suzanne enoch - libertada pelo amor

163
LIBERTADA PELO AMOR Copyright © 1998 by Suzanne Enoch Originalmente publicado em 1998 pela Avon Books TÍTULO ORIGINAL: By Love Undone

Upload: ana-matos

Post on 07-Aug-2015

430 views

Category:

Documents


20 download

TRANSCRIPT

Page 1: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

LIBERTADA PELO AMOR Copyright © 1998 by Suzanne Enoch Originalmente publicado em 1998 pela Avon Books

TÍTULO ORIGINAL: By Love Undone

Page 2: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Inglaterra, século XIX

O poder de uma paixão

Banida da sociedade londrina em conseqüência de um escândalo, Maddie é forçada a procurar

emprego fora da cidade para se sustentar. A prevenção contra a aristocracia a leva a antipatizar

à primeira vista com Quinlan Bancroft, sobrinho de seu patrão. No entanto, por mais que

Maddie abomine a arrogância do marquês, o senso de humor dele é cativante, e seu charme é

irresistível, principalmente quando ele a toma nos braços...

Surpreendido aos beijos com a adorável dama de companhia de seu tio, Quinlan se propõe a

ajudar Maddie a se restabelecer na sociedade. No entanto, ela não sabe se proteger dos

cavalheiros que se aproveitam de sua ingenuidade, mas sabe que precisa se preocupar com

Quinlan... pois, ele é o único que tem o poder de partir seu coração!

Page 3: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Capítulo I

As rosas vermelhas dos canteiros ondulavam sob a brisa suave, e os

pássaros cantavam nas árvores enquanto Madeleine Willits colhia rosas e

cuidadosamente as colocava em sua cesta. Quando, então, ela espetou o

dedo.

— Ai!

Ao mesmo tempo, um grito retumbou como um trovão da janela do

quarto do senhor da casa, assustando-a.

— Srta. Maddie! — a criada chamava, desesperada.

— Céus! — Maddie resmungou, jogou sua tesoura na cesta e saiu

correndo.

A sra. Hudson a aguardava junto à porta dos fundos.

— O que aconteceu? — Maddie indagou enquanto entrava correndo na

direção da escadaria que levava para o segundo andar da imensa casa.

Criados curiosos andavam confusos de um lado para outro, servindo de

obstáculo para ela.

— Não sei, srta. Maddie — alguém disse logo atrás. — Garrett está com

ele!

— Garrett!

O mordomo apareceu no topo da escadaria. Rosto vermelho, ele tentava

limpar uma densa camada de molho madeira que escorria em seu paletó

preto.

— Só entreguei a correspondência! — ele declarou.

— Você não deveria ter entrado lá — Maddie declarou, tentando

recuperar o fôlego.

Antes de entrar no território inimigo, ela respirou fundo e se preparou

para a batalha.

— Nós nos rendemos, sr. Bancroft. A criadagem está dominada —

Maddie disse num tom brincalhão, mostrando apenas o rosto; sem coragem

de entrar.

Mais gritos ecoaram de dentro do quarto, seguidos pelo barulho de um

travesseiro que acertou a parede oposta à cama.

— Pare com essa bobagem e mostre logo esse seu rostinho bonito,

menina — ordenou Malcom Bancroft.

Maddie entrou no quarto. Os restos do almoço escorriam da parede que

ficava de frente para a cama, manchando os travesseiros que estavam no

chão.

— Minha nossa! Que massacre! — Ela estalou a língua em sinal

desaprovação.

Page 4: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Malcom ergueu a cabeça e respondeu com um olhar malvado. Contendo

um sorriso, Maddie recolheu os travesseiros do chão.

— Recebeu uma boa notícia?

— Eu não bancaria a engraçadinha se estivesse no seu lugar, Maddie.

Você também não vai gostar das novidades — Malcom resmungou. —

Gente presunçosa!

Uma sensação estranha se apossou de Maddie, como se pudesse

adivinhar quais eram as más notícias.

— Vejo que o senhor resolveu usar a minha definição da nobreza.

Suponho que o novo rei está vindo visitá-lo. Devo mandar polir a prata ou

escondê-la? O senhor conhece o rei George melhor do que eu.

Assim como ela esperava, a brincadeira serviu para aliviar um pouco o

clima de tensão que pairava no ar.

— Rei George, o Maluco; rei George, o Gordo. O que mais? Rei

George, o Cego?

Maddie sorriu, aliviada, ao perceber que o senso de humor de Malcom

estava voltando ao normal.

— A realeza só tem olhos para o próprio bolso.

Malcom bufou.

— Isso mesmo. Esse é um mal que afeta a todos os ingleses de origem

nobre. — Com sua mão esquerda enfraquecida, ele apontou para um

pedaço de papel amassado que jazia em cima de uma torrada. — Apanhe

aquela carta para mim, por favor, minha querida.

Maddie atendeu ao pedido e, resistindo à curiosidade de ler as novidades,

entregou o pedaço de papel amassado ao patrão.

__ Escute isto, Maddie. — Malcom limpou a garganta e ergueu o papel.

– "Caro irmão". — Ele fez uma pausa e olhou para ela, obviamente

dando um tempo para que o significado das palavras assentasse.

_ Não acredito que o duque de Highbarrow finalmente respondeu à sua

carta, sr. Bancroft — Maddie comentou ao se sentar em uma poltrona ao

lado da cama.

— Já faz mais de duas semanas que escrevemos para ele. Um dia, teria

de responder. — Malcom olhou com o canto dos olhos para ela. — Eu já

estava achando que você tinha queimado a carta em vez de enviá-la.

Maddie ficou séria.

— Eu disse que a tinha enviado — respondeu, perguntando-se se o

patrão imaginava quão perto ela estivera de jogar a tal carta nas chamas de

sua lareira.

Malcom sorriu e então voltou suas atenções para a carta.

— "Caro irmão" — ele reiniciou — "quando as notícias da sua saúde

debilitada chegaram, eu estava em York, a negócios. Respondi à sua carta

assim que pisei no castelo de Highbarrow".

Page 5: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— O senhor estava certo — Maddie concordou quando o velho

Bancroft fez uma pausa para recuperar o fôlego, pois vinha se cansando

com facilidade nos últimos tempos. — Ele faz questão de usar a palavra

"castelo", não é mesmo?

— Sempre que pode. Continuando: "Vitória está mandando um abraço e

espera que você se recupere logo, apesar de eu não dar a mínima para isso".

— Céus, ele é terrível!

— "No momento, estou envolvido com o plantio da próxima safra. Se

assim não fosse, apesar de nossas diferenças, eu poderia fazer um

esforço e ir visitá-lo em Langley".

— Sim, é claro — Maddie e Bancroft disseram ao mesmo tempo.

Tudo que ela sabia a respeito do duque era por intermédio das histórias

contadas por Malcom sobre a imensa arrogância e preponderância do

homem. Maddie deixou escapar um suspiro de alívio quando ouviu que ele

não viria.

— Então, isso é tudo — ela disse, se levantando. — Todo aquele

escândalo que quase me matou de susto por causa dessa carta...

— Receio que essa seja a parte boa da notícia. Maddie se

sentou de novo.

— Por favor, fique calma.

— Exatamente como o senhor ficou? — ela provocou.

— Escute: "Contudo, como o plantio em Langley é de suma

importância, falei com Quinlan, que concordou em viajar a

Sommerset para cuidar de perto das plantações e da propriedade

durante a sua recuperação. Ele seguirá logo após o envio desta carta,

e deve chegar a Langley no próximo dia 15. Seu irmão Lewis".

— Creio que Sua Alteza esteja se referindo a Quinlan Ulysses Bancroft

— disse Maddie.

Seu patrão concordou.

— Creio que sim. O marquês de Warefield em pessoa. Maddie limpou a

garganta.

— Sei.

Malcom tocou a mão de Maddie.

— Sinto muito, minha querida. Você o conhece pessoalmente, suponho.

— Graças a Deus, não. Acho que ele estava na Espanha durante a

minha... visita a Londres, se é que podemos chamar assim.

— Nada daquilo que aconteceu foi sua culpa, minha menina — Malcom

a confortou.

Maddie perguntou-se quem deveria estar confortando quem. O senhor é o

único que acredita na minha inocência. Todos outros preferiram pensar

mal de mim, nem me deram uma chance de explicar que o verdadeiro

Page 6: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

culpado foi aquele salafrário do Spencer. Foi por isso que nunca mais

quis me misturar com a nobreza de Londres.

— Bem, Quinlan não estava lá, portanto não se preocupe. Mesmo que

ele soubesse, tenho certeza de que não faria nenhum comentário. Meu

sobrinho é um rapaz muito fino e educado. É um verdadeiro cavalheiro.

__ Não estou preocupada. — Maddie se endireitou na poltrona.

— O senhor sabe que não tenho medo de nada, sr. Bancroft.

— Sim, eu sei.

— Apenas estou aborrecida.

Apesar de ela não conhecer o marquês de Warefield, já tinha ouvido falar

muito dele. Quinlan Ulysses Bancroft era conhecido como o favorito do

novo rei, o sangue mais azul dos azuis, a epítome da decência e da

dignidade. Maddie o detestava sem nunca ter visto seu rosto mimado e

convencido. Quinlan era um deles. Um nobre.

Nobreza podia ser o rótulo usado pela sociedade para designá-los, mas

ela sabia, por experiência própria, que a palavra não condizia em nada ao

caráter deles.

— Pensei que o senhor tivesse informado na carta que já tem alguém

cuidando de tudo por aqui.

— Você não esperava que meu irmão fosse confiar tanto assim em mim,

esperava? Lewis é o dono de Langley, minha querida; eu só administro. E

ele fará de tudo para conservar seu patrimônio, com ou sem o meu

consentimento. Você sabe disso.

Maddie suspirou.

— Sim, eu sei. Assim mesmo, o duque deveria ter perguntado se o

senhor queria ou não a ajuda antes de enviar o filho.

De repente, Malcom sorriu e ficou muito corado.

— Precisamos ter calma, Maddie. Lembre-se, minha querida, quanto

menos problemas você causar, menos dolorosa e mais rápida será a

visita.

Ela sentiu uma pontinha de culpa. Afinal, o afetado marquês era sobrinho

do sr. Bancroft, e este já falara em várias ocasiões que gostava muito do

rapaz e que sentia falta dele.

Portanto, por mais que Maddie não gostasse da vinda de Warefield, só

lhe restava se conformar e tratar bem o moço. Pelo menos, na frente de seu

patrão.

— Prometo me comportar — ela declarou. Malcom sorriu.

— Não tenho dúvida disso.

— Contanto que ele se comporte também — Maddie completou.

— Ele irá. Eu já lhe disse isso, meu sobrinho é um exemplo de boas

maneiras.

Page 7: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— O senhor não imagina como estou ansiosa para conhecer o ilustre

marquês.

— Madeleine! — Bancroft a alertou com um leve sorriso.

— Está bem, está bem, eu vou me comportar.

Malcom olhou-a com um olhar tão carinhoso que ela não costumava

receber nem mesmo do próprio pai.

— Obrigado, querida.

— Não há de que, sr. Bancroft. — Maddie se levantou. — Mandarei

trazerem mais chá para o senhor.

— E tortinhas de pêssegos, se não for pedir muito. Meu almoço sofreu

um leve acidente.

Ela olhou por cima dos ombros antes de sair e sorriu.

— Sorte que temos uns docinhos de reserva, não é mesmo? Maddie

mandou um criado levar as tortinhas para Bancroft e tratou de tomar

algumas providências para receber o marquês. Em seguida, voltou para o

jardim e para suas queridas rosas, onde poderia dar vazão à sua ira sem

que ninguém a escutasse. Nobres, sempre aparecendo onde não eram

bem-vindos. Ou necessários.

— Madeleine?

— Droga! — Maddie murmurou, limpando as mãos na peliça. — Estou

aqui, sra. Fowler.

Pelo jeito, a novidade já havia se esparramado rapidamente na

vizinhança, è uma das vizinhas vinha averiguar sua veracidade.

— Oh, aí está você, Maddie.

— Boa tarde, sra. Fowler.

— Eu diria que sim. — A sra. Fowler suspirou alegremente. – Ouvi

dizer que receberemos um visitante ilustre aqui em Sommerset. Mal

posso acreditar.

— Bem, a senhora...

— Céus, um marquês! Ouvi dizer que ele é bonitão, e que tem uma

retirada de vinte mil libras por ano. Você pode imaginar? Vinte mil libras

por ano!

Ouvindo os detalhes que pouco lhe interessavam, Maddie concordou com

uma aceno de cabeça e começou a se movimentar na direção da casa.

Como se já não fosse desagradável o suficiente ter de receber Warefield,

agora ela ainda teria de aturar as pessoas falando sobre ele!

— A senhora parece saber tudo a respeito do marquês, sra. Fowler.

— A sra. Beauchamp sabe. Sabia que o primo dela é o barão de Montesse?

— Sim, ouvi dizer.

— Quanto tempo ele permanecerá em Langley?

Page 8: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Realmente não sei. Com a temporada de bailes prestes a começar em

Londres, tenho certeza de que não será por muito tempo.

A sra. Fowler suspirou, um tanto desanimada.

— É mesmo... A temporada.

Maddie sentiu um imenso desejo de rir, pois sabia das verda¬deiras

intenções da mulher.

— A senhora já contou as novidades para Lydia e Sally?

— Foram elas mesmas que me contaram. São meninas muito boazinhas. E

Lydia já está tocando piano muito bem, sabia?

— Sim, eu...

— Oh, Sally nunca se apresentou formalmente à sociedade, pois tem

apenas dezessete. Aqui, no campo, tão distante de Londres, lorde Warefield

não espera que o recebamos com muita cerimônia, você não acha?

Até onde Maddie sabia ou tinha ouvido falar, o tal marquês era um

homem de muita cerimônia.

— É claro que não — ela concordou, contendo um sorriso. Se havia um

meio de fazer Warefield encurtar sua estada em Langley ele estava bem

diante de Maddie.

— Ótimo, ótimo. — A sra. Fowler seguia ao lado de Maddie e então, de

repente, ela parou e levou um lencinho à boca para tentar conter um riso

nervoso. — Acabei de ter uma idéia fantástica!

Maddie já não agüentava mais a conversa inconveniente e maçante.

— E o que seria, sra. Fowler?

— Falarei com o sr. Fowler para provermos um baile em homenagem ao

lorde Warefield. Não seria espetacular? Convidarei todo o mundo, menos

os Dardinale. Aquela srta. Dardinale não sabe se comportar.

Por coincidência, Patrícia Dardinale era a moça mais bonita da região.

— Não acho que a senhora deveria se importar com uma garota a mais ou

a menos, sra. Fowler. Ouvi dizer que Lydia está cantando muito bem. Acho

que se tem algo que desperta o interesse de um homem, é uma música bem

cantada.

A sra. Fowler segurou no braço de Maddie, cheia de esperança.

— Obrigada, minha querida. E você também deve comparecer, é claro,

pois não consigo imaginar o sr. Bancroft se aventurando a sair de Langley

sem a sua companhia. A menos que o marquês resolva assumir

pessoalmente os cuidados do tio. Que nobre seria da parte dele!

Page 9: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Maddie franziu a testa, vislumbrando a ótima oportunidade de tornar a

estada do marquês... um pouco mais animada.

— Acho que ele vai adorar a homenagem, sra. Fowler.

Pela vigésima vez, Quinlan Ulysses Bancroft se dispersou da leitura de

seu livro. Cansado do chacoalhar da carruagem, encostou a cabeça contra a

janela para observar a paisagem do campo.

O marquês puxou seu relógio de bolso e olhou as horas. De acordo com

sua estimativa, em vinte minutos mais finalmente chegaria a Langley, após

três longos e cansativos dias dentro de uma carruagem.

Em seu íntimo, receava ofender o querido tio com a sua presença. Ele

sabia que o relacionamento de Lewis e Malcom Bancroft já não era dos

melhores, e não tinha a menor intenção de piorar ainda mais a situação ao

se intrometer na administração de Langley.

Apesar de não apreciar muito a posição de bode expiatório de seu pai, os

vários anos de silêncio entre os irmãos Bancroft já tinham sido tema de

muitas conversinhas nas altas-rodas da sociedade londrina, e talvez aquela

fosse uma boa oportunidade para pôr um fim às desavenças dos dois. Tio

Malcom sempre fora seu parente favorito, por isso Quinlan estava disposto

a quaisquer sacrifícios por ele, mesmo que isso significasse passar uns

tempos no campo.

Com um pouco de sorte, conseguiria organizar os livros contábeis de

Langley e terminar o plantio da próxima safra em poucos dias. Assim, ele

melhoraria a imagem do tio Malcom aos olhos do irmão, e Sua Alteza

ficaria bem mais dócil com as pessoas ao redor.

E se tudo corresse conforme o previsto, ainda teria tempo de voltar para

Warefield antes de a temporada de Londres começar. Uma das primeiras

providências a serem tomadas logo que ele chegasse a Londres seria marcar

a data de seu casamento e cuidar de todos os preparativos, que não seriam

poucos.

Quinlan se espreguiçou, bocejando. Eloise, nas últimas cartas, começava

a dar sinais de impaciência, o que significava que já estava mais do que na

hora de oficializar o relacionamento deles. A idéia de se casar com ela não

lhe parecia tão desagradável assim; portanto, por que não resolver tudo de

uma vez por todas?

Finalmente o cocheiro quebrou o silêncio, anunciando que haviam

chegado a Langley.

Quinlan se endireitou no assento e olhou de novo pela janela. Situada no

topo de uma pequena colina e cercada de um fantástico jardim de flores

silvestres e uma pequena floresta ao lado, a mansão Langley se erguia

vermelha e branca para o céu do meio-dia salpicado de nuvens. Não era

mais que uma casa de campo se comparada aos padrões de Londres, mas a

Page 10: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

propriedade oferecia a melhor pesca da região: uma pequena recompensa

para a longa viagem.

— Farei um ensopado de você, seu desgraçado! — um homem gritava

na estrada, ao mesmo tempo em que perseguia um enorme porco que

guinchava, desesperado.

Olhando com mais acuidade, Quinlan percebeu que na verdade dois

camponeses armados de enxadas e pás perseguiam o animal.

— Ele chegou! Ele chegou!

Madeleine teve um sobressalto ao ouvir a criada anunciar, toda animada,

a má notícia. O marquês de Warefield tinha acabado de chegar.

Sua vontade era de correr para a janela mais próxima e ver por si mesma,

nem que fosse para confirmar que o pesadelo estava começando. Mas ela

sabia que não valia a pena perder seu tempo com mais um nobre esnobe.

— Ele está aqui, sita. Maddie! Venha rápido! — exclamou a sra.

Hodges, olhando através da janela da sala.

— Já ouvi, sra. Hodges.

A mulher nem mesmo escutou a resposta de Maddie e continuou com sua

narração.

— Oh, olhe aquilo, que carruagem elegante! Posso apostar que o rei não

tem uma igual.

Até mesmo o sempre contido Garrett estava inquieto. Seus olhos

passeavam da janela para o imenso relógio de pêndulo que havia no

corredor ao lado, como se estivesse tentando calcular o momento exato de

abrir a porta da frente.

— Não se preocupe, Garrett — Maddie disse encorajando-o.

— Acho que o marquês deve uivar de vez em quando, como um

autêntico Bancroft, mas creio que ele não morde. Pode relaxar.

Garrett olhou para ela com o canto dos olhos, e de novo para o relógio.

— Pretendo não cometer nenhum deslize na presença de lorde

Warefield.

— Oh, por favor, Garrett. A única diferença entre um nobre e um plebeu

é que um pode pagar pela falta de modos e o outro, não.

Pelos olhares e caras em sua direção, nenhum dos outros empregados

estava particularmente interessado em suas teorias contra a nobreza.

Maddie, então, se afastou do animado grupinho que estava grudado à

janela.

O tropel dos cavalos se aproximou, acompanhado dos estalos da imensa

carruagem. Garrett arrumou mais uma vez a casaca, fez um sinal para os

outros empregados se colocarem a postos e correu para abrir a enorme

porta de madeira. Lado a lado, os empregados de Langley davam os

últimos retoques em seus uniformes, formando duas fileiras que se

estendiam da porta até o pé da escadaria.

Page 11: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

No fim de uma das fileiras, Maddie se colocou discretamente para não

chamar muita atenção.

A carruagem que estacionou na frente da casa era enorme e preta, na

porta o brasão Warefield reluzindo em vermelho e amarelo. Uma magnífica

quadriga negra parou, impaciente, diante dos olhos dos estupefatos criados,

enquanto um quinto cavalo, que estava amarrado na parte de trás do

veículo, empinou e relinchou. Maddie bufou. O exibido havia trazido sua

própria montaria, como se os animais dos estábulos de Langley não fossem

bons o suficiente para ele.

Um lacaio bem vestido, que se encontrava ao lado do cocheiro, desceu da

carruagem e veio abrir a porta para o ilustre marquês.

Uma perna elegante, calçando bota preta lustrada e do mais fino couro,

surgiu do interior da carruagem. O segundo membro veio em seguida,

revelando coxas musculosas numa calça cinza de couro. O olhar cético de

Maddie viu ainda um elegante colete azul e cinza, semi-encoberto por um

paletó azul-marinho, e uma gravata branca acomodada entre o impecável

colarinho, dando o acabamento perfeito ao traje. Dedos em luvas brancas

de pelica entregaram ao criado um bastão de mogno polido com acabamen-

to incrustado em uma das pontas de marfim e ébano.

O marquês olhou para abaixo ao descer da carruagem, e a aba de um

chapéu alto de pêlo de castor azul formou um ângulo sobre os cabelos

ondulados castanho-claros, impedindo Maddie de ver o rosto dele.

— Bufão — ela resmungou, pouco impressionada. Esgrima e boxe

deviam ser os responsáveis por aquele corpo atlético, mas isso não

compensaria o nariz de batata que ele provavelmente possuía, ou as

olheiras por causa das noites mal dormidas, passadas na farra.

Mas então ele finalmente olhou para cima e duas bolas cor de jade,

verdes como a floresta depois da chuva, miraram os rostos dos receptivos

criados e, em seguida, as paredes de pedra vermelha da mansão Langley.

Os olhos de Maddie vislumbraram um nariz perfeito e uma linha do queixo

angulosa. Os lábios, que eram capazes de perturbar o coração da mais

inocente donzela, murmuraram algo para o lacaio, que imediatamente

entregou a bengala de volta e foi cuidar da bagagem.

Só então lorde Warefield seguiu em frente.

Garrett o recebeu com uma reverência.

— Bem vindo a Langley, milorde.

— Boa tarde, senhor. — Após um pequeno aceno, o marquês continuou

caminhando, e os olhos de jade mal olhavam para os criados, que

formavam um corredor.

Finalmente ele chegou ao vestíbulo e, depois de dar uma rápida olhada ao

redor, viu Maddie, porém seu olhar se deteve durante apenas alguns

segundos. Enrijecida, ela fez uma reverência abaixando os olhos, mas

quando ousou olhar de novo para cima, o marquês já passara e entregava a

Page 12: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

bengala e o chapéu ao mordomo. Maddie já esperava que fosse ignorada,

por isso estava surpresa pelo inusitado aborrecimento que sentiu diante da

pose constrangedora dele e pela maneira como havia sido dispensada

rápida e friamente.

— Gostaria de ver meu tio, Garrett — Warefield declarou. – Ah, e por

gentileza, mandem colocar minha bagagem em meu quarto. Meu criado

pessoal deve estar chegando com o restante na outra carruagem.

— Pois não, milorde.

Garrett olhou para Maddie, que se aproximou para cumprir com seu

dever.

— Eu o acompanharei até o sr. Bancroft, por favor — ela disse,

lembrando a si mesma a todo instante que prometera se comportar.

Warefield se virou para olhá-la. Uma sobrancelha se curvou levemente, e

então ele inclinou um pouco a cabeça e fez um sinal para que Maddie o

guiasse.

Caminhando à frente do marquês, ela passou pelo imenso salão.

Tentando não correr e, ao mesmo tempo, não atrair as atenções para si,

Maddie segurou com firmeza o corrimão de mogno da enorme escadaria e

manteve os olhos atentos aos degraus. Quanto menos barulho fizesse,

menos o marquês notaria sua presença.

No entanto, Maddie não esperava que ele fosse tão agressivamente

bonito, a ponto de se sentir ansiosa para olhá-lo de novo. Isso de alguma

maneira tornou a visita ainda mais irritante. Sua visão dos nobres ingleses

era a de homens gordos, com olhinhos miúdos e modos afetados.

— A senhorita é enfermeira de meu tio?

— Não, sou dama de companhia dele.

— E como a senhorita veio ocupar esta... posição?

— Eu me candidatei, milorde.

— Sei.

Maddie sentia vontade de gritar e se defender, pois pelo seu tom,

Warefield devia estar imaginando que ela era amante do sr. Bancroft ou

algo assim, mas talvez fosse melhor não alongar a conversa. Afinal, ele não

tinha nenhum direito de se intrometer em sua vida pessoal.

A porta do quarto de Bancroft estava diante deles.

— Posso saber o seu nome?

Maddie hesitou antes de responder, temendo ser descoberta. Mas as

chances de o marquês saber quem era ela eram mínimas.

— Sou a srta. Willits, milorde.

— A senhorita nunca olha para o rosto de seu interlocutor durante uma

conversa?

Como ele ousou? Embaraço, humilhação e fúria tomaram conta de

Maddie.

Page 13: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Ocultando uma fúria crescente atrás de um sorriso, ela se virou de costas

para a porta e o encarou.

— Minhas desculpas, milorde.

Em seguida, tocou na maçaneta. Ao olhar para o rosto de Quinlan,

Maddie percebeu que ele a encarava e estava abrindo a boca para dizer

algo, mas ela abriu a porta do quarto e voltou pelo mesmo caminho de onde

tinham vindo.

Quinlan ficou olhando para a misteriosa dama de companhia de seu tio

enquanto sua figura esguia desaparecia escada abaixo num farfalhar de

musselina rosa e branca.

— Quinlan Ulysses Bancroft. Bem vindo a Langley! O marquês virou o

rosto para a direção do tio.

— Olá, tio Malcom. Que prazer em vê-lo!

Entrou sorrindo no quarto. Do lado direito, em cima de uma cômoda,

havia uma imensidão de vidros de remédios; sobre o criado-mudo, uma

pilha de livros; e, numa mesa no centro do aposento, cartas de baralho e

tabuleiros de jogos. Flores-do-campo, arrumadas embaixo da janela,

balançavam suavemente com a brisa morna da primavera. Malcom estava

recostado sobre uma grande pilha de travesseiros, o rosto pálido e magro.

Mesmo assim, seus olhos brilhavam enquanto ele sorria alegremente para o

querido sobrinho.

— Você está ótimo, meu rapaz!

Quinlan esboçou uma leve inclinação de cabeça.

— Assim como o senhor. Pelo que meu pai disse, eu esperava encontrá-lo

deitado num caixão. O senhor me parece muito bem, tio.

— Com certeza era isso que Lewis desejava. — Malcom apontou para a

cadeira ao lado da cama. — Como foi a sua viagem?

Evitando se envolver na antiga briga dos irmãos, Quinlan se sentou sem

fazer nenhum comentário a respeito.

— Muito tranqüila, obrigado.

Malcom balançou a cabeça e apontou-lhe um dedo.

— Como apenas tranqüila, meu rapaz? Quero saber de todos os detalhes,

desde quem cruzou com você pela estrada a como estava o tempo e quanto

você está aborrecido por ter sido obrigado a vir para Langley antes da

temporada em Londres.

Por um momento Quinlan apenas olhou para o tio. Malcom sempre fora

mais famoso pela teimosa do que pela excentricidade, mas, como o duque

de Highbarrow havia dito várias vezes, era imprevisível saber quais as

seqüelas que um derrame poderia deixar.

— Muito bem. Para começar, não fiquei nem um pouco aborrecido por ter

vindo visitá-lo, tio. Não nos víamos havia muito tempo. Quanto à viagem,

o tempo estava relativamente bom e choveu apenas uma vez. No caminho,

duas carroças de leite passaram por nós, cinco carroças com camponeses, e

Page 14: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

quando estávamos chegando, quase atropelamos um porco que estava

sendo perseguido por dois camponeses.

Malcom teve um acesso de riso.

— Só poder ser a srta. Marguerite — ele explicou. — Preciso contar

para Maddie.

— Maddie?

— A srta. Willits. Você não a conheceu?

— Sim. Ela é...

— Uma pessoa amável e tem sido a minha salvação — o tio o

interrompeu, animado. — Pensei que ela fosse acompanhá-lo até

aqui.

— Acompanhou. — Aparentemente, a suposição de Quinlan quanto à

posição que Maddie ocupava na vida de seu tio estava correta. — Eu

diria que o comportamento dela é um tanto... ímpar, talvez. Mas já

imaginava que nenhum dos seus criados iria mesmo apreciar a minha

visita intrometida. Malcom sorriu de novo.

— Alguns de nós mais do que outros.

Quinlan ergueu uma sobrancelha, surpreso em ver o bom humor do tio.

— Bem, obrigado, tio.

— Com licença, sr. Bancroft, milorde.

Quinlan olhou para o lado. Maddie encontrava-se à porta do quarto. Pela

cor rosada de sua face e pela maneira como seu queixo estava erguido, era

quase certeza de que ela escutara o finalzinho da conversa.

— Pois não, Maddie? — Bancroft indagou.

Ela permaneceu parada e seus olhos azuis evitavam Quinlan. Sangue

irlandês, ele concluiu, olhando com mais apreço para o porte alto de

Maddie e seus cabelos ruivos cacheados.

— Sr. Bancroft, desculpe interromper, mas gostaria de avisar que a

bagagem de lorde Warefield já foi toda acomodada no aposento que ele

ocupará.

— Obrigado, querida — Malcom respondeu com um sorriso jovial que

havia muito ela não via no rosto dele.

Após uma leve mesura, Maddie se retirou, deixando tio e sobrinho mais à

vontade para continuarem a conversa. Quinlan voltou sua atenção para

Malcom.

— Gostaria de lhe garantir, tio, que estou aqui para cuidar de Langley

apenas durante a sua recuperação. Meu pai não tem nenhuma intenção de

destituí-lo de suas funções.

— Céus, não! Eu nunca imaginei tal coisa!

Quinlan franziu o cenho. Ele sabia muito bem das diferenças que havia

entre o pai e o tio.

Page 15: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Bem, tio, acho que quanto antes eu iniciar o meu trabalho, melhor

para todos nós. Estou pensando em começar pelos livros contábeis hoje, e

amanhã bem cedo farei um passeio por toda a propriedade. A menos que o

senhor tenha algo em mente.

— Acho sua idéia perfeita e pode contar com Maddie para ajudá-lo. Ela

conhece tudo e todos por aqui.

Quinlan concordou com um aceno de cabeça e caminhou até a porta.

— Quinlan?

Ele olhou para trás.

— Pois não, tio.

— Por favor, tome conta de Maddie por mim. Ela é muito mais do que

um velho como eu merece.

Então o tio estava lhe pedindo para tomar conta da srta. Willits. Não era

difícil imaginar os motivos. Um homem na idade dele e nas condições em

que se encontrava certamente não conseguia satisfazer os desejos da jovem

senhorita e estava preocupado com as possíveis conseqüências.

— Fique tranqüilo, tio. Cuidarei dela.

Quinlan caminhou pelo longo corredor que levava à ala leste da casa, e à

medida que avançava, suas recordações dos tempos de infância iam

aflorando. Antes da briga definitiva entre o tio e seu pai, ele costumava

passar os verões em Langley, e sempre tivera um carinho especial por

aquele lugar.

Das janelas largas e amplas era possível divisar toda a propriedade

abaixo. Quinlan parou um pouco para admirar a bela paisagem, e até onde

podia ver o lugar parecia em perfeita ordem e muito bem cuidado. Talvez,

com sorte, os livros contábeis também poderiam estar em ordem, e assim

ele partiria antes do previsto.

Suspirou sem muitas esperanças. Com certeza, uma montanha de contas

a pagar e a receber tinha se acumulado nos últimos meses. Ao se virar para

continuar, deparou com Maddie, que vinha acompanhada de uma criada. As

duas pareciam ter surgido do nada.

— O senhor está perdido, milorde? — Maddie indagou.

— Não, não estou. — Quinlan sorriu, tentando ser gentil. — Mas

obrigado por se preocupar, srta. Willits.

Maddie apenas meneou a cabeça e cutucou a criada a seu lado. A velha

senhora corou no mesmo instante, abaixou a cabeça e não teve coragem de

fazer a pergunta que precisava. Aborrecida, tomou a iniciativa.

— Desculpe por incomodá-lo, milorde, mas a sra. Iddings, a nossa

cozinheira, gostaria de saber quais são as suas preferências e se há algo que

o senhor não gosta de comer. Não tivemos tempo de entrar em contato com

o cozinheiro de Warefield, milorde, que acredito deva ter bem

documentado o delicado paladar dos nobres.

Page 16: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Ah! — Ele meneou a cabeça. — É claro. Obrigado novamente. —

Agora tinha toda a certeza de que Maddie, por alguma razão, não gostava

dele.

— E então, milorde? Quinlan limpou a garganta.

— Bem, não aprecio chouriço — ele começou e, percebendo que a sra.

Iddings ainda se escondia atrás de Maddie, sorriu numa tentativa de

acalmar as duas. — Gosto muito de faisão assado. De resto, como quase

tudo, apesar dos boatos que correm por aí.

Maddie concordou friamente com um aceno de cabeça, e não havia nem

de longe um leve sorriso em resposta à brincadeira do marquês.

— Fico feliz em saber, milorde. — Ela se virou para a cozinheira. — A

senhora ainda tem alguma dúvida, sra. Iddings?

A cozinheira fez uma mesura.

— Não, senhorita. Muito obrigada. — A senhora corou novamente e se

inclinou na direção do marquês. — Obrigada... Foi um prazer... Obrigada.

Deus o abençoe, milorde.

E, em seguida, saiu disparada pelo corredor, deixando-o sozinho com

Maddie.

Rapidamente, ela desviou o olhar e fez uma leve reverência, indicando

que também iria se retirar.

— Obrigada, milorde.

Mas antes que Maddie se fosse, ele deu um passo à frente, colocando-se

em seu caminho.

— Meu tio disse que a senhorita poderia me dizer onde estão os livros

de contabilidade, srta. Willits. A senhorita tem tempo agora?

— Pensei ter ouvido que o senhor não estava perdido, milorde.

— Perdido não estou, srta. Willits. Só não sei onde meu tio guarda seus

livros.

— Pois não, milorde — Maddie disse e seguiu em frente. Ao perceber

que não estava sendo seguida, parou e olhou para trás. — Se o

senhor puder me acompanhar, milorde...

Quinlan despertou de seu torpor e foi atrás dela pela escadaria.

— Há quanto tempo trabalha para meu tio, srta. Willits? Maddie teve

um sobressalto e parou tão de repente que ele quase trombou nela.

Quinlan ergueu as mãos em busca de equilíbrio, enquanto Maddie girava

no degrau para encará-lo. Os dedos do marquês roçaram de leve sua face,

e ela se afastou, amparando-se no corrimão.

— Há quatro anos, milorde.

Mas antes que Quinlan pudesse se desculpar pelo quase incidente,

Maddie já se virara de novo e continuava a descida. Surpreso e alarmado,

ele a seguiu.

— Quatro anos? — Quinlan repetiu. — Quantos anos a senhorita tem?

Page 17: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Tenho vinte e três, milorde. — O tom educado mal escondia o brilho

furioso de seu olhar.

Antes que Maddie virasse de costas novamente, Quinlan pôs a mão em

seu braço.

— Por favor, senhorita...

Ela se esquivou, assustada. Rapidamente, ele retirou a mão. Maddie

Willits era a dama mais afetada que Quinlan já havia visto.

— Desculpe. Gostaria apenas de saber se a senhorita costuma apresentar

esta dança incomum da escada para todos os visitantes de Langley.

Com um olhar profundo e desafiador, ela o encarou, furiosa.

— Somente para os que exigem que eu olhe para eles quando estou

falando, milorde.

— Não exigi isso... A senhorita não precisa correr o risco de quebrar o

pescoço todas as vezes em que tiver de responder a uma pergunta minha.

Por uma fração de segundo a expressão de Maddie se abrandou.

— Perdoe-me, milorde, mas agora não sei como devo me comportar.

A moça era geniosa e Quinlan não estava acostumado com isso. Ele

sempre tivera jeito com as mulheres, mas essa não era fácil.

— Por favor, pode prosseguir, srta. Willits.

— Pois não, milorde.

Quinlan seguiu sua guia até um pequeno e apertado escritório nos fundos

da ala leste da mansão. Sempre com muita cerimônia e nunca olhando nos

olhos do marquês, Maddie mostrou onde ficavam os livros e todos os

papéis relativos à contabilidade de Langley.

Mas para surpresa de Quinlan, ela não saiu correndo como o esperado e

parecia não querer que ele ficasse ali sozinho.

— Obrigado, srta. Willits. Isto basta. Posso cuidar de tudo, agora.

Maddie continuava parada, suas mãos sobre os livros. Abruptamente, ela

os colocou de volta na gaveta.

— Pois não, milorde. Com sua licença.

Quando Maddie já estava chegando à porta, Quinlan a chamou.

— Srta. Willits?

— Pois não, milorde?

— Gostaria de lhe fazer mais uma pergunta. A senhorita por acaso é

gaga?

Maddie franziu o cenho diante da inusitada indagação.

— Creio que não, milorde. Por que a pergunta?

— Geralmente um ou dois "milordes" entremeando uma conversa já são

suficientes para satisfazer o meu ego — Quinlan disse amigavelmente,

curioso para ver qual seria a reação da jovem. — Mais de uma vez soa

demasiado servil.

Pela primeira vez, os lábios sensuais de Maddie se curvaram num breve

sorriso enquanto ela fazia uma mesura.

Page 18: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Pois não, milorde. — E saiu da biblioteca.

Capítulo II

Maddie gostou da palavra "servil". Ela soou desagradável e ao mesmo

tempo arrogante. Isso indicava que ela estava atingindo seus objetivos.

Com sorte, de agora em diante o marquês iria se concentrar em ser

meramente amigável e educado. E, com um pouco mais de sorte, ele não

causaria nenhuma confusão nos livros contábeis que estavam tão bem

organizados. Quanto às plantações, não fosse pelas chuvas, ela já poderia

ter dado início. Mas agora só lhe restava rezar para que lorde Warefield

tivesse tanta aversão de sujar suas mãos quanto os outros nobres e fosse

cuidar da vida dele; bem longe dali, de preferência.

— Duas moedas pelos seus pensamentos, Maddie. Ela olhou para

Bancroft.

— Desculpe, o que o senhor perguntou?

Malcom espetava um pedaço de batata.

— A senhorita tem um brilho diferente no olhar. Estou curioso para

saber o que está planejando, e contra quem.

— Não estou planejando nada, sr. Bancroft. Só procuro enten¬der por

que seu sobrinho preferiu jantar sozinho na sala de jantar a vir fazer

companhia ao tio doente.

Maddie cortava um pedaço de faisão, imaginando que fosse uma porção

bem assada de lorde Warefield.

Talvez ele não se sinta confortável ao lado de um doente. Muitas pessoas

não gostam.

Sei disso. Mas o senhor não tem nenhuma doença contagiosa que

justifique. Há uma semana, nem conseguia mexer a mão, e agora já está até

comendo sozinho. O mínimo que ele poderia fazer seria...

— Maddie — Bancroft a interrompeu.

Naquele momento, alguém limpou a garganta diante da porta de entrada

do quarto. Corando, Maddie adicionou mais um adjetivo à crescente lista

de defeitos do marquês. Ele era inconveniente.

— Boa noite, Quinlan — Malcom o saudou. — Você já jantou? O

marquês entrou no quarto sorrindo, olhou de relance para

Maddie e acenou para o tio.

— Sim, meu tio. Sua cozinheira é fantástica. Esse foi o melhor faisão que

já comi.

— Passarei o elogio a ela. Certamente a sra. Iddings ficará muito

satisfeita. Você não acha, Maddie?

Sem erguer os olhos do próprio prato, ela respondeu:

Page 19: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Com certeza, sr. Bancroft. Ela está muito feliz com a presença do

lorde, assim como todos nós.

— Obrigado, sita. Willits. — A observação de Maddie era permeada de

sarcasmo.

— Não há de quê, milorde.

Então, ela iria continuar se divertido à sua custa?

— Tio, gostaria de saber se o senhor poderia solicitar alguém que

conheça bem a propriedade para me acompanhar, amanhã cedo.

— É claro que sim. Tenho certeza que Maddie o acompanhará com todo

o prazer, Quinlan.

O marquês fitou-a e sorriu vitorioso. Maddie cerrou os dentes. Malcom

era um traidor. Ele sabia da sua aversão aos nobres e agora a colocava à

disposição do tal marquês.

— Se lorde Warefield não se incomodar em seguir uma mulher por toda

a Langley, o prazer será todo meu.

— Não tenho nenhuma objeção, sita. Willits. — Na verdade, ele não

conseguia imaginar um guia mais atraente do que ela.

Os olhares de ambos se encontraram, e Quinlan tinha um sorriso

estampado no belo rosto. Por sua vez, Maddie deu um sorriso cínico.

— Sou uma madrugadora, milorde. Está bem para o senhor?

— Ótimo. Quero começar logo com isso. Quanto mais cedo melhor.

Conforme o combinado, Maddie chegou ao estábulo quando os primeiros

raios de sol despontavam no horizonte, com a certeza de que eles se

desencontrariam.

Mas qual não foi a sua surpresa ao entrar no estábulo: sua égua, Blossom,

já estava pronta, aguardando por ela.

Walter, o funcionário do estábulo, segurava as rédeas.

— Walter, o que...

Mas antes que ele tivesse tempo de dar uma resposta, o ilustre marquês

apareceu montado em seu garboso cavalo. Em seu maldito e belo rosto, um

sorriso.

Maddie sabia reconhecer quando perdia, mas aquela era apenas uma

batalha.

— Bom dia, milorde.

— Eu já estava começando a achar que a senhorita havia se esquecido do

nosso compromisso. — O cavalo se movia de um lado para outro

impaciente. — Combinamos para a primeira hora da manhã, não foi?

Maddie pegou as rédeas das mãos de Walter e se colocou ao lado da égua

para que o rapaz a ajudasse a montar.

— Sem dúvida, hoje serei motivo de inveja de toda a gente do campo por

estar em sua companhia.

— Talvez seja muita generosidade sua, mas agradeço o elogio.

Page 20: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Não há de quê, milorde. — Ela impulsionou Blossom. — Podemos

começar, milorde?

Um elogio? Isso era estranho, mas o "milorde" ao final de cada oração

ainda permanecia. Ele não tinha outra opção a não ser aceitar os estranhos

modos da bela moça.

— A senhorita monta muito bem. — O marquês seguia ao lado de

Maddie e seus olhos não se cansavam de admirar a rara beleza da

misteriosa acompanhante.

Ela corou não só pelo elogio, mas por perceber que estava sendo

observada.

— É muita gentileza sua, milorde — respondeu com um sorriso suave.

— O senhor tem um belo animal.

De acordo com sua previsão, o elogio surtira o efeito desejado. Pelo

menos o "milorde" veio acompanhado de um sorriso...

— Sim, eu sei. Aristóteles pertencia ao meu irmão mais novo, que o

perdeu para mim numa aposta, no ano passado. Mas até hoje Rafe não se

conforma e tenta recuperar o animal de qualquer maneira. Por isso eu levo

Aristóteles comigo para todos os lugares.

— Garanto que se seu irmão fosse um plebeu, seria enforcado se tentasse

roubar um cavalo. Mas sendo um nobre, tudo muda, é claro.

Quinlan a encarou com uma expressão de espanto. Então, ele tinha

entendido o recado e se deu conta do insulto. Talvez não fosse tão estúpido

quanto ela imaginava. Mas quando o marquês estava com uma boa resposta

na ponta da língua, uma situação inusitada lhe roubou a oportunidade.

— Olhe, é a srta. Marguerite! — Maddie anunciou acelerando o trote do

cavalo. — Está indo novamente para a plantação de repolhos do sr.

Whitmore. E melhor nos apressarmos ou uma verdadeira guerra terá início

em Langley.

O marquês reconheceu a intrusa.

— Ontem, já tive o prazer, ou desprazer, de conhecê-la. Quase sofremos

um acidente quando ela cruzou nosso caminho, na estrada.

Maddie sorriu.

— A srta. Marguerite está ficando impossível. Suas fugas costumavam

acontecer em espaços de tempo maiores.

— Ah, então ela é uma infratora conhecida?

— Sim, muito. — De repente, Maddie se lembrou de que não gostava

do marquês. — Que tolice a minha, milorde, imaginar que o senhor se

interessaria pelas aventuras de uma porca fujona. Queira me desculpar, o

senhor deve estar mais interessado nos acontecimentos de Londres.

Quinlan se divertiu com a resposta de Maddie e soltou uma gargalhada.

Mas não foi uma gargalhada de deboche, e sim espontânea e calorosa.

— De forma alguma, Srta. Willits. Eu não passo todo o tempo em

Londres. E não temos porcos em Warefield.

Page 21: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Pelo menos, não como a srta. Marguerite. Disso eu tenho certeza,

milorde.

Sem dar aviso, Maddie disparou atrás da porca fujona. Como havia

previsto, a srta. Marguerite estava se dirigindo para a plantação de repolhos

do sr. Whitmore. Quinlan não viu outra saída a não ser tomar parte da

inusitada aventura, e Maddie estava muito curiosa para ver como o

marquês se sairia numa situação como aquela.

Maddie se colocou na posição privilegiada de observadora, enquanto

Quinlan corria ao longo do riacho já no encalço da srta. Marguerite. Esperta

como ela só, se esquivava em ziguezague, confundindo o pobre marquês

que, em uma das várias manobras, acabou caindo do seu cavalo,

aterrissando de cabeça na margem lamacenta do riacho.

— Cuidado, milorde... — Maddie ainda tentou alertá-lo. Apesar de estar

achando a situação para lá de engraçada.

Mas já era tarde demais, o estrago já tinha sido feito, e o marquês tentava

se levantar, escorregando na lama. Quando ele, finalmente, conseguiu ficar

de pé, a cena atingiu o pico do ridículo. Quinlan estava encharcado dos pés

à cabeça, e seu belo traje de montaria, todo coberto de lama.

Maddie continha o riso com todas as suas forças e pensava no lado

positivo. Se o riacho estivesse mais cheio, ele poderia ter se afogado.

Ela se aproximou para mostrar alguma solidariedade.

— Oh, milorde! O senhor se machucou?

Quinlan balançou a cabeça, negando e espirrando água para todos os

lados.

— Que desagradável! A água deve estar muito fria.

— Sim, está muito fria. — Ele caminhava lentamente por causa do peso

da água e da lama em suas botas. — A senhorita viu onde o meu chapéu foi

parar?

— Acho que o vi flutuando no riacho, milorde. O senhor quer que eu

busque ajuda?

— Não é necessário.

Quinlan não tinha certeza, mas, pela expressão de Maddie, tinha a nítida

impressão de que ela fizera aquilo de propósito. Maddie tocou de leve em

sua égua e saiu lentamente.

— Vamos voltar para casa, Blossom.

Quinlan montou em seu cavalo e se apressou para acompanhar o passo de

Maddie, que não se cansava de surpreendê-lo com suas respostas inusitadas

e agora com um quase afogamento.

Maddie meneou a cabeça e encarou seu patrão com ares de inocência.

— O senhor pode ter certeza de que não tive culpa de nada, sr. Bancroft.

Malcom conhecia muito bem Maddie e sabia do que ela seria capaz.

Page 22: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Ele só está aqui há um dia, Maddie, e quase morreu afogado no

riacho. Seja lá o que você pensa dos nobres, saiba que meu sobrinho é um

rapaz muito fino e educado. Além do mais, eu gosto dele e não posso

permitir que você continue expondo-o a situações como essas.

— Como eu ia adivinhar que a srta. Marguerite tinha escapado

novamente? Lorde Warefield foi quem quis continuar a perseguição, não

eu.

— Está bem, Maddie, vou acreditar em você. Mas, por favor, não

desconte em Quinlan os ressentimentos que guarda de outros. Ele é um

bom rapaz, acredite em mim.

Maddie gostava imensamente de Malcom e temia que ele pudesse ter

outro ataque, pois sua saúde ainda era delicada. Ela não iria correr o risco

de ser a causadora de um outro mal súbito de seu querido patrão. Malcom

sempre a tratara como a uma filha e ele certamente não merecia sua

ingratidão.

— Peço-lhe desculpas, sr. Bancroft.

No período da tarde, lorde Warefield gastou mais de duas horas para

completar sua inspeção pelas terras, acompanhado de Walter, o tratador de

cavalos. Ele preferiu não convidar Maddie para o restante do passeio,

temendo sofrer mais algum estranho incidente.

Após o almoço, enquanto Bancroft tirava seu cochilo costumeiro, Maddie

deu uma escapadinha até a biblioteca para ler um pouco. Mas seu sossego

durou menos do que ela esperava.

— Muito obrigado, Garrett — o marquês falou ao abrir a porta da

biblioteca. — E, por favor, me avise quando a correspondência chegar.

— Pois não, milorde.

Ao entrar no cômodo, Quinlan deparou com Maddie.

— Srta. Willits — ele disse, visivelmente surpreso. Olhos verdes a

encaravam sentada na poltrona favorita de Bancroft com um livro ainda

fechado no colo.

— Milorde — ela respondeu se endireitando, aborrecida pela interrupção.

É claro que ele estava surpreso em vê-la ali. Sem dúvida esperava que ela

estivesse na cozinha ajudando a polir a prata, ou limpando o chão.

— Minhas desculpas. Eu não sabia que a biblioteca estava ocupada —

disse o marquês, virando-se de novo para a porta.

Rapidamente ela se levantou e colocou o livro de lado.

— Oh, por favor, milorde. Não quero atrapalhar a sua leitura. Seu tio já

deve ter acordado... Vou levar um chá para ele.

— Não é necessário.

— Não se incomode, milorde, me desculpe. — Com um leve sorriso no

rosto, Maddie passou por ele.

— Srta. Willits, pare! — Ela parou e fitou-o.

Page 23: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Pois não, milorde?

— Não precisa sair da biblioteca por minha causa — Quinian disse

calmamente, pronunciando com clareza cada palavra. — Eu só vim pegar

papel. Esqueci de trazer meu bloco de cartas e preciso pôr minha

correspondência em dia.

E claro que ele pretendia relatar imediatamente ao duque de Highbarrow

a situação lastimável da propriedade.

— Pois não, milorde — Maddie disse e correu até a escrivaninha para

mostrar onde estava o papel de carta. — O senhor devia ter me falado

antes. Permita que eu o ajude e assim tire qualquer possível má impressão

que tenha restado do terrível incidente desta manhã.

O marquês estreitou os olhos.

— Eu não diria que ter sido logrado por uma porca tenha sido tão terrível

assim. Embaraçoso, talvez. — Ele fez uma pausa. — Mas, com certeza,

essa é uma história que divertirá muito meu irmão. Preciso saber quem

devo subornar para evitar que isso aconteça.

É claro, o pomposo fidalgo iria resolver seus problemas com dinheiro.

Sem dúvida ele sempre fazia isso. Maddie tirou um bloco de cartas de uma

das gavetas. Por mais atraente que o marquês fosse, ela sabia o que havia

por baixo daquela pele de cordeiro. E nunca se deixaria enganar por aquele

maldito sorriso atraente e aquele belo pai- de olhos cor de jade.

— Isso foi uma brincadeira, sita. Willits.

Os olhares se encontraram quando Maddie lhe entregou o papel.

— Pois não, milorde.

— A senhorita pode rir se quiser, mas vou confiar na sua discrição.

— Obrigada, milorde. — Então, agora o marquês se considerava também

encantador e divertido. Ela jamais riria com ele. — Espero que tudo tenha

corrido bem em sua inspeção hoje à tarde.

— Sim, foi tudo bem. Mas o cavalariço de meu tio, o sr. Walter, é uma

pessoa digamos... ímpar. Maddie sorriu levemente.

— Sim, concordo, milorde.

— Conhece bem as terras, porém eu não esperava que ele tivesse uma

opinião tão singular da nobreza.

Maddie comprimiu os lábios e olhou para a janela.

— E qual seria, milorde? — Podia sentir o olhar de Quinian sobre ela,

quente, embaraçoso e indesejável. Não ria, dizia para si mesma. Ele não é

divertido. — Parece que Walter levou um coice de um cavalo na cabeça,

alguns anos atrás, e agora ele pensa que é um nobre disfarçado. Ou melhor,

julga-se o legítimo herdeiro do trono inglês e que foi injustamente passado

para trás.

O marquês estendeu a mão e apanhou uma folha de papel.

— E eu que pensei que os moradores de Sommerset não estavam

acostumados com nobres.

Page 24: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Sim, nós... — Maddie se conteve. Não. Ela não iria alongar a conversa

além do estritamente necessário. — Posso me retirar agora, milorde?

— Eu disse que a senhorita não precisava sair.

— Sim, milorde, mas eu quero.

O olhar fixo de Quinian a fez sentir um enorme desejo de se virar, ou

melhor, de cuspir nos olhos dele. Ou de beijá-lo?!

— Então, pode sair — o marquês finalmente disse. Maddie piscou,

espantada por ter pensado aquilo, e se retirou.

— Obrigada, milorde.

Quinian mais uma vez verificava sua aparência no espelho. Não havia

mais nenhum traço do fiasco da manhã, nada além da pilha de roupas que

Bernard, seu criado pessoal, mandara lavar. Mesmo assim, ainda tinha a

impressão de que algo não estava certo.

— O senhor deseja algo mais, milorde? — Bernard indagou, fechando a

valise.

Quinian se virou.

— O que você disse?

— O senhor precisa de algo mais, milorde?

— Não, obrigado, Bernard, isso é tudo.

O criado saiu do quarto, e Quinlan olhou-se mais uma vez no espelho

antes de sair também. Talvez o mergulho no riacho e a lama tivessem

afetado seu cérebro. Os botões estavam corretamente fechados; tudo

parecia correto. Nada muito pomposo nem muito simples.

— Sr. Bancroft — Maddie disse — mandei trazer isto de Surrey.

Quinlan parou diante da porta entreaberta. O tom de voz de Maddie era

alegre e contagiante.

— É ridícula.

— Não, é moderna. Se o senhor tentar, verá como será mais fácil desta

vez.

— Vou acabar quebrando o pescoço! Maddie riu.

— Vou lhe mostrar como é fácil.

Intrigado, Quinlan espiou pela fresta da porta. Maddie estava sentada em

uma cadeira de rodas de madeira, movendo-a para a frente e para trás.

— Uma cadeira de rodas — o marquês falou, entrando no quarto de

surpresa. — O sr. Balfour está usando uma também.

Maddie se levantou no mesmo instante e o bom humor desapareceu de

seus olhos azuis.

— Boa noite, milorde.

— Meu tio... srta. Willits — ele cumprimentou, desapontado. Maddie

ainda parecia odiá-lo.

— Alguém morreu, milorde? — Maddie perguntou educadamente.

Quinlan franziu o cenho.

— Morreu?

Page 25: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Sim. Seu paletó e... — Ela parou e pôs uma das mãos sobre seus

lábios sensuais. — Minhas desculpas. Acho que fiz de novo.

Sem dúvida a moda em Londres deve ser usar roupas pretas à noite.

Quinlan percebeu o que antes o estava incomodando. A língua afiada de

Maddie. Ele examinou o próprio traje, e então seus olhares se encontraram.

— Você está ótimo, meu rapaz. — Malcom fez um sinal para que ele se

sentasse ao lado da pequena mesa que havia ao lado da cama. — Podemos

não ser formais aqui, mas você não precisa abandonar os seus hábitos,

Quinlan se esforçou para responder com um sorriso.

— Obrigado, meu tio.

Ele se dirigiu para a cadeira. Naquele momento, no entanto, Maddie

sentiu uma imensa necessidade de ajeitar as flores que estavam no vaso

perto da janela. Pacientemente, Quinlan permaneceu em pé, esperando que

ela se sentasse primeiro. Porém Maddie parecia não ter nenhuma pressa e

continuava com seu falso pretexto, olhando para ele com o canto dos olhos.

Foi então que o marquês confirmou suas suspeitas. Maddie Willits estava

provocando-o de propósito e tentando humilhá-lo e embaraçá-lo de todas as

maneiras. Até agora, ela fizera um bom trabalho. Mas o motivo, ele não

imaginava qual fosse.

Malcom observava a cena, fingindo estar entretido com o prato de

comida em seu colo. Quinlan puxou a cadeira para Maddie.

— Srta. Willits?

Ela se virou, fingindo surpresa.

— Oh, Céus! O senhor estava esperando por mim, milorde? Ele sorriu.

— Esperando? Não. Eu estava admirando a mais bela flor de

Sommerset. Posso lhe garantir que foi um prazer.

Durante alguns segundos Maddie o encarou, antes de se sentar.

— Obrigada, milorde — ela falou lentamente e com uma certa

relutância permitiu que o marquês puxasse a cadeira.

Roçando o cotovelo de Maddie com a mão, ele puxou outra cadeira e se

sentou do outro lado da mesa, de frente para ela. Nesse ínterim, Maddie já

estava preparando outro ataque.

— Perdoe-me por haver mandado servir o jantar antes da sua chegada,

mas não há muito espaço para os criados aqui no quarto. Mesmo assim,

aguardamos durante alguns minutos pelo senhor, milorde. Mas com a

demora...

— Maddie... — Malcom resmungou.

Quinlan tomou um gole de vinho para disfarçar seu espanto. Língua

afiada, modos afiados, mente afiada. Era de estranhar que ele ainda

estivesse vivo.

— Acho que sou eu quem tem de se desculpar pelo atraso. Foi

imperdoavelmente rude de minha parte, srta. Willits.

— De forma alguma, milorde — ela disse docemente.

Page 26: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Quinlan, você não tem alguma fofoca para nos contar? — seu tio tentou

amenizar a situação.

— Sim, eu tenho, mas depois do dia que tive em Langley, duvido que

qualquer uma das minhas histórias será interessante.

Fico feliz que você não tenha quebrado o pescoço, meu rapaz.

Maddie concordou com Malcom.

— É verdade. Graças a Deus não chove há dias, ou lorde Warefield

poderia até ter se afogado no riacho.

— Assim como a srta. Marguerite — Quinlan acrescentou. Maddie

ergueu uma sobrancelha, novamente a bela imagem de desdém.

E os Hatlebury teriam perdido para um marquês enlameado a melhor

fonte de renda deles. — Até mesmo a risada dela soava como um escárnio.

— Que piada!

— Ou que disputa — Quinlan resmungou.

— O que o senhor disse, milorde?

— Que o incidente de hoje cedo me fez lembrar o último encontro que

tive com o conde de Westerly.

Durante as duas horas seguintes, Quinlan divertiu sua platéia com

histórias sobre sua última estada em Londres.

— Bem, o que você achou de Langley? — Malcom finalmente

perguntou.

Quinlan tomou outro gole de vinho.

— Vi que as sementes já estão prontas, tio — ele disse, olhando para

Maddie.

— Não se pode perder tempo, meu rapaz.

Quinlan tinha certeza de que alguém havia cuidado da organização do

plantio. E esse alguém só poderia ter sido Maddie.

— Acho que deveríamos começar a arar a terra amanhã, um dos três

campos ao sul. De qualquer maneira, eles parecem estar mais secos que os

outros. — De novo ele olhou para Maddie. — E eu acho que o sr.

Whitmore merecia um tratamento especial depois que a sua plantação de

repolhos foi praticamente dizimada esta manhã.

— Concordo, meu rapaz.

— Percebi que o plantio e a colheita são executados por todos os

arrendatários em conjunto.

— Esta é a única maneira de cuidar da plantação, milorde — Maddie

interferiu.

Quinlan teve a nítida impressão de que o tom dela era de insulto, como se

ele tivesse acabado de dizer algo muito óbvio.

— Eu já esperava que a senhorita diria isso — falou, deleitando-se com a

expressão de espanto de Maddie. — Gostaria de saber se a senhorita

poderia me ajudar na supervisão do plantio.

— Preciso cuidar do sr. Bancroft, milorde.

Page 27: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Maddie, Quinlan está certo. Sua ajuda será muito útil. — Malcom

lançou seu olhar de súplica para ela.

— Está bem. — Maddie se levantou e se inclinou para dar um beijo na

testa de Malcom, então acenou friamente para o marquês. — Boa noite, sr.

Bancroft, milorde.

— Boa noite, Maddie.

— Boa noite, srta. Willits.

Quinlan estava surpreso em ver que ela se recolhia tão cedo.

— Bem, Quinlan, afinal, o que você achou de Langley?

— Fiquei muito impressionado, meu tio. Para ser honesto, não era o que

eu esperava. — Nada ali era como ele esperava, e Maddie Willits menos

ainda...

— Você quer dizer que não é o que Lewis esperava. Nada de casas

caindo aos pedaços, enchentes ou fome em Sommerset. Creio que ele vai

ficar desapontado.

— É melhor não especular a respeito. — Para evitar outra discussão de

família, Quinlan se espreguiçou. — Acho que vou para a cama também.

Devo mandar meu criado para cuidar do senhor?

— Maddie já cuidou disso, meu rapaz. Boa sorte amanhã. Quinlan sorriu.

— Obrigado. Acredito que vou precisar, tio.

O marquês de Warefield com certeza estava tramando algo.

Durante toda a manhã, Maddie observara a maneira como ele conversava

amigavelmente com os intimidados camponeses. Mas à medida que a

conversa fluía, todos ao redor ficavam cada vez mais à vontade e o

embaraço inicial ia se transformando em verdadeira veneração.

Ela olhou, contrariada, para o perfil bronzeado de Quinlan e para os

cachos que refletiam a luz do sol, e foi obrigada a admitir que ele não era

tão feio quanto havia imaginado. Nem tão indiferente, também. Mas nobres

não costumavam agir de maneira tão amigável, e Maddie sabia muito bem

disso.

— Srta. Willits — Quinlan disse —, acho que podemos voltar a Langley

para não nos atrasarmos para o almoço.

Maddie fez uma leve mesura e os dois seguiram para casa.

Page 28: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Capítulo III

Assim que entraram em casa, Garrett, o mordomo, os recebeu segurando

uma bandeja de prata, onde havia uma carta para lorde Warefield.

— Milorde, correspondência para o senhor.

— Obrigado, Garrett. — Quinlan buscou a privacidade de seu quarto

para ler a carta. A letra no envelope era de Eloise Stokesley.

Querido Quinlan,

Fiquei muito triste quando li, em sua última carta, que você foi

enviado para Langley. Imaginei que pudesse nos visitar em Stafford

Green, como havíamos planejado.

Sei que não deveria dizer, mas estou com saudade.

Eu conto os dias e não vejo a hora de estarmos juntos em Londres.

E espero ainda mais ansiosa pelo dia do nosso casamento.

Aguardo uma carta sua, contando suas aventuras no campo.

Sempre sua, Eloise

Quinlan colocou a carta sobre uma mesinha. O melhor que ele poderia

fazer por Eloise era cuidar rapidamente de suas obrigações e retornar a

Warefield a tempo de ir para Stafford Green.

À tarde retomaria seu trabalho nas plantações e, para garantir que Maddie

não iria ter tempo de planejar mais uma das suas, o melhor seria conservá-

la ao seu lado. E ela parecia mesmo um tanto entediada. Quem sabe não

fosse por causa da doença de Malcom, que agora certamente não estava

mais requisitando... os serviços da srta. Willits.

Talvez essa pudesse ser a oportunidade de chamar a atenção da jovem

para ele. Por outro lado, ela, na verdade, não agia como alguém que

quisesse atrair um homem para a sua cama.

Quinlan parou, franzindo o cenho. Bom Deus, agora ele estava

planejando roubar a mulher de outro homem... de seu próprio tio!

Pouco depois, ao se aproximar do estábulo, Quinlan ouviu vozes e

diminuiu o passo.

— Não, Bill, você está fazendo tudo errado.

— Não estou, srta. Maddie.

— Sim, está. Você vai jogá-lo no chão.

— Não, eu não vou!

Bill Tomkins, o lacaio, estava parado ao lado do caminho de pedras do

jardim. Malcom, agasalhado com cobertores, encontrava-se sentando em

sua cadeira de rodas, com Maddie a seu lado, muito brava.

— Maddie, está tudo bem.

— Não, não está, sr. Bancroft. O senhor precisa tomar um pouco de sol.

Pode deixar, Bill. Eu mesma empurro a cadeira.

Page 29: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Malcom riu.

— É melhor você fazer o que ela está dizendo, Bill. O criado suspirou e

soltou a cadeira de rodas.

— Sim, sr. Bancroft. Mande me chamar quando o senhor quiser voltar

para casa.

— Obrigado, Bill.

O criado entrou na casa, e Maddie ocupou o lugar dele.

— É melhor você não sair do calçamento, minha querida.

— Bobagem. Quero lhe mostrar meu canteiro de rosas.

Ela empurrava a cadeira pelo gramado macio quando uma das rodas

enroscou numa depressão e emperrou.

— Droga! — Maddie murmurou.

— Acho que estou afundando — Malcom disse calmamente.

Ela, porém, não era mulher de se render e com muito esforço conseguiu

soltar a cadeira.

— Viu, basta um pouquinho de jeito, sr. Bancroft — Maddie disse,

movendo-o na direção do canteiro de rosas. — Onde nós tínhamos parado a

nossa leitura?

Malcom tirou um livro debaixo da montanha de cobertores que o

protegiam e abriu-o.

— Vamos ver. Beatrice estava dizendo a Benedick que uma cicatriz no

rosto não o deixaria ainda mais feio.

Maddie sorriu.

— Ah! E Benedick disse: "Bem, você é uma ótima professora de

papagaio".—Ela soltou a cadeira e parou na frente de Malcom, pondo as

mãos nos quadris. — Então Beatrice respondeu: "Um pássaro com a minha

língua é melhor do que um cavalo treinado por você". — Enquanto

Malcom aplaudia, empolgado, Maddie se virou e mudou o tom da voz para

um mais masculino: — "Gostaria que o meu cavalo tivesse a velocidade da

sua língua e...".

Quinlan se aproximou e completou a fala de Benedick:

— "...e fosse tão bom em nunca parar".

— Olá, Quinlan, boa tarde. — Malcom se virou para cumprimentar o

sobrinho.

— Srta. Willits, eu não sabia que gostava de Shakespeare. — Ele, na

verdade, estava extremamente curioso para saber onde ela havia aprendido

a citar o bardo de cabeça.

Maddie ergueu os olhos, muito corada.

— Como o senhor poderia saber que eu gosto de Shakespeare, milorde?

Sem dúvida, não sabia que seu tio também gosta, ou que ele estava com

saudade do senhor por não vê-lo há quatro anos, ou que o senhor nos

últimos três dias não passou mais do que duas horas conversando com ele.

Page 30: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Maddie, basta! — Malcom disse rispidamente. — Posso me defender

sozinho, muito obrigado. Você não deveria falar assim com Quinlan.

— Acho que não. Assim como tenho certeza de que ninguém tem

coragem de dizer a verdade para ele. — Antes de se retirar, ela se virou

para o marquês. — O senhor cuidará para que seu tio volte em segurança

para a cama?

— Pode ficar tranqüila quanto a isso, srta. Willits. — Quinlan, no íntimo,

se perguntava por que as palavras dela o faziam se sentir completamente...

inadequado.

— Obrigado, sr. Bancroft, estou indo falar com John. — Com um

farfalhar de saia, Maddie foi embora.

Quinlan olhou para o tio, que expressava algo que era uma mistura de

divertimento com raiva.

— Desculpe, tio. Não percebi que não estava dando atenção j ao senhor.

Malcom olhou para ele, então sorriu.

— Você não veio para ser meu enfermeiro. Veio para cuidar de Langley e

garantir que continue rentável.

— Sim, temos de manter nossas aparências, tio. O senhor quer entrar ou

ir ver as rosas?

— Pensei que você estivesse indo verificar as plantações.

— Mudei de idéia, tio. Para onde vamos, afinal?

— Para as rosas, então, se você não se importar. Já deve fazer quase dois

meses que não saio de casa. E Maddie parece se entender muito bem com

as plantas.

Quinlan retomou o caminho para o canteiro.

— Deve ser por causa dos espinhos.

Malcom riu.

— Pode ser. Mas lembre-se de como são belas as rosas que eles

protegem.

— O senhor não se importa que ela vá visitar esse tal de John?

— John Ramsey? Não, é um bom sujeito. Conheço ele e a irmã desde

que nasceram. — Pararam perto do belíssimo canteiro de rosas.

O nome, então, aflorou na memória de Quinlan.

— John Ramsey... Não era ele que gostava de sapos, tio?

— Não, não. John gostava de construir barcos.

— Sim, agora eu me lembro. Um sujeito calmo e miúdo.

— Ele mesmo. E um matemático de Edimburgo que criou um novo

sistema de irrigação, e Maddie quer instalar um igual na parte norte das

terras.

— Por que ela não me contou nada a respeito?

— Acho que pensou que você não iria se interessar. Isso poderia

adicionar mais uma semana à sua estada aqui. Faremos a instalação no

próximo ano, quando pretendo já estar de pé para ajudar.

Page 31: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Acho que amanhã cedo farei uma visita a John Ramsey, tio. Malcom

sorriu.

— Esplêndido. Esplêndido, Quinlan.

Na manhã seguinte lorde Warefield convidou Maddie para acompanhá-lo

em sua inspeção matinal. Mas qual não foi a surpresa dela quando eles

seguiram para as terras de John Ramsey, que parecia aguardá-los, já

montado em seu cavalo.

— Bom dia — o marquês disse alegremente, inclinando-se na

carruagem para cumprimentar o vizinho de seu tio. — John Ramsey, acho

que estou lhe devendo um pedido de desculpas por ter afundado um certo

barco, há alguns anos.

John sorriu, divertido, com a lembrança dos tempos de infância.

— Não é preciso se desculpar, Warefield. — Os dois trocaram apertos

de mão. — Obrigado por me convidar para o passeio. Eu estava começando

a acreditar que Maddie era a única interessada em modernizar a região.

Eles percorreram as terras de John para verem o novo sistema de

irrigação, e, apesar de seu ceticismo, Maddie teve de admitir que o

interesse do marquês era genuíno e sincero. Ela se surpreendeu ainda mais

quando ele disse que ainda naquela tarde iria até a vila para encomendar

toda a madeira necessária para eles iniciarem o quanto antes as obras do

novo sistema de irrigação, que traria inúmeros benefícios a Langley e a

todos os seus moradores.

Como vinha fazendo desde que chegara a Langley, Quinlan acordava

cedo e logo após o café já saía para verificar pessoalmente o andamento do

plantio, que, por sinal, seguia muito bem sob o seu comando.

Quase perto da hora do almoço, retornou para casa e casualmente

perguntou ao tio pela srta. Willits.

— Acho que Maddie está no jardim, cuidando das rosas.

— É surpreendente como ela gosta dessa atividade.

— As rosas de Maddie fazem muito sucesso e vários vizinhos

costumam pedir mudas. Acredito que ela esteja preparando alguma para

distribuir.

Então, ela não odiava todo o mundo. Somente os marqueses... ou

somente o marquês de Warefield.

— Tio, posso lhe fazer uma pergunta?

— Claro.

— Por que a srta. Willits parece antipatizar tanto comigo? Será que fiz

algo que a tenha ofendido?

— Essa é uma resposta que só ela poderá lhe dar, meu rapaz. Quinlan

suspirou e se levantou.

Page 32: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— O senhor me alertou para eu tomar cuidado com ela. Mas se esqueceu

de dizer que eu deveria ter trazido uma armadura.

Seu tio apenas riu.

Quinlan voltou para o seu quarto e, ao ver a carta de Eloise sobre o

criado-mudo, lembrou-se de que ainda não tinha escrito para ela desde que

chegara a Langley. Resignado, sentou-se para cumprir seu dever.

Querida Eloise,

Tio Malcom está passando bem. Infelizmente, parece que terei de

ficar em Langley mais tempo do que havia planejado, para cuidar

da implementação de um novo sistema de irrigação.

Nada de muito interessante acontece por aqui.

A última parte não era exatamente verdadeira, mas ele duvidava de que

Eloise fosse gostar de ler sobre suas últimas aventuras.

Ainda planejo visitá-la em Stafford Green antes da temporada.

Por favor, mande minhas saudações a seu pai.

Seu,

Quinlan

A carta não era muito longa, mas aquilo bastaria por enquanto. Ele

poderia escrever outra com mais detalhes, quando soubesse por quanto

tempo mais ainda ficaria por lá. Fechou a carta e a entregou aos cuidados

de Garrett.

Inquieto, andou pela casa, na esperança de encontrar Maddie antes que

ele tivesse de voltar para as plantações. Já aborrecido e impaciente, olhou

pela janela da sala de almoço e a viu entrando no barracão do jardim.

Quando ia saindo para ir ao encontro dela, hesitou.

Se aparecesse inesperadamente, Maddie o acusaria de perseguição e de

estar negligenciando suas obrigações com Malcom e com Langley.

Então, teve uma inspiração e, sorrindo, ele foi até o escritório, apanhou o

último livro contábil e abriu na página onde a ilegível caligrafia de seu tio

mudava para uma bela letra de mulher.

Com o livro embaixo do braço, ele "marchou para a batalha".

— Srta. Willits? — ele chamava pelo jardim, fingindo não saber onde ela

se encontrava. — Srta. Willits, onde a senhorita está?

Maddie, por sua vez, preferiu não responder, mas justamente quando

Quinlan já estava achando que teria de entrar no barracão e encontrá-la

"acidentalmente", ela apareceu.

— Pois não, milorde?

— Tenho uma pergunta para lhe fazer, srta. Willits.

Com suspeita, Maddie olhou para o livro nas mãos dele. Quinlan se

aproximou, segurando o livro aberto. Ela cheirava a terra e lavanda. E o

Page 33: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

calor que corria nas veias dele não tinha nada a ver com simples

curiosidade.

Tentando dirigir suas atenções para a contabilidade, ele apontou as

últimas entradas, com a data de dois dias antes. Provavelmente, Maddie

anotara as entradas enquanto ele estava cuidando das plantações.

— Posso saber quem fez isso, senhorita? Pois esta letra com certeza não

é de meu tio.

Ela se inclinou um pouco para olhar a página e, em seguida, fitou-o.

— Como vou saber, milorde?

— A senhorita acha que sou um completo idiota? — Quinlan firmou um

sorriso enquanto Maddie abria a boca para responder. — Não precisa falar

desse jeito. Deixe-me explicar. Aqui... — Ele virou algumas páginas para

trás — Esta é a caligrafia de meu tio. O único Bancroft que tem letra boa é

meu irmão. — Apontou outra entrada, mais recente. — Está é a minha

letra. Não é muito melhor, mas pelo menos dá para ler. — Retornou à

página anterior. — E esta caligrafia só pode ser sua.

Maddie deu uma olhada.

— Está bem, eu confesso, milorde. Eu sei aritmética.

— Por que a senhorita não me disse que estava cuidando de Langley?

— Escrevemos para seu pai. — O olhar dela se encontrou com o de

Quin. — Mas o senhor não parecia estar interessado.

Na verdade, estava mais interessado do que ele mesmo queria admitir.

— Meu pai não me disse nada a respeito. A senhorita fez um bom

trabalho aqui, tanto para meu tio como para os Bancroft.

— Simplesmente cumpri com as minhas obrigações — Maddie

respondeu. — Era só isso que o senhor queria saber, milorde?

— Gostaria de lhe agradecer por cuidar de meu tio.

— Alguém precisa fazê-lo, milorde.

O pensamento já tinha lhe ocorrido. Se Maddie não tivesse cuidado de tio

Malcom, tanto ele como Langley estariam em péssimas condições. Com

seu orgulho ferido, Quinlan entrou no barracão, logo atrás dela.

— Agora a senhorita está me criticando por eu não ter vindo a Langley

antes.

— Não cabe a mim criticá-lo de qualquer coisa que seja, milorde.

Ela fez uma mesura.

— Espere um pouco, srta. Willits.

Maddie parou e encarou-o.

__ — Pois não, milorde?

__ — Srta. Willits, em nome de Deus... — Ele hesitou e resolveu

escolher melhor as palavras. — O que eu fiz para ofendê-la tanto?

Ela apenas olhou para ele por um bom tempo antes de responder.

— Nada, milorde. E prefiro que continue assim.

Page 34: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— E se eu lhe garantisse que tenho as melhores intenções para com a

senhorita, meu tio e Langley? — Pôs a mão direita sobre o coração. — Juro

que não vou ferir nenhum de vocês. Incluindo a srta. Marguerite.

Maddie olhou-o tão desconfiada que ele não conseguiu conter o riso. Por

um momento não tinha certeza de qual dos dois havia vencido. Então,

Maddie ergueu o rosto com empáfia.

— Se milorde tivesse vindo para ajudar o sr. Bancroft, eu teria menos

objeções contra o senhor.

— Mas eu vim para ajudá-lo — Quinlan protestou. — O que a senhorita

pensa...

Ela o interrompeu com o dedo em riste.

— O senhor não veio para ajudar seu tio. O senhor veio apenas para

garantir os lucros de Langley.

Ele respirou fundo.

— Eu estava em Warefield. Não sabia o que havia acontecido com meu

tio até meu pai me mandar uma carta. — Quinlan se inclinou na direção

dela. — Por que a senhorita não enviou uma carta para mim, diretamente?

Maddie o encarou.

— O sr. Bancroft não permitiria. — Maddie cruzou os braços. — Sabe

de uma coisa? Não foram poucas as ocasiões em que o sr. Bancroft afirmou

que a família dele não era das melhores. E eu estou começando a

concordar.

Quinlan se inclinou um pouco mais; agora estavam tão próximos que seu

rosto se encontrava há apenas alguns centímetros de Maddie. Então seus

olhos se fixaram nos lábios cheios e a ira em suas veias se transformou em

algo quente e ao mesmo tempo perturbador.

— A senhorita não me conhece.

— O senhor também não me conhece, milorde.

— Mas eu gostaria imensamente de poder conhecê-la melhor — ele

disse quase num sussurro.

Maddie resmungou algo, virou as costas e saiu.

Quinlan ficou ali parado com um leve sorriso nos lábios, olhando a

empertigada senhorita desaparecer. Aquilo estava ficando cada vez mais

interessante!

— Maravilhoso! — Maddie gritou ao se atirar sobre sua cama. — Agora

ele quer me seduzir.

Levantou-se e foi até a janela. Quinlan continuava parado no mesmo

lugar, no jardim. Depois de todos os insultos que ela lhe fizera, lorde

Warefield ainda pensava que poderia conquistá-la simplesmente com

algumas palavras doces e aqueles olhos sedu-tores. O homem era mesmo

muito pretensioso.

Page 35: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Já ouvi palavras mais bonitas — Maddie disse com desdém,

encostando a cabeça na vidraça. — Você é mesmo uma tola — murmurou

para si mesma. — E daí se ele é lindo? E daí se sabe Shakespeare de cor?

Lá embaixo no jardim, Quinlan virou-se de repente e olhou para ela.

— Droga! — Maddie se afastou da janela. Talvez ele não a tivesse visto.

Ela contou até dez, respirou fundo e então deu um i passo à frente.

O marquês estava logo abaixo da janela, segurando uma rosa branca.

Com um sorriso, ele a ergueu e então se curvou numa reverência

exagerada.

— Quanta ousadia! — Maddie resmungou e lhe mostrou a língua.

Quinlan respondeu com um beijo.

Com o coração disparado, ela abriu a vidraça.

— Pare de estragar as minhas rosas!

— "Que luz é aquela que brilha na moldura da janela?" — ele falou com

um sorriso sincero, recitando Shakespeare. — "Oh, janela, janela, tu és o

renascente, e Julieta, o sol resplandecente...".

Com um grito de ultraje, Maddie fechou a janela com brusquidão. Nada

de falar com o marquês, ou olhar para ele, ou ajudá-lo. Ela saiu do quarto

pisando duro. Nem muito menos dançar com aquele arrogante no baile que

os Fowler iriam oferecer em homenagem a ele.

Maddie dobrou o corredor e estava indo falar com Bancroft quando deu

de cara com seu patrão, que vinha animado em sua cadeira de rodas.

— Sr. Bancroft — ela disse, surpresa, e ao mesmo tempo feliz com o

progresso dele. — Que maravilha!

— Talvez esta geringonça não seja tão ruim assim — Malcom admitiu.

— Eu falei para o senhor que não é. Sr. Bancroft, acho que eu não

preciso ir...

— E uma vez que estou me sentindo tão bem — ele a interrompeu

alegremente —, resolvi que o baile dos Fowler na sexta será uma ótima

oportunidade para eu sair de casa.

Maddie se calou.

Malcom se aproximou e segurou-lhe a mão.

— Você me acompanharia? Ela sorriu, sem jeito.

— Sim, sr. Bancroft. Será um prazer acompanhá-lo.

Mas dizer que iria ao baile e estar preparada eram duas coisas totalmente

distintas.

Garrett descia a escada desajeitado, segurando a cadeira de rodas

enquanto um criado vinha atrás, carregando Bancroft. Maddie descia junto,

ajeitando os cabelos e rezando para que uma tempestade caísse e inundasse

Sommerset e impedisse a todos de irem ao baile.

Page 36: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Você está encantadora, Maddie — Bancroft disse maravilhado com

sua beleza.

Maddie olhou para o alto da escadaria, outra onda de calor correu em

suas veias.

— Quanto tempo o senhor acha que lorde Warefíeld ainda irá demorar?

Se chegarmos tarde como é de costume em Londres, o baile já terá

terminado.

— Tenho certeza de que ele não vai demorar muito mais. E Maddie,

tente não criticá-lo a noite toda.

No minuto seguinte, passos lentos ressoaram no alto da escada. Maddie

encostou-se na parede e cruzou os braços. Com uma expressão de desdém

no rosto, olhava fixamente para o imenso relógio de pêndulo. O marquês

podia tê-la apanhado de surpresa uma ou duas vezes, mas a guerra não

tinha terminado ainda.

— Boa noite, Quinlan. — Bancroft se aproximou do pé da escada para

saudar o sobrinho.

— Boa noite, tio. Espero não estar muito atrasado.

— De forma alguma.

Maddie esperou por alguns segundos mais antes de se virar e olhar para o

marquês.

— Boa noite, milorde — cumprimentou-o, fazendo uma reverência.

Mas ao olhar para ele, quase perdeu o equilíbrio.

— Srta. Willits, a senhorita está bem?

Quinlan estava olhando para ela, uma leve expressão de deleite em seu

belo rosto. Maddie esperava que ele estivesse usando seu traje preto muito

formal, mas parecia que havia aprendido a lição e vestia um garboso paletó

marrom com um colete creme e uma calça preta que acentuava suas coxas

musculosas.

Pela primeira vez em dias, suas botas estavam totalmente livres da lama e

brilhavam o suficiente para refletir a expressão de espanto dela.

— Céus, milorde. Como alguém vai conseguir dançar com uma visão

tão maravilhosa? Confesso que estou quase desmaiando.

__ — Maddie... — Bancroft alertou-a.

__ — Acho que todos estarão distraídos o suficiente com a beleza da

senhorita para perceber a minha presença — disse o marquês

suavemente. — Pelo menos, todos os homens estarão. — Ele se

aproximou e beijou-lhe a mão. Seu olhar verificou o vestido e subiu para

o rosto novamente. — A senhorita está maravilhosa.

Maddie engoliu em seco e discretamente retirou a mão, enquanto um leve

rubor se instalava em seu rosto.

— Não tão elegante quanto o senhor, milorde.

Bancroft resfolegou.

Page 37: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Bem, alguém me elogie, para que possamos ir.

Imediatamente Maddie se abaixou e beijou a face de seu patrão e amigo.

— Mal posso dizer como estou feliz em vê-lo tão bem, sr. Bancroft. —

Ela sorriu para ele. — No mês que vem o senhor estará dançando.

Quando Maddie se endireitou, Quinlan estava olhando para os dois.

— Acho que a srta. Willits já disse tudo — ele murmurou. — Podemos

ir?

A cadeira de rodas foi presa na parte de trás da carruagem de lorde

Warefíeld, e o marquês em pessoa acomodou o tio no confortável assento

de couro. Assim que o veículo se moveu, Maddie percebeu que Quinlan

olhava para ela do assento oposto, e de uma maneira muito presunçosa para

seu gosto.

Não demorou muito e eles já estavam parando em frente à residência dos

Fowler. A luz brilhava nas janelas e os jardins estavam iluminados por

várias lanternas. Em toda a entrada da imensa mansão já havia várias

carruagens estacionadas. Aparentemente os Fowler tinham convidado todos

os proprietários de terras da região para o baile em homenagem ao ilustre

marquês de Warefield.

Um criado veio ajudar Maddie a descer, e então assistiu o marquês com a

cadeira de rodas. Quando Bancroft já estava acomodado, Maddie se

colocou atrás da cadeira para empurrá-la.

— Deixe que eu faço isso, sita. Willits — Quinlan se oferece

— De forma alguma, milorde. Como as pessoas poderão apert sua mão

se o senhor estiver empurrando a cadeira do sr. Bancroft?

— Srta. Willits, não é conveniente para a senhorita...

— Sei perfeitamente o que é ou não conveniente para mim — ela o

interrompeu bruscamente. — Além do mais...

— Maddie... — Malcom chamou-lhe a atenção.

— O sr. Bancroft é meu patrão — Maddie continuou num tom mais

sereno. — Permita que eu cumpra o meu dever.

Quinlan concordou.

— Que seja como a senhorita preferir, então.

O terreno irregular dificultou as coisas, mas a teimosia de Maddie era

capaz de tudo. O marquês seguia ao lado dela.

— Eu não tinha intenção de ofendê-la, Maddie — Quinlan sussurrou em

seu ouvido.

— Seria uma honra ser ofendida por um cavalheiro como oi senhor —

ela respondeu friamente, esperando que o trio de trom-beteiros já estivesse

pronto para anunciar a chegada do marquês.

— Meu Deus! — Quinlan murmurou quando percebeu o trio. — A

senhorita tem algo a ver com isso?

Maddie pôs a mão sobre o coração.

— Eu, milorde? Eu nunca ousaria.

Page 38: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Os olhos do marquês acompanharam o gesto dela, então retornaram para

o rosto e, em seguida, ele tocou suavemente em seu braço.

— Que pena.

Maddie franziu o cenho.

— O que...

Mas antes que ela pudesse terminar a frase, as trombetas soaram. Quinlan

parecia aterrorizado, e Maddie levou uma mão à boca para disfarçar seu

divertimento.

Quando entraram, todos os convidados, músicos e criados se curvaram ao

mesmo tempo. A sra. Fowler se aproximou com os braços estendidos numa

saudação graciosa, com o marido vindo logo atrás.

— Milorde — ela murmurou, fazendo uma reverência. — O senhor nos

honra com a sua presença. Quinlan sorriu, estonteado.

— Obrigado, sra. Fowler. Estou muito feliz por me encontrar aqui.

— Por favor, milorde, permita que eu o apresente a todos.

Com isso, uma multidão se aproximou, cercando-os e fazendo muito

barulho. Maddie se inclinou nas costas da cadeira de Malcom enquanto eles

esperavam, abandonados, à porta de entrada.

— O senhor gostaria de um ponche, sr. Bancroft?

— Obrigado, minha querida, eu gostaria muito. Os dois seguiram para

a mesa de bebidas.

— O senhor não acha que deveriam ter cumprimentado o senhor, antes?

Afinal, o senhor fez muito mais por eles do que Warefield jamais sonharia

em fazer.

— Talvez, mas Quinlan é novidade. Eu sou apenas um velho vizinho.

— O senhor é muito mais do que isso. — Maddie olhou para o marquês

para vê-lo mostrar seu sorriso caloroso e seus olhos de jade para todos. Ele

desempenhava muito bem o papel de nobre. — Seu sobrinho é uma perfeita

peça de decoração, não acha?

Bancroft aceitou uma taça de ponche.

— Maddie, você tem certeza de que esse seu joguinho está seguindo

exatamente como você havia planejado?

Ela pôs a mão sobre o coração, certa de que não era a primeira vez que

dava explicações, naquela noite.

— Posso lhe garantir que sou inocente.

— Você acha que ele parece estar prestes a sair correndo de Langley?

Maddie olhou mais uma vez para o marquês, e quando os olhares de

ambos se encontraram, ele sorriu.

— Maldição! — ela murmurou, virando-se de costas.

A orquestra começou a tocar uma quadrilha, e Maddie respirou aliviada

quando viu o marquês conduzindo a srta. Fowler para a pista de dança. É

claro que ele não dançaria com ela, uma simples dama de companhia.

Page 39: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Maddie, você me daria a honra? Era John Ramsey que estava parado

à sua frente.

— É claro, John. — Antes de aceitar a mão dele, ela se virou para

Bancroft. — O senhor quer que eu fique?

— Vá dançar, menina.

Sorte que o único espaço que restava na pista de dança era do lado oposto

ao do marquês. Maddie sorriu para John, grata por pelo menos uma pessoa

não a ter ignorado naquela noite.

— Lorde Warefield parece estar se divertindo — John comentou,

quando eles se aproximaram um do outro.

— Fiquei feliz que Langley irá adotar seu sistema de irrigação — ela

respondeu. — O sr. Bancroft está muito satisfeito.

— Eu também — John admitiu. — Quando Warefield pediu para se

encontrar comigo, imaginei que ele iria me dizer para que eu cuidasse dos

meus negócios e deixasse os Bancroft cuidarem dos seus.

— Então você não gosta do marquês? John sorriu.

— Não o conheço muito bem para dizer se gosto ou não.

— Mas vocês se conheceram na infância, não foi? Ele deu de ombros e

pegou na mão dela para darem um passo para a frente.

— O marquês visitou Malcom algumas vezes, anos atrás. Nós

brincamos juntos, eu acho, apesar de ele e o irmão adorarem afundar os

barcos de brinquedo que eu construía.

Maddie bufou.

— Típico.

— Não o vejo desde que eu tinha oito anos, Maddie. Duvido que ele

apedreje as fragatas que navegam no Tâmisa. — John parou de falar

enquanto eles circulavam Sally Fowler e James Preston, então ele a pegou

pela mão novamente. — Suponho que você não compartilha o deleite dos

nossos vizinhos pelo visitante...

— O marquês é cansativo.

— Bem, ele veio para dar uma ajuda a Malcom.

—_ Sim, é isso mesmo — Maddie confirmou com relutância.

John passou por ela, e Maddie girou ao redor de James Preston, do sr.

Fowler, do sr. Dardinale e, então, de lorde Warefield. Ele segurou sua mão

por um segundo mais do que deveria.

— _ Você é muito amiga de John Ramsey, não é? — Quinlan perguntou.

Maddie o encarou e puxou a mão.

— Sim.

Aquilo era totalmente ridículo, mas o marquês parecia estar com ciúme.

Não, isso não seria possível. Talvez ele estivesse apenas aborrecido por vê-

la dançando em vez de estar cumprindo suas obrigações de dama de

companhia. Isso, sim, fazia mais sentido.

Page 40: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Após mais algumas músicas, o mordomo finalmente anunciou que o

jantar estava servido, e desconsiderando todas as regras de etiqueta, todas

as mulheres presentes, menos uma, se aglomeraram ao redor do marquês,

cada uma esperando ser a escolhida por ele para ser acompanhada até a

mesa de jantar. Mas lorde Warefield não se esqueceu das boas maneiras e

habilmente escolheu a sra. Fowler.

Com muita cerimônia, o sr. Fowler puxou a cadeira no final da mesa para

Bancroft. O marquês, é claro, sentou-se à cabeceira. Maddie ocupou o

assento ao lado de seu patrão.

Depois de vários brindes e discursos em honra do ilustre visitante, o

jantar finalmente seria servido.

— Senhoras e senhores.

Quinlan se levantou na cabeceira da mesa com a taça de vinho na mão, e

Maddie bufou de seu assento. Lorde Warefield teria de pensar em algo

muito bom para superar todos os brindes que já tinham sido feitos, e ela

duvidava que ainda houvesse algo a que brindar.

— Se os senhores me permitirem — o marquês continuou, com todos os

olhos voltados para ele. — Sei que já houve vários brindes, mas eu me

sentiria negligente se não acrescentasse mais um.

— Por favor, milorde — a sra. Fowler implorou.

— Este será um brinde duplo, na verdade. — Ele ergueu a taça; — Ao

meu tio, Malcom Bancroft, pela sua coragem, força e determinação para

vencer os obstáculos que a vida lhe impôs.

— A Malcom Bancroft! — todos brindaram. Pela primeira vez naquela

noite, Maddie estava feliz em se juntar ao brinde.

— E a Madeleine Willits, por cuidar com tanto carinho de meu tio, e

pela tolerância dela com os intrusos que aparecem em Langley. — Quinlan

sorriu para ela.

— A Maddie! — veio um segundo eco.

Ela suspirou, corada e sem jeito. Se ela o encorajara, certamente não

tinha sido de propósito. Mas pela maneira como seu corpo reagia a cada

olhar do marquês, tudo era possível.

Maddie olhou para Quinlan perguntando-se quando, precisamente, havia

deixado de odiá-lo. E o que, precisamente, ela iria fazer a respeito, agora.

Page 41: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Capítulo IV

Quinlan não conseguia tirar os olhos de Maddie. Em Sommerset havia

um grupo de moças casadoiras, ele supunha, filhas de nobres e cavalheiros,

e segundos filhos de barões. Algumas delas se trajavam de acordo com a

moda de Londres e de Paris.

E então, lá estava Maddie Willits: cabelos ruivos longos com cachos

escapando de uma fita cinza e trajando um vestido escuro de uns dois anos

antes, que, mesmo assim, realçava o azul de seus olhos. A elegância com

que ela dançava lhe despertava um imenso desejo de tê-la em seus braços.

Logo após o jantar, Quinlan foi dançar uma quadrilha com Patrícia

Dardinale.

— A senhorita dança muito bem — ele comentou. A bela moça

sorriu, agradecida.

— Obrigada, milorde. Minha governanta veio diretamente de

Londres.

— Ela fez um bom trabalho.

Ele buscou sua relutante companheira de casa, e finalmente a viu

dançando. Maddie não ficaria sem parceiro de dança durante toda a noite.

Mas aquela era a segunda quadrilha que ela dançava com John Ramsey.

— Quanto tempo o senhor planeja ficar em Sommerset, milorde?

— Patrícia perguntou quando eles se aproximaram novamente.

— Eu tinha planejado permanecer até o final da semana, mas me

demorarei um pouco mais, para ajudar na instalação do novo sistema de

irrigação.

— Ah, sim. Há mais de um ano meu pai, o sr. John e Maddie estão

tentando trazer água para os pastos do lado leste. Acho que eles finalmente

descobriram como.

Quinlan olhou, intrigado, para Maddie. Então, ela estava envolvida no

projeto mais do que ele imaginava.

— A srta. Willits parece saber muito de aritmética — ele comentou.

— Mamãe tentou roubá-la do sr. Bancroft para ela ser minha governanta

— Patrícia admitiu. — Maddie não quis, mas concordou em me dar aulas

de latim duas vezes por semana. É muito difícil. — A jovem sorriu. — Eu

prefiro francês. É mais romântico, o senhor não acha?

Quinlan fitou-a, distraído.

— Sim, é.

Então, a dama de companhia de seu tio falava francês e sabia latim, e

ainda conhecia Shakespeare o suficiente para citar o bardo de cabeça.

— Eles não tocam valsa aqui em Sommerset? — Quinlan perguntou para

sua parceira de dança.

Page 42: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Sim. Mas duvido que a sra. Fowler irá pedir, pois Lydia não valsa

nada bem.

Quinlan, porém, não planejava dançar com Lydia.

Assim que a quadrilha terminou, ele foi falar com sua anfitriã.

— Sra. Fowler, posso fazer um pedido à orquestra?

— É claro, milorde. Eles conhecem todos os ritmos da moda.

— Ótimo. — Ele se virou para os músicos. — Os senhores poderiam

tocar uma valsa?

O violinista concordou.

— Será um prazer, milorde. Alguma em particular?

— Na verdade, não. — Quinlan se virou novamente enquanto um grupo

de moças começava a se aproximar dele. — Srta. Willits? — ele chamou.

Em seguida, ela surgiu detrás da cadeira de Malcom. Pois não, milorde?

— A senhorita me prometeu uma valsa — Quinlan mentiu, sem

nenhum traço de culpa.

Maddie o encarou muito aborrecida, claramente percebendo que, se

discutisse com o marquês, todos se voltariam contra ela.

— É claro, milorde. Será uma honra.

— Obrigado.

Quinlan a conduziu para a pista de dança. Por trás do aborrecimento de

Maddie, ele sentiu um sinal de hesitação, o que já era algo melhor do que a

hostilidade de sempre. A música começou.

— Podemos? — ele perguntou.

— Eu o odeio — Maddie respondeu, pegando na mão dele e

permitindo-lhe deslizar o braço em torno da sua cintura. Quinlan sorriu.

— Posso saber o motivo de tanto ódio?

Maddie se rendeu à valsa e, como ele suspeitava, ela dançava muito

bem. Maddie olhou ao redor do salão; Quinlan acompanhou seu olhar, e

ambos perceberam então que eram os únicos que dançavam. Sem dúvida os

outros convidados tinham entendido o pedido da valsa como uma ordem

real. Bem, para ele estava ótimo...

— O senhor não deveria estar dançando comigo, milorde.

Quinlan se perguntava até onde poderia provocá-la.

— Posso dançar com quem eu desejar. Sou o marquês de Warefield,

lembra?

— O senhor espera me impressionar com suas roupas finas, carruagem

cara e título?

— Não é essa a minha intenção.

— Não pense que não sei que o senhor mandou vir de Warefield seu

magnífico traje. Três dias de viagem por causa de um paletó e um par de

botas.

— Se a senhorita não fosse tão difícil de satisfazer, eu não teria

feito isso.

Page 43: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Não sou difícil de satisfazer. E o senhor fez isso para satisfazer

a sua própria vaidade.

— Fiz para me preservar. — Distraída em seu ataque. Maddie se

esqueceu das pessoas que estavam ao redor. Sem nenhuma vergonha de se

aproveitar da situação, Quinlan puxou-a para mais perto. — Mas por que,

afinal, me odeia tanto, Maddie?

— Porque o senhor é o marquês de Warefield, eu acho — ela

finalmente declarou.

— Mas eu não tenho culpa de ter nascido onde nasci, portanto

como pode me culpar por isso?

Agora Maddie estava encurralada.

— Por que eu decidi.

— Mas isso não é justo. Tenho tentado jogar de acordo com as suas

regras, porém você insiste em mudá-las. Isso dificulta as coisas.

Ela hesitou.

— Dificulta o quê?

Quinlan deixou seus olhos pousarem sobre os lábios macios de Maddie.

— Conquistar você. — Ela tentou puxar a mão, mas ele a conteve.

— Acredito que o senhor deve ter assuntos mais sérios com que se

preocupar, milorde, do que tentar conquistar uma simples dama de

companhia.

— Céus! — ele exclamou, perguntando-se quando adquirira tanta

tolerância para com os insultos de Maddie. — O que eu preciso fazer para

ouvir uma resposta civilizada sua?

— Acho que tenho sido muito civilizada, milorde. Desculpe se em algum

momento faltei com o respeito.

Quinlan olhou para ela, dançando graciosamente em seus braços

enquanto o atingia com sua língua ferina. Mesmo assim, ele sentia um

imenso desejo de beijá-la.

— Eu me rendo, Maddie. Você venceu. Estou indefeso diante de você.

Tenha piedade.

— Jamais.

— Que tal uma barganha? — ele propôs. Ao fundo dava para ouvir o

murmurinho dos outros convidados, mas ele não se importou. Naquele

momento, estava dançando com Maddie. — Fingirei que não sou o

marquês de Warefield, e você fingirá que não me odeia.

— Não entendo por que o senhor faz tanta questão que eu goste da sua

pessoa.

— Porque eu gosto de você, Maddie. Meu tio tem uma grande

estima por você. A sua opinião é ouvida e respeitada. E, apesar disso tudo,

esta bela mulher... — Quinlan prosseguiu, tentando bravamente resistir ao

desejo de beijá-la, bem no meio do salão — ...aparentemente me odeia. Eu

Page 44: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

só queria saber o que fiz para você. Seja lá o que for, acredite, não foi de

propósito.

Por um bom tempo ela apenas o olhou. Então, finalmente, sorriu.

— Está bem. Uma trégua. Até a sua partida. Nenhum segundo a

mais.

— Então não preciso mais verificar todas as noites se não há

espinhos ou aranhas venenosas nos meus lençóis?

Inesperadamente, Maddie riu.

— Eu não tinha pensado nisso.

— Graças a Deus!

No caminho de volta para Langley, ela permaneceu calada, e mesmo

quando Quinlan lhe deu várias oportunidades de insultá-lo, Maddie não

abriu a boca. Aparentemente, pretendia honrar a trégua. O marquês olhou

para Malcom. Honra tinha pouco a ver com tudo aquilo: ele deveria estar

ali para ajudar o tio, mas tudo que podia pensar a respeito era em como iria

conseguir arrastar Maddie para a sua cama. Aquilo era pura loucura!

Não fazia sentido que o único nobre com quem ela falava em quatro

anos fosse capaz de encarar a vida além do seu título, o único nobre que

simplesmente era... bom e gentil.

Maddie parou na parte central do canteiro e olhou para a rosa branca à

sua frente e se lembrou de Charles Dunfrey. Já fazia muito tempo que ela

não pensava nele sem sentir raiva, muita raiva. Ótimo. Como noivo,

Charles era bonito o suficiente, mas estava longe de ter sido uma pessoa

leal e confiável. Faltava-lhe também a capacidade de enxergar além das

aparências, falta que Maddie supunha acometer todos os parentes e amigos

dele. Só lhe restara concluir que toda a nobreza era assim. Agora, porém,

ela não tinha certeza.

— Maddie?

Após um sobressalto, ela se virou para ver quem a chamava. Era Quinlan

que vinha em sua direção, sem paletó e em mangas de camisa dobradas até

o cotovelo. Ele parecia um deus grego.

— Pois não, milorde?

— Como está quente! — ele exclamou. — Trago boas notícias. Acabo

de voltar de Harthgrove. Parece que o último lote de madeira será entregue

ainda hoje. — Ele se aproximou para apanhar uma das rosas que estavam

dentro da cesta de Maddie. — Maravilhosa! — murmurou, tocando uma

pétala.

Maddie engoliu em seco e continuou apanhando suas rosas.

— Essa é uma boa nova? Suponho que o senhor conseguirá terminar

seu trabalho até o final da semana. — E isso, para sua surpresa, não a

deixava muito feliz.

Quinlan sorriu.

Page 45: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Acho que devido ao nosso acordo de trégua, você deve estar ansiosa

para a minha partida.

O olhar de Maddie encontrou o dele, e ela esperava parecer mais

controlada do que realmente estava.

— Eu só queria que o senhor fosse embora.

— E você não fez nada para esconder seu desejo. — Por um

momento, Quinlan ficou calado, e então pétalas aquecidas pelo sol tocaram

a face de Maddie.

Desconcertada, ela se moveu para a próxima roseira.

— O senhor já contou a novidade ao sr. Bancroft?

Ele a seguiu bem de perto.

— Ainda não.

— O senhor deveria. Seu tio está ansioso.

Quinlan a acariciou de novo com a rosa, e, em seguida, seus dedos

roçaram a parte de trás do pescoço de Maddie.

— Contarei.

Ela sentiu um arrepio.

— Pare com isso, por favor, milorde.

— Como uma mulher inteligente e bonita como você ainda não se

casou? — Quinlan perguntou, quase num sussurro, ignorando o pedido de

Maddie e continuando com o toque carinhoso.

Ela fechou os olhos por um momento e tentou controlar a respiração.

— Porque escolhi não me casar.

— Acho que você nunca me odiou de verdade — ele continuou

no mesmo tom suave. Seus dedos deslizando ao longo do braço de Maddie,

e lentamente puxando-a para mais perto.

— Eu nunca gostei do senhor.

— Acho que você sente desejo por mim — Quinlan declarou, sua

boca aproximando-se mais e mais dos lábios de Maddie.

Ele tinha razão, mas aquilo estava errado; Maddie se inclinou para a

frente e fechou os olhos, deixando-se levar pela força do desejo. A boca de

Quinlan tinha gosto de chá com mel, de manhãs primaveris e de tudo que a

fazia feliz.

Sem poder se conter, Maddie ergueu os braços até o pescoço dele.

Quinlan emitiu um gemido surdo, e ela estremeceu em resposta. Já fazia

muito tempo que não era beijada, e da última vez...

— Quinlan!

Uma palidez mórbida se espalhou no rosto de Maddie ao ouvir o grito de

Bancroft. Ofegante e sem olhar para Quinlan ou para seu patrão, saiu

correndo para casa e subiu diretamente para o seu quarto.

Ela havia feito novamente. Ainda pior, pois dessa vez sabia muito bem

quais eram as intenções do marquês, e mesmo assim tinha permitido que

Page 46: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

ele a beijasse. Até mesmo o encorajara! Todos em Londres estavam certos.

Ela era uma libertina tola.

Uma gritaria teve início na biblioteca, no andar de baixo, as palavras

ecoavam, e a emoção era evidente. Primeiro foi Bancroft e, em seguida, a

voz áspera de Quinlan em resposta. Maddie enxugou os olhos e se

levantou. Tudo havia escapado ao controle e, quando ela e o marquês

perceberam, já era tarde demais. Mas aquilo não passara de um acidente.

Maddie respirou fundo, abriu a porta de seu quarto e saiu. Um acidente.

Bancroft precisava de seu sobrinho naquele momento! Bastava ela assumir

a culpa de tudo que acontecera; afinal já tinha má reputação, que diferença

faria?

Nervoso, Quinlan andava de um lado para outro.

— Certo — ele gritou —, pedirei desculpas por ter ultrapassado

os limites, se é isso que o senhor quer, mas não vai continuar gritando

comigo como se eu fosse um garoto bobo!

Malcom movimentou a cadeira de rodas para encarar o sobrinho de

frente.

— Gritarei o quanto me der vontade. Por Deus, Quinlan, nunca

esperei isso de você!

Numa tentativa de conter seus nervos, Quinlan respirou fundo.

— Foi apenas um beijo, tio — ele respondeu, sem mencionar que já

ansiava por aquilo havia dias, ou que até mesmo tinha esperanças de que o

beijo pudesse ser o prelúdio de algo muito mais íntimo. — E ela não me

recusou.

— Quinlan...

O marquês ergueu os braços, furioso e frustrado, ainda se lembrando de

como havia sido bom ter Maddie em seus braços, até seu tio aparecer para

estragar tudo.

— O senhor não serve para ela agora. Por que não deixar que alguém se

aproxime?

— O quê? Seu mald...

— Com licença.

Quinlan se virou para a porta. Maddie estava lá, pálida, lágrimas

descendo de seus olhos.

— Maddie, eu não quis...

— Só quero dizer que tudo não passou de um mal-entendido e de um

acidente — ela declarou, evitando o olhar de Quinlan. — Lorde Warefield

não teve culpa de nada. Desculpe, sr. Bancroft. O senhor não merecia.

Malcom se aproximou de Maddie.

— Maddie, não...

Ela se virou e desapareceu.

— Maldição! Veja o que você fez, Quinlan!

— Foi apenas um beijo, tio.

Page 47: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Malcom olhou para o sobrinho por um momento.

— Feche a porta.

Quinlan obedeceu, mas se recusou a ocupar o assento que o tio lhe

indicou.

— O que é agora, tio?

— Quem você pensa que Maddie é?

— O que o senhor quer dizer com quem eu penso que ela...

— Você acha que Maddie é minha amante?

Quinlan franziu o cenho, confuso.

— Bem, o que mais eu poderia pensar? Uma mulher linda e inteligente,

perdida aqui em Sommerset, cuidando do senhor...

— Cuidando de um velho inválido, você quer dizer?

— Não foi isso que eu quis dizer, tio.

— Madeleine Willits é a filha mais velha do visconde de Halverston e

não é minha amante. Nem de ninguém.

Quinlan se sentou. Todas as dúvidas, todas as pistas intrigantes e ele

nunca suspeitara que ela fosse uma nobre.

— Mas então, o que, afinal, Maddie está fazendo aqui?

— Cinco anos atrás ela estava noiva. Um dos amigos de seu noivo

bebeu demais e a beijou, entre outras coisas. A pessoa errada viu a cena, e

Maddie estava arruinada.

— Por causa de... um beijo. Não era para menos que ela parecia tão

aterrorizada.

— Maddie preferiu deixar Londres e sua família a ter de continuar

ouvindo acusações injustas, sendo que ela não tinha feito nada de errado.

Quinlan encarou o tio.

— Então Maddie se tornou auto-suficiente e encontrou emprego sem

nenhuma referência ou ajuda de amigos ou familiares.

— Exatamente.

— Notável. Malcom suspirou.

— Ela é uma jovem notável.

— Por que o senhor não me contou antes?

— Não cabia a mim contar. Maddie levou três anos para me contar sua

história.

— O que o senhor quer que eu faça?

A porta se abriu e Maddie entrou, dessa vez bem mais calma. E

carregando duas valises.

Quinlan se levantou rapidamente, uma profunda tristeza aperi tava seu

peito.

— Srta. Willits.

— Com licença novamente. Eu queria apenas dizer adeus ao sr.

Bancroft.

Page 48: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Quero que você faça o que deve ser feito, Quinlan — Malcom gritou

para o sobrinho.

— Fazer o quê... — Quinlan fechou a boca, estupefato, e se recompôs.

— O senhor quer dizer me casar com ela?

— Claro que não! — Maddie colocou as malas no chão. — Não seja

ridículo!

— Maddie...

— Minha reputação não é das melhores, sr. Bancroft — ela o

interrompeu. — Este incidente não fará diferença.

— Então, por que você está indo embora? — indagou Malcom. Maddie

hesitou, olhando para seu patrão. Quinlan a estudava, fascinado com as

emoções ali estampadas. Se não fosse por Eloise, ou por seu pai, a idéia de

se casar com Madeleine Willits não pareceria tão absurda.

— Maddie — ele disse calmamente —, não foi minha culpa. Nem sua.

— Ele hesitou. — No entanto já sou noivo, ou estou prestes a ficar. Não

fosse por isso...

— Eu posso assumir a responsabilidade pelos meus atos. Muito

obrigada, milorde. E o senhor já é um nobre. Não precisa fingir possuir

essa qualidade.

— Casar com uma mulher irascível poderia não ser absurdo, mas c0m

certeza era perigoso.

— Não acho que você tenha o direito de questionar a minha

nobreza...

— Por favor! — Malcom gritou.

Quinlan parou e olhou para o tio. Havia se esquecido que ele estava ali. E

pela reação de Maddie, ela também.

— Obrigado. — Malcom reassumiu o controle da situação. —

Estou a par de seu compromisso com Eloise, Quinlan. Tenho outra idéia em

mente.

— Que idéia, tio? Malcom encarou o sobrinho.

— Imaginei se você e os outros Bancroft intitulados não poderiam

introduzir Maddie na sociedade novamente. Isso seria...

— Não! — Maddie gritou, interrompendo Bancroft.

— Isso limparia o seu nome e lhe asseguraria um bom casamento —

argumentou Malcom.

— De jeito nenhum! — ela respondeu. — Nunca mais voltarei para

Londres. E muito menos com ele!

Quinlan sorriu. Aparentemente, Maddie havia quebrado a trégua.

— Acredito que você tenha gostado de mim por um momento.

— Então, você concorda, Quinlan? — perguntou seu tio. — Seu mau

comportamento pode se transformar em algo positivo.

— O mau comportamento foi meu — Maddie argumentou. — Não

tente resolver meus problemas. Por favor, deixe-me em paz.

Page 49: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Quinlan franziu o cenho. Seu pai iria ficar mais do que furioso, porém

Malcom estava certo. Seja lá o que Maddie estivesse pensando, ou por mais

que ele tivesse se deixado levar pela emoção no jardim, considerava-se um

homem honrado.

— Eu concordo.

Maddie o encarou, furiosa.

— A decisão não é sua, milorde.

Quinlan ergueu uma sobrancelha.

— Creio que sim!

Ela bateu o pé.

— Isso é um absurdo! Ninguém vai me obrigar a ir para Londres?

Ele se moveu e pegou as valises do chão.

— Sim, você vai. Terei de informar meu pai. Precisamos partir

imediatamente para o castelo de Highbarrow. — Quinlan se voltou para o

tio, cheio de planos e estratégias na cabeça. — Vou falar com John Ramsey

e pedir que ele supervisione as obras da irrigação. O plantio termina hoje.

Maddie tentou puxar suas malas, mas ele não as soltou.

— Devolva minhas malas!

— Maddie, ouça Quinlan. É para o seu bem — pediu Malcom.

— Você sempre resolve seus problemas fugindo deles? —

Quinlan perguntou, provocando-a. — Não imaginei que fosse tão covarde,

Madeleine Willits.

— Não sou covarde!

— Malcom levou uma das mãos à testa e recostou-se na cadeira.

Preocupado, Quinlan pôs as valises no chão e se aproximou.

— Tio, o senhor está bem?

Maddie tirou-o do caminho e se ajoelhou diante de seu patrão.

— Desculpe — ela murmurou. — Está tudo bem. Respire fundo, sr.

Bancroft.

— Parem de brigar. Por favor — Malcom sussurrou, esfregando as

têmporas.

— O senhor precisa se acalmar, sr. Bancroft.

Maddie abaixou a cabeça; Malcom olhou para o sobrinho e piscou.

Quinlan ficou embasbacado por um momento, sem saber se achava

engraçado ou se estava espantado com a artimanha do velho senhor. E

então ele se abaixou para ajudar Maddie a se levantar.

— Vamos fazer o que ele está pedindo, Maddie.

Malcom tocou-lhe no queixo.

— Prometa que fará, minha querida. Faça tudo que Quinlan e a família

dele disserem, pelo menos até você ser aceita no Almack novamente. Se for

aceita lá, o será sem problemas em qualquer salão de Londres.

— Sr. Bancroft — Maddie tentou argumentar com lágrimas nos

olhos.

Page 50: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Depois disso, se você ainda não quiser permanecer com a sua

família e seus amigos, pode voltar para Langley.

Maddie olhou para Quinlan. A expressão dele era solene.

— Gostaria de ter uma chance de corrigir o meu erro. E de ajudá-

la, se você permitir, Maddie.

Ela fechou os olhos.

— Tudo bem. Só até eu ser aceita no Almack.

Maddie sentou-se na carruagem, tentando ignorar tanto a bela

paisagem como o homem maravilhoso à sua frente. Ela nunca deveria ter

aceitado viajar sozinha com ele para o castelo de Highbarrow. Bem,

sozinha exceto pela outra carruagem que trazia a bagagem, pelos dois

cocheiros, o criado pessoal do marquês e mais dois lacaios.

Quinlan a tinha chamado de covarde novamente, e então jogara em sua

cara todos os seus argumentos quando ela havia protestado. Seja estava

arruinada, que diferença faria se chegasse a Highbarrow apenas na

companhia de um cavalheiro? Mas, agora, três dias depois, Maddie podia

responder que importava e muito, pois ela não conseguia parar de pensar

naquele maldito beijo.

— Maddie, pela milésima vez afirmo que tio Malcom ficará bem

sem você. Ele nos garantiu. Por favor, acalme-se. Ficar se lamentando por

isso não me fará levá-la de volta para Langley, senão eu já o teria feito.

Maddie cruzou os braços.

— Não estou me lamentando.

Quinlan olhou pela janela. Aquela era a quarta vez que ele o fazia nos

últimos dez minutos.

Respirando fundo, Maddie recostou-se na janela e então avistou o tão

reverenciado castelo de Highbarrow. Ela crescera na mansão Halverston,

mas a sua casa nem de longe se comparava aquilo tudo. Torres cinza

apontavam para o céu azul sobre uma imensa propriedade esparramada no

centro de uma vasta clareira Uma floresta de carvalhos cercava três faces

da casa, com um lago nos fundos.

— É... muito bonito — Maddie disse, tentando disfarçar seu

nervosismo.

Inesperadamente, o marquês respondeu.

— Não deixe que meu pai a ouça falar assim. Ele não gostaria de ouvir

um símbolo saxão de mais de quatro séculos ser chamado de "bonito".

— Ah, eu sei — ela falou, ainda olhando para a magnífica construção.

Porém, não pretendia se intimidar diante de toda aquela grandiosidade. —

Bancroft me contou tudo sobre o duque.

— Ótimo.

Vinte minutos depois eles já estavam na entrada do castelo de

Highbarrow. Nervosa e sem saber o que a esperava, Maddie olhou para

Page 51: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Quinlan e percebeu que ele também não parecia tão calmo. Pela primeira

vez não o culpava, pois já tinha ouvido o suficiente sobre o duque de

Highbarrow para imaginar que ele não aceitaria muito bem as novidades.

Mas tudo isso que estava acontecendo agora era por conta da teimosia de

Quinlan, e não dela.

A carruagem finalmente parou. Quinlan permaneceu sentando por um

minuto apenas olhando para Maddie.

— Não vou dizer para você se comportar, pois sei que seria capaz

de fazer o oposto só para me contrariar — ele por fim falou.

Maddie fez uma careta e, antes que pudesse dar uma resposta à altura,

o trinco girou e um criado meticulosamente trajado abriu a porta da

carruagem.

— Lorde Warefield, seja bem-vindo.

O marquês fez um gesto para que ela o precedesse.

— Obrigada.

O criado ajudou Maddie, olhando-a com curiosidade, então voltou para

ajudar Quinlan. De perto, o castelo parecia ainda maior e mais imponente.

— Sua Alteza se encontra em casa?

— Sim, milorde. O duque e a duquesa estão tomando chá na sala de

música.

— Ótimo.

O mordomo estava na porta de entrada e também recebeu o marquês com

uma reverência. Quinlan entregou-lhe o xale e as luvas de Maddie, então a

conduziu por um comprido corredor com um teto muito alto. Ao longo do

caminho havia vários quadros pendurados nas paredes, retratos de homens

e mulheres elegantemente vestidos.

Enquanto Langley era arejada e clara, Highbarrow parecia ter sido

projetado para deixar Maddie mais nervosa do que já estava. Ao final do

corredor, o marquês parou, soltou o braço de Maddie e olhou-a.

— Você prefere que eu explique tudo antes ou pretende entrar logo na

jaula dos leões?

— O senhor está perguntando pelo meu bem ou pelo seu, milorde?

Quinlan deu um leve sorriso.

— Você seria capaz de dançar sobre o meu túmulo, não seria? —

Quinlan bateu na porta e Maddie estremeceu.

— Se um dia eu for visitá-lo.

— Entre — uma voz feminina respondeu.

Se Maddie tinha alguma dúvida sobre a descrição que Bancroft havia

feito de seu irmão mais velho, esta desapareceu assim que Quinlan a puxou

para dentro da sala de música. O duque do castelo de Highbarrow estava

sentado junto à janela, o sol da tarde refletindo em seus cabelos grisalhos.

Olhos castanhos e frios sob sobrancelhas espessas se ergueram do London

Times para olhá-la.

Page 52: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

De repente, Maddie teve total consciência do tecido barato de seu traje

de viagem. Com o queixo levemente erguido, ela caminhou ao lado de

Quinlan, olhando ao redor da sala. Cada peça de prata, dos candelabros à

colher de chá sobre a bandeja, brilhava mais do que as estrelas. Não havia

nenhuma partícula de pó em parte alguma, e os polidos móveis de mogno

davam à madeira quase uma aparência de espelho.

— Já voltou, Quinlan? — uma voz fria ecoou Os olhos de Maddie se

voltaram para o duque.

— Também estou feliz em vê-lo, papai — o marquês respondeu com o

mesmo tom frio. Maddie olhou para ele, curiosa, pois nunca o ouvira

falando daquela maneira... como um nobre.

— Bem-vindo, Quinlan — uma voz feminina bem mais calorosa ecoou,

e uma pequena senhora se levantou de uma cadeira ao lado da lareira para

tocar as mãos do marquês. Quinlan sorriu e beijou-a no rosto.

Os olhos da duquesa eram verdes como os do filho, apesar de o brilho

se modificar quando pousaram em Maddie.

— E quem nós temos aqui, Quinlan? — a duquesa perguntou, com um

discreto tom de curiosidade na voz.

— Gostaria de lhe apresentar a srta. Madeleine Willits. Maddie, o

duque e a duquesa de Highbarrow.

— Vossa Alteza — Maddie disse, fazendo uma mesura e inclinando a

cabeça, de repente ciente do quanto ela estava distante de Sommerset e de

seus amigos. Então olhou para Quinlan, o mais próximo de um aliado que

possuía ali, e mal confiava nele. Nem poderia se permitir confiar.

— De onde você é, mocinha? — O duque continuou sentado, e, com

nenhuma intenção de se levantar para cumprimentar Maddie ou o filho,

cruzou os tornozelos e virou a página seguinte do jornal.

— Langley. — Quinlan sorriu para Maddie, em seus olhos um sinal de

alerta para ela se comportar. — Ela era a dama de companhia de tio

Malcom, papai.

— Eu sou a dama de companhia do sr. Bancroft — Maddie corrigiu-o

educadamente, tentando não encarar o duque por sua grosseria. Afinal, ela

dera a palavra de que concordaria com aquela bobagem, contanto que os

outros Bancroft estivessem de acordo.

O duque fechou o jornal e encerrou sua leitura, visivelmente

aborrecido.

— A amante de Malcom, você quer dizer.

Maddie corou.

— Não, a dama de companhia do sr. Bancroft — ela corrigiu,

antes mesmo que Quinlan tivesse a chance de fazê-lo. — E ele está se

sentindo muito melhor. O médico até acredita que vai se recuperar

completamente da paralisia. Obrigada pela preocupação, senhor.

Page 53: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

A expressão de surpresa do duque foi instantânea, o London

Jimes escorregou de suas mãos e caiu no chão.

— Mocinha insolente!

O duque se levantou. Quinlan era mais alto do que o pai, mas Lewis

Bancroft parecia mais encorpado do que o filho.

— O que ela está fazendo aqui, Quinlan?

O marquês hesitou um pouco, obviamente procurando as palavras certas.

— Madeleine é a filha mais velha do visconde de Halverston.

— Já sei, você é aquela que Charles Dunfrey chutou quando a

encontrou com um dos amigos dele — o duque de Highbarrow escarneceu.

— Erro estúpido. E agora está se aproveitando de um pobre velho inválido.

— Ele olhou para Quinlan. — Ou você quer lançar suas garras em cima de

meu filho, agora?

— Pai — Quinlan disse rispidamente.

Era isso que Maddie estava acostumada a receber da nobreza. E de

alguma maneira, ela se sentiu mais confortável ao constatar que estivera

certa o tempo todo. Agora estava preparada para abrir fogo.

— Na verdade, eu fui o culpado por tudo que aconteceu, pai — Quinlan

disse com voz calma. — Não tinha idéia de quem a srta. Willits era, e... —

Ele olhou de novo para Maddie. — ...me comportei mal. Tio Malcom

sugeriu que eu poderia consertar duas coisas ao trazê-la para cá.

— Ela não está carregando um filho seu, está? Meu Deus, Quinlan! Um

envolvimento com uma qualquer três meses antes de se casar com Eloise!

— Lorde Warefield me beijou — Maddie declarou asperamente. — Isso

foi tudo. E eu não queria ter vindo. Foi idéia do sr. Bancroft. Posso partir

já, se o senhor assim o desejar.

— Ótimo.

— Insuportavelmente esnobe — Maddie murmurou. — Passar bem,

Vossa Alteza. — Virou-se e seguiu para o longo corredor

Quinlan correu atrás dela e a puxou pelo braço.

— Por Deus, Maddie, dê-me apenas um minuto para eu explicar tudo a

ele.

Ela livrou seu braço e apontou o dedo indicador para Quinlan.

— Está bem, só mais um minuto.

O marquês respirou fundo e a trouxe para dentro da sala novamente. A

duquesa, no entanto, estava próxima à porta e viu quando os dois voltavam.

— Pai — ele recomeçou —, eu agi mal com a srta. Willits. Ela é uma

dama de berço, injustamente acusada de algo que não fez. Desejo reparar o

que fiz. Tio Malcom acha que com a ajuda da nossa família, a srta. Willits

pode ser aceita de novo na sociedade, e eu concordo com ele.

— Ah! Você concorda!

Page 54: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Sim. E ela vai ficar aqui até que tudo esteja resolvido. Não posso levá-

la de volta para Langley antes de cumprir com a minha promessa, portanto

a srta. Willits permanecerá aqui como nossa convidada.

O duque se levantou outra vez.

— Eu esperaria essa tolice de Rafael, mas até a manhã de hoje não

imaginava que você fosse tão estúpido e ingênuo, Quinlan. Dê um dinheiro

a ela e mande-a embora. — Highbarrow se aproximou deles. — Quanto

custará isso, srta. Willits? Dez libras? Cem? Fale quanto custará para a

senhorita manter sua boca fechada e ir embora.

Maddie olhou para o relógio que havia sobre o aparador <to lareira.

Cinqüenta e oito segundos... cinquenta e nove... um minuto.

— Vossa Alteza — ela iniciou tão brava que sua voz saiu trêmula —, se

eu escolhesse vender minha língua para não comentar nada sobre o mau

comportamento de seu filho, cada moeda que o senhor possui não seria

suficiente para comprar o meu silêncio, porque a minha honra não tem

preço.

— Então o que...

— Não estou aqui por dinheiro — Maddie o interrompeu. — Estou

aqui porque o sr. Bancroft achou que seu filho agiu mal e ele viu essa tolice

como uma chance de acertar a minha vida. Direi ao senhor o que disse a

seu irmão: estou muito feliz com a minha vida e não desejo passar mais

nenhum minuto na companhia de uma pessoa arrogante e egocêntrica como

o senhor. Passe bem.

— Quin, você concordou com isso? — a duquesa perguntou, colocando

uma das mãos sobre o braço de Maddie, impedindo-a de partir.

Quinlan meneou a cabeça.

— Quando cheguei a Langley, percebi que a srta. Willits tinha cuidado

muito bem da propriedade e de tio Malcom. Por isso, como uma forma de

gratidão, eu pretendo ajudá-la.

— Não, você não vai ajudá-la! — gritou o duque, seu rosto ficou

vermelho. — Quero que ela saia desta casa agora mesmo!

— Só um momento, Lewis — ponderou a duquesa. Por um segundo ela

olhou para Maddie, então seu olhar se voltou de novo para o marido. —

Quinlan deu sua palavra. Não quero que ele a quebre porque você acha

inconveniente.

— Vitória! Não permitirei...

— Está acertado, Lewis — lady Highbarrow declarou com firmeza.

De cara amarrada, o duque deu as costas para todos, resmungando:

— Façam o que vocês quiserem. Eu estou indo para Londres. Vitória

pode me encontrar lá quando essa garota tiver ido embora.

— Lewis!

— Basta, mulher! — o duque resmungou e saiu bufando pelo corredor.

Quinlan ficou olhando o pai desaparecer.

Page 55: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Bela saída.

— Ele já estava planejando ir para Londres no fim da semana. Tem uns

negócios para resolver. — A duquesa soltou o braço de Maddie e tocou em

seu filho. — Srta. Willits, a senhorita poderia nos dar licença por um

momento? — ela pediu e levou Quinlan até o corredor.

— Espere aqui, Maddie — disse o marquês.

Maddie tentou fazer uma careta, mas decidiu se conter. Quinlan a havia

apoiado quando ela não precisava ou não queria o seu apoio, ou pelo menos

pensava que não, até ele dar um leve sorriso e ela de repente sentir que tudo

daria certo. E se perguntou quando exatamente, começara a ver Quinlan

como um aliado.

A duquesa parou em frente a uma das janelas que davam vista para o

jardim.

— Por que você beijou a srta. Willits, Quin? — Ela desviou o olhar da

paisagem para fitar o filho nos olhos. — E por que sente necessidade de

ajudá-la?

— Achei que tio Malcom pudesse ter outro ataque se eu não

concordasse com ele.

— Ele se importa com esta jovem?

— Tio Malcom gosta muito de Maddie, mamãe. Ela é mais do que uma

filha para ele.

— Por que você a beijou?

Quinlan baixou os olhos por um momento, sem conseguir explicar o

turbilhão de emoções que Maddie Willits lhe despertara desde a primeira

vez que se viram.

— Não sei ao certo. Maddie... tem uma péssima opinião da nobreza, e

ela costuma falar tudo que pensa. Acho que eu queria lhe provar que nem

todos são como Charles Dunfrey, que virou as costas para ela, ou aquele

miserável que arruinou-lhe a vida.

— Arruinou beijando-a quando não deveria.

— Sim, mãe, entendi o paralelo, obrigado.

— Você brigou com Eloise?

— Claro que não. Por quê?

— Você nunca foi de flertar por diversão, Quin. Pelo menos nunca

soubemos de nada. Apesar de eu achar que você deve ter tido seus flertes,

as damas envolvidas tinham uma posição mais sólida na sociedade do que a

srta. Willits, ou pelo menos não eram faladas.

O fato lhe passara pela cabeça também.

— Eu sei. — Quinlan se moveu na direção da sala de música.

— De qualquer forma, já dei minha palavra. E como eu disse, não posso

levá-la para Langley antes de resolver tudo. Por isso pensei que a senhora...

pudesse me ajudar.

Page 56: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Seu pai não quer se envolver nisso.

— Sim, mas ele não estará aqui. — Quinlan pegou as mãos da mãe. —

A senhora me ajudará?

— Ela chamou Lewis de arrogante e egocêntrico.—A duquesa riu. — Se

você acha que isso é importante, é claro que o ajudarei. Mas somente até

um ponto, Quin. Não permitirei que o nome Bancroft seja manchado. Se a

sociedade continuar rejeitando-a, ela deverá ser mandada de volta. De

acordo?

Quinlan respirou fundo, bem mais aliviado. Ele teria Maddie ao seu lado

durante mais algumas semanas.

— De acordo.

— Não preciso de uma modista. Posso costurar meus vestidos. Maddie

encarava Quinlan, parado na porta de seu quarto. Com seu jeito calmo, ele

entrou e se aproximou da cama, onde ela estava sentada.

— Maddie, eu sou extremamente rico e quando me tornar o duque de

Highbarrow ficarei ainda mais rico.

— O senhor não precisa jogar isso na minha cara, milorde. Quinlan

balançou a cabeça.

— O que eu quero dizer é que devemos apresentá-la à sociedade com

tanto estilo que ninguém será capaz de lhe virar as costas. Posso custear

isso sem sentir no meu bolso. Você trabalhou muito para ganhar o seu

dinheiro. Guarde-o para algo... para você mesma.

Maddie olhou-o, tentando conter a ira que não sentia por ele desde o

baile dos Fowler. E com outros olhos, ela começou a prestar mais atenção

ao seu lindo sorriso, nos traços másculos que compunham a linha do

queixo, e no modo como a luz do sol que iluminava o ambiente

transformava em dourado o tom dos cabelos castanho-claros do marquês.

— Se você se importasse mesmo comigo — ela finalmente respondeu

—, não teria me tirado de Langley.

— Tio Malcom se importa com você, e eu também me importo Foi

exatamente por isso que a trouxe de lá. Por achar que você merece mais

uma chance, Maddie.

Ela baixou o olhar.

— Concordei em vir somente pelo bem de seu tio. Portanto não espere

que eu vá para a forca com um sorriso no rosto.

Para sua surpresa, Quinlan se sentou na cama a seu lado.

— Para a forca? Nunca ouvi ninguém se referir a Londres dessa

maneira.

Maddie deixou escapar um leve sorriso, tentando não sentir o perfume

suave da colônia dele que colocava em alerta todos os seus sentidos.

—Mas foi assim que me senti quando fui expulsa da sociedade.

— Você não sente nem pouco de saudade?

Page 57: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Não.

Sem Quinlan querer, seu pé roçou a barra do vestido de Maddie, e ela

sentiu algo estranho. Céus, agora estava pensando em beijá-lo novamente!

— Mas...

— Você não tem idéia de como foi — Maddie o interrompeu. —

Ninguém ousaria rejeitá-lo. Não com a sua origem. Mas eu sou apenas a

filha de uma segunda geração de viscondes. — Ela fez uma pausa, mas ele

continuou fitando-a com seus intensos olhos de jade. — Eu era convidada

para todas as festas, especial¬mente quando fiquei noiva de Charles. Mas

depois daquela estu¬pidez... nem mesmo meus, antes considerados, amigos

foram me visitar, ou nem sequer olharam para mim. Meus pais me

trancaram no quarto por três dias. Acho que eles pretendiam me mandar

para um convento. Você pode me imaginar num convento?

— Não, não posso. — Quinlan ergueu a mão e ajeitou atrás orelha de

Maddie um cacho de cabelos fora do lugar. — Como você escapou?

Um tremor inesperado percorreu o corpo de Maddie diante do toque

gentil de Quinlan.

— Esperei o tempo ficar ruim, então preparei uma pequena alise e a

joguei pela janela. Em seguida, desci pela treliça da trepadeira. Segui pela

estrada Charing Cross e fui para Brighton. Eu pretendia ir para a América,

mas não tinha dinheiro suficiente. Em Brighton, arranjei um emprego de

governanta. Fui demitida duas semanas depois, assim que as notícias do

escândalo de Londres chegaram até lá. Meu patrão até me fez uma oferta

para que eu ficasse; ele se calaria e, em troca, eu lhe faria... alguns favores.

— Quem era ele?

Não importa. Os nobres são todos iguais.

— Não, não somos.

Não, eles não pareciam ser, e isso, de alguma forma, era difícil de aceitar.

— Você me beijou — Maddie apontou, mais para lembrar a si mesma

do que a ele. — E foi apenas porque pensou que eu fosse amante do sr.

Bancroft?

Quinlan se levantou.

—Não! Absolutamente não! — Agitado, caminhou até a janela e então se

virou para ela. — Aquele beijo foi... algo mais.

— Mais o quê? — Maddie queria saber. E não apenas para confirmar

que aquilo não tinha significado nada para ele.

— Foi um engano.

Ela baixou os olhos, no fundo decepcionada.

— Que tipo de engano?

— Do tipo do qual não me arrependo, porém não ousaria repetir.

— Não?

Quinlan a encarou.

Page 58: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Não — ele respondeu calmamente e então respirou fundo, como se

tivesse acabado de perceber que estavam sozinhos no quarto. — A modista

estará aqui às duas.

Maddie ficou olhando-o sumir no imenso corredor, deixando para trás

um mar de dúvidas e indagações.

Ela se sentia numa situação de desvantagem em Highbarrow. Em

Langley, era diferente, estava confortável e em bons termos com os criados

e com os vizinhos, e, acima de tudo, familiarizada com a rotina e os

detalhes da casa.

Exceto pelas poucas horas passadas, cinco anos antes, no baile do

marquês de Tewksbury, nunca tinha visto tanta pompa e riqueza como via

no castelo de Highbarrow. Aquilo era irritante, mas nada comparado ao que

teria de enfrentar assim que pisasse em Londres.

O duque de Highbarrow, para alívio de todos, já tinha partido antes do

meio-dia com suas duas carruagens e um séquito de criados. Maddie não se

importaria em ter de discutir com ele nova-mente, mas lhe faltavam aliados

e não queria correr o risco de despertar a ira da duquesa.

Maddie almoçou sozinha, sentada a uma imensa mesa de carvalho que

poderia facilmente acomodar todos os empregados de Langley. Quinlan

tinha ido visitar alguns vizinhos, e aparentemente a duquesa, apesar de seu

apoio, não estava pronta para se socializar com a "intrusa".

A modista chegou pontualmente às duas, e a duquesa estava presente

para escolher os modelos e os tecidos. Tudo sem pedir a mínima opinião de

Maddie.

Após uma sessão que parecia não ter fim, a modista finalmente recolheu

suas coisas e foi embora. Sua Alteza, porém, permaneceu para uma

conversinha.

— A senhorita tem algo melhor para vestir para o jantar de hoje à noite?

Novamente Maddie controlou seu forte temperamento. Se fosse Quinlan

quem tivesse feito a pergunta, ela teria lhe dado uma resposta à altura. Mas

a duquesa tinha tomado partido dela. Não iria doer muito aceitar um ou

dois insultos em troca.

— Tenho algo um pouquinho melhor — Maddie admitiu. — Não somos

muito formais em Langley.

— Sem dúvida. — A duquesa se levantou. — Somos mais formais aqui,

no entanto. Espero que a senhorita entenda. — Ela caminhou para a porta.

— Se a senhora não me queria aqui, por que falou em minha defesa?

A duquesa parou e se virou.

— Falei por meu filho. Aprendemos que a melhor maneira de manter a

paz em nossa família é ceder aos desejos de meu marido. Desta vez

Quinlan escolheu o oposto, e sinceramente não consigo entender por que

resolveu desafiar a ira do pai por um flerte sem conseqüências. — A

Page 59: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

duquesa se virou e continuou andando. — Nos veremos mais tarde, srta.

Willits.

Vitória Bancroft fez uma pausa aos pés da escadaria; a porta do quarto de

Madeleine Willits se fechou silenciosamente, sem nenhum sinal do ataque

histérico que ela esperava ouvir. A duquesa esperou um pouco mais, então

seguiu.

O caso todo era muito estranho. Quinlan perseguir outra mulher na

iminência de seu casamento até que não era tão surpreendente, já que os

homens costumam mesmo sair em busca de novas aventuras antes de se

casarem. Por este ângulo o fato não mereceria muita consideração. Mas seu

pressentimento de mãe indicava que havia algo mais envolvido, pois, caso

contrário, seu sempre bom e comedido filho não teria ousado trazer para

casa a tal mulher, e, para completar, praticamente exigido que eles a

aceitassem.

O duque, é claro, escolheu olhar para o incidente como uma afronta à sua

dignidade e seguiu para Londres, deixando a duquesa encarregada de

resolver a absurda situação antes que os Bancroft se tornassem o tema das

fofocas da nova temporada. Uma única palavra sobre o deslize do marquês

de Warefield seria o suficiente para incendiar toda a Londres.

Quinlan apareceu inesperadamente à porta de entrada no instante em que

sua mãe ia passando. Uma vez que eram raras as ocasiões que ele tinha

para se divertir, quando ia pescar com Dunsmoore, sempre chegava depois

do entardecer. Vitória parou e esperou pelo filho.

— Como lorde Dunsmoore está passando, Quinlan?

— Olá, mamãe. Ele está bem. Eu o deixei pescando. Nenhum peixe

mordeu minha isca, nesta tarde. Como foi com a modista?

— Quinlan limpou uma fina camada de poeira que cobria sua calça de

camurça.

— A sita. Willits já terá trajes decentes para vestir depois de amanhã.

— Ela tentou jogar alguém pela janela, ou fez algum tipo de desaforo?

— O marquês riu.

Vitória encarou o filho, muito séria.

— Você acha engraçado uma moça perder o controle o tempo todo?

— Maddie não é nenhum tipo de animal feroz, mamãe. Só teve de se

cuidar sozinha por um...

— Ela tem vivido sob a proteção de seu tio, você quer dizer — a

duquesa o interrompeu.

O sorriso de Quinlan desapareceu diante da insinuação.

— Eu não estava brincando quando disse que Maddie cuidou de

Langley. E cuidou muito bem, por sinal.

— E...

Page 60: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— E comprou uma cadeira de rodas, com o dinheiro dela, para tio

Malcom, sem que ele soubesse.

— Então, deu uma cadeira para ele! Não foi um relógio de ouro. Você

está sendo ridículo, e isso não é do seu feitio, Quinlan.

O marquês encarou a mãe e se endireitou.

— Nós não demos nada para tio Malcom — disse calmamente e se

virou para o corredor. — Papai preferiu ignorar a doença do irmão até se

lembrar de que a colheita em Langley poderia dar prejuízo.

— Nós enviamos você — ela o lembrou, mas Quinlan já tinha ido

embora. Vitória ainda foi atrás dele até o som de suas botas pisando no

mármore desaparecerem. Duas coisas estavam claras.

O beijo não tinha sido tão acidental como Quinlan afirmara, e Lewis

nunca deveria ter mandado o filho para Sommerset.

— Pensei que você iria começar uma greve de fome — Quinlan disse

brandamente, enquanto Maddie se sentava à mesa. Em seguida, ele se

sentou também e fez um sinal ao criado, indicando que o jantar já podia ser

servido.

— Pois eu achei que iria comer sozinha de novo — ela respondeu. —

Sua mãe se juntará a nós, milorde? — Maddie sorriu para um dos criados

que lhe oferecia o frango.

— O que eu fiz agora? — Quinlan perguntou, percebendo que o belo

sorriso que ela dera para o criado desapareceu assim que seus olhares se

cruzaram.

— Nada, milorde. Por que a pergunta?

— Porque virei milorde novamente. No seu vocabulário, eu acredito que

isso seja um insulto. Ou estou errado?

— E assim que as pessoas devem se referir a você, Quinlan — a

duquesa disse ao entrar na sala. — Não reprima a moça por isso.

Ele se levantou quando lady Highbarrow entrou na sala de jantar. Seu

lugar de costume, à direita da cadeira do duque, estava posto, mas ela se

sentou ao lado de Maddie. Enquanto o criado se apressava para mudar a

louça, um alarme soou na cabeça de Quinlan. Vitória Bancroft, apesar de

ser bem menos orgulhosa do que o marido, tinha um orgulho profundo da

linhagem Bancroft e o defendia como o duque. Talvez ela não fosse tão

instável quanto Maddie, mas eleja ouvira mais de uma vez a língua ferina

da mãe.

— Não estou repreendendo a srta. Willits, mamãe. Eu só quero saber se

ela está gostando ou não da sua estadia em Highbarrow.

— Como eu não poderia gostar, milorde? — Maddie perguntou

docemente.

Quinlan sorriu, certo de que naquela noite ele deveria verificar se não

havia nenhuma cobra ou aranha venenosa em sua cama.

— Foi o que pensei.

Page 61: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

A duquesa se inclinou para apanhar sua taça de vinho, impedindo Maddie

de enxergar Quinlan.

— Você recebeu notícias de Eloise, Quin? — sua mãe indagou. Droga!

Ele tinha se esquecido de novo de escrever para Eloise.

— Na última carta que ela me enviou, tudo ia bem.

— Ainda pretende esperar até o outono para se casar? Como eu disse

antes, acho que seria melhor vocês se casarem em junho ou julho.

— Concordo com Vossa Alteza — Maddie se manifestou. A duquesa

ergueu uma sobrancelha, desconfiada.

— Concorda?

— Certamente. Depois que a temporada de caça já tiver começado, será

um grande transtorno reunir todos em Londres para o casamento.

Quinlan a olhou com suspeitas. Em seus modos mais solícitos, Maddie

era muito mais perigosa.

— Por que está tão solícita, agora?

— Agora, milorde? Não fui solícita para com o senhor antes?

— Não — ele respondeu lentamente, cada vez mais desconfiado. —

Acho que não.

Lady Highbarrow observava Maddie com seus frios olhos verdes.

— Então, é a favor do casamento de meu filho, srta. Willits? Maddie

sorriu.

— Como eu poderia me opor se mal conheço uma das partes e nunca vi

a outra?

A duquesa olhou para o dois.

— A senhorita sempre beija homens que mal conhece, então? Maddie

mordeu o lábio inferior, seu único sinal de raiva.

— Não, Vossa Alteza.

— Mas beijou meu filho.

— Foi numa manhã que até lorde Byron teria apreciado — Quinlan

interferiu. — O clima de romance estava no ar. O incidente, no entanto, não

foi de todo mau, pois acabou proporcionando um meio de retribuir a

Maddie tudo que ela fez por tio Malcom.

Maddie o encarava. Ele retribuiu o olhar friamente, pois sabia que ela era

por demais inteligente para acreditar na desculpa que acabara de soltar.

— Confesso que ainda não entendi por que todos pensam que o beijo foi

mais culpa minha do que de lorde Warefield, uma vez que o marquês

insiste em afirmar que o responsável pelo acontecido foi ele.

Quinlan descansou o queixo sobre a mão e olhou para ela.

— Porque você gostou? — ele sugeriu e imediatamente se arrependeu

da zombaria.

— Seu arrogante...

Page 62: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Quin! — manifestou-se a duquesa. — Sejam lá quais forem os

sentimentos envolvidos, se você insistir em lembrar à srta. Willits sua

atitude inadequada, ela não terá a chance de se redimir.

— Minha atitude inadequada... — Maddie repetiu. — Os lábios eram

dele, mas a inadequação foi minha. — Olhou para Quin. — Vejo agora por

que o senhor preza tanto a sua nobreza. Ela o absolve de todos os seus

erros, à custa do socialmente inferior mais próximo. — Maddie se

levantou. — Com licença. Perdi meu apetite.

— Maddie — Quinlan murmurou.

Lady Highbarrow segurou-a pela mão antes que ela pudesse se afastar.

— Sita. Willits, mesmo correndo o risco de ser áspera, vou dizer-lhe

uma coisa: Quinlan é o futuro duque de Highbarrow, e a senhorita gostando

ou não, ele se encontra numa escala social superior à sua.

O sorriso da duquesa desapareceu e Quinlan estava boquiaberto.

— Mãe, se a senhora me der licença só por um momento — ele disse

rapidamente, dando a volta na mesa para levar Maddie embora. — Há

várias coisas que não deixei claro para a nossa hóspede. — Quinlan puxou

Maddie para a porta de saída. — Srta Willits, por favor.

Assim que saíram, Maddie livrou seu braço da mão que a conduzia.

— Não vou ser arrastada como uma criança desobediente. Aposto que

agora você vai me mandar ficar de castigo, de joelhos.

A imagem daquelas palavras se formou instantaneamente na cabeça de

Quinlan, e a cena até que era engraçada.

— Lorde Warefield! — Maddie falou. — Eu disse que estou indo

embora!

Quinlan a segurou de novo pelo braço, forçando-a a olhar para ele.

— Não, você não vai! — A inusitada raiva que corria em suas veias

surpreendeu a ele mesmo; não porque Maddie dissera o suficiente para

enfurecê-lo, mas porque Quinlan não queria que ela se afastasse dele para

sempre.

— Eu sei quando a minha presença é inoportuna.

— Pare e me escute, Maddie. Você não me fará quebrar minha palavra

de honra, assim como não quebrará a promessa que fez ao meu tio. Fui

claro?

Por um bom tempo ela apenas o fitou, ofegante e furiosa.

— Eu o odeio — foi a resposta de Maddie.

— Fui claro?

— Sim. Muito claro.

Quinlan ficou parado observando-a subir, furiosa, a escadaria. Quando a

porta do quarto de Maddie bateu, o marquês recostou-se, aliviado, contra a

parede. Seja lá o que ele estivesse sentindo por Madeleine Willits, ódio

com certeza não haveria de ser. E isso o k assustava muito.

Page 63: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Quando finalmente chegou o dia de partirem para Londres, Maddie já

tinha mais vestidos do que tivera em toda a sua vida. As valsas e quadrilhas

inventadas nos últimos cinco anos foram I ensinadas a ela. O mais

doloroso, no entanto, foi ter de ler, todos os dias, as colunas sociais do

London Times para ficar a par de quem havia se casado com quem,

morrido ou sido bem recebido no alto círculo social.

Após a última discussão com o marquês, Maddie fez o possível para

evitá-lo, e ele, por sua vez, parecia fazer o mesmo. Numa moradia tão

grande como o castelo de Highbarrow, isso não era muito difícil.

— Maddie, por favor, desça da carruagem — Quinlan suplicou

calmamente, tentando ao mesmo tempo evitar os olhares curiosos do

mordomo e dos criados que descarregavam a bagagem dos Bancroft.

— Não! — a voz tensa ressoou de dentro da escuridão do veículo.

— Que bobagem. — A duquesa virou os olhos, abriu o leque e se dirigiu

para a porta de entrada da residência dos Bancroft, em Londres.

Quinlan se inclinou na porta aberta da carruagem. No fundo, ele sentia-se

culpado por ter fugido de Maddie nos últimos dias. Sabia dos anseios e

temores da jovem e de que só estava em Londres por sua causa. Em seu

peito vibravam sensações que oscilavam entre a vontade de gritar com

Maddie e, ao mesmo tempo, de beijá-la, e isso estava ficando cada vez

mais difícil de controlar.

— Maddie, a casa é cercada por um imenso jardim cheio de árvores.

Posso lhe garantir que ninguém que estiver passando na rua poderá vê-la

descer da carruagem.

— Quero ir para casa! — ela gritou.

— E onde, precisamente, é a sua casa?

Após um minuto de silêncio, Maddie saiu, trêmula, da carruagem, e

Quinlan constatou o nervosismo dela.

Lentamente, ele a ajudou a descer da carruagem. Maddie estava de olhos

fechados e só os abriu depois que pisou com os dois pés em solo firme,

ciente de que não teria mais como voltar atrás.

— Está tudo bem, Maddie?

— Acho que sim. Só preciso de um momento.

— Esperarei o quanto for preciso.

Ela continuou apertando com força a mão de Quinlan. Aparentemente,

detestava mais Londres do que ele. Quinlan não esperava ser promovido de

inimigo a aliado, mas a circunstância não era bem-vinda. Ele olhou para o

rosto de Maddie. Céus, como ela era linda!

Por fim, ela respirou fundo e só então deparou com a enorme mansão e

com os olhares curiosos dos vários criados que os aguardavam.

— É maravilhosa — declarou, admirada.

— Considero isso um grande elogio, vindo de você. Vamos entrar? —

Quinlan gesticulou para a porta de entrada.

Page 64: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Você também vai ficar aqui?

Ele não pretendia. Durante a temporada, costumava ficar na casa que

havia sido de sua avó materna, na Grosvernor Street. Passar todo o verão ao

lado de seus pais era uma tortura que ele não tinha de enfrentar desde que

completara dezoito anos e fora admitido em Oxford.

— É claro que sim. Até que tudo se acerte. Maddie tinha estampada no

rosto uma expressão que indicava que ela nunca se adaptaria à vida e aos

costumes de Londres.

Page 65: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Capítulo V

Em sua primeira e única estada em Londres, Maddie havia entrado num

verdadeiro estado de êxtase quando, finalmente, pudera ver os famosos

pontos como o Hyde Park, a Bond Street e a sombria Torre de Londres —

lugares dos quais, até então, só tinha ouvido falar. Ela fora convidada para

bailes fabulosos e mui¬to alegres, com gente famosa que a havia tratado de

igual para igual, demonstrando satisfação em conhecê-la.

Mas agora não sentia a mínima vontade de rever esses lugares, tampouco

essas pessoas.

— Srta. Willits, gostaria de mudar de roupa para o almoço? Maddie

deixou a cortina da janela de seu quarto escorregar suavemente em sua

mão, ocultando a calma vista da King Street.

— Acho que sim.

Depois de colocar seu novo vestido de seda verde e branco, ela olhou

para o relógio que havia sobre o aparador da lareira, e então, com certa

relutância, saiu de seu quarto. Meia dúzia de empregados a

cumprimentaram educadamente à medida que ela descia para a sala de

jantar, onde parou de repente logo na entrada.

O duque de Highbarrow olhou-a por cima de uma fatia de pêssego.

— Você ainda está aqui? — ele perguntou, resmungão.

— Boa tarde, Vossa Alteza.

Um lacaio se apressou para puxar a cadeira para ela. Preferindo não dar a

oportunidade de o duque pensar que era uma covarde, Maddie se sentou.

Sua Alteza, rudemente, continuou ignorando-a, e ela olhou ao redor da sala,

impaciente. Quinlan dissera repetidas vezes que enquanto os Bancroft

estavam em Londres, o almoço era servido à uma da tarde. Portanto ali

estava ela, à uma e cinco, quando todos os demais já deveriam se encontrar

presentes.

Maddie olhou de novo para Lewis Bancroft e notou que seus traços eram

mais rudes que os de Malcom, e que seus fartos cabe¬los grisalhos eram

mais manchados de cinza nas têmporas. Achou também que a expressão do

duque era bem menos dócil do que a de seu irmão.

— O que você está olhando, garota? Maddie piscou, embaraçada.

— Eu estava buscando traços de semelhança entre o senhor e seu irmão,

Vossa Alteza.

— Bah! Malcom teve mais sorte.

— Talvez, Vossa Alteza, o senhor seja o sortu...

Quinlan apareceu à porta, interrompendo a conversa e talvez salvando

Maddie de mais uma discussão desagradável com o in-tolerante duque.

Page 66: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Boa tarde, papai... srta. Willits — ele disse apressadamente,

arrumando a gravata e ocupando a cadeira que ficava de frente para

Maddie. — Peço desculpas. Eu estava colocando minha cor-respondência

em dia.

O duque fixou-o com um olhar cortante.

— Você também vai ficar aqui? O que tem de errado com a Whithing

House, agora?

O marquês fez um sinal para o lacaio, indicando que queria um pouco de

vinho.

— Não há nada de errado. Só decidi ficar aqui por algumas semanas.

— Por quê?

— Ele está mantendo a palavra, como prometeu. — A duquesa passou

pelo marido e se sentou de frente para ele, na outra ponta da mesa. — Não

ficaria bem a srta. Willits se hospedar na Whithing House. Ela precisa de

uma acompanhante. E eu farei as vezes.

— Quanta bobagem. Ela já tem má fama mesmo... Bem, isso já é o

bastante, Maddie pensou.

— Eu não...

Quinlan interrompeu Maddie discretamente:

— Mas manterei minha palavra com ou sem a sua ajuda, papai.

— Sem, eu lhe garanto. — O duque afastou a cadeira e se levantou. —

Ao primeiro sinal de confusão, será sem a ajuda de sua mãe também. E não

quero essa garota no meu caminho. Com você aqui, Quinlan, esta casa está

muito cheia.

— Evitarei cruzar o seu caminho, Vossa Alteza. Pode ter cer¬teza disso

— declarou Maddie.

Lorde Highbarrow parou no caminho para a porta.

— Quanta perda de tempo! — ele disse antes de se retirar.

— Por favor, tente não contrariá-lo, Maddie — Quinlan pediu

docilmente.

— Ele me contrariou primeiro.

— Mesmo assim, seria muito mais fácil se meu pai estivesse do nosso

lado, você não acha?

— Por que ele deveria, milorde? Não ganharia nada com isso.

— Não vamos discutir de novo, Maddie.

— Concordo — a duquesa se manifestou inesperadamente. — Lewis

não é conhecido por sua paciência. Temos de pôr logo em prática nossos

planos. — Ela batia com a ponta dos dedos sobre a mesa. — Para começar,

nada muito formal, é claro. Primeiro, a senhorita terá de ser vista comigo,

para que a sua ligação com Quinlan não se tome tema de mexericos.

— Não tenho nenhuma ligação com Quin... Com lorde Warefield —

Maddie se corrigiu, corando.

Page 67: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Podemos ir às compras— a duquesa continuou como se não tivesse

ouvido o protesto de Maddie. — Muito bem. Bond Street, amanhã de

manhã.

— Mas... eu não necessito de nada. — De repente, uma onda de angústia

a deixou trêmula. As pessoas iriam vê-la. Pessoas que a conheciam.

— Não é preciso necessitar de nada para ir às compras na Bond Street.

As pessoas vão lá para serem vistas.

— Mas...

— Minha mãe está certa. Temos de começar de alguma ma¬neira. —

Quinlan alcançou uma fatia de pão. — Não se preocupe, Maddie, que todas

as atenções estarão voltadas para a duquesa. Tenho certeza de que não terá

de falar com ninguém. Acho que essa será a parte mais difícil para você.

Maddie sorriu atravessado para o comentário dele.

— Posso saber o que o senhor ficará fazendo enquanto esti-vermos

fazendo compras na Bond Street, milorde?

— Preciso mandar arejar um pouco Whifhing House.

— E mesmo? — Ela arregalou os olhos.

— Sim, isso significa que passarei o dia todo dando ordens aos criados

e, sem dúvida, à noite estarei exausto.

Lady Highbarrow emitiu um leve ruído para chamar a atenção dos dois e

lembrá-los de sua presença.

— Não tão exausto que não possa nos acompanhar ao jantar na casa de

lady Finch, eu espero.

Agora, sim, Maddie ficou realmente apavorada. Um jantar era muito

mais assustador do que um simples passeio por uma rua movimentada.

— Um jantar?

— Na semana passada enviei uma carta para Evelyn, pedindo-lhe que

reunisse um pequeno e seleto grupo de amigos.

— Muito obrigado, mamãe — Quinlan disse num tom de surpresa. No

instante seguinte ele cutucou Maddie por baixo da mesa.

Ela teve um sobressalto.

— Sim, obrigada, Vossa Alteza — Maddie falou e o chutou de volta.

O duque de Highbarrow escapou do jantar daquela noite, dizendo que iria

ao White para jogar cartas. Na verdade, ele provavelmente não se

importava em perder alguns jantares.

Quinlan teria gostado de ir ao clube também para rever os amigos, porém

Maddie, é claro, não poderia ir a lugar algum, fato que o prendia em casa.

O jeito foi inventar um jogo de cartas com sua mãe e Maddie para

passarem as horas. Horas que se revelaram extremamente agradáveis, e a

verdadeira surpresa da noite foi a duquesa sorrindo por coisas que Maddie

dissera.

Page 68: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Na manhã seguinte, Quinlan foi para Whifhing House, como tinha dito.

Uma vez lá, instruiu Baker, seu mordomo, a abrir a casa com a justificativa

de que em breve ele ocuparia a antiga residência. Depois de resolver tudo

mais rápido do que o esperado, o marquês montou em Aristóteles e seguiu

para a Bond Street, curioso para saber como Maddie estava se saindo.

Sua mãe estava certa; se era para reparar a reputação da jovem, não

caberia a ele, ou a qualquer outro homem, ser visto ao lado dela em sua

primeira aparição em público. Mas nada o impedia de andar por perto para

ver se estava tudo bem.

Quinlan deixou Aristóteles aos cuidados de um garoto e se misturou à

multidão em busca das duas, quando então avistou a duquesa saindo de

uma loja, seguida por Maddie, mais quatro balconistas carregando caixas e

lady DeReese e a sra. Oster.

Como ele suspeitava, as atenções das duas damas estavam totalmente

voltadas para a ilustre duquesa de Highbarrow. Maddie caminhava ao lado,

tentando bravamente demonstrar algum interesse pela conversa maçante.

Com seus cabelos ruivos refletindo a luz do sol, e seu vestido amarelo-claro

ressaltando suas formas delicadas, ela facilmente era a mulher mais

atraente da rua, se não de toda a Londres.

De acordo com Sua Alteza, o passeio foi um verdadeiro sucesso,

deixando Maddie sem desculpas para protestar ou evitar o jantar de logo

mais à noite.

Ela, no entanto, sabia que o jantar seria um desafio muito maior. Nunca

tivera o privilégio de circular em rodas tão requintadas, e naquela noite

deveria se comportar como uma moça submissa e dócil que jamais teria

permitido que um homem a beijasse em público. Embora já houvesse

cometido o mesmo erro duas vezes.

Maddie sorriu educadamente para lady Finch, a anfitriã, que as recebia

com um largo sorriso estampado no rosto.

A primeira vez não tinha sido sua culpa, pois fora apanhada de surpresa

por aquela cobra venenosa do Spencer. Mas o segundo beijo era seu maior

dilema naquele momento, pois, no fundo, Maddie estava em plena

consciência quando tudo acontecera, e| sabia que não fizera quase nada

para impedi-lo.

Ela olhou para o outro lado da sala. Lá estava Quinlan, alto e

maravilhoso como sempre, conversando com alguns amigos. Ele parecia à

vontade em seu meio, naturalmente encantador.

E Maddie tinha uma imensa vontade de odiá-lo por isso.

Entre todas as instruções que recebera sobre como se comportar, olhar

para Quinlan era uma das coisas que ela teria de evitar, mas era quase

impossível resistir à tentação.

Page 69: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Venha, minha querida—a duquesa disse, num tom caloroso que ela

costumava adotar quando estavam em público. — Quero me sentar perto

do fogo.

Ofereceu o braço, e Maddie se apressou em pegá-lo.

— É claro, Vossa Alteza.

Mesmo antes de se acomodarem, já estavam cercadas por uma dúzia de

outras damas, todas perguntando a respeito da saúde de lady Highbarrow,

de seu marido e dos filhos. Ninguém perguntou acerca de Malcom Bancroft

ou de Maddie, mas, pelo menos, isso significava que ela não teria de

responder a nenhuma pergunta, Em vez disso, Maddie sorria e concordava

com a duquesa durante a conversa, abstendo-se de oferecer qualquer tipo

de opinião pessoal ou comentário.

— Mamãe... srta. Willits, as senhoras gostariam de um cálice de vinho

do Porto? — Quinlan perguntou, parando diante das damas.

— Sim, obrigada — a duquesa respondeu, e cutucou Maddie.

— Por favor, milorde — Maddie disse.

Quinlan desapareceu em meio aos convidados, para logo em seguida

voltar com as bebidas. Ao entregar a de Maddie, ele se inclinou levemente.

— Como vão as coisas?

— Estou com vontade de cuspir na sua cara, mas tento me comportar —

ela sussurrou de volta. — Suma daqui.

Quinlan respondeu com um sorriso nos lábios:

— Pois não, milady.

— Quin, vá dar uma volta — a duquesa disse, encarando-o. Ele riu e se

afastou.

A aproximação de uma jovem dama fez Maddie se esquecer de suas

pequenas intrigas com o marquês e ficar realmente apavorada.

— Anne — a duquesa de Highbarrow cumprimentou com um largo

sorriso. — Eu não esperava vê-la tão cedo em Londres.

— Nem eu esperava vir. — A moça sorriu. — Mas Ashton insistiu.

— Anne, gostaria de lhe apresentar a sita. Willits. Maddie, esta é lady

Ashton.

Maddie se lembrava da dama e resolveu arriscar.

— Acho que me lembro da senhora em ocasião do baile dos Tewksbury.

— Sim, eu...

— Eu me lembro de ouvi-la dizer que Spencer era um bêbado grosseiro.

Lady Ashton concordou com um sorriso doce.

— Sinto muito pelo que lhe aconteceu, srta. Willits. Hoje me arrependo

de não ter saído em sua defesa, naquela noite fatídica. A senhorita e Vossa

Alteza gostariam de tomar um chá comigo na quinta?

— Adoraríamos — a duquesa respondeu.

— É claro que sim — Maddie disse sorrindo. Talvez Quinlan estivesse

certo, ainda restava um pouco de decência em Londres.

Page 70: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Finalmente a duquesa declarou que elas precisavam partir, e Maddie

praticamente saiu correndo para a carruagem. Quinlan se juntou a elas

minutos depois.

— Tudo correu bem, você não acha? — ele perguntou ao se recostar no

assento oposto ao de Maddie.

— Foi apenas uma reunião pequena e com um grupo seleto de

convidados — ela comentou, olhando pela janela enquanto cruzavam a

Curzon Street.

— A mim pareceu que você se divertiu muito, pois a vi conversando

com aquele tagarela do Avery por mais de meia hora.

Maddie olhou para Quinlan, surpresa. Então ele estava com ciúme...

— O que conta é o que dirão sobre mim depois que saímos, milorde. As

pessoas preferem falar pelas costas.

— Maddie, você não...

— Ela está certa, Quinlan — a duquesa o interrompeu. — E você não

ajudou muito rodeando-nos como um lacaio.

— Eu não as estava rodeando, mas apenas sendo um filho dedicado e

um bom acompanhante.

— Bem, da próxima vez faça isso mais discretamente, filho. Quinlan

cruzou os braços, aborrecido.

— Certamente tentarei. Ainda terei de acompanhá-las à ópera amanhã,

ou a senhora conseguiu convencer papai a ir?

— À ópera? — Maddie engasgou, seu coração disparado. — Não sei se

estou preparada para enfrentar a ópera.

— Sim, você vai nos acompanhar, Quinlan — a duquesa respondeu.

Inesperadamente, ela tocou na mão de Maddie.

— Seja lá o que for que as pessoas estejam comentando, elas o farão

com ou sem a senhorita. E se resolverem dizer algo na minha presença,

terão de ser educadas, pelo menos.

— Parece não fazer muito sentido que eu seja aceita apenas na sua

companhia, Vossa Alteza — Maddie declarou, trêmula, agradecida pelo

apoio da duquesa. Na ausência de bailes e jantares, todos costumavam ir à

ópera no início da temporada. E isso incluía todos os que se encontravam

em Londres, e não apenas o seleto grupo de amigos da duquesa.

— É um começo, Maddie — Quinlan disse. — Temos de dar um passo

de cada vez.

— Isso é fácil para o senhor, lorde Warefield, pois nunca esteve à beira

de um abismo.

— Nem você, Maddie.

— E o que farei se cruzar com Charles Dunfrey? Ou com meus pais?

— Seus pais ainda não estão em Londres — Quinlan respondeu

calmamente. — Já verifiquei isso. Quanto a Dunfrey, um amigo me contou

Page 71: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

que ele vendeu o camarote na temporada passada. Portanto duvido que vá à

ópera hoje à noite.

— Sim, mas...

— Maddie — ele a interrompeu —, não se preocupe. Manterei minha

palavra. Sua temporada vai terminar bem.

A duquesa olhou para ambos e recostou-se. Quinlan contara para a mãe

que ele e Maddie discutiam o tempo todo. Mas, para ela, aquilo se parecia

mais com um flerte do que com uma briga. E perguntava-se o que

aconteceria quando os dois também se dessem conta.

Quinlan passara toda a manhã trancado na biblioteca pensando numa

maneira de explicar a Eloise, que chegaria na tarde daquele dia, a presença

de Maddie. Andava de um lado para outro ensaiando, em voz alta, o que

iria dizer, quando foi surpreendido pela presença de seu pai.

— Posso fazer uma sugestão? Por que você não diz algo como: "Tentei

me aproveitar da garota, mas ela se pôs a chorar e só parou quando prometi

que a traria para Londres"?

Quinlan olhou sério para o duque, que estava parado à porta da

biblioteca.

— Não tentei me aproveitar dela — ele disse, desejando que a porta

estivesse fechada, já que Maddie poderia ouvir.

Lorde Highbarrow cruzou os braços.

— E mesmo? Então, com que intenção você a beijou?

— Já disse que foi um incidente, um impulso. Depois, ela nem queria

ter vindo para Londres. Eu praticamente tive de arrastá-la. — Quinlan deu

uma olhada no corredor. — E, por favor, fale mais baixo. Alguém pode nos

ouvir.

— Ninguém que importe. Sempre pensei que Rafael fosse o filho idiota.

A moça está abusando da sua generosidade, Quinlan. Só você não percebe

que ela está querendo colocar a mão na sua fortuna. A mulher é uma

oportunista sem moral.

Uma ira tremenda tomou conta de Quin.

—- O senhor não precisa se preocupar, pois vou me casar com Eloise,

como o senhor deseja. Eu...

— Não estou aqui para ouvir o óbvio, Quinlan — interrompeu o duque

bruscamente. — Só quero lhe lembrar que é o meu título que você

carregará depois que eu partir! Portanto faça por merecê-lo ou não hesitarei

em deserdá-lo.

— Sei disso. Eu não fiz nada de errado, exceto sentir pena...

— Seu sentimento por aquela mulher vai além de piedade, Quinlan. Está

nos seus olhos. Se você a quer como sua amante, então tenha a decência de

tirá-la de debaixo do meu teto.

Quinlan ficou vermelho e cerrou os punhos.

— Maddie Willits não é uma...

Page 72: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Chega!

O duque saiu da biblioteca gritando com o mordomo no corredor.

Enfurecido, Quinlan apanhou a garrafa de conhaque que estava sobre um

aparador e atirou-a contra a lareira, espatifando-a.

— Maldito!

— Devo arrumar as minhas coisas? — a voz de Maddie veio da porta.

Quinlan virou-se, pálido.

— Não sabia que vocês já tinham voltado das compras. Desculpe meu

linguajar, Maddie.

— Não é preciso se desculpar, milorde. E o senhor não precisa ser tão

educado, sabia? — Ela enxugou uma única lágrima que insistia em descer

por sua face. — Sei que seu pai não é o único f que pensa daquela maneira.

Quinlan se aproximou e segurou-lhe as duas mãos.

— Espere — ele disse, puxando-a para dentro da biblioteca e j fechando

a porta. — Sinto muito que você tenha escutado as palavras desagradáveis

de meu pai.

Maddie desviou o olhar; seu lábio inferior tremia.

— Não importa.

— É claro que importa. Sua Alteza gosta de rosnar e intimidar as

pessoas. Mas tudo não passa de tempestade em um copo d'água.

— Aquilo foi... um tanto rude da parte dele — ela disse, insegura,

obviamente muito magoada e fazendo um esforço heróico para não chorar.

— Não é para menos que o sr. Bancroft não goste do próprio irmão. Eu

também não gosto.

— No momento, nem eu — Quinlan disse. — Por favor, não chore,

Maddie.

— Não estou chorando. Só estou um pouco chateada.

Lentamente, Quinlan se aproximou mais.

— Sinto muito -— ele murmurou, desejando abraçá-la. — E nem pense

em partir. Falarei com meu pai novamente. Eu prometo.

Quinlan estava surpreso com o que acabara de dizer: implorar para Sua

Alteza era algo que não costumava fazer. Na verdade, não se lembrava de

nenhum deles ousando discutir com o pai. Mas ele estava disposto a tudo

para impedir que Maddie partisse. Até mesmo a abrir mão de seu orgulho e

tentar acertar as coisas com o duque.

— De qualquer forma, isso tudo é ridículo — declarou Maddie. — Se

meus pais ou... ou Charles; se eles me virem, tudo estará arruinado.

Quinlan abaixou o olhar e tocou-lhe no queixo. Queira beijá-la. Queria

sentir os lábios de Maddie nos seus. Queria sentir o corpo de Maddie contra

o seu.

Maddie olhou-o.

— Oh, não... — ela sussurrou e ficou na ponta dos pés. E quando se deu

conta, os lábios de Quinlan tocavam os seus. O toque teve um efeito

Page 73: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

eletrizante. Sem forças para se conter, Quinlan a beijou, suas mãos

deslizando sobre os quadris de Maddie, puxando-a cada vez mais junto de

si.

— Quin? — a duquesa chamou do corredor. — Quin, preciso falar com

você.

Com um gemido abafado, Maddie se afastou, e os dois ficaram se

olhando, sem dizer nada. Quinlan estava atordoado e extremamente

frustrado por ter sido interrompido.

— Espere aqui — ele disse, seguindo para a porta. — Precisamos

conversar.

Maddie suspirou e se atirou numa cadeira. Lentamente seus dedos

percorriam os próprios lábios, como se ela pudesse recuperar o beijo

perdido.

Momentos depois, Quinlan retornou. Seu rosto estava sóbrio, e o coração

de Maddie disparou.

— Eu preciso ir embora, não é?

— Não, você não precisa. Porém, infelizmente, houve uma

complicação.

— Somente uma?

— Meu pai proibiu minha mãe de ajudá-la. Mas ela ainda nos

acompanhará à ópera, como havia prometido. Minha família preza muita a

palavra dada.

— Percebi. — Maddie, no entanto, só conseguia pensar no beijo e no

que poderia ter acontecido se eles não tivessem sido interrompidos. — Está

tudo acabado, então.

— Não, não está. Eu tenho algumas idéias.

— Por favor, deixe-me voltar para Langley, milorde. O senhor já fez

mais do que podia.

— Pode me chamar de Quin.

— Eu não quero.

— Por que não? Nós nos beijamos duas vezes.

Era impossível negar que havia algo muito forte entre eles. Mas tudo não

passava de um sonho impossível. Quinlan estava praticamente noivo. Cabia

a ela ser forte o bastante e resistir.

— Porque não é certo.

O marques riu diante da teimosia de Maddie. Mas dessa vez ele também

não estava disposto a ceder.

— Pode me chamar de Quin. Maddie respirou fundo e cedeu.

— Deixe-me voltar, Quin.

— Não.

Mesmo sabendo de todas as impossibilidades, no fundo Maddie sentiu

uma ponta de alegria. O marquês não queria que ela partisse, e isso de

alguma forma a consolava.

Page 74: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Quin! — Eloise descia a escadaria de sua mansão em Londres, com

um largo sorriso no rosto, acompanhado de um delicado farfalhar de sedas.

Seus cabelos, muito loiros, formavam uma cascata ousada de cachos que

emoldurava o rosto perfeito. Seus olhos azuis refletiram o brilho da seda do

vestido quando ela parou diante do mar¬quês. Ele segurou-lhe as mãos e

beijou-as.

— Eloise — Quinlan disse com um sorriso —, você é uma linda visão,

minha querida, como sempre.

Lábios rosados responderam com um sorriso.

— Estou muito brava com você, Quinlan.

Sua voz, doce e suave, não se alterava nem mesmo quando ela estava

brava. Eloise era a personificação da lady perfeita, a futura duquesa de

Highbarrow.

— Posso saber o motivo?

— Tive sérios problemas para descobrir por onde você andava.

Primeiro, estava em Warefield; em seguida, partiu para Sommerset. Você

mal se correspondeu comigo, e então, quando finalmente pensei que

minhas cartas o tinham alcançado, seu tio me escreveu informando que

você se encontrava no castelo de Highbarrow. Mas, logo depois, veio para

Londres sem me enviar uma palavra. E sem passar primeiro por Stafford

Green, como havíamos com¬binado.

Quinlan a conduziu à sala de estar da residência dos Stokesley.

— Bem, esta é uma das razões que me trouxeram aqui. Tive uma...

aventura.

Eloise se sentou no sofá e fez um gesto para que ele se sentasse

também.

— Então, me conte o que o manteve tão ocupado. Estou curiosa.

Quinlan sentiu um tom de censura na voz da jovem, mas preferiu ignorar.

— Bem, você soube que tio Malcom teve um derrame, e que papai me

enviou a Langley para verificar como as coisas estavam por lá.

— Sim, você me escreveu a respeito disso e de quanto sua agenda ficou

atrapalhada por conta desse imprevisto.

A situação havia mesmo sido um incômodo até que ele pusera os olhos

em Maddie... e nada mais parecia ser como antes.

— Acabei descobrindo que meu tio já tinha uma pessoa muito eficiente

cuidando de tudo — Quinlan prosseguiu.

— Então, por que não veio me visitar antes, como havíamos planejado?

— Estou chegando lá. A pessoa que estava ajudando meu tio é uma

mulher.

Eloise arregalou os olhos.

— Oh, meu Deus! Como seu tio pôde confiar tudo a uma mulher? Mas

essa não é a primeira vez que ele envergonha a família.

Quinlan franziu o cenho, aborrecido com o comentário.

Page 75: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Não foi exatamente o que você está imaginando. Ela era mais uma

filha para ele. E acabei descobrindo que a moça é a filha mais velha do

visconde de Halverston.

— Eu me lembro dela. Temos a mesma idade e debutamos juntas. É

aquela que fugiu quando foi flagrada aos beijos com aquele horroroso do

Benjamim Spencer, não é?

— Não estou convencido de que o terrível episódio tenha acontecido

por culpa da moça.

Eloise olhou-o desconfiada.

— É mesmo? E o que o faz pensar isso?

— Como você mesma acabou de afirmar, Spencer não tem exatamente

uma boa reputação, e esse é um dos motivos que me levam a crer que a

moça não seja culpada. De qualquer maneira, meu tio acredita na inocência

dela e me pediu para trazê-la de volta a Londres e ajudá-la a limpar seu

nome.

— Ele pediu o quê?! — Eloise se levantou. — Você está dizendo que

viajou sozinho com aquela... desqualificada para Highbarrow...

— Eloise, por favor — Quinlan a interrompeu antes que ela pudesse

dizer algo pior sobre Maddie. — Ela é uma moça muito doce, e minha mãe

tem nos ajudado.

— Doce?

Essa não era exatamente a perfeita definição de Maddie, mas Quinlan

jamais poderia confessar a Eloise o quanto a atrevida mexia com os seus

sentimentos.

— O problema é que meu pai, num rompante, proibiu minha mãe de

ajudá-la, por isso... preciso da sua ajuda, Eloise.

— Minha ajuda?

— Exatamente. Prometi a tio Malcom que até o fim desta temporada a

sita. Willits estaria se casando com um cavalheiro de Londres. Mas sou um

homem comprometido e, sem a ajuda de minha mãe, não fica bem que eu

seja visto em companhia de outra dama que não seja você, Eloise. Por isso

conto com a sua ajuda.

Por um longo tempo, Eloise apenas olhou-o, desconfiada. Finalmente, ela

se sentou.

— E claro que o ajudarei, meu marquês. — Eloise se aproxi¬mou e

encostou a cabeça no ombro de Quinlan.

Ele sorriu, aliviado, e a beijou no rosto.

— Obrigado, minha querida. Eu sabia que poderia contar com você.

— Quero que traga a sita. Willits para almoçar comigo amanhã. Mal

posso esperar para conhecê-la.

Satisfeito, Quinlan se retirou. A situação tinha sido menos complicada do

que ele receara. Talvez houvesse uma chance de esca¬par ileso daquela

temporada.

Page 76: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Maddie colocou um belo vestido verde-escuro e cinza com manguinhas

bufantes. A seda leve era de longe a melhor que ela já tinha usado. Tratava-

se de um traje confeccionado para o ca¬marote principal da ópera, mas,

mesmo assim, estava aterrorizada diante do espelho, quando a batida de

Quinlan ressoou na porta de seu quarto.

— Você está pronta, Maddie?

— Não acho que deveríamos aborrecer ainda mais seu pai — ela

respondeu antes de abrir. — Vá embora. Vou fazer minhas malas para

voltar para Langley.

— Pare com essa bobagem — disse o marquês ao entrar no quarto. —

"Minha primeira pergunta" — ele começou suavemente —, "que por último

enuncio, é, oh, maravilhosa, sois humana ou sois divina?"

Maddie não conseguiu conter o sorriso.

— "Não há nada em mim de divina, senhor, sou uma simples mortal."

Quinlan se aproximou, deslumbrando com a beleza de Maddie.

— Então você conhece A Tempestade, também?

— Tive o prazer de ler recentemente. — Ela se afastou dele. — E o

senhor não deveria estar aqui.

— Quero me certificar de que você não vai fugir pela janela. A

carruagem está pronta. Vamos?

Muito nervosa e relutante, Maddie entrou na carruagem e se sentou ao

lado da duquesa. Quinlan não entendia verdadeiramente todos os receios de

Maddie, não poderia entender nunca. Quem seria capaz de rejeitar o ilustre

marquês de Warefield?

Quando desceram da carruagem em frente ao pomposo teatro, Maddie

respirou fundo e encarou com coragem os olhares curio¬sos e os

comentários que surgiam à medida que os três iam pas¬sando pelo imenso

vestíbulo e seguiam rumo ao camarote dos Bancroft. Ela segurava firme no

braço de Quinlan, agradecida pela presença forte e impressionante dele, e

se esforçava ao máximo para parecer relaxada. Sua Alteza, no outro braço

do filho, sorria e saudava os amigos e conhecidos como se nada de

extraordinário estivesse acontecendo.

— Viu? — Quinlan sussurrou para Maddie enquanto subiam a escada

que levava ao camarote. — Está tudo bem.

Ela tinha suas dúvidas e, mesmo depois de já estarem protegidos pelas

paredes do camarote, ela ainda não estava certa de que não corria nenhum

risco.

Alguns pares de binóculos, depois outros, se viraram para a direção deles

no início do primeiro ato, porém Maddie preferiu imaginar que eles

estavam apontando para os ilustres Bancroft. Já fazia muito tempo desde a

última vez em que ela viera à ópera, mas isso não a fez se esquecer do

quanto a arte era maravilhosa de ser apreciada. Mais relaxada, recostou-se

Page 77: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

na cadeira ao lado da duquesa e apreciou o belíssimo espetáculo que estava

sendo encenado no palco.

Concentrada, só percebeu que o intervalo chegara quando as pesadas

cortinas se fecharam, as luzes se ascenderam e uma onda de inquietação

tomou conta de toda a platéia, inclusive dela. As pessoas costumavam

transitar pelos corredores para ver e serem vistas, e esse era um dos

maiores temores de Maddie.

— Vamos dar uma volta? — Quinlan convidou ao se levantar.

— Tudo que tem a fazer é não sair de perto de mim, Maddie — a

duquesa disse com um sorriso.

Voto vencido, ela se deixou levar. Era como se lembrar de algo que já

tinha feito antes, mas um pouco diferente. Um déjà vu, era isso que

parecia... Sair do camarote em meio a uma multidão de nobres e, ao mesmo

tempo, ter a absoluta certeza de que não pertencia àquele meio.

— Vossa Alteza! Como é bom vê-la em Londres novamente.

— Uma mulher baixa e atarracada, cujo pescoço brilhava com vários

diamantes, apareceu diante deles.

— Lady Hatton — a duquesa respondeu. — Fiquei muito triste quando

soube da morte de seu primo. Meus pêsames para a senhora e sua família.

— Obrigada, Vossa Alteza. Imaginamos que a índia fosse mais

civilizada. — A dama olhou para Quinlan e fez uma reverência, então se

voltou para Maddie. — Acho que não conheço sua acompanhante, Vossa

Alteza.

— Ah, é claro. Lady Hatton, gostaria de lhe apresentar a srta. Willits,

uma velha amiga da família. Srta. Madeleine, lady Hatton, de Staffordshire.

Maddie cumprimentou-a educadamente, segurando no braço de Quinlan.

— Prazer em conhecê-la.

— O prazer é meu, querida. — Lady Hatton sorriu. — Que moça

encantadora você é.

— Obrigada, milady.

Minutos depois, três damas se aproximaram, mais interessadas na

duquesa do que em conhecer Maddie. Aliviada, ela se virou e percebeu que

estava sendo observada por uma mulher alta e muito bonita.

A figura parecia familiar, e quando ela se distanciou de seus

acompanhantes e se aproximou, Maddie se lembrou quem era a formosa

dama. Seu coração parecia que nunca mais iria retomar o ritmo normal.

— Eloise — Quinlan disse calorosamente, e Maddie soltou o braço dele.

— Por que você não disse que viria?

— Foi uma decisão de última hora, meu querido — respondeu lady

Stokesley e parou diante de Maddie. — A senhorita deve ser a sita. Willits.

Seu rosto me é familiar, mas acho que nunca fomos apresentadas.

— Então me permita — Quinlan disse. — Eloise, srta. Willits. Srta.

Willits, lady Stokesley.

Page 78: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Como vai? — Maddie falou, tentando não encarar a dona do coração

do marquês, pois não tinha certeza se estava preparada para gostar ou não

da mulher.

— Quinlan me contou tudo sobre a senhorita — Eloise declarou. —

Espero que nos tornemos grandes amigas.

Eloise segurou no braço de Quinlan, tomando posse do que lhe pertencia

desde o nascimento.

— Posso pegá-lo emprestado por um momento?

— É claro.

Os dois se afastaram e Maddie, de repente, percebeu que estava só. Muito

só. Virou-se em busca da duquesa, mas não havia ne¬nhum sinal dela. E

nem de Quinlan ou de lady Stokesley.

— Maddie Willits?

Com um sobressalto, Maddie se virou. O elegante cavalheiro que olhava

para ela parecia-lhe familiar, mas de onde?

— É você mesma, Maddie?

Ele se aproximou e pegou-a pela mão, trazendo-a para perto.

— Nós já fomos apresentados? — Maddie perguntou, tentando soltar a

mão.

— Temos amigos em comum, eu acho. Meu nome é Edward Lumley.

— Acho que não...

— Céus, você continua linda — ele disse com admiração.

— Obrigada. Se o senhor me der licença...

— Aposto que você continua a mesma. — O homem continuou se

aproximando cada vez mais. — E se eu a roubasse de Warefield? — Ele

sorriu. Um sorriso cheio de malícia e insinuações. — O marquês é um tanto

enfadonho, que eu sei. Sabe, estive nas ilhas Spice. Aprendi muitas coisas

lá.

Muda e apavorada, Maddie mal conseguia acompanhar ou acreditar nas

terríveis insinuações que despencavam como uma cascata sobre ela.

— Acho que o senhor está me confundindo com alguém.

— Por acaso você é amante do marquês?

Como resposta, Maddie aplicou-lhe uma violenta bofetada.

Quinlan olhou para trás quando Edward Lumley cambaleava, atordoado.

— Céus! — Eloise exclamou.

Lumley recuperou o equilíbrio e olhou para Maddie, que o encarava com

fúria.

Quinlan se aproximou e acertou disfarçadamente o cotovelo nas costelas

do homem.

— Sinto muito, Lumley — ele disse ao passar pelo idiota, como se

tivesse acabado de dar um simples esbarrão. — Não vi que você estava

parado aqui.

Page 79: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Lumley encarou-o, seu rosto ainda mais vermelho do que antes, e

apontou um dedo para Maddie. —Ela...

— Sim, ela é adorável -— Quinlan cortou o assunto —, mas acho que é

melhor você ir tomar um pouco de ar fresco, Lumley. Seu rosto está muito

vermelho.

O brilho no olhar de Quinlan foi o suficiente para que o homem

entendesse que não era bem-vindo. Com uma leve reverência, ele os

cumprimentou e se afastou como se nada tivesse acontecido.

O marquês contou até cinco e então olhou para Maddie, que ainda estava

na mesma posição, muito pálida.

— Acho que minha mãe está à sua procura, srta. Willits. — Ele sorriu e

colocou a mão dela sobre o próprio braço.

— Obrigada, lorde Warefield — Maddie respondeu, trêmula. Quando

eles atingiram o topo da escadaria, Quinlan fez uma pausa.

— O que aconteceu, afinal? — perguntou, olhando para os lados para se

certificar de que não havia ninguém ouvindo.

— Ele... aquele Edward Lumey fez insinuações terríveis!

— Acalme-se.

— Me acalmar? O sujeito disse que você é enfadonho, e que ele tinha

aprendido algo nas ilhas Spice!

— Maddie... Seja lá o que ele tenha dito, você não pode sair batendo nas

pessoas quando elas a insultam.

— Não? — ela respondeu com uma pergunta, indignada. — A culpa foi

toda sua, Warefield.

— Posso saber por quê?

— Você é um Bancroft: o grande marquês de Warefield. Seu nome

poderia me proteger de qualquer insulto, lembra? Não foi o que o senhor

disse?

— Maddie, eu...

— Ninguém se esqueceu do que aconteceu. Todos me consideram uma

mulher perdida. Como você quer que eu reaja diante de um insulto? — Os

olhos de Maddie se encheram de lágrimas.

— Apenas despache-os e saia com classe — Quinlan disse, sentindo

uma vontade imensa de abraçá-la e beijá-la, ali mesmo.

— Isso é fácil para você. Ninguém ousaria algo como aquilo na sua

presença. Ninguém seria capaz de insultá-lo.

O marquês suspirou. Maddie estava certa, e ele tinha sido muito

arrogante ao supor que seu nome bastaria para protegê-la.

— Você não pode desistir diante do primeiro obstáculo, Maddie.

— Quero ir embora. Eu sabia que isso não iria dar certo.

— Não podemos sair depois do seu pequeno show. Temos de ficar e agir

como se nada tivesse acontecido. Vamos procurar minha mãe.

Page 80: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Eloise Stokesley estava sentada ao lado de sua mãe, no cama¬rote da

família, e olhava atentamente para o palco. Ela e Quinlan Bancroft tinham

sido prometidos um ao outro desde o nascimento, e a idéia nunca os

incomodara. Todos sabiam que os dois iriam se casar e isso era motivo de

inveja para muitas moças da alta sociedade londrina.

Eloise apanhou o binóculo e olhou na direção do camarote dos Bancroft,

que ficava do lado oposto ao dos Stokesley. Mas na penumbra do teatro só

dava para ver a silhueta dos três ocupantes, sentados lado a lado. A

duquesa, Quinlan e... ela. Eloise abaixou o binóculo.

Madeleine Willits. Eloise se lembrava dela como uma mulher que sorria

para qualquer um que a encantasse, não importava a origem da pessoa. Não

era para menos que acabara com aquela reputação. E em virtude de sua

grande beleza, não era de se espantar que tivesse chamado a atenção do

marquês.

Eloise não tinha engolido nem por um segundo a história de que seu

noivo estava ajudando Madeleine Willits por pura compaixão. Desde o

princípio, ela suspeitara de que os motivos dele fossem outros. E agora, não

tinha nenhuma dúvida disso.

Mas aquela não era a primeira mulher que tentava roubar o coração do

marquês de Warefield, e talvez não fosse a última. Eloise sabia que Quinlan

tivera várias amantes no passado, mas tinha consciência de que aquilo fazia

parte do jogo e que ele acabaria se casando com ela. Com essa, porém, era

diferente. Nunca jamais levara nenhuma das outras à ópera, muito menos

para a casa de seus próprios pais.

Algo tinha de ser feito para restabelecer a ordem natural das coisas.

Como a futura duquesa de Highbarrow, Eloise precisava ajudar a preservar

o bom nome dos Bancroft. E Maddie Willits não pertencia àquele lugar.

Maddie olhou para o caminho da entrada da residência dos Bancroft, e

fazendo uma careta se virou na direção das roseiras da duquesa. Montando

Aristóteles, Quinlan estava chegando de seu passeio matinal pelo Hyde

Park.

Ela se inclinou, arrancou uma erva daninha do canteiro e a colocou no

balde que carregava pendurado no braço. Gentilmente, a duquesa permitira

que Maddie tomasse conta das roseiras, e esse era um trabalho que lhe

trazia paz e satisfação.

Alguns minutos depois, porém, uma comoção vinda dos está¬bulos

roubou-lhe a concentração.

Carregando o pesado balde, ela correu na direção do barulho e, ao se

aproximar, viu um homem, vestido de preto, saindo em disparada pela

porta do estábulo e montado em Aristóteles. Quinlan surgiu logo atrás,

coberto de palha e segurando um forcado.

— Detenham-no! — ele gritou.

Page 81: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

O cavaleiro corria desenfreado na direção de Maddie, rumando para a

saída. Agindo por puro instinto, ela balançou o balde de madeira o mais

alto que pôde e acertou o ombro do fugitivo, que, com um grito, escorregou

da sela e caiu no chão.

Um pouco atordoado, ele se levantou e veio, possesso, na direção de

Maddie. Alarmada, ela se afastava erguendo o balde ameaçadoramente.

— Não se aproxime, a menos que o senhor queira mais! — Maddie

alertou. Então, Quinlan se aproximou e deu mais alguns passos para trás.

— Onde está o meu cavalo? — perguntou o marquês, apoiando-se,

ofegante, no forcado.

— Meu cavalo, você quer dizer — o outro respondeu, e, em seguida,

virou-se e soltou um assovio agudo. Segundos depois,

Aristóteles surgiu trotando, atendendo ao chamado do seu suposto

seqüestrador.

— Exibicionista! — Quinlan resmungou.

O homem loiro e elegante acariciou o pescoço do cavalo, que abaixou a

cabeça docilmente.

— Quem é a sua assassina treinada, Warefield? — ele perguntou,

olhando para Maddie e sorrindo.

— O senhor deve ser Rafael — ela sussurrou, corando. Quase tinha

matado o irmão do marquês!

Ele se inclinou numa leve reverência, seus olhos verdes reluzindo à luz

do sol da manhã.

— Vejo que minha má fama ainda continua. Mas saiba que o animal é

meu, senhorita.

— Rafe, esta é a srta. Willits — Quinlan falou com um sorriso.

— Maddie, este é meu irmão Rafael.

Rafael Bancroft se parecia muito com o irmão mais velho e possuía os

mesmos traços másculos e marcantes, apesar de seu rosto ser um pouco

mais fino e sua pele um pouco mais bronzeada, em conseqüência dos anos

passados no exército do rei, na África. Ele tinha uma cicatriz no lado

esquerdo do rosto que em vez de estragar sua bela fisionomia acabava por

lhe conferir um certo ar de mistério e algo de pirata.

Maddie colocou o balde no chão.

— Prazer em conhecê-lo.

Rafael beijou-lhe a mão com elegância.

— A senhorita é perigosa.

— Queira me desculpar. Ouvi Quinlan gritando e...

— Não precisa se explicar — ele disse, olhando para o irmão.

— Onde a senhorita conheceu Quin?

Ela percebeu a ênfase no nome que denunciou sua intimidade e corou.

— É uma longa história...

Page 82: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Maddie estava em Langley como dama de companhia de tio Malcom

— Quinlan disse, aproximando-se do irmão para apa¬nhar as rédeas de

Aristóteles. — Ajude-me a levar o meu cavalo de volta que vou lhe contar

tudo.

— Seu cavalo, Warefield?

Maddie observou os dois voltando para o estábulo, percebendo que havia

sido excluída e se perguntando como o marquês iria explicar sua presença

ali.

— Ela o quê? — Rafael perguntou, encostando-se no batente da porta.

— Deu uma bofetada nele — Quinlan repetiu, pendurando os arreios de

Aristóteles.

— Isso é extraordinário!

— Foi uma tremenda confusão! — O marquês olhou para seu irmão

mais novo e balançou a cabeça. — Maddie é uma tremenda confusão.

— Então, você não deveria tê-la beijado. — Rafael sorriu. — Não que

eu o culpe. Ela tem uma beleza rara.

— O que não me ajuda muito.

— Pelo que você disse, a srta. Willits parece saber o que quer, Quin.

Você tem certeza de que Langley não é o melhor lugar para ela?

Quinlan já havia se perguntado isso inúmeras vezes. E tinha sempre a

mesma resposta.

— Julgaram-na mal, e acho que Maddie tem o direito de limpar o

próprio nome. Depois que tudo estiver resolvido, não a impedirei de voltar

para Langley, se esse ainda for o desejo dela.

— Muito justo. Mas se a srta. Willits continuar batendo em cada um que

a insultar, não durará muito por aqui de qualquer maneira. — Os dois

caminhavam de volta para casa. — Então foi por isso que você resolveu se

hospedar aqui, desta vez? Estranhei quando passei pela Whithing House

antes de vir para cá e o seu mordomo me informou que você não estava lá.

— Preciso ficar entre Maddie e papai para evitar mais conflitos. Por

falar nisso, ele já sabe que você chegou?

— Não. — Rafael fez uma pausa, antes de mudar de assunto.

— Quin, você já marcou a data do seu casamento com Eloise, não

marcou? Bem... Apesar de não ser da minha conta, essa his¬tória de você

ajudar a srta. Willits por pura compaixão não me engana.

— Você está certo, Rafe — Quinlan disse asperamente. — Isso, de fato,

não é da sua conta. E a resposta para a sua pergunta é "não". Eu ainda não

falei com Eloise sobre o nosso casamento.

— Gostei das novidades, caro irmão. Acho que esta temporada vai ser

muito divertida.

Os dois mudaram de assunto quando perceberam que Maddie se

aproximava, e, como sempre, o coração de Quinlan disparou diante da

figura cheia de frescor que surgia como uma deusa diante dele.

Page 83: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

A temporada podia ter começado mal para Maddie Willits, mas para

Charles Dunfrey tinha sido ainda pior.

O sr. Wheating, do Banco da Inglaterra, estava no seu encalço e o

ameaçava de protesto caso sua imensa dívida não fosse quitada. A menos

que sua sorte mudasse logo, o banco poderia pôr a mão em cada pedaço de

sua propriedade que ainda não estava penhorado.

Foi então que Dunfrey leu o bilhete de Eloise Stokesley com grande

interesse e surpresa. O texto era breve e não explicava muito, mas o

simples fato de a filha do conde de Stafford ter lhe escrito já era algo

inusitado. Quanto ao tema de interesse mútuo que a dama sugeria no

bilhete, Charles não fazia idéia do que se tratava, porém estava

extremamente curioso para descobrir. E seria logo, pois eles tinham um

encontro marcado para a tarde da¬quele mesmo dia.

Quem sabe aquela não seria a sua chance de virar a sorte a seu favor?

Quando a governanta conduziu Eloise Stokesley até a sala de música.

Charles se levantou do sofá antiquado e foi ao encontro dela para beijar sua

mão.

— Milady, devo dizer que esta é uma visita inesperada. Eloise puxou a

mão e se sentou na ponta do sofá, colocando-se a uma distância segura de

seu anfitrião.

— Mais inesperada ainda para mim, sr. Dunfrey, posso lhe assegurar.

Ele se encostou no aparador da lareira e olhou para a sua visitante.

— Em que posso ser-lhe útil, então, milady?

Eloise tirou as luvas, dobrou-as cuidadosamente e as colocou sobre o

colo.

— Serei direta com o senhor. Dunfrey meneou a cabeça dizendo:

— Por favor.

— O senhor já foi noivo de Madeleine Willits, não é mesmo? Ele

franziu o cenho, agora realmente surpreso.

— Sim, eu fui.

— Então o senhor é em parte culpado por tudo que está acontecendo.

— Confesso que não faço a menor idéia do que a senhorita está dizendo.

— Culpado por deixar a sita. Willits livre para roubar meu noivo.

Dunfrey se sentou ao lado de Eloise.

— Desculpe, milady, mas do que a senhorita está falando? Madeleine

Willits fugiu ou morreu, eu não sei dizer. Porém confesso que, para mim,

ela foi tarde demais.

— Uma maneira interessante de falar de sua ex-noiva. A srta. Willits

não está morta, sr. Dunfrey. Na verdade, ela está morando na casa dos

Bancroft, com a permissão do duque de Highbarrow.

Dunfrey a encarou, um pavor angustiado percorreu suas veias.

Page 84: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Highbarrow? A ingênua Maddie subiu tanto assim? A vida não é

mesmo justa!

Eloise concordou com a afirmação do sr. Dunfrey.

— O marquês de Warefield em pessoa está empenhado em fazer com

que ela seja de novo aceita na sociedade.

As coisas de repente começaram a fazer sentido.

— Mas o marquês não vai mais se casar com a senhorita?

— Ele vai — Eloise afirmou. — Eu soube da sua viuvez, sr. Dunfrey, e

das terríveis conseqüências que se seguiram a ela.

— A senhorita poderia ser mais específica?

— Ouvi de fontes seguras que o senhor está prestes a perder tudo que

possui e ainda corre o risco de ir para a prisão. — Eloise olhou para os

diversos remendos do tapete.

Dunfrey enrijeceu.

— Acho que isso não é da sua conta, lady Stokesley.

— Um assunto delicado, eu sei — ela murmurou. — Mas posso lhe

assegurar, sr. Dunfrey, que sou uma pessoa muito discreta.

Ele ficou intrigado com o jeito calculista de Eloise. Os negócios podiam

não ser seu forte, porém sabia enxergar uma boa oportunidade quando esta

surgia diante de seus olhos; e Dunfrey sentiu que poderia tirar algum

proveito daquela estranha situação.

— Meus recursos estão mais parcos neste verão — ele admitiu. — Mas

o que isso tem a ver com Madeleine Willits e o marquês de Warefield?

— Tudo. Quinlan tomou como ponto de honra ajudá-la. Ele quer que ela

se case bem, como se nada de errado tivesse acontecido cinco anos atrás.

Pelo menos é o que meu noivo diz. — Eloise suspirou, desanimada. — É aí

que o senhor entra. Prometi auxiliar o marquês a limpar o nome da sua

querida protegida e acredito que se o senhor a perdoar em público, isso

ajudará e muito a nossa honrosa missão.

— E por que eu faria isso?

— Por mil libras.

Charles sorriu, achando a justificativa muito justa.

— A senhorita realmente quer muito se casar com Warefield. Mas será

que ele vale mesmo tudo isso?

— Ele sim, mas ela não. Dunfrey cruzou os braços.

— Maddie valia.

Eloise franziu seu semblante perfeito.

— Como?

— O pai dela, Halverston, me ofereceu três mil, cinco anos atrás, para

eu sumir com a filha.

— E por que o senhor não aceitou?

— Pedi um tempo para pensar e, antes que pudesse responder, Maddie

fugiu de casa e nunca mais tivemos notícia dela.

Page 85: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Eloise olhou-o por um bom tempo, então um sorriso suave se espalhou

em seu rosto.

— O senhor esperou de propósito. Dunfrey riu.

— Maddie era uma ave rara, por que não arrancar um pouco mais de

dinheiro do pai dela para me compensar pelo embaraço?

— Mas não deu certo — Eloise reassumiu o domínio da situação.

— Não foi uma grande perda, na época. O pai de Patrícia Giles me deu

uma propriedade em York para que eu ficasse noivo dela.

— Que o senhor vendeu há oito meses.

Obviamente, Eloise fizera uma investigação detalhada sobre a vida de

Dunfrey. O que significava que ela sabia que mil libras segurariam o

embusteiro durante um mês apenas. Dunfrey precisava de cinco ou seis mil

libras só para passar o ano e tentar sair do buraco em que se encontrava.

Ele se levantou e caminhou até a janela.

— Preciso pensar — murmurou, como se fosse para si mesmo.

— A senhorita sabe se os pais de Maddie estão em Londres?

— Acho que eles chegarão em uma ou duas semanas. Posso saber que

diferença isso faz para o senhor? — Eloise se levantou, impaciente, sem

esperar pela resposta. — Sr. Dunfrey, eu lhe fiz uma proposta para me

ajudar a tirar aquela mulher da vida do meu noivo. Se o senhor cumprir

com a sua parte, eu lhe darei a sua recompensa.

— Mil libras — ele a lembrou.

— Mil libras. — Ela se virou e seguiu para a porta de saída.

— Boa caçada, sr. Dunfrey.

— O mesmo para a senhorita, lady Stokesley.

— Eu não quero ir.

Quinlan estava parado à porta do quarto de Maddie, onde ele parecia ter

passado um bom tempo nos últimos dias.

— Mas nós fomos convidados e agora temos de ir, Maddie.

— Você tem de ir, pois é o noivo. Eu não. Depois tenho um chá

marcado com lady Ashton, para esta tarde. Você vai e eu ficarei aqui para

fazer companhia a Rafe.

O marquês franziu o cenho, aborrecido. Os laços de amizade entre

Maddie e Rafael haviam se estreitado com uma rapidez impressionante, e

Quinlan não sabia se estava gostando da inusitada situação.

— Rafe irá conosco. Espero você lá embaixo em cinco minutos,

Maddie, ou a carregarei à força.

O marquês se afastou e seguiu para a sala de jogos, onde Rafael jogava

bilhar sozinho. Quinlan parou um momento para observá-lo, antes de se

manifestar.

Page 86: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Depois de ter permanecido um ano longe de Londres, você volta e

fica jogando bilhar na casa de seus pais, sozinho. Não posso acreditar na

cena que estou vendo. Você nunca foi de se entregar à solidão, Rafe.

O rapaz fez uma tacada espetacular antes de olhar para o irmão.

— Preciso de um tempo para pensar, é apenas isso.

— O que aconteceu?

— Nada. As coisas simplesmente estavam ficando... um pouco confusas

na África. Eu preciso descansar.

Quinlan pôs a mão sobre a mesa de bilhar.

— O que há de errado, Rafael?

— Nada. De verdade. E acho que você já tem problemas suficientes

para se preocupar sem ter de se envolver nas minhas confusões.

— E com o quê, especificamente, eu tenho de me preocupar?

— Com a desculpa que vai dar para postergar de novo seu casamento

com Eloise. Ela ficará furiosa, desta vez.

— Eu me casarei com Eloise neste ano ainda. Rafael o encarou,

descrente.

— Posso saber por quê?

— Porque eu dei a minha palavra. E porque ela será uma boa esposa. —

Quinlan caminhou pela sala. — Vá logo trocar de roupa, que você irá

almoçar conosco.

— Não vou almoçar na casa da nossa querida priminha — declarou

Rafael.

— Ah, sim, você vai. Maddie está arrumando mil desculpas para não ir

a esse almoço, e você foi o protagonista do último pretexto encontrado por

ela: disse que não pode sair e deixar você almoçar sozinho. E só concordou

em ir quando eu falei que você também iria conosco.

Rafael se escorou no taco de bilhar, sua expressão iluminada.

— Ela quer me fazer companhia? Estou lisonjeado. Talvez eu a leve

para um piquenique.

Quinlan puxou o taco da mão do irmão e o jogou sobre a mesa.

— Ótimo. Mas agora vamos, pois já estamos atrasados.

Quinlan e Rafael haviam se dado sempre muito bem, provavelmente

porque nada incomodava o despreocupado irmão mais novo. Naquele

momento, contudo, Quinlan preferia que ele ainda se encontrasse na África.

Aliás, que estivesse em qualquer lugar que não fosse perto de Maddie.

Quando seus dois relutantes acompanhantes desceram, Quinlan já

desejava se encontrar em outro lugar, também. Maddie estava maravilhosa

em seu vestido cinza-escuro, e lançava olhares penetrantes para ele. Rafael

trajava seu uniforme vermelho enfeitado de dourado e preto, muito formal

para a ocasião.

— Rafe, posso saber o motivo de tanta formalidade? — indagou

Quinlan.

Page 87: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Você está encantador — Maddie disse para Rafael, obviamente

percebendo o espírito rebelde do caçula.

— Obrigado, Maddie. Achei que a roupa iria destacar a cor dos meus

olhos. — Ele sorriu sedutoramente enquanto saíam de casa.

Maddie riu e Quinlan mal conseguia disfarçar seu mau humor. Em

Langley, ela não tinha se mostrado nada compreensiva quando ele se

apresentara para o jantar demasiadamente formal para os costumes locais.

Mas agora com Rafael, ela passava o tempo todo trocando gentilezas e

sorrisinhos...

— Com toda a certeza, você será o mais bonito do almoço, Rafe — ela

elogiou.

— Entrem logo na carruagem — Quinlan resmungou. — Já estamos

atrasados.

— O senhor não precisa me dar ordens. — Maddie o encarou antes de

entrar no veículo.

— Não espere que eu me sinta culpado — Quinlan retorquiu, entrando

na frente do irmão para ocupar o assento ao lado dela. — Estamos indo a

esse almoço para o seu próprio bem, não para o meu.

— Ainda não estou convencida. — Maddie se inclinou e tocou com a

ponta do dedo a bota muito lustrosa de Rafael. — Você não vai para a

guerra tão elegante assim, vai?

— Céus, não! — Ele se sentou. — O uniforme de gala é só para datas

comemorativas.

— Então, por que o está usando agora? — Quinlan perguntou.

— Acho que terei a resposta antes do final da tarde. Quinlan ficou sério

e muito incomodado com a insinuação do irmão.

— Você poderia, pelo menos, tentar ser mais amigo de Eloise, Rafe.

Não entendo essa sua antipatia por ela.

— Acho que o sentimento é recíproco.

— Por que você não gosta dela? — Maddie sussurrou.

— Ah, não! — Quinlan protestou antes que Rafael pudesse responder.

— Chega de perguntas, Maddie. Estou me esforçando para conter as

fofocas a seu respeito, sem que você resolva se meter nos problemas de

minha família.

Maddie cruzou os braços e se afastou dele o máximo que conseguiu.

— O senhor é muito intolerante, milorde.

Quinlan não gostou da resposta, mas preferiu acalmar os âni¬mos de

Maddie. Ele imaginava o quanto devia estar sendo difícil para ela ser

obrigada a encarar Eloise, por isso, para o bem de todos, seria bem melhor

que Maddie chegasse calma, e não com sua costumeira disposição

defensiva.

Page 88: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Chegamos, milorde — Claymore, o cocheiro, anunciou. Dessa vez

Rafael foi mais rápido e saiu na frente para ajudar Maddie a descer, e

Quinlan desceu logo atrás.

A porta da frente da casa dos Stokesley estava aberta e o mor-domo

surgiu seguido de Eloise, que usava um vestido verde que a deixava

admiravelmente mais alta e mais esbelta.

— Quin! — ela exclamou de mãos estendidas para saudá-lo. Ele as

segurou e beijou Eloise antes de dar início às apresentações.

— Eloise, você se lembra da srta. Willits?

— É claro. — Ela apertou a mão de Maddie calorosamente. — Estou

muito feliz em poder ajudá-la.

— Obrigada — Maddie respondeu, sua expressão reservada. Quinlan

apontou o irmão, que estava de lado observando um carvalho com aparente

fascínio.

— E meu irmão, é claro, que acabou de voltar da África. Eloise olhou-o

de relance e tomou a dianteira para indicar o caminho para a casa.

— Rafael — Eloise disse, mal olhando para ele —, você parece estar

vestido para um funeral.

Rafael sorriu.

— Você me conhece, querida prima, e sabe que nunca perco a

esperança.

Maddie conteve o riso.

— Srta. Willits — Eloise disse quando o grupo passava pela biblioteca

rumo ao jardim —, a senhorita tem algum amigo em particular que gostaria

de receber, agora que está de volta a Londres?

Maddie balançou a cabeça.

— Não.

— Nenhum?

— Não há ninguém que me interesse nesta cidade.

Eloise olhou para ela por um momento, antes de retomar a conversa.

— Meu Deus, que coisa triste não ter amigos! Nem posso me imaginar

numa situação dessas. — Eloise se virou para Quinlan. — Isso dificulta

muito as coisas, você não acha, querido?

A expressão de Maddie mudou de desafiante para humilhada, e Quinlan

percebeu o tom de ataque inesperado de Eloise. Esta sabia que Maddie

poderia se ressentir, e geralmente costumava ser mais delicada no trato com

as pessoas.

— Na verdade, não — o marquês respondeu. — Eu, no lugar dela,

confesso que também não consideraria meus amigos pessoas que foram

capazes de virar as costas num momento difícil.

Eloise parecia querer dizer algo, mas, em vez disso, indicou-lhes os

lugares dispostos ao redor da mesa no jardim, à sombra de um enorme

olmo.

Page 89: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Querida srta. Willits, estou curiosa para saber sobre as aventuras que

deve ter vivido depois que saiu de Londres — Eloise falou com um sorriso

nos lábios.

— Não considero o que passei exatamente uma aventura, lady

Stokesley. Eu...

— Oh, por favor, pode me chamar de Eloise. Sinto como se fôssemos

praticamente parentes.

Maddie olhou-a com suspeitas, mas sorriu.

— Tudo bem, Eloise. Então me chame de Maddie.

— Eu adoraria lhe contar sobre todas as minhas aventuras na África —

Rafael se manifestou, servindo-se de um cálice de vinho do Porto.

Eloise lançou um olhar frio para o futuro cunhado e primo.

— Sim, Rafael, quantas nativas você...

— Sabe, Maddie — Quinlan interferiu no mesmo instante, surpreso pelo

tom venenoso de Eloise —, acho que o melhor agora é deixarmos as coisas

fluírem naturalmente.

Maddie olhou-o, confusa.

— Eu gostaria que você tivesse me dito isso antes de ter me atirado aos

lobos na ópera.

— Eu não atirei...

— Você está certo, Quinlan — Eloise interrompeu a discus¬são que

estava se iniciando, incomodada com o tom de intimida¬de entre os dois.

— Acho que deveríamos começar com um al¬moço, depois de amanhã.

Serão apenas alguns poucos convida¬dos. E depois, um piquenique no

campo com mais alguns amigos seus e meus.

— Sim, isso seria excelente — Quinlan disse, animado, ignorando o

olhar reprovador de Maddie. — Acho que minha mãe foi um tanto

ambiciosa com a noite da ópera.

— As águas precisam ser testadas antes. — Eloise acenou com

impaciência para que o lacaio servisse o almoço.

— Nesse ponto eu concordo, pois elas estão repletas de tubarões —

Maddie murmurou.

Rafael riu, erguendo uma sobrancelha quando Eloise suspirou,

contrariada. Seja lá qual fosse a desavença que havia entre Eloise e Rafael,

as coisas deviam ter piorado, pois aquilo não parecia apenas pirraça de

primos. Algo muito mais sério havia acontecido, e Quinlan queria muito

saber o que realmente se passara entre eles.

Page 90: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Capítulo VI

Isso é assustador — Maddie riu; tanto a voz como a expressão era de

puro deleite. Quinlan olhou para Rafael, que havia acabado de entrar no

estábulo, usando uma máscara africana. Rafael tirou a máscara.

— Esta é a máscara do deus Zulu da chuva, cujo propósito é ser

assustador mesmo. Talvez ele quisesse assustar as gotas de água no céu

para que elas caíssem na terra. Muito eficiente, eu imagino. — Rafael

entrou no estábulo e pendurou a máscara no suporte de arreios. — Vocês

vão cavalgar?

Quinlan montou em Aristóteles, antes que o cavalo tivesse chance de se

enveredar para os lados de seu antigo dono.

— Sim, nós vamos — ele respondeu rapidamente, farto das manobras

do irmão para ficar sozinho com Maddie. — Nos veremos mais tarde.

Maddie estivera mais calada do que o normal desde o desas¬troso

almoço do dia anterior, e Quinlan começava a se indagar se tinha feito a

coisa certa ao pedir a ajuda de Eloise. No entanto aquela era sua única

esperança, desde que a duquesa havia sido proibida de ajudá-los.

Sua quase noiva certamente conhecia as pessoas certas, assim como ele.

Pensando, porém, melhor a respeito, Maddie provavelmente não iria

simpatizar com muitas delas. E no dia anterior, Eloise estava com a língua

afiada. Talvez fora a presença de Rafael que a aborrecera; os dois nunca

haviam se dado muito bem. De uma coisa ele tinha certeza: as coisas eram

bem mais fáceis antes da viagem para Langley, antes de o marquês

conhecer Maddie Willits.

— Vocês se importam se eu for junto? — Rafael perguntou. Quinlan,

tentando esconder seu aborrecimento, virou-se para apanhar as rédeas de

Aristóteles.

— De forma alguma, Rafe — Maddie respondeu, animada. Os três se

dirigiram para o Hyde Park, onde as gotas de orvalho brilhavam aos raios

de sol da manhã. Rafael abordava Maddie de um lado, enquanto Quinlan

dominava o outro. Sem dúvida os dois estavam ridículos, como cães

disputando o mesmo osso. Mas àquela hora do dia havia poucas pessoas

para testemunhar a cena patética.

Porém, pelo visto, não estavam tão sozinhos quanto imaginavam.

— Warefield? — Era Avery que vinha na direção deles com um sorriso

em seu rosto flácido. Para evitar que o lorde ficasse cara a cara com

Maddie, Quinlan se apressou em ir ao encontro do amigo.

— Já volto. Não vá a lugar nenhum.

— Não vá a lugar nenhum... — Maddie arremedou. — Como se eu

pudesse ficar aqui parada esperando por um insulto. — Imediatamente ela

virou o cavalo para ver onde Rafael estava. Então, ao vê-lo logo à frente,

Page 91: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

cercado de pelo menos uma dúzia de damas, nervosa, dirigiu-se para o lado

oposto.

Reconhecia que conversar com Quinlan Bancroft tinha algo de divertido,

mas às vezes Maddie o odiava. Sobretudo quando ele dizia que fazia aquilo

apenas pelo próprio bem dela, quer Maddie concordasse ou não. Mas as

coisas pioravam quando Quinlan se sentia o dono da verdade, e nesses

momentos eram raras as ocasiões em que ele tinha algo agradável ou

confortante ou doce ou até mesmo romântico para dizer a ela.

Maddie apressou seu cavalo. Romântico? De onde viera aquilo? Ainda

que gostasse do marquês, ainda que estivesse desesperadamente

apaixonada, ele nunca se casaria com alguém como ela. Uma mulher de má

reputação... Era isso que todos pensavam a seu respeito.

Mas, apesar de todos os esforços para tentar esquecê-lo, todos os sonhos

de Maddie pareciam girar em torno de Quinlan. Nem mesmo o atraente,

calmo e despreocupado Rafael lhe despertava o interesse e fazia seu

coração disparar como o marquês fazia.

Maddie pensou no absurdo da situação. Por haver se apaixonado pelo

marquês de Warefield. Por ele ter sido o primeiro cavalheiro bonito e

elegante que fora gentil com ela, tanto antes como depois de descobrir sua

verdadeira identidade. E quando eles se beijaram, a atração certamente foi

mútua. Mas talvez Quinlan só estivesse sendo educado e realmente

quisesse apenas fazer um favor ao tio. Se essa era sua única intenção, então

Quinlan Ulysses Bancroft era realmente um verdadeiro cavalheiro; um

nobre em todos os sentidos.

Maddie conduzia seu animal por um caminho bastante calmo, adorando a

sensação de finalmente estar sozinha. Já fazia muito tempo que ela não

podia fazer nada sem que Quinlan estivesse colado em seus calcanhares.

Mas uma visão inusitada a fez puxar as rédeas do cavalo e parar. Todo o

sangue sumiu de seu rosto e, de repente, Maddie mal conseguia respirar.

Seus olhos se fecharam. Ela não tinha coragem de olhar.

— Maddie? Maddie Willits? É você mesma?

Ao ouvir o barulho de cascos de cavalo se aproximando, ela respirou

fundo e abriu os olhos.

— Charles... — Maddie hesitou.

Charles Dunfrey não tinha mudado nada: alto, cabeleira escura, e ainda

continuava muito bonito. Seus olhos castanhos a encara¬vam, surpresos.

— É você mesma? Mal posso acreditar!

Ela também não.

— Desculpe... — Maddie tentou dizer algo e virou o cavalo para seguir

em frente.

— Não vá. Por favor, espere.

Hesitante, Maddie virou de volta e olhou para ele novamente, tentando

ao mesmo tempo ignorar o turbilhão de emoções que tomavam conta dela.

Page 92: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Charles a rejeitara cinco anos antes, sem nem mesmo ouvir sua explicação.

Maddie deveria estar brava, e não sem jeito e embaraçada.

— O que o senhor deseja, sr. Dunfrey?

— Pensei que nunca mais iria vê-la, Maddie. — Charles se aproximou.

— Acho que era isso que o senhor queria, não é mesmo? — ela disse

com firmeza, beirando a raiva e a indignação.

Ele meneou a cabeça.

— Não. Eu estava bravo, furioso. Mas quando você... fugiu, eu... —

Charles olhou para baixo, então fitou-a novamente. — Tive muito tempo

para pensar sobre tudo que aconteceu, Maddie.

— Eu também.

— Eu... — ele ia recomeçar. — Céus, estou surpreso em vê-la, não sei o

que dizer. Por favor, diga que você não está mais brava. Posso... posso lhe

fazer uma visita amanhã? Você está na casa de seus pais?

— Não. Eles... Estou hospedada na casa dos Bancroft, sou convidada da

duquesa de Highbarrow. Meus pais não sabem que me encontro em

Londres.

— Está com os Bancroft? — Charles se aproximou como se quisesse

tocar nas mãos dela, mas no último segundo ele se conteve. — Posso ir

visitá-la?

De novo Maddie hesitou, nervosa.

— Sim, se for essa a sua vontade.

— Obrigado. — Com um último olhar, Charles se virou e foi embora.

Maddie não conseguia parar de tremer. Havia muito tempo ela temia por

aquele encontro, mas não tinha sido como imaginara que seria.

— O que ele falou, afinal?

Quinlan parecia um cavaleiro medieval pronto para lutar por sua donzela

desamparada. Seus olhos verdes brilhavam e buscavam Charles Dunfrey

em meio à multidão do parque. Mas o homem já tinha ido embora.

— Ele não disse nada.

— Como nada? Vocês ficaram o tempo todo parados e sem dizer nada?

— Acho que Charles queria me pedir desculpas.

— Pedir descul... — Quinlan cerrou os punhos. — E você permitiu que

ele se desculpasse? Depois de tudo que lhe fez?

Um arrepio percorreu a espinha de Maddie. Quinlan estava com ciúme.

— Isso facilitaria as coisas para mim, Quin? Se Charles e eu fizermos as

pazes?

— Sim... acho que você tem razão — ele concordou, relutante.

— Ele vai me fazer uma visita, amanhã, na casa de seus pais. Você tem

alguma objeção?

Quinlan olhou para ela, em seguida desviou o olhar.

Page 93: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— É claro que não. — Ele apressou o cavalo. — Vamos embora. Onde

está meu irmão?

O humor de Quinlan piorou quando, menos de cinco minutos de eles

terem regressado do parque, Maddie e Rafael saíram alegremente em busca

da duquesa para um joguinho de cartas, deixando-o sozinho com seus

pensamentos.

Maldito Charles Dunfrey, que agora aparecia do nada para pedir

desculpas! Depois de tudo que ele fizera. Maddie, porém, estava certa

quanto aos benefícios da reconciliação. Ele poderia passar todo o verão

tentando limpar a reputação dela quando, com apenas um sorriso em

público, Dunfrey poderia fazer o mesmo.

Não havia como negar, apesar de a idéia despertar em Quinlan uma

vontade imensa de quebrar tudo ao redor, inclusive a cara de patife de

Charles Dunfrey. No fundo, Quinlan não queria apenas que a reputação de

Maddie fosse restaurada; queria ter a honra de realizar a façanha. Queria

que ela lhe fosse grata, que precisasse dele... e o amasse tanto quanto ele a

amava.

Com o coração disparado, Quinlan se encostou na parede e olhou para a

porta fechada da sala onde eles estavam jogando e se deu conta de algo

muito sério.

Céus, ele a amava. De todas as coisas tolas que havia feito r vida, essa

era a pior. Mesmo que ela não tivesse uma péssima reputação, Madeleine

Willits nunca seria uma mulher com que ele poderia desejar ter algo mais

do que um romance passageiro. E naquele momento, já estaria muito feliz

em ter pelo menos isso.

Era possível ouvir os três rindo e falando enquanto jogavam cartas. Até

mesmo a duquesa estava mais receptiva com Maddie. No dia anterior, sua

mãe a acompanhara à casa de lady Ashton, praticamente desafiando o

duque. E havia convencido o marido a permitir que Maddie ficasse mais

alguns dias na mansão.

— Por que você está deprimido, agora?

Quinlan teve um sobressalto.

—Não estou deprimido — ele respondeu ao ver o duque saindo de seu

escritório, carregando um maço de papéis. — Estou to¬mando uma

decisão.

— Decidindo o quê, posso saber?

Se contaria ou não a Maddie o que ele estava sentindo por ela.

— Se devo me casar no verão ou no outono — Quinlan disse ao pai,

lembrando-se, com uma ponta de horror, de Eloise e do acordo de vinte e

três anos entre suas famílias.

O duque respondeu com objetividade:

— Por que não se casam amanhã, se você está tão ansioso?

Page 94: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Para mim está ótimo — Quinlan respondeu, furioso e incomodado

com a armadilha. — Mandarei um recado para Eloise.

— Não tente me enganar, Quinlan — lorde Highbarrow alertou.

— Não é minha intenção — ele disse e saiu. — E melhor o senhor

mandar uma mensagem para o rei George, dizendo-lhe que vamos precisar

da abadia de Westminster pela manhã. Acho que isso não será um

problema.

— Então pretende que toda a nobreza pense que você engravidou Eloise

e por isso o casamento tão apressado? Devo dizer que não! — bufou o

duque. — Ficou louco?

Quinlan encarou o pai.

— Achei que era isso que o senhor queria. Decida-se, Vossa Alteza.

— Não ouse falar assim comigo, rapaz, ou eu acabo com a reputação

daquela ruiva desqualificada de uma vez por todas.

Isso foi o suficiente para Quinlan.

— O senhor não vai falar assim de Maddie, seu...

— Como ousa?!

A porta da sala de jogos se abriu.

— Lewis — a duquesa interferiu. Sem dúvida os três tinham ouvido

toda a discussão. Quinlan estremeceu.

— Vitória, fique fora...

— Por favor — ela interrompeu o marido. — Lady Finch e lady

DeReese estão para chegar. Vamos nos acalmar.

— Acalmar? Você está me dizendo o que fazer, minha esposa? Chega,

estou indo para o White! — Mas antes de sair pelo corredor, o duque disse:

— Você se casará com Eloise ainda neste verão, Quinlan, ou quando

chegai- o momento de o novo duque de Highbarrow assumir, ele não será

você! Fui claro?

Quinlan não respondeu; ele não esperava por aquilo. Seu pai tinha dado

uma ordem direta que teria de ser seguida. Fim de discussão, fim de

conversa. Quinlan viu o olhar preocupado de sua mãe, então meneou a

cabeça para ela e foi embora.

Aristóteles ficou incomodado por ter sido solicitado duas vezes no

mesmo dia. Diante das circunstâncias, Quinlan não se preocupou muito.

Seu destino era a casa de Eloise. Aquela situação precisava ser resolvida o

quanto antes. Mas o mordomo informou que ela havia ido tomar chá na

casa da condessa Devane.

Eloise era adorável e inteligente e tinha sido educada para ser a duquesa

de Highbarrow, assim como Quinlan fora preparado para ser o duque. Mas

ele queria descobrir algo que de repente havia se tornado muito importante.

Queria saber o que realmente sentia quando estava com ela.

Quinlan sabia como se sentia quando se encontrava sob o mesmo teto

com Maddie: frustrado, contrariado e alegre. Na verdade, se ele sentia ou

Page 95: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

não algo por Eloise, já não importava. Sempre soubera que se casaria com

ela, e por isso o faria. Mas, mesmo assim, Quinlan seguiu para a casa de

lady Devane.

— Lorde Warefield. — O mordomo fez uma reverência ao abrir a porta.

— O senhor poderia aguardar no vestíbulo, por fa¬vor? Vou mandar

chamar lady Stokesley.

Minutos depois, Eloise apareceu.

— Quin, aconteceu algo? — ela perguntou, assustada.

— Não — ele respondeu, segurando-lhe as duas mãos. —Só quero... ter

certeza de que não estava impondo uma situação desagradável para você

quando lhe pedi para me ajudar com Maddie.

Eloise sorriu.

— É claro que não, Quin. Na verdade, eu estava justamente convidando

a srta. Harriet DuCahmops e lady Devane para o nosso almoço de amanhã.

— Ótimo. Agradeço sua ajuda e boa-vontade, Eloise.

— Fico feliz em poder ajudar. — Ela olhou-o, e seu semblante perfeito

franziu apenas um pouquinho. — Há algo mais que você gostaria de me

dizer?

— Não. E claro que não. — Quinlan ia se virando, então parou. Ele

tinha de saber. — Eloise, posso lhe fazer um pedido?

— Qualquer um, Quin.

O marquês olhou para os lados a fim de verificar se não vinha alguém.

— Posso beijar você?

Por um segundo ela ficou confusa, mas então sorriu.

— Eu adoraria.

Respirando fundo, Quinlan se aproximou e inclinou a cabeça, enquanto

Eloise ficou na ponta dos pés. Os lábios se encontraram e por um momento

ele permaneceu ali, provando a boca de Eloise e ouvindo os suaves

suspiros.

Finalmente Quinlan se afastou.

— Obrigado.

— Bem — ela perguntou, sorridente —, como foi? Ele devolveu o

sorriso.

— Maravilhoso, Eloise. Acabei de perceber que eu nunca tinha beijado

você. Nos veremos amanhã. — Quinlan fez uma leve reverência e se foi.

— Quin?

O marquês parou.

— Pois não?

— Precisamos marcar a data do nosso casamento. Se demorarmos

muito, não haverá ninguém para convidar.

— Eu sei. Estou escolhendo uma data com meu pai. Será logo.

Quinlan seguiu seu caminho e só parou lá fora, antes de montar em

Aristóteles. Eloise havia lhe oferecido a oportunidade perfeita de se

Page 96: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

declarar, e ele não fizera nada. Bem, nada exceto admitir para si mesmo

que não amava sua futura esposa, mas que, por outro lado, amava e muito

uma mulher que nunca poderia ser sua.

Charles Dunfrey suspirou quando sua carruagem passou por um buraco.

Que incômodo ter de deixar Londres bem no meio da temporada. E para

uma viagem a Devonshire, um lugar onde não havia nada de interessante

para se fazer.

— Bom tarde, Hoskins. — Dunfrey tirou o chapéu e o entregou ao

mordomo ao descer da carruagem. — O visconde está?

O mordomo encarou-o boquiaberto por um momento.

— Sr. Dunfrey. Sim, ele está. Por aqui, por favor. Hoskins mostrou o

caminho da sala de estar e, na pressa de sair correndo para avisar seu patrão

da inusitada visita, bateu a porta ao sair da sala. Dunfrey sorriu, então se

virou para olhar a velha coleção de miniaturas de porcelana e de vasos de

cristal. Pouca coisa tinha mudado em cinco anos. Ele teve um sobressalto

quando a porta se abriu novamente.

O cavalheiro alto e grisalho parou à porta com uma expressão que

variava entre o espanto e assombro ao deparar com o visitante. Dunfrey não

podia culpá-lo, pois ele também não imaginava que um dia voltaria àquela

casa.

— Boa tarde, lorde Halverston. Peço desculpas por aparecer de

surpresa, mas só hoje de manhã eu soube que viria aqui. — Dunfrey deu

um sorriso sem jeito. — Seria muito abuso se e pedisse um cálice de Porto?

O visconde fez um sinal para que o mordomo atendesse a pedido do

visitante e entrou na sala.

Por um momento, Dunfrey desejou que o visconde tivesse mandado

chamar lady Halverston, imaginando se talvez não fosse mais fácil lidar

com ela.

— Desculpe minha franqueza, Charles — o visconde disse mas o que o

trouxe a Halverston? Nossa última conversa não terminou muito bem.

Balançando a cabeça, Dunfrey se sentou na beirada do sofá.

— Não mesmo, senhor. E gostaria de pedir desculpa por isso. O

visconde concordou.

Dunfrey estava tenso, genuinamente nervoso e agitado. Um deslize e ele

não conseguiria todo o dinheiro de que precisava para escapar da prisão.

— Bem. Não sei como dizer. — Charles hesitou. — Mas eu vi

Madeleine esta manhã.

O rosto de Halverston ficou pálido.

— Madeleine? Você viu Maddie? Minha filha, Maddie?

Dunfrey ficou de pé e correu para ajudar o visconde a se sentar.

— Sim, eu falei com ela.

Page 97: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Onde ela está? — Robert Willits perguntou, segurando com força os

braços da poltrona.

Aquela seria a parte difícil. Dunfrey tinha de ser vago o suficiente para

que Halverston dependesse da ajuda dele para rever a filha, ou tudo estaria

perdido.

— Em Londres.

— Onde, em Londres?

— Milorde, Maddie não parecia muito animada em falar comigo, muito

menos de dizer onde estava hospedada. Perdoe minha curiosidade, mas o

senhor não se reconciliou com ela até hoje?

— Não conseguimos encontrá-la — Halverston admitiu. — Minha filha

está bem?

— Está linda. Mais bonita do que nunca. — Na verdade, havia sido um

tanto decepcionante ter visto que Maddie estava tão bem.

— Maddie contou por onde andou? Ela...

— Por favor, milorde, acalme-se — Dunfrey disse com um sorriso

confiante. — Não falei por muito tempo com Maddie. Eu não queria abusar

da paciência dela, pois temia que fugisse novamente.

— Você pretende se reconciliar, então?

Dunfrey quase riu do tom esperançoso de Halverston.

— Sim, eu pretendo. Isso se o senhor permitir, é claro. — Outro sorriso

confiante. — O senhor sabe que me casei depois que Maddie desapareceu.

Mas, infelizmente, minha esposa... Patrícia faleceu há um ano. Quando,

porém, vi Maddie de novo, bem, percebi que ainda gosto muito dela e vi ali

uma segunda chance de ser feliz. O tempo cura todas as feridas.

— Sim, ele cura, Charles.

— Tenho um encontro marcado com Maddie amanhã. Pensei que o

senhor gostaria de ouvir as novidades. Assim como também gostaria de ter

a sua permissão para continuar me encontrando com ela.

— Você ainda quer se casar com minha filha, então? Mesmo sem saber

por onde ela andou durante esses cinco anos?

Aquilo estava muito mais fácil do que Charles imaginara.

— Milorde, é claro que sei que estou arriscando minha repu¬tação. Sei

que posso ser censurado por resolver me casar com Maddie. E Deus sabe

que desde a morte de Patrícia as coisas não têm sido fáceis para mim.

A cor natural do visconde estava voltando.

— Você é um homem bom e compreensivo, Charles. Sempre pensei

isso.

— Obrigado, lorde Halverston. Desejo imensamente convencer Maddie

do mesmo.

— Onde ela está, afinal?

Dunfrey esperou que o visconde pudesse esquecer a pergunta. Mas isso

era esperar muito.

Page 98: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Esta bem, direi ao senhor, porém sugiro um plano de ação, primeiro.

Afinal, nenhum de nós quer que Maddie fuja outra vez.

— É claro que não. Qual é o plano?

— Bem, ela está sob a proteção da duquesa de Highbarrow.

— Highbarrow? Meu Deus! — Halverston ficou estonteado novamente.

— Da duquesa de Highbarrow?

— Sim. Maddie admitiu isso para mim.

Pela segunda vez o visconde se encheu de esperanças.

— Isso é um bom sinal, eu diria. Por favor, continue, Charles.

— Acho que o senhor deveria ir para Londres...

— Imediatamente.

— Não, não... Maddie poderia pensar que eu traí a confiança dela. O

senhor deve ir em uma ou duas semanas, e então nós poderemos arranjar

um pretexto para se encontrarem como por acaso.

O visconde concordou.

— Muito bem — disse Charles. — Não quero correr o risco de perdê-la

de novo. — Ou o dote dela. Dote que poderia ser negociado em outra

ocasião.

Halverston respirou fundo.

— Nem eu. Dunfrey se levantou.

— Ótimo. Agora preciso voltar para Londres, se o senhor me permitir.

— Você tem minha profunda gratidão, Charles. Dessa vez o sorriso de

Dunfrey foi sincero.

— Obrigado, Robert.

Maddie se encontrava entre seus novos conhecidos. Quinlan fazia

questão de lembrá-la a todo momento que ela também possuía berço, e que

por isso também tinha direito de estar ali em meio àquelas pessoas. Porém

Maddie sabia que ele não tinha idéia do que estava falando.

Mesmo antes do episódio que a fizera sumir de Londres, Maddie nunca

havia freqüentado aquele círculo dourado. Filhas, esposas e irmãs de

duques, de marqueses e gerações de viscondes estavam ao seu redor,

falando e rindo. Maddie tinha visto várias delas durante sua curta

temporada de debute, mas jamais imaginara que seria convidada para

almoçar com elas ou para freqüentar suas casas.

— Srta. Willits?

Maddie olhou, surpresa, quando uma dama se sentou ao seu lado. Era

Beatrice Densen, da qual ela se lembrava vagamente e de sua fama de

promover festas elegantes.

— Srta. Densen.

— Srta. Willits, se não for muito atrevimento meu, eu gostaria de lhe

dizer que sempre achei uma injustiça o que fizeram com a senhorita —

Beatrice disse, tocando na mão de Maddie.

Page 99: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

A inesperada intimidade a deixou desconcertada, porém Maddie sorriu.

Pelo menos alguém estava se dando ao trabalho de vir falar com ela em vez

de encará-la, ou pior, de olhá-la com o canto dos olhos.

— Obrigada.

— Meu irmão, Gaylord, e eu estamos planejando uma pequena recepção

em minha casa para hoje à noite. Posso contar com a sua presença?

Gaylord é um ótimo jogador de uíste.

Maddie sorriu. Quinlan, com certeza, iria aprovar.

— Eu adoraria. Beatrice sorriu de volta.

— Esteja lá por volta das sete, então.

— Obrigada pelo convite, srta. Densen.

As duas em ponto a carruagem do duque de Warefield parou em frente à

porta da casa dos Stokesley, para levá-la de volta à moradia dos Bancroft.

Maddie olhou com desgosto para o veículo. Para alguém que queria reparar

sua reputação, Quinlan tinha uma maneira estranha de agir.

Durante o almoço na casa de Eloise, Maddie ouvira vários comentários e

especulações sobre os motivos que levaram o marquês a ficar na casa dos

pais em vez de, como sempre, ir para a bela e adorável Whithing House. E

então ela havia escutado seu próprio nome como um dos possíveis motivos.

Sem ter outra opção, Maddie subiu na carruagem e rumou para a casa dos

Bancroft. Mas qual não foi a sua surpresa quando, ao chegar lá, deparou

com a carruagem de Charles Dunfrey ali parada. Uma onda de nervosismos

percorreu todo o seu ser. O almoço tinha sido fácil comparado com o que a

aguardava.

— Srta. Willits, a senhorita tem uma visita — o mordomo informou. —

O sr. Dunfrey a aguarda na sala de estar.

Com o coração disparado, Maddie seguiu para lá, tentando se convencer

de que seja lá o que Charles tivesse para lhe dizer, aquilo já não importava.

Havia cinco anos ele a abandonara, e ela havia conseguido reconstruir sua

vida sem a ajuda de Charles e de seus próprios pais. Agora, era uma mulher

independente.

No topo da escada ela parou. Quinlan estava na biblioteca de porta

aberta, um livro aberto em suas mãos. Ele olhou para Maddie, seus olhos

de jade brilhando sob os cílios escuros.

— Como foi o almoço? — perguntou quando ela passou pela porta.

— Foi tudo bem.

— Você conversou com alguém?

— Não é da sua conta.

— Acho que é — ele disse com mais intensidade.

— O senhor está enganado.

Mas antes que Quinlan pudesse responder, Maddie já se dirigia à sala que

ficava ao lado.

Page 100: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Como se a visita já não fosse difícil o suficiente, Maddie sabia que não

poderia fechar a porta da sala e que Quinlan certamente não estava na

biblioteca com outra intenção senão a de tentar ouvir sua conversa com o

ex-noivo.

Nervosa, entrou na sala e Charles se levantou no mesmo instante,

parecendo tão desconfortável quanto Maddie.

— Sr. Dunfrey — ela disse no tom mais calmo que conseguiu. — Boa

tarde.

— Por que tanta formalidade, Maddie? — ele perguntou. — Por favor,

pode me chamar de Charles.

— Muito bem... Charles. Você aceitaria um chá?

Ele olhou para ela por um momento antes de responder.

— Sim, por favor.

Ambos estavam calados quando o lacaio trouxe a bandeja de chá e

desapareceu pela mesma porta pela qual entrara.

— Como você está bonita! — Dunfrey disse, e Maddie teve um

sobressalto.

— Obrigada. Você não mudou nada, Charles. Ele sorriu.

— Você é muito gentil, minha querida.

O relógio acima da lareira bateu a hora, enquanto Maddie tomava um

gole de chá e tentava desesperadamente pensar em algo para dizer.

— Soube que você se casou.

— Sim, com Patrícia Giles. Ela era alguns anos mais velha do que você,

eu acho. Pertencia a uma ótima família.

— Meus pêsames pela morte dela.

— Obrigado. Você tem um coração bom, Maddie. Não sei se eu poderia

ser tão generoso se estivesse no seu lugar. — Charles abaixou a cabeça por

um momento. — Maddie, briguei com Spencer na noite em que você... eu...

em que os vi juntos. Ele...

— Charles, eu...

— Não, por favor — ele a interrompeu. — Deixe-me explicar. Meses

depois, Spencer me escreveu, confessando que tinha bebido muito e que

havia perdido o controle da situação de uma ma¬neira inaceitável, mas que

você em momento algum tinha aceitado de bom grado as investidas dele.

Maddie olhou para Charles por um bom tempo, milhões de pensamentos

passando em sua cabeça.

— Então você sabe da verdade.

— Sim. Porém só fui admitir isso há alguns anos. Quando os vi juntos,

naquele dia, fiquei muito bravo... com ciúme e magoado. Eu queria ter sido

o único homem que a beijou.

A imagem de Quinlan surgiu na mente de Maddie. Seus lábio quentes, o

brilho nos olhos dele quando olhava para ela...

Page 101: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Eu também queria isso, Charles. Mas não há nada que possa ser feito

agora.

Ele se aproximou, tirou a xícara das mãos de Maddie e as segurou com

firmeza.

— Você deve ter sofrido muito longe da sua família e dos seus amigos,

durante esses cinco anos, Maddie. E tudo por minha culpa.

— Charles...

Ele se ajoelhou.

—Maddie, você acha que com o seu coração generoso... talvez não

agora, é claro... Mas você acha que com o tempo você poder me perdoar?

Havia muito tempo Maddie sonhava com aquele momento. N verdade,

desde o dia em que fugira de Londres, sonhava que todos que haviam sido

injustos com ela viriam lhe pedir perdão de joelhos. E mesmo cinco anos

depois, isso ainda lhe trouxe alguma satisfação.

— Sim, Charles. Acho que posso perdoá-lo.

Ele sorriu.

— Obrigado, Maddie.

Então um visitante inusitado chamou a atenção dos dois. Rafael entrou

como um trovão na sala e, no mesmo instante, Charles soltou as mãos de

Maddie e se levantou.

— Rafe, o que...

— Queira me desculpar, Maddie. — Rafael olhou para Charles. — Você

é Dunfrey, não é? — Ele se aproximou para um aperto de mão. — Prazer,

eu sou Rafael Bancroft.

Charles olhou para ele desconfiado enquanto apertavam as mãos.

— Fico feliz em conhecê-lo pessoalmente, capitão. Ouvi falar muito de

você.

— Somente o que disseram de bom é verdade. — Rafael sorriu e piscou

para Maddie. — A carruagem que está lá fora é sua?

— Sim, é. Espero que...

— Belo par de baios você tem. Não gostaria de vendê-los?

— Bem, eu não tinha pensado nisso.

Rafael deu um tapinha nas costas de Charles e o levou para a porta.

— Bem, pense a respeito, Dunfrey. Estou disposto a oferecer cem mil

pelo par.

—Cem mil...—Charles olhou por sobre o ombro para Maddie, que, com

uma mistura de alívio e assombro, observava os dois homens sair. —

Maddie... Srta. Willits, posso lhe fazer outra visita?

— Sim, pode, sr. Dunfrey.

Eles sumiram no corredor. Maddie respirou fundo, sentou-se no sofá e

fechou os olhos. Charles Dunfrey ainda gostava dela. O maravilhoso

Charles Dunfrey tinha lhe pedido desculpas e desejava vê-la novamente.

— O rato já foi?

Page 102: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Maddie abriu os olhos e viu Quinlan parado à porta da sala com um

sorriso nos lábios.

— Como se o senhor não soubesse, milorde.

— E o que você quer dizer com isso, posso saber? — Quinlan cruzou os

braços.

— Quero dizer que o senhor estava na biblioteca ao lado de propósito,

ou seja, queria escutar a nossa conversa.

— Não fiz isso.

— Bem, não faz diferença alguma para mim. A srta. Densen me

convidou para um jantar na casa dela, hoje à noite. — Maddie se levantou.

— Jantar com os Densen não faz parte do plano — ele disse, colocando-

se no caminho dela.

— O senhor está é com ciúme. — Maddie saiu num ímpeto, deixando o

marquês boquiaberto.

O que ela queria dizer com ciúme? Ele não estava com ciúme de

ninguém.

— Quin, tenho de admitir que o seu projeto de verão está sendo muito

divertido — Eloise falou, por detrás de seu delicado leque de marfim. — E

você estava certo sobre Maddie ser uma boa pessoa, apesar de eu achá-la

um tanto calada demais.

— Calada? — Quinlan repetiu, espantado, grato por estarem ocultos na

penumbra do teatro, onde assistiam a uma ópera. — Como assim?

— Bem, talvez calada não seja a palavra exata. Mas não se pode culpá-

la por ser tão reservada. Eu ficaria um tanto intimidada se não soubesse

como as pessoas iriam reagir na minha presença.

— Maddie comentou que o almoço na sua casa foi muito bom —

Quinlan disse baixinho. — Ela me contou ainda que foi convidada para um

jantar, hoje à noite.

— Sim. Eu a aconselhei a não ir, mas acho que ela ficou muito

empolgada com o convite.

— Por que a aconselhou a não ir? A srta. Densen é sua amiga, não é?

— Beatrice é, sim. Apesar de ser um tanto excêntrica. Mas o problema

não é ela, e sim o irmão, Gaylord, e seus amigos. Eles, bem...

— Eles o quê? — Quinlan, de repente, estava alarmado. — Maddie

disse que seria um jantar privado com os Densen.

Eloise cutucou o braço dele com o leque.

— Você precisa passar mais tempo em Londres, Quinlan.

— Esclareça melhor. Ela suspirou.

— Gaylord costuma reunir um grande grupo de pessoas para jogarem

baralho. Há mais de um ano ele já faz essas reuniões. No começo não eram

muitas pessoas, até cheguei a participar de uma. Mas, ultimamente, poucas

mulheres honradas têm freqüentado o local. — Eloise estremeceu. —

Page 103: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Como eu disse, tentei convencer Maddie a não ir, mas ela preferiu não me

ouvir.

A residência dos Densen ficava a apenas dez minutos da ópera. Quinlan

se levantou.

— Vou até lá.

— Não ouse me deixar aqui para sair correndo atrás de Maddie Willits!

— Eloise protestou. — Você já foi longe demais com essa história. E tenho

ouvido rumores o suficiente a respeito da generosidade dos Bancroft para

com aquela mulherzinha. Quinlan se sentou.

— O que você disse? — ele murmurou, aborrecido, mesmo sabendo que

ela estava certa.

Eloise se aproximou e tocou em seu braço.

— Todos estão comentando, Quin. Eu queria que você soubesse. Não

fique cego pelo seu desejo de pagar uma dívida.

— Não estou cego — ele respondeu com firmeza, apesar de não ser a

verdade absoluta.

— Muito bem. Só estou preocupada. Sua obrigação em pri¬meiro lugar

é com a família.

Ainda aborrecido com a censura dela, Quinlan respirou fundo.

— Tenho consciência disso, Eloise.

Sabia que ela estava certa, mas, mesmo assim, não era nada agradável ter

de ouvir a verdade.

— Eloise, posso acompanhá-la à Bond Street amanhã cedo? Temos um

assunto de interesse comum que precisamos discutir.

Ela sorriu.

— Será um prazer, Quin.

Maddie chegou tarde do tal jantar dos Densen, mas não tinha a mínima

vontade de dar satisfações a ninguém sobre sua demora. Tão pouco a

Quinlan, que viria com um discurso sem-fim acerca do que ela deviria ou

não fazer para limpar sua reputação.

— Como foi o jantar? — Quinlan, em pessoa, a surpreendeu. Maddie

teve um sobressalto e, ao se virar, deu de cara com ele, parado na penumbra

da sala de almoço com uma expressão tensa.

— O que o senhor está fazendo acordado a uma hora dessas, milorde?

— Lendo. Como foi o jantar? Ela pôs as mãos nos quadris.

— Lendo no escuro? O senhor está me espionando, esperando por mim.

— Você acha mesmo que eu não tenho nada melhor para fazer

— Aparentemente, não. — Maddie passou por Quinlan e dirigiu à

escadaria.

Ele a seguiu.

— Pelo menos me conte se você gostou ou não da companhia de

Gaylord Densen.

Page 104: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Um rubor subiu no rosto dela.

— Ele é muito divertido.

Uma certa mão abraçou-a pela cintura e a virou de frente com uma força

surpreendente. Tentando se esquivar, Maddie empurrava Quinlan pelo

ombro, enquanto ele praticamente a arrastava para dentro da sala de estar.

— O que significa isso? — ela inquiriu, finalmente se libertando.

Quinlan fechou e trancou a porta, então se virou para encará-la.

— Precisamos ter uma conversinha.

— Estou cansada e quero ir dormir. Não estou a fim de conversar.

— Sem me contar sobre a festinha de Gaylord Densen? Maddie ficou

aborrecida com o tom, pois, afinal, ele não tinha o menor direito de bancar

o superior.

— O que o senhor deseja saber, milorde?

Quinlan se aproximou dela.

— Por que você não ouviu o conselho de Eloise sobre o tal jantar? Ela a

avisou de que não deveria ir.

— Ela não... — Maddie olhou para ele, então caminhou até a

escrivaninha para ganhar tempo; não poderia contar que Eloise não fizera

nenhum tipo de alerta quanto à festa um tanto suspeita à qual acabou indo

inocentemente. Quinlan nunca acreditaria nela. — Eu sei — Maddie apenas

disse.

— E mesmo assim, você insistiu em ir!

— Deixe-me sozinha.

Maddie tentou tirá-lo do caminho, mas ele não se moveu. Pelo contrário,

segurou-a pelas mãos e a puxou para perto do próprio peito.

— Você é muito inteligente para eu acreditar que tenha feito algo

estúpido como ir àquele jantar inocentemente. Ou você está mesmo

desesperada para ir embora daqui? Ou todos estavam certos quando

disseram que você encorajou Spencer?

O coração de Maddie se entristeceu.

— Como o senhor ousa? — Ela o estapeou, livrou-se das mãos de

Quinlan e se afastou.

— Está um tanto geniosa hoje, não é, querida? Cansada, sem dúvida.

Quando Maddie se virou para encará-lo. Os olhos de Quinlan brilhavam

de raiva. Mas fúria não era o único sentimento que estava expresso na face

dele. Quinlan a desejava. Ele a queria. E fossem quais fossem os desejos

que perturbavam a alma de Maddie, esses de repente fizeram com que tudo

ficasse muito claro para ela.

— Então foi por isso que você me queria em Londres, não foi?

A expressão de Quinlan ficou ainda mais tensa.

— Do que você está falando?

— Quando me beijou em Langley, você me queria como sua amante. E

ainda quer. Você realmente acredita que encorajei Spencer. E diante dessa

Page 105: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

certeza, não tinha nenhuma dúvida de que eu acabaria cedendo aos

caprichos do poderoso marquês de Warefield.

Ele caminhou na direção de Maddie; então, com muito esforço se

conteve, cerrando os punhos.

— Isso não é verdade, e você sabe disso, Maddie.

— Então, por que estou aqui?

Quinlan a encarou.

— Porque meu tio me pediu um favor e porque me comportei mal e

queria reparar o meu erro.

— Ah, é mesmo?

— Sim, é mesmo. — Ele apontou-lhe um dedo. — E o mínimo que você

poderia fazer seria cooperar um pouco. Por Deus, seria muito para você

admitir que sente alguma gratidão por mim?

— Gratidão? Pelo quê? Por ter sido alvo de chacota de homens bêbados

que ainda tentaram me apalpar?

— O que você acha que eles deveriam imaginar ao vê-la numa festa

suspeita como aquela? Se você se comporta como uma mulher fácil, eles a

tratarão como tal!

Maddie atirou um vaso de flores contra a parede. O vaso ficou em mil

pedaços, molhando todo o chão com a água que havia dentro.

— Seu maldito pretensioso!

Quinlan a segurou pelo braço. Furiosa, ela tentava se soltar Com um

rasgão, a delicada manga do vestido de Maddie se solto na mão dele.

Chocado, Quinlan olhou para o pedaço de tecido então o jogou no chão e

avançou de novo.

— Assanhada!

— Agora você me ofendeu! — Maddie chutou o joelho dele — E você

acabou de rasgar um vestido pago com o seu dinheiro

— Dane-se! Paguei por quase tudo que você está usando. — Quinlan

puxou a outra manga, e ela se esquivou, ultrajada. — não recebo nem

mesmo a sua gratidão. Esta noite, em troca de u pouco de divertimento,

você provavelmente deu mais a Gaylord aos amigos dele!

Maddie apanhou uma miniatura de porcelana e a atirou contra ele.

— Maldito! Você disse que não queria nada em troca!

A estatueta atingiu o ombro de Quinlan e caiu no tapete, partindo-se em

pedaços. Ele apanhou outro vaso que havia na sala, e uma cascata de água

fria e margaridas caiu sobre Maddie.

— E não quero mesmo! Ela estremeceu e se pôs a atirar contra Quinlan

algumas almofadas que estavam sobre o sofá mais próximo...

— Mentiroso! Só posso concluir que a sua vida antes de me conhecer

era muito sem graça e enfadonha; não é para menos que você me quer ao

redor!

Page 106: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Esse seu pequeno deslize de hoje será lembrado e comentado em

toda a Londres amanhã. E quanto à minha vida: saiba que antes de

conhecer você, eu era bem mais feliz — ele gritou, jogando uma almofada

no rosto de Maddie. Ela a atirou de volta.

— Ah! Então, por que você ficou falando tanto sobre mim para sua mãe

e seu irmão?

— Presunçosa!

Quinlan a segurou novamente e Maddie se esquivou, porém sua saia

enroscou e a costura foi se desfazendo à medida que ela tentava se livrar

das mãos do marquês; até que a costura se desfez toda, soltando a saia com

um leve impulso que fez Maddie cambalear para trás, parando apenas

quando encontrou apoio numa escrivaninha. Seus cabelos despenteados

escapavam dos grampos e lhe encobriam o rosto. Ela recuperou o equilíbrio

e pegou um abridor de cartas com as iniciais de Sua Alteza gravadas.

— Seu arrogante! — Maddie avançou contra Quinlan com o abridor de

cartas em punho e arrancou um dos botões do paletó dele. — Era para isso

que você me queria! — Ela ofegava, seu coração tão disparado que parecia

que iria explodir. Quinlan recuou, esperando por uma oportunidade para

desarmá-la. — Você é mesmo muito sem graça!

— Não sou!

Outro botão foi arrancado à media que Maddie revertia a situação e

avançava contra ele com o abridor de cartas era punho.

— É, sim!

Quinlan parou quando suas costas bateram contra uma estante de livros.

Trêmula e furiosa, ela continuou avançando. Mas a raiva dos dois já tinha

se transformado em algo muito distinto, e uma chama ardente se acendia

entre eles.

— Mulher atrevida! — Quinlan sussurrou.

O último botão do paletó caiu e rolou para debaixo do sofá.

— Enfadonho! — Maddie murmurou de volta.

Quinlan segurou-lhe o queixo e ergueu o rosto dela até seus lábios quase

se encostarem. Lentamente, ele tirou o abridor de cartas da mão de Maddie

e o atirou no chão.

A pulsação de Maddie estava acelerada, ao mesmo tempo e que ela se

rendia ao poder de um desejo devastador. Seus corpos estavam muito

próximos quando Maddie tirou o paletó de Quinlan e, em seguida, seus

dedos deslizaram pelos cabelos, fazendo carinhos em círculos na nuca.

Quinlan acabou de rasgar a última parte do vestido de Maddie que ainda

estava intacta, expondo ombros muito alvos e uma pele macia que

convidava ao toque. A força dele era assustadora e, ao mesmo tempo,

excitante.

Page 107: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Maddie — Quinlan sussurrou, girando-a de uma maneira que agora

era ela quem estava de costas para a estante de livros numa situação mais

vulnerável. Presa entre os braços dele, sem poder e sem querer escapar.

Era impossível não beijá-lo. O vestido de Maddie não passava de trapos

pendendo na cintura, até que Quinlan terminou de rasgá-lo e jogou os

restos no tapete, deixando-a apenas com a fina e delicada roupa de baixo.

Ele soltou a própria camisa de dentro da calça, enquanto beijava a linha

do pescoço de Maddie. O que eles estavam fazendo, ela sabia vagamente

na parte de seu cérebro que ainda tinha alguma consciência de que aquilo

era errado, muito errado. Porém Maddie não se importava.

Ela terminou de tirar a camisa de Quinlan, expondo ombros largos e um

abdome marcado por uma musculatura perfeita.

— Oh, Céus... — Maddie murmurou, buscando o ar enquanto a camisa

escorregava até o chão.

Quinlan a pressionou com força contra a estante, como se quisesse ficar

ainda mais próximo. E então ele cobriu a boca de Maddie com a sua para

calar qualquer protesto que eventualmente pudesse surgir. Em seguida, com

uma das mãos, alcançou os seios alvos, e com a outra, levou a mão de

Maddie até sua virilha. Com dedos ágeis, ela desabotoou-lhe a calça.

Quando se deram conta, já estavam deitados sobre o tapete da sala de

estar. A boca quente e faminta de Quinlan buscava os seios de Maddie, e

ela se curvava e se rendia às carícias sedutoras.

Ele só podia estar louco por desejá-la... e por desejá-la ali na sala de estar

da casa de seus pais; e Maddie estava igualmente louca por encorajá-lo.

Quinlan acariciou o ventre de Maddie. Seu corpo nu sobre o dela era

quente e aconchegante; e quando seus joelhos afastaram as pernas de

Maddie, ela arquejou ao sentir o membro de Quinlan roçando suas coxas.

Então, ele a penetrou com um profundo sentimento de posse; e ao ouvir o

gemido de dor de Maddie, Quinlan gelou.

— Meu Deus! — ele murmurou, preocupado, enterrando o rosto no

ombro dela e mantendo o corpo parado, exceto pelo tremor de seus braços.

Em seguida, ergueu a cabeça novamente, seus olhos verdes encarando-a. —

Você era virgem.

Mas antes que Maddie tivesse tempo de confirmar, Quinlan a beijou e,

lentamente, seus quadris recomeçaram a se mover para a frente e para trás.

— Oh, Quin... isso é bom... — ela murmurou, acompanhando o ritmo

dele.

Ondas de intenso prazer invadiram todo o corpo de Maddie, dando-lhe a

certeza de que jamais sentira algo melhor que aquilo. Sua cabeça pendeu

para trás, seus olhos entreabertos para a maravilhosa sensação de sentir

Quinlan se movendo dentro dela.

E então Maddie sentiu uma explosão de indescritível deleite. Em cima

dela, Quinlan ainda se moveu mais algumas vezes, e, logo em seguida,

Page 108: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

também experimentou um extraordinário arrebatamento de prazer. Depois,

lentamente, seu corpo foi se soltando sobre o de Maddie.

Quinlan fechou os olhos, saboreando a agradável sensação de sentir o

corpo de Maddie embaixo do seu. Tendo possivelmente acabado de

cometer um enorme erro, ele deveria estar se sentindo pior do que antes.

Mas a única coisa em que conseguia pensar era que sua vida complicada

acabara de ficar ainda mais confusa.

Respirando fundo, Quinlan ergueu a e olhou para Maddie.

— Por que você não me contou?

— Contou o quê?

— Que mesmo depois de Spencer e depois de todos esses anos longe de

Londres, você ainda era... pura.

Ela franziu o cenho, então o empurrou com força.

— Saia de cima de mim!

Relutante, ele saiu e se sentou. Sem se conter, admirou aqueles seios

macios e fartos.

— Eu disse algo tão absurdo assim?

— Você realmente acreditou nos boatos, não é mesmo?

— Não, claro que não.

— Então, por que supôs que eu não era uma mulher direita? Quinlan

piscou, desejando que seu cérebro estivesse funcionando tão rapidamente

quanto seu corpo.

— Nunca pensei isso. E que cinco anos é muito tempo, Maddie.

Aproximou-se e, por um momento, Maddie não conseguia tirar os olhos da

cintura dele.

— Não me lembro de você ter tentado me impedir. Pelo contrário... —

Quinlan disse.

— Bem... — ela começou, corando, e, sem jeito, cobriu os seios — ...eu

simplesmente... me deixei levar um pouco.

Ao ouvir isso, ele sorriu.

— Sei!

— Você não parou...

— Agora estamos em maus lençóis, Maddie.

— Não, não estamos. Vá buscar outro vestido para mim, e poderemos ir

para a cama. E fim.

— Ir para a cama juntos? — Quinlan sugeriu, esperançoso, acariciando-

lhe a face com a palma da mão.

Por um momento Maddie fechou os olhos.

— Isso não é engraçado, Quin.

Ele sorriu.

— Eu sei. É uma tragédia. — Que o marquês, porém, estava adorando.

Page 109: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Quinlan se levantou e se inclinou para lhe dar um beijinho. Então

removeu o último grampo que ainda prendia os cabelos dela, permitindo

que seus cachos ruivos caíssem livres sobre os ombros.

— Só tenho uma solução para o nosso problema.

Dedos delicados traçavam os músculos do abdome de Quinlan.

— E qual seria?

Maddie ainda o desejava, por mais que lhe restasse algum bom-senso.

Quinlan a encarava com olhos cobiçosos.

— Case-se comigo.

— O quê?

Ele sorriu.

— Eu disse case...

— Por quê? — ela o interrompeu. — Agora que realmente estou

arruinada, por que não ser sua amante para que você possa se casar com

Eloise Stokesley?

— Não seja ridícula. Em Langley, eu disse que ajudaria você, Maddie. E

embora possa ter... cometido alguns deslizes, estava sendo sincero.

— Oh, por favor!

Maddie se levantou e fechou a blusa de baixo, a única peça ainda intacta.

Olhando para o estrago, Quinlan estava surpreso por não ter deixado

nenhuma mancha roxa nela. Por Deus, sua calça ainda se encontrava

abaixada até os tornozelos, com as pernas dentro das botas. Ele tivera

algumas amantes antes, mas nunca havia perdido o controle daquela

maneira.

— Mal posso esperar seu próximo deslize — Maddie continuou. —

Qual será? Rasgar toda a minha roupa bem no meio do Almack?

— Maddie — Quinlan protestou, arrumando a calça. — Estou falando

sério. Conversarei com meu pai pela manhã. E nós nos casaremos o mais

rápido possível.

— Não, você não fará isso. E uma tremenda estupidez desperdiçar duas

vidas, Quin. — Maddie hesitou, olhando para ele. — Mesmo que isso não

tivesse acontecido, metade de Londres ainda acredita que eu errei. Nada

mudou.

Agora Quinlan se sentiu ofendido.

— Algo mudou e muito.

— Escute. Minhas chances de conseguir me casar com um cavalheiro

decente são mínimas.

— Não são.

— São... Sempre foram. Eu só vim para cá por causa de s tio. E depois

que completarmos o espetáculo no Almack, eu voltarei para Langley.

Nunca pensei que seria diferente. Nem posso acreditar que você tenha

pensado.

Page 110: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Quinlan a encarava, indignado por ainda estar com vontade tomá-la de

novo nos braços. Ele sabia que Maddie estava certa, mas, por outro lado,

não conseguia entender como uma pessoa tão... apaixonante pudesse ser tão

racional num momento de pura emoção como aquele.

— Mas eu... — Quinlan parou a tempo de mudar de idéia dizer: — Eu

amo você. — Se ela o considerava um tolo antes, declaração o elevava a

um rematado imbecil.

Maddie se abaixou para apanhar os pedaços de seu vestido Quinlan

destrancou a porta da sala e, antes de sair, encostou cabeça contra o frio

batente.

— Quin, case-se com Eloise. Cumpra o seu destino. Você não precisa de

mim na sua vida.

— Você está errada — ele sussurrou enquanto se dirigia para o corredor.

— Eu preciso, e muito, de você na minha vida.

Quinlan e Eloise caminhavam pela lotada Bond Street quando ela parou

de repente ao avistar uma de suas lojas favoritas.

— Oh, lá está a Darby. Compre um chapéu para mim, Quin.

— Outro?

— Por que não, meu querido? — Eloise sorriu. — Vamos, eu o deixo

escolher. Para os padrões masculinos, você até que tem bom gosto.

— Oh, obrigado!

Ela permitiu que Quinlan escolhesse um belo gorro verde e instruiu que o

entregassem em seu endereço. Algo ainda o distraía, e fosse lá o que fosse,

tinha-o impedido de fazer a pergunta que Eloise esperava havia cinco anos,

desde que completara dezoito.

— Aconteceu algo, Quin? — ela por fim indagou, já quase perdendo a

paciência.

— Não. Desculpe, acho que estou com a cabeça em outro lugar.

— Posso saber onde? — Eloise quis saber, recostando a cabeça contra o

braço dele enquanto caminhavam pela rua. — Espero que esteja pensando

em uma certa pergunta que hoje precisa me fazer.

Quinlan parou para encará-la.

— Na verdade, sim.

Sem perceber a hesitação nos olhos dele, Eloise forçou um sorriso.

— Pode perguntar, então. Afinal, sempre soubemos que nos casaríamos.

Se isso facilitar as coisas para você, saiba que seu pai me fez uma visita

ontem.

— É mesmo?

— Sim. E ele contou que você marcou a data do nosso casamento para

17 de julho. Adorei o dia, não podia ser melhor. — Ela segurou as duas

mãos de Quinlan. — Portanto... o que estou tentando lhe dizer é que você

não precisa me fazer um pedido oficial, pois eu já disse "sim".

Page 111: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Por um longo momento ele olhou para Eloise, então, lentamente, meneou

a cabeça!

— Você é muito mais do que eu mereço, Eloise.

Ela sorriu, aliviada. Finalmente iriam se casar e Eloise estaria livre do

risco de perdê-lo para sempre.

— Podemos ir falar com a duquesa sobre a lista de convidados?

Quinlan soltou as mãos dela.

— Eloise, eu não posso me casar com você.

Ela congelou, seu alívio se transformou em terror.

— O quê!?

— Não agora. Preciso de um tempo... para pensar.

— Sobre o quê?! Não seja ridículo, Quin! Seu pai vai cortar você em

pedaços se adiar esse casamento novamente. — Eloise deu um Passo para

trás. — E eu também. Já estou com vinte e três anos, Quin. A maioria das

minhas amigas já se casou. Algumas já têm até filhos. Não quero ser

motivo de riso de toda a sociedade.

— Não é essa a minha intenção.

— Você é um homem bom, Quin. Sempre foi. Se precisar de um tempo

para pensar, então eu lhe darei. Saiba que o estarei esperando, e lembre-se

de que temos um compromisso para com as nossas famílias. — Ela se

aproximou ainda mais e atenuou tom da voz. — Você acha que eu nunca

conheci ninguém por quem pudesse me apaixonar? Mas não permiti que

isso acontecesse. Existe muito em jogo. Você deve fazer o mesmo.

— Pensa que não sei disso, Eloise? — Quinlan respirou fundo —

Preciso de alguns dias apenas. Uma semana. E então lhe farei o pedido

como deve ser feito. — Ele sorriu. — De joelhos.

— Uma semana — ela concordou, sorrindo de volta. — Agora me leve

para casa. Preciso escolher o vestido que vou usar hoje à noite no baile dos

Beaufort.

Quinlan fez um sinal para o seu cocheiro, e Eloise parou para olhar seu

reflexo no vidro de uma vitrine. Então ele queria uma semana. Algo

precisava ser feito... antes que aquela mulherzinha conseguisse arruinar a

fortuna e o futuro de duas famílias importantes. Aparentemente, Charles

Dunfrey não estava causando nenhum efeito. Uma providência tinha de ser

tomada imediatamente.

Quinlan observava Maddie valsando com Rafael. Sua graça beleza

natural empalideciam todas as outras mulheres presente no baile dos

Beaufort.

Maddie riu com algo que Rafael disse, e uma pontada de ciúme feriu

Quinlan de uma maneira desconfortável. Por causa dela, pelo que havia

acontecido entre eles.

Page 112: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Quinlan nunca imaginara que fosse se apaixonar por Eloise eles se

conheciam havia tanto tempo que um sentimento de amizade recíproca

parecia ser o suficiente.

Quinlan procurou-a e a encontrou sentada ao lado da mãe, com um

sorriso encantador no rosto. Como sempre, Eloise estava linda: seus

cabelos loiros emolduravam-lhe o rosto com delicados cachos. Ela parecia

uma marquesa, e seria uma duquesa maravilhosa.

E então lá estava Maddie, que se assemelhava a uma fada capturada na

brisa da manhã. Um sorriso tocava seus lábios. Com certeza, era um ser

encantado da natureza, e metade das pessoas presentes nem tinha o direito

de se dirigir a ela.

— Ah, lorde Warefield.

Quinlan olhou, surpreso, para o cavalheiro que o saudava.

— Sr. Dunfrey. — A pontada de ciúme que ele sentira por Rafael se

transformou agora em algo muito mais sombrio.

— Maddie, quero dizer, a srta. Willits me contou que o senhor tem sido

muito generoso com ela. Com toda aquela confusão... que em parte

aconteceu por culpa minha. Por isso gostaria de dizer que sou muito grato

ao senhor, milorde.

— Não precisa se incomodar, sr. Dunfrey — Quinlan respondeu

secamente. — Tudo o que fiz não foi pensando no senhor. Maddie foi

injustamente acusada de algo que não fez, e por isso decidi ajudá-la.

— Mesmo assim, sua atitude acabou por me beneficiar, pois estou

vendo uma chance de me acertar com a srta. Willits novamente.

Então Charles Dunfrey a queria de volta, depois de tudo que ele fizera.

Se Quinlan pudesse, colocaria um sinal de "é proibido se aproximar" ao

redor dela. Maddie era sua. Mas mesmo Dunfrey tinha mais direito do que

ele.

— Sua vida sentimental não é do meu interesse, sr. Dunfrey — Quinlan

respondeu, virou-se e seguiu na direção de Eloise.

Seu plano estava dando certo. O barão de Granfford tinha dançado a

última quadrilha com Maddie. E até agora, nenhum incidente havia

ocorrido.

O próximo baile seria em dez dias, no Almack, e Charles Dunfrey estava

pronto para perdoar tudo e ficar noivo de Maddie. A dívida de honra dele

estaria paga, e ele poderia se casar com Eloise em um mês, exatamente

como o duque desejava.

Somente uma coisa estava errada. Quinlan jamais imaginara que fosse

se apaixonar por Maddie Willits. E agora que isso havia acontecido, ele não

tinha certeza se queria desistir dela assim tão facilmente.

Page 113: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Capítulo VII

Charles Dunfrey tinha feito três visitas a Maddie nos últimos quatro dias.

Durante esse tempo, com exceção dos poucos olhares, o marquês de

Warefield parecia estar evitando-a novamente. Ela começou a pensar que

Quinlan tivesse desistido da idéia absurda de desposá-la, e isso a deixou

desapontada e de coração partido. Apesar de ter plena consciência do

absurdo da proposta. Mesmo que Maddie fosse um paradigma de virtude, a

futura duquesa de Highbarrow tinha de ser alguém socialmente superior a

ela.

Por isso não fazia o menor sentido ficar acordada todas as noites,

imaginando-se com Quinlan novamente e sonhando sobre como seria se

casar com um homem por quem, apesar de todas as intenções contrárias,

havia se apaixonado.

Aparentemente, no entanto, o marquês parecia ter desistido. Na manhã

seguinte, Charles viria fazer outra visita, e Quinlan se encontrou com

Maddie ainda à mesa do café da manhã.

— Bom dia, Maddie — ele disse, amável, sentando-se de frente para

ela.

— Bom dia, milorde.

Quinlan se moveu na direção do prato de frutas, e um dos lacaios veio

servi-lo no mesmo instante.

— Posso saber quais são seus planos para hoje? — ele indagou.

— Em primeiro lugar, preciso escrever para o sr. Bancroft.

Quinlan apoiou o cotovelo sobre a mesa e descansou o rosto sobre a mão,

encarando-a.

— Para lhe contar o quê?

Maddie corou. Como se pudesse escrever a respeito do que acontecera

entre ela e o marquês...

— Escreverei sobre as visitas de Charles Dunfrey, e de como ele tem me

tratado com gentileza. Acho que o sr. Bancroft ficará feliz em saber disso.

— Depois de tudo que esse tal de Charles Dunfrey a fez sofrer, o

mínimo que ele pode fazer agora é ser gentil com você.

— Por que tanta hostilidade, milorde?

— Desculpe — Quinlan murmurou. — Posso fazer as pazes comprando

um chapéu novo para você?

— Obrigada, mas não estou precisando de um chapéu novo.

Ele calou-se por um momento, como se Maddie tivesse dito algo

inesperado. Afinal, que mulher era aquela que não queria um chapéu novo?

— Que tal um vestido? — Os olhares de ambos se encontraram, e ela

estremeceu.

Page 114: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

No fundo, Maddie preferia que Quinlan falasse algo sobre aquela noite;

que fizesse pelo menos algum comentário. Mas a recordação daqueles

momentos maravilhosos serviu apenas para lembrá-la de que ele nunca

seria seu.

— Um chapéu novo, então.

— Ótimo. Vou mandar prepararem a carruagem. — Com um sorriso,

Quinlan se levantou. — Ah, imaginei que você gostaria de saber que meu

pai virá tomar café da manhã aqui. — Dito isso, saiu pela porta.

Maddie abandonou no mesmo instante o pedaço de pão que estava em

sua mão e tomou de uma só vez todo o seu chá. Ela aprendera com os

outros Bancroft a evitar o duque.

Rapidamente, subiu até seu quarto, apanhou as luvas e um gorro e, em

minutos, já estava chegando ao estábulo, onde Quinlan a aguardava em

cima da pequena carruagem aberta com lug para apenas duas pessoas.

— Já terminou o café? — ele perguntou, oferecendo a mã para que

Maddie se sentasse ao seu lado.

— Você deveria ter me avisado antes — ela declarou, terminando de

ajeitar o gorro na cabeça.

— Deixe-me ajudá-la com isso, Maddie.

Ela afastou a mão de Quinlan para evitar o contato físico.

— Não precisa, posso fazê-lo sozinha.

— Você não gosta que eu a toque? — ele murmurou.

Maddie engoliu em seco.

— Isso mesmo. Eu não gosto.

Quinlan a encarou, e então agitou as rédeas. A pequena carruagem

disparou e logo já estavam fora dos domínios dos Bancroft.

— Maddie, precisamos ter uma conversa. Você continua insistindo que

não vai conseguir limpar seu nome, e depois de tudo que aconteceu entre

nós, eu...

Ela se fazia a mesma pergunta havia dias.

— Não sou uma cantora de ópera, Warefield — Maddie o interrompeu.

— Sugiro que você procure outra para satisfazer as suas necessidades

básicas.

A expressão do marquês endureceu.

— Você está se adaptando muito bem à sociedade, minha querida.

— Seu tom me soou como um insulto. Meu problema é com o que você

quer, meu querido.

— Talvez. Mas eu não estava me referindo às minhas necessidades

básicas, como você se referiu. Ia falar sobre desejo, Maddie.

Ela o encarou, corada. Tudo era tão mais fácil quando eles apenas

brigavam...

— Bem, então, pode se esquecer disso também. Inesperadamente,

Quinlan riu.

Page 115: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— É impossível deixar isso de lado.

— As vezes, apenas às vezes, fico feliz por você não ter se afogado

naquele riacho em Langley.

— Só às vezes?

— Eu diria que sim. Se não fosse por mim...

— Maddie, você está bem?

De repente, ela parou de falar e olhou fixamente para a carrua-gem que

acabara de passar por eles.

— Quem é o casal? — Quinlan perguntou.

— São meus pais.

— Céus! — Ele segurou-a pelo braço antes que Maddie resolvesse pular

da carruagem para tentar escapar.

Mas Quinlan nem precisava ter se dado ao trabalho, pois ela estava

imóvel e sem palavras. E tudo que conseguia fazer era continuar olhando

para seus pais.

— Meu bom Deus! — A mãe de Maddie desceu da carruagem e veio na

direção deles. — E você, Maddie?!

Quinlan parou o veículo e tocou nas mãos frias de Maddie.

— Vá falar com ela — ele sussurrou.

— Não posso. Vamos embora.

— Para onde?

— Qualquer lugar.

— Lembre-se de que estou ao seu lado, Maddie — Quinlan disse

calmamente. — Eu prometi. Nada irá lhe acontecer.

A típica autoconfiança arrogante do marquês a trouxe de volta à

realidade.

— Onde você estava cinco anos atrás? — Maddie murmurou ao se

levantar para ir ao encontro da mãe.

Quinlan desceu da carruagem e, antes que os pais de Maddie os

alcançassem, ajudou-a a descer também. Vendo o encorajamento silencioso

nos olhos do marquês, ela segurou firme na mão que ele estendia e desceu

para encarar seus pais.

— Mamãe, papai — Maddie disse com voz trêmula. — Vocês estão

ótimos.

Eles pararam a alguns passos, como se temessem que ela pudesse fugir

novamente.

— Por onde você andou, minha filha? — sua mãe perguntou, aflita. —

Tem idéia do quanto nos preocupamos com você?

Lorde Halverston pôs a mão sobre o ombro da esposa.

— Por favor, Júlia. Haverá tempo para explicações. Este é seu marido,

Maddie?

Perplexa, Maddie olhou para Quinlan. Com um sorriso, ele soltou sua

mão e se aproximou para cumprimentar o visconde.

Page 116: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Quinlan Bancroft — disse amigavelmente. — Sou um amigo de

Maddie.

Halverston apertou a mão de Quinlan com vigor.

— O senhor é muito modesto, milorde. Júlia, este é o marquês de

Warefield.

Lady Halverston fez uma leve mesura.

— Milorde.

Quinlan fazia algumas perguntas inócuas sobre quando o caso havia

chegado a Londres, enquanto Maddie o olhava, agradecida, tentando não

tremer.

Maddie observava os pais. Exceto por mais alguns fios de cabelos

grisalhos nas têmporas, Robert Willits não tinha mudado quase nada. Sua

mãe só tinha olhos para a filha.

— Há quanto tempo você está em Londres, Maddie? — lady Júlia

perguntou.

— Há algumas semanas.

— Algumas semanas? Por que você não escreveu? Por que não nos

avisou, minha filha?

— Eu não queria que vocês soubessem.

— Mas você não se importou que todos em Londres soubessem do seu

retorno — Halverston se manifestou.

Maddie conhecia muito bem o pai e estava estranhando a falsa calma

dele.

— Não foi minha idéia vir para cá.

Quinlan segurou a mão de Maddie e a colocou sobre o próprio braço,

num claro toque de conforto e encorajamento.

— Minha mãe e minha prima estão ajudando Maddie a reingressar na

sociedade. Ela foi muito boa para a nossa família, e nós tentamos retribuir o

favor.

Novamente Maddie era grata ao marquês.

— Precisamos ir, Quin, sua mãe nos aguarda — ela mentiu, olhando,

esperançosa, para ele. Tudo que Maddie queria era que aquela estranha

situação acabasse o quanto antes.

— Sim — Quinlan concordou. — Com licença, sr. e sra. Halverston...

Acontece que a duquesa odeia esperar.

— E claro — Halverston declarou.

— Talvez os senhores queiram nos fazer uma visita, hoje à tarde, na

casa de meus pais — Quinlan continuou.

— Sim, claro. Nós adoraríamos. — O visconde trocava um novo aperto

de mão com Quin.

— Nos veremos às duas, então.

Maddie ficou extremamente aborrecida com Quinlan, pois se sentiu

traída pelo convite que ele fez a seus pais sem consultá-la antes. Durante

Page 117: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

todo o trajeto de volta para casa, ela ficou recla-mando e argumentando,

como sempre. Mas Quinlan já estava começando a se acostumar àquela

mulher que tanto gostava de uma boa discussão.

Assim que eles chegaram à residência dos Bancroft, Maddie correu ao

seu quarto para trocar de roupa. Por precaução, Quinlan instruiu o

jardineiro para avisá-lo caso ela tentasse fugir. Em seguida, foi ao encontro

de sua mãe para informá-la sobre a iminente visita dos Willits.

— Mamãe, os pais de Maddie estão em Londres — ele entrou na sala

dizendo. — E eu os convidei para... — Só então se deu conta de que sua

mãe estava com visita. — Eloise! Pensei que você iria visitar lady Landrey

esta manhã.

Eloise tomou um gole de chá; seus olhos azuis o fitavam calorosamente.

— A pobrezinha cancelou o brunch. Parece que o filho dela foi expulso

de Cambridge.

— Não sei como lá em Cambridge toleraram Lester por tanto tempo. —

Quinlan se sentou ao lado dela e fez um sinal para que o lacaio lhe

trouxesse uma xícara de chá.

— Sim, é assombroso — Eloise sorriu. — Açúcar, querido?

— Não, obrigado.

— O que você estava dizendo sobre os pais de Maddie? — A duquesa

colocou o bordado de lado e olhou para o filho.

— Nos encontramos com eles esta manhã. A duquesa ouvia com

interesse.

— Como eles reagiram?

— Não sei ao certo. A mãe parecia aliviada, mas o pai, aparentemente,

mostrava-se mais interessando em me conhecer do que saber como a filha

estava depois de todos esses anos.

— Você não pode culpá-lo. — Eloise riu com malícia. — Afinal, ele

deve ter visto a chance de a filha mal-afamada se tonar a futura duquesa de

Highbarrow.

— Sim, mas a mal-afamada, como você a chamou, é a filha que ficou

cinco anos desaparecida. — Quinlan encarou a prima, aborrecido.

— Você disse que os convidou para uma visita — a duquesa interferiu.

— Aqui?

— Sim. Às duas da tarde. Falei que Maddie fez um grande favor para a

nossa família e que estamos retribuindo a bondade dela.

Eloise o encarou com um olhar frio.

— Você não disse que a beijou?

Então, ela havia ficado sabendo. O duque lhe contara, sem dúvida. Mas

ele tinha feito muito mais do que apenas beijar Maddie... Quinlan encarou

calmamente lady Stokesley.

— Não considerei oportuno. Há algo aborrecendo você, Eloise.

Page 118: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Apenas que não tem me beijado muito ultimamente, Quin. Um

descuido que espero que você corrija em breve. — Ela levantou a xícara

para que o lacaio a servisse de mais chá. Mas quando o rapaz a servia, uma

gota de água quente espirrou na mão de Eloise, que gritou e jogou a xícara

com seu conteúdo en cima do criado. — Seu idiota! Você não presta

atenção ao que está fazendo?

O rapaz fez uma reverência.

— Por favor, aceite minhas desculpas, milady. Sinto muito, eu...

— Franklin, pode sair — a duquesa ordenou.

Ele se curvou novamente, e, antes de se retirar, seu lugar foi ocupado por

outro lacaio, que limpou a bagunça e providenciou outra xícara para Eloise.

Quinlan observou o incidente, incomodado, enquanto sua mãe olhava de

lado e calmamente adicionava mais açúcar ao seu chá. De repente, ele

estava vendo a nobreza com outros olhos.

— Eloise me contou que vocês pretendem se casar no dia 17 de julho.

Seu pai ficará satisfeito. Acho que ele marcou um encontro com o

arcebispo, nesta manhã, para garantir a abadia de Westminster. — A

duquesa tomou um gole de chá. — Oh, e precisamos enviar os convites

imediatamente. Caso contrário, todos irão pensar que foi tudo arranjado de

última hora.

— Como se a senhora pudesse planejar algo com menos do que vinte

dias de antecedência — Quinlan disse.

— Não precisa ser sarcástico — Eloise retornou, obviamente aborrecida

com ele.

Quinlan não podia culpá-la, pois suas atitudes estavam longe de ser as de

um noivo apaixonado e empolgado com o casamento.

— Desculpe. E que tudo isso me parece muito barulho por algo que

todos já sabiam que iria acontecer mais cedo ou mais tarde.

Eloise se levantou, indignada.

— Você está sendo insensível como nunca foi, Quin. Aborrecido, ele

também se levantou e se dirigiu à porta.

— Minhas desculpas, Eloise. Não tive a intenção — Quinlan declarou,

sem sentir de verdade as palavras que estava dizendo.

Surpresa, ela o encarou com seus belos olhos azuis.

— Eu sei. Leve-me para cavalgar amanhã, então, e depois compre algo

bonito para mim, que tudo estará esquecido.

Quinlan forçou um sorriso.

— Com prazer. — E assim ele se retirou da sala, deixando as duas a sós

para continuarem com os planos do casamento.

Lorde e lady Halverston chegaram pontualmente às duas, acompanhados

de duas mocinhas.

Page 119: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Espero que o senhor não se importe, milorde — o visconde se

desculpou, apontando para as moças. — Elas insistiram em vir. Querem ver

a irmã.

Quinlan meneou a cabeça. Maddie não lhe contara que tinha irmãs,

apesar de as semelhanças serem evidentes.

— É claro. A srta. Willits se encontra na sala de estar com a duquesa.

Queiram acompanhar o mordomo, por favor. Logo me juntarei aos

senhores.

A família Willits acompanhou o mordomo, e Quinlan seguiu um tempo

depois.

Quando chegou, ele parou à porta de entrada da sala e se deu o direito de

apenas apreciar a cena, antes que todos notassem a sua presença.

Calada, Maddie estava sentada entre as irmãs, falando sem parar. A

viscondessa observava, satisfeita, as três filhas, enquanto Halverston não se

cansava de agradecer a imensa bondade da duquesa por ter amparado

Maddie.

Quando Maddie avistou Quinlan, sorriu, aliviada, e, pela primeira vez, o

marquês viu paixão nos olhos dela. Paixão por ele.

— Milorde — Maddie o saudou com uma mesura.

— Apresente-me para a sua família — Quinlan pediu, juntado-se a elas

na sala, e mal conseguindo conter o desejo de erguê-la em seus braços e

girar com ela, compartilhando aquele momento de pura felicidade.

— Esta é Polly — Maddie disse, apontando para a irmã mais nova, que

parecia ter uns doze ou treze anos. — E esta é Claire.

A filha do meio de lorde Halverston fez uma elegante mesura. Ela era

bonita, apesar de sua beleza não se comparar à de Maddie. Sua idade girava

em torno dos dezessete anos.

— Prazer em conhecê-las — Quinlan disse, sorrindo.

— Mandei preparar um chá — a duquesa anunciou e indicou o caminho.

— Por aqui, por favor.

Todos seguiram para a sala de jantar, onde a conversa continuou sem

cessar durante o chá. Quinlan olhava para a cena surpreso, perguntando-se

como Maddie conseguira se tornar tão in¬dependente com uma família

calorosa como aquela.

— Maddie, você tem muita coisa para empacotar? — perguntou a

viscondessa.

A pergunta chamou a atenção de Quin.

— Empacotar para quê? — ele indagou.

A sala ficou em silêncio. O visconde emitiu um ruído do fundo da

garganta.

— Não seria certo nossa filha continuar sob o teto de outra família que

não seja a dela, milorde. Mesmo sendo uma família honrada como a sua.

Page 120: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Minha mãe está fazendo companhia a Maddie — Quinlan afirmou,

impaciente. — Não há nada de inapropriado nisso.

— É claro que não, milorde. Mas, bem... as pessoas falarão, o senhor

sabe,

— Elas falarão de qualquer jeito — Maddie se manifestou.

— Mas quanto menos falarem, melhor, minha filha.

Quinlan olhou para Halverston e o que restava de seu bom humor

desapareceu. Ele não podia permitir que Maddie partisse.

— O senhor deveria ter levado isso em consideração cinco anos atrás,

lorde Halverston.

— Quinlan — a duquesa o repreendeu —, cabe a Maddie decidir isso.

Maddie olhou ao redor, fixando seu olhar em Quinlan, e então,

finalmente, voltou-se para a duquesa.

— Vossa Alteza, acho que talvez eu deva mesmo retornar para a casa de

meus pais. Eu fica...

— Não! — Quinlan gritou, levantando-se.

Ela engoliu em seco, evitando o olhar dele e ignorando o grito de

protesto.

— Eu ficaria imensamente feliz se pudesse continuar visitando-os.

— É claro que sim, minha querida. Nada me deixaria mais feliz —

respondeu a duquesa com gentileza.

Muitas outras coisas teriam deixado Quinlan bem mais feliz, incluindo

nunca mais ter de olhar para os outros membros da família Willits. Ele

engoliu sua raiva, colocou o guardanapo sobre a mesa e falou, antes de se

retirar:

— Vou pedir para arrumarem suas coisas, Maddie.

E, logo em seguida, saiu da sala, parando ofegante no corredor. Quinlan

sabia precisamente a intenção dela, e a culpa era toda sua por não tomar

uma decisão definitiva. Agora Maddie estava tentando tomar as rédeas da

situação. Exceto que ele não estava pronto para desistir. Não ainda. Nunca.

Maddie entrou em sua antiga casa, lutando contra a idéia, para ela

estúpida, de que de alguma maneira nada havia mudado em cinco anos. O

mordomo, certamente não tinha mudado nada, exceto pela expressão de

espanto em seu rosto ao recebê-la.

Mas a mobília do andar de baixo era a mesma, e até os quadros e o tapete

que ela sempre detestara, ainda se encontravam ali. Enquanto Maddie subia

para o seu quarto, as irmãs não saíam de perto dela, falando muito sobre os

cinco anos de aventuras que haviam vivido separadas. Maddie hesitou

diante da porta, mas Claire a abriu e entrou alegremente.

Maddie entrou em seguida, e tudo estava exatamente como ela havia

deixado. As irmãs falaram mais um pouco e então resolveram que era hora

de deixá-la repousar um pouco.

Page 121: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Sozinha em seu quarto, ela só conseguia pensar em Quinlan e em quanto

sentia por ter saído da residência dos Bancroft. Realmente não desejava ter

partido, mas, se tivesse ficado, acabaria cedendo e se entregando a ele

novamente. A simples presença do marquês era inebriante. E Quinlan

estava prestes a se casar com Eloise Stokesley.

— Maddie? — sua mãe chamou da porta entreaberta.

— Pode entrar.

— Podemos conversar, minha filha?

Aquele era o momento que ela tanto temia, quando sua mãe iria lhe

perguntar por onde andara, e Maddie não tinha certeza se estava pronta

para contar tudo.

— Pensamos que você tivesse morrido, minha filha. — A senhora se

sentou ao lado da filha, aos pés da cama. — Ficar brava e aborrecida é uma

coisa, Madeleine, mas desaparecer por cinco anos...

— Eu quis fazer as coisas do meu jeito. A mãe a encarou.

— Você diz isso como se não fosse nada. Se tivesse ficado, com o

tempo seu pai acabaria por perdoá-la. Você sabe disso.

Maddie se controlou.

— Eu não fiz nada de errado, mamãe. Por isso não precisava e não

preciso do perdão de ninguém. E a senhora deveria saber que eu não vou

permanecer aqui. Prometi a uma pessoa que ficaria em Londres até o dia

que fosse aceita no Almack. Depois disso, não haverá mais razão para eu

continuar aqui.

— Entendo. E posso saber para quem você fez essa promessa?

— Para um amigo.

— E quanto à sua família, Maddie?

— Há cinco anos, papai fez questão de deixar claro que eu não passo de

um fardo e uma vergonha para os Willits. Não me esqueci disso.

— Maddie, você e seu pai sempre discutiram. Sabe que ele não tem um

temperamento fácil. Pense melhor antes de tomar uma decisão definitiva.

— Mamãe, depois de tudo, como ainda posso ficar? Lady Halverston

olhou para a filha por um momento.

— Então, por que você voltou?

— Como já disse, prometi a um amigo que viria para Londres —

Maddie falou cautelosamente, sem mencionar a tempestade de emoções

que girava em torno dela e de Quinlan.

— Lorde Warefield parece gostar muito de você.

— Lorde Warefield leva muito a sério as obrigações para com a família

dele. E espera que as pessoas façam o mesmo. Eu... — Maddie hesitou,

medindo as palavras. — Eu não concordo com o marquês.

— Você discorda do marquês de Warefield? Isso me parece um tanto

insensato.

— Alguém precisa fazê-lo.

Page 122: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

A viscondessa olhou para ela, curiosa.

— Maddie...

— Mamãe, as coisas não podem voltar a ser como eram. Estive sozinha

durante cinco anos e gostei da independência conquistada. — A

honestidade a forçou a continuar. — Se a senhora quiser eu posso partir

agora mesmo, pois não pretendo continuar ouvindo calada as insinuações

de papai.

A viscondessa se levantou.

— Você ainda é minha filha, sendo uma mulher independente ou não.

Aparentemente, os Bancroft têm alguma esperança em você, por isso não

podemos esperar menos. Só quero lhe pedi uma coisa, Maddie: não

envergonhe sua família de novo. Claire vai debutar no ano que vem, e

espero que você não estrague as chances de sua irmã encontrar um bom

casamento.

Maddie meneou a cabeça enquanto a mãe deixava seu quarto.

Ela já sabia que não seria fácil voltar, e estava certa. Sua mãe, por mais

feliz que pudesse se sentir pela volta da filha, ainda iria se curvar à vontade

do marido. Maddie suspirou e se sentou em sua cama, imaginando o que

Quinlan estaria tramando.

— O que você quer dizer com "Maddie se foi"? — Rafael inquiriu,

batendo com seu taco de bilhar com tanta força sobre a mesa que as bolas

pularam. — E por que não me contou antes?

— Porque não estava com vontade. E o que eu quis dizer é que ela foi

embora com os pais. Eles estiveram aqui e a levaram de volta para casa.

— Que idiotice! Maddie foi embora de Londres por culpa deles. Você

não deveria ter permitido.

— Ah, é mesmo? E o que eu deveria ter feito? Deveria tê-la prendido no

meu quarto?

— Maddie não pertence àquela casa, Quin.

O marquês olhou para o irmão com o canto dos olhos.

— Aquela é a família dela, Rafe.

Rafael se afastou da mesa e se serviu de uma dose de conhaque.

— Sim, é a família dela. São os mesmos que um dia a atiraram nas mãos

de Charles Dunfrey. E agora que ele pediu desculpas para ela, eles o farão

novamente.

— E o que tem de errado nisso? — Quinlan perguntou, mais para ouvir

outra opinião além da sua.

— Lembra de quando você me obrigou a entrar na sala de estar para

atrapalhar o encontro dos dois? Pois bem, Dunfrey aceitou a minha oferta.

— Que oferta?

— De vender o par de cavalos baios por cem mil libras. Tive de inventar

uma boa desculpa para voltar atrás.

Page 123: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— E...

— Bem, tirando o fato de eu não estar precisando de um par de cavalos

para carruagem, eles valiam o dobro do que ofereci.

Quinlan colocou o taco de bilhar sobre a mesa; de repente, ficou muito

interessado na conversa.

— Perdoe-me, Rafe, por não ser tão bom nos negócios quanto você, mas

o que, exatamente, está querendo dizer?

— É que se Dunfrey queria mesmo vender os cavalos, poderia ter

conseguido muito mais por eles.

Finalmente Quinlan começou a entender aonde o irmão queria chegar.

— Então, você acha que ele não estava pensando em vender os cavalos?

— Exatamente. Estava interessado apenas no dinheiro.

O marquês guardou o taco de bilhar de volta no suporte e se retirou

dizendo que precisava fazer uma visita urgente.

O gerente do Banco da Inglaterra ficou muito animado ao saber que o

marquês de Warefield viera lhe fazer uma visita e fez questão de receber

Quinlan a portas fechadas, em seu espaçoso escritório.

— O que posso fazer pelo senhor, lorde Warefield? — perguntou o

homem, solícito.

— Tenho um pedido um tanto estranho para fazer ao senhor. — Quinlan

sentia uma pontinha de culpa pelo que estava fazendo.

— Pois não, milorde. A família Bancroft tem crédito ilimita aqui.

— Obrigado, sr. Wheating. É bom saber. Mas eu não vim pedir um

empréstimo. Preciso de uma informação.

— Informação, milorde? Que tipo de informação?

— Estou pensando em entrar num negócio com uma pessoa. Porém não

o conheço muito bem e gostaria de saber um pouco mais sobre a situação

financeira dele.

— Bem, informações a respeito de nossos clientes são confidenciais.

— Entendo, regras são regras. Mas não é necessário que o senhor entre

em detalhes. Eu só preciso ter uma idéia geral da situação dele.

O sr. Wheating olhou de um lado para outro.

— Quem seria a pessoa, milorde?

— O sr. Charles Dunfrey. — Quinlan recostou-se na cadeira.

— Charles Dunfrey, o senhor disse?

— Exatamente.

— Bem, milorde, falando de uma maneira geral, eu diria... — Mesmo

com a porta da sala fechada, ele se inclinou um pouco sobre a mesa e

abaixou o volume da voz. — Eu diria que as finanças do sr. Dunfrey estão

numa situação um tanto desastrosa.

— Um tanto desastrosa?

— Sim, senhor.

Page 124: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Quinlan deixou o banco no mesmo instante e se dirigiu para a Curzon

Street. Quando chegou em frente à residência dos Willits, parou e

contemplou os enormes portões de ferro que o separavam de Maddie.

Parado ali, ficou imaginando como iria justificar sua visita. Ela deixara a

casa dos Bancroft havia apenas três horas. Todos iriari perceber o papel de

tolo apaixonado que ele estava fazendo.

Além do mais, só porque Dunfrey tinha feito algumas visitas a Maddie,

isso não queria dizer que pretendia se casar com ela. Com os problemas

financeiros dele, parecia muito remota a possibilidade de querer se casar

com uma mulher com a fama de Maddie Willits. Desposar uma mulher

mais velha e respeitável seria muito mais proveitoso para Dunfrey do que

receber um dote limitado do visconde de Halverston.

Sentindo-se um pouco mais calmo, Quinlan resolveu voltar para a

residência dos Bancroft. Já tinham planejado irem ao baile dos Carrington,

na noite do dia seguinte, onde poderia ver e dançar com Maddie. E talvez

algum milagre pudesse acontecer, e ele teria uma idéia de como tirar a

ambos daquela dificílima situação. Caso contrário, poderia raptá-la e fugir

com ela para o Oriente.

Maddie nem mesmo tinha terminado o café da manhã quando o

mordomo anunciou que o sr. Dunfrey a aguardava na sala de visitas.

Aborrecida, pediu licença aos pais e foi recebê-lo, apesar de não ter a

menor idéia do motivo que o fizera vir tão cedo à sua casa.

Charles virou de costas para a janela quando Maddie entrou na sala.

— Maddie, estou feliz em saber que você voltou para casa.

— Eu também, Charles. Obrigada.

— Parece que tudo está voltando ao normal novamente. — Ele segurou-

lhe a mão e beijou-a. — Bem, quase tudo. Maddie, preciso lhe fazer uma

pergunta. Você sabe que não sou muito bom com as palavras, mas isso tem

pesado em mim há alguns dias e não posso mais me conter.

Maddie se sentou numa cadeira. Em seguida, Dunfrey segurou as duas

mãos dela e se ajoelhou.

— Maddie, vou direto ao assunto. Nós estivemos separados durante

cinco anos, mas acredito que estávamos destinados a ficar juntos. Você me

daria a imensa honra de se casar comigo?

Maddie apenas olhou para ele por um bom tempo, esperando pela

excitação, pela euforia, que acompanharia aquele momento. Mas nada

aconteceu. Talvez ela estivesse tentando ser firme, ou talvez Dunfrey não

fosse mais o homem de seus sonhos.

— Preciso de um tempo para pensar, Charles.

—- E claro, eu compreendo. — Ele sorriu e se levantou. — Mas, pelo

menos, me permita tomar uma liberdade. — Inclinou-se lentamente e seus

lábios roçaram os de Maddie num leve beijo. Ela sorriu.

Page 125: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Obrigada pela sua paciência, Charles. Prometo lhe dar uma resposta

amanhã.

Ele beijou-lhe a mão de novo.

— Eu ainda a amo, Maddie. Sempre a amei. — Com um último olhar de

relance, Charles Dunfrey se foi.

Maddie recostou-se na cadeira. Casar-se com Charles poderia ser a

solução de todos os seus problemas. Não importava que não sentisse

absolutamente nada por ele. Nada comparado ao que sentia quando Quinlan

olhava para ela. Mas o marquês iria se casar com outra mulher. E nunca

mais Maddie sentiria os braços dele ao redor de seu corpo.

A vida era bem mais simples em Langley, onde ela era apena a srta.

Maddie e passava as tardes jogando com Bancroft. Ma não podia negar que

se sentia solitária lá.

— Srta. Willits? — Everett, o mordomo, bateu na porta.

— Pois não, Everett.

— Senhorita, o sr. Rafael Bancroft está aqui.

De repente, os olhos dela se encheram de lágrimas. Talve ainda houvesse

alguma esperança.

— Pode mandá-lo entrar.

Minutos depois a porta se abriu e Rafael entrou com seu sorriso de

costume. E, após uma leve reverência, ele ergueu um belo buquê de flores.

— Milady.

Maddie forçou um sorriso, brigando com as lágrimas.

— Olá, Rafe.

Ele olhou-a por um momento, e então entregou as flores para o

mordomo, que se retirou para colocá-las na água.

— O que aconteceu? Você parece uma nuvem de chuva prestes a

desabar. — Rafael se sentou numa cadeira ao lado dela.

— Não é nada — Maddie murmurou, enxugando as lágrimas. — Acho

que estou feliz por ver você.

— Se sou tão querido, então por que abandonou a residência dos

Bancroft e minha ilustre companhia?

— Eu tive de fazê-lo.

— Entendo — ele disse, meneando a cabeça. — Bem, pode se abrir se

quiser, mas isso não fará muita diferença, pois não é comigo que você

precisa falar.

Maddie desviou o olhar.

— Não preciso falar com ninguém.

— Faça como quiser, Maddie. Eu não tenho a menor intenção de me

intrometer nessa confusão. Já tenho problemas suficientes.

— Como o quê? — ela perguntou inocentemente. Algo o preocupava

desde que ele chegara a Londres, mas até onde Maddie sabia, Rafael não

tinha contado a ninguém.

Page 126: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Isso é algo que eu não tenho a intenção de lhe contar — ele

respondeu. — Mas vou lhe dizer uma coisa. Meu irmão sempre teve

alguém para planejar a vida dele, e nunca se importou com isso até o dia

em que conheceu você. Maddie, Quinlan não sabe como tomar uma decisão

sozinho. — Rafael tocou na mão de Maddie e se levantou. — E isso é tudo

que eu tinha para lhe dizer.

Maddie ficou ainda mais confusa do que já estava.

— Foi por isso que você veio aqui? Para me informar que não iria me

contar nada?

— Na verdade, vim convidá-la para cavalgar comigo no Hyde Park

amanhã de manhã. Acho que Quinlan tinha combinado com você, mas ele

está um pouco... preocupado, e por isso não virá.

— Então, você está cumprindo uma obrigação de seu irmão? — Maddie

perguntou, ofendida.

— Estou me aproveitando da estupidez dele. — Rafael piscou para ela.

— Passarei aqui às sete.

Maddie se levantou e se aproximou para lhe dar um beijo no rosto, mas

antes que ela pudesse completar seu gesto, Rafael virou o rosto, e os lábios

deles se tocaram. Surpresa, ela se afastou.

— Rafe?

— Você é muito atraente, Maddie — ele sussurrou e abriu a porta. —

Deus do Céu, meu irmão é um idiota!

— Rafe, Charles Dunfrey me pediu em casamento esta manhã — ela

falou, corando.

Ele fechou a porta novamente.

— E... — Rafael perguntou, seus olhos verde-claros brilhando de

curiosidade.

Era disso que Maddie gostava tanto em Rafael: ele não era tão maluco

quanto fingia ser. Ela se perguntava o que significava para Rafael ser o

segundogénito e ter o duque de Highbarrow como pai.

— Darei minha resposta a Dunfrey amanhã.

— Você irá ao baile dos Carrington, hoje à noite, não irá?

Maddie assentiu.

— Nos veremos lá, então.

Depois que Rafael saiu, a sala de repente parecia quieta e triste, e Maddie

se sentou perguntando-se por que havia contado a ele sobre o pedido de

Charles. Suspirou. A resposta era óbvia. Porque queria que Quinlan

soubesse, é claro. E porque, apesar de ter dito ao marquês para deixá-la em

paz e cumprir com suas obrigações com Eloise, ela ainda o amava.

Eloise estava em sua carruagem quando Rafael Bancroft saiu da casa dos

Willits. Com certeza, o maldito viera tentar convencer Maddie a voltar para

a casa dos Bancroft antes que Quinlan se esquecesse dela.

Page 127: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Bem, Maddie não iria retornar à mansão dos Bancroft. Dunfrey tinha

planejado tudo certinho, trazendo os pais dela para Londres antes que o

estúpido senso de honra de Quinlan pudesse arruinar tudo.

E de acordo com o bilhete que Dunfrey tinha lhe enviado esta manhã, o

plano estava indo muito bem. Mas ainda havia alguns detalhes que Eloise

preferia cuidar pessoalmente. Respirando fundo, fez um sinal para que o

cocheiro tocasse até a casa dos Willits.

Eloise aguardava no vestíbulo quando Maddie apareceu acompanhada de

uma senhora que, com certeza, era sua mãe.

— Maddie — Eloise a saudou calorosamente —, como estou feliz em

vê-la aqui de volta no seio da sua família. Nunca imaginei isso.

— Estamos honradas em receber a sua visita, lady Stokesley — disse a

senhora. — Eu sou lady Halverston, mãe de Maddie.

— Encantada — Eloise respondeu. — Sua filha se parece com a

senhora.

Lady Halverston deu um leve sorriso.

— Obrigada pelo elogio, lady Stokesley. Vamos entrar. — Ela indicou o

caminho para a sala de estar.

Parecia que Maddie era mesmo o par perfeito para Dunfrey, Eloise

pensou ao analisar a mobília de gosto duvidoso e ultra-passada.

— Não posso me demorar — ela disse, considerando com horror a idéia

de tomar um chá com a mulher. — Passei apenas para convidar Maddie

para um piquenique.

Maddie ficou desconfiada do convite.

— Bem, obrigada, Eloise, mas eu não...

— Vá, Maddie — lady Halverston interrompeu a filha. — Um pouco de

ar fresco vai lhe fazer bem.

Maddie hesitou, olhando para a mãe, e então respondeu:

— Está bem, vou apanhar o meu gorro. — Ela foi escada acima.

Page 128: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Capítulo VIII

Os comentários tiveram início antes da chegada de Maddie ao baile dos

Carrington. Quinlan ouvia tudo com espanto, quase sem poder acreditar,

enquanto Eloise conversava com um grupo de amigas, a uma certa

distância.

— Eloise? — ele disse ao se aproximar. — Não esperava que chegasse

tão cedo. Você está linda, como sempre.

Ela estendeu a mão para Quinlan beijar.

— Uma multidão é esperada para este baile e eu não queria ter de descer

pisando em lama e estrume de cavalo. — O grupinho de suas amigas riu.

— Bem, é a pura verdade, meninas!

Ele sorriu, sem-graça, e pôs a mão de Eloise em torno de seu braço.

— Gostaria de conversar com você. E valsar, depois, é claro. Isto é, se

você puder.

— Sempre poderei. Com licença, ladies. Meu futuro marido precisa

falar comigo em particular.

Os dois saíram pela imensa porta que dava para uma sacada, deixando

para trás um grupo de moças suspirando de inveja.

— Ah! — Eloise suspirou. — Enfim sós! — Ela olhou ao redor, então

segurou com as duas mãos o rosto de Quinlan e ficou na ponta dos pés para

beijá-lo.

Aquela era a primeira vez que Eloise demonstrava sentir algo por ele, e,

naquele momento, Quinlan não estava particularmente interessado.

— O que foi isso? — ele perguntou quando se separaram.

— Foi só para lembrá-lo de que o nosso casamento será mais do que

uma união de nomes e fortunas. Acho que você se esqueceu disso.

Recentemente, o ponto de vista de Quinlan a respeito do significado do

casamento havia mudado muito.

— Quando você decidiu isso? — ele perguntou.

Eloise tocou no rosto de Quinlan, parecendo não dar importância ao tom

frio dele.

— Oh, Quin. Nós nos conhecemos há muito tempo. As vezes acho que

teria sido melhor se nossos pais tivessem nos mantido separados até a

época de nos casarmos.

Ele concordou.

— Você preferia o elemento surpresa, suponho...

— Não exatamente. Às vezes, porém, me parece que você olha para

mim como se eu fosse sua irmã, e não sua futura esposa.

Page 129: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Isso não é verdade, Eloise. Mas eu a considero uma amiga. — Ou

melhor, ele assim a considerava até alguns dias antes. — E sendo um

amigo, gostaria de uma explicação.

— Uma explicação sobre o quê?

Quinlan a encarou, tentando descobrir quando, exatamente, deixara de

pensar nela como o par perfeito. Provavelmente, no momento em que ele

havia posto os olhos em Madeleine Willits.

— Você foi a algum lugar com Maddie, hoje?

Eloise soltou as mãos de Quinlan.

— Estou tentando seduzi-lo, e você vem me perguntar de Maddie?

— Eloise, Maddie está em Londres por minha causa e eu sou o

responsável por ela. Tenho obrigação de...

— Não é responsável coisa nenhuma. Maddie é responsável por ela

mesma. Não foi você que a arruinou, Quin. Você não tem nada a ver com

isso.

Aquilo não era exatamente verdade.

— Tudo bem. Mas me conte o que aconteceu hoje.

— Nada aconteceu. Eu a convidei para um piquenique, com nós

havíamos combinado, e...

— Combinamos levá-la a um piquenique — Quinlan concordou. —

Com amigos em comum.

— Oh, Quin, você não percebe? Tem passado quase o dia todo ao lado

de Maddie. Você não a está ajudando ao acompanhá-la para toda parte.

Além do mais, tudo correu bem.

O marquês continuou olhando para Eloise em busca de qualquer sinal

que indicasse que ela não era tão dissimulada quanto ele estava começando

a acreditar que fosse.

— Não de acordo com os comentários que ouvi.

— O que você ouviu? — Eloise perguntou, encarando-o com ares de

inocência.

Talvez ela estivesse dizendo a verdade e de fato não soubesse nada sobre

os rumores. Mas, pela primeira vez, Quinlan duvidava da palavra de Eloise.

— Ouvi dizer que Maddie sugeriu a você e às suas amigas para irem

desfrutar a companhia de lorde Bramell e de Lionel Humphiries em um

local mais reservado — revelou Quinlan.

Eloise levou a mão à boca, mas a expressão em seus olhos não era de

surpresa.

— Nada disso aconteceu! John e Lionel estavam lá, é claro, mas quando

lady Catherine Prentice chegou, nós fomos ver o cachorrinho dela e

deixamos Maddie sozinha com eles por um minuto apenas. Ou dois.

— Você não a deveria ter deixado sozinha na companhia de dois

homens.

— Ela não quis ir conosco, Quin. Eu não podia arrastá-la comigo.

Page 130: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Ele se enfureceu. Maddie sabia melhor do que ninguém que não deveria

se expor a uma situação como aquela. Ficar sozinha, na companhia de dois

homens, era a coisa mais tola que poderia ter feito. E ela não era tola.

Longe disso.

Mas Eloise também não. Se as suspeitas de Quinlan estavam corretas,

sua noiva tinha muito que explicar.

— Apenas lembre-se, Quin, que em um mês você não poderá ficar

dizendo por aí que a pobre srta. Willits é sua responsabilidade. — Ela se

encostou nele.

— Eu sei. Acho melhor nós entrarmos, ou daqui a pouco os comentários

serão sobre nós.

Quinlan a conduziu de volta ao grupinho de amigas e passou um bom

tempo ao lado delas dividindo sua atenção entre a conversinha educada e o

salão de baile.

Finalmente, Maddie chegou acompanhada de seus pais. O coração de

Quinlan disparou assim que a viu em um glorioso vestido verde e cinza.

Ele a observou entrando no salão e cumprimentando as pessoas, e

imediatamente percebeu que ela não queria estar ali.

— Com licença — o marquês disse para quem estivesse escutando, e

saiu na direção de Maddie.

Rafael, fazendo uso de suas habilidades militares, chegou primeiro.

— Boa noite, minha querida. — Ele segurou a mão de Maddie. — Fico

feliz que você tenha vindo.

Quinlan conteve sua ira e parou ao lado dela. Não ficaria bem uma briga

dos irmãos Bancroft em pleno baile.

— Srta. Willits. — Quinlan sorriu, roubando a mão dela de Rafael e

levando-a aos seus lábios. — A senhorita está... maravilhosa.

— Obrigada, milorde — ela disse, fitando-o nos olhos. — Agora, solte a

minha mão.

Ele obedeceu, relutante. Parecia que fazia dias, e não horas, que não a

tocava.

— Podemos dançar uma valsa, mais tarde?

— Acho que não deveríamos — Maddie respondeu, olhando para a

mesa de bebidas.

— Mas eu acho que sim.

— Não.

— Sim. — Quinlan tinha a nítida sensação de que discutir com

Madeleine Willits era o mesmo que bater com a cabeça na parede. Ela era a

teimosia personificada.

— Melhor fazer o que ele está dizendo, Maddie — Rafael se

intrometeu. — Mas guarde uma valsa para mim também.

Ela sorriu para Rafael.

— É claro que guardarei.

Page 131: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Antes da valsa, no entanto, Quinlan teria de dançar uma quadrilha com

Eloise. Então, Rafael não perdeu tempo e tirou Maddie para dançar.

Enciumada por Maddie estar sendo alvo das atenções dos irmãos

Bancroft, Eloise não poupou seus comentários maldosos enquanto dançava

com Quinlan e observava o formoso casal.

—Rafael parece gostar muito de Maddie, você não acha, Quin? — ela

falou com um sorrisinho nos lábios. — Você acredita que seu irmão seria

capaz de pedi-la em casamento?

— Não — Quinlan respondeu, aborrecido, olhando para o sorridente

casal.

— Também creio que não. Sejam lá quais forem os padrões de Rafael,

seu pai não concordaria que ele se casasse com alguém como Maddie.

O comentário despertou a curiosidade de Quinlan.

— O que você sabe sobre os padrões de Rafael, Eloise?

— Oh, foi só uma especulação. Tenho de admitir, no entanto, que eles

formam um belo par.

Sim, eles formavam. Alto e musculoso, com os cabelos cor de trigo

levemente despenteados e um sorriso fácil, Rafael era mesmo muito bonito.

E Maddie, que naquela noite usava um tom de verde que realçava ainda

mais seus cabelos ruivos, estava maravilhosa.

— Quer dizer que você acha que ela não serve para se casar com um

nobre?

— Apesar dos seus esforços, meu querido, o que eu poderia dizer?

— Então, você está sendo gentil com ela apenas para me agradar?

— Eu gosto de Maddie, é claro — Eloise respondeu, sua expressão,

porém, indicando bem outra coisa. — Só acho que ela não está à altura dos

Bancroft.

— Se Maddie fosse tão rica ou tivesse uma origem mais nobre, então,

na sua opinião, ela serviria para se casar com Rafael?

— Você fala como se isso fosse algo ruim. Todos nós temos padrões a

serem mantidos, Quin. Sobretudo você.

— Sim, obrigado por me lembrar disso, Eloise.

Céus, ele percebia a cada minuto o quanto apreciava cada vez menos

Eloise, que fingia gostar de Maddie apenas para agradá-lo. Se ela tivesse

sido honesta desde o princípio, isso poderia ter colaborado ainda mais com

o sentimento de culpa que ele carregava. Mas Eloise optara por mentir, e

tudo indicava que havia sido a responsável pelos últimos escândalos que

envolveram o nome de Maddie. Talvez se Eloise tivesse agido diferente, as

coi¬sas poderiam ter tomado outro rumo. Porém as atitudes dela estavam

apenas facilitando sua escolha.

— Posso passar na sua casa, amanhã de manhã, Eloise?

— Claro que sim, meu amor.

Page 132: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Finalmente era chegado o momento da tão esperada valsa com Maddie.

— Senti sua falta — Quinlan disse, conduzindo-a para o salão de dança.

— Mas eu fui embora há apenas dois dias. E melhor você se acostumar

com a minha ausência. Não sou seu cãozinho de estimação.

Por mais que ela tentasse parecer relaxada, Quinlan percebia a tensão no

ar. Apesar de não gostar de ser a causa da dor de Maddie, não poderia

deixar de encorajá-la: pelo menos ela ainda sentia algo por ele. E se era

algo próximo ao que Quinlan sentia por Maddie, podia ter alguma

esperança.

— Você está mais para uma raposa selvagem — ele declarou, risonho.

Mas, em seguida, fechou o semblante para a pergunta que precisava fazer.

— Você vai se casar com Charles Dunfrey?

— Rafe lhe contou?

— É claro que sim, e você sabia que ele o faria.

— Como eu poderia...

— Você vai se casar com Dunfrey ou não? — Quinlan a interrompeu.

Maddie hesitou antes de responder.

— Com quem você planejava me casar quando me arrasto para

Londres?

— Droga, Maddie, por que nunca responde a uma pergunta?

Quinlan queria ficar bravo, mas sabia que seus encontros com ela

estavam com os dias contados.

— Tudo bem. Eu me rendo. Confesso que não pensei niss quando a

trouxe para Londres — ele admitiu. — Eu tinha uma vaga idéia de como

iria resgatar a sua reputação.

Maddie sorriu.

—- Meu cavaleiro de armadura — ela murmurou. — Bem, acho que já

fui salva.

— Não se case com Dunfrey, Maddie.

Ela hesitou.

— Por que isso agora?

Porque eu amo você, Quinlan pensou, mas continuou calado.

— Quin, eu não quero me casar com ele. Mas...

— Isso era tudo que eu precisava saber.

— Você me aborrece, sabia? Primeiro me arrasta para Londres a fim de

eu arranjar marido, e agora me pede para não desposar o único homem que

me pediu em casamento.

— Dunfrey não é o único homem que a pediu em casamento — ele a

lembrou carinhosamente. — E não é o homem com quem vai se casar. Você

vai se casar comigo.

Maddie abaixou o rosto.

— Eu gostaria... — ela disse, num tom muito triste. Quinlan desejava

beijá-la ali mesmo, na frente de todos.

Page 133: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Você gostaria do quê?

— Não é nada. Só um desejo tolo — Maddie disse, ao mesmo tempo em

que a música chegava ao fim e todos aplaudiam.

— Às vezes os desejos se tornam realidade — Quinlan sussurrou e a

conduziu de volta para os pais.

Charles Dunfrey estava lá, esperando para dançar com Maddie, e o bom

humor de Quinlan desapareceu no mesmo instante. Cumprimentou seu

rival e, com uma última olhada em Maddie, se afastou. No dia seguinte, ele

acertaria aquela situação de uma vez por todas.

Quinlan estava à porta de saída de sua casa quando teve uma alegre

surpresa. Era a carruagem de tio Malcom que acabava de parar diante da

Whithing House. Ele foi correndo ajudar o querido tio a descer da

carruagem.

— O que o senhor está fazendo aqui? — Quinlan perguntou ao abrir a

porta do veículo. — Onde está a cadeira de rodas?

— Já posso andar, obrigado — Malcom respondeu, sorridente.

— Se é que se pode chamar isso de andar.

Com a ajuda do sobrinho, ele caminhou com dificuldade até o vestíbulo,

contando ainda com o apoio de uma bengala.

— O senhor parou na casa de meu pai, primeiro? Ou foi ver a Maddie,

antes?

— Quinlan, que tagarela você se tornou! — Malcom comentou com um

sorriso. — Aconteceu algo, rapaz?

Os dois se dirigiram para a sala de estar, e depois que seu tio se

acomodou, Quinlan recomeçou.

— O senhor sabe muito bem que aconteceu algo, e foi por sua culpa.

— Minha culpa? O que aconteceu por minha culpa?

— O senhor sabia que eu iria me apaixonar por Maddie. E pensei que a

tivesse mandado para Londres pelo próprio bem dela.

— Quinlan encarou o tio. Mas o sorriso do velho senhor não foi o

suficiente para acalmá-lo. — Bem, diga alguma coisa!

— Tudo que eu fiz foi para o bem de Maddie — Malcom declarou,

escolhendo as palavras com muita cautela. — Assim que soube que era

você o enviado de Lewis, percebi que aquela seria minha última chance de

ajudá-la a reingressar na sociedade.

Percebi também que eu poderia perdê-la. Mandar Maddie embora com

você não foi fácil, sabia?

— Bem, mas o senhor pareceu se esquecer de algo muito importante. Eu

estava noivo.

Malcom ergueu os ombros em desdém.

— Obviamente, você não esperava que eu cuidasse de todos os detalhes.

Page 134: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Detalhes? — Quinlan indagou, aborrecido ao perceber que caíra na

armadilha do tio.

— Sim. Não vou dizer que não tenha passado pela minha cabeça a

possibilidade de você se apaixonar por Maddie, mas esse não era o meu

objetivo. Sempre gostei muito de você, Quin, porém percebi que estava

ficando igual a seu pai. Nesse caso, Maddie poderia ter afogado você de

verdade, em vez de apenas ter brincado com a idéia.

Quinlan se sentou em uma cadeira de frente para o tio, que tirou do bolso

uma folha de papel dobrada em quatro e a abriu lentamente. Era a carta que

Maddie tinha enviado a ele.

— Maddie enviou esta carta para mim, Quinlan. A maior parte do que

está escrito aqui não é problema seu, mas eu vou ler o que lhe diz respeito.

— Malcom levantou a folha e deu início à leitura.

— "Charles Dunfrey tem me visitado, e, embora eu duvide que possa

estar apaixonado como antes, pelo menos ele tem sido educado e

respeitador. Consi..."

— O maldito! — Quinlan resmungou, e Malcom olhou para ele.

— Quieto. "Considerando que Quinlan tem suas próprias obrigações, e

que eu não desejo lhe causar mais transtornos, talvez deixar tudo como era

possa ser uma boa solução para nós dois."

— Malcom ergueu os olhos do papel. — Ainda tem mais, mas

considerei este trecho muito preocupante.

Quinlan se levantou e começou a andar de um lado para outro. Ele sabia

que Maddie estava considerando a idéia de se casar com Dunfrey. mas

ouvir a confirmação era completamente diferente... Quinlan sentiu uma

vontade absurda de ir ao encontro dela e tomá-la em seus braços.

— Maddie não vai se casar com Dunfrey.

— O que você fará para impedir, Quinlan?

Ele olhou para o tio. Em seguida, caminhou na direção da porta.

— Espero que o senhor não esteja muito cansado para fazer uma visita

comigo. Sei de um lugar aonde gostaria de ir.

Maddie sentia que precisava muito de um aliado. Olhava para o pai,

tentando não encará-lo, tentando ser razoável, e tentando muito, mas muito

mesmo, não sair correndo pela porta da frente e ir ao encontro de Quinlan

na Whithing House.

— Você está me ouvindo, Maddie?

— Sim, papai, estou.

— Então, concorda em se casar com Charles?

— Ainda não me decidi — ela respondeu, sua calma já estava se

transformando em raiva.

— O que é agora? Está se achando muito boa para ele? — perguntou o

pai com sarcasmo, cruzando os braços sobre o peito.

Page 135: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Eu não o amo.

— Você não o ama? Mas o que casamento tem a ver com amor? Acha

que eu amo sua mãe?

Maddie esperava sinceramente que Júlia Willits não tivesse escutado a

crueldade do marido.

— Sempre achei que sim, como sempre pensei que o senhor amasse

minha mãe. Ela é uma mulher de bom coração e não me-rece essa sua

indiferença.

— Júlia é muito mole com você.

A resposta que Maddie ia dar com certeza iria fazer com que seu pai a

chutasse para fora de casa novamente. Mas antes que ela pudesse abrir a

boca, Everett abriu a porta da biblioteca.

— Dois cavalheiros vieram lhe fazer uma visita, srta. Willits.

— Quem está aí? — lorde Halverston indagou.

— O sr. Malcom Bancroft e o marquês de Warefield.

— O sr. Malcom Bancroft? — Maddie gritou e saiu correndo, para

surpresa do pai e do mordomo.

Tio e sobrinho a aguardavam no vestíbulo.

— Sr. Bancroft... O senhor está de pé?!

— Mais ou menos — Malcom sorriu. — Como vai, minha querida?

Maddie se aproximou e se atirou nos braços de seu antig patrão.

— Estou tão feliz! — ela sussurrou, lágrimas escorrendo sua face. —

Tão feliz!

— Agora sim, esta é uma verdadeira recepção — Malcom de clarou.

— Eu gostaria de uma dessas, também. Maddie olhou para Quinlan e

sorriu. Ele viera vê-la.

— Obrigada por trazê-lo, Quin.

— Não há de quê — o marquês respondeu. — Mas tio Malcolm veio

sozinho para Eondres. Acho que ele está com medo de que você se case

com o homem errado.

— Oh, lorde Warefield — o pai de Maddie disse alegremente saindo da

biblioteca. — Que gentileza a sua vir visitar minha filha.

—E sempre um prazer, senhor—Quinlan respondeu, trocando um aperto

de mão com Halverston. — Gostaria de lhe apresenta meu tio, o sr.

Malcom Bancroft. Tio, o visconde de Halverston.

— Ouvi falar muito do senhor — Malcom disse sem ser muito

específico.

— Gostaria de dizer o mesmo — respondeu o visconde, olhando para a

filha.

Maddie podia adivinhar o que seu pai estava pensando, que ela tivera

algum tipo de relacionamento sórdido com Bancroft. O visconde parecia

pensar isso sobre todos os cavalheiros que a filha mencionava. E havia

Page 136: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

muito tempo ela já tinha concluído que realmente não se importava mais

com o que ele pensava.

— Srta. Willits, será que eu poderia ter uma palavra em particular com a

senhorita? — Quinlan indagou, cheio de cerimônias. — Minha mãe pediu

que eu lhe transmitisse um recado.

— É claro — Maddie respondeu, tentando disfarçar a emoção e

indicando o caminho da biblioteca.

Com o pai dela parado no corredor, eles não poderiam fechar

a porta, mas Quinlan a levou para o canto mais remoto da biblioteca,

perto de uma janela.

— Como vocês dois estão indo? — ele perguntou, acariciando-lhe o

pescoço.

Maddie fechou os olhos quando os lábios de Quinlan tocaram os seus.

Estava sentindo muita falta dele.

— Como se eu nunca tivesse saído de casa.

Quinlan sorriu.

— Que pena.

— Sim. — Maddie suspirou. — Mas você não veio aqui para perguntar

isso.

— Não exatamente. Na verdade, vim lhe perguntar quais são os seus

sonhos.

Confusa, Maddie se virou de costas para o marquês, que lentamente

deslizou os braços em torno de sua cintura, puxando-a de volta para ele.

— Não costumo sonhar — Maddie disse. Quinlan estava dificultando as

coisas, e ele sabia disso.

— Não posso acreditar. Todos têm sonhos.

Ela meneou a cabeça e aos poucos foi relaxando.

— Você já sabe, Quin.

Ele a abraçou com mais força.

— Pois saiba que o seu sonho se tornará realidade, Maddie.

Era muito fácil se deixar levar pelo momento e fingir que seria para

sempre. Maddie se endireitou e o fitou.

— Quin, pare...

Os olhos de Quinlan se encontraram com os dela, e a olharam com uma

profundidade jamais alcançada por nenhum outro. Naquele momento

Maddie soube que não iria se casar com Charles Dunfrey. Graças a

Quinlan, ela sabia o que era amar alguém.

Ele sorriu e perguntou:

— No que você está pensando?

Maddie ficou na ponta dos pés e o beijou; então, a voz de seu pai ecoou

no corredor e os dois se afastaram.

— Você já falou com Eloise?

Page 137: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Eu ia sair para ir procurá-la, quando tio Malcom chegou. Mas irei

assim que o levar de volta para Whithing House. Dunfrey já procurou

você?

— Não.

Quinlan respirou aliviado.

— Preciso lhe contar uma coisa. Então, foi a vez de Maddie ficar aflita.

— Vamos... conte logo.

— Mesmo que você decida não se casar comigo, existe algo sobre

Charles Dunfrey que precisa saber.

— Você não vai espalhar mexericos, vai? — ela perguntou, provocando-

o. Quinlan não ousaria mentir sobre Charles só para convencê-la a não se

casar com ele. Não agora.

— O que vou lhe contar é verdade, Maddie. Descobri algo a respeito das

finanças de Dunfrey que acho que você deveria saber. Ele está...

— Ele está o quê, Warefield? — Aquele era o tipo de com-portamento

que Maddie esperava dos outros membros da nobreza, mas não de Quinlan.

— Que ele não é tão rico quanto você? Acho que não é mesmo. Mas quem

seria?

— Maddie, você está entendendo tudo errado. Ela o encarava com um

olhar furioso.

— Então, por que o senhor não me explica, milorde?

— Estou tentando. Dunfrey está a um passo da falência, Maddie. Sem o

seu dote, ele irá para a prisão. Estou preocupado...

— Que Charles queira se casar comigo por dinheiro? — Ela estremeceu,

profundamente magoada. — O que você esperava? Que ele estivesse pobre

e que ainda se casasse comigo por amor? Quem seria estúpido o suficiente?

— Maddie...

— Obrigada, milorde, o senhor me ajudou muito. Agora, vá se casar

com Eloise e me deixe em paz. — Lágrimas desciam por seu lindo rosto.

Quinlan ainda tentou se explicar, mas ela não lhe dava ouvidos.

Será que eles nunca iriam chegar a um acordo? Maddie não estava

facilitando as coisas, como sempre.

Na Whithing House, Rafael aguardava ansiosamente pela chegada de

Malcom. Os dois tinham muito que conversar sobre o marquês de

Warefield e sua obsessão pela teimosa, impossível... encantadora, geniosa e

inteligente moça que não passava de confusão certa. E que havia sido a

melhor coisa que acontecera em toda a vida de Quinlan.

O marquês, enquanto isso, seguiu para a casa de Eloise, e não ficou nem

um pouco aborrecido quando foi informado pelo mor-domo de que ela saíra

para fazer compras com uma amiga. Melhor assim, pois ele não teria de

encarar outra discussão.

Page 138: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Mas quando estava voltando para casa, algo lhe ocorreu: Dunfrey iria

visitar Maddie naquele dia. Se ele o fizesse, e ela ainda estivesse zangada o

suficiente, não fazia idéia do que Maddie seria capaz. Quinlan seguiu para

a própria casa ainda mais aborrecido. As coisas pareciam estar fugindo

cada vez mais ao seu controle.

Ao entrar na sala de estar, deparou com Rafael e Malcom jogando

xadrez.

—Rafe, vá visitar Maddie — Quinlan ordenou, tirando as luvas e

jogando-as para o irmão. — Aristóteles está aí fora.

— Só um momento — seu irmão disse, apanhando as luvas. — Sou um

capitão do exército do rei. Não recebo ordens de você. Muito menos sou

seu garoto de recados. — Ele jogou as luvas de volta para Quinlan. — Vá

você mesmo. E não tente me seduzir com o cavalo.

— Pensei que você gostasse dela.

— Eu gosto. O suficiente para não participar dessa bobagem.

Quinlan franziu o cenho.

— Que bobagem? Rafael se levantou.

— Desconheço o que está acontecendo entre vocês dois, mas sei que se

você não cuidar disso, eu cuidarei. — Ele se dirigiu para a porta.

— O que quer dizer? — Quinlan perguntou friamente.

— Pense o que você quiser pensar. — Rafael falou por sobre o ombro e

saiu pela porta da frente.

Rafael não voltou mais, porém mandou um bilhete para avisar que

passaria a noite na casa dos pais. Ao lado de um desenho de um coração,

ele escreveu: "Ela disse 'não'."

Quinlan achou melhor mesmo que o irmão não tivesse vindo dar as

notícias pessoalmente, pois as suspeitas de que Rafael estava interessado

em Maddie aumentavam a cada dia, e isso o aborrecia demais.

O marquês passou a noite andando de um lado para outro, lutando contra

a enorme vontade de correr para a casa dos Willits. Mas a única coisa que o

impedia era que ainda não tinha posto um fim ao seu noivado com Eloise, e

Maddie saberia assim que olhasse para ele.

Quando, então, algo lhe ocorreu: Eloise havia resolvido recorrer à

falsidade para assegurar seu noivado. Ele poderia fazer o mesmo para

conseguir exatamente o oposto. Quinlan sorriu. Com Eloise ocupada com

ele, ela não teria tempo para arrumar confusão para Maddie até o dia do

baile no Almack. Passado o tão esperado baile, Maddie estaria com o nome

limpo e eles finalmente poderiam ficar juntos.

Sentada em sua cama, Maddie olhava para o vestido cor de marfim que

estava estendido sobre a colcha. Os dez dias tinham passado rapidamente,

ela mal podia acreditar. E depois daquela noite no Almack, tudo estaria

terminado.

Page 139: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Rafael a visitara todos os dias, assim como o sr. Malcom Bancroft, e,

para surpresa de todos, até mesmo a duquesa de Highbarrow lhe dera a

honra de sua visita. De Quinlan, no entanto, nenhum sinal.

Maddie mal conseguia dormir ou comer. Se ela fosse a mulher que seu

pai gostaria que fosse, colocaria seus sentimentos de lado e informaria a

Charles Dunfrey que havia mudado de idéia e que aceitava se casar com

ele.

Mas casar sem amor e com alguém que não fosse Quinlan Bancroft era

impensável. Depois da discussão que tiveram, contudo, o marquês

aparentemente resolvera ignorar sua existência, voltando-se para Eloise e

cuidando dos preparativos do casamento. Maddie fingia que não se

importava, mas parecia que todos com quem ela se encontrava tinham

acabado de ver Quinlan cinco minutos antes, e sempre na companhia de

Eloise Stokesley.

Rafael tentou justificar o comportamento do irmão com um "ele precisa

manter as aparências". Na verdade, Maddie sabia que ele e Quinlan não

estavam se falando e que Rafael se mudara de novo para a mansão dos

Bancroft.

Ela odiava ser a causadora de tanta dor e angústia. Mas depois daquela

noite, os Bancroft não seriam mais obrigados a aturar a sua presença, e ela

teria cumprido com a promessa que fizera a Malcom. E o melhor, ou pior,

de tudo era que poderia voltar para Langley. A idéia não seria tão difícil de

aceitar se ela con¬seguisse parar de pensar nos beijos e na risada de

Quinlan, em suas carícias e...

Uma hora depois, quando Maddie desceu a escadaria, todos disseram que

estava maravilhosa, exceto seu pai, que não lhe dirigia a palavra desde o

dia em que ela dissera "não" a Charles.

— Podemos ir, Maddie? — sua mãe perguntou. — A duquesa vai nos

encontrar no Almack.

— Sim, estou mais do que pronta.

Apesar de suas palavras imbuídas de bravura, a carruagem ia mais rápido

do que ela desejava.

No Almack, não apenas a duquesa as aguardava, mas Rafael e Malcom

também. Ali havia centenas de convidados, todos prontos para verem e

serem vistos no restrito e selecionado círculo. Mas o coração de Maddie

realmente disparou quando ela viu Quinlan dançando com Eloise Stokesley.

Então, talvez até tivesse uma chance de falar com ele, nem que fosse pela

última vez.

— Maddie — a duquesa murmurou num tom de repreensão —, pare de

olhar para meu filho.

Ela teve um sobressalto.

— Eu estava olhando? — indagou, trêmula.

— Sim, estava. E parece que agora é ele quem a está encarando.

Page 140: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Meu filho costumava ser mais discreto. Acho que você foi uma má

influência para ele.

Apesar das palavras, a duquesa não demonstrava estar brava. Na verdade,

parecia muito feliz.

Quinlan não conseguia tirar os olhos de Maddie, pois o desejo de

presenciar seu triunfo era por demais forte. Depois daquela noite, ela

poderia ir embora. Mas, se ele cometesse um único erro, tudo estaria

perdido para sempre. E isso, Quinlan tinha certeza, o mataria.

— Quin, pensei que você tivesse superado aquela mulher — Eloise

murmurou.

— Não seja tola, Eloise — ele respondeu secamente, voltando-se para a

sua noiva. — E que o sucesso dela tem um pouco da influência dos

Bancroft, você não acha?

Eloise deu uma olhada para Maddie.

— Acho que sim, mas somente porque você tornou isso possível. Não

precisava ter se envolvido nessa história.

— Não teria sido honroso de minha parte. — Quinlan arriscou outra

olhadela em Maddie, que desfilava, maravilhosa, pelo salão ao lado de sua

mãe.

A orquestra começou uma valsa. Em seus sonhos, Quinlan se via

dançando com Maddie. Mas, em vez dele, era Rafael que a estava tirando

para dançar.

— Seu irmão não perde uma oportunidade de ficar ao lado de Maddie,

não é? — Eloise apontou. — Dança comigo, meu amor?

— É claro.

Eles dançaram a valsa. Em seguida, Quinlan dançou uma quadrilha com

sua mãe. Após uma seleção inteira, finalmente outra valsa.

— Esta é minha, eu espero — Quinlan murmurou, chegando por trás de

Maddie.

Ela levou um susto e se virou.

— É claro, milorde. — As maçãs de seu rosto coraram, e os olhos

brilhavam enquanto ele a conduzia à pista de dança.

— Parabéns — Quinlan disse, sorrindo. — Você é um sucesso.

— Como poderia ser diferente com a duquesa de Highbarrow ao meu

lado? — Maddie sorriu. — Rafael disse que quando Sua Alteza decide

fazer algo, ninguém a faz mudar de idéia.

— Você tem visto muito Rafe ultimamente, não tem? — ele perguntou,

sem conseguir esconder o ciúme.

O sorriso de Maddie esvaeceu.

— Eu vejo quem vem me visitar. Você tem estado ocupado com outros

assuntos. — Maddie olhou na direção de Eloise.

— Sim, eu tenho, graças a você.

Page 141: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Eloise não é minha culpa. Você é que sai pedindo todo o mundo em

casamento.

— Eu não faço isso!

Maddie o encarou.

— Não vou condená-lo por estar fazendo a coisa certa, Quin.

— Casar com Eloise não é a coisa certa. E foi exatamente por isso que

eu a mantive ocupada durante os últimos dez dias.

A expressão desconfiada de Maddie despertou nele uma imensa vontade

de rir.

— O que você quer dizer com "eu a mantive ocupada"? Ela é sua noiva.

— Recentemente, descobri que não gostava mais da idéia de me casar

com Eloise — Quinlan declarou com suavidade, abraçando-a com tanta

força como se eles não estivessem onde estavam. — E concluí que

enquanto ela estivesse ocupada com os preparativos do casamento, não

teria tempo para armar nada contra você.

— Tão cavalheiro!

— Acho que sim.

— E o seu cavalheirismo se estenderá até o altar da abadia de

Westminster, em duas semanas?

Agora, a voz de Maddie denunciava o ciúme.

— Não vou me casar com Eloise — ele sussurrou. — Eu amo você.

Maddie tropeçou no pé dele, e com um sorriso Quinlan a puxou contra o

seu peito para que ela pudesse retomar o passo.

— Você está bem? — ele perguntou, sentindo-se muito mais confiante

do que estava momentos antes.

— O que... você disse? — O rosto de Maddie estava branco feito cera.

— Eu disse que amo você. Isso é tão surpreendente assim?

— Bem... sim... Quin. Você não pode me amar. Você está noivo de

Eloise.

— Somente até amanhã. Depois deste baile, ela não poderá mais atingir

você, e então poderei romper esse noivado ridículo.

Maddie sorriu, seus olhos brilhavam.

— Não posso acreditar.

— Mas é a pura verdade. E começo a pensar que é impossível não amar

você.

— A sua opinião não é geral. — Ela respirou fundo. — Você não

deveria ter me dito isso, Quin. Amanhã colocará a cabeça no lugar e tudo

voltará a ser como antes.

— Fique comigo esta noite, Maddie — ele murmurou. — Amanhã será

outro dia.

— Mas Eloise...

— Eu não quero Eloise. Quero você.

Page 142: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Isso não é nada honrado — ela disse num vacilo. Quinlan notou o

desejo na voz de Maddie, e era tudo de que precisava.

— Por favor, Maddie, eu quero você.

— E onde o senhor acha que poderemos fazer isso, lorde marquês? Nós

vamos nos trancar em uma biblioteca? Oh, meu querido, nós já fizemos

isso!

Ele riu.

— Na verdade, foi na sala de estar. Quando esta música terminar, você

me segue.

Assim que a valsa acabou, Quinlan saiu, com Maddie logo atrás. Pouco

depois, os dois estavam na penumbra da sacada e ele tentava beijá-la,

porém Maddie o empurrou.

— O que foi agora? — Quinlan perguntou.

— Foi exatamente assim que o canalha do Spencer agiu. Não quero ser

apanhada aos beijos numa situação suspeita. Não depois da noite de hoje,

quando finalmente limpei meu nome.

— Você está muito assustada, meu amor. Ninguém vai nos apanhar

aqui.

Insegura, Maddie olhou ao redor e, por fim, acabou cedendo ao desejo

que a consumia. E Quinlan correspondeu a todas as expectativas dela com

um beijo mais que ardente.

— Oh, Quin, isso é bom... — Maddie relaxou nos braços dele. Uma

chama ardia dentro de Quin.

— Precisamos fazer algo, pois estou me sentindo desconfortável.

— Mas aqui?

Ele foi até a balaustra e olhou para o jardim que se estendia abaixo. A

treliça de uma trepadeira subia ao longo da parede.

— Já sei. — Ele apontou para uma janelinha escura logo acima de onde

estava. — O sótão.

— Você está louco, Quin! No sótão do Almack?

— Eu subo primeiro.

— Não vou subir com este vestido. Vai acabar rasgando.

Ele sorriu docemente.

— Acho que não será a primeira vez que rasgamos um vestido seu, meu

amor.

— Está bem, suba pela treliça, que eu irei logo atrás.

Quinlan subiu com facilidade. Por sorte a janela estava destrancada e ele

conseguiu entrar sem problema. Olhou para baixo e viu Maddie tentando

subir, apesar de estar enfrentando algumas dificuldades.

— Você tem medo de altura? — perguntou quando ela já tinha

conseguido entrar no cômodo escuro.

— Não acredito que estou fazendo isso — Maddie segurou com firmeza

na mão dele. — Acho que fiquei louca mesmo.

Page 143: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Quinlan fechou-lhe a boca com um beijo profundo. O sótão era um

depósito de móveis protegidos por lençóis. Quinlan descobriu uma mesa,

removeu o lençol empoeirado, ergueu Maddie pela cintura e a acomodou

em cima da peça de carvalho polido.

— Quin, não podemos fazer isso— ela disse tentando se esquivar das

carícias que ele fazia ao longo de seu pescoço.

— Eu quero ficar com você.

— Eu também, mas...

Quinlan se afastou apenas o suficiente para fitá-la nos olhos.

— Você não se casará com outra pessoa que não seja eu. E eu não me

casarei com Eloise.

— Não mesmo?

— Não mesmo. — Ele se inclinou para tocar no tornozelo de Maddie, e

então deslizou a mão ao longo da perna, levantando-lhe a saia. Em seguida,

abaixou-se para beijar a coxa exposta.

— Mas o que a sua família vai dizer, Quin?

— Contarei a eles amanhã. — Faminto, buscou-lhe a boca, e Maddie

gemeu quando ele tocou num local bem íntimo entre suas pernas.

— Mas, e...

— Chega de perguntas — Quinlan murmurou.

Seja lá o que fosse que ela pretendia perguntar, ficou ocupada demais

para se lembrar. Quinlan colocou as pernas de Maddie ao redor de seus

quadris.

Ela soltou a camisa dele da calça, e suas mãos puderam passear

livremente pelo corpo másculo, livrando em seguida uma parte que lhe

interessava muito. Quinlan gemeu e a penetrou lentamente, deliciando-se

com o calor do corpo feminino.

A cabeça de Maddie pendeu para trás e, com ambas as mãos, ela se

segurava em torno do pescoço dele. Quinlan agarrou-lhe as nádegas,

trazendo-a para mais perto. Ele desejava guardar em sua memória todos os

detalhes daquela noite maravilhosa: a lua que brilhava através da janela, o

som da orquestra ao longe, o perfume de Maddie e o brilho de seus olhos

quando os dois chegaram, juntos, ao clímax.

— Bem, acho que você me desonrou novamente — Maddie disse, ainda

ofegante.

— Parece que isso está virando rotina — ele concordou. — Eu amo

você, Maddie, desde o primeiro momento em que a vi.

— O que vamos fazer agora?

Quinlan sorriu.

— Vamos descer pela treliça. Em seguida, iremos para casa. Amanhã de

manhã falarei com meus pais, depois com Eloise, e então, com você. Você

é tudo que eu quero, Maddie, nada mais me importa.

Page 144: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Nem mesmo a sua família ou a sua honra ou seu título? E se seu pai

deserdar você?

Quinlan segurou-lhe as duas mãos e as colocou sobre o próprio peito.

— Vejo-a amanhã de manhã. Confie em mim.

A descida se revelou bem mais fácil e Maddie foi a primeira a entrar no

salão. Quinlan esperou alguns minutos e, em seguida, foi a vez dele.

Aparentemente, ninguém notara a falta dos dois. Até que Maddie sentiu

uma certa mão segurar seu braço com força.

— Por onde você andou? — lady Halverston perguntou rispidamente.

— Fui tomar um pouco de ar.

— Não deveria ter demorado tanto. Com a sua reputação, as pessoas

podiam pensar que você estivesse fazendo outras coisas.

Maddie livrou seu braço.

— Não se preocupe, mamãe. Eu não vou embaraçá-la novamente.

Ela se virou e viu Rafael. Ele estava esplêndido em seu uniforme de gala,

recostado contra a parede, segurando um cálice de vinho do Porto e

olhando-a diretamente. Depois de um bom tempo, ele se endireitou e foi até

o bar para apanhar um cálice para o irmão.

Maddie respirou fundo. Rafael sabia que algo havia acontecido entre

ela e Quinlan. E tudo que podia fazer agora era rezar para que ninguém

mais soubesse.

Page 145: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Capítulo IX

Quinlan levantou-se cedo na manhã seguinte e foi direto para a casa de

seu pai.

— O que você quer dizer com Sua Alteza saiu cedo? — ele perguntou

ao mordomo. — Enviei um bilhete para ele, ontem, marcando nosso

encontro.

O mordomo concordou.

— Eu mesmo entreguei o bilhete, milorde, e vi quando Sua Alteza leu.

— Ele disse para onde ia?

— Não, milorde.

Bem, por menos que Quinlan gostasse da idéia, só lhe restava sentar e

esperar pelo pai.

— A duquesa está?

— Também não, milorde. O marquês franziu o cenho.

— E quanto a Rafe?

— Saiu para cavalgar, milorde.

— Está bem, vou esperar na sala de estar.

— Milorde, lady Stokesley se encontra na sala de estar.

— Esperando por quem? Por meu pai?

— Foi isso que ela disse, milorde.

Quinlan caminhou pelo longo corredor e parou diante da porta

entreaberta da sala de estar. O certo seria falar primeiro com o pai antes de

acertar tudo com Eloise, mas a curiosidade de saber o que ela estava

fazendo ali, logo cedo, era muito maior do que o bom-senso.

Ele respirou fundo e abriu a porta.

— Eloise, bom dia! Não esperava encontrá-la tão cedo. Ela teve um

sobressalto e se levantou.

— Posso dizer o mesmo sobre você, Quin.

— Eu ia mesmo procurá-la — ele disse. — Mas você me poupou a

viagem.

— Estou curiosa, meu amor. Posso saber o motivo? Quinlan se sentou,

observando cuidadosamente a expressão de Eloise.

— Eloise, você acredita no amor?

Ela ergueu uma sobrancelha, desconfiada.

— Era sobre isso que você queria falar comigo? E claro que acredito.

— Ótimo. Eloise sorriu.

— Por que é ótimo?

— Porque isso significa que você irá entender por que estou

desmanchando o nosso noivado.

— O quê!? — Ela quase teve um colapso.

Page 146: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Eu não posso me casar com você — Quinlan explicou calmamente.

— O que você quer dizer com isso? Nós nos casaremos em duas

semanas. Os convites até já foram entregues.

— Eu sei. É muito deselegante de minha parte.

— Muito deselegante... E só isso que você tem a dizer? — Eloise se

levantou, furiosa.

— Bem, isso depende de você. — Quinlan estava prestes a colocar para

fora toda a raiva que guardara havia semanas. — Se você se for agora, tudo

terminará assim. Mas, se ficar, eu poderei me explicar melhor.

Ela se sentou.

— É Madeleine Willits que está por trás disso, não é?

— Posso lhe garantir que não. O fato é que descobri...

— Foi seu maldito irmão, então! — Eloise o interrompeu, furiosa. —

Vou matar aquele desgraçado!

Quinlan ficou muito surpreso com a inusitada reação dela.

— Por que Rafael iria se intrometer no nosso noivado, Eloise?

— Se não foi ele, o que você descobriu, então?

— A verdade, Eloise, é que percebi que você é falsa e mentirosa, e eu

não quero passar o resto da minha vida ao lado de uma pessoa que não me

inspira confiança.

O rosto de Eloise ficou pálido.

— Como você ousa falar comigo desta maneira, Quinlan? O marquês se

levantou.

— O jogo acabou, Eloise. Cansei de ser manipulado pela minha família,

e, de agora em diante, farei apenas o que o meu coração mandar.

— Meu Deus, Quin! Não posso acreditar! Você já contou para seu pai?

— Ainda não. Mas o farei assim que ele voltar.

Ela respirou, aliviada, e se sentou novamente.

— Bem, assim é melhor. Nem tudo está perdido. — Eloise olhou para a

janela e depois para Quinlan. — Escute, Quin, eu gosto de você e entendo a

sua atração por aquela mulher. Sugiro que a torne sua amante, case comigo

e cumpra com o seu dever de filho. Eu não me importo, desde que seja

discreto.

— Sugiro que você nunca mais fale nesse tom a respeito de Maddie,

Eloise. Agora, saia daqui, antes que eu a jogue na rua.

Com dignidade e mãos trêmulas, lady Stokesley rumou para a porta de

saída. No vestíbulo, ela ainda teve tempo de escrever um bilhete e pediu

que um lacaio o entregasse imediatamente na casa do sr. Dunfrey.

Quinze minutos depois, sua carruagem passava pelo quase de-serto Hyde

Park; alguém fez sinal para que parasse. Quando a porta se abriu, Eloise

deparou com Rafael.

— Bom dia, prima! — ele a saudou com um sorriso e entrou na

carruagem.

Page 147: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Saia daqui! — Eloise gritou.

Rafael se sentou ao lado dela, deixando-a totalmente acuada.

— Para quem era o bilhete? — ele perguntou, o ódio reluzindo em seus

olhos verdes.

Rafael estava chegando em casa quando tinha visto a prima entregar o

bilhete ao lacaio e, em seguida, entrar em sua carruagem. Seu instinto lhe

sugerira que havia algo de estranho na atitude dela. Sem perder tempo, ele

montara em Aristóteles e saíra atrás de Eloise, antes que ela pudesse

cometer mais uma de suas maldades.

— Não sei do que está falando, Rafe. Agora saia daqui, ou vou contar a

Quinlan o que você fez.

— Eu vi você entregando o bilhete. — Ele segurou no braço da prima.

— Guardei segredo até hoje, Eloise, por meu irmão. Mas ele não a quer

mais, não é? Portanto, no momento em que eu quiser, posso contar a

Quinlan sobre a nossa rápida aventura.

— Não sei do que você está falando.

— Aquela, seis anos atrás, quando eu mencionei que a tinha visto com

Patrick Oatley. Então, para me manter calado, você fez o mesmo comigo.

Você é boa de cama, Eloise. Deve ser muito experiente.

Ela tentou se esquivar.

— Eu nunca quis você, seu porco! Rafael sorriu.

— Mentirosa! — Torceu o braço de Eloise. — Agora diga logo o que

estava escrito no bilhete e para quem era.

— Você está me machucando!

— Vamos, diga logo, ou vou jogá-la sem roupa no meio do parque.

Eloise sabia que ele teria coragem de cumprir a ameaça. Mas, àquela

altura, Dunfrey já devia ter lido o bilhete e Rafael não teria tempo para

fazer nada.

— Enviei o bilhete para Charles Dunfrey!

- O que estava escrito? — Ele rasgou uma das mangas d-vestido dela.

— Está bem. Ofereci cinco mil libras para Dunfrey sumir com Maddie

Willits!

— Sua bruxa vagabunda!

Rafael desceu apressado e seguiu para a residência dos Willits.

Maddie ainda não tinha terminado de tomar o café quando o mordomo

anunciou que o duque de Highbarrow a estava aguar-dando na sala de estar.

Ela respirou fundo e decidiu encarar a situação de frente.

— Ordinária! — o duque resmungou, dando início à conversa, quando

Maddie entrou na sala.

— Bom dia, Vossa Alteza — ela respondeu educadamente.

— Quanto você quer para sumir de Londres? — ele perguntou, parado

ao lado da janela e encarando-a.

Page 148: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Na ausência de uma resposta, o duque explicitou os termos de sua oferta.

— Que tal dez mil libras? Isso é suficiente para você se afastar de meu

filho?

Dez mil libras significariam a independência de Maddie pelo resto de sua

vida, e em alto estilo.

— Oferta recusada, Vossa Alteza. Agora, se o senhor fizer o favor de se

retirar...

— Garota insolente! — Ele jogou um exemplar do London Times em

cima da mesa.

Maddie olhou para o jornal e, à medida que lia, todo o sangue de seu

corpo parecia confluir para o rosto. Uma grande manchete anunciava o

casamento do marquês de Warefield com lady Stokesley. No texto da

matéria, constavam os nomes dos pais do noivo e da noiva, o dia, a hora e o

local da cerimónia. Entorpecida, ela percebeu que o duque havia

conseguido assegurar a abadia de Westminster.

— Isso é o futuro do meu filho, sua mulherzinha insignificante! Você

nunca estará à altura de Quinlan!

O duque a encarava, e tudo que Maddie conseguia fazer era continuar

olhando para a página do jornal e pensar que perdera Quinlan para sempre.

Sua Alteza estava certo. Quinlan pertencia a outra pessoa, e se ele tentasse

mudar isso agora, o escândalo seria três vezes maior do que o dela, cinco

anos antes. Lentamente, tremendo, Maddie sentou-se no sofá.

— Ouça, mocinha. Tudo que precisa fazer é ir até a minha casa e

mandar me chamar pela porta dos fundos. Se você estiver com as malas na

mão, eu lhe darei o dinheiro. Minha oferta é só até o pôr-do-sol. Depois

disso, você não receberá nada. Fui claro?

Maddie não respondeu, e o duque foi embora mesmo assim, deixando-a

sozinha na sala com o jornal. Realmente havia acreditado em Quinlan

quando ele dissera que a amava e que iria se casar com ela.

Maddie subiu para o seu quarto e preparou uma pequena valise. Antes de

sair, escreveu um bilhete para quem se interessasse em ler.

Em seguida, desceu a escada, antes que os outros membros de sua família

despertassem. Mas, ao colocar os pés na rua, a primeira pessoa que ela

encontrou foi Charles Dunfrey, dentro de sua carruagem.

O veículo parou ao lado de Maddie, e Charles abriu a porta.

— Maddie? Eu vim lhe fazer uma visita.

— Desculpe, Charles, mas estou com pressa.

— Aconteceu algo?

— E uma longa história. Preciso fazer uma viagem de última hora.

— Eu posso lhe dar uma carona.

Maddie olhou ao redor na rua. As pessoas começavam a sair de suas

casas, e a qualquer momento seus pais leriam o bilhete e viriam atrás dela.

— Você poderia me levar para a estação de trens?

Page 149: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Farei mais do que isso — Charles desceu e a ajudou a subir na

carruagem. — Para onde quer ir?

Ofegante, ela se sentou.

— Para qualquer lugar. Para Dover.

Charles Dunfrey e fez um sinal para que o cocheiro tocasse.

— Eu já estava indo atrás do senhor — Quinlan disse ao se encontrar

com o pai, que acabava de entrar no vestíbulo.

O duque olhou-o de relance, então seguiu em frente.

— O que você quer?

— Enviei um bilhete ao senhor ontem, lembra?

— Tive de cuidar de um assunto. — Quinlan seguiu o pai até a

biblioteca.

— O senhor poderia falar comigo agora?

— Na verdade, não.

O marquês entrou mesmo assim na biblioteca, fechou a porta e se

encostou nela.

— Só levarei um minuto.

Sua Alteza se virou para encarar o filho.

— Pensa que não eu sei que tipo de bobagem você está planejando?

— Não considero isso uma bobagem — Quinlan respondeu em sua

defesa, e ainda tentando manter um tom razoável.

— Quinlan Ulysses Bancroft — seu pai disse, numa voz

inesperadamente calma. — Você será o décimo segundo duque de

Highbarrow. São doze gerações de tradição, Quinlan. Pensa que nenhum de

seus ancestrais nunca se envolveu com uma pessoa inadequada?

— Não dou a mínima importância para isso, pai — Quinlan foi direto.

— Eu amo Maddie Willits. E vou desposá-la, se ela me aceitar.

— E você sabe o que significaria isso? Uma tremenda vergonha para

toda a família. Dei minha palavra ao conde de Stafford. Quinlan cruzou os

braços.

— Eu não dei a minha. — O marquês concluiu que não adiantaria

continuar discutindo com o pai. Sua decisão já estava tomada e isso era o

suficiente para ele. — Eu só queria lhe informar que vou me casar com a

mulher que amo.

— Só se essa mulher for Eloise Stokesley.

Quinlan, que já estava abrindo a porta, parou e se virou.

— O que o senhor quer dizer com isso?

— Já tomei as minhas providências.

De repente, a calma do duque começou a fazer sentido, e Quinlan ficou

muito alarmado.

— Onde, exatamente, o senhor esteve esta manhã?

Page 150: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Estive cuidando dos interesses da nossa família. — O duque se

sentou atrás de sua escrivaninha e puxou alguns papéis, indicando que a

conversa tinha terminado.

Quinlan o encarava.

— Se o senhor fez algo, qualquer coisa, para ferir Maddie, eu...

— Você o quê, Quinlan? — o duque perguntou, sem se dar ao trabalho

de erguer os olhos do papel que estava lendo.

O marquês, porém, não se encontrava mais ali para responder, e Sua

Alteza teve certeza de que o filho tinha ido atrás daquela mulher. Mas ele

estava certo de que Madeleine Willits não resistiria à sua oferta irrecusável.

Dez mil libras pagariam pelo seu sossego.

Quando Quinlan irrompeu na sala de estar dos Willits, Claire estava

sentada, ainda de camisola e chorando, e não havia nenhum sinal de

Maddie. Halverston encontrava-se no sofá, um jornal nas mãos.

— Ela estragou tudo — Claire disse, soluçando.—Não é justo, papai!

O visconde se levantou assim que percebeu a presença de Quin.

— Quieta, Claire. Bom dia, milorde. E parabéns. Quinlan franziu o

cenho.

— Parabéns por quê?

O pai de Maddie entregou-lhe o London Times.

— Por isso, é claro. Apesar de que, na verdade, todos já esperassem.

Quinlan apanhou o jornal e deu uma rápida olhada; então, descobriu que

seu pai tinha se prevenindo de quaisquer embaraços e discussões

simplesmente colocando o anúncio no jornal um dia antes do combinado. E

é claro que Maddie já vira aquilo.

— Onde está Maddie? — Quinlan indagou, rasgando o jornal ao meio e

jogando-o no chão.

— Eu... tenho algumas perguntas para o senhor, milorde. — O visconde

mostrou um papelzinho.

Quinlan olhou para o bilhete, onde estava escrito simplesmente: Não

venham atrás de mim.

— O que está acontecendo?

— Eu gostaria de saber, milorde. O dia de hoje está muito estranho.

Primeiro, o duque esteve aqui à procura de minha filha; depois, seu irmão;

e agora, não estamos encontrando Maddie, e quem sabe para onde...

— Meu irmão esteve aqui?

— Foi rápido — o visconde esclareceu. — E se o senhor me perdoar a

franqueza, ele não foi muito educado. Chegou pergun-tando sobre o

paradeiro de minha filha e então se foi sem se despedir.

— E agora o senhor não consegue encontrar Maddie — disse Quinlan

lentamente, enquanto uma ira intensa ia se formando dentro dele.

Page 151: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Bem, Maddie já havia saído antes da chegada de seu irmão, milorde.

E tenho quase certeza de que a vi, da janela do meu quarto, entrando em

uma carruagem — Claire disse, enxugando os olhos.

— Não tem nenhuma idéia de aonde eles foram?

— Ele disse algo sobre Gretna Green — ela murmurou.

— Gretna Green... — Quinlan repetiu. A mensagem de seu irmão foi

clara: tinha fugido com Aristóteles e Maddie. Obviamente, ele não

pretendia voltar. Rafael iria se casar com Maddie em Gretna Green!

Maddie olhava através da janela da carruagem decadente de Charles

Dunfrey. Campos verdes, árvores e uma casa aqui e outra ali marcavam a

paisagem. Eles finalmente estavam fora de Londres, e ela tentava relaxar

um pouco.

Em sua mente, a idéia desesperadora de que nunca mais voltaria a ver

Quinlan. Agora ele estaria livre para cumprir seu dever e se casar com

Eloise Stokesley; eles poderiam ter filhos, e Maddie, vez ou outra, acabaria

lendo algo a respeito de Quinlan em algum jornal. Isso seria tudo.

A dor despertada pelo anúncio mostrado pelo duque naquela manhã

continuava cavando um buraco negro tão profundo que Maddie sabia que

nunca mais seria capaz de sorrir. Quinlan poderia acusá-la de ser covarde, o

que, provavelmente, era verdade. Mas, acima de tudo, Maddie esperava que

o marquês percebesse que ela agira por amor a ele: um amor tão verdadeiro

e profundo que deixaria Eloise desposá-lo. Ao mesmo tempo, porém, ela

não suportaria ver os dois juntos. Nunca. Deixar Londres não foi uma

opção, e sim uma necessidade.

— Nós já não deveríamos estar vendo o mar? — Maddie perguntou a

Charles.

Ele permanecera calado durante as duas horas de viagem.

— Logo o veremos.

— Foi muita gentileza sua me trazer, Charles — ela continuou,

esperando que a conversa pudesse ajudá-la a desviar seus pensamentos de

Quinlan. — Tenho certeza de que você tinha outros planos para o dia de

hoje.

— Foi um prazer para mim poder ajudá-la, Maddie. Se importa se seu

lhe perguntar o que aconteceu? Afinal, você está trazendo uma mala.

— Minha tia ficou doente — ela inventou uma desculpa de improviso.

— Na Espanha. Preciso ir ficar com ela.

— É irmã de seu pai?

— Não. E irmã da minha mãe.

O sol surgiu por detrás de uma nuvem; Maddie olhou através da janela

novamente e franziu o cenho.

Page 152: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Seu coração disparou e ela respirou fundo, tentando se acalmar antes que

Charles percebesse sua comoção. Até onde podia perceber, a oferta de

ajuda de Charles era sincera.

— Não é estranho? — Maddie disse da maneira mais casual que pôde.

— Pensei que o sol estaria de frente para nós, e não de lado.

Charles concordou, bocejando.

— Nós estamos indo um pouco para o Norte, agora. Em breve

seguiremos para o Leste.

— É claro — eia concordou, apesar das suspeitas que começavam a

despontar. — Mas Dover não fica mais ao sul de Londres?

Charles riu.

— Maddie, nunca duvidei da sua inteligência e astúcia. Lembro-me, no

entanto, de nunca permitir que você lesse um mapa para mim.

Ela deu um leve sorriso.

— Na verdade, cartografia é quase um passatempo para mim. A

expressão dele mudou.

— E mesmo?

— Sim, e...

— Pare! — Uma voz vinda de fora da carruagem ordenou,

interrompendo a conversa dos dois.

— É Rafael. — De repente, Maddie ficou feliz por sua fuga não haver

passado tão despercebida quanto ela esperava.

— Eu disse para parar, cocheiro! — A ordem veio de mais perto.

Confusa, Maddie olhou para Charles.

— Por que será que Rafael Bancroft está nos seguindo?

Dunfrey bateu com a bengala no teto da carruagem.

— Não faço a menor idéia. Não pare, Randolph! Estamos com pressa!

O cocheiro aumentou a velocidade no mesmo instante, a carruagem

balançando precariamente na estrada.

— Não vou pedir de novo! Pare já!

— Sr. Dunfrey? — O tom de voz do cocheiro era nervoso. — Senhor,

ele tem uma pistola!

— Uma pistola? — Maddie repetiu, assustada. — Pare a carruagem.

Algo estranho está acontecendo.

— Pensei que você estivesse com pressa de ver sua tia — Charles

comentou. — Pode seguir, Randolph.

— Pare a carruagem, por favor, Charles — ela insistiu. Apavorada e

com medo, a idéia de se atirar da carruagem em movimento já não lhe

parecia tão absurda.

Charles olhou para Maddie, claramente aborrecido, mas era quase

impossível decifrar o que se passava na mente dele.

— Está bem. Pare, Randolph!

Page 153: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

O cocheiro freou no mesmo instante, e Maddie quase foi parar no chão.

Ela pôs a cabeça para fora da janela.

Charles puxou o cabo da bengala, expondo um florete muito afiado.

— Vá devagar, Maddie. Fale para ele se aproximar — Charles disse,

encostando a ponta do florete no pescoço dela.

Dividida entre o ódio e a fúria, Maddie cerrou os punhos e se afastou o

mais que pôde no assento. A lâmina a acompanhou.

— Rafe? Venha aqui, por favor. — Ela não teve outra opção senão

obedecer às ordens de Charles Dunfrey.

A porta se abriu, e logo após a visão de uma pistola ameaçadora veio

junto com o rosto transtornado de Rafael.

— Maddie, saia daí — Rafael disse, e então xingou quando viu o

florete. — Abaixe isso, Dunfrey!

— Acho que essa fala é minha — Dunfrey respondeu. — Vire a arma

lentamente e entregue-a para mim. Randolph, ele está so-zinho?

— Sim, sr. Dunfrey.

— Você está bem, Maddie? — Rafael perguntou, a pistola e o olhos

ainda voltados para Charles.

— Sim... por enquanto. O que está fazendo aqui?

— Vim avisá-la de que você foi raptada. Dunfrey suspirou, calmo

demais.

— Foi a querida lady Stokesley quem entregou tudo, não foi?

— Sim — Rafael respondeu bruscamente.

— Bem, agora você também está sendo raptado, Bancroft. Entregue

logo essa pistola e sente-se aqui ao lado da sua querida amiga.

Ainda encarando Dunfrey, Rafael se afastou um pouco e soltou um

assovio agudo.

— Que diabo foi isso? — Dunfrey gritou. Rafael continuou com o

mesmo olhar frio.

— Só estou me comunicando com o meu cavalo.

— Bem, então pare com isso e entre logo aqui. Devagar. Rafael virou a

arma e a estendeu com a coronha virada para

Charles.

— Cuidado — ele disse, sentando-se ao lado de Maddie. — Está

carregada.

— Eu esperava que sim. — Charles sorriu. — Randolph, pode tocar!

A carruagem começou a se mover. Maddie olhou para Rafael, mas sua

atenção continuava voltada para Charles.

— Como você sabia onde eu estava? — ela perguntou.

— Convenci Eloise a me contar — Rafael murmurou, sorrindo para

Dunfrey. — Ela pode ser muito gentil quando corretamente incentivada...

— O que Eloise tem a ver com isso?

Page 154: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Desde o começo, ela tem trabalhado para manter você afas-tada de

Quin. Acho que...

— Basta! — Charles o interrompeu. — Bancroft, você já com-plicou as

coisas mais do que deveria. Se continuar assim, vai correr o risco de

desaparecer inexplicavelmente.

— Ninguém vai desaparecer, Dunfrey. Com exceção de você, que irá

passar alguns anos na prisão.

— Charles — Maddie interveio, tentando amenizar os ânimos antes que

algo pior acontecesse —, por que está fazendo isso? Você não tem nada a

ganhar.

— Que tal cinco mil libras, minha querida? — Rafael cruzou os braços

sobre o peito e fechou os olhos.

Maddie desejou estar tão calma quando ele.

— Mas eu não tenho cinco mil libras.

— Eloise tem — Rafael disse. Charles sorriu.

— Na verdade, posso ganhar muito mais. Lorde Halverston vai me

oferecer pelo menos mais cinco mil para que você tenha um casamento

respeitável, Maddie.

De repente, as coisas começavam a fazer sentido.

— Então, só queria se casar comigo por dinheiro, Charles? Você nunca

me amou realmente.

— E assim que as coisas funcionam, Maddie. E seja grata por isso. Se

não fosse pelo dinheiro de seu pai, eu poderia acabar com você e Rafael

Bancroft neste momento. Mas agora só tenho uma pessoa para eliminar.

— Eu não contaria com isso — Rafael murmurou, tão baixinho que

apenas Maddie ouviu.

Ela virou o rosto para que Charles não pudesse ver em seus olhos a

tristeza e a decepção de que ele mais uma vez era o causador.

Quando lady Highbarrow voltou para casa, um bilhete de Quinlan e um

bule de chá quentinho a esperavam na sala de estar. Após servir-se de uma

xícara, desdobrou o bilhete. E se levantou tão rapidamente que derrubou a

bandeja com tudo que havia nela.

— Lewis!

O duque apareceu momento depois, assustado com os gritos da esposa,

sempre tão contida em suas reações.

— O que foi, Vitória?

— O que você fez? — ela inquiriu, encarando-o; o bilhete amassado em

uma mão.

O duque assumiu sua costumeira expressão de inabalável tei-mosia.

— Acertei as coisas.

— Ah, é mesmo? Então me conte como foi que fez isso. Lady

Highbarrow desdobrou o bilhete e o leu em voz alta para

Page 155: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

o marido.

Rafael e Maddie encontram-se a caminho de Gretna Green. Eu estou indo

atrás.

A duquesa ergueu os olhos do papel e encarou o marido.

— Então, eu lhe pergunto de novo, Lewis: o que você fez?

— São dois idiotas! — o duque explodiu. — Seremos motivo de riso em

toda a Londres. Dois Bancroft disputando a mesma desqualificada!

— O que me preocupa, senhor meu marido — Vitória disse, em seu tom

calmo de voz —, é o que acontecerá quando Quinlan os alcançar. Eles irão

se matar.

O duque de Highbarrow a encarou por um momento e a cor de seu rosto

foi esvaecendo lentamente.

— Meu Deus! — ele gritou. — Nossos filhos são mesmo dois idiotas!

Se Maddie tinha partido de carruagem, e Rafael com Aristóteles, então,

logicamente, eles pretendiam se encontrar em algum ponto ao longo do

caminho. Se Quinlan tivesse raciocinado com mais calma, poderia ter

perguntado a Claire se a carruagem possuía alguma marca que a

identificasse, mas ele não conseguira fazer nada além de sair disparado pela

estrada em direção ao Norte, xingando o irmão em mais de doze línguas.

Era muito mais fácil acreditar que Rafael estava lhe roubando Maddie do

que admitir que ela o abandonara.

Quinlan havia sempre se orgulhado de ser razoável e justo em seus

negócios, de saber controlar suas emoções e de honrar as responsabilidades

que o título lhe impunha. Mas enquanto seguia pela estrada movimentada,

esquivando-se das carroças de feno e de rebanhos de ovelhas e diminuindo

o passo a cada carruagem que passava ao seu lado, ele já não se preocupava

mais com seu título ou com as conseqüências que seus atos poderiam

acarretar. Rafael tinha levado Maddie, e Rafael teria de devolvê-la.

Já passava do meio-dia quando Quinlan deparou com a primeira pista. Ao

lado da estrada, um grupo de meninos cercava um cavalo e tentava, sem

sucesso, segurar as rédeas. Quinlan olhou para o animal com mais atenção,

e então parou de repente.

— Aristóteles — ele chamou, e foi prontamente atendido. Quinlan

desceu de seu cavalo para ir ao encontro do belo e fiel animal que trazia

uma mensagem para ele.

— Rafe não deixaria você para trás, eu sei — Quinlan disse para

Aristóteles, sua mente vagando em diferentes direções. — Ele mandou

você ficar aqui, não foi? Mas por que faria isso?

— Ei, milorde, o cavalo é do senhor? — um dos garotos perguntou.

— É de meu irmão. Vocês o viram?

— O cavalo já está aqui há mais de uma hora. Não vimos ninguém.

Page 156: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Aquilo não fazia muito sentido. Rafael não abandonaria Aristóteles no

meio da estrada. Algo não se encaixava naquela história.

Quinlan amarrou as rédeas de Aristóteles na parte de trás de sua sela e

seguiu para o Norte.

— Você vai matar seus cavalos se continuar correndo assim, Dunfrey —

Rafael falou calmamente.

— Cale-se, Bancroft! Não pedi a sua opinião — Charles respondeu.

O humor de Rafael estava se deteriorando cada vez mais ao longo da

tarde, e, para descarregar sua ira, ele resolvera atormentar Dunfrey. Maddie

desejava que Rafael maneirasse um pouquinho, pois seu humor também já

não era dos melhores, depois de tanto tempo sentada na mesma posição e

sob a mira de uma pistola.

— Se você vai me matar — Rafael começou outra vez —, poderia ao

menos dizer para onde estamos indo.

— Rafe — Maddie murmurou, olhando de lado —, fique calado por um

momento.

— Não, ele tem todo o direito de saber, querida — Charles declarou. —

Estamos indo para Gretna Green, para que eu e Maddie possamos nos

casar.

Ela o encarou assombrada.

— Não vou me casar com você, Charles, nem na Escócia ou em

qualquer outro lugar. Portanto pode parar a carruagem agora mesmo e...

— Maddie, Maddie, Maddie... Por favor, entenda. Recebi cinco mil

libras para sumir com você de Londres. E receberei mais cinco mil depois

que você for minha. Mas se acha a idéia tão desprezível, posso aceitar

apenas a primeira oferta e enterrá-la no mesmo buraco em que vou jogar

Rafael Bancroft.

— Rapto é uma coisa — Maddie disse, tentando manter a calma. —

Assassinato é outra muito diferente. Espero que você perceba a gravidade

do que está fazendo, Charles.

— Obrigado pela sua aula de sabedoria, mas me dê algum crédito,

querida. — Charles moveu a ponta da cortina. — Randolph! Vamos pela

estrada do Leste, por favor.

Dunfrey apontou de novo a pistola para Maddie. Ela supôs que aquilo era

para desencorajar Rafael a tentar algo.

— Quando você disse "não" ao meu pedido, Maddie, eu pensei neste

plano alternativo. É claro que não esperava que você fosse sair de casa de

mala para entrar na minha carruagem, mas tem de admitir que facilitou e

muito as coisas para mim.

Page 157: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

A carruagem chacoalhou quando a estrada se tornou mais esburacada.

Meia hora depois o veículo parou e a porta se abriu. Dunfrey gesticulou

com a pistola, indicando a saída.

— Siga o meu cocheiro, Bancroft. Maddie, você segue logo atrás dele.

Rafael desceu e Maddie o seguiu. Sua saia enroscou-se no degrau da

carruagem e ela quase caiu sem receber nenhum tipo de ajuda ou gentileza

de seu futuro marido. O sol já se escondia por detrás das copas das árvores,

e em ambas as direções a estrada enlameada estava deserta. Logo à frente

havia uma pequena estalagem, uma única lanterna iluminando a fachada

simples.

Parecia que a estalagem estava à disposição apenas deles. O cocheiro os

conduziu para dentro do prédio vazio, onde pelo menos o fogo ardia na

lareira, o que indicava algum sinal de vida.

Logo em seguida, um homem saiu da cozinha carregando uma bandeja

com frutas, e não parecia nada amigável. Maddie ficou pálida quando

percebeu que o sujeito lhe era familiar.

— Sente-se naquela cadeira, Maddie — Charles, que vinha logo atrás,

ordenou num tom sombrio.

Ela obedeceu, mas seus olhos não se desviavam do homem alto que

colocava a bandeja sobre a mesa. Ele olhou para Maddie e sorriu.

— Boa noite, Maddie. Não nos vemos há um bom tempo. Você está

mais bonita que nunca.

— Como vai, Spencer? Acho que você ainda se lembra dele, não é

mesmo, Maddie? — Charles disse num tom mais amigável e se sentou à

mesa. — Este, infelizmente é Rafael Bancroft, Spencer. Mas não se

preocupe. Nós vamos matá-lo antes de seguir viagem.

Benjamim Spencer olhou para Rafael com um sorriso sombrio.

— Rafael Bancroft, o filho do duque de Highbarrow?

— Prazer em conhecê-lo — Rafael disse e estendeu a mão. — Você

deve ser Benjamim Spencer, o idiota que arruinou a vida de Maddie.

— Sente-se aí! — Spencer ordenou, apanhando um rolo de corda que

estava sobre um banco. — Não tenho nenhuma objeção em matar ninguém,

Dunfrey, mas você acha que cinco mil libras valem o risco de matar um

Bancroft?

Charles olhou para Spencer.

— Receberemos o dobro agora.

Rafael sorriu. Dunfrey não gostou da brincadeira e se levantou para

responder com uma coronhada. Rafael cambaleou na cadeira.

— Eu o mataria por nada, Bancroft.

Maddie olhava para seu ex-noivo e para o sujeito que havia arruinado sua

vida. Diante daqueles dois homens, as coisas finalmente começavam a

fazer sentido e ela se dava conta de que fora vítima de um plano sórdido.

Page 158: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Por que a cara feia, Maddie? — Charles debochou, enquanto

Randolph e Spencer amarravam Rafael à cadeira.

— Você nunca gostou de mim, não é? Tudo que sempre quis foi o meu

dinheiro.

— Por que eu iria querer me casar com você agora, Maddie? Depois de

tudo que aconteceu no passado? — Dunfrey perguntou, finalmente

colocando a pistola em um de seus bolsos. — Apesar de ser obrigado a

admitir que se eu soubesse que você ficaria ainda mais bonita, talvez não

tivesse contido o impulso de alguns amigos meus.

— É um pouco tarde para me fazer elogios, seu monstro.

Spencer veio por detrás dela com outro pedaço de corda, e Maddie ficou

tensa novamente. Cerrando os punhos, ela se levantou de repente e acertou

um soco no queixo de Charles Dunfrey com toda a força de que dispunha.

Sem esperar pelo ataque, Dunfrey cambaleou para trás e perdeu o

equilíbrio, segurando-se na beirada da mesa. Tentando tomar proveito do

descuido, Maddie o atacou, e ambos rolaram pelo chão.

Apesar de sua coragem e esforço para tentar apanhar a pistola, Maddie

foi vencida pela força masculina e, quando menos esperava, estava

imobilizada, com Dunfrey sentado sobre seu corpo, segurando-lhe as mãos.

— Isto me dá uma idéia, minha querida — ele falou, o sangue

escorrendo do canto de sua boca. Em seguida, inclinou-se e co-meçou a

beijar o pescoço de Maddie.

— Dunfrey! — Rafael gritou, tentando se livrar da corda. O cocheiro o

amordaçou.

— Eu avisei para não me provocar, Maddie — Charles continuou,

deitando-se em cima de Maddie e beijando-a novamente.

A situação era nojenta e asquerosa.

— Saia de cima de mim! — ela ordenou com firmeza. Spencer se

ajoelhou ao lado da cabeça de Maddie e a segurou com firmeza, sorrindo.

— Compartilhar sempre foi o meu lema — ele disse, erguendo as mãos

dela para cima.

O último resquício de ódio de Maddie se transformou em puro medo de

Charles, que, agora com as mãos livres, rasgava-lhe o vestido.

— O futuro marido primeiro, Spencer — ele disse, lambendo o pescoço

de Maddie.

De repente, a porta da frente se abriu com um estrondo.

— Então serei eu! — Quinlan declarou, pálido e desalinhado.

— Quin! — Maddie gritou entre lágrimas.

O marquês foi para cima de Dunfrey, e, aproveitando-se da confusão

estabelecida, Maddie conseguiu soltar as mãos; segurou os tornozelos de

Spencer quando ele tentava fugir, derrubando-o no chão. Dunfrey, enquanto

isso, saía de cima dela para se proteger da investida de Quin.

Page 159: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Assustado, o cocheiro resolveu fugir em vez de tentar ajudar seu patrão, e

saiu correndo pela porta dos fundos.

Spencer conseguiu se esquivar de Maddie e já estava de pé e partindo

para cima de Quinlan, que nesse momento levava vantagem sobre Charles.

Percebendo que não poderia ajudar muito contra os dois homens, Maddie

correu para o lado de Rafael e o desamarrou. Logo depois, Rafael já estava

se atracando com Spencer, tornando a luta mais equilibrada. Pelo menos,

agora eram dois contra dois.

Quando, então, Maddie percebeu que Charles tinha conseguido alcançar

a pistola e a apontava para Quinlan, desesperada, não pensou duas vezes e

pulou nas costas dele, na ânsia de impedir que matasse o amor de sua vida.

Charles cambaleou com o peso dela, mas prontamente reagiu e acertou

uma cotovelada no rosto de Maddie, que acabou no chão, atordoada.

Ela fechou os olhos, pois o teto parecia girar acima de sua cabeça. Então,

alguém se ajoelhou ao seu lado e a ergueu nos braços.

— Maddie? — Quinlan chamou com a voz trêmula. — Você está me

ouvindo? Abra os olhos.

Ela olhou para aquele belo par de olhos cor de jade e respirou aliviada.

Quinlan a abraçou contra seu peito e ela se aninhou em torno do pescoço

dele, chorando.

— Quinlan — ela dizia repetidas vezes.

— Calma. — Ele lhe acariciava os cabelos. — Está tudo bem.

— Ela está ferida?

Os músculos das costas de Quinlan se enrijeceram, era Rafael que se

juntava a eles.

— Eu estou bem, Rafe — a própria Maddie respondeu.

— Com licença — Quinlan disse bruscamente, e a ergueu em seus

braços.

Enquanto Maddie jazia desacordada no chão, eles tinham sido salvos

pelo duque de Highbarrow, que chegara com um reforço de doze homens,

rendendo com facilidade Charles e Spencer.

Quinlan carregou Maddie para fora e se sentou em um banco que havia

sob a luz da única lanterna que iluminava a fachada da humilde hospedaria.

Abraçados, ele a embalava em seus braços como se ela fosse um bebê.

— Por que me deixou, Maddie? Você disse que me esperaria.

— Eu já tinha me envolvido em muita confusão, Quin. Você não

entende... Você e Eloise...

— Eloise não significa mais nada! — ele a interrompeu, furioso. —

Terminei tudo com ela. Mas agora gostaria de saber o que significa você e

Rafael juntos.

— Como assim... eu e Rafael?

— Vocês estavam indo para Gretna Green. Pretendiam se casar?

Page 160: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

— Não, nós não estávamos indo para Gretna Green. Era Charles quem

pretendia se casar comigo contra a minha vontade. Rafael descobriu tudo e

veio me salvar. Foi apenas isso.

Quinlan olhou, aliviado, para a porta aberta da estalagem. Então, ele

estava enganado, pois não havia nada entre Maddie e Rafael.

— Ainda bem — Quinlan sussurrou, acariciando o rosto dela. — Você

me ama, Maddie?

— Quin, eu...

Ele meneou a cabeça.

— Você me ama ou não?

Uma lágrima escorreu pela face de Maddie.

— É claro que eu o amo — ela sussurrou.

— Então case-se comigo.

— Não posso. Sou uma desonrada. Por duas vezes.

— Eu sei bem disso, Maddie. — Quinlan sorriu e se inclinou para beijá-

la. — Case-se comigo.

Lágrimas copiosas molhavam o belo rosto de Madeleine Willits. Quinlan

se levantou e, carregando-a em seus braços, voltou para dentro da

estalagem e parou diante do duque com uma postura desafiadora.

— Vossa Alteza — ele disse num tom solene, e o duque se virou para o

filho.

— O que foi agora, garoto?

— Maddie e eu estamos indo para Gretna Green para nos casarmos.

Visivelmente transtornado, o duque explodiu em fúria.

— Você não vai...

— Para o inferno o senhor com o seu título, suas terras e seus herdeiros!

— Quinlan interrompeu o pai bruscamente e se virou de costas para deixar

o local. Nunca mais ele iria aceitar as ordens do duque. — Avise minha

mãe de que na semana que vem estaremos de volta a Londres.

— Quinlan — Maddie disse —, você ficou louco?! Coloque-me no

chão.

— Tem idéia do escândalo que causará, Quinlan? — O duque veio atrás

dos dois. — Seu casamento com Eloise já foi anunciado. O rei George virá

para a cerimônia!

Quinlan parou, virou-se e encarou o pai.

— Esse casamento foi idéia sua, meu pai. Deixo para o senhor resolver

agora. Eu o tenho respeitado durante toda a minha vida, mas acabo de

descobrir que me cansei disso. — Com uma última olhada em Rafael,

Quinlan se virou e seguiu em frente.

Pela primeira vez, Maddie não sabia o que dizer. Quinlan Bancroft

sempre fora um homem calmo e bem-humorado, mas naquele momento,

ela não se surpreenderia se ele resolvesse seguir para Gretna Green nem

que fosse a pé.

Page 161: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Uma semana depois, uma bela carruagem entrava na Mayfair Street, com

Maddie sentada ao lado de Quinlan.

— Você leu o London Times de ontem? — ela indagou.

— Sim, e eu disse para você não ler. — Quinlan sorriu e segurou-lhe a

mão.

— Não ler não muda as coisas em nada. E eu sei que você se importa,

pelo menos um pouco. "Herdeiro do duque de Highbarrow foge para a

Escócia com uma mulher desconhecida." Eu sei que você não gosta de se

expor, Quin.

— Estou feliz. Muito feliz — ele afirmou, puxando-a para mais perto de

si. — Ninguém poderá roubar você de mim, e isso é tudo que importa.

Maddie suspirou, acariciando o rosto de Quinlan.

— Você poderá se arrepender, e logo.

— Não diga isso, Maddie. Nunca. Você é tudo para mim. Sem você, eu

não sou completo. Entende?

Maddie assentiu com lágrimas nos olhos.

— Você diz coisas lindas.

Fora assim desde que haviam se casado. Quinlan não conseguia parar de

tocá-la, de abraçá-la e beijá-la. A situação toda parecia mais com sonho do

que realidade. E na cama, Maddie correspon¬dia à paixão de uma maneira

que Quinlan jamais sonhara que fosse possível.

— Quin?

— Sim, meu amor?

— Eu amo você.

Ele beijou cada dedo da mão de Maddie, enquanto ela sorria, feliz.

— Eu também amo você.

— Milorde, milady, a residência dos Bancroft — o cocheiro anunciou

quando a carruagem parou.

Lá dentro, o duque e a duquesa os aguardavam junto dos pais de Maddie,

do sr. Malcom Bancroft e de Rafael.

Quinlan estendeu a mão para Maddie e disse sorrindo:

— Você está pronta, meu amor?

— Posso levar uma espada?

— Não, não pode.

Ela suspirou.

— Então, acho que estou pronta.

Com Maddie segurando em seu braço, Quinlan entrou na sala, onde

todos estavam reunidos. Mesmo que ele não soubesse, era fácil separar os

inimigos dos aliados. Particularmente quando parecia haver apenas

inimigos. Quinlan já havia estado em situações de tensão diante de seu

severo pai, mas nada o assustara tanto quanto o grupo de pessoas que se

Page 162: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

entreolhavam como uma alcateia de lobos decidindo se atacaria em grupo

ou separados.

Como sempre, Rafael foi o primeiro a se manifestar.

—Você está maravilhosa, Maddie. — Ele sorriu, aproximou-se e deu um

beijinho no rosto da cunhada. — Parabéns para os dois.

O duque de Highbarrow, sentado perto da janela, nem se deu ao trabalho

de olhar para o casal. Mas a mãe de Maddie se aproximou com lágrimas

nos olhos e abraçou a filha, emocionada. Quinlan se afastou e caminhou na

direção do pai.

— Vossa Alteza — ele disse calmamente —, devo remover minhas

coisas de Warefield?

— Então, você realmente teve coragem de se casar com ela?

— Sim. Eu disse que o faria, meu pai.

— Eloise e os pais foram para Stafford Green. Ela nunca mais foi vista

em público desde que você estragou tudo. Terei sorte se Stafford voltar a

falar comigo.

— Sinto muito pelo inconveniente. Mas não lamento ter-me casado com

a mulher que eu amo.

— Não esperava que você fosse se desculpar.

— Então, como ficarão as coisas, pai?

Finalmente o duque olhou para Maddie, que estava parada ao lado da

duquesa e olhando para pai e filho.

Malcom, que segurava as mãos de Maddie, soltou-as e se aproximou do

irmão.

— Lewis, não seja estúpido — ele disse. — Ela é dez vezes melhor do

que Eloise, e você sabe disso.

— O casamento com Eloise já estava acertado havia anos, Malcom.

— Porque você precisava do voto de Stafford no Parlamento. Tudo não

passou de uma troca de favores, Lewis, e foi por isso que nós dois

brigamos.

— Sim foi, por isso que mandei você para o inferno, meu irmão, e

nunca mais quis vê-lo na minha frente.

— Bem, Langley não é tão longe assim — Malcom disse calmamente.

Quinlan olhou para os dois.

— Espere um pouco. O senhor quer dizer que essa desavença entre

ambos foi por causa do meu casamento com Eloise?

Malcom deu de ombros, um leve sorriso no rosto.

— Mais ou menos.

— Deus do Céu! — Quinlan exclamou. — Então, o senhor armou o

meu encontro com Maddie apenas para se vingar de meu pai, tio?

— Eu não menti para você, Quin. Antes da carta de Lewis, ainda não

tinha planejado nada.

Page 163: Suzanne Enoch - Libertada Pelo Amor

Uma mão calorosa tocou o ombro de Quinlan e deslizou pelo braço dele

até segurar-lhe a mão.

— O senhor deveria ter me dito antes, sr. Bancroft — Maddie ralhou. —

Eu teria realmente afogado Quin.

Sua Alteza, por fim, se levantou.

— Então, você acha que venceu, não é? — o duque gritou com Maddie.

— Conseguiu agarrar meu filho?

Ela o encarou friamente, soltou a mão de Quinlan e caminhou na direção

do duque. Quinlan pensou que ela pretendia acertar um soco nele, e ficou

tenso, pronto para intervir e impedir o massacre. Mas, em vez disso,

Maddie ficou na ponta dos pés, pôs uma das mãos no ombro do sogro e deu

um beijo carinhoso no rosto dele.

— Nós começamos mal, Vossa Alteza. Se o senhor deseja que as coisas

continuem dessa maneira, acredite, eu adoro uma boa briga. Mas, do fundo

do coração, eu preferia que fôssemos amigos e gostaria que meus filhos

conhecessem o avô.

Maddie foi brilhante. Ela atingiu o único ponto fraco de Highbarrow, e

sabia disso. Quinlan deslizou os braços em torno da cintura da esposa e a

puxou para perto.

— Pense em seus netos, Vossa Alteza — Quinlan reafirmou as palavras

de Maddie.

O duque permaneceu calado durante um bom tempo, então meneou a

cabeça, resmungando.

— Acho que você tem razão, Madeleine.

Rafael soltou um grito saudando as boas novas e deu um tapi-nha nas

costas de Quin.

— Finalmente a justiça se cumpriu. Posso ficar com meu cavalo, agora,

Warefield?

Quinlan virou Maddie de frente para ele e se inclinou para beijá-la.

— Eu amo você — sussurrou.

— Eu também amo você — ela sussurrou de volta. — Agora, devolva o

cavalo de Rafe, Quin.

— Tudo que você desejar, meu amor. — Ele sorriu. — Garota teimosa!