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pietro ubaldi

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  • ASCESE MSTICA

    PRIMEIRA PARTE O FENMENO ......................................................................... 1

    I. SITUAO DO PROBLEMA ........................................................................................ 1

    II. EVOLUO DA MEDIUNIDADE ............................................................................... 4

    III. MEDIUNIDADE METAFANIA MISTICISMO .................................................. 7

    IV. A CATARSE MSTICA E O PROBLEMA DO CONHECIMENTO..................... 11

    V. OBJETIVISMO E SUBJETIVISMO .......................................................................... 14

    VI. O MTODO DA UNIFICAO ................................................................................ 18

    VII. ESTRUTURA DO FENMENO MSTICO ........................................................... 24

    VIII. COROLRIOS F E RAZO ............................................................................. 29

    IX. DIAGRAMA DA ASCENSO ESPIRITUAL .......................................................... 34

    X. PRIMEIRO ASPECTO PLANOS DE CONSCINCIA ......................................... 38

    XI. SEGUNDO ASPECTO. EXPANSO DE CONSCINCIA .................................... 42

    XII. TERCEIRO ASPECTO. CONSCINCIAS COLETIVAS .................................... 44

    XIII. EGO SUM QUI SUM ............................................................................................... 49

    XIV. DA TERRA AO CU ............................................................................................... 53

    XV. METODOLOGIA MSTICA .................................................................................... 59

    XVI. A NOITE DOS SENTIDOS ...................................................................................... 63

    XVII. A UNIFICAO .................................................................................................... 69

    XVIII. INCOMPREENSO MODERNA ........................................................................ 74

    XIX. O SUBCONSCIENTE .............................................................................................. 77

    XX. O SUPERCONSCIENTE ........................................................................................... 80

    SEGUNDA PARTE A EXPERINCIA .................................................................. 86

    I. EM MARCHA ................................................................................................................ 86

    II. NAS PROFUNDEZAS .................................................................................................. 90

    III. DOR .............................................................................................................................. 96

    IV. RESSURREIO ...................................................................................................... 101

    V. A EXPANSO ............................................................................................................. 106

  • VI. A HARMONIZAO ............................................................................................... 110

    VII. A UNIFICAO ...................................................................................................... 114

    VIII. A SENSAO DE DEUS ....................................................................................... 119

    IX. CRISTO ...................................................................................................................... 123

    X. AMOR .......................................................................................................................... 127

    XI. A REDENO ........................................................................................................... 132

    XII. ASCESE DA ALMA ................................................................................................ 136

    XIII. MINHA POSIO ................................................................................................. 142

    XIV. MOMENTOS PSICOLGICOS ........................................................................... 151

    XV. IRMO FRANCISCO ............................................................................................. 154

    XVI. VISO DA CATEDRAL GTICA ....................................................................... 158

    XVII. PROFETISMO ...................................................................................................... 159

    XVIII. OS ASSALTOS .................................................................................................... 164

    XIX. TENTAO ............................................................................................................ 169

    XX. INFERNO .................................................................................................................. 172

    XXI. QUEDA DA ALMA ................................................................................................ 173

    XXII. MEA CULPA ......................................................................................................... 175

    XXIII. CNTICO DA UNIFICAO ........................................................................... 176

    XXIV. BEM-AVENTURANAS .................................................................................... 178

    XXV. CNTICO DA MORTE E DO AMOR ............................................................... 180

    XXVI. PAIXO. ASSIS, QUINTA-FEIRA SANTA, 1937. .......................................... 182

    Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse) .......................................................................... 189

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 1

    PRIMEIRA PARTE

    O FENMENO

    I. SITUAO DO PROBLEMA

    Analisarei neste volume o fenmeno da ascese mstica. Dispenso-me de no-

    vamente situ-lo no campo cultural e no momento psicolgico moderno, visto

    que o apresento em seu duplo aspecto de fenmeno cientfico e de fenmeno

    espiritual, como sequncia lgica e vivida do fenmeno inspirativo, j ampla-

    mente analisado no precedente volume1. Quem o tiver lido, nele ter encontra-

    do a dupla razo desta continuao, tanto no campo cientfico, como no campo

    espiritual. E, para responder objetivamente, ou ainda, quase fotograficamente,

    realidade do fenmeno, tal qual foi por mim vivido, aqui o analisarei e apro-

    fundarei sob dois aspectos decorrentes de duas psicologias diversas, que, embo-

    ra hoje consideradas opostas, so para mim equivalentes: a cincia e a f.

    Isto servir no apenas para demonstrar a substancial identidade do fen-

    meno em todos os campos, principalmente em face deste to discutido e con-

    troverso fenmeno mstico, mas tambm para evidenciar que j devem ser

    tidos como superados certos antagonismos to agudos, ultimamente trans-

    formados em sementes de dolorosas cises da unidade do pensamento e da

    f. Assim, quando eu tiver feito convergir para as mesmas concluses as ex-

    tremas e opostas atitudes do pensamento humano, minha concepo interpre-

    tativa, baseada na realidade por mim muito intensamente sentida, ter solidez

    de verdade universal e poder ser considerada um novo fundamento que, no

    meu permanente anseio de realizar o bem, terei conseguido lanar para a

    construo do edifcio do conhecimento. Ouso esperar isso no somente co-

    mo fruto do imenso trabalho interior em que me tenho amadurecido, por fata-

    lidade da lei de evoluo, superior aos mritos meus e minha prpria vonta-

    de, mas tambm porque este mesmo estudo constitui, para mim, to alto coro-

    amento de minhas precedentes snteses, que as posso resumir e levantar todas

    para aquilo que eu poderia chamar de minha mais alta sntese conceptual, de

    paixo e de vida. O fenmeno mstico , de fato, animado por um dinamismo

    1 As Nores, obra do mesmo autor (N. do T.).

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 2

    to potente e profundo, feito de maturaes e superamentos interiores to

    substanciais, anelante de mpetos to excelsos, que deve ser necessariamente

    considerado no vrtice das aspiraes da inteligncia e do corao.

    O precedente estudo, a que j me reportei, conquanto seja aparentemente

    exaustivo e definitivo, mais no do que a preparao deste, assim como o

    fenmeno da mediunidade inspirativa, nele descrito, nada mais foi, para mim,

    seno uma fase de vida. Nesta nova fase, na qual parecem levantar-se, como

    num turbilho, todas as potncias da alma humana, guiarei, atravs de minha

    exposio, o leitor que me seguiu at aqui, levando-o ainda alm da sensao

    viva da vertigem arrebatadora por mim vivenciada em meus estados supra-

    normais de viso e de xtase. Como j afirmei, trata-se aqui da continuao de

    precedentes fases do fenmeno, razo pela qual, neste escrito, devo referir-me

    necessariamente ao volume em que estas so descritas. Declarei que se trata de

    fenmenos por mim vividos e, por isso, sou compelido a falar ainda de mim.

    Se isso deselegante, constitui, todavia, garantia de objetividade, porque mi-

    nha anlise, tal como nas fases j examinadas, toca tambm aqui uma realida-

    de que, embora interior, perfeitamente acessvel para mim. Conquanto pes-

    soal e objetiva, dela pude abstrair-me nitidamente, submetendo-a a um estudo

    metdico, analtico e cientfico.

    Somente numa segunda parte, o fenmeno mstico apresentado em seu as-

    pecto espiritual, religioso e ideal, tal qual o foi de modo quase sempre exclusi-

    vo2. Ele se distingue, portanto, dessa comum nomenclatura, vaga e imprecisa,

    para ser aqui definido em suas linhas fundamentais, como fenmeno de evolu-

    o biolgica, levada at ao campo do mais alto psiquismo. Encarado assim,

    sob a forma de caso vivido, o fenmeno, conquanto parea circunscrito ao sub-

    jetivismo de minha conscincia individual, apresenta-se, sem dvida, no so-

    mente na solidez de uma realidade experimental, mas tambm nos limites de

    uma verdade universal, porquanto eu o concebo e encaro, em concordncia

    com a orientao filosfica e cientfica constantemente seguida por mim, como

    fase da normal evoluo biolgica humana, continuada e projetada aqui at aos

    superiores nveis da ascenso espiritual. Verdades, pois, universais estas de que

    trataremos; linhas fundamentais do desenvolvimento fenomnico, que lei das

    coisas; realidade objetiva situada alm do relativo, no absoluto; realidade pro-

    fundamente humana, tecida de lutas, de dores e de conquistas.

    2 Segunda parte do presente volume A Experincia (N. do T).

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 3

    Grande vantagem esta de poder operar sobre uma realidade psicolgica, pa-

    ra mim experimental, e sobre uma verdade universal. Estas so as duas bases

    de nosso estudo, bastante slidas, que compensam tudo quanto poderiam opor-

    me como defeito, em relao contnua necessidade de falar de mim e de mi-

    nha precedente produo literria. A esta devo, contudo, indispensavelmente

    reportar-me, porquanto dela resultam as primeiras fases da maturao do fe-

    nmeno espiritual por mim vivido. Para compreend-lo no caso concreto ana-

    lisado e apresentado aqui, imprescindvel recorrer, como preparao e expli-

    cao, ao meu passado, que o contm em germe e do qual ele se desenvolveu.

    No saberia estabelecer diversamente os termos deste estudo, at porque so-

    mente quem tem experimentado determinadas sensaes e emoes possui a

    palavra suficientemente vibrante para exprimir o inefvel.

    Perdoem-me semelhante ostentao, mas foroso reconhecer-se o quan-

    to seja ela inevitvel. Perdoem-me se ela parece chegar a uma confisso

    desapiedada de todo o meu ser at intimidade mais recndita, mas tal con-

    fisso proporcionar ao leitor aquela mesma sensao que provo, feita de

    sacrifcio e de holocausto, e no de vo exibicionismo. Doao de mim

    mesmo para o conhecimento e soluo dos mais rduos problemas da cin-

    cia e da f, implcitos no esprito; problemas do mundo, no somente em

    sentido evolutivo, mas tambm histrico, porquanto msticos sempre os

    houve, em todos os tempos e em todos os pases. Ampliado no apenas pela

    ressonncia que minha alma encontra nas almas de tantos msticos e que

    suas almas encontram na minha, mas tambm pela comunho de f, de expe-

    rincias e de metas espirituais e pela universalidade histrica de fatos e fe-

    nmenos vividos, meu pobre caso vai alm dos limites de um subjetivismo

    que, evidentemente, j no se acha circunscrito em mim, mas transborda

    para alm das fronteiras de minha personalidade.

    Espero haver justificado assim a posio em que situo o problema mstico,

    a qual se compensa aqui com dois pontos de apoio slidos em conjunto, em-

    bora de relativa debilidade entre si.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 4

    II. EVOLUO DA MEDIUNIDADE

    Coloco, assim, o fenmeno mstico na sequncia evolutiva do fenmeno

    inspirativo. Precisemos, pois, com maior exatido.

    Em meu livro precedente, classifiquei em vrias fases a mediunidade, que

    tenho considerado um fenmeno em evoluo, momento e expoente da maior

    evoluo biolgica humana, a qual, superadas as formas orgnicas, aventura-se

    hoje, desmaterializando-se progressivamente, nas formas psquicas. Aqui no

    demonstro, mas apenas relembro esta evoluo biolgico-psquica, alhures j

    por mim exaustivamente tratada3.

    Em seu primeiro nvel inferior, o fenmeno medinico manifesta-se em

    forma fsica, de efeitos materiais. Em um plano mais alto, aparece uma mediu-

    nidade superior, mais evolvida, de efeitos mentais. Formas demasiado conhe-

    cidas, para que nelas eu insista. Se, em seu primeiro nvel, a mediunidade inte-

    lectual simples mediunidade passiva e inconsciente, na qual a vontade e a

    conscincia do mdium se afastam do fenmeno, como elementos estranhos e

    inteis, ela, ao chegar por evoluo a um nvel mais elevado, transforma-se em

    sentido ativo e consciente, no qual, como tenho demonstrado, a conscincia do

    mdium est desperta e do qual parte integrante. Em verdade, ocupei-me

    longamente dessa mediunidade inspirativa, que a mediunidade intelectual

    ativa e consciente, limpidamente operante na viva personalidade do sujeito.

    Delineei a lei de ressonncia do fenmeno, pela qual, entre o centro de emana-

    o transmissor, individualizvel como nores ou correntes de pensamento, e a

    conscincia desperta do mdium, pode estabelecer-se, pela sintonia de vibra-

    es, uma comunicao, que base da recepo inspirativa.

    Este o ponto no qual me havia detido, porque, ento, ele constitua o ltimo

    termo de minha realizao, condio esta, porm, que j no se verifica agora.

    Aquelas afirmaes, no entanto, continham as razes para esta continuao.

    A mediunidade inspirativa4

    j imensamente superior comum mediuni-

    dade passiva e inconsciente, no apenas por ser ativa, mas tambm por tender

    a se fixar na personalidade do mdium, como sua normal emanao. No entan-

    3 Em A Grande Sntese e As Nores (N. do T.) .

    4 Os que estiverem habituados a denominar estes fenmenos com outra nomenclatura, a

    menos que substituam a palavra pelo conceito e a forma pela substncia, sabero igualmen-

    te, estou certo, compreender, ainda que as expresses por mim adotadas sejam inslitas

    para eles. (N. do A.).

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 5

    to o fenmeno no pode interromper aqui o seu desenvolvimento e, certamen-

    te, nos levar para altitudes vertiginosas, sobretudo em relao cincia, que

    no est acostumada a tratar de fenmenos cuja progresso evolutiva os leva a

    uma normal desmaterializao, pela qual eles so subtrados comum percep-

    o sensria e psquica, sendo levados aparentemente a desvanecer-se num

    mundo que, por ser impondervel, contestado pela cincia. Isto, porm, no

    constitui razo bastante para que eu deva deter-me, principalmente quando, em

    mim, encontro o guia de uma experincia vivida. Prossigamos ento, tal como

    durante um ano prosseguiu em mim o fenmeno. Releguemos ao passado

    aquela fase conhecida e superada, para nos aventurarmos na zona superior de

    evoluo do fenmeno medinico inspirativo.

    Temos visto que os dois termos do fenmeno inspirativo, semelhana de

    uma transmisso-recepo radiofnica, so dados pelo centro conceptual

    (emisso) e pela conscincia do mdium (captao e registrao). Os dois ter-

    mos so distintos, porm comunicantes, estando ligados por fenmeno de res-

    sonncia. A recepo norica baseia-se nesse princpio, estabelecendo-se atra-

    vs de um estado de sintonia ou harmonizao vibratria, que se alcana me-

    diante duas recprocas aproximaes: primeiro, a entrada na fase de super-

    conscincia por parte do eu do mdium, que se pe em tenso, realizando o

    deslocamento ascensional de seu centro ao longo da escala evolutiva das di-

    menses, at mais alta fase psquica e superconscincia; segundo, a descida

    ao longo da mesma escala evolutiva, atravs da involuo de dimenso con-

    ceptual por parte do centro emanante e de sua irradiao. Nesta condio, atin-

    gida atravs de uma recproca propenso de um para outro, torna-se possvel o

    encontro e o amplexo dos dois termos.

    Essas faculdades tendem, mediante contnuos exerccios, a superar a zona

    instvel de fadiga e de conquista, para alcanar a zona de assimilao comple-

    ta na personalidade do mdium, estabilizando-se na zona de instinto, como

    uma qualidade normal (automatismo).

    Forma-se um hbito da conscincia, atravs da constante e sutil respirao

    nas zonas rarefeitas dessa estratosfera do pensamento. A aproximao entre os

    dois termos tende, assim, a tornar-se cada vez mais estreita, mais constante,

    mais normal. Com o passar do tempo, a sintonizao vibratria entre transmis-

    sor e receptor estabiliza, por constante repetio, aquele estado de afinidade,

    que constitui simpatia e atrao, sendo esta reconhecidamente a condio bsi-

    ca sobre a qual tanto insisti no estudo do fenmeno da recepo norica.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 6

    evidente o resultado deste processo, pois ele contm um campo de foras

    convergentes para o mesmo ponto, que dever necessariamente ser tocado,

    mais cedo ou mais tarde. A comunicao anormal do pensamento tornar-se-,

    na conscincia do metafnico, uma espcie de educao e, consequentemente,

    de hbito para viver numa superior zona espiritual, na qual ela tender a nor-

    malizar, em forma cada vez mais estvel, o equilbrio de seu novo peso espec-

    fico psquico. Tal comunho no somente lhe estabilizar as vias de acesso,

    mas tambm lhe dilatar as fronteiras, que, se alcanavam antes apenas as zo-

    nas da inteligncia, em forma de luz resplandecente, porm fria, inundar ago-

    ra as zonas do corao e ser tambm calor que inflama de paixo.

    Intensamente ativo o Alto na transfuso de foras para a transumanizao

    do ser, tornando assim extremamente frvido de maturaes o fenmeno, que

    tende, ento, para uma gradual, progressiva e total elevao, de si para si, da

    conscincia receptora, de todo o eu humano do sensitivo, com todos os seus

    recursos e potencialidades. Da resulta uma espcie de incndio, que reduz a

    cinzas o homem velho, fazendo-o ressurgir numa forma completamente nova,

    na qual se apresentam totalmente renovadas a concepo, a orientao psico-

    lgica e a viso do fenmeno e de suas leis.

    Vemos, assim, o fenmeno da mediunidade inspirativa amadurecer e trans-

    formar-se, naturalmente, por lgico desenvolvimento, naquilo que se pode

    chamar, em seu primeiro tempo, metafania mstica, no sentido de uma recep-

    o cada vez mais total, com emanaes no mais exclusivamente conceptuais,

    mas tambm afetivas etc. Esse fenmeno, porm, medida que se encaminha

    para sua maturao, transcende de tal modo o simples fenmeno inspirativo,

    num arrebatamento de todo o ser, que acaba por se encontrar diante deste, co-

    mo a luz solar diante da luz lunar.

    Tal o fenmeno mstico de que agora nos ocupamos.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 7

    III. MEDIUNIDADE METAFANIA MISTICISMO

    Entraremos, mais adiante, nos pormenores deste desenvolvimento. Basta-

    nos, por agora, traar as linhas de orientao. A sucesso destas fases no a

    apreendi de livros, que no leio, ou de textos, que no consulto, mas sim de

    minha experincia direta. Quis conservar aqui minha virgindade de pensa-

    mento, permanecendo em contato direto e exclusivo com o fenmeno, de

    maneira que, depois, a eventual coincidncia com os resultados de outros

    estudos e de outras experincias se tornasse, para mim e para os outros, mais

    surpreendente e comprobatria.

    Fica assim definida a amplitude do fenmeno da ascese mstica, o qual

    objeto deste estudo. Por ascese mstica que pode ser expressa nestes termos e compreendida dentro destes limites entendo o desenvolvimento do fenmeno psquico, desde a fase de metafania lcida ou de inspirao consciente, at

    sua fase de misticismo, que se consuma com a unificao integral entre recep-

    tor e transmissor. O presente estudo, assim como minha experincia, que lhe

    serve de guia, move-se entre esses confins.

    A essncia do fenmeno consiste sempre na universal e insuprimvel evo-

    luo do esprito. Mas certo que, nesses nveis, o simples fenmeno medi-

    nico se espraia sobre tal mar de conquistas e de grandiosas afirmaes, que

    aquele fio de revelao supranormal e primeiro lampejo de transparncias

    transcendentais oferecido pela simples metafania, perde-se na vertigem de luz

    alcanada pelo estado mstico, no qual a personalidade, longe de ser diminu-

    da na inconscincia, arrebatada consciente at ao superconcebvel. Ouo a

    voz interior exprimir-se num cntico de harmonias universais, dizendo-me:

    Contempla a substncia espiritual das formas do ser. O todo um turbilho-nar de esferas. Este movimento representa a mais doce msica, a mais mara-

    vilhosa harmonia de luzes, a mais gigantesca construo, a mais ampla exati-

    do de relaes, sendo tambm cntico de conceitos e sentimentos. Observa e,

    na harmonia deste amor infinitamente mltiplo, esquece a dissonncia de tua

    dor, que se encontra fechada no tempo. Deixa teu esprito explodir alm de

    todas as medidas, no incomensurvel; alm de todos os limites, no infinito;

    alm de todos os ritmos menores, no ritmo divino do todo. Vers e ouvirs.

    Toda alma feita para ver e ouvir. Repara. Os seres dividem-se e renem-se segundo hierarquias. Cada um se

    pe, por virtude de seu peso especifico, em seu nvel natural, inviolavelmente.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 8

    Eles se veem e se falam e se escutam. Vozes e luzes, de plano a plano, descem

    e sobem, porque o Alto tem sede de se dar, como o plano inferior tem sede de

    ajuda. Esta a Lei, imperante em toda parte e em todo nvel. Assim tudo se

    distingue por individuaes inconfundveis, mas tudo volta a reunir-se e irma-

    nar-se na mesma luz e no mesmo cntico. Ao apelo do fraco responde um eco

    bondoso, havendo, graas bondade do Alto, sempre uma ddiva por fazer.

    Auxiliar-se reciprocamente, eis a Lei. A luz irradia do centro e transparece de esfera a esfera, atravs dos seres

    que a compem. O metafnico alma desperta escuta e ouve aquilo que para

    os outros silncio. Aquela luz, consubstanciada por conceito, harmonia e

    potncia, sinfonia de pensamentos e de aes, mas tambm corrente de amor

    e de fora a enxertar-se no esprito, que a causa nica da vida. Ela refora as

    motivaes e fecunda vossas obras. A percepo norica um contato com a irradiao divina, que a linfa

    vital do universo. Por isso, vos digo: Escutai e purificai-vos, para que tudo seja ascenso.

    No ausculteis em vo, por simples curiosidade, porque sagrada a voz do

    Alto. No dissipeis a potncia substancial da vida. Sirva-vos tudo isso para

    subir. Jamais atendais s tristes vozes dos planos inferiores, a no ser para aju-

    dar a sofrer e a subir. A lei de ascenso moral, conduzida atravs da bondade e do amor, a lei

    do centro, que por ela sustm o universo. Relembro aqui as palavras de Goethe a Eckermann: Nenhuma produo de

    ordem superior, nenhuma inveno jamais procedeu do homem, mas emanou

    de uma fonte ultraterrena. Portanto o homem deveria consider-la um dom

    inesperado do Alto e aceit-la com gratido e venerao. Nestas circunstn-

    cias, o homem somente o instrumento de uma potncia superior, semelhante

    a um vaso julgado digno de receber um contedo divino.

    Sentiremos depois, mais de perto, o incndio daquelas sublimaes de esp-

    rito, pelas quais se passa da fase de inspirao consciente de unificao ms-

    tica. Mas necessrio, antes, compreender e explicar racional e cientificamen-

    te o fenmeno. Antes de abandonar-se ao impetuoso lirismo da viso, neces-

    srio seguir o fenmeno em cada uma de suas manifestaes, apreendendo-o

    em sua realidade nua, com as tenazes do analista. Cumpre, antes de tudo, dar

    completa satisfao razo.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 9

    Na evoluo do fenmeno medinico, do plano fsico ao plano psquico

    inconsciente e depois ao consciente, at unificao mstica com a fonte, a

    nota fundamental a progresso de conscincia e de interveno da vontade,

    concomitante a uma desmaterializao, na qual se encontra uma progressiva

    conquista do fator moral, uma ascendente realizao de acrisolamento espiri-

    tual, uma transformao do peso especfico, que se faz cada vez mais livre e

    mais leve. Todo o vasto fenmeno da evoluo da mediunidade se conjuga,

    assim, em suas zonas de desenvolvimento, atravs de caractersticas constan-

    tes. Enquanto a mediunidade de efeitos fsicos move-se prevalentemente por

    fora de causas barnticas5, apoiando-se na tcnica ectoplasmtica, e a me-

    diunidade intelectual inconsciente pode abrir-se por todas as portas, fazendo-

    se rgo de recepo de todo pensamento, desde o mais nobre at o mais vil,

    assistimos aqui a um processo de progressiva purificao do fenmeno e do

    mdium. Na recepo inspirativa consciente, o fator moral, como tantas vezes

    tenho insistido, ocupa o primeiro plano, constituindo no fenmeno mstico

    no somente condio prevalente, mas tambm absoluta e irrevogvel, tanto

    que este representa o vrtice da perfectibilidade moral e religiosa. O fenme-

    no, assim, em suas mais altas maturaes, transborda alm dos limites das

    possibilidades e da competncia da cincia, no campo da f e da religio. Para

    mim, todavia, no existe antagonismo, a no ser de relatividade de perspecti-

    vas e de unilateralidade de pontos de vista. Devemos, contudo, elevar a cin-

    cia ao nvel da f e empreender, sem transviar-nos, a penetrao nos domnios

    do supersensrio. chegada a hora de carem para sempre, assim como caem

    todas as coisas ultrapassadas, estes antagonismos entre cincia e f, hoje des-

    titudos de sentido, porque filhos de vises unilaterais e de momentos histri-

    cos superados, relegados ao passado.

    O fenmeno mstico deixa para trs assim, na via das ascenses humanas,

    os fenmenos medinicos, dos quais, embora se origine neles, liberta-se com-

    pletamente, como se pode ver. Ingressamos, ento, em um campo supermedi-

    nico, embora resultante do medinico. Nestas superiores fases, s quais o

    fenmeno ascende, intensificando-se e libertando-se, ingressamos numa zona

    de extrema purificao.

    5 Neologismo formado de elementos gregos: baros (gr. bros, ous) pesado, denso, e ontos

    (gr. n, ntos) ser, entidade. Barnticas: provenientes de espritos de constituio densa (enti-dades inferiores). Esse problema de correntes barnticas amplamente explanado no livro As

    Nores, do mesmo autor (N. do T.).

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 10

    Ainda no pude elevar a nveis mais altos, pelo menos at hoje, minha ca-

    pacidade de penetrao. Parece-me haver tocado o vrtice de minhas possibili-

    dades e do meu sonho de realizaes humanas.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 11

    IV. A CATARSE MSTICA E O PROBLEMA DO CONHECIMENTO

    O fenmeno mstico pode ser tambm concebido, na sua mais ampla

    acepo, como um momento das ascenses espirituais humanas. Ele inclui,

    portanto, o problema do conhecimento e pode ser considerado, como o con-

    sidero, uma verdadeira tcnica de pensamento e mtodo particular de indaga-

    o, dotados de superlativo rendimento. Alhures, j insisti nestes conceitos,

    quando do estudo do fenmeno inspirativo. Prosseguindo a anlise do mes-

    mo fenmeno, em suas fases superiores, natural que aqueles conceitos tam-

    bm encontrem aqui seu ulterior desenvolvimento.

    a evoluo do esprito que traa e supera os limites do conhecimento, si-

    tuando-o diversamente em seu progredir, at ao ponto no qual a unificao

    com a fonte de emanao, que encontramos no vrtice do fenmeno mstico,

    torna-se tambm unificao, numa nica verdade humanamente absoluta, dos

    divergentes aspectos sob os quais se contempla o relativo. Assim, s diferentes

    fases da evoluo espiritual correspondem diversos graus de conhecimento e

    diferentes aproximaes de revelao da verdade.

    Nos albores de sua vida espiritual, o homem no sabe elevar-se alm das

    imediatas consequncias de suas impresses sensrias. Seu julgamento se de-

    tm, ento, na superfcie dos fenmenos, limitando-se a uma interpretao

    emprica e desconexa, que simplesmente projeta, no cosmo, as reaes de seu

    pequeno mundo interior.

    Num mais avanado momento, a conscincia, ao atingir um grau de ama-

    durecimento maior, como vem acontecendo at hoje no seio da civilizao,

    quer dar-se conta do valor das prprias reaes e, por isso, no apenas procu-

    ra, mas tambm exige uma verdade menos aparente e mais substancial, indo

    ao encontro dos fenmenos com o olhar objetivo do observador, e no mais

    exclusivamente com a fantasia do primitivo. Ela tem, assim, aprendido a ca-

    talogar fatos, coordenando-os segundo planos hipotticos e tentando desco-

    brir-lhes a lgica, para fixar a lei de progresso dos fenmenos e, com isso,

    chegar a estabelecer gradualmente os princpios, cada vez mais abstratos e

    gerais, que regem o funcionamento orgnico do universo. Tal a presente

    fase cientfica. Diante do homem supersticioso, que se impressiona antes de

    saber observar, o homem moderno percebe, com toda razo, a sua superiori-

    dade e sente-se orgulhoso de no se deixar invadir por vos temores, diante

    de fenmenos cuja causa pode compreender com seu poder de anlise. E isto

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 12

    j muito. O homem tem desenvolvido esta potncia arquitetnica que a

    racionalidade. Ela a capacidade para realizar as construes ideolgicas;

    o poder de escolha e de coordenao; a viso de relaes e unificao; a

    induo, a deduo e a sistematizao que guiam para a reconstruo do pen-

    samento originrio da Criao.

    A cincia tem recolhido todas as pedrinhas do grande mosaico, procuran-

    do reconstruir o grandioso painel, sem, todavia, lograr nada mais do que de-

    linear uma simples figura. Trata-se de um longo caminho e de um mtodo

    extremamente prolixo, a tal ponto que pode ser considerado inadequado

    consecuo da sntese mxima. Evidencia-se, dessarte, a inpcia da cincia e,

    consequentemente, uma fundamental questo de mtodo, o qual, da forma

    como concebido, nada mais pode ser do que um eterno caminhar, incapaz

    de atingir uma sntese.

    Da maturao evolutiva da conscincia humana decorre, porm, uma fun-

    damental mutao. Sinto por experincia pessoal e por observao de tipos

    histricos do movimento das leis biolgicas, a verdade desta afirmao. O

    fenmeno da catarse mstica representa uma to completa elevao da consci-

    ncia, que se lhe escancaram as vias do conhecimento. Este um importante

    aspecto do fenmeno mstico, que estamos aqui estudando. Antes de enfren-

    tarmos seus maiores aspectos psicolgicos, ticos e religiosos, examinemo-lhe

    sob a perspectiva cientfica e gnoseolgica.

    Os trs graus do conhecimento, dados pela fase sensria, fase racional-

    analtica e fase intuitivo-sinttica, correspondem aos trs tipos de homem e

    de conscincia por mim descritos em outra obra6, a saber: o homem vegetati-

    vo, fsico, sensrio e de ideao concreta, movido pelos instintos primordiais

    da vida; o homem racional, psquico, nervoso e utilitrio, submetido edu-

    cao; o super-homem, dono de si, das foras da vida e do conhecimento. O

    fenmeno da ascese mstica representa a maturao biolgica deste novo tipo

    de homem.

    Acontece agora, neste momento da evoluo humana, uma tal renovao da

    conscincia, que seus efeitos so incalculveis no campo psicolgico, mere-

    cendo, portanto, um exame particular. Trata-se de uma nova e autntica tcni-

    ca de pensamento, de uma completa reconstruo dos mtodos de pesquisa e

    6 Em A Grande Sntese, cap. 78 As Vias da Evoluo Humana; v. tambm Cap. 37

    Conscincia e Superconscincia. Sucesso dos Sistemas Tridimensionais (N. do T.) .

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 13

    de orientao cientficas. Devo, por isso, retornar a esses conceitos, j prece-

    dentemente esboados7, para aqui lev-los mais alm, na continuao lgica de

    seu desenvolvimento. Devo retornar a eles porque, se, naqueles escritos, o

    mtodo da intuio comeava a revelar-se na fase de mediunidade inspirativa

    consciente, aqui ele se manifesta plenamente na fase mstica, que lhe constitui

    a continuao. Neste nvel de evoluo, est completa a maturao daquele

    mtodo, cujo rendimento se nos apresenta com plena eficincia.

    7 V. As Nores, particularmente os captulos V Tcnica das Nores, e VI Conclu-

    ses. (N. do T.).

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 14

    V. OBJETIVISMO E SUBJETIVISMO

    Ao enfrentar o problema gnoseolgico, partimos de princpios decisiva-

    mente novos no pensamento moderno. O conhecimento, creio, no se alcana

    com os mtodos chamados objetivos, de projeo para o exterior, mecnicos,

    iguais para todos e acessveis a todos, mas sim por mtodos subjetivos, de

    introspeco, peculiares somente a determinados tipos de superconscincia

    Creio que os limites do conhecimento sejam dados e medidos, prevalente-

    mente, segundo o grau atingido pela conscincia humana na escala da evolu-

    o psquica. Isto significa que a amplitude do campo fenomnico dominado

    condicionada extenso conseguida pelo eu em sua evoluo, que sua

    potenciao e dilatao. Eis a razo pela qual o fenmeno mstico, que a

    fase superior de evoluo do esprito, apresenta-se conexo com o problema

    do conhecimento e coincide com sua soluo.

    Coloco-me, assim, como antpoda da hodierna forma mental adotada pela

    cincia, ao mesmo tempo que, sobrepondo-me psicologia objetiva, elevo

    para os primeiros planos o subjetivismo.

    Indiquei, no princpio, o carter subjetivo deste escrito, que tambm a

    tnica de toda a minha orientao psicolgica. Podero arguir-me de subjeti-

    vismo, como se isso fosse um defeito. A objeo, que pode ser global, insur-

    gindo-se contra a minha personalidade e contra o valor que atribuo ao mto-

    do da intuio, parece grave, mas no .

    Como pode a cincia racional opor-me, como defeito, a arbitrariedade do

    subjetivismo e de suas bases intuitivas, quando ela mesma se funda sobre bases

    axiomticas, igualmente intuitivas e arbitrrias, que ainda carecem de demons-

    trao? Os fundamentos daquele organismo conceptual, de onde pode provir

    esta acusao, embora sejam considerados absolutamente seguros, so axiomas

    gratuitos, de valor transitrio e extremamente relativo. Isto pode dar a alguns

    espritos autnomos a sensao de que o pensamento humano, em toda a sua

    esmagadora congrie de construes ideolgicas, filosficas e cientficas, mova-

    se sobre bases convencionais. No entanto a cincia ignora o que sejam, substan-

    cialmente, os fenmenos sobre os quais opera. Ela averigua e combina os efei-

    tos, pois suas experincias indicam que as coisas ocorrem deste e daquele modo,

    mas, por que causas e de que maneira isto ocorre, no o sabe. No campo abstra-

    to, se penetrarmos at aos bastidores desataviados da construo ideolgica e

    pusermos a nu o jogo com que se tece e desenvolve a cadeia do silogismo hu-

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 15

    mano, verificaremos, subindo de concatenao em concatenao e de relao

    em relao, que se deve necessariamente chegar ao ponto fixo de partida, pe-

    dra basilar de todo o edifcio. Ora, esse ponto fixo, justamente aquele pelo qual

    regida a construo e por cuja falta toda ela se esboroa, simplesmente um axi-

    oma do qual outra coisa no se sabe dizer, alm de que assim porque assim,

    e cuja demonstrao se reputa suprflua, pela simples razo de o declararem

    evidente. Assim, enquanto, para a aceitao de um pormenor, so exigidas mil

    provas, nada se requer para a aceitao do princpio-base, simplesmente porque

    ele j existe na qualidade de aceitao indiscutida na grande maioria humana.

    Ento a garantia dessa verdade fundamental confiada nica e exclusivamente a

    um fundo de intuio coletiva, que instintivamente apoia um mnimo de verda-

    de. Instintivamente e, portanto, fora de qualquer controle racional. Assim, dei-

    xando parte a cincia utilitria, vemos que a verdadeira cincia abstrata, filo-sfica, matemtica, de contedo conceptual volve e revolve, reincide e apoia-se toda ela sobre rudimentos de intuio. Intuies menores, mas seguras, garan-

    tidas somente pelo fato de se estenderem a um grande nmero de pessoas; ou

    intuies maiores, de gnios, videntes insulados, as quais so posteriormente

    desenvolvidas, analtica e racionalmente, pela cadeia do raciocnio.

    H, pois, nas razes do pensamento moderno uma zona daquela arbitrarie-

    dade e daquela intuio, justamente das quais se viria a inquinar meu subjeti-

    vismo. O mtodo da intuio consiste apenas numa extenso do mesmo siste-

    ma comum a todo desdobramento ideolgico. Isto significa estender o mesmo

    contato intuitivo a todo o desenvolvimento, mantendo-se constantemente no

    sistema axiomtico, sem buscar apoio racional. Se o axioma o contato intui-tivo com o absoluto, estendo esse contato e o torno contnuo e universal. No condeno, pois, a cincia; considero-a, antes, como uma centelha de pensamen-

    to que se estende at ao ponto onde no est demonstrada e aonde no chega a

    sua atividade racional. Amplifico, assim, seus fundamentos num mtodo que,

    embora acessvel somente a quem, por evoluo, tenha-o conquistado, o ni-

    co que verdadeiramente pode atingir o conhecimento.

    O mtodo da intuio no aceito pela cincia positiva moderna, porque

    antiobjetivo. Ele rejeitado porque, enquanto o mundo fenomnico, segundo o

    mtodo da observao e da experimentao, aproximadamente igual para

    todos e suscetvel de ser entendido e construdo, o mtodo intuitivo, sendo

    extremamente pessoal e subjetivo, no possui fora para subir e elevar-se a

    uma altura maior do que a de uma interpretao pessoal.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 16

    Existe a uma ideia preconcebida, que, baseando-se na quantidade, admite

    como garantia da verdade a simples extenso numrica do juzo. D-me isto a

    ideia de cegos que se do a mo, para guiarem-se reciprocamente. Ora, o re-

    sultado da observao exterior , se no total, pelo menos parcialmente igual

    para todos, porque, sendo exterior, est conjugado apenas forma mais sim-

    ples de percepo sensria, a qual, por ser a mais rudimentar, tambm a

    mais difusa e fundamental no mundo biolgico. O valor da objetividade

    apoia-se, portanto, somente na extenso de uma identidade de juzo, que ,

    por sua vez, filha de uma identidade de construo fisiolgica, nervosa e ps-

    quica. A objetividade, ento, revela-se tanto mais evidente, quanto mais pri-

    mitiva a estruturao sensria da qual ela depende, como se d primeira-

    mente com o tato (e sabemos quo ilusria esta indiscutvel realidade sens-

    ria em face da constituio cintica da matria), depois a vista, o ouvido etc.

    Pode-se dizer ento que ela funo direta da inferioridade do nvel evoluti-

    vo, pois o ser, necessariamente, quanto mais evolve, tanto mais penetra, gra-

    as lei de diferenciao, no subjetivismo.

    Ora, o mtodo objetivo, embora apresente a vantagem de chegar a conclu-

    ses e interpretaes mais universais, parece construdo, por sua natureza, pre-

    cisamente para permanecer aderente, sem poder super-las, s aparncias mais

    exteriores, s estruturas e interpretaes fenomnicas mais rudimentares e su-

    perficiais. Esta unidade de juzo uma vantagem apenas aparente, pois no

    apenas nos deixa na superfcie, mas tambm tende a nos reconduzir sempre

    para o relativo, o particular, no constituindo, absolutamente, uma unidade de

    orientaes e de concluses, nem fornecendo uma universalidade de concep-

    es capaz de alcanar a substncia das coisas. O objetivismo nasceu fatal-

    mente sem asas. Com efeito, a cincia hodierna incapaz de construir um sis-

    tema que contenha a explicao de todos os fenmenos e que evidencie, por

    meio deles, o funcionamento da lei universal.

    O mtodo objetivo , em suma, a negao do mtodo da penetrao na

    profundeza e na substncia das coisas, parecendo-me quase um lastro que

    intercepta e detm em baixo, automaticamente, as vias do conhecimento,

    sendo capaz de resultados utilitrios, mas impotente em face de resultados

    mais profundos. O valor da objetividade reside inteiramente nesse consenso

    humano, que certamente no contm a chave do absoluto, nem pode ser to-

    mado como medida das coisas. O nico e verdadeiro consenso est na voz

    dos fenmenos, a qual somente o subjetivismo intuitivo sabe ouvir e fazer

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 17

    ouvir, fazendo-a emergir do silncio do mistrio. No pode deixar de nascer,

    no nimo de quantos hajam ouvido esta voz, uma confiana em outras pro-

    vas, que no so aquelas fornecidas pelos sentidos e pelos instrumentos, nem

    aquelas estabelecidas pela aceitao da normal psicologia humana.

    Mas no tudo. O mtodo objetivo baseia-se totalmente sobre um erro fun-

    damental de situao, que lhe impede a penetrao conceptual dos fenmenos.

    Esse erro consiste na distino entre o eu e o no-eu, entre o sujeito e o objeto,

    entre a conscincia e o mundo exterior. Sobre esse individualismo, filho do ego-

    smo, baseia-se toda a psicologia cientfica hodierna. Ora, faz-se mister admitir

    que as duras necessidades da psicologia de luta imposta pela vida no podem ser

    definitivamente superadas. Enquanto, no mtodo intuitivo, a conscincia, fazen-

    do-se humilde, mas sensvel, logra transportar-se, por vias interiores, do seu

    ntimo ntima essncia dos fenmenos, no mtodo objetivo, a conscincia,

    permanecendo autnoma e volitiva, no apenas suprime sua sensibilidade e su-

    foca a voz dos fenmenos, mas tambm, chocando-se contra eles, sem penetr-

    los, detm-se na superfcie, na forma, no tocando seno aparncias e iluses. O

    pensamento de Deus, que est no ntimo das coisas, retrai-se quando enfrenta-

    do com uma psicologia de dvida e de violncia, no entanto revela-se esponta-

    neamente a quem se aproxima com amor e f. Tal a lei da vida.

    O objetivismo , pois, filho de um preconceito, resultando de um fundamen-

    tal instinto humano. Que valor ter ele, ento, ao ser transportado para a atmos-

    fera rarefeita da concepo? da que procede essa orientao psicolgica de

    destruio. A distino entre sujeito e objeto no somente separatismo que

    distancia, cavando um insupervel abismo de incompreenso entre observador

    e fenmeno, mas tambm verdadeiro antagonismo, porque a observao parte

    justamente da negao e da dvida, para tomar como garantia de verdade exa-

    tamente a desconfiana, opondo-se confiana e f, condio na qual se as-

    sume uma atitude mental que fecha, a priori, todas as vias de comunicao.

    Com essa psicologia de agresso e negao, no se pode chegar seno des-

    truio conceptual, obtendo apenas trevas e silncio diante do mistrio.

    O mtodo do subjetivismo e da intuio oposto ao mtodo do objetivismo.

    Enquanto o segundo distancia, diverge e separa, o primeiro aproxima, converge

    e unifica. O subjetivismo verdadeiramente o mtodo que, demolindo comple-

    tamente o dualismo do mtodo objetivo, realiza a unificao conceptual.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 18

    VI. O MTODO DA UNIFICAO

    Como, ento, resolveremos o problema do conhecimento?

    neste ponto que, de novo, ele se conjuga e se funde com o fenmeno da

    ascese mstica, porque o mtodo da unificao pode manifestar-se apenas

    quando a evoluo da conscincia atinge a fase mstica. Nesse plano ocorre o

    grande fenmeno da unificao, que aprofundaremos a seguir. Isto no podia

    deixar de ter reflexos e repercusses tambm no campo gnoseolgico. A evo-

    luo altera os mtodos e dilata a conscincia. Assim como a psicologia racio-

    nal absorvida na expanso da psicologia intuitiva, processo pelo qual se pas-

    sa da fase lgico-cientfica fase que poderemos chamar inspirativa, a intuio

    tambm continua e completa-se na unificao conceptual, dando-se o mesmo

    com a recepo inspirativa, que continua e completa-se, como veremos, na

    fuso unitria dos dois termos dessa recepo.

    Uma vez atingido esse pice, desaparece na conscincia o dualismo do m-

    todo objetivo. Aproximam-se ento os dois termos: sujeito e fenmeno; a dis-

    tncia reabsorvida at desvanecer-se; solda-se a ciso; o dissdio entre os

    dois antagonismos sanado; abre-se a compreenso. Em relao a este fen-

    meno da unificao, ocupamo-nos aqui somente do que dele se reflete no pro-

    blema do conhecimento. Quando a conscincia, na catarse mstica, no apenas

    se comunica quase radiofonicamente com a fonte norica, como na mediuni-

    dade inspirativa, mas tende tambm, por um processo que examinaremos, a

    sobrepor-se e identificar-se com a prpria fonte, ento o contato to ntimo e

    integral, que se adquire espontaneamente o conhecimento, mediante um novo

    sentido de viso, no qual a verdade transborda de todas as categorias da razo,

    cujos esquemas racionais se reduzem ento a uma priso insuficiente para con-

    ter os conceitos. A conscincia transcende os confins da lgica, trazendo uma

    sensao de imensa dilatao, pela qual o pensamento humano abalado em

    sua base, numa revoluo e renovao to completas, que seus fundamentos

    permanecem incompreensveis e inadmissveis para quem no os tenha expe-

    rimentado. A compreenso existe, na verdade, em funo da amplitude e pro-

    fundidade do campo de conscincia e de seu grau de sensibilizao.

    Para resolver o problema do conhecimento, necessrio atingir a universa-

    lidade do eu. Faz-se mister escancarar, mediante um ato de f e de amor, me-

    diante um senso de completa submisso, as portas da alma e projetar-se fora de

    si, para que o infinito nela penetre. Certamente, este um comportamento no-

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 19

    vo na hodierna psicologia, contudo ele necessrio consecuo de resultados

    novos. Somente a identificao do eu com o fenmeno pode permitir a dilata-

    o do primeiro at aos limites do segundo. Assim, quando o fenmeno se

    tornar o universo, a expanso do eu no ter limites, como no os tem a Divin-

    dade. O amplexo de almas abranger o infinito. Atiram-se fora ento as velhas

    muletas da observao e voa-se. somente atravs da evoluo do sujeito, por

    meio de renovaes de conscincia, que se podem obter superamentos to

    substanciais. Resolve-se ento o problema do conhecimento. Neste novo modo

    de ser, o conhecimento est implcito; a verdade revela-se automaticamente,

    por viso; a sntese apresenta-se espontnea, simples e completa. So deixadas

    para trs a observao sensria e a presumida segurana objetiva, como mto-

    dos rasteiros, inadequados, incapazes de verdadeira sntese; so abandonadas

    as tortuosas vias da razo, para conquistar uma nova sensao do verdadeiro,

    direta, imediata e exauriente. A viso verdadeira e palpitante; a concluso, j

    no mais oriunda de uma fatigante destilao cerebral, vivente; nela o uni-

    verso vibra e exulta de pensamento e de ao.

    Com a dissoluo do separatismo da fase egostica na unificao da fase al-

    trustica, caem as barreiras do dualismo do mtodo objetivo. A verdadeira nica

    e radical soluo do problema do conhecimento s pode ser obtida mediante a

    transferncia da conscincia para um plano superior de evoluo. O problema

    filosfico no pode ser insulado nem resolvido independentemente da realidade

    biolgica e psquica. Ele reside na personalidade humana e com ela avana, no

    podendo progredir seno como um momento do progresso desta. necessrio

    romper o crculo dos impulsos instintivos, bem como os vnculos da psicologia

    racional e das concepes habituais. Assim como o mistrio da unificao na

    ascese mstica, a conquista do conhecimento tambm um fenmeno natural,

    que se desenvolve segundo uma tcnica prpria de desenvolvimento.

    Ento, ao surgir a viso, aparece entre as duas formas de pensamento a racional e a intuitiva um dualismo psicolgico. Trata-se de duas vises dife-rentes, sendo que a maior compreende a menor, mas a menor no compreende

    a maior. Quem estiver fora desta realidade mais elevada ir tom-la segura-

    mente por iluso, at que a conquiste por evoluo. Considera-se irreal o que

    est fora da prpria experincia. Os dois olhares atingem profundidades diver-

    sas e, consequentemente, veem da mesma verdade aspectos diferentes. Sero

    necessariamente distintos os dois pontos de vista, devido a uma questo de

    incompreenso, porque as duas conscincias so diversas e a extenso das re-

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 20

    cprocas sensibilidades a nica medida do respectivo cognoscvel. Todavia,

    se a psicologia superior pode penetrar a inferior, mas no ocorre a recproca,

    esta ltima, ainda que a negue, no pode deixar de voltear em torno da outra,

    movida por um vago pressentimento da verdade, por um desejo que, incessan-

    temente, clama na alma desvendar o mistrio. Pois que a treva no satisfaz

    vista, nem o silncio ao ouvido, nem a ignorncia ao intelecto, e ningum pode

    simplesmente negar ou sentir-se satisfeito com a realidade que possui, sem

    jamais desejar realizaes sempre mais amplas. A incompreenso do ignoto

    tambm constitui um vago tormento, que estimula a sair dele.

    O mtodo da unificao contm em si os elementos para compensar seu

    subjetivismo, que pode parecer seu ponto fraco. Como poderemos compensar

    a pluralidade das concepes e a dissonncia das contradies que derivam de

    tal subjetivismo? A prpria filosofia, precisamente a, onde o pensamento,

    elevando-se e abstraindo da simples averiguao objetiva, chega a ser necessa-

    riamente subjetivo, um mar de inconciliveis divergncias, que desorientam

    o esprito, dando sensao de ser absurda a pesquisa da verdade. No entanto a

    verdade una. Ser, ento, incapaz de atingi-la o subjetivismo divergente?

    Foi exatamente assim, como reao a tudo isso, que a cincia se mutilou na

    objetividade de compreenso, a fim de alcanar uma verdade igual para todos.

    Mas evidente que o conhecimento ganha em profundidade e potencialidade,

    medida que passamos do mundo exterior ao interior. No baixando-se ao

    primeiro, mas sim elevando-se ao segundo, que se ganha em verdade. pre-

    cisamente a, quando mal nos separamos da superfcie sensria e progressi-

    vamente nos aproximamos da ntima substncia, que comea o subjetivismo,

    com sua variedade e divergncia de expresses individuais. As vias do conhe-

    cimento esto na subjetividade, enquanto as vias da subjetividade conduzem

    ao separatismo intelectual, que parece distanciar-se da unidade do conheci-

    mento. A conquista da verdade deve, portanto, atravessar e saber conciliar

    esta contradio. Uma verdade igual para todos no pode ser seno uma ver-

    dade de superfcie. A procura de uma realidade mais profunda conduz di-

    vergncia. necessrio, portanto, saber primeiramente compreender e, de-

    pois, coordenar e reorganizar aquela divergncia.

    natural mudarem-se as apreciaes medida que subimos, porque, en-

    to, desperta e movimenta-se cada vez mais o eu pessoal, no mltiplo indivi-

    dualismo em que se reflete a unidade do absoluto. Este permanece simples e

    monista, sem nada perder de seu carter unitrio, exprimindo-se na infinita

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 21

    variedade do relativo. Como j vimos e devemos recordar aqui, o eu que

    concebe um relativo e est em evoluo.

    preciso, ento, superarmos essa divergncia e reconstruirmos a unidade

    da substncia. necessrio no nos intimidarmos em face dessa aparente

    inconciliabilidade, dessa dissonncia de interpretaes, mas sim nos empe-

    nharmos, atravs da coordenao das expresses do relativo, em reconstruir a

    trama unitria do absoluto. A ciso est na manifestao humana, no na

    substncia. Se reorganizarmos os reflexos particulares, reconstruiremos os

    aspectos da nica luz. Da fuso das vises unilaterais sair um mosaico que

    nos fornecer os delineamentos do modelo divino. As variadas intuies do

    subjetivismo se escalonaro por amplitude e profundidade; as verdades rela-

    tivas se coordenaro, as menores atrs das maiores, at s mais abrangentes e

    mais puras aquelas que mais tenham-se avizinhado da substncia e hajam conseguido torn-la de maior transparncia. Elas sero consideradas como

    diferentes jatos de luz, cada um dos quais representando o sinal de uma lin-

    guagem eterna e infinita, a palavra de um sermo divino; sero consideradas

    sucessivas aproximaes da alma humana, que ascende entre trevas e lutas,

    ao longo do mesmo caminho da verdade, do relativo para o absoluto, da an-

    lise para a sntese, galgando por seu prprio esforo as vias da unificao.

    Tomar-se- ento, por unidade de medida e ndice de verdade, no a objeti-

    vidade ou o juzo do nmero, mas sim o grau de purificao do ser, que, em

    sua evoluo, aproxima-se de Deus.

    Deixe-se tambm florescer em mil formas o jardim da intuio. Cada flor

    diversa ser igualmente bela e exprimir uma revelao. Ver-se- ento que,

    na essncia, cada flor, em sua variedade, traduz a mesma eterna beleza e canta

    a mesma infinita sapincia. A flor mais perfeita e mais pura nos falar doce-

    mente, com transparncia mais evidente; a mais rude e primitiva mal saber

    balbuciar. Una, porm, a palavra, porque unos so o plano da criao e o

    pensamento de Deus. Ento, atravs da multiplicidade bela, porque rica do subjetivismo, espontaneamente se regressar unidade, na qual o separatismo

    se reunifica e o eu, sem destruir-se, funde-se novamente no Todo, como cola-

    borador que se deu a si mesmo para a reconstruo do grande edifcio do co-

    nhecimento. Nessa altura, ver-se-o coincidir na profundidade, no mesmo cn-

    tico, que a voz de Deus, as cindidas intuies pessoais.

    Ento esta multiplicidade e diversidade de juzos nada mais do que o n-

    dice assinalador da distncia entre a intuio e a fonte central nica. Quanto

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 22

    mais perfeito torna-se o ser, tanto mais sensvel e potente torna-se o instru-

    mento conscincia e tanto mais evidente torna-se a unidade conceptual do

    verdadeiro. A dissonncia das contradies , pois, devida unicamente ao

    embaamento do espelho refletor, sendo dada pelo grau de impureza do meio

    receptivo. As cises nas concluses indicam o grau de corrupo do pensa-

    mento e a distncia que tal degradao cava entre este e Deus. A harmonia,

    que perfeita no Centro, corrompe-se medida que se afasta na imperfeio

    de ressonncia da periferia. E a ignorncia humana, que irradia desordem, a

    involuo que gera o caos.

    Existe, portanto, soluo para o problema: basta progredirmos, a fim de

    superarmos a zona das primeiras desordenadas aproximaes da intuio.

    Encontraremos ento, espontnea e automaticamente, a unidade do verdadei-

    ro. Somente a evoluo, e unicamente a evoluo, pode dar-nos e nos dar

    necessariamente a unificao. Somente pela evoluo se pode passar da igno-

    rncia ao conhecimento, da separatividade unidade. A involuo treva

    que divide, a evoluo luz que unifica. Na involuo, emudece-se a verda-

    de, sufocada no meio denso, que no permite transparncias. A evoluo

    coordena, reorganiza, harmoniza e, com isto, reabsorve as divergncias, tor-

    nando mais evidente a realidade do verdadeiro.

    No se deve, portanto, condenar e abandonar o subjetivismo intuitivo, mas

    sim faz-lo evolver, purific-lo, conduzi-lo sempre mais para o alto, at re-

    encontrar nele a unidade. Assim ele permanecer sempre a via mestra do

    conhecimento. Coordenar, pois, as atuais intuies, para reconstruir a verda-

    de, mas, acima de tudo, subir, fazendo evolver a conscincia, a fim de apro-

    ximar-se da verdade. necessrio subir tambm por humildade de corao,

    por pureza de intenes, por sublimao de paixo. necessrio, para fazer

    evolver a conscincia, atravessar a catarse mstica, que est no centro deste

    estudo. Num corao corrompido no pode nascer outra coisa alm de lin-

    guagem soberba, de v sabedoria, de dissdio, de confuso, de incompreen-

    so. Eis as estreis logomaquias de alguns filsofos.

    Una e simples a verdade. Mas, para v-la toda, em sua unidade e simpli-

    cidade, importa saber alcanar-lhe a altura; no se pode pretender traz-la

    para baixo, para nosso nvel humano, sem inquin-la e falsific-la. A verda-

    de, a soluo dos mistrios, a viso do pensamento de Deus no se conse-

    guem mediante poderosas argumentaes, por laboriosas pesquisas ou atra-

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 23

    vs de prepotncia de lgica e de razo, mas seguindo as vias das ascenses

    do esprito, que so as da catarse mstica.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 24

    VII. ESTRUTURA DO FENMENO MSTICO

    Falei de mediunidade, de metafania. Falo agora de misticismo, consideran-

    do-o, em suas formas, o ndice e o expoente mais ostensivo desta evoluo

    espiritual, que o problema central de todo o meu estudo, como o de minha

    vida. Diante destas consequncias, levadas at ao campo dos mtodos para a

    conquista do conhecimento, pode ser evidenciada e averiguada a importncia

    de tais questes, uma vez que to gigantescas repercusses se projetam at no

    campo prtico de problemas de orientao conceptual, to graves, tormentosos

    e ainda hoje no solucionados.

    Superados esses corolrios de ndole filosfica, nos quais me tenho detido,

    no s por sua importncia intrnseca, mas sobretudo para melhor enquadrar o

    fenmeno mstico no conhecimento moderno e justificar-lhe a tcnica de pen-

    samento em face da psicologia racional, retomemos agora, mais particular-

    mente, a anlise de seu desenvolvimento e metas conclusivas, dentro do mbi-

    to traado na definio de ascese mstica, dada no princpio do Cap. III.

    A soluo do problema do conhecimento mais no do que um aspecto da

    transumanizao que se realiza na ascese mstica, a qual consubstancia to

    profunda transformao do ser, que chega a mudar e resolver todos os pro-

    blemas humanos. Quando o esprito chega a esse nvel, desaparece o simples

    fenmeno da unificao, que aqui no somente uma tcnica de pensamento,

    mtodo para atingir o conhecimento, mas constitui uma transumanizao da

    personalidade, uma reabsoro do distinto no todo, da conscincia na Divin-

    dade. Ento, a simples recepo norica torna-se viso e xtase, j no sendo

    apenas uma comunicao de pensamento, mas sim uma expanso total do ser

    em todas as suas capacidades. Para muitas psicologias, esse campo estar

    situado na zona do superconcebvel.

    Para compreender o fenmeno mstico, necessrio reconstitu-lo desde o

    princpio, orientando-o, antes de tudo, no seio da fenomenologia universal.

    Trata-se de um fenmeno psicolgico, resultante da evoluo biolgica, que,

    partindo das superadas fases orgnicas, prossegue nas superiores fases de evo-

    luo espiritual. Constitui, portanto, fenmeno universal, logicamente situado

    no desenvolvimento da lei de evoluo, sendo natural, necessrio e insuprim-

    vel. Tem carter supranormal, mas somente em sentido relativo, com refern-

    cia atual posio evolutiva da conscincia humana. , como o so todas as

    culminncias, pouco comum, pouco visvel e dificilmente concebvel para os

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 25

    que se encontram nos baixos planos da medocre normalidade atual. Vemo-lo,

    com efeito, surgir em todos os tempos e em todos os lugares, de um a outro

    extremo da histria e do mundo. Cada tipo intelectual lhe imprime, segundo

    sua especfica diferenciao, a nota particular de sua personalidade, plasman-

    do-o, transformando-o e adaptando-o a si, sua raa e ao seu tempo. Mas o

    fenmeno subsiste como momento integrante das leis da vida. Parece fatal

    que, no limiar desta, ele deva apresentar-se, como numa grande curva de sua

    trajetria, no pice da evoluo humana, chegada ao momento de sua mais alta

    maturao. Nada, pois, de miraculoso, de excepcional ou de gratuita e arbitr-

    ria concesso do cu. Em todos os fenmenos, sobretudo naqueles que se ele-

    vam para Deus, sentimos cada vez mais a presena de uma ordem, de uma

    justia, de uma harmonia divina. Isto no significa falta de f e de religio,

    mas simplesmente seriedade, positividade, conformidade com a justia.

    Expliquei cientificamente, em A Grande Sntese, na teoria da evoluo

    das dimenses8, como o esprito humano, por evoluo, ascende da atual fase

    de conscincia para a fase de superconscincia, que a primeira dimenso do

    sucessivo universo trifsico, no qual evolui o atual, trino em seus planos de

    desenvolvimento: matria, energia, esprito. Certamente, o ingresso da psi-

    que humana nesta nova dimenso do ser, aqui j absolutamente supermaterial

    ou supersensria, para ela um fato to novo e grandioso, que a simples

    apresentao no limiar da nova dimenso e do novssimo modo de ser basta

    para dar-lhe profunda sensao de vertigem, como sucede a quem se debrua

    sobre o abismo do mistrio. Este parece feito de trevas, mas no passa de um

    inexplorado mar de novas sensaes.

    Mais adiante, exporei o fenmeno em termos de sensao tal como o vi-veram tantos msticos, em concordncia com as linhas fundamentais forma na qual eu mesmo o tenho vivido e que objetivamente descreverei. Como te-

    nho dito, opero a anlise de realidades para mim experimentais, deduzidas no

    apenas de outrem, mas sobretudo de minha observao.

    Antes, porm, de abandonar-me ao mpeto lrico do momento mstico, devo

    expressar-me aqui em termos de cincia e de razo, expondo a possibilidade

    lgica do fenmeno, de modo que ele se torne racionalmente admissvel at

    para os que, no o tendo tocado por evoluo, sejam incapazes de senti-lo e,

    portanto, no estejam aptos para entend-lo, a no ser nos termos de sua psico-

    8 A Grande Sntese, Cap. XXXIV a XXXVII (N. do T.).

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 26

    logia racional. Poderemos assim analisar e compreender, com a moderna for-

    ma mental da cincia, um fenmeno que parece relegado s mais altas e ina-

    cessveis zonas do espiritualismo e das religies. Ele aparecer, portanto, em

    sua realidade nua, no como um privilgio ou concesso do Alto, nem como

    um monoplio particular, mas sim na sua real natureza, como uma via aberta a

    todos os homens de boa vontade. Aparecer qual ele , ou seja, como um fe-

    nmeno exato e objetivo, cuja lei possvel traar, como faremos, e cuja veri-

    ficao se pode fazer naturalmente, todas as vezes que dele se apresentem as

    condies determinantes. Sua ocorrncia no se d pela interveno de capri-

    chosas vontades extracsmicas, mas sim pelo normal desenvolvimento funcio-

    nal do universo, em seus mais elevados planos. Reconstruamos, pois, atravs

    da observao a lei do fenmeno.

    Para assim proceder, reduzamo-lo sua mais simples expresso, focali-

    zando a essncia de sua estrutura vibratria. Vibrao significa, no mundo

    hiperfsico em que ora ingressamos, o verdadeiro modo de ser, a qualidade

    fundamental, capaz de individuar a forma em tipos especficos nitidamente

    definidos. Vemos isto, por exemplo, nas ondas hertzianas. Os seres situados

    no plano fsico, onde vivem na forma orgnica de um corpo material, distin-

    guem-se uns dos outros pelas qualidades deste invlucro, pelos limites da

    dimenso espacial em que ele est situado, pela sua impenetrabilidade, bem

    como pelas suas caractersticas sensrias. Mas h, indubitavelmente, formas

    de existncia hiperfsicas, de conscincia supersensria, livres do invlucro

    orgnico. Quando passamos do organismo fsico, regido por um princpio

    dinmico, ao organismo de estrutura exclusivamente dinmica, no qual o

    corpo j no constitudo de matria, mas apenas de energia, a individuao

    especfica pessoal, aquela que distingue, no pode mais ser dada pelo corpo e

    por suas caractersticas fsicas. Ento, o fator individualizante o tipo de

    vibrao que constitui a manifestao de vida do ser, a peculiar forma de

    energia segundo a qual ele se agita, so as caractersticas da onda pelas quais

    se define essa vibrao.

    Em tal forma de vida esto situados e se manifestam no s o esprito de-

    sencarnado (to mais definidamente, quanto mais, por evoluo, estiver l i-

    berto de seus invlucros mais densos), mas tambm aquela parte do homem

    que pura conscincia ou esprito (to mais claramente, quanto mais conse-

    guir superar a zona barntica das paixes inferiores e atingir os superiores

    planos de evoluo, ainda que seja em especiais estados metafnicos). Neste

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 27

    ponto, o eu existe, ento, somente na forma daquele dinamismo, superando

    as dimenses espao e tempo.

    J explicamos, na Tcnica das Nores9, como pode ocorrer a comunica-o entre centros puramente psquicos (naquele caso, corrente de pensamento

    e conscincia do mdium). Isto se d graas ao fenmeno da ressonncia,

    que lei universal de repercusses at no campo acstico. J vimos que esse

    fenmeno a base da transmisso e recepo norica e que, para ele se veri-

    ficar, os dois termos transmissor e receptor devem entrar em sintonia, harmonizando-se segundo o mesmo ritmo vibratrio. Vimos ainda que ne-

    cessria uma comunho de vibraes. Se estas forem semelhantes, podero

    coincidir e sobrepor-se, porm, se forem dissemelhantes, no haver resso-

    nncia e, portanto, nenhuma sintonia, tornando-se impossvel a comunicao.

    E temos, de fato, colocado a afinidade como condio necessria para a

    transmisso e captao norica.

    As conscincias ou espritos so, portanto, semelhantes ou dissemelhan-

    tes pelas caractersticas vibratrias. No nvel fsico, dois ou mais seres que

    vibram perfeitamente em unssono, sentindo-se como um s, por instintos,

    sentimentos e pensamentos, permanecem, todavia, inexoravelmente distintos

    por sua constituio humana, sem qualquer possibilidade de se sobreporem

    e coincidirem. Porm, se lhes suprimirmos os invlucros, eles parecero e se

    tornaro o que realmente so como conscincia, ou seja, um ser nico, sem

    possibilidade de distino. Se os situarmos em suas posies de espritos,

    eles se confundiro no mesmo tipo de vibrao, de modo anlogo maneira

    pela qual duas notas idnticas, emanadas de duas fontes diversas, formam o

    mesmo som. Eis por que, muitas vezes, torna-se difcil a assim chamada

    identificao espiritual, justamente porque, em mais altos planos, j no tem

    significao o conceito de personalidade em sentido humano. Nestas zonas

    de evoluo espiritual, os seres se ligam por ressonncia, numa forma de

    existncia coletiva, existindo em forma de correntes de pensamento. Por

    isso, to logo imergimos nessa atmosfera conceptual da evoluo, encon-

    tramos nores, e no individualidades separadas, como nos induziria a supor

    a analogia com o mundo humano.

    Na descrio da tcnica da recepo norica j estavam contidos os germes

    deste desenvolvimento. Assim como o fenmeno inspirativo evolui e se com-

    9 No volume As Nores, Cap. V (N. do T.).

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 28

    pleta no fenmeno mstico, a simples comunicao norica tambm se comple-

    ta, aqui, na identificao de conscincias, que constitui uma unificao de per-

    sonalidades. No campo acstico, o fenmeno de ressonncia, que havamos

    tomado como ponto de partida daquela tcnica, dado justamente por uma afi-

    nidade dinmica, por uma identificao de modo de ser, por uma superposio

    de individuaes. A sintonia sempre a base do mesmo fenmeno em continu-

    ao, pois a harmonizao a sua lei, segundo a qual se chega, primeiro, co-

    municao, que o centro do fenmeno norico, e, depois, unificao, que

    o centro do fenmeno mstico. Ento, as duas conscincias, vibrando em uns-

    sono, ou seja, existindo numa forma idntica, perdem toda nota distintiva, para

    adquirirem um tom de identificao, fundindo-se na mesma unidade.

    Todo fenmeno mstico se realiza, portanto, mediante um processo de atra-

    o, que tende a encurtar as distncias decorrentes da diversidade, suprimindo

    as diferenas, e que contm um mtodo para a conquista da afinidade, a fim de

    chegar unificao. Trata-se de um processo de amor, que, constituindo a co-

    luna central do edifcio da evoluo, a grande mola da ascese mstica. No

    mundo espiritual, os seres que entoam a mesma nota e emitem a mesma luz

    tornam-se a mesma msica e o mesmo esplendor; os seres que se movem se-

    gundo o mesmo tipo dinmico fundem o seu movimento, unificando-se, pois

    so a mesma conscincia.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 29

    VIII. COROLRIOS F E RAZO

    Estas simples afirmaes nos oferecem a chave do fenmeno da ascese

    mstica e dos respectivos corolrios espirituais. Vibrao, ressonncia, sin-

    tonizao, afinidade, unificao so as suas fases lgicas e evidentes. Mais

    no alto, teremos, como j disse na Tcnica das Nores, equivalncias supe-riores da vibrao, embora seja idntico o princpio. Quando se pensa que, na

    ascese mstica, o segundo termo verdadeiramente a Divindade, pode ima-

    ginar-se desde j quo vertiginosa exaltao de conscincia pode aquela as-

    cese representar para a personalidade humana que a empreende. Segue-se

    imediatamente da que a ascese est nas vias do aperfeioamento espiritual,

    segundo o modo mais elevado, e que os vrtices das conquistas morais lhe

    so a meta natural e necessria.

    Os msticos falam sempre de Deus e de amor, de unio, de npcias espiritu-

    ais da alma com Deus. Vemos funcionar a todo o mecanismo vibratrio do

    pensamento, dos sentimentos e das paixes, cumprindo-nos, aqui, chegar racio-

    nalmente explicao dessa nomenclatura e psicologia, que eles no explicam.

    Atravs de sinais positivos e negativos, vemos formarem-se simpatias e an-

    tipatias, harmonias e dissonncias, atraes e repulses. A esto as grandes

    foras do amor e do dio, que se encontram nas bases da vida.

    A ascese um fenmeno de evoluo e, portanto, de harmonizao e uni-

    ficao, mas sobretudo de amor. Na ascese mstica estabelece-se esta corren-

    te de atrao tanto entre o alto e o baixo como entre o baixo e o alto, condi-

    o na qual revelado, em termos de razo, o maior mistrio, que a descida

    do amor de Deus at ao homem. Veremos que maravilhoso jogo de luzes

    espirituais nascer desses fenmenos. O princpio de sintonizao e de afini-

    dade impe o processo de purificao, gerando a necessidade de fazer o v-

    cuo em baixo, no mundo da matria, o qual relegado ao passado, a fim de

    que, em um nvel mais alto, haja espao para ceder-se vida. Nasce ento a

    luta interior da renncia, a fadiga da virtude, a dor que dilacera os vnculos

    do esprito, o superamento das paixes, a destruio do eu humano e a res-

    surreio em Deus do eu super-humano.

    O princpio vibratrio no qual se baseia o fenmeno nos induz a compreen-

    der as vias da libertao, fazendo-nos entender por que se devem guiar as pai-

    xes, em vez de destru-las, e por que necessrio alcanar-lhes o domnio,

    em vez de esterilizar-se na sua simples destruio. necessrio reconstruir a

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 30

    vibrao que se detm, reconstruindo-a num movimento mais intenso, para

    que seja vida, e no morte. necessrio transformar, reedificar, renascer con-

    tinuamente, afirmar vigorosamente. E direi mais, necessrio gozar, viver,

    amar no alto, e no apenas sofrer e morrer em baixo. O meu misticismo ale-

    gre, construtivo, dinmico. So absurdos certos misticismos conventuais, fei-

    tos somente de rida renncia, que nega, mata e destri, sem nada mais deixar

    alm do vazio. So absurdas certas contemplaes que, s vezes, encontramos

    no Oriente, as quais insulam o homem no seu egosmo de esprito e o segre-

    gam do mundo, sem torn-lo ativo agente do bem na vida de todos.

    Compreendemos assim o mecanismo da renncia e da conquista. Cada um

    se torna escravo daquilo que ama. Portanto, quando se trata de coisas materi-

    ais, o corao que se liga ao caduco e ao ilusrio condena-se a novos dilace-

    ramentos, at compreender e, assim, dirigir-se a metas mais seguras. o prin-

    cpio vibratrio, pelo qual se estabelece uma corrente de atraes entre os dois

    termos, o eu e o objeto de seu amor, que nos explica a gnese da ligao. So

    potncias sutis, porm reais, que depois preciso demolir. Real tambm a

    dor. O homem vinculado, arrastado de todos os lados, tormentosamente, por

    esses liames imponderveis, criados por ele mesmo. Tambm aqui nos depa-

    ramos com os mesmos termos do fenmeno: vibrao, sintonizao, afinidade,

    unificao. E o nosso corao experimentar a sorte do objeto de sua unifica-

    o. A comunho de vibraes nos torna semelhantes ao que amamos: pe-se

    no alto o objeto, e a alma o serve. Eis a razo mecnica que nos explica a ne-

    cessidade de se desprender da terra, fazendo-nos compreender como os senti-

    mentos, as paixes e as atraes geram fuses que podem, segundo a natureza

    do objeto, tornar-se vnculos de alegria ou de dor.

    Compreendemos assim o fenmeno e o significado da f. Concebo a cons-

    cincia como uma unidade radiante o eu evolvido como nore, que tende perenemente difuso, dilatao de si mesma, constituindo centro de ema-

    naes contnuas. Como se rompe, ento, o crculo fechado da razo e se pene-

    tra no cu da intuio e da viso? Como se conquista, com os limitados meios

    de uma dimenso conceptual inferior, o domnio da dimenso superior? Com a

    f. A tcnica vibratria nos d a chave do mistrio.

    A razo objetiva. Quer, antes de crer, assegurar-se e, s debaixo de seu

    controle, confiar. Mas o mtodo da prudncia e da segurana no o mtodo

    do voo. Ressurge aqui o incessante antagonismo entre o mtodo do meu pen-

    samento e o do racionalismo cientfico, os dois em contnuo, estridente e in-

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 31

    concilivel contraste. Todavia o primeiro o sistema dos msticos, dos gnios

    do Evangelho, das grandes criaes do esprito, constituindo o modo que se

    baseia no aperfeioamento do rgo central da concepo, a conscincia, fato

    fundamental, do qual a cincia se afasta. Se no rompermos, por evoluo, o

    crculo em que se fechou a razo, esta jamais sair dele e, impedida de evadir-

    se, retornar sempre sobre si mesma. E impossvel romper este crculo, a no

    ser atravs da evoluo, mediante a introduo na conscincia de fatores no-

    vos, capazes de lhe dilatarem a potencialidade. F como se designa o ato

    psicolgico com o qual se introduzem esses fatores novos.

    Para que serve permanecer no campo da positividade e da segurana, se es-

    te to limitado e no oferece possibilidade de expanso? A verdade universal

    j est totalmente pronta e presente, escancarada diante de nossos olhos. O que

    nos compete fazer no cri-la, mas sim desenvolver a vista para v-la. Reto-

    ma-se, pois, todo o problema mediante uma transformao de conscincia.

    Esta chegar somente at zona na qual for capaz de existir, onde encontra,

    ento, uma barreira pacfica, mas inviolvel, que detm os imaturos, os indig-

    nos. A violncia destes, ento, torna-se impotente, pois a Lei coloca-lhes um

    vu diante dos olhos, mantendo a verdade fora do campo de sua conscincia.

    Cabe a cada um dizer: Cumpre-me saber subir qualitativamente, pois o conhecimento um estado vibratrio de sintonizao que se alcana pela har-

    monizao com as vias da bondade, pela ascenso espiritual. Portanto quem,

    em vez de seguir estas vias, colocando-se em estado positivo de confiana, no

    qual se estabelece a ressonncia, pe-se no estado vibratrio negativo de dvi-

    da e de desconfiana, que se afasta na dissonncia, fechar automaticamente,

    para si mesmo, as portas do conhecimento.

    Apliquemos sempre os mesmos conceitos: vibrao, ressonncia, sintoni-

    zao, afinidade, unificao. Por essas vias, o esprito consegue fundir-se

    tranquilamente na verdade. Ora, pode-se compreender que o problema do co-

    nhecimento, na sua essncia e integridade, consiste num problema de unifica-

    o entre o eu humano e a Divindade, constituindo um problema de ascese

    mstica, de revelao, porque, em nossa conscincia, aquela Divindade, sendo

    limitada somente pela nossa capacidade de conceber, entrega-se nossa alma

    apenas em proporo nossa potncia de harmonizao. Mas, quando atin-

    gida a sintonizao e completada a unificao, a verdade se torna ento um

    cntico divino, uma harmonia suprema, um incndio de amor, no qual a alma

    j no sente a si mesma como coisa distinta.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 32

    Esta concepo vibratria nos revela mecanicamente que no amor de Cristo

    reside a grande via das ascenses humanas. O Evangelho o mtodo da har-

    monizao universal. Nele, como em nenhuma outra parte, transparece a Di-

    vindade, na sublime poesia do Seu amor. Trata-se justamente da transparncia

    que se conquista na ascese mstica.

    Se nos pusermos em posio de resistncia, num estado vibratrio fechado,

    como se nos recusssemos a subir, ento ns mesmos nos deteremos e nos pri-

    varemos da recepo amplificadora que desce das correntes vivificantes difusas

    no todo. A razo para isso est no fato de formarmos um crculo de foras fe-

    chadas, um egosmo conceptual que no sabe ultrapassar a si mesmo, no se d

    por simpatia e no conhece as vias de atrao vibratrias, que levam fuso

    com o no-eu e, portanto, sua dilatao at ele. Necessrio se faz subjugar

    este equilbrio e reconstru-lo em mais alta e completa forma, embora mais ins-

    tvel e, no obstante, mais dinmica. E a f o primeiro salto para frente.

    Num duvidoso tormento, tenho interrogado o mais profundo de mim mes-

    mo, dizendo-me: Como posso eu confiar-me a um impondervel que em mim ainda no existe e ao qual devo eu mesmo criar?. E o profundo me tem res-pondido: Cr, porque somente a tua f, base dos impulsos ascensionais, tor-nar objetivas e tangveis aquelas realidades mais altas que hoje te escapam.

    No se trata de f louca, do credo quia absurdum10, desesperada capitula-o da razo, que, sem embarao, pretende ser sempre a nica a falar, at

    mesmo fora de seu campo. Extinga-se esta para sempre, dobre-se em suas ex-

    presses caricatas e permanea fechada em seu mbito, como rainha, mas sem

    pretender outros reinos. A f no uma renncia s faculdades de pensar, co-

    mo pode parecer a quem seja incapaz de atingir esse nvel; ela antes um es-

    tado de graa, que v e conhece por outras vias, conservando em si a sua ale-

    gria infinita; uma doao em que nada se perde, porque quele amor e quela

    confiana responde o universo, retribuindo com novas doaes. Ela no ce-

    gueira seno para os cegos, porque naquela cegueira se abre a viso e se reve-

    lam os cus, fazendo surgir fulgurante o pensamento de Deus.

    A f, portanto, um ato criativo por excelncia, que acompanha a realidade

    em formao e que, voluntariamente, pode e sabe antecipar os futuros estados

    da evoluo. Dentro de ns, em nossa profundeza, j reside o germe dos infini-

    10 Creio porque absurdo. Frase de origem desconhecida, diz Paulo Rnai. Possivelmente

    adaptao de palavras de Tertuliano. Impropriamente atribuda a Santo Agostinho, essa expres-

    so define a f em oposio razo, conforme conceito generalizado na Idade Mdia (N. do T.).

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 33

    tos desenvolvimentos do divino. Faz-se mister aliment-lo em nosso ntimo,

    devendo ser nossa a primeira impulso. H no eu a potncia de levantar esses

    eixos dinmicos, ampliando-lhes como turbilhes de foras, para atrair e assi-

    milar infinitas correntes universais. Com a f, podemos crer antes de sentir,

    afirmar antes de conhecer, querer antes de ser. Absurdo, diro. No entanto

    assim que sentimos, conhecemos e existimos, voando com antecipao onde

    outros caminham. Da emerge uma criao, impossvel de outra forma. Des-

    sarte, com antecipao, forma-se o estado vibratrio e excita-se-lhe a resso-

    nncia que, amplificando-se em contnua vibrao, nos transportar ao modo

    de vida daquele plano, aonde queremos subir, e que nos transformar nele.

    Assim como o Sol uma torrente de luz e fora que se irradia por toda par-

    te, mas cuja utilizao e valorizao se verifica somente quando incide sobre

    um germe receptivo, Deus tambm uma torrente de pensamento e de energi-

    as que frutifica somente quando recolhido pela ressonncia de uma alma

    preparada. A fonte um todo, e dela fluem no s conhecimento, mas tambm

    bondade, ao e poder. Contudo o eu que, mediante um ato de f, deve abrir

    os braos, escancarar as vias da absoro conceptual e dinmica em todas as

    suas modulaes, executar o trabalho de projetar-se para aprender, cingir e

    assimilar. Fecundado assim pela divina ressonncia e nutrido dessas respostas,

    o estado vibratrio ir estabilizar-se e formar a aptido, a qualidade, o modo

    espiritual de ser, que depois se fixar com a repetio, tornando-se hbito, ins-

    tinto, necessidade. Assim o influxo divino representa uma potncia eternamen-

    te ativa na obra da criao.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 34

    IX. DIAGRAMA DA ASCENSO ESPIRITUAL

    Para penetrar mais profundamente no problema da ascese mstica, retome-

    mos os conceitos j expostos, fixando-os, tanto quanto possvel, em um dia-

    grama. Dessarte, poremos em evidncia, graficamente, o fenmeno em suas

    linhas mais expressivas, para obtermos sua definio em forma mais sinttica e

    intuitiva, com uma estrutura grfica que nos dar a sua tcnica funcional. Te-

    mos colocado o fenmeno da ascese mstica no seio do fenmeno da evoluo,

    como sua parte integrante e central.

    Assim, a ascese mstica se projeta sobre o fundo grandioso do maior fen-

    meno do universo. Temos visto como o princpio vibratrio, individuando o

    esprito, permite a sintonizao por ressonncia e como, pela estabilidade desta

    em um estado de afinidade, ele guia o ser ao ltimo termo da ascenso a uni-ficao com Deus. Portanto, no seio da evoluo, quando esta chega sua su-

    perior fase espiritual, a ascese mstica o fenmeno em marcha progressiva

    para a unificao. Procuro, assim, guiar gradativamente o leitor compreenso

    racional e, depois, sensao deste supremo vrtice de ascenses ao qual est

    presa minha alma. Nesta concepo, atinjo o conhecimento por sintonia com

    correntes noricas, operando com o mtodo da intuio.

    Observemos o diagrama anexo, para explicar-lhe o significado e o desen-

    volvimento, imaginando constru-lo qual efetivamente ele surgiu em minha

    mente (Fig. 1).

    O diagrama exprime, por coordenadas ortogonais, a lei de variao da evo-

    luo em funo do tempo. Mais exatamente, temos gradaes de evoluo

    sobre o eixo vertical das ordenadas e gradaes de tempo sobre o eixo hori-

    zontal das abscissas. Por tempo, entendo no a dimenso temporal, que, nas

    superiores zonas de evoluo, superada, mas sim o ritmo do transformismo

    fenomnico, que fato universal e subsiste por toda parte, qual passo assinala-

    dor do caminho do eterno vir-a-ser. Especificaremos mais adiante quais so os

    graus de evoluo.

    Desta condio resulta um V de progressiva abertura, cujos ramos so tangentes aos crculos sobrepostos. Supondo a coordenada vertical, indicadora

    da evoluo, repetida mais direita e elevada ao longo dos centros dos crcu-

    los, teremos um diagrama simtrico, cuja metade direita se repete na metade

    esquerda, nos lados da referida linha, aparecendo na forma muito mais expres-

    siva de um V que se abre para o alto.

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 35

    A srie dos crculos e tangentes que se repetem lateralmente exprime a re-

    petio do fenmeno no seu andamento em individuaes idnticas e contem-

    porneas, expressando-as no mesmo mbito de desenvolvimento. Esta repeti-

    o do diagrama em casos colaterais necessria para estabelecer as relaes

    entre as vrias individuaes do fenmeno.

    Figura 1

  • Pietro Ubaldi ASCESE MSTICA 36

    A progresso ascendente dos crculos simplesmente um diagrama inserido

    no precedente, contendo os mesmos eixos de desenvolvimento, cujas coorde-

    nadas poderiam repetir-se, partindo do centro de cada uma das sucessivas cir-

    cunferncias. Obtemos assim a expresso no s do desenvolvimento interno

    do fenmeno, compreendido na abertura coniforme das