suzanne enoch - libertada pelo amor
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LIBERTADA PELO AMOR Copyright © 1998 by Suzanne Enoch Originalmente publicado em 1998 pela Avon Books
TÍTULO ORIGINAL: By Love Undone
Inglaterra, século XIX
O poder de uma paixão
Banida da sociedade londrina em conseqüência de um escândalo, Maddie é forçada a procurar
emprego fora da cidade para se sustentar. A prevenção contra a aristocracia a leva a antipatizar
à primeira vista com Quinlan Bancroft, sobrinho de seu patrão. No entanto, por mais que
Maddie abomine a arrogância do marquês, o senso de humor dele é cativante, e seu charme é
irresistível, principalmente quando ele a toma nos braços...
Surpreendido aos beijos com a adorável dama de companhia de seu tio, Quinlan se propõe a
ajudar Maddie a se restabelecer na sociedade. No entanto, ela não sabe se proteger dos
cavalheiros que se aproveitam de sua ingenuidade, mas sabe que precisa se preocupar com
Quinlan... pois, ele é o único que tem o poder de partir seu coração!
Capítulo I
As rosas vermelhas dos canteiros ondulavam sob a brisa suave, e os
pássaros cantavam nas árvores enquanto Madeleine Willits colhia rosas e
cuidadosamente as colocava em sua cesta. Quando, então, ela espetou o
dedo.
— Ai!
Ao mesmo tempo, um grito retumbou como um trovão da janela do
quarto do senhor da casa, assustando-a.
— Srta. Maddie! — a criada chamava, desesperada.
— Céus! — Maddie resmungou, jogou sua tesoura na cesta e saiu
correndo.
A sra. Hudson a aguardava junto à porta dos fundos.
— O que aconteceu? — Maddie indagou enquanto entrava correndo na
direção da escadaria que levava para o segundo andar da imensa casa.
Criados curiosos andavam confusos de um lado para outro, servindo de
obstáculo para ela.
— Não sei, srta. Maddie — alguém disse logo atrás. — Garrett está com
ele!
— Garrett!
O mordomo apareceu no topo da escadaria. Rosto vermelho, ele tentava
limpar uma densa camada de molho madeira que escorria em seu paletó
preto.
— Só entreguei a correspondência! — ele declarou.
— Você não deveria ter entrado lá — Maddie declarou, tentando
recuperar o fôlego.
Antes de entrar no território inimigo, ela respirou fundo e se preparou
para a batalha.
— Nós nos rendemos, sr. Bancroft. A criadagem está dominada —
Maddie disse num tom brincalhão, mostrando apenas o rosto; sem coragem
de entrar.
Mais gritos ecoaram de dentro do quarto, seguidos pelo barulho de um
travesseiro que acertou a parede oposta à cama.
— Pare com essa bobagem e mostre logo esse seu rostinho bonito,
menina — ordenou Malcom Bancroft.
Maddie entrou no quarto. Os restos do almoço escorriam da parede que
ficava de frente para a cama, manchando os travesseiros que estavam no
chão.
— Minha nossa! Que massacre! — Ela estalou a língua em sinal
desaprovação.
Malcom ergueu a cabeça e respondeu com um olhar malvado. Contendo
um sorriso, Maddie recolheu os travesseiros do chão.
— Recebeu uma boa notícia?
— Eu não bancaria a engraçadinha se estivesse no seu lugar, Maddie.
Você também não vai gostar das novidades — Malcom resmungou. —
Gente presunçosa!
Uma sensação estranha se apossou de Maddie, como se pudesse
adivinhar quais eram as más notícias.
— Vejo que o senhor resolveu usar a minha definição da nobreza.
Suponho que o novo rei está vindo visitá-lo. Devo mandar polir a prata ou
escondê-la? O senhor conhece o rei George melhor do que eu.
Assim como ela esperava, a brincadeira serviu para aliviar um pouco o
clima de tensão que pairava no ar.
— Rei George, o Maluco; rei George, o Gordo. O que mais? Rei
George, o Cego?
Maddie sorriu, aliviada, ao perceber que o senso de humor de Malcom
estava voltando ao normal.
— A realeza só tem olhos para o próprio bolso.
Malcom bufou.
— Isso mesmo. Esse é um mal que afeta a todos os ingleses de origem
nobre. — Com sua mão esquerda enfraquecida, ele apontou para um
pedaço de papel amassado que jazia em cima de uma torrada. — Apanhe
aquela carta para mim, por favor, minha querida.
Maddie atendeu ao pedido e, resistindo à curiosidade de ler as novidades,
entregou o pedaço de papel amassado ao patrão.
__ Escute isto, Maddie. — Malcom limpou a garganta e ergueu o papel.
– "Caro irmão". — Ele fez uma pausa e olhou para ela, obviamente
dando um tempo para que o significado das palavras assentasse.
_ Não acredito que o duque de Highbarrow finalmente respondeu à sua
carta, sr. Bancroft — Maddie comentou ao se sentar em uma poltrona ao
lado da cama.
— Já faz mais de duas semanas que escrevemos para ele. Um dia, teria
de responder. — Malcom olhou com o canto dos olhos para ela. — Eu já
estava achando que você tinha queimado a carta em vez de enviá-la.
Maddie ficou séria.
— Eu disse que a tinha enviado — respondeu, perguntando-se se o
patrão imaginava quão perto ela estivera de jogar a tal carta nas chamas de
sua lareira.
Malcom sorriu e então voltou suas atenções para a carta.
— "Caro irmão" — ele reiniciou — "quando as notícias da sua saúde
debilitada chegaram, eu estava em York, a negócios. Respondi à sua carta
assim que pisei no castelo de Highbarrow".
— O senhor estava certo — Maddie concordou quando o velho
Bancroft fez uma pausa para recuperar o fôlego, pois vinha se cansando
com facilidade nos últimos tempos. — Ele faz questão de usar a palavra
"castelo", não é mesmo?
— Sempre que pode. Continuando: "Vitória está mandando um abraço e
espera que você se recupere logo, apesar de eu não dar a mínima para isso".
— Céus, ele é terrível!
— "No momento, estou envolvido com o plantio da próxima safra. Se
assim não fosse, apesar de nossas diferenças, eu poderia fazer um
esforço e ir visitá-lo em Langley".
— Sim, é claro — Maddie e Bancroft disseram ao mesmo tempo.
Tudo que ela sabia a respeito do duque era por intermédio das histórias
contadas por Malcom sobre a imensa arrogância e preponderância do
homem. Maddie deixou escapar um suspiro de alívio quando ouviu que ele
não viria.
— Então, isso é tudo — ela disse, se levantando. — Todo aquele
escândalo que quase me matou de susto por causa dessa carta...
— Receio que essa seja a parte boa da notícia. Maddie se
sentou de novo.
— Por favor, fique calma.
— Exatamente como o senhor ficou? — ela provocou.
— Escute: "Contudo, como o plantio em Langley é de suma
importância, falei com Quinlan, que concordou em viajar a
Sommerset para cuidar de perto das plantações e da propriedade
durante a sua recuperação. Ele seguirá logo após o envio desta carta,
e deve chegar a Langley no próximo dia 15. Seu irmão Lewis".
— Creio que Sua Alteza esteja se referindo a Quinlan Ulysses Bancroft
— disse Maddie.
Seu patrão concordou.
— Creio que sim. O marquês de Warefield em pessoa. Maddie limpou a
garganta.
— Sei.
Malcom tocou a mão de Maddie.
— Sinto muito, minha querida. Você o conhece pessoalmente, suponho.
— Graças a Deus, não. Acho que ele estava na Espanha durante a
minha... visita a Londres, se é que podemos chamar assim.
— Nada daquilo que aconteceu foi sua culpa, minha menina — Malcom
a confortou.
Maddie perguntou-se quem deveria estar confortando quem. O senhor é o
único que acredita na minha inocência. Todos outros preferiram pensar
mal de mim, nem me deram uma chance de explicar que o verdadeiro
culpado foi aquele salafrário do Spencer. Foi por isso que nunca mais
quis me misturar com a nobreza de Londres.
— Bem, Quinlan não estava lá, portanto não se preocupe. Mesmo que
ele soubesse, tenho certeza de que não faria nenhum comentário. Meu
sobrinho é um rapaz muito fino e educado. É um verdadeiro cavalheiro.
__ Não estou preocupada. — Maddie se endireitou na poltrona.
— O senhor sabe que não tenho medo de nada, sr. Bancroft.
— Sim, eu sei.
— Apenas estou aborrecida.
Apesar de ela não conhecer o marquês de Warefield, já tinha ouvido falar
muito dele. Quinlan Ulysses Bancroft era conhecido como o favorito do
novo rei, o sangue mais azul dos azuis, a epítome da decência e da
dignidade. Maddie o detestava sem nunca ter visto seu rosto mimado e
convencido. Quinlan era um deles. Um nobre.
Nobreza podia ser o rótulo usado pela sociedade para designá-los, mas
ela sabia, por experiência própria, que a palavra não condizia em nada ao
caráter deles.
— Pensei que o senhor tivesse informado na carta que já tem alguém
cuidando de tudo por aqui.
— Você não esperava que meu irmão fosse confiar tanto assim em mim,
esperava? Lewis é o dono de Langley, minha querida; eu só administro. E
ele fará de tudo para conservar seu patrimônio, com ou sem o meu
consentimento. Você sabe disso.
Maddie suspirou.
— Sim, eu sei. Assim mesmo, o duque deveria ter perguntado se o
senhor queria ou não a ajuda antes de enviar o filho.
De repente, Malcom sorriu e ficou muito corado.
— Precisamos ter calma, Maddie. Lembre-se, minha querida, quanto
menos problemas você causar, menos dolorosa e mais rápida será a
visita.
Ela sentiu uma pontinha de culpa. Afinal, o afetado marquês era sobrinho
do sr. Bancroft, e este já falara em várias ocasiões que gostava muito do
rapaz e que sentia falta dele.
Portanto, por mais que Maddie não gostasse da vinda de Warefield, só
lhe restava se conformar e tratar bem o moço. Pelo menos, na frente de seu
patrão.
— Prometo me comportar — ela declarou. Malcom sorriu.
— Não tenho dúvida disso.
— Contanto que ele se comporte também — Maddie completou.
— Ele irá. Eu já lhe disse isso, meu sobrinho é um exemplo de boas
maneiras.
— O senhor não imagina como estou ansiosa para conhecer o ilustre
marquês.
— Madeleine! — Bancroft a alertou com um leve sorriso.
— Está bem, está bem, eu vou me comportar.
Malcom olhou-a com um olhar tão carinhoso que ela não costumava
receber nem mesmo do próprio pai.
— Obrigado, querida.
— Não há de que, sr. Bancroft. — Maddie se levantou. — Mandarei
trazerem mais chá para o senhor.
— E tortinhas de pêssegos, se não for pedir muito. Meu almoço sofreu
um leve acidente.
Ela olhou por cima dos ombros antes de sair e sorriu.
— Sorte que temos uns docinhos de reserva, não é mesmo? Maddie
mandou um criado levar as tortinhas para Bancroft e tratou de tomar
algumas providências para receber o marquês. Em seguida, voltou para o
jardim e para suas queridas rosas, onde poderia dar vazão à sua ira sem
que ninguém a escutasse. Nobres, sempre aparecendo onde não eram
bem-vindos. Ou necessários.
— Madeleine?
— Droga! — Maddie murmurou, limpando as mãos na peliça. — Estou
aqui, sra. Fowler.
Pelo jeito, a novidade já havia se esparramado rapidamente na
vizinhança, è uma das vizinhas vinha averiguar sua veracidade.
— Oh, aí está você, Maddie.
— Boa tarde, sra. Fowler.
— Eu diria que sim. — A sra. Fowler suspirou alegremente. – Ouvi
dizer que receberemos um visitante ilustre aqui em Sommerset. Mal
posso acreditar.
— Bem, a senhora...
— Céus, um marquês! Ouvi dizer que ele é bonitão, e que tem uma
retirada de vinte mil libras por ano. Você pode imaginar? Vinte mil libras
por ano!
Ouvindo os detalhes que pouco lhe interessavam, Maddie concordou com
uma aceno de cabeça e começou a se movimentar na direção da casa.
Como se já não fosse desagradável o suficiente ter de receber Warefield,
agora ela ainda teria de aturar as pessoas falando sobre ele!
— A senhora parece saber tudo a respeito do marquês, sra. Fowler.
— A sra. Beauchamp sabe. Sabia que o primo dela é o barão de Montesse?
— Sim, ouvi dizer.
— Quanto tempo ele permanecerá em Langley?
— Realmente não sei. Com a temporada de bailes prestes a começar em
Londres, tenho certeza de que não será por muito tempo.
A sra. Fowler suspirou, um tanto desanimada.
— É mesmo... A temporada.
Maddie sentiu um imenso desejo de rir, pois sabia das verda¬deiras
intenções da mulher.
— A senhora já contou as novidades para Lydia e Sally?
— Foram elas mesmas que me contaram. São meninas muito boazinhas. E
Lydia já está tocando piano muito bem, sabia?
— Sim, eu...
— Oh, Sally nunca se apresentou formalmente à sociedade, pois tem
apenas dezessete. Aqui, no campo, tão distante de Londres, lorde Warefield
não espera que o recebamos com muita cerimônia, você não acha?
Até onde Maddie sabia ou tinha ouvido falar, o tal marquês era um
homem de muita cerimônia.
— É claro que não — ela concordou, contendo um sorriso. Se havia um
meio de fazer Warefield encurtar sua estada em Langley ele estava bem
diante de Maddie.
— Ótimo, ótimo. — A sra. Fowler seguia ao lado de Maddie e então, de
repente, ela parou e levou um lencinho à boca para tentar conter um riso
nervoso. — Acabei de ter uma idéia fantástica!
Maddie já não agüentava mais a conversa inconveniente e maçante.
— E o que seria, sra. Fowler?
— Falarei com o sr. Fowler para provermos um baile em homenagem ao
lorde Warefield. Não seria espetacular? Convidarei todo o mundo, menos
os Dardinale. Aquela srta. Dardinale não sabe se comportar.
Por coincidência, Patrícia Dardinale era a moça mais bonita da região.
— Não acho que a senhora deveria se importar com uma garota a mais ou
a menos, sra. Fowler. Ouvi dizer que Lydia está cantando muito bem. Acho
que se tem algo que desperta o interesse de um homem, é uma música bem
cantada.
A sra. Fowler segurou no braço de Maddie, cheia de esperança.
— Obrigada, minha querida. E você também deve comparecer, é claro,
pois não consigo imaginar o sr. Bancroft se aventurando a sair de Langley
sem a sua companhia. A menos que o marquês resolva assumir
pessoalmente os cuidados do tio. Que nobre seria da parte dele!
Maddie franziu a testa, vislumbrando a ótima oportunidade de tornar a
estada do marquês... um pouco mais animada.
— Acho que ele vai adorar a homenagem, sra. Fowler.
Pela vigésima vez, Quinlan Ulysses Bancroft se dispersou da leitura de
seu livro. Cansado do chacoalhar da carruagem, encostou a cabeça contra a
janela para observar a paisagem do campo.
O marquês puxou seu relógio de bolso e olhou as horas. De acordo com
sua estimativa, em vinte minutos mais finalmente chegaria a Langley, após
três longos e cansativos dias dentro de uma carruagem.
Em seu íntimo, receava ofender o querido tio com a sua presença. Ele
sabia que o relacionamento de Lewis e Malcom Bancroft já não era dos
melhores, e não tinha a menor intenção de piorar ainda mais a situação ao
se intrometer na administração de Langley.
Apesar de não apreciar muito a posição de bode expiatório de seu pai, os
vários anos de silêncio entre os irmãos Bancroft já tinham sido tema de
muitas conversinhas nas altas-rodas da sociedade londrina, e talvez aquela
fosse uma boa oportunidade para pôr um fim às desavenças dos dois. Tio
Malcom sempre fora seu parente favorito, por isso Quinlan estava disposto
a quaisquer sacrifícios por ele, mesmo que isso significasse passar uns
tempos no campo.
Com um pouco de sorte, conseguiria organizar os livros contábeis de
Langley e terminar o plantio da próxima safra em poucos dias. Assim, ele
melhoraria a imagem do tio Malcom aos olhos do irmão, e Sua Alteza
ficaria bem mais dócil com as pessoas ao redor.
E se tudo corresse conforme o previsto, ainda teria tempo de voltar para
Warefield antes de a temporada de Londres começar. Uma das primeiras
providências a serem tomadas logo que ele chegasse a Londres seria marcar
a data de seu casamento e cuidar de todos os preparativos, que não seriam
poucos.
Quinlan se espreguiçou, bocejando. Eloise, nas últimas cartas, começava
a dar sinais de impaciência, o que significava que já estava mais do que na
hora de oficializar o relacionamento deles. A idéia de se casar com ela não
lhe parecia tão desagradável assim; portanto, por que não resolver tudo de
uma vez por todas?
Finalmente o cocheiro quebrou o silêncio, anunciando que haviam
chegado a Langley.
Quinlan se endireitou no assento e olhou de novo pela janela. Situada no
topo de uma pequena colina e cercada de um fantástico jardim de flores
silvestres e uma pequena floresta ao lado, a mansão Langley se erguia
vermelha e branca para o céu do meio-dia salpicado de nuvens. Não era
mais que uma casa de campo se comparada aos padrões de Londres, mas a
propriedade oferecia a melhor pesca da região: uma pequena recompensa
para a longa viagem.
— Farei um ensopado de você, seu desgraçado! — um homem gritava
na estrada, ao mesmo tempo em que perseguia um enorme porco que
guinchava, desesperado.
Olhando com mais acuidade, Quinlan percebeu que na verdade dois
camponeses armados de enxadas e pás perseguiam o animal.
— Ele chegou! Ele chegou!
Madeleine teve um sobressalto ao ouvir a criada anunciar, toda animada,
a má notícia. O marquês de Warefield tinha acabado de chegar.
Sua vontade era de correr para a janela mais próxima e ver por si mesma,
nem que fosse para confirmar que o pesadelo estava começando. Mas ela
sabia que não valia a pena perder seu tempo com mais um nobre esnobe.
— Ele está aqui, sita. Maddie! Venha rápido! — exclamou a sra.
Hodges, olhando através da janela da sala.
— Já ouvi, sra. Hodges.
A mulher nem mesmo escutou a resposta de Maddie e continuou com sua
narração.
— Oh, olhe aquilo, que carruagem elegante! Posso apostar que o rei não
tem uma igual.
Até mesmo o sempre contido Garrett estava inquieto. Seus olhos
passeavam da janela para o imenso relógio de pêndulo que havia no
corredor ao lado, como se estivesse tentando calcular o momento exato de
abrir a porta da frente.
— Não se preocupe, Garrett — Maddie disse encorajando-o.
— Acho que o marquês deve uivar de vez em quando, como um
autêntico Bancroft, mas creio que ele não morde. Pode relaxar.
Garrett olhou para ela com o canto dos olhos, e de novo para o relógio.
— Pretendo não cometer nenhum deslize na presença de lorde
Warefield.
— Oh, por favor, Garrett. A única diferença entre um nobre e um plebeu
é que um pode pagar pela falta de modos e o outro, não.
Pelos olhares e caras em sua direção, nenhum dos outros empregados
estava particularmente interessado em suas teorias contra a nobreza.
Maddie, então, se afastou do animado grupinho que estava grudado à
janela.
O tropel dos cavalos se aproximou, acompanhado dos estalos da imensa
carruagem. Garrett arrumou mais uma vez a casaca, fez um sinal para os
outros empregados se colocarem a postos e correu para abrir a enorme
porta de madeira. Lado a lado, os empregados de Langley davam os
últimos retoques em seus uniformes, formando duas fileiras que se
estendiam da porta até o pé da escadaria.
No fim de uma das fileiras, Maddie se colocou discretamente para não
chamar muita atenção.
A carruagem que estacionou na frente da casa era enorme e preta, na
porta o brasão Warefield reluzindo em vermelho e amarelo. Uma magnífica
quadriga negra parou, impaciente, diante dos olhos dos estupefatos criados,
enquanto um quinto cavalo, que estava amarrado na parte de trás do
veículo, empinou e relinchou. Maddie bufou. O exibido havia trazido sua
própria montaria, como se os animais dos estábulos de Langley não fossem
bons o suficiente para ele.
Um lacaio bem vestido, que se encontrava ao lado do cocheiro, desceu da
carruagem e veio abrir a porta para o ilustre marquês.
Uma perna elegante, calçando bota preta lustrada e do mais fino couro,
surgiu do interior da carruagem. O segundo membro veio em seguida,
revelando coxas musculosas numa calça cinza de couro. O olhar cético de
Maddie viu ainda um elegante colete azul e cinza, semi-encoberto por um
paletó azul-marinho, e uma gravata branca acomodada entre o impecável
colarinho, dando o acabamento perfeito ao traje. Dedos em luvas brancas
de pelica entregaram ao criado um bastão de mogno polido com acabamen-
to incrustado em uma das pontas de marfim e ébano.
O marquês olhou para abaixo ao descer da carruagem, e a aba de um
chapéu alto de pêlo de castor azul formou um ângulo sobre os cabelos
ondulados castanho-claros, impedindo Maddie de ver o rosto dele.
— Bufão — ela resmungou, pouco impressionada. Esgrima e boxe
deviam ser os responsáveis por aquele corpo atlético, mas isso não
compensaria o nariz de batata que ele provavelmente possuía, ou as
olheiras por causa das noites mal dormidas, passadas na farra.
Mas então ele finalmente olhou para cima e duas bolas cor de jade,
verdes como a floresta depois da chuva, miraram os rostos dos receptivos
criados e, em seguida, as paredes de pedra vermelha da mansão Langley.
Os olhos de Maddie vislumbraram um nariz perfeito e uma linha do queixo
angulosa. Os lábios, que eram capazes de perturbar o coração da mais
inocente donzela, murmuraram algo para o lacaio, que imediatamente
entregou a bengala de volta e foi cuidar da bagagem.
Só então lorde Warefield seguiu em frente.
Garrett o recebeu com uma reverência.
— Bem vindo a Langley, milorde.
— Boa tarde, senhor. — Após um pequeno aceno, o marquês continuou
caminhando, e os olhos de jade mal olhavam para os criados, que
formavam um corredor.
Finalmente ele chegou ao vestíbulo e, depois de dar uma rápida olhada ao
redor, viu Maddie, porém seu olhar se deteve durante apenas alguns
segundos. Enrijecida, ela fez uma reverência abaixando os olhos, mas
quando ousou olhar de novo para cima, o marquês já passara e entregava a
bengala e o chapéu ao mordomo. Maddie já esperava que fosse ignorada,
por isso estava surpresa pelo inusitado aborrecimento que sentiu diante da
pose constrangedora dele e pela maneira como havia sido dispensada
rápida e friamente.
— Gostaria de ver meu tio, Garrett — Warefield declarou. – Ah, e por
gentileza, mandem colocar minha bagagem em meu quarto. Meu criado
pessoal deve estar chegando com o restante na outra carruagem.
— Pois não, milorde.
Garrett olhou para Maddie, que se aproximou para cumprir com seu
dever.
— Eu o acompanharei até o sr. Bancroft, por favor — ela disse,
lembrando a si mesma a todo instante que prometera se comportar.
Warefield se virou para olhá-la. Uma sobrancelha se curvou levemente, e
então ele inclinou um pouco a cabeça e fez um sinal para que Maddie o
guiasse.
Caminhando à frente do marquês, ela passou pelo imenso salão.
Tentando não correr e, ao mesmo tempo, não atrair as atenções para si,
Maddie segurou com firmeza o corrimão de mogno da enorme escadaria e
manteve os olhos atentos aos degraus. Quanto menos barulho fizesse,
menos o marquês notaria sua presença.
No entanto, Maddie não esperava que ele fosse tão agressivamente
bonito, a ponto de se sentir ansiosa para olhá-lo de novo. Isso de alguma
maneira tornou a visita ainda mais irritante. Sua visão dos nobres ingleses
era a de homens gordos, com olhinhos miúdos e modos afetados.
— A senhorita é enfermeira de meu tio?
— Não, sou dama de companhia dele.
— E como a senhorita veio ocupar esta... posição?
— Eu me candidatei, milorde.
— Sei.
Maddie sentia vontade de gritar e se defender, pois pelo seu tom,
Warefield devia estar imaginando que ela era amante do sr. Bancroft ou
algo assim, mas talvez fosse melhor não alongar a conversa. Afinal, ele não
tinha nenhum direito de se intrometer em sua vida pessoal.
A porta do quarto de Bancroft estava diante deles.
— Posso saber o seu nome?
Maddie hesitou antes de responder, temendo ser descoberta. Mas as
chances de o marquês saber quem era ela eram mínimas.
— Sou a srta. Willits, milorde.
— A senhorita nunca olha para o rosto de seu interlocutor durante uma
conversa?
Como ele ousou? Embaraço, humilhação e fúria tomaram conta de
Maddie.
Ocultando uma fúria crescente atrás de um sorriso, ela se virou de costas
para a porta e o encarou.
— Minhas desculpas, milorde.
Em seguida, tocou na maçaneta. Ao olhar para o rosto de Quinlan,
Maddie percebeu que ele a encarava e estava abrindo a boca para dizer
algo, mas ela abriu a porta do quarto e voltou pelo mesmo caminho de onde
tinham vindo.
Quinlan ficou olhando para a misteriosa dama de companhia de seu tio
enquanto sua figura esguia desaparecia escada abaixo num farfalhar de
musselina rosa e branca.
— Quinlan Ulysses Bancroft. Bem vindo a Langley! O marquês virou o
rosto para a direção do tio.
— Olá, tio Malcom. Que prazer em vê-lo!
Entrou sorrindo no quarto. Do lado direito, em cima de uma cômoda,
havia uma imensidão de vidros de remédios; sobre o criado-mudo, uma
pilha de livros; e, numa mesa no centro do aposento, cartas de baralho e
tabuleiros de jogos. Flores-do-campo, arrumadas embaixo da janela,
balançavam suavemente com a brisa morna da primavera. Malcom estava
recostado sobre uma grande pilha de travesseiros, o rosto pálido e magro.
Mesmo assim, seus olhos brilhavam enquanto ele sorria alegremente para o
querido sobrinho.
— Você está ótimo, meu rapaz!
Quinlan esboçou uma leve inclinação de cabeça.
— Assim como o senhor. Pelo que meu pai disse, eu esperava encontrá-lo
deitado num caixão. O senhor me parece muito bem, tio.
— Com certeza era isso que Lewis desejava. — Malcom apontou para a
cadeira ao lado da cama. — Como foi a sua viagem?
Evitando se envolver na antiga briga dos irmãos, Quinlan se sentou sem
fazer nenhum comentário a respeito.
— Muito tranqüila, obrigado.
Malcom balançou a cabeça e apontou-lhe um dedo.
— Como apenas tranqüila, meu rapaz? Quero saber de todos os detalhes,
desde quem cruzou com você pela estrada a como estava o tempo e quanto
você está aborrecido por ter sido obrigado a vir para Langley antes da
temporada em Londres.
Por um momento Quinlan apenas olhou para o tio. Malcom sempre fora
mais famoso pela teimosa do que pela excentricidade, mas, como o duque
de Highbarrow havia dito várias vezes, era imprevisível saber quais as
seqüelas que um derrame poderia deixar.
— Muito bem. Para começar, não fiquei nem um pouco aborrecido por ter
vindo visitá-lo, tio. Não nos víamos havia muito tempo. Quanto à viagem,
o tempo estava relativamente bom e choveu apenas uma vez. No caminho,
duas carroças de leite passaram por nós, cinco carroças com camponeses, e
quando estávamos chegando, quase atropelamos um porco que estava
sendo perseguido por dois camponeses.
Malcom teve um acesso de riso.
— Só poder ser a srta. Marguerite — ele explicou. — Preciso contar
para Maddie.
— Maddie?
— A srta. Willits. Você não a conheceu?
— Sim. Ela é...
— Uma pessoa amável e tem sido a minha salvação — o tio o
interrompeu, animado. — Pensei que ela fosse acompanhá-lo até
aqui.
— Acompanhou. — Aparentemente, a suposição de Quinlan quanto à
posição que Maddie ocupava na vida de seu tio estava correta. — Eu
diria que o comportamento dela é um tanto... ímpar, talvez. Mas já
imaginava que nenhum dos seus criados iria mesmo apreciar a minha
visita intrometida. Malcom sorriu de novo.
— Alguns de nós mais do que outros.
Quinlan ergueu uma sobrancelha, surpreso em ver o bom humor do tio.
— Bem, obrigado, tio.
— Com licença, sr. Bancroft, milorde.
Quinlan olhou para o lado. Maddie encontrava-se à porta do quarto. Pela
cor rosada de sua face e pela maneira como seu queixo estava erguido, era
quase certeza de que ela escutara o finalzinho da conversa.
— Pois não, Maddie? — Bancroft indagou.
Ela permaneceu parada e seus olhos azuis evitavam Quinlan. Sangue
irlandês, ele concluiu, olhando com mais apreço para o porte alto de
Maddie e seus cabelos ruivos cacheados.
— Sr. Bancroft, desculpe interromper, mas gostaria de avisar que a
bagagem de lorde Warefield já foi toda acomodada no aposento que ele
ocupará.
— Obrigado, querida — Malcom respondeu com um sorriso jovial que
havia muito ela não via no rosto dele.
Após uma leve mesura, Maddie se retirou, deixando tio e sobrinho mais à
vontade para continuarem a conversa. Quinlan voltou sua atenção para
Malcom.
— Gostaria de lhe garantir, tio, que estou aqui para cuidar de Langley
apenas durante a sua recuperação. Meu pai não tem nenhuma intenção de
destituí-lo de suas funções.
— Céus, não! Eu nunca imaginei tal coisa!
Quinlan franziu o cenho. Ele sabia muito bem das diferenças que havia
entre o pai e o tio.
— Bem, tio, acho que quanto antes eu iniciar o meu trabalho, melhor
para todos nós. Estou pensando em começar pelos livros contábeis hoje, e
amanhã bem cedo farei um passeio por toda a propriedade. A menos que o
senhor tenha algo em mente.
— Acho sua idéia perfeita e pode contar com Maddie para ajudá-lo. Ela
conhece tudo e todos por aqui.
Quinlan concordou com um aceno de cabeça e caminhou até a porta.
— Quinlan?
Ele olhou para trás.
— Pois não, tio.
— Por favor, tome conta de Maddie por mim. Ela é muito mais do que
um velho como eu merece.
Então o tio estava lhe pedindo para tomar conta da srta. Willits. Não era
difícil imaginar os motivos. Um homem na idade dele e nas condições em
que se encontrava certamente não conseguia satisfazer os desejos da jovem
senhorita e estava preocupado com as possíveis conseqüências.
— Fique tranqüilo, tio. Cuidarei dela.
Quinlan caminhou pelo longo corredor que levava à ala leste da casa, e à
medida que avançava, suas recordações dos tempos de infância iam
aflorando. Antes da briga definitiva entre o tio e seu pai, ele costumava
passar os verões em Langley, e sempre tivera um carinho especial por
aquele lugar.
Das janelas largas e amplas era possível divisar toda a propriedade
abaixo. Quinlan parou um pouco para admirar a bela paisagem, e até onde
podia ver o lugar parecia em perfeita ordem e muito bem cuidado. Talvez,
com sorte, os livros contábeis também poderiam estar em ordem, e assim
ele partiria antes do previsto.
Suspirou sem muitas esperanças. Com certeza, uma montanha de contas
a pagar e a receber tinha se acumulado nos últimos meses. Ao se virar para
continuar, deparou com Maddie, que vinha acompanhada de uma criada. As
duas pareciam ter surgido do nada.
— O senhor está perdido, milorde? — Maddie indagou.
— Não, não estou. — Quinlan sorriu, tentando ser gentil. — Mas
obrigado por se preocupar, srta. Willits.
Maddie apenas meneou a cabeça e cutucou a criada a seu lado. A velha
senhora corou no mesmo instante, abaixou a cabeça e não teve coragem de
fazer a pergunta que precisava. Aborrecida, tomou a iniciativa.
— Desculpe por incomodá-lo, milorde, mas a sra. Iddings, a nossa
cozinheira, gostaria de saber quais são as suas preferências e se há algo que
o senhor não gosta de comer. Não tivemos tempo de entrar em contato com
o cozinheiro de Warefield, milorde, que acredito deva ter bem
documentado o delicado paladar dos nobres.
— Ah! — Ele meneou a cabeça. — É claro. Obrigado novamente. —
Agora tinha toda a certeza de que Maddie, por alguma razão, não gostava
dele.
— E então, milorde? Quinlan limpou a garganta.
— Bem, não aprecio chouriço — ele começou e, percebendo que a sra.
Iddings ainda se escondia atrás de Maddie, sorriu numa tentativa de
acalmar as duas. — Gosto muito de faisão assado. De resto, como quase
tudo, apesar dos boatos que correm por aí.
Maddie concordou friamente com um aceno de cabeça, e não havia nem
de longe um leve sorriso em resposta à brincadeira do marquês.
— Fico feliz em saber, milorde. — Ela se virou para a cozinheira. — A
senhora ainda tem alguma dúvida, sra. Iddings?
A cozinheira fez uma mesura.
— Não, senhorita. Muito obrigada. — A senhora corou novamente e se
inclinou na direção do marquês. — Obrigada... Foi um prazer... Obrigada.
Deus o abençoe, milorde.
E, em seguida, saiu disparada pelo corredor, deixando-o sozinho com
Maddie.
Rapidamente, ela desviou o olhar e fez uma leve reverência, indicando
que também iria se retirar.
— Obrigada, milorde.
Mas antes que Maddie se fosse, ele deu um passo à frente, colocando-se
em seu caminho.
— Meu tio disse que a senhorita poderia me dizer onde estão os livros
de contabilidade, srta. Willits. A senhorita tem tempo agora?
— Pensei ter ouvido que o senhor não estava perdido, milorde.
— Perdido não estou, srta. Willits. Só não sei onde meu tio guarda seus
livros.
— Pois não, milorde — Maddie disse e seguiu em frente. Ao perceber
que não estava sendo seguida, parou e olhou para trás. — Se o
senhor puder me acompanhar, milorde...
Quinlan despertou de seu torpor e foi atrás dela pela escadaria.
— Há quanto tempo trabalha para meu tio, srta. Willits? Maddie teve
um sobressalto e parou tão de repente que ele quase trombou nela.
Quinlan ergueu as mãos em busca de equilíbrio, enquanto Maddie girava
no degrau para encará-lo. Os dedos do marquês roçaram de leve sua face,
e ela se afastou, amparando-se no corrimão.
— Há quatro anos, milorde.
Mas antes que Quinlan pudesse se desculpar pelo quase incidente,
Maddie já se virara de novo e continuava a descida. Surpreso e alarmado,
ele a seguiu.
— Quatro anos? — Quinlan repetiu. — Quantos anos a senhorita tem?
— Tenho vinte e três, milorde. — O tom educado mal escondia o brilho
furioso de seu olhar.
Antes que Maddie virasse de costas novamente, Quinlan pôs a mão em
seu braço.
— Por favor, senhorita...
Ela se esquivou, assustada. Rapidamente, ele retirou a mão. Maddie
Willits era a dama mais afetada que Quinlan já havia visto.
— Desculpe. Gostaria apenas de saber se a senhorita costuma apresentar
esta dança incomum da escada para todos os visitantes de Langley.
Com um olhar profundo e desafiador, ela o encarou, furiosa.
— Somente para os que exigem que eu olhe para eles quando estou
falando, milorde.
— Não exigi isso... A senhorita não precisa correr o risco de quebrar o
pescoço todas as vezes em que tiver de responder a uma pergunta minha.
Por uma fração de segundo a expressão de Maddie se abrandou.
— Perdoe-me, milorde, mas agora não sei como devo me comportar.
A moça era geniosa e Quinlan não estava acostumado com isso. Ele
sempre tivera jeito com as mulheres, mas essa não era fácil.
— Por favor, pode prosseguir, srta. Willits.
— Pois não, milorde.
Quinlan seguiu sua guia até um pequeno e apertado escritório nos fundos
da ala leste da mansão. Sempre com muita cerimônia e nunca olhando nos
olhos do marquês, Maddie mostrou onde ficavam os livros e todos os
papéis relativos à contabilidade de Langley.
Mas para surpresa de Quinlan, ela não saiu correndo como o esperado e
parecia não querer que ele ficasse ali sozinho.
— Obrigado, srta. Willits. Isto basta. Posso cuidar de tudo, agora.
Maddie continuava parada, suas mãos sobre os livros. Abruptamente, ela
os colocou de volta na gaveta.
— Pois não, milorde. Com sua licença.
Quando Maddie já estava chegando à porta, Quinlan a chamou.
— Srta. Willits?
— Pois não, milorde?
— Gostaria de lhe fazer mais uma pergunta. A senhorita por acaso é
gaga?
Maddie franziu o cenho diante da inusitada indagação.
— Creio que não, milorde. Por que a pergunta?
— Geralmente um ou dois "milordes" entremeando uma conversa já são
suficientes para satisfazer o meu ego — Quinlan disse amigavelmente,
curioso para ver qual seria a reação da jovem. — Mais de uma vez soa
demasiado servil.
Pela primeira vez, os lábios sensuais de Maddie se curvaram num breve
sorriso enquanto ela fazia uma mesura.
— Pois não, milorde. — E saiu da biblioteca.
Capítulo II
Maddie gostou da palavra "servil". Ela soou desagradável e ao mesmo
tempo arrogante. Isso indicava que ela estava atingindo seus objetivos.
Com sorte, de agora em diante o marquês iria se concentrar em ser
meramente amigável e educado. E, com um pouco mais de sorte, ele não
causaria nenhuma confusão nos livros contábeis que estavam tão bem
organizados. Quanto às plantações, não fosse pelas chuvas, ela já poderia
ter dado início. Mas agora só lhe restava rezar para que lorde Warefield
tivesse tanta aversão de sujar suas mãos quanto os outros nobres e fosse
cuidar da vida dele; bem longe dali, de preferência.
— Duas moedas pelos seus pensamentos, Maddie. Ela olhou para
Bancroft.
— Desculpe, o que o senhor perguntou?
Malcom espetava um pedaço de batata.
— A senhorita tem um brilho diferente no olhar. Estou curioso para
saber o que está planejando, e contra quem.
— Não estou planejando nada, sr. Bancroft. Só procuro enten¬der por
que seu sobrinho preferiu jantar sozinho na sala de jantar a vir fazer
companhia ao tio doente.
Maddie cortava um pedaço de faisão, imaginando que fosse uma porção
bem assada de lorde Warefield.
Talvez ele não se sinta confortável ao lado de um doente. Muitas pessoas
não gostam.
Sei disso. Mas o senhor não tem nenhuma doença contagiosa que
justifique. Há uma semana, nem conseguia mexer a mão, e agora já está até
comendo sozinho. O mínimo que ele poderia fazer seria...
— Maddie — Bancroft a interrompeu.
Naquele momento, alguém limpou a garganta diante da porta de entrada
do quarto. Corando, Maddie adicionou mais um adjetivo à crescente lista
de defeitos do marquês. Ele era inconveniente.
— Boa noite, Quinlan — Malcom o saudou. — Você já jantou? O
marquês entrou no quarto sorrindo, olhou de relance para
Maddie e acenou para o tio.
— Sim, meu tio. Sua cozinheira é fantástica. Esse foi o melhor faisão que
já comi.
— Passarei o elogio a ela. Certamente a sra. Iddings ficará muito
satisfeita. Você não acha, Maddie?
Sem erguer os olhos do próprio prato, ela respondeu:
— Com certeza, sr. Bancroft. Ela está muito feliz com a presença do
lorde, assim como todos nós.
— Obrigado, sita. Willits. — A observação de Maddie era permeada de
sarcasmo.
— Não há de quê, milorde.
Então, ela iria continuar se divertido à sua custa?
— Tio, gostaria de saber se o senhor poderia solicitar alguém que
conheça bem a propriedade para me acompanhar, amanhã cedo.
— É claro que sim. Tenho certeza que Maddie o acompanhará com todo
o prazer, Quinlan.
O marquês fitou-a e sorriu vitorioso. Maddie cerrou os dentes. Malcom
era um traidor. Ele sabia da sua aversão aos nobres e agora a colocava à
disposição do tal marquês.
— Se lorde Warefield não se incomodar em seguir uma mulher por toda
a Langley, o prazer será todo meu.
— Não tenho nenhuma objeção, sita. Willits. — Na verdade, ele não
conseguia imaginar um guia mais atraente do que ela.
Os olhares de ambos se encontraram, e Quinlan tinha um sorriso
estampado no belo rosto. Por sua vez, Maddie deu um sorriso cínico.
— Sou uma madrugadora, milorde. Está bem para o senhor?
— Ótimo. Quero começar logo com isso. Quanto mais cedo melhor.
Conforme o combinado, Maddie chegou ao estábulo quando os primeiros
raios de sol despontavam no horizonte, com a certeza de que eles se
desencontrariam.
Mas qual não foi a sua surpresa ao entrar no estábulo: sua égua, Blossom,
já estava pronta, aguardando por ela.
Walter, o funcionário do estábulo, segurava as rédeas.
— Walter, o que...
Mas antes que ele tivesse tempo de dar uma resposta, o ilustre marquês
apareceu montado em seu garboso cavalo. Em seu maldito e belo rosto, um
sorriso.
Maddie sabia reconhecer quando perdia, mas aquela era apenas uma
batalha.
— Bom dia, milorde.
— Eu já estava começando a achar que a senhorita havia se esquecido do
nosso compromisso. — O cavalo se movia de um lado para outro
impaciente. — Combinamos para a primeira hora da manhã, não foi?
Maddie pegou as rédeas das mãos de Walter e se colocou ao lado da égua
para que o rapaz a ajudasse a montar.
— Sem dúvida, hoje serei motivo de inveja de toda a gente do campo por
estar em sua companhia.
— Talvez seja muita generosidade sua, mas agradeço o elogio.
— Não há de quê, milorde. — Ela impulsionou Blossom. — Podemos
começar, milorde?
Um elogio? Isso era estranho, mas o "milorde" ao final de cada oração
ainda permanecia. Ele não tinha outra opção a não ser aceitar os estranhos
modos da bela moça.
— A senhorita monta muito bem. — O marquês seguia ao lado de
Maddie e seus olhos não se cansavam de admirar a rara beleza da
misteriosa acompanhante.
Ela corou não só pelo elogio, mas por perceber que estava sendo
observada.
— É muita gentileza sua, milorde — respondeu com um sorriso suave.
— O senhor tem um belo animal.
De acordo com sua previsão, o elogio surtira o efeito desejado. Pelo
menos o "milorde" veio acompanhado de um sorriso...
— Sim, eu sei. Aristóteles pertencia ao meu irmão mais novo, que o
perdeu para mim numa aposta, no ano passado. Mas até hoje Rafe não se
conforma e tenta recuperar o animal de qualquer maneira. Por isso eu levo
Aristóteles comigo para todos os lugares.
— Garanto que se seu irmão fosse um plebeu, seria enforcado se tentasse
roubar um cavalo. Mas sendo um nobre, tudo muda, é claro.
Quinlan a encarou com uma expressão de espanto. Então, ele tinha
entendido o recado e se deu conta do insulto. Talvez não fosse tão estúpido
quanto ela imaginava. Mas quando o marquês estava com uma boa resposta
na ponta da língua, uma situação inusitada lhe roubou a oportunidade.
— Olhe, é a srta. Marguerite! — Maddie anunciou acelerando o trote do
cavalo. — Está indo novamente para a plantação de repolhos do sr.
Whitmore. E melhor nos apressarmos ou uma verdadeira guerra terá início
em Langley.
O marquês reconheceu a intrusa.
— Ontem, já tive o prazer, ou desprazer, de conhecê-la. Quase sofremos
um acidente quando ela cruzou nosso caminho, na estrada.
Maddie sorriu.
— A srta. Marguerite está ficando impossível. Suas fugas costumavam
acontecer em espaços de tempo maiores.
— Ah, então ela é uma infratora conhecida?
— Sim, muito. — De repente, Maddie se lembrou de que não gostava
do marquês. — Que tolice a minha, milorde, imaginar que o senhor se
interessaria pelas aventuras de uma porca fujona. Queira me desculpar, o
senhor deve estar mais interessado nos acontecimentos de Londres.
Quinlan se divertiu com a resposta de Maddie e soltou uma gargalhada.
Mas não foi uma gargalhada de deboche, e sim espontânea e calorosa.
— De forma alguma, Srta. Willits. Eu não passo todo o tempo em
Londres. E não temos porcos em Warefield.
— Pelo menos, não como a srta. Marguerite. Disso eu tenho certeza,
milorde.
Sem dar aviso, Maddie disparou atrás da porca fujona. Como havia
previsto, a srta. Marguerite estava se dirigindo para a plantação de repolhos
do sr. Whitmore. Quinlan não viu outra saída a não ser tomar parte da
inusitada aventura, e Maddie estava muito curiosa para ver como o
marquês se sairia numa situação como aquela.
Maddie se colocou na posição privilegiada de observadora, enquanto
Quinlan corria ao longo do riacho já no encalço da srta. Marguerite. Esperta
como ela só, se esquivava em ziguezague, confundindo o pobre marquês
que, em uma das várias manobras, acabou caindo do seu cavalo,
aterrissando de cabeça na margem lamacenta do riacho.
— Cuidado, milorde... — Maddie ainda tentou alertá-lo. Apesar de estar
achando a situação para lá de engraçada.
Mas já era tarde demais, o estrago já tinha sido feito, e o marquês tentava
se levantar, escorregando na lama. Quando ele, finalmente, conseguiu ficar
de pé, a cena atingiu o pico do ridículo. Quinlan estava encharcado dos pés
à cabeça, e seu belo traje de montaria, todo coberto de lama.
Maddie continha o riso com todas as suas forças e pensava no lado
positivo. Se o riacho estivesse mais cheio, ele poderia ter se afogado.
Ela se aproximou para mostrar alguma solidariedade.
— Oh, milorde! O senhor se machucou?
Quinlan balançou a cabeça, negando e espirrando água para todos os
lados.
— Que desagradável! A água deve estar muito fria.
— Sim, está muito fria. — Ele caminhava lentamente por causa do peso
da água e da lama em suas botas. — A senhorita viu onde o meu chapéu foi
parar?
— Acho que o vi flutuando no riacho, milorde. O senhor quer que eu
busque ajuda?
— Não é necessário.
Quinlan não tinha certeza, mas, pela expressão de Maddie, tinha a nítida
impressão de que ela fizera aquilo de propósito. Maddie tocou de leve em
sua égua e saiu lentamente.
— Vamos voltar para casa, Blossom.
Quinlan montou em seu cavalo e se apressou para acompanhar o passo de
Maddie, que não se cansava de surpreendê-lo com suas respostas inusitadas
e agora com um quase afogamento.
Maddie meneou a cabeça e encarou seu patrão com ares de inocência.
— O senhor pode ter certeza de que não tive culpa de nada, sr. Bancroft.
Malcom conhecia muito bem Maddie e sabia do que ela seria capaz.
— Ele só está aqui há um dia, Maddie, e quase morreu afogado no
riacho. Seja lá o que você pensa dos nobres, saiba que meu sobrinho é um
rapaz muito fino e educado. Além do mais, eu gosto dele e não posso
permitir que você continue expondo-o a situações como essas.
— Como eu ia adivinhar que a srta. Marguerite tinha escapado
novamente? Lorde Warefield foi quem quis continuar a perseguição, não
eu.
— Está bem, Maddie, vou acreditar em você. Mas, por favor, não
desconte em Quinlan os ressentimentos que guarda de outros. Ele é um
bom rapaz, acredite em mim.
Maddie gostava imensamente de Malcom e temia que ele pudesse ter
outro ataque, pois sua saúde ainda era delicada. Ela não iria correr o risco
de ser a causadora de um outro mal súbito de seu querido patrão. Malcom
sempre a tratara como a uma filha e ele certamente não merecia sua
ingratidão.
— Peço-lhe desculpas, sr. Bancroft.
No período da tarde, lorde Warefield gastou mais de duas horas para
completar sua inspeção pelas terras, acompanhado de Walter, o tratador de
cavalos. Ele preferiu não convidar Maddie para o restante do passeio,
temendo sofrer mais algum estranho incidente.
Após o almoço, enquanto Bancroft tirava seu cochilo costumeiro, Maddie
deu uma escapadinha até a biblioteca para ler um pouco. Mas seu sossego
durou menos do que ela esperava.
— Muito obrigado, Garrett — o marquês falou ao abrir a porta da
biblioteca. — E, por favor, me avise quando a correspondência chegar.
— Pois não, milorde.
Ao entrar no cômodo, Quinlan deparou com Maddie.
— Srta. Willits — ele disse, visivelmente surpreso. Olhos verdes a
encaravam sentada na poltrona favorita de Bancroft com um livro ainda
fechado no colo.
— Milorde — ela respondeu se endireitando, aborrecida pela interrupção.
É claro que ele estava surpreso em vê-la ali. Sem dúvida esperava que ela
estivesse na cozinha ajudando a polir a prata, ou limpando o chão.
— Minhas desculpas. Eu não sabia que a biblioteca estava ocupada —
disse o marquês, virando-se de novo para a porta.
Rapidamente ela se levantou e colocou o livro de lado.
— Oh, por favor, milorde. Não quero atrapalhar a sua leitura. Seu tio já
deve ter acordado... Vou levar um chá para ele.
— Não é necessário.
— Não se incomode, milorde, me desculpe. — Com um leve sorriso no
rosto, Maddie passou por ele.
— Srta. Willits, pare! — Ela parou e fitou-o.
— Pois não, milorde?
— Não precisa sair da biblioteca por minha causa — Quinian disse
calmamente, pronunciando com clareza cada palavra. — Eu só vim pegar
papel. Esqueci de trazer meu bloco de cartas e preciso pôr minha
correspondência em dia.
E claro que ele pretendia relatar imediatamente ao duque de Highbarrow
a situação lastimável da propriedade.
— Pois não, milorde — Maddie disse e correu até a escrivaninha para
mostrar onde estava o papel de carta. — O senhor devia ter me falado
antes. Permita que eu o ajude e assim tire qualquer possível má impressão
que tenha restado do terrível incidente desta manhã.
O marquês estreitou os olhos.
— Eu não diria que ter sido logrado por uma porca tenha sido tão terrível
assim. Embaraçoso, talvez. — Ele fez uma pausa. — Mas, com certeza,
essa é uma história que divertirá muito meu irmão. Preciso saber quem
devo subornar para evitar que isso aconteça.
É claro, o pomposo fidalgo iria resolver seus problemas com dinheiro.
Sem dúvida ele sempre fazia isso. Maddie tirou um bloco de cartas de uma
das gavetas. Por mais atraente que o marquês fosse, ela sabia o que havia
por baixo daquela pele de cordeiro. E nunca se deixaria enganar por aquele
maldito sorriso atraente e aquele belo pai- de olhos cor de jade.
— Isso foi uma brincadeira, sita. Willits.
Os olhares se encontraram quando Maddie lhe entregou o papel.
— Pois não, milorde.
— A senhorita pode rir se quiser, mas vou confiar na sua discrição.
— Obrigada, milorde. — Então, agora o marquês se considerava também
encantador e divertido. Ela jamais riria com ele. — Espero que tudo tenha
corrido bem em sua inspeção hoje à tarde.
— Sim, foi tudo bem. Mas o cavalariço de meu tio, o sr. Walter, é uma
pessoa digamos... ímpar. Maddie sorriu levemente.
— Sim, concordo, milorde.
— Conhece bem as terras, porém eu não esperava que ele tivesse uma
opinião tão singular da nobreza.
Maddie comprimiu os lábios e olhou para a janela.
— E qual seria, milorde? — Podia sentir o olhar de Quinian sobre ela,
quente, embaraçoso e indesejável. Não ria, dizia para si mesma. Ele não é
divertido. — Parece que Walter levou um coice de um cavalo na cabeça,
alguns anos atrás, e agora ele pensa que é um nobre disfarçado. Ou melhor,
julga-se o legítimo herdeiro do trono inglês e que foi injustamente passado
para trás.
O marquês estendeu a mão e apanhou uma folha de papel.
— E eu que pensei que os moradores de Sommerset não estavam
acostumados com nobres.
— Sim, nós... — Maddie se conteve. Não. Ela não iria alongar a conversa
além do estritamente necessário. — Posso me retirar agora, milorde?
— Eu disse que a senhorita não precisava sair.
— Sim, milorde, mas eu quero.
O olhar fixo de Quinian a fez sentir um enorme desejo de se virar, ou
melhor, de cuspir nos olhos dele. Ou de beijá-lo?!
— Então, pode sair — o marquês finalmente disse. Maddie piscou,
espantada por ter pensado aquilo, e se retirou.
— Obrigada, milorde.
Quinian mais uma vez verificava sua aparência no espelho. Não havia
mais nenhum traço do fiasco da manhã, nada além da pilha de roupas que
Bernard, seu criado pessoal, mandara lavar. Mesmo assim, ainda tinha a
impressão de que algo não estava certo.
— O senhor deseja algo mais, milorde? — Bernard indagou, fechando a
valise.
Quinian se virou.
— O que você disse?
— O senhor precisa de algo mais, milorde?
— Não, obrigado, Bernard, isso é tudo.
O criado saiu do quarto, e Quinlan olhou-se mais uma vez no espelho
antes de sair também. Talvez o mergulho no riacho e a lama tivessem
afetado seu cérebro. Os botões estavam corretamente fechados; tudo
parecia correto. Nada muito pomposo nem muito simples.
— Sr. Bancroft — Maddie disse — mandei trazer isto de Surrey.
Quinlan parou diante da porta entreaberta. O tom de voz de Maddie era
alegre e contagiante.
— É ridícula.
— Não, é moderna. Se o senhor tentar, verá como será mais fácil desta
vez.
— Vou acabar quebrando o pescoço! Maddie riu.
— Vou lhe mostrar como é fácil.
Intrigado, Quinlan espiou pela fresta da porta. Maddie estava sentada em
uma cadeira de rodas de madeira, movendo-a para a frente e para trás.
— Uma cadeira de rodas — o marquês falou, entrando no quarto de
surpresa. — O sr. Balfour está usando uma também.
Maddie se levantou no mesmo instante e o bom humor desapareceu de
seus olhos azuis.
— Boa noite, milorde.
— Meu tio... srta. Willits — ele cumprimentou, desapontado. Maddie
ainda parecia odiá-lo.
— Alguém morreu, milorde? — Maddie perguntou educadamente.
Quinlan franziu o cenho.
— Morreu?
— Sim. Seu paletó e... — Ela parou e pôs uma das mãos sobre seus
lábios sensuais. — Minhas desculpas. Acho que fiz de novo.
Sem dúvida a moda em Londres deve ser usar roupas pretas à noite.
Quinlan percebeu o que antes o estava incomodando. A língua afiada de
Maddie. Ele examinou o próprio traje, e então seus olhares se encontraram.
— Você está ótimo, meu rapaz. — Malcom fez um sinal para que ele se
sentasse ao lado da pequena mesa que havia ao lado da cama. — Podemos
não ser formais aqui, mas você não precisa abandonar os seus hábitos,
Quinlan se esforçou para responder com um sorriso.
— Obrigado, meu tio.
Ele se dirigiu para a cadeira. Naquele momento, no entanto, Maddie
sentiu uma imensa necessidade de ajeitar as flores que estavam no vaso
perto da janela. Pacientemente, Quinlan permaneceu em pé, esperando que
ela se sentasse primeiro. Porém Maddie parecia não ter nenhuma pressa e
continuava com seu falso pretexto, olhando para ele com o canto dos olhos.
Foi então que o marquês confirmou suas suspeitas. Maddie Willits estava
provocando-o de propósito e tentando humilhá-lo e embaraçá-lo de todas as
maneiras. Até agora, ela fizera um bom trabalho. Mas o motivo, ele não
imaginava qual fosse.
Malcom observava a cena, fingindo estar entretido com o prato de
comida em seu colo. Quinlan puxou a cadeira para Maddie.
— Srta. Willits?
Ela se virou, fingindo surpresa.
— Oh, Céus! O senhor estava esperando por mim, milorde? Ele sorriu.
— Esperando? Não. Eu estava admirando a mais bela flor de
Sommerset. Posso lhe garantir que foi um prazer.
Durante alguns segundos Maddie o encarou, antes de se sentar.
— Obrigada, milorde — ela falou lentamente e com uma certa
relutância permitiu que o marquês puxasse a cadeira.
Roçando o cotovelo de Maddie com a mão, ele puxou outra cadeira e se
sentou do outro lado da mesa, de frente para ela. Nesse ínterim, Maddie já
estava preparando outro ataque.
— Perdoe-me por haver mandado servir o jantar antes da sua chegada,
mas não há muito espaço para os criados aqui no quarto. Mesmo assim,
aguardamos durante alguns minutos pelo senhor, milorde. Mas com a
demora...
— Maddie... — Malcom resmungou.
Quinlan tomou um gole de vinho para disfarçar seu espanto. Língua
afiada, modos afiados, mente afiada. Era de estranhar que ele ainda
estivesse vivo.
— Acho que sou eu quem tem de se desculpar pelo atraso. Foi
imperdoavelmente rude de minha parte, srta. Willits.
— De forma alguma, milorde — ela disse docemente.
Quinlan, você não tem alguma fofoca para nos contar? — seu tio tentou
amenizar a situação.
— Sim, eu tenho, mas depois do dia que tive em Langley, duvido que
qualquer uma das minhas histórias será interessante.
Fico feliz que você não tenha quebrado o pescoço, meu rapaz.
Maddie concordou com Malcom.
— É verdade. Graças a Deus não chove há dias, ou lorde Warefield
poderia até ter se afogado no riacho.
— Assim como a srta. Marguerite — Quinlan acrescentou. Maddie
ergueu uma sobrancelha, novamente a bela imagem de desdém.
E os Hatlebury teriam perdido para um marquês enlameado a melhor
fonte de renda deles. — Até mesmo a risada dela soava como um escárnio.
— Que piada!
— Ou que disputa — Quinlan resmungou.
— O que o senhor disse, milorde?
— Que o incidente de hoje cedo me fez lembrar o último encontro que
tive com o conde de Westerly.
Durante as duas horas seguintes, Quinlan divertiu sua platéia com
histórias sobre sua última estada em Londres.
— Bem, o que você achou de Langley? — Malcom finalmente
perguntou.
Quinlan tomou outro gole de vinho.
— Vi que as sementes já estão prontas, tio — ele disse, olhando para
Maddie.
— Não se pode perder tempo, meu rapaz.
Quinlan tinha certeza de que alguém havia cuidado da organização do
plantio. E esse alguém só poderia ter sido Maddie.
— Acho que deveríamos começar a arar a terra amanhã, um dos três
campos ao sul. De qualquer maneira, eles parecem estar mais secos que os
outros. — De novo ele olhou para Maddie. — E eu acho que o sr.
Whitmore merecia um tratamento especial depois que a sua plantação de
repolhos foi praticamente dizimada esta manhã.
— Concordo, meu rapaz.
— Percebi que o plantio e a colheita são executados por todos os
arrendatários em conjunto.
— Esta é a única maneira de cuidar da plantação, milorde — Maddie
interferiu.
Quinlan teve a nítida impressão de que o tom dela era de insulto, como se
ele tivesse acabado de dizer algo muito óbvio.
— Eu já esperava que a senhorita diria isso — falou, deleitando-se com a
expressão de espanto de Maddie. — Gostaria de saber se a senhorita
poderia me ajudar na supervisão do plantio.
— Preciso cuidar do sr. Bancroft, milorde.
— Maddie, Quinlan está certo. Sua ajuda será muito útil. — Malcom
lançou seu olhar de súplica para ela.
— Está bem. — Maddie se levantou e se inclinou para dar um beijo na
testa de Malcom, então acenou friamente para o marquês. — Boa noite, sr.
Bancroft, milorde.
— Boa noite, Maddie.
— Boa noite, srta. Willits.
Quinlan estava surpreso em ver que ela se recolhia tão cedo.
— Bem, Quinlan, afinal, o que você achou de Langley?
— Fiquei muito impressionado, meu tio. Para ser honesto, não era o que
eu esperava. — Nada ali era como ele esperava, e Maddie Willits menos
ainda...
— Você quer dizer que não é o que Lewis esperava. Nada de casas
caindo aos pedaços, enchentes ou fome em Sommerset. Creio que ele vai
ficar desapontado.
— É melhor não especular a respeito. — Para evitar outra discussão de
família, Quinlan se espreguiçou. — Acho que vou para a cama também.
Devo mandar meu criado para cuidar do senhor?
— Maddie já cuidou disso, meu rapaz. Boa sorte amanhã. Quinlan sorriu.
— Obrigado. Acredito que vou precisar, tio.
O marquês de Warefield com certeza estava tramando algo.
Durante toda a manhã, Maddie observara a maneira como ele conversava
amigavelmente com os intimidados camponeses. Mas à medida que a
conversa fluía, todos ao redor ficavam cada vez mais à vontade e o
embaraço inicial ia se transformando em verdadeira veneração.
Ela olhou, contrariada, para o perfil bronzeado de Quinlan e para os
cachos que refletiam a luz do sol, e foi obrigada a admitir que ele não era
tão feio quanto havia imaginado. Nem tão indiferente, também. Mas nobres
não costumavam agir de maneira tão amigável, e Maddie sabia muito bem
disso.
— Srta. Willits — Quinlan disse —, acho que podemos voltar a Langley
para não nos atrasarmos para o almoço.
Maddie fez uma leve mesura e os dois seguiram para casa.
Capítulo III
Assim que entraram em casa, Garrett, o mordomo, os recebeu segurando
uma bandeja de prata, onde havia uma carta para lorde Warefield.
— Milorde, correspondência para o senhor.
— Obrigado, Garrett. — Quinlan buscou a privacidade de seu quarto
para ler a carta. A letra no envelope era de Eloise Stokesley.
Querido Quinlan,
Fiquei muito triste quando li, em sua última carta, que você foi
enviado para Langley. Imaginei que pudesse nos visitar em Stafford
Green, como havíamos planejado.
Sei que não deveria dizer, mas estou com saudade.
Eu conto os dias e não vejo a hora de estarmos juntos em Londres.
E espero ainda mais ansiosa pelo dia do nosso casamento.
Aguardo uma carta sua, contando suas aventuras no campo.
Sempre sua, Eloise
Quinlan colocou a carta sobre uma mesinha. O melhor que ele poderia
fazer por Eloise era cuidar rapidamente de suas obrigações e retornar a
Warefield a tempo de ir para Stafford Green.
À tarde retomaria seu trabalho nas plantações e, para garantir que Maddie
não iria ter tempo de planejar mais uma das suas, o melhor seria conservá-
la ao seu lado. E ela parecia mesmo um tanto entediada. Quem sabe não
fosse por causa da doença de Malcom, que agora certamente não estava
mais requisitando... os serviços da srta. Willits.
Talvez essa pudesse ser a oportunidade de chamar a atenção da jovem
para ele. Por outro lado, ela, na verdade, não agia como alguém que
quisesse atrair um homem para a sua cama.
Quinlan parou, franzindo o cenho. Bom Deus, agora ele estava
planejando roubar a mulher de outro homem... de seu próprio tio!
Pouco depois, ao se aproximar do estábulo, Quinlan ouviu vozes e
diminuiu o passo.
— Não, Bill, você está fazendo tudo errado.
— Não estou, srta. Maddie.
— Sim, está. Você vai jogá-lo no chão.
— Não, eu não vou!
Bill Tomkins, o lacaio, estava parado ao lado do caminho de pedras do
jardim. Malcom, agasalhado com cobertores, encontrava-se sentando em
sua cadeira de rodas, com Maddie a seu lado, muito brava.
— Maddie, está tudo bem.
— Não, não está, sr. Bancroft. O senhor precisa tomar um pouco de sol.
Pode deixar, Bill. Eu mesma empurro a cadeira.
Malcom riu.
— É melhor você fazer o que ela está dizendo, Bill. O criado suspirou e
soltou a cadeira de rodas.
— Sim, sr. Bancroft. Mande me chamar quando o senhor quiser voltar
para casa.
— Obrigado, Bill.
O criado entrou na casa, e Maddie ocupou o lugar dele.
— É melhor você não sair do calçamento, minha querida.
— Bobagem. Quero lhe mostrar meu canteiro de rosas.
Ela empurrava a cadeira pelo gramado macio quando uma das rodas
enroscou numa depressão e emperrou.
— Droga! — Maddie murmurou.
— Acho que estou afundando — Malcom disse calmamente.
Ela, porém, não era mulher de se render e com muito esforço conseguiu
soltar a cadeira.
— Viu, basta um pouquinho de jeito, sr. Bancroft — Maddie disse,
movendo-o na direção do canteiro de rosas. — Onde nós tínhamos parado a
nossa leitura?
Malcom tirou um livro debaixo da montanha de cobertores que o
protegiam e abriu-o.
— Vamos ver. Beatrice estava dizendo a Benedick que uma cicatriz no
rosto não o deixaria ainda mais feio.
Maddie sorriu.
— Ah! E Benedick disse: "Bem, você é uma ótima professora de
papagaio".—Ela soltou a cadeira e parou na frente de Malcom, pondo as
mãos nos quadris. — Então Beatrice respondeu: "Um pássaro com a minha
língua é melhor do que um cavalo treinado por você". — Enquanto
Malcom aplaudia, empolgado, Maddie se virou e mudou o tom da voz para
um mais masculino: — "Gostaria que o meu cavalo tivesse a velocidade da
sua língua e...".
Quinlan se aproximou e completou a fala de Benedick:
— "...e fosse tão bom em nunca parar".
— Olá, Quinlan, boa tarde. — Malcom se virou para cumprimentar o
sobrinho.
— Srta. Willits, eu não sabia que gostava de Shakespeare. — Ele, na
verdade, estava extremamente curioso para saber onde ela havia aprendido
a citar o bardo de cabeça.
Maddie ergueu os olhos, muito corada.
— Como o senhor poderia saber que eu gosto de Shakespeare, milorde?
Sem dúvida, não sabia que seu tio também gosta, ou que ele estava com
saudade do senhor por não vê-lo há quatro anos, ou que o senhor nos
últimos três dias não passou mais do que duas horas conversando com ele.
— Maddie, basta! — Malcom disse rispidamente. — Posso me defender
sozinho, muito obrigado. Você não deveria falar assim com Quinlan.
— Acho que não. Assim como tenho certeza de que ninguém tem
coragem de dizer a verdade para ele. — Antes de se retirar, ela se virou
para o marquês. — O senhor cuidará para que seu tio volte em segurança
para a cama?
— Pode ficar tranqüila quanto a isso, srta. Willits. — Quinlan, no íntimo,
se perguntava por que as palavras dela o faziam se sentir completamente...
inadequado.
— Obrigado, sr. Bancroft, estou indo falar com John. — Com um
farfalhar de saia, Maddie foi embora.
Quinlan olhou para o tio, que expressava algo que era uma mistura de
divertimento com raiva.
— Desculpe, tio. Não percebi que não estava dando atenção j ao senhor.
Malcom olhou para ele, então sorriu.
— Você não veio para ser meu enfermeiro. Veio para cuidar de Langley e
garantir que continue rentável.
— Sim, temos de manter nossas aparências, tio. O senhor quer entrar ou
ir ver as rosas?
— Pensei que você estivesse indo verificar as plantações.
— Mudei de idéia, tio. Para onde vamos, afinal?
— Para as rosas, então, se você não se importar. Já deve fazer quase dois
meses que não saio de casa. E Maddie parece se entender muito bem com
as plantas.
Quinlan retomou o caminho para o canteiro.
— Deve ser por causa dos espinhos.
Malcom riu.
— Pode ser. Mas lembre-se de como são belas as rosas que eles
protegem.
— O senhor não se importa que ela vá visitar esse tal de John?
— John Ramsey? Não, é um bom sujeito. Conheço ele e a irmã desde
que nasceram. — Pararam perto do belíssimo canteiro de rosas.
O nome, então, aflorou na memória de Quinlan.
— John Ramsey... Não era ele que gostava de sapos, tio?
— Não, não. John gostava de construir barcos.
— Sim, agora eu me lembro. Um sujeito calmo e miúdo.
— Ele mesmo. E um matemático de Edimburgo que criou um novo
sistema de irrigação, e Maddie quer instalar um igual na parte norte das
terras.
— Por que ela não me contou nada a respeito?
— Acho que pensou que você não iria se interessar. Isso poderia
adicionar mais uma semana à sua estada aqui. Faremos a instalação no
próximo ano, quando pretendo já estar de pé para ajudar.
— Acho que amanhã cedo farei uma visita a John Ramsey, tio. Malcom
sorriu.
— Esplêndido. Esplêndido, Quinlan.
Na manhã seguinte lorde Warefield convidou Maddie para acompanhá-lo
em sua inspeção matinal. Mas qual não foi a surpresa dela quando eles
seguiram para as terras de John Ramsey, que parecia aguardá-los, já
montado em seu cavalo.
— Bom dia — o marquês disse alegremente, inclinando-se na
carruagem para cumprimentar o vizinho de seu tio. — John Ramsey, acho
que estou lhe devendo um pedido de desculpas por ter afundado um certo
barco, há alguns anos.
John sorriu, divertido, com a lembrança dos tempos de infância.
— Não é preciso se desculpar, Warefield. — Os dois trocaram apertos
de mão. — Obrigado por me convidar para o passeio. Eu estava começando
a acreditar que Maddie era a única interessada em modernizar a região.
Eles percorreram as terras de John para verem o novo sistema de
irrigação, e, apesar de seu ceticismo, Maddie teve de admitir que o
interesse do marquês era genuíno e sincero. Ela se surpreendeu ainda mais
quando ele disse que ainda naquela tarde iria até a vila para encomendar
toda a madeira necessária para eles iniciarem o quanto antes as obras do
novo sistema de irrigação, que traria inúmeros benefícios a Langley e a
todos os seus moradores.
Como vinha fazendo desde que chegara a Langley, Quinlan acordava
cedo e logo após o café já saía para verificar pessoalmente o andamento do
plantio, que, por sinal, seguia muito bem sob o seu comando.
Quase perto da hora do almoço, retornou para casa e casualmente
perguntou ao tio pela srta. Willits.
— Acho que Maddie está no jardim, cuidando das rosas.
— É surpreendente como ela gosta dessa atividade.
— As rosas de Maddie fazem muito sucesso e vários vizinhos
costumam pedir mudas. Acredito que ela esteja preparando alguma para
distribuir.
Então, ela não odiava todo o mundo. Somente os marqueses... ou
somente o marquês de Warefield.
— Tio, posso lhe fazer uma pergunta?
— Claro.
— Por que a srta. Willits parece antipatizar tanto comigo? Será que fiz
algo que a tenha ofendido?
— Essa é uma resposta que só ela poderá lhe dar, meu rapaz. Quinlan
suspirou e se levantou.
— O senhor me alertou para eu tomar cuidado com ela. Mas se esqueceu
de dizer que eu deveria ter trazido uma armadura.
Seu tio apenas riu.
Quinlan voltou para o seu quarto e, ao ver a carta de Eloise sobre o
criado-mudo, lembrou-se de que ainda não tinha escrito para ela desde que
chegara a Langley. Resignado, sentou-se para cumprir seu dever.
Querida Eloise,
Tio Malcom está passando bem. Infelizmente, parece que terei de
ficar em Langley mais tempo do que havia planejado, para cuidar
da implementação de um novo sistema de irrigação.
Nada de muito interessante acontece por aqui.
A última parte não era exatamente verdadeira, mas ele duvidava de que
Eloise fosse gostar de ler sobre suas últimas aventuras.
Ainda planejo visitá-la em Stafford Green antes da temporada.
Por favor, mande minhas saudações a seu pai.
Seu,
Quinlan
A carta não era muito longa, mas aquilo bastaria por enquanto. Ele
poderia escrever outra com mais detalhes, quando soubesse por quanto
tempo mais ainda ficaria por lá. Fechou a carta e a entregou aos cuidados
de Garrett.
Inquieto, andou pela casa, na esperança de encontrar Maddie antes que
ele tivesse de voltar para as plantações. Já aborrecido e impaciente, olhou
pela janela da sala de almoço e a viu entrando no barracão do jardim.
Quando ia saindo para ir ao encontro dela, hesitou.
Se aparecesse inesperadamente, Maddie o acusaria de perseguição e de
estar negligenciando suas obrigações com Malcom e com Langley.
Então, teve uma inspiração e, sorrindo, ele foi até o escritório, apanhou o
último livro contábil e abriu na página onde a ilegível caligrafia de seu tio
mudava para uma bela letra de mulher.
Com o livro embaixo do braço, ele "marchou para a batalha".
— Srta. Willits? — ele chamava pelo jardim, fingindo não saber onde ela
se encontrava. — Srta. Willits, onde a senhorita está?
Maddie, por sua vez, preferiu não responder, mas justamente quando
Quinlan já estava achando que teria de entrar no barracão e encontrá-la
"acidentalmente", ela apareceu.
— Pois não, milorde?
— Tenho uma pergunta para lhe fazer, srta. Willits.
Com suspeita, Maddie olhou para o livro nas mãos dele. Quinlan se
aproximou, segurando o livro aberto. Ela cheirava a terra e lavanda. E o
calor que corria nas veias dele não tinha nada a ver com simples
curiosidade.
Tentando dirigir suas atenções para a contabilidade, ele apontou as
últimas entradas, com a data de dois dias antes. Provavelmente, Maddie
anotara as entradas enquanto ele estava cuidando das plantações.
— Posso saber quem fez isso, senhorita? Pois esta letra com certeza não
é de meu tio.
Ela se inclinou um pouco para olhar a página e, em seguida, fitou-o.
— Como vou saber, milorde?
— A senhorita acha que sou um completo idiota? — Quinlan firmou um
sorriso enquanto Maddie abria a boca para responder. — Não precisa falar
desse jeito. Deixe-me explicar. Aqui... — Ele virou algumas páginas para
trás — Esta é a caligrafia de meu tio. O único Bancroft que tem letra boa é
meu irmão. — Apontou outra entrada, mais recente. — Está é a minha
letra. Não é muito melhor, mas pelo menos dá para ler. — Retornou à
página anterior. — E esta caligrafia só pode ser sua.
Maddie deu uma olhada.
— Está bem, eu confesso, milorde. Eu sei aritmética.
— Por que a senhorita não me disse que estava cuidando de Langley?
— Escrevemos para seu pai. — O olhar dela se encontrou com o de
Quin. — Mas o senhor não parecia estar interessado.
Na verdade, estava mais interessado do que ele mesmo queria admitir.
— Meu pai não me disse nada a respeito. A senhorita fez um bom
trabalho aqui, tanto para meu tio como para os Bancroft.
— Simplesmente cumpri com as minhas obrigações — Maddie
respondeu. — Era só isso que o senhor queria saber, milorde?
— Gostaria de lhe agradecer por cuidar de meu tio.
— Alguém precisa fazê-lo, milorde.
O pensamento já tinha lhe ocorrido. Se Maddie não tivesse cuidado de tio
Malcom, tanto ele como Langley estariam em péssimas condições. Com
seu orgulho ferido, Quinlan entrou no barracão, logo atrás dela.
— Agora a senhorita está me criticando por eu não ter vindo a Langley
antes.
— Não cabe a mim criticá-lo de qualquer coisa que seja, milorde.
Ela fez uma mesura.
— Espere um pouco, srta. Willits.
Maddie parou e encarou-o.
__ — Pois não, milorde?
__ — Srta. Willits, em nome de Deus... — Ele hesitou e resolveu
escolher melhor as palavras. — O que eu fiz para ofendê-la tanto?
Ela apenas olhou para ele por um bom tempo antes de responder.
— Nada, milorde. E prefiro que continue assim.
— E se eu lhe garantisse que tenho as melhores intenções para com a
senhorita, meu tio e Langley? — Pôs a mão direita sobre o coração. — Juro
que não vou ferir nenhum de vocês. Incluindo a srta. Marguerite.
Maddie olhou-o tão desconfiada que ele não conseguiu conter o riso. Por
um momento não tinha certeza de qual dos dois havia vencido. Então,
Maddie ergueu o rosto com empáfia.
— Se milorde tivesse vindo para ajudar o sr. Bancroft, eu teria menos
objeções contra o senhor.
— Mas eu vim para ajudá-lo — Quinlan protestou. — O que a senhorita
pensa...
Ela o interrompeu com o dedo em riste.
— O senhor não veio para ajudar seu tio. O senhor veio apenas para
garantir os lucros de Langley.
Ele respirou fundo.
— Eu estava em Warefield. Não sabia o que havia acontecido com meu
tio até meu pai me mandar uma carta. — Quinlan se inclinou na direção
dela. — Por que a senhorita não enviou uma carta para mim, diretamente?
Maddie o encarou.
— O sr. Bancroft não permitiria. — Maddie cruzou os braços. — Sabe
de uma coisa? Não foram poucas as ocasiões em que o sr. Bancroft afirmou
que a família dele não era das melhores. E eu estou começando a
concordar.
Quinlan se inclinou um pouco mais; agora estavam tão próximos que seu
rosto se encontrava há apenas alguns centímetros de Maddie. Então seus
olhos se fixaram nos lábios cheios e a ira em suas veias se transformou em
algo quente e ao mesmo tempo perturbador.
— A senhorita não me conhece.
— O senhor também não me conhece, milorde.
— Mas eu gostaria imensamente de poder conhecê-la melhor — ele
disse quase num sussurro.
Maddie resmungou algo, virou as costas e saiu.
Quinlan ficou ali parado com um leve sorriso nos lábios, olhando a
empertigada senhorita desaparecer. Aquilo estava ficando cada vez mais
interessante!
— Maravilhoso! — Maddie gritou ao se atirar sobre sua cama. — Agora
ele quer me seduzir.
Levantou-se e foi até a janela. Quinlan continuava parado no mesmo
lugar, no jardim. Depois de todos os insultos que ela lhe fizera, lorde
Warefield ainda pensava que poderia conquistá-la simplesmente com
algumas palavras doces e aqueles olhos sedu-tores. O homem era mesmo
muito pretensioso.
— Já ouvi palavras mais bonitas — Maddie disse com desdém,
encostando a cabeça na vidraça. — Você é mesmo uma tola — murmurou
para si mesma. — E daí se ele é lindo? E daí se sabe Shakespeare de cor?
Lá embaixo no jardim, Quinlan virou-se de repente e olhou para ela.
— Droga! — Maddie se afastou da janela. Talvez ele não a tivesse visto.
Ela contou até dez, respirou fundo e então deu um i passo à frente.
O marquês estava logo abaixo da janela, segurando uma rosa branca.
Com um sorriso, ele a ergueu e então se curvou numa reverência
exagerada.
— Quanta ousadia! — Maddie resmungou e lhe mostrou a língua.
Quinlan respondeu com um beijo.
Com o coração disparado, ela abriu a vidraça.
— Pare de estragar as minhas rosas!
— "Que luz é aquela que brilha na moldura da janela?" — ele falou com
um sorriso sincero, recitando Shakespeare. — "Oh, janela, janela, tu és o
renascente, e Julieta, o sol resplandecente...".
Com um grito de ultraje, Maddie fechou a janela com brusquidão. Nada
de falar com o marquês, ou olhar para ele, ou ajudá-lo. Ela saiu do quarto
pisando duro. Nem muito menos dançar com aquele arrogante no baile que
os Fowler iriam oferecer em homenagem a ele.
Maddie dobrou o corredor e estava indo falar com Bancroft quando deu
de cara com seu patrão, que vinha animado em sua cadeira de rodas.
— Sr. Bancroft — ela disse, surpresa, e ao mesmo tempo feliz com o
progresso dele. — Que maravilha!
— Talvez esta geringonça não seja tão ruim assim — Malcom admitiu.
— Eu falei para o senhor que não é. Sr. Bancroft, acho que eu não
preciso ir...
— E uma vez que estou me sentindo tão bem — ele a interrompeu
alegremente —, resolvi que o baile dos Fowler na sexta será uma ótima
oportunidade para eu sair de casa.
Maddie se calou.
Malcom se aproximou e segurou-lhe a mão.
— Você me acompanharia? Ela sorriu, sem jeito.
— Sim, sr. Bancroft. Será um prazer acompanhá-lo.
Mas dizer que iria ao baile e estar preparada eram duas coisas totalmente
distintas.
Garrett descia a escada desajeitado, segurando a cadeira de rodas
enquanto um criado vinha atrás, carregando Bancroft. Maddie descia junto,
ajeitando os cabelos e rezando para que uma tempestade caísse e inundasse
Sommerset e impedisse a todos de irem ao baile.
— Você está encantadora, Maddie — Bancroft disse maravilhado com
sua beleza.
Maddie olhou para o alto da escadaria, outra onda de calor correu em
suas veias.
— Quanto tempo o senhor acha que lorde Warefíeld ainda irá demorar?
Se chegarmos tarde como é de costume em Londres, o baile já terá
terminado.
— Tenho certeza de que ele não vai demorar muito mais. E Maddie,
tente não criticá-lo a noite toda.
No minuto seguinte, passos lentos ressoaram no alto da escada. Maddie
encostou-se na parede e cruzou os braços. Com uma expressão de desdém
no rosto, olhava fixamente para o imenso relógio de pêndulo. O marquês
podia tê-la apanhado de surpresa uma ou duas vezes, mas a guerra não
tinha terminado ainda.
— Boa noite, Quinlan. — Bancroft se aproximou do pé da escada para
saudar o sobrinho.
— Boa noite, tio. Espero não estar muito atrasado.
— De forma alguma.
Maddie esperou por alguns segundos mais antes de se virar e olhar para o
marquês.
— Boa noite, milorde — cumprimentou-o, fazendo uma reverência.
Mas ao olhar para ele, quase perdeu o equilíbrio.
— Srta. Willits, a senhorita está bem?
Quinlan estava olhando para ela, uma leve expressão de deleite em seu
belo rosto. Maddie esperava que ele estivesse usando seu traje preto muito
formal, mas parecia que havia aprendido a lição e vestia um garboso paletó
marrom com um colete creme e uma calça preta que acentuava suas coxas
musculosas.
Pela primeira vez em dias, suas botas estavam totalmente livres da lama e
brilhavam o suficiente para refletir a expressão de espanto dela.
— Céus, milorde. Como alguém vai conseguir dançar com uma visão
tão maravilhosa? Confesso que estou quase desmaiando.
__ — Maddie... — Bancroft alertou-a.
__ — Acho que todos estarão distraídos o suficiente com a beleza da
senhorita para perceber a minha presença — disse o marquês
suavemente. — Pelo menos, todos os homens estarão. — Ele se
aproximou e beijou-lhe a mão. Seu olhar verificou o vestido e subiu para
o rosto novamente. — A senhorita está maravilhosa.
Maddie engoliu em seco e discretamente retirou a mão, enquanto um leve
rubor se instalava em seu rosto.
— Não tão elegante quanto o senhor, milorde.
Bancroft resfolegou.
— Bem, alguém me elogie, para que possamos ir.
Imediatamente Maddie se abaixou e beijou a face de seu patrão e amigo.
— Mal posso dizer como estou feliz em vê-lo tão bem, sr. Bancroft. —
Ela sorriu para ele. — No mês que vem o senhor estará dançando.
Quando Maddie se endireitou, Quinlan estava olhando para os dois.
— Acho que a srta. Willits já disse tudo — ele murmurou. — Podemos
ir?
A cadeira de rodas foi presa na parte de trás da carruagem de lorde
Warefíeld, e o marquês em pessoa acomodou o tio no confortável assento
de couro. Assim que o veículo se moveu, Maddie percebeu que Quinlan
olhava para ela do assento oposto, e de uma maneira muito presunçosa para
seu gosto.
Não demorou muito e eles já estavam parando em frente à residência dos
Fowler. A luz brilhava nas janelas e os jardins estavam iluminados por
várias lanternas. Em toda a entrada da imensa mansão já havia várias
carruagens estacionadas. Aparentemente os Fowler tinham convidado todos
os proprietários de terras da região para o baile em homenagem ao ilustre
marquês de Warefield.
Um criado veio ajudar Maddie a descer, e então assistiu o marquês com a
cadeira de rodas. Quando Bancroft já estava acomodado, Maddie se
colocou atrás da cadeira para empurrá-la.
— Deixe que eu faço isso, sita. Willits — Quinlan se oferece
— De forma alguma, milorde. Como as pessoas poderão apert sua mão
se o senhor estiver empurrando a cadeira do sr. Bancroft?
— Srta. Willits, não é conveniente para a senhorita...
— Sei perfeitamente o que é ou não conveniente para mim — ela o
interrompeu bruscamente. — Além do mais...
— Maddie... — Malcom chamou-lhe a atenção.
— O sr. Bancroft é meu patrão — Maddie continuou num tom mais
sereno. — Permita que eu cumpra o meu dever.
Quinlan concordou.
— Que seja como a senhorita preferir, então.
O terreno irregular dificultou as coisas, mas a teimosia de Maddie era
capaz de tudo. O marquês seguia ao lado dela.
— Eu não tinha intenção de ofendê-la, Maddie — Quinlan sussurrou em
seu ouvido.
— Seria uma honra ser ofendida por um cavalheiro como oi senhor —
ela respondeu friamente, esperando que o trio de trom-beteiros já estivesse
pronto para anunciar a chegada do marquês.
— Meu Deus! — Quinlan murmurou quando percebeu o trio. — A
senhorita tem algo a ver com isso?
Maddie pôs a mão sobre o coração.
— Eu, milorde? Eu nunca ousaria.
Os olhos do marquês acompanharam o gesto dela, então retornaram para
o rosto e, em seguida, ele tocou suavemente em seu braço.
— Que pena.
Maddie franziu o cenho.
— O que...
Mas antes que ela pudesse terminar a frase, as trombetas soaram. Quinlan
parecia aterrorizado, e Maddie levou uma mão à boca para disfarçar seu
divertimento.
Quando entraram, todos os convidados, músicos e criados se curvaram ao
mesmo tempo. A sra. Fowler se aproximou com os braços estendidos numa
saudação graciosa, com o marido vindo logo atrás.
— Milorde — ela murmurou, fazendo uma reverência. — O senhor nos
honra com a sua presença. Quinlan sorriu, estonteado.
— Obrigado, sra. Fowler. Estou muito feliz por me encontrar aqui.
— Por favor, milorde, permita que eu o apresente a todos.
Com isso, uma multidão se aproximou, cercando-os e fazendo muito
barulho. Maddie se inclinou nas costas da cadeira de Malcom enquanto eles
esperavam, abandonados, à porta de entrada.
— O senhor gostaria de um ponche, sr. Bancroft?
— Obrigado, minha querida, eu gostaria muito. Os dois seguiram para
a mesa de bebidas.
— O senhor não acha que deveriam ter cumprimentado o senhor, antes?
Afinal, o senhor fez muito mais por eles do que Warefield jamais sonharia
em fazer.
— Talvez, mas Quinlan é novidade. Eu sou apenas um velho vizinho.
— O senhor é muito mais do que isso. — Maddie olhou para o marquês
para vê-lo mostrar seu sorriso caloroso e seus olhos de jade para todos. Ele
desempenhava muito bem o papel de nobre. — Seu sobrinho é uma perfeita
peça de decoração, não acha?
Bancroft aceitou uma taça de ponche.
— Maddie, você tem certeza de que esse seu joguinho está seguindo
exatamente como você havia planejado?
Ela pôs a mão sobre o coração, certa de que não era a primeira vez que
dava explicações, naquela noite.
— Posso lhe garantir que sou inocente.
— Você acha que ele parece estar prestes a sair correndo de Langley?
Maddie olhou mais uma vez para o marquês, e quando os olhares de
ambos se encontraram, ele sorriu.
— Maldição! — ela murmurou, virando-se de costas.
A orquestra começou a tocar uma quadrilha, e Maddie respirou aliviada
quando viu o marquês conduzindo a srta. Fowler para a pista de dança. É
claro que ele não dançaria com ela, uma simples dama de companhia.
— Maddie, você me daria a honra? Era John Ramsey que estava parado
à sua frente.
— É claro, John. — Antes de aceitar a mão dele, ela se virou para
Bancroft. — O senhor quer que eu fique?
— Vá dançar, menina.
Sorte que o único espaço que restava na pista de dança era do lado oposto
ao do marquês. Maddie sorriu para John, grata por pelo menos uma pessoa
não a ter ignorado naquela noite.
— Lorde Warefield parece estar se divertindo — John comentou,
quando eles se aproximaram um do outro.
— Fiquei feliz que Langley irá adotar seu sistema de irrigação — ela
respondeu. — O sr. Bancroft está muito satisfeito.
— Eu também — John admitiu. — Quando Warefield pediu para se
encontrar comigo, imaginei que ele iria me dizer para que eu cuidasse dos
meus negócios e deixasse os Bancroft cuidarem dos seus.
— Então você não gosta do marquês? John sorriu.
— Não o conheço muito bem para dizer se gosto ou não.
— Mas vocês se conheceram na infância, não foi? Ele deu de ombros e
pegou na mão dela para darem um passo para a frente.
— O marquês visitou Malcom algumas vezes, anos atrás. Nós
brincamos juntos, eu acho, apesar de ele e o irmão adorarem afundar os
barcos de brinquedo que eu construía.
Maddie bufou.
— Típico.
— Não o vejo desde que eu tinha oito anos, Maddie. Duvido que ele
apedreje as fragatas que navegam no Tâmisa. — John parou de falar
enquanto eles circulavam Sally Fowler e James Preston, então ele a pegou
pela mão novamente. — Suponho que você não compartilha o deleite dos
nossos vizinhos pelo visitante...
— O marquês é cansativo.
— Bem, ele veio para dar uma ajuda a Malcom.
—_ Sim, é isso mesmo — Maddie confirmou com relutância.
John passou por ela, e Maddie girou ao redor de James Preston, do sr.
Fowler, do sr. Dardinale e, então, de lorde Warefield. Ele segurou sua mão
por um segundo mais do que deveria.
— _ Você é muito amiga de John Ramsey, não é? — Quinlan perguntou.
Maddie o encarou e puxou a mão.
— Sim.
Aquilo era totalmente ridículo, mas o marquês parecia estar com ciúme.
Não, isso não seria possível. Talvez ele estivesse apenas aborrecido por vê-
la dançando em vez de estar cumprindo suas obrigações de dama de
companhia. Isso, sim, fazia mais sentido.
Após mais algumas músicas, o mordomo finalmente anunciou que o
jantar estava servido, e desconsiderando todas as regras de etiqueta, todas
as mulheres presentes, menos uma, se aglomeraram ao redor do marquês,
cada uma esperando ser a escolhida por ele para ser acompanhada até a
mesa de jantar. Mas lorde Warefield não se esqueceu das boas maneiras e
habilmente escolheu a sra. Fowler.
Com muita cerimônia, o sr. Fowler puxou a cadeira no final da mesa para
Bancroft. O marquês, é claro, sentou-se à cabeceira. Maddie ocupou o
assento ao lado de seu patrão.
Depois de vários brindes e discursos em honra do ilustre visitante, o
jantar finalmente seria servido.
— Senhoras e senhores.
Quinlan se levantou na cabeceira da mesa com a taça de vinho na mão, e
Maddie bufou de seu assento. Lorde Warefield teria de pensar em algo
muito bom para superar todos os brindes que já tinham sido feitos, e ela
duvidava que ainda houvesse algo a que brindar.
— Se os senhores me permitirem — o marquês continuou, com todos os
olhos voltados para ele. — Sei que já houve vários brindes, mas eu me
sentiria negligente se não acrescentasse mais um.
— Por favor, milorde — a sra. Fowler implorou.
— Este será um brinde duplo, na verdade. — Ele ergueu a taça; — Ao
meu tio, Malcom Bancroft, pela sua coragem, força e determinação para
vencer os obstáculos que a vida lhe impôs.
— A Malcom Bancroft! — todos brindaram. Pela primeira vez naquela
noite, Maddie estava feliz em se juntar ao brinde.
— E a Madeleine Willits, por cuidar com tanto carinho de meu tio, e
pela tolerância dela com os intrusos que aparecem em Langley. — Quinlan
sorriu para ela.
— A Maddie! — veio um segundo eco.
Ela suspirou, corada e sem jeito. Se ela o encorajara, certamente não
tinha sido de propósito. Mas pela maneira como seu corpo reagia a cada
olhar do marquês, tudo era possível.
Maddie olhou para Quinlan perguntando-se quando, precisamente, havia
deixado de odiá-lo. E o que, precisamente, ela iria fazer a respeito, agora.
Capítulo IV
Quinlan não conseguia tirar os olhos de Maddie. Em Sommerset havia
um grupo de moças casadoiras, ele supunha, filhas de nobres e cavalheiros,
e segundos filhos de barões. Algumas delas se trajavam de acordo com a
moda de Londres e de Paris.
E então, lá estava Maddie Willits: cabelos ruivos longos com cachos
escapando de uma fita cinza e trajando um vestido escuro de uns dois anos
antes, que, mesmo assim, realçava o azul de seus olhos. A elegância com
que ela dançava lhe despertava um imenso desejo de tê-la em seus braços.
Logo após o jantar, Quinlan foi dançar uma quadrilha com Patrícia
Dardinale.
— A senhorita dança muito bem — ele comentou. A bela moça
sorriu, agradecida.
— Obrigada, milorde. Minha governanta veio diretamente de
Londres.
— Ela fez um bom trabalho.
Ele buscou sua relutante companheira de casa, e finalmente a viu
dançando. Maddie não ficaria sem parceiro de dança durante toda a noite.
Mas aquela era a segunda quadrilha que ela dançava com John Ramsey.
— Quanto tempo o senhor planeja ficar em Sommerset, milorde?
— Patrícia perguntou quando eles se aproximaram novamente.
— Eu tinha planejado permanecer até o final da semana, mas me
demorarei um pouco mais, para ajudar na instalação do novo sistema de
irrigação.
— Ah, sim. Há mais de um ano meu pai, o sr. John e Maddie estão
tentando trazer água para os pastos do lado leste. Acho que eles finalmente
descobriram como.
Quinlan olhou, intrigado, para Maddie. Então, ela estava envolvida no
projeto mais do que ele imaginava.
— A srta. Willits parece saber muito de aritmética — ele comentou.
— Mamãe tentou roubá-la do sr. Bancroft para ela ser minha governanta
— Patrícia admitiu. — Maddie não quis, mas concordou em me dar aulas
de latim duas vezes por semana. É muito difícil. — A jovem sorriu. — Eu
prefiro francês. É mais romântico, o senhor não acha?
Quinlan fitou-a, distraído.
— Sim, é.
Então, a dama de companhia de seu tio falava francês e sabia latim, e
ainda conhecia Shakespeare o suficiente para citar o bardo de cabeça.
— Eles não tocam valsa aqui em Sommerset? — Quinlan perguntou para
sua parceira de dança.
— Sim. Mas duvido que a sra. Fowler irá pedir, pois Lydia não valsa
nada bem.
Quinlan, porém, não planejava dançar com Lydia.
Assim que a quadrilha terminou, ele foi falar com sua anfitriã.
— Sra. Fowler, posso fazer um pedido à orquestra?
— É claro, milorde. Eles conhecem todos os ritmos da moda.
— Ótimo. — Ele se virou para os músicos. — Os senhores poderiam
tocar uma valsa?
O violinista concordou.
— Será um prazer, milorde. Alguma em particular?
— Na verdade, não. — Quinlan se virou novamente enquanto um grupo
de moças começava a se aproximar dele. — Srta. Willits? — ele chamou.
Em seguida, ela surgiu detrás da cadeira de Malcom. Pois não, milorde?
— A senhorita me prometeu uma valsa — Quinlan mentiu, sem
nenhum traço de culpa.
Maddie o encarou muito aborrecida, claramente percebendo que, se
discutisse com o marquês, todos se voltariam contra ela.
— É claro, milorde. Será uma honra.
— Obrigado.
Quinlan a conduziu para a pista de dança. Por trás do aborrecimento de
Maddie, ele sentiu um sinal de hesitação, o que já era algo melhor do que a
hostilidade de sempre. A música começou.
— Podemos? — ele perguntou.
— Eu o odeio — Maddie respondeu, pegando na mão dele e
permitindo-lhe deslizar o braço em torno da sua cintura. Quinlan sorriu.
— Posso saber o motivo de tanto ódio?
Maddie se rendeu à valsa e, como ele suspeitava, ela dançava muito
bem. Maddie olhou ao redor do salão; Quinlan acompanhou seu olhar, e
ambos perceberam então que eram os únicos que dançavam. Sem dúvida os
outros convidados tinham entendido o pedido da valsa como uma ordem
real. Bem, para ele estava ótimo...
— O senhor não deveria estar dançando comigo, milorde.
Quinlan se perguntava até onde poderia provocá-la.
— Posso dançar com quem eu desejar. Sou o marquês de Warefield,
lembra?
— O senhor espera me impressionar com suas roupas finas, carruagem
cara e título?
— Não é essa a minha intenção.
— Não pense que não sei que o senhor mandou vir de Warefield seu
magnífico traje. Três dias de viagem por causa de um paletó e um par de
botas.
— Se a senhorita não fosse tão difícil de satisfazer, eu não teria
feito isso.
— Não sou difícil de satisfazer. E o senhor fez isso para satisfazer
a sua própria vaidade.
— Fiz para me preservar. — Distraída em seu ataque. Maddie se
esqueceu das pessoas que estavam ao redor. Sem nenhuma vergonha de se
aproveitar da situação, Quinlan puxou-a para mais perto. — Mas por que,
afinal, me odeia tanto, Maddie?
— Porque o senhor é o marquês de Warefield, eu acho — ela
finalmente declarou.
— Mas eu não tenho culpa de ter nascido onde nasci, portanto
como pode me culpar por isso?
Agora Maddie estava encurralada.
— Por que eu decidi.
— Mas isso não é justo. Tenho tentado jogar de acordo com as suas
regras, porém você insiste em mudá-las. Isso dificulta as coisas.
Ela hesitou.
— Dificulta o quê?
Quinlan deixou seus olhos pousarem sobre os lábios macios de Maddie.
— Conquistar você. — Ela tentou puxar a mão, mas ele a conteve.
— Acredito que o senhor deve ter assuntos mais sérios com que se
preocupar, milorde, do que tentar conquistar uma simples dama de
companhia.
— Céus! — ele exclamou, perguntando-se quando adquirira tanta
tolerância para com os insultos de Maddie. — O que eu preciso fazer para
ouvir uma resposta civilizada sua?
— Acho que tenho sido muito civilizada, milorde. Desculpe se em algum
momento faltei com o respeito.
Quinlan olhou para ela, dançando graciosamente em seus braços
enquanto o atingia com sua língua ferina. Mesmo assim, ele sentia um
imenso desejo de beijá-la.
— Eu me rendo, Maddie. Você venceu. Estou indefeso diante de você.
Tenha piedade.
— Jamais.
— Que tal uma barganha? — ele propôs. Ao fundo dava para ouvir o
murmurinho dos outros convidados, mas ele não se importou. Naquele
momento, estava dançando com Maddie. — Fingirei que não sou o
marquês de Warefield, e você fingirá que não me odeia.
— Não entendo por que o senhor faz tanta questão que eu goste da sua
pessoa.
— Porque eu gosto de você, Maddie. Meu tio tem uma grande
estima por você. A sua opinião é ouvida e respeitada. E, apesar disso tudo,
esta bela mulher... — Quinlan prosseguiu, tentando bravamente resistir ao
desejo de beijá-la, bem no meio do salão — ...aparentemente me odeia. Eu
só queria saber o que fiz para você. Seja lá o que for, acredite, não foi de
propósito.
Por um bom tempo ela apenas o olhou. Então, finalmente, sorriu.
— Está bem. Uma trégua. Até a sua partida. Nenhum segundo a
mais.
— Então não preciso mais verificar todas as noites se não há
espinhos ou aranhas venenosas nos meus lençóis?
Inesperadamente, Maddie riu.
— Eu não tinha pensado nisso.
— Graças a Deus!
No caminho de volta para Langley, ela permaneceu calada, e mesmo
quando Quinlan lhe deu várias oportunidades de insultá-lo, Maddie não
abriu a boca. Aparentemente, pretendia honrar a trégua. O marquês olhou
para Malcom. Honra tinha pouco a ver com tudo aquilo: ele deveria estar
ali para ajudar o tio, mas tudo que podia pensar a respeito era em como iria
conseguir arrastar Maddie para a sua cama. Aquilo era pura loucura!
Não fazia sentido que o único nobre com quem ela falava em quatro
anos fosse capaz de encarar a vida além do seu título, o único nobre que
simplesmente era... bom e gentil.
Maddie parou na parte central do canteiro e olhou para a rosa branca à
sua frente e se lembrou de Charles Dunfrey. Já fazia muito tempo que ela
não pensava nele sem sentir raiva, muita raiva. Ótimo. Como noivo,
Charles era bonito o suficiente, mas estava longe de ter sido uma pessoa
leal e confiável. Faltava-lhe também a capacidade de enxergar além das
aparências, falta que Maddie supunha acometer todos os parentes e amigos
dele. Só lhe restara concluir que toda a nobreza era assim. Agora, porém,
ela não tinha certeza.
— Maddie?
Após um sobressalto, ela se virou para ver quem a chamava. Era Quinlan
que vinha em sua direção, sem paletó e em mangas de camisa dobradas até
o cotovelo. Ele parecia um deus grego.
— Pois não, milorde?
— Como está quente! — ele exclamou. — Trago boas notícias. Acabo
de voltar de Harthgrove. Parece que o último lote de madeira será entregue
ainda hoje. — Ele se aproximou para apanhar uma das rosas que estavam
dentro da cesta de Maddie. — Maravilhosa! — murmurou, tocando uma
pétala.
Maddie engoliu em seco e continuou apanhando suas rosas.
— Essa é uma boa nova? Suponho que o senhor conseguirá terminar
seu trabalho até o final da semana. — E isso, para sua surpresa, não a
deixava muito feliz.
Quinlan sorriu.
— Acho que devido ao nosso acordo de trégua, você deve estar ansiosa
para a minha partida.
O olhar de Maddie encontrou o dele, e ela esperava parecer mais
controlada do que realmente estava.
— Eu só queria que o senhor fosse embora.
— E você não fez nada para esconder seu desejo. — Por um
momento, Quinlan ficou calado, e então pétalas aquecidas pelo sol tocaram
a face de Maddie.
Desconcertada, ela se moveu para a próxima roseira.
— O senhor já contou a novidade ao sr. Bancroft?
Ele a seguiu bem de perto.
— Ainda não.
— O senhor deveria. Seu tio está ansioso.
Quinlan a acariciou de novo com a rosa, e, em seguida, seus dedos
roçaram a parte de trás do pescoço de Maddie.
— Contarei.
Ela sentiu um arrepio.
— Pare com isso, por favor, milorde.
— Como uma mulher inteligente e bonita como você ainda não se
casou? — Quinlan perguntou, quase num sussurro, ignorando o pedido de
Maddie e continuando com o toque carinhoso.
Ela fechou os olhos por um momento e tentou controlar a respiração.
— Porque escolhi não me casar.
— Acho que você nunca me odiou de verdade — ele continuou
no mesmo tom suave. Seus dedos deslizando ao longo do braço de Maddie,
e lentamente puxando-a para mais perto.
— Eu nunca gostei do senhor.
— Acho que você sente desejo por mim — Quinlan declarou, sua
boca aproximando-se mais e mais dos lábios de Maddie.
Ele tinha razão, mas aquilo estava errado; Maddie se inclinou para a
frente e fechou os olhos, deixando-se levar pela força do desejo. A boca de
Quinlan tinha gosto de chá com mel, de manhãs primaveris e de tudo que a
fazia feliz.
Sem poder se conter, Maddie ergueu os braços até o pescoço dele.
Quinlan emitiu um gemido surdo, e ela estremeceu em resposta. Já fazia
muito tempo que não era beijada, e da última vez...
— Quinlan!
Uma palidez mórbida se espalhou no rosto de Maddie ao ouvir o grito de
Bancroft. Ofegante e sem olhar para Quinlan ou para seu patrão, saiu
correndo para casa e subiu diretamente para o seu quarto.
Ela havia feito novamente. Ainda pior, pois dessa vez sabia muito bem
quais eram as intenções do marquês, e mesmo assim tinha permitido que
ele a beijasse. Até mesmo o encorajara! Todos em Londres estavam certos.
Ela era uma libertina tola.
Uma gritaria teve início na biblioteca, no andar de baixo, as palavras
ecoavam, e a emoção era evidente. Primeiro foi Bancroft e, em seguida, a
voz áspera de Quinlan em resposta. Maddie enxugou os olhos e se
levantou. Tudo havia escapado ao controle e, quando ela e o marquês
perceberam, já era tarde demais. Mas aquilo não passara de um acidente.
Maddie respirou fundo, abriu a porta de seu quarto e saiu. Um acidente.
Bancroft precisava de seu sobrinho naquele momento! Bastava ela assumir
a culpa de tudo que acontecera; afinal já tinha má reputação, que diferença
faria?
Nervoso, Quinlan andava de um lado para outro.
— Certo — ele gritou —, pedirei desculpas por ter ultrapassado
os limites, se é isso que o senhor quer, mas não vai continuar gritando
comigo como se eu fosse um garoto bobo!
Malcom movimentou a cadeira de rodas para encarar o sobrinho de
frente.
— Gritarei o quanto me der vontade. Por Deus, Quinlan, nunca
esperei isso de você!
Numa tentativa de conter seus nervos, Quinlan respirou fundo.
— Foi apenas um beijo, tio — ele respondeu, sem mencionar que já
ansiava por aquilo havia dias, ou que até mesmo tinha esperanças de que o
beijo pudesse ser o prelúdio de algo muito mais íntimo. — E ela não me
recusou.
— Quinlan...
O marquês ergueu os braços, furioso e frustrado, ainda se lembrando de
como havia sido bom ter Maddie em seus braços, até seu tio aparecer para
estragar tudo.
— O senhor não serve para ela agora. Por que não deixar que alguém se
aproxime?
— O quê? Seu mald...
— Com licença.
Quinlan se virou para a porta. Maddie estava lá, pálida, lágrimas
descendo de seus olhos.
— Maddie, eu não quis...
— Só quero dizer que tudo não passou de um mal-entendido e de um
acidente — ela declarou, evitando o olhar de Quinlan. — Lorde Warefield
não teve culpa de nada. Desculpe, sr. Bancroft. O senhor não merecia.
Malcom se aproximou de Maddie.
— Maddie, não...
Ela se virou e desapareceu.
— Maldição! Veja o que você fez, Quinlan!
— Foi apenas um beijo, tio.
Malcom olhou para o sobrinho por um momento.
— Feche a porta.
Quinlan obedeceu, mas se recusou a ocupar o assento que o tio lhe
indicou.
— O que é agora, tio?
— Quem você pensa que Maddie é?
— O que o senhor quer dizer com quem eu penso que ela...
— Você acha que Maddie é minha amante?
Quinlan franziu o cenho, confuso.
— Bem, o que mais eu poderia pensar? Uma mulher linda e inteligente,
perdida aqui em Sommerset, cuidando do senhor...
— Cuidando de um velho inválido, você quer dizer?
— Não foi isso que eu quis dizer, tio.
— Madeleine Willits é a filha mais velha do visconde de Halverston e
não é minha amante. Nem de ninguém.
Quinlan se sentou. Todas as dúvidas, todas as pistas intrigantes e ele
nunca suspeitara que ela fosse uma nobre.
— Mas então, o que, afinal, Maddie está fazendo aqui?
— Cinco anos atrás ela estava noiva. Um dos amigos de seu noivo
bebeu demais e a beijou, entre outras coisas. A pessoa errada viu a cena, e
Maddie estava arruinada.
— Por causa de... um beijo. Não era para menos que ela parecia tão
aterrorizada.
— Maddie preferiu deixar Londres e sua família a ter de continuar
ouvindo acusações injustas, sendo que ela não tinha feito nada de errado.
Quinlan encarou o tio.
— Então Maddie se tornou auto-suficiente e encontrou emprego sem
nenhuma referência ou ajuda de amigos ou familiares.
— Exatamente.
— Notável. Malcom suspirou.
— Ela é uma jovem notável.
— Por que o senhor não me contou antes?
— Não cabia a mim contar. Maddie levou três anos para me contar sua
história.
— O que o senhor quer que eu faça?
A porta se abriu e Maddie entrou, dessa vez bem mais calma. E
carregando duas valises.
Quinlan se levantou rapidamente, uma profunda tristeza aperi tava seu
peito.
— Srta. Willits.
— Com licença novamente. Eu queria apenas dizer adeus ao sr.
Bancroft.
— Quero que você faça o que deve ser feito, Quinlan — Malcom gritou
para o sobrinho.
— Fazer o quê... — Quinlan fechou a boca, estupefato, e se recompôs.
— O senhor quer dizer me casar com ela?
— Claro que não! — Maddie colocou as malas no chão. — Não seja
ridículo!
— Maddie...
— Minha reputação não é das melhores, sr. Bancroft — ela o
interrompeu. — Este incidente não fará diferença.
— Então, por que você está indo embora? — indagou Malcom. Maddie
hesitou, olhando para seu patrão. Quinlan a estudava, fascinado com as
emoções ali estampadas. Se não fosse por Eloise, ou por seu pai, a idéia de
se casar com Madeleine Willits não pareceria tão absurda.
— Maddie — ele disse calmamente —, não foi minha culpa. Nem sua.
— Ele hesitou. — No entanto já sou noivo, ou estou prestes a ficar. Não
fosse por isso...
— Eu posso assumir a responsabilidade pelos meus atos. Muito
obrigada, milorde. E o senhor já é um nobre. Não precisa fingir possuir
essa qualidade.
— Casar com uma mulher irascível poderia não ser absurdo, mas c0m
certeza era perigoso.
— Não acho que você tenha o direito de questionar a minha
nobreza...
— Por favor! — Malcom gritou.
Quinlan parou e olhou para o tio. Havia se esquecido que ele estava ali. E
pela reação de Maddie, ela também.
— Obrigado. — Malcom reassumiu o controle da situação. —
Estou a par de seu compromisso com Eloise, Quinlan. Tenho outra idéia em
mente.
— Que idéia, tio? Malcom encarou o sobrinho.
— Imaginei se você e os outros Bancroft intitulados não poderiam
introduzir Maddie na sociedade novamente. Isso seria...
— Não! — Maddie gritou, interrompendo Bancroft.
— Isso limparia o seu nome e lhe asseguraria um bom casamento —
argumentou Malcom.
— De jeito nenhum! — ela respondeu. — Nunca mais voltarei para
Londres. E muito menos com ele!
Quinlan sorriu. Aparentemente, Maddie havia quebrado a trégua.
— Acredito que você tenha gostado de mim por um momento.
— Então, você concorda, Quinlan? — perguntou seu tio. — Seu mau
comportamento pode se transformar em algo positivo.
— O mau comportamento foi meu — Maddie argumentou. — Não
tente resolver meus problemas. Por favor, deixe-me em paz.
Quinlan franziu o cenho. Seu pai iria ficar mais do que furioso, porém
Malcom estava certo. Seja lá o que Maddie estivesse pensando, ou por mais
que ele tivesse se deixado levar pela emoção no jardim, considerava-se um
homem honrado.
— Eu concordo.
Maddie o encarou, furiosa.
— A decisão não é sua, milorde.
Quinlan ergueu uma sobrancelha.
— Creio que sim!
Ela bateu o pé.
— Isso é um absurdo! Ninguém vai me obrigar a ir para Londres?
Ele se moveu e pegou as valises do chão.
— Sim, você vai. Terei de informar meu pai. Precisamos partir
imediatamente para o castelo de Highbarrow. — Quinlan se voltou para o
tio, cheio de planos e estratégias na cabeça. — Vou falar com John Ramsey
e pedir que ele supervisione as obras da irrigação. O plantio termina hoje.
Maddie tentou puxar suas malas, mas ele não as soltou.
— Devolva minhas malas!
— Maddie, ouça Quinlan. É para o seu bem — pediu Malcom.
— Você sempre resolve seus problemas fugindo deles? —
Quinlan perguntou, provocando-a. — Não imaginei que fosse tão covarde,
Madeleine Willits.
— Não sou covarde!
— Malcom levou uma das mãos à testa e recostou-se na cadeira.
Preocupado, Quinlan pôs as valises no chão e se aproximou.
— Tio, o senhor está bem?
Maddie tirou-o do caminho e se ajoelhou diante de seu patrão.
— Desculpe — ela murmurou. — Está tudo bem. Respire fundo, sr.
Bancroft.
— Parem de brigar. Por favor — Malcom sussurrou, esfregando as
têmporas.
— O senhor precisa se acalmar, sr. Bancroft.
Maddie abaixou a cabeça; Malcom olhou para o sobrinho e piscou.
Quinlan ficou embasbacado por um momento, sem saber se achava
engraçado ou se estava espantado com a artimanha do velho senhor. E
então ele se abaixou para ajudar Maddie a se levantar.
— Vamos fazer o que ele está pedindo, Maddie.
Malcom tocou-lhe no queixo.
— Prometa que fará, minha querida. Faça tudo que Quinlan e a família
dele disserem, pelo menos até você ser aceita no Almack novamente. Se for
aceita lá, o será sem problemas em qualquer salão de Londres.
— Sr. Bancroft — Maddie tentou argumentar com lágrimas nos
olhos.
— Depois disso, se você ainda não quiser permanecer com a sua
família e seus amigos, pode voltar para Langley.
Maddie olhou para Quinlan. A expressão dele era solene.
— Gostaria de ter uma chance de corrigir o meu erro. E de ajudá-
la, se você permitir, Maddie.
Ela fechou os olhos.
— Tudo bem. Só até eu ser aceita no Almack.
Maddie sentou-se na carruagem, tentando ignorar tanto a bela
paisagem como o homem maravilhoso à sua frente. Ela nunca deveria ter
aceitado viajar sozinha com ele para o castelo de Highbarrow. Bem,
sozinha exceto pela outra carruagem que trazia a bagagem, pelos dois
cocheiros, o criado pessoal do marquês e mais dois lacaios.
Quinlan a tinha chamado de covarde novamente, e então jogara em sua
cara todos os seus argumentos quando ela havia protestado. Seja estava
arruinada, que diferença faria se chegasse a Highbarrow apenas na
companhia de um cavalheiro? Mas, agora, três dias depois, Maddie podia
responder que importava e muito, pois ela não conseguia parar de pensar
naquele maldito beijo.
— Maddie, pela milésima vez afirmo que tio Malcom ficará bem
sem você. Ele nos garantiu. Por favor, acalme-se. Ficar se lamentando por
isso não me fará levá-la de volta para Langley, senão eu já o teria feito.
Maddie cruzou os braços.
— Não estou me lamentando.
Quinlan olhou pela janela. Aquela era a quarta vez que ele o fazia nos
últimos dez minutos.
Respirando fundo, Maddie recostou-se na janela e então avistou o tão
reverenciado castelo de Highbarrow. Ela crescera na mansão Halverston,
mas a sua casa nem de longe se comparava aquilo tudo. Torres cinza
apontavam para o céu azul sobre uma imensa propriedade esparramada no
centro de uma vasta clareira Uma floresta de carvalhos cercava três faces
da casa, com um lago nos fundos.
— É... muito bonito — Maddie disse, tentando disfarçar seu
nervosismo.
Inesperadamente, o marquês respondeu.
— Não deixe que meu pai a ouça falar assim. Ele não gostaria de ouvir
um símbolo saxão de mais de quatro séculos ser chamado de "bonito".
— Ah, eu sei — ela falou, ainda olhando para a magnífica construção.
Porém, não pretendia se intimidar diante de toda aquela grandiosidade. —
Bancroft me contou tudo sobre o duque.
— Ótimo.
Vinte minutos depois eles já estavam na entrada do castelo de
Highbarrow. Nervosa e sem saber o que a esperava, Maddie olhou para
Quinlan e percebeu que ele também não parecia tão calmo. Pela primeira
vez não o culpava, pois já tinha ouvido o suficiente sobre o duque de
Highbarrow para imaginar que ele não aceitaria muito bem as novidades.
Mas tudo isso que estava acontecendo agora era por conta da teimosia de
Quinlan, e não dela.
A carruagem finalmente parou. Quinlan permaneceu sentando por um
minuto apenas olhando para Maddie.
— Não vou dizer para você se comportar, pois sei que seria capaz
de fazer o oposto só para me contrariar — ele por fim falou.
Maddie fez uma careta e, antes que pudesse dar uma resposta à altura,
o trinco girou e um criado meticulosamente trajado abriu a porta da
carruagem.
— Lorde Warefield, seja bem-vindo.
O marquês fez um gesto para que ela o precedesse.
— Obrigada.
O criado ajudou Maddie, olhando-a com curiosidade, então voltou para
ajudar Quinlan. De perto, o castelo parecia ainda maior e mais imponente.
— Sua Alteza se encontra em casa?
— Sim, milorde. O duque e a duquesa estão tomando chá na sala de
música.
— Ótimo.
O mordomo estava na porta de entrada e também recebeu o marquês com
uma reverência. Quinlan entregou-lhe o xale e as luvas de Maddie, então a
conduziu por um comprido corredor com um teto muito alto. Ao longo do
caminho havia vários quadros pendurados nas paredes, retratos de homens
e mulheres elegantemente vestidos.
Enquanto Langley era arejada e clara, Highbarrow parecia ter sido
projetado para deixar Maddie mais nervosa do que já estava. Ao final do
corredor, o marquês parou, soltou o braço de Maddie e olhou-a.
— Você prefere que eu explique tudo antes ou pretende entrar logo na
jaula dos leões?
— O senhor está perguntando pelo meu bem ou pelo seu, milorde?
Quinlan deu um leve sorriso.
— Você seria capaz de dançar sobre o meu túmulo, não seria? —
Quinlan bateu na porta e Maddie estremeceu.
— Se um dia eu for visitá-lo.
— Entre — uma voz feminina respondeu.
Se Maddie tinha alguma dúvida sobre a descrição que Bancroft havia
feito de seu irmão mais velho, esta desapareceu assim que Quinlan a puxou
para dentro da sala de música. O duque do castelo de Highbarrow estava
sentado junto à janela, o sol da tarde refletindo em seus cabelos grisalhos.
Olhos castanhos e frios sob sobrancelhas espessas se ergueram do London
Times para olhá-la.
De repente, Maddie teve total consciência do tecido barato de seu traje
de viagem. Com o queixo levemente erguido, ela caminhou ao lado de
Quinlan, olhando ao redor da sala. Cada peça de prata, dos candelabros à
colher de chá sobre a bandeja, brilhava mais do que as estrelas. Não havia
nenhuma partícula de pó em parte alguma, e os polidos móveis de mogno
davam à madeira quase uma aparência de espelho.
— Já voltou, Quinlan? — uma voz fria ecoou Os olhos de Maddie se
voltaram para o duque.
— Também estou feliz em vê-lo, papai — o marquês respondeu com o
mesmo tom frio. Maddie olhou para ele, curiosa, pois nunca o ouvira
falando daquela maneira... como um nobre.
— Bem-vindo, Quinlan — uma voz feminina bem mais calorosa ecoou,
e uma pequena senhora se levantou de uma cadeira ao lado da lareira para
tocar as mãos do marquês. Quinlan sorriu e beijou-a no rosto.
Os olhos da duquesa eram verdes como os do filho, apesar de o brilho
se modificar quando pousaram em Maddie.
— E quem nós temos aqui, Quinlan? — a duquesa perguntou, com um
discreto tom de curiosidade na voz.
— Gostaria de lhe apresentar a srta. Madeleine Willits. Maddie, o
duque e a duquesa de Highbarrow.
— Vossa Alteza — Maddie disse, fazendo uma mesura e inclinando a
cabeça, de repente ciente do quanto ela estava distante de Sommerset e de
seus amigos. Então olhou para Quinlan, o mais próximo de um aliado que
possuía ali, e mal confiava nele. Nem poderia se permitir confiar.
— De onde você é, mocinha? — O duque continuou sentado, e, com
nenhuma intenção de se levantar para cumprimentar Maddie ou o filho,
cruzou os tornozelos e virou a página seguinte do jornal.
— Langley. — Quinlan sorriu para Maddie, em seus olhos um sinal de
alerta para ela se comportar. — Ela era a dama de companhia de tio
Malcom, papai.
— Eu sou a dama de companhia do sr. Bancroft — Maddie corrigiu-o
educadamente, tentando não encarar o duque por sua grosseria. Afinal, ela
dera a palavra de que concordaria com aquela bobagem, contanto que os
outros Bancroft estivessem de acordo.
O duque fechou o jornal e encerrou sua leitura, visivelmente
aborrecido.
— A amante de Malcom, você quer dizer.
Maddie corou.
— Não, a dama de companhia do sr. Bancroft — ela corrigiu,
antes mesmo que Quinlan tivesse a chance de fazê-lo. — E ele está se
sentindo muito melhor. O médico até acredita que vai se recuperar
completamente da paralisia. Obrigada pela preocupação, senhor.
A expressão de surpresa do duque foi instantânea, o London
Jimes escorregou de suas mãos e caiu no chão.
— Mocinha insolente!
O duque se levantou. Quinlan era mais alto do que o pai, mas Lewis
Bancroft parecia mais encorpado do que o filho.
— O que ela está fazendo aqui, Quinlan?
O marquês hesitou um pouco, obviamente procurando as palavras certas.
— Madeleine é a filha mais velha do visconde de Halverston.
— Já sei, você é aquela que Charles Dunfrey chutou quando a
encontrou com um dos amigos dele — o duque de Highbarrow escarneceu.
— Erro estúpido. E agora está se aproveitando de um pobre velho inválido.
— Ele olhou para Quinlan. — Ou você quer lançar suas garras em cima de
meu filho, agora?
— Pai — Quinlan disse rispidamente.
Era isso que Maddie estava acostumada a receber da nobreza. E de
alguma maneira, ela se sentiu mais confortável ao constatar que estivera
certa o tempo todo. Agora estava preparada para abrir fogo.
— Na verdade, eu fui o culpado por tudo que aconteceu, pai — Quinlan
disse com voz calma. — Não tinha idéia de quem a srta. Willits era, e... —
Ele olhou de novo para Maddie. — ...me comportei mal. Tio Malcom
sugeriu que eu poderia consertar duas coisas ao trazê-la para cá.
— Ela não está carregando um filho seu, está? Meu Deus, Quinlan! Um
envolvimento com uma qualquer três meses antes de se casar com Eloise!
— Lorde Warefield me beijou — Maddie declarou asperamente. — Isso
foi tudo. E eu não queria ter vindo. Foi idéia do sr. Bancroft. Posso partir
já, se o senhor assim o desejar.
— Ótimo.
— Insuportavelmente esnobe — Maddie murmurou. — Passar bem,
Vossa Alteza. — Virou-se e seguiu para o longo corredor
Quinlan correu atrás dela e a puxou pelo braço.
— Por Deus, Maddie, dê-me apenas um minuto para eu explicar tudo a
ele.
Ela livrou seu braço e apontou o dedo indicador para Quinlan.
— Está bem, só mais um minuto.
O marquês respirou fundo e a trouxe para dentro da sala novamente. A
duquesa, no entanto, estava próxima à porta e viu quando os dois voltavam.
— Pai — ele recomeçou —, eu agi mal com a srta. Willits. Ela é uma
dama de berço, injustamente acusada de algo que não fez. Desejo reparar o
que fiz. Tio Malcom acha que com a ajuda da nossa família, a srta. Willits
pode ser aceita de novo na sociedade, e eu concordo com ele.
— Ah! Você concorda!
— Sim. E ela vai ficar aqui até que tudo esteja resolvido. Não posso levá-
la de volta para Langley antes de cumprir com a minha promessa, portanto
a srta. Willits permanecerá aqui como nossa convidada.
O duque se levantou outra vez.
— Eu esperaria essa tolice de Rafael, mas até a manhã de hoje não
imaginava que você fosse tão estúpido e ingênuo, Quinlan. Dê um dinheiro
a ela e mande-a embora. — Highbarrow se aproximou deles. — Quanto
custará isso, srta. Willits? Dez libras? Cem? Fale quanto custará para a
senhorita manter sua boca fechada e ir embora.
Maddie olhou para o relógio que havia sobre o aparador <to lareira.
Cinqüenta e oito segundos... cinquenta e nove... um minuto.
— Vossa Alteza — ela iniciou tão brava que sua voz saiu trêmula —, se
eu escolhesse vender minha língua para não comentar nada sobre o mau
comportamento de seu filho, cada moeda que o senhor possui não seria
suficiente para comprar o meu silêncio, porque a minha honra não tem
preço.
— Então o que...
— Não estou aqui por dinheiro — Maddie o interrompeu. — Estou
aqui porque o sr. Bancroft achou que seu filho agiu mal e ele viu essa tolice
como uma chance de acertar a minha vida. Direi ao senhor o que disse a
seu irmão: estou muito feliz com a minha vida e não desejo passar mais
nenhum minuto na companhia de uma pessoa arrogante e egocêntrica como
o senhor. Passe bem.
— Quin, você concordou com isso? — a duquesa perguntou, colocando
uma das mãos sobre o braço de Maddie, impedindo-a de partir.
Quinlan meneou a cabeça.
— Quando cheguei a Langley, percebi que a srta. Willits tinha cuidado
muito bem da propriedade e de tio Malcom. Por isso, como uma forma de
gratidão, eu pretendo ajudá-la.
— Não, você não vai ajudá-la! — gritou o duque, seu rosto ficou
vermelho. — Quero que ela saia desta casa agora mesmo!
— Só um momento, Lewis — ponderou a duquesa. Por um segundo ela
olhou para Maddie, então seu olhar se voltou de novo para o marido. —
Quinlan deu sua palavra. Não quero que ele a quebre porque você acha
inconveniente.
— Vitória! Não permitirei...
— Está acertado, Lewis — lady Highbarrow declarou com firmeza.
De cara amarrada, o duque deu as costas para todos, resmungando:
— Façam o que vocês quiserem. Eu estou indo para Londres. Vitória
pode me encontrar lá quando essa garota tiver ido embora.
— Lewis!
— Basta, mulher! — o duque resmungou e saiu bufando pelo corredor.
Quinlan ficou olhando o pai desaparecer.
— Bela saída.
— Ele já estava planejando ir para Londres no fim da semana. Tem uns
negócios para resolver. — A duquesa soltou o braço de Maddie e tocou em
seu filho. — Srta. Willits, a senhorita poderia nos dar licença por um
momento? — ela pediu e levou Quinlan até o corredor.
— Espere aqui, Maddie — disse o marquês.
Maddie tentou fazer uma careta, mas decidiu se conter. Quinlan a havia
apoiado quando ela não precisava ou não queria o seu apoio, ou pelo menos
pensava que não, até ele dar um leve sorriso e ela de repente sentir que tudo
daria certo. E se perguntou quando exatamente, começara a ver Quinlan
como um aliado.
A duquesa parou em frente a uma das janelas que davam vista para o
jardim.
— Por que você beijou a srta. Willits, Quin? — Ela desviou o olhar da
paisagem para fitar o filho nos olhos. — E por que sente necessidade de
ajudá-la?
— Achei que tio Malcom pudesse ter outro ataque se eu não
concordasse com ele.
— Ele se importa com esta jovem?
— Tio Malcom gosta muito de Maddie, mamãe. Ela é mais do que uma
filha para ele.
— Por que você a beijou?
Quinlan baixou os olhos por um momento, sem conseguir explicar o
turbilhão de emoções que Maddie Willits lhe despertara desde a primeira
vez que se viram.
— Não sei ao certo. Maddie... tem uma péssima opinião da nobreza, e
ela costuma falar tudo que pensa. Acho que eu queria lhe provar que nem
todos são como Charles Dunfrey, que virou as costas para ela, ou aquele
miserável que arruinou-lhe a vida.
— Arruinou beijando-a quando não deveria.
— Sim, mãe, entendi o paralelo, obrigado.
— Você brigou com Eloise?
— Claro que não. Por quê?
— Você nunca foi de flertar por diversão, Quin. Pelo menos nunca
soubemos de nada. Apesar de eu achar que você deve ter tido seus flertes,
as damas envolvidas tinham uma posição mais sólida na sociedade do que a
srta. Willits, ou pelo menos não eram faladas.
O fato lhe passara pela cabeça também.
— Eu sei. — Quinlan se moveu na direção da sala de música.
— De qualquer forma, já dei minha palavra. E como eu disse, não posso
levá-la para Langley antes de resolver tudo. Por isso pensei que a senhora...
pudesse me ajudar.
— Seu pai não quer se envolver nisso.
— Sim, mas ele não estará aqui. — Quinlan pegou as mãos da mãe. —
A senhora me ajudará?
— Ela chamou Lewis de arrogante e egocêntrico.—A duquesa riu. — Se
você acha que isso é importante, é claro que o ajudarei. Mas somente até
um ponto, Quin. Não permitirei que o nome Bancroft seja manchado. Se a
sociedade continuar rejeitando-a, ela deverá ser mandada de volta. De
acordo?
Quinlan respirou fundo, bem mais aliviado. Ele teria Maddie ao seu lado
durante mais algumas semanas.
— De acordo.
— Não preciso de uma modista. Posso costurar meus vestidos. Maddie
encarava Quinlan, parado na porta de seu quarto. Com seu jeito calmo, ele
entrou e se aproximou da cama, onde ela estava sentada.
— Maddie, eu sou extremamente rico e quando me tornar o duque de
Highbarrow ficarei ainda mais rico.
— O senhor não precisa jogar isso na minha cara, milorde. Quinlan
balançou a cabeça.
— O que eu quero dizer é que devemos apresentá-la à sociedade com
tanto estilo que ninguém será capaz de lhe virar as costas. Posso custear
isso sem sentir no meu bolso. Você trabalhou muito para ganhar o seu
dinheiro. Guarde-o para algo... para você mesma.
Maddie olhou-o, tentando conter a ira que não sentia por ele desde o
baile dos Fowler. E com outros olhos, ela começou a prestar mais atenção
ao seu lindo sorriso, nos traços másculos que compunham a linha do
queixo, e no modo como a luz do sol que iluminava o ambiente
transformava em dourado o tom dos cabelos castanho-claros do marquês.
— Se você se importasse mesmo comigo — ela finalmente respondeu
—, não teria me tirado de Langley.
— Tio Malcom se importa com você, e eu também me importo Foi
exatamente por isso que a trouxe de lá. Por achar que você merece mais
uma chance, Maddie.
Ela baixou o olhar.
— Concordei em vir somente pelo bem de seu tio. Portanto não espere
que eu vá para a forca com um sorriso no rosto.
Para sua surpresa, Quinlan se sentou na cama a seu lado.
— Para a forca? Nunca ouvi ninguém se referir a Londres dessa
maneira.
Maddie deixou escapar um leve sorriso, tentando não sentir o perfume
suave da colônia dele que colocava em alerta todos os seus sentidos.
—Mas foi assim que me senti quando fui expulsa da sociedade.
— Você não sente nem pouco de saudade?
— Não.
Sem Quinlan querer, seu pé roçou a barra do vestido de Maddie, e ela
sentiu algo estranho. Céus, agora estava pensando em beijá-lo novamente!
— Mas...
— Você não tem idéia de como foi — Maddie o interrompeu. —
Ninguém ousaria rejeitá-lo. Não com a sua origem. Mas eu sou apenas a
filha de uma segunda geração de viscondes. — Ela fez uma pausa, mas ele
continuou fitando-a com seus intensos olhos de jade. — Eu era convidada
para todas as festas, especial¬mente quando fiquei noiva de Charles. Mas
depois daquela estu¬pidez... nem mesmo meus, antes considerados, amigos
foram me visitar, ou nem sequer olharam para mim. Meus pais me
trancaram no quarto por três dias. Acho que eles pretendiam me mandar
para um convento. Você pode me imaginar num convento?
— Não, não posso. — Quinlan ergueu a mão e ajeitou atrás orelha de
Maddie um cacho de cabelos fora do lugar. — Como você escapou?
Um tremor inesperado percorreu o corpo de Maddie diante do toque
gentil de Quinlan.
— Esperei o tempo ficar ruim, então preparei uma pequena alise e a
joguei pela janela. Em seguida, desci pela treliça da trepadeira. Segui pela
estrada Charing Cross e fui para Brighton. Eu pretendia ir para a América,
mas não tinha dinheiro suficiente. Em Brighton, arranjei um emprego de
governanta. Fui demitida duas semanas depois, assim que as notícias do
escândalo de Londres chegaram até lá. Meu patrão até me fez uma oferta
para que eu ficasse; ele se calaria e, em troca, eu lhe faria... alguns favores.
— Quem era ele?
Não importa. Os nobres são todos iguais.
— Não, não somos.
Não, eles não pareciam ser, e isso, de alguma forma, era difícil de aceitar.
— Você me beijou — Maddie apontou, mais para lembrar a si mesma
do que a ele. — E foi apenas porque pensou que eu fosse amante do sr.
Bancroft?
Quinlan se levantou.
—Não! Absolutamente não! — Agitado, caminhou até a janela e então se
virou para ela. — Aquele beijo foi... algo mais.
— Mais o quê? — Maddie queria saber. E não apenas para confirmar
que aquilo não tinha significado nada para ele.
— Foi um engano.
Ela baixou os olhos, no fundo decepcionada.
— Que tipo de engano?
— Do tipo do qual não me arrependo, porém não ousaria repetir.
— Não?
Quinlan a encarou.
— Não — ele respondeu calmamente e então respirou fundo, como se
tivesse acabado de perceber que estavam sozinhos no quarto. — A modista
estará aqui às duas.
Maddie ficou olhando-o sumir no imenso corredor, deixando para trás
um mar de dúvidas e indagações.
Ela se sentia numa situação de desvantagem em Highbarrow. Em
Langley, era diferente, estava confortável e em bons termos com os criados
e com os vizinhos, e, acima de tudo, familiarizada com a rotina e os
detalhes da casa.
Exceto pelas poucas horas passadas, cinco anos antes, no baile do
marquês de Tewksbury, nunca tinha visto tanta pompa e riqueza como via
no castelo de Highbarrow. Aquilo era irritante, mas nada comparado ao que
teria de enfrentar assim que pisasse em Londres.
O duque de Highbarrow, para alívio de todos, já tinha partido antes do
meio-dia com suas duas carruagens e um séquito de criados. Maddie não se
importaria em ter de discutir com ele nova-mente, mas lhe faltavam aliados
e não queria correr o risco de despertar a ira da duquesa.
Maddie almoçou sozinha, sentada a uma imensa mesa de carvalho que
poderia facilmente acomodar todos os empregados de Langley. Quinlan
tinha ido visitar alguns vizinhos, e aparentemente a duquesa, apesar de seu
apoio, não estava pronta para se socializar com a "intrusa".
A modista chegou pontualmente às duas, e a duquesa estava presente
para escolher os modelos e os tecidos. Tudo sem pedir a mínima opinião de
Maddie.
Após uma sessão que parecia não ter fim, a modista finalmente recolheu
suas coisas e foi embora. Sua Alteza, porém, permaneceu para uma
conversinha.
— A senhorita tem algo melhor para vestir para o jantar de hoje à noite?
Novamente Maddie controlou seu forte temperamento. Se fosse Quinlan
quem tivesse feito a pergunta, ela teria lhe dado uma resposta à altura. Mas
a duquesa tinha tomado partido dela. Não iria doer muito aceitar um ou
dois insultos em troca.
— Tenho algo um pouquinho melhor — Maddie admitiu. — Não somos
muito formais em Langley.
— Sem dúvida. — A duquesa se levantou. — Somos mais formais aqui,
no entanto. Espero que a senhorita entenda. — Ela caminhou para a porta.
— Se a senhora não me queria aqui, por que falou em minha defesa?
A duquesa parou e se virou.
— Falei por meu filho. Aprendemos que a melhor maneira de manter a
paz em nossa família é ceder aos desejos de meu marido. Desta vez
Quinlan escolheu o oposto, e sinceramente não consigo entender por que
resolveu desafiar a ira do pai por um flerte sem conseqüências. — A
duquesa se virou e continuou andando. — Nos veremos mais tarde, srta.
Willits.
Vitória Bancroft fez uma pausa aos pés da escadaria; a porta do quarto de
Madeleine Willits se fechou silenciosamente, sem nenhum sinal do ataque
histérico que ela esperava ouvir. A duquesa esperou um pouco mais, então
seguiu.
O caso todo era muito estranho. Quinlan perseguir outra mulher na
iminência de seu casamento até que não era tão surpreendente, já que os
homens costumam mesmo sair em busca de novas aventuras antes de se
casarem. Por este ângulo o fato não mereceria muita consideração. Mas seu
pressentimento de mãe indicava que havia algo mais envolvido, pois, caso
contrário, seu sempre bom e comedido filho não teria ousado trazer para
casa a tal mulher, e, para completar, praticamente exigido que eles a
aceitassem.
O duque, é claro, escolheu olhar para o incidente como uma afronta à sua
dignidade e seguiu para Londres, deixando a duquesa encarregada de
resolver a absurda situação antes que os Bancroft se tornassem o tema das
fofocas da nova temporada. Uma única palavra sobre o deslize do marquês
de Warefield seria o suficiente para incendiar toda a Londres.
Quinlan apareceu inesperadamente à porta de entrada no instante em que
sua mãe ia passando. Uma vez que eram raras as ocasiões que ele tinha
para se divertir, quando ia pescar com Dunsmoore, sempre chegava depois
do entardecer. Vitória parou e esperou pelo filho.
— Como lorde Dunsmoore está passando, Quinlan?
— Olá, mamãe. Ele está bem. Eu o deixei pescando. Nenhum peixe
mordeu minha isca, nesta tarde. Como foi com a modista?
— Quinlan limpou uma fina camada de poeira que cobria sua calça de
camurça.
— A sita. Willits já terá trajes decentes para vestir depois de amanhã.
— Ela tentou jogar alguém pela janela, ou fez algum tipo de desaforo?
— O marquês riu.
Vitória encarou o filho, muito séria.
— Você acha engraçado uma moça perder o controle o tempo todo?
— Maddie não é nenhum tipo de animal feroz, mamãe. Só teve de se
cuidar sozinha por um...
— Ela tem vivido sob a proteção de seu tio, você quer dizer — a
duquesa o interrompeu.
O sorriso de Quinlan desapareceu diante da insinuação.
— Eu não estava brincando quando disse que Maddie cuidou de
Langley. E cuidou muito bem, por sinal.
— E...
— E comprou uma cadeira de rodas, com o dinheiro dela, para tio
Malcom, sem que ele soubesse.
— Então, deu uma cadeira para ele! Não foi um relógio de ouro. Você
está sendo ridículo, e isso não é do seu feitio, Quinlan.
O marquês encarou a mãe e se endireitou.
— Nós não demos nada para tio Malcom — disse calmamente e se
virou para o corredor. — Papai preferiu ignorar a doença do irmão até se
lembrar de que a colheita em Langley poderia dar prejuízo.
— Nós enviamos você — ela o lembrou, mas Quinlan já tinha ido
embora. Vitória ainda foi atrás dele até o som de suas botas pisando no
mármore desaparecerem. Duas coisas estavam claras.
O beijo não tinha sido tão acidental como Quinlan afirmara, e Lewis
nunca deveria ter mandado o filho para Sommerset.
— Pensei que você iria começar uma greve de fome — Quinlan disse
brandamente, enquanto Maddie se sentava à mesa. Em seguida, ele se
sentou também e fez um sinal ao criado, indicando que o jantar já podia ser
servido.
— Pois eu achei que iria comer sozinha de novo — ela respondeu. —
Sua mãe se juntará a nós, milorde? — Maddie sorriu para um dos criados
que lhe oferecia o frango.
— O que eu fiz agora? — Quinlan perguntou, percebendo que o belo
sorriso que ela dera para o criado desapareceu assim que seus olhares se
cruzaram.
— Nada, milorde. Por que a pergunta?
— Porque virei milorde novamente. No seu vocabulário, eu acredito que
isso seja um insulto. Ou estou errado?
— E assim que as pessoas devem se referir a você, Quinlan — a
duquesa disse ao entrar na sala. — Não reprima a moça por isso.
Ele se levantou quando lady Highbarrow entrou na sala de jantar. Seu
lugar de costume, à direita da cadeira do duque, estava posto, mas ela se
sentou ao lado de Maddie. Enquanto o criado se apressava para mudar a
louça, um alarme soou na cabeça de Quinlan. Vitória Bancroft, apesar de
ser bem menos orgulhosa do que o marido, tinha um orgulho profundo da
linhagem Bancroft e o defendia como o duque. Talvez ela não fosse tão
instável quanto Maddie, mas eleja ouvira mais de uma vez a língua ferina
da mãe.
— Não estou repreendendo a srta. Willits, mamãe. Eu só quero saber se
ela está gostando ou não da sua estadia em Highbarrow.
— Como eu não poderia gostar, milorde? — Maddie perguntou
docemente.
Quinlan sorriu, certo de que naquela noite ele deveria verificar se não
havia nenhuma cobra ou aranha venenosa em sua cama.
— Foi o que pensei.
A duquesa se inclinou para apanhar sua taça de vinho, impedindo Maddie
de enxergar Quinlan.
— Você recebeu notícias de Eloise, Quin? — sua mãe indagou. Droga!
Ele tinha se esquecido de novo de escrever para Eloise.
— Na última carta que ela me enviou, tudo ia bem.
— Ainda pretende esperar até o outono para se casar? Como eu disse
antes, acho que seria melhor vocês se casarem em junho ou julho.
— Concordo com Vossa Alteza — Maddie se manifestou. A duquesa
ergueu uma sobrancelha, desconfiada.
— Concorda?
— Certamente. Depois que a temporada de caça já tiver começado, será
um grande transtorno reunir todos em Londres para o casamento.
Quinlan a olhou com suspeitas. Em seus modos mais solícitos, Maddie
era muito mais perigosa.
— Por que está tão solícita, agora?
— Agora, milorde? Não fui solícita para com o senhor antes?
— Não — ele respondeu lentamente, cada vez mais desconfiado. —
Acho que não.
Lady Highbarrow observava Maddie com seus frios olhos verdes.
— Então, é a favor do casamento de meu filho, srta. Willits? Maddie
sorriu.
— Como eu poderia me opor se mal conheço uma das partes e nunca vi
a outra?
A duquesa olhou para o dois.
— A senhorita sempre beija homens que mal conhece, então? Maddie
mordeu o lábio inferior, seu único sinal de raiva.
— Não, Vossa Alteza.
— Mas beijou meu filho.
— Foi numa manhã que até lorde Byron teria apreciado — Quinlan
interferiu. — O clima de romance estava no ar. O incidente, no entanto, não
foi de todo mau, pois acabou proporcionando um meio de retribuir a
Maddie tudo que ela fez por tio Malcom.
Maddie o encarava. Ele retribuiu o olhar friamente, pois sabia que ela era
por demais inteligente para acreditar na desculpa que acabara de soltar.
— Confesso que ainda não entendi por que todos pensam que o beijo foi
mais culpa minha do que de lorde Warefield, uma vez que o marquês
insiste em afirmar que o responsável pelo acontecido foi ele.
Quinlan descansou o queixo sobre a mão e olhou para ela.
— Porque você gostou? — ele sugeriu e imediatamente se arrependeu
da zombaria.
— Seu arrogante...
— Quin! — manifestou-se a duquesa. — Sejam lá quais forem os
sentimentos envolvidos, se você insistir em lembrar à srta. Willits sua
atitude inadequada, ela não terá a chance de se redimir.
— Minha atitude inadequada... — Maddie repetiu. — Os lábios eram
dele, mas a inadequação foi minha. — Olhou para Quin. — Vejo agora por
que o senhor preza tanto a sua nobreza. Ela o absolve de todos os seus
erros, à custa do socialmente inferior mais próximo. — Maddie se
levantou. — Com licença. Perdi meu apetite.
— Maddie — Quinlan murmurou.
Lady Highbarrow segurou-a pela mão antes que ela pudesse se afastar.
— Sita. Willits, mesmo correndo o risco de ser áspera, vou dizer-lhe
uma coisa: Quinlan é o futuro duque de Highbarrow, e a senhorita gostando
ou não, ele se encontra numa escala social superior à sua.
O sorriso da duquesa desapareceu e Quinlan estava boquiaberto.
— Mãe, se a senhora me der licença só por um momento — ele disse
rapidamente, dando a volta na mesa para levar Maddie embora. — Há
várias coisas que não deixei claro para a nossa hóspede. — Quinlan puxou
Maddie para a porta de saída. — Srta Willits, por favor.
Assim que saíram, Maddie livrou seu braço da mão que a conduzia.
— Não vou ser arrastada como uma criança desobediente. Aposto que
agora você vai me mandar ficar de castigo, de joelhos.
A imagem daquelas palavras se formou instantaneamente na cabeça de
Quinlan, e a cena até que era engraçada.
— Lorde Warefield! — Maddie falou. — Eu disse que estou indo
embora!
Quinlan a segurou de novo pelo braço, forçando-a a olhar para ele.
— Não, você não vai! — A inusitada raiva que corria em suas veias
surpreendeu a ele mesmo; não porque Maddie dissera o suficiente para
enfurecê-lo, mas porque Quinlan não queria que ela se afastasse dele para
sempre.
— Eu sei quando a minha presença é inoportuna.
— Pare e me escute, Maddie. Você não me fará quebrar minha palavra
de honra, assim como não quebrará a promessa que fez ao meu tio. Fui
claro?
Por um bom tempo ela apenas o fitou, ofegante e furiosa.
— Eu o odeio — foi a resposta de Maddie.
— Fui claro?
— Sim. Muito claro.
Quinlan ficou parado observando-a subir, furiosa, a escadaria. Quando a
porta do quarto de Maddie bateu, o marquês recostou-se, aliviado, contra a
parede. Seja lá o que ele estivesse sentindo por Madeleine Willits, ódio
com certeza não haveria de ser. E isso o k assustava muito.
Quando finalmente chegou o dia de partirem para Londres, Maddie já
tinha mais vestidos do que tivera em toda a sua vida. As valsas e quadrilhas
inventadas nos últimos cinco anos foram I ensinadas a ela. O mais
doloroso, no entanto, foi ter de ler, todos os dias, as colunas sociais do
London Times para ficar a par de quem havia se casado com quem,
morrido ou sido bem recebido no alto círculo social.
Após a última discussão com o marquês, Maddie fez o possível para
evitá-lo, e ele, por sua vez, parecia fazer o mesmo. Numa moradia tão
grande como o castelo de Highbarrow, isso não era muito difícil.
— Maddie, por favor, desça da carruagem — Quinlan suplicou
calmamente, tentando ao mesmo tempo evitar os olhares curiosos do
mordomo e dos criados que descarregavam a bagagem dos Bancroft.
— Não! — a voz tensa ressoou de dentro da escuridão do veículo.
— Que bobagem. — A duquesa virou os olhos, abriu o leque e se dirigiu
para a porta de entrada da residência dos Bancroft, em Londres.
Quinlan se inclinou na porta aberta da carruagem. No fundo, ele sentia-se
culpado por ter fugido de Maddie nos últimos dias. Sabia dos anseios e
temores da jovem e de que só estava em Londres por sua causa. Em seu
peito vibravam sensações que oscilavam entre a vontade de gritar com
Maddie e, ao mesmo tempo, de beijá-la, e isso estava ficando cada vez
mais difícil de controlar.
— Maddie, a casa é cercada por um imenso jardim cheio de árvores.
Posso lhe garantir que ninguém que estiver passando na rua poderá vê-la
descer da carruagem.
— Quero ir para casa! — ela gritou.
— E onde, precisamente, é a sua casa?
Após um minuto de silêncio, Maddie saiu, trêmula, da carruagem, e
Quinlan constatou o nervosismo dela.
Lentamente, ele a ajudou a descer da carruagem. Maddie estava de olhos
fechados e só os abriu depois que pisou com os dois pés em solo firme,
ciente de que não teria mais como voltar atrás.
— Está tudo bem, Maddie?
— Acho que sim. Só preciso de um momento.
— Esperarei o quanto for preciso.
Ela continuou apertando com força a mão de Quinlan. Aparentemente,
detestava mais Londres do que ele. Quinlan não esperava ser promovido de
inimigo a aliado, mas a circunstância não era bem-vinda. Ele olhou para o
rosto de Maddie. Céus, como ela era linda!
Por fim, ela respirou fundo e só então deparou com a enorme mansão e
com os olhares curiosos dos vários criados que os aguardavam.
— É maravilhosa — declarou, admirada.
— Considero isso um grande elogio, vindo de você. Vamos entrar? —
Quinlan gesticulou para a porta de entrada.
— Você também vai ficar aqui?
Ele não pretendia. Durante a temporada, costumava ficar na casa que
havia sido de sua avó materna, na Grosvernor Street. Passar todo o verão ao
lado de seus pais era uma tortura que ele não tinha de enfrentar desde que
completara dezoito anos e fora admitido em Oxford.
— É claro que sim. Até que tudo se acerte. Maddie tinha estampada no
rosto uma expressão que indicava que ela nunca se adaptaria à vida e aos
costumes de Londres.
Capítulo V
Em sua primeira e única estada em Londres, Maddie havia entrado num
verdadeiro estado de êxtase quando, finalmente, pudera ver os famosos
pontos como o Hyde Park, a Bond Street e a sombria Torre de Londres —
lugares dos quais, até então, só tinha ouvido falar. Ela fora convidada para
bailes fabulosos e mui¬to alegres, com gente famosa que a havia tratado de
igual para igual, demonstrando satisfação em conhecê-la.
Mas agora não sentia a mínima vontade de rever esses lugares, tampouco
essas pessoas.
— Srta. Willits, gostaria de mudar de roupa para o almoço? Maddie
deixou a cortina da janela de seu quarto escorregar suavemente em sua
mão, ocultando a calma vista da King Street.
— Acho que sim.
Depois de colocar seu novo vestido de seda verde e branco, ela olhou
para o relógio que havia sobre o aparador da lareira, e então, com certa
relutância, saiu de seu quarto. Meia dúzia de empregados a
cumprimentaram educadamente à medida que ela descia para a sala de
jantar, onde parou de repente logo na entrada.
O duque de Highbarrow olhou-a por cima de uma fatia de pêssego.
— Você ainda está aqui? — ele perguntou, resmungão.
— Boa tarde, Vossa Alteza.
Um lacaio se apressou para puxar a cadeira para ela. Preferindo não dar a
oportunidade de o duque pensar que era uma covarde, Maddie se sentou.
Sua Alteza, rudemente, continuou ignorando-a, e ela olhou ao redor da sala,
impaciente. Quinlan dissera repetidas vezes que enquanto os Bancroft
estavam em Londres, o almoço era servido à uma da tarde. Portanto ali
estava ela, à uma e cinco, quando todos os demais já deveriam se encontrar
presentes.
Maddie olhou de novo para Lewis Bancroft e notou que seus traços eram
mais rudes que os de Malcom, e que seus fartos cabe¬los grisalhos eram
mais manchados de cinza nas têmporas. Achou também que a expressão do
duque era bem menos dócil do que a de seu irmão.
— O que você está olhando, garota? Maddie piscou, embaraçada.
— Eu estava buscando traços de semelhança entre o senhor e seu irmão,
Vossa Alteza.
— Bah! Malcom teve mais sorte.
— Talvez, Vossa Alteza, o senhor seja o sortu...
Quinlan apareceu à porta, interrompendo a conversa e talvez salvando
Maddie de mais uma discussão desagradável com o in-tolerante duque.
— Boa tarde, papai... srta. Willits — ele disse apressadamente,
arrumando a gravata e ocupando a cadeira que ficava de frente para
Maddie. — Peço desculpas. Eu estava colocando minha cor-respondência
em dia.
O duque fixou-o com um olhar cortante.
— Você também vai ficar aqui? O que tem de errado com a Whithing
House, agora?
O marquês fez um sinal para o lacaio, indicando que queria um pouco de
vinho.
— Não há nada de errado. Só decidi ficar aqui por algumas semanas.
— Por quê?
— Ele está mantendo a palavra, como prometeu. — A duquesa passou
pelo marido e se sentou de frente para ele, na outra ponta da mesa. — Não
ficaria bem a srta. Willits se hospedar na Whithing House. Ela precisa de
uma acompanhante. E eu farei as vezes.
— Quanta bobagem. Ela já tem má fama mesmo... Bem, isso já é o
bastante, Maddie pensou.
— Eu não...
Quinlan interrompeu Maddie discretamente:
— Mas manterei minha palavra com ou sem a sua ajuda, papai.
— Sem, eu lhe garanto. — O duque afastou a cadeira e se levantou. —
Ao primeiro sinal de confusão, será sem a ajuda de sua mãe também. E não
quero essa garota no meu caminho. Com você aqui, Quinlan, esta casa está
muito cheia.
— Evitarei cruzar o seu caminho, Vossa Alteza. Pode ter cer¬teza disso
— declarou Maddie.
Lorde Highbarrow parou no caminho para a porta.
— Quanta perda de tempo! — ele disse antes de se retirar.
— Por favor, tente não contrariá-lo, Maddie — Quinlan pediu
docilmente.
— Ele me contrariou primeiro.
— Mesmo assim, seria muito mais fácil se meu pai estivesse do nosso
lado, você não acha?
— Por que ele deveria, milorde? Não ganharia nada com isso.
— Não vamos discutir de novo, Maddie.
— Concordo — a duquesa se manifestou inesperadamente. — Lewis
não é conhecido por sua paciência. Temos de pôr logo em prática nossos
planos. — Ela batia com a ponta dos dedos sobre a mesa. — Para começar,
nada muito formal, é claro. Primeiro, a senhorita terá de ser vista comigo,
para que a sua ligação com Quinlan não se tome tema de mexericos.
— Não tenho nenhuma ligação com Quin... Com lorde Warefield —
Maddie se corrigiu, corando.
— Podemos ir às compras— a duquesa continuou como se não tivesse
ouvido o protesto de Maddie. — Muito bem. Bond Street, amanhã de
manhã.
— Mas... eu não necessito de nada. — De repente, uma onda de angústia
a deixou trêmula. As pessoas iriam vê-la. Pessoas que a conheciam.
— Não é preciso necessitar de nada para ir às compras na Bond Street.
As pessoas vão lá para serem vistas.
— Mas...
— Minha mãe está certa. Temos de começar de alguma ma¬neira. —
Quinlan alcançou uma fatia de pão. — Não se preocupe, Maddie, que todas
as atenções estarão voltadas para a duquesa. Tenho certeza de que não terá
de falar com ninguém. Acho que essa será a parte mais difícil para você.
Maddie sorriu atravessado para o comentário dele.
— Posso saber o que o senhor ficará fazendo enquanto esti-vermos
fazendo compras na Bond Street, milorde?
— Preciso mandar arejar um pouco Whifhing House.
— E mesmo? — Ela arregalou os olhos.
— Sim, isso significa que passarei o dia todo dando ordens aos criados
e, sem dúvida, à noite estarei exausto.
Lady Highbarrow emitiu um leve ruído para chamar a atenção dos dois e
lembrá-los de sua presença.
— Não tão exausto que não possa nos acompanhar ao jantar na casa de
lady Finch, eu espero.
Agora, sim, Maddie ficou realmente apavorada. Um jantar era muito
mais assustador do que um simples passeio por uma rua movimentada.
— Um jantar?
— Na semana passada enviei uma carta para Evelyn, pedindo-lhe que
reunisse um pequeno e seleto grupo de amigos.
— Muito obrigado, mamãe — Quinlan disse num tom de surpresa. No
instante seguinte ele cutucou Maddie por baixo da mesa.
Ela teve um sobressalto.
— Sim, obrigada, Vossa Alteza — Maddie falou e o chutou de volta.
O duque de Highbarrow escapou do jantar daquela noite, dizendo que iria
ao White para jogar cartas. Na verdade, ele provavelmente não se
importava em perder alguns jantares.
Quinlan teria gostado de ir ao clube também para rever os amigos, porém
Maddie, é claro, não poderia ir a lugar algum, fato que o prendia em casa.
O jeito foi inventar um jogo de cartas com sua mãe e Maddie para
passarem as horas. Horas que se revelaram extremamente agradáveis, e a
verdadeira surpresa da noite foi a duquesa sorrindo por coisas que Maddie
dissera.
Na manhã seguinte, Quinlan foi para Whifhing House, como tinha dito.
Uma vez lá, instruiu Baker, seu mordomo, a abrir a casa com a justificativa
de que em breve ele ocuparia a antiga residência. Depois de resolver tudo
mais rápido do que o esperado, o marquês montou em Aristóteles e seguiu
para a Bond Street, curioso para saber como Maddie estava se saindo.
Sua mãe estava certa; se era para reparar a reputação da jovem, não
caberia a ele, ou a qualquer outro homem, ser visto ao lado dela em sua
primeira aparição em público. Mas nada o impedia de andar por perto para
ver se estava tudo bem.
Quinlan deixou Aristóteles aos cuidados de um garoto e se misturou à
multidão em busca das duas, quando então avistou a duquesa saindo de
uma loja, seguida por Maddie, mais quatro balconistas carregando caixas e
lady DeReese e a sra. Oster.
Como ele suspeitava, as atenções das duas damas estavam totalmente
voltadas para a ilustre duquesa de Highbarrow. Maddie caminhava ao lado,
tentando bravamente demonstrar algum interesse pela conversa maçante.
Com seus cabelos ruivos refletindo a luz do sol, e seu vestido amarelo-claro
ressaltando suas formas delicadas, ela facilmente era a mulher mais
atraente da rua, se não de toda a Londres.
De acordo com Sua Alteza, o passeio foi um verdadeiro sucesso,
deixando Maddie sem desculpas para protestar ou evitar o jantar de logo
mais à noite.
Ela, no entanto, sabia que o jantar seria um desafio muito maior. Nunca
tivera o privilégio de circular em rodas tão requintadas, e naquela noite
deveria se comportar como uma moça submissa e dócil que jamais teria
permitido que um homem a beijasse em público. Embora já houvesse
cometido o mesmo erro duas vezes.
Maddie sorriu educadamente para lady Finch, a anfitriã, que as recebia
com um largo sorriso estampado no rosto.
A primeira vez não tinha sido sua culpa, pois fora apanhada de surpresa
por aquela cobra venenosa do Spencer. Mas o segundo beijo era seu maior
dilema naquele momento, pois, no fundo, Maddie estava em plena
consciência quando tudo acontecera, e| sabia que não fizera quase nada
para impedi-lo.
Ela olhou para o outro lado da sala. Lá estava Quinlan, alto e
maravilhoso como sempre, conversando com alguns amigos. Ele parecia à
vontade em seu meio, naturalmente encantador.
E Maddie tinha uma imensa vontade de odiá-lo por isso.
Entre todas as instruções que recebera sobre como se comportar, olhar
para Quinlan era uma das coisas que ela teria de evitar, mas era quase
impossível resistir à tentação.
— Venha, minha querida—a duquesa disse, num tom caloroso que ela
costumava adotar quando estavam em público. — Quero me sentar perto
do fogo.
Ofereceu o braço, e Maddie se apressou em pegá-lo.
— É claro, Vossa Alteza.
Mesmo antes de se acomodarem, já estavam cercadas por uma dúzia de
outras damas, todas perguntando a respeito da saúde de lady Highbarrow,
de seu marido e dos filhos. Ninguém perguntou acerca de Malcom Bancroft
ou de Maddie, mas, pelo menos, isso significava que ela não teria de
responder a nenhuma pergunta, Em vez disso, Maddie sorria e concordava
com a duquesa durante a conversa, abstendo-se de oferecer qualquer tipo
de opinião pessoal ou comentário.
— Mamãe... srta. Willits, as senhoras gostariam de um cálice de vinho
do Porto? — Quinlan perguntou, parando diante das damas.
— Sim, obrigada — a duquesa respondeu, e cutucou Maddie.
— Por favor, milorde — Maddie disse.
Quinlan desapareceu em meio aos convidados, para logo em seguida
voltar com as bebidas. Ao entregar a de Maddie, ele se inclinou levemente.
— Como vão as coisas?
— Estou com vontade de cuspir na sua cara, mas tento me comportar —
ela sussurrou de volta. — Suma daqui.
Quinlan respondeu com um sorriso nos lábios:
— Pois não, milady.
— Quin, vá dar uma volta — a duquesa disse, encarando-o. Ele riu e se
afastou.
A aproximação de uma jovem dama fez Maddie se esquecer de suas
pequenas intrigas com o marquês e ficar realmente apavorada.
— Anne — a duquesa de Highbarrow cumprimentou com um largo
sorriso. — Eu não esperava vê-la tão cedo em Londres.
— Nem eu esperava vir. — A moça sorriu. — Mas Ashton insistiu.
— Anne, gostaria de lhe apresentar a sita. Willits. Maddie, esta é lady
Ashton.
Maddie se lembrava da dama e resolveu arriscar.
— Acho que me lembro da senhora em ocasião do baile dos Tewksbury.
— Sim, eu...
— Eu me lembro de ouvi-la dizer que Spencer era um bêbado grosseiro.
Lady Ashton concordou com um sorriso doce.
— Sinto muito pelo que lhe aconteceu, srta. Willits. Hoje me arrependo
de não ter saído em sua defesa, naquela noite fatídica. A senhorita e Vossa
Alteza gostariam de tomar um chá comigo na quinta?
— Adoraríamos — a duquesa respondeu.
— É claro que sim — Maddie disse sorrindo. Talvez Quinlan estivesse
certo, ainda restava um pouco de decência em Londres.
Finalmente a duquesa declarou que elas precisavam partir, e Maddie
praticamente saiu correndo para a carruagem. Quinlan se juntou a elas
minutos depois.
— Tudo correu bem, você não acha? — ele perguntou ao se recostar no
assento oposto ao de Maddie.
— Foi apenas uma reunião pequena e com um grupo seleto de
convidados — ela comentou, olhando pela janela enquanto cruzavam a
Curzon Street.
— A mim pareceu que você se divertiu muito, pois a vi conversando
com aquele tagarela do Avery por mais de meia hora.
Maddie olhou para Quinlan, surpresa. Então ele estava com ciúme...
— O que conta é o que dirão sobre mim depois que saímos, milorde. As
pessoas preferem falar pelas costas.
— Maddie, você não...
— Ela está certa, Quinlan — a duquesa o interrompeu. — E você não
ajudou muito rodeando-nos como um lacaio.
— Eu não as estava rodeando, mas apenas sendo um filho dedicado e
um bom acompanhante.
— Bem, da próxima vez faça isso mais discretamente, filho. Quinlan
cruzou os braços, aborrecido.
— Certamente tentarei. Ainda terei de acompanhá-las à ópera amanhã,
ou a senhora conseguiu convencer papai a ir?
— À ópera? — Maddie engasgou, seu coração disparado. — Não sei se
estou preparada para enfrentar a ópera.
— Sim, você vai nos acompanhar, Quinlan — a duquesa respondeu.
Inesperadamente, ela tocou na mão de Maddie.
— Seja lá o que for que as pessoas estejam comentando, elas o farão
com ou sem a senhorita. E se resolverem dizer algo na minha presença,
terão de ser educadas, pelo menos.
— Parece não fazer muito sentido que eu seja aceita apenas na sua
companhia, Vossa Alteza — Maddie declarou, trêmula, agradecida pelo
apoio da duquesa. Na ausência de bailes e jantares, todos costumavam ir à
ópera no início da temporada. E isso incluía todos os que se encontravam
em Londres, e não apenas o seleto grupo de amigos da duquesa.
— É um começo, Maddie — Quinlan disse. — Temos de dar um passo
de cada vez.
— Isso é fácil para o senhor, lorde Warefield, pois nunca esteve à beira
de um abismo.
— Nem você, Maddie.
— E o que farei se cruzar com Charles Dunfrey? Ou com meus pais?
— Seus pais ainda não estão em Londres — Quinlan respondeu
calmamente. — Já verifiquei isso. Quanto a Dunfrey, um amigo me contou
que ele vendeu o camarote na temporada passada. Portanto duvido que vá à
ópera hoje à noite.
— Sim, mas...
— Maddie — ele a interrompeu —, não se preocupe. Manterei minha
palavra. Sua temporada vai terminar bem.
A duquesa olhou para ambos e recostou-se. Quinlan contara para a mãe
que ele e Maddie discutiam o tempo todo. Mas, para ela, aquilo se parecia
mais com um flerte do que com uma briga. E perguntava-se o que
aconteceria quando os dois também se dessem conta.
Quinlan passara toda a manhã trancado na biblioteca pensando numa
maneira de explicar a Eloise, que chegaria na tarde daquele dia, a presença
de Maddie. Andava de um lado para outro ensaiando, em voz alta, o que
iria dizer, quando foi surpreendido pela presença de seu pai.
— Posso fazer uma sugestão? Por que você não diz algo como: "Tentei
me aproveitar da garota, mas ela se pôs a chorar e só parou quando prometi
que a traria para Londres"?
Quinlan olhou sério para o duque, que estava parado à porta da
biblioteca.
— Não tentei me aproveitar dela — ele disse, desejando que a porta
estivesse fechada, já que Maddie poderia ouvir.
Lorde Highbarrow cruzou os braços.
— E mesmo? Então, com que intenção você a beijou?
— Já disse que foi um incidente, um impulso. Depois, ela nem queria
ter vindo para Londres. Eu praticamente tive de arrastá-la. — Quinlan deu
uma olhada no corredor. — E, por favor, fale mais baixo. Alguém pode nos
ouvir.
— Ninguém que importe. Sempre pensei que Rafael fosse o filho idiota.
A moça está abusando da sua generosidade, Quinlan. Só você não percebe
que ela está querendo colocar a mão na sua fortuna. A mulher é uma
oportunista sem moral.
Uma ira tremenda tomou conta de Quin.
—- O senhor não precisa se preocupar, pois vou me casar com Eloise,
como o senhor deseja. Eu...
— Não estou aqui para ouvir o óbvio, Quinlan — interrompeu o duque
bruscamente. — Só quero lhe lembrar que é o meu título que você
carregará depois que eu partir! Portanto faça por merecê-lo ou não hesitarei
em deserdá-lo.
— Sei disso. Eu não fiz nada de errado, exceto sentir pena...
— Seu sentimento por aquela mulher vai além de piedade, Quinlan. Está
nos seus olhos. Se você a quer como sua amante, então tenha a decência de
tirá-la de debaixo do meu teto.
Quinlan ficou vermelho e cerrou os punhos.
— Maddie Willits não é uma...
— Chega!
O duque saiu da biblioteca gritando com o mordomo no corredor.
Enfurecido, Quinlan apanhou a garrafa de conhaque que estava sobre um
aparador e atirou-a contra a lareira, espatifando-a.
— Maldito!
— Devo arrumar as minhas coisas? — a voz de Maddie veio da porta.
Quinlan virou-se, pálido.
— Não sabia que vocês já tinham voltado das compras. Desculpe meu
linguajar, Maddie.
— Não é preciso se desculpar, milorde. E o senhor não precisa ser tão
educado, sabia? — Ela enxugou uma única lágrima que insistia em descer
por sua face. — Sei que seu pai não é o único f que pensa daquela maneira.
Quinlan se aproximou e segurou-lhe as duas mãos.
— Espere — ele disse, puxando-a para dentro da biblioteca e j fechando
a porta. — Sinto muito que você tenha escutado as palavras desagradáveis
de meu pai.
Maddie desviou o olhar; seu lábio inferior tremia.
— Não importa.
— É claro que importa. Sua Alteza gosta de rosnar e intimidar as
pessoas. Mas tudo não passa de tempestade em um copo d'água.
— Aquilo foi... um tanto rude da parte dele — ela disse, insegura,
obviamente muito magoada e fazendo um esforço heróico para não chorar.
— Não é para menos que o sr. Bancroft não goste do próprio irmão. Eu
também não gosto.
— No momento, nem eu — Quinlan disse. — Por favor, não chore,
Maddie.
— Não estou chorando. Só estou um pouco chateada.
Lentamente, Quinlan se aproximou mais.
— Sinto muito -— ele murmurou, desejando abraçá-la. — E nem pense
em partir. Falarei com meu pai novamente. Eu prometo.
Quinlan estava surpreso com o que acabara de dizer: implorar para Sua
Alteza era algo que não costumava fazer. Na verdade, não se lembrava de
nenhum deles ousando discutir com o pai. Mas ele estava disposto a tudo
para impedir que Maddie partisse. Até mesmo a abrir mão de seu orgulho e
tentar acertar as coisas com o duque.
— De qualquer forma, isso tudo é ridículo — declarou Maddie. — Se
meus pais ou... ou Charles; se eles me virem, tudo estará arruinado.
Quinlan abaixou o olhar e tocou-lhe no queixo. Queira beijá-la. Queria
sentir os lábios de Maddie nos seus. Queria sentir o corpo de Maddie contra
o seu.
Maddie olhou-o.
— Oh, não... — ela sussurrou e ficou na ponta dos pés. E quando se deu
conta, os lábios de Quinlan tocavam os seus. O toque teve um efeito
eletrizante. Sem forças para se conter, Quinlan a beijou, suas mãos
deslizando sobre os quadris de Maddie, puxando-a cada vez mais junto de
si.
— Quin? — a duquesa chamou do corredor. — Quin, preciso falar com
você.
Com um gemido abafado, Maddie se afastou, e os dois ficaram se
olhando, sem dizer nada. Quinlan estava atordoado e extremamente
frustrado por ter sido interrompido.
— Espere aqui — ele disse, seguindo para a porta. — Precisamos
conversar.
Maddie suspirou e se atirou numa cadeira. Lentamente seus dedos
percorriam os próprios lábios, como se ela pudesse recuperar o beijo
perdido.
Momentos depois, Quinlan retornou. Seu rosto estava sóbrio, e o coração
de Maddie disparou.
— Eu preciso ir embora, não é?
— Não, você não precisa. Porém, infelizmente, houve uma
complicação.
— Somente uma?
— Meu pai proibiu minha mãe de ajudá-la. Mas ela ainda nos
acompanhará à ópera, como havia prometido. Minha família preza muita a
palavra dada.
— Percebi. — Maddie, no entanto, só conseguia pensar no beijo e no
que poderia ter acontecido se eles não tivessem sido interrompidos. — Está
tudo acabado, então.
— Não, não está. Eu tenho algumas idéias.
— Por favor, deixe-me voltar para Langley, milorde. O senhor já fez
mais do que podia.
— Pode me chamar de Quin.
— Eu não quero.
— Por que não? Nós nos beijamos duas vezes.
Era impossível negar que havia algo muito forte entre eles. Mas tudo não
passava de um sonho impossível. Quinlan estava praticamente noivo. Cabia
a ela ser forte o bastante e resistir.
— Porque não é certo.
O marques riu diante da teimosia de Maddie. Mas dessa vez ele também
não estava disposto a ceder.
— Pode me chamar de Quin. Maddie respirou fundo e cedeu.
— Deixe-me voltar, Quin.
— Não.
Mesmo sabendo de todas as impossibilidades, no fundo Maddie sentiu
uma ponta de alegria. O marquês não queria que ela partisse, e isso de
alguma forma a consolava.
— Quin! — Eloise descia a escadaria de sua mansão em Londres, com
um largo sorriso no rosto, acompanhado de um delicado farfalhar de sedas.
Seus cabelos, muito loiros, formavam uma cascata ousada de cachos que
emoldurava o rosto perfeito. Seus olhos azuis refletiram o brilho da seda do
vestido quando ela parou diante do mar¬quês. Ele segurou-lhe as mãos e
beijou-as.
— Eloise — Quinlan disse com um sorriso —, você é uma linda visão,
minha querida, como sempre.
Lábios rosados responderam com um sorriso.
— Estou muito brava com você, Quinlan.
Sua voz, doce e suave, não se alterava nem mesmo quando ela estava
brava. Eloise era a personificação da lady perfeita, a futura duquesa de
Highbarrow.
— Posso saber o motivo?
— Tive sérios problemas para descobrir por onde você andava.
Primeiro, estava em Warefield; em seguida, partiu para Sommerset. Você
mal se correspondeu comigo, e então, quando finalmente pensei que
minhas cartas o tinham alcançado, seu tio me escreveu informando que
você se encontrava no castelo de Highbarrow. Mas, logo depois, veio para
Londres sem me enviar uma palavra. E sem passar primeiro por Stafford
Green, como havíamos com¬binado.
Quinlan a conduziu à sala de estar da residência dos Stokesley.
— Bem, esta é uma das razões que me trouxeram aqui. Tive uma...
aventura.
Eloise se sentou no sofá e fez um gesto para que ele se sentasse
também.
— Então, me conte o que o manteve tão ocupado. Estou curiosa.
Quinlan sentiu um tom de censura na voz da jovem, mas preferiu ignorar.
— Bem, você soube que tio Malcom teve um derrame, e que papai me
enviou a Langley para verificar como as coisas estavam por lá.
— Sim, você me escreveu a respeito disso e de quanto sua agenda ficou
atrapalhada por conta desse imprevisto.
A situação havia mesmo sido um incômodo até que ele pusera os olhos
em Maddie... e nada mais parecia ser como antes.
— Acabei descobrindo que meu tio já tinha uma pessoa muito eficiente
cuidando de tudo — Quinlan prosseguiu.
— Então, por que não veio me visitar antes, como havíamos planejado?
— Estou chegando lá. A pessoa que estava ajudando meu tio é uma
mulher.
Eloise arregalou os olhos.
— Oh, meu Deus! Como seu tio pôde confiar tudo a uma mulher? Mas
essa não é a primeira vez que ele envergonha a família.
Quinlan franziu o cenho, aborrecido com o comentário.
— Não foi exatamente o que você está imaginando. Ela era mais uma
filha para ele. E acabei descobrindo que a moça é a filha mais velha do
visconde de Halverston.
— Eu me lembro dela. Temos a mesma idade e debutamos juntas. É
aquela que fugiu quando foi flagrada aos beijos com aquele horroroso do
Benjamim Spencer, não é?
— Não estou convencido de que o terrível episódio tenha acontecido
por culpa da moça.
Eloise olhou-o desconfiada.
— É mesmo? E o que o faz pensar isso?
— Como você mesma acabou de afirmar, Spencer não tem exatamente
uma boa reputação, e esse é um dos motivos que me levam a crer que a
moça não seja culpada. De qualquer maneira, meu tio acredita na inocência
dela e me pediu para trazê-la de volta a Londres e ajudá-la a limpar seu
nome.
— Ele pediu o quê?! — Eloise se levantou. — Você está dizendo que
viajou sozinho com aquela... desqualificada para Highbarrow...
— Eloise, por favor — Quinlan a interrompeu antes que ela pudesse
dizer algo pior sobre Maddie. — Ela é uma moça muito doce, e minha mãe
tem nos ajudado.
— Doce?
Essa não era exatamente a perfeita definição de Maddie, mas Quinlan
jamais poderia confessar a Eloise o quanto a atrevida mexia com os seus
sentimentos.
— O problema é que meu pai, num rompante, proibiu minha mãe de
ajudá-la, por isso... preciso da sua ajuda, Eloise.
— Minha ajuda?
— Exatamente. Prometi a tio Malcom que até o fim desta temporada a
sita. Willits estaria se casando com um cavalheiro de Londres. Mas sou um
homem comprometido e, sem a ajuda de minha mãe, não fica bem que eu
seja visto em companhia de outra dama que não seja você, Eloise. Por isso
conto com a sua ajuda.
Por um longo tempo, Eloise apenas olhou-o, desconfiada. Finalmente, ela
se sentou.
— E claro que o ajudarei, meu marquês. — Eloise se aproxi¬mou e
encostou a cabeça no ombro de Quinlan.
Ele sorriu, aliviado, e a beijou no rosto.
— Obrigado, minha querida. Eu sabia que poderia contar com você.
— Quero que traga a sita. Willits para almoçar comigo amanhã. Mal
posso esperar para conhecê-la.
Satisfeito, Quinlan se retirou. A situação tinha sido menos complicada do
que ele receara. Talvez houvesse uma chance de esca¬par ileso daquela
temporada.
Maddie colocou um belo vestido verde-escuro e cinza com manguinhas
bufantes. A seda leve era de longe a melhor que ela já tinha usado. Tratava-
se de um traje confeccionado para o ca¬marote principal da ópera, mas,
mesmo assim, estava aterrorizada diante do espelho, quando a batida de
Quinlan ressoou na porta de seu quarto.
— Você está pronta, Maddie?
— Não acho que deveríamos aborrecer ainda mais seu pai — ela
respondeu antes de abrir. — Vá embora. Vou fazer minhas malas para
voltar para Langley.
— Pare com essa bobagem — disse o marquês ao entrar no quarto. —
"Minha primeira pergunta" — ele começou suavemente —, "que por último
enuncio, é, oh, maravilhosa, sois humana ou sois divina?"
Maddie não conseguiu conter o sorriso.
— "Não há nada em mim de divina, senhor, sou uma simples mortal."
Quinlan se aproximou, deslumbrando com a beleza de Maddie.
— Então você conhece A Tempestade, também?
— Tive o prazer de ler recentemente. — Ela se afastou dele. — E o
senhor não deveria estar aqui.
— Quero me certificar de que você não vai fugir pela janela. A
carruagem está pronta. Vamos?
Muito nervosa e relutante, Maddie entrou na carruagem e se sentou ao
lado da duquesa. Quinlan não entendia verdadeiramente todos os receios de
Maddie, não poderia entender nunca. Quem seria capaz de rejeitar o ilustre
marquês de Warefield?
Quando desceram da carruagem em frente ao pomposo teatro, Maddie
respirou fundo e encarou com coragem os olhares curio¬sos e os
comentários que surgiam à medida que os três iam pas¬sando pelo imenso
vestíbulo e seguiam rumo ao camarote dos Bancroft. Ela segurava firme no
braço de Quinlan, agradecida pela presença forte e impressionante dele, e
se esforçava ao máximo para parecer relaxada. Sua Alteza, no outro braço
do filho, sorria e saudava os amigos e conhecidos como se nada de
extraordinário estivesse acontecendo.
— Viu? — Quinlan sussurrou para Maddie enquanto subiam a escada
que levava ao camarote. — Está tudo bem.
Ela tinha suas dúvidas e, mesmo depois de já estarem protegidos pelas
paredes do camarote, ela ainda não estava certa de que não corria nenhum
risco.
Alguns pares de binóculos, depois outros, se viraram para a direção deles
no início do primeiro ato, porém Maddie preferiu imaginar que eles
estavam apontando para os ilustres Bancroft. Já fazia muito tempo desde a
última vez em que ela viera à ópera, mas isso não a fez se esquecer do
quanto a arte era maravilhosa de ser apreciada. Mais relaxada, recostou-se
na cadeira ao lado da duquesa e apreciou o belíssimo espetáculo que estava
sendo encenado no palco.
Concentrada, só percebeu que o intervalo chegara quando as pesadas
cortinas se fecharam, as luzes se ascenderam e uma onda de inquietação
tomou conta de toda a platéia, inclusive dela. As pessoas costumavam
transitar pelos corredores para ver e serem vistas, e esse era um dos
maiores temores de Maddie.
— Vamos dar uma volta? — Quinlan convidou ao se levantar.
— Tudo que tem a fazer é não sair de perto de mim, Maddie — a
duquesa disse com um sorriso.
Voto vencido, ela se deixou levar. Era como se lembrar de algo que já
tinha feito antes, mas um pouco diferente. Um déjà vu, era isso que
parecia... Sair do camarote em meio a uma multidão de nobres e, ao mesmo
tempo, ter a absoluta certeza de que não pertencia àquele meio.
— Vossa Alteza! Como é bom vê-la em Londres novamente.
— Uma mulher baixa e atarracada, cujo pescoço brilhava com vários
diamantes, apareceu diante deles.
— Lady Hatton — a duquesa respondeu. — Fiquei muito triste quando
soube da morte de seu primo. Meus pêsames para a senhora e sua família.
— Obrigada, Vossa Alteza. Imaginamos que a índia fosse mais
civilizada. — A dama olhou para Quinlan e fez uma reverência, então se
voltou para Maddie. — Acho que não conheço sua acompanhante, Vossa
Alteza.
— Ah, é claro. Lady Hatton, gostaria de lhe apresentar a srta. Willits,
uma velha amiga da família. Srta. Madeleine, lady Hatton, de Staffordshire.
Maddie cumprimentou-a educadamente, segurando no braço de Quinlan.
— Prazer em conhecê-la.
— O prazer é meu, querida. — Lady Hatton sorriu. — Que moça
encantadora você é.
— Obrigada, milady.
Minutos depois, três damas se aproximaram, mais interessadas na
duquesa do que em conhecer Maddie. Aliviada, ela se virou e percebeu que
estava sendo observada por uma mulher alta e muito bonita.
A figura parecia familiar, e quando ela se distanciou de seus
acompanhantes e se aproximou, Maddie se lembrou quem era a formosa
dama. Seu coração parecia que nunca mais iria retomar o ritmo normal.
— Eloise — Quinlan disse calorosamente, e Maddie soltou o braço dele.
— Por que você não disse que viria?
— Foi uma decisão de última hora, meu querido — respondeu lady
Stokesley e parou diante de Maddie. — A senhorita deve ser a sita. Willits.
Seu rosto me é familiar, mas acho que nunca fomos apresentadas.
— Então me permita — Quinlan disse. — Eloise, srta. Willits. Srta.
Willits, lady Stokesley.
— Como vai? — Maddie falou, tentando não encarar a dona do coração
do marquês, pois não tinha certeza se estava preparada para gostar ou não
da mulher.
— Quinlan me contou tudo sobre a senhorita — Eloise declarou. —
Espero que nos tornemos grandes amigas.
Eloise segurou no braço de Quinlan, tomando posse do que lhe pertencia
desde o nascimento.
— Posso pegá-lo emprestado por um momento?
— É claro.
Os dois se afastaram e Maddie, de repente, percebeu que estava só. Muito
só. Virou-se em busca da duquesa, mas não havia ne¬nhum sinal dela. E
nem de Quinlan ou de lady Stokesley.
— Maddie Willits?
Com um sobressalto, Maddie se virou. O elegante cavalheiro que olhava
para ela parecia-lhe familiar, mas de onde?
— É você mesma, Maddie?
Ele se aproximou e pegou-a pela mão, trazendo-a para perto.
— Nós já fomos apresentados? — Maddie perguntou, tentando soltar a
mão.
— Temos amigos em comum, eu acho. Meu nome é Edward Lumley.
— Acho que não...
— Céus, você continua linda — ele disse com admiração.
— Obrigada. Se o senhor me der licença...
— Aposto que você continua a mesma. — O homem continuou se
aproximando cada vez mais. — E se eu a roubasse de Warefield? — Ele
sorriu. Um sorriso cheio de malícia e insinuações. — O marquês é um tanto
enfadonho, que eu sei. Sabe, estive nas ilhas Spice. Aprendi muitas coisas
lá.
Muda e apavorada, Maddie mal conseguia acompanhar ou acreditar nas
terríveis insinuações que despencavam como uma cascata sobre ela.
— Acho que o senhor está me confundindo com alguém.
— Por acaso você é amante do marquês?
Como resposta, Maddie aplicou-lhe uma violenta bofetada.
Quinlan olhou para trás quando Edward Lumley cambaleava, atordoado.
— Céus! — Eloise exclamou.
Lumley recuperou o equilíbrio e olhou para Maddie, que o encarava com
fúria.
Quinlan se aproximou e acertou disfarçadamente o cotovelo nas costelas
do homem.
— Sinto muito, Lumley — ele disse ao passar pelo idiota, como se
tivesse acabado de dar um simples esbarrão. — Não vi que você estava
parado aqui.
Lumley encarou-o, seu rosto ainda mais vermelho do que antes, e
apontou um dedo para Maddie. —Ela...
— Sim, ela é adorável -— Quinlan cortou o assunto —, mas acho que é
melhor você ir tomar um pouco de ar fresco, Lumley. Seu rosto está muito
vermelho.
O brilho no olhar de Quinlan foi o suficiente para que o homem
entendesse que não era bem-vindo. Com uma leve reverência, ele os
cumprimentou e se afastou como se nada tivesse acontecido.
O marquês contou até cinco e então olhou para Maddie, que ainda estava
na mesma posição, muito pálida.
— Acho que minha mãe está à sua procura, srta. Willits. — Ele sorriu e
colocou a mão dela sobre o próprio braço.
— Obrigada, lorde Warefield — Maddie respondeu, trêmula. Quando
eles atingiram o topo da escadaria, Quinlan fez uma pausa.
— O que aconteceu, afinal? — perguntou, olhando para os lados para se
certificar de que não havia ninguém ouvindo.
— Ele... aquele Edward Lumey fez insinuações terríveis!
— Acalme-se.
— Me acalmar? O sujeito disse que você é enfadonho, e que ele tinha
aprendido algo nas ilhas Spice!
— Maddie... Seja lá o que ele tenha dito, você não pode sair batendo nas
pessoas quando elas a insultam.
— Não? — ela respondeu com uma pergunta, indignada. — A culpa foi
toda sua, Warefield.
— Posso saber por quê?
— Você é um Bancroft: o grande marquês de Warefield. Seu nome
poderia me proteger de qualquer insulto, lembra? Não foi o que o senhor
disse?
— Maddie, eu...
— Ninguém se esqueceu do que aconteceu. Todos me consideram uma
mulher perdida. Como você quer que eu reaja diante de um insulto? — Os
olhos de Maddie se encheram de lágrimas.
— Apenas despache-os e saia com classe — Quinlan disse, sentindo
uma vontade imensa de abraçá-la e beijá-la, ali mesmo.
— Isso é fácil para você. Ninguém ousaria algo como aquilo na sua
presença. Ninguém seria capaz de insultá-lo.
O marquês suspirou. Maddie estava certa, e ele tinha sido muito
arrogante ao supor que seu nome bastaria para protegê-la.
— Você não pode desistir diante do primeiro obstáculo, Maddie.
— Quero ir embora. Eu sabia que isso não iria dar certo.
— Não podemos sair depois do seu pequeno show. Temos de ficar e agir
como se nada tivesse acontecido. Vamos procurar minha mãe.
Eloise Stokesley estava sentada ao lado de sua mãe, no cama¬rote da
família, e olhava atentamente para o palco. Ela e Quinlan Bancroft tinham
sido prometidos um ao outro desde o nascimento, e a idéia nunca os
incomodara. Todos sabiam que os dois iriam se casar e isso era motivo de
inveja para muitas moças da alta sociedade londrina.
Eloise apanhou o binóculo e olhou na direção do camarote dos Bancroft,
que ficava do lado oposto ao dos Stokesley. Mas na penumbra do teatro só
dava para ver a silhueta dos três ocupantes, sentados lado a lado. A
duquesa, Quinlan e... ela. Eloise abaixou o binóculo.
Madeleine Willits. Eloise se lembrava dela como uma mulher que sorria
para qualquer um que a encantasse, não importava a origem da pessoa. Não
era para menos que acabara com aquela reputação. E em virtude de sua
grande beleza, não era de se espantar que tivesse chamado a atenção do
marquês.
Eloise não tinha engolido nem por um segundo a história de que seu
noivo estava ajudando Madeleine Willits por pura compaixão. Desde o
princípio, ela suspeitara de que os motivos dele fossem outros. E agora, não
tinha nenhuma dúvida disso.
Mas aquela não era a primeira mulher que tentava roubar o coração do
marquês de Warefield, e talvez não fosse a última. Eloise sabia que Quinlan
tivera várias amantes no passado, mas tinha consciência de que aquilo fazia
parte do jogo e que ele acabaria se casando com ela. Com essa, porém, era
diferente. Nunca jamais levara nenhuma das outras à ópera, muito menos
para a casa de seus próprios pais.
Algo tinha de ser feito para restabelecer a ordem natural das coisas.
Como a futura duquesa de Highbarrow, Eloise precisava ajudar a preservar
o bom nome dos Bancroft. E Maddie Willits não pertencia àquele lugar.
Maddie olhou para o caminho da entrada da residência dos Bancroft, e
fazendo uma careta se virou na direção das roseiras da duquesa. Montando
Aristóteles, Quinlan estava chegando de seu passeio matinal pelo Hyde
Park.
Ela se inclinou, arrancou uma erva daninha do canteiro e a colocou no
balde que carregava pendurado no braço. Gentilmente, a duquesa permitira
que Maddie tomasse conta das roseiras, e esse era um trabalho que lhe
trazia paz e satisfação.
Alguns minutos depois, porém, uma comoção vinda dos está¬bulos
roubou-lhe a concentração.
Carregando o pesado balde, ela correu na direção do barulho e, ao se
aproximar, viu um homem, vestido de preto, saindo em disparada pela
porta do estábulo e montado em Aristóteles. Quinlan surgiu logo atrás,
coberto de palha e segurando um forcado.
— Detenham-no! — ele gritou.
O cavaleiro corria desenfreado na direção de Maddie, rumando para a
saída. Agindo por puro instinto, ela balançou o balde de madeira o mais
alto que pôde e acertou o ombro do fugitivo, que, com um grito, escorregou
da sela e caiu no chão.
Um pouco atordoado, ele se levantou e veio, possesso, na direção de
Maddie. Alarmada, ela se afastava erguendo o balde ameaçadoramente.
— Não se aproxime, a menos que o senhor queira mais! — Maddie
alertou. Então, Quinlan se aproximou e deu mais alguns passos para trás.
— Onde está o meu cavalo? — perguntou o marquês, apoiando-se,
ofegante, no forcado.
— Meu cavalo, você quer dizer — o outro respondeu, e, em seguida,
virou-se e soltou um assovio agudo. Segundos depois,
Aristóteles surgiu trotando, atendendo ao chamado do seu suposto
seqüestrador.
— Exibicionista! — Quinlan resmungou.
O homem loiro e elegante acariciou o pescoço do cavalo, que abaixou a
cabeça docilmente.
— Quem é a sua assassina treinada, Warefield? — ele perguntou,
olhando para Maddie e sorrindo.
— O senhor deve ser Rafael — ela sussurrou, corando. Quase tinha
matado o irmão do marquês!
Ele se inclinou numa leve reverência, seus olhos verdes reluzindo à luz
do sol da manhã.
— Vejo que minha má fama ainda continua. Mas saiba que o animal é
meu, senhorita.
— Rafe, esta é a srta. Willits — Quinlan falou com um sorriso.
— Maddie, este é meu irmão Rafael.
Rafael Bancroft se parecia muito com o irmão mais velho e possuía os
mesmos traços másculos e marcantes, apesar de seu rosto ser um pouco
mais fino e sua pele um pouco mais bronzeada, em conseqüência dos anos
passados no exército do rei, na África. Ele tinha uma cicatriz no lado
esquerdo do rosto que em vez de estragar sua bela fisionomia acabava por
lhe conferir um certo ar de mistério e algo de pirata.
Maddie colocou o balde no chão.
— Prazer em conhecê-lo.
Rafael beijou-lhe a mão com elegância.
— A senhorita é perigosa.
— Queira me desculpar. Ouvi Quinlan gritando e...
— Não precisa se explicar — ele disse, olhando para o irmão.
— Onde a senhorita conheceu Quin?
Ela percebeu a ênfase no nome que denunciou sua intimidade e corou.
— É uma longa história...
— Maddie estava em Langley como dama de companhia de tio Malcom
— Quinlan disse, aproximando-se do irmão para apa¬nhar as rédeas de
Aristóteles. — Ajude-me a levar o meu cavalo de volta que vou lhe contar
tudo.
— Seu cavalo, Warefield?
Maddie observou os dois voltando para o estábulo, percebendo que havia
sido excluída e se perguntando como o marquês iria explicar sua presença
ali.
— Ela o quê? — Rafael perguntou, encostando-se no batente da porta.
— Deu uma bofetada nele — Quinlan repetiu, pendurando os arreios de
Aristóteles.
— Isso é extraordinário!
— Foi uma tremenda confusão! — O marquês olhou para seu irmão
mais novo e balançou a cabeça. — Maddie é uma tremenda confusão.
— Então, você não deveria tê-la beijado. — Rafael sorriu. — Não que
eu o culpe. Ela tem uma beleza rara.
— O que não me ajuda muito.
— Pelo que você disse, a srta. Willits parece saber o que quer, Quin.
Você tem certeza de que Langley não é o melhor lugar para ela?
Quinlan já havia se perguntado isso inúmeras vezes. E tinha sempre a
mesma resposta.
— Julgaram-na mal, e acho que Maddie tem o direito de limpar o
próprio nome. Depois que tudo estiver resolvido, não a impedirei de voltar
para Langley, se esse ainda for o desejo dela.
— Muito justo. Mas se a srta. Willits continuar batendo em cada um que
a insultar, não durará muito por aqui de qualquer maneira. — Os dois
caminhavam de volta para casa. — Então foi por isso que você resolveu se
hospedar aqui, desta vez? Estranhei quando passei pela Whithing House
antes de vir para cá e o seu mordomo me informou que você não estava lá.
— Preciso ficar entre Maddie e papai para evitar mais conflitos. Por
falar nisso, ele já sabe que você chegou?
— Não. — Rafael fez uma pausa, antes de mudar de assunto.
— Quin, você já marcou a data do seu casamento com Eloise, não
marcou? Bem... Apesar de não ser da minha conta, essa his¬tória de você
ajudar a srta. Willits por pura compaixão não me engana.
— Você está certo, Rafe — Quinlan disse asperamente. — Isso, de fato,
não é da sua conta. E a resposta para a sua pergunta é "não". Eu ainda não
falei com Eloise sobre o nosso casamento.
— Gostei das novidades, caro irmão. Acho que esta temporada vai ser
muito divertida.
Os dois mudaram de assunto quando perceberam que Maddie se
aproximava, e, como sempre, o coração de Quinlan disparou diante da
figura cheia de frescor que surgia como uma deusa diante dele.
A temporada podia ter começado mal para Maddie Willits, mas para
Charles Dunfrey tinha sido ainda pior.
O sr. Wheating, do Banco da Inglaterra, estava no seu encalço e o
ameaçava de protesto caso sua imensa dívida não fosse quitada. A menos
que sua sorte mudasse logo, o banco poderia pôr a mão em cada pedaço de
sua propriedade que ainda não estava penhorado.
Foi então que Dunfrey leu o bilhete de Eloise Stokesley com grande
interesse e surpresa. O texto era breve e não explicava muito, mas o
simples fato de a filha do conde de Stafford ter lhe escrito já era algo
inusitado. Quanto ao tema de interesse mútuo que a dama sugeria no
bilhete, Charles não fazia idéia do que se tratava, porém estava
extremamente curioso para descobrir. E seria logo, pois eles tinham um
encontro marcado para a tarde da¬quele mesmo dia.
Quem sabe aquela não seria a sua chance de virar a sorte a seu favor?
Quando a governanta conduziu Eloise Stokesley até a sala de música.
Charles se levantou do sofá antiquado e foi ao encontro dela para beijar sua
mão.
— Milady, devo dizer que esta é uma visita inesperada. Eloise puxou a
mão e se sentou na ponta do sofá, colocando-se a uma distância segura de
seu anfitrião.
— Mais inesperada ainda para mim, sr. Dunfrey, posso lhe assegurar.
Ele se encostou no aparador da lareira e olhou para a sua visitante.
— Em que posso ser-lhe útil, então, milady?
Eloise tirou as luvas, dobrou-as cuidadosamente e as colocou sobre o
colo.
— Serei direta com o senhor. Dunfrey meneou a cabeça dizendo:
— Por favor.
— O senhor já foi noivo de Madeleine Willits, não é mesmo? Ele
franziu o cenho, agora realmente surpreso.
— Sim, eu fui.
— Então o senhor é em parte culpado por tudo que está acontecendo.
— Confesso que não faço a menor idéia do que a senhorita está dizendo.
— Culpado por deixar a sita. Willits livre para roubar meu noivo.
Dunfrey se sentou ao lado de Eloise.
— Desculpe, milady, mas do que a senhorita está falando? Madeleine
Willits fugiu ou morreu, eu não sei dizer. Porém confesso que, para mim,
ela foi tarde demais.
— Uma maneira interessante de falar de sua ex-noiva. A srta. Willits
não está morta, sr. Dunfrey. Na verdade, ela está morando na casa dos
Bancroft, com a permissão do duque de Highbarrow.
Dunfrey a encarou, um pavor angustiado percorreu suas veias.
— Highbarrow? A ingênua Maddie subiu tanto assim? A vida não é
mesmo justa!
Eloise concordou com a afirmação do sr. Dunfrey.
— O marquês de Warefield em pessoa está empenhado em fazer com
que ela seja de novo aceita na sociedade.
As coisas de repente começaram a fazer sentido.
— Mas o marquês não vai mais se casar com a senhorita?
— Ele vai — Eloise afirmou. — Eu soube da sua viuvez, sr. Dunfrey, e
das terríveis conseqüências que se seguiram a ela.
— A senhorita poderia ser mais específica?
— Ouvi de fontes seguras que o senhor está prestes a perder tudo que
possui e ainda corre o risco de ir para a prisão. — Eloise olhou para os
diversos remendos do tapete.
Dunfrey enrijeceu.
— Acho que isso não é da sua conta, lady Stokesley.
— Um assunto delicado, eu sei — ela murmurou. — Mas posso lhe
assegurar, sr. Dunfrey, que sou uma pessoa muito discreta.
Ele ficou intrigado com o jeito calculista de Eloise. Os negócios podiam
não ser seu forte, porém sabia enxergar uma boa oportunidade quando esta
surgia diante de seus olhos; e Dunfrey sentiu que poderia tirar algum
proveito daquela estranha situação.
— Meus recursos estão mais parcos neste verão — ele admitiu. — Mas
o que isso tem a ver com Madeleine Willits e o marquês de Warefield?
— Tudo. Quinlan tomou como ponto de honra ajudá-la. Ele quer que ela
se case bem, como se nada de errado tivesse acontecido cinco anos atrás.
Pelo menos é o que meu noivo diz. — Eloise suspirou, desanimada. — É aí
que o senhor entra. Prometi auxiliar o marquês a limpar o nome da sua
querida protegida e acredito que se o senhor a perdoar em público, isso
ajudará e muito a nossa honrosa missão.
— E por que eu faria isso?
— Por mil libras.
Charles sorriu, achando a justificativa muito justa.
— A senhorita realmente quer muito se casar com Warefield. Mas será
que ele vale mesmo tudo isso?
— Ele sim, mas ela não. Dunfrey cruzou os braços.
— Maddie valia.
Eloise franziu seu semblante perfeito.
— Como?
— O pai dela, Halverston, me ofereceu três mil, cinco anos atrás, para
eu sumir com a filha.
— E por que o senhor não aceitou?
— Pedi um tempo para pensar e, antes que pudesse responder, Maddie
fugiu de casa e nunca mais tivemos notícia dela.
Eloise olhou-o por um bom tempo, então um sorriso suave se espalhou
em seu rosto.
— O senhor esperou de propósito. Dunfrey riu.
— Maddie era uma ave rara, por que não arrancar um pouco mais de
dinheiro do pai dela para me compensar pelo embaraço?
— Mas não deu certo — Eloise reassumiu o domínio da situação.
— Não foi uma grande perda, na época. O pai de Patrícia Giles me deu
uma propriedade em York para que eu ficasse noivo dela.
— Que o senhor vendeu há oito meses.
Obviamente, Eloise fizera uma investigação detalhada sobre a vida de
Dunfrey. O que significava que ela sabia que mil libras segurariam o
embusteiro durante um mês apenas. Dunfrey precisava de cinco ou seis mil
libras só para passar o ano e tentar sair do buraco em que se encontrava.
Ele se levantou e caminhou até a janela.
— Preciso pensar — murmurou, como se fosse para si mesmo.
— A senhorita sabe se os pais de Maddie estão em Londres?
— Acho que eles chegarão em uma ou duas semanas. Posso saber que
diferença isso faz para o senhor? — Eloise se levantou, impaciente, sem
esperar pela resposta. — Sr. Dunfrey, eu lhe fiz uma proposta para me
ajudar a tirar aquela mulher da vida do meu noivo. Se o senhor cumprir
com a sua parte, eu lhe darei a sua recompensa.
— Mil libras — ele a lembrou.
— Mil libras. — Ela se virou e seguiu para a porta de saída.
— Boa caçada, sr. Dunfrey.
— O mesmo para a senhorita, lady Stokesley.
— Eu não quero ir.
Quinlan estava parado à porta do quarto de Maddie, onde ele parecia ter
passado um bom tempo nos últimos dias.
— Mas nós fomos convidados e agora temos de ir, Maddie.
— Você tem de ir, pois é o noivo. Eu não. Depois tenho um chá
marcado com lady Ashton, para esta tarde. Você vai e eu ficarei aqui para
fazer companhia a Rafe.
O marquês franziu o cenho, aborrecido. Os laços de amizade entre
Maddie e Rafael haviam se estreitado com uma rapidez impressionante, e
Quinlan não sabia se estava gostando da inusitada situação.
— Rafe irá conosco. Espero você lá embaixo em cinco minutos,
Maddie, ou a carregarei à força.
O marquês se afastou e seguiu para a sala de jogos, onde Rafael jogava
bilhar sozinho. Quinlan parou um momento para observá-lo, antes de se
manifestar.
— Depois de ter permanecido um ano longe de Londres, você volta e
fica jogando bilhar na casa de seus pais, sozinho. Não posso acreditar na
cena que estou vendo. Você nunca foi de se entregar à solidão, Rafe.
O rapaz fez uma tacada espetacular antes de olhar para o irmão.
— Preciso de um tempo para pensar, é apenas isso.
— O que aconteceu?
— Nada. As coisas simplesmente estavam ficando... um pouco confusas
na África. Eu preciso descansar.
Quinlan pôs a mão sobre a mesa de bilhar.
— O que há de errado, Rafael?
— Nada. De verdade. E acho que você já tem problemas suficientes
para se preocupar sem ter de se envolver nas minhas confusões.
— E com o quê, especificamente, eu tenho de me preocupar?
— Com a desculpa que vai dar para postergar de novo seu casamento
com Eloise. Ela ficará furiosa, desta vez.
— Eu me casarei com Eloise neste ano ainda. Rafael o encarou,
descrente.
— Posso saber por quê?
— Porque eu dei a minha palavra. E porque ela será uma boa esposa. —
Quinlan caminhou pela sala. — Vá logo trocar de roupa, que você irá
almoçar conosco.
— Não vou almoçar na casa da nossa querida priminha — declarou
Rafael.
— Ah, sim, você vai. Maddie está arrumando mil desculpas para não ir
a esse almoço, e você foi o protagonista do último pretexto encontrado por
ela: disse que não pode sair e deixar você almoçar sozinho. E só concordou
em ir quando eu falei que você também iria conosco.
Rafael se escorou no taco de bilhar, sua expressão iluminada.
— Ela quer me fazer companhia? Estou lisonjeado. Talvez eu a leve
para um piquenique.
Quinlan puxou o taco da mão do irmão e o jogou sobre a mesa.
— Ótimo. Mas agora vamos, pois já estamos atrasados.
Quinlan e Rafael haviam se dado sempre muito bem, provavelmente
porque nada incomodava o despreocupado irmão mais novo. Naquele
momento, contudo, Quinlan preferia que ele ainda se encontrasse na África.
Aliás, que estivesse em qualquer lugar que não fosse perto de Maddie.
Quando seus dois relutantes acompanhantes desceram, Quinlan já
desejava se encontrar em outro lugar, também. Maddie estava maravilhosa
em seu vestido cinza-escuro, e lançava olhares penetrantes para ele. Rafael
trajava seu uniforme vermelho enfeitado de dourado e preto, muito formal
para a ocasião.
— Rafe, posso saber o motivo de tanta formalidade? — indagou
Quinlan.
— Você está encantador — Maddie disse para Rafael, obviamente
percebendo o espírito rebelde do caçula.
— Obrigado, Maddie. Achei que a roupa iria destacar a cor dos meus
olhos. — Ele sorriu sedutoramente enquanto saíam de casa.
Maddie riu e Quinlan mal conseguia disfarçar seu mau humor. Em
Langley, ela não tinha se mostrado nada compreensiva quando ele se
apresentara para o jantar demasiadamente formal para os costumes locais.
Mas agora com Rafael, ela passava o tempo todo trocando gentilezas e
sorrisinhos...
— Com toda a certeza, você será o mais bonito do almoço, Rafe — ela
elogiou.
— Entrem logo na carruagem — Quinlan resmungou. — Já estamos
atrasados.
— O senhor não precisa me dar ordens. — Maddie o encarou antes de
entrar no veículo.
— Não espere que eu me sinta culpado — Quinlan retorquiu, entrando
na frente do irmão para ocupar o assento ao lado dela. — Estamos indo a
esse almoço para o seu próprio bem, não para o meu.
— Ainda não estou convencida. — Maddie se inclinou e tocou com a
ponta do dedo a bota muito lustrosa de Rafael. — Você não vai para a
guerra tão elegante assim, vai?
— Céus, não! — Ele se sentou. — O uniforme de gala é só para datas
comemorativas.
— Então, por que o está usando agora? — Quinlan perguntou.
— Acho que terei a resposta antes do final da tarde. Quinlan ficou sério
e muito incomodado com a insinuação do irmão.
— Você poderia, pelo menos, tentar ser mais amigo de Eloise, Rafe.
Não entendo essa sua antipatia por ela.
— Acho que o sentimento é recíproco.
— Por que você não gosta dela? — Maddie sussurrou.
— Ah, não! — Quinlan protestou antes que Rafael pudesse responder.
— Chega de perguntas, Maddie. Estou me esforçando para conter as
fofocas a seu respeito, sem que você resolva se meter nos problemas de
minha família.
Maddie cruzou os braços e se afastou dele o máximo que conseguiu.
— O senhor é muito intolerante, milorde.
Quinlan não gostou da resposta, mas preferiu acalmar os âni¬mos de
Maddie. Ele imaginava o quanto devia estar sendo difícil para ela ser
obrigada a encarar Eloise, por isso, para o bem de todos, seria bem melhor
que Maddie chegasse calma, e não com sua costumeira disposição
defensiva.
— Chegamos, milorde — Claymore, o cocheiro, anunciou. Dessa vez
Rafael foi mais rápido e saiu na frente para ajudar Maddie a descer, e
Quinlan desceu logo atrás.
A porta da frente da casa dos Stokesley estava aberta e o mor-domo
surgiu seguido de Eloise, que usava um vestido verde que a deixava
admiravelmente mais alta e mais esbelta.
— Quin! — ela exclamou de mãos estendidas para saudá-lo. Ele as
segurou e beijou Eloise antes de dar início às apresentações.
— Eloise, você se lembra da srta. Willits?
— É claro. — Ela apertou a mão de Maddie calorosamente. — Estou
muito feliz em poder ajudá-la.
— Obrigada — Maddie respondeu, sua expressão reservada. Quinlan
apontou o irmão, que estava de lado observando um carvalho com aparente
fascínio.
— E meu irmão, é claro, que acabou de voltar da África. Eloise olhou-o
de relance e tomou a dianteira para indicar o caminho para a casa.
— Rafael — Eloise disse, mal olhando para ele —, você parece estar
vestido para um funeral.
Rafael sorriu.
— Você me conhece, querida prima, e sabe que nunca perco a
esperança.
Maddie conteve o riso.
— Srta. Willits — Eloise disse quando o grupo passava pela biblioteca
rumo ao jardim —, a senhorita tem algum amigo em particular que gostaria
de receber, agora que está de volta a Londres?
Maddie balançou a cabeça.
— Não.
— Nenhum?
— Não há ninguém que me interesse nesta cidade.
Eloise olhou para ela por um momento, antes de retomar a conversa.
— Meu Deus, que coisa triste não ter amigos! Nem posso me imaginar
numa situação dessas. — Eloise se virou para Quinlan. — Isso dificulta
muito as coisas, você não acha, querido?
A expressão de Maddie mudou de desafiante para humilhada, e Quinlan
percebeu o tom de ataque inesperado de Eloise. Esta sabia que Maddie
poderia se ressentir, e geralmente costumava ser mais delicada no trato com
as pessoas.
— Na verdade, não — o marquês respondeu. — Eu, no lugar dela,
confesso que também não consideraria meus amigos pessoas que foram
capazes de virar as costas num momento difícil.
Eloise parecia querer dizer algo, mas, em vez disso, indicou-lhes os
lugares dispostos ao redor da mesa no jardim, à sombra de um enorme
olmo.
— Querida srta. Willits, estou curiosa para saber sobre as aventuras que
deve ter vivido depois que saiu de Londres — Eloise falou com um sorriso
nos lábios.
— Não considero o que passei exatamente uma aventura, lady
Stokesley. Eu...
— Oh, por favor, pode me chamar de Eloise. Sinto como se fôssemos
praticamente parentes.
Maddie olhou-a com suspeitas, mas sorriu.
— Tudo bem, Eloise. Então me chame de Maddie.
— Eu adoraria lhe contar sobre todas as minhas aventuras na África —
Rafael se manifestou, servindo-se de um cálice de vinho do Porto.
Eloise lançou um olhar frio para o futuro cunhado e primo.
— Sim, Rafael, quantas nativas você...
— Sabe, Maddie — Quinlan interferiu no mesmo instante, surpreso pelo
tom venenoso de Eloise —, acho que o melhor agora é deixarmos as coisas
fluírem naturalmente.
Maddie olhou-o, confusa.
— Eu gostaria que você tivesse me dito isso antes de ter me atirado aos
lobos na ópera.
— Eu não atirei...
— Você está certo, Quinlan — Eloise interrompeu a discus¬são que
estava se iniciando, incomodada com o tom de intimida¬de entre os dois.
— Acho que deveríamos começar com um al¬moço, depois de amanhã.
Serão apenas alguns poucos convida¬dos. E depois, um piquenique no
campo com mais alguns amigos seus e meus.
— Sim, isso seria excelente — Quinlan disse, animado, ignorando o
olhar reprovador de Maddie. — Acho que minha mãe foi um tanto
ambiciosa com a noite da ópera.
— As águas precisam ser testadas antes. — Eloise acenou com
impaciência para que o lacaio servisse o almoço.
— Nesse ponto eu concordo, pois elas estão repletas de tubarões —
Maddie murmurou.
Rafael riu, erguendo uma sobrancelha quando Eloise suspirou,
contrariada. Seja lá qual fosse a desavença que havia entre Eloise e Rafael,
as coisas deviam ter piorado, pois aquilo não parecia apenas pirraça de
primos. Algo muito mais sério havia acontecido, e Quinlan queria muito
saber o que realmente se passara entre eles.
Capítulo VI
Isso é assustador — Maddie riu; tanto a voz como a expressão era de
puro deleite. Quinlan olhou para Rafael, que havia acabado de entrar no
estábulo, usando uma máscara africana. Rafael tirou a máscara.
— Esta é a máscara do deus Zulu da chuva, cujo propósito é ser
assustador mesmo. Talvez ele quisesse assustar as gotas de água no céu
para que elas caíssem na terra. Muito eficiente, eu imagino. — Rafael
entrou no estábulo e pendurou a máscara no suporte de arreios. — Vocês
vão cavalgar?
Quinlan montou em Aristóteles, antes que o cavalo tivesse chance de se
enveredar para os lados de seu antigo dono.
— Sim, nós vamos — ele respondeu rapidamente, farto das manobras
do irmão para ficar sozinho com Maddie. — Nos veremos mais tarde.
Maddie estivera mais calada do que o normal desde o desas¬troso
almoço do dia anterior, e Quinlan começava a se indagar se tinha feito a
coisa certa ao pedir a ajuda de Eloise. No entanto aquela era sua única
esperança, desde que a duquesa havia sido proibida de ajudá-los.
Sua quase noiva certamente conhecia as pessoas certas, assim como ele.
Pensando, porém, melhor a respeito, Maddie provavelmente não iria
simpatizar com muitas delas. E no dia anterior, Eloise estava com a língua
afiada. Talvez fora a presença de Rafael que a aborrecera; os dois nunca
haviam se dado muito bem. De uma coisa ele tinha certeza: as coisas eram
bem mais fáceis antes da viagem para Langley, antes de o marquês
conhecer Maddie Willits.
— Vocês se importam se eu for junto? — Rafael perguntou. Quinlan,
tentando esconder seu aborrecimento, virou-se para apanhar as rédeas de
Aristóteles.
— De forma alguma, Rafe — Maddie respondeu, animada. Os três se
dirigiram para o Hyde Park, onde as gotas de orvalho brilhavam aos raios
de sol da manhã. Rafael abordava Maddie de um lado, enquanto Quinlan
dominava o outro. Sem dúvida os dois estavam ridículos, como cães
disputando o mesmo osso. Mas àquela hora do dia havia poucas pessoas
para testemunhar a cena patética.
Porém, pelo visto, não estavam tão sozinhos quanto imaginavam.
— Warefield? — Era Avery que vinha na direção deles com um sorriso
em seu rosto flácido. Para evitar que o lorde ficasse cara a cara com
Maddie, Quinlan se apressou em ir ao encontro do amigo.
— Já volto. Não vá a lugar nenhum.
— Não vá a lugar nenhum... — Maddie arremedou. — Como se eu
pudesse ficar aqui parada esperando por um insulto. — Imediatamente ela
virou o cavalo para ver onde Rafael estava. Então, ao vê-lo logo à frente,
cercado de pelo menos uma dúzia de damas, nervosa, dirigiu-se para o lado
oposto.
Reconhecia que conversar com Quinlan Bancroft tinha algo de divertido,
mas às vezes Maddie o odiava. Sobretudo quando ele dizia que fazia aquilo
apenas pelo próprio bem dela, quer Maddie concordasse ou não. Mas as
coisas pioravam quando Quinlan se sentia o dono da verdade, e nesses
momentos eram raras as ocasiões em que ele tinha algo agradável ou
confortante ou doce ou até mesmo romântico para dizer a ela.
Maddie apressou seu cavalo. Romântico? De onde viera aquilo? Ainda
que gostasse do marquês, ainda que estivesse desesperadamente
apaixonada, ele nunca se casaria com alguém como ela. Uma mulher de má
reputação... Era isso que todos pensavam a seu respeito.
Mas, apesar de todos os esforços para tentar esquecê-lo, todos os sonhos
de Maddie pareciam girar em torno de Quinlan. Nem mesmo o atraente,
calmo e despreocupado Rafael lhe despertava o interesse e fazia seu
coração disparar como o marquês fazia.
Maddie pensou no absurdo da situação. Por haver se apaixonado pelo
marquês de Warefield. Por ele ter sido o primeiro cavalheiro bonito e
elegante que fora gentil com ela, tanto antes como depois de descobrir sua
verdadeira identidade. E quando eles se beijaram, a atração certamente foi
mútua. Mas talvez Quinlan só estivesse sendo educado e realmente
quisesse apenas fazer um favor ao tio. Se essa era sua única intenção, então
Quinlan Ulysses Bancroft era realmente um verdadeiro cavalheiro; um
nobre em todos os sentidos.
Maddie conduzia seu animal por um caminho bastante calmo, adorando a
sensação de finalmente estar sozinha. Já fazia muito tempo que ela não
podia fazer nada sem que Quinlan estivesse colado em seus calcanhares.
Mas uma visão inusitada a fez puxar as rédeas do cavalo e parar. Todo o
sangue sumiu de seu rosto e, de repente, Maddie mal conseguia respirar.
Seus olhos se fecharam. Ela não tinha coragem de olhar.
— Maddie? Maddie Willits? É você mesma?
Ao ouvir o barulho de cascos de cavalo se aproximando, ela respirou
fundo e abriu os olhos.
— Charles... — Maddie hesitou.
Charles Dunfrey não tinha mudado nada: alto, cabeleira escura, e ainda
continuava muito bonito. Seus olhos castanhos a encara¬vam, surpresos.
— É você mesma? Mal posso acreditar!
Ela também não.
— Desculpe... — Maddie tentou dizer algo e virou o cavalo para seguir
em frente.
— Não vá. Por favor, espere.
Hesitante, Maddie virou de volta e olhou para ele novamente, tentando
ao mesmo tempo ignorar o turbilhão de emoções que tomavam conta dela.
Charles a rejeitara cinco anos antes, sem nem mesmo ouvir sua explicação.
Maddie deveria estar brava, e não sem jeito e embaraçada.
— O que o senhor deseja, sr. Dunfrey?
— Pensei que nunca mais iria vê-la, Maddie. — Charles se aproximou.
— Acho que era isso que o senhor queria, não é mesmo? — ela disse
com firmeza, beirando a raiva e a indignação.
Ele meneou a cabeça.
— Não. Eu estava bravo, furioso. Mas quando você... fugiu, eu... —
Charles olhou para baixo, então fitou-a novamente. — Tive muito tempo
para pensar sobre tudo que aconteceu, Maddie.
— Eu também.
— Eu... — ele ia recomeçar. — Céus, estou surpreso em vê-la, não sei o
que dizer. Por favor, diga que você não está mais brava. Posso... posso lhe
fazer uma visita amanhã? Você está na casa de seus pais?
— Não. Eles... Estou hospedada na casa dos Bancroft, sou convidada da
duquesa de Highbarrow. Meus pais não sabem que me encontro em
Londres.
— Está com os Bancroft? — Charles se aproximou como se quisesse
tocar nas mãos dela, mas no último segundo ele se conteve. — Posso ir
visitá-la?
De novo Maddie hesitou, nervosa.
— Sim, se for essa a sua vontade.
— Obrigado. — Com um último olhar, Charles se virou e foi embora.
Maddie não conseguia parar de tremer. Havia muito tempo ela temia por
aquele encontro, mas não tinha sido como imaginara que seria.
— O que ele falou, afinal?
Quinlan parecia um cavaleiro medieval pronto para lutar por sua donzela
desamparada. Seus olhos verdes brilhavam e buscavam Charles Dunfrey
em meio à multidão do parque. Mas o homem já tinha ido embora.
— Ele não disse nada.
— Como nada? Vocês ficaram o tempo todo parados e sem dizer nada?
— Acho que Charles queria me pedir desculpas.
— Pedir descul... — Quinlan cerrou os punhos. — E você permitiu que
ele se desculpasse? Depois de tudo que lhe fez?
Um arrepio percorreu a espinha de Maddie. Quinlan estava com ciúme.
— Isso facilitaria as coisas para mim, Quin? Se Charles e eu fizermos as
pazes?
— Sim... acho que você tem razão — ele concordou, relutante.
— Ele vai me fazer uma visita, amanhã, na casa de seus pais. Você tem
alguma objeção?
Quinlan olhou para ela, em seguida desviou o olhar.
— É claro que não. — Ele apressou o cavalo. — Vamos embora. Onde
está meu irmão?
O humor de Quinlan piorou quando, menos de cinco minutos de eles
terem regressado do parque, Maddie e Rafael saíram alegremente em busca
da duquesa para um joguinho de cartas, deixando-o sozinho com seus
pensamentos.
Maldito Charles Dunfrey, que agora aparecia do nada para pedir
desculpas! Depois de tudo que ele fizera. Maddie, porém, estava certa
quanto aos benefícios da reconciliação. Ele poderia passar todo o verão
tentando limpar a reputação dela quando, com apenas um sorriso em
público, Dunfrey poderia fazer o mesmo.
Não havia como negar, apesar de a idéia despertar em Quinlan uma
vontade imensa de quebrar tudo ao redor, inclusive a cara de patife de
Charles Dunfrey. No fundo, Quinlan não queria apenas que a reputação de
Maddie fosse restaurada; queria ter a honra de realizar a façanha. Queria
que ela lhe fosse grata, que precisasse dele... e o amasse tanto quanto ele a
amava.
Com o coração disparado, Quinlan se encostou na parede e olhou para a
porta fechada da sala onde eles estavam jogando e se deu conta de algo
muito sério.
Céus, ele a amava. De todas as coisas tolas que havia feito r vida, essa
era a pior. Mesmo que ela não tivesse uma péssima reputação, Madeleine
Willits nunca seria uma mulher com que ele poderia desejar ter algo mais
do que um romance passageiro. E naquele momento, já estaria muito feliz
em ter pelo menos isso.
Era possível ouvir os três rindo e falando enquanto jogavam cartas. Até
mesmo a duquesa estava mais receptiva com Maddie. No dia anterior, sua
mãe a acompanhara à casa de lady Ashton, praticamente desafiando o
duque. E havia convencido o marido a permitir que Maddie ficasse mais
alguns dias na mansão.
— Por que você está deprimido, agora?
Quinlan teve um sobressalto.
—Não estou deprimido — ele respondeu ao ver o duque saindo de seu
escritório, carregando um maço de papéis. — Estou to¬mando uma
decisão.
— Decidindo o quê, posso saber?
Se contaria ou não a Maddie o que ele estava sentindo por ela.
— Se devo me casar no verão ou no outono — Quinlan disse ao pai,
lembrando-se, com uma ponta de horror, de Eloise e do acordo de vinte e
três anos entre suas famílias.
O duque respondeu com objetividade:
— Por que não se casam amanhã, se você está tão ansioso?
— Para mim está ótimo — Quinlan respondeu, furioso e incomodado
com a armadilha. — Mandarei um recado para Eloise.
— Não tente me enganar, Quinlan — lorde Highbarrow alertou.
— Não é minha intenção — ele disse e saiu. — E melhor o senhor
mandar uma mensagem para o rei George, dizendo-lhe que vamos precisar
da abadia de Westminster pela manhã. Acho que isso não será um
problema.
— Então pretende que toda a nobreza pense que você engravidou Eloise
e por isso o casamento tão apressado? Devo dizer que não! — bufou o
duque. — Ficou louco?
Quinlan encarou o pai.
— Achei que era isso que o senhor queria. Decida-se, Vossa Alteza.
— Não ouse falar assim comigo, rapaz, ou eu acabo com a reputação
daquela ruiva desqualificada de uma vez por todas.
Isso foi o suficiente para Quinlan.
— O senhor não vai falar assim de Maddie, seu...
— Como ousa?!
A porta da sala de jogos se abriu.
— Lewis — a duquesa interferiu. Sem dúvida os três tinham ouvido
toda a discussão. Quinlan estremeceu.
— Vitória, fique fora...
— Por favor — ela interrompeu o marido. — Lady Finch e lady
DeReese estão para chegar. Vamos nos acalmar.
— Acalmar? Você está me dizendo o que fazer, minha esposa? Chega,
estou indo para o White! — Mas antes de sair pelo corredor, o duque disse:
— Você se casará com Eloise ainda neste verão, Quinlan, ou quando
chegai- o momento de o novo duque de Highbarrow assumir, ele não será
você! Fui claro?
Quinlan não respondeu; ele não esperava por aquilo. Seu pai tinha dado
uma ordem direta que teria de ser seguida. Fim de discussão, fim de
conversa. Quinlan viu o olhar preocupado de sua mãe, então meneou a
cabeça para ela e foi embora.
Aristóteles ficou incomodado por ter sido solicitado duas vezes no
mesmo dia. Diante das circunstâncias, Quinlan não se preocupou muito.
Seu destino era a casa de Eloise. Aquela situação precisava ser resolvida o
quanto antes. Mas o mordomo informou que ela havia ido tomar chá na
casa da condessa Devane.
Eloise era adorável e inteligente e tinha sido educada para ser a duquesa
de Highbarrow, assim como Quinlan fora preparado para ser o duque. Mas
ele queria descobrir algo que de repente havia se tornado muito importante.
Queria saber o que realmente sentia quando estava com ela.
Quinlan sabia como se sentia quando se encontrava sob o mesmo teto
com Maddie: frustrado, contrariado e alegre. Na verdade, se ele sentia ou
não algo por Eloise, já não importava. Sempre soubera que se casaria com
ela, e por isso o faria. Mas, mesmo assim, Quinlan seguiu para a casa de
lady Devane.
— Lorde Warefield. — O mordomo fez uma reverência ao abrir a porta.
— O senhor poderia aguardar no vestíbulo, por fa¬vor? Vou mandar
chamar lady Stokesley.
Minutos depois, Eloise apareceu.
— Quin, aconteceu algo? — ela perguntou, assustada.
— Não — ele respondeu, segurando-lhe as duas mãos. —Só quero... ter
certeza de que não estava impondo uma situação desagradável para você
quando lhe pedi para me ajudar com Maddie.
Eloise sorriu.
— É claro que não, Quin. Na verdade, eu estava justamente convidando
a srta. Harriet DuCahmops e lady Devane para o nosso almoço de amanhã.
— Ótimo. Agradeço sua ajuda e boa-vontade, Eloise.
— Fico feliz em poder ajudar. — Ela olhou-o, e seu semblante perfeito
franziu apenas um pouquinho. — Há algo mais que você gostaria de me
dizer?
— Não. E claro que não. — Quinlan ia se virando, então parou. Ele
tinha de saber. — Eloise, posso lhe fazer um pedido?
— Qualquer um, Quin.
O marquês olhou para os lados a fim de verificar se não vinha alguém.
— Posso beijar você?
Por um segundo ela ficou confusa, mas então sorriu.
— Eu adoraria.
Respirando fundo, Quinlan se aproximou e inclinou a cabeça, enquanto
Eloise ficou na ponta dos pés. Os lábios se encontraram e por um momento
ele permaneceu ali, provando a boca de Eloise e ouvindo os suaves
suspiros.
Finalmente Quinlan se afastou.
— Obrigado.
— Bem — ela perguntou, sorridente —, como foi? Ele devolveu o
sorriso.
— Maravilhoso, Eloise. Acabei de perceber que eu nunca tinha beijado
você. Nos veremos amanhã. — Quinlan fez uma leve reverência e se foi.
— Quin?
O marquês parou.
— Pois não?
— Precisamos marcar a data do nosso casamento. Se demorarmos
muito, não haverá ninguém para convidar.
— Eu sei. Estou escolhendo uma data com meu pai. Será logo.
Quinlan seguiu seu caminho e só parou lá fora, antes de montar em
Aristóteles. Eloise havia lhe oferecido a oportunidade perfeita de se
declarar, e ele não fizera nada. Bem, nada exceto admitir para si mesmo
que não amava sua futura esposa, mas que, por outro lado, amava e muito
uma mulher que nunca poderia ser sua.
Charles Dunfrey suspirou quando sua carruagem passou por um buraco.
Que incômodo ter de deixar Londres bem no meio da temporada. E para
uma viagem a Devonshire, um lugar onde não havia nada de interessante
para se fazer.
— Bom tarde, Hoskins. — Dunfrey tirou o chapéu e o entregou ao
mordomo ao descer da carruagem. — O visconde está?
O mordomo encarou-o boquiaberto por um momento.
— Sr. Dunfrey. Sim, ele está. Por aqui, por favor. Hoskins mostrou o
caminho da sala de estar e, na pressa de sair correndo para avisar seu patrão
da inusitada visita, bateu a porta ao sair da sala. Dunfrey sorriu, então se
virou para olhar a velha coleção de miniaturas de porcelana e de vasos de
cristal. Pouca coisa tinha mudado em cinco anos. Ele teve um sobressalto
quando a porta se abriu novamente.
O cavalheiro alto e grisalho parou à porta com uma expressão que
variava entre o espanto e assombro ao deparar com o visitante. Dunfrey não
podia culpá-lo, pois ele também não imaginava que um dia voltaria àquela
casa.
— Boa tarde, lorde Halverston. Peço desculpas por aparecer de
surpresa, mas só hoje de manhã eu soube que viria aqui. — Dunfrey deu
um sorriso sem jeito. — Seria muito abuso se e pedisse um cálice de Porto?
O visconde fez um sinal para que o mordomo atendesse a pedido do
visitante e entrou na sala.
Por um momento, Dunfrey desejou que o visconde tivesse mandado
chamar lady Halverston, imaginando se talvez não fosse mais fácil lidar
com ela.
— Desculpe minha franqueza, Charles — o visconde disse mas o que o
trouxe a Halverston? Nossa última conversa não terminou muito bem.
Balançando a cabeça, Dunfrey se sentou na beirada do sofá.
— Não mesmo, senhor. E gostaria de pedir desculpa por isso. O
visconde concordou.
Dunfrey estava tenso, genuinamente nervoso e agitado. Um deslize e ele
não conseguiria todo o dinheiro de que precisava para escapar da prisão.
— Bem. Não sei como dizer. — Charles hesitou. — Mas eu vi
Madeleine esta manhã.
O rosto de Halverston ficou pálido.
— Madeleine? Você viu Maddie? Minha filha, Maddie?
Dunfrey ficou de pé e correu para ajudar o visconde a se sentar.
— Sim, eu falei com ela.
— Onde ela está? — Robert Willits perguntou, segurando com força os
braços da poltrona.
Aquela seria a parte difícil. Dunfrey tinha de ser vago o suficiente para
que Halverston dependesse da ajuda dele para rever a filha, ou tudo estaria
perdido.
— Em Londres.
— Onde, em Londres?
— Milorde, Maddie não parecia muito animada em falar comigo, muito
menos de dizer onde estava hospedada. Perdoe minha curiosidade, mas o
senhor não se reconciliou com ela até hoje?
— Não conseguimos encontrá-la — Halverston admitiu. — Minha filha
está bem?
— Está linda. Mais bonita do que nunca. — Na verdade, havia sido um
tanto decepcionante ter visto que Maddie estava tão bem.
— Maddie contou por onde andou? Ela...
— Por favor, milorde, acalme-se — Dunfrey disse com um sorriso
confiante. — Não falei por muito tempo com Maddie. Eu não queria abusar
da paciência dela, pois temia que fugisse novamente.
— Você pretende se reconciliar, então?
Dunfrey quase riu do tom esperançoso de Halverston.
— Sim, eu pretendo. Isso se o senhor permitir, é claro. — Outro sorriso
confiante. — O senhor sabe que me casei depois que Maddie desapareceu.
Mas, infelizmente, minha esposa... Patrícia faleceu há um ano. Quando,
porém, vi Maddie de novo, bem, percebi que ainda gosto muito dela e vi ali
uma segunda chance de ser feliz. O tempo cura todas as feridas.
— Sim, ele cura, Charles.
— Tenho um encontro marcado com Maddie amanhã. Pensei que o
senhor gostaria de ouvir as novidades. Assim como também gostaria de ter
a sua permissão para continuar me encontrando com ela.
— Você ainda quer se casar com minha filha, então? Mesmo sem saber
por onde ela andou durante esses cinco anos?
Aquilo estava muito mais fácil do que Charles imaginara.
— Milorde, é claro que sei que estou arriscando minha repu¬tação. Sei
que posso ser censurado por resolver me casar com Maddie. E Deus sabe
que desde a morte de Patrícia as coisas não têm sido fáceis para mim.
A cor natural do visconde estava voltando.
— Você é um homem bom e compreensivo, Charles. Sempre pensei
isso.
— Obrigado, lorde Halverston. Desejo imensamente convencer Maddie
do mesmo.
— Onde ela está, afinal?
Dunfrey esperou que o visconde pudesse esquecer a pergunta. Mas isso
era esperar muito.
— Esta bem, direi ao senhor, porém sugiro um plano de ação, primeiro.
Afinal, nenhum de nós quer que Maddie fuja outra vez.
— É claro que não. Qual é o plano?
— Bem, ela está sob a proteção da duquesa de Highbarrow.
— Highbarrow? Meu Deus! — Halverston ficou estonteado novamente.
— Da duquesa de Highbarrow?
— Sim. Maddie admitiu isso para mim.
Pela segunda vez o visconde se encheu de esperanças.
— Isso é um bom sinal, eu diria. Por favor, continue, Charles.
— Acho que o senhor deveria ir para Londres...
— Imediatamente.
— Não, não... Maddie poderia pensar que eu traí a confiança dela. O
senhor deve ir em uma ou duas semanas, e então nós poderemos arranjar
um pretexto para se encontrarem como por acaso.
O visconde concordou.
— Muito bem — disse Charles. — Não quero correr o risco de perdê-la
de novo. — Ou o dote dela. Dote que poderia ser negociado em outra
ocasião.
Halverston respirou fundo.
— Nem eu. Dunfrey se levantou.
— Ótimo. Agora preciso voltar para Londres, se o senhor me permitir.
— Você tem minha profunda gratidão, Charles. Dessa vez o sorriso de
Dunfrey foi sincero.
— Obrigado, Robert.
Maddie se encontrava entre seus novos conhecidos. Quinlan fazia
questão de lembrá-la a todo momento que ela também possuía berço, e que
por isso também tinha direito de estar ali em meio àquelas pessoas. Porém
Maddie sabia que ele não tinha idéia do que estava falando.
Mesmo antes do episódio que a fizera sumir de Londres, Maddie nunca
havia freqüentado aquele círculo dourado. Filhas, esposas e irmãs de
duques, de marqueses e gerações de viscondes estavam ao seu redor,
falando e rindo. Maddie tinha visto várias delas durante sua curta
temporada de debute, mas jamais imaginara que seria convidada para
almoçar com elas ou para freqüentar suas casas.
— Srta. Willits?
Maddie olhou, surpresa, quando uma dama se sentou ao seu lado. Era
Beatrice Densen, da qual ela se lembrava vagamente e de sua fama de
promover festas elegantes.
— Srta. Densen.
— Srta. Willits, se não for muito atrevimento meu, eu gostaria de lhe
dizer que sempre achei uma injustiça o que fizeram com a senhorita —
Beatrice disse, tocando na mão de Maddie.
A inesperada intimidade a deixou desconcertada, porém Maddie sorriu.
Pelo menos alguém estava se dando ao trabalho de vir falar com ela em vez
de encará-la, ou pior, de olhá-la com o canto dos olhos.
— Obrigada.
— Meu irmão, Gaylord, e eu estamos planejando uma pequena recepção
em minha casa para hoje à noite. Posso contar com a sua presença?
Gaylord é um ótimo jogador de uíste.
Maddie sorriu. Quinlan, com certeza, iria aprovar.
— Eu adoraria. Beatrice sorriu de volta.
— Esteja lá por volta das sete, então.
— Obrigada pelo convite, srta. Densen.
As duas em ponto a carruagem do duque de Warefield parou em frente à
porta da casa dos Stokesley, para levá-la de volta à moradia dos Bancroft.
Maddie olhou com desgosto para o veículo. Para alguém que queria reparar
sua reputação, Quinlan tinha uma maneira estranha de agir.
Durante o almoço na casa de Eloise, Maddie ouvira vários comentários e
especulações sobre os motivos que levaram o marquês a ficar na casa dos
pais em vez de, como sempre, ir para a bela e adorável Whithing House. E
então ela havia escutado seu próprio nome como um dos possíveis motivos.
Sem ter outra opção, Maddie subiu na carruagem e rumou para a casa dos
Bancroft. Mas qual não foi a sua surpresa quando, ao chegar lá, deparou
com a carruagem de Charles Dunfrey ali parada. Uma onda de nervosismos
percorreu todo o seu ser. O almoço tinha sido fácil comparado com o que a
aguardava.
— Srta. Willits, a senhorita tem uma visita — o mordomo informou. —
O sr. Dunfrey a aguarda na sala de estar.
Com o coração disparado, Maddie seguiu para lá, tentando se convencer
de que seja lá o que Charles tivesse para lhe dizer, aquilo já não importava.
Havia cinco anos ele a abandonara, e ela havia conseguido reconstruir sua
vida sem a ajuda de Charles e de seus próprios pais. Agora, era uma mulher
independente.
No topo da escada ela parou. Quinlan estava na biblioteca de porta
aberta, um livro aberto em suas mãos. Ele olhou para Maddie, seus olhos
de jade brilhando sob os cílios escuros.
— Como foi o almoço? — perguntou quando ela passou pela porta.
— Foi tudo bem.
— Você conversou com alguém?
— Não é da sua conta.
— Acho que é — ele disse com mais intensidade.
— O senhor está enganado.
Mas antes que Quinlan pudesse responder, Maddie já se dirigia à sala que
ficava ao lado.
Como se a visita já não fosse difícil o suficiente, Maddie sabia que não
poderia fechar a porta da sala e que Quinlan certamente não estava na
biblioteca com outra intenção senão a de tentar ouvir sua conversa com o
ex-noivo.
Nervosa, entrou na sala e Charles se levantou no mesmo instante,
parecendo tão desconfortável quanto Maddie.
— Sr. Dunfrey — ela disse no tom mais calmo que conseguiu. — Boa
tarde.
— Por que tanta formalidade, Maddie? — ele perguntou. — Por favor,
pode me chamar de Charles.
— Muito bem... Charles. Você aceitaria um chá?
Ele olhou para ela por um momento antes de responder.
— Sim, por favor.
Ambos estavam calados quando o lacaio trouxe a bandeja de chá e
desapareceu pela mesma porta pela qual entrara.
— Como você está bonita! — Dunfrey disse, e Maddie teve um
sobressalto.
— Obrigada. Você não mudou nada, Charles. Ele sorriu.
— Você é muito gentil, minha querida.
O relógio acima da lareira bateu a hora, enquanto Maddie tomava um
gole de chá e tentava desesperadamente pensar em algo para dizer.
— Soube que você se casou.
— Sim, com Patrícia Giles. Ela era alguns anos mais velha do que você,
eu acho. Pertencia a uma ótima família.
— Meus pêsames pela morte dela.
— Obrigado. Você tem um coração bom, Maddie. Não sei se eu poderia
ser tão generoso se estivesse no seu lugar. — Charles abaixou a cabeça por
um momento. — Maddie, briguei com Spencer na noite em que você... eu...
em que os vi juntos. Ele...
— Charles, eu...
— Não, por favor — ele a interrompeu. — Deixe-me explicar. Meses
depois, Spencer me escreveu, confessando que tinha bebido muito e que
havia perdido o controle da situação de uma ma¬neira inaceitável, mas que
você em momento algum tinha aceitado de bom grado as investidas dele.
Maddie olhou para Charles por um bom tempo, milhões de pensamentos
passando em sua cabeça.
— Então você sabe da verdade.
— Sim. Porém só fui admitir isso há alguns anos. Quando os vi juntos,
naquele dia, fiquei muito bravo... com ciúme e magoado. Eu queria ter sido
o único homem que a beijou.
A imagem de Quinlan surgiu na mente de Maddie. Seus lábio quentes, o
brilho nos olhos dele quando olhava para ela...
— Eu também queria isso, Charles. Mas não há nada que possa ser feito
agora.
Ele se aproximou, tirou a xícara das mãos de Maddie e as segurou com
firmeza.
— Você deve ter sofrido muito longe da sua família e dos seus amigos,
durante esses cinco anos, Maddie. E tudo por minha culpa.
— Charles...
Ele se ajoelhou.
—Maddie, você acha que com o seu coração generoso... talvez não
agora, é claro... Mas você acha que com o tempo você poder me perdoar?
Havia muito tempo Maddie sonhava com aquele momento. N verdade,
desde o dia em que fugira de Londres, sonhava que todos que haviam sido
injustos com ela viriam lhe pedir perdão de joelhos. E mesmo cinco anos
depois, isso ainda lhe trouxe alguma satisfação.
— Sim, Charles. Acho que posso perdoá-lo.
Ele sorriu.
— Obrigado, Maddie.
Então um visitante inusitado chamou a atenção dos dois. Rafael entrou
como um trovão na sala e, no mesmo instante, Charles soltou as mãos de
Maddie e se levantou.
— Rafe, o que...
— Queira me desculpar, Maddie. — Rafael olhou para Charles. — Você
é Dunfrey, não é? — Ele se aproximou para um aperto de mão. — Prazer,
eu sou Rafael Bancroft.
Charles olhou para ele desconfiado enquanto apertavam as mãos.
— Fico feliz em conhecê-lo pessoalmente, capitão. Ouvi falar muito de
você.
— Somente o que disseram de bom é verdade. — Rafael sorriu e piscou
para Maddie. — A carruagem que está lá fora é sua?
— Sim, é. Espero que...
— Belo par de baios você tem. Não gostaria de vendê-los?
— Bem, eu não tinha pensado nisso.
Rafael deu um tapinha nas costas de Charles e o levou para a porta.
— Bem, pense a respeito, Dunfrey. Estou disposto a oferecer cem mil
pelo par.
—Cem mil...—Charles olhou por sobre o ombro para Maddie, que, com
uma mistura de alívio e assombro, observava os dois homens sair. —
Maddie... Srta. Willits, posso lhe fazer outra visita?
— Sim, pode, sr. Dunfrey.
Eles sumiram no corredor. Maddie respirou fundo, sentou-se no sofá e
fechou os olhos. Charles Dunfrey ainda gostava dela. O maravilhoso
Charles Dunfrey tinha lhe pedido desculpas e desejava vê-la novamente.
— O rato já foi?
Maddie abriu os olhos e viu Quinlan parado à porta da sala com um
sorriso nos lábios.
— Como se o senhor não soubesse, milorde.
— E o que você quer dizer com isso, posso saber? — Quinlan cruzou os
braços.
— Quero dizer que o senhor estava na biblioteca ao lado de propósito,
ou seja, queria escutar a nossa conversa.
— Não fiz isso.
— Bem, não faz diferença alguma para mim. A srta. Densen me
convidou para um jantar na casa dela, hoje à noite. — Maddie se levantou.
— Jantar com os Densen não faz parte do plano — ele disse, colocando-
se no caminho dela.
— O senhor está é com ciúme. — Maddie saiu num ímpeto, deixando o
marquês boquiaberto.
O que ela queria dizer com ciúme? Ele não estava com ciúme de
ninguém.
— Quin, tenho de admitir que o seu projeto de verão está sendo muito
divertido — Eloise falou, por detrás de seu delicado leque de marfim. — E
você estava certo sobre Maddie ser uma boa pessoa, apesar de eu achá-la
um tanto calada demais.
— Calada? — Quinlan repetiu, espantado, grato por estarem ocultos na
penumbra do teatro, onde assistiam a uma ópera. — Como assim?
— Bem, talvez calada não seja a palavra exata. Mas não se pode culpá-
la por ser tão reservada. Eu ficaria um tanto intimidada se não soubesse
como as pessoas iriam reagir na minha presença.
— Maddie comentou que o almoço na sua casa foi muito bom —
Quinlan disse baixinho. — Ela me contou ainda que foi convidada para um
jantar, hoje à noite.
— Sim. Eu a aconselhei a não ir, mas acho que ela ficou muito
empolgada com o convite.
— Por que a aconselhou a não ir? A srta. Densen é sua amiga, não é?
— Beatrice é, sim. Apesar de ser um tanto excêntrica. Mas o problema
não é ela, e sim o irmão, Gaylord, e seus amigos. Eles, bem...
— Eles o quê? — Quinlan, de repente, estava alarmado. — Maddie
disse que seria um jantar privado com os Densen.
Eloise cutucou o braço dele com o leque.
— Você precisa passar mais tempo em Londres, Quinlan.
— Esclareça melhor. Ela suspirou.
— Gaylord costuma reunir um grande grupo de pessoas para jogarem
baralho. Há mais de um ano ele já faz essas reuniões. No começo não eram
muitas pessoas, até cheguei a participar de uma. Mas, ultimamente, poucas
mulheres honradas têm freqüentado o local. — Eloise estremeceu. —
Como eu disse, tentei convencer Maddie a não ir, mas ela preferiu não me
ouvir.
A residência dos Densen ficava a apenas dez minutos da ópera. Quinlan
se levantou.
— Vou até lá.
— Não ouse me deixar aqui para sair correndo atrás de Maddie Willits!
— Eloise protestou. — Você já foi longe demais com essa história. E tenho
ouvido rumores o suficiente a respeito da generosidade dos Bancroft para
com aquela mulherzinha. Quinlan se sentou.
— O que você disse? — ele murmurou, aborrecido, mesmo sabendo que
ela estava certa.
Eloise se aproximou e tocou em seu braço.
— Todos estão comentando, Quin. Eu queria que você soubesse. Não
fique cego pelo seu desejo de pagar uma dívida.
— Não estou cego — ele respondeu com firmeza, apesar de não ser a
verdade absoluta.
— Muito bem. Só estou preocupada. Sua obrigação em pri¬meiro lugar
é com a família.
Ainda aborrecido com a censura dela, Quinlan respirou fundo.
— Tenho consciência disso, Eloise.
Sabia que ela estava certa, mas, mesmo assim, não era nada agradável ter
de ouvir a verdade.
— Eloise, posso acompanhá-la à Bond Street amanhã cedo? Temos um
assunto de interesse comum que precisamos discutir.
Ela sorriu.
— Será um prazer, Quin.
Maddie chegou tarde do tal jantar dos Densen, mas não tinha a mínima
vontade de dar satisfações a ninguém sobre sua demora. Tão pouco a
Quinlan, que viria com um discurso sem-fim acerca do que ela deviria ou
não fazer para limpar sua reputação.
— Como foi o jantar? — Quinlan, em pessoa, a surpreendeu. Maddie
teve um sobressalto e, ao se virar, deu de cara com ele, parado na penumbra
da sala de almoço com uma expressão tensa.
— O que o senhor está fazendo acordado a uma hora dessas, milorde?
— Lendo. Como foi o jantar? Ela pôs as mãos nos quadris.
— Lendo no escuro? O senhor está me espionando, esperando por mim.
— Você acha mesmo que eu não tenho nada melhor para fazer
— Aparentemente, não. — Maddie passou por Quinlan e dirigiu à
escadaria.
Ele a seguiu.
— Pelo menos me conte se você gostou ou não da companhia de
Gaylord Densen.
Um rubor subiu no rosto dela.
— Ele é muito divertido.
Uma certa mão abraçou-a pela cintura e a virou de frente com uma força
surpreendente. Tentando se esquivar, Maddie empurrava Quinlan pelo
ombro, enquanto ele praticamente a arrastava para dentro da sala de estar.
— O que significa isso? — ela inquiriu, finalmente se libertando.
Quinlan fechou e trancou a porta, então se virou para encará-la.
— Precisamos ter uma conversinha.
— Estou cansada e quero ir dormir. Não estou a fim de conversar.
— Sem me contar sobre a festinha de Gaylord Densen? Maddie ficou
aborrecida com o tom, pois, afinal, ele não tinha o menor direito de bancar
o superior.
— O que o senhor deseja saber, milorde?
Quinlan se aproximou dela.
— Por que você não ouviu o conselho de Eloise sobre o tal jantar? Ela a
avisou de que não deveria ir.
— Ela não... — Maddie olhou para ele, então caminhou até a
escrivaninha para ganhar tempo; não poderia contar que Eloise não fizera
nenhum tipo de alerta quanto à festa um tanto suspeita à qual acabou indo
inocentemente. Quinlan nunca acreditaria nela. — Eu sei — Maddie apenas
disse.
— E mesmo assim, você insistiu em ir!
— Deixe-me sozinha.
Maddie tentou tirá-lo do caminho, mas ele não se moveu. Pelo contrário,
segurou-a pelas mãos e a puxou para perto do próprio peito.
— Você é muito inteligente para eu acreditar que tenha feito algo
estúpido como ir àquele jantar inocentemente. Ou você está mesmo
desesperada para ir embora daqui? Ou todos estavam certos quando
disseram que você encorajou Spencer?
O coração de Maddie se entristeceu.
— Como o senhor ousa? — Ela o estapeou, livrou-se das mãos de
Quinlan e se afastou.
— Está um tanto geniosa hoje, não é, querida? Cansada, sem dúvida.
Quando Maddie se virou para encará-lo. Os olhos de Quinlan brilhavam
de raiva. Mas fúria não era o único sentimento que estava expresso na face
dele. Quinlan a desejava. Ele a queria. E fossem quais fossem os desejos
que perturbavam a alma de Maddie, esses de repente fizeram com que tudo
ficasse muito claro para ela.
— Então foi por isso que você me queria em Londres, não foi?
A expressão de Quinlan ficou ainda mais tensa.
— Do que você está falando?
— Quando me beijou em Langley, você me queria como sua amante. E
ainda quer. Você realmente acredita que encorajei Spencer. E diante dessa
certeza, não tinha nenhuma dúvida de que eu acabaria cedendo aos
caprichos do poderoso marquês de Warefield.
Ele caminhou na direção de Maddie; então, com muito esforço se
conteve, cerrando os punhos.
— Isso não é verdade, e você sabe disso, Maddie.
— Então, por que estou aqui?
Quinlan a encarou.
— Porque meu tio me pediu um favor e porque me comportei mal e
queria reparar o meu erro.
— Ah, é mesmo?
— Sim, é mesmo. — Ele apontou-lhe um dedo. — E o mínimo que você
poderia fazer seria cooperar um pouco. Por Deus, seria muito para você
admitir que sente alguma gratidão por mim?
— Gratidão? Pelo quê? Por ter sido alvo de chacota de homens bêbados
que ainda tentaram me apalpar?
— O que você acha que eles deveriam imaginar ao vê-la numa festa
suspeita como aquela? Se você se comporta como uma mulher fácil, eles a
tratarão como tal!
Maddie atirou um vaso de flores contra a parede. O vaso ficou em mil
pedaços, molhando todo o chão com a água que havia dentro.
— Seu maldito pretensioso!
Quinlan a segurou pelo braço. Furiosa, ela tentava se soltar Com um
rasgão, a delicada manga do vestido de Maddie se solto na mão dele.
Chocado, Quinlan olhou para o pedaço de tecido então o jogou no chão e
avançou de novo.
— Assanhada!
— Agora você me ofendeu! — Maddie chutou o joelho dele — E você
acabou de rasgar um vestido pago com o seu dinheiro
— Dane-se! Paguei por quase tudo que você está usando. — Quinlan
puxou a outra manga, e ela se esquivou, ultrajada. — não recebo nem
mesmo a sua gratidão. Esta noite, em troca de u pouco de divertimento,
você provavelmente deu mais a Gaylord aos amigos dele!
Maddie apanhou uma miniatura de porcelana e a atirou contra ele.
— Maldito! Você disse que não queria nada em troca!
A estatueta atingiu o ombro de Quinlan e caiu no tapete, partindo-se em
pedaços. Ele apanhou outro vaso que havia na sala, e uma cascata de água
fria e margaridas caiu sobre Maddie.
— E não quero mesmo! Ela estremeceu e se pôs a atirar contra Quinlan
algumas almofadas que estavam sobre o sofá mais próximo...
— Mentiroso! Só posso concluir que a sua vida antes de me conhecer
era muito sem graça e enfadonha; não é para menos que você me quer ao
redor!
— Esse seu pequeno deslize de hoje será lembrado e comentado em
toda a Londres amanhã. E quanto à minha vida: saiba que antes de
conhecer você, eu era bem mais feliz — ele gritou, jogando uma almofada
no rosto de Maddie. Ela a atirou de volta.
— Ah! Então, por que você ficou falando tanto sobre mim para sua mãe
e seu irmão?
— Presunçosa!
Quinlan a segurou novamente e Maddie se esquivou, porém sua saia
enroscou e a costura foi se desfazendo à medida que ela tentava se livrar
das mãos do marquês; até que a costura se desfez toda, soltando a saia com
um leve impulso que fez Maddie cambalear para trás, parando apenas
quando encontrou apoio numa escrivaninha. Seus cabelos despenteados
escapavam dos grampos e lhe encobriam o rosto. Ela recuperou o equilíbrio
e pegou um abridor de cartas com as iniciais de Sua Alteza gravadas.
— Seu arrogante! — Maddie avançou contra Quinlan com o abridor de
cartas em punho e arrancou um dos botões do paletó dele. — Era para isso
que você me queria! — Ela ofegava, seu coração tão disparado que parecia
que iria explodir. Quinlan recuou, esperando por uma oportunidade para
desarmá-la. — Você é mesmo muito sem graça!
— Não sou!
Outro botão foi arrancado à media que Maddie revertia a situação e
avançava contra ele com o abridor de cartas era punho.
— É, sim!
Quinlan parou quando suas costas bateram contra uma estante de livros.
Trêmula e furiosa, ela continuou avançando. Mas a raiva dos dois já tinha
se transformado em algo muito distinto, e uma chama ardente se acendia
entre eles.
— Mulher atrevida! — Quinlan sussurrou.
O último botão do paletó caiu e rolou para debaixo do sofá.
— Enfadonho! — Maddie murmurou de volta.
Quinlan segurou-lhe o queixo e ergueu o rosto dela até seus lábios quase
se encostarem. Lentamente, ele tirou o abridor de cartas da mão de Maddie
e o atirou no chão.
A pulsação de Maddie estava acelerada, ao mesmo tempo e que ela se
rendia ao poder de um desejo devastador. Seus corpos estavam muito
próximos quando Maddie tirou o paletó de Quinlan e, em seguida, seus
dedos deslizaram pelos cabelos, fazendo carinhos em círculos na nuca.
Quinlan acabou de rasgar a última parte do vestido de Maddie que ainda
estava intacta, expondo ombros muito alvos e uma pele macia que
convidava ao toque. A força dele era assustadora e, ao mesmo tempo,
excitante.
— Maddie — Quinlan sussurrou, girando-a de uma maneira que agora
era ela quem estava de costas para a estante de livros numa situação mais
vulnerável. Presa entre os braços dele, sem poder e sem querer escapar.
Era impossível não beijá-lo. O vestido de Maddie não passava de trapos
pendendo na cintura, até que Quinlan terminou de rasgá-lo e jogou os
restos no tapete, deixando-a apenas com a fina e delicada roupa de baixo.
Ele soltou a própria camisa de dentro da calça, enquanto beijava a linha
do pescoço de Maddie. O que eles estavam fazendo, ela sabia vagamente
na parte de seu cérebro que ainda tinha alguma consciência de que aquilo
era errado, muito errado. Porém Maddie não se importava.
Ela terminou de tirar a camisa de Quinlan, expondo ombros largos e um
abdome marcado por uma musculatura perfeita.
— Oh, Céus... — Maddie murmurou, buscando o ar enquanto a camisa
escorregava até o chão.
Quinlan a pressionou com força contra a estante, como se quisesse ficar
ainda mais próximo. E então ele cobriu a boca de Maddie com a sua para
calar qualquer protesto que eventualmente pudesse surgir. Em seguida, com
uma das mãos, alcançou os seios alvos, e com a outra, levou a mão de
Maddie até sua virilha. Com dedos ágeis, ela desabotoou-lhe a calça.
Quando se deram conta, já estavam deitados sobre o tapete da sala de
estar. A boca quente e faminta de Quinlan buscava os seios de Maddie, e
ela se curvava e se rendia às carícias sedutoras.
Ele só podia estar louco por desejá-la... e por desejá-la ali na sala de estar
da casa de seus pais; e Maddie estava igualmente louca por encorajá-lo.
Quinlan acariciou o ventre de Maddie. Seu corpo nu sobre o dela era
quente e aconchegante; e quando seus joelhos afastaram as pernas de
Maddie, ela arquejou ao sentir o membro de Quinlan roçando suas coxas.
Então, ele a penetrou com um profundo sentimento de posse; e ao ouvir o
gemido de dor de Maddie, Quinlan gelou.
— Meu Deus! — ele murmurou, preocupado, enterrando o rosto no
ombro dela e mantendo o corpo parado, exceto pelo tremor de seus braços.
Em seguida, ergueu a cabeça novamente, seus olhos verdes encarando-a. —
Você era virgem.
Mas antes que Maddie tivesse tempo de confirmar, Quinlan a beijou e,
lentamente, seus quadris recomeçaram a se mover para a frente e para trás.
— Oh, Quin... isso é bom... — ela murmurou, acompanhando o ritmo
dele.
Ondas de intenso prazer invadiram todo o corpo de Maddie, dando-lhe a
certeza de que jamais sentira algo melhor que aquilo. Sua cabeça pendeu
para trás, seus olhos entreabertos para a maravilhosa sensação de sentir
Quinlan se movendo dentro dela.
E então Maddie sentiu uma explosão de indescritível deleite. Em cima
dela, Quinlan ainda se moveu mais algumas vezes, e, logo em seguida,
também experimentou um extraordinário arrebatamento de prazer. Depois,
lentamente, seu corpo foi se soltando sobre o de Maddie.
Quinlan fechou os olhos, saboreando a agradável sensação de sentir o
corpo de Maddie embaixo do seu. Tendo possivelmente acabado de
cometer um enorme erro, ele deveria estar se sentindo pior do que antes.
Mas a única coisa em que conseguia pensar era que sua vida complicada
acabara de ficar ainda mais confusa.
Respirando fundo, Quinlan ergueu a e olhou para Maddie.
— Por que você não me contou?
— Contou o quê?
— Que mesmo depois de Spencer e depois de todos esses anos longe de
Londres, você ainda era... pura.
Ela franziu o cenho, então o empurrou com força.
— Saia de cima de mim!
Relutante, ele saiu e se sentou. Sem se conter, admirou aqueles seios
macios e fartos.
— Eu disse algo tão absurdo assim?
— Você realmente acreditou nos boatos, não é mesmo?
— Não, claro que não.
— Então, por que supôs que eu não era uma mulher direita? Quinlan
piscou, desejando que seu cérebro estivesse funcionando tão rapidamente
quanto seu corpo.
— Nunca pensei isso. E que cinco anos é muito tempo, Maddie.
Aproximou-se e, por um momento, Maddie não conseguia tirar os olhos da
cintura dele.
— Não me lembro de você ter tentado me impedir. Pelo contrário... —
Quinlan disse.
— Bem... — ela começou, corando, e, sem jeito, cobriu os seios — ...eu
simplesmente... me deixei levar um pouco.
Ao ouvir isso, ele sorriu.
— Sei!
— Você não parou...
— Agora estamos em maus lençóis, Maddie.
— Não, não estamos. Vá buscar outro vestido para mim, e poderemos ir
para a cama. E fim.
— Ir para a cama juntos? — Quinlan sugeriu, esperançoso, acariciando-
lhe a face com a palma da mão.
Por um momento Maddie fechou os olhos.
— Isso não é engraçado, Quin.
Ele sorriu.
— Eu sei. É uma tragédia. — Que o marquês, porém, estava adorando.
Quinlan se levantou e se inclinou para lhe dar um beijinho. Então
removeu o último grampo que ainda prendia os cabelos dela, permitindo
que seus cachos ruivos caíssem livres sobre os ombros.
— Só tenho uma solução para o nosso problema.
Dedos delicados traçavam os músculos do abdome de Quinlan.
— E qual seria?
Maddie ainda o desejava, por mais que lhe restasse algum bom-senso.
Quinlan a encarava com olhos cobiçosos.
— Case-se comigo.
— O quê?
Ele sorriu.
— Eu disse case...
— Por quê? — ela o interrompeu. — Agora que realmente estou
arruinada, por que não ser sua amante para que você possa se casar com
Eloise Stokesley?
— Não seja ridícula. Em Langley, eu disse que ajudaria você, Maddie. E
embora possa ter... cometido alguns deslizes, estava sendo sincero.
— Oh, por favor!
Maddie se levantou e fechou a blusa de baixo, a única peça ainda intacta.
Olhando para o estrago, Quinlan estava surpreso por não ter deixado
nenhuma mancha roxa nela. Por Deus, sua calça ainda se encontrava
abaixada até os tornozelos, com as pernas dentro das botas. Ele tivera
algumas amantes antes, mas nunca havia perdido o controle daquela
maneira.
— Mal posso esperar seu próximo deslize — Maddie continuou. —
Qual será? Rasgar toda a minha roupa bem no meio do Almack?
— Maddie — Quinlan protestou, arrumando a calça. — Estou falando
sério. Conversarei com meu pai pela manhã. E nós nos casaremos o mais
rápido possível.
— Não, você não fará isso. E uma tremenda estupidez desperdiçar duas
vidas, Quin. — Maddie hesitou, olhando para ele. — Mesmo que isso não
tivesse acontecido, metade de Londres ainda acredita que eu errei. Nada
mudou.
Agora Quinlan se sentiu ofendido.
— Algo mudou e muito.
— Escute. Minhas chances de conseguir me casar com um cavalheiro
decente são mínimas.
— Não são.
— São... Sempre foram. Eu só vim para cá por causa de s tio. E depois
que completarmos o espetáculo no Almack, eu voltarei para Langley.
Nunca pensei que seria diferente. Nem posso acreditar que você tenha
pensado.
Quinlan a encarava, indignado por ainda estar com vontade tomá-la de
novo nos braços. Ele sabia que Maddie estava certa, mas, por outro lado,
não conseguia entender como uma pessoa tão... apaixonante pudesse ser tão
racional num momento de pura emoção como aquele.
— Mas eu... — Quinlan parou a tempo de mudar de idéia dizer: — Eu
amo você. — Se ela o considerava um tolo antes, declaração o elevava a
um rematado imbecil.
Maddie se abaixou para apanhar os pedaços de seu vestido Quinlan
destrancou a porta da sala e, antes de sair, encostou cabeça contra o frio
batente.
— Quin, case-se com Eloise. Cumpra o seu destino. Você não precisa de
mim na sua vida.
— Você está errada — ele sussurrou enquanto se dirigia para o corredor.
— Eu preciso, e muito, de você na minha vida.
Quinlan e Eloise caminhavam pela lotada Bond Street quando ela parou
de repente ao avistar uma de suas lojas favoritas.
— Oh, lá está a Darby. Compre um chapéu para mim, Quin.
— Outro?
— Por que não, meu querido? — Eloise sorriu. — Vamos, eu o deixo
escolher. Para os padrões masculinos, você até que tem bom gosto.
— Oh, obrigado!
Ela permitiu que Quinlan escolhesse um belo gorro verde e instruiu que o
entregassem em seu endereço. Algo ainda o distraía, e fosse lá o que fosse,
tinha-o impedido de fazer a pergunta que Eloise esperava havia cinco anos,
desde que completara dezoito.
— Aconteceu algo, Quin? — ela por fim indagou, já quase perdendo a
paciência.
— Não. Desculpe, acho que estou com a cabeça em outro lugar.
— Posso saber onde? — Eloise quis saber, recostando a cabeça contra o
braço dele enquanto caminhavam pela rua. — Espero que esteja pensando
em uma certa pergunta que hoje precisa me fazer.
Quinlan parou para encará-la.
— Na verdade, sim.
Sem perceber a hesitação nos olhos dele, Eloise forçou um sorriso.
— Pode perguntar, então. Afinal, sempre soubemos que nos casaríamos.
Se isso facilitar as coisas para você, saiba que seu pai me fez uma visita
ontem.
— É mesmo?
— Sim. E ele contou que você marcou a data do nosso casamento para
17 de julho. Adorei o dia, não podia ser melhor. — Ela segurou as duas
mãos de Quinlan. — Portanto... o que estou tentando lhe dizer é que você
não precisa me fazer um pedido oficial, pois eu já disse "sim".
Por um longo momento ele olhou para Eloise, então, lentamente, meneou
a cabeça!
— Você é muito mais do que eu mereço, Eloise.
Ela sorriu, aliviada. Finalmente iriam se casar e Eloise estaria livre do
risco de perdê-lo para sempre.
— Podemos ir falar com a duquesa sobre a lista de convidados?
Quinlan soltou as mãos dela.
— Eloise, eu não posso me casar com você.
Ela congelou, seu alívio se transformou em terror.
— O quê!?
— Não agora. Preciso de um tempo... para pensar.
— Sobre o quê?! Não seja ridículo, Quin! Seu pai vai cortar você em
pedaços se adiar esse casamento novamente. — Eloise deu um Passo para
trás. — E eu também. Já estou com vinte e três anos, Quin. A maioria das
minhas amigas já se casou. Algumas já têm até filhos. Não quero ser
motivo de riso de toda a sociedade.
— Não é essa a minha intenção.
— Você é um homem bom, Quin. Sempre foi. Se precisar de um tempo
para pensar, então eu lhe darei. Saiba que o estarei esperando, e lembre-se
de que temos um compromisso para com as nossas famílias. — Ela se
aproximou ainda mais e atenuou tom da voz. — Você acha que eu nunca
conheci ninguém por quem pudesse me apaixonar? Mas não permiti que
isso acontecesse. Existe muito em jogo. Você deve fazer o mesmo.
— Pensa que não sei disso, Eloise? — Quinlan respirou fundo —
Preciso de alguns dias apenas. Uma semana. E então lhe farei o pedido
como deve ser feito. — Ele sorriu. — De joelhos.
— Uma semana — ela concordou, sorrindo de volta. — Agora me leve
para casa. Preciso escolher o vestido que vou usar hoje à noite no baile dos
Beaufort.
Quinlan fez um sinal para o seu cocheiro, e Eloise parou para olhar seu
reflexo no vidro de uma vitrine. Então ele queria uma semana. Algo
precisava ser feito... antes que aquela mulherzinha conseguisse arruinar a
fortuna e o futuro de duas famílias importantes. Aparentemente, Charles
Dunfrey não estava causando nenhum efeito. Uma providência tinha de ser
tomada imediatamente.
Quinlan observava Maddie valsando com Rafael. Sua graça beleza
natural empalideciam todas as outras mulheres presente no baile dos
Beaufort.
Maddie riu com algo que Rafael disse, e uma pontada de ciúme feriu
Quinlan de uma maneira desconfortável. Por causa dela, pelo que havia
acontecido entre eles.
Quinlan nunca imaginara que fosse se apaixonar por Eloise eles se
conheciam havia tanto tempo que um sentimento de amizade recíproca
parecia ser o suficiente.
Quinlan procurou-a e a encontrou sentada ao lado da mãe, com um
sorriso encantador no rosto. Como sempre, Eloise estava linda: seus
cabelos loiros emolduravam-lhe o rosto com delicados cachos. Ela parecia
uma marquesa, e seria uma duquesa maravilhosa.
E então lá estava Maddie, que se assemelhava a uma fada capturada na
brisa da manhã. Um sorriso tocava seus lábios. Com certeza, era um ser
encantado da natureza, e metade das pessoas presentes nem tinha o direito
de se dirigir a ela.
— Ah, lorde Warefield.
Quinlan olhou, surpreso, para o cavalheiro que o saudava.
— Sr. Dunfrey. — A pontada de ciúme que ele sentira por Rafael se
transformou agora em algo muito mais sombrio.
— Maddie, quero dizer, a srta. Willits me contou que o senhor tem sido
muito generoso com ela. Com toda aquela confusão... que em parte
aconteceu por culpa minha. Por isso gostaria de dizer que sou muito grato
ao senhor, milorde.
— Não precisa se incomodar, sr. Dunfrey — Quinlan respondeu
secamente. — Tudo o que fiz não foi pensando no senhor. Maddie foi
injustamente acusada de algo que não fez, e por isso decidi ajudá-la.
— Mesmo assim, sua atitude acabou por me beneficiar, pois estou
vendo uma chance de me acertar com a srta. Willits novamente.
Então Charles Dunfrey a queria de volta, depois de tudo que ele fizera.
Se Quinlan pudesse, colocaria um sinal de "é proibido se aproximar" ao
redor dela. Maddie era sua. Mas mesmo Dunfrey tinha mais direito do que
ele.
— Sua vida sentimental não é do meu interesse, sr. Dunfrey — Quinlan
respondeu, virou-se e seguiu na direção de Eloise.
Seu plano estava dando certo. O barão de Granfford tinha dançado a
última quadrilha com Maddie. E até agora, nenhum incidente havia
ocorrido.
O próximo baile seria em dez dias, no Almack, e Charles Dunfrey estava
pronto para perdoar tudo e ficar noivo de Maddie. A dívida de honra dele
estaria paga, e ele poderia se casar com Eloise em um mês, exatamente
como o duque desejava.
Somente uma coisa estava errada. Quinlan jamais imaginara que fosse
se apaixonar por Maddie Willits. E agora que isso havia acontecido, ele não
tinha certeza se queria desistir dela assim tão facilmente.
Capítulo VII
Charles Dunfrey tinha feito três visitas a Maddie nos últimos quatro dias.
Durante esse tempo, com exceção dos poucos olhares, o marquês de
Warefield parecia estar evitando-a novamente. Ela começou a pensar que
Quinlan tivesse desistido da idéia absurda de desposá-la, e isso a deixou
desapontada e de coração partido. Apesar de ter plena consciência do
absurdo da proposta. Mesmo que Maddie fosse um paradigma de virtude, a
futura duquesa de Highbarrow tinha de ser alguém socialmente superior a
ela.
Por isso não fazia o menor sentido ficar acordada todas as noites,
imaginando-se com Quinlan novamente e sonhando sobre como seria se
casar com um homem por quem, apesar de todas as intenções contrárias,
havia se apaixonado.
Aparentemente, no entanto, o marquês parecia ter desistido. Na manhã
seguinte, Charles viria fazer outra visita, e Quinlan se encontrou com
Maddie ainda à mesa do café da manhã.
— Bom dia, Maddie — ele disse, amável, sentando-se de frente para
ela.
— Bom dia, milorde.
Quinlan se moveu na direção do prato de frutas, e um dos lacaios veio
servi-lo no mesmo instante.
— Posso saber quais são seus planos para hoje? — ele indagou.
— Em primeiro lugar, preciso escrever para o sr. Bancroft.
Quinlan apoiou o cotovelo sobre a mesa e descansou o rosto sobre a mão,
encarando-a.
— Para lhe contar o quê?
Maddie corou. Como se pudesse escrever a respeito do que acontecera
entre ela e o marquês...
— Escreverei sobre as visitas de Charles Dunfrey, e de como ele tem me
tratado com gentileza. Acho que o sr. Bancroft ficará feliz em saber disso.
— Depois de tudo que esse tal de Charles Dunfrey a fez sofrer, o
mínimo que ele pode fazer agora é ser gentil com você.
— Por que tanta hostilidade, milorde?
— Desculpe — Quinlan murmurou. — Posso fazer as pazes comprando
um chapéu novo para você?
— Obrigada, mas não estou precisando de um chapéu novo.
Ele calou-se por um momento, como se Maddie tivesse dito algo
inesperado. Afinal, que mulher era aquela que não queria um chapéu novo?
— Que tal um vestido? — Os olhares de ambos se encontraram, e ela
estremeceu.
No fundo, Maddie preferia que Quinlan falasse algo sobre aquela noite;
que fizesse pelo menos algum comentário. Mas a recordação daqueles
momentos maravilhosos serviu apenas para lembrá-la de que ele nunca
seria seu.
— Um chapéu novo, então.
— Ótimo. Vou mandar prepararem a carruagem. — Com um sorriso,
Quinlan se levantou. — Ah, imaginei que você gostaria de saber que meu
pai virá tomar café da manhã aqui. — Dito isso, saiu pela porta.
Maddie abandonou no mesmo instante o pedaço de pão que estava em
sua mão e tomou de uma só vez todo o seu chá. Ela aprendera com os
outros Bancroft a evitar o duque.
Rapidamente, subiu até seu quarto, apanhou as luvas e um gorro e, em
minutos, já estava chegando ao estábulo, onde Quinlan a aguardava em
cima da pequena carruagem aberta com lug para apenas duas pessoas.
— Já terminou o café? — ele perguntou, oferecendo a mã para que
Maddie se sentasse ao seu lado.
— Você deveria ter me avisado antes — ela declarou, terminando de
ajeitar o gorro na cabeça.
— Deixe-me ajudá-la com isso, Maddie.
Ela afastou a mão de Quinlan para evitar o contato físico.
— Não precisa, posso fazê-lo sozinha.
— Você não gosta que eu a toque? — ele murmurou.
Maddie engoliu em seco.
— Isso mesmo. Eu não gosto.
Quinlan a encarou, e então agitou as rédeas. A pequena carruagem
disparou e logo já estavam fora dos domínios dos Bancroft.
— Maddie, precisamos ter uma conversa. Você continua insistindo que
não vai conseguir limpar seu nome, e depois de tudo que aconteceu entre
nós, eu...
Ela se fazia a mesma pergunta havia dias.
— Não sou uma cantora de ópera, Warefield — Maddie o interrompeu.
— Sugiro que você procure outra para satisfazer as suas necessidades
básicas.
A expressão do marquês endureceu.
— Você está se adaptando muito bem à sociedade, minha querida.
— Seu tom me soou como um insulto. Meu problema é com o que você
quer, meu querido.
— Talvez. Mas eu não estava me referindo às minhas necessidades
básicas, como você se referiu. Ia falar sobre desejo, Maddie.
Ela o encarou, corada. Tudo era tão mais fácil quando eles apenas
brigavam...
— Bem, então, pode se esquecer disso também. Inesperadamente,
Quinlan riu.
— É impossível deixar isso de lado.
— As vezes, apenas às vezes, fico feliz por você não ter se afogado
naquele riacho em Langley.
— Só às vezes?
— Eu diria que sim. Se não fosse por mim...
— Maddie, você está bem?
De repente, ela parou de falar e olhou fixamente para a carrua-gem que
acabara de passar por eles.
— Quem é o casal? — Quinlan perguntou.
— São meus pais.
— Céus! — Ele segurou-a pelo braço antes que Maddie resolvesse pular
da carruagem para tentar escapar.
Mas Quinlan nem precisava ter se dado ao trabalho, pois ela estava
imóvel e sem palavras. E tudo que conseguia fazer era continuar olhando
para seus pais.
— Meu bom Deus! — A mãe de Maddie desceu da carruagem e veio na
direção deles. — E você, Maddie?!
Quinlan parou o veículo e tocou nas mãos frias de Maddie.
— Vá falar com ela — ele sussurrou.
— Não posso. Vamos embora.
— Para onde?
— Qualquer lugar.
— Lembre-se de que estou ao seu lado, Maddie — Quinlan disse
calmamente. — Eu prometi. Nada irá lhe acontecer.
A típica autoconfiança arrogante do marquês a trouxe de volta à
realidade.
— Onde você estava cinco anos atrás? — Maddie murmurou ao se
levantar para ir ao encontro da mãe.
Quinlan desceu da carruagem e, antes que os pais de Maddie os
alcançassem, ajudou-a a descer também. Vendo o encorajamento silencioso
nos olhos do marquês, ela segurou firme na mão que ele estendia e desceu
para encarar seus pais.
— Mamãe, papai — Maddie disse com voz trêmula. — Vocês estão
ótimos.
Eles pararam a alguns passos, como se temessem que ela pudesse fugir
novamente.
— Por onde você andou, minha filha? — sua mãe perguntou, aflita. —
Tem idéia do quanto nos preocupamos com você?
Lorde Halverston pôs a mão sobre o ombro da esposa.
— Por favor, Júlia. Haverá tempo para explicações. Este é seu marido,
Maddie?
Perplexa, Maddie olhou para Quinlan. Com um sorriso, ele soltou sua
mão e se aproximou para cumprimentar o visconde.
— Quinlan Bancroft — disse amigavelmente. — Sou um amigo de
Maddie.
Halverston apertou a mão de Quinlan com vigor.
— O senhor é muito modesto, milorde. Júlia, este é o marquês de
Warefield.
Lady Halverston fez uma leve mesura.
— Milorde.
Quinlan fazia algumas perguntas inócuas sobre quando o caso havia
chegado a Londres, enquanto Maddie o olhava, agradecida, tentando não
tremer.
Maddie observava os pais. Exceto por mais alguns fios de cabelos
grisalhos nas têmporas, Robert Willits não tinha mudado quase nada. Sua
mãe só tinha olhos para a filha.
— Há quanto tempo você está em Londres, Maddie? — lady Júlia
perguntou.
— Há algumas semanas.
— Algumas semanas? Por que você não escreveu? Por que não nos
avisou, minha filha?
— Eu não queria que vocês soubessem.
— Mas você não se importou que todos em Londres soubessem do seu
retorno — Halverston se manifestou.
Maddie conhecia muito bem o pai e estava estranhando a falsa calma
dele.
— Não foi minha idéia vir para cá.
Quinlan segurou a mão de Maddie e a colocou sobre o próprio braço,
num claro toque de conforto e encorajamento.
— Minha mãe e minha prima estão ajudando Maddie a reingressar na
sociedade. Ela foi muito boa para a nossa família, e nós tentamos retribuir o
favor.
Novamente Maddie era grata ao marquês.
— Precisamos ir, Quin, sua mãe nos aguarda — ela mentiu, olhando,
esperançosa, para ele. Tudo que Maddie queria era que aquela estranha
situação acabasse o quanto antes.
— Sim — Quinlan concordou. — Com licença, sr. e sra. Halverston...
Acontece que a duquesa odeia esperar.
— E claro — Halverston declarou.
— Talvez os senhores queiram nos fazer uma visita, hoje à tarde, na
casa de meus pais — Quinlan continuou.
— Sim, claro. Nós adoraríamos. — O visconde trocava um novo aperto
de mão com Quin.
— Nos veremos às duas, então.
Maddie ficou extremamente aborrecida com Quinlan, pois se sentiu
traída pelo convite que ele fez a seus pais sem consultá-la antes. Durante
todo o trajeto de volta para casa, ela ficou recla-mando e argumentando,
como sempre. Mas Quinlan já estava começando a se acostumar àquela
mulher que tanto gostava de uma boa discussão.
Assim que eles chegaram à residência dos Bancroft, Maddie correu ao
seu quarto para trocar de roupa. Por precaução, Quinlan instruiu o
jardineiro para avisá-lo caso ela tentasse fugir. Em seguida, foi ao encontro
de sua mãe para informá-la sobre a iminente visita dos Willits.
— Mamãe, os pais de Maddie estão em Londres — ele entrou na sala
dizendo. — E eu os convidei para... — Só então se deu conta de que sua
mãe estava com visita. — Eloise! Pensei que você iria visitar lady Landrey
esta manhã.
Eloise tomou um gole de chá; seus olhos azuis o fitavam calorosamente.
— A pobrezinha cancelou o brunch. Parece que o filho dela foi expulso
de Cambridge.
— Não sei como lá em Cambridge toleraram Lester por tanto tempo. —
Quinlan se sentou ao lado dela e fez um sinal para que o lacaio lhe
trouxesse uma xícara de chá.
— Sim, é assombroso — Eloise sorriu. — Açúcar, querido?
— Não, obrigado.
— O que você estava dizendo sobre os pais de Maddie? — A duquesa
colocou o bordado de lado e olhou para o filho.
— Nos encontramos com eles esta manhã. A duquesa ouvia com
interesse.
— Como eles reagiram?
— Não sei ao certo. A mãe parecia aliviada, mas o pai, aparentemente,
mostrava-se mais interessando em me conhecer do que saber como a filha
estava depois de todos esses anos.
— Você não pode culpá-lo. — Eloise riu com malícia. — Afinal, ele
deve ter visto a chance de a filha mal-afamada se tonar a futura duquesa de
Highbarrow.
— Sim, mas a mal-afamada, como você a chamou, é a filha que ficou
cinco anos desaparecida. — Quinlan encarou a prima, aborrecido.
— Você disse que os convidou para uma visita — a duquesa interferiu.
— Aqui?
— Sim. Às duas da tarde. Falei que Maddie fez um grande favor para a
nossa família e que estamos retribuindo a bondade dela.
Eloise o encarou com um olhar frio.
— Você não disse que a beijou?
Então, ela havia ficado sabendo. O duque lhe contara, sem dúvida. Mas
ele tinha feito muito mais do que apenas beijar Maddie... Quinlan encarou
calmamente lady Stokesley.
— Não considerei oportuno. Há algo aborrecendo você, Eloise.
— Apenas que não tem me beijado muito ultimamente, Quin. Um
descuido que espero que você corrija em breve. — Ela levantou a xícara
para que o lacaio a servisse de mais chá. Mas quando o rapaz a servia, uma
gota de água quente espirrou na mão de Eloise, que gritou e jogou a xícara
com seu conteúdo en cima do criado. — Seu idiota! Você não presta
atenção ao que está fazendo?
O rapaz fez uma reverência.
— Por favor, aceite minhas desculpas, milady. Sinto muito, eu...
— Franklin, pode sair — a duquesa ordenou.
Ele se curvou novamente, e, antes de se retirar, seu lugar foi ocupado por
outro lacaio, que limpou a bagunça e providenciou outra xícara para Eloise.
Quinlan observou o incidente, incomodado, enquanto sua mãe olhava de
lado e calmamente adicionava mais açúcar ao seu chá. De repente, ele
estava vendo a nobreza com outros olhos.
— Eloise me contou que vocês pretendem se casar no dia 17 de julho.
Seu pai ficará satisfeito. Acho que ele marcou um encontro com o
arcebispo, nesta manhã, para garantir a abadia de Westminster. — A
duquesa tomou um gole de chá. — Oh, e precisamos enviar os convites
imediatamente. Caso contrário, todos irão pensar que foi tudo arranjado de
última hora.
— Como se a senhora pudesse planejar algo com menos do que vinte
dias de antecedência — Quinlan disse.
— Não precisa ser sarcástico — Eloise retornou, obviamente aborrecida
com ele.
Quinlan não podia culpá-la, pois suas atitudes estavam longe de ser as de
um noivo apaixonado e empolgado com o casamento.
— Desculpe. E que tudo isso me parece muito barulho por algo que
todos já sabiam que iria acontecer mais cedo ou mais tarde.
Eloise se levantou, indignada.
— Você está sendo insensível como nunca foi, Quin. Aborrecido, ele
também se levantou e se dirigiu à porta.
— Minhas desculpas, Eloise. Não tive a intenção — Quinlan declarou,
sem sentir de verdade as palavras que estava dizendo.
Surpresa, ela o encarou com seus belos olhos azuis.
— Eu sei. Leve-me para cavalgar amanhã, então, e depois compre algo
bonito para mim, que tudo estará esquecido.
Quinlan forçou um sorriso.
— Com prazer. — E assim ele se retirou da sala, deixando as duas a sós
para continuarem com os planos do casamento.
Lorde e lady Halverston chegaram pontualmente às duas, acompanhados
de duas mocinhas.
— Espero que o senhor não se importe, milorde — o visconde se
desculpou, apontando para as moças. — Elas insistiram em vir. Querem ver
a irmã.
Quinlan meneou a cabeça. Maddie não lhe contara que tinha irmãs,
apesar de as semelhanças serem evidentes.
— É claro. A srta. Willits se encontra na sala de estar com a duquesa.
Queiram acompanhar o mordomo, por favor. Logo me juntarei aos
senhores.
A família Willits acompanhou o mordomo, e Quinlan seguiu um tempo
depois.
Quando chegou, ele parou à porta de entrada da sala e se deu o direito de
apenas apreciar a cena, antes que todos notassem a sua presença.
Calada, Maddie estava sentada entre as irmãs, falando sem parar. A
viscondessa observava, satisfeita, as três filhas, enquanto Halverston não se
cansava de agradecer a imensa bondade da duquesa por ter amparado
Maddie.
Quando Maddie avistou Quinlan, sorriu, aliviada, e, pela primeira vez, o
marquês viu paixão nos olhos dela. Paixão por ele.
— Milorde — Maddie o saudou com uma mesura.
— Apresente-me para a sua família — Quinlan pediu, juntado-se a elas
na sala, e mal conseguindo conter o desejo de erguê-la em seus braços e
girar com ela, compartilhando aquele momento de pura felicidade.
— Esta é Polly — Maddie disse, apontando para a irmã mais nova, que
parecia ter uns doze ou treze anos. — E esta é Claire.
A filha do meio de lorde Halverston fez uma elegante mesura. Ela era
bonita, apesar de sua beleza não se comparar à de Maddie. Sua idade girava
em torno dos dezessete anos.
— Prazer em conhecê-las — Quinlan disse, sorrindo.
— Mandei preparar um chá — a duquesa anunciou e indicou o caminho.
— Por aqui, por favor.
Todos seguiram para a sala de jantar, onde a conversa continuou sem
cessar durante o chá. Quinlan olhava para a cena surpreso, perguntando-se
como Maddie conseguira se tornar tão in¬dependente com uma família
calorosa como aquela.
— Maddie, você tem muita coisa para empacotar? — perguntou a
viscondessa.
A pergunta chamou a atenção de Quin.
— Empacotar para quê? — ele indagou.
A sala ficou em silêncio. O visconde emitiu um ruído do fundo da
garganta.
— Não seria certo nossa filha continuar sob o teto de outra família que
não seja a dela, milorde. Mesmo sendo uma família honrada como a sua.
— Minha mãe está fazendo companhia a Maddie — Quinlan afirmou,
impaciente. — Não há nada de inapropriado nisso.
— É claro que não, milorde. Mas, bem... as pessoas falarão, o senhor
sabe,
— Elas falarão de qualquer jeito — Maddie se manifestou.
— Mas quanto menos falarem, melhor, minha filha.
Quinlan olhou para Halverston e o que restava de seu bom humor
desapareceu. Ele não podia permitir que Maddie partisse.
— O senhor deveria ter levado isso em consideração cinco anos atrás,
lorde Halverston.
— Quinlan — a duquesa o repreendeu —, cabe a Maddie decidir isso.
Maddie olhou ao redor, fixando seu olhar em Quinlan, e então,
finalmente, voltou-se para a duquesa.
— Vossa Alteza, acho que talvez eu deva mesmo retornar para a casa de
meus pais. Eu fica...
— Não! — Quinlan gritou, levantando-se.
Ela engoliu em seco, evitando o olhar dele e ignorando o grito de
protesto.
— Eu ficaria imensamente feliz se pudesse continuar visitando-os.
— É claro que sim, minha querida. Nada me deixaria mais feliz —
respondeu a duquesa com gentileza.
Muitas outras coisas teriam deixado Quinlan bem mais feliz, incluindo
nunca mais ter de olhar para os outros membros da família Willits. Ele
engoliu sua raiva, colocou o guardanapo sobre a mesa e falou, antes de se
retirar:
— Vou pedir para arrumarem suas coisas, Maddie.
E, logo em seguida, saiu da sala, parando ofegante no corredor. Quinlan
sabia precisamente a intenção dela, e a culpa era toda sua por não tomar
uma decisão definitiva. Agora Maddie estava tentando tomar as rédeas da
situação. Exceto que ele não estava pronto para desistir. Não ainda. Nunca.
Maddie entrou em sua antiga casa, lutando contra a idéia, para ela
estúpida, de que de alguma maneira nada havia mudado em cinco anos. O
mordomo, certamente não tinha mudado nada, exceto pela expressão de
espanto em seu rosto ao recebê-la.
Mas a mobília do andar de baixo era a mesma, e até os quadros e o tapete
que ela sempre detestara, ainda se encontravam ali. Enquanto Maddie subia
para o seu quarto, as irmãs não saíam de perto dela, falando muito sobre os
cinco anos de aventuras que haviam vivido separadas. Maddie hesitou
diante da porta, mas Claire a abriu e entrou alegremente.
Maddie entrou em seguida, e tudo estava exatamente como ela havia
deixado. As irmãs falaram mais um pouco e então resolveram que era hora
de deixá-la repousar um pouco.
Sozinha em seu quarto, ela só conseguia pensar em Quinlan e em quanto
sentia por ter saído da residência dos Bancroft. Realmente não desejava ter
partido, mas, se tivesse ficado, acabaria cedendo e se entregando a ele
novamente. A simples presença do marquês era inebriante. E Quinlan
estava prestes a se casar com Eloise Stokesley.
— Maddie? — sua mãe chamou da porta entreaberta.
— Pode entrar.
— Podemos conversar, minha filha?
Aquele era o momento que ela tanto temia, quando sua mãe iria lhe
perguntar por onde andara, e Maddie não tinha certeza se estava pronta
para contar tudo.
— Pensamos que você tivesse morrido, minha filha. — A senhora se
sentou ao lado da filha, aos pés da cama. — Ficar brava e aborrecida é uma
coisa, Madeleine, mas desaparecer por cinco anos...
— Eu quis fazer as coisas do meu jeito. A mãe a encarou.
— Você diz isso como se não fosse nada. Se tivesse ficado, com o
tempo seu pai acabaria por perdoá-la. Você sabe disso.
Maddie se controlou.
— Eu não fiz nada de errado, mamãe. Por isso não precisava e não
preciso do perdão de ninguém. E a senhora deveria saber que eu não vou
permanecer aqui. Prometi a uma pessoa que ficaria em Londres até o dia
que fosse aceita no Almack. Depois disso, não haverá mais razão para eu
continuar aqui.
— Entendo. E posso saber para quem você fez essa promessa?
— Para um amigo.
— E quanto à sua família, Maddie?
— Há cinco anos, papai fez questão de deixar claro que eu não passo de
um fardo e uma vergonha para os Willits. Não me esqueci disso.
— Maddie, você e seu pai sempre discutiram. Sabe que ele não tem um
temperamento fácil. Pense melhor antes de tomar uma decisão definitiva.
— Mamãe, depois de tudo, como ainda posso ficar? Lady Halverston
olhou para a filha por um momento.
— Então, por que você voltou?
— Como já disse, prometi a um amigo que viria para Londres —
Maddie falou cautelosamente, sem mencionar a tempestade de emoções
que girava em torno dela e de Quinlan.
— Lorde Warefield parece gostar muito de você.
— Lorde Warefield leva muito a sério as obrigações para com a família
dele. E espera que as pessoas façam o mesmo. Eu... — Maddie hesitou,
medindo as palavras. — Eu não concordo com o marquês.
— Você discorda do marquês de Warefield? Isso me parece um tanto
insensato.
— Alguém precisa fazê-lo.
A viscondessa olhou para ela, curiosa.
— Maddie...
— Mamãe, as coisas não podem voltar a ser como eram. Estive sozinha
durante cinco anos e gostei da independência conquistada. — A
honestidade a forçou a continuar. — Se a senhora quiser eu posso partir
agora mesmo, pois não pretendo continuar ouvindo calada as insinuações
de papai.
A viscondessa se levantou.
— Você ainda é minha filha, sendo uma mulher independente ou não.
Aparentemente, os Bancroft têm alguma esperança em você, por isso não
podemos esperar menos. Só quero lhe pedi uma coisa, Maddie: não
envergonhe sua família de novo. Claire vai debutar no ano que vem, e
espero que você não estrague as chances de sua irmã encontrar um bom
casamento.
Maddie meneou a cabeça enquanto a mãe deixava seu quarto.
Ela já sabia que não seria fácil voltar, e estava certa. Sua mãe, por mais
feliz que pudesse se sentir pela volta da filha, ainda iria se curvar à vontade
do marido. Maddie suspirou e se sentou em sua cama, imaginando o que
Quinlan estaria tramando.
— O que você quer dizer com "Maddie se foi"? — Rafael inquiriu,
batendo com seu taco de bilhar com tanta força sobre a mesa que as bolas
pularam. — E por que não me contou antes?
— Porque não estava com vontade. E o que eu quis dizer é que ela foi
embora com os pais. Eles estiveram aqui e a levaram de volta para casa.
— Que idiotice! Maddie foi embora de Londres por culpa deles. Você
não deveria ter permitido.
— Ah, é mesmo? E o que eu deveria ter feito? Deveria tê-la prendido no
meu quarto?
— Maddie não pertence àquela casa, Quin.
O marquês olhou para o irmão com o canto dos olhos.
— Aquela é a família dela, Rafe.
Rafael se afastou da mesa e se serviu de uma dose de conhaque.
— Sim, é a família dela. São os mesmos que um dia a atiraram nas mãos
de Charles Dunfrey. E agora que ele pediu desculpas para ela, eles o farão
novamente.
— E o que tem de errado nisso? — Quinlan perguntou, mais para ouvir
outra opinião além da sua.
— Lembra de quando você me obrigou a entrar na sala de estar para
atrapalhar o encontro dos dois? Pois bem, Dunfrey aceitou a minha oferta.
— Que oferta?
— De vender o par de cavalos baios por cem mil libras. Tive de inventar
uma boa desculpa para voltar atrás.
— E...
— Bem, tirando o fato de eu não estar precisando de um par de cavalos
para carruagem, eles valiam o dobro do que ofereci.
Quinlan colocou o taco de bilhar sobre a mesa; de repente, ficou muito
interessado na conversa.
— Perdoe-me, Rafe, por não ser tão bom nos negócios quanto você, mas
o que, exatamente, está querendo dizer?
— É que se Dunfrey queria mesmo vender os cavalos, poderia ter
conseguido muito mais por eles.
Finalmente Quinlan começou a entender aonde o irmão queria chegar.
— Então, você acha que ele não estava pensando em vender os cavalos?
— Exatamente. Estava interessado apenas no dinheiro.
O marquês guardou o taco de bilhar de volta no suporte e se retirou
dizendo que precisava fazer uma visita urgente.
O gerente do Banco da Inglaterra ficou muito animado ao saber que o
marquês de Warefield viera lhe fazer uma visita e fez questão de receber
Quinlan a portas fechadas, em seu espaçoso escritório.
— O que posso fazer pelo senhor, lorde Warefield? — perguntou o
homem, solícito.
— Tenho um pedido um tanto estranho para fazer ao senhor. — Quinlan
sentia uma pontinha de culpa pelo que estava fazendo.
— Pois não, milorde. A família Bancroft tem crédito ilimita aqui.
— Obrigado, sr. Wheating. É bom saber. Mas eu não vim pedir um
empréstimo. Preciso de uma informação.
— Informação, milorde? Que tipo de informação?
— Estou pensando em entrar num negócio com uma pessoa. Porém não
o conheço muito bem e gostaria de saber um pouco mais sobre a situação
financeira dele.
— Bem, informações a respeito de nossos clientes são confidenciais.
— Entendo, regras são regras. Mas não é necessário que o senhor entre
em detalhes. Eu só preciso ter uma idéia geral da situação dele.
O sr. Wheating olhou de um lado para outro.
— Quem seria a pessoa, milorde?
— O sr. Charles Dunfrey. — Quinlan recostou-se na cadeira.
— Charles Dunfrey, o senhor disse?
— Exatamente.
— Bem, milorde, falando de uma maneira geral, eu diria... — Mesmo
com a porta da sala fechada, ele se inclinou um pouco sobre a mesa e
abaixou o volume da voz. — Eu diria que as finanças do sr. Dunfrey estão
numa situação um tanto desastrosa.
— Um tanto desastrosa?
— Sim, senhor.
Quinlan deixou o banco no mesmo instante e se dirigiu para a Curzon
Street. Quando chegou em frente à residência dos Willits, parou e
contemplou os enormes portões de ferro que o separavam de Maddie.
Parado ali, ficou imaginando como iria justificar sua visita. Ela deixara a
casa dos Bancroft havia apenas três horas. Todos iriari perceber o papel de
tolo apaixonado que ele estava fazendo.
Além do mais, só porque Dunfrey tinha feito algumas visitas a Maddie,
isso não queria dizer que pretendia se casar com ela. Com os problemas
financeiros dele, parecia muito remota a possibilidade de querer se casar
com uma mulher com a fama de Maddie Willits. Desposar uma mulher
mais velha e respeitável seria muito mais proveitoso para Dunfrey do que
receber um dote limitado do visconde de Halverston.
Sentindo-se um pouco mais calmo, Quinlan resolveu voltar para a
residência dos Bancroft. Já tinham planejado irem ao baile dos Carrington,
na noite do dia seguinte, onde poderia ver e dançar com Maddie. E talvez
algum milagre pudesse acontecer, e ele teria uma idéia de como tirar a
ambos daquela dificílima situação. Caso contrário, poderia raptá-la e fugir
com ela para o Oriente.
Maddie nem mesmo tinha terminado o café da manhã quando o
mordomo anunciou que o sr. Dunfrey a aguardava na sala de visitas.
Aborrecida, pediu licença aos pais e foi recebê-lo, apesar de não ter a
menor idéia do motivo que o fizera vir tão cedo à sua casa.
Charles virou de costas para a janela quando Maddie entrou na sala.
— Maddie, estou feliz em saber que você voltou para casa.
— Eu também, Charles. Obrigada.
— Parece que tudo está voltando ao normal novamente. — Ele segurou-
lhe a mão e beijou-a. — Bem, quase tudo. Maddie, preciso lhe fazer uma
pergunta. Você sabe que não sou muito bom com as palavras, mas isso tem
pesado em mim há alguns dias e não posso mais me conter.
Maddie se sentou numa cadeira. Em seguida, Dunfrey segurou as duas
mãos dela e se ajoelhou.
— Maddie, vou direto ao assunto. Nós estivemos separados durante
cinco anos, mas acredito que estávamos destinados a ficar juntos. Você me
daria a imensa honra de se casar comigo?
Maddie apenas olhou para ele por um bom tempo, esperando pela
excitação, pela euforia, que acompanharia aquele momento. Mas nada
aconteceu. Talvez ela estivesse tentando ser firme, ou talvez Dunfrey não
fosse mais o homem de seus sonhos.
— Preciso de um tempo para pensar, Charles.
—- E claro, eu compreendo. — Ele sorriu e se levantou. — Mas, pelo
menos, me permita tomar uma liberdade. — Inclinou-se lentamente e seus
lábios roçaram os de Maddie num leve beijo. Ela sorriu.
— Obrigada pela sua paciência, Charles. Prometo lhe dar uma resposta
amanhã.
Ele beijou-lhe a mão de novo.
— Eu ainda a amo, Maddie. Sempre a amei. — Com um último olhar de
relance, Charles Dunfrey se foi.
Maddie recostou-se na cadeira. Casar-se com Charles poderia ser a
solução de todos os seus problemas. Não importava que não sentisse
absolutamente nada por ele. Nada comparado ao que sentia quando Quinlan
olhava para ela. Mas o marquês iria se casar com outra mulher. E nunca
mais Maddie sentiria os braços dele ao redor de seu corpo.
A vida era bem mais simples em Langley, onde ela era apena a srta.
Maddie e passava as tardes jogando com Bancroft. Ma não podia negar que
se sentia solitária lá.
— Srta. Willits? — Everett, o mordomo, bateu na porta.
— Pois não, Everett.
— Senhorita, o sr. Rafael Bancroft está aqui.
De repente, os olhos dela se encheram de lágrimas. Talve ainda houvesse
alguma esperança.
— Pode mandá-lo entrar.
Minutos depois a porta se abriu e Rafael entrou com seu sorriso de
costume. E, após uma leve reverência, ele ergueu um belo buquê de flores.
— Milady.
Maddie forçou um sorriso, brigando com as lágrimas.
— Olá, Rafe.
Ele olhou-a por um momento, e então entregou as flores para o
mordomo, que se retirou para colocá-las na água.
— O que aconteceu? Você parece uma nuvem de chuva prestes a
desabar. — Rafael se sentou numa cadeira ao lado dela.
— Não é nada — Maddie murmurou, enxugando as lágrimas. — Acho
que estou feliz por ver você.
— Se sou tão querido, então por que abandonou a residência dos
Bancroft e minha ilustre companhia?
— Eu tive de fazê-lo.
— Entendo — ele disse, meneando a cabeça. — Bem, pode se abrir se
quiser, mas isso não fará muita diferença, pois não é comigo que você
precisa falar.
Maddie desviou o olhar.
— Não preciso falar com ninguém.
— Faça como quiser, Maddie. Eu não tenho a menor intenção de me
intrometer nessa confusão. Já tenho problemas suficientes.
— Como o quê? — ela perguntou inocentemente. Algo o preocupava
desde que ele chegara a Londres, mas até onde Maddie sabia, Rafael não
tinha contado a ninguém.
— Isso é algo que eu não tenho a intenção de lhe contar — ele
respondeu. — Mas vou lhe dizer uma coisa. Meu irmão sempre teve
alguém para planejar a vida dele, e nunca se importou com isso até o dia
em que conheceu você. Maddie, Quinlan não sabe como tomar uma decisão
sozinho. — Rafael tocou na mão de Maddie e se levantou. — E isso é tudo
que eu tinha para lhe dizer.
Maddie ficou ainda mais confusa do que já estava.
— Foi por isso que você veio aqui? Para me informar que não iria me
contar nada?
— Na verdade, vim convidá-la para cavalgar comigo no Hyde Park
amanhã de manhã. Acho que Quinlan tinha combinado com você, mas ele
está um pouco... preocupado, e por isso não virá.
— Então, você está cumprindo uma obrigação de seu irmão? — Maddie
perguntou, ofendida.
— Estou me aproveitando da estupidez dele. — Rafael piscou para ela.
— Passarei aqui às sete.
Maddie se levantou e se aproximou para lhe dar um beijo no rosto, mas
antes que ela pudesse completar seu gesto, Rafael virou o rosto, e os lábios
deles se tocaram. Surpresa, ela se afastou.
— Rafe?
— Você é muito atraente, Maddie — ele sussurrou e abriu a porta. —
Deus do Céu, meu irmão é um idiota!
— Rafe, Charles Dunfrey me pediu em casamento esta manhã — ela
falou, corando.
Ele fechou a porta novamente.
— E... — Rafael perguntou, seus olhos verde-claros brilhando de
curiosidade.
Era disso que Maddie gostava tanto em Rafael: ele não era tão maluco
quanto fingia ser. Ela se perguntava o que significava para Rafael ser o
segundogénito e ter o duque de Highbarrow como pai.
— Darei minha resposta a Dunfrey amanhã.
— Você irá ao baile dos Carrington, hoje à noite, não irá?
Maddie assentiu.
— Nos veremos lá, então.
Depois que Rafael saiu, a sala de repente parecia quieta e triste, e Maddie
se sentou perguntando-se por que havia contado a ele sobre o pedido de
Charles. Suspirou. A resposta era óbvia. Porque queria que Quinlan
soubesse, é claro. E porque, apesar de ter dito ao marquês para deixá-la em
paz e cumprir com suas obrigações com Eloise, ela ainda o amava.
Eloise estava em sua carruagem quando Rafael Bancroft saiu da casa dos
Willits. Com certeza, o maldito viera tentar convencer Maddie a voltar para
a casa dos Bancroft antes que Quinlan se esquecesse dela.
Bem, Maddie não iria retornar à mansão dos Bancroft. Dunfrey tinha
planejado tudo certinho, trazendo os pais dela para Londres antes que o
estúpido senso de honra de Quinlan pudesse arruinar tudo.
E de acordo com o bilhete que Dunfrey tinha lhe enviado esta manhã, o
plano estava indo muito bem. Mas ainda havia alguns detalhes que Eloise
preferia cuidar pessoalmente. Respirando fundo, fez um sinal para que o
cocheiro tocasse até a casa dos Willits.
Eloise aguardava no vestíbulo quando Maddie apareceu acompanhada de
uma senhora que, com certeza, era sua mãe.
— Maddie — Eloise a saudou calorosamente —, como estou feliz em
vê-la aqui de volta no seio da sua família. Nunca imaginei isso.
— Estamos honradas em receber a sua visita, lady Stokesley — disse a
senhora. — Eu sou lady Halverston, mãe de Maddie.
— Encantada — Eloise respondeu. — Sua filha se parece com a
senhora.
Lady Halverston deu um leve sorriso.
— Obrigada pelo elogio, lady Stokesley. Vamos entrar. — Ela indicou o
caminho para a sala de estar.
Parecia que Maddie era mesmo o par perfeito para Dunfrey, Eloise
pensou ao analisar a mobília de gosto duvidoso e ultra-passada.
— Não posso me demorar — ela disse, considerando com horror a idéia
de tomar um chá com a mulher. — Passei apenas para convidar Maddie
para um piquenique.
Maddie ficou desconfiada do convite.
— Bem, obrigada, Eloise, mas eu não...
— Vá, Maddie — lady Halverston interrompeu a filha. — Um pouco de
ar fresco vai lhe fazer bem.
Maddie hesitou, olhando para a mãe, e então respondeu:
— Está bem, vou apanhar o meu gorro. — Ela foi escada acima.
Capítulo VIII
Os comentários tiveram início antes da chegada de Maddie ao baile dos
Carrington. Quinlan ouvia tudo com espanto, quase sem poder acreditar,
enquanto Eloise conversava com um grupo de amigas, a uma certa
distância.
— Eloise? — ele disse ao se aproximar. — Não esperava que chegasse
tão cedo. Você está linda, como sempre.
Ela estendeu a mão para Quinlan beijar.
— Uma multidão é esperada para este baile e eu não queria ter de descer
pisando em lama e estrume de cavalo. — O grupinho de suas amigas riu.
— Bem, é a pura verdade, meninas!
Ele sorriu, sem-graça, e pôs a mão de Eloise em torno de seu braço.
— Gostaria de conversar com você. E valsar, depois, é claro. Isto é, se
você puder.
— Sempre poderei. Com licença, ladies. Meu futuro marido precisa
falar comigo em particular.
Os dois saíram pela imensa porta que dava para uma sacada, deixando
para trás um grupo de moças suspirando de inveja.
— Ah! — Eloise suspirou. — Enfim sós! — Ela olhou ao redor, então
segurou com as duas mãos o rosto de Quinlan e ficou na ponta dos pés para
beijá-lo.
Aquela era a primeira vez que Eloise demonstrava sentir algo por ele, e,
naquele momento, Quinlan não estava particularmente interessado.
— O que foi isso? — ele perguntou quando se separaram.
— Foi só para lembrá-lo de que o nosso casamento será mais do que
uma união de nomes e fortunas. Acho que você se esqueceu disso.
Recentemente, o ponto de vista de Quinlan a respeito do significado do
casamento havia mudado muito.
— Quando você decidiu isso? — ele perguntou.
Eloise tocou no rosto de Quinlan, parecendo não dar importância ao tom
frio dele.
— Oh, Quin. Nós nos conhecemos há muito tempo. As vezes acho que
teria sido melhor se nossos pais tivessem nos mantido separados até a
época de nos casarmos.
Ele concordou.
— Você preferia o elemento surpresa, suponho...
— Não exatamente. Às vezes, porém, me parece que você olha para
mim como se eu fosse sua irmã, e não sua futura esposa.
— Isso não é verdade, Eloise. Mas eu a considero uma amiga. — Ou
melhor, ele assim a considerava até alguns dias antes. — E sendo um
amigo, gostaria de uma explicação.
— Uma explicação sobre o quê?
Quinlan a encarou, tentando descobrir quando, exatamente, deixara de
pensar nela como o par perfeito. Provavelmente, no momento em que ele
havia posto os olhos em Madeleine Willits.
— Você foi a algum lugar com Maddie, hoje?
Eloise soltou as mãos de Quinlan.
— Estou tentando seduzi-lo, e você vem me perguntar de Maddie?
— Eloise, Maddie está em Londres por minha causa e eu sou o
responsável por ela. Tenho obrigação de...
— Não é responsável coisa nenhuma. Maddie é responsável por ela
mesma. Não foi você que a arruinou, Quin. Você não tem nada a ver com
isso.
Aquilo não era exatamente verdade.
— Tudo bem. Mas me conte o que aconteceu hoje.
— Nada aconteceu. Eu a convidei para um piquenique, com nós
havíamos combinado, e...
— Combinamos levá-la a um piquenique — Quinlan concordou. —
Com amigos em comum.
— Oh, Quin, você não percebe? Tem passado quase o dia todo ao lado
de Maddie. Você não a está ajudando ao acompanhá-la para toda parte.
Além do mais, tudo correu bem.
O marquês continuou olhando para Eloise em busca de qualquer sinal
que indicasse que ela não era tão dissimulada quanto ele estava começando
a acreditar que fosse.
— Não de acordo com os comentários que ouvi.
— O que você ouviu? — Eloise perguntou, encarando-o com ares de
inocência.
Talvez ela estivesse dizendo a verdade e de fato não soubesse nada sobre
os rumores. Mas, pela primeira vez, Quinlan duvidava da palavra de Eloise.
— Ouvi dizer que Maddie sugeriu a você e às suas amigas para irem
desfrutar a companhia de lorde Bramell e de Lionel Humphiries em um
local mais reservado — revelou Quinlan.
Eloise levou a mão à boca, mas a expressão em seus olhos não era de
surpresa.
— Nada disso aconteceu! John e Lionel estavam lá, é claro, mas quando
lady Catherine Prentice chegou, nós fomos ver o cachorrinho dela e
deixamos Maddie sozinha com eles por um minuto apenas. Ou dois.
— Você não a deveria ter deixado sozinha na companhia de dois
homens.
— Ela não quis ir conosco, Quin. Eu não podia arrastá-la comigo.
Ele se enfureceu. Maddie sabia melhor do que ninguém que não deveria
se expor a uma situação como aquela. Ficar sozinha, na companhia de dois
homens, era a coisa mais tola que poderia ter feito. E ela não era tola.
Longe disso.
Mas Eloise também não. Se as suspeitas de Quinlan estavam corretas,
sua noiva tinha muito que explicar.
— Apenas lembre-se, Quin, que em um mês você não poderá ficar
dizendo por aí que a pobre srta. Willits é sua responsabilidade. — Ela se
encostou nele.
— Eu sei. Acho melhor nós entrarmos, ou daqui a pouco os comentários
serão sobre nós.
Quinlan a conduziu de volta ao grupinho de amigas e passou um bom
tempo ao lado delas dividindo sua atenção entre a conversinha educada e o
salão de baile.
Finalmente, Maddie chegou acompanhada de seus pais. O coração de
Quinlan disparou assim que a viu em um glorioso vestido verde e cinza.
Ele a observou entrando no salão e cumprimentando as pessoas, e
imediatamente percebeu que ela não queria estar ali.
— Com licença — o marquês disse para quem estivesse escutando, e
saiu na direção de Maddie.
Rafael, fazendo uso de suas habilidades militares, chegou primeiro.
— Boa noite, minha querida. — Ele segurou a mão de Maddie. — Fico
feliz que você tenha vindo.
Quinlan conteve sua ira e parou ao lado dela. Não ficaria bem uma briga
dos irmãos Bancroft em pleno baile.
— Srta. Willits. — Quinlan sorriu, roubando a mão dela de Rafael e
levando-a aos seus lábios. — A senhorita está... maravilhosa.
— Obrigada, milorde — ela disse, fitando-o nos olhos. — Agora, solte a
minha mão.
Ele obedeceu, relutante. Parecia que fazia dias, e não horas, que não a
tocava.
— Podemos dançar uma valsa, mais tarde?
— Acho que não deveríamos — Maddie respondeu, olhando para a
mesa de bebidas.
— Mas eu acho que sim.
— Não.
— Sim. — Quinlan tinha a nítida sensação de que discutir com
Madeleine Willits era o mesmo que bater com a cabeça na parede. Ela era a
teimosia personificada.
— Melhor fazer o que ele está dizendo, Maddie — Rafael se
intrometeu. — Mas guarde uma valsa para mim também.
Ela sorriu para Rafael.
— É claro que guardarei.
Antes da valsa, no entanto, Quinlan teria de dançar uma quadrilha com
Eloise. Então, Rafael não perdeu tempo e tirou Maddie para dançar.
Enciumada por Maddie estar sendo alvo das atenções dos irmãos
Bancroft, Eloise não poupou seus comentários maldosos enquanto dançava
com Quinlan e observava o formoso casal.
—Rafael parece gostar muito de Maddie, você não acha, Quin? — ela
falou com um sorrisinho nos lábios. — Você acredita que seu irmão seria
capaz de pedi-la em casamento?
— Não — Quinlan respondeu, aborrecido, olhando para o sorridente
casal.
— Também creio que não. Sejam lá quais forem os padrões de Rafael,
seu pai não concordaria que ele se casasse com alguém como Maddie.
O comentário despertou a curiosidade de Quinlan.
— O que você sabe sobre os padrões de Rafael, Eloise?
— Oh, foi só uma especulação. Tenho de admitir, no entanto, que eles
formam um belo par.
Sim, eles formavam. Alto e musculoso, com os cabelos cor de trigo
levemente despenteados e um sorriso fácil, Rafael era mesmo muito bonito.
E Maddie, que naquela noite usava um tom de verde que realçava ainda
mais seus cabelos ruivos, estava maravilhosa.
— Quer dizer que você acha que ela não serve para se casar com um
nobre?
— Apesar dos seus esforços, meu querido, o que eu poderia dizer?
— Então, você está sendo gentil com ela apenas para me agradar?
— Eu gosto de Maddie, é claro — Eloise respondeu, sua expressão,
porém, indicando bem outra coisa. — Só acho que ela não está à altura dos
Bancroft.
— Se Maddie fosse tão rica ou tivesse uma origem mais nobre, então,
na sua opinião, ela serviria para se casar com Rafael?
— Você fala como se isso fosse algo ruim. Todos nós temos padrões a
serem mantidos, Quin. Sobretudo você.
— Sim, obrigado por me lembrar disso, Eloise.
Céus, ele percebia a cada minuto o quanto apreciava cada vez menos
Eloise, que fingia gostar de Maddie apenas para agradá-lo. Se ela tivesse
sido honesta desde o princípio, isso poderia ter colaborado ainda mais com
o sentimento de culpa que ele carregava. Mas Eloise optara por mentir, e
tudo indicava que havia sido a responsável pelos últimos escândalos que
envolveram o nome de Maddie. Talvez se Eloise tivesse agido diferente, as
coi¬sas poderiam ter tomado outro rumo. Porém as atitudes dela estavam
apenas facilitando sua escolha.
— Posso passar na sua casa, amanhã de manhã, Eloise?
— Claro que sim, meu amor.
Finalmente era chegado o momento da tão esperada valsa com Maddie.
— Senti sua falta — Quinlan disse, conduzindo-a para o salão de dança.
— Mas eu fui embora há apenas dois dias. E melhor você se acostumar
com a minha ausência. Não sou seu cãozinho de estimação.
Por mais que ela tentasse parecer relaxada, Quinlan percebia a tensão no
ar. Apesar de não gostar de ser a causa da dor de Maddie, não poderia
deixar de encorajá-la: pelo menos ela ainda sentia algo por ele. E se era
algo próximo ao que Quinlan sentia por Maddie, podia ter alguma
esperança.
— Você está mais para uma raposa selvagem — ele declarou, risonho.
Mas, em seguida, fechou o semblante para a pergunta que precisava fazer.
— Você vai se casar com Charles Dunfrey?
— Rafe lhe contou?
— É claro que sim, e você sabia que ele o faria.
— Como eu poderia...
— Você vai se casar com Dunfrey ou não? — Quinlan a interrompeu.
Maddie hesitou antes de responder.
— Com quem você planejava me casar quando me arrasto para
Londres?
— Droga, Maddie, por que nunca responde a uma pergunta?
Quinlan queria ficar bravo, mas sabia que seus encontros com ela
estavam com os dias contados.
— Tudo bem. Eu me rendo. Confesso que não pensei niss quando a
trouxe para Londres — ele admitiu. — Eu tinha uma vaga idéia de como
iria resgatar a sua reputação.
Maddie sorriu.
—- Meu cavaleiro de armadura — ela murmurou. — Bem, acho que já
fui salva.
— Não se case com Dunfrey, Maddie.
Ela hesitou.
— Por que isso agora?
Porque eu amo você, Quinlan pensou, mas continuou calado.
— Quin, eu não quero me casar com ele. Mas...
— Isso era tudo que eu precisava saber.
— Você me aborrece, sabia? Primeiro me arrasta para Londres a fim de
eu arranjar marido, e agora me pede para não desposar o único homem que
me pediu em casamento.
— Dunfrey não é o único homem que a pediu em casamento — ele a
lembrou carinhosamente. — E não é o homem com quem vai se casar. Você
vai se casar comigo.
Maddie abaixou o rosto.
— Eu gostaria... — ela disse, num tom muito triste. Quinlan desejava
beijá-la ali mesmo, na frente de todos.
— Você gostaria do quê?
— Não é nada. Só um desejo tolo — Maddie disse, ao mesmo tempo em
que a música chegava ao fim e todos aplaudiam.
— Às vezes os desejos se tornam realidade — Quinlan sussurrou e a
conduziu de volta para os pais.
Charles Dunfrey estava lá, esperando para dançar com Maddie, e o bom
humor de Quinlan desapareceu no mesmo instante. Cumprimentou seu
rival e, com uma última olhada em Maddie, se afastou. No dia seguinte, ele
acertaria aquela situação de uma vez por todas.
Quinlan estava à porta de saída de sua casa quando teve uma alegre
surpresa. Era a carruagem de tio Malcom que acabava de parar diante da
Whithing House. Ele foi correndo ajudar o querido tio a descer da
carruagem.
— O que o senhor está fazendo aqui? — Quinlan perguntou ao abrir a
porta do veículo. — Onde está a cadeira de rodas?
— Já posso andar, obrigado — Malcom respondeu, sorridente.
— Se é que se pode chamar isso de andar.
Com a ajuda do sobrinho, ele caminhou com dificuldade até o vestíbulo,
contando ainda com o apoio de uma bengala.
— O senhor parou na casa de meu pai, primeiro? Ou foi ver a Maddie,
antes?
— Quinlan, que tagarela você se tornou! — Malcom comentou com um
sorriso. — Aconteceu algo, rapaz?
Os dois se dirigiram para a sala de estar, e depois que seu tio se
acomodou, Quinlan recomeçou.
— O senhor sabe muito bem que aconteceu algo, e foi por sua culpa.
— Minha culpa? O que aconteceu por minha culpa?
— O senhor sabia que eu iria me apaixonar por Maddie. E pensei que a
tivesse mandado para Londres pelo próprio bem dela.
— Quinlan encarou o tio. Mas o sorriso do velho senhor não foi o
suficiente para acalmá-lo. — Bem, diga alguma coisa!
— Tudo que eu fiz foi para o bem de Maddie — Malcom declarou,
escolhendo as palavras com muita cautela. — Assim que soube que era
você o enviado de Lewis, percebi que aquela seria minha última chance de
ajudá-la a reingressar na sociedade.
Percebi também que eu poderia perdê-la. Mandar Maddie embora com
você não foi fácil, sabia?
— Bem, mas o senhor pareceu se esquecer de algo muito importante. Eu
estava noivo.
Malcom ergueu os ombros em desdém.
— Obviamente, você não esperava que eu cuidasse de todos os detalhes.
— Detalhes? — Quinlan indagou, aborrecido ao perceber que caíra na
armadilha do tio.
— Sim. Não vou dizer que não tenha passado pela minha cabeça a
possibilidade de você se apaixonar por Maddie, mas esse não era o meu
objetivo. Sempre gostei muito de você, Quin, porém percebi que estava
ficando igual a seu pai. Nesse caso, Maddie poderia ter afogado você de
verdade, em vez de apenas ter brincado com a idéia.
Quinlan se sentou em uma cadeira de frente para o tio, que tirou do bolso
uma folha de papel dobrada em quatro e a abriu lentamente. Era a carta que
Maddie tinha enviado a ele.
— Maddie enviou esta carta para mim, Quinlan. A maior parte do que
está escrito aqui não é problema seu, mas eu vou ler o que lhe diz respeito.
— Malcom levantou a folha e deu início à leitura.
— "Charles Dunfrey tem me visitado, e, embora eu duvide que possa
estar apaixonado como antes, pelo menos ele tem sido educado e
respeitador. Consi..."
— O maldito! — Quinlan resmungou, e Malcom olhou para ele.
— Quieto. "Considerando que Quinlan tem suas próprias obrigações, e
que eu não desejo lhe causar mais transtornos, talvez deixar tudo como era
possa ser uma boa solução para nós dois."
— Malcom ergueu os olhos do papel. — Ainda tem mais, mas
considerei este trecho muito preocupante.
Quinlan se levantou e começou a andar de um lado para outro. Ele sabia
que Maddie estava considerando a idéia de se casar com Dunfrey. mas
ouvir a confirmação era completamente diferente... Quinlan sentiu uma
vontade absurda de ir ao encontro dela e tomá-la em seus braços.
— Maddie não vai se casar com Dunfrey.
— O que você fará para impedir, Quinlan?
Ele olhou para o tio. Em seguida, caminhou na direção da porta.
— Espero que o senhor não esteja muito cansado para fazer uma visita
comigo. Sei de um lugar aonde gostaria de ir.
Maddie sentia que precisava muito de um aliado. Olhava para o pai,
tentando não encará-lo, tentando ser razoável, e tentando muito, mas muito
mesmo, não sair correndo pela porta da frente e ir ao encontro de Quinlan
na Whithing House.
— Você está me ouvindo, Maddie?
— Sim, papai, estou.
— Então, concorda em se casar com Charles?
— Ainda não me decidi — ela respondeu, sua calma já estava se
transformando em raiva.
— O que é agora? Está se achando muito boa para ele? — perguntou o
pai com sarcasmo, cruzando os braços sobre o peito.
— Eu não o amo.
— Você não o ama? Mas o que casamento tem a ver com amor? Acha
que eu amo sua mãe?
Maddie esperava sinceramente que Júlia Willits não tivesse escutado a
crueldade do marido.
— Sempre achei que sim, como sempre pensei que o senhor amasse
minha mãe. Ela é uma mulher de bom coração e não me-rece essa sua
indiferença.
— Júlia é muito mole com você.
A resposta que Maddie ia dar com certeza iria fazer com que seu pai a
chutasse para fora de casa novamente. Mas antes que ela pudesse abrir a
boca, Everett abriu a porta da biblioteca.
— Dois cavalheiros vieram lhe fazer uma visita, srta. Willits.
— Quem está aí? — lorde Halverston indagou.
— O sr. Malcom Bancroft e o marquês de Warefield.
— O sr. Malcom Bancroft? — Maddie gritou e saiu correndo, para
surpresa do pai e do mordomo.
Tio e sobrinho a aguardavam no vestíbulo.
— Sr. Bancroft... O senhor está de pé?!
— Mais ou menos — Malcom sorriu. — Como vai, minha querida?
Maddie se aproximou e se atirou nos braços de seu antig patrão.
— Estou tão feliz! — ela sussurrou, lágrimas escorrendo sua face. —
Tão feliz!
— Agora sim, esta é uma verdadeira recepção — Malcom de clarou.
— Eu gostaria de uma dessas, também. Maddie olhou para Quinlan e
sorriu. Ele viera vê-la.
— Obrigada por trazê-lo, Quin.
— Não há de quê — o marquês respondeu. — Mas tio Malcolm veio
sozinho para Eondres. Acho que ele está com medo de que você se case
com o homem errado.
— Oh, lorde Warefield — o pai de Maddie disse alegremente saindo da
biblioteca. — Que gentileza a sua vir visitar minha filha.
—E sempre um prazer, senhor—Quinlan respondeu, trocando um aperto
de mão com Halverston. — Gostaria de lhe apresenta meu tio, o sr.
Malcom Bancroft. Tio, o visconde de Halverston.
— Ouvi falar muito do senhor — Malcom disse sem ser muito
específico.
— Gostaria de dizer o mesmo — respondeu o visconde, olhando para a
filha.
Maddie podia adivinhar o que seu pai estava pensando, que ela tivera
algum tipo de relacionamento sórdido com Bancroft. O visconde parecia
pensar isso sobre todos os cavalheiros que a filha mencionava. E havia
muito tempo ela já tinha concluído que realmente não se importava mais
com o que ele pensava.
— Srta. Willits, será que eu poderia ter uma palavra em particular com a
senhorita? — Quinlan indagou, cheio de cerimônias. — Minha mãe pediu
que eu lhe transmitisse um recado.
— É claro — Maddie respondeu, tentando disfarçar a emoção e
indicando o caminho da biblioteca.
Com o pai dela parado no corredor, eles não poderiam fechar
a porta, mas Quinlan a levou para o canto mais remoto da biblioteca,
perto de uma janela.
— Como vocês dois estão indo? — ele perguntou, acariciando-lhe o
pescoço.
Maddie fechou os olhos quando os lábios de Quinlan tocaram os seus.
Estava sentindo muita falta dele.
— Como se eu nunca tivesse saído de casa.
Quinlan sorriu.
— Que pena.
— Sim. — Maddie suspirou. — Mas você não veio aqui para perguntar
isso.
— Não exatamente. Na verdade, vim lhe perguntar quais são os seus
sonhos.
Confusa, Maddie se virou de costas para o marquês, que lentamente
deslizou os braços em torno de sua cintura, puxando-a de volta para ele.
— Não costumo sonhar — Maddie disse. Quinlan estava dificultando as
coisas, e ele sabia disso.
— Não posso acreditar. Todos têm sonhos.
Ela meneou a cabeça e aos poucos foi relaxando.
— Você já sabe, Quin.
Ele a abraçou com mais força.
— Pois saiba que o seu sonho se tornará realidade, Maddie.
Era muito fácil se deixar levar pelo momento e fingir que seria para
sempre. Maddie se endireitou e o fitou.
— Quin, pare...
Os olhos de Quinlan se encontraram com os dela, e a olharam com uma
profundidade jamais alcançada por nenhum outro. Naquele momento
Maddie soube que não iria se casar com Charles Dunfrey. Graças a
Quinlan, ela sabia o que era amar alguém.
Ele sorriu e perguntou:
— No que você está pensando?
Maddie ficou na ponta dos pés e o beijou; então, a voz de seu pai ecoou
no corredor e os dois se afastaram.
— Você já falou com Eloise?
— Eu ia sair para ir procurá-la, quando tio Malcom chegou. Mas irei
assim que o levar de volta para Whithing House. Dunfrey já procurou
você?
— Não.
Quinlan respirou aliviado.
— Preciso lhe contar uma coisa. Então, foi a vez de Maddie ficar aflita.
— Vamos... conte logo.
— Mesmo que você decida não se casar comigo, existe algo sobre
Charles Dunfrey que precisa saber.
— Você não vai espalhar mexericos, vai? — ela perguntou, provocando-
o. Quinlan não ousaria mentir sobre Charles só para convencê-la a não se
casar com ele. Não agora.
— O que vou lhe contar é verdade, Maddie. Descobri algo a respeito das
finanças de Dunfrey que acho que você deveria saber. Ele está...
— Ele está o quê, Warefield? — Aquele era o tipo de com-portamento
que Maddie esperava dos outros membros da nobreza, mas não de Quinlan.
— Que ele não é tão rico quanto você? Acho que não é mesmo. Mas quem
seria?
— Maddie, você está entendendo tudo errado. Ela o encarava com um
olhar furioso.
— Então, por que o senhor não me explica, milorde?
— Estou tentando. Dunfrey está a um passo da falência, Maddie. Sem o
seu dote, ele irá para a prisão. Estou preocupado...
— Que Charles queira se casar comigo por dinheiro? — Ela estremeceu,
profundamente magoada. — O que você esperava? Que ele estivesse pobre
e que ainda se casasse comigo por amor? Quem seria estúpido o suficiente?
— Maddie...
— Obrigada, milorde, o senhor me ajudou muito. Agora, vá se casar
com Eloise e me deixe em paz. — Lágrimas desciam por seu lindo rosto.
Quinlan ainda tentou se explicar, mas ela não lhe dava ouvidos.
Será que eles nunca iriam chegar a um acordo? Maddie não estava
facilitando as coisas, como sempre.
Na Whithing House, Rafael aguardava ansiosamente pela chegada de
Malcom. Os dois tinham muito que conversar sobre o marquês de
Warefield e sua obsessão pela teimosa, impossível... encantadora, geniosa e
inteligente moça que não passava de confusão certa. E que havia sido a
melhor coisa que acontecera em toda a vida de Quinlan.
O marquês, enquanto isso, seguiu para a casa de Eloise, e não ficou nem
um pouco aborrecido quando foi informado pelo mor-domo de que ela saíra
para fazer compras com uma amiga. Melhor assim, pois ele não teria de
encarar outra discussão.
Mas quando estava voltando para casa, algo lhe ocorreu: Dunfrey iria
visitar Maddie naquele dia. Se ele o fizesse, e ela ainda estivesse zangada o
suficiente, não fazia idéia do que Maddie seria capaz. Quinlan seguiu para
a própria casa ainda mais aborrecido. As coisas pareciam estar fugindo
cada vez mais ao seu controle.
Ao entrar na sala de estar, deparou com Rafael e Malcom jogando
xadrez.
—Rafe, vá visitar Maddie — Quinlan ordenou, tirando as luvas e
jogando-as para o irmão. — Aristóteles está aí fora.
— Só um momento — seu irmão disse, apanhando as luvas. — Sou um
capitão do exército do rei. Não recebo ordens de você. Muito menos sou
seu garoto de recados. — Ele jogou as luvas de volta para Quinlan. — Vá
você mesmo. E não tente me seduzir com o cavalo.
— Pensei que você gostasse dela.
— Eu gosto. O suficiente para não participar dessa bobagem.
Quinlan franziu o cenho.
— Que bobagem? Rafael se levantou.
— Desconheço o que está acontecendo entre vocês dois, mas sei que se
você não cuidar disso, eu cuidarei. — Ele se dirigiu para a porta.
— O que quer dizer? — Quinlan perguntou friamente.
— Pense o que você quiser pensar. — Rafael falou por sobre o ombro e
saiu pela porta da frente.
Rafael não voltou mais, porém mandou um bilhete para avisar que
passaria a noite na casa dos pais. Ao lado de um desenho de um coração,
ele escreveu: "Ela disse 'não'."
Quinlan achou melhor mesmo que o irmão não tivesse vindo dar as
notícias pessoalmente, pois as suspeitas de que Rafael estava interessado
em Maddie aumentavam a cada dia, e isso o aborrecia demais.
O marquês passou a noite andando de um lado para outro, lutando contra
a enorme vontade de correr para a casa dos Willits. Mas a única coisa que o
impedia era que ainda não tinha posto um fim ao seu noivado com Eloise, e
Maddie saberia assim que olhasse para ele.
Quando, então, algo lhe ocorreu: Eloise havia resolvido recorrer à
falsidade para assegurar seu noivado. Ele poderia fazer o mesmo para
conseguir exatamente o oposto. Quinlan sorriu. Com Eloise ocupada com
ele, ela não teria tempo para arrumar confusão para Maddie até o dia do
baile no Almack. Passado o tão esperado baile, Maddie estaria com o nome
limpo e eles finalmente poderiam ficar juntos.
Sentada em sua cama, Maddie olhava para o vestido cor de marfim que
estava estendido sobre a colcha. Os dez dias tinham passado rapidamente,
ela mal podia acreditar. E depois daquela noite no Almack, tudo estaria
terminado.
Rafael a visitara todos os dias, assim como o sr. Malcom Bancroft, e,
para surpresa de todos, até mesmo a duquesa de Highbarrow lhe dera a
honra de sua visita. De Quinlan, no entanto, nenhum sinal.
Maddie mal conseguia dormir ou comer. Se ela fosse a mulher que seu
pai gostaria que fosse, colocaria seus sentimentos de lado e informaria a
Charles Dunfrey que havia mudado de idéia e que aceitava se casar com
ele.
Mas casar sem amor e com alguém que não fosse Quinlan Bancroft era
impensável. Depois da discussão que tiveram, contudo, o marquês
aparentemente resolvera ignorar sua existência, voltando-se para Eloise e
cuidando dos preparativos do casamento. Maddie fingia que não se
importava, mas parecia que todos com quem ela se encontrava tinham
acabado de ver Quinlan cinco minutos antes, e sempre na companhia de
Eloise Stokesley.
Rafael tentou justificar o comportamento do irmão com um "ele precisa
manter as aparências". Na verdade, Maddie sabia que ele e Quinlan não
estavam se falando e que Rafael se mudara de novo para a mansão dos
Bancroft.
Ela odiava ser a causadora de tanta dor e angústia. Mas depois daquela
noite, os Bancroft não seriam mais obrigados a aturar a sua presença, e ela
teria cumprido com a promessa que fizera a Malcom. E o melhor, ou pior,
de tudo era que poderia voltar para Langley. A idéia não seria tão difícil de
aceitar se ela con¬seguisse parar de pensar nos beijos e na risada de
Quinlan, em suas carícias e...
Uma hora depois, quando Maddie desceu a escadaria, todos disseram que
estava maravilhosa, exceto seu pai, que não lhe dirigia a palavra desde o
dia em que ela dissera "não" a Charles.
— Podemos ir, Maddie? — sua mãe perguntou. — A duquesa vai nos
encontrar no Almack.
— Sim, estou mais do que pronta.
Apesar de suas palavras imbuídas de bravura, a carruagem ia mais rápido
do que ela desejava.
No Almack, não apenas a duquesa as aguardava, mas Rafael e Malcom
também. Ali havia centenas de convidados, todos prontos para verem e
serem vistos no restrito e selecionado círculo. Mas o coração de Maddie
realmente disparou quando ela viu Quinlan dançando com Eloise Stokesley.
Então, talvez até tivesse uma chance de falar com ele, nem que fosse pela
última vez.
— Maddie — a duquesa murmurou num tom de repreensão —, pare de
olhar para meu filho.
Ela teve um sobressalto.
— Eu estava olhando? — indagou, trêmula.
— Sim, estava. E parece que agora é ele quem a está encarando.
— Meu filho costumava ser mais discreto. Acho que você foi uma má
influência para ele.
Apesar das palavras, a duquesa não demonstrava estar brava. Na verdade,
parecia muito feliz.
Quinlan não conseguia tirar os olhos de Maddie, pois o desejo de
presenciar seu triunfo era por demais forte. Depois daquela noite, ela
poderia ir embora. Mas, se ele cometesse um único erro, tudo estaria
perdido para sempre. E isso, Quinlan tinha certeza, o mataria.
— Quin, pensei que você tivesse superado aquela mulher — Eloise
murmurou.
— Não seja tola, Eloise — ele respondeu secamente, voltando-se para a
sua noiva. — E que o sucesso dela tem um pouco da influência dos
Bancroft, você não acha?
Eloise deu uma olhada para Maddie.
— Acho que sim, mas somente porque você tornou isso possível. Não
precisava ter se envolvido nessa história.
— Não teria sido honroso de minha parte. — Quinlan arriscou outra
olhadela em Maddie, que desfilava, maravilhosa, pelo salão ao lado de sua
mãe.
A orquestra começou uma valsa. Em seus sonhos, Quinlan se via
dançando com Maddie. Mas, em vez dele, era Rafael que a estava tirando
para dançar.
— Seu irmão não perde uma oportunidade de ficar ao lado de Maddie,
não é? — Eloise apontou. — Dança comigo, meu amor?
— É claro.
Eles dançaram a valsa. Em seguida, Quinlan dançou uma quadrilha com
sua mãe. Após uma seleção inteira, finalmente outra valsa.
— Esta é minha, eu espero — Quinlan murmurou, chegando por trás de
Maddie.
Ela levou um susto e se virou.
— É claro, milorde. — As maçãs de seu rosto coraram, e os olhos
brilhavam enquanto ele a conduzia à pista de dança.
— Parabéns — Quinlan disse, sorrindo. — Você é um sucesso.
— Como poderia ser diferente com a duquesa de Highbarrow ao meu
lado? — Maddie sorriu. — Rafael disse que quando Sua Alteza decide
fazer algo, ninguém a faz mudar de idéia.
— Você tem visto muito Rafe ultimamente, não tem? — ele perguntou,
sem conseguir esconder o ciúme.
O sorriso de Maddie esvaeceu.
— Eu vejo quem vem me visitar. Você tem estado ocupado com outros
assuntos. — Maddie olhou na direção de Eloise.
— Sim, eu tenho, graças a você.
— Eloise não é minha culpa. Você é que sai pedindo todo o mundo em
casamento.
— Eu não faço isso!
Maddie o encarou.
— Não vou condená-lo por estar fazendo a coisa certa, Quin.
— Casar com Eloise não é a coisa certa. E foi exatamente por isso que
eu a mantive ocupada durante os últimos dez dias.
A expressão desconfiada de Maddie despertou nele uma imensa vontade
de rir.
— O que você quer dizer com "eu a mantive ocupada"? Ela é sua noiva.
— Recentemente, descobri que não gostava mais da idéia de me casar
com Eloise — Quinlan declarou com suavidade, abraçando-a com tanta
força como se eles não estivessem onde estavam. — E concluí que
enquanto ela estivesse ocupada com os preparativos do casamento, não
teria tempo para armar nada contra você.
— Tão cavalheiro!
— Acho que sim.
— E o seu cavalheirismo se estenderá até o altar da abadia de
Westminster, em duas semanas?
Agora, a voz de Maddie denunciava o ciúme.
— Não vou me casar com Eloise — ele sussurrou. — Eu amo você.
Maddie tropeçou no pé dele, e com um sorriso Quinlan a puxou contra o
seu peito para que ela pudesse retomar o passo.
— Você está bem? — ele perguntou, sentindo-se muito mais confiante
do que estava momentos antes.
— O que... você disse? — O rosto de Maddie estava branco feito cera.
— Eu disse que amo você. Isso é tão surpreendente assim?
— Bem... sim... Quin. Você não pode me amar. Você está noivo de
Eloise.
— Somente até amanhã. Depois deste baile, ela não poderá mais atingir
você, e então poderei romper esse noivado ridículo.
Maddie sorriu, seus olhos brilhavam.
— Não posso acreditar.
— Mas é a pura verdade. E começo a pensar que é impossível não amar
você.
— A sua opinião não é geral. — Ela respirou fundo. — Você não
deveria ter me dito isso, Quin. Amanhã colocará a cabeça no lugar e tudo
voltará a ser como antes.
— Fique comigo esta noite, Maddie — ele murmurou. — Amanhã será
outro dia.
— Mas Eloise...
— Eu não quero Eloise. Quero você.
— Isso não é nada honrado — ela disse num vacilo. Quinlan notou o
desejo na voz de Maddie, e era tudo de que precisava.
— Por favor, Maddie, eu quero você.
— E onde o senhor acha que poderemos fazer isso, lorde marquês? Nós
vamos nos trancar em uma biblioteca? Oh, meu querido, nós já fizemos
isso!
Ele riu.
— Na verdade, foi na sala de estar. Quando esta música terminar, você
me segue.
Assim que a valsa acabou, Quinlan saiu, com Maddie logo atrás. Pouco
depois, os dois estavam na penumbra da sacada e ele tentava beijá-la,
porém Maddie o empurrou.
— O que foi agora? — Quinlan perguntou.
— Foi exatamente assim que o canalha do Spencer agiu. Não quero ser
apanhada aos beijos numa situação suspeita. Não depois da noite de hoje,
quando finalmente limpei meu nome.
— Você está muito assustada, meu amor. Ninguém vai nos apanhar
aqui.
Insegura, Maddie olhou ao redor e, por fim, acabou cedendo ao desejo
que a consumia. E Quinlan correspondeu a todas as expectativas dela com
um beijo mais que ardente.
— Oh, Quin, isso é bom... — Maddie relaxou nos braços dele. Uma
chama ardia dentro de Quin.
— Precisamos fazer algo, pois estou me sentindo desconfortável.
— Mas aqui?
Ele foi até a balaustra e olhou para o jardim que se estendia abaixo. A
treliça de uma trepadeira subia ao longo da parede.
— Já sei. — Ele apontou para uma janelinha escura logo acima de onde
estava. — O sótão.
— Você está louco, Quin! No sótão do Almack?
— Eu subo primeiro.
— Não vou subir com este vestido. Vai acabar rasgando.
Ele sorriu docemente.
— Acho que não será a primeira vez que rasgamos um vestido seu, meu
amor.
— Está bem, suba pela treliça, que eu irei logo atrás.
Quinlan subiu com facilidade. Por sorte a janela estava destrancada e ele
conseguiu entrar sem problema. Olhou para baixo e viu Maddie tentando
subir, apesar de estar enfrentando algumas dificuldades.
— Você tem medo de altura? — perguntou quando ela já tinha
conseguido entrar no cômodo escuro.
— Não acredito que estou fazendo isso — Maddie segurou com firmeza
na mão dele. — Acho que fiquei louca mesmo.
Quinlan fechou-lhe a boca com um beijo profundo. O sótão era um
depósito de móveis protegidos por lençóis. Quinlan descobriu uma mesa,
removeu o lençol empoeirado, ergueu Maddie pela cintura e a acomodou
em cima da peça de carvalho polido.
— Quin, não podemos fazer isso— ela disse tentando se esquivar das
carícias que ele fazia ao longo de seu pescoço.
— Eu quero ficar com você.
— Eu também, mas...
Quinlan se afastou apenas o suficiente para fitá-la nos olhos.
— Você não se casará com outra pessoa que não seja eu. E eu não me
casarei com Eloise.
— Não mesmo?
— Não mesmo. — Ele se inclinou para tocar no tornozelo de Maddie, e
então deslizou a mão ao longo da perna, levantando-lhe a saia. Em seguida,
abaixou-se para beijar a coxa exposta.
— Mas o que a sua família vai dizer, Quin?
— Contarei a eles amanhã. — Faminto, buscou-lhe a boca, e Maddie
gemeu quando ele tocou num local bem íntimo entre suas pernas.
— Mas, e...
— Chega de perguntas — Quinlan murmurou.
Seja lá o que fosse que ela pretendia perguntar, ficou ocupada demais
para se lembrar. Quinlan colocou as pernas de Maddie ao redor de seus
quadris.
Ela soltou a camisa dele da calça, e suas mãos puderam passear
livremente pelo corpo másculo, livrando em seguida uma parte que lhe
interessava muito. Quinlan gemeu e a penetrou lentamente, deliciando-se
com o calor do corpo feminino.
A cabeça de Maddie pendeu para trás e, com ambas as mãos, ela se
segurava em torno do pescoço dele. Quinlan agarrou-lhe as nádegas,
trazendo-a para mais perto. Ele desejava guardar em sua memória todos os
detalhes daquela noite maravilhosa: a lua que brilhava através da janela, o
som da orquestra ao longe, o perfume de Maddie e o brilho de seus olhos
quando os dois chegaram, juntos, ao clímax.
— Bem, acho que você me desonrou novamente — Maddie disse, ainda
ofegante.
— Parece que isso está virando rotina — ele concordou. — Eu amo
você, Maddie, desde o primeiro momento em que a vi.
— O que vamos fazer agora?
Quinlan sorriu.
— Vamos descer pela treliça. Em seguida, iremos para casa. Amanhã de
manhã falarei com meus pais, depois com Eloise, e então, com você. Você
é tudo que eu quero, Maddie, nada mais me importa.
— Nem mesmo a sua família ou a sua honra ou seu título? E se seu pai
deserdar você?
Quinlan segurou-lhe as duas mãos e as colocou sobre o próprio peito.
— Vejo-a amanhã de manhã. Confie em mim.
A descida se revelou bem mais fácil e Maddie foi a primeira a entrar no
salão. Quinlan esperou alguns minutos e, em seguida, foi a vez dele.
Aparentemente, ninguém notara a falta dos dois. Até que Maddie sentiu
uma certa mão segurar seu braço com força.
— Por onde você andou? — lady Halverston perguntou rispidamente.
— Fui tomar um pouco de ar.
— Não deveria ter demorado tanto. Com a sua reputação, as pessoas
podiam pensar que você estivesse fazendo outras coisas.
Maddie livrou seu braço.
— Não se preocupe, mamãe. Eu não vou embaraçá-la novamente.
Ela se virou e viu Rafael. Ele estava esplêndido em seu uniforme de gala,
recostado contra a parede, segurando um cálice de vinho do Porto e
olhando-a diretamente. Depois de um bom tempo, ele se endireitou e foi até
o bar para apanhar um cálice para o irmão.
Maddie respirou fundo. Rafael sabia que algo havia acontecido entre
ela e Quinlan. E tudo que podia fazer agora era rezar para que ninguém
mais soubesse.
Capítulo IX
Quinlan levantou-se cedo na manhã seguinte e foi direto para a casa de
seu pai.
— O que você quer dizer com Sua Alteza saiu cedo? — ele perguntou
ao mordomo. — Enviei um bilhete para ele, ontem, marcando nosso
encontro.
O mordomo concordou.
— Eu mesmo entreguei o bilhete, milorde, e vi quando Sua Alteza leu.
— Ele disse para onde ia?
— Não, milorde.
Bem, por menos que Quinlan gostasse da idéia, só lhe restava sentar e
esperar pelo pai.
— A duquesa está?
— Também não, milorde. O marquês franziu o cenho.
— E quanto a Rafe?
— Saiu para cavalgar, milorde.
— Está bem, vou esperar na sala de estar.
— Milorde, lady Stokesley se encontra na sala de estar.
— Esperando por quem? Por meu pai?
— Foi isso que ela disse, milorde.
Quinlan caminhou pelo longo corredor e parou diante da porta
entreaberta da sala de estar. O certo seria falar primeiro com o pai antes de
acertar tudo com Eloise, mas a curiosidade de saber o que ela estava
fazendo ali, logo cedo, era muito maior do que o bom-senso.
Ele respirou fundo e abriu a porta.
— Eloise, bom dia! Não esperava encontrá-la tão cedo. Ela teve um
sobressalto e se levantou.
— Posso dizer o mesmo sobre você, Quin.
— Eu ia mesmo procurá-la — ele disse. — Mas você me poupou a
viagem.
— Estou curiosa, meu amor. Posso saber o motivo? Quinlan se sentou,
observando cuidadosamente a expressão de Eloise.
— Eloise, você acredita no amor?
Ela ergueu uma sobrancelha, desconfiada.
— Era sobre isso que você queria falar comigo? E claro que acredito.
— Ótimo. Eloise sorriu.
— Por que é ótimo?
— Porque isso significa que você irá entender por que estou
desmanchando o nosso noivado.
— O quê!? — Ela quase teve um colapso.
— Eu não posso me casar com você — Quinlan explicou calmamente.
— O que você quer dizer com isso? Nós nos casaremos em duas
semanas. Os convites até já foram entregues.
— Eu sei. É muito deselegante de minha parte.
— Muito deselegante... E só isso que você tem a dizer? — Eloise se
levantou, furiosa.
— Bem, isso depende de você. — Quinlan estava prestes a colocar para
fora toda a raiva que guardara havia semanas. — Se você se for agora, tudo
terminará assim. Mas, se ficar, eu poderei me explicar melhor.
Ela se sentou.
— É Madeleine Willits que está por trás disso, não é?
— Posso lhe garantir que não. O fato é que descobri...
— Foi seu maldito irmão, então! — Eloise o interrompeu, furiosa. —
Vou matar aquele desgraçado!
Quinlan ficou muito surpreso com a inusitada reação dela.
— Por que Rafael iria se intrometer no nosso noivado, Eloise?
— Se não foi ele, o que você descobriu, então?
— A verdade, Eloise, é que percebi que você é falsa e mentirosa, e eu
não quero passar o resto da minha vida ao lado de uma pessoa que não me
inspira confiança.
O rosto de Eloise ficou pálido.
— Como você ousa falar comigo desta maneira, Quinlan? O marquês se
levantou.
— O jogo acabou, Eloise. Cansei de ser manipulado pela minha família,
e, de agora em diante, farei apenas o que o meu coração mandar.
— Meu Deus, Quin! Não posso acreditar! Você já contou para seu pai?
— Ainda não. Mas o farei assim que ele voltar.
Ela respirou, aliviada, e se sentou novamente.
— Bem, assim é melhor. Nem tudo está perdido. — Eloise olhou para a
janela e depois para Quinlan. — Escute, Quin, eu gosto de você e entendo a
sua atração por aquela mulher. Sugiro que a torne sua amante, case comigo
e cumpra com o seu dever de filho. Eu não me importo, desde que seja
discreto.
— Sugiro que você nunca mais fale nesse tom a respeito de Maddie,
Eloise. Agora, saia daqui, antes que eu a jogue na rua.
Com dignidade e mãos trêmulas, lady Stokesley rumou para a porta de
saída. No vestíbulo, ela ainda teve tempo de escrever um bilhete e pediu
que um lacaio o entregasse imediatamente na casa do sr. Dunfrey.
Quinze minutos depois, sua carruagem passava pelo quase de-serto Hyde
Park; alguém fez sinal para que parasse. Quando a porta se abriu, Eloise
deparou com Rafael.
— Bom dia, prima! — ele a saudou com um sorriso e entrou na
carruagem.
— Saia daqui! — Eloise gritou.
Rafael se sentou ao lado dela, deixando-a totalmente acuada.
— Para quem era o bilhete? — ele perguntou, o ódio reluzindo em seus
olhos verdes.
Rafael estava chegando em casa quando tinha visto a prima entregar o
bilhete ao lacaio e, em seguida, entrar em sua carruagem. Seu instinto lhe
sugerira que havia algo de estranho na atitude dela. Sem perder tempo, ele
montara em Aristóteles e saíra atrás de Eloise, antes que ela pudesse
cometer mais uma de suas maldades.
— Não sei do que está falando, Rafe. Agora saia daqui, ou vou contar a
Quinlan o que você fez.
— Eu vi você entregando o bilhete. — Ele segurou no braço da prima.
— Guardei segredo até hoje, Eloise, por meu irmão. Mas ele não a quer
mais, não é? Portanto, no momento em que eu quiser, posso contar a
Quinlan sobre a nossa rápida aventura.
— Não sei do que você está falando.
— Aquela, seis anos atrás, quando eu mencionei que a tinha visto com
Patrick Oatley. Então, para me manter calado, você fez o mesmo comigo.
Você é boa de cama, Eloise. Deve ser muito experiente.
Ela tentou se esquivar.
— Eu nunca quis você, seu porco! Rafael sorriu.
— Mentirosa! — Torceu o braço de Eloise. — Agora diga logo o que
estava escrito no bilhete e para quem era.
— Você está me machucando!
— Vamos, diga logo, ou vou jogá-la sem roupa no meio do parque.
Eloise sabia que ele teria coragem de cumprir a ameaça. Mas, àquela
altura, Dunfrey já devia ter lido o bilhete e Rafael não teria tempo para
fazer nada.
— Enviei o bilhete para Charles Dunfrey!
- O que estava escrito? — Ele rasgou uma das mangas d-vestido dela.
— Está bem. Ofereci cinco mil libras para Dunfrey sumir com Maddie
Willits!
— Sua bruxa vagabunda!
Rafael desceu apressado e seguiu para a residência dos Willits.
Maddie ainda não tinha terminado de tomar o café quando o mordomo
anunciou que o duque de Highbarrow a estava aguar-dando na sala de estar.
Ela respirou fundo e decidiu encarar a situação de frente.
— Ordinária! — o duque resmungou, dando início à conversa, quando
Maddie entrou na sala.
— Bom dia, Vossa Alteza — ela respondeu educadamente.
— Quanto você quer para sumir de Londres? — ele perguntou, parado
ao lado da janela e encarando-a.
Na ausência de uma resposta, o duque explicitou os termos de sua oferta.
— Que tal dez mil libras? Isso é suficiente para você se afastar de meu
filho?
Dez mil libras significariam a independência de Maddie pelo resto de sua
vida, e em alto estilo.
— Oferta recusada, Vossa Alteza. Agora, se o senhor fizer o favor de se
retirar...
— Garota insolente! — Ele jogou um exemplar do London Times em
cima da mesa.
Maddie olhou para o jornal e, à medida que lia, todo o sangue de seu
corpo parecia confluir para o rosto. Uma grande manchete anunciava o
casamento do marquês de Warefield com lady Stokesley. No texto da
matéria, constavam os nomes dos pais do noivo e da noiva, o dia, a hora e o
local da cerimónia. Entorpecida, ela percebeu que o duque havia
conseguido assegurar a abadia de Westminster.
— Isso é o futuro do meu filho, sua mulherzinha insignificante! Você
nunca estará à altura de Quinlan!
O duque a encarava, e tudo que Maddie conseguia fazer era continuar
olhando para a página do jornal e pensar que perdera Quinlan para sempre.
Sua Alteza estava certo. Quinlan pertencia a outra pessoa, e se ele tentasse
mudar isso agora, o escândalo seria três vezes maior do que o dela, cinco
anos antes. Lentamente, tremendo, Maddie sentou-se no sofá.
— Ouça, mocinha. Tudo que precisa fazer é ir até a minha casa e
mandar me chamar pela porta dos fundos. Se você estiver com as malas na
mão, eu lhe darei o dinheiro. Minha oferta é só até o pôr-do-sol. Depois
disso, você não receberá nada. Fui claro?
Maddie não respondeu, e o duque foi embora mesmo assim, deixando-a
sozinha na sala com o jornal. Realmente havia acreditado em Quinlan
quando ele dissera que a amava e que iria se casar com ela.
Maddie subiu para o seu quarto e preparou uma pequena valise. Antes de
sair, escreveu um bilhete para quem se interessasse em ler.
Em seguida, desceu a escada, antes que os outros membros de sua família
despertassem. Mas, ao colocar os pés na rua, a primeira pessoa que ela
encontrou foi Charles Dunfrey, dentro de sua carruagem.
O veículo parou ao lado de Maddie, e Charles abriu a porta.
— Maddie? Eu vim lhe fazer uma visita.
— Desculpe, Charles, mas estou com pressa.
— Aconteceu algo?
— E uma longa história. Preciso fazer uma viagem de última hora.
— Eu posso lhe dar uma carona.
Maddie olhou ao redor na rua. As pessoas começavam a sair de suas
casas, e a qualquer momento seus pais leriam o bilhete e viriam atrás dela.
— Você poderia me levar para a estação de trens?
— Farei mais do que isso — Charles desceu e a ajudou a subir na
carruagem. — Para onde quer ir?
Ofegante, ela se sentou.
— Para qualquer lugar. Para Dover.
Charles Dunfrey e fez um sinal para que o cocheiro tocasse.
— Eu já estava indo atrás do senhor — Quinlan disse ao se encontrar
com o pai, que acabava de entrar no vestíbulo.
O duque olhou-o de relance, então seguiu em frente.
— O que você quer?
— Enviei um bilhete ao senhor ontem, lembra?
— Tive de cuidar de um assunto. — Quinlan seguiu o pai até a
biblioteca.
— O senhor poderia falar comigo agora?
— Na verdade, não.
O marquês entrou mesmo assim na biblioteca, fechou a porta e se
encostou nela.
— Só levarei um minuto.
Sua Alteza se virou para encarar o filho.
— Pensa que não eu sei que tipo de bobagem você está planejando?
— Não considero isso uma bobagem — Quinlan respondeu em sua
defesa, e ainda tentando manter um tom razoável.
— Quinlan Ulysses Bancroft — seu pai disse, numa voz
inesperadamente calma. — Você será o décimo segundo duque de
Highbarrow. São doze gerações de tradição, Quinlan. Pensa que nenhum de
seus ancestrais nunca se envolveu com uma pessoa inadequada?
— Não dou a mínima importância para isso, pai — Quinlan foi direto.
— Eu amo Maddie Willits. E vou desposá-la, se ela me aceitar.
— E você sabe o que significaria isso? Uma tremenda vergonha para
toda a família. Dei minha palavra ao conde de Stafford. Quinlan cruzou os
braços.
— Eu não dei a minha. — O marquês concluiu que não adiantaria
continuar discutindo com o pai. Sua decisão já estava tomada e isso era o
suficiente para ele. — Eu só queria lhe informar que vou me casar com a
mulher que amo.
— Só se essa mulher for Eloise Stokesley.
Quinlan, que já estava abrindo a porta, parou e se virou.
— O que o senhor quer dizer com isso?
— Já tomei as minhas providências.
De repente, a calma do duque começou a fazer sentido, e Quinlan ficou
muito alarmado.
— Onde, exatamente, o senhor esteve esta manhã?
— Estive cuidando dos interesses da nossa família. — O duque se
sentou atrás de sua escrivaninha e puxou alguns papéis, indicando que a
conversa tinha terminado.
Quinlan o encarava.
— Se o senhor fez algo, qualquer coisa, para ferir Maddie, eu...
— Você o quê, Quinlan? — o duque perguntou, sem se dar ao trabalho
de erguer os olhos do papel que estava lendo.
O marquês, porém, não se encontrava mais ali para responder, e Sua
Alteza teve certeza de que o filho tinha ido atrás daquela mulher. Mas ele
estava certo de que Madeleine Willits não resistiria à sua oferta irrecusável.
Dez mil libras pagariam pelo seu sossego.
Quando Quinlan irrompeu na sala de estar dos Willits, Claire estava
sentada, ainda de camisola e chorando, e não havia nenhum sinal de
Maddie. Halverston encontrava-se no sofá, um jornal nas mãos.
— Ela estragou tudo — Claire disse, soluçando.—Não é justo, papai!
O visconde se levantou assim que percebeu a presença de Quin.
— Quieta, Claire. Bom dia, milorde. E parabéns. Quinlan franziu o
cenho.
— Parabéns por quê?
O pai de Maddie entregou-lhe o London Times.
— Por isso, é claro. Apesar de que, na verdade, todos já esperassem.
Quinlan apanhou o jornal e deu uma rápida olhada; então, descobriu que
seu pai tinha se prevenindo de quaisquer embaraços e discussões
simplesmente colocando o anúncio no jornal um dia antes do combinado. E
é claro que Maddie já vira aquilo.
— Onde está Maddie? — Quinlan indagou, rasgando o jornal ao meio e
jogando-o no chão.
— Eu... tenho algumas perguntas para o senhor, milorde. — O visconde
mostrou um papelzinho.
Quinlan olhou para o bilhete, onde estava escrito simplesmente: Não
venham atrás de mim.
— O que está acontecendo?
— Eu gostaria de saber, milorde. O dia de hoje está muito estranho.
Primeiro, o duque esteve aqui à procura de minha filha; depois, seu irmão;
e agora, não estamos encontrando Maddie, e quem sabe para onde...
— Meu irmão esteve aqui?
— Foi rápido — o visconde esclareceu. — E se o senhor me perdoar a
franqueza, ele não foi muito educado. Chegou pergun-tando sobre o
paradeiro de minha filha e então se foi sem se despedir.
— E agora o senhor não consegue encontrar Maddie — disse Quinlan
lentamente, enquanto uma ira intensa ia se formando dentro dele.
— Bem, Maddie já havia saído antes da chegada de seu irmão, milorde.
E tenho quase certeza de que a vi, da janela do meu quarto, entrando em
uma carruagem — Claire disse, enxugando os olhos.
— Não tem nenhuma idéia de aonde eles foram?
— Ele disse algo sobre Gretna Green — ela murmurou.
— Gretna Green... — Quinlan repetiu. A mensagem de seu irmão foi
clara: tinha fugido com Aristóteles e Maddie. Obviamente, ele não
pretendia voltar. Rafael iria se casar com Maddie em Gretna Green!
Maddie olhava através da janela da carruagem decadente de Charles
Dunfrey. Campos verdes, árvores e uma casa aqui e outra ali marcavam a
paisagem. Eles finalmente estavam fora de Londres, e ela tentava relaxar
um pouco.
Em sua mente, a idéia desesperadora de que nunca mais voltaria a ver
Quinlan. Agora ele estaria livre para cumprir seu dever e se casar com
Eloise Stokesley; eles poderiam ter filhos, e Maddie, vez ou outra, acabaria
lendo algo a respeito de Quinlan em algum jornal. Isso seria tudo.
A dor despertada pelo anúncio mostrado pelo duque naquela manhã
continuava cavando um buraco negro tão profundo que Maddie sabia que
nunca mais seria capaz de sorrir. Quinlan poderia acusá-la de ser covarde, o
que, provavelmente, era verdade. Mas, acima de tudo, Maddie esperava que
o marquês percebesse que ela agira por amor a ele: um amor tão verdadeiro
e profundo que deixaria Eloise desposá-lo. Ao mesmo tempo, porém, ela
não suportaria ver os dois juntos. Nunca. Deixar Londres não foi uma
opção, e sim uma necessidade.
— Nós já não deveríamos estar vendo o mar? — Maddie perguntou a
Charles.
Ele permanecera calado durante as duas horas de viagem.
— Logo o veremos.
— Foi muita gentileza sua me trazer, Charles — ela continuou,
esperando que a conversa pudesse ajudá-la a desviar seus pensamentos de
Quinlan. — Tenho certeza de que você tinha outros planos para o dia de
hoje.
— Foi um prazer para mim poder ajudá-la, Maddie. Se importa se seu
lhe perguntar o que aconteceu? Afinal, você está trazendo uma mala.
— Minha tia ficou doente — ela inventou uma desculpa de improviso.
— Na Espanha. Preciso ir ficar com ela.
— É irmã de seu pai?
— Não. E irmã da minha mãe.
O sol surgiu por detrás de uma nuvem; Maddie olhou através da janela
novamente e franziu o cenho.
Seu coração disparou e ela respirou fundo, tentando se acalmar antes que
Charles percebesse sua comoção. Até onde podia perceber, a oferta de
ajuda de Charles era sincera.
— Não é estranho? — Maddie disse da maneira mais casual que pôde.
— Pensei que o sol estaria de frente para nós, e não de lado.
Charles concordou, bocejando.
— Nós estamos indo um pouco para o Norte, agora. Em breve
seguiremos para o Leste.
— É claro — eia concordou, apesar das suspeitas que começavam a
despontar. — Mas Dover não fica mais ao sul de Londres?
Charles riu.
— Maddie, nunca duvidei da sua inteligência e astúcia. Lembro-me, no
entanto, de nunca permitir que você lesse um mapa para mim.
Ela deu um leve sorriso.
— Na verdade, cartografia é quase um passatempo para mim. A
expressão dele mudou.
— E mesmo?
— Sim, e...
— Pare! — Uma voz vinda de fora da carruagem ordenou,
interrompendo a conversa dos dois.
— É Rafael. — De repente, Maddie ficou feliz por sua fuga não haver
passado tão despercebida quanto ela esperava.
— Eu disse para parar, cocheiro! — A ordem veio de mais perto.
Confusa, Maddie olhou para Charles.
— Por que será que Rafael Bancroft está nos seguindo?
Dunfrey bateu com a bengala no teto da carruagem.
— Não faço a menor idéia. Não pare, Randolph! Estamos com pressa!
O cocheiro aumentou a velocidade no mesmo instante, a carruagem
balançando precariamente na estrada.
— Não vou pedir de novo! Pare já!
— Sr. Dunfrey? — O tom de voz do cocheiro era nervoso. — Senhor,
ele tem uma pistola!
— Uma pistola? — Maddie repetiu, assustada. — Pare a carruagem.
Algo estranho está acontecendo.
— Pensei que você estivesse com pressa de ver sua tia — Charles
comentou. — Pode seguir, Randolph.
— Pare a carruagem, por favor, Charles — ela insistiu. Apavorada e
com medo, a idéia de se atirar da carruagem em movimento já não lhe
parecia tão absurda.
Charles olhou para Maddie, claramente aborrecido, mas era quase
impossível decifrar o que se passava na mente dele.
— Está bem. Pare, Randolph!
O cocheiro freou no mesmo instante, e Maddie quase foi parar no chão.
Ela pôs a cabeça para fora da janela.
Charles puxou o cabo da bengala, expondo um florete muito afiado.
— Vá devagar, Maddie. Fale para ele se aproximar — Charles disse,
encostando a ponta do florete no pescoço dela.
Dividida entre o ódio e a fúria, Maddie cerrou os punhos e se afastou o
mais que pôde no assento. A lâmina a acompanhou.
— Rafe? Venha aqui, por favor. — Ela não teve outra opção senão
obedecer às ordens de Charles Dunfrey.
A porta se abriu, e logo após a visão de uma pistola ameaçadora veio
junto com o rosto transtornado de Rafael.
— Maddie, saia daí — Rafael disse, e então xingou quando viu o
florete. — Abaixe isso, Dunfrey!
— Acho que essa fala é minha — Dunfrey respondeu. — Vire a arma
lentamente e entregue-a para mim. Randolph, ele está so-zinho?
— Sim, sr. Dunfrey.
— Você está bem, Maddie? — Rafael perguntou, a pistola e o olhos
ainda voltados para Charles.
— Sim... por enquanto. O que está fazendo aqui?
— Vim avisá-la de que você foi raptada. Dunfrey suspirou, calmo
demais.
— Foi a querida lady Stokesley quem entregou tudo, não foi?
— Sim — Rafael respondeu bruscamente.
— Bem, agora você também está sendo raptado, Bancroft. Entregue
logo essa pistola e sente-se aqui ao lado da sua querida amiga.
Ainda encarando Dunfrey, Rafael se afastou um pouco e soltou um
assovio agudo.
— Que diabo foi isso? — Dunfrey gritou. Rafael continuou com o
mesmo olhar frio.
— Só estou me comunicando com o meu cavalo.
— Bem, então pare com isso e entre logo aqui. Devagar. Rafael virou a
arma e a estendeu com a coronha virada para
Charles.
— Cuidado — ele disse, sentando-se ao lado de Maddie. — Está
carregada.
— Eu esperava que sim. — Charles sorriu. — Randolph, pode tocar!
A carruagem começou a se mover. Maddie olhou para Rafael, mas sua
atenção continuava voltada para Charles.
— Como você sabia onde eu estava? — ela perguntou.
— Convenci Eloise a me contar — Rafael murmurou, sorrindo para
Dunfrey. — Ela pode ser muito gentil quando corretamente incentivada...
— O que Eloise tem a ver com isso?
— Desde o começo, ela tem trabalhado para manter você afas-tada de
Quin. Acho que...
— Basta! — Charles o interrompeu. — Bancroft, você já com-plicou as
coisas mais do que deveria. Se continuar assim, vai correr o risco de
desaparecer inexplicavelmente.
— Ninguém vai desaparecer, Dunfrey. Com exceção de você, que irá
passar alguns anos na prisão.
— Charles — Maddie interveio, tentando amenizar os ânimos antes que
algo pior acontecesse —, por que está fazendo isso? Você não tem nada a
ganhar.
— Que tal cinco mil libras, minha querida? — Rafael cruzou os braços
sobre o peito e fechou os olhos.
Maddie desejou estar tão calma quando ele.
— Mas eu não tenho cinco mil libras.
— Eloise tem — Rafael disse. Charles sorriu.
— Na verdade, posso ganhar muito mais. Lorde Halverston vai me
oferecer pelo menos mais cinco mil para que você tenha um casamento
respeitável, Maddie.
De repente, as coisas começavam a fazer sentido.
— Então, só queria se casar comigo por dinheiro, Charles? Você nunca
me amou realmente.
— E assim que as coisas funcionam, Maddie. E seja grata por isso. Se
não fosse pelo dinheiro de seu pai, eu poderia acabar com você e Rafael
Bancroft neste momento. Mas agora só tenho uma pessoa para eliminar.
— Eu não contaria com isso — Rafael murmurou, tão baixinho que
apenas Maddie ouviu.
Ela virou o rosto para que Charles não pudesse ver em seus olhos a
tristeza e a decepção de que ele mais uma vez era o causador.
Quando lady Highbarrow voltou para casa, um bilhete de Quinlan e um
bule de chá quentinho a esperavam na sala de estar. Após servir-se de uma
xícara, desdobrou o bilhete. E se levantou tão rapidamente que derrubou a
bandeja com tudo que havia nela.
— Lewis!
O duque apareceu momento depois, assustado com os gritos da esposa,
sempre tão contida em suas reações.
— O que foi, Vitória?
— O que você fez? — ela inquiriu, encarando-o; o bilhete amassado em
uma mão.
O duque assumiu sua costumeira expressão de inabalável tei-mosia.
— Acertei as coisas.
— Ah, é mesmo? Então me conte como foi que fez isso. Lady
Highbarrow desdobrou o bilhete e o leu em voz alta para
o marido.
Rafael e Maddie encontram-se a caminho de Gretna Green. Eu estou indo
atrás.
A duquesa ergueu os olhos do papel e encarou o marido.
— Então, eu lhe pergunto de novo, Lewis: o que você fez?
— São dois idiotas! — o duque explodiu. — Seremos motivo de riso em
toda a Londres. Dois Bancroft disputando a mesma desqualificada!
— O que me preocupa, senhor meu marido — Vitória disse, em seu tom
calmo de voz —, é o que acontecerá quando Quinlan os alcançar. Eles irão
se matar.
O duque de Highbarrow a encarou por um momento e a cor de seu rosto
foi esvaecendo lentamente.
— Meu Deus! — ele gritou. — Nossos filhos são mesmo dois idiotas!
Se Maddie tinha partido de carruagem, e Rafael com Aristóteles, então,
logicamente, eles pretendiam se encontrar em algum ponto ao longo do
caminho. Se Quinlan tivesse raciocinado com mais calma, poderia ter
perguntado a Claire se a carruagem possuía alguma marca que a
identificasse, mas ele não conseguira fazer nada além de sair disparado pela
estrada em direção ao Norte, xingando o irmão em mais de doze línguas.
Era muito mais fácil acreditar que Rafael estava lhe roubando Maddie do
que admitir que ela o abandonara.
Quinlan havia sempre se orgulhado de ser razoável e justo em seus
negócios, de saber controlar suas emoções e de honrar as responsabilidades
que o título lhe impunha. Mas enquanto seguia pela estrada movimentada,
esquivando-se das carroças de feno e de rebanhos de ovelhas e diminuindo
o passo a cada carruagem que passava ao seu lado, ele já não se preocupava
mais com seu título ou com as conseqüências que seus atos poderiam
acarretar. Rafael tinha levado Maddie, e Rafael teria de devolvê-la.
Já passava do meio-dia quando Quinlan deparou com a primeira pista. Ao
lado da estrada, um grupo de meninos cercava um cavalo e tentava, sem
sucesso, segurar as rédeas. Quinlan olhou para o animal com mais atenção,
e então parou de repente.
— Aristóteles — ele chamou, e foi prontamente atendido. Quinlan
desceu de seu cavalo para ir ao encontro do belo e fiel animal que trazia
uma mensagem para ele.
— Rafe não deixaria você para trás, eu sei — Quinlan disse para
Aristóteles, sua mente vagando em diferentes direções. — Ele mandou
você ficar aqui, não foi? Mas por que faria isso?
— Ei, milorde, o cavalo é do senhor? — um dos garotos perguntou.
— É de meu irmão. Vocês o viram?
— O cavalo já está aqui há mais de uma hora. Não vimos ninguém.
Aquilo não fazia muito sentido. Rafael não abandonaria Aristóteles no
meio da estrada. Algo não se encaixava naquela história.
Quinlan amarrou as rédeas de Aristóteles na parte de trás de sua sela e
seguiu para o Norte.
— Você vai matar seus cavalos se continuar correndo assim, Dunfrey —
Rafael falou calmamente.
— Cale-se, Bancroft! Não pedi a sua opinião — Charles respondeu.
O humor de Rafael estava se deteriorando cada vez mais ao longo da
tarde, e, para descarregar sua ira, ele resolvera atormentar Dunfrey. Maddie
desejava que Rafael maneirasse um pouquinho, pois seu humor também já
não era dos melhores, depois de tanto tempo sentada na mesma posição e
sob a mira de uma pistola.
— Se você vai me matar — Rafael começou outra vez —, poderia ao
menos dizer para onde estamos indo.
— Rafe — Maddie murmurou, olhando de lado —, fique calado por um
momento.
— Não, ele tem todo o direito de saber, querida — Charles declarou. —
Estamos indo para Gretna Green, para que eu e Maddie possamos nos
casar.
Ela o encarou assombrada.
— Não vou me casar com você, Charles, nem na Escócia ou em
qualquer outro lugar. Portanto pode parar a carruagem agora mesmo e...
— Maddie, Maddie, Maddie... Por favor, entenda. Recebi cinco mil
libras para sumir com você de Londres. E receberei mais cinco mil depois
que você for minha. Mas se acha a idéia tão desprezível, posso aceitar
apenas a primeira oferta e enterrá-la no mesmo buraco em que vou jogar
Rafael Bancroft.
— Rapto é uma coisa — Maddie disse, tentando manter a calma. —
Assassinato é outra muito diferente. Espero que você perceba a gravidade
do que está fazendo, Charles.
— Obrigado pela sua aula de sabedoria, mas me dê algum crédito,
querida. — Charles moveu a ponta da cortina. — Randolph! Vamos pela
estrada do Leste, por favor.
Dunfrey apontou de novo a pistola para Maddie. Ela supôs que aquilo era
para desencorajar Rafael a tentar algo.
— Quando você disse "não" ao meu pedido, Maddie, eu pensei neste
plano alternativo. É claro que não esperava que você fosse sair de casa de
mala para entrar na minha carruagem, mas tem de admitir que facilitou e
muito as coisas para mim.
A carruagem chacoalhou quando a estrada se tornou mais esburacada.
Meia hora depois o veículo parou e a porta se abriu. Dunfrey gesticulou
com a pistola, indicando a saída.
— Siga o meu cocheiro, Bancroft. Maddie, você segue logo atrás dele.
Rafael desceu e Maddie o seguiu. Sua saia enroscou-se no degrau da
carruagem e ela quase caiu sem receber nenhum tipo de ajuda ou gentileza
de seu futuro marido. O sol já se escondia por detrás das copas das árvores,
e em ambas as direções a estrada enlameada estava deserta. Logo à frente
havia uma pequena estalagem, uma única lanterna iluminando a fachada
simples.
Parecia que a estalagem estava à disposição apenas deles. O cocheiro os
conduziu para dentro do prédio vazio, onde pelo menos o fogo ardia na
lareira, o que indicava algum sinal de vida.
Logo em seguida, um homem saiu da cozinha carregando uma bandeja
com frutas, e não parecia nada amigável. Maddie ficou pálida quando
percebeu que o sujeito lhe era familiar.
— Sente-se naquela cadeira, Maddie — Charles, que vinha logo atrás,
ordenou num tom sombrio.
Ela obedeceu, mas seus olhos não se desviavam do homem alto que
colocava a bandeja sobre a mesa. Ele olhou para Maddie e sorriu.
— Boa noite, Maddie. Não nos vemos há um bom tempo. Você está
mais bonita que nunca.
— Como vai, Spencer? Acho que você ainda se lembra dele, não é
mesmo, Maddie? — Charles disse num tom mais amigável e se sentou à
mesa. — Este, infelizmente é Rafael Bancroft, Spencer. Mas não se
preocupe. Nós vamos matá-lo antes de seguir viagem.
Benjamim Spencer olhou para Rafael com um sorriso sombrio.
— Rafael Bancroft, o filho do duque de Highbarrow?
— Prazer em conhecê-lo — Rafael disse e estendeu a mão. — Você
deve ser Benjamim Spencer, o idiota que arruinou a vida de Maddie.
— Sente-se aí! — Spencer ordenou, apanhando um rolo de corda que
estava sobre um banco. — Não tenho nenhuma objeção em matar ninguém,
Dunfrey, mas você acha que cinco mil libras valem o risco de matar um
Bancroft?
Charles olhou para Spencer.
— Receberemos o dobro agora.
Rafael sorriu. Dunfrey não gostou da brincadeira e se levantou para
responder com uma coronhada. Rafael cambaleou na cadeira.
— Eu o mataria por nada, Bancroft.
Maddie olhava para seu ex-noivo e para o sujeito que havia arruinado sua
vida. Diante daqueles dois homens, as coisas finalmente começavam a
fazer sentido e ela se dava conta de que fora vítima de um plano sórdido.
— Por que a cara feia, Maddie? — Charles debochou, enquanto
Randolph e Spencer amarravam Rafael à cadeira.
— Você nunca gostou de mim, não é? Tudo que sempre quis foi o meu
dinheiro.
— Por que eu iria querer me casar com você agora, Maddie? Depois de
tudo que aconteceu no passado? — Dunfrey perguntou, finalmente
colocando a pistola em um de seus bolsos. — Apesar de ser obrigado a
admitir que se eu soubesse que você ficaria ainda mais bonita, talvez não
tivesse contido o impulso de alguns amigos meus.
— É um pouco tarde para me fazer elogios, seu monstro.
Spencer veio por detrás dela com outro pedaço de corda, e Maddie ficou
tensa novamente. Cerrando os punhos, ela se levantou de repente e acertou
um soco no queixo de Charles Dunfrey com toda a força de que dispunha.
Sem esperar pelo ataque, Dunfrey cambaleou para trás e perdeu o
equilíbrio, segurando-se na beirada da mesa. Tentando tomar proveito do
descuido, Maddie o atacou, e ambos rolaram pelo chão.
Apesar de sua coragem e esforço para tentar apanhar a pistola, Maddie
foi vencida pela força masculina e, quando menos esperava, estava
imobilizada, com Dunfrey sentado sobre seu corpo, segurando-lhe as mãos.
— Isto me dá uma idéia, minha querida — ele falou, o sangue
escorrendo do canto de sua boca. Em seguida, inclinou-se e co-meçou a
beijar o pescoço de Maddie.
— Dunfrey! — Rafael gritou, tentando se livrar da corda. O cocheiro o
amordaçou.
— Eu avisei para não me provocar, Maddie — Charles continuou,
deitando-se em cima de Maddie e beijando-a novamente.
A situação era nojenta e asquerosa.
— Saia de cima de mim! — ela ordenou com firmeza. Spencer se
ajoelhou ao lado da cabeça de Maddie e a segurou com firmeza, sorrindo.
— Compartilhar sempre foi o meu lema — ele disse, erguendo as mãos
dela para cima.
O último resquício de ódio de Maddie se transformou em puro medo de
Charles, que, agora com as mãos livres, rasgava-lhe o vestido.
— O futuro marido primeiro, Spencer — ele disse, lambendo o pescoço
de Maddie.
De repente, a porta da frente se abriu com um estrondo.
— Então serei eu! — Quinlan declarou, pálido e desalinhado.
— Quin! — Maddie gritou entre lágrimas.
O marquês foi para cima de Dunfrey, e, aproveitando-se da confusão
estabelecida, Maddie conseguiu soltar as mãos; segurou os tornozelos de
Spencer quando ele tentava fugir, derrubando-o no chão. Dunfrey, enquanto
isso, saía de cima dela para se proteger da investida de Quin.
Assustado, o cocheiro resolveu fugir em vez de tentar ajudar seu patrão, e
saiu correndo pela porta dos fundos.
Spencer conseguiu se esquivar de Maddie e já estava de pé e partindo
para cima de Quinlan, que nesse momento levava vantagem sobre Charles.
Percebendo que não poderia ajudar muito contra os dois homens, Maddie
correu para o lado de Rafael e o desamarrou. Logo depois, Rafael já estava
se atracando com Spencer, tornando a luta mais equilibrada. Pelo menos,
agora eram dois contra dois.
Quando, então, Maddie percebeu que Charles tinha conseguido alcançar
a pistola e a apontava para Quinlan, desesperada, não pensou duas vezes e
pulou nas costas dele, na ânsia de impedir que matasse o amor de sua vida.
Charles cambaleou com o peso dela, mas prontamente reagiu e acertou
uma cotovelada no rosto de Maddie, que acabou no chão, atordoada.
Ela fechou os olhos, pois o teto parecia girar acima de sua cabeça. Então,
alguém se ajoelhou ao seu lado e a ergueu nos braços.
— Maddie? — Quinlan chamou com a voz trêmula. — Você está me
ouvindo? Abra os olhos.
Ela olhou para aquele belo par de olhos cor de jade e respirou aliviada.
Quinlan a abraçou contra seu peito e ela se aninhou em torno do pescoço
dele, chorando.
— Quinlan — ela dizia repetidas vezes.
— Calma. — Ele lhe acariciava os cabelos. — Está tudo bem.
— Ela está ferida?
Os músculos das costas de Quinlan se enrijeceram, era Rafael que se
juntava a eles.
— Eu estou bem, Rafe — a própria Maddie respondeu.
— Com licença — Quinlan disse bruscamente, e a ergueu em seus
braços.
Enquanto Maddie jazia desacordada no chão, eles tinham sido salvos
pelo duque de Highbarrow, que chegara com um reforço de doze homens,
rendendo com facilidade Charles e Spencer.
Quinlan carregou Maddie para fora e se sentou em um banco que havia
sob a luz da única lanterna que iluminava a fachada da humilde hospedaria.
Abraçados, ele a embalava em seus braços como se ela fosse um bebê.
— Por que me deixou, Maddie? Você disse que me esperaria.
— Eu já tinha me envolvido em muita confusão, Quin. Você não
entende... Você e Eloise...
— Eloise não significa mais nada! — ele a interrompeu, furioso. —
Terminei tudo com ela. Mas agora gostaria de saber o que significa você e
Rafael juntos.
— Como assim... eu e Rafael?
— Vocês estavam indo para Gretna Green. Pretendiam se casar?
— Não, nós não estávamos indo para Gretna Green. Era Charles quem
pretendia se casar comigo contra a minha vontade. Rafael descobriu tudo e
veio me salvar. Foi apenas isso.
Quinlan olhou, aliviado, para a porta aberta da estalagem. Então, ele
estava enganado, pois não havia nada entre Maddie e Rafael.
— Ainda bem — Quinlan sussurrou, acariciando o rosto dela. — Você
me ama, Maddie?
— Quin, eu...
Ele meneou a cabeça.
— Você me ama ou não?
Uma lágrima escorreu pela face de Maddie.
— É claro que eu o amo — ela sussurrou.
— Então case-se comigo.
— Não posso. Sou uma desonrada. Por duas vezes.
— Eu sei bem disso, Maddie. — Quinlan sorriu e se inclinou para beijá-
la. — Case-se comigo.
Lágrimas copiosas molhavam o belo rosto de Madeleine Willits. Quinlan
se levantou e, carregando-a em seus braços, voltou para dentro da
estalagem e parou diante do duque com uma postura desafiadora.
— Vossa Alteza — ele disse num tom solene, e o duque se virou para o
filho.
— O que foi agora, garoto?
— Maddie e eu estamos indo para Gretna Green para nos casarmos.
Visivelmente transtornado, o duque explodiu em fúria.
— Você não vai...
— Para o inferno o senhor com o seu título, suas terras e seus herdeiros!
— Quinlan interrompeu o pai bruscamente e se virou de costas para deixar
o local. Nunca mais ele iria aceitar as ordens do duque. — Avise minha
mãe de que na semana que vem estaremos de volta a Londres.
— Quinlan — Maddie disse —, você ficou louco?! Coloque-me no
chão.
— Tem idéia do escândalo que causará, Quinlan? — O duque veio atrás
dos dois. — Seu casamento com Eloise já foi anunciado. O rei George virá
para a cerimônia!
Quinlan parou, virou-se e encarou o pai.
— Esse casamento foi idéia sua, meu pai. Deixo para o senhor resolver
agora. Eu o tenho respeitado durante toda a minha vida, mas acabo de
descobrir que me cansei disso. — Com uma última olhada em Rafael,
Quinlan se virou e seguiu em frente.
Pela primeira vez, Maddie não sabia o que dizer. Quinlan Bancroft
sempre fora um homem calmo e bem-humorado, mas naquele momento,
ela não se surpreenderia se ele resolvesse seguir para Gretna Green nem
que fosse a pé.
Uma semana depois, uma bela carruagem entrava na Mayfair Street, com
Maddie sentada ao lado de Quinlan.
— Você leu o London Times de ontem? — ela indagou.
— Sim, e eu disse para você não ler. — Quinlan sorriu e segurou-lhe a
mão.
— Não ler não muda as coisas em nada. E eu sei que você se importa,
pelo menos um pouco. "Herdeiro do duque de Highbarrow foge para a
Escócia com uma mulher desconhecida." Eu sei que você não gosta de se
expor, Quin.
— Estou feliz. Muito feliz — ele afirmou, puxando-a para mais perto de
si. — Ninguém poderá roubar você de mim, e isso é tudo que importa.
Maddie suspirou, acariciando o rosto de Quinlan.
— Você poderá se arrepender, e logo.
— Não diga isso, Maddie. Nunca. Você é tudo para mim. Sem você, eu
não sou completo. Entende?
Maddie assentiu com lágrimas nos olhos.
— Você diz coisas lindas.
Fora assim desde que haviam se casado. Quinlan não conseguia parar de
tocá-la, de abraçá-la e beijá-la. A situação toda parecia mais com sonho do
que realidade. E na cama, Maddie correspon¬dia à paixão de uma maneira
que Quinlan jamais sonhara que fosse possível.
— Quin?
— Sim, meu amor?
— Eu amo você.
Ele beijou cada dedo da mão de Maddie, enquanto ela sorria, feliz.
— Eu também amo você.
— Milorde, milady, a residência dos Bancroft — o cocheiro anunciou
quando a carruagem parou.
Lá dentro, o duque e a duquesa os aguardavam junto dos pais de Maddie,
do sr. Malcom Bancroft e de Rafael.
Quinlan estendeu a mão para Maddie e disse sorrindo:
— Você está pronta, meu amor?
— Posso levar uma espada?
— Não, não pode.
Ela suspirou.
— Então, acho que estou pronta.
Com Maddie segurando em seu braço, Quinlan entrou na sala, onde
todos estavam reunidos. Mesmo que ele não soubesse, era fácil separar os
inimigos dos aliados. Particularmente quando parecia haver apenas
inimigos. Quinlan já havia estado em situações de tensão diante de seu
severo pai, mas nada o assustara tanto quanto o grupo de pessoas que se
entreolhavam como uma alcateia de lobos decidindo se atacaria em grupo
ou separados.
Como sempre, Rafael foi o primeiro a se manifestar.
—Você está maravilhosa, Maddie. — Ele sorriu, aproximou-se e deu um
beijinho no rosto da cunhada. — Parabéns para os dois.
O duque de Highbarrow, sentado perto da janela, nem se deu ao trabalho
de olhar para o casal. Mas a mãe de Maddie se aproximou com lágrimas
nos olhos e abraçou a filha, emocionada. Quinlan se afastou e caminhou na
direção do pai.
— Vossa Alteza — ele disse calmamente —, devo remover minhas
coisas de Warefield?
— Então, você realmente teve coragem de se casar com ela?
— Sim. Eu disse que o faria, meu pai.
— Eloise e os pais foram para Stafford Green. Ela nunca mais foi vista
em público desde que você estragou tudo. Terei sorte se Stafford voltar a
falar comigo.
— Sinto muito pelo inconveniente. Mas não lamento ter-me casado com
a mulher que eu amo.
— Não esperava que você fosse se desculpar.
— Então, como ficarão as coisas, pai?
Finalmente o duque olhou para Maddie, que estava parada ao lado da
duquesa e olhando para pai e filho.
Malcom, que segurava as mãos de Maddie, soltou-as e se aproximou do
irmão.
— Lewis, não seja estúpido — ele disse. — Ela é dez vezes melhor do
que Eloise, e você sabe disso.
— O casamento com Eloise já estava acertado havia anos, Malcom.
— Porque você precisava do voto de Stafford no Parlamento. Tudo não
passou de uma troca de favores, Lewis, e foi por isso que nós dois
brigamos.
— Sim foi, por isso que mandei você para o inferno, meu irmão, e
nunca mais quis vê-lo na minha frente.
— Bem, Langley não é tão longe assim — Malcom disse calmamente.
Quinlan olhou para os dois.
— Espere um pouco. O senhor quer dizer que essa desavença entre
ambos foi por causa do meu casamento com Eloise?
Malcom deu de ombros, um leve sorriso no rosto.
— Mais ou menos.
— Deus do Céu! — Quinlan exclamou. — Então, o senhor armou o
meu encontro com Maddie apenas para se vingar de meu pai, tio?
— Eu não menti para você, Quin. Antes da carta de Lewis, ainda não
tinha planejado nada.
Uma mão calorosa tocou o ombro de Quinlan e deslizou pelo braço dele
até segurar-lhe a mão.
— O senhor deveria ter me dito antes, sr. Bancroft — Maddie ralhou. —
Eu teria realmente afogado Quin.
Sua Alteza, por fim, se levantou.
— Então, você acha que venceu, não é? — o duque gritou com Maddie.
— Conseguiu agarrar meu filho?
Ela o encarou friamente, soltou a mão de Quinlan e caminhou na direção
do duque. Quinlan pensou que ela pretendia acertar um soco nele, e ficou
tenso, pronto para intervir e impedir o massacre. Mas, em vez disso,
Maddie ficou na ponta dos pés, pôs uma das mãos no ombro do sogro e deu
um beijo carinhoso no rosto dele.
— Nós começamos mal, Vossa Alteza. Se o senhor deseja que as coisas
continuem dessa maneira, acredite, eu adoro uma boa briga. Mas, do fundo
do coração, eu preferia que fôssemos amigos e gostaria que meus filhos
conhecessem o avô.
Maddie foi brilhante. Ela atingiu o único ponto fraco de Highbarrow, e
sabia disso. Quinlan deslizou os braços em torno da cintura da esposa e a
puxou para perto.
— Pense em seus netos, Vossa Alteza — Quinlan reafirmou as palavras
de Maddie.
O duque permaneceu calado durante um bom tempo, então meneou a
cabeça, resmungando.
— Acho que você tem razão, Madeleine.
Rafael soltou um grito saudando as boas novas e deu um tapi-nha nas
costas de Quin.
— Finalmente a justiça se cumpriu. Posso ficar com meu cavalo, agora,
Warefield?
Quinlan virou Maddie de frente para ele e se inclinou para beijá-la.
— Eu amo você — sussurrou.
— Eu também amo você — ela sussurrou de volta. — Agora, devolva o
cavalo de Rafe, Quin.
— Tudo que você desejar, meu amor. — Ele sorriu. — Garota teimosa!