade, pela revisão desta dissertação, por sua presença e seu amor.

Prof. Antônio Vargas, por sua orientação paciente e encorajadora.

Prof. André Carreira e prof. Rafael Raffaelli, pela disposição em compor a banca, e por todos os comentários e sugestões na qualificação.

Mila, que, na secretaria do PPGT, sempre esteve disposta a ajudar com atenção e simpatia.

Cleuza Ganzert Bassetti, pelo acolhimento e afeto.

Juarez Nunes e Samuel Romão, companheiros de sonhos e conquistas.

José Alvim, pelo incentivo e carinho.

Gabriel, por me apresentar novos desafios e me fazer querer ser uma pessoa melhor.

5

Page 6: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Dizer que a espiritualidade viva do artista é o conteúdo da arte é o mesmo que dizer que quem faz arte é uma pessoa única e irrepetível, e esta, para formar sua obra, se vale de toda sua experiência, do seu modo de pensar, viver, sentir, do modo de interpretar a realidade e posicionar-se diante da vida. (...) A obra de arte tem como conteúdo a pessoa do artista, não no sentido de tomá-la como seu objeto próprio, fazendo dela o seu “tema” ou assunto ou argumento, mas no sentido de que o “modo” como esta foi formada é o modo próprio de quem tem aquela determinada e irrepetível espiritualidade: entre a espiritualidade do artista e seu modo de formar existe um vínculo tão estreito e uma correspondência tão precisa, que um dos dois termos não pode subsistir sem o outro, e variar um significa necessariamente variar também o outro.

LUIGI PAREYSON

6

Page 7: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

RESUMO

Este estudo se propõe articular as relações entre as características e os temas da mitologia heróica e o percurso teatral, “além do teatro”, do encenador polonês Jerzy Grotowski. Na primeira parte deste volume, são expostas as origens culturais, sociais e teóricas do pensamento e da prática de Grotowski, demonstrando, assim, a relação entre as suas buscas pessoais e o seu percurso teatral. Na segunda parte do trabalho, são discutidas as formas de tratamento do mito no trabalho de Grotowski, sua função, sua importância e a sua influência nos vários campos do processo artístico, como a escolha e o tratamento dos textos, o papel do público, o trabalho com o ator na construção da personagem e as técnicas de preparação de ator. O referencial teórico utilizado para a abordagem das questões míticas e simbólicas provém da hermenêutica simbólica. Em termos conclusivos, são destacadas as semelhanças entre as ações da mitologia heróica e o trabalho de Grotowski, no que diz respeito, principalmente, ao ato sacrificial como forma de consolidação da dimensão espiritual.

Palavras-chave: Teoria do Teatro. Mitologia heróica. Ascese.

7

Page 8: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

ABSTRACT

This study proposes to bring in relation properties and themes of heroic mythology and the theatrical career, in the para-theatrical approach, of the Polish director Jerzy Grotowski. The first part of this work explains cultural, social and theoretical sources of Grotowski´s thought and practice, and demonstrates the relationship between his individual searches and his theatrical career. The second one puts in discussion modes to interpret myths in Grotowski´s work, its function, its significance and its influence on different kinds of artistic process: choice and treatment of texts, audience parts, actor´s work on character composition and actor´s training. Theoretical references about mythical and symbolic questions are extracted from symbolic hermeneutic theory. In terms of conclusion, this dissertation puts in relief similarities between actions in the heroic mythology and Grotowski´s work, fundamentally, sacrificial acts as an way to consolidate an spiritual dimension.

Keywords: Theater theory. Heroic mythology. Ascesis.

8

Page 9: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Jerzy Grotowski

Figura 2 – As cadeiras

Figura 3 – Akropolis

Figura 4 – Akropolis

Figura 5 – O Príncipe Constante

Figura 6 – O Príncipe Constante

Figura 7 – Riszard Cièslak

Figura 8 – Casa de campo onde aconteceram alguns dos projetos do parateatrais do Teatr Laboratorium, em Brzezinka, Polônia

Figura 9 – Casa de campo em Brzezinka com neve

Figura 10 – Campo de concentração – Brzezinka (Birkenau em alemão), Polônia

Figura 11- Seleção nazi em Birkenau

Figura 13 – Varsóvia, Polônia, destruída pela guerra, 1945.

Figura 14 – Tanques de guerra durante a Lei Marcial na Polônia em 1982

Figura 15 – Ascona, Suiça

Figura 16 – Arunashala, Índia

Figura 17 – Ramana Maharishi

Figura 18 – Ramana Maharishi

9

Page 10: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11

1 GROTOWSKI: ENTRE A VANGUARDA E A TRADIÇÃO .......................................151.1 A BUSCA POR UM “SENTIDO ESPIRITUAL” NO “NOVO TEATRO” DO SÉCULO

XX.......................................................................................................................................151.2 OS ELOS DA CORRENTE DAS PERFOMING ARTS ....................................................221.3 GROTOWSKI E A MEMÓRIA SOCIAL DA POLÔNIA................................................31

2 MITOLOGIA, ASCESE E O TRABALHO TEATRAL, “ALÉM DO TEATRO”, EM GROTOWSKI ........................................................................................................................462.1 O SER E A TRADIÇÃO......................................................................................................512.2 O TRATAMENTO DO TEXTO: A DIALÉTICA DA EXALTAÇÃO ..............................572.3 CORPOREIFICAÇÃO DO MITO.....................................................................................622.4 MITO E SACRIFÍCIO .......................................................................................................65

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS..................................................................................80

CRONOLOGIA DE JERZY GROTOWSKI ......................................................................85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................100

ANEXOS................................................................................................................................109

10

Page 11: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

INTRODUÇÃO

Este trabalho propõe relações entre a mitologia heróica e o percurso teatral, “além do

teatro”, do encenador polonês Jerzy Grotowski (1933-1999), um dos principais expoentes do

teatro no século XX.

Para realizar tal aproximação, procura-se identificar um fio condutor do percurso de

vida de Grotowski, que pode ser evidenciado em motivações que o impulsionaram em suas

escolhas pessoais e profissionais, bem como analisar as condições histórico-sociais em que

esteve inserido. Elementos de sua biografia, da história social da Polônia, e conteúdos do

imaginário simbólico polonês serão colocados em evidência, com o intuito de delinear tal

contexto de surgimento das experiências do Teatr-Laboratorium de Grotowski.

Conforme nos lembra Eugenio Barba (2000), apesar de Grotowski ter sido acusado

por seus contemporâneos de não ter uma atitude política frente à situação da Polônia, sua

relação com a tradição e a história de seu país demonstram que seu trabalho não tinha nada de

apolítico. A escolha dos textos no Teatr-Laboratorium, por exemplo, remodelados de acordo

com a identificação e a exaltação do mito fundamental presente na dramaturgia, revelava o

envolvimento de Grotowski com a resistência cultural ao massacre do imaginário simbólico

ao longo da história da Polônia.

No primeiro capítulo desta dissertação, denominado Grotowski: entre a vanguarda e

a tradição, são expostas algumas características no “novo teatro” do século XX, do qual

Grotowski é considerado um dos mestres refundadores. Estas características, que abarcam

principalmente renovações em instâncias estéticas, pedagógicas e éticas, estão relacionadas à

recuperação do imaginário simbólico em vários campos teóricos e práticos como a filosofia, a

psicologia, a antropologia e, em particular, as artes cênicas e as pesquisas sobre mitologia e

símbolo.

No segundo capítulo, Mitologia, ascese e o trabalho teatral, “além do teatro”, em

Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho de Grotowski, sua função

simbólica e existencial, e sua influência no processo artístico, em termos de escolha e

tratamento dos textos, o papel do público, o trabalho do ator na composição da personagem e

as técnicas de preparação psicofísica.

Os papéis atribuídos ao público no Teatr-Laboratorium, de acordo com os temas

míticos da encenação, aparecem como rica fonte de entendimento da função do mito no

11

Page 12: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

trabalho de Grotowski. O público é testemunha de um processo de revelação simbólica do

ator. Do ponto de vista da recepção teatral, não acontece meramente um processo de

identificação com o mito, mas também um questionamento constante de valores exaltados.

Este processo de exaltação e ridicularização dos valores fundamentais da cultura

polonesa, denominado pelo critico polonês, Konstantin Puzina, de “burla e apoteose”, ou pelo

próprio diretor, de “adoração e profanação”, será entendido como semelhante à forma

paradoxal, presente no mito do herói, de resgatar, reafirmar e manter a tradição através de

questionamentos, negação e abandono.

Será discutido, ainda no segundo capítulo, como os temas da mitologia heróica,

ligados principalmente ao sacrifício, estão presentes nos discursos e escritos de Grotowski, na

prática desenvolvida por ele e nos estudos realizados por teóricos do teatro. O referencial

teórico utilizado para tal análise provém da hermenêutica simbólica, através dos conceitos

acerca do imaginário simbólico, do mito e do símbolo, desenvolvidos pelos autores ligados ao

Círculo de Eranos, como Carl Gustav Jung, Joseph Campbell, Mircea Eliade, Gilbert Durand

e outros seguidores destes, entre eles, Andrés Ortiz-Osés, Luis Garagalza, Eckard Neumann,

Patxi Lanceros.

Pretende-se ainda discutir as relações entre a mitologia heróica e a construção das

identidades artísticas. O enfoque dado a este estudo, provém principalmente das pesquisas de

Jung, Durand e Campbell, nas quais o mito do herói é considerado uma estrutura do

imaginário simbólico, ou arquétipo, que tem forte influência na vivência do indivíduo e na sua

relação com a sociedade, e, mais especificamente, conforme Jung, no processo de

“individuação”.

Foi incluída nesta dissertação a Cronologia das obras e principais eventos da vida e

percurso profissional de Grotowski, com o objetivo de revelar informações pouco

divulgadas a respeito da biografia do diretor, e que permitem estabelecer relações com os

temas da mitologia heróica, como a ascese, o sacrifício, a renúncia, o questionamento, o

afastamento do mundo, etc.

Para tal, a principal fonte de pesquisa foi o livro autobiográfico de Eugenio Barba, La

Tierra de Cenizas y Diamantes: Mi aprendizaje em Polônia (2000), sobre sua temporada de

trinta meses no Teatr 13- Rzedow em Opole na Polônia, no qual, além de detalhes do trabalho

do Teatr -Laboratorium, o autor revela informações sobre os interesses, as referências e a

personalidade de Grotowski, além de apresentar na íntegra as vinte e seis cartas que lhe foram

12

Page 13: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

enviadas pelo diretor de 1963 a 1969. O livro de Barba traz, ainda, detalhes sobre a situação

sócio-cultural da Polônia, como a ação da censura, o ambiente cultural, o público, os artistas e

os críticos da época.

Além deste livro, a obra Los imaginários sociales: Memorias y esperanzas colectivas

de Bronislaw Bacsco, com um capítulo dedicado exclusivamente ao período de busca pela

restituição do imaginário simbólico polonês na segunda metade do século XX, teve grande

importância para nos delinear a Polônia de Jerzy Grotowski.

Apesar dos livros, teses, dissertações, artigos e estudos sobre o percurso teatral de

Jerzy Grotowski, pouco se publicou sobre sua biografia e sobre o período do início dos anos

setenta até sua morte, em 1999. Entre os trabalhos acadêmicos realizados no Brasil, que

podemos destacar, encontram-se a tese de doutoramento da Profa. Dra. Marta Isaacsson, O

processo criador do ator - Stanislavski e Grotowski, estudo de uma filiação, de 1991, que

trata especificamente do trabalho do ator. No âmbito do Programa de Pós -Graduação em

Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), podemos ainda destacar duas

dissertações recentes desenvolvidas por Moira Stein, Corpo e Palavra: Organicidade e

Ritualização da Fala em Práticas Formativas do Ator Contemporâneo, e Ismael Scheffler,

Características do Sagrado nas Propostas teatrais de Antonin Artaud e Jerzy Grotowski, que

também utiliza conceitos da hermenêutica simbólica como referencial teórico. Devemos

destacar também as pesquisas da Profa. Dra. Silvana Garcia da Universidade de São Paulo

(USP) sobre as influências de Grotowski nas vanguardas teatrais do Brasil.

Como fonte primária de pesquisa, foi usada grande parte da bibliografia disponível em

português, espanhol e italiano, dando destaque para o livro O Teatro Laboratório de Jerzy

Grotowski/ 1959 – 1969, que foi publicado pela Editora Perspectiva em 2007, com textos

inéditos em português, bem como os dois livros recentes da coleção Opere e Sentieri,

publicados na Itália, também em 2007, Il Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas

Richards e Jerzy Grotowski – Testi 1968-1998.

Como fonte secundária, deve-se dar destaque ao material de Jeniffer Kumiega, Marco

De Marinis, Eugenio Barba, Peter Brook, Richard Schechner, Jean-Jacques Roubine, Felipe

Reys Palacio, Christopher Innes, Odete Aslan, Fabrizio Cruciani, Nicola Savarese, Eugenia

Casini Ropa, entre outros.

13

Page 14: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Esta pesquisa tem o intuito de trazer novas reflexões e contribuições no que concerne

ao percurso teatral, “além do teatro”, de Grotowski, no período em que ainda realizou

espetáculos. O termo “além do teatro” se refere aos seus objetivos e buscas que nunca

estiveram estritamente ligados ao campo da representação e da direção teatral, mas ao seu

desenvolvimento espiritual, de seus atores, do ser humano.

Grotowski usa o termo “salvação” quando se refere ao seu principal objetivo com o

teatro, afirmando que pretendia “salvar-se através do sacrifício teatral”, como veremos

adiante. Esta afirmação provocadora gera uma questão central para nossa pesquisa: em que

consiste a salvação para Grotowski?

A busca em responder esta questão traz novas perspectivas para os estudos já

existentes sobre Grotowski e sobre o Teatr-Laboratorium, pois além de localizar seu percurso

na história do teatro, na história da Polônia e da Europa, traz à tona suas fontes, inspirações, e

sua inserção numa sociedade fragmentada por inúmeros massacres reais e simbólicos.

14

Page 15: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

1 GROTOWSKI: ENTRE A VANGUARDA E A TRADIÇÃO

1.1 A BUSCA POR UM ‘SENTIDO ESPIRITUAL’ NO “NOVO TEATRO” DO SÉCULO

XX

Segundo o teórico italiano Marco De Marinis, “a revolução do teatro do século XX

não foi exclusiva, nem sequer principalmente, estética”. A tradição que se desenvolveu neste

século, segundo o autor, trouxe uma renovação nas atribuições, necessidades e exigências em

relação à arte teatral. O teatro passou a “dar voz a necessidades e exigências que nunca até

então, havia tratado de satisfazer: instâncias éticas, pedagógicas, políticas, cognitivas,

espirituais”. Segundo ele, um dos motivos fundamentais desta transformação foi a

investigação sobre a eficácia do teatro. A eficácia entendida como “ação real do ator sobre o

espectador, do homem sobre o homem, mas também, e primordialmente, como trabalho sobre

si mesmo”. (DE MARINIS, 2005, p. 227).

Nas três primeiras décadas do Século XX, quando aconteceu a Grande Reforma

Teatral, a partir das pesquisas de Stanislavski, Meyerhold e Vakthangov, entre outros,

difundiu-se a realização de uma prática teatral que não está diretamente ligada à cena. Se um

por um lado, conforme Eugenio Barba, estas pesquisas resultaram numa dimensão amadora

do teatro, difundindo a prática de seminários e cursos, em que é possível viver um cotidiano

teatral, sem pensar necessariamente num resultado artístico; por outro lado, a prática do que

hoje é conhecido como treinamento teatral, tornava-se a “expressão de uma identidade

profissional diversa”:

(...) era a confirmação diária, humilde tangível, da decisão de devotar-se ao teatro, através da busca por rigor e autodisciplina. Era a conquista pessoal do ator, do como e do porquê fazer teatro. Forjou as ferramentas de sua independência, crescimento pessoal e capacidade de resistir sob condições adversas. Encorajou cada ator a praticar e defender a dissidência individual e artística. (BARBA, 2007, p. 35).

15

Page 16: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

A necessidade de manter grupos que realizassem um trabalho sistemático e cotidiano

gerou intensas experiências grupais no âmbito das artes cênicas durante o século XX. A partir

do trabalho pioneiro dos “reformadores teatrais”, métodos e sistemas experimentais foram

criados, porém, o principal resultado destes, foi a consciência da necessidade da construção de

valores, de uma ética grupal e pessoal no trabalho teatral. Para a construção de valores e de

uma “identidade profissional diversa”, se fez necessária a recriação de vínculos entre aqueles

que faziam teatro, ou seja, uma nova lógica nas relações humanas: “a construção de um

mundo dentro do outro”. Experiências de afastamento e isolamento como as de Jacques

Copeau, Rudolf Laban, Jerzy Grotowski e Eugenio Barba, entre outros, são exemplos da

busca de valores, da busca de uma ética no trabalho do ator através da criação de um espaço

coletivo “laboratorial”, no qual voltava-se o olhar para si mesmo.

Jacques Copeau realizou esta experiência na França, pela primeira vez em 1913,

quando levou um grupo de atores para sua casa de campo, para experimentar várias atividades

que, segundo ele, tinham como objetivo o “enriquecimento do ator”, como leituras, exercícios

físicos e estudo de textos dramáticos. Este encontro, focado na pedagogia do ator, deu início à

escola do Vieux-Colombier, fundada em Limon, neste mesmo ano.

Rudolf Laban transferiu sua escola de dança e arte para o Monte Verità, comunidade

fundada na Suíça, como veremos adiante, também em 1913, para tentar realizar uma

experiência de vida comunitária com seus alunos. No Monte Verità, segundo a teórica italiana

Eugenia Casini Ropa, a dança de Rudolf Laban, “de caráter livre e totalizante”, tornou-se a

expressão ideal daquele novo mundo que estava sendo criado:

A dança “livre” que ele buscava, em contraste com todos os estilos acadêmicos e virtuosos, e em consonância com a intuição duncaniana, se definia como expressão substancialmente individual: manifestação lírica exterior da riqueza interior e das mais altas aspirações de cada um. Para permitir, portanto, a singular individualidade em uma dança “coral” – grande e perene aspiração de Laban – no qual cada um, conservando a plenitude da própria liberdade expressiva, vibrasse em uníssono com o outro, era necessário uma prolongada experiência de vida comunitária. Só afrontando e superando juntos, dia após dia, os problemas materiais e psicológicos do grupo, dividindo privações e trabalhos, como também, aspirações e conquistas, Laban pensava que o grupo poderia transformar-se no “tempo vibrante” da sua utopia expressiva, uma comunidade que soubesse expressar dançando, em uma

16

Page 17: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

espécie de oração vibrante, a quintessência da própria alma coletiva.1 (ROPA, 1988, p. 32-33).

Estas experiências, porém, não ocorreram somente no âmbito das artes cênicas, mas

fizeram parte de um “movimento” mais amplo que teve início no final do século XIX,

caracterizando-se pelo retorno à natureza e pela redescoberta do corpo humano através da

dança e do gesto.

A crescente industrialização da Europa no século XIX gerou uma crise na organização

social européia, principalmente na Alemanha. A fim de fugir da crise e da poluição das

grandes cidades, “cidades-jardins” foram criadas para que se pudesse viver em harmonia com

a natureza. Em torno deste novo modo de vida criou-se um movimento de Reforma da Vida

(Lebensreform), que buscava “a redescoberta e liberação do homem – compreendido na sua

totalidade como corpo, alma e intelecto – e das suas potencialidades físicas, psíquicas e

intelectuais ignoradas ou reprimidas”2 (ROPA, 1988, p. 28).

Uma das experiências mais interessantes que ocorreram neste período foi a fundação

da comunidade Monte Verità, em Ascona, na Suíça. Em Monte Verità os princípios da

Lebensreform puderam ser colocados em prática: lá se plantava o próprio alimento, praticava-

se o naturismo, realizavam-se cantos e danças rituais resgatados das antigas tradições. Os

fundadores de Monte Verità, segundo Ropa (1988, p. 29),

(...) educavam os próprios organismos a ritmos biológicos primordiais, os alimentavam só com produtos da terra, os expunham nu a luz, ao ar, ao calor, os fortaleciam com exercícios físicos constantes, num esforço autopedagógico que, através da revitalização do corpo, buscava a reconquista de uma pureza do espírito própria da alegria de viver conscientemente de acordo com a natureza e com a própria humanidade.3

1 “La danza “libera” che egli ricercava, in contrasto con ogni accezione accademica e virtuosistica e in consonanza con l’intuizione duncaniana, si definiva come espressione sostanzialmente individuale, lirica manifestazione esteriore delle riccchezze interiori e delle più alte aspirazioni di ognuno. Per accordare quindi le singole individualità in una danza “corale” – grande e perene aspirazione di Laban – in cui ciascuno, pur conservando la pianezza della propria libertà espressiva, vivrasse all’unissono con gli altri, era necessaria una prolungata esperienza di vita e di lavoro realmente comunitari. Solo affrontando e superando insieme giorno per giorno i problemi materiali e psicologici del gruppo, dividendo privazioni e fatiche come aspirazioni e soddisfazioni, Laban pensava che il gruppo avrebbe potuto trasformarsi nel “tempio vibrante” della sua utopia espressiva, una comunità che sapesse esprimire danzando, in una sorta de vibrante preghiera, la quintessenza della propria anima colletiva."

2 “la riscoperta e la liberazione dell’uomo – inteso come totalità di corpo, anima e intelletto – e delle sue ignorate o represe potenzialità fisiche, psichiche e intellettuali.”

3 “educavano i propi organismi a ritmi biologici primigenii, li alimentavano dei soli prodotti della terra, li esponevano nudi alla luce, all’aria, al calore, il trempavano con il constante esercizio físico, un sforzo autopegagogico che, atraverso la rivitalizzacione del corpo, mirava alla riconquista di una virginità dello

17

Page 18: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

A descoberta do Oriente como fonte de pesquisa de práticas corporais, filosofias e

religiões foi uma das características da comunidade. Além de Rudolf Laban, muitos artistas,

teóricos, pesquisadores passaram por lá, onde puderam desenvolver suas pesquisas e criações

artísticas como Hermman Hesse, Mary Wigman, Rudolf Steiner, Isadora Duncan, Otto Gross,

Emile Jacques-Dalcroze, entre outros.

Também em Ascona, em 1933, foi fundado o Círculo de Eranos por Olga Fröebe-

Kaptein. O Círculo teve orientação filosófica, por muitos anos, de Carl Gustav Jung, porém,

caracterizou-se por integrar pesquisadores de diversas áreas por várias gerações, que

realizaram conferências anuais até 1988.

O Círculo foi fundado inicialmente, com o objetivo de estabelecer uma aproximação

entre as culturas do ocidente e do oriente. A partir da colaboração de Jung, os estudo de

Eranos se orientaram, também, em direção à hermenêutica, resgatando a tradição hermético-

gnóstica, contrapondo-se, assim, ao positivismo agnóstico, dominante na cultura ocidental. A

busca em Eranos deu-se no sentido de estabelecer uma visão intermediária entre a razão e o

mito, adotando uma posição que busca a complementaridade dos opostos.

Nos últimos anos de Eranos, o antropólogo e simbólogo francês Gilbert Durand,

discípulo de Gaston Bachelard, teve grande importância na condução das pesquisas acerca do

imaginário simbólico. Na obra O Imaginário Simbólico, Durand identifica três formas de

tratamento da imagem simbólica desde o século XIII: a iconoclastia, as hermenêuticas

redutoras e as hermenêuticas instauradoras.

A iconoclastia, com origem no pensamento aristotélico, foi difundida pelo pensamento

cartesiano: “O cartesianismo assegura o triunfo do “signo” sobre o símbolo. A imaginação,

como, aliás, a sensação, é rejeitada por todos os cartesianos como a senhora do erro”

(DURAND, 1988, p. 25).

Foi a psicanálise e a psicologia social que, depois de séculos de repressão do

imaginário, restituíram a importância das imagens. Porém, segundo Durand, “essas doutrinas

só descobrem a imaginação simbólica para tentar reduzir a simbolização a um simbolizado

sem mistério” (1988, p. 41); e, por isso, são denominadas por ele de “hermenêuticas

redutoras”. Sigmund Freud foi o principal responsável por restituir importância às imagens

simbólicas; porém, seu principal erro, segundo Durand (1988, p. 44), foi ter dado ao símbolo

spirito fautrice della gioia di vivere consapevolmente in acordo con la natura e con la propria umanità.”

18

Page 19: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

uma causalidade única, a “libido imperialista”: “o símbolo sempre acabará reconduzido, em

última instância, à sexualidade imatura porque insatisfeita”.

As “hermenêuticas instauradoras” tiveram início com as pesquisas de Ernst Cassirer,

sendo aprofundadas e difundidas por diversos pesquisadores, como Bachelard, Levi-Strauss, e

os participantes de Eranos.

Estes movimentos de revitalização do corpo e instauradores da importância da função

do imaginário simbólico, localizados na Europa, estiveram ligados, também, a um processo de

resgate de um “sentido espiritual” nas artes no século XX.

Para o estudioso Eckhard Neumann (1986), esta busca por um sentido espiritual nas

artes, e na vida em geral, na primeira metade do século XX, se caracteriza como sintoma de

uma sociedade que se viu sem uma identidade espiritual sólida.

Para Jung, e os autores do Círculo de Eranos, a perda de identidade espiritual está

ligada a um longo processo de perda de sentido de imagens simbólicas e símbolos dogmáticos

no Ocidente. Este processo é descrito pelo autor no ensaio Sobre os arquétipos do

inconsciente coletivo, no qual discorre sobre a função do dogma e dos símbolos dogmáticos

na consolidação da consciência da humanidade. Segundo ele, os ensinamentos tribais

sagrados, “perigosos” por revelarem os “movimentos invisíveis da alma”, eram contentores de

sabedoria revelada, originalmente oculta, e exprimiam os “segredos da alma em imagens

magníficas”. Porém, quanto mais “belas, sublimes e abrangentes” estas imagens se tornaram

ao longo da história, mais afastaram o homem da experiência individual e direta. As fórmulas

religiosas, o dogma, pois, substituem a experiência direta das vivências anímicas da

“experiência de Deus”. A vida do inconsciente coletivo foi “canalizada para as idéias

dogmáticas de natureza arquetípica, fluindo como uma torrente controlada no simbolismo do

credo e do ritual”. (JUNG, 2003, p. 19).

Com a Reforma da Igreja Católica, porém, a sociedade ocidental cristã, antes protegida

contra as “coisas abissais da alma” pelas imagens e símbolos dogmáticos, começa a se ver

relegada a uma total falta de proteção. A iconoclastia da Reforma, segundo Jung, “abriu uma

fenda na muralha protetora das imagens”. Os muros, construídos contra os perigos do

inconsciente, desabam no momento em que os símbolos perdem a sua vitalidade. (JUNG,

2003, p. 24).

19

Page 20: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Para Neumann, esta falta de sentido para a existência humana gerada pela iconoclastia,

na contemporaneidade “só pode ser coberta de uma forma muito trabalhosa pela luta por

valores materiais ritualizada pela sociedade” 4 (NEUMANN, 1986, p. 94).

O mesmo já havia dito o sociólogo francês Guy Debord na obra A Sociedade do

espetáculo, lançada em 1967 na França, em que faz uma análise da sociedade contemporânea

e de suas formas de relação com o mundo. O conceito de espetáculo, proposto por Debord,

não é um evento ou um acontecimento, mas uma lógica produzida e consolidada pelo sistema

atual de consumo, no qual a vida contemporânea é o próprio espetáculo, ou é passível de se

espetacularizar, ou seja, “é a afirmação da aparência”. O autor discute a inversão de valores

da sociedade contemporânea em relação ao sagrado e ao profano, a verdade e a ilusão, e

afirma que “tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (DEBORD,

1997, p. 13).

Conforme Debord, o espetáculo aparece como mediador e norteador dos valores da

vida do homem contemporâneo, da mesma forma que o dogma foi, na história da

humanidade, um mediador do homem com seus processos anímicos inconscientes. O símbolo

dogmático que tinha a função de reconduzir o homem para “a experiência de Deus”, para a

vivência, não direta, mas intuitiva, de uma experiência transcendente, estaria sendo

substituído pelo dogma material, ou seja, “a reconstrução material da ilusão religiosa”, que

reconduz a uma base puramente terrena.

Esta idéia também aparece em Frederic Jameson, quando ele afirma que, ao invés do

que previu Frederich Hegel, a dicotomia entre corpo e espírito, presente na figuração, não

acaba na pós-modernidade, no sentido da sublimação, mas num surpreendente arraigamento

na matéria: “a figuração, por assim dizer, se distrai de sua missão e destino últimos e se detém

ainda mais perigosamente na matéria e o corpo” 5 (JAMESON, 1999, p. 111).

Renato Barilli, teórico italiano que esforça-se para situar a experiência mística na pós-

modernidade, afirma que a epifania na contemporaneidade se dá em relação ao próprio

mundo, e não mais em relação a um princípio transcendente, gerando o que ele chama de

êxtase materialista. (BARILLI, 1981, p. 211).

4 “solo pude ser cubierta de una forma muy trabajosa por la lucha por los valores materiales ritualizados pela sociedad”.

5 “la figuración, por así decirlo, se distrae de su misión y destino últimos y se atasca aún más peligrosamente en la materia y el cuerpo.”

20

Page 21: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Este processo de perda das imagens simbólicas gerou um mal estar social que, segundo

Neumann, se reflete na imagem e função do artista no século XX. A negação do modo de vida

do século XIX, dos padrões pré-estabelecidos e o desejo de mudar o mundo, como vimos de

forma mais radical nos artistas da Lebensreform, ou mais sutil, mas não menos importante, no

momento em que os fazedores de teatro passam a assumir novos compromissos, éticos,

pedagógicos e espirituais, fez com que, segundo o autor, alguns artistas assumissem

compromisso com a “cura social”, principalmente na segunda metade do século XX.

O percurso de Grotowski “além do teatro” no anos 70, fez com que algumas vezes ele

fosse incluído num círculo de artistas que se autoproclamaram “arautos da salvação”, se

apoderando de mitos e rituais antigos e esquecidos, e utilizando-os com finalidade de “cura

social” contra os males do sistema capitalista e materialista. Conforme Neumann,

O surgimento de numerosas idéias pseudo antropológicas de “xamanismo” e os experimentos de identificação e formação de ritos na arte dos primeiros anos setenta não só refletem as nostalgias deste “novos transcendentalistas”: são ao mesmo tempo as causas de uma crescente autoridade do artista no papel de arauto da salvação. Com curandeiro, xamã, mago e profeta, se converte em psicoterapeuta artístico na sociedade. Sua crítica social, que diagnostica a carência de espiritualidade elementar, cai no círculo vicioso do mágico secreto e oculto, e quer sugerir imagens regressivas contrapostas como remédio dos erros do materialismo, do positivismo e do racionalismo prático. (NEUMANN, 1986, p. 96).

Pois este foi o trabalho desenvolvido por Grotowski: a criação de um mundo

confinado, longe dos apelos do sistema; a pesquisa das “fontes” das culturas não ocidentais,

dos rituais, dos mitos e das práticas arcaicas como a yoga. Além disso, Grotowski sempre

deixou claro que seu percurso no teatro tinha, sobretudo, uma dimensão espiritual. Mesmo na

sua fase teatral, afirmou, em declarações e conferências, que escolheu a arte, assim como

poderia ter escolhido outro meio, para chegar a uma dimensão espiritual. Porque se preocupar

com a arte, segundo ele: “é um amadurecimento, uma evolução, uma ascensão que nos torna

capazes de emergir da escuridão para uma luz fantástica”. (GROTOWSKI, 1987, p. 211).

Segundo ele, seu grupo não procurava criar espetáculos brilhantes, mas desenvolvia

“uma procura religiosa de valores” (GROTOWSKI apud ASLAN, 1994, p. 283). Para ele, a

construção da ética no trabalho artístico e cênico estava ligada com a busca e a revelação de

um princípio transcendente na arte, tendo como foco o próprio homem. A dimensão espiritual,

para Grotowski, não estava ligada a alguma religião ou a Deus. Para ele, que se dizia ateu, a

21

Page 22: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

dimensão espiritual se revela no encontro entre os homens. No encontro profundo, no qual as

fronteiras entre um e outro deixam de existir.

Para Kumiega (1985, p. 99) “é opinião quase geral que o trabalho e pesquisa de

Grotowski possa ser definida como messiânica”6, pois em cada etapa da sua trajetória, ele

permaneceu convicto de que o teatro poderia mudar as pessoas.

1.2 OS ELOS DA CORRENTE DAS PERFOMING ARTS

Grotowski, apontado por De Marinis como um dos principais expoentes do “Novo

Teatro” e como o homem que tem uma das chaves para entender a revolução do teatro do

século XX, pesquisou profundamente a eficácia do teatro, não só em relação aos espetadores,

mas principalmente, como trabalho sobre si mesmo.

A experiência teatral de Grotowski, porém, inicialmente não foi tão radical no que diz

respeito ao isolamento do mundo e a vida comunitária, como nas várias experiências do início

do século XX, citadas anteriormente. O Teatr-Laboratorium, inicialmente Teatr 13 Rzedow

(Teatro das Treze Filas), nasceu em 1959, em Opole, uma pequena cidade na região sudoeste

da Polônia. Apesar do trabalho realizado em Opole ter princípios rígidos e declarados,

conforme Eugenio Barba, os atores tinham uma relação profissional comum e pouco se

encontravam fora do horário de trabalho: “não era nem um teatro de grupo e nem um teatro

rebelde”. Segundo ele, o Teatr 13 Rzedow,

Era conhecido como um teatrinho tradicional de província com atores díspares e com um diretor artístico e outro literário que tinham acabado de se conhecer. Os atores não eram personalidades extraordinárias, pensavam que na província obteriam papéis importantes. (...) O Teatr 13 Rzedow compreendia, em miniatura, todas as hierarquias e especializações dos grandes teatros. Havia técnicos, administradores, secretarias e inclusive uma pessoa que ajudava aos atores a botar o figurino, e quando acabava o espetáculo, cuidava dele. No total umas quinze pessoas.7

(BARBA, 2000, p. 34).

6 “È opinione quase generale che il lavoro e la ricerca teatrale di Grotowski possono essere definiti messianici.”

7 “Era conocido como un teatrito tradicional de provincia con atores dispares y con un director artístico y otro literario que apenas se conocían. Los atores no eran personalidades extraordinarias; pensaban que en la provincia obtendrían papeles importantes. (...) El Teatr 13 Rzedów comprendía, en miniatura, todas las jerarquías y las especializaciones de los grandes teatros. Había técnicos, administradores, secretarias e incluso una persona que ayudaba a los actores a ponerse el vestuario y, una vez terminado el espectáculo, cuidaba de él. En total, unas quince personas.”

22

Page 23: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Experiências de isolamento, e em alguns casos, com um convívio mais intenso, foram

realizadas posteriormente, no período em que Grotowski já não realizava espetáculos, ainda

na Polônia na década de setenta; nos EUA, na década de oitenta; e na Itália, na década de

noventa. Apesar disso, Grotowski referia-se ao seu teatro, mesmo na fase em que produzia

espetáculos, ainda em Opole e Wroclaw, como um ashram8- nas cartas enviadas por ele a

Eugenio Barba. Esta forma de denominar seu ambiente de trabalho e convívio com os atores

dá a entender que a pesquisa teatral tinha um duplo sentido.

Uma das formas que Grotowski costumava explicar este duplo sentido da pesquisa

teatral era afirmando que nas performing arts existe uma corrente formada por muitos elos: o

“elo visível”, que é o espetáculo, o “elo quase invisível”, formado pelos ensaios para o

espetáculo, e o “treinamento”, que não está ligado diretamente à cena. Estes dois elos, para

ele, estariam numa extremidade da corrente das performing arts. Na outra extremidade,

estaria uma forma de teatro muito antiga, que já existiu no passado nos Mistérios, que não é

focada na percepção do espectador, mas na consciência proprioceptiva de quem o faz. Para

Grotowski, esta extremidade da corrente das performing arts se tornou seu objetivo final e seu

ponto de chegada depois de percorrer todas as etapas desde a outra extremidade da corrente.

A primeira extremidade desta corrente, ele denominou de Arte como Apresentação, e a

última, e para ele mais importante, de Arte como Veículo.

Seguindo as indicações deixadas pelo próprio Grotowski no texto “A Arte como

Veículo”, bem como por Marco De Marinis e Zbgniew Osinski (em artigos da revista

mexicana Máscara, em número especial sobre Grotowski), além da bibliografia a respeito do

Teatr-Laboratorium, de Eugenio Barba a Jennifer Kumiega, pode-se identificar fases distintas

na trajetória de trabalho de Grotowski, ligadas diretamente às duas extremidades da corrente

das performing arts.

Apenas na primeira das etapas, conhecida como Arte como Apresentação ou Teatro

do Espetáculo, Grotowski realizou espetáculos. Neste período, que foi de 1957 a 1969,

Grotowski desenvolveu-se como diretor teatral, após sua formação na área de atuação e

direção na Universidade da Cracóvia. Depois de ter realizado alguns espetáculos, foi

convidado a fundar com Ludwick Flazsen, o Teatr 13- Rzedow em Opole, em 1959.

8 A palavra ashram deriva do sânscrito e, antigamente, era usada para designar os heremitérios hindus, que se localizavam em ambientes naturais afastados, propícios à instrução espiritual. Atualmente, o termo ashram é usado para designar uma comunidade formada com o intuito de promover a evolução espiritual dos seus membros.

23

Page 24: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Posteriormente, o teatro passou a ser denominado Teatr-Laboratorium, evidenciando o caráter

de investigação, “de pesquisa no domínio da arte teatral”. Desenvolveu-se nesta etapa, todos

os princípios do que foi denominado “teatro pobre”: a eliminação de tudo que pudesse ser

supérfluo na cena, exaltando a relação do ator e do espectador; a pesquisa de um espaço

cênico adequado para cada espetáculo; a autonomia da cena em relação à matriz literária; a

dialética da adoração e da profanação em relação ao mito identificado nas obras dramáticas,

poéticas ou literárias. O tempo de preparação dos espetáculos no Teatr-Laboratorium, que em

Orfeu (1959) havia durado apenas três semanas, foi se tornando cada vez mais longo,

chegando a durar vários anos. Os últimos espetáculos, O Príncipe Constante (1965) e

Apocalypsis cum figuris (1969) não só tiveram um longo tempo de preparação, mas

ganharam diferentes versões, conforme o desenvolvimento pessoal dos atores.

Neste período, o “trabalho sobre si mesmo” surgiu em forma de treinamento que

atendia as necessidades específicas de cada processo criativo, como no espetáculo Akropolis

(1962). Logo, o treinamento foi incorporado ao cotidiano do grupo, e denominado por

Grotowski de método da via negativa, no qual cada ator tinha uma seqüência própria de

exercícios com o objetivo de eliminar tudo o que o impedia de agir. Os objetivos, como o

desnudamento, o desvelamento, a auto-revelação, que se buscavam através do treinamento e

que deveriam explicitar-se no ato teatral, se estendiam também ao espectador. Ou seja, o

trabalho sobre si mesmo realizado pelo ator deveria também atingir o espectador, provocando

um expurgo coletivo.

Durante este período, Grotowski teve de transferir seu grupo da pequena Opole, para a

cidade universitária de Wroclaw, que tinha meio milhão de habitantes. Além de algumas

turnês pela própria Polônia, o grupo realizou poucas viagens internacionais e era

desconhecido no exterior. Somente em 1966, o espetáculo O Príncipe Constante, foi levado a

Oslo (Noruega) pelo Odin Teatret, de Eugenio Barba, que foi quem divulgou o trabalho de

Grotowski no exterior.

Após um período na Índia, em 1970, Grotowski decidiu não realizar mais espetáculos,

e iniciou uma fase que foi denominada de Parateatro, Teatro Participativo ou Cultura

Ativa, que foi até 1978. Em palestra no Brasil, neste período, em 1974, Grotowski afirmou

em relação ao período anterior: “Há muito tempo já, no nosso trabalho artístico propriamente

dito, nós não vínhamos mais procurando como representar, mas como renunciar à

24

Page 25: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

representação” (GROTOWSKI, 1974 b). Nesta nova fase, dando continuidade a esta busca,

encontros eram organizados pelos integrantes do Teatr-Laboratorium em lugares isolados, e

conduzidos com o objetivo de aprofundar a vivência coletiva e possibilitar o reencontro

verdadeiro do indivíduo consigo mesmo e com o outro, livre dos papéis sociais. Para isso,

segundo De Marinis, Grotowski elaborou uma fórmula extraordinária, “desarmar-se

reciprocamente por completo”. Este período foi o único com efetiva participação de pessoas

externas ao grupo e de diferentes âmbitos e profissões. Esta fase foi provavelmente a mais

caótica e livre, apesar de haver uma direção no sentido de atingir os objetivos. Grotowski

referiu-se, posteriormente, a este período, como uma “sopa emotiva”, um momento impreciso

e confuso do Teatr-Laboratorium. Apesar de tudo, este período produziu resultados muito

interessantes no sentido das relações humanas, “verdadeiros milagres”, conforme afirmou De

Marinis em palestra na Universidade Estadual de Santa Catarina, em agosto de 2006.

Para que ocorresse este aprofundamento das relações e desvelamento recíproco dos

participantes, segundo De Marinis, existia uma “dramaturgia do encontro”. Os atores, ou ex-

atores, do Teatr-Laboratorium, guiavam os participantes e se utilizavam de material teatral

para proporcionar o “encontro” e, através dele, conhecer-se a si mesmo.

No final dos anos setenta e início dos anos oitenta, na fase denominada Teatro das

Fontes, a busca por técnicas de diversas tradições antigas indica um retorno aos interesses

antropológicos e histórico-religiosos, que Grotowski nutria desde a infância incentivado por

sua mãe e irmão. Neste período Grotowski viajou a diversas partes do mundo pesquisando

rituais de transe e possessão, não com o objetivo de realizar um intercâmbio entre as culturas,

mas para buscar o que havia de unitário, de comum nas origens destas técnicas. Esteve no

Haiti, no México, na Nigéria, na Índia, no Japão, entre outros países. Esta pesquisa, depois,

foi aprofundada por Eugenio Barba, que a denominou de Antropologia Teatral.

Grotowski, segundo De Marinis, retomou a idéia de trabalho sobre si mesmo

desenvolvida por Stanislavski, mas que já não visava a criação espetacular. Ao contrário do

período anterior, em que a intercomunicação era o objetivo principal, o trabalho nesta fase é

solitário e individual. As técnicas pesquisadas por Grotowski em suas viagens, estavam

focadas naquilo que o ator, ou performer, “pode fazer na sua solidão”, e estavam centradas

principalmente na respiração.

25

Page 26: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Este período teve um fim dramático com o golpe na Polônia, no qual foi implantada a

Lei Marcial pelo governo em 1982. Grotowski, com medo de ser preso e morto pelo regime,

como aconteceu com milhares de artistas, se viu obrigado a abandonar a Polônia, e após um

período no Odin Teatret, na Dinamarca, e também na Itália e Haiti, refugiou-se nos EUA,

onde realizou uma pesquisa na Universidade de Irvigne (Califórnia), denominada de Drama

Objetivo, e considerada por Osisnki uma transição para a próxima fase. Segundo Grotowski,

o Drama Objetivo tinha como meta “reevocar uma forma de arte muito antiga, quando o ritual

e a criação artística eram a mesma coisa” 9. (GROTOWSKI apud OSINSKI, 1993, p. 97).

Conforme Osinski (1993), o Drama Objetivo foi realizado em três categorias de

“workshops” ou grupos de trabalho: o primeiro era fechado e destinado apenas a estudantes

da Faculdade de Teatro da Universidade de Irvigne, e a artistas de teatro interessados no

trabalho; o segundo, era uma extensão dos cursos universitários; e o terceiro, “workshops

públicos”, que reuniam os participantes dos primeiros grupos, especialistas em diversas áreas

das ciências sociais e participantes em geral.

Grotowski contava com alguns instrutores-assistentes, que tinham experiência em

canto, dança, ritmo e movimento. Segundo Osinski (1993, p. 99), “cada um tinha algumas

experiências interculturais que permitia fazer pontes entre a cultura antiga e a nossa, entre a

tradicional e a contemporânea”10. Eles trabalhavam como instrutores nos workshops e como

atores principais nas performances que realizavam nos cursos.

A experiência de trabalhar com pessoas de diversas culturas, com as características

descritas por Osinski, ou seja, a capacidade de fazer pontes, do trabalho realizado por eles,

com a tradição, se mantém permanentemente no trabalho realizado por Grotowski. É nessa

época que Grotowski inicia sua parceria com Thomas Richards, que era aluno dos workshops,

e de descendência jamaicana.

De volta à Itália, na Toscana, Grotowski inicia a última fase do seu trabalho

denominada Artes Rituais ou Arte como Veículo. Em 1986, na cidade de Pontedera,

Grotowski funda The Workcenter of Jerzy Grotowski, incentivado pelo Centro per la

Sperimentazione a la Ricerca Teatrale, dirigido por Roberto Bacci e Carla Pollastrelli.

9 “Revocar una forma de arte muy antigua, cuando el ritual y la creación artística eran la misma cosa.”

10 “Cada uno tenía algunas experiencias interculturales que permitía echar puntes entre la cultura antigua y la nuestra, entre la tradicional y la contemporánea.”

26

Page 27: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Neste período Grotowski inicia sua fase mais ermitã. Em Pontedera, a experiência de

isolamento é levada à radicalidade, pois, não só o trabalho possui princípios rígidos, mas a

vida cotidiana ganha características comunitárias e quase monásticas.

Segundo a descrição de Osinski (1993), que pôde testemunhar as atividades, os grupos

de trabalho eram compostos de vinte pessoas. As condições de trabalho eram muito simples e

os custos eram pagos pelos próprios participantes. A maioria das pessoas era jovem e nunca

tinha trabalhado com Grotowski, anteriormente. O trabalho acontecia seis dias por semana, de

dez a dezesseis horas por dia, em grupos menores, guiados por Maud Robert e Thomas

Richards. Grotowski interferia pouco no trabalho com os grupos, trabalhava diretamente

apenas com os condutores, Robert e Richards. O treinamento físico constituía a parte

constante do programa de trabalho. Dentro da sala de trabalho, cada um dos participantes

executava diariamente, nove exercícios. Eram exercícios particulares de cada um, conforme a

necessidade de cada participante para vencer seus bloqueios e limitações psicofísicas. Além

dos nove exercícios, cada participante trabalhava sobre uma dança própria.

No final do dia, ao ar livre, realizava-se durante uma hora o que era denominado

Motion: uma série complexa de posições e estiramentos do corpo. Estas posições estavam

orientadas sempre para os seis pontos cardeais: leste, oeste, norte, sul, zênite e nadir. Os olhos

devem ser mantidos sempre bem abertos, fixados no horizonte. Conforme Osinski, se

trabalhava muito sobre os detalhes em todos os exercícios executados durante o dia de

trabalho, e procurava-se a máxima precisão na execução de cada movimento.

As últimas etapas das pesquisas de Grotowski colocam em evidência a tendência de

deslocar-se do campo da representação em direção a uma experiência, que apesar de localizar-

se no campo das performing arts, possuía um caráter ritualístico.

O interesse de Grotowski pelo ritual e por outras culturas, não foi exclusivo ao período

do Teatro das Fontes. Neste período seu interesse se tornou mais explícito, pois empreendeu

diversas expedições investigativas “naqueles lugares do globo terrestre onde seguem ainda

vivos os ritos arcaicos”11 (OSINSKI, 1993, p. 96). Nas diferentes etapas do seu percurso,

Grotowski buscou inspiração dentro e fora do âmbito das artes. A aproximação com o oriente

foi uma forte característica do seu percurso pessoal e profissional. A filosofia budista, a Ópera

11 “en aquellos lugares del globo terrestre donde siguen todavía vivos los ritos arcaicos”.

27

Page 28: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

de Pequim, o Kathakali, mas principalmente a tradição yogui tântrica indiana, marcaram

profundamente a prática e os objetivos do trabalho de Grotowski.

Por outro lado, suas principais referências teatrais ocidentais, segundo De Marinis, são

Stanislavski, cuja obra teve contato em Moscow em 1956, e a Reduta, uma instituição teatral

polonesa que funcionou em caráter de associação entre as duas guerras mundiais, sob a

direção de Juliuz Osterwa e de Mieczyslaw Limanowski.

De Stanislavski, Grotowski herdou a tradição técnica, o exemplo do “experimentador

incansável que, como verdadeiro ‘cientista’ teatral, se esforça em pensar só sobre a base do

prático e concreto, disposto sempre a abrir o debate, com coragem e honestidade, sobre seu

trabalho precedente”12 (DE MARINIS, 1987, p. 103). Esta forma de trabalhar influenciou

Grotowski na idéia da criação de um teatro laboratório, de um teatro de pesquisa que está

permanentemente sendo questionado e reformulado.

A tradição ética do trabalho de Grotowski teve influência da Reduta, que era ao

mesmo tempo um teatro e uma escola para atores: “durante alguns períodos, a escola se

organizou como uma comunidade em que mestres e discípulos viviam de acordo com uma

disciplina quase monástica, cultivando uma investigação mais ética do que

tecnoprofissional”13 (DE MARINIS, 1987, p. 102).

Jenifer Kumiega (1989, p. 85) afirma que a ética, “ou a atitude com a qual vem-se a

descobrir, verificar e realizar é de extrema importância para aqueles que pretendem apanhar a

essência do trabalho de Grotowski”14, e ressalta o repúdio de Grotowski ao desenvolvimento

de um método rígido e permanente: “não existe um método universal, que venha de encontro

com a exigência de todos”. Para Kumiega, se é que se pode falar em “método Grotowski”, ele

era composto de duas partes: técnica e ética. A técnica, parte mínima do método, é o que

produz o resultado verificável, a ética, porém, é a “guia do uso da técnica”. Mais importante

do que a técnica do Teatro Laboratório, para ela, era a existência de um “núcleo ético sempre

em evolução”.

12 “experimentador inagotable que, como verdadero “científico” teatral, se esfuerza em pensar sólo sobre la base de lo práctico y lo concreto, dispuesto siempre a abrir el debate, con coraje y honestidad, sobre su labor precedente”.

13 “durante algunos períodos, la escuela se organizó como una comunidad em la que que maestros y discípulos vivían de acuerdo con una disciplina casi monástica, cultivando una investigación más ética que tecnoprofissional”.

14 “ovvero l'atteggiamento con cui queste vengono scopere, verificate e realizzate, ad assere di primaria importanza per coloro che intendono afferrare l'esenza dell'aproccio e del lavoro di Grotowski.”

28

Page 29: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

O fortalecimento deste modo de viver o teatro, seguindo estas duas tradições, resultou

na diminuição na freqüência de produção de espetáculos no Teatr-Laboratorium. Grotowski

institui, assim, desenvolvendo a herança de Stanislavski, a importância da pesquisa no teatro:

a pesquisa que extrapola a técnica, que exige autodisciplina, autodeterminação, a quebra de

paradigmas e a construção de novos valores.

Grotowski, em 1968, se referiu ao teatro como uma “missão moral e social centrada

sobre um núcleo de valores intelectuais, dedicada ao progresso e sustentação de uma nova

ética, laica e racional”15 (GROTOWSKI apud KUMIEGA, 1985, p. 99).

Porém, apesar disso, já em 1974, Grotowski tinha clareza de que não era diretamente

através da arte que poderia mudar o mundo.

Em que medida podemos mudar a vida, eis a questão.É uma questão de eficiência; e se pudermos mudar a vida de um modo geral, devemos faze-lo. Mas não se consegue fazê-lo através da arte.De qualquer maneira, existe a questão de saber até que ponto se pode, ao mudar a vida, mudá-la para melhor. No entanto, dentro de cada um de nós existe a esperança e a vontade de faze-lo, mas é essencial sabermos que não é através da cultura que se realiza isso, quero dizer, não através de um caminho tão indireto como é o da cultura.Através da cultura, é verdade, pode-se falar a propósito das modificações do mundo. Através da criação pode-se falar como mudar a vida, as estruturas, as civilizações, como tornar o mundo melhor. Mas “falar a respeito” não modifica nada. Lamento. (GROTOWSKI, 1974 b).

No seu trabalho, “os meios” foram gradativamente se tornando “os fins”. Em um

primeiro momento, o resgate do imaginário simbólico, de mitos fundamentais da cultura

polonesa, tinha finalidade de promover o questionamento e a profanação dos conteúdos

simbólicos vitais daquela cultura, através da própria história pessoal e social de atores e

espectadores, buscando a transformação de ambos. Em um segundo momento, a utilização de

rituais arcaicos e técnicas orientais de respiração, por exemplo, tinham o objetivo de

proporcionar o autoconhecimento do ator, através da disciplina e da autodeterminação. Por

fim, o abandono do espetáculo, para ele significava um rompimento com a lógica do mercado,

que exigia a produção constante de novas obras, e a quebra com a representação e a

espetacularização da vida. Ele queria apenas um lugar para conhecer-se a si mesmo e

encontrar o outro:

15 “missione morale e sociale imperniata su un nucleo di valori intellettuali, dedicata al progresso e sostenitrice di una nuova etica, laica e razionale”.

29

Page 30: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Apesar de todos os nossos condicionamentos, o que mais nos distingue são as maneiras de representar na vida real. Se pararmos a representação, o que é bem difícil e raro nos tempos que correm, teremos superado as diferenças.Estaremos ainda condicionados pela história, pelas nossas feridas, pelos nossos medos, pelas nossas esperanças. Mas, apesar de tudo isso, seremos semelhantes.Acontece que toda a civilização é uma grande formação de representações (e uso aqui o verbo representar no sentido inglês de to act,, to perform). (GROTOWSKI, 1974 b).

Esta decisão criou uma aura mítica em torno do seu trabalho e da sua pessoa, e faz com

que ele seja uma forte referência na história do teatro no século XX. Porém, não são seus

espetáculos que continuam tocando aqueles que fazem teatro, mas sim o fato de, no auge de

sua carreira, ter tido a coragem de se perguntar se o teatro ainda era necessário para ele, se era

eficaz na realização dos seus objetivos; e ter decidido abandoná-lo enquanto espetáculo. Esta,

pois, é a provocação que se mantém viva. Para Barba:

A conversão do Teatro 13 Rzedow em Teatr-Laboratorium é um exemplo de um teatrinho que começa como uma vanguarda artístico-literária e termina encarnando um processo criativo que é uma tomada de posição artística, política e espiritual.16

(BARBA, 2000, p. 35).

Zbgniew Osinski chama a atenção para o fato de que, apesar de Grotowski ser

conhecido como homem de teatro, esteve em seus últimos trinta anos de vida pesquisando o

trabalho do ator sem a realização de espetáculos. O mistério que se criou em torno do seu

trabalho, se deve a estes trinta anos de investigação, nos quais poucas pessoas tiveram o

privilégio de ser convidadas a conhecer os resultados do trabalho.

A radicalidade da experiência teatral de Grotowski está na dimensão que o trabalho

ganhou na sua própria vida e na vida dos participantes daquela experiência. No Teatr-

Laboratorium criou-se um cotidiano especificamente teatral, não voltado ao desenvolvimento

de técnicas interpretativas e representacionais, mas à criação de um espaço de essencialização

do ato teatral, entendido como fenômeno da presença. Este princípio tornou-se tão

predominante que o espetáculo deixa de ser necessário. Permanece o teatro como espaço de

autoconhecimento. Para Barba (2000, p. 34), referindo-se ao século XX, “a transformação

16 “La conversión del Teatr 13 Rzedów en el Teatr-Laboratorium es el ejemplo de un teatrito que empieza como una vanguardia artístico-literaria y termina encarnando un proceso creativo que es una toma de posición artística, política y espiritual.”

30

Page 31: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

deste teatro de província e um conjunto cuja intransigência artística será a semente de uma

profunda regeneração de nossa arte é um dos episódios mais emblemáticos do nosso século”17.

1.3 GROTOWSKI E A MEMÓRIA SOCIAL DA POLÔNIA

Apesar do trabalho de Grotowski estar situado como um dos expoentes do “novo

teatro”, De Marinis afirma que ele “ocupa uma posição muito singular, mais uma vez anômala

e contra-corrente, entre a vanguarda e a tradição”18, pois “mostra nexos muito mais estreitos

com a tradição e com o passado, em particular polaco, do que com a cultura das vanguardas

européias”19. (DE MARINIS, 1987, p. 100).

Para Osinski (1993), Grotowski “nunca foi em essência um artista moderno”, pois

como pesquisador e artista, nas diferentes etapas de seu percurso, buscou “as leis imutáveis,

as formas eternas do mundo”, aquilo que era unitário nas culturas. Conforme Flaszen, o que o

Teatr-Laboratorium realizava era mais coerente com a “retaguarda”, do que com a vanguarda:

Nossa atividade pode ser compreendida como uma tentativa de restituição dos valores arcaicos do teatro. Não somos modernos, pelo contrário, somos totalmente tradicionais. (...) Acontece assim, que o mais surpreendente sejam as coisas que alguma vez já existiram. E estas nos surpreendem, pela novidade, tanto mais forte, quanto mais profundo seja o poço do tempo que nos separa delas.20 (FLASZEN apud OSINSKI, 1993, p. 112).

Grotowski relaciona-se com o passado realizando o que Durand denomina de

“comparativismo sincrônico” (GARAGALZA, 1990, p. 98), pois sua busca não se dirige na

direção de “descobrir” ou inventar algo novo, nem de resgatar com fidelidade histórica um

tema do passado. Sua pesquisa está direcionada para “o jogo dos eternos retornos”, ou seja,

17 “La transformación de este teatro de província e un conjunto cuya intransigencia artística será la semilla de una profunda regeración de nuestro arte es uno de los episodios más emblemáticos de nuestro siglo.”

18 “ocupa una posición muy singular, una vez más anómala y contra la corriente, entre la vanguardia y la tradición”.

19 “muestra, sin embargo, nexos más estrechos con la tradición y con el passado, en particular polacos, que con la cultura de las vanguardias europeas”.

20 “Nuestra actividade puede ser comprendida como un intento de restitución de los valores arcaicos del teatro. No somos modernos, por el contrario, somo totalmente tradicionales. (...) Sucede así que lo más sorprendente sean las cosas que alguna vez existieron. Y éstas nos golpen por la novedad tanto más fuerte cuanto más profondo sea el pozo del tiempo que de ellas nos separa.”

31

Page 32: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

para tudo aquilo que ressurge do passado e tem força e vitalidade no imaginário simbólico de

um povo, de uma cultura, no caso, especificamente a polonesa, no presente.

Grotowski considerava-se produto da sua tradição:

Penso que a cada momento em que não mentimos para nós mesmos, retomamos contato com esta tradição. Não adianta, porém, buscar um contato consciente. A tradição age de modo real quando é como o ar que se respira - sem pensar nele. Se alguém deve forçar-se, fazer esforços compulsivos para aferrar-se a ela, mostrá-la com ostentação - isso significa simplesmente que essa tradição já não está viva nele. Ora o que não é vivo em nós não vale um ato, pois este não será verdadeiro. (GROTOWSKI, 1974).

A mais importante tradição com a qual Grotowski teve um contato profundo e

constante no período em que realizou espetáculos, segundo De Marinis, foi o drama

romântico polaco, com autores como Adam Mickiewicz (1798-1855), Stanislaw Wyspianski

(1869-1907), e Juliusz Slowacki (1809-1849), os mais importantes artistas do romantismo

polonês.

A escolha pela dramaturgia polaca do século XIX, obviamente, não se deu por acaso,

mas pela identificação com aquela forma de “sentir o mundo”, que produziu posteriormente,

como apontou o crítico polonês Konstanty Puzyna, uma semelhança com os modos de

representar nos seus espetáculos:

(...) tanto nos dramas polacos do século XIX como nos espetáculos de Grotowski se avança mediante mudanças bruscas, contrastes violentos, verdadeira contraposição de contrários no melhor estilo barroco: sublime/ ridículo, bondade/ crueldade, dotes visionários/ realismo, apoteose/ burla (...).21 (DE MARINIS, 1987, p. 102).

A escolha dos textos no Teatro Laboratório procurava satisfazer a busca por conteúdos

simbólicos significativos na cultura polonesa, ou seja, os arquétipos e temas míticos

fundamentais capazes de estabelecer associações psicofísicas nos atores e espectadores. Os

textos eram remodelados de acordo com a identificação e a exaltação do mito fundamental

presente na dramaturgia. Porém, apesar da manipulação e aparente dessacralização dos textos

da dramaturgia romântica polaca, De Marinis concorda com Puzyna que observa que as

21 “tanto em los dramas polacos del siglo XIX como em los espetáculos de Grotowski se avanza mediante cambios bruscos, contrastes violentos, verdadera contraposición de contrarios en el mejor estilo barroco: sublime/ridículo, bondad/crueldad, dotes visionarias, apoteosis/burla (...).”

32

Page 33: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

versões dirigidas por Grotowski respeitam a Weltanschauung22 daquelas obras, o que, como

veremos adiante, nos revela o envolvimento de Grotowski com a resistência cultural ao

massacre do imaginário simbólico polonês ao longo da história da Polônia.

O Romantismo foi um movimento artístico e filosófico que surgiu, no final do século

XVIII na Europa, como uma resistência ao racionalismo clássico e neoclássico, rejeitando

seus preceitos de ordem, equilíbrio e idealização. O início do Romantismo foi marcado por

um forte nacionalismo, já que a Europa passava por grandes revoluções que marcavam o fim

dos governos despóticos e o início do liberalismo político com a consolidação dos estados

nacionais.

Na Polônia, o movimento romântico fez nascer grandes heróis nacionais. Além das

inúmeras invasões e desmembramentos, que marcaram profundamente a história e a cultura

polonesa, o século XIX foi um momento de inúmeras desilusões políticas para o povo

polonês que culminou com o exílio de intelectuais e artistas em vários países da Europa,

dentre eles, Frédéric Chopin (1810-1849), Slowacki, Wyspiánski e Mickiewcz, que se tornou

um herói do nacionalismo polonês.

O movimento romântico dos artistas poloneses foi intensificado por um sentimento de

nostalgia nacionalista dos exilados, que encontravam nos símbolos e dramas nacionais, na

tradição folclórica polaca e na alma popular, os temas e meio de expressão do nacionalismo,

por uma pátria que nunca existiu.

Este espírito revolucionário e ao mesmo tempo nostálgico parece ter sido a forma de

“sentir o mundo” romântica com a qual identificava-se Grotowski, afinal na metade do século

XX, depois de duas grandes guerras mundiais que devastaram o país e sob o comando russo, a

Polônia não vivia uma situação muito diversa do que a realidade dos artistas do século

anterior. Segundo Eugenio Barba, Grotowski sabia de memória fragmentos das obras

românticas nacionalistas e constantemente descrevia a insurreição contra os russos e o exílio

dos intelectuais:

Estava obcecado pela Polônia, mas seu patriotismo não era nacionalismo, era orgulho dos artistas que não haviam se deixado quebrar nem submeter. Passava horas inteiras explicando-me episódios da história e literatura polacas. Estava

22 Concepção de mundo.

33

Page 34: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

apaixonado pelos grandes autores românticos Slowacki, Norwid e sobre tudo Mickiewicz.23 (BARBA, 2000, p. 54).

Se em toda a Europa o depauperamento dos símbolos dogmáticos na Reforma e

Contra-Reforma, como afirma Jung, provocou uma sensação coletiva de desgarramento, na

Polônia, tornou-se ao longo do tempo, não uma sensação, mas uma situação real. Pois tão ou

mais grave do que as invasões, os desmembramentos e as mortes em massa foi o massacre do

imaginário simbólico da cultura polonesa. Para entendermos isso, não é necessário descrever

toda a história da Polônia, basta tomarmos como exemplo, o passado recente, no qual esteve

inserido Grotowski.

Na Segunda Guerra Mundial, a Polônia sofreu um duplo ataque, após um Pacto de

Não-Agressão assinado entre Alemanha e União Soviética, que pretendiam dividir o território

polonês. Entre 1939 e 1945 foram mortos cerca de seis milhões de poloneses e mais de

quinhentos mil foram deportados para a Sibéria, entre eles, funcionários públicos, nobreza e

padres. Com o fim da Segunda Guerra, a Polônia ficou sob forte controle da União Soviética

até 1981, num regime totalitário que usava de todos os artifícios para se manter no poder. E o

principal deles, segundo o polonês Bronislaw Bacsko, foi a manipulação da memória coletiva:

Tanto na ficção como na realidade, a intenção totalitária é fundamentalmente a mesma: garantir ao poder o controle das mentalidades, e muito particularmente, da memória coletiva considerada como uma peça mestra. As técnicas desse controle são essencialmente as mesmas: rigorosa censura de qualquer informação sobre o passado; supressão de certos fatos históricos, fabricação de “fatos” novos; permanente atualização das representações do passado em função das necessidades políticas e ideológicas do presente; fabricação de novas mitologias históricas, fabricação do carisma do “chefe”, etc.24 (BACSKO, 1991, p. 159).

23 “Estaba obsesionado por Polônia, pero su patriotismo no era nacionalismo, era orgullo hacia los artistas que no habían dejado quebrar ni someter. Se pasaba horas enteras explicándome episodios de la historia y la literatura polacas. Estaba enamorado de los grandes autores románticos Slowaki, Norwid y sobre todo Mickiewiz.”

24 “Tanto en la ficción como en la realidad, la intención totalitaria es fundamentalmente la misma: garantizar al poder el control de las mentalidades, y, muy particularmente, de la memoria colectiva considerada como una pieza miestra. Las técnicas de ese control son esencialmente las mismas: rigurosa censura de cualquier información sobre el pasado; supresión de ciertos hechos históricos, fabricación de “hechos” nuevos; permanente actualización de las representaciones del pasado en función de las necesidades políticas e ideológicas del presente; fabricación de nuevas mitologías históricas, fabricación del carisma del “jefe”, etcétera.”

34

Page 35: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Segundo Bacsko, desde 1944, a “propaganda” comunista tratava de legitimar, por meio

da construção de um passado fictício, as relações entre a Polônia e a União Soviética, ou seja,

“relação de dependência política, militar e econômica que a propaganda exaltava como uma

aliança livre, fundada na amizade entre os povos, como a única garantia real da independência

da Polônia, de sua gloriosa marcha até o socialismo, (...)” 25 (BACSKO, 1991, p. 162).

Esta operação da propaganda comunista queria garantir na história polaca, como

afirma o autor, “uma estranha coerência”. Mas esta coerência só poderia ser imposta às custas

da amputação de enormes pedaços do passado polonês.

Na história das relações entre a Polônia e a União Soviética, divulgada pela

“propaganda” comunista, o fim do século XVIII e todo o século XIX formam um período

duvidoso:

(...), é o período das divisões da Polônia, quando a Rússia levou a melhor parte, das insurreições nacionais de 1794, 1830 e 1863, contra a ocupação russa; é também a época da grande literatura romântica que consolidou a consciência, assim como toda uma mitologia nacional. Em um país privado de sua independência, que não dispunha nem de estruturas estatísticas nem de ensino nacional, corresponde a literatura e a memória coletiva alimentando-se mutuamente, ao lado da religião, garantir a identidade nacional.26 (BACSKO, 1991, p. 163).

A propaganda russa buscava reforçar toda a tradição anticlerical e anticatólica do

passado polaco, pois não só o drama romântico representava um ponto de resistência da

cultura polonesa contra a dominação russa, mas também a Igreja Católica, presente na

Polônia desde o ano de 966.

Mas sobre tudo a Igreja, apesar dos ataques lançados contra ela, conservou sua independência e sua enorme influência. (...) representava também um território de memória livre, que escapava ao domínio totalitário, de uma memória e de uma tradição vivas, arraigadas na fé, conservadas e reproduzidas por símbolos e práticas,

25 “relación de dependencia política, militar y económica que la propaganda exaltaba como una alianza libre, fundada en la amistad entre los pueblos, como única garantía real de la independencia de Polonia, de su gloriosa marcha hacia el socialismo, (...)”.

26 “es el período de las divisiones de Polonia, cuando Rusia se llevó la mejor parte, el de las insurrecciones nacionales de 1794, 1830, y 1863, contra la ocupación rusa; es también la época de la gran literatura romántica que consolidó la consciencia así como toda la mitología nacional. En un país privado de su independencia, que no disponía ni de estructuras estadistas ni de enseñanza nacional, les corresponde a la literatura y a la memoria colectiva alimentándose mutuamente, al lado de la religión, garantizar la identidad nacional.”

35

Page 36: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

como por exemplo, as peregrinações da Virgem Negra de Czenstochowa ou os velhos cantos religiosos e patrióticos ao mesmo tempo.27 (BACSKO, 1991, p. 164).

Por entender a força da Igreja Católica na cultura polonesa, porém, o Partido procurava

manter uma boa relação com a religião:

Na Polônia socialista se podia ser religioso, professar livremente a própria fé, freqüentar as onipresentes igrejas e paróquias. O regime havia conseguido encontrar um modus vivendi com a potente Igreja católica, e os intelectuais e escritores católicos publicavam uma revista que estava entre as melhores daquela época. Mas ser definido como “místico” ou “idealista” significava que o regime te considerava seu opositor.28 (BARBA, 2000, p. 51).

O que ainda geravam mais problemas com a censura e o controle soviéticos, eram as

marcas do nacionalismo romântico, como o misticismo e o idealismo, ambas características

fortes dos autores românticos da Polônia.

Na segunda metade do século XX, os diversos conflitos que ocorreram na Polônia,

como a brutal repressão das greves em Gdansk, a criação do sindicato independente

Solidariedade, os movimentos estudantis, e o Outubro Polaco, segundo Bacsko, tiveram como

objetivo “a reconquista de um espaço simbólico e a reconquista do direito ao passado” do

povo polonês.

Foi neste período que o teatro começou a ressurgir também como um espaço de

liberdade na Polônia. Conforme Kumiega, o período que vai de 1939 a 1956, foi de total

estagnação no mundo teatral polonês. Além do fechamento dos teatros durante a guerra, e dos

inúmeros artistas mortos ou presos, nos anos pós-guerra, houve, por parte do regime

socialista, a implantação do Realismo Socialista como estilo oficial do regime. Esta

imposição, aliada a uma política administrativa centralizada, acabou por destruir “cada forma

de autonomia criativa, componente essencial para um teatro de valor” 29. (KUMIEGA, 1989, 27 “Pero sobre todo la Iglesia, a pesar de los ataques lanzados contra ella, conservó a la vez su independencia y

su enorme influencia. (...) representaba también un territorio de una memoria libre, que escapaba al dominio totalitário, de una memoria y de una tradición vivas, arraigadas en la fe, conservadas y reproducidas por símbolos y prácticas, como por ejemplo, las peregrinaciones de la Virgen Negra de Czenstochowa o los viejos cantos religiosos y patrióticos a la vez.”

28 “En la Polonia socialista se podia ser religioso, profesar libremnete la propria fé, frecuentar las omnipresentes Iglesias y parroquias. El régimen había logrado encontrar un modus vinedi con la potente Iglesia católica, y los intelectuales y escritores católicos pulicaban uma revista que estaba entre las mejores de aquella época. Pero ser definido como “místico” o “idealista” significava que el régimen te considerava su opositor.”

29 “ogni forma di autonomia creativa, componente essenziale per un teatro di valore.”

36

Page 37: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

p. 19). Porém, depois da metade dos anos cinqüenta, com a flexibilização das restrições do

regime, e a tendência à descentralização do poder, o teatro ganhou nova vida na Polônia. Os

diretores dos principais teatros poloneses passaram a ter oportunidade de experimentar um

estilo próprio. Segundo Kumiega, apesar da difusão das tendências das vanguardas teatrais

ocidentais terem ocorrido com as políticas de abertura do regime, elas trouxeram pouca

contribuição artística para o teatro polaco, já que só vieram reforçar sua tradição, como o

movimento do teatro do absurdo, por exemplo, que já existia na Polônia, com os autores

Stanislaw Ignacy Wietkiewicz (1885-1939) e Witold Gombrowicz (1905-1969). Este

momento de maior liberdade artística, porém, tornou possível o tipo de pesquisa totalmente

personalizada que Grotowski realizou no seu teatro.

Com o objetivo de “testar” valores tradicionais da cultura polonesa, Grotowski

realizou um trabalho de intervenção nos textos nunca antes visto na história do teatro. Na

primeira metade do século, Stanislavski já havia experimentado mudar o sentido de uma obra

dramática através da interpretação particular do texto, e Meyerhold, através da reestruturação

do texto, realizou quebras nas seqüências das cenas e produção de simultaneidades.

Grotowski, porém, como veremos mas detalhadamente no próximo capítulo, “triturou” e

remodelou os textos conforme as exigências estabelecidas pelo trabalho do ator.

Após um breve período em que trabalhou com alguns textos da vanguarda européia,

como As Cadeiras, de Ionesco, Grotowski buscou nos clássicos os temas e os conteúdos que

fossem vivos na sua cultura, conforme Barba: “Grotowski afrontou os clássicos, com a

persistente convicção de que contém um arquétipo, uma situação fundamental da condição

humana” 30. (BARBA, 2000, p. 44). Os conteúdos míticos, segundo Grotowski, deveriam

funcionar como o elo de ligação entre os participantes do ato teatral:

Para que o espectador seja estimulado a uma auto-análise, quando confrontado com o ator, deve existir algo em comum a ligá-los, algo que possa ser desmanchado com um gesto, ou mantido com adoração. Portanto, o teatro deve atacar o que se chama de complexos coletivos da sociedade, o núcleo do subconsciente coletivo, ou talvez do superconsciente (não importa como seja chamado) aqueles mitos que não constituem invenções da mente, mas que são, por assim dizer, herdados através de um sangue, uma religião, uma cultura e um clima. (GROTOWSKI, 1987, p. 36).

30 “Grotowski afrontó los clásicos con la terca convicción de que contienen un arquetipo, una situación fundamental de la condición humana.”

37

Page 38: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Grotowski buscou as fontes da tradição mítica polonesa justamente nos grandes

representantes da resistência ao massacre do imaginário simbólico e da memória social da

Polônia: o drama romântico do século XIX e a tradição cristã, que o totalitarismo soviético

tentava apagar.

Na tradição cristã Grotowski buscou inspiração para a nomenclatura com a qual

nomeava seu trabalho, como ator-santo, profanação, confissão, expiação, redenção,

comunhão, transiluminação. Para o teórico Christopher Innes, é natural que um teatro que

rejeitasse a sociedade do século XX, materialista e racionalista, buscasse uma outra escala de

valores, o da fé religiosa, “enquanto continua rejeitando a religião organizada como cúmplice

do status quo” 31. Porém, mesmo quando as produções de Grotowski “atacam o que é sagrado

na forma de cristianismo organizado, sua escolha de textos sempre há estado dentro da

“grande tradição”” 32. (INNES, 1992, p. 174).

Alguns dos dramas do romantismo polonês que foram encenados por Grotowski

continham, em si mesmos, os temas míticos e a simbologia da tradição cristã, como

Akropolis, de Wyspiánski, que se passa na catedral da cidade polonesa de Cracóvia onde, em

uma noite, personagens se destacam das tapeçarias para recitar trechos bíblicos, sobre a

ressurreição de Cristo.

O texto Os antepassados, de Adam Mickiewicz, foi proibido em diversos momentos da

história da Polônia, por apresentar forte conteúdo anti-soviético. O texto foi escrito por

Mickiewicz no exílio, em 1832, e era considerado símbolo do nacionalismo polonês. Em

1968, data dos grandes movimentos estudantis na Europa e no mundo, a proibição do texto de

Mickiewicz, fez com que estudantes na Polônia realizassem as primeiras manifestações, no

dia 08 de março, antes mesmo do “maio francês”. Estes movimentos fizeram com que

aproximadamente vinte mil pessoas abandonassem o país e treze mil e quinhentas perdessem

a nacionalidade entre 1968 e 1970, segundo documentos dos arquivos do país. Sete anos

antes, em 1961, Os Antepassados, foi o primeiro texto polonês encenado por Grotowski no

Teatr 13 Rzedów. Grotowski buscava aliados no passado da Polônia, com que pudesse

dialogar, e reencontrar a liberdade perdida:

31 “mientras continúa rechazando la religión organizada, como cúmplice del status quo.”

32 “atacan específicamente lo que es sagado en forma de cristianismo organizado, su elección de los textos siempre ha estado dentro de la “grand tradición””.

38

Page 39: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Sempre encontramos aliados e sempre encontramos inimigos a quem combater. Se você está diante de um sistema social extremamente rígido, você tem que consertá-lo, você tem que reencontrar sua própria liberdade, você tem que reencontrar seus aliados. Talvez eles estejam no passado. Pois, falo com Mickiewicz. Mas falo dos problemas de hoje. E também do sistema social no qual vivi na Polônia durante quase toda minha vida. Esta aqui tem sido minha atitude: não é para fazer discursos que trabalho, e sim, para aumentar a ilha de liberdade; minha obrigação não é fazer declarações políticas, e sim fazer buracos no muro. As coisas que me foram proibidas devem ser permitidas depois de mim; as portas que me foram fechadas, com duas voltas, devem ser abertas; tenho que resolver o problema da liberdade e da tirania através de medidas práticas. Isto quer dizer que minha atividade deve deixar rastros, exemplos de liberdade.33 (GROTOWISKI, 1993, p. 69).

Grotowski, segundo Kumiega, teve um curto período de efetiva participação na vida

política da Polônia, pouco conhecido, em 1957, após o “Outubro Polaco”, participando

ativamente das organizações políticas juvenis. Após este período, Grotowski se afasta da

política, porém, anos depois, ao se referir aquele período diz: “queria ser um mártir político,

um entre os mais importantes. Era fascinado por Gandhi a ponto de querer ser como ele”34

(GROTOWSKI apud KUMIEGA, 1989, p. 16). Seu afastamento efetivo dos movimentos

políticos poloneses talvez tenha levado a falsa idéia de uma postura apolítica aos seus

contemporâneos, mas segundo Barba, cada passo de Grotowski, do Teatr 13 Rzedów ao

Teatr-Laboratorium, era pensado com o objetivo de defender o “essencial” do controle

soviético.

Em Opole, a capacidade de Grotowski de abrir-se e ser extremamente sincero comigo foi minha “escola de guerra” mais eficaz, a melhor lição para compreender como se joga xadrez com “as forças sub specie preesentis”: a censura, os delatores, a polícia secreta, os políticos, os críticos, os adversários. Grotowski me explicava com todos os detalhes como pensava em se comportar, quais seriam as prováveis e diversas reações, com quem e até que ponto recorrer ao patriotismo polaco para ser “ideologicamente incorreto” sem criar problemas de alto nível com os russos. Eu era testemunha do nascimento e do desenvolvimento de seus processos mentais, que se transformavam em jogadas estratégicas para defender o “essencial”.35 (BARBA, 2000, p. 51).

33 “Siempre se encuentran aliados y siempre se encuentran enemigos que combatir. Estás ante un sistema social extremamente rígido; tienes que arreglártela, tienes que reencontrar tu propria libertad; tienes que reencontrar tus aliados. Quizás están en el pasado. Pues, hablo con Mickiewicz. Pero hablo de los problemas de hoy. Y también del sistema social en la cual viví en Polonia durante casi la totalidad de mi vida. He aquí cual ha sido mi actitud: No es para hacer discursos que trabajo sino para ensanchar la isla de libertad que llevo; mi obligación no es hacer declaraciones políticas sino hacer agujeros en el muro. Las casas que me han sido prohibidas deben ser permitidas después de mi; las puertas que me han sido cerradas con doble vuelta deben ser abiertas; tengo que resolver el problema de la libertad e de la tiranía a través de medidas prácticas: quiere decir que mi actividad debe dejar rastros, ejemplos de libertad.”

34 “volevo essere un matire politico, uno tra i più importanti. Ero affascinato da Gandhi al punto da volere essere come lui.”

39

Page 40: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Naquele momento, acima de tudo, podemos concluir que “o essencial” era conseguir

manter um espaço de liberdade. Para, assim, poder continuar a fazer os espetáculos, poder

manter o grupo, o treinamento e os temas que, segundo Barba comentando o espetáculo

Studim o Hamlecie, não tinham nada de apolíticos:

Era possível detectar, levados ao limite, os temas dos espetáculos precedentes de Grotowski. Todos com um subtexto explicitamente político, todos vinculados com a história da Polônia: o intelectual que quer atuar (Dzyady e Kordian), que se opõe a uma vontade mais potente (Dr. Faustus); a coletividade, que arremete contra o outsider leal aos seus princípios. São temas que reaparecerão em O Príncipe Constante, onde os atores, sobretudo Ryszard Cièslak, encarnarão de uma maneira incrível a intensidade do rechaço de uma sociedade e seus valores.36 (BARBA, 2000, p. 98).

A mudança de nome de Teatr 13 Rzedow para Teatr-Laboratorium 13 Rzedów, que

aparece pela primeira vez no programa do espetáculo Akropolis, foi um exemplo de um ato

político em defesa do “essencial”. Em 1962, Grotowski preencheu um formulário enviado

pelo Ministério da Cultura polonês, no qual assinalou “laboratório” para classificar seu teatro,

por não se encaixar em mais nenhuma opção. Porém, imediatamente se deu conta da

importância deste ato, pois, ao classificar seu teatro como laboratório poderia justificar a

longa duração do processo de preparação dos espetáculos e o número restrito de espectadores.

Além disso, o termo se referia a antecedentes históricos, os laboratórios de Stanislavski, que

era o modelo artístico do teatro soviético.

A ação teatral de Grotowski, segundo Barba, tinha um duplo sentido. Se por um lado, o

espetáculo era para ele, um ritual laico, inspirado na tradição iniciada por Antoine,

Stanislavski e Reinhart, que implica na “osmose espacial” de atores e espectadores, e os faz

35 “En Opole, la capacidad de Grotowski de abrirse y ser extremamente sincero conmigo fue mi “escuela de guerra” más eficaz, la mejor lección pra comprender cómo se juega el ajadrez con “las fuerzas sub specie praesentis”: la censura, los delatores, la policía secreta, los políticos, los críticos, los adversarios. Grotowski me explicaba con todo detalle cómo pensaba comportarse, cuáles serían las probables e diversas reacciones, con quién y hasta qué punto podía recurrir al patriotismo polaco para ser “ideologicamente incorrecto” sin crear problemas de alto nivel con los rusos. Yo era testimonio del nacimiento y del desarrollo de sus procesos mentales, que se transformaban en jugadas estratégicas para defender lo “esencial”.”

36 “Era posible detectar, llevados al límite, los temas de los espectáculos precedentes de Grotowski, todos con subtexto implícitamente político, todos vinculados con la historia de Polonia: el intelectual que quiere actuar (Dziady y Kordian), que se opone a una voluntad más potente (Dr. Faustus); la coletividad, que arremete contra el outsider leal a su principios. Son temas que reaparecerán en El príncipe constante, donde los actores, y ante todo Ryszard Ciéslak, encarnarán de una manera estupefaciente la intensidad del rechazo de una sociedad y su valores.”

40

Page 41: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

“meditar ativamente sobre as feridas da condição humana”; por outro lado, além do valor

artístico e social do espetáculo, havia no teatro uma “tensão secreta” no sentido da

religiosidade. Esta “tensão”, através de uma estética e uma técnica, impulsionou seu trabalho

no sentido da transgressão:

A representação é um ato de transgressão que permite derrubar nossas barreiras, transcender nossos limites, encher nosso vazio, realizar-nos, entrar no território do sacrum. O ator se provoca e se desafia a si mesmo e ao espectador, violando as imagens, os sentimentos e os julgamentos estereotipados e comumente aceitos. Esta dessacralização dos tabus causa um choque, lacera a máscara imposta pelas circunstâncias históricas, nos desnuda. A transgressão de Grotowski foi aplicada aos valores da tradição que nos transmitem os textos clássicos, às maneiras de conceber e praticar o teatro, à concepção de uma arte utilitária ou simplesmente ideológica.37

(BARBA, 2000, p. 46).

Esta forma de fazer e pensar o teatro era extremamente subversivo num regime

socialista. Conforme Barba (2000, p. 46), os soviéticos entenderam que não se tratava de um

teatro formalista, mas de uma força que crescia bem no centro de sua manipulação do mundo,

rejeitando-a: “Era uma rejeição simbólica, a única arma do artista”38. Para Barba, era

deprimente ouvir e ler as acusações dos artistas “comprometidos” da época, que tachavam

Grotowski de apolítico: “Tais atitudes revelavam uma cegueira absoluta do extremismo

rebelde do pensamento e prática teatral de Grotowski, como também sua luta e estratégia para

defender sua própria verdade sem trair e sem se deixar esmagar”39 (BARBA, 2005, p. 46).

Na Polônia socialista não era permitido ter passaporte, nem sair do país, a não ser com

um convite oficial e todas as despesas pagas pelo evento. Os únicos espetáculos que viajaram

ao exterior foram Akropolis, O Príncipe Constante e Apocalypsis cum Figuris.

As idéias de Grotowski, através de seus textos, principalmente o Novo Testamento do

Teatro, foram difundidas na Europa por Eugenio Barba, entre 1963 e 1964, numa estratégia 37 “La representación es un acto de transgresión, permite derrubar nuestras barreras, trascender nuestros

límites, llenar nuestro vacío, realizarnos, entrar en el territorio del sacrum. El actor se provoca y se desafía a sí mismo e al espectador, violando las imágenes, los sentimientos y los juicios esteriotipados y comúnmente aceptados. Esta desacralización de los tabúes causa un shock, lacera la máscara impuesta por las circunstancias históricas, nos desnuda. La transgresión de Grotowski fue aplicada a los valores de la tradición que nos transmiten los textos clásicos, a las maneras de concebir y practicar el teatro, a la concepción de un arte utilitario o supinamiente ideológico.”

38 “Era un rechazo simbólico, la única arma del artista.”

39 “Tales actitudes revelaban una ceguera absoluta hacia el extremismo rebelde del pensamiento y la práctica teatral de Grotowski, como también hacia la lucha y estrategia para defender su propria verdad sin traicionar y sin dejarse aplastar.”

41

Page 42: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

elaborada para fazer parecer aos críticos e as hostis autoridades do regime que Grotowski era

reconhecido no exterior. Barba, como italiano com passaporte e acesso livre a outros países,

realizou suas viagens com o dinheiro da bolsa de estudos que recebia do governo italiano para

estudar na Polônia. Através destas viagens, Grotowski teve seus primeiros convites para

publicações e apresentações no exterior. Dentre as cidades visitadas por Barba estão Viena, na

Áustria; Roma, na Itália; Zurich, Basilea e Genebra na Suíça; Paris, na França, Estocolmo, na

Suécia, Copenhague, na Dinamarca e Oslo, na Noruega. Nestas cidades Barba visitou críticos,

artistas, poetas, escritores, editores de revistas e livros, diretores de teatros e instituições,

universidades, etc. Em Zurich, foi ao Instituto Jung, onde deixou diversos artigos com o

diretor da instituição, James Hillman. Além das visitas, Barba enviou cartas a todas as partes

do mundo através dos contatos conseguidos na viagem, dentre eles, Richard Schechner,

Fernando Arrabal e Mircea Eliade.

Esta jornada era, para Barba (2005, p. 73), uma missão: “O desejo de proteger a obra

de Grotowski, a quem queria bem infinitamente, e esse pequeno teatro que para mim era ao

mesmo tempo lar, aventura, paixão e religião, se converteu em um desafio permanente, uma

obsessão, uma necessidade”40.

Em abril de 1964, quando Barba retornava de mais uma viagem, na Noruega, foi

impedido de embarcar porque teve seu visto recusado com argumento de que era persona non

grata no país, tendo que deixar tudo que tinha na Polônia: roupas, livros, discos, notas de

trabalho e o trabalho com o Teatr-Laboratorium. Em outubro deste mesmo ano, Barba fundou

em Oslo, junto com jovens atores, o Odin Teatret, que dois anos mais tarde, organizou a

primeira viagem internacional do Teatr-Laboratorium, com o espetáculo O Príncipe

Constant.

Por conta do controle soviético, o espetáculo Estudo sobre Hamlet (1964) teve

problemas com a censura, tendo sido apresentado poucas vezes e depois retirado da lista

oficial de espetáculos do Teatr-Laboratorium, sendo considerado o espetáculo “judeu” do

grupo. Por conta da censura deste espetáculo, o teatro começou a receber ameaças de ser

fechado pelas autoridades de Opole, com a justificativa de que era irrelevante para a cidade,

pela falta de público.

40 “El deseo de proteger la obra de Grotowski, al que quería infinitamente, y ese pequeño teatro que para mí era el mismo tiempo hogar, aventura, pasión y religión, se convirtió en un desafío permanente, una obsesión, una necesidad.”

42

Page 43: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Como já vimos com Bacsko, a censura foi um dos métodos usados pelos soviéticos

para manipular a memória social da Polônia. Segundo Barba,

Naqueles anos havia na Polônia uma censura que controlava todo tipo de expressão: espetáculo, encontro público ou qualquer publicação, mesmo que fosse um cartão de visitas. Um teatro recebia autorização para o texto que queria apresentar, e logo, um pouco antes da estréia, havia um controle para verificar que o espetáculo não tinha aspectos pouco gratos para o regime. Os motivos de censura podiam variar em função das circunstâncias: tendências formalistas ou decadentes, virulência anti-religiosa (nos períodos em que o Partido queria manter boas relações com a Igreja católica), alusões anti-soviéticas, idealismo ou cosmopolitismo.41 (BARBA, 2000, p. 69).

Em março de 1964, o Ministério da Cultura polonês enviou uma comissão para avaliar

a atividade do Teatr-Laboratorium, e graças à defesa de membros da comissão,

principalmente do crítico teatral e redator Konstanty Puzina, o teatro permaneceu

funcionando. Puzina montou uma estratégia para defender o Teatr-Laboratorium: pediu que

diversas personalidades da área teatral falassem mal publicamente do trabalho de Grotowski,

pois sabia que, assim, seriam escolhidas para integrar a comissão de avaliação mandada pelo

governo. Após visitarem o teatro, porém, anunciaram que o trabalho tratava-se de um

fenômeno excepcional e que deveria receber todo o apoio possível. (BARBA, 2000, p. 154).

Apesar de todos os esforços o Teatr-Laboratium 13 Rezedów foi fechado pelas

autoridades de Opole, pressionados pelas autoridades centrais da Varsóvia, no final de 1964.

A transferência do Teatr-Laboratorium para a cidade universitária de Wroclaw, portanto, não

foi uma escolha feita pelo grupo, mas a saída encontrada para manter o trabalho. As

autoridades municipais de Wroclaw, com o intuito de salvar a companhia, providenciam o

transporte e a abertura do teatro em sua cidade. Opole, na época, tinha sessenta mil habitantes,

enquanto Wroclaw era uma cidade de meio milhão de habitantes. Grotowski, que denominava

seu teatro em Opole de ashram, teve medo de não conseguir manter a qualidade do trabalho

em Wroclaw, mas, enfim, conseguiu adaptar-se. Em Wroclaw, porém, as estratégias para lidar

com a censura continuaram, aliás, por todo o tempo em que Grotowski esteve na Polônia.

41 “En aquellos años había en Polonia una censura que controlaba todo tipo de expresión: espectáculo, encuentro público o cualquier publicación, aunque fuera una tarjeta de presentación. Un teatro recibía una autorización para el texto que quería presentar, y luego, un poco antes del estreno, había un control para verificar que el espectáculo no tuviera aspectos poco gratos para el régimen. Los motivos de censura podían variar en función de las circunstancias: tendencias formalistas o decadentes, virulencia antirreligiosa (en los períodos en que el Partido quería mantener buenas relaciones con la Iglesia católica), alusiones antisoviéticas, idealismo o cosmopolitanismo.”

43

Page 44: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Com a situação tensa na Europa, em 1969, após os movimentos estudantis, a invasão

da Tchecoeslováquia e a nova perseguição aos judeus e artistas na Polônia, Grotowski temia

ser preso, e que, no cárcere, e sob violência física, não conseguisse manter sua dignidade até o

fim. Por isso, pediu em carta a Eugenio Barba que lhe conseguisse veneno, para no caso de

ser preso, por fim a própria vida. (BARBA, 2000, p. 205).

Grotowski não foi preso na década de sessenta, nem na década seguinte, porém, em

janeiro de 1982, teve de abandonar a Polônia com o decreto da Lei Marcial no país, para

instalar-se em Holstebro, num pequeno quarto do Odin Teatret. Após um período na Itália, e

no Haiti, transferiu-se para os Estados Unidos, onde permaneceu como refugiado até 1985.

A situação em que se encontrava a Polônia, com o fechamento dos cinemas e teatros,

racionamento de comida, a proibição de reuniões em grupos numerosos e da saída da cidade

sem autorização, fez com que o Teatr-Laboratorium encerrasse suas atividades em Wroclaw.

Em 1984, o jornal local de Wroclaw Gazeta Robotnicza, publicou o comunicado enviado pelo

grupo:

Há algum tempo o nosso grupo praticamente desistiu de atuar como um grupo criativo. Tornou-se uma cooperativa de indivíduos que conduzem uma pesquisa independente de múltiplas atividades. Isto está na natureza das coisas. Como grupo Teatro Laboratório, acreditamos ter realizado nesses anos aquilo que devíamos realizar. Nós mesmos ficamos surpresos de ter continuado em grupo durante um quarto de século – transformando-nos constantemente, inspirando-nos uns aos outros, irradiando aos outros a nossa energia comum. A idade criativa de um grupo e a idade criativa de um indivíduo não são a mesma e idêntica coisa. Entre nós, alguns correrão o rico de uma vida artística totalmente independente, enquanto outros, talvez queiram continuar a trabalhar juntos no âmbito de alguma nova estrutura institucional. Cada um de nós sabe bem que as nossas origens se remetem a uma fonte comum, que se chama Jerzy Grotowski, e ao seu teatro. (...) Depois de ter caminhado juntos por vinte e cinco anos, nos sentimos próximos um do outro justamente como no início, independentemente do lugar no qual cada um de nós se encontra neste momento: todavia também nos transformamos. Daqui para frente, cada um deve aceitar, a seu modo, o desafio lançado pela própria criatividade e pelos tempos em que vivemos. O grupo do Teatro das Treze Filas, do Instituto de Pesquisa do ator, do Instituto do Ator, em outras palavras, o grupo do Teatro Laboratório, decidiu dissolver-se em 31 de agosto de 1984, depois de exatamente vinte e cinco anos.

44

Page 45: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

A nossa gratidão vai a todos aqueles que nestes anos nos ajudaram, acompanharam e nos concederam confiança, em Opole, em Wroclaw, na Polônia e no mundo.42 (in KUMIEGA, 1989, p. 161).

Nesta declaração assinada pelos membros fundadores do Teatr-Laboratorium,

Ludwick Flaszen, Rena Mirecka, Zygmunt Molik e Ryszard Cieslak, Grotowski transforma-

se na fonte comum que os liga. Mesmo, Flaszen, que era mais velho e mais experiente que ele

e o acompanhava em todas as decisões, o considera como figura central do grupo e remete-se

ao trabalho desenvolvido por eles, ao longo dos vinte e cinco anos, como sendo “o teatro de

Grotowski”. É interessante perceber como imediatamente, criou-se uma forte aura mítica em

torno da sua imagem. No momento de conclusão do Teatr-Laboratorium, as origens do grupo

não se remetem mais a tradição polonesa, mas a figura de Jerzy Grotowski.

42 “Da qualque tempo, il nostro gruppo ha praticamente smesso di agire come gruppo creativo. É diventato una cooperativa di individui che conducono una ricerca independente e molteplici attività. Questa è nella nature delle cose. Come gruppo Teatro laboratorio, crediamo di avere realizzato in questi anni che dovevano realizzare. Noi stessi siamo sorpresi di avere continuato in gruppo per un quarto di secolo – trasformandosi constantemente, inspirandoci a vivenda, irradiando verso gli altri la nostra energia comune. L’etá creativa di un gruppo e l’età di un individuo non sono la stessa identica cosa. Tra di noi, alcuni correranno il rischio di una vota artistica del tutto indipendente, mentre altro forse vorrano continuare a lavorare insiema, nell’ambito di qualque nuova strutura istituzionale. Ognuno di noi sa bene che le nostre origini risalgono a una fonte comune, che si chiama Jerzy Grotowski e al suo teatro. (...) Dopo aver camminato insieme per venticinque anni, ci sentiamo vicini l’uno all’altro proprio come all’inizio, independentemente da dove ciascuno di noi si trova in questo momento: siamo tuttavia anche cambiati. D’ora in poi, ognuno deve accettare, a suo modo, la sfida lanciata dalla propria creatività e dai tempi in cui viviamo. Il gruppo del Teatro delle tredici file, dell’Istituto di recerca dell’attore, dell’Istituto dell’atore, in altre parole il gruppo del Teatro laboratorio, ha determinato di sciogliersi il 31 agosto 1984, dopo esattamente venticinque anni. La nostra gratitudine va a tutti coloro che in questi anni ci hanno aiutato, accompagnato e concesso fiducia, a Opole, a Wroclaw, in Polonia e nel mondo.”

45

Page 46: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

2 MITOLOGIA, ASCESE E O TRABALHO TEATRAL, “ALÉM DO TEATRO”, EM

GROTOWSKI

A consciência, segundo Durand (1988), dispõe de duas maneiras de representar o

mundo: uma direta, na qual a própria coisa parece estar presente na mente e outra indireta,

quando o objeto não pode se apresentar à sensibilidade “em carne e osso”.

Na representação direta, utilizam-se os signos como meio de economizar as operações

mentais, e estes podem ser escolhidos arbitrariamente. Nos casos em que o signo perde sua

arbitrariedade teórica, ou seja, remete a uma abstração, têm-se as alegorias. As alegorias

remetem a uma realidade significada dificilmente apresentável, “são obrigados a figurar

concretamente uma parte da realidade que significam” (DURAND, 1988, p. 13).

Nos casos da representação indireta, o objeto ausente é re(a)presentado à consciência

por uma imagem. Portanto, a imaginação simbólica se dá “quando o significado não é

absolutamente apresentável e o signo só pode referir-se a um sentido” (DURAND, 1988, p.

14). A função simbólica, para Durand, é a de simbolizar o sentido. O símbolo comparece,

segundo ele, como o único meio através do qual o sentido pode manifestar-se e realizar-se: “o

símbolo é, portanto, uma representação que faz aparecer um sentido secreto; ele é a epifania

de um mistério”.(DURAND, 1988, p. 15).

Os símbolos não pertencem a um indivíduo, e sim à humanidade. Eles surgem das

estruturas do imaginário, provenientes do trajeto antropológico, entendido, segundo a visão

duraniana, como “um constante intercâmbio no nível do imaginário entre as pulsões

subjetivas e as intimações objetivas oriundas do ambiente social” (VARGAS, 1996, p. 01).

Ou seja, os esquemas do imaginário simbólico não resultam de um processo puramente

subjetivo, mas da negociação entre a subjetividade e as exigências culturais.

A área predileta do simbolismo é o não-sensível em todas as suas formas. Ele está

presente nos conteúdos fundacionais da metafísica, da religião, da magia e das artes.

Segundo autores alinhados com a hermenêutica simbólica, como Jung, Joseph

Campbell, Mircea Eliade e Durand, toda obra de arte é um símbolo, no qual simbolizante e

simbolizado são indissociáveis. Sob este enfoque, o símbolo e, portanto, a imagem simbólica

46

Page 47: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

não tem função de representação de alguma coisa, como ocorre com o signo, mas é a própria

“coisa” que se faz presente.

Conforme Durand (1988), não é possível apreender totalmente o significado do

símbolo, pois o conteúdo simbólico tem caráter transcendente, por isso, traz consigo, numa

única figura, as características mais contraditórias. A imagem simbólica, portanto, é

indissociável, não é possível separar, como ocorre com o signo, significado e significante, ou

melhor, simbolizado e simbolizante.

O símbolo possui um significante carregado de concretude, e um significado

misterioso, indizível, transcendente, que comporta contradições e antinomias, e é inesgotável

na sua interpretação. Por isso, o símbolo traz consigo um paradoxo: a inadequação. Esta

inadequação se dá, segundo Durand, porque “não podendo figurar a infigurável

transcendência, a imagem simbólica é a transfiguração de uma representação concreta através

de um sentido para sempre abstrato” (DURAND, 1988, p. 15). O significante, ou seja, a

imagem, será sempre inadequada, porque insuficiente para carregar, transmitir e representar o

conteúdo simbólico transcendente.

Para Durand, o mito é o veículo através do qual o símbolo se manifesta, e é através

dele que supera sua inadequação. O mito tem na “redundância aperfeiçoadora”, através da

repetição de relações lógicas e lingüísticas, entre imagens ou idéias expressadas verbalmente,

sua forma de significação e função.

A produção de imagens, por seu caráter transcendente e numinoso, desde os

primórdios da história da humanidade, esteve associada à revelação do sagrado. A figura do

artista, como produtor de imagens, assim, foi sendo associada, ao longo da história, tanto nas

culturas ocidentais como nas orientais, à mitologia heróica cujo papel esteve associado ao da

revelação do oculto e do sagrado.

A partir de estudos dos fenômenos artísticos com enfoques psicológicos, sociológicos,

filosóficos e antropológicos, as pesquisas acerca do imaginário simbólico no século XX,

como as realizadas pelo Círculo de Eranos, proporcionaram a ampliação do entendimento dos

conteúdos míticos nas artes.

Um exemplo de estudo com enfoque sociológico de aproximação entre artista e mito

está na obra, já citada anteriormente, Mitos de Artista – Estudo psico-histórico da

criatividade (1986), na qual Eckhard Neumann descreve a implicação na construção das

identidades artísticas ocidentais, dos fenômenos de identificação dos artistas de certos

47

Page 48: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

períodos e contextos históricos-sociais, com os modelos heróicos culturais-míticos, na história

da arte no ocidente. Estas identificações são decorrentes do contexto sócio-histórico e pessoal

do artista; e se estabelecem a partir da relação dialética entre artista e sociedade. Ou seja, os

modelos heróicos de conduta geram comportamentos que são reforçados pela visão que a

sociedade tem do artista, que por sua vez trata sempre de questionar os padrões e modelos

sociais pré-estabelecidos. Conforme Antônio Vargas (1997, p. 61), “o conceito de artista que

o próprio artista possui está carregado de um sentido simbólico”.

Os diferentes modelos heróicos assumidos pelos artistas ao longo da história, têm

funções sociais, nem sempre explícitas, e estão implicados com heranças antigas, como a

tradição judaico-cristã e a mitologia grega. O artista como mártir, salvador; o artista como

gênio; o artista como louco, são exemplos dos modelos de identificação presentes nas

biografias dos artistas do Maneirismo, do Classicismo, do Sturm und Drang do Romantismo

alemão, etc. Os modelos de identificação estão ligados com algumas características, como a

dor, o sofrimento e o sacrifício.

Outro estudo, também de enfoque sociológico, desenvolvido pelos pesquisadores

Ernest Kris e Otto Kurz, acerca dos conteúdos míticos nas artes, busca compreender como o

artista foi julgado por seus contemporâneos e como o artista é visto na posteridade, ou seja,

como é relatada sua biografia. Segundo eles, a partir da baixa Idade Média, nos séculos XIV e

XV, ocorreu uma transformação na visão que a sociedade tinha do artista: percebe-se a

importância social dada ao artista criador da obra de arte, e não ao homem que vive sua

existência, ou seja, a personalidade estética e não empírica. Nos relatos da vida dos artistas, a

partir de então, aparecem temas típicos como a infância e a destreza do artista. Estes temas

típicos são chamados de anedotas, que estão diretamente ligadas à mitologia heróica:

(...) a anedota está intimamente ligada ao passado lendário em que se originou a imagem do artista. Os historiadores reconhecem que a anedota em seu sentido mais amplo se nutre do mito e a saga, dos quais transportam uma grande riqueza de material imaginativo à história registrada. De modo que, mesmo em artistas modernos, poderemos encontrar em sua biografia, temas heróicos, provenientes da história ancestral.43 (KRIS & KURZ, 1982, p. 28).

43 “(...) la anécdota está íntimamente ligada al pasado legendario en el que se originó la imagen del artista. Los historiadores han llegado a reconocer que la anécdota en su sentido más amplio se nutre del mito y la saga, de los que transporta una gran riqueza de material imaginativo hasta la historia registrada.”

48

Page 49: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Sob este enfoque, portanto, o pesquisador tem como objetivo extrair a anedota dos

relatos biográficos do artista, ou seja, revelar a imagem simbólica associada ao artista que o

historiador tinha em mente ao escrever a sua biografia.

Por sua vez, para Jung, os modelos heróicos míticos são “expressões simbólicas do

drama interno e inconsciente da alma” (JUNG, 2003, p. 18).

Com base nestes estudos que buscam o espaço e a importância do entendimento do

imaginário simbólico na análise das obras de arte, nos relatos da vida empírica e estética dos

artistas, bem como das influências míticas e simbólicas na construção de suas identidades

artísticas, neste capítulo serão analisadas algumas características presentes no percurso teatral

e “além do teatro” de Grotowski.

Através das indicações propostas por De Marinis, associadas aos estudos do

imaginário nas artes, busca-se compreender mais profundamente, como a tradição mítica e

arquetípica, não somente polonesa, mas coletiva (comum à humanidade), influenciou nas

escolhas e decisões de Grotowski (conforme foi realizado no segundo capítulo desta

dissertação no que diz respeito a sua relação com tradição histórica e cultural polonesa),

demonstrando como alguns elementos simbólicos e temas míticos são recorrentes nas suas

obras e na sua metodologia de trabalho, como o sacrifício, a mortificação do corpo, a

santidade, a comunhão, a ascese, o ritual, a exaltação e profanação do mito, o si-mesmo.

De Marinis afirma em seus livros e reforça nas suas conferências que, apesar do

percurso de Grotowski ser dividido em fases ou períodos, pode-se perceber o uso de distintos

instrumentos em seu trabalho para se chegar a um objetivo que possui um fio condutor único.

A distinção mais difundida em torno do trabalho de Grotowski “é a que se dá entre o (grande)

criador de espetáculos e o (grande) investigador teatral, além do espetáculo”:

É evidente que seu percurso teatral é extremamente dividido, acidentado, aventureiro, muito forte, quase dramático. Isto é evidente. Mas é importante insistir no caso de Grotowski sobre a coerência profunda de sua pesquisa e o caráter profundamente unitário de sua pesquisa teatral e pós-teatral, do início ao fim. Porque, no seu caso, o problema do ponto de vista crítico e historiográfico, se trata dos equívocos produzidos por seu clamoroso abandono do espetáculo, que acontece em 1969. Isto separa de maneira quase dicotômica, o Grotowski do espetáculo, do Grotowski que não fazia mais espetáculo. Como se tratasse de duas pessoas diferentes.44 (Informação verbal).

44 Informação obtida na palestra proferida pelo Professor Marco De Marinis na Universidade de Santa Catarina- UDESC em agosto de 2005.

49

Page 50: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Para De Marinis, mais do que insistir nas etapas do trabalho de Grotowski, é

importante identificar o fio condutor que liga seu trabalho do início ao fim. A diferença entre

a etapa teatral e a pós-teatral não está nas perguntas e objetivos que o levaram para o teatro,

que se mantêm os mesmos durante sua trajetória de trabalho, mas sim nos meios de se chegar

a estes objetivos.

Até 1968/69, Grotowski acreditou haver encontrado no espetáculo e no trabalho do ator os instrumentos mais eficazes para perseguir estes objetivos; depois buscou outros, convencido que o espetáculo, a representação, podiam inclusive tornar-se um obstáculo, mas do que uma ajuda. E assim, abandonou o espetáculo, mas não o teatro, e muitos anos depois realizará, com a “arte como veículo”, não certamente um retorno ao espetáculo, senão, de alguma maneira – graças a Action – uma reconversão no campo das performing arts.45 (DE MARINIS, 2005, p. 235).

Também para Osinski, o trabalho que Grotowski realizou na última etapa da sua vida,

era coerente com tudo que já havia realizado anteriormente. Em 1989, ele afirmou: “O que

Grotowski faz atualmente constitui uma sucessão lógica, plenamente justificada de todas as

fases anteriores de seu caminho criativo (...)”46. (OSINSKI, 1993, p. 96).

Nas entrevistas concedidas por Grotowski, em diferentes momentos da sua trajetória,

ele repete que o teatro foi parte de uma busca pessoal, cujo interesse principal era o ser

humano, “um ofício possível de buscar o outro e a mim mesmo”. Dentro da trajetória desta

busca, que marcou seu trabalho do início ao fim, desde o período em que produziu os

espetáculos até a pesquisa de Action, nos EUA e em Pontedera, De Marinis, aponta pelo

menos três elementos que permitem identificar um fio condutor que liga o trabalho de

Grotowski: o trabalho sobre si mesmo, o ritual e o “ato total” ou “yoga do ator”.

Além das três características citadas acima, que permitem identificar uma coerência na

trajetória teatral e pós-teatral de Grotowski, segundo De Marinis, é interessante perceber que

algumas polaridades marcaram seu trabalho. A pesquisa de Grotowski, segundo o autor,

sempre oscilou, como um pêndulo, em pólos distintos, porém indissociáveis, nas diferentes

45 “Hasta 1968/69, Grotowski creyó haber encontrado en el espectáculo y en el trabajo del actor los instrumentos más eficaces para perseguir esos objetivos; de inmediato buscó otros, convencido de que la puesta en escena, la representación, podía inclusive volverse un obstáculo más que una ayuda. Y así abandonó el espetáculo, pero no el teatro, y muchos años después realizará, com “el arte como vehículo”, no ciertamente un retorno a la puesta en escena, sino, de alguna manera – gracias a Action – una reconversión en el campo de las performing arts.”

46 “Lo que Grotowski hace actualmente constituye una sucesión lógica, plenamente justificada de todas las fases anteriores de su camino creativo (...).”

50

Page 51: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

fases do seu trabalho. Segundo ele, as mais importantes são: solidão e coletividade, cultura e

natureza, participação e testemunho.

Conforme Barba, o desejo de recuperar o caráter ritual do teatro, como “cerimônia,

vital para a vida espiritual de uma comunidade, e que, portanto, a compromete

completamente”47 (2000, p. 102), esteve na base da pesquisa teatral de Grotowski.

Para Kumiega (1989), este desejo de resgatar o aspecto ritual do teatro, bem como o

trabalho sobre si mesmo e, posteriormente, o “ato total”, estava ligado à restituição da

integridade do ser humano, que, conforme as explicações de Luis Garagalza e Patxi Lanceros,

“adquiriu” uma fratura entre corpo e mente no processo ocidental de civilização, como

veremos adiante.

2.1 O SER E A TRADIÇÃO

Mesmo que Grotowski tenha declarado que não é diretamente através da arte que se

pode realizar uma transformação no mundo, para Kumiega, suas ações, em cada fase de seu

percurso, demonstram que ele se manteve convicto de que o teatro pode ser um meio de

mudar as pessoas, “contribuindo, deste modo, à evolução global do ser humano”48 (1989, p.

99). Pois, na realidade, o que ele rejeitava, era o caráter didático do teatro baseado na temática

do espetáculo. O teatro deveria ser uma experiência de conscientização e transgressão de si

mesmo para um público “especial”, que realmente estivesse disposto a se transformar. Para

Kumiega (1989), do discurso e trabalho de Grotowski, emergem com clareza os “modos de

chegar ao progresso da humanidade e ao melhoramento da vida individual”49:

É necessário recompor a fratura entre corpo e mente (a esquizofrenia da sociedade ocidental); erradicar os obstáculos psicofísicos do indivíduo, para permitir-lhe alcançar impulsos mais profundos, acercar-se ao próximo, graças às reações espontâneas e, então, identificarem juntos as fontes de energia, luz e amor, de modo a tornar mais rica a experiência cotidiana.50 (KUMIEGA, 1989, p. 99).

47 “cerimonia, vital para la vida espiritual de una comunidad, y que por lo tanto la comprometía completamente.”

48 “contribuendo in qualque modo al progresso e all’evoluzione globale della razza umana.”

49 “i modi per giungere a un progresso dell’umanità e a un migloriamento dell’esperienza di vita individuale.”

50 “È necessario ricomporre la fratura tra mente e corpo (la schizofrenia della società ocidentale): sradicare gli ostacoli psicofisiologici dell’individuo, per permettergli di reggiungere impulsi più profondi, avvicinarsi al prossimo, grazie alle reazione spontanee e, quindi, individuare insieme le fonti di energia, luce e amore, così

51

Page 52: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Para Grotowski, a dicotomia entre e o corpo e a mente, na civilização ocidental,

resulta em bloqueios e atrofias psicofísicas. Esta dicotomia, conforme Luis Garagalza, está na

base da civilização ocidental. Para este autor, o nascimento da filosofia ocidental,

historicamente situado na Grécia, marcou um período crucial na história da cultura no qual

instituiu-se a crença de que o logos deveria substituir o mythos. Ele aponta o nascimento da

filosofia como uma reação contra a tradição e como instaurador do dualismo entre ser e

pensar (corpo e mente, espírito e matéria). A tradição é entendida por Garagalza como o

pensamento antigo que está baseado no conhecimento simbólico e na “não-distinção entre o

homem e o cosmos”51 (GARAGALZA, 1990, p. 32). O maior esforço da filosofia, segundo

ele, é a substituição dos símbolos por signos, e o estabelecimento de uma separação entre o

“eu penso” e as “coisas pensadas”.

Para o teórico Patxi Lanceros, o processo ocidental de civilização provocou

progressivamente a separação entre o homem, o mistério e o mundo, elementos estes que

constituem “os três rostos solidários de uma mesma figura: o Deus, o Homem, a Natureza” 52

(LANCEROS, 1994, p. 415), trindade original que evoca permanentemente a totalidade

dividida, a “ferida trágica”, o sentido fragmentado. Segundo ele, o arquétipo da ruptura está

na base do imaginário coletivo da humanidade e, ao ser continuamente atualizado no

imaginário simbólico, se converte em uma perpétua busca de sentido. Todo mito e símbolo,

ao evocarem sentido, teriam, para ele, função de vínculo com a totalidade original e “sutura”

desta ruptura.

O mito, que tem papel fundamental na vida da sociedade grega, segundo o sociólogo

do teatro Jean Duvignaud (1972, p. 16), sofre uma transformação em sua função. Enquanto

nas sociedades arcaicas, os mitos ditam o comportamento social como forma indispensável de

sobrevivência das mesmas, já que nesses mitos não há possibilidade de “vencer as forças

cósmicas”, nas sociedades históricas “a consciência implícita de todos é dominada pela

capacidade de mudar as estruturas” e “os sinais e os símbolos correspondem, em virtude

dessas mudanças, a mitos ativos”, ou prometeicos.

da rendere più ricca l’esperienza quotidiana.”

51 “no-distinción entre el hombre y el cosmos”.

52 “los tres rostros solidarios de una misma figura: El Dios, el Hombre, la Naturaleza”.

52

Page 53: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Duvignaud aponta a similaridade, no que diz respeito à função social, entre as

festividades míticas das sociedades históricas e as celebrações tradicionais das sociedades

arcaicas: elas adquirem a função de resgate dos vínculos, de “recuperação da coerência do

grupo” ao evocar o “mito da gênese do mundo”, como unificador de membros separados de

um grupo. Porém, o autor aponta este retorno a illo tempore como uma negação do caráter

prometeico de tais sociedades históricas. Cabe, no entanto, ter presente que as festividades

míticas, trazem consigo o mesmo paradoxo inerente ao símbolo e mito: a inadequação. E,

segundo Gilbert Durand, é através da repetição, que o mito e o símbolo ultrapassam esta

inadequação. O sentido mítico, ao contrário de uma tautologia, se aperfeiçoa através da

repetição. Sob este entendimento, o retorno, portanto, não seria um retrocesso, uma negação

do caráter prometéico, e sim um processo de reelaboração de sentidos.

Conforme Kumiega (1989), a evolução do trabalho de Grotowski o levou a uma

contínua pesquisa da possibilidade de estender ao espectador o processo vivificador pelo qual

passaria o ator ao ultrapassar a ruptura entre mente e corpo, sentimento e pensamento,

consciente e inconsciente, reflexão e instinto, cérebro e sexo, recuperando sua “originária

integridade”. Grotowski acreditava que isto era possível através da recuperação do caráter

ritual do teatro. Para isso era necessária a identificação do “elementar” na cultura européia e

ocidental, de modo a formar uma rede numinosa com imagens e mitos potentes e universais.

Para Grotowski, a única forma de lidar com estas imagens e conteúdos míticos na

contemporaneidade, seria confrontá-los, ou seja, realizar “um teste de valores tradicionais”.

Nas palavras de Grotowski (1987, p. 19):

No meu trabalho como diretor, tenho sido tentado, por essa razão, a usar as situações arcaicas consagradas pela tradição, situações (no domínio da religião e da tradição) que constituem tabus. Sentia a necessidade de confrontar-me com esses valores. Eles me fascinavam, dando-me uma sensação de repouso interior, ao mesmo tempo em que eu cedia à tentação de blasfemar: eu queria atacá-los, vencê-los, ou apenas enfrentá-los, com a minha própria experiência, que é determinada pela experiência coletiva do nosso tempo.

Conforme Lanceros, o teste de valores tradicionais está na base do surgimento do

teatro na sociedade grega. Para ele, não só a filosofia, mas, também a tragédia é resultado do

conflito entre mythos e logos. São “duas novas formas de exercer o ministério da palavra,

duas novas formas de articular afeto e pensamento, de estabelecer relações de sentido entre o

53

Page 54: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

homem, a natureza e os deuses”53 (LANCEROS), que surgem concomitantemente na Grécia

Clássica. Segundo o autor, a tragédia é a expressão na sociedade grega da ferida trágica, do

trauma provocado pela consciência da sua condição de exilada da natureza e dos deuses.

Ao descobrir a palavra como “instrumento de ação” e transformação “mais eficaz que a

força”, a sociedade grega – considerada por Duvignaud como primeira sociedade histórica –

diminui a distância entre os deuses e os homens. A história é definida pelo autor como a

“descoberta da capacidade de intervenção de indivíduos e grupos nas estruturas consideradas

até então como intangíveis e imóveis porque apareciam como positivas”54 (DUVIGNAUD,

1970, p. 23).

É, pois, no momento que a sociedade grega “entra na história”, deixando de ser uma

sociedade arcaica, e tornando-se uma sociedade histórica, de “caráter prometeico”, que surge

o teatro. O teatro só passa a existir quando a sociedade grega adquire consciência histórica e

sente a necessidade de “acertar as contas” com o passado, com os mitos tradicionais, de

reelaborar sentidos até então reitores da vida social.

Conforme Duvignaud, a distinção entre a vida social e o teatro não está na oposição

entre a existência imaginária e a existência real, mas “no fato de que no teatro a ação se dá a

ver, restituída em forma de espetáculo”55 (DUVIGNAUD, 1970, p. 25). Os principais

elementos que definem as fronteiras entre a vida social e o teatro, segundo o autor, é a

polarização do espaço e a extrema individualização do personagem representado.

A delimitação de espaços está presente em praticamente todos os acontecimentos

sociais, porém, nas práticas religiosas, nos rituais e no teatro, ocorre também a polarização do

espaço. Nas práticas religiosas os pólos estão preenchidos, de um lado pelos sacerdotes, e do

outro pelos fiéis e participantes. Estes pólos são indissociáveis, uma vez que o evento nasce

do encontro entre eles. No teatro, estes pólos se fazem com a cena e o público, ou o ator e o

público. Por mais que estas fronteiras tenham sido borradas no século XX, os pólos nunca

deixaram de existir, mesmo nas experiências mais radicais nas quais houve a de aproximação

ou a inserção do público na cena. Grotowski, nas experiências em que inseriu o espectador na

53 “Dos nuevas formas de ejercer el ministerio de la palabra, dos nuevas formas de articular afecto y pensamiento, de establecer relaciones de sentido entre el hombre, la naturaleza y los dioses.”

54 “descubrimiento de las capacidades de intervención de individuos y grupos en las estructuras consideradas hasta entonces como intangibles e inmóviles porque aparecían como positivas”.

55 “en el hecho de que en el teatro la acción “se da a ver”, restituida en forma de espectáculo”.

54

Page 55: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

cena, atribuindo a ele não só um espaço físico, mas também uma função dramática, afirmava

que o ator deveria ser um sacerdote que conduziria os participantes a um processo de

transmutação coletiva.

O outro elemento que define a fronteira entre a vida social e o teatro é a extrema

individualização do personagem representado, segundo Duvignaud:

Aqueles que desejam reduzir o teatro a qualquer manifestação folclórica ou a simples reflexo da vida social, não podem, porém, ignorar a existência de um personagem individual, de um herói, atormentado ou ridicularizado por haver infringido as leis comuns. 56 (DUVIGNAUD, 1970, p. 34).

A extrema individualização do personagem representado, na Grécia fez nascer o herói

trágico. O herói trágico surge para recuperar o poder do homem grego desgarrado de sua

tradição após a comoção social gerada pela vitória na guerra contra os persas, no século

V a.C.. Seu novo modo de vida já não se integrava ao conjunto dos costumes antigos. A

tragédia, para Duvignaud (1970), surgiu, para recuperar o homem desta situação desgarrada,

“para liberar o homem grego do prestígio dos deuses arcaicos” e restitui-lo à terra. Assim, o

homem passa a não estar mais sob o jugo dos deuses, mas de si próprio, de seu destino.

Segundo Frederich Hegel, o destino é a consciência de si mesmo apresentada como inimiga.

A luta contra seu próprio destino é a tarefa do herói trágico; e esta luta “se dá a ver” a toda

sociedade:

Sempre, toda tragédia será, mais ou menos um tribunal: nela o homem se enfrenta com aquilo que o devora, ante um juri integrado por homens que pressentem obscuramente soluções obscuras. Mas quem diz tribunal, diz um indivíduo só contra todos, um indivíduo atormentado publicamente (…).57 (DUVIGNAUD, 1970, p. 44).

O herói, para Duvignaud (1970), é aquele que se rebela contra a ordem social, que se

afasta da sociedade “com o objetivo de afirmar seu ser”. O herói carrega consigo um

paradoxo: para afirmar-se como ser e preservar seus valores e tradições, ele deve antes

questioná-los e até negá-los. O herói questiona para afirmar e afirma para questionar. Ao

questionar, ele confirma, seguindo a tradição heróica, sua função de instaurador das 56 “Aquellos que desean reducir el teatro a cualquier manifestación folklórica o a un simple reflejo de la vida

social, no pueden, sin embargo, ignorar la existencia de un personaje individual, de un héroe, atormentado o ridicularizado por haber infringido las leyes comunes.”

57 “Siempre, toda tragedia será, más o menos, un tribunal: en ella el hombre se enfrenta a aquello que lo devora, ante un jurado integrado por hombres que presienten oscuramente soluciones oscuras. Pero, quien dice tribunal dice un individuo solo contra todos, un individuo atormentado públicamente (...).”

55

Page 56: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

importantes transformações sociais; em contrapartida, a afirmação de seu ser só se dá a partir

do questionamento dos valores da sua cultura.

Segundo Joseph Campbell (1997), as transformações e os “nascimentos” são vitais nas

sociedades: “dentro do espírito e do organismo social” deve haver um ciclo contínuo de

nascimentos, como forma de manutenção desta sociedade, destinados a “anular as ocorrências

ininterruptas da morte”. Jung (2003) afirma que, se por um lado, essas transformações

garantem a liberdade humana, por outro, elas são um atentado contra os instintos. Esta relação

provoca o que ele chama de “culpa prometéica”.

O teatro e a arte, porém, cumprem importante papel na relação do homem com estes

fenômenos de transformação. Para Alicia Piquer Desvaux, “a palavra poética, a arte não

redimem o homem de nada, mas o dignificam mediante o triunfo da identidade e o

conhecimento da beleza” (DESVAUX, 1989, p. 128).

Durand (1988) afirma que a função simbólica estabelece a fraternidade das culturas e

das artes num “antidestino”. Para ele, a liberdade poética se instaura entre as verdades

objetivas desmistificadoras e o “insaciável querer ser, constitutivo do homem”, entre a

fugacidade das imagens e a perenidade do sentido do símbolo; em que se dá a mediação

permanente entre “a Esperança dos homens” e sua condição temporal.

O teatro não se relaciona só com o passado e com o presente: “todo teatro é uma

utopia”, pois experimenta o futuro imediato, através de ações ainda não realizadas, decisões

não tomadas e respostas a perguntas que ainda não foram feitas pela sociedade. “O teatro

continua e prolonga a vida social por outros meios…”, porém, não é reflexo da sociedade e da

cultura. Mas “é uma rebelião contra a ordem estabelecida” 58 (DUVIGNAUD, 1966, p. 471).

O teatro, pois, carrega o paradoxo heróico ao realizar a reatualização do mito. Como

diz Peter Brook, no teatro, o “homem concreto e o homem mítico podem ser captados

conjuntamente, no mesmo instante de tempo” (BROOK, 1999, p. 40). Este “instante de

tempo” parece ser exatamente o que buscava Grotowski em seu trabalho. O teatro, segundo

Duvignaud, resiste na história por sua capacidade de reatualização, de reelaboração de

sentidos, por estar sempre inacabado. Esta é, para o autor, a principal função do teatro: sua

capacidade de relacionar-se num processo dialético de “revolução permanente” com a

sociedade.

58 “es una rebelión contra el ordem estabelecida”.

56

Page 57: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

2.2 MITO E REALIDADE: A DIALÉTICA DA EXALTAÇÃO E DA PROFANAÇÃO

Com o objetivo de “testar” os mitos e os valores da sociedade polonesa

(principalmente nos seus primeiros espetáculos), Grotowski manifestou o paradoxo heróico

através da dialética da apoteose e do escárnio, ou da adoração e da profanação, buscando

uma experiência verdadeiramente viva e coletiva para atores e espectadores. Como descreve

Jean-Jacques Roubine,

Essa experiência coletiva tem, portanto em primeiro lugar, uma dimensão diacrônica: ela provém de uma memória cultural. Mas ao mesmo tempo ela deve assumir uma dimensão sincrônica, para não correr o risco de significar um retorno ao tradicional teatro de celebração cultural. Ela deve pertencer à memória pessoal do ator e do espectador. Daí o movimento em mão dupla que anima a busca do ator grotowskiano e institui uma verdadeira dialética da adoração e da profanação (os termos são de Grotowski): os mitos em que está enraizada a memória coletiva são retomados, reativados – esta é a adoração; ao mesmo tempo, são confrontados com uma realidade existencial contemporânea que pode contestá-los, pulverizá-los – eis a profanação. (ROUBINE, 1998, p. 72).

A dialética da adoração e da profanação, na prática, influenciou diretamente a forma

com que Grotowski interferiu nos textos dramáticos nos processos de criação de seus

espetáculos: “Ele é triturado, remodelado ao sabor das exigências da introspecção e do auto

desnudamento empreendidos pelo ator; ou seja, a partir de uma relação que é estabelecida

entre o mito (experiência coletiva) e a “vivência pessoal”.” (ROUBINE, 1998, p. 72).

Akropolis (1962), baseado no texto de Wyspianski, é um exemplo contundente do

confronto entre valores tradicionais e uma experiência contemporânea e/ou vivência pessoal.

Originalmente situada na catedral da Cracóvia, a Akropolis de Grotowski situa-se num campo

de concentração:

Para Grotowski, a idade contemporânea começa na segunda metade do século XX. Daí sua experiência ser muito mais cruel que a de Wyspianski, e os valores do velho século da cultura européia são submetidos a um severo teste. Seu ponto de fusão não é mais o tranqüilo local da velha catedral, onde o poeta sonhou e meditou na solidão sobre a história do mundo. Eles se chocam no clamor de um mundo extremado, em meio a uma confusão poliglota na qual foram projetados pelo nosso século: num campo de extermínio. Seus personagens reordenam os grandes momentos da nossa história cultural: mas revivem não as figuras imortalizadas nos monumentos do passado, porém as fumaças e emanações de Auschwiftz. (FLASZEN in GROTOWSKI, 1987, p. 53).

57

Page 58: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

A apenas dezessete anos do fim da Segunda Guerra Mundial, e a cem quilômetros de

Auschwitz, Grotowski retomou uma experiência viva na memória dos atores e dos

espectadores. Segundo Roubine, “com isso, entram em choque as duas concretizações

antagônicas do pensamento e da civilização do Ocidente” (1998, p. 27). Através da exaltação

dos mitos contidos na obra, recuperam-se valores humanos cristãos como o amor, a caridade,

a abnegação, que são simultaneamente, afirmados e questionados, ao confrontá-los com uma

das experiências mais desumanas da história da humanidade: os campos de extermínio do

nazismo alemão.

Em Akropolis, segundo descreve Flaszen, os personagens mudam de sexo e se

transformam em objetos. Helena, da mitologia grega, amor de Paris, no espetáculo de

Grotowski, é um homem. Jacó dirige seu amor para sua noiva, uma chaminé enrolada em um

pedaço de véu. O Salvador, Cristo, “é um cadáver sem cabeça, azulado, completamente

despedaçado, horrível reminiscência do campo de extermínio” (FLASZEN in GROTOWSKI,

1987, p. 58).

Em 1961, o crítico Tadeusz Kudlinski, ao analisar o espetáculo Os Antepassados

(1961), usou pela primeira vez a expressão “dialética da apoteose e do escárnio” para

denominar a forma com que Grotowski trabalhava com os textos. Segundo Barba (2000, p.

21), “Grotowski retomou imediatamente esta expressão por considerá-la a melhor formulação

do seu modo de trabalhar com os textos clássicos”59.

No texto Os Antepassados, o autor Mickiewisz usou um rito popular polonês como

base da estrutura dramática. O título do texto faz referência a uma antiga tradição popular da

Polônia de invocação dos mortos. Grotowski se declarava fascinado pelo aspecto ritual deste

drama: “É uma reunião vinculada a um rito: não tem nada de representado, de exibido, ao

invés disso, se participa de uma cerimônia que libera o inconsciente coletivo”60.

(GROTOWSKI apud KUMIEGA, 1989, p. 35).

Na sua versão de Os Antepassados, Grotowski (apud KUMIEGA, 1989, p. 36)

pretendeu evidenciar a relação entre o jogo e o ritual: “os atores iniciam o ritual mágico como

59 “Grotowski retomó inmediatamente esta expresión por considerarla la mejor formulación de su manera de acercarse a los textos clásicos.”

60 “È una reunione vincolata ad un rito: non c'è niente di rappresentato, di esibito; si partecipa invece ad una cerimonia che libera l'inconscio colettivo.”

58

Page 59: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

se fosse uma espécie de passatempo”61. Os personagens, ao invés de estarem vestidos com as

roupas típicas da época romântica, usavam colchas, cobertores bordados e cortinas, como

crianças nas brincadeiras de faz de conta. Segundo ele, tratava-se simplesmente de um

componente da “dialética especificamente teatral” que foi trabalhado no espetáculo: “o jogo e

a cerimônia, a tragédia e o grotesco, o donquixotismo e a santidade”62. Assim, segundo ele,

realizava-se um ritual laico, com o objetivo de liberar o imaginário simbólico e mítico dos

espectadores.

A fim de criar a comunhão entre atores e espectadores, Grotowski percebeu a

importância da criação de um espaço para que esta relação ocorresse. Por isso, cada

espetáculo tinha uma distribuição espacial única, de acordo com os objetivos da relação que

se queria criar. Não só a inserção espacial do espectador na cena era importante, mas também

a sua inserção enquanto função dramática. Para Innes:

Semelhante comunhão requer a participação imaginativa que só pode obter-se designando aos espectadores uma função temática na representação, não só o tipo de implicação externa que se produz ao rodeá-los fisicamente com a ação. Por isso, um dos fatores constantes da experimentação de Grotowski é uma tentativa de impor ao público uma orientação psicológica que consiga integrá-lo de forma particular com cada obra. 63 (INNES, 2000, p. 175).

Também para Fabrizio Cruciani, esta forma de lidar com o espaço cênico,

considerando-o como modalidade dramatúrgica, funciona como orientação para atores e

espectadores: “o espaço também expressa, não é só o lugar, é um discurso, uma situação da

qual se faz experiência”64 (CRUCIANI, 1994, p. 233). Conforme Kumiega (1989), ao

considerar os espectadores como “atores/participantes”, em Os Antepassados, Grotowski pela

primeira vez realizou uma total integração espacial entre atores e público.

61 “gli attori iniziano il rituale magico come se si trattasse di una specie di passatempo.”

62 “Il gioco e la cerimonia, la tragedia e il grottesco, il donchisciottismo e la santità.”

63 “Semejante comunión requiere la participación imaginativa que sólo puede obternerse asignando a los espectadores una función temática en la representación, no sólo el tipo de implicación externa que se produce al rodearlos físicamente con la ación, Por ello, uno de los factores constantes de la experimentación de Grotowski es un intento de imponer al público una orientación sicológica que logre integrarlo en forma particular con cada obra.”

64 “El espacio, también expresa, no es sólo el lugar, es un discurso, una situación de la cual se hace experiencia.”

59

Page 60: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

No espetáculo anterior, Shakuntala (1960), Grotowski iniciou sua parceria com o

arquiteto Jerzy Gurawski, que continuou até em 1965, em O Príncipe Constante. Esta

parceria firmou a pesquisa do espaço como elemento dramatúrgico nos espetáculos no Teatr-

Laboratorium: “ambos buscam um espaço que nasça do drama e seja então específico para

este, e onde também os espectadores sejam colocados em cena no espaço dos atores, ou

melhor, seja colocada em cena sua relação, para obter uma composição dramatúrgica

unitária”65 (CRUCIANI, 1994, p. 232).

Em Kordian (1962), Grotowski e Gurawski exploraram “o potencial antagonismo da

participação forçada”66 (INNES, 2000, p. 176). No texto de Slowaki, o personagem principal,

Kordian, é um nobre que quer libertar a sua pátria assassinando o czar, porém, seu atentado

fracassa. Ele é mandado a um hospital psiquiátrico, onde é considerado são, e condenado à

morte. Grotowski, aplicando a dialética da apoteose e do escárnio, situou toda a história em

um hospital psiquiátrico: “os discursos patrióticos de Kordian se convertiam, deste modo, em

incandescências de um cérebro doente. Os espectadores eram os pacientes espalhados por

toda a sala entre camas, sobre as quais se moviam os atores, dando vida às visões da

loucura”67 (BARBA, 2000, p. 28). Além disso, o espetáculo induzia os espectadores, como

prova de sanidade, a renegar os mitos nacionais.

Porém, apesar do acontecimento messiânico se transformar em delírio, segundo

Grotowski, “o sofrimento permanece sofrimento, o ato de sacrifício, ainda que cumprido no

delírio, permanece holocausto, sacrifício de sangue” (GROTOWSKI, 2007(a), p. 58). O

discurso em que Kordian “oferece o próprio sangue pela nação e o sangue da nação polonesa

por todas as nações”, no espetáculo de Grotowski, acontece numa operação médica: “o doutor

tira o sangue de Kordian, Kordian está em estado de choque histérico, o sacrifício do sangue é

um dar o sangue real, portanto é escárnio e é um martírio fictício, mas “demoníaco”, por isso

é afirmado, levado a apoteose” (GROTOWSKI, 2007(a), p. 59).

65 “ambos buscan un espacio que nazca del drama y sea entones específico para éste, y donde también los espectadores sean “puestos en escena” en el espacio de los actores, o mejor sea puesta en escena su relación, para obtener una composición unitária dramatúrgica.”

66 “el potencial antagonismo de la participación forzosa”.

67 “Los discursos patrióticos de Kordian se convertían, de este modo, en las incadescencias de un cerebro enfermo. Los espectadores eran los pacientes esparcidos por toda la sala entre as camas sobre las cuales se movían los actores dando vida a las visiones de la locura.”

60

Page 61: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Neste jogo de simultaneidades, entre exaltação e questionamento, adoração e

profanação, apoteose e escárnio, o homem mítico e o homem concreto podem ser captados no

mesmo instante de tempo, como disse Peter Brook a respeito da especificidade da arte teatral.

Para Brook, no trabalho teatral é preciso ter a “consciência do presente”: “O local, o contexto

social e político, o pensamento e a cultura dominantes têm que influir na criação de uma ponte

entre o tema e público, na determinação do que afeta as pessoas” (BROOK, 1999, p. 43), pois

assim, a partir da consciência do que é significativo, não só nos textos do passado, mas

principalmente, no presente, pode-se encontrar a linguagem apropriada deste contexto para o

mito.

Segundo Grotowski, “a dialética da derrisão e da apoteose “atacando” o arquétipo faz

vibrar toda a cadeia de tabus, de convenções e de valores consagrados” (GROTOWSKI,

2007(a), p. 59). Este diálogo entre o mito e a realidade, o passado e o presente, é um dos

aspectos mais importantes, que demonstra a singularidade do trabalho de Grotowski: o

choque entre os valores arcaicos que regem a vida social e comunitária, e os fatos, decisões e

ações no presente que colocam em cheque estes valores.

2.3 A CORPOREIFICAÇÃO DO MITO

Segundo Barba, esta forma de lidar com os textos clássicos, nos quais Grotowski tinha

uma fé sincera em seu valor, que se manifestava através da blasfêmia e da profanação, não era

uma teoria abstrata, mas sim, uma disciplina técnica, uma série de exercícios e ações

concretas, que foram sendo desenvolvidos ao longo da existência do Teatr-Laboratorium. Um

dos exemplos citados por ele, é o training, que foi desenvolvido para resolver problemas

técnicos do atores, no espetáculo Akropolis. A descrição de Flaszen, acerca do trabalho

realizado pelos atores neste espetáculo, dá uma noção do que era pedido a eles:

No teatro pobre, o ator deve compor uma máscara orgânica, através dos seus músculos faciais; depois, a personagem usará a mesma expressão, através da peça inteira. Enquanto todo o corpo se move de acordo com as circunstâncias, a máscara permanece estática, numa expressão de desespero, sofrimento e indiferença. O ator multiplica-se numa espécie de ser híbrido, representando o seu papel polifonicamente. As diferentes partes do seu corpo dão livre curso aos diferentes reflexos, que são muitas vezes contraditórios, enquanto a língua nega não apenas a voz, mas também os gestos e a mímica. (FLASZEN in GROTOWSKI, 1987, p. 59).

61

Page 62: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

As contradições, o confronto, o teste, a blasfêmia e a profanação deveriam estar

presentes no corpo do ator. Estas exigências em relação ao trabalho do ator deram origem ao

método da via negativa. A partir de 1962, no cotidiano, a pesquisa do trabalho do ator esteve

focada, não mais na aprendizagem de técnicas, mas na eliminação da dicotomia entre corpo e

mente, geradora de resistências e bloqueios sociais, coletivos e individuais.

Neste processo, conforme Odete Aslan (1994), Grotowski “cria um ator arquetipal”,

pois prepara o ator para resgatar as imagens simbólicas arquetípicas, primordiais e inatas ao

ser humano. As imagens simbólicas já carregam em si aspectos contrários. Grotowski, ao

trabalhar com aspectos contraditórios, nos seus espetáculos, resgata um aspecto da natureza

simbólica. Ele cria uma contradição entre o ator, o homem concreto, real e contemporâneo, e

o sentido mítico que ele resgata, criando imagens, gestos e ações para o indizível. Conforme

Innes,

Neste nível, o individual se transforma em uma imagem do universal, e todo o enfoque de Grotowski pressupõe que a personalidade é superficial, artificial, enquanto que em suas “raízes” a humanidade é genérica. Portanto, toda manifestação autêntica de reações psicofísicas inconscientes corresponderá automaticamente aos arquétipos junguianos, em particular aquelas posturas e agrupamentos encarnados na escultura arcaica ou religiosa, e a conquista de tais esteriótipos é a garantia que se alcançou a verdadeira expressão do subconsciente, de que o ator se converteu na “encarnação viva do mito”. 68 (INNES, 2000, p. 177).

A representação de uma personagem, passa a ser um empecilho para este processo. O

papel, como afirmava Grotowski desde os anos sessenta, deveria ser “um instrumento pelo

qual se estuda o que está oculto por nossa máscara cotidiana – a parte mais íntima da nossa

personalidade, a fim de sacrificá-la, de expô-la” (GROTOWSKI, 1987, p. 32).

Conforme Innes, os espetáculos do Teatr-Laboratorium, passaram por diferentes

versões em virtude do processo de autoconhecimento dos atores. Akropolis teve cinco versões

distintas entre 1962 e 1967, e o espetáculo O Príncipe Constante, três.

A obra O Príncipe Constante, foi a mais impressionante no que diz respeito ao

trabalho do diretor e do ator a partir dos estímulos simbólicos do texto. O texto foi alterado

68 “A este nível, lo individual se transfigura en una imagen de lo universal, y todo el enfoque de Grotowski presupone que la personalidade es superficial, artificial, mientras que en sus “raíces” la humanidad es genérica. Por tanto, toda manifestación auténtica de reacciones sicofísicas inconscientes corresponderá automáticamente a los arquetipos junguianos, en particular a aquellas posturas y agrupamentos encarnados en la escultura arcaica o religiosa, y el logro de tales esteriotipos es la garantía de que se há convertido en “la encarnación viva del mito”.”

62

Page 63: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

radicalmente, já que o número de versos se reduziu a quase dois terços e passaram de um

personagem ao outro e de uma seqüência para outra, com fragmentos da liturgia polonesa

intercalados em momentos chaves. Os catorze papéis principais foram reduzidos para sete,

representados por seis atores. O centro da ação se transferiu, da trama superficial que glorifica

a invasão histórica da Argélia por Fernando, para a relação erótica entre Fênix, princesa

argelina, e Fernando, apenas sugerida no original. (INNES, 2000, p. 185).

O processo de criação do último espetáculo no grupo, Apocalypsis cum Figuris, foi

planejado especificamente para facilitar a auto-exploração do ator. Nas produções anteriores,

“o enfoque de Grotowski na auto-exploração, auto-revelação e auto transcendência do ator

entraram automaticamente em conflito com a caracterização requerida pelos textos dramáticos

tradicionais” 69 (INNES, 2000, p. 182).

Em Apocalypsis cum figuris,

Houve, pois, uma relação orgânica entre a “partitura” (as ações e relações objetivas) e o processo interno que aquelas deviam comunicar ao espectador. A caracterização se baseou em arquétipos com os quais os atores haviam se identificado em seu trabalho anterior, com traços individuais baseados em suas próprias personalidades, e o diálogo se limitou a citações que não só eram não dramáticos – quer dizer, não expressavam um personagem e uma situação em particular – mas, tão amplamente conhecidas, que as palavras já não eram associadas a seu autor e poderia supor-se que representavam a consciência da própria humanidade. 70 (INNES, 2000, p. 183).

A fala dos personagens se limitou ao que era essencial para exaltar o significado

simbólico das ações. Este espetáculo foi a obra que mais se aproximou ao ideal de Grotowski

de uma teatro autônomo da matriz literária. Conforme Innes, a sínteses de opostos presente

nos espetáculos de Grotowski, através do método da exaltação e profanação do mito,

“localiza a ação em um plano puramente humano e já não escatológico”, principalmente em

Apocalypsis cum figuris:

69 “el enfoque de Grotowski en la autoexploración, autorevelación y autotranscendencia del autor habían entrado automáticamente en conflito con la caracterización requerida por los textos dramáticos tradicionales”.

70 “Hubo, pues, una relación orgánica entre la “partitura” (las acciones y relaciones objetivas) y el proceso interno que aquellas debían comunicar al espectador. La caracterización se basó en arquétipos con los cuales los actores habían llegado a idenficarse en su trabajo anterior, con rasgos individuales basados en sus proprias personalidades, y el diálogo se limitó a citas que no sólo eran no dramáticas – es decir, no expresaban un personaje y una situación particulares – sino tan ampliamente conocidas que las palabras ya no eran asociadas a su autor y podía suponerse que representaban la conciencia de la humanidad misma.”

63

Page 64: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

O título se refere à profética Revelação de São João, que anuncia a Segunda Vinda de Cristo, e a ação se passa em uma festa religiosa contemporânea, entre os espiões e mendigos instalados em torno do santuário, que apresentam a segunda Vinda de Cristo com uma brutal diversão de bêbados. Um bêbado, cujo nome é, casualmente Simão Pedro, persuade a um inocente – em polaco ciemny, literalmente “o obscuro”, de conotações satânicas, homem possuído e deformado como marca do seu contato com o sobrenatural, mas também é um idiota incapaz de compreender o mundo que , tradicionalmente, representa a santidade infantil, uma escala de valores muito diferente – de que na realidade é Cristo, contando-lhe que nasceu em Nazaré e morreu na cruz porque os homens não o reconheceram como Deus. Então nomeia a outros: Maria Madalena, João Judas e todos eles repetem cenas arquetípicas da Paixão e Crucificação de Cristo, por meio do qual expressam seus instintos sádicos, impulsos subconscientes e ressentimentos. Para o público, isto é como por a prova o mito cristão, desafiando sua validade por meio de discussão e blasfêmia. 71 (INNES, 2000, p. 182).

Em contrapartida, apesar de serem puramente humanas e já não escatológicas, as

ações simbólicas revelam uma dimensão oculta, que transcendem a personalidade do ator, e o

próprio trabalho. Seguindo a tradição delsartiana72, neste processo empreendido por

Grotowski, o gesto e a ação não substituem a palavra, mas revelam ao homem “o que a

palavra é impotente para expressar”. O corpo e o gesto não são apenas veículos de

comunicação de signos, ou seja, de códigos com significados conhecidos, mas sim, tornam-se

símbolos. Assim, a arte extrapola a codificação e mantém vivos a antinomia e o paradoxo.

Neste trabalho, a auto-revelação não revela apenas o eu, mas um princípio transcendente. O

trabalho sobre o corpo é, portanto, um ato epifânico. A construção de sentidos está baseada na

construção de vínculos com a dimensão volitiva, com a interioridade. O sentido é revelado na

própria experiência corporal.

71 “El título se refiere a la profética revelación de San Juan, que anuncia la Segunda Venida de cristo, y la acción se coloca en uma fiesta religiosa contemporánea, entre los espías y mendigos instalados em torno del santuario, que presentaban la Segunda venida como un brutal diversión de borrachos. Un ebrio, cuyo nombre es, casualmente, Simón Pedro, persuade a un simplón – em polaco ciemny, literalmente “el oscuro”, de connotaciones satánicas, hombre poseído y deformado como marca de su contato con lo sobrenatural, pero también es un idiota incapaz de comprender el mundo que tradicionalmente representa la santidad infantil, una muy diferente escala de valores – de que en realidade él es Cristo, contándole que nació en Nazaret y murió en la cruz porque los hombres no lo reconocieron como Dios. Entonces nombra a otros: María Magdalena, Juan, Judas, y todos ellos repiten escenas arquetípicas de la Pasión y crucifixión de Cristo, por medio de los cual expresan sus instintos sádicos, impulsos subconscientes y resentimientos. Para el público, esto es como poner a prueba el mito cristiano, desafiando su validez por medio de discusión y blasfemia.”

72 Grotowski faz referência, em Em Busca do Teatro Pobre , das influências de Françoise Delsarte no que diz respeito aos modelos de treinamento do ator. Na contracorrente de sua época, Delsarte realizou uma ruptura com a tendência ao Classicismo, iniciando um movimento de espiritualização da arte. Objetivando uma arte transcendente, que ultrapassasse a própria arte rumo ao Sublime. Segundo ele, “o artista deve oferecer à contemplação, não tanto o homem, mas os símbolos, que em perspectivas profundas, se remetem à sua perfeição ideal e sobrenatural” (in DE ANDRADE, 2002, p. 147).

64

Page 65: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

2.4 MITO E SACRIFÍCIO

Conforme descrito no capítulo anterior, o drama romântico polaco foi a mais

importante tradição com a qual Grotowski teve um contato profundo, por identificar-se com a

forma romântica de ver o mundo.

O Romantismo, além do nacionalismo e da nostalgia, foi marcado por uma forte

idealização do sofrimento e da dor. O sofrimento do artista romântico é considerado como

algo sublime e especial, e o separa do mundo, como um iniciado, revelando sua nobreza de

espírito. O tema do sofrimento aparece tanto nas obras como nas biografias dos artistas

românticos. As maldições da solidão, da enfermidade e da morte são, no Romantismo,

instrumentos de purificação na direção de níveis elevados de existência. Segundo o teórico

português Aguiar e Silva:

A aventura do eu romântico apresenta uma feição de declarado titanismo, configurando-se o herói romântico como um rebelde que se ergue, altivo e desdenhoso, contra as leis e os limites que o oprimem, que desafia a sociedade e o próprio Deus. Prometeu é a figura mítica que os românticos freqüentemente exaltam como símbolo e paradigma da condição titânica do homem, pois que, tal como Prometeu, o homem é um ser em parte divino, um «turvo rio nascido de uma fonte pura», cujo destino é urdido de miséria, solidão e rebeldia, mas que triunfa deste destino pela revolta e transformando em vitória a própria morte (...). (AGUIAR E SILVA, 1982).

Prometeu, como herói mítico, traz a tona o tema do sacrifício em nome de um bem

comum. O mito de Prometeu, conforme Durand, através da reativação de certos símbolos,

ressurgiu literária e ideologicamente, no final do século XVIII e todo o século XIX na

Europa. Para Durand, o mito vem antes da história: “sem as estruturas míticas não há

inteligência histórica”, como por exemplo, a encarnação histórica do mito de Napoleão, que

segundo o autor, só foi possível graças ao surgimento anterior do mito de Prometeu no

período pré-romântico e romântico.

(...) dentro da duração das culturas e das vidas individuais dos homens – que alguns designam como o termo confuso de história, mas que prefiro chamar, como Goethe, destino (Schicksal) – é o mito que, de alguma maneira, distribui os papéis da história e permite decidir o que configura o momento histórico, a alma de uma época, de um século, de uma época da vida. 73 (DURAND, 1993, p. 32).

73 “(...) dentro de la duración de las culturas y de las vidas individuales de los hombres – que algunos designan con el término confuso de historia, pero que prefiero llamar, como Goethe, destino (Schichsal) – es el mito el que, de alguna manera, distribuye los papeles de la história, y permite decidir lo que configura el momento histórico, el alma de una época, de un siglo, de una época de la vida.”

65

Page 66: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Porém, apesar da imagem do sofrimento do artista romântico remeter-se ao mito de

Prometeu, o tema do sofrimento não se sustenta somente a partir deste modelo, pois há uma

inversão: no mito de Prometeu, o sofrimento vem como conseqüência de um ato e não como

condição prévia da criação, como ocorre no Romantismo. Junto à exaltação mística do mito

prometeico, no período romântico, aparecem modelos de identificação cristãos, como a

Paixão de Cristo. Conforme Neumann (1986), a aproximação estética do artista com a

imagem do mártir se fez popular a partir da religião judaico-cristã, que considera o sacrifício

como processo de purificação mediante o qual o homem pode chegar à salvação ao longo de

sua existência.

Para Neumann, porém, “o mito de santificação da dor artística projeta sua sombra

sobre todo século XIX e inclusive até nossa época”74 (1986, p. 53), e não é, portanto, um

comportamento exclusivo do período romântico.

O ideal romântico, conforme Neumann (1986), se mantém até a contemporaneidade

porque as condições que levaram ao surgimento desta forma de comportamento do artista no

século XIX não mudaram nos dias de hoje. Os valores da morte, marginalidade, sofrimento

são contra-valores da sociedade burguesa. Depois de séculos sob a proteção da Igreja Católica

e da corte européia, o artista do século XIX se viu relegado a uma total falta de proteção, o

que gerou um desencanto com as promessas do novo mundo burguês. Foi neste momento que

os conteúdos míticos ligados ao sofrimento e ao sacrifício, apareceram com os ideais de

transformação de si mesmo e do outro. No momento em que o sentimentalismo e a

subjetividade enfrentam o racionalismo, o mito e o símbolo se tornam a melhor linguagem

para se referir aos conteúdos do inconsciente.

Conforme Kumiega, através do tema romântico do ato sacrificial, que se desenvolveu

em todo o movimento romântico polaco, (e que se expressa em todos os espetáculos do Teatr-

Laboratorium), Grotowski demonstra a fusão da técnica e da ética em seu trabalho, que

consistia, para o ator, em “colocar-se em jogo por inteiro”, e assim, estar disposto a anular-se,

a morrer e renascer a cada momento, sendo que a consciência simbólica da morte permite

uma “plena presença na vida”. O ato sacrificial, “uma ação individual baseada sobre o quanto

74 “El mito de la santificación del dolor artístico proyecta su sombra sobre todo el siglo XIX e incluso hasta nuestra época.”

66

Page 67: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

a humanidade tem de comum e imutável, realizada em nome da união dos homens e que

implica sofrimento e, em extremo, a salvação”75 . (KUMIEGA, 1989, p. 110).

Este processo de encarnação do ato sacrificial nos espetáculos do Teatr-Laboratorium,

se deu em dois momentos, de duas formas distintas. Num primeiro momento, o ato sacrificial

se manifestou através da “dialética da apoteose e do escárnio” sob uma ótica intelectual, com

o objetivo de romper com o pensamento convencional, e entrar em contato com o imaginário

mítico, como em Os Antepassados, e em Akropolis, conforme foi descrito no texto anterior.

Nestes espetáculos, para Kumiega (1989), Grotowski se confrontava intelectualmente com o

mito do sacrifício que buscava na literatura romântica nacional.

A partir do espetáculo, Dr. Faustus (1963), porém, “o princípio do sacrifício começava

já a ser visto como uma santificação, não mais como uma experiência humilhante e piedosa”76

(KUMIEGA, 1989, p. 111). Foi nesta mesma época, que se desenvolveu no Teatr-

Laboratorium a prática do “ato total” que, sob a luz da ética artística proposta por Grotowski,

pode ser considerado como um ato sacrificial do ator diante do público.

Para o ator comum, chamado por Grotowski de “ator cortesão”, chegar ao que ele

chama de “santidade secular” e se tornar um “ator santo”, significaria estabelecer um desafio

para si e para o outro, e, “através da profanação e do sacrilégio ultrajante”, se revelar, tirar sua

máscara do cotidiano, tornando assim possível também ao espectador empreender o mesmo

processo: “Se não exibe seu corpo, mas anula-o, queima-o, liberta-o de toda resistência a

qualquer impulso psíquico, então ele não vende mais o seu corpo, mas o oferece em sacrifício.

Repete a redenção; está próximo da santidade” (GROTOWSKI, 1987, p. 29).

Segundo Neumann (1986, 64), para o artista romântico “o sofrimento está vinculado,

como meio de purificação, com o caminho de santificação na medida em que apela para a

sensibilização e o aprofundamento da experiência vital. Só o sofrimento capacita a alma para

aceder as alturas vertiginosas que é possível à arte profética do gênio”77.

75 “un'azione individuale basata su quanto l'umanità ha di comune e immutabile, compiuta nel nome del consesso degli uomini, e che comporta sofferenza e, in ultimo, la salvezza.”

76 “il principio del sacrificio cominciava già a essere visto come una santificazione, non piú come un'esperienza avvilente e pietosa”.

77 “el sufrimento está emparentado, como medio de “purificación”, con el “camino de santificación” en la medida en que apela a la sensibilización y pronfudización de la experiencia vital. Tan sólo el sufrimiento capacita al alma para acceder a esas alturas vertiginosas en las que es posible el arte profética del genio.”

67

Page 68: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

De acordo com Chritopher Innes, todos as produções de Grotowski são variações do

mesmo tema da transcendência de si mesmo e “o modo como os diversos textos foram

interpretados criou uma notável unidade entre o centro temático das representações e o

enfoque de sua investigação da atuação”78. (INNES, 1992, p. 179). Na descrição dos

exercícios desenvolvidos por seus atores, Grotowski deixa claro que o que se pede ao ator é

algo “insuportável”: que ele vá além de si mesmo. Conforme Innes:

E isto foi transferido para as próprias representações: quando o ator encarnava a figura de Cristo em Antepassados, alcançou tal ponto de esgotamento que seu estado fisiológico chegou a se sobrepor com o arquétipo que representava e o sangue que Cristo “suou” da sua coroa de espinhos apareceu como o suor que lhe corria pelo rosto; ou quando Ryszard Ciéslak literalmente chegou aos limites da resistência física em O Príncipe Constate. Também encontrou um eco na situação dramática de cada obra, em que a ação física foi traduzida em termos subconscientes e a trama externa desapareceu deixando lugar para uma estrutura de sofrimento físico que conduziria a uma apoteose espiritual. 79 (2000, p. 179).

Para Neumann (1986, p. 64), “uma atitude corporal e sensual para o mundo não é

compatível com a nobreza do espírito segundo a tradição cristã”80, que serve de modelo de

identificação para o artista romântico. É através da mortificação do corpo e do sacrifício que

se chega à purificação. Nas Sagradas Escrituras, o sacrifício encontra-se necessariamente

presente na vida moral e religiosa, e relaciona-se às penitências necessárias à reparação dos

pecados e à obtenção de graças particulares.

No caso do trabalho desenvolvido no Teatr-Laboratorium por Grotowski, o sacrifício

proposto aos atores, além do caráter de purificação espiritual, diz respeito ao aspecto

metódico das práticas ascéticas (a imposição de disciplina corporal e mental), enraizado na

antiguidade e destacado posteriormente pelas disciplinas espirituais do Oriente.

78 “el modo en que los diversos textos fueron interpretados creó una notable unidad entre el centro temático de las representaciones y el enfoque de su investigación de la actuación.”

79 “Y esto fue trasladado a las proprias representaciones, cuando el actor que encarnaba la figura de Cristo en Antepasados alcanzó tal punto de agotamiento que su estado fisiológico llegó a traslapar con el arquetipo que representaba y la sangre que Cristo “sudó” desde su corona de espinas apareció como el sudor que le corría por la frente, o cuando Ryszard Cieslak literalmente llegó a los límites de la resistencia física en El principe constante. También encontró un eco en la situación dramática de cada obra, en la que la acción física fue traducida a términos subconscientes y la trama externa desapareció dejando el lugar a una estructura de sufrimiento físico que conduciría a una apoteosis espiritual.”

80 “Una aptitude corporal y sensual para el mundo no es compatible con la nobleza de espíritu desde esta tradición cristiana.”

68

Page 69: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

O sacrifício, para Grotowski (1987, p. 28), estava diretamente ligado ao corpo, “o ator

é um homem que trabalha em público com o seu corpo, oferecendo-o publicamente. Se este

corpo se limita a demonstrar o que é – algo que qualquer pessoa pode fazer -, não constitui

um instrumento obediente capaz de criar um ato espiritual”.

O sacrifício realizado pelo ator, no Teatr-Laboratorium, estava ligado a uma disciplina

que como afirma Aslan (1994, p. 284), “não prepara para a glória”, mas “impõe a observância

de uma ascese”. Esta disciplina consiste na luta diária contra os bloqueios e atrofias

psicofísicas, nas palavras de Grotowski (1987, p. 31): “Se o ator está consciente de seu corpo,

não pode penetrar em si mesmo e revelar-se. O corpo deve ser libertado de toda a resistência.

Deve virtualmente deixar de existir”.

Conforme Barba (2000), Grotowski mantinha em seu quarto a foto do mestre indiano

Ramana Maharishi, por quem nutria grande admiração desde os nove anos de idade, quando

foi incentivado por sua mãe a ler o livro A Search in Secret Indian do inglês Paul Brunton.

No livro, Brunton descreve seu encontro com o mestre indiano, que profere ensinamentos que

vão de encontro com o pensamento e a busca que Grotowski empreendeu através do teatro: o

conhecimento de si mesmo e o abandono da idéia do “eu” ligado apenas ao corpo e a mente.

Nas palavras de Maharishi:

Quando o homem, pela primeira vez, reconhece seu Eu real, uma força vem do seu íntimo e apodera-se dele; essa força é a inteligência transcendente; ela é incriada, infinita, divina e perene. Alguns a chamam de Reino do Céu, outros Nirvana; os hindus a denominam Libertação. Pode-se dar-lhe o nome que quiser – isso não influi. Quando essa força toma posse do homem – o homem então se perde realmente, ou melhor, ele se encontra. (MAHARISHI apud BRUNTON, 2006, p. 149).

O sacrifício de si mesmo, de sua própria identidade, para Serge Ouaknine (2005, p.

51), artista plástico marroquino81 que presenciou o processo de criação do espetáculo O

Príncipe Constante, é a condição do ator: “(...) O ator-sacrificador aprende a desaparecer, a

esconder-se para ser, a desaparecer para aparecer”82. Sacrificar-se para criar o duplo, entre a

aparência e o ser, é o que já reivindicava Artaud. Segundo Ouaknine: “O que queria Artaud é

que a representação fosse um sacrifício para alcançar este duplo, que é a metáfora da

81 Atualmente professor na Universidade de Quebec (Canadá).

82 “El actor-sacrificador aprende a desaparecer, a anonadarse para ser, a desaparecer para aparecer”.

69

Page 70: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

realidade, e não uma imitação da realidade, essa é a crueldade: essa morte de si mesmo para

ser verdadeiramente si mesmo”83. (OUAKNINE, 2005, p. 51).

Para Brook, este modo de interpretar, era similar aos sacrifícios empreendidos pelos

sacerdotes em favor de seus fiéis:

Portanto, o ato de interpretar é um ato de sacrifício, o do sacrificar o que a maioria dos homens prefere ocultar: este sacrifício é seu presente ao espectador. Entre ator e público existe aqui uma relação similar a que se dá entre sacerdote e fiel. Está claro que nem todo o mundo é chamado ao sacerdócio e que nenhuma religião o exige. Por uma parte estão os seculares – que desempenham papéis necessários na vida – e, pela outra, quem toma sobre si outras cargas, por conta dos seculares. O sacerdote celebra o rito para ele e em nome dos demais. Os atores de Grotowski oferecem a sua representação como uma cerimônia para quem deseja assistir: o ator invoca, deixa descoberto o que jaz em todo homem e que o encobre a vida cotidiana. Este teatro é sagrado porque seu objetivo é sagrado: ocupa um lugar claramente definido na comunidade e responde a uma necessidade que as igrejas já não podem satisfazer. (BROOK, 1994b).

Para Felipe Reyes Palácios, assiste-se a uma verdadeira paixão do ator (no sentido

religioso):

(...) o processo de iniciação a que foi submetido o neófito o conduz à prova suprema de cada representação, que implica uma experiência simbólica da morte. E a comunhão, que é possível esperar que ocorra entre o ator santo e os espectadores, será, então, aquela que seu sacrifício simbólico propicia. 84 (PALACIOS, 1991, p. 111).

Para Brook, o teatro realizado por Grotowski era um exemplo do resgate do aspecto

sagrado do teatro: “Ao seu entender o teatro não pode ser um fim em si mesmo, como a dança

ou a música em certas ordens de dervixes, o teatro é um veículo, um meio de auto-estudo, de

auto-exploração, uma possibilidade de salvação”. (BROOK, 1994 b).

Para Ouaknine, se por um período no trabalho desenvolvido por Grotowski ainda

existia a necessidade de transformar a sociedade e o público, num segundo momento, este

desejo deixou de existir e o trabalho esteve voltado para a própria transformação, para a

própria “salvação”.83 “Lo que quería Artaud es que la representación fuera un sacrifício para alcanzar esse doble, que es la

metáfora de la realidad, y no uma imitación de la realidad; esa es la crueldad: esa muerte de sí mismo para ser realmente uno mismo.”

84 “el processo de iniciación a que fue sometido el neófito le conduce a la prueba suprema de cada representación, que implica una experiencia simbólica de la muerte. Y la comunión que es dable esperar ocurra entre el actor santo y los espectadores será entonces aquella que su sacrificio simbólco propicie.”

70

Page 71: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Porque desde o começo buscava a Deus e queria uma bênção da vida para fazer a reparação de si mesmo, e por isso tinha que fazer o sacrifício teatral. Isto me disse claramente quando alcançou a glória com O príncipe constante; disse “eu busco a minha salvação”. 85 (OUAKNINE, 2005, p. 51).

Grotowski, em certo momento, reconhece a construção de um personagem de si

mesmo, “alguém que conhece a chave da criação” e “pode fazer uma espécie de milagre

profissional”:

Este personagem não tem nada a ver comigo, mas tem a sua própria vida que me ajuda. Mas, no fundo, ter construído esse personagem, não em plena consciência, quem sabe inclusive em plena inconsciência, foi, numa certa época da minha vida, uma coisa importante para mim.Eu tinha um forte medo de não existir – vocês compreendem – e até mesmo, num certo sentido duvidava que eu fosse real. Então quis existir aos olhos dos outros.Primeiro aos olhos dos meus colaboradores. Então me tornei um diretor muito rigoroso, que impunha leis e as maneiras de trabalhar. A seguir, aos olhos da sociedade, de certos meios da sociedade.Eu quis me construir, sem me dar plenamente conta de que o estava fazendo, e acabei construindo. E quando acabei a construção, dei-me conta de que tudo isso já era uma história passada, que não me dizia respeito. (GROTOWSKI, 1974 b).

A consciência de que havia construído um personagem para relacionar-se socialmente,

fez com que seu trabalho, nos anos setenta, estivesse direcionado para a eliminação da

representação, levando-o a desistir do espetáculo teatral. No período parateatral, conforme

Innes, Grotowski submeteu os participantes a uma longa sessão de psicoterapia em trabalhos

denominados action therapy, meditação em voz alta e canto de mim mesmo, que foram

preparatórios para os dois Projetos Especiais, realizados em Brzezinka (Polônia), em uma

casa de campo isolada, sem energia elétrica. Para Innes, esta passagem do teatro à

psicoterapia,

(...) de apresentar imagens ritualísticas de auto transcendência a criar ritos em que os participantes “renascem”, e a conseqüente rejeição da função cênica como inseparável do “ocultamento e vergonha”, são extensões lógicas da “via negativa” de

85 “Porque desde el comienzo buscaba a Dios y quería una bendición de la vida para hacer la reparación de sí mismo, y por eso tenía que hacer el sacrifício teatral. Eso me lo dijo claramente cuando alcanzó la gloria con El principe constante; dijo “yo busco mi salvación.”

71

Page 72: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Grotowski e seu aprofundamento na autenticidade e na unidade.86 (INNES, 2000, p. 192).

Para Grotowski, a plenitude se dá no encontro entre seres humanos que optaram por

acabar com a representação e desconstruir sua identidade social, realizando, assim, uma

comunhão. A salvação para Grotowski, que se declarava ateu, não tinha um caráter religioso

católico. A salvação, para ele, parecia estar ligada à sua própria individuação:

Minha tendência a individuação aumenta, quase a cada semana me traz uma nova iluminação sobre o ofício. (...) Como pode suceder isso? Parece-me uma mudança tal, que provavelmente terei que voltar a aprender todo o ofício, quer dizer terei que estudar baseando-me nesta “consciência orgânica” dos elementos. 87 (GROTOWSKI in BARBA, 2000, p. 157).

Este processo, segundo Grotowski (em carta a Barba em 1964, quando tinha 31 anos),

trazia uma nova consciência em relação ao seu trabalho. A individuação é o termo junguiano

que designa o que seria o último estágio da personalidade, ou “uma possível meta”, no qual

se dá o processo de integração do self, ou seja: “tornar-se um ser único na medida em que por

“individualidade” entendermos nossa singularidade mais última e incomparável, significando

também que nos tornamos nosso próprio si-mesmo” (JUNG, 1996, p. 49). Conforme Jung,

todos os outros processos de integração do inconsciente vividos por um ser humano na vida

individual, são alienações do si-mesmo, “modos de despojar-se do si-mesmo de sua realidade,

em benefício de um papel exterior ou de um significado imaginário”. (JUNG, 1996, p. 49).

Sendo assim, a meta da individuação é liberar-se dos invólucros falsos, das “máscaras

socias”, que Jung denominava persona, como também do poder sugestivo das imagens

primordiais (arquétipos).

É interessante perceber que Grotowski, em um primeiro momento da sua trajetória

teatral, trabalhou arduamente para revelar as imagens primordiais e os símbolos da sua

cultura, exaltando-os, questionando-os, profanando-os, ridicularizando-os. Em um segundo

momento, porém, decidiu não mais representar, e trabalhou no sentido de abandonar sua

86 “de presentar imágenes ritualistas de autotranscendencia a crear ritos em que los participantes “renascen”, y el consiguiente rechazo de la función escénica como inseparable de “ocultamiento y verguanza”, son extensiones lógicas de la “vía negativa” de Grotowski y su hincapié en la autenticidad y la unidad”.

87 “Mi tendencia a la individuación aumenta, casi casa semana me tare una nueva iluminación sobre el oficio. (...) Cómo puede suceder esto? Me parece un cambio tal que probablemente tendré que volver a aprender todo el oficio, es decir tendré que estudiar basádome en esta “conciencia orgánica” de los elementos.”

72

Page 73: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

persona, e fazer com que cada participante de seus novos projetos estivessem prontos para

despojarem-se da representação, para deixarem morrer uma certa imagem de si mesmos.

Grotowski e seus atores, quando abandonaram o espetáculo, de certa forma também

descontruíram uma imagem de si mesmos ligadas ao fazer teatral. Conforme Eugenio Barba

(2000), alguns dos atores nunca se recuperaram completamente desta decisão, deste abandono

de um lugar social na arte do espetáculo, como Cieslak, por exemplo, que no fundo se

ressentia por não ter continuado seu trabalho como ator dentro do Teatr-Laboratorium, depois

do estrondoso sucesso de O Príncipe Constante.

O processo de maturação e autoconsciência vivenciado pelo indivíduo na

individuação, conforme Jung, está simbolicamente representado na mitologia heróica, que

conforme foi dito anteriormente, “é a expressão do drama interno e inconsciente da alma”. O

herói, segundo Jung, é um arquétipo do inconsciente coletivo. Para ele, o “ato principal do

herói é vencer o monstro da escuridão”, ou seja, passar por um processo de autoconsciência.

(JUNG, 2003, p. 68).

Este processo, para Durand (1988), seria a conscientização e a aceitação de sua própria

finitude, de sua própria morte; assim como, para Campbell (1997), a primeira ação do herói

mítico é reconciliar-se com sua própria tumba, quer dizer, perder o medo de morrer.

O mito do herói, para Campbell (1997), é uma metáfora da maturação do indivíduo

que tem forte caráter pedagógico. Trata-se, pois, da representação do processo de crescimento

e amadurecimento individual provocado pelo “mergulho” em si mesmo e a luta contra os

próprios “monstros” internos. Este processo é denominado pelo autor, estudioso das “várias

faces” do herói mítico nas culturas, de “a saga do herói”, fenômeno vivenciado explicitamente

em algumas culturas com seus ritos de passagem. Para Joseph Henderson, em “O Homem e

seus símbolos”:

(...) é atribuição essencial do mito heróico desenvolver no indivíduo a consciência do ego – o conhecimento de suas próprias forças e fraquezas – de maneira a deixá-lo preparado para as difíceis tarefas que a vida lhe há de impor. Uma vez passado o teste inicial e entrando o indivíduo na fase da maturidade da sua vida, o mito do herói perde a relevância. A morte simbólica do herói assinala, por assim dizer, a conquista daquela maturidade. (HENDERSON, 1964, p. 112).

Nos mitos heróicos, o herói se rebela contra a ordem, se afasta da sua comunidade, em

busca de benefícios não só para si, mas para a sociedade que o cerca. O herói é aquele que

73

Page 74: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

“conseguiu vencer suas limitações históricas e locais” e “retornar ao nosso meio,

transfigurado, e ensinar a lição de vida renovada que aprendeu” (CAMPBELL, 1997, p. 28).

Segundo Guillermo E. Molloy (2001, p. 22), pesquisador argentino, as ações do herói

mítico “se encontram sujeitas a uma simples fórmula: a busca”88. Esta busca, representada nos

contos, nas lendas, e nos mitos de diversas culturas, é uma representação de uma jornada para

o interior humano, para o próprio inconsciente individual e coletivo.

O momento de auto-enfrentamento, denominado por Grotowski de “via negativa”,

assemelha-se à primeira etapa do caminho do herói mítico, conforme definida na obra O

Herói de Mil Faces de Campbell (1997): é a “separação ou afastamento”, que “consiste num

radical transferência da ênfase do mundo externo para o mundo interno”. Ou seja, retirar-se da

“cena mundana” e penetrar profundamente em sua psiquê, tomar consciência das dificuldades

pessoais a serem efetivamente enfrentadas e, posteriormente, estar apto a “descobrir e

assimilar” diretamente as “imagens arquetípicas”.

Grotowski proporcionou ao seu grupo de trabalho uma experiência de isolamento, que

num primeiro momento, como foi visto anteriormente, não foi um afastamento real da

sociedade, mas a manutenção de uma ambiente favorável ao desenvolvimento pessoal, a

criação de um mundo onde se criam valores e ética própria, onde se possa voltar o olhar para

si mesmo.

Na ocasião de mudança da sede do Teatr-Laboratorium de Opole, para Wroclaw,

Grotowski preocupou-se com a manutenção do ashram, de um lugar propício para o

desenvolvimento pessoal:

(...) as mudanças deste tipo sempre são um emaranhado de perigos. Por exemplo, se sente que o lugar de trabalho já não é aquele pólo de atração exclusiva que poderia estar no silêncio de uma pequena cidade. Se nesta nova situação mantemos nova velha estratégia de trabalho chegará inevitavelmente, uma crise, o lugar de trabalho se converterá num fatigoso lugar de obrigações. O autêntico problema é: como conservar o silêncio interior onde não existe silêncio no exterior? 89 (BARBA, 2000, p. 168).

Grotowski, conforme afirmava nos anos setenta, não desenvolveu um método, mas

sim, a realização de uma busca. Segundo ele, “busca do que é mais importante na vida” 88 “se encuetran sujetas a una simple fórmula: la búsqueda.”89 “los traslados de este tipo siempre son una maraña de peligros. Por ejemplo, se siente de una manera casi

palpable que el lugar de trabajo ya no es aquel polo de atracción exclusiva que podía estar en silencio de una pequeña ciudad. Si en esta nueva situación mantenemos nuestra vieja estrategia de trabalho llegará inevitablemente una crisis, y el lugar de trabajo se convertirá em un fatigoso lugar de obligaiones. El auténtico problema es: como conservar el silencio interior donde no existe silencio en el exterior?”

74

Page 75: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

(GROTOWSKI, 1974 (a), p. 9). Esta questão o levou a abandonar o teatro como linguagem

artística espetacular. O que se manteve foi a necessidade de um espaço “laboratorial” de

encontro consigo e o outro. Tem-se assim, não o teatro como profissão, mas como modo de

viver, como uma ética de vida. A resposta para tal busca, segundo ele, “não pode ser

formulada, podemos apenas praticá-la” (GOTOWSKI, 1974 (a), p. 9).

O verdadeiro encontro entre dois seres humanos, que passaram por um processo ou

decisão de eliminação da representação, para Grotowski, era uma forma de superar o medo da

morte.

Se ele procura como eu, se ele não se esconde, se está disposto a assumir os riscos, se vai ao encontro com a uma coisa derradeira, podemos dizer a nós mesmos: talvez vamos morrer neste momento.E talvez não se trate de uma metáfora, e se morrermos, tudo estará bem.Quando digo isso, vocês podem acreditar que uso metáforas e símbolos, mas estou dizendo o que sinto, de modo direto. (GROTOWSKI, 1974 b).

Grotowski acreditava que a eliminação da representação, esta morte de si, leva,

inevitavelmente, a uma ascese. Porém, apesar da influência da mitologia cristã e das filosofias

orientais no seu trabalho, Grotowski (1974 b) se dizia ateu, e para ele, a divindade, só pode

ser encontrada no próprio ser humano, na sua totalidade, “como seres carnais, sensuais,

espirituais e psíquicos”.

Conforme o pesquisador Marlon Xavier, a integração do si-mesmo só é possível

mantendo uma atitude consciente de religio, ou seja, através do funcionamento da função

religiosa: “uma fidelidade, uma entrega ou uma submissão a um fator superior ou a um

princípio ‘convincente’”. (JUNG apud XAVIER, 2006, p. 188).

Para Jung a irrupção de imagens arquetípicas no consciente é por si só, uma

experiência religiosa, pois tais imagens “são percebidas como irresistíveis, autônomas,

fascinantes, plenas de sentido e significado”. Segundo Palmer, “a imagem é viva porque,

empregando-a, as pessoas tocam a parte de si mesmas que é eterna e, por conseguinte,

transcende sua própria particularidade” (PALMER, 2001, p. 172). A tradição religiosa, assim,

não se baseia só na fé religiosa, mas na vivência da imagem. Independente da existência ou

não da divindade, conforme Jung, todo ser humano deve ter a possibilidade de contato com

numinoso, já que sua imagem existe, não somente exteriormente, mas como imagem

arquetípica inata. O sujeito, portanto, independente de sua crença tem a possibilidade de

vivenciar a numinosidade da imagem. (XAVIER, 2006, p. 188).

75

Page 76: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Segundo Palmer, “a proposição central do conceito junguiano de Deus é que Deus é

um arquétipo”. Esta afirmação, de que Deus é uma forma arquetípica, implica em dizer que

Deus é um componente estrutural a priori da psique, ou seja, que “todas a concepções de

Deus, por mais sofisticadas ou primitivas, (...), advém de uma modalidade inerente e anterior

à percepção”. (PALMER, 2001, p. 160). Segundo o ponto de vista junguiano, portanto, a

forma arquetípica de Deus é um componente estrutural a priori e imutável da psique, os

conteúdos que estas formas podem assumir, ao invés disso são determinados simbolicamente

nas diversas experiências numinosas. Segundo Palmer, esta afirmação “explica o constante

ataque de Jung a toda imagem de Deus considerada definitiva. (...): Porque os conteúdos-

Deus arquetípicos são sempre simbólicos e nunca literais” (PALMER, 2001, p. 170).

Para Jung, o símbolo é “a melhor formulação possível de uma coisa desconhecida”

(JUNG apud PALMER, 2001, p. 168). Para Jung, o que é manifestado (o significado, o

conteúdo) através das imagens (o significante, a forma) não deve ser idêntico à própria

imagem, pois, caso ocorra tal identificação, a imagem não está sendo revelada, e o símbolo é

reduzido a signo.

Grotowski, quando nega uma imagem fixa de Deus, se dizendo ateu, e afirma que Deus

só pode ser encontrado no próprio ser humano, se aproxima do que Jung entende por

experiência religiosa. E o que Grotowski descreve como sendo a experiência da plenitude da

comunhão com outro ser humano é similar a uma iluminação, uma revelação divina, uma

experiência de Deus, desencadeada sempre por outro ser humano:

De que modo, então, ver o outro, como olhar para ele?Com todo o nosso ser, não apenas com os olhos, como se o estivéssemos vendo pela primeira vez.Se pudermos fazer isso - e é isso que eu chamo olhar - teremos uma revelação. É como se um crente estivesse encontrado Deus. No momento em que o verdadeiro encontro se torna possível - e esse momento pode existir - apesar desse movimento ser provisório, toda a natureza humana se desencadeia.Não há o problema das impulsões de corpo, não há limites para as forças do corpo, para a voz. Tudo está desbloqueado, tudo está vivo. Existem forças que nos transbordam, que nos carregam, há uma espécie de lucidez que é imediato; é como sair de uma caverna em pleno dia, é como ver o mundo pela primeira vez, em todas as suas cores, em tudo aquilo que é palpável, tangível, em toda a sua presença.(GROTOWSKI, 1974 b).

No processo de criação do último espetáculo, Apocalypsis cum figuris, Grotowski

usava uma metáfora para proporcionar o desvelamento dos atores nos processos de criação

que, conforme vimos anteriormente, criavam seus personagens a partir da identificação

76

Page 77: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

pessoal com certos arquétipo: “mostra-me teu Homem e eu te mostrarei o meu Deus”.

Segundo ele, só ocorre algo de criativo entre um ator e um diretor quando há um contato entre

dois mistérios: “conhecendo o mistério do outro, conhece-se a si próprio” (GROTOWSKI,

2007(b), p. 181).

Este processo marca um período de afirmação de todos os valores exaltados por

Grotowski durante seu percurso teatral, porém, mais uma vez através de uma “via negativa”.

Conforme Grotowski (2007(b), p. 182):

No caso de Apocalypsis a aceitação do “meu Homem” realizava-se no decorrer do inteiro processo da sua gênese por meio da rejeição, da renúncia. Ousaria dar uma formulação nesse termos: como diretor a única semente que conservei do início ao fim daquele trabalho foi a recusa dos esteriótipos e, especificamente, dos esteriótipos do meu trabalho.

A renúncia, segundo Grotowski, foi o único tema do trabalho desenvolvido em

Apocalypsis cum figuris, e após este espetáculo anunciou sua renúncia ao teatro, ou melhor,

ao espetáculo.

Ao abandonar o “sacrifício do corpo”, segundo Ouaknine (2005, p. 51), Grotowski

alcançou a “bênção da voz”, na última fase de seu trabalho realizado junto a Thomas

Richards. Grotowski não considerava este último um trabalho propriamente teatral. A

diferença entre teatro e a arte como veículo, segundo ele está na origem do trabalho. A Action,

partitura física e vocal ligada à pesquisa de cantos vibratórios tradicionais de diversas

culturas, segundo Grotowski, não tem mais objetivo de produzir efeitos em quem assiste, mas

em quem faz.

Os cantos tradicionais, conforme Grotowski, eram usados como instrumento de

“verticalidade”, similar aos mantras na cultura budista ou hindu: “o mantra é uma forma

sonora, muito elaborada, que engloba também a posição do corpo e a respiração, e que faz

aparecer uma vibração determinada em um tempo-ritmo a tal ponto preciso que influencia o

tempo-ritmo da mente” (GROTOWSKI, 2007(c), p. 237). A “verticalidade” (ou

ascencionalidade) à qual se refere Grotowski, é um “fenômeno de ordem energética: energias

mais pesadas mas orgânicas (ligadas às forças da vida, aos instintos, à sensualidade) e outras

mais sutis”. A verticalidade seria, portanto, a possibilidade de mover-se entre estas energias,

passando das energias mais “cotidianas”e grosseiras a um nível energético mais sutil, e em

contrapartida, descer, trazendo esta energias sutis à realidade cotidiana e à “densidade” do

corpo.

77

Page 78: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

O objetivo deste trabalho, conforme aponta De Marinis ao analizar a “eficácia” do

trabalho desenvolvido por Grotowski, não é simplesmente “melhorar a si mesmo”, ou “ser

mais feliz”, mas sim, promover um “crescimento pessoal que está ligado a experimentar

concretamente formas, níveis, diferentes estados de consciência, dilatação ou expansão da

percepção”90 (DE MARINIS, 2005, p. 242). Experimentam-se, pois, transformações

energéticas como nas práticas ascéticas.

Segundo Barba, tal trabalho já era desenvolvido no período em que Grotowski realizou

espetáculos e era denominado de “técnica 2”. A “técnica 2” consistia em um treinamento com

objetivo de “liberar a energia espiritual”, através de técnicas de respiração, yoga e meditação

que, conforme Barba, “permitia ascender a regiões desconhecidas, dos xamãs, dos yogui, dos

místicos. Acreditávamos profundamente que o ator podia ascender a esta ‘técnica’”91.

(BARBA apud DE MARINIS, 2005, p. 236).

As obras pertencentes ao período da Arte como Veículo, conforme Antonio Attisani 92,

podem ser definidas como “eventos teatrais compostos de ações físicas e cantos, organizados

segundo uma sintaxe poética, ou melhor, energética. Pode-se também falar de “montagem

yoguica””93 (ATTISANI, 2007, p. 132). Grotowski, assim, sustenta uma lógica “ritual” ou

“litúrgica”, que está a serviço das transformações da qualidade da energia. “Os espectadores

de tais eventos, ou melhor, os convidados são testemunhas de exercícios espirituais que se

realizam em forma de obras performativas coletivas.”94 (ATTISANI, 2007, p. 132).

Grotowski dá os créditos da criação de Action exclusivamente a Thomas Richards: “é

uma obra interiramente criada e dirigida por Thomas Richards, e sobre a qual ele prossegue

um trabalho contínuo desde 1994” (GROTOWSKI, 2007(f), p. 126). Segundo ele, o

nascimento deste trabalho não se deu através de uma colaboração entre os dois, no sentido de

90 “crecimiento personal que está ligado a experimentar concretamente formas, niveles, diferentes estados de conciencia, una dilatación o expansión de la percepción”.

91 “permitía acceder a las regiones desconocidas de los chamanes, de los yogui, de los místicos. Creíamos profundamente que el actor podía acceder a esta “técnica”.

92 Professor de História do Teatro da Universidade de Veneza.

93 “eventi teatrali composti de azione fisiche e canti, organizzati secondo uma sintassi poetica o meglio energetica. Si potrebbe anche parlare di “montagio yogico”.

94 “Gli spettattori di tali eventi, o meglio i convenuti, cono testemoni di esercizi spirituali che si realizzano in forma di opere performative colletive.”

78

Page 79: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

uma criação a quatro mãos, mas sim, através da transmissão de uma tradição (a partir do

período em que trabalharam juntos nos EUA, em 1985), transmissão daquilo que ele havia

alcançado em sua vida: o aspecto interior do trabalho.

Grotowski, já nos últimos anos de vida em que estava muito doente, enfatiza em suas

declarações, a importância da transmissão de uma tradição quase como uma “missão”: “O

que se pode transmitir? Como e a quem transmitir? São perguntas que cada pessoa que herdou

da tradição se põe, porque herda ao mesmo tempo uma espécie de dever: transmitir aquilo que

recebeu.”95. (GROTOWSKI, 2007(f), p. 127). Transmitir o que recebeu e ser fiel, mas ao

mesmo tempo, dar uma contribuição pessoal para aquela tradição, sem contudo fazer um

esforço para exercer uma influência sobre os outros. Pois, conforme afirma, em todas as

experiências na história da arte, e não só da arte, em que se procura exercitar uma influência

forçada, aquilo que se quer forçosamente transmitir, morre ou se desvirtua.

Action que, conforme Grotowski afirma, traz uma síntese de tudo que ele alcançou

em sua vida, o que ele chamou de “aspecto interior do trabalho”, e que não foi uma invenção

sua, mas fruto de uma transmissão, é uma das extremidades da cadeia (a arte como

apresentação e a arte como veículo): a extremidade “quase invisível”. O trabalho, a ação

(action) não ocorre mais no exterior, mas no interior do indivíduo, não se dá a ver, mas pode

ser experimentada. O que é visto pelas testemunhas, os gestos e os cantos, não são o trabalho

em si, porque o trabalho é interior, a “verticalidade”. É, porém, “quase invisível” porque não é

destinada a ser apresentada publicamente mas necessita de testemunhas e compartilhamento,

de encontro, para que possa ser transmitida. Pois, conforme Grotowski, assim como as

influências de seu trabalho no âmbito da arte e da vida, o que ocorre nesta experiência “deve

ficar invisível, mas não completamente” (GROTOWSKI, 2007(c), p. 243).

95 “Che cosa si può trasmettere? Come e a chi trasmettere? Sono domande che ogni persona che ha ereditato dalla tradizione si pone, perché eredita nello stesso tempo una specie de dovere: trasmettere ciò che lui stesso ha ricevuto.”

79

Page 80: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

Para Grotowski o teatro era “uma missão moral e social centrada sobre um núcleo de

valores intelectuais, dedicada ao progresso e à sustentação de uma nova ética, laica e

racional” (GROTOWSKI apud KUMIEGA, 1989, 99). Kumiega afirma que esta “fé

messiânica” de Grotowski no teatro, é fruto dos anos de formação marxista e do seu fascínio

pessoal pela filosofia oriental.

Conforme aponta o filósofo Leandro Konder, para Marx “os caminhos da mudança só

podiam ser caminhos da revolução, da ação prática, política voltada para mobilização dos

trabalhadores, para a organização das massas do povo” (KONDER, 2003, 133). Grotowski,

porém, desistiu logo aos vinte e poucos anos de mobilizar as massas e fazer a revolução

política. Durante sua pequena participação efetiva na vida política da Polônia, declarou que

queria ser como Gandhi: um herói para seu povo. Logo percebeu que isto não seria possível e

seu desejo de transformar o mundo se transferiu para o teatro. Ou melhor, o teatro passou a

ser uma ferramenta de transformação com a qual ele faria a revolução. Não das massas, mas

de si mesmo e daqueles que estiveram com ele.

Seu trabalho também sempre esteve em constante revolução, e o único método que se

manteve durante todo seu percurso foi o da “via-negativa”. O método da eliminação.

Primeiramente, eliminou cenários, figurinos, efeitos de luz e som, na busca do que era

essencial para a realização do fenômeno teatral. Assim, restaram o ator e o espectador.

Depois, propôs aos seus atores um trabalho diário com o objetivo de eliminar qualquer

impedimento aos impulsos corporais orgânicos. Em seguida, eliminou o que ele chamava de

“exercício público da profissão”, o espetáculo. Porém, não pretendia eliminar apenas o

espetáculo, mas também a representação. A representação teatral e as representações sociais.

A coerência da busca de Grotowski está pautada nas suas motivações pessoais que

sempre apontaram na direção de uma busca por espiritualidade: uma espiritualidade laica, que

segundo ele, se revela no encontro verdadeiro entre seres humanos que resolveram não mais

representar em suas vidas.

Grotowski estava sempre à procura de algo novo e desconhecido, algo que não o

deixasse acomodado na consolidação de técnicas e métodos. Assim, impôs a si mesmo, e aos

que trabalharam fielmente com ele durante anos, uma vida de renúncia e sacrifício. Renúncia

80

Page 81: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

a lugares cômodos, renúncia à fama, renúncia à representação no teatro e na vida e, a mais

importante de todas, renúncia à própria identidade de artista.

É interessante, no que diz respeito ao vínculo de Grotowski com a filosofia oriental,

tentar responder a uma questão: qual era a idéia de Oriente de Grotowski? Afinal, como

apontou Eugenia Casini Ropa96, o Oriente não é, na história da refundação de valores do

teatro europeu do século XX, meramente um lugar exótico e uma localização geográfica

distante, mas sim uma construção mental, uma categoria do pensamento, pautada, muitas

vezes, em inverdades e equívocos. Grotowski mesmo se refere a esta questão no texto

Oriente/Ocidente (1993, 63): “quando falamos de Oriente e de Ocidente aí já está a confusão.

Onde começa o Oriente? Certos povos considerados orientais por outros, não se consideram a

si mesmos como ocidentais? E o contrário também é verdade.”

O primeiro contato de Grotowski com o Oriente foi através de um livro lido aos nove

anos de idade, refugiado numa pequena vila na Polônia, Nienadówka, no momento em que

seu país era destruído e milhões de pessoas eram mortas durante a Segunda Guerra Mundial.

Este contexto foi significativo para delinear a idéia de Oriente de Grotowski, que, ao que tudo

indica, está na origem de sua busca por uma evolução espiritual.

Mais um fato parece ser relevante na origem de sua espiritualidade: Grotowski tinha

sérios problemas de saúde, desde muito jovem. Conforme Eugenio Barba, a trajetória de

Grotowski estava totalmente vinculada à experiência eminente da morte. A busca por

transcendência, pela imortalidade, por assim dizer, esteve associado ao seu “medo de morrer”.

O teatro, estando no campo da experiência simbólica, pode também ser considerado uma

forma de transcendência da “finitude”, um “anti-destino”; pois, como afirma Durand (1988), a

função simbólica tem o papel, justamente, de afastar o homem da sua condição temporal.

Esta reflexão sobre a transcendência como anti-destino nos faz retomar a pergunta: o

que era a “salvação” para Grotowski? Conforme salientado no segundo capítulo, a idéia de

“salvação” está ligada ao processo simbólico de individuação: a integração do self (si-mesmo)

através de um processo de “essencialização”. A idéia de “essência” aparece diversas vezes nas

falas e propostas de Grotowski. Quando, por exemplo, propõe a eliminação, através do

training, daquilo que impede que o ator “se mostre verdadeiramente” ao espectador, ou seja, 96 Docente de "História da Dança e do Mimo" no Departamento de Música e Espetáculo (DAMS) da

Universidade de Bolonha – Itália, em conferência, Entrelaços de ramos e raízes: a dança européia no terreno composto da intercultura, no Seminário Internacional Intercultura e Poéticas Teatrais no Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, em novembro de 2008.

81

Page 82: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

que se mostre em “essência”. Também aparece na sua busca pela “essência” do teatro: “a

essência do teatro é o encontro” (Grotowski, 1987, 48). A salvação simbólica, porém,

pressupõe um sacrifício real.

Como vimos, a tradição artística polonesa com a qual Grotowski se relacionava, a

companhia teatral Reduta e os autores do Romantismo polonês, como também o contexto

histórico-sócio-cultural em que esteve inserido, a influência da tradição cristã, das Guerras

Mundiais, da stalinização da Polônia e a formação marxista, associados a uma compreensível

fascinação familiar por um Oriente distante, geraram em Grotowski a idéia de que era

necessário um sacrifício “para realizar a reparação de si mesmo”. Um sacrifício, por um lado,

ligado ao martírio político, à construção de uma nova ética, através de trabalho e de

disciplina, e do desejo de se sacrificar em nome de seu povo, como Gandhi. Por outro, um

sacrifício ligado ao martírio espiritual, com práticas corporais provindas de diversas culturas

destinadas à ascese, com o objetivo de expandir a percepção, de atingir níveis energéticos

mais sutis, retomando, assim, a idéia de elevação espiritual através da purificação do corpo e

da mente, presentes em algumas filosofia orientais, como na yoga e no hinduísmo, mas

também na tradição cristã.

Porém, como acima indicado, a constante luta de Grotowski por manter-se vivo,

realizando sucessivas cirurgias, tendo que manter-se por longos períodos em hospitais, torna-

se também uma busca concreta por uma “salvação” física. Grotowski (1974) afirma que, por

vezes, tinha um estranho medo de não existir, o que revela uma identidade frágil. No seu

percurso artístico, Grotowski diz ter se dado conta da construção de um personagem de si

mesmo, o “diretor teatral”, para se afirmar enquanto ser, para acabar com o sentimento de não

estar no mundo. Personagem de si mesmo que, paradoxalmente, ele deseja abandonar em

certo momento da sua vida, quando se decide pela experiência parateatral. Neste processo de

individuação, se dilui a afirmação de uma identidade social. Como afirma Jung, a

individuação só é possível através de uma atitude de religio, ou seja, de conexão com algo

transcendente, simbólico, que ultrapassa a individualidade e o tempo. Uma experiência que

faz com que o indivíduo entre em contato com a totalidade e com a eternidade. Jung chamava

esta experiência de “experiência de Deus”. Palacio (1991) afirma que, paradoxalmente,

quando Grotowski alcançou resgatar o ritual no teatral, o teatro se acabou para ele. O teatro

deixou de ser necessário para Grotowski quando a experiência simbólica da totalidade já não

pedia mais a representação de papéis.

82

Page 83: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Pensando na arte teatral na contemporaneidade, por outro lado, seria ingênuo pensar

que o teatro, enquanto arte representacional, faça parte de uma primeira etapa “menos

evoluída” da vida do artista, e que esta deva ser abandonada quando se atinge uma certa

maturidade espiritual. Este foi um caminho muito particular de Grotowski, resultado de um

percurso único, pautado em buscas pessoais que, porém, nos fazem refletir sobre as artes

cênicas na contemporaneidade e a sua função na vida social e na vida daqueles que fazem

teatro.

Grotowski iniciou seu percurso teatral perguntando-se o que era especificamente

teatral, o que diferenciava o teatro de outras artes, e chegou à conclusão que era o “encontro”

real, vivo entre o ator e o espectador. Se pensarmos na contemporaneidade, quando tudo se

torna espetacular, ou tudo se dá a ver em forma de espetáculo, numa realidade mediada e

estetizada, qual seria então o lugar do espetáculo teatral? E qual é a melhor forma de se

colocar artisticamente em relação a um mundo cheio de injustiças, de tragédias e

desigualdades? Grotowski nos deixou um legado: a ênfase na não-representação e no encontro

social vivo e real entre seres humanos, além de um modo irônico e corrosivo de se colocar em

relação ao mundo, a dialética da “apoteose” e do “escárnio”, da “exaltação” e da

“profanação”, da “afirmação” e da “superação”: a refundação da saga heróica.

No percurso pessoal e profissional de Grotowski podemos encontrar alguns motivos e

temas que aparecem nas mitologias heróicas, como o afastamento do mundo social, a

renúncia, o questionamento, o sacrifício e a ascese. Além disso, ele retomou constantemente

nos seus espetáculos, os heróis míticos e históricos poloneses e os heróis míticos cristãos. A

mitologia heróica sempre narra a saga de um homem em busca de benefícios reiais e

simbólicos, não só para si mesmo, mas para todos que o cercam. Um homem que se sacrifica

em nome da sua comunidade, da sociedade e da humanidade. Grotowski e seus atores

sacrificaram sua identidade de artistas em nome de uma busca ideológica, ética e espiritual,

que influenciou inúmeras pessoas, desde aquelas que participaram efetivamente dos projetos

do Teatr-Laboratorium, os participantes dos projetos especiais em Brzezinka, as testemunhas

da Action, até muitos outros que foram tocados pelo contato com sua pessoa e seu trabalho.

E voltamos à questão: a prática deste teatro foi capaz de melhorar ou tornar mais feliz

quem o praticou? De Marinis (2005) cita a declaração de Mario Biagini que se refere sobre as

sensações experimentadas na prática dos cantos, a “verticalidade” (o que Thomas Richards

83

Page 84: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

chama de action interior, a ascensão e mudança de qualidade de energias), como uma “volta

para casa”:

(...) pode-se também dizer que é o sujeito – eu – que muda de qualidade, como se meu ser, minha percepção de mim mesmo no mundo e do mundo em mim, mudasse de qualidade. (...). E logo esta percepção termina e, por sua vez, fica algo como uma ressonância dela em você e com você. E você não é melhor que antes, somente tentou, quase desesperadamente, voltar para casa”.97 (BIAGINI apud DE MARINIS, 2005, 245).

Esta volta para casa pode ser interpretada como uma volta para si mesmo, uma

experiência de totalidade e intemporalidade. Mas, também, como um retorno a uma tradição

com a qual é possível identificar-se e sentir-se parte. Esta talvez seja a “salvação”: a sensação

de “estar novamente em casa”.

Grotowski, ao ser perguntado sobre o que restará depois de sua morte, afirmou: “o que

restará depois de mim não pode ser da ordem da imitação mas da superação” (2007(g), 118),

citando como exemplo os mestres budistas e seus discípulos: a importância e o dever de

transmitir aquilo que foi transmitido por outros que vieram antes, de transmitir uma tradição

e, ao mesmo tempo, dar sua própria contribuição para aquela tradição, realizando uma

superação sem deturpar ou destruir o que recebeu. Esta também é uma forma de perpetuar-se

no tempo, tornar-se imortal, fazer parte de uma tradição, de uma história, de “salvar-se”.

Conforme Barba (2000), Grotowski tinha cópias em várias línguas do trecho do livro

In Search of The Secret India, em que Paul Brunton descreve seu encontro com o mestre

Maharishi. Ele as entregava para todos que trabalhavam com ele no Teatr-Laboratorium.

Além disso, Grotowski mantinha uma foto de Maharishi nos quartos em que viveu98.

Grotowski, na eterna busca pelo seu Oriente, esteve na Índia quatro vezes e, na última

delas, visitou com sua mãe, Arunashala, o retiro espiritual do mestre Maharishi. Antes de

morrer, pediu que sua cinzas fossem levadas às montanhas de Arunashala: ele finalmente

voltaria para casa.

97 “puede también decir que es el sujeto – yo – el que cambia de cualidad, como si mi ser, mi percepción de mí mismo en el mundo y del mundo en mí, cambiasen de calidad. (...) Y, luego, esta percepción termina y a su vez queda algo como una resonancia de ella en ti y contigo. Y no eres mejor que antes, solamente has intentado, casi desesperadamente, volver a casa.”

98 Barba (2000) chama atenção para o fato de que Grotowski nunca teve uma casa, sempre morou em quartos com livros por todos os lados.

84

Page 85: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

CRONOLOGIA DE JERZY GROTOWSKI

1933

Grotowski nasceu no dia 11 de agosto de 1933, em Rezeszów, próximo a

fronteira oriental da Polônia. Seu pai era guarda florestal e sua mãe professora

de escola, ambos eram filhos de professores universitários. Seu único irmão,

Kasimierz, três anos mais velho, tornou-se professor de teorias psíquicas na

Jagielloński University na Cracóvia. Seus avós maternos eram interessados em

estudos sobre o Oriente. (KUMIEGA, 1989, p. 14).

Grotowski reconhece a forte influência dos parentes maternos nos seus

primeiros anos de vida e admite ter herdado de seu avô a convicção que o que é

sagrado não é, necessariamente, religião. Seu avô freqüentava o seminário e,

um pouco antes de ser ordenado, fez uma viagem para Roma para ver o Papa.

Lá, teve uma espécie de “visão reveladora” que o fez renunciar a sua

ordenação, e posteriormente, casar-se. (GAFIELD-KNIGHT, 1992, p. 1).

1938

Morre em Moscou, o ator, diretor teatral e pedagogo russo Constantin

Stanislavski.

1939

Na Segunda Guerra Mundial, a Polônia foi invadida pela Alemanha e pela

União Soviética, após o pacto de não-agressão entre Hitler e Stálin. A

ocupação nazista na Polônia conduziu ao extermínio de seis milhões de pessoas

nos campos de concentração e nos inúmeros ataques, onde cidades inteiras

foram destruídas.

Durante a guerra, Emilia Grotowska, com seus dois filhos, Kasimierz e Jerzy,

refugiou-se em Nienadówka, uma vila de camponeses próxima a Rzeszów,

onde permaneceram até o fim da guerra. Nesta época, o pai de Grotowski, era

85

Page 86: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

oficial do Exército Polaco e mais tarde foi transferido para Inglaterra, onde

morreu em 1968. (KUMIEGA, 1989, p. 14).

1942

Grotowski, aos nove anos de idade e incentivado por sua mãe,, lê o livro In

Search of The Secret Índia, do escritor inglês Paul Brunton, durante o refúgio

na cidade de Nienadówk. Alguns capítulos são dedicados ao mestre Ramana

Maharishi, por quem Grotowski passou a nutrir grande admiração e interesse.

Durante os anos de trabalho no Teatr-Laboratorium, Grotowski manteve

cópias em várias línguas dos capítulos sobre Maharishi, que distribuía para

todos que trabalhavam com ele. (BARBA, 2000, p. 63).

1949

Com dezesseis Grotowski ficou gravemente doente. Ele teve que permanecer

no hospital por um ano inteiro, rodeado de doentes terminais. Grotowski foi

transformado por esta experiência. Antes disso era alegre e ativo, um exímio

nadador, depois desta experiência, começou a estudar, a meditar, e ler muitos

livros. (GAFIELD-KNIGHT, 1992, p. 2).

1951

Grotowski ingressa na Escola de Estudos Superiores de Teatro da Cracóvia,

decidido a tornar-se diretor. Porém, inscreveu-se para a formação de atores,

pois decidiu que precisava de experiência como ator antes de tornar-se diretor.

No formulário de inscrição, Grotowski menciona sua necessidade de suporte

financeiro, alegando que o pequeno salário de sua mãe não era suficiente para

sustentar três pessoas, e que ele havia contribuído no rendimento familiar

durante o ensino médio, quando tinha bolsa de estudos.

Durante seus estudos continuou a cultivar seu interesse pelo Oriente, indo a

palestras e procurando professores. Entre eles estavam Professora Helena

Willman-Grabowska (1857-1957), uma autoridade em cultura indiana e

iraniana, e Dr. Franciszek Tokarz (1879-1973), um especialista em filosofia

indiana. (GAFIELD-KNIGHT, 1992, p. 3).

86

Page 87: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

1955

No início de 1955, Grotowski estreou como escritor free-lance. Seu primeiro

artigo, "O Balão Vermelho", publicado em um suplemento para o Dziennik

Polski Cracóvia, apelou à criação de um Clube de Jovens Artistas na Cracóvia:

“Nós precisamos prestar homenagens à tradição com ações e não com palavras.

Nós precisamos cultivar as sementes do passado, que podem florescer em

novos valores em solo moderno. (...) Nós queremos influenciar o homem e o

mundo com a nossa arte. Nós temos a coragem de lutar aberta e

fervorosamente pelas questões mais importantes porque somente estas questões

têm valor para lutar por elas”. (GAFIELD-KNIGHT, 1992, p. 3).

Grotowski concluiu seus estudos atorais na Cracóvia. Ele foi designado para o

Stary [Old] Teatro de Cracóvia após sua graduação, de acordo com as práticas

correntes no Estado. Em seu contrato, ele recebeu garantia de emprego no

teatro a partir de outubro de 1955 até setembro de 1958, mas sua nomeação foi

adiada quando ele recebeu uma bolsa para estudar Direção Teatral no Instituto

de Artes cênicas (GITIS), em Moscou. Lá teve como instrutor o professor Yuri

Zavadski, ator de Eugeni Vajtangov e Constantin Stanislavski.

Estudou técnicas de Stanislavsky, Vakhtangov, Meyerhold, e Tairov. Mas,

naquela época estava especialmente interessado em Stanislavski,

principalmente no “método de ações físicas". (KUMIEGA, 1985, p. 14).

1956

Grotowski, mais uma vez, interrompe seus estudos por problemas de saúde.

Para se recuperar, obteve uma bolsa e fez sua primeira viagem à Ásia Central,

viajando por dois meses durante o verão. (KUMIEGA, 1985, p. 14).

Grotowski retornou a Polônia em outubro para estudar direção na Escola de

Teatro da Cracóvia. Porém os acontecimentos daquele tempo acabaram por

envolvê-lo. Ele participou ativamente das organizações políticas juvenis

durante o “Outubro Polaco”, movimento de insurreição contra a burocracia

stalinista, que levou ao poder o liberal, recém saído da prisão, Wladislaw

Gomulka. Grotowski chegou a ser secretário do Comitê Central do Movimento

da Juventude Socialista. (KUMIEGA, 1985, p. 15).

87

Page 88: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

1957

Início da fase denominada de Arte como Apresentação ou Teatro do

Espetáculo, que vai até 1969. (DE MARINIS, 1993, p. 84).

Grotowski, como professor assistente no Teatro Escola (abril de 1957 ao verão

de 1959), realiza sua primeira produção, co-dirigindo com Aleksandra

Mianowska, o texto As Cadeiras, de Ionesco no Teatro Stary. (KUMIEGA,

1985, p. 16).

Grotowski visitou a França pela primeira vez para o Encontro Internacional da

Juventude em Avignon. Durante esse tempo ele soube do trabalho de Jean

Vilar e seu professor, Charles Dullin. (KUMIEGA, 1985, p. 16).

No outono deste ano, Grotowski foi chamado na Cracóvia pelo poder político

para justificar a sua participação nas atividades da POLA (Political Center of

the Academic Left) ZMS (Union of Soviet Youth). Sua explicação foi aceita

apenas parcialmente, e mais tarde ele foi criticado e atacado por sua associação

com a organização. (GAFIELD-KNIGHT, 1992, p. 8).

1958

Grotowski organizou e conduziu um ciclo de conferências semanais sobre

filosofia oriental para estudantes da Cracóvia. Entre os temas abordados

estavam: Budismo, Yoga, o Upanishad, Confúcio, Taoísmo e o Zen-Budismo.

(KUMIEGA, 1985,p. 15).

1959

Dirigiu Tio Vânia (Tchecov), sua última produção no Stary Teatr antes de se

transferir a Opole. O espetáculo teve uma boa aceitação da crítica, inclusive de

Ludwick Flaszen, que na época, era diretor literário do importante Teatro

Slowaki. Na época todo teatro polonês tinha um diretor artístico e outro

literário, que tinha papel de “crítico interno”, de questionador, de “advogado do

diabo”, papel indispensável que, mais à frente, Flaszen desempenhou também

no Teatr- Laboratorium. (BARBA, 2000, p. 31).

Grotowski é convidado para, junto com Ludwick Flaszen, administrar o

pequeno Teatr 13-Rzedow (Teatro das Treze Filas) em Opole, onde neste

88

Page 89: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

mesmo ano, dirigiu Orfeu (Jean Cocteau) em apenas três semanas.

(KUMIEGA, 1985, p. 22).

Grotowski, mais uma vez, visitou Paris, onde conheceu Marcel Marceau e

ficou muito impressionado com o trabalho da mímica. Alguns exercícios de

pantomima foram incorporados ao training. (BARBA, 2000, p. 61).

1960

Grotowski recebe finalmente o diploma da Escola de Teatro da Cracóvia, junto

com a qualificação profissional de diretor.

Em Opole, neste ano, dirigiu Caim (Lord Byron), Mistério Bufo (Maiakowski)

e Sakuntala (Kalidassa). Já nestes primeiros espetáculos, Grotowski usava ao

se referir ao autor do texto, como sendo “segundo” tal autor, e não “de”, pois

assim, manifestava sua autonomia em relação ao texto que ele encenava,

deixando claro nos libretos, que eram a inspiração, ou o ponto de partida do

processo de criação do espetáculo, mas que a obra espetacular era independente

da matriz literária. (KUMIEGA, 1985, p. 22).

Além do repertório principal, alguns outros projetos foram realizados a partir

do ano de 1960, no Teatr- Laboratorium, como o Kabaret Blazeja Sartra

(Blaise Sartre’s Cabaret), baseado no texto de Adam Kurczyna, com canções

de Antoni Jaholkowski, e dirigido por Zygmunt Molik. (CHOJAK, 2006, p. 2).

Montou Fausto, de Goethe, no Teatro Polaco, em Poznán. Este será seu único

trabalho fora do Teatr 13-Rzedow em todo seu percurso. (KUMIEGA, 1985, p.

22).

Grotowski declara as influências do hinduísmo no seu trabalho num texto

escrito durante os ensaios de Sakuntala, para uma intervenção no Círculo de

Amigos do Teatr-Laboratorium, em setembro de 1960. (BARBA, 2000, p. 64).

1961

Dirigiu Os antepassados, segundo Adam Mickiewcz, o primeiro drama

romântico de um autor polonês, dirigido por ele. (KUMIEGA, 1985, p. 23).

Eugenio Barba, estudante de teatro na Polônia, com bolsa de estudos italiana,

convidado por uma amiga, faz sua primeira visita ao Teatr 13-Rzedow,

89

Page 90: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

interessado em conhecer o trabalho de Flaszen, que era considerado um dos

melhores críticos literários e teatrais da época, e famoso por seus textos

proibidos pela censura, que revelavam sua atitude crítica em relação a cultura

oficial. Na ocasião, Barba assistiu Os Antepassados, que segundo ele, o deixou

indiferente, e o fato de os atores circularem entre os espectadores não o

impressionou. (BARBA, 2000, p. 18).

1962

Dirigiu Kordian, outro drama do romantismo polonês, de Slowaki.

(KUMIEGA, 1985, p. 38).

Em janeiro, após uma segunda visita ao Teatr 13-Rzedow, Barba chega em

Opole para trabalhar com assistente de direção de Akropolis. (BARBA, 2000,

p. 28).

Já com Barba como assistente de direção, montou, Akropolis (Wyspianski) e A

trágica história de Dr. Faustus (Marlowe), inaugurando a fase, que foi

denominada em um artigo por Flaszen (sobre Akropolis), “teatro pobre”, que

privilegia acima de tudo a relação entre o ator e o espectador, em detrimento do

cenário, figurino, maquiagem, efeitos de iluminação e som. (BARBA, 2000, p.

32).

No programa do espetáculo Akropolis aparece pela primeira vez o nome Teatr-

Laboratorium 13 Rzedów (Teatro Laboratório das Treze Filas). (BARBA,

2000, p. 52).

Grotowski é convidado a integrar uma delegação oficial polonesa que vai ao

Festival da Juventude de Helsiski, na Finlândia. (BARBA, 2000, p. 40).

Grotowski, também em uma delegação oficial polonesa, vai a China por três

semanas. Ao assistir espetáculos chineses, chamou-lhe a atenção o que ele

chamou de “princípio chinês”, que mais tarde seria denominado por Eugenio

Barba, de equivalência, um dos princípios da Antropologia Teatral. (BARBA,

2000, p. 62).

Eugenio Barba viaja pela Europa com a missão de difundir as idéias e

espetáculos do Teatr- Laboratorium. (BARBA, 2000, p. 74).

90

Page 91: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

1963

O casal francês Raymonde e Valentin Tenkine, cuja influência foi determinante

para o trabalho de Grotowski ser reconhecido no estrangeiro, visitou o Teatro

Laboratório e assistiu Akropolis. Raymonde era crítica teatral em Paris,

escrevia para o Combat, periódico fundado por Camus, e para outras revistas

francesas e suíças. (BARBA, 2000, p. 40).

Eugenio Barba viaja para a Índia, sem saber se sua bolsa de estudos na Polônia

iria ser renovada pelo governo italiano. Permaneceu na Índia por seis meses

estudando o teatro indiano. Depois, ao saber que sua bolsa havia sido renovada,

volta a Opole, e leva seu aprendizado ao Teatro Laboratório, incorporando

alguns exercícios ao training. (BARBA, 2000, p. 92).

O inglês Mike Elster, estudante de direção cinematográfica em Lódz, na

Polônia, realiza um documentário, “Carta de Opole”, sobre o Teatr-

Laboratium, com cenas do cotidiano, do teatro, do training e do espetáculo Dr.

Faustus. Este, que foi o trabalho de conclusão de curso de Elster, é o mais

antigo documentário do Teatr-Laboratorium. (BARBA, 2000, 71).

Acontece o primeiro contato por carta do americano Richard Schechner com o

teatro Laboratório. Na carta ele solicita textos e fotos de Dr. Faustus para a

edição sobre Christopher Marlowe, da Tulane Drama Review, da qual

Schechner era diretor. (BARBA, 2000, p. 75).

Aconteceu na Varsóvia o X Congresso Internacional do ITI (Instituto

Internacional de Teatro). Neste congresso o trabalho de Grotowski, através do

espetáculo Dr. Fautus teve, pela primeira vez, visibilidade internacional.

Apesar de não ter sido convidado oficialmente para participar do Congresso, o

grupo resolveu se instalar na cidade vizinha Lodz, e numa estratégia elaborada

com Eugenio Barba, levaram os participantes do evento para ver o espetáculo.

(BARBA, 2000, p. 82).

1964

Estréia, no 17 de março, o espetáculo Estudo sobre Hamlet. (KUMIEGA,

1989, p. 58).

91

Page 92: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

No verão deste ano, a Tulane Drama Review difundiu o trabalho do Teatr-

Laboratorium pela primeira vez na América. (BARBA, 2000, p. 75).

Em abril, Eugenio Barba, em uma das viagens com o intuito de divulgar o

trabalho de Grotowski, foi impedido, em Oslo, na Noruega, de voltar a Polônia.

Ao solicitar, numa mera formalidade, o visto de entrada no país, recebeu uma

negativa do consulado polonês com a alegação de que era persona non grata.

(BARBA, 2000, p. 101).

Em outubro, Barba, cria em Oslo (Noruega), o Odin Teatret, junto com jovens

atores “rejeitados pela escola nacional de teatro”. (BARBA, 2000, p. 109).

O Teatr-Laboratium 13 Rezedów é fechado pelas autoridades de Opole,

pressionados pelas autoridades centrais da Varsóvia. As autoridades municipais

de Wroclaw, com o intuito de salvar a companhia, providenciam o transporte e

a abertura do teatro em sua cidade Opole, na época, tinha sessenta mil

habitantes, enquanto Wroclaw era uma cidade de meio milhão de habitantes.

(BARBA, 2000, p. 161).

1965

Em janeiro, o Teatr-Laboratorium 13 Rzedów, transfere-se e inicia seus

trabalhos em Wroclaw, ganhando o status oficial de Instituto de Investigação

Teatral. (BARBA, 2000, p. 167).

Ainda este ano, o nome do grupo muda legalmente para Studies of Method of

Acting – Laboratory Theatre. (CHOJAK, 2006, p. 2).

Em termos de organização e orçamento, entretanto, o grupo ainda não era uma

instituição independente. Para as necessidades administrativas o teatro adquiriu

um pequeno espaço no terceiro andar e o porão do edifício Old Market Square,

e como espaço teatral, uma das salas do Centre of Culture and Art. (CHOJAK,

2006, p. 2).

Em maio, Grotowski e Ryszard Ciéslak foram convidados pela editora Masilio

para ir a Itália, dar conferências nas cidades de Pádua, Milão e Roma, que não

aconteceram pela falta de organização e divulgação, já que Grotowski ainda era

praticamente desconhecido no exterior. (BARBA, 2000, p. 110).

92

Page 93: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Depois de anos proibido de viajar para fora do país, o Teatr-Laboratorium

ganha permissão das autoridades polonesas para viajar. (BARBA, 2000, p.

162).

Estréia de O Príncipe Constante, uma adaptação de Slowaki do texto de

Calderón de La Barca. (KUMIEGA, 1985, p. 60).

Grotowski viaja a Inglaterra pela primeira vez por ocasião do casamento de

Eugenio Barba com Judy Jones. Em Londres, através de Mike Elster, conhece

Peter Brook. (BARBA, 2000, p. 72).

1966

Em fevereiro, pela primeira vez o Teatr-Laboratorium sai da Polônia e

apresenta um espetáculo no exterior, O Príncipe Constante, em Oslo, levados

pelo Odin Teatret. Os componentes do Teatr-Laboratoruim ficaram

hospedados nas casas dos atores do Odin ou de amigos. Na época, o Odin era

formado, além de Eugenio Barba, por quatro atores, todos com menos de vinte

anos. (BARBA, 2000, p. 111).

Em julho, depois do Odin Teatret, se transferir de Oslo para Holstebro

(Dinamarca), uma pequena cidade de dezoito mil habitantes, o grupo organiza

um seminário de quinze dias com Grotowski y Ryszard Ciélak. O seminário

teve trinta participantes procedentes de toda Escandinávia. Atores de renome

do Teatro Real de Copenhage e de teatros municipais de outras grandes cidades

realizaram algo que era completamente novo para a época: o trabalho

essencialmente físico, o traning, os exercícios físicos e vocais, o trabalho que

não partia da interpretação do texto, mas sim, do trabalho sobre si mesmo. Os

seminários aconteceram todos os anos, com a participação de Grotowski, até

1969. (BARBA, 2000, p. 112).

1967

Richard Schechner participou de um seminário que Grotowski realizou no

Canadá, em Montreal. Em dezembro do mesmo ano, colaborou para convidá-lo

a ir a New York University, da qual era professor. (BARBA, 2000, p. 76).

93

Page 94: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

1968

A Polônia foi palco de uma das primeiras revoltas estudantis na Europa. As

manifestações chegaram ao seu auge no início de março, após a censura da

peça de teatro "Os Antepassados", do poeta romântico Adam Mickiewicz.

As autoridades socialistas do país consideraram a peça contrária à Rússia e

proibiram a sua encenação. A censura provocou uma manifestação espontânea

por parte dos estudantes em frente ao monumento do poeta, na Universidade de

Varsóvia.

Os líderes da manifestação foram expulsos da universidade e, no dia 8 de

março, foi iniciado um ciclo de manifestações e repressões que atingiu à outros

centros e cidades da Polônia.

Os judeus foram responsabilizados pelos fatos e, com a ajuda da polícia

política e dos radicais do partido, o chefe do Partido Comunista Polonês,

Wladyslaw Gomulka (1956- 1970), ordenou a caça ao "judeu comunista".

Aproximadamente 20 mil pessoas abandonaram o país e 13.500 perderam a

nacionalidade entre 1968 e 1970, segundo documentos dos arquivos do país.

1969

Em fevereiro de 1969 estreou o último espetáculo de Grotowski, Apocalypsis

cum figuris. (KUMIEGA, 1985, p. 65).

O processo de criação do espetáculo durou quatro anos. Iniciou em 1965 partir

do texto de Slowaki, Samuel Zborowski, depois, em 1966, se concentrou nos

Evangelhos, para acabar fazendo uma montagem de textos da Bíblia, T.S.

Eliot, Dostoievsky e Simone Weil. (BARBA, 2000, p. 124).

Grotowski viajou pela segunda vez a Índia, visitou mestres de yoga e lugares

sagrados, como Bodh-Gaya, o lugar onde Buda meditou embaixo da árvore e

tornou-se “iluminado”. (BARBA, 2000, p. 2003).

1970

Inicia o período que foi denominado Parateatro, que vai até 1978. (OSINSKI,

1993, p. 96).

94

Page 95: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

O nome do grupo muda, mais uma vez, para Actor´s Institute – Teatr-

Laboratorium. Na metade dos anos setenta, decidiu eliminar as palavras “ator”

e “teatro”, deixando apenas Laboratorium Institute, porém este nome nunca foi

formalmente oficializado. (CHOJAK, 2006, p. 3).

Após sua viagem para Índia, aos 39 anos, Grotowski anuncia publicamente sua

decisão de não fazer mais espetáculos.

1971

Grotowski e Barba organizam um encontro de três semanas do Teatr-

Laboratorium no Odin Teatret, com espetáculos, encontros e entrevistas na

televisão. Grotowski viajou a Dinamarca com seus atores, Ludwick Flaszen,

Zbiniiw Osinski, dois representantes oficiais de Wroclaw e da PGART, a

agência governamental polonesa que “vigiavam” as companhias teatrais que

viajavam ao exterior. (BARBA, 2000, p. 125).

O livro Em Busca de um Teatro Pobre é publicado pela primeira vez no Brasil

e influenciou grupos teatrais, como o Teatro Oficina, de José Celso Martinez

Correa.

1972

Torgeir Wethal, ator e diretor, integrante do grupo Odin Teatret, realizou um

filme sobre o training de Ryszard Ciéslak. (BARBA, 2000, p. 72).

1973

Yan Michalski, teórico, crítico teatral e ensaísta polonês, radicado no Brasil

desde os doze anos de idade após o seqüestro dos seus pais pelo regime nazista

na Segunda Guerra Mundial, em 1973, a convite do governo da Polônia,

retornou a sua cidade natal, Czestochowa, e visitou, em Wroclaw, o Teatr-

Laboratorium de Jerzy Grotowski. (Enciclopédia Itaú Cultural, 2008).

Criação do American Institution for Research and Studies into the Oeuvre of

Jerzy Grotowski (Instituto Americano de Pesquisa e Estudos do Trabalho de

Jerzy Grotowski), cujo principal objetivo era o de "popularizar” as' descobertas

artísticas e idéias de Grotowski no EUA. (Mokrzycka-Pokora, 2002).

95

Page 96: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Foi nomeado Doutor Honoris Causa pela Universidade de Pittsburgh (EUA).

(Mokrzycka-Pokora, 2002).

1974

Grotowski visita o Brasil pela primeira vez. No dia 8 de julho realiza uma

palestra no Teatro Nacional do Rio de Janeiro, traduzida por Yan Michalski.

1975

O Teatr-Laboratorium apresentou Apocalypsis cum figuris na Bienal de

Veneza.

Neste ano o Teatr-Laboratorium organizou no Teatro das Nações, em

Wroclaw, uma série de eventos denominada de University for the Exploracion

of Theatre Of Nations (Universidade de Pesquisa do Teatro das Nações). Neste

período os maiores pesquisadores da área teatral do mundo viajaram para

Wroclaw, muitos deles inspirados por Grotowski. Os participantes incluíam:

Eugenio Barba, Jean-Louis Barrault, Peter Brook, Joseph Chaikin (Open

Theatre), Andre Gregory, e Luca Ronconi. (Instytut im. Jerzego

Grotowskiego).

1976

Inicia o período que foi denominado Teatro das Fontes, que vai até 1982. (DE

MARINIS, 1993, p. 85).

Grotowski visita a Índia pela quarta e última vez, com sua mãe Emília

Grotowska. Juntos vão a Arunashala, montanha onde se retirou o mestre

Ramana Maharishi, na década de 40. (BARBA, 2000, p. 63).

1978

O polonês Karol Józef Woityla (1920-2005) tornou-se o Sumo Pontífice da

Igreja Católica, Papa João Paulo II, tornando-se o primeiro Papa não italiano

em 450 anos (desde o holandês Adriano VI, no século XXVI).

1980

No início dos anos oitenta o Teatr-Laboratorium, composto por Rena Mirecha,

Teresa Nawrot, Irena Rycyk, Antoni Jaholkowski, Zbigniew Kozlowski, e

Stanislaw Scierski, depois de anos sem realizar espetáculos, teve uma

experiência na área performance: Polski. Inkantacje (Polish Thanatos) dirigida

96

Page 97: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

por Ryszard Ciéslak, apresentada pela primeira vez na cidade de Olsztyn, em

janeiro de 1981. (CHOJAK, 2006, p. 4).

Lech Walesa funda e lidera o sindicato Solidarność (Solidariedade), durante a

greve dos estaleiros navais em Gdansk.

1981

Em 13 de dezembro, numa noite de sábado para domingo, o primeiro-ministro,

o general Wojciech Jaruzelski, decretou lei marcial na Polônia para pôr fim às

atividades do sindicato Solidariedade, que tinha quase dez milhões de

membros, dezesseis meses depois de sua criação. O sindicato é considerado

ilegal e seus líderes são presos, inclusive Lech Walesa.

1982

Com o decreto da Lei Marcial, Grotowski, em 12 de agosto, abandonou sua

pátria para instalar-se em Holsebro, num pequeno quarto do Odin Teatret.

(BARBA, 2000, p. 129).

Após um período na Itália, e no Haiti, transferiu-se para os Estados Unidos,

onde permaneceu como refugiado até 1985. (OSINSKI, 1993, p. 96).

Manteve vínculo com a Columbia University de Nova Iorque (EUA) como

professor de drama. (OSINSKI, 1993, p. 96).

1983

Desenvolveu o programa Drama Objetivo na University of California, em

Irvine (EUA), subvencionado pela própria universidade, pela Rockefeller

Foundation e o Nacional Endowment of the Arts. Este trabalho realizado neste

ano e no ano seguinte é considerado como um período de transição entre O

Teatro das Fontes e as Artes Rituais. (OSINSKI, 1993, p. 96).

1984

Grotowski conhece Thomas Richards que, na época, era um ator em formação

que começou a freqüentar os estágios ministrados por Grotowski na University

of California.

1985

Foi nomeado Doutor Honoris Causa pela University of Chicago (EUA).

(Instytut im. Jerzego Grotowskiego).

97

Page 98: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Grotowski inicia na Itália uma pesquisa, que é considerada a quinta e última

fase de seu trabalho, que será denominada Artes Rituais. (OSINSKI, 1993, p.

96).

1986

Grotowski transfere-se a Pontedera, na Toscana e funda The Workcenter of

Jerzy Grotowski, onde trabalha com Thomas Richards e Mario Biagini, entre

outros. Grotowski foi a Pontedera convidado pelo Centro per la

Sperimentazione a la Ricerca Teatrale (agora Fondazione Pontedera Teatro),

dirigido por Roberto Bacci e Carla Pollastrelli, com o suporte da University of

California, em colaboração com Peter Brook e seu Centre Internacional de

Creations Theatrales (Paris, França) e Academie Experimentale dês Theatres

(Paris, França), com colaborações e concessões de várias fontes, incluindo a

Rockefeller Foundation.

1991

Foi nomeado Doutor Honoris Causa pela Universidade de Wroclaw (Polônia).

(Instytut im. Jerzego Grotowskiego).

1996

Grotowski decide mudar o nome do centro de pesquisa em Pontedera para The

Workcenter of Jerzy Grotowsi and Thomas Richards, reconhecendo a

importância singular da sua colaboração com Richads. Na última fase da

investigação, Grotowski estava preocupado com a transmissão. “A natureza do

meu trabalho com Thomas Richards tem caráter de “trasmissão”; transmitir

para ele aquilo o qual cheguei na minha vida: o aspecto interior do trabalho.”

(Instytut im. Jerzego Grotowskiego).

Atualmente, Thomas Richards conduz o centro, continuando e desenvolvendo

as pesquisas. Mario Biagini, um membro chave do centro desde sua fundação,

tem sido Diretor Associado do Workcenter, desde 2003. (Instytut im. Jerzego

Grotowskiego).

Grotowski viajou ao Brasil para participar do simpósio internacional,

promovido pelo SESC Consolação/São Paulo: A pesquisa do diretor Jerzy

Grotowski e Thomas Richards sobre a Arte como Veículo. O programa do

simpósio contou com dois encontros com Grotowski, quando foi apresentado o

98

Page 99: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

documentário Art as Vehicle, produzido por Mercedes Gregory, e com mais

três encontros, com Roberto Bacci, Georges Banu, Mario Biagini, Edgar

Ceballos, Jean-Marie Pradier e Anatoli Vassiliev. Além dos encontros, seu

grupo de trabalho realizou demonstrações da Action somente para convidados,

conduzidas por Thomas Richards. (GARCIA, 2005, p. 37).

Recebe Laurea Honoris Causa da Universidade de Bolonha (Itália).

1997

Em março inaugura a disciplina de Antropologia Teatral no College de France

em Paris com uma série de palestras intitulada A "linha orgânica" no teatro e

no ritual. (Instytut im. Jerzego Grotowskiego).

1999

Grotowski morre no dia 14 de janeiro em Pontedera. Seu último desejo foi que

suas cinzas fossem levadas até a montanha de Arunashala, na Índia. (BARBA,

2000, p. 63).

99

Page 100: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel de. Teoria da Literatura. 4 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1982.

ATTISANI, Antonio. Action in sé. In: ATTISANI, Antonio, BIAGINI, Mario. (org) Il Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards. Roma: Bulzoni, 2007.

ARTAUD, Artaud. O teatro e seu duplo. São Paulo: Max Limonad, 1987.

ASLAN, Odete. O ator no século XX. São Paulo: Perspectiva, 1994.

BACSKO, Bronislaw. Los imaginarios sociales: Memorias y esperanzas colectivas. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1991.

BARBA, Eugenio. O Quarto Fantasma. In: Urdimento – Revista de Estudos em Artes Cênicas/PPGT – UDESC. Florianópolis: UDESC/CEART, v. 1, n. 09, p. 29-42, dez. 2007.

____________ . La Tierra de Cenizas y Diamantes: Mi aprendizaje en Polonia. Barcelona: Ediciones Octaedro, 2000.

____________ . BARBA, Eugênio; SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral. São Paulo: Hucitec; Campinas: Ed. da UNICAMP, 1995.

BARILLI, Renato. Le due anime del concettuale. In: Tra presenza e assenza – due ipotesi per l’età postmoderna. Milão: Studi Bompiani, 1981.

BACHELARD, Gaston. Prefácio. In:DIEL, Paul. O simbolismo na mitologia grega. São Paulo: Attar Editorial, 1991.

BERNIS, Jeanne. A imaginação – Do sensualismo epicurista à psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, 7ed., Vol. I, 1991.

BROOK, Peter. A porta aberta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

100

Page 101: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

____________ . O Ponto de mudança. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994 (a).

__________ . El espacio vacío, Arte y técnica del teatro. Barcelona: Ed. Península, 1994 (b).

____________ . Grotowski, el arte como vehículo. In: Máscara – Cuaderno iberoamericano de reflexión sobre escenologia, número especial de homenaje a Grotowski, México: Escenología, ano 3, n. 11-12, p 80-81, jan. 1993 (a).

_______________ . La calidad como guia de actividades. In: Máscara – Cuaderno iberoamericano de reflexión sobre escenologia, número especial de homenaje a Grotowski, México: Escenología, ano 3, n. 11-12, p. 122-127, jan. 1993.

CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. 21 ed. São Paulo: Editora Palas Athenas, 2003.

_________________ . O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1997.

CAPRA, Fritjof. O tao da Física: um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental. 9 ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1993.

CHOJAK, Bruno. The Laboratory Theatre. Instytut im. Jerzego Grotowskiego. Disponível em: <http://www.grotowski-institute.art.pl/index.php?option=com_content&task=view&id=139&Itemid=144> Acesso em: 21 jan. 2006.

COHEN, Renato. Work in progress na cena contemporânea: Criação, encenação e recepção. São Paulo: Perspectiva, 2004.

______________. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1989.

DE ANDRADE, Milton. Affetto e azione espressiva nell’arte dell’attore: studio sul rapporto corpo-anima nelle teorie di Johann Jakob Engel, Fraçois Delsarte e Rudolf Laban. Bolonha, 2002. 274f. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) – Departamento de Música e Espetáculo. Universidade dos Estudos de Bolonha.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

101

Page 102: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

DE MARINIS, Marco. En busca del ator y del espectador – Compreender el teatro II. Buenos Aires: Gelerna, 2005.

_______________ . Teatro Rico y Teatro Pobre. In: Máscara – Cuaderno iberoamericano de reflexion sobre escenologia, número especial de homenaje a Grotowski, México: Escenología, ano 3, n. 11-12, p. 76-79, jan. 1993.

_______________ . El nuevo teatro, 1947- 1970. Barcelona: Paidós,1980.

DESVAUX, Alicia P. La figura del héroe. In: VERJAT, Alain. (ed.) El retorno de Hermes: hermeneutica y ciencias humanas. Barcelona: Anthropos, 1989.

DURAN, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, Editora da Universidade de São Paulo, 1988.

___________ . As estruturas antropológicas do imaginário. Lisboa: Presença, 1989.

___________ . De la mitocrítica al mitoanálisis: figuras míticas y aspectos de la obra. Barcelona: Anthopos, 1993.

DUVIGNAUD, Jean. Sociologia do comediante. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

________________ . Espectáculo y sociedad. Caracas: Tiempo Nuevo, 1970.

__________________ . El teatro y la revolución permanente. In: Sociología del Teatro. Caracas: Tiempo Nuevo, 1966.

ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. Yan Michalski. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=personalidades_biografia&cd_verbete=863> Acesso em: 01 jul. 2008.

ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 1998.

_____________ . Imagens e símbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo:Martins Fontes, 1996.

____________ . O Sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

102

Page 103: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

FLASZEN, Ludwik. Akropolis: Tratamento do Texto. In: GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.

FRANZ, Marie-Louise von. O processo de individuação. In: O homem e seus símbolos. 11 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1964.

GAFFIELD-KNIGHT, Richard. Grotowski: Igniting the Flame. 1992. Disponível em: <http://owendaly.com/jeff/grotowso.htm> Acesso em: 13 jan. 2006.

GAIARSA, José Ângelo. Couraça Muscular do caráter: William Reich/ José Ângelo Gaiarsa. 3 ed. São Paulo: Ágora, 1984.

GARAGALZA, Luis. La interpretación de los símbolos – hermenéutica e lenguaje en la filosofía actual. Barcelona: Antrophos, 1990.

____________ . Introdición a la hermenéutica contemporánea. Barcelona: Anthopos Editorial, 2002.

GARCIA, Silvana. Apocalipse Brasília Figura: Traços da presença de Grotowski no Brasil. In: Cuaderno de Picadero – Presencia de Jerzy Grotowski. Buenos Aires: Inteatro Editorial, ano 2, n. 5, p. 34-37, março 2005.

GROTOWSKI, Jerzy. A Possibilidade do Teatro. In: FLASZEN, Ludwick, POLASTRELLI, Carla. (org) O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969/textos e materiais de Jerzy Grotowski e Ludwick Flaszen com um escrito de Eugenio Barba. São Paulo: Perspectiva: SESC; Pontedera, IT: Fondazione Pontedera Teatro, 2007(a).

GROTOWSKI, Jerzy. Sobre a Gênese de Apocalypsis. In: FLASZEN, Ludwick, POLASTRELLI, Carla. (org) O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969/textos e materiais de Jerzy Grotowski e Ludwick Flaszen com um escrito de Eugenio Barba. São Paulo: Perspectiva: SESC; Pontedera, IT: Fondazione Pontedera Teatro, 2007(b).

__________________ . Da companhia teatral à Arte como Veículo. In: FLASZEN, Ludwick, POLASTRELLI, Carla. (org) O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969/textos e materiais de Jerzy Grotowski e Ludwick Flaszen com um escrito de Eugenio Barba. São Paulo: Perspectiva: SESC; Pontedera, IT: Fondazione Pontedera Teatro, 2007(c).

__________________ . O Diretor como Espectador de Profissão. In: FLASZEN, Ludwick, POLASTRELLI, Carla. (org) O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969/textos

103

Page 104: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

e materiais de Jerzy Grotowski e Ludwick Flaszen com um escrito de Eugenio Barba. São Paulo: Perspectiva: SESC; Pontedera, IT: Fondazione Pontedera Teatro, 2007(d).

__________________ . Os exercícios. In: FLASZEN, Ludwick, POLASTRELLI, Carla. (org) O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969/textos e materiais de Jerzy Grotowski e Ludwick Flaszen com um escrito de Eugenio Barba. São Paulo: Perspectiva: SESC; Pontedera, IT: Fondazione Pontedera Teatro, 2007(e).

__________________ . Testo senza titolo (1998). In: ATTISANI, Antonio, BIAGINI, Mario. (org) Jerzy Grotowski. Testi 1968-1998. Roma: Bulzoni, 2007(f).

__________________ . Ciò che resterà dopo di me (1995) – Intervista a cura di Jean Pierre Thibaudat. In: ATTISANI, Antonio, BIAGINI, Mario. (org) Jerzy Grotowski. Testi 1968-1998. Roma: Bulzoni, 2007(g).

________________ . Respuesta a Stanislawski. In: Máscara – Cuaderno iberoamericano de reflexion sobre escenologia, número especial de homenaje a Grotowski, México: Escenología, ano 3, n. 11-12, p. 11- 12, jan. 1993.

_______________ . El montaje en el trabajo del director. In: Máscara – Cuaderno iberoamericano de reflexion sobre escenologia, número especial de homenaje a Grotowski, México: Escenología, ano 3, n. 11-12, p. 56-61, jan. 1993.

______________ . Oriente/ Ocidente. In: Máscara – Cuaderno iberoamericano de reflexion sobre escenologia, número especial de homenaje a Grotowski, México: Escenología, ano 3, n. 11-12, p. 62-68, jan. 1993.

_______________ . Tu eres hijo de alguien. In: Máscara – Cuaderno iberoamericano de reflexion sobre escenologia, número especial de homenaje a Grotowski, México: Escenología, ano 3, n. 11-12, p. 69-75, jan. 1993.

_______________ . El performer. In: Máscara – Cuaderno iberoamericano de reflexion sobre escenologia, número especial de homenaje a Grotowski, México: Escenología, ano 3, n. 11-12, p. 76-79, jan. 1993.

_________________ . Em busca de um teatro pobre. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.

104

Page 105: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

_________________ . “Dia santo” e outros textos. Trad. José Ronaldo Faleiro a partir da edição francesa [“Jour Saint” et autres textes. Traduit du plonais par Georges Lisowski et l’auteur. Paris: Gallimard, 1974].

_________________ . Palestra com Jerzy Grotowski no Brasil - 1974. Tradução: Yan Michalski. Disponível em: <http://artes.com/sys/artistas.php?op=manif&artid=23$npage=1> Acesso em: 01 de julho de 2008.

HENDERSON, Joseph. L. Os mitos antigos e o homem moderno. In: O Homem e seus Símbolos. 11 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1964.

INNES, Christopher. El teatro sagrado – El ritual y la vanguardia. México: Fondo de Cultura Económica, 1992.

INSTYTUT IM. JERZEGO GROTOWSKIEGO. Grotowski (1933-1999)-Life. Disponível em:< http://www.grotowski-institute.art.pl/index.php?option=com_content&task=view&id=41&Itemid=30> Acesso em: 15 de agosto de 2006.

JAMESON, Frederic. “Fin del arte” ? o “fin de la história”? In: El Giro Cultural. Buenos Aires: Manantial, 1999.

_________________. A lógica cultural do capitalismo tardio. In: Pós-modernismo – A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Editora Ática, 1997.

JUNG, Carl G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2003.

_____________ . O eu e o inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1996. (Obras completas de C.G. Jung. Vol. VII/2).

_____________ . Aion – Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 1994. (Obras completas de C.G. Jung. Vol. IX/2).

_____________ . Símbolos de transformación. 3 ed. Barcelona: Ed. Paidós, 1993.

KERÉNYI, Karl. Os deuses gregos. São Paulo: Cultrix, 1998.

105

Page 106: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

KONDER, Leandro. As Ambigüidades da Utopia. In: Cronos: Publicação Cultural da UNIRIO/ Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especial Leandro Konder. Rio de Janeiro: UNIRIO, Ano 1, n. 2, p. 130-133, 2006.

KRIS, Ernest; KURZ,Otto. La leyenda del artista. Madri: Ed.Cátedra,1982.

KUMIEGA, Jennifer. Jerzy Grotowski. La ricerca nel teatro e oltre il teatro 1959-1984. Firenze: La casa Usher, 1989.

______________ . El final del Teatr-Laboratorium. In: Máscara - Cuaderno iberoamericano de reflexión sobre escenologia, número especial de homenaje a Grotowski. México: Escenología, ano 3, n. 11-12, p. 114-121, jan. 1993.

________________ . El Teatro Laboratorio de Grotowski. In: BRAUN, Edward. El director y la escena – Del naturalismo a Grotowski. 2ed. Buenos Aires: Galerna, 1986.

LANCEROS, Patxi. Al filo de un aforismo. In: Arquétipos y símbolos coletivos. Barcelona: Antrophos, 1994.

____________. Filosofía y Tragedia. Disponível em: <foster.20megsfree.com/128.htm> Acesso em: 12 dez. 2006.

LANCEROS, Patxi. & ORTIZ-OSÉS, Andrés. (Ed.) La interpretación del mundo – Cuestiones para el tercero milenio. Barcelona: Anthropos Editorial, 2006.

LANGER, K. Susane. Sentimento e Forma. São Paulo: Perspectiva, 2003.

LAUAND, Luiz Jean. Tomás de Aquino, hoje. São Paulo: GRD; Curitiba: Champagnat, 1993.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 8 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.

MOKRZYCKA-POKORA, Monika. Jerzy Grotowski. Disponível em: <http://www.culture.pl/en/culture/artykuly/os_grotowski_jerzy> Acesso em: 25 jul. 2006.

MOLLOY, Guillermo Echavarría. Una vida de héroe – Función e significado do mito. Buenos Aires: Biblos, 2001.

106

Page 107: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

NEUMANN, Eckhard. Mitos de Artista – Estudio psicohistórico sobre la creatividad. Madrid: Tecnos, 1986.

NEUMANN, Erich. História da origem da consciência. São Paulo: Cultrix, 1995.

ORTIZ-OSÉS, Andrés. Cuestiones fronterizas – una filosofía simbólica. Barcelona: Anthropos Editorial, 1999.

_______________ . El Círculo de Eranos: origen y sentido. Anthropos Revista de Documentación de la Cultura, Barcelona, n. 153, p. 23-27, 1994.

OSINSKI, Z. Grotowski traza los caminos: del drama objetivo (1983-1985) a las artes rituales (desde 1985). In: Máscara – Cuaderno iberoamericano de reflexion sobre escenologia, número especial de homenaje a Grotowski, México: Escenología, ano 3, n. 11-12, p. 96-113, jan. 1993.

OUAKNINE, Serge. Preguntas a Grotowski. In: Cuaderno de Picadero – Presencia de Jerzy Grotowski. Buenos Aires: Inteatro Editorial, ano 2, n. 5, p. 47-54, março 2005.

____________ . Cuando se acepta ser el mármol anonimo de uma obra. In: Cuaderno de Picadero – Presencia de Jerzy Grotowski. Buenos Aires: Inteatro Editorial, ano 2, n. 5, p. 55-61, março 2005.

PALACIO, Felipe Reyes. Artaud y Grotowski, el teatro dionisíaco de nuestro tiempo? México: Gaceta, 1991.

PALMER, Michael. Freud e Jung: sobre a religião. Loyola: São Paulo, 2001.

PANIKKAR, Raimon. Símbolo y simbolización: La diferencia simbólica. Para una lectura intercultural del símbolo. In: KÉRENYI, K. (org) Arquetipos y símbolos colectivos. Barcelona: Antrophos, 1994.

PAREYSON, Luigi. Estética: teoria da formatividade. Petrópolis: Rio de Janeiro, 1993.

PUZINA, Konstantin. Vivisección de un mito. In: CEBALLOS, Edgar. (selec. e notas) Princípios de dirección escénica. México: Escenologia, 1999.

107

Page 108: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

ROUBINE, JJ. A linguagem da encenação teatral. 2ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

ROPA, Eugenia Casini. La danza e l'agiprop – I teatri non-teatrali nella cultura tedesca del primo Novecento. Bologna: Il Mulino, 1988.

SAVARESE, Nicola. L'oriente di Grotowski. In: Storia del Teatro Moderno e Contemporaneo: Avanguardie e utopie del teatro, Il Novecento. Torino: Giulio Einaudi Editore, 2001.

SCHEFFLER, Ismael. Características do sagrado nas propostas teatrais de Antonin Artaud e Jerzy Grotowski. 2004. 156 f. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina.

STEIN, MOIRA; LEAL, MILTON DE ANDRADE; UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Corpo e palavra: organizacidade e ritualização da fala em práticas formativas do ator contemporânea. 2006. 149 f. Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina.

VARGAS, Antônio. Antropologia Simbólica: Hermenêutica do Mito do Artista nas Artes Plásticas. In: BULHÕES, Maria, KERN, Maria. As questões do Sagrado na Arte Contemporânea da América Latina. Porto Alegre: Editora UFGRS, 1997.

_______________ . Antropologia Simbólica: Hermenêutica do Mito do Artista nas Artes Plásticas. 1996. Disponível em: <http://www.arte.unb.br/anpap/vargas.htm>. Acesso em: 30 abr. 2005.

VON FRANZ, Marie-Louise. Adivinhação e sincronicidade – A psicologia da probabilidade significativa. São Paulo: Cultrix, 1985(a).

____________ . Alquimia - Introdução ao simbolismo e à psicologia. São Paulo: Cultrix, 1885(b).

XAVIER, Marlon. O conceito de Religiosidade em Jung. In: Psico – PUCRS. Porto Alegre: PCRS, v. 37, n. 2, p. 183-189, maio/ago. 2006.

108

Page 109: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

ANEXOS

109

Page 110: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Figura 1 – Jerzy Grotowski

110

Page 111: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Figura 2 – As cadeiras

111

Page 112: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Figura 3 – Akropolis

Figura 4 – Akropolis

112

Page 113: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Figura 5 – O Príncipe Constante

113

Page 114: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Figura 6 – O Príncipe Constante

114

Page 115: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Figura 7 – Riszard Cièslak

115

Page 116: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Figura 8 – Casa de campo onde aconteceram os projetos parateatrais do Teatr- Laboratorium, em Brzezinka (Polônia).

Figura 9 – Casa de campo em Brzezinka com neve.

116

Page 117: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Figura 10 – Campo de concentração – Brzezinka (Birkenau em alemão), Polônia.

117

Page 118: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Figura 11- Seleção nazi em Brzezinka.

Figura 13 – Varsóvia (Polônia), destruída pela guerra, 1945.

118

Page 119: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Figura 14 – Ascona (Suiça)

Figura 15 – Arunashala (Índia)

119

Page 120: MITOLOGIA E ASCESE: JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”tede.udesc.br/bitstream/tede/1230/1/DissertacaoMelissa.pdf · Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho

Figura 16 – Ramana Maharishi

Figura 17 – Ramana Maharishi

120