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UM AMOR PARA RECORDAR Stolen Kisses Suzanne Enoch Inglaterra, 1821 UMA DAMA DE GELO... UM HOMEM SEDUTOR... UMA TÓRRIDA PAIXÃO! Jack Faraday é nobre, rico e sedutor. Um conquistador inveterado que finalmente encontra um desafio em Lilith Benton. Quando a beldade de cabelos negros e olhos verdes o esnoba em público, Jack jura vingar-se a qualquer custo, fazendo a jovem dama render-se ao seu charme! Tudo que Lilith deseja é um casamento respeitável, com um homem de bem. Por isso, quando Jack tenta seduzi-la, ela se dispõe a ignorá-lo. Mas o acidental envolvimento de ambos num trágico e misterioso episódio os obriga a se tornarem cúmplices na tentativa de recuperar o bom nome... E, de repente, a frieza e o desprezo dão lugar a uma paixão incontrolável! E enquanto o conquistador mais notório de Londres descobre uma súbita necessidade de ser respeitado, a mais respeitada dama de Londres se descobre tentando lembrar o que há de errado com alguns beijos roubados e

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UM AMOR PARA RECORDARStolen Kisses

Suzanne Enoch

Inglaterra, 1821UMA DAMA DE GELO... UM HOMEM SEDUTOR... UMA

TÓRRIDA PAIXÃO!Jack Faraday é nobre, rico e sedutor. Um conquistador inveterado

que finalmente encontra um desafio em Lilith Benton. Quando a beldade de cabelos negros e olhos verdes o esnoba em público, Jack jura vingar-se a qualquer custo, fazendo a jovem dama render-se ao seu charme!

Tudo que Lilith deseja é um casamento respeitável, com um homem de bem. Por isso, quando Jack tenta seduzi-la, ela se dispõe a ignorá-lo. Mas o acidental envolvimento de ambos num trágico e misterioso episódio os obriga a se tornarem cúmplices na tentativa de recuperar o bom nome... E, de repente, a frieza e o desprezo dão lugar a uma paixão incontrolável! E enquanto o conquistador mais notório de Londres descobre uma súbita necessidade de ser respeitado, a mais respeitada dama de Londres se descobre tentando lembrar o que há de errado com alguns beijos roubados e escapulidas no meio da noite...

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Digitalização e Revisão: Marina CamposFormatação: ϾѮϿ ΝЇЄТ∆ ϿϮϾ

Copyright © 1997 by Suzanne EnochOriginalmente publicado em 1997 pela Harper Collins Publishers,

Copyright © 2007 Editora Nova Cultural Ltda.Título original: Stolen Kisses

Tradução: Sulamita Pen

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Capítulo I

Jonathan Faraday, marquês de Dansbury, fitou o prédio de aspecto respeitável e franziu a testa. Raramente freqüentava aquela região de Londres e viera contra a vontade. Olhou a amante de revés.

— Essa é provavelmente a idéia mais absurda que milady já teve.— Bobagem... — Lady Camilla Maguire procurou fazer pouco

caso, mas a expressão cautelosa traiu-a. — Meu querido, viemos até aqui porque ganhei no jogo de cartas. Milorde prometeu que cumpriria a promessa. Passaríamos a noite no local onde eu escolhesse.

— Quando eu lhe permiti ganhar, pressupus que nossa noite terminaria em Vauxhall Gardens ou na reunião de jogos na casa de Antonia. — Jack inclinou-se para o lado de Camilla enquanto o grupo passava pelas grandes portas duplas. — Ou melhor ainda, em seus aposentos — ele cochichou em uma tentativa desesperada de fazê-la mudar de idéia.

— Pare com isso, milorde — ela o repreendeu com um sorriso.— Tenho o direito de reclamar. Não imaginei que milady

pretendesse levar-me direto ao inferno.— Por favor, comporte-se. O Almack's não é nenhum inferno. —

Os olhos castanhos de Camilla brilhavam demonstrando impaciência.

Ela ajeitou os cabelos vermelhos, apoiou-se no braço de Jack e arrastou-o até a rouparia. O marquês ergueu uma sobrancelha. Começava a cansar-se das parcas ambições de Camilla e de seus desejos previsíveis. Assim como ela demonstrava estar saturada de seu sarcasmo e cinismo aguçados. Por isso, Camilla insistira na saída daquela noite. Apesar de tudo, Jack preferia não fazer mais uma troca de amante naquela temporada. Em um mês de permanência em Londres, perdera a conta das mulheres com quem havia se deitado.

— Ouso discordar. O Almack's e o inferno têm muito em comum. Almas penadas presas em armadilhas eternas, circulando aos lamentos.

— Muito bem dito, Dansbury. — Ernest Landon, o terceiro membro do quarteto, riu, bajulador, quando entraram no salão principal. — Parecem mesmo almas penadas.

Apesar de estarem em meados de junho, fazia frio em Londres. Nem assim a quentura dos salões superlotados era bem-vinda. Jack

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confirmou sua analogia ao sentir o cheiro de suor que acompanhava o calor. Quanto antes saísse dali, melhor.

— Por favor, Jack, não seja tão impertinente — Camilla pediu. — Os freqüentadores do Almack's pertencem à sociedade mais respeitável.

— Eu sei. Por isso mesmo eles não me agradam.Dansbury fitou os salões lotados do Almack's. Retribuiu poucos

cumprimentos e ignorou comentários murmurados. Se ele não fosse um marquês, seu grupo um tanto escandaloso não teria o ingresso permitido ali.

Ogden Price tirou uma caixinha de prata do bolso, abriu-a e inalou uma pitada de rape.

— Ora, Dansbury, vamos ficar um pouco. Não lhe fará nenhum mal passar uma noite de maneira socialmente aceitável. Pelo contrário, sua reputação seria purificada pela experiência.

Jack espantou-se. Price também não apreciava o Almack's. Na certa viera por outros motivos. Notou que ele estava à procura de alguém ou alguma coisa. Devia ser alguma jovem. O marquês aproximou-se do amigo para ser escutado. O barulho da música campestre e das conversas era ensurdecedor.

— Quem é ela, Price?UM AMOR PARA RECORDAR— Ninguém em particular, Jack. — Fechou a caixinha com um

estalo. — Apenas um rosto bonito que deve ser admirado.— Certamente.Jack resolveu divertir-se um pouco antes de voltarem aos locais

mais ilícitos de Londres.— Esse rosto bonito tem nome?— Jack, dance comigo — Camilla interrompeu-os e passou o braço

no de Jack.Ele considerou o calor do corpo de Camilla desnecessário naquele

ambiente abafado.— Agora não. Estou conversando com Price.— Quero dançar — Camilla insistiu, esfregando o busto no braço

de Jack.— Dança campestre? Nem mesmo seus encantos me fariam

entrar nessa cova infernal.— Bruto! — Ela não o soltou.Jack permitiu que continuasse agarrada a ele. Agradava-lhe

surpreender as pessoas dignas que os observavam.— Pois então, Price...— Jack — Camilla protestou.— Lady Maguire, vamos dançar — Ernest convidou-a, com astúcia

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maior do que a natural.— Ainda bem que há um cavalheiro digno presente esta noite. —

Ela ergueu o queixo.O marquês observou-os se afastarem. Lady Camilla não estava

vestida para uma noite respeitável. O traje cor de vinho e cinza lembrava sangue em meio às vestimentas de tons pálidos. A cortesia exacerbada da jovem serviu para revelar os encantos dos serviços oferecidos por ela.

Jack nem pensou em desafiar o amigo para um duelo pela ousadia. Estava aborrecido demais para isso. Atormentar Ogden pelo menos o distrairia.

— Price, quem é a misteriosa dama?— Esqueça, Dansbury. — Price mostrou-se irritado. — Não valerá

a pena divertir-se com isso. Não se ganha nada em olhar.Contemplar essa mulher é como sentir admiração por uma es-

tátua. Pode-se reconhecer a beleza de uma peça sem desejar comprá-la.

— Agora me confesso fascinado. — Jack ergueu as sobrancelhas. — Nunca o vi tão interessado em alguém, mesmo sem querer

demonstrá-lo. Diga-me o nome dela.— Escolha uma. — Ríspido, Price apontou as jovens que

tagarelavam nos cantos do salão e aguardavam o convite dos cavalheiros para dançar.

Com sorrisos afetados, inteligência discreta e muita ingenuidade, as candidatas poderiam despertar uma reflexão romântica. Mas eram desajeitadas demais para valer uma tentativa.

— Prefiro as mais velhas, que acenam com uma distração melhor. A safra deste ano não é mais promissora do que as anteriores.

— Pelo amor de Deus, Dansbury. Tenha piedade. — Price suspirou.

— Por que não evita um desgaste mútuo e esclarece logo de quem se trata?

— Ela não está aqui. — Price fez sinal para um criado que trazia cálices com ratafiá, um licor aromático. Pegou dois e deu um a Jack. — Aquele não é lorde Hunt? Pensei que ainda estivesse na índia.

— Voltou há uma semana. Ganhei dele quatrocentas libras em um jogo de dados e Hunt ainda achou graça. Não mude de assunto. Diga o nome da jovem que o fez vir ao Almack's e rejeitar o convite para irmos ao Harém de Jezebel.

— Nada disso.— Ora, se ela não é estrábica, não tem manchas congênitas nem

é tartamuda, por que não me diz quem é?— Chega, Dansbury! — Price, mal-humorado, apontou a entrada. — Divirta-se. Ela acabou de chegar.

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Jack virou-se, horrorizado, ao ver o vestido branco.— Uma debutante? Que vergonha, Price! Encantar-se com uma

menina...De repente, tudo parou de existir. A música, os risos, o barulho. O

Almack's perdeu o sentido. Jack ficou fascinado com os olhos verdes da recém-chegada. Duas verdadeiras esmeraldas. Ela parou na entrada e, à procura de conhecidos, encarou-o.

O marquês suspirou. Os cabelos negros da jovem estavam presos em um penteado alto e moderno. Poucas mechas soltas emolduravam as maçãs do rosto em contraste com a pele clara, dando a impressão de uma escultura perfeita. Ela o observou com interesse. Corou e sorriu. Em seguida, desapareceu atrás dos dançarinos que rodopiavam.

— Anjos e ministros da Graça defendam-nos — Jack murmurou.— Hamlet? — Price indagou.— O quê?— Milorde citou Hamlet. Deve estar impressionado.— Ah. — Jack tomou um gole do licor e achou o gosto horrível.

Devolveu o cálice à bandeja de um servo que passava. Voltou-se para Price com a expressão de cinismo habitual, que escondia a sua ansiedade. — O senhor me fez imaginar uma série de horrores. Não esperava nada normal, digamos assim. Quem é ela? — Procurou-a com o olhar.

— Eu...— Pode-se reconhecer a beleza de uma peça sem desejar

comprá-la, é isso? — Aquele interesse agudo e incomum não podia ser ignorado,

ainda mais que percebera a curiosidade da jovem. — Quem é ela?— A Rainha do Gelo — Camilla respondeu ao aproximar-se e

passou seu braço no de Jack. — Metade dos nobres londrinos estão a seus pés. Dizem que já

recebeu até uma proposta de Nance. Jack admitiu que nenhum dos homens ricos se interessava pelos encantos consideráveis de lady Maguire e que ele mesmo já estava aborrecido. Percebeu que o número de candidatos a dançar com a jovem de olhos verdes aumentava. A maioria deles nem era jovem.

Uma pomba alva em meio a corvos. Outras palavras de Shakespeare passaram-lhe pela mente. O marquês notou as flores delicadas do vestido e as sapatilhas da mesma cor dos olhos. Teve certeza de que não se contentaria em olhar.

— Bando de homens enfadonhos — Jack resmungou.— Somente os mais respeitáveis para Lilith Benton — insinuou-se

Camilla ainda mais ao perceber o interesse de Dansbury.— O que o exclui, não é mesmo, Jack? — Ernest deu risada.

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— Lilith Benton — Jack repetiu. — Quem é a moça que está com ela? — A garota alta e loira não lhe era desconhecida. As duas cochichavam e falavam com os admiradores.

— Deve ser a Srta. Sanford — Ernest deduziu.— Isso mesmo. — Jack desvencilhou-se de Camilla. — Queira

desculpar-me. Já cumpri meu dever por esta noite, minha querida.Camilla fechou o leque com rispidez e sumiu no meio da

multidão.O marquês não duvidou, pelos olhares e cochichos trocados entre

as duas amigas, que a srta. Benton estava recebendo detalhes acerca de seu caráter. Não se importou. Em geral, alguns cumprimentos e sorrisos eram suficientes para acalmar as mais experientes. As mais jovens eram facilmente sugestionáveis. E aquela beleza extraordinária na certa seguiria o mesmo caminho.

Jack ignorou os dois homens atrás dela, na certa pai e irmão, e dirigiu-se à amiga.

— Srta. Sanford. — Dansbury esmerou-se no sorriso e segurou a mão da jovem.

Ela o fitou, boquiaberta.— Que prazer em revê-la. — Ele soltou a mão que foi retirada

como se tivesse sido escaldada. — Se não for abusar de sua gentileza, gostaria que me apresentasse a sua adorável amiga.

— Ah... eu... o senhor... — a Srta. Sanford gaguejou. Jack não quis olhar a beldade até poder falar-lhe. Sentia o calor que se propagava entre eles. Precisava tocar nela. Respirou fundo. Experimentava uma sensação incomum.

— Por favor, srta. Sanford — ele insistiu.— Sim... sim... — A loira corou. — Lil, este é... o marquês de

Dansbury. — M... milorde, Srta. Benton.Jack analisou Lilith. Mais baixa do que parecia de longe, era

esguia e delicada. O busto pedia louvores aos poetas. Encantadora. Uma verdadeira obra de arte. Os lábios, polpudos e vermelhos, lembravam beijos alucinantes. E estavam retesados. Diferentes de quando ela o observara antes.

— Srta. Benton. — Jack mirou os olhos grandes. — Sinto-me encantado em conhecê-la.

Ele fez um gesto para cumprimentá-la, mas a Srta. Benton levou as mãos às costas e deu um passo à frente. Encarou-o com um olhar faiscante.

— Percebo que, depois de uma análise criteriosa de minha pessoa, milorde considerou-me adequada para uma conversa. Entretanto, ao inteirar-me de sua reputação, descobri que não desejo travar conhecimento com o senhor. Boa noite. — A Srta. Benton virou-se e foi para outro lado, seguida por admiradores.

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Jack ficou parado, atônito. Fora descartado por uma adolescente. A Srta. Sanford disse qualquer coisa, fez uma cortesia e saiu atrás da amiga. O movimento despertou-o e ele abaixou a mão estendida.

As anfitriãs mais ousadas não se incomodavam com sua fama de boêmio e o convidavam para bailes e jantares. Na verdade, raramente aceitava tais convites.

Mesmo precavidas, as mulheres não o insultavam. E aquela ofensa certamente havia sido vista por muitos. Podia escutar risinhos e comentários murmurados no salão. Ira e frustração o fizeram fechar as mãos em punho. Tinha certeza de que a srta. Benton, pela maneira de olhar, também sentira uma atração inicial por ele. Havia descartado o homem errado.

Jack voltou para seu grupo de amigos sem esconder a irritação.Price fitou-o e sacudiu a cabeça.— É uma menina, Jack. Esqueça.— Por que a chamam de Rainha do Gelo? — o marquês

perguntou a Camilla.— Não acredito que não tenha ouvido falar dela! — Camilla

admirou-se. — A mãe da jovem era Elizabeth Benton, viscondessa Hamble. Aquela que se apaixonou pelo conde de Greyton e abandonou a família há seis ou sete anos.

— Eu estava na França e não soube de nada.— Eu me lembro. — Landon estalou os dedos. — Greyton

precisava de uma fortuna para se livrar dos credores. Estava à beira da falência. Pensou que lady Hamble tivesse os bolsos cheios e a fez apaixonar-se por ele. Ledo engano. Tudo estava no nome do marido dela. O conde a deixou em Lincolnshire e casou-se com lady Daphne Haver uma semana depois. Lady Daphne tem lábio leporino e seu pai ficou tão feliz que tirou Greyton do aperto.

— Lorde Hamble foi embora de Londres com a família — Camilla continuou a história.

— Elizabeth voltou a procurar o marido, mas ele não a aceitou. Depois de alguns meses, ela morreu vitimada por uma doença. Lorde Hamble não voltou mais a Londres. Com a maioridade, a Rainha do Gelo resolveu restaurar o bom nome da família. Por isso os Benton vieram para esta temporada. Pode acreditar. A srta. Respeitável vai alcançar seu objetivo.

Jack relanceou um olhar pelo salão. A srta. Benton dançava com o conde de Nance. Desde que o dispensara, ela apenas o observava de revés. Se a jovem achava que havia se livrado dele com algumas frases rudes, cometia o segundo erro da noite.

— Aquele que a trouxe é o pai?— Sim — Camilla respondeu. — E o outro é William, o irmão.

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— Outra noite no Navy Club, ganhei do garoto duzentas libras — Landon falou.

— Ele não entende nada de cartas. Vou encontrá-lo mais tarde no Boodle's.

— Jack, pelo amor de Deus... — Price pediu.— Mudou de idéia a respeito de não desejar a compra? — Jack

perguntou com ironia.— Não, claro. Mas milorde não está pretendendo...— Então me esqueça ou vá embora. — O marquês forçou um

sorriso maldoso. — Tenho um plano em mente.— Eu sabia. — Landon deu uma risada. — Ela não permanecerá respeitável por muito tempo. — Aposto

cem libras co mo a Rainha do Gelo estará aquecendo a cama do nosso Jack Faraday até q final da temporada.

— Aquela menina miúda sem busto? — Camilla riu com gosto. — Jack não se daria a esse trabalho. Além disso, ela odeia travessuras e já está preocupada com o irmão. Receia que ele se desvie do bom caminho em Londres.

— Segurou no braço do marquês. — Vamos embora. Milorde não gosta mesmo daqui.Jack avaliou que o rapaz alto devia ser recém-saído da

universidade. E, por sua expressão, o jovem maquinava cometer alguma imprudência.

— Travessuras e desvios do bom caminho são minhas especialidades, minha querida. Talvez eu possa dar um jeito nisso.

— Jack!— Não se preocupe, Cam. Price a levará para casa. — O marquês

teria de mandar-lhe um diamante ou algo parecido de presente. Era preciso evitar o ciúme e mantê-la sossegada até que encontrasse um novo amante.

Jack estava determinado a fazer com que Landon ganhasse a aposta. Piscou para ele.

— Eu os encontrarei no Boodle's.— Ali está Mary Fitzroy — Penélope Sanford sussurrou ao ouvido

de Lilith Benton. — Será que ela ficou sabendo do que houve ontem à noite?

— Fique quieta, Pen. — Lilith mantinha o olhar em lady Josephine, que tocava Pour Elise ao piano. Agradava-lhe escutar sua música favorita, apesar da interpretação medíocre.

— Estou atenta à audição.— Lil, Mary terá uma síncope quando souber o que o marquês de

Dansbury teve de ouvir.Lilith olhou a amiga de viés.

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— Ficarei agradecida se não mencionar mais a noite de ontem nem o nome do marquês.

Foi um encontro sem importância e já terminou.— Foi espetacular — Pen teimou. — Eu gostaria de ter a sua

coragem.Lilith franziu a testa em protesto. Ao perceber o olhar de

advertência de tia Eugenia, sorriu. Sua tia lhe dissera milhares de vezes que uma dama não enruga a testa durante uma recita. Os convidados poderiam pensar que era por ciúme da artista.

Ao término da apresentação, Eugenia Farlane levantou-se.— As meninas podem dirigir-se à mesa de doces e salgados — a

tia as instruiu com a usual falta de amabilidade. — Não esqueçam a frugalidade. Vou cumprimentar lady Delpont pela belíssima interpretação de lady Josephine. Esperemos que a peça final seja mais adequada a seus talentos.

— Sim, titia. — Lilith fez uma mesura.— Vamos procurar Mary. — Penélope puxou a amiga pela mão

assim que Eugenia se afastou.— Não, Pen! Quanto antes esquecer o assunto, melhor. Pen bateu

palmas.— Entretanto, ao inteirar-me de sua reputação, descobri que não

desejo travar conhecimento com o senhor. Foi divino. Pensei que ele fosse puxar uma pistola e matá-la ali mesmo, no Almack's.

Lilith observou que, felizmente, tia Eugenia e lady Delpont estavam entretidas na conversa. A Sra. Farlane a repreenderia por qualquer menção a Dansbury. A tia fora morar com os Benton após o escândalo. Eugenia não poupava palavras ásperas para evitar que a sobrinha repetisse o erro da mãe. Acreditava que Stephen Benton, seu irmão, havia cometido um grande equívoco ao casar-se com Elizabeth Harding e empenhara-se em uma batalha pessoal: restaurar o nome dos Benton. Muitas vezes

Lilith desejava que a tia não se entregasse com tanto fervor à missão.

— Não seja melodramática, Pen. Ele apenas não falará mais comigo. Imagino que as pessoas decentes o ignorem depois de algum tempo.

A Srta. Sanford abriu caminho rumo à mesa de iguarias.— Na verdade, acho que ele evita as pessoas respeitáveis. Na

última temporada, eu o vi apenas três vezes. — Escondeu o riso atrás do lenço bordado. — Bem, não freqüento clubes nem salas de jogos.

— Esqueça o assunto. — Lilith sorriu. — Não quero mais falar nele.

— Nunca vi uma recusa tão bem aplicada. — Pen não desistia. —

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Preciso contar a Mary.Em vão, Lilith tornou a protestar e Mary ficou impressionada

quando Penélope relatou o ocorrido.Lilith tinha escutado histórias a respeito do marquês mesmo

antes de voltar a Londres. Duelos, bebedeiras, jogatinas e escândalos com mulheres. Imaginara que ele poderia aterrorizar qualquer mulher que dele se aproximasse.

Entretanto, não havia ficado nem um pouco apavorada. Hipnotizada, talvez. O marquês era como um ímã. Impossível ignorá-lo. Atraía a atenção por vestir-se inteiramente de preto e pelo olhar penetrante. Alto, usava os cabelos negros e ondulados mais longos do que o usual.

Lilith mantivera as mãos para trás a fim de que ele não as visse tremer enquanto falavam. Assim que o avistou, a vontade de conhecê-lo foi instantânea. Até Penélope informar de quem se tratava. Agora admitia, envergonhada, que não conseguia deixar de pensar nele.

— Lilith, admiro sua coragem. — A Srta. Fitzroy abanou-se. — Não sei o que eu teria feito se ele se aproximasse de mim.

— Não foi nada importante — Lilith aborreceu-se. Percebeu que a Sra. Pindlewide estava próxima demais e poderia escutar a conversa.

— Por favor, não diga a ninguém o que houve — pediu, em voz baixa.

— Quem viu a cena deve ter pensado que me recusei a dançar por estar com a agenda lotada.

— Não ficou apavorada, Lilith?— E por que eu ficaria?— Então não sabe? Ele já matou uma mulher que o desdenhou.— Não creio nisso.— Mas é verdade — Penélope interveio. — Foi na França há cinco

ou seis anos. Meu primo Samuel me contou. Ela o insultou. O marquês bebera demais e atirou nela.

Então ele era mesmo o demônio amoral tão comentado por todos... Lilith não entendeu o motivo do próprio desapontamento.

— Suponho que tenho de ficar agradecida por ele não estar bêbado ontem à noite.

Também não compreendia por que tinha falado com o marquês. Poderia ter feito um aceno de cabeça sem dizer nada. Afinal de contas, por pior que fosse, ele continuava sendo um marquês.

Por que fitara um estranho? Para encorajá-lo a aproximar-se? Lilith considerava-se uma jovem inteligente e sensível. Não entendia por que seu coração havia disparado quando o vira. Homens como o marquês de Dansbury poderiam arruinar o bom

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nome de alguém que o interessasse. Graças ao bom Deus, ele tinha deixado o Almack's logo em seguida ao desagradável episódio.

O mais certo era esquecer o incidente. Lionel Hendrick, conde de Nance, tornara a fazer-lhe uma proposta na noite passada. E também o Sr. Varrick, filho do visconde Sendley.

— Sabe alguma coisa sobre Peter Varrick? — Lilith perguntou e pegou um biscoito da mesa.

— Ele tem o rosto marcado de varíola. — Penélope torceu o nariz.— Não sou cega. Quero saber a respeito do caráter dele.— Não se importa com a cara cheia de buracos? — admirou-se

Penélope.— Claro que me agradaria uma fisionomia atraente. — Lilith

gostaria de sentir-se tão à vontade como Pen. Mas, desde que sua mãe fugira, havia sido instada a comportar-se com sobriedade. Não podia pensar ou agir de maneira impulsiva.

— Mas isso não é prioritário.— Lil, ele é horrível.— Ele tem um bom nome. E quieto e sério.— Um túmulo também é.Lil fitou a tia e abaixou a voz.— Não tenho muitas alternativas.— Eu sei. — Penélope deu um sorriso triste. — Perdoe-me. — Apesar de sua aparente frivolidade, Pen tinha um bom coração

e Lilith gostava muito da amiga. — Se me permite a pergunta, onde está seu irmão?

— William deve estar dormindo. Chegou em casa às seis da manhã. Contou a Bevins que conheceu amigos fabulosos que o levaram a um tal de Harém de Jezebel, e que perdeu dez libras. O que provavelmente deve ser cinqüenta.

William vinha se envolvendo em farras desde que chegara a Londres. Recém saído de quatro anos detestáveis em Cambridge e com dinheiro pela primeira vez na vida, tinha resolvido aproveitar. Lilith sabia que recuperar o bom nome da família era uma tarefa hercúlea, mesmo sem as extravagâncias cometidas por William.

— Na certa foi um divertimento inocente — Pen afirmou.— Pois eu duvido. — Lilith suspirou.— Quantas propostas recebeu, Lilith? — Mary voltou ao assunto

que mais lhe agradava. — Recebi uma de Freddie Pambly. Meu pai disse que os bolsos

dele não são tão cheios como sua silhueta.Lilith achou graça.— Também recebi algumas, mas não seria cortês revelar de

quem partiram.Penélope revirou os olhos.

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— Ela recebeu quatro. Do conde de Nance, do Sr. Varrick, do Sr. Francis Henning e do Sr. Giggins.

— E de Sua Alteza?— Fique quieta, Mary. — Penélope advertiu-a. Lilith estremeceu.— Não recebi nenhuma proposta do duque de Wenford. Por

favor, nem fale nisso. Espero que ele encontre outra bem longe daqui.

Geoffrey Remdale, duque de Wenford, tinha a mesma idade do louco rei Jorge, de quem fora amigo na juventude. Tinha cabelos brancos, nariz adunco e era carrancudo. Ele conhecera Lilith em um jantar na residência de lady Neuland. Havia perguntado sua idade, altura e peso, como se ela fosse uma mercadoria à venda. Desde aquele dia, Wenford conversara com Stephen Benton por duas vezes nas festas. Stephen nada tinha respondido às perguntas da filha, o que a deixava nervosa.

Wenford se casara três vezes e havia enterrado as três esposas. Diziam que seis meses após o casamento, a última — dez anos mais velha do que Lilith — envenenara-se com cicuta misturada ao vinho. Tinha preferido a morte a acordar mais um dia em Wenford Park.

— Lil?— O que é, Pen?— Não se preocupe. Sua Alteza encontrará alguma viúva disposta

a se casar com ele.Lilith sorriu, relutante.— Na certa ele pergunta a altura e o peso de todas as

debutantes. Para preservar os padrões do reino.

— Damas e cavalheiros — o mordomo falou —, peço-lhes a gentileza de retomarem seus lugares. Lady Josephine vai re-começar.

Lilith procurou a tia com o olhar e retornou à sala de música. Voltou-se ao escutar uma onda de sussurros e ficou petrificada. O marquês de Dansbury estava na porta, bastante à vontade, acompanhado por outro cavalheiro que parecia se desculpar pela intrusão. Um criado alvoroçado os precedia. Dansbury caminhou por entre as mulheres, em superioridade numérica quase absoluta, que não disfarçavam o espanto. O traje em cores leves, casaco verde e calça bege, não diminuía a impressão de tratar-se de um homem perigoso. Ele parou diante de lady Delpont com expressão divertida e suave.

— Milady, peço-lhe desculpas pelo atraso. Acabei de acordar -— falou em tom confidencial, mas sem abaixar a voz. — A noite passada fui rejeitado. Por desgosto, bebi demais e acabei perdendo

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a hora. — O sorriso de Dansbury faria uma freira esquecer os votos.Pen, ao lado de Lilith, sufocou uma risada.Lady Delpont era conhecida como uma abstêmia inflexível e

crítica ferrenha da bebida. Abriu a boca para responder e fechou-a. Olhou ao redor, notou as mulheres extasiadas, corou e sorriu.

— Milorde, fico satisfeita que o senhor tenha chegado a tempo de escutar a última parte.

— Ótimo. — Dansbury apresentou o amigo. — Milady conhece Ogden Price, não é? Price, esta é lady Delpont.— Lady Delpont. — Price adiantou-se, contrafeito, e estendeu a

mão.— Sr. Price. — Lady Delpont virou-se para as mulheres presentes.

— Vamos?Dansbury conduziu a anfitriã, seguido por Price e pelas

convidadas que se amontoavam para não perder nenhum detalhe.— Quanto descaramento! — Lilith falou em voz mal audível.— Acha que lady Delpont o convidou? — Mary perguntou.— Não, com certeza. Mas ela também não poderia mandá-lo

embora na frente de todos.— Vamos, Lilith — a tia chamou-a da entrada da sala de música.— Lil — Pen sussurrou enquanto elas se apressavam para retomar

os lugares —, o que pretende fazer?Dansbury sentou-se na fileira da frente, vários assentos à

esquerda.— Nada, é óbvio — Lilith respondeu no mesmo tom. — Não é minha culpa se ele veio até aqui.Lady Josephine postou-se ao lado do piano, segurando a mão de

lady Delpont.— Damas e... cavalheiros — Josephine anunciou com voz incerta. — Tocarei agora... uma obra de Mozart. Concerto para piano... N.

23 em lá menor. — A pianista fez uma mesura.Dansbury liderou os aplausos e Josephine sentou-se. O marquês

disse algumas palavras a seu amigo e olhou Lilith de viés. Tal gesto não passou despercebido à jovem, que continuou a olhar para a frente. Dansbury sorriu, encantador.

Lilith prendeu a respiração. O sexto sentido lhe dizia que o marquês viera por sua causa. Espiou tia Eugenia que conversava com a Sra. Hadlington. Em seguida, observou Dansbury de soslaio. Ele se concentrava na atuação de lady Josephine, que, nervosa ao extremo, esforçava-se para não errar as notas.

Era uma temeridade chegar a um evento sem convite e anunciar alegremente que havia se atrasado por haver se excedido na bebida!

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Lilith cerrou os dentes. Tudo poderia não passar de uma coincidência. O marquês e o sr. Price talvez quisessem apenas escutar um pouco de música. E Dansbury ficara surpreso ao vê-la. Nada mais. Estava convencida de nada ter feito de errado a noite passada. O marquês, sim. Tinha agido de forma repulsiva. Ele a fitara de cima a baixo, como se a despisse para uma avaliação!

— Lilith — a tia sussurrou. A jovem piscou assustada.— O que foi, tia?— Não olhe tanto para aquele homem.— Eu não... Sim, senhora.— Pessoas dessa laia não nos interessam, sejam nobres ou não.— Sim, tia Eugenia. Não tenho o menor interesse nele.— ótimo. Seu pai ficaria desapontado se a visse olhar para iini

homem tão odioso.Tia Eugenia cometia uma injustiça. Lilith só estivera olhando para

a cabeça do marquês.— Sim, senhora.O concerto terminou. Dansbury tornou a liderar os aplausos e

adiantou-se para cumprimentar a concertista.— Homem pavoroso. — Tia Eugenia arrastou Lilith para a saída. — Aterrorizando jovens inocentes. Ainda bem que sua agenda

estava lotada ontem à noite.Lilith anuiu e ficou satisfeita de sair. Desceu a escada, entrou no

coche dos Benton, sentindo que o marquês a acompanhava com o olhar.

— Que coisa horrível — Price lamentou-se no caminho para a carruagem.

— A agonia valeu a pena. — Jack mirou o veículo que levava Lilith Benton sumir na curva. Dispensou a carruagem. Preferia andar. — Lembro-me de tê-lo ouvido dizer que um pouco de respeitabilidade seria interessante. Admito que escutar o piano de lady Josephine é um castigo para qualquer mortal. Minha reputação foi purificada pela experiência. Não é isso?

— Ora, milorde não trocou uma palavra com a srta. Benton.— Não era necessário.— Acho que ficou maluco. Eu lhe disse isso há dez anos em

Oxford. Creio que o tempo só o fez piorar.Foram até Grosvenor Square onde viviam as famílias mais

respeitadas de Mayfair. Era irônico o fato de o mais mal-afamado nobre de Londres morar em uma das melhores residências.

— Faz apenas dez anos que nos graduamos? Parece muito mais — Dansbury disse, encolhendo os ombros.

— Ontem à noite, pareceu-me que fazia cem anos, ao escutar aquele rapaz falar de suas aventuras londrinas.

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— William Benton é peça fundamental em meu jogo. Deixe-o a meus cuidados.

— Gostaria que não me envolvesse em seus esquemas insanos.— E mesmo?— Sim. Principalmente quando os mesmos incluem inocentes que

não conhecem seu caráter demoníaco.— Ora, obrigado, Price. — Jack parou para fazer uma mesura e

continuou a andar.— O simples fato de ter sido desprezado é uma desculpa muito

pobre para desonrar uma jovem.Jack se convencera disso depois da quarta ou quinta dose de

vinho do Porto. Havia admitido também que a ofensa maior fora ela ter negado a atração incontestável que tinha se apoderado de ambos.

— A Srta. Benton não o reconheceu, Price. Há quanto tempo a vem perseguindo?

— Não fiz nada disso. Limitei-me a observá-la. O que foi uma tarefa muito prazerosa.

Assim como escutar a Sonata ao Luar, de Beethoven, Jack refletiu. Admitiu que não teria se irritado com o desprezo se a Srta. Benton não fosse tão bela. Apesar disso, estava disposto a dar-lhe uma lição que ela jamais esqueceria. Se tudo saísse conforme o planejado, teria uma noite de conhecimento íntimo para compensar o aborrecimento.

— O nosso jovem informante disse para onde a irmã iria esta noite? — o marquês indagou.

— A ópera. Cadmo e Hermione, primeira tragédia lírica de Lully, com libreto de Quinault.

— Droga. — Jack suspirou e bateu com a ponta da bengala na bota. — Eu ainda tenho um camarote, não é?

— Não o usou nos últimos dois anos.— Vazio é tão encantador. Ainda mais com Tarrington tentando

consegui-lo.— Bem, mas isso só aconteceu depois de milorde ter convidado a

amante dele a partilhar do reservado.— Amélia é muito graciosa. E adora uma aventura. Creio que o

senhor não gostará de acompanhar-me.— Como adivinhou?— Eu não posso ir sozi... — Jack interrompeu-se, sorrindo. — Às vezes sou brilhante!— O que foi?— Poderei apresentar Antonia a William!— Irá para o inferno por isso. Jack deu de ombros.— Se quiser divertir-se, venha comigo.

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— Alguém precisa adverti-lo a respeito de uma eventual má conduta — Price ironizou.

— Meu caro, Londres inteira se encarrega disso. E também uma pessoa em particular.

O camarote vizinho ao dos Sanford estava vazio. Lilith invejou os ausentes. Aquela ópera francesa não era uma de suas favoritas.

— Lilith, endireite as costas — a tia advertiu-a. — O duque de Stratton está olhando para nós.

Lilith ergueu o leque e espiou por cima. Viu um binóculo de teatro apontado em sua direção. Voltou-se depressa para o palco.

— Odeio quando me observam. E uma grosseria.— Faça uma careta para ele — William sussurrou.— Idiota. — Lorde Hamble deu um tapa na cabeça do filho.— Ai! — William afundou na cadeira e, aborrecido, fitou os

espectadores. De repente, ficou ereto e apontou o compartimento contíguo. —Vejam só. Quem poderia imaginar uma coisa dessas?

Lilith disfarçou uma espiada para o lado e conseguiu abafar uma imprecação nada digna de uma dama. O camarote fora ocupado. Pelo visto, o marquês de Dansbury era amante de ópera.

Jack Faraday recostou-se no assento, com o olhar fixo no drama que se desenrolava no palco. Ao lado dele, uma mulher de cabelos negros ostentava uma pluma azul que deveria ter custado a vida de vários avestruzes. No pescoço, ela trazia um colar de safiras. Indiferente aos olhares e murmúrios dos ocupantes dos outros camarotes, o casal sorria, trocando confidencias enquanto a ópera prosseguia.

Lilith observava o marquês de esguelha. Esperava que ele cometesse algum ato indecoroso. O pouco interesse que o enredo 'lhe despertava sumiu por completo. O que não lhe desagradou. Porém, era impossível entregar-se a qualquer devaneio com o marquês de Dansbury sentado tão próximo.

Depois de uma longa agonia, chegou o intervalo. Lilith levantou-se depressa e recuou para a sombra do fundo do camarote.

— Lilith, o que pretende fazer? — o pai resmungou quando a filha tropeçou em seu pé.

— Desculpe-me, papai.— Ah, Srta. Benton!Lilith virou-se devagar. O marquês estava inclinado por cima da

beira do camarote, sem se importar com a altura que o separava do piso. Ele fitou o vestido azul bordado de contas com tanta intensidade que a jovem sentiu-se nua.

— Milorde. — Lilith fez uma rápida cortesia e virou-se novamente.

William ficou em pé e apressou-se em apertar a mão do marquês.

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— Quer parar com isso? — Tia Eugenia fitou o marquês com imponência.

— Posso aceitar a sugestão, milady, mas não creio que essa atitude a faria retirar-se — Jack afirmou, pesaroso.

Lilith sufocou um grito. Ninguém falava daquela maneira com Eugenia Farlane, embora ela mesma tivesse desejado fazê-lo muitas vezes.

— Stephen! — Eugenia encarou o irmão, engasgou e abanou-se com o leque.

— Não desejo problemas, Dansbury. — O visconde ergueu-se.— Muito menos eu, Hamble. Eu pretendia apenas saudar sua filha

e lhe agradecer pela observação inteligente que fez na reunião social da noite passada. Tenha certeza, milorde, de que isso mudou minha vida.

Lilith fitou-o com raiva.— Eu não...O visconde puxou-a pelo braço em direção à porta do camarote.— Boa noite, Dansbury! — resmungou e empurrou Lilith em

direção ao corredor estreito.Tia Eugenia levantou-se aos tropeços para seguir o irmão e a

sobrinha. Ficou presa na porta pela barra do vestido e, furiosa, tentou arrancá-la aos puxões.

— O que pensa que está fazendo, Lilith? — Eugenia empalideceu de ódio.

— E verdade que falou com ele?— Ele mentiu! — Lilith desesperou-se. — Eu não falei com ele.

Eu...— Chega! — o visconde interrompeu-a. — William, vamos

embora.O rapaz sacudiu a cabeça e tornou a sentar-se.— Ficarei para ver o final da ópera. Está muito interessante.A porta vizinha foi aberta e o marquês de Dansbury veio para o

corredor.— Oh, meu Deus! Parece que causei um transtorno familiar, não

é?Hamble cerrou os punhos. Lilith lembrou-se da fama de Dansbury.

Com receio de que o pai pudesse ser atingido, interpôs-se entre os dois.

— Causou, milorde. E bem grande. Boa noite.Lilith passou na frente do marquês com a cabeça erguida. O pai e

a tia apressaram-se atrás dela.— Boa noite, Srta. Benton — o marquês falou com suavidade. — Foi um prazer encontrá-la novamente.

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Lilith esperava outra descompostura por parte do pai ou da tia. Mas os dois seguiram em silêncio absoluto até a carruagem. O que a fez deduzir que agira corretamente. Recostou-se no assento estofado, imaginando quem seria a desconhecida que ousava aparecer em público com o marquês de Dansbury.

E quem teria lhe dado aquele maravilhoso colar de safiras?

Capítulo II

Lilith tomava o café da manhã quando Bevins abriu a porta da frente para William. Levantou a cabeça, suspirou e continuou a passar geléia na torrada. Deu graças a Deus por seu pai e tia Eugenia ainda não terem se levantado. Era muito cedo para mais uma discussão a respeito das orgias a que William vinha se entregando. Ele iria para a cama e, quando acordasse, o pai teria saído para mais uma de suas visitas políticas. Era como ele chamava os encontros com amigos que não via fazia seis anos, desde que deixara Londres.

— Lil?A porta da sala de jantar foi entreaberta.— Bom dia, William. Ninguém acordou. Só eu.— Ainda bem. — O rapaz escancarou a porta e entrou. — Estou cansado de ver meu pai berrar comigo.A gravata de William estava amassada e pendia do colarinho

aberto. Os olhos vermelhos apresentavam olheiras de cansaço.

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Lilith sentiu cheiro de bebida, charuto e, se não estava enganada, perfume feminino forte. O jovem sorria, o que não era bom augúrio.

— Presumo que a noite tenha sido proveitosa. — Ela lhe serviu uma xícara de chá quando o irmão se sentou na cadeira a seu lado.

Custava a acreditar que William, três anos mais velho, se mostrasse irresponsável e sem juízo. O pai tinha convicção de que o filho se parecia com a mãe e que Lilith era o oposto. A jovem supunha que o comportamento do irmão fosse apenas um sinal de rebeldia contra as posições intransigentes do pai. Algumas vezes ela desejava ter a mesma coragem.

— Esplêndida. Creio que os rapazes da universidade, mesmo os que moravam em Londres, não poderiam imaginar quantos divertimentos esta cidade oferece.

— Segurou a xícara entre as palmas e recostou-se no espaldar. — Isso só acontece quando travamos conhecimento com as pessoas certas.

Lilith não se mostrou entusiasmada.— Presumo que as pessoas certas foram responsáveis por

tamanho divertimento.William deu uma risada.— Acertou. Londres não tem nenhum segredo para eles.

Conhecem todos os cantos, até os mais escondidos. — Tomou um gole de chá. Inclinou-se para a frente e pegou uma fatia de pão torrado.

— Imagine só, Lil, em Londres há festas privativas para jogar cartas e muito poucos sabem disso. E os convites são exclusivos, para pessoas de alta classe.

— Verdade? — Lilith levantou as sobrancelhas e apoiou o queixo na mão. — Não diga!

— Pode caçoar, se quiser, mas esse é um divertimento de primeira linha. Jack disse que até mesmo Prinny freqüenta as reuniões de carteado de Antonia pelo menos uma vez em cada temporada.

— Jack?— Sim. Jack Faraday, o marquês de Dansbury. Ele sabe tudo a

respeito de jogos, mas eu também tenho meus truques. Ganhei dele trinta libras a noite passada e ele nem imagina como consegui isso.

— O marquês de Dansbury... — Lilith repetiu, entorpecida. William não tinha o menor juízo.

O irmão segurou-lhe a mão.— Não se preocupe, Lil. Dansbury é um bom camarada. Ele

conhece tudo. Na outra noite, levou-me ao Harém de Jezebel. Fomos com Ernest Landon e Price.

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— Ele o levou ao Harém de Jezebel.— O que houve, Lil? Por que está repetindo o que digo? Acho que

está lhe faltando um pouco de divertimento.— Faltando... William, por acaso tem idéia do tipo de pessoa com

quem está se envolvendo?— Por que diz isso, Lil?— Dansbury tem um caráter desprezível. Ele...— Bobagem. Naquela noite, Dansbury pretendia apenas

apresentar-se. Ele me disse que teve medo de vê-la desmaiar, tão cambaleante

estava. Garanti a ele que minha irmã jamais daria um vexame desses. No entanto, devo dizer que seu comportamento na ópera não foi muito diferente.

Lilith levantou-se, irritada.— Não fiquei cambaleante coisa nenhuma! Ele é uma pessoa de

má fama que não merece a consideração de ninguém. Não quero saber dele! Foi o que eu disse a seu querido marquês. Sugiro que faça o mesmo, William, antes que esse homem o arraste para o lodaçal no qual está mergulhado. Sabe por que ele se interessou tanto por William Benton? Para vingar-se de Lilith Benton, a que ousou envergonhá-lo. E...

William também se levantou.— Acho que sua mente não está trabalhando a contento. Meu

relacionamento com ele não a envolve.— Relacionamento com quem, William?Lilith e William se espantaram. O visconde entrou na sala a

passos largos, com o queixo contraído. Escutara pelo menos o último trecho da conversa. Stephen e William Benton tinham fisionomias muito parecidas. A exceção ficava por conta das rugas na testa e dos cabelos brancos nas têmporas de Stephen. Além disso, os temperamentos eram opostos. William era alegre e despreocupado. O visconde, sério e mais reservado do que Lilith. Ela se aborrecia por vê-lo sorrir tão pouco depois de a esposa adúltera tê-lo abandonado havia seis anos. Esperava que o próprio sucesso na sociedade e no casamento aliviassem o peso do coração do pai.

— Alguns novos amigos, papai — William murmurou. Em seguida, espreguiçou-se e bocejou. — Bem, preciso dormir. Hoje à noite temos o baile dos Felton.

— William, vou repetir pela última vez. — O visconde sentou-se na cabeceira da mesa.

— Seu comportamento em Londres refletir-se-á em todos nós. Espero que use a sensatez para evitar que a desgraça caia sobre esta família mais uma vez. Está claro?

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— Claro como água cristalina, papai.Lilith franziu a testa ao ver o irmão se retirar. Ela fora repreendida

com severidade pela tia por estar olhando para Dansbury. William tinha passado duas noites na orgia com o marquês e recebia uma recomendação para comportar-se bem! O irmão estava entusiasmado com seus novos amigos. Recusava-se a enxergar os motivos que levavam um infame como o marquês de Dansbury a querer amizade com um quase adolescente.

— Lilith, reserve uma valsa esta noite a Nance e outra a Jeremy Giggins. Uma quadrilha ao idiota do Henning e uma dança campestre a Peter Varrick. A menos que toquem quatro valsas durante a noite. — O visconde soou a campainha e pediu um bule com chá quente assim que o criado apareceu.

— Serão três valsas, papai.— Sempre pode aparecer mais um cavalheiro interessante — o

pai respondeu e fitou o criado. — Traga-me o jornal da manhã.— Pois não, milorde.Lilith olhou para a xícara de chá.— Papai, já decidiu a respeito da proposta de Lionel? E a segunda

vez em uma quinzena que ele pede sua permissão para casar-se comigo.

O visconde anuiu quando o jornal foi posto a seu lado.— Mesmo tendo boas informações a respeito dele, eu esperava

que as propriedades desse senhor fossem de maior valor. Entretanto, não o descartei. Mas vou esperar até o final da semana para dar minha resposta.

Apesar do pouco entusiasmo diante de um casamento iminente, Lilith alegrava-se pelo pai haver desistido do duque de

Wenford. Pelo menos assim lhe parecia. Lionel era agradável e bondoso.

— Será um alívio quando a decisão for tomada. Apesar de que eu gostaria que Lionel fosse melhor dançarino.

— Filha, não acredito que volteios em um salão sejam requisitos para um bom casamento. Ele tem uma reputação impecável. Não me importa se dança bem ou não.

— Sim, papai, eu estava apenas brincando.— Não se preocupe, filha. A condessa de Nance terá obrigações

bem mais sérias do que dançar uma valsa. — Benton acariciou o rosto da jovem.

— Mesmo assim, não esquecerei os outros candidatos até tomar a decisão final. Não devemos insultar ninguém.

— Está bem, papai.

O vento uivava e sentia-se o cheiro de chuva. Havia uma mesa

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reservada no White's para quem quisesse apostar se cairia neve em junho. O marquês arriscara o palpite de quinze centímetros, esperando perder. Mas começava a mudar de idéia. A neve seria ideal para perseguir a Rainha do Gelo.

— Por que isso nunca aconteceu?Jack piscou e fitou a mulher sentada na poltrona.— Do que está falando?Antonia St. Gerard serviu-se de mais uma dose de conhaque.— Nós nunca fomos amantes, Jack.O marquês sorriu e terminou de ler o noticiário do jornal.— Porque somos muito parecidos. Duas tarântulas guerreiras.

Uma mataria a outra.Antonia divertiu-se. As chamas da lareira deixavam seus cabelos

com uma tonalidade acobreada.— Não é a aranha fêmea que mata o companheiro depois do

acasalamento? — ela perguntou com leve sotaque francês.— Mais um motivo para eu evitar a situação, minha querida. —

Jack riu e voltou a ler.— Não imaginei que milorde pretendesse ficar lendo em minha

sala de estar. Pensei que desejasse jogar cartas. Se eu soubesse, não teria me levantado. Fui me deitar perto das sete da manhã.

— E preciso ter horários mais criteriosos para dormir.— Como milorde, por exemplo? Deveria ter vindo mais tarde.

Imagino que milorde nunca dorme.— Muitas vezes, não.Antonia apontou a pilha de jornais ao lado da poltrona de Jack.— O que está procurando nesses jornais velhos?— Uma notícia de falecimento. Não conheço ninguém que se dê o

trabalho de colecionar exemplares antigos do London Times. Por isso vim aborrecê-la.

Antonia deu de ombros e passou o dedo na borda do cálice de cristal, que respondeu em um lá sustenido.

— Nunca se sabe se terão utilidade algum dia. Morte de quem?— Elizabeth Benton. Lady Hamble. — Jack deixou o jornal na pilha

da esquerda e apanhou outro do lado direito. — Ninguém sabe dizer-me a data precisa.

— Essa mulher tem alguma relação com o belo jovem que nos acompanhou depois da ópera?

— Era a mãe dele.Jack tornou a ler, mas parou de repente. Antonia era mercenária

ao extremo. Faria qualquer coisa por lucro e poder.— Belo jovem, Toni? — O marquês levantou o olhar.Ela se espreguiçou e o penhoar luxuoso revelou várias atrações.

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Jack já se sentira interessado, sempre depois de beber em excesso, em desvendar os segredos de Antonia. Naquela manhã, sóbrio, não pensou no assunto.

— Belo e rico, suponho. Milorde até o deixou ganhar. E só faz isso com os bem favorecidos pela fortuna.

Jack sorriu. Havia deduzido que Antonia gostaria de conhecer William. Se tivesse na mão a chave para a ruína ou a salvação do rapaz, poderia prender Lilith Benton em uma armadilha. Já vira Antonia arruinar uma pessoa.

— Eu o trarei aqui mais tarde.— Obrigada, Jack.— Sempre às ordens. — Ele examinou os títulos do jornal de seis

anos atrás, datado de maio de 1815.O país, ou pelo menos Londres, ficara obcecado com a estratégia

de Bonaparte. Imaginavam se ele atacaria o Norte e enfrentaria Wellington ou se cruzaria o canal rumo a oeste e invadiria a Inglaterra. Quantos saberiam que Bonaparte tinha estado muito perto da segunda alternativa? Não muitos dos vivos.

— Algo interessante? — Antonia perguntou.— E o que está parecendo. Escute: "Elizabeth, lady Hamble,

amada filha... faleceu em decorrência de complicações de uma gripe em 14 de maio de 1815, aos trinta e cinco anos de idade". — Jack recostou-se.

— Bem, e o que isso quer dizer?— Amada filha... Nada sobre amada esposa ou mãe. Os pais dela

mandaram publicar o anúncio fúnebre. Nada parecido com sentiremos sua falta. Nenhuma referência a

qualquer contribuição social. Nem mesmo de amizade.— Milorde já fez alguma contribuição? — Antonia deu risada,

levantou-se e abraçou-o pelos ombros. — Como seria a notícia de sua morte?

— "Morreu Jonathan Auguste Faraday, marquês de Dansbury. Que sua alma descanse na paz do Senhor." — Ele dobrou o jornal e voltou-o à pilha. — Obrigado, Antonia.

— Terminou de tomar o vinho do Porto, consultou o relógio e levantou-se.

— Não vai me dizer por que o anúncio fúnebre o interessou tanto?Embora tivesse uma certa afeição por Antonia, não ignorava os

motivos por que colecionava jornais e cartas. Poderia usar, por vantagens próprias, o passado das pessoas. Nunca fizera nada parecido com ele, mas também nada havia para ser usado.

— Interesse banal.— Ou isso tem algo a ver com a Rainha do Gelo? — ela

perguntou enquanto Jack se dirigia para a porta.

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Ele desejou que Antonia não fosse tão esperta.— De onde tirou essa idéia, minha querida? Ela foi ao encontro de

Jack.— Milorde pode ter se afastado de Camilla, mas eu não.— Sorriu e passou um dedo no queixo do marquês. — Está com

muita raiva da jovem?— Não. Apenas irritado. — Depois de ver Lilith Benton na véspera,

aumentara a determinação de levá-la para a cama. — Estou tomando providências para remediar essa emoção.

— Não duvido. Não sei se tenho pena ou se a invejo. Ela não terá chance.

— Essa é a idéia.Jack pegou o sobretudo e o chapéu.— Eu soube algo sobre a Srta. Benton que poderá lhe interessar,

meu querido.Ele vestiu o casaco e desejou que o tempo esquentasse antes do

inverno.— Do que se trata?— Dos pretendentes.— Ah, os abutres. Deve haver dezenas.— Um deles é o duque de Wenford.Novas possibilidades passaram pela mente de Jack.— É mesmo?— Jack, eu lhe agradeço o presente. — Antonia deu risada.— Estou me referindo a William. Seremos seus devedores.— Não há de que, Toni. Eu a verei à noite. Bem tarde. Tenho

compromissos antes.— Eu sei.A condessa de Felton gostava de considerar-se progressista. Por

isso requisitara quatro valsas da orquestra que havia contratado para a festa daquela noite. As pessoas mais velhas reclamavam dos ritmos modernos e escandalosos. Os mais jovens adoravam.

Lilith apertava as mãos, nervosa, e Penélope fingia admirar um vaso com flores murchas da primavera. As únicas do jardim da condessa que haviam sobrevivido ao frio.

— O que ele está fazendo agora? — Lilith encostou-se à parede. Gostaria de estar mal vestida para

não chamar a atenção do duque.— Ainda falando com seu pai — Pen murmurou com o canto da

boca, espiando o salão lotado.— Ah, Pen, o que vou fazer? Por que lady Felton não requisitou

apenas duas valsas? Assim elas teriam sido tocadas antes de ele chegar.

— Que tal alegar pés doloridos e ir embora mais cedo?

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— Papai ficaria furioso. Por outro lado, é apenas uma dança, não é verdade?

Quando o pai lhe dissera para deixar uma valsa sem marcar, Lilith não esperava o comparecimento do duque de Wenford. Muito menos que ele soubesse dançar um ritmo tão moderno.

— Lil, entendo que esteja transtornada por causa do marquês de Dansbury. Por isso tudo fica pior.

— Pen, estou apenas aborrecida com ele. E uma coisa nada tem a ver com a outra.

— Acho que a ida do marquês ao recital de lady Josephine foi uma coincidência e não envolveu nenhum sentimento de vingança.

— Tomara que esteja certa. Tenho muitas outras coisas para me preocupar nesta temporada.

Durante dois meses, Lilith havia sido apresentada aos mais cobiçados nobres solteiros londrinos. Tivera de dançar. falar e sorrir o tempo inteiro. Apesar de seus esforços para se mostrar simpática, já tinha ouvido rumores sobre o fato de ser chamada de Rainha do Gelo, mas procurou ignorá-los.

— Srta. Benton.Lilith olhou para Pen, engoliu em seco e virou-se.— Alteza. — Lilith tentou sorrir. — Que bom ter vindo esta noite.A fisionomia esquálida do duque de Wenford não demonstrava

nada enquanto Lilith era examinada da cabeça aos pés.— Está na hora de nossa valsa.— Sim, Alteza.Sem nenhum entusiasmo, Geoffrey Remdale levou Lilith ao meio

do salão e executou os passos com frieza. Pelo menos o conde de Nance, embora preocupado em não lhe pisar os dedos, parecia divertir-se.

— A senhorita está com ótima aparência.— Obrigada, Alteza.— Tenho percebido que atrai os olhares de todos. Seu pai disse

que a senhorita é responsável pelas refeições da família.— Sim, Alteza. Mas somos apenas quatro e...— Por acaso já planejou grandes eventos como bailes ou

jantares?— Não, Alteza. — Agradeceu aos Céus por ter ficado praticamente

reclusa em Northamptonshire.— Pedirei a alguém que a ensine. Se não conseguir aprender,

contratarei uma pessoa para organizar tudo. Não importa.Lilith errou os passos e o duque estreitou os lábios, aborrecido.— Alteza... receio não haver entendido. — Aquilo era um

pesadelo! Não poderia estar acontecendo!— Nem precisa. Seu pai e eu vamos esclarecer alguns pontos,

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mas tenho pouca necessidade de um dote insignificante como o seu. Creio que não haverá empecilhos.

Lilith desejou ser uma daquelas meninas idiotas que desmaiavam por qualquer coisa.

— Vossa Alteza pegou-me desprevenida. Deve entender que não posso lhe dar uma resposta...

— Eu já lhe expliquei — o duque interrompeu-a, impaciente — que ainda vai demorar alguns dias para resolvermos tudo. Até lá a senhorita nada tem a dizer. — Ele a fitou com imponência. — Aliás, sua opinião não será relevante.

A música terminou e todos aplaudiram.— Sim, Alteza — Lilith murmurou.O duque a deixou perto de onde a encontrara e, sem nenhuma

palavra, foi ao encontro dos nobres mais idosos que estavam perto da lareira.

— Pelo menos já terminou. — Penélope aproximou-se. — Foi horrível?

— Ele pretende casar-se comigo. — Lilith tremia.— O quê!? — Penélope deu um grito e cobriu a boca com a mão.

— Ele disse isso?— Falou que não se importa com um dote insignificante. Deve

achar que serei uma duquesa à altura.— Lil, seu pai não pode consentir numa coisa dessas. O duque é

tão estranho e... medonho!— Quem é medonho?— William! — Lilith assustou-se ao ver o irmão chegar com duas

taças de ponche. — Fale baixo.— Está bem. Mas quem é medonho? — ele sussurrou e entregou

uma taça da bebida à irmã e outra a Penélope.Lilith tomou um grande gole, mas não conseguiu se acalmar.— O duque de Wenford — Penélope respondeu.— Aquele velho de rosto fino e comprido? Ele faria Belzebu correr

de susto. O que houve com ele?— Vai se casar com Lilith — Penélope afirmou, pesarosa.— O quê!? Está brincando comigo, Pen!— Não estou. — Penélope corou.— Fique quieta, Pen. — Lilith se virou para ver se o pai não estava

por perto. — Terá de ser segredo até que resolvam tudo.— Então fingirei que não ouvi nada — uma voz musical falou

atrás de Lilith.Lilith sentiu um frio na espinha. Tomou mais um gole de ponche

antes de se virar. O marquês de Dansbury a olhava com grande

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dose de cinismo. Entregou a William uma taça de ponche e ficou com outra. Vestido de azul e cinza-escuro, trazia um belo diamante na gravata.

— Creio ter deixado bem claro que não desejo lhe falar, milorde.— Lilith virou o rosto, lembrando-se das recomendações da tia.

Não se devia encarar ninguém. Muito menos um marquês mal-afamado.

— De qualquer forma, pouco tempo lhe sobraria para mim. Deve ser trabalhoso ter cinco propostas para analisar. Um recorde para a temporada que está começando. No entanto, terei de verificar os livros de apostas no White's para ter certeza. Madeleine, a marquesa de Telgore, recebeu sete pedidos antes de se decidir por Wallace. Mas os sete foram durante Uma temporada inteira.

Lilith lançou-lhe um olhar de desdém.— Meu estado matrimonial não lhe diz respeito, milorde. Por

gentileza, pare de seguir-me por toda parte.— Segui-la? — O marquês deu um passo à frente e franziu o

cenho, fingindo refletir. — Ah, a ópera. O recital de lady Josephine. Uma jovem

encantadora, não é mesmo? Tem bastante talento, embora parecesse nervosa ao extremo.

— O senhor é... perverso!— Lilith! — Pen admoestou-a, com os olhos arregalados.— Oh, não diga isso! A senhorita arrasou meus planos.— Quais planos, Jack? — William perguntou.— De atirar meu chapéu aos pés de sua irmã e anunciar minha

pretensão de ser o sexto candidato.— Não perca seu tempo e seu chapéu, milorde — Lilith disse.— Melhor ter o chapéu do que o coração arrebentado.— O senhor não tem coração.— Porque a senhorita o destruiu. — Dansbury não escondeu que

se divertia.Era surpreendente ele ainda não ter morrido em um duelo.— Uma pena que milorde também não tenha sido destruído.— Nesse caso, não poderíamos estar conversando. Devo

confessar ter imaginado a hipótese de a senhorita negar-se a falar comigo. Rezei para que mudasse de idéia. Talvez fosse melhor eu atirar minha luva e não meu chapéu.

A gargalhada de Dansbury, tão musical como sua voz, substituiu o sorriso fascinante.

Lilith deu-se conta de que o encarava de novo. Não havia desculpa para isso, por mais atraente que o marquês fosse. Nem para enraivecer-se ou ser mal-educada.

— Pelo menos um de nós está se divertindo com sua sagacidade,

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milorde. Como não sou eu...— Lilith — Penélope segurou no braço da amiga —, ele está

voltando.Wenford tornava a aproximar-se. Lilith refletiu que não suportaria

falar com ele de novo. Precisava de algum tempo para discutir a situação com o pai. Teria de revelar-lhe a aversão que sentia pelo duque antes que fosse tarde demais.

— Oh, não.O marquês seguira o olhar de Lilith.— Suponho que eu deva dar a ele minhas congratulações.— Não se atreva. — Lilith empalideceu. Wenford a rotularia de

boateira e o pai ficaria furioso.— Se estivéssemos conversando, eu poderia ser convencido a lhe

obedecer. — Jack caminhou ao encontro do duque.— William! — Lilith apontou na direção do marquês. — Impeça-o!— Lil, ele está apenas querendo se divertir com o velho da ( ara

comprida. Isso o deixará de bom humor. Quero que Jack me leve ao Society esta noite.

— William, ele não deve...— Wenford — Dansbury falou em voz alta. — Ouvi dizer que milorde merece congratulações.O duque fitou Lilith e depois o marquês.— Não sei do que está falando, Dansbury. Como de costume, está

agindo de maneira lamentável.O tom ácido do duque surpreendeu Lilith. Chegou a pensar em

Dansbury com maior boa-vontade. Penélope, atônita, olhava de um para o outro. William sorria com admiração pelo seu mentor.

— Não tanto como certas pessoas. — Dansbury tirou uma poeira imaginária da lapela de seu paletó azul. O que fez o duque e os outros fitarem o diamante esplêndido do alfinete de gravata.

— Milorde é um ladrão! — O duque de Wenford corou intensamente e adiantou-se.

Dansbury esquivou-se com graça.— Agora eu é que estou com receio de ser furtado. Pensei que o

ladrão fosse milorde.— O alfinete pertence à família Remdale, patife! Sabe muito bem

disso! — Wenford gritou.A orquestra parou de tocar e os dançarinos se viraram para ver o

que estava acontecendo. A condessa de Felton postou-se junto à mesa de aperitivos, exultante. Graças a Wenford e a Dansbury, o baile se tornara o evento da temporada.

O marquês fitou o objeto da disputa, como se estivesse

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espantado pela confusão causada.— Este diamante foi ganho esta noite em um jogo de dados. E

agora pertence à família Faraday.— Vão todos para o inferno! — O duque estava furioso.— Será que vai haver um duelo? — Pen sussurrou, excitada.— Pelo que eu soube,, ninguém ousa desafiar Dansbury — Lilith

murmurou. — Ah, como eu adoraria que os dois se matassem.Pen cobriu a boca com as duas mãos para abafar a risada.— Esse alfinete está na minha família há gerações! — Wenford deu mais um passo em direção ao marquês.— Pelo visto, seu sobrinho não o valorizava tanto. De outro modo,

teria levado mais dinheiro ao Boodle's ou teria saído do jogo quando começou a perder em demasia. Nunca se deve jogar quando não se pode ganhar. Foi milorde quem ensinou essa lição à minha família.

O duque, a ponto de explodir de tão vermelho, fechou as mãos em punho.

— Seu...— De qualquer modo — Dansbury fitou Lilith —, milorde está para

fazer uma nova aquisição, não é?— Oh, não. — Lilith desejou que o chão se abrisse para que se

escondesse. Metade do salão a observava, murmúrios crescendo. — Ele é um patife!

— Isso não é de sua conta, Dansbury! Devolva meu alfinete.O marquês sorriu para Lilith e em seguida, com aparente

relutância, fitou Wenford.— Queira perdoar-me, Alteza, mas estou atrasado para um

encontro. — Jack foi em direção à porta. Ao alcançá-la, virou-se e acrescentou: — Compreendo que o alfinete tem muito valor para Vossa Alteza. Se milorde ou seu sobrinho quiserem me procurar amanhã, devolverei o diamante a sua família pelo valor da mesa.

— Quanto foi? — Wenford espumava de raiva.— Mil, duzentas e setenta e sete libras — Dansbury falou e saiu.Os amigos grisalhos do duque juntaram-se a ele num coro de

blasfêmias dirigidas ao marquês.— Santo Deus! — William saiu do transe. — Dansbury não é o

máximo? — Entregou a taça de ponche a Lilith e foi atrás dele.— O marquês não tem medo de nada — Penélope disse,

admirada, e abanou-se com o leque. — Tem razão, Lil. Ele a está perseguindo. Quer ser o sexto pretendente.

Lilith sentiu o coração disparar.— Bobagem. Dansbury está com raiva de mim e essa é uma

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maneira de vingar-se.— Pode ser.— Pen, eu não devo irritar Sua Alteza e...— Lilith. — O visconde aproximou-se. — Seu irmão é um idiota.— Sim, papai, eu sei.— Queira perdoar-nos, srta. Sanford — lorde Benton disse —, mas

precisamos ir agora. Wenford está furioso.— Papai, Sua Alteza conversou a respeito...— Falaremos mais tarde, minha filha.— Lil. — Pen segurou-lhe a mão. — Mamãe e eu convidamos lady Georgina Longstreet para ir

amanhã à noite no Vauxhall Gardens. Venha conosco.Lilith não se sentia bem naquele parque sempre freqüentado por

multidões.— A mãe de lady Georgina também irá? — o visconde perguntou.— A marquesa foi convidada — Pen respondeu. — Não sei se ela

nos acompanhará.— Lilith vai adorar o passeio — lorde Hamble afirmou.Após os acontecimentos daquela noite, Stephen Benton fazia

questão de ver a filha na companhia da marquesa. Lilith considerou que, sem dúvida, seria mais divertido do que escutar os sermões enfadonhos e intermináveis de tia Eugenia.

— Claro. Aceitarei com muito gosto. Tia Eugenia esperava por eles na saída.

— Que audácia daquele homem! Praticamente atacou Sua Alteza. Não sei como uma pessoa dessas ainda circula livremente pela cidade, depois de tudo o que tem feito. — Fitou o irmão com raiva. — E seu filho anda atrás dele como um cão sem dono! Uma vergonha, Stephen. A Sra. Pindlewide notou o ocorrido e o marido dela tem muita influência sobre lorde Liverpool.

— A amizade de William com o crápula terminará assim que o rapaz voltar para casa.

Lilith esperava que a promessa se concretizasse. Quanto maior a distância de Jack Faraday, melhor.

O marquês de Dansbury acordou com as batidas na porta da frente. Sentou-se na cama com um gemido e esfregou as têmporas. Nove horas da manhã era muito cedo para receber visitas. Na noite anterior, cedera à insistência de William Benton e o levara ao Clube Society, apesar das pessoas esnobes que o freqüentavam. A dor de cabeça que sentia era a prova de que o encontro com o duque de Wenford o irritara em demasia. A família Remdale tinha a capacidade de despertar o que havia de pior nele.

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— Milorde? — O criado de quarto entreabriu a porta.— Entre, Martin. Estou acordado.O criado obedeceu e lhe estendeu uma xícara de café forte, que

em geral aplacava uma compostura menos civilizada. Jack tomou um gole e Martin foi até o guarda-roupa de mogno.

— O que milorde deseja vestir esta manhã?— Diga logo quem estava batendo na porta, Martin!— Trata-se de Randolph Remdale. Ele o espera, impaciente, na

sala de estar. Sempre pensei que o sr. Remdale fosse um cavalheiro educado. Mas aparecer a esta hora...

— O sobrinho... — Jack interrompeu sem se interessar pela história de Martin.

— Digamos que eu prefira algo conservador. Isso o aborrecerá sobremaneira.

— Mas o que...— Quero que ele se lembre de que minha condição social é

superior à dele. — Dansbury tirou o camisão de dormir e jogou-o na cama. Odiava

aquele traje. Assim que esquentasse, ele o dispensaria. — Pelo menos por enquanto.

Minutos depois, vestido com um paletó marrom mais adequado a um banqueiro do que a um nobre, guardou o diamante no bolso do colete e pediu a Martin que ficasse ali, em seus aposentos.

— Terei de sair em seguida e trajado com algo menos... formal.— Mesmo em seu pior traje, milorde tem uma aparência melhor

do que a maioria.Jack sorriu.— Martin, elogios como esse trarão cinco libras extras em seu

envelope de pagamento.— E o que sempre acontece, milorde.O marquês desceu a escada e refletiu que seu jogo se desviava

um pouco da rota. Lilith era uma jovem de inteligência superior à das outras de sua idade. Ele adorava um desafio e saber que ela possuía raciocínio rápido e sagaz tornava sua meta ainda mais interessante.

William era o oposto. Com exceção de si mesmo, nunca vira um rapaz tão determinado a conseguir uma péssima reputação. Havia sido o que fizera consigo mesmo quando tinha recebido o título de marquês aos dezessete anos e ficara sozinho no mundo. William tinha menos sorte nesse aspecto. Não havia tutor mais eficiente do que o próprio indivíduo quando se tratava de autodestruição.

Peese esperava Jack no térreo.— Milorde. — O mordomo entregou-lhe o cartão de Dolph

Remdale.

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— Informei ao Sr. Remdale que milorde ainda não se levantara. A resposta não pode ser repetida.

— Pois não repita.— Então ele disse que eu fizesse com que milorde descesse

imediatamente.Jack examinou o cartão bem escrito e com enfeites discretos.

Comprometido com manchas de suor e pontas amassadas.— Obrigado, Peese. Tomarei café em cinco minutos.— Na sala de estar da frente?— Já que insiste...O mordomo estreitou os olhos e desistiu de dar uma inter-

pretação ao comentário.— Sim, milorde. — Peese foi ao corredor e abriu a porta da

pequena sala de estar.O herdeiro presuntivo do duque de Wenford estava em pé diante

da janela da frente. Jack tinha de agradecer a Lilith pela oportunidade de arrumar problemas com os Remdale. Isso o fez considerar que seria uma grande tolice a Srta. Benton aceitar o casamento com Wenford, apesar do título. Assim como fora uma idiotice ela insultar o marquês de Dansbury.

Para uma jovem inteligente, suas escolhas e decisões pareciam pobres.

Jack parou na porta para observar o visitante. Antonia St. Gerard muitas vezes se referia a Randolph Remdale como o Adônis loiro de Londres. Dizia-se que ainda não se casara por não haver encontrado uma mulher adequada para se tornar a duquesa de Wenford. Isso quando ele herdasse o título. Jack suspeitava que Dolph continuava solteiro por causa de seu temperamento e por não querer dividir com ninguém a residência em St. George Street.

— Bom dia, Remdale. — Jack entrou na sala. — Devo ter a pretensão de perguntar-lhe o motivo da visita ou poderemos...

— Inacreditável! — Dolph virou-se e encarou Jack com os tão apreciados olhos azuis. — Eu lhe disse que ficasse com o alfinete e ponto final. Não sei por que teve de exibi-lo em público!

— Suas palavras foram exatamente estas: "Pegue este maldito alfinete e faça com ele o que quiser"! Acreditei no que me disse. — Jack ajustou a posição do retrato de seu pai feito por sir Joshua Reynolds. O antigo marquês não dera um sorriso nem mesmo para a imortalidade. Felizmente sua esposa havia tido senso de humor suficiente para os dois. — Estou errado?

— Bastardo. — Remdale tirou uma algibeira de couro do bolso e jogou-a sobre a mesa.

— Está aqui.— Por que parece tão agressivo? — O marquês surpreendeu-se.

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No dia anterior, Dolph estivera bem mais calmo.— Não é de sua conta, Dansbury. Onde está o alfinete?Jack tirou o diamante do bolso e examinou-o.— Tio Geoffrey está pagando suas dívidas de jogo?— Dê-me o alfinete!O marquês jogou-o para Dolph.— No futuro, sugiro que não jogue contando com a herança da

família. Tio Geoffrey não ficou nada feliz em ter perdido a peça.Dolph ficou vermelho de raiva.— Eu deveria desafiá-lo por isso, patife.Aquilo parecia promissor. Os Remdale não costumavam começar

lutas que não podiam ganhar, a não ser que fossem forçados. E Jack ficaria feliz de mandar um deles, de preferência o duque, para o inferno.

Peese bateu na porta e entrou com o desjejum.Ao ver a tigela com geléia de laranja, Jack não teve dúvida. Jogou

o conteúdo no rosto de Dolph Remdale.— Isso o convenceu?Remdale cuspiu, desequilibrou-se para trás é passou a mão na

geléia que escorria em seu paletó fino.— Bandido! Desclassificado!— Bem? — Jack examinava as unhas. — Vai me desafiar ou não?Dolph fitou-o, mesclando a incerteza com a fúria. Limpou a geléia

que estava no nariz.— Farei pior do que isso. — Passou por Jack e Peese. — Eu o arruinarei. Garanto que se arrependerá do que fez. —

Remdale tomou o caminho da rua.— Covarde. — Jack lambeu o doce do dedo.— Milorde?— Sim, Peese.— Por isso pediu o desjejum?— Antes eu tivesse o dom da premonição.Jack deixou a tigela na bandeja e foi até a porta, pensando no

próximo encontro com Lilith Benton. William se encarregaria de revelar-lhe qual seria o compromisso para aquela noite.

— Peese, leve a bandeja para o meu quarto, por favor. E mande selar Benedick. Já que fui arrancado tão cedo da cama, vou aproveitar o tempo.

Ele prometera ajudar William na compra de um cavalo no leilão daquele dia. Seria bom lembrar o garoto de que Antonia tinha preferência pelos árabes negros.

O mordomo fitou o tapete persa manchado e suspirou.

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Capítulo III

O barulho em Vauxhall Gardens era ensurdecedor. Lilith preferia o parque durante o dia, quando as alamedas ficavam bem menos lotadas. A noite, durante a temporada, as soirées animadas e os espetáculos de fogos de artifício eram lendários. Seu pai não teria permitido o passeio, se não fosse pela presença de lady Georgina.

— Lilith, pare de franzir a testa. Ficará cheia de rugas.Lorde Greeley e o sr. Aames rodeavam a fonte central e

cantavam uma balada. O tema era uma jovem escocesa que, pelo visto, ambos haviam conhecido intimamente.

— Não estou franzindo a testa, Georgina. Apenas não entendo o comportamento tolo de certas pessoas.

A dama inclinou-se sobre a beira do camarote alugado.

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— Meu pai diz que todo o mundo é tolo, mas alguns sabem disfarçar melhor a tolice.

Lilith sorriu. Atrás de Georgina, Pen torceu o nariz. Georgina era míope, uma cabeça-de-vento. Mas, com um dote de dez mil libras, sua parca inteligência e visão equivalente pouco importavam. Lilith observou o gazebo onde a orquestra tocava uma bela peça de Haydn e suspirou. Por ser considerada uma beldade, também seria vista como superficial.

O carrinho de doces passou perto e Lilith ofereceu-se para comprar sorvete às amigas. Elas recusaram, alegando a tem-peratura fria. Lilith saiu do camarote e foi até o ambulante. Comprou sorvete de morango e estremeceu ao escutar a voz do duque de Wenford por perto. Apavorada, escondeu-se atrás do gazebo. Sem a presença de Pen ou William, não se sentia capaz de enfrentar o duque. A voz se aproximava. Lilith deu alguns passos para a frente e abaixou-se para não ser vista. Então deu um encontrão em outra pessoa.

— Desculpe-me. — Lilith procurou endireitar-se e sentiu que a vítima a segurava pelo cotovelo. — Sou mesmo uma desajeitada...

— Não foi nada, Srta. Benton — o marquês de Dansbury respondeu.

— Eu é que estava no lugar errado.— O que milorde faz aqui?— Para ser franco — Dansbury soltou-lhe o braço —, estava

apreciando a orquestra.— Há muitos bancos do outro lado para esse propósito. — Lilith recuou.Ela pensara em escapar do duque de Wenford e, no entanto,

ficaria outra vez no meio de uma disputa entre ele e Dansbury!— Eu não gostaria de arriscar meu bom nome e ser visto em um

banco sem companhia. Talvez a senhorita pudesse acompanhar-me.

— Milorde deve estar brincando! Dansbury seguiu-lhe o olhar.— A senhorita encontra-se em alguma dificuldade?— Não!— Nem está evitando ninguém?William tinha razão de louvar a esperteza do marquês.— Só se fosse milorde.— Pois devo informá-la de que seu quinto pretendente está se

aproximando...Desesperada para fugir da situação, Lilith virou-se e foi arrastada

para trás de uma moita.— Como o senhor ousa!— Fique quieta. — Dansbury cerrou-lhe os lábios com o dedo.

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Espantada, Lilith deu-lhe um tapa na mão. Virou-se para sair dali e escutou de novo a voz de Wenford. Ele estava do outro lado do gazebo e a veria, se ela tentasse escapar dali.

— Na certa não vai querer chamar a atenção dele, não é?— Isso não é de sua conta!— Então vou embora. — Dansbury fez menção de sair dali.— Não se atreva a deixar-me para trás, como se estivéssemos

escondendo alguma coisa.— Está requisitando a minha companhia?— Não lhe pedi que me arrastasse para cá! Não pretendo causar

má impressão aos outros. — Lilith estreitou os olhos. — Embora essa deva ser sua intenção.O marquês voltou a ficar de frente para ela e franziu os lábios.— Se eu pretendesse arruinar-lhe a fama, teria tirado a roupa de

ambos.Lilith corou.— Essa é uma das sutilezas da sedução que está ensinando a

William? Nesse caso, receio que ele vá se encaminhar para o celibato.

— Se desconfia de minhas mais puras intenções, Srta. Benton, então será melhor que eu me retire.Dansbury fez uma mesura e afastou os galhos.— Ele ainda está lá, passando um sermão em Greeley. Parece

que o idiota resolveu andar pela fonte de novo.— De novo? — Lilith repetiu e espiou por cima do ombro de Jack.

Acabou admirando o queixo bem delineado do marquês e nada viu.— A cada temporada, Greeley acaba dentro da água pelo menos

duas vezes, o que não me surpreende. Ele tem mesmo cara de sapo.

Lilith notou que Greeley tinha uma doença de pele que deixava manchas desagradáveis.

— Não acho a menor graça!— Não acredito! Greeley é o sétimo pretendente? Queira

desculpar-me. Eu não tinha a menor idéia.— Ele não é pretendente — Lilith impacientou-se — e muito

menos milorde.— Mas como eu poderia não ser? — Jack protestou. — Não penso em outra coisa que não seja seu sorriso angelical e

em beijar seus lábios. Como a senhorita tem coragem de me banir de seu coração?

— Fico surpresa de saber que na sua mente ainda há lugar para mim. Milorde passa o tempo inteiro entre jogos de cartas e dados, conhaque e vinho do Porto.

Inquieta, Lilith admitiu que nem mesmo Lionel fizera sugestão de

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beijá-la. De repente, levou um susto quando os fogos de artifício começaram a ser detonados.

Dansbury endireitou-lhe o xale azul nos ombros. O pulso de Lilith disparou quando o marquês roçou os dedos enluvados em seu pescoço.

— A senhorita exagera. Eu quase nunca bebo conhaque.— Mesmo que isso fosse verdade, não o redimiria de seus

pecados.— Há sempre uma esperança.!— Dansbury aproximou-se. Uma

cascata de luzes brancas iluminou o céu e fez seus olhos brilhar. — Será que não existe caridade em seu coração para uma pobre alma torturada?

— Milorde afastou-se do caminho do Bem e está tentando fazer o mesmo com meu pobre irmão. — Lilith teve de se esforçar para manter uma expressão afrontosa.

— Então ele está seguro, pois meu caminho leva direto à senhorita.

Lilith deveria fugir dali, apesar do risco de se deparar com Wenford. Mas não deixaria que Dansbury tivesse a última palavra.

— Esteja certo, milorde, de que encontrará o portão trancado.— Então terei de pulá-lo.Por que Dansbury insistia em ser encantador sabendo que ela o

desprezava?— Comprarei um cachorro grande.— Como estou enamorado, acabarei mordido.— O que me daria imenso prazer.— Srta. Lilith, gostaria que eu morresse só porque pretendo pedir-

lhe para dançar uma valsa? — Jack empurrou com delicadeza uma mecha de cabelos para trás da orelha dela.

A jovem teve de lutar para controlar as emoções contraditórias que a assolavam. Se ele não parasse de tocá-la e de olhá-la com tanta intensidade, não imaginava do que seria capaz.

— Milorde sabe o que estou pretendendo dizer.— Não sei. Por favor, explique-se.— Muito bem. Quero que deixe William em paz.— Não posso fazer isso. Gosto muito dele.— Milorde o está arruinando. Acabará destruindo meu pai... e me

fará sofrer. A menos que essa seja sua intenção, atenda a meu pedido.

Dansbury sorriu com sensualidade.— A senhorita não sacrificaria alguma coisa para salvar seu irmão

do demônio por quem me toma?Lilith estreitou os olhos.— Milorde não tem coração. Um cavalheiro com o mínimo de

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bondade não faria o que milorde está fazendo.— A senhorita já me informou de que não tenho nenhuma

qualidade positiva. Desse modo, não poderia empregá-las. Talvez eu tenha pensado em Lilith Benton como a minha última chance de salvação. A senhorita é bela como um anjo. Não poderia livrar minha alma da ruína?

Ela sentiu o coração bater em descompasso quando Dansbury se inclinou e fitou-lhe os lábios.

— Eu...— Srta. Benton! — uma voz masculina chamou e Lilith assustou-

se.Era o conde de Nance. Felizmente, não se tratava do duque de

Wenford. Lionel Hendrick era bem mais sensato.— Dansbury a ofendeu? — Nance, de cenho franzido, encarou o

marquês.— Eu a ofendi, Srta. Benton? — Jack perguntou com inocência.Lilith gostaria de estapeá-lo por tê-la feito imaginar como seria o

beijo. Lionel também parecia disposto a uma disputa. Mas com certeza ela não pretendia ser envolvida em outro dos inúmeros escândalos do marquês.

— Eu apenas não queria mais conversar com ele.— Então me permita levá-la de volta até suas amigas. Elas estão

a sua procura. — Nance passou a mão de Lilith no braço dele.— Fique à vontade, Nance. Cuidado, srta. Benton. Seu gelo, isto

é, seu sorvete está derretendo.Lilith se esquecera completamente da iguaria.— Obrigada, lorde Nance.Quando saíram da moita, Lilith não viu o duque nas redondezas.

O marquês poderia ter inventado a história de que Wenford ainda se encontrava por perto para mantê-la escondida com ele.

O leve cheiro de enxofre dos fogos de artifício já havia se dissipado quando o conde de Nance a levou de volta ao camarote dos Sanford. Lilith estava convencida de que Jack Faraday era a personificação do Mal. Ele se apossara de William e agora estava atrás dela. Mas haveria de lhe mostrar que não era nenhuma menina covarde ou tímida.

Tratava-se de um pequeno jogo que o marquês de Dansbury não ganharia.

— Jack, poderia fazer o favor de me explicar o que estamos fazendo aqui? — Ogden Price murmurou e apontou um grupo de mulheres próximas a eles.

— Estamos em uma degustação de chá. — O marquês pôs mais um biscoito no pequeno prato que levava. — Procure sorrir, Price,

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ou acabará assustando as coitadas.— Milorde está ficando demente — o amigo concluiu, de-

sanimado. — Por que não convenceu sua irmã ou Antonia a acompanhá-lo, em vez de me trazer para esta confusão?

— Antonia tem hábitos notívagos. A família por parte de minha irmã não fala comigo. Price, um pouco de civilização é bom para a alma.

— Milorde não tem alma ou jamais teria feito isso comigo. Passe-me um biscoito.

As mulheres falavam sem parar. Para completar a tortura de Jack, Lilith ainda não chegara. William Benton ficaria em apuros se estivesse errado sobre os planos da irmã naquele dia.

— Mel ou amoras?— Mel, seu sem-vergonha.— Price, modere sua linguagem. — Jack mordeu o biscoito, sorriu

e falou com uma das mulheres: — Sra. Falshond, estes são maravilhosos. Eu gostaria que desse a receita a minha cozinheira. Eles por acaso levam canela?

A Sra. Falshond levantou a cabeça e adiantou-se.— E canela, sim, milorde. — A anfitriã tinha voz esganiçada. — Os

ingredientes fazem parte de uma antiga receita de família.Jack cutucou Price para que ele também experimentasse um.— Espero que a senhora não se importe em fornecer a receita.— Claro que não, milorde. — Amistosa e certa de que o marquês

não representava perigo naquele dia, segurou no braço de Jack.— Esplêndido.A Sra. Falshond bateu palmas.— Vamos prosseguir, senhoras? — Então ela se virou para a

porta. — Ah, Sra. Farlane, Srta. Benton. Fico feliz que tenham vindo. Acredito que já conhecem os presentes.

Lilith procurou esconder a surpresa, virou o rosto para não ter de olhar para o marquês enquanto estendia a mão à anfitriã, dizendo:

— Eu também estou satisfeita, Sra. Falshond. Obrigada por ter-nos convidado.

Jack sentiu novamente o disparo de seu coração na presença de Lilith. A primeira vez havia sido na noite anterior quando a encontrara no parque. Era um fato constrangedor e intrigante.

Ele passou a meia hora seguinte experimentando chás do mundo inteiro e distribuindo sorrisos encantadores em uma sala cheia de mulheres hostis. Notou que a Srta. Benton permanecia em silêncio. Na verdade, ela só expressava sua opinião quando não havia ninguém importante nas proximidades. Como não o considerava importante, continuaria falando com ele. Aceitável.

Depois de algum tempo, Jack conseguiu deter Lilith no espaço

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compreendido entre uma mesa e a lareira. Price ficou encarregado da Sra. Falshond e da desagradável tia

Eugenia.— Boa tarde, Srta. Benton. — Jack pegou um pãozinho doce por

cima do ombro de Lilith.A jovem olhou a tia de revés.— Lorde Dansbury. — Lilith não fez nenhuma tentativa para

afastár-se.— A senhorita experimentou a mistura de Madagascar? — Jack

roçou a mão na manga de Lilith para indicar o bule mais próximo.— Não. — Ela continuou imóvel.— Pois eu a recomendo. — Jack pegou outro pão doce e prendeu

Lilith entre seu corpo e a mesa. — Bastante refinada e com um leve sabor de especiarias.

— Certamente.Lilith abaixou a cabeça para devolver o prato à mesa e Jack teve

de conter-se para não lhe beijar a curva suave do pescoço. Imaginou por um momento quem estaria seduzindo quem.

— Como a senhorita, imagino.— Vá embora.— Por favor, olhe para mim quando estiver falando comigo. Lilith

sacudiu a cabeça.— Não estou falando com milorde.— Pois ouso discordar. — Jack sentiu a fragrância de la-vanda e

chá.Quando a respiração dele tocou-lhe os cabelos, ela estremeceu.Então, Lilith respirou fundo e virou-se.— Agora milorde pode fazer a gentileza de retirar-se?Price tossiu, indicando que perdera o controle sobre as duas

senhoras.— Algum dia — Jack levou a mão de Lilith aos lábios —, a

senhorita haverá de pedir-me para ficar.— Lilith! — a tia chamou-a.— Nunca farei isso, milorde.— Veremos. — Jack sorriu.Lilith e tia Eugenia saíram da tarde de degustação de chás para a

casa da modista, onde se encontrariam com Penélope e lady Sanford.

— Imagine o meu horror, Daphne — Eugenia comentou com a amiga na loja —, ao entrar na sala e ver o demônio em pessoa diante de nós. O marquês de Dansbury fingindo estar interessado em experimentar chás.

— Dansbury estava lá? — Pen cochichou com Lilith.Lilith anuiu enquanto as duas senhoras desfiavam um rosário de

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atitudes intoleráveis cometidas por Dansbury. Impaciente, foi até um manequim que exibia um vestido quase pronto.

— Tem certeza de que não é muito ousado? — ela perguntou à modista.

— Mais non, mademoiselle — madame Belieu protestou. — Quando o experimentar, verá que ficará parfaite.

Na opinião de Lilith, o decote do vestido de seda verde-esmeralda era muito exagerado. Dansbury certamente acharia decente, mas os padrões dele eram inaceitáveis.

— O traje é um tanto... — Tia Eugenia franziu a testa.— Adorável. — Lady Sanford sorriu, aprovando. — E combinará

com seus olhos, Lilith. Uma bela escolha, Eugenia.— Obrigada, Daphne. — Eugenia fitou a roupa com dissabor.Lilith acabou convencida. O vestido era maravilhoso e ela nunca

tivera permissão de usar uma roupa tão linda.— Eu o terminarei, mademoiselle, e mandarei entregar amanhã

com o dourado.— Obrigada, madame. — Seria um belo traje para usar no baile

dos Rochmont.Pen aproveitou para falar com Lilith enquanto tia Eugenia pedia

para ver as novas sedas francesas.— Lil, o que ele fez? — Pen sussurrou.Lilith tentou apagar da mente o belo e provocante marquês de

sorriso irresistível.— Experimentou chás.— Verdade?— Sim. Agora pare de falar nele, por favor.— Lil — Pen insistiu e empurrou a amiga para um canto da loja —,

quando eu disse a Mary Fitzroy que o marquês de Dansbury queria ser um de seus pretendentes...

'-*— Pen! Não deveria espalhar histórias como essa.Tais rumores, ainda mais depois dos encontros acidentais no

recital e na ópera, poderiam desencorajar Wenford. Um fator positivo. Mas, por outro lado, também desencorajariam o conde de Nance e os outros pretendentes.

— Mary não dirá nada a ninguém — Pen afirmou. — Ela também disse que Dansbury nunca fez a corte para

nenhuma jovem. Ele deve estar apaixonado.Pretendentes não se comportavam de maneira provocativa! Além

disso, os insultos que ela lhe dissera haveriam de desencorajar o mais ardente dos candidatos. Dansbury apenas no divertia.

— Bobagem. Acredito que ele esteja apaixonado apenas por ele mesmo. Além do mais, eu não sou o tipo de mulher que poderia atraí-lo.

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— Mas ele é tão lindo. — Pen pestanejou e suspirou.Na noite anterior, sem conseguir dormir, Lilith concluíra que

patifes deveriam ter aparência de patifes. Assim ela não se sentiria atraída por olhares penetrantes e pela beleza física antes de obter informações sobre o caráter deles.

— Pen, não se lembra de ter-me dito que Dansbury atirou em uma mulher? E todos conhecem o comportamento indecoroso dele. O marquês vai arruinar William. Ele está irritado porque o rejeitei. Pretende apenas vingar-se.

— Tem certeza?— Absoluta. Um homem como o marquês de Dansbury não tem

por que se interessar por mim. —Apesar do que ele dissera, Lilith não via motivos benéficos no excesso de atenções.

— Não sei, Lil. — Pen deu de ombros. — Ainda assim, acho difícil alguém não a achar encantadora e pretender fazê-la sofrer.

— A vilania não tem limites. Pode parecer melodramático, mas é verdade.

— Eu sei. — Pen suspirou. — Mas não consigo imaginar um libertino ameaçando sua virtude.

— Ninguém ameaça minha virtude. Não se preocupe.A campainha da frente soou. Uma mulher morena e grávida

entrou na companhia de uma criada.— Lady Hutton — madame Belieu cumprimentou-a depois de

pedir licença às outras clientes. — Está enchanteresse hoje.— Agradeço as mentiras lisonjeiras, madame — respondeu lady

Hutton com um sorriso.— Eu teria lhe mandado o vestido — a modista falou e em

seguida pediu a uma das ajudantes que pegasse a encomenda da dama.

— Obrigada, mas resolvi dar um passeio e poderei levá-lo. Richard está determinado a manter-me prisioneira até o final do verão. Este é um dos poucos lugares que ele me permite vir.

Lady Sanford adiantou-se e apertou a mão da mulher.— Alison, creio que ainda não conhece Penélope, minha filha,

nem Eugenia Farlane. — Então virou-se e apontou Lilith.Está é a sobrinha da Sra. Farlane, Srta. Benton. Eugenia, Pen,

Lilith, esta é lady Hutton.— Prazer em conhecê-la. — Pen fez uma cortesia.— Lady Hutton. — Lilith também fez uma mesura.Alison Hutton era muito bonita. Tinha cabelos castanho-<• touros

e pele bronzeada que lembravam ancestrais espanhóis no franceses. O sorriso era agradável.

— Perdoem-me se não me levanto. Mas neste estado...

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— Entendemos perfeitamente. — Lilith sorriu.— Seu marido não é o barão Richard Hutton? — Eugenia

perguntou.— E, sim — Alison concordou, sem se ofender com a pergunta

direta. — A senhora o conhece?— Então milady é proprietária de Linfield em Shropshire?— Sim. Como foi que conheceu Richard?— Lorde Dupont, que era seu vizinho em Hawben Hall, foi amigo

de meu falecido marido.— Ah, sim. Richard fala com freqüência de lorde Dupont. Antes de

morrer, ele entregou a Richard e a sua mãe a maioria das roseiras de sua falecida esposa. São espetaculares.

— Minha sobrinha cuidava de um jardim em Hamble Hall c faz o mesmo aqui. Ela adora rosas e desde pequena vive com as mãos sujas de terra.

— Titia — Lilith admoestou-a, sorrindo com timidez. Cuidar de rosas era um dos poucos hábitos que ela insistia em manter.

— Meu marido tem paixão por elas — lady Hutton explicou. — Muitos amigos o criticam por isso, mas.pelo menos meu irmão acha essa uma ótima distração.

— Eu também concordo — Lilith alegrou-se.A modista trouxe um lindo vestido de noite nas cores verde e

violeta e Lilith apressou-se em ajudar lady Hutton a ficar de pé.— Meu marido adoraria fazer uma troca se a senhorita tiver

alguma espécie diferente. Nem preciso dizer-lhe que adoro visitas. Ser mantida prisioneira não é nada romântico nem excitante.Lilith deu risada.— Terei o maior prazer em visitá-la, lady Hutton, indepen-

dentemente das rosas.— William, quando bebemos às escondidas, temos de evitar a

embriaguez — Dansbury aconselhou.Às duas horas da manhã, o White's ainda estava cheio. A festa de

lady Helfer era a única daquela noite e a maioria dos convidados tinha mais de setenta anos. Na verdade, um grande número de cavalheiros preferia fumar ou jogar cartas a ficar em casa com as esposas. Com exceção de Ernest Landon que se despedira havia horas.

— E milorde quem insiste em não deixar minha taça vazia.— E o senhor em esvaziá-lo.Quando Jack tinha decidido corromper William Benton, pensara

que ele fosse um daqueles rapazes ineptos do interior. Mas havia descoberto que lhe faltava apenas um pouco de verniz citadino e que era muito mais inteligente do que a maioria dos bem-nascidos londrinos. A ingenuidade de William era encantadora, embora

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pudesse complicar o desfecho de seus planos. Lilith lhe implorara que não corrompesse o irmão. Por isso mesmo tinha passado a freqüentar mais o Whité's do que a casa de Antonia. E ainda por cima passava sermões no rapaz para que não exagerasse na bebida.

— Milorde está bebendo tanto quanto eu — William protestou.O carteador deu uma risada ao distribuir as cartas. Ogden Price

também ria, e Thomas Hanlon, embriagado, dormia na cadeira.— Apenas aparentemente, William.— Milorde está jogando fora o vinho do Porto? — Price franziu a

testa.— Entre outras coisas. Price sacudiu a cabeça.— Há quanto tempo?— Sempre que me dá vontade.Principalmente naquela noite, quando pretendia estar com a

mente alerta para descobrir os próximos compromissos de Lilith. Avaliando a reação da jovem na tarde de degustação de chá, Jack se perguntou se ela estaria começando a ceder a seus encantos. Era a abertura de que precisava. Não pretendia atormentá-la arrasando William naquela noite.

— Nunca o vi jogar bebida fora — William afirmou.— Na verdade, estou regando aquele vaso ali atrás. Receio que a

planta fique com dor de cabeça pela manhã. — Jack espreguiçou-se. — Já estou com sono.

— Mas eu perdi duzentas libras — William reclamou e devolveu as cartas.

Jack sentiu uma ponta de remorso.— Quanto pretendia perder esta noite, meu rapaz?— No máximo cem. — William bateu com o punho na mesa. —

Não pensei que fôssemos jogar a noite toda.— Isso acontece há anos, William — Price informou-o e tomou um

gole de vinho. — Sou contrário a desperdiçar uma bebida, embora esta esteja

aguada.Perceberam um movimento intenso na entrada. Era o duque de

Wenford, que foi conduzido ao segundo salão de jogos. Os proprietários do White's não desejavam uma repetição do incidente acontecido no baile dos Felton.

— Tem razão. — Dansbury também a tomou e achou-a fraca. Chamou um dos criados.

— Freeling, traga uma das minhas garrafas, por favor.O homem apressou-se até a cozinha.— Inacreditável — William admirou-se. — Milorde mantém um

estoque particular em todos os clubes da cidade.

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— Que o senhor se apraz em beber.— E eu também — Price afirmou. — William, venha comigo ao

almirantado depois de tomarmos o vinho de Dansbury.O marquês sacudiu a cabeça. A culpa tornou a preocupá-lo.— Price, eleja perdeu duzentas libras. Deixemos um pouco para

amanhã.O rapaz pareceu aliviado. O marquês refletiu que William perdia

cerca de quinhentas libras por semana com a ajuda de Antonia e dos outros.

— William, eu gostaria que levasse em conta um aviso. Nunca aposte mais do que possa permitir-se perder. Caso contrário, tornar-se-á devedor das pessoas mais inescrupulosas. Como eu. — Não podia entender o que o levava a advertir o garoto contra si mesmo.

— De acordo com minha irmã, milorde é o que de pior poderia me acontecer — William falou e tomou o restante do vinho que havia na garrafa.

— Afirmou que milorde é diabólico e esta noite o chamou de janota pernicioso.

Price concentrou-se nas cartas que estavam em suas mãos.Jack, irritado, admitiu que o esforço para comportar-se não valera

o sacrifício.— Falando da nossa querida srta. Benton, eu a achei cansada da

última vez em que a vi. A temporada tem sido exaustiva, não é verdade?

— Papai pensa a mesma coisa — William informou. — Ele aconselhou Lil a não comparecer ao recital de Billington

pela manhã. Mas eu terei de ir. — Segurou no braço de Jack. — Milorde pretende comparecer?— Café da manhã e recitais não combinam. Pelo menos na minha

opinião.Price deu risada.— Creio que somente os desacreditados como Jack ficam longe

dos famosos cafés da manhã de Billington.— Na verdade, esse é mais um dos motivos que me tornam um

mal-afamado.Lilith ficaria sozinha em casa na manhã seguinte. Estava na hora

de parar de rodeá-la como um menino de escola e dar o próximo passo.

— Dansbury — uma voz ríspida o chamou.— Alteza — Jack disse após virar-se.O marquês gostaria de pelo menos uma vez deixar um local sem

se envolver em problemas, a menos que os desejasse. Notou que o diamante estava de novo na gravata de Wenford. Na certa era para

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que todos vissem o poder do duque. Não pôde deixar de refletir como Dolph se sentira ao ser despojado de uma relíquia familiar pela segunda vez.

— Vim para dizer-lhe que tudo está esquecido. — Wenford estendeu a mão ossuda.

Era uma desculpa esfarrapada para compensar uma animosidade antiga entre os Faraday e os Remdale. Jack pegou a garrafa de vinho que o serviçal havia acabado de trazer e entregou-a ao duque.

— Meus cumprimentos — o marquês falou e tornou a jogar.O duque ficou parado perto da mesa, indeciso em iniciar ou não

outro debate.— Muito bom.— Foi uma afronta, milorde — Price criticou Jack, enquanto o

duque se afastava.— O vinho era de uma ótima vindima. — Dansbury fez sinal para

o carteador prosseguir.Papai, não estou cansada e não me importaria de ir ao recital. — Lilith estava encostada à porta do quarto do visconde, que

terminava de se aprontar.Vestida para sair, tentava convencer o pai a deixá-la comparecer

ao evento que esperara ansiosamente. Os cafés da manhã em Billington eram famosos e o duque os oferecia apenas uma vez por temporada. As pessoas mais importantes da cidade estariam presentes.

Pensou se o marquês de Dansbury teria sido convidado e logo afastou a idéia. Com certeza, ele ainda não havia retornado das andanças noturnas. Além do mais, os convidados eram escolhidos a dedo. Se William tivesse começado a amizade com Dansbury há mais tempo, ele também teria sido excluído.

— Bobagem, Lilith — o visconde afirmou enquanto o criado dava os últimos retoques na gravata. — Não há necessidade de se cansar. Não esqueça que hoje à noite haverá o baile de Rochmont. Sua tia, eu e William, se ele conseguir ficar acordado, pediremos desculpas em seu nome.

Lilith suspirou e mexeu no brinco de pérola da orelha direita.— Está bem. — Hesitou. — Papai, espero que entenda meus sentimentos a respeito de

Sua Alteza. Não posso me casar com um homem tão... Pavoroso. Como eu já lhe disse, casar-me-ei com quem milorde escolher, mas...

Benton fez sinal de pouco caso com uma das mãos e apanhou as luvas com a outra.

— Eu a escutei. Wenford é um homem muito respeitado. A união

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de nossas famílias tornará a nossa acima de qualquer suspeita. Somente uma jovem frívola o recusaria por causa de alguns fios grisalhos na cabeça.

— Não é por isso, papai. Eu juro.— Depois de todas as belas palavras que têm sido sussurradas

em seus ouvidos, deve ter-se deixado levar por algum idiota de rosto bonito. Quem é ele, Lilith? Algum terceiro filho de um barão?

— Não há ninguém, papai. — Lilith foi sincera, mas o pai a olhava com desconfiança. Ela pôs a mão no braço de Benton. — Eu não o envergonharia.

O visconde virou-se.— Era o que sua mãe costumava dizer. Os olhos verdes dela só

ocultavam mentiras.— Não sou como mamãe.— Continuo rezando para que meu sangue seja mais forte de que

o dela. William já está ficando muito parecido com a mãe.Lilith não gostava de ver o sofrimento no olhar do pai quando ele

falava de Elizabeth Benton. Mas gostaria que ele lembrasse que não fora o único a ser atingido pela fuga de lady Hamble.

— Papai, farei com que se orgulhe de mim. O visconde beijou-lhe a testa.

— Sei disso. Não se preocupe com Wenford. Tudo se resolverá a contento.

— Obrigada, papai.William, ainda sob os efeitos da bebida da noite anterior, trocaria

de lugar prazerosamente com a irmã. Mas o pai foi inflexível. O rapaz teria de acompanhá-los. Tia Eugenia aborreceu-se por deixar a sobrinha em casa, mas teve de acatar as ordens do irmão.

Após a saída da família, Lilith perambulou pela casa. Era uma quarta-feira. O pai dera folga à maioria dos criados. Foi ao jardim, decidida a cortar um buquê de rosas Penzance. Quando terminou de arrumar as flores no saguão, escutou batidas na porta da frente.

Bevins apareceu para abri-la. Era muito cedo para visitas. O duque de Wenford empurrou o mordomo e viu Lilith, que tentava escapar.

— Lilith — ele se adiantou e beijou-lhe a mão.Ela estranhou e receou aquela demonstração inusitada de afeto.— Alteza. — Forçou um sorriso e tirou a mão.O duque ainda estava com traje de noite. A fisionomia em geral

pálida mostrava-se corada. Os olhos estavam embaçados, enquanto o diamante brilhava na gravata pendurada no pescoço cadavérico. Ele ou Dolph Remdale deviam ter pago a Dansbury a quantia exigida.

— Gostaria de falar com a senhorita.

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— O duque cambaleou e Lilith teve certeza de que ele estava bêbado.

— Pois não, Alteza. Mas não estou querendo me divertir esta manhã.

E, se fosse para fazer um pedido, Wenford não poderia ter escolhido pior hora.

— Não se trata de divertimento, mas sim de negócios.— Permita-me chamar minha criada. — Lilith apontou a sala de

estar pequena para o duque. Mas, quando olhou para trás, viu que ele a seguia de perto.

— Vossa Alteza se incomodaria de esperar? — perguntou, irritada e nervosa.

— Seu pai está em Billington — ele afirmou.Lilith chegou até a escada e chamou Emily, mas não obteve

resposta. Lembrou-se de que a moça fora passar o dia com a prima.— Ele voltará em seguida.— Pois eu duvido. Os cafés da manhã de Billington são

esplêndidos.— Por que Vossa Alteza não participou do evento tão auspicioso?— Meu estômago está embrulhado. — O duque tornou a pegar na mão de Lilith. — Além disso, eu estava ansioso para experimentar uma pequena

amostra pré-matrimonial.A jovem não teve tempo de reagir. O duque agarrou-a e beijou-

lhe os lábios. O hálito dele recendia a bebida e a láudano.— Alteza!Lilith soltou-se e entrou na biblioteca. Nem sinal da Sra. Winpole,

a governanta, ou de outras mulheres na casa inteira. Correndo, voltou ao saguão. Wenford veio atrás dela, murmurando trechos incoerentes de poemas. Na certa era a versão dele de como cortejar uma mulher.

— Minhas falecidas esposas não me deixaram herdeiros. Certamente uma jovem tão bela e de boa família me concederá mais de um filho.

Lilith sentiu-se enojada. Casar-se com ele, ter de beijá-lo e partilhar uma cama com aquele homem...

— Alteza, creio que deveria falar novamente com meu pai — Lilith procurava as palavras certas para não o irritar.

— Não precisa me dizer o que tenho de fazer! — ele se aborreceu.

— Sei que há muitos detalhes a serem resolvidos. Falarei com Canterbury para conceder-nos uma licença especial. Não há sentido em adiar um casamento sem um bom motivo.

A situação piorava.

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— Bem, isso é esplêndido, mas...— Tenho de considerar o melhor para o reino. Se eu morresse

sem deixar herdeiros, a Inglaterra se veria mergulhada em um caos. Tremo só de pensar que o ducado de Wenford poderia ficar sem sucessor.

Lilith tremeu por um motivo diferente. O duque tentou agarrá-la de novo. Mas ela conseguiu escapar para a sala. A embriaguez o deixava lento. As tentativas de sedução chegavam a ser cômicas. O marquês de Dansbury parecia bem mais hábil no assunto.

— E quanto ao seu sobrinho?— Randolph? Aquele estúpido jogador? Nunca! — O duque

tropeçou em um diva. — Providencie uma xícara de chá — ordenou, largando-se nas

almofadas. — Mostre um pouco de boas maneiras.Finalmente uma oportunidade para fugir. Wenford se enganava

ao pensar que ela voltaria.— Pois não, Alteza.Ele lhe segurou a mão na passagem.— Primeiro teremos de nos conhecer melhor.— Alteza!Lilith desequilibrou-se e caiu em cima do duque. Wenford

segurou-lhe o queixo e tornou a beijá-la. Com a mão livre, rasgou-lhe o meio do corpete.

— Solte-me!Apavorada, ela conseguiu ficar em pé. O duque endireitou-se e,

agarrando-a pelos cabelos, também se levantou.— Seja boazinha e coopere. — Ele a apalpava sem a menor

cerimônia.— Solte-me imediatamente ou gritarei! — Lilith empurrou-o pelo ombro.Jamais alguém a tocara daquela maneira e ela não sabia (i que

fazer. Se chamasse Bevins, haveria um escândalo terrível. Se não o chamasse, Wenford acabaria por completar seus objetivos.

— Pode gritar. Veremos o que...O duque ficou pálido e, com um suspiro ofegante, desmaiou. O

peso dele levou Lilith de volta ao sofá, com Wenford por cima dela.— Saia de cima de mim! — Lilith deu socos e esperneou. — Saia! — Nenhum movimento. — Alteza? Por favor, Alteza!Sem resposta, Lilith agarrou uma mecha de cabelos grisalhos e

empurrou a cabeça do duque para trás. Ele estava com os olhos semi-abertos e um fio de baba escorria pela boca entreaberta. A jovem empurrou-o com mais força, mas a mão dele enroscou-se em seus cabelos. Ela se agarrou no sofá e tentou sair dali. Em vão. Ele

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era muito pesado. Pensou em três opções. Chamar Bevins e arris-car-se a um escândalo. Esperar Wenford acordar e empurrá-lo. Ficar deitada ali até a família voltar e rezar para ninguém entrar naquela sala.

Bateram na porta da frente de novo e a mesma foi aberta.— Não se preocupe Bevins, não vim fazer visitas — ecoou a voz

grave do marquês de Dansbury. — William saiu com uma de minhas luvas. Com certeza, ele a deixou aqui.

Lilith fechou os olhos e rezou para que Jack nada notasse, enquanto lhe ouvia os passos.

— Srta. Benton?! — o marquês exclamou. — Espero não... Não há ninguém em casa? Criados, cães, gatos,

passarinhos?— Vá embora — Lilith disse em voz baixa. Dansbury aproximou-se

e parou na beira do sofá.— Perdão, srta. Benton. Wenford! — Começou a afastar-se.— Pare! — pediu a jovem.O marquês não estava pensando em deixá-la ali?!— Como é?— Volte e ajude-me imediatamente!— Ajudá-la?— Agora!Dansbury voltou devagar.— Não podia imaginar que a senhorita fosse tão aventureira. De

qualquer forma, devo dizer-lhe que não costumo partilhar... — Jack fitou-a de cima, com expressão indecifrável. — Contudo, nesse caso... — Ele franziu a testa e pôs a mão no pescoço do duque. — Santo Deus!

Lilith procurou respirar.— Ele está... — Ela não conseguiu terminar a sentença.— Morto. — Dansbury confirmou as suspeitas. Calmamente, sem

se mexer.— Vamos, ajude-me!O marquês deu a volta no diva, inclinou-se, segurou Wenford pela

cintura e puxou-o para trás.— Então foi por isso que a senhorita decidiu não ir a Billington.

— Jack continuava a puxar o morto, que deslizou de cima de Lilith e atingiu o chão com um baque.

— A senhorita poderia ter-me dito que preferia homens mais velhos, e eu não teria insistido.

— Milorde é odioso! — Tremendo, Lilith pôs-se em pé, cambaleante.

Dansbury aproximou-se e segurou-a pelo cotovelo.

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— Talvez seja melhor sentar-se — Jack propôs com voz suave.Ela sentia as pernas fracas e não objetou ao ser levada até uma

cadeira próxima da janela. Dansbury afastou-se e Lilith fechou os olhos. Na certa o canalha sairia pelas ruas alardeando a novidade para quem quisesse escutar.

— Tome, Lilith.Ela abriu os olhos. Dansbury estava agachado junto à cadeira.

Segurava um cálice de conhaque e a olhava com intensidade. Lilith fitou o defunto caído no tapete e tomou um gole da bebida.

— Melhor agora? — o marquês perguntou.Ela fez uma careta por causa da bebida forte e anuiu.— Não está ferida?— Não. Tem certeza de que ele... morreu? Dansbury concordou e

levantou-se.— Sinto muito. — Jack foi até a janela e afastou a cortina.— A senhorita deveria ter planejado melhor.— O quê!? — Estranhou o sarcasmo na voz do marquês.— Seduzir uma pessoa fisicamente tão fraca antes de prendê-lo

na armadilha...— Armadilha?— Sim, o casamento. Sua mãe nunca lhe disse que deveria se

casar primeiro antes de ir para a cama com alguém?Lilith levantou-se, vermelha de fúria.— Eu não estava... eu nada fiz...— Cheguei a pensar que a senhorita não gostava de Wenford. Um

belo disfarce, Lil. — Jack cruzou os braços na altura do peito.— Um velho pode se tornar atraente quando vem acompanhado

de um ducado.Ela deixou o cálice sobre uma mesa e aproximou-se de Dansbury.— Pois fique milorde sabendo que Wenford entrou nesta casa aos

gritos e tentou agarrar-me enquanto eu procurava uma acompanhante. Foi quando ele me atacou. Se milorde acha que eu aceitaria de bom grado as atenções amorosas de um... maluco, então é ainda mais idiota do que eu pensava. Também não lhe dei permissão para usar meu nome de batismo!

— E mesmo corajosa, Srta. Benton. Está recriminando uma pessoa que tem sua reputação nas mãos. Lilith estreitou os olhos.

— Por acaso milorde está me ameaçando? Jack sacudiu a cabeça e fitou Wenford.

— Foi apenas uma observação. — Ele suspirou, era a própria imagem da integridade.

— Para ser sincero, eu nem gostaria de envolver-me nisso.— Ninguém lhe pediu que o fizesse. O marquês deu um sorriso.

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— Lembro-me de ter escutado um pedido de ajuda.Ela se sentiu enfraquecer de novo.— Milorde pode retirar-se. Não desejo mais incomodá-lo com

nenhum pedido.Dansbury se divertia.— Brincando com meu senso de honra? Não é um ardil muito

inteligente, considerando-se que a senhorita já me informou de que não tenho nenhum.

— Ele levantou a mão para interromper um protesto. — Bem, digamos que eu pudesse reunir alguns resquícios de decência. O que a senhorita me pediria?

Lilith sentou-se. Não se lembrava de nenhuma lição de etiqueta que falasse de homens mortos na sala.

— Nem sei. A única coisa que me ocorre é chamar as autoridades. — Apesar do escândalo que se seguiria, devia um favor a Jack

Faraday. Não seria encontrada debaixo do duque.— Vejamos se não há alternativas.— Do que está falando?— Pensemos em outras possibilidades.Lilith só enxergava o falecido no chão e imaginava a reação de

seu pai. O visconde a acusaria de comportamento idêntico ao da mãe. Diria que ela encorajara Wenford a tomar liberdades. Pressionou as têmporas que latejavam.

— Por favor, explique-se.— Talvez Wenford pudesse ser levado a algum lugar... e ser

descoberto depois.A jovem o fitou com desconfiança.— E muita bondade sua tentar proteger minha honra, milorde. Se

é com ela que está preocupado.— A senhorita é muito inteligente e devo confessar que está

certa. Dolph Remdale certamente usaria minha presença ao lado do tio para mandar-me para Old Bailey.

Lilith gostou do elogio, mas não se deu por vencida.— Então as autoridades terão de ser avisadas. O marquês deu

risada.— Un coup três palpable — Jack falou em francês impecável. — Um golpe certeiro. Sinto-me admirado com sua perspicácia.Lilith irritou-se por ele achar que a tradução era necessária.— Eu supunha que Shakespeare deveria ser citado em sua língua

nativa.— Hamlet era dinamarquês.— Então por que falar em francês?— Não conheço a língua dinamarquesa. Mas falo um pouco de

italiano, se quiser algumas citações de Romeu e Julieta.

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— Para quê? Não sou Julieta e milorde não é Romeu.Tornava-se mais fácil resistir ao sorriso sedutor de Dansbury

tendo como cenário o cadáver de Wenford.— Isso é relativo. Depende das circunstâncias.— Não quero discutir assunto tão irrelevante. Jack sorriu,

divertido.— Srta. Benton, ainda é cedo. Por que não levamos Wenford ao

coche, vamos até a casa dele e o deixamos na porta?— E se alguém nos vir? — A idéia, embora escandalosa, era a

melhor daquela manhã.— Todo o mundo está em Billington. Ninguém nos verá. Esse será

nosso segredo.Lilith entendeu o motivo da solicitude extrema.— E eu me tornaria sua devedora, não é?— É verdade. — Jack não escondeu as intenções. — E pretendo cobrar a dívida, milady. — Consultou o relógio de bolso e depois a fitou. — Contudo, a escolha é sua.Se Wenford fosse deixado ali, haveria um escândalo. Se fosse

levado embora, restaria a dívida com um canalha.— Não me encontro em condições de barganhar. Novamente o

sorriso arrebatador.— Não. — Ele foi até a porta da sala e inclinou-se para fora. — Bevins, a Srta. Benton quer a carruagem na porta da frente. — Virou-se para Lilith. — Confia no responsável pela estrebaria?O marquês mostrava-se eficiente e enérgico. Por um instante,

desejou acreditar nele.— Sim.— Qual o nome dele?— Milgrew.Jack voltou-se para a porta.— Peça a Milgrew que traga o veículo pessoalmente.— Foi assim que milorde conseguiu a confiança de William? Por

meio de chantagem?— Não. William caminhou para minhas garras demoníacas por sua

livre vontade.Lilith não teve resposta.— Milorde devolveu o alfinete de gravata a Wenford.— A Dolph e, pelo visto, Sua Alteza não o confiou ao sobrinho.— O duque pode ter achado melhor resguardá-lo de milorde.— Se eu quisesse, não o teria devolvido.— Ora, então por que estava com ele?— Ganhei o diamante no jogo. — Jack deu de ombros.

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— Além disso, gosto de causar problemas aos Remdale, uma corja de patifes.

— Nesse caso, devo considerar-me no mesmo plano. O senhor me persegue e cria problemas para mim.

— Confesse, não foi ódio que percebi em seus olhos na primeira vez em que nos encontramos.

— Bem — Lilith corou —, eu ainda não sabia que milorde era um patife.

— Pensei que eu fosse apenas um janota pernicioso.— William contou-lhe! — Ela ficou furiosa com o irmão.— Ah, ele me conta muitas coisas. Lilith tornou a corar.— Então pedirei a ele que me revele seus segredos. — A jovem admitiu para si que a resposta fora infeliz.— Não tenho nenhum, Srta. Benton. Meu lado tenebroso é de

conhecimento público.— Se isso é verdade, por que receia a fúria de Dolph Remdale?— Não tenho medo de Dolph. Tivemos um desentendimento. Foi

só.— Ele o mandaria para a prisão de Old Bailey só por causa de um

desentendimento?—- Atirei uma tigela de geléia de laranja na cara dele ao final de

uma discussão.— Isso também me deixaria indignada. — Lilith admirou-se por

Dolph Remdale não ter exigido uma reparação.A despeito do que o duque dissera, o sr. Randolph Remdale não

havia lhe parecido estúpido. Era um jovem atraente, talvez uns cinco anos mais velho do que Dansbury e deveria ter boas perspectivas de futuro. Ainda mais com o falecimento do tio.

— Pensando em ficar na família, apesar de tudo? — indagou Dansbury com o cinismo habitual. — Muito calculista. Meus parabéns.

— Milorde é engraçado. — Lilith foi até a janela para ver se Milgrew se aproximava.

— Isso não me parece justo diante do conselho bondoso que eu pretendia lhe dar.

— Jack também foi até a janela.Ela sabia que se tratava de uma isca, mas não resistiu à

provocação.— E qual seria o conselho bondoso?— Que talvez a senhorita desejasse trocar de roupas antes de

sairmos.Dessa vez Lilith corou intensamente. Olhou para si mesma e viu a

blusa exposta sob o corpete rasgado. Estivera discutindo decoro com Dansbury, seminua! E ele nada tinha dito! Talvez quisesse

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poupá-la do embaraço.— Queira desculpar-me. Volto em seguida. O marquês fez uma

mesura.— Fique à vontade. Sua Alteza e eu não nos incomodaremos em

esperar.Lilith passou pela biblioteca e subiu correndo a escada. Trocou de

vestido, arrumou os cabelos e desceu.Jack continuava na janela. Virou-se, ao escutar o ruído.— Está ótima — aprovou com um sorriso. — Bevins é tão fiel como parece?Depois de alguns segundos para se recuperar do elogio, Lilith

pensou que o mordomo não gostaria do que o aguardava, mas nada diria se ela lhe pedisse. Ainda mais tendo de enfrentar a fúria do visconde se lhe contasse a verdade.

— Sim. Ele se comportará bem.Se a situação não fosse tão trágica, Lilith teria dado risada da

expressão do mordomo ao entrar no recinto.— Meu Deus!O marquês apontou para os pés de Wenford.— Por favor, Bevins.O mordomo fitou-o, desconfiado.— Não creio que devemos fazer isso! — Bevins protestou.— Precisamos tirá-lo daqui — Lilith explicou com calma. — Não há outro jeito.— Não queremos arruinar a reputação da Srta. Benton, não é? —

Dansbury apoiou a jovem.— Está bem — resmungou o mordomo e observou o marquês.Dansbury agachou-se para erguer Wenford pelos braços, dizendo:— Desculpe, velho amigo.Eles levaram o corpo pelo saguão e Lilith disparou para abrir a

porta da frente. O coche aguardava com Milgrew no assento do cocheiro. Assim que viu do que se tratava, o homem desceu para ajudar os outros dois que praticamente arrastavam Wenford pelos degraus.

— Santa Maria! — ele exclamou com seu sotaque escocês. Agarrou o paletó de Wenford e ajudou a jogar o cadáver no piso do coche.

Bevins limpou as mãos com asco e virou-se para voltar. Mas se deteve muito pálido.

— Srta. Benton.— O que foi?— Seu pai. — O mordomo endireitou o paletó e a gravata.A outra carruagem dos Hamble vinha sacolejando pelo caminho.

Lilith desejou ter asas e poder voar. Decidiu que deveria ter

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aprendido a arte de desmaiar.— Vejamos o que pode ser feito — Jack falou com naturalidade.

Sentou-se no coche e fechou a porta.O visconde apeou do outro veículo e aproximou-se, furioso.— Mas o que está acontecendo aqui? — Carrancudo, encarou o

ocupante do coche.Lilith nem queria pensar na possibilidade de o pai descobrir que

havia um cadáver lá dentro.— Jack, achei que tivesse ido a Bristol. — William sorriu e ajudou

tia Eugenia a descer os degraus da carruagem.O rapaz aproximou-se do marquês para cumprimentá-lo.

Dansbury não soltou a maçaneta, apesar do sorriso.— Eu me atrasei um pouco e não sei onde deixei meu cavalo.

Pobre Benedick, espero que ele encontre o caminho de casa.— Bêbado, às dez da manhã — o visconde disse com desprezo.O sorriso de Dansbury fez jus ao que Stephen Benton pensava

dele.— De qualquer forma, acabei aqui e a Srta. Benton ofereceu uma

condução para me levarem até minha casa. Creio que assim foi mais fácil ver-se livre de mim.

— Leve-o embora daqui! — O visconde fez um gesto impaciente para Milgrew.

— Sim, milorde. — O cavalariço apressou-se para cima da boléia e sacudiu as rédeas.

Lilith observou o coche se afastar sem saber como dar con-tinuidade à história do marquês. Ele se mostrara convincente no papel de bêbado. Na certa estava com os pés apoiados em cima do morto. Oh, Deus!

— Como foi a festa na Mansão Billington? — Lilith sorriu com doçura e passou o braço no da tia.

— Todos estavam lá, mas Stephen insistiu em ir embora — Eugenia lamentou-se.

— Billington convidou um número excessivo de pessoas. Ainda assim, consegui falar com ele. — Virou-se para William, ameaçador. — Essa ultrapassou os limites. O patife resolveu vir aqui na sua ausência. Eu já lhe disse que não deve andar na companhia de Dansbury!

— Papai, Jack é um bom camarada. Não dê ouvidos aos boatos. Estou aprendendo muita coisa com ele.

— Era isso o que eu mais receava.Lilith fitou a poeira sumir e refletiu que havia posto sua honra nas

mãos de um jogador libertino.O marquês a avisara de que cobraria a dívida.

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Capítulo IV

Ainda bem que Vossa Alteza está morto — Jack falou ao defunto — ou eu mesmo o teria mandado para o inferno. — Empurrou Wenford para o outro lado. Não queria olhar para aquele rosto esverdeado e sem vida.

Depois de descobrir que Lilith não iria ao café da manhã e encontrar uma desculpa para entrar na casa dos Benton, Jack não esperava ver a Srta. Benton acompanhada e muito menos por Wenford.

Ainda estava surpreso da própria ira ao notar o duque caído por cima de Lilith. Não poderia ter imaginado que ela se entregasse por um ducado. E, quando a jovem pedira ajuda, Jack Faraday havia se tornado sir Galahad com a armadura reluzente.

Os planos de seduzir Lilith incluíam a possibilidade de recusa. Caso contrário, o jogo e as regras acabariam por favorecê-lo.

O que não explicava o motivo de ter assumido o risco de transportar o cadáver de um membro da alta nobreza pelas ruas de Londres. Se fosse descoberto, o mais constrangedor seria o fato notório de que ambos eram inimigos havia tempos. E, com sua péssima fama, Jack seria rapidamente encarcerado.

Também não podia acreditar nos sentimentos cavalheirescos que a srta. Benton despertava nele. Admitiu que a oportunidade de deixar Lilith em débito com ele fora uma vantagem. De qualquer forma, precisaria largar Wenford em um local onde pudesse ser encontrado.

Não sentia nem um pouco a morte de Wenford. Politicamente, o duque era um retrógrado. Sua ausência na Câmara dos Lordes representaria motivo de alívio. Na verdade, seria uma lástima Dolph Remdale ter sido alçado a um nível tão elevado como o do tio. O tolo presunçoso era intolerável. Randolph precisava abaixar um pouco o queixo.

Milgrew bateu com o cabo do chicote na portinhola.— Chegamos, milorde — ele informou da boléia.

Jack olhou a Mansão Remdale entre as árvores do caminho e pôs a cabeça para fora da janela.

— Milgrew, pegue a rua do lado oeste da residência.

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— Deu um sorriso. — Tenho uma idéia melhor.— E mesmo? — O escocês ergueu uma sobrancelha.— Sim.As pessoas se alvoroçaram quando Lilith entrou com a família no

salão de baile de Rochmont. A jovem havia se preparado para o que teria de enfrentar. Certamente todos já sabiam da morte do duque e ela receava trair sua fingida ignorância. A tarde toda treinara diante do espelho uma expressão de pesar com uma ponta de alívio. O que seria razoável. Apesar de ser um pretendente de alta classe, era muito mais velho.

— Lil, já soube o que houve?Penélope Sanford segurou-a pelo braço e as duas foram até a

roda de amigos. Lilith ficou feliz por afastar-se do pai, que estivera mal-humorado desde aquela manhã.

— O que foi? — Lilith esperava que a curiosidade não parecesse forçada.

— Um acontecimento chocante! — Pen exclamou. —Ah, está maravilhosa de dourado! — Pen admirou o traje de

seda que madame Belieu mandara entregar à amiga. Lilith o havia achado um pouco extravagante, mas resolvera vesti-lo assim mesmo. Seu pai não teria aprovado a ousadia do verde-esmeralda.

— Chocante?Pen aproximou-se e disfarçou as risadas com a mão.— A viúva Devereaux fugiu a noite passada para Gretna Green

com Raymond Beecher.— O quê? A Sra. Devereaux é dez anos mais velha do que o sr.

Beecher.— Quando o conde, pai dele, descobrir, o deserdará de imediato

— Jeremy Giggins interveio. — Beecher nunca teve juízo.— E agora ficará sem dinheiro — Lionel Hendrick disse e beijou a

mão de Lilith. — Boa noite, Srta. Benton. Está deslumbrante.— Obrigada, milorde.Nenhum dos pretendentes de Lilith contestou quando o conde a

levou para dançar a primeira valsa da noite. Ela refletiu em quem recairia a escolha do pai depois da morte de Wenford. Nance era pouco mais alto do que Dansbury e usava os cabelos castanho-claros curtos, conforme a última tendência da moda masculina. Era um homem atraente. E, quando ele se desculpou por ter-lhe pisado na ponta do sapato, Lilith deu-se conta de que conhecia muito pouco os candidatos a marido. Sabia mais a respeito de Dansbury, embora isso a aborrecesse, do que sobre qualquer conhecido londrino.

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Ela franziu a testa e olhou ao redor. Apesar daquele ambiente seleto não ser o preferido de Dansbury, gostaria que ele comparecesse com as novidades a respeito do duque. Não entendia por que a morte de Wenford ainda não fora noticiada.

— O frio incomum para a época vai continuar na temporada, não acha?

— Nance procurou assunto para conversar.Lilith sorriu e repreendeu a si mesma pela desatenção. Mesmo

ausente Dansbury não saía de seus pensamentos.— Está bem frio, milorde. Esperemos que esquente antes de

chegar o inverno.— E mesmo. Tive de mandar buscar metade do guarda-roupa de

inverno em Nance Hall.— Creio que todos tivemos de tomar atitudes semelhantes. Nance

inclinou-se, dizendo em tom confidencial:— Minha tia por parte de pai terminou de fazer um traçado de

nossa árvore genealógica. Parece que tenho descendência direta de Eduardo IV.

— Não diga?!Lilith espiou por cima do ombro dele na direção da mesa de

ponche. Não viu Dansbury. Como ainda não fora iniciada a sessão de jogos no pavimento superior, o marquês deveria estar no salão de baile, se tivesse vindo.

— Estou pensando em modificar o timbre da família para refletir a ligação. Minha irmã acredita que o fato poderia causar escândalo, pois os York não são queridos por todos. Qual a sua opinião?

Onde teria se escondido aquele patife?— Tenho certeza de que milorde resolverá o caso da melhor

maneira — Lilith falou, ausente.— Para uma representante do sexo frágil, reconheço que é muito

inteligente em matéria de política.Mesmo sem ter certeza de que se tratava de um cumprimento,

anuiu, sorridente.— Obrigada, milorde.— Por que se encontra tão perturbada esta noite, srta. Benton?— Oh, não é nada. Estou apenas um pouco preocupada... com

meu irmão.— Entendo. Creio que está se referindo a Dansbury e seus

amigos. Duvido que alguma pessoa de classe em seu juízo perfeito pensaria em envolver-se com ele, apesar do título de marquês. Na semana passada, o libertino conseguiu levar de mim cento e cinqüenta libras. Não sei como ele o fez. — Nance suspirou. — Não permita que ele enrugue sua fronte perfeita, mademoiselle.

— Sim, milorde.

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— Gostaria que eu falasse com seu irmão? — Nance abaixou a voz: — Ouvi dizer que ele tem passado várias noites de carteado na casa de Antonia St. Gerard. Parece que ela tem preferência pelo rapaz. Não pretendo alarmá-la, Srta. Benton, mas essa associação pode ser ainda mais prejudicial do que a de Dansbury. Talvez seu irmão resolvesse escutar-me.

A oferta inesperada não parecia apresentar riscos, apesar das poucas expectativas de sucesso. Já ouvira William mencionar o nome de Antonia e as palavras de Nance a haviam assustado.

— Seria muita bondade sua, milorde.Por pouco, Nance não lhe acertou a canela, tamanha sua emoção.— Terei um prazer imenso em ajudá-la. Permita-me insistir, srta.

Benton. Pode chamar-me de Lionel. Afinal, eu a pedi em casamento a seu pai.

— Eu sei. — Lilith sentiu-se arrasada.— Ouvi dizer que Sua Alteza, o duque de Wenford, também

obteve permissão para fazer-lhe a corte. Rezarei para eu não ter sido prejudicado.

Lilith deu uma risada que lhe soou histérica.— Oh, não, Lionel. Não acho que eu poderia levar Sua Alteza em

consideração. Ele é muito mais velho e também não deve gozar de boa saúde.

A valsa terminou e Nance parecia satisfeito.— Estou convencido, Srta. Benton. — Ele lhe acariciou o queixo

com o dedo enluvado. — Fico feliz que pense dessa maneira.Sucederam-se o jantar e mais uma seleção musical. Ninguém

dizia nada sobre o falecido duque. E, quando Randolph Remdale chegou, sorridente, Lilith entendeu que algo estava errado. A au-sência do marquês a deixava ainda mais preocupada. Precisava de um suporte. Teria de desabafar.

Viu William dançar com a mulher que estivera com Dansbury na ópera. Devia ser quatro ou cinco anos mais velha do que Lilith. Tinha olhos castanhos e aspecto exótico. O vestido de seda nas cores verde e pêssego era recatado, o que não impedia a jovem de transpirar sensualidade. Enquanto deslizava pelo salão, atraía os olhares masculinos. Com certeza, tratava-se de Antonia St. Gerard.

Lilith esperou a dança terminar e interceptou o irmão quando este se servia de uma taça de ponche. A expressão deslumbrada e presunçosa de William convenceu-a de que teria de enfrentar outro problema em breve.

— Preciso falar-lhe por um momento. — Lilith sorriu para a acompanhante do irmão.

— Lil, estou ocupado.

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— Por favor, William, é importante.O rapaz entendeu a urgência. Largou a bebida, desculpou-se e

seguiu-a até a sala mais próxima.— Não vai querer advertir-me a respeito de Antonia, não é?Lilith franziu a testa.— Não neste momento. William, uma coisa pavorosa aconteceu

esta manhã. Preciso falar-lhe sobre isso.Ele ficou sério e passou a prestar atenção ao que a irmã falava.— Lil, o que aconteceu de tão terrível?— Enquanto todos estavam na Mansão Billington, o duque de

Wenford foi visitar-me para fazer a proposta de casamento. Ele... bem... ele me atacou e então...

— Wenford a atacou? — William empalideceu e arregalou os olhos. — Onde está o bastardo? Eu o desafiarei para um duelo agora! Neste momento!

— Muito tarde.O irmão não entendeu e, carrancudo, fitou Lilith.— O quê?— Ele me agarrou e tentava dominar-me... quando caiu, morto. — A jovem decidiu que não deveria explicar a maneira como

Wenford caíra. A verdade complicaria tudo.— O duque de Wenford está morto?— William, por favor, fale baixo. — O marquês enfrentara a

situação com calma muito maior. — Lorde Dansbury tirou o corpo da sala de estar. Mas agora...— Jack a ajudou? Wenford estava com ele no coche, não estava?

Santo Deus, eu lhe disse que Dansbury é um homem decente.— Por que ninguém ainda soube do ocorrido? O marquês

pretendia deixar o duque em frente à Mansão Remdale.— Bem. — De cenho franzido, William refletiu durante alguns

minutos. — A residência de Wenford é aberta. Um dos criados deve tê-lo

encontrado e...— E evidente que não foi isso o que aconteceu. Onde está

Dansbury?— Não sei. — O rapaz deu de ombros. — Em geral, ele não

costuma freqüentar este tipo de festa respeitável. Lilith, acha que o marquês tem a ver com o desconhecimento de todos sobre o caso?

— Claro que sim — ela respondeu, exasperada. — Dansbury vai arruinar tudo. E o que ele devia ter em mente,

quando levou o defunto.— Sua imaginação está trabalhando em excesso — o irmão

sussurrou.Talvez estivesse, mas a falta de conhecimento do que sucedera

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estava em algum ponto entre os degraus de sua casa e o destino de Faraday.

— O marquês foi o último a ver o corpo.William não estava disposto a aceitar a hipótese de que seu ídolo

fosse um vilão.— Lil, tenho certeza de que nada deu errado. Talvez ele tivesse

de tomar algumas providências antes de anunciar a morte de Wenford. Afinal, o homem era um duque.

A explicação do rapaz fazia sentido.— Isso tem de ser mantido em segredo.— Claro. Não se preocupe, Lil.— Mas e a família dele? Veja!— Do que está falando?Lilith apontou. Dolph Remdale ria de uma história contada por seu

amigo Donald Marley. Ao vê-la, Dolph disse algumas palavras para o amigo e aproximou-se. Lilith agarrou-se no braço de William, imaginando o pior.

— Boa noite, Srta. Benton, sr. Benton — Dolph cumprimentou-os, sorridente.

— Boa noite, sr. Remdale. — Lilith esperava que o irmão tivesse juízo suficiente para manter a boca fechada.

— Percebi que a senhorita olhava em minha direção. Poderei ser-lhe útil em alguma coisa?

— Dolph perguntou, cortês.— Oh, não! — Tudo aquilo estava acontecendo por culpa de

Dansbury. — Eu apenas dizia a meu irmão que uma festa sempre é melhor

quando passada em boa companhia.William abriu a boca para falar, mas Lilith enterrou-lhe as unhas

no braço. Ele gemeu e desistiu do comentário.— Uma afirmativa correta. — Dolph não tirava os olhos da jovem. —Sr. Benton, não gostaria de acompanhar-nos ao White's esta

noite?— Não, eu não gostaria.— William — Lilith protestou, corando. — Sr. Remdale, meu irmão costuma falar sem pensar. Ele

adoraria, mas é que...— Lil, não se desculpe. Eu...— Por favor, srta. Benton, sr. Benton. Não há necessidade de

explicar nada. — Dolph a fitou. — E evidente que seu irmão está sob a influência de uma pessoa... bastante inaceitável. Espero que o rapaz consiga livrar-se dela antes que o dano seja permanente.

William tornou a abrir a boca e Lilith apertou-lhe o braço.— Obrigada por sua preocupação, sir.

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— Não há de que, senhorita. — Dolph sorriu e cumprimentou-a com um gesto de cabeça, antes de deixá-los e voltar para seus amigos.

— Ah, Lil, pensa que não doeu? — William protestou, esfregando o braço.

— Pelo amor de Deus, não se pode insultar as pessoas dessa maneira.

— Jack não gosta dos Remdale. Não vejo por que eu deveria lamber-lhes as botas.

— Está bem, William. O estranho é que Randolph não saiba nada sobre a morte do tio.

— Lilith voltou ao assunto principal. — Ainda não está convencido de que lorde Dansbury fez algo errado?

O irmão franziu o cenho.— Pelo que me disse, suponho que a idéia inicial de Jack era não

lhe macular o bom nome. Enquanto isso, a recatada srta. Benton fala mal às costas de seu salvador.

— Eu não faço nada disso — Lilith negou sem muita convicção. — William, é preciso encontrar Dansbury. Se ele fez alguma

tolice, a situação poderá piorar para nossa família. Graças a ele, todos ficaram sabendo que Sua Alteza me fazia a corte.

O rapaz suspirou.— Irei à procura de Jack pela manhã. Aposto mil libras que está

errada a respeito do marquês, mas não nego que há algo estranho.— Ainda bem que entendeu meu ponto de vista.Lilith repreendeu-se em pensamento. Jamais deveria ter confiado

em Dansbury. Mesmo lhe devendo um favor, se Jonathan Faraday fosse culpado pelo desaparecimento do corpo de Wenford, ela mesma se encarregaria de mandá-lo para Old Bailey.

—= William — uma voz suave com sotaque francês chamou-o.— Antonia. — O rapaz não poderia mostrar-se mais encantado. — Gostaria que conhecesse Lil, minha irmã. Lilith, Srta. St.

Gerard.— Encantada. — Antonia sorriu com frieza e estendeu a mão.Lilith apertou-a.— Srta. St. Gerard.— Se a senhorita gosta de jogar cartas como seu irmão, eu a

convido para participar de uma de minhas reuniões. Sempre conto com a presença de pessoas interessantes.

— Não duvido — Lilith falou, seca.Antonia sorriu novamente, deu o braço a William e levou-o até a

mesa onde estavam dispostos os mais finos acepipes. Pelo visto, devia agradecer a Dansbury também a amizade de William com

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Antonia. Uma pena que mulheres não podiam agradecer com pistolas.

Jack irritou-se ao ser excluído dos murmúrios trocados por Peese e Martin a manhã inteira. Depois de comentar o quanto era odioso o hábito de espalhar boatos, o criado confessou ter escutado a notícia de que Harriet Devereaux havia fugido com Raymond Beecher no dia anterior.

— Algo mais? — Jack esticou os braços para Martin vestir-lhe o paletó.

A fuga seria o aperitivo para a notícia do falecimento de Wenford. Jack considerou que teria de fazer um comentário frio e cínico a respeito do evento fúnebre. Afinal, Sua Alteza fora quase tão velho como Matusalém e pomposo como... um Remdale.

— Não, milorde. — O criado escovou as costas do paletó. — Pelo menos nada que me chegasse ao conhecimento.Jack procurou o chapéu de feltro e as luvas de pelica para

disfarçar a perturbação. Seus servos pareciam não saber da morte de Wenford.

— Bem, agora tenho um encontro com Hoby.Jack havia marcado o encontro quando chegara a Londres para a

temporada. No inverno passado, tentando tirar uma vaca do rio em Dansbury, tinha destruído as botas enfeitadas com borlas, as suas preferidas. Já estava cansado de ficar com os dedos apertados. E falar com Hoby parecia mais difícil do que marcar uma audiência com o príncipe Jorge.

Montado em Benedick, a caminho da loja de Hoby, refletia que ninguém na rua parecia consternado. O que lhe deu a impressão de que ainda não se sabia de nada. Ficou aliviado ao ver a expressão de William Benton, que se aproximava no garanhão recém-adquirido a peso de ouro. Pelo menos alguém estava carrancudo naquela manhã.

— Bom dia, meu rapaz. Como foi aquela festa bolorenta dos Rochmont ontem à noite?

— Graças a Deus o encontrei! Eu estava à sua procura.— Foi o que pensei. — Jack suspirou e pousou as mãos sobre a

pastilha da sela. — Não me mantenha em suspense. Parece que viu um monstro!— Pois estou esperando que milorde me conte como salvou LU.

Que enrascada!— Ela lhe falou a respeito? — Dansbury tentou esconder a

surpresa. Não esperava isso de alguém tão inteligente como Lilith Benton.

— Ela não teve alternativa. Parece-me que algo saiu errado.Dansbury não esquecia a imagem daquela jovem, pálida e

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trêmula, apoiando-se no braço dele para não cair.— Sua irmã está bem? — Não estaria se ele a tivesse prejudicado por um incidente

alheio à sua vontade. O desfecho teria de ser cuidadosamente planejado assim como as outras etapas do jogo.

— Sim, de saúde. Mas não sabe o que pensar a seu respeito.— Verdade? Por acaso, ela me considera um herói?— Pelo contrário. Creio que não gostou de lhe dever um favor.

Fica furiosa quando escuta seu nome.— Estou surpreso e satisfeito de saber que a Srta. Benton fala de

mim. — Jack cutucou o animal com o joelho e Benedick adiantou-se em

um passeio. — Estou a caminho da loja de Hoby. Quer me acompanhar?William hesitou, mas acabou virando Thor, o cavalo negro, para

seguir o marquês.— Onde esteve ontem à noite, milorde?Jack imaginou que seria um problema o garoto sentir-se

abandonado toda vez que fosse deixado à própria sorte. O que o fez supor que Antonia não conseguira mantê-lo ocupado.

— Tive um compromisso. Fui conversar com um homem sobre um cachorro. Por quê? Anda precisando de uma babá? Ou de um guarda para vigiar os aposentos de uma dama?

— Não preciso de ama-seca. — William enrubesceu. — Também não sei por que milorde se torna hostil quando lhe

dirijo uma pergunta mais pessoal. Não faço parte da Inquisição Espanhola.

As respostas do rapaz haviam se tornado mais ágeis desde que Jack resolvera protegê-lo.

— William, não tenho nenhuma intenção de revelar detalhes íntimos de minha vida. Em muitas ocasiões, Jack gostaria de esconder fatos de si mesmo.

— Milorde teria alguma objeção em dizer-me por que ninguém parece saber da morte de Wenford?

— Por favor, fale em voz baixa — Jack advertiu-o, sem querer acreditar no que suspeitava desde o começo da manhã.

— Lilith mandou-me perguntar o que milorde pretende dessa vez.

— Ela lhe pediu que perguntasse alguma coisa para mim?William deu um sorriso que mais parecia um pedido de desculpas.— Surpreendente, não é mesmo? Minha irmã está convencida de

que milorde fez alguma coisa com o duque.— A sua impressão não é essa, é?A opinião de William não o incomodava tanto quanto saber que

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Lilith estava certa. Imaginou o que ela pensaria quando soubesse o que fizera com os restos mortais de Wenford. Jack tinha se esforçado tanto e um erro poderia mandá-lo de volta ao início.

A loja de Hoby apareceu na rua. Dansbury não poderia perder o horário marcado, senão teria de esperar mais de um mês por outro.

— Droga! — Jack exclamou e virou Benedick. — Vamos ver sua irmã.

— Papai saiu?Lilith assustou-se quando William espiou dentro da saleta, com

um olhar conspirador.— Sim. Ele foi levar tia Eugenia para ver a Sra. Higginson, depois

de eu convencê-lo de que o sr. Higginson era amigo pessoal do duque de Gloucester. Onde esteve, William?

— Procurando Jack.— E o encontrou?Dansbury empurrou William e a porta, e foi entrando na sala

como se estivesse na casa dele. Vestido com um paletó azul e uma calça de cor castanho-amarelada, mais parecia um pirata do que um nobre. Lilith não podia desviar os olhos dele.

— Parece que sim, srta. Benton. — Jack fez uma mesura e sentou-se no sofá ao lado dela, sem pedir permissão. — Obrigado por chamar-me. Admito que essa é uma honra que eu não esperava.

— Eu gostaria de saber por que o grande escândalo do momento é a fuga de Raymond Beecher com Harriet Devereaux, a caçadora de fortunas.

Dansbury avaliou o ambiente.— A sala fica bem mais agradável sem um cadáver no chão.

Bem, o escândalo é grande porque ninguém acredita que os dois estejam apaixonados. Harriet não é uma caçadora de • ouro. Ela tem muito mais dinheiro do que a herança de Beecher.

— Mas escutei falar que o falecido esposo... — Lilith interrompeu-se ao ver a expressão divertida do marquês. — Ah, milorde sabe o que quero dizer. Por que ninguém ainda ficou sabendo da morte de Sua Alteza?

— Exceto William, é claro.— Não preciso de sua autorização para falar.— Foi apenas um comentário.— Entendo. Milorde não quer deixar seu discípulo contrariado.Dansbury inclinou-se na direção dela.— A senhorita também não pretende contrariar seu salvador, não

é? — ele murmurou.Lilith resolveu moderar os ataques. O prejuízo maior seria dela.— Tive de contar a meu irmão. Por favor, lorde Dansbury,

explique o que houve.

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— Confesso que estou um pouco consternado. — Jack suspirou, ficou em pé e encostou-se ao consolo da lareira.

— Milorde, onde está o corpo do duque de Wenford?— Não o deixou na porta da casa dele como disse a Lil que faria? — William perguntou, próximo à janela.— Não exatamente.— Onde ele está? — Lilith repetiu.— Senti-me incapaz de resistir a um capricho. Convenci seu

cavalariço a deixar o cadáver na adega.— Não posso acreditar. — Ela empalideceu. — E de que adiantou escondê-lo no porão? Alguém acabará por

encontrá-lo.— A senhorita não me entendeu. Eu não o escondi. Eu o deixei no

chão, no centro do recinto.— E depois?— Abri uma garrafa de vinho. Não de uma vindima muito boa.

Nem seria necessário. Todos entenderão que, no estado dele, o paladar não devia estar muito refinado.

Lilith fechou os olhos.— Que estado?— Nu e bêbado no meio da famosa adega dos Remdale.— Sem roupas?— Por Deus, Jack! — William não conteve o riso. — Eu gostaria de ter visto isso!Lilith tentava se controlar.— William, por favor, vigie para ver se papai está chegando. — Ela não queria ninguém apoiando as sandices de Dansbury.— Não vou ficar fora disso, Lilith. — Teimoso, o irmão cruzou os

braços.— William, seja um bom rapaz e obedeça à sua irmã. — O

marquês a apoiou de maneira surpreendente. — A Srta. Benton pretende falar-me em particular. Mais tarde conversaremos.

Carrancudo, o rapaz saiu.— Agora, doçura, o que deseja dizer-me? — Jack perguntou com

inocência. — Sou todo ouvidos. Estou às suas ordens. Serei seu escravo em

todas as coisas reais... e imagináveis.O pulso de Lilith estava disparado.— Por que fez uma coisa dessas?— Sei que a senhorita é capaz de perguntas mais astutas.

Proponho decidirmos como resolver o problema de sua dívida. Tenho várias sugestões.

Ela detestou sentir que corava.— Por que deixou Sua Alteza naquele estado? O escândalo...

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— Não tenho idéia até onde vai sua inocência, Srta. Benton — Jack irritou-se.

— Também não desejo ofender sua delicada sensibilidade, mas sei muito bem o que Wenford pretendia fazer quando entrou aqui. O bastardo pode ter-me roubado a chance de agir contra ele em vida, mas não foi tarde demais para deixá-lo no lugar certo. Assim todos saberão que ele nunca passou de um grande e maldito imbecil.

Lilith teve a impressão de que estava diante do verdadeiro Jack Faraday. Era inquietante entender que, por uns instantes, gostava do que via.

— Não adiantará envolvê-lo em fatos capazes de abalar a opinião pública. Minha família e a dele sofrerão as conseqüências.

— Bobagem. Apenas Dolph sofrerá, se é que ele possuiu algum sentimento. A senhorita nada tem a ver com o que houve, nem com ele. O que todos sabem é que Sua Alteza lhe fazia a corte.

— Milorde está defendendo minha honra?— Não sei. — Jack desviou o olhar. — Pode ser.— Por quê?Dansbury deu uma risada.

— A senhorita parecia perdida. E nem mesmo agora aprova o lugar que escolhi para o descanso de Wenford.

— Como aprovar uma barbaridade dessas?— Não sente nem ao menos uma ponta de satisfação? Afinal, a

senhorita foi atacada.— Dadas as circunstâncias, a minha opinião não é relevante.— Somente se quiser que não seja.— Milorde não é uma pessoa esclarecida?— Tento ser. — Jack inclinou a cabeça de lado. — A senhorita está

evitando a minha questão.— Não pretendo respondê-la.— Em geral, o silêncio é tomado como uma concordância — Jack

afirmou, com um sorriso matreiro.—- Milorde é um homem irritante. — Lilith fechou os olhos e

massageou as têmporas. Esperou uma resposta à altura que não veio. Voltou a fitá-lo.

Dansbury a observava com uma expressão pensativa. Lilith preferia o marquês impertinente. Era mais fácil decifrá-lo.

— O que houve? — ela perguntou.Felizmente o pai não o considerava um pretendente em potencial.

Era impossível manter-se calma diante de Dansbury.— Para a senhorita, tudo isso é uma provação, não é mesmo? — Jack cruzou os braços.

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— Claro que sim. —. Lilith aborreceu-se por ele a achar indefesa. — Não estou habituada a lidar com duques falecidos nem com

tratantes disfarçados.Se não o desprezasse tanto, teria achado atraente o sorriso largo.— Imaginei que nada abalasse Lilith Benton.Na verdade, estava perturbada. E não apenas pela morte de

Wenford.— Qual o motivo dessa alegação?— A senhorita. Sempre tão calma e fria...— Não sou a Rainha do Gelo! — Não teria suportado escutar uma

afirmação dessas de Dansbury.O marquês endireitou-se.— Como chamarmos uma jovem que encoraja seis preten-

dentes...— Cinco!— Seis! E não dá resposta a nenhum deles? Está esperando

completar uma dúzia para se resolver?— Jamais escutei tamanho absurdo! — Lilith levantou-se, sem

saber o que fazer. Bateu o pé e encarou Dansbury.— Vamos lá, srta. Benton. — Jack deu um passo à frente.— Está sendo prudente ou calculista?— Isso diz respeito à minha família e não a milorde.— Sua família não teve de arrastar Wenford. A jovem estremeceu.— A família é tudo o que importa.Dansbury fitou-a com uma curiosidade que a desconcertou.— Mesmo assim, a senhorita poderia desestimular dois ou três

dos que têm menor possibilidade de aceitação. Nesta temporada, há muitas jovens procurando maridos. Não é justo monopolizar todos os homens solteiros disponíveis.

— Eu o desestimulei — Lilith respondeu, tremendo de raiva. Ou pelo menos era o que ela pensava que fazia.

— E quanto aos outros? — Dansbury aproximou-se mais.— Além de Wenford, é óbvio, que já está fora do caminho.Ela recuou arfante e sentindo arrepios na espinha. Encostando-se

na estante, foi forçada a parar.— Meu pai tem preferência pelo conde...— De Nance? — Jack a interrompeu. — Ele é um tonto e a

senhorita sabe disso. Também não lhe pedi para enumerar os favoritos de seu pai. Será que nenhum homem conseguiu conquistá-la? — Dansbury parou na frente de Lilith, passou os braços por cima de seus ombros e apoiou as mãos na estante.

— Apenas um que a fizesse suspirar e que não saísse de seus pensamentos?

— Não importa o nome dele — ela tentou, em vão, evitar lhe

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olhar —. contanto que seja respeitável. O sorriso indolente do marquês foi desvirtuado pelo brilho intenso do olhar.

— Qualquer um que não seja eu? — ele sussurrou.Lilith desejava que Jack fosse embora, pois a coragem de

enfrentá-lo com energia estava prestes a abandoná-la.— Sim.— A senhorita não deixou nada fora dessa sua pequena equação

de respeitabilidade? — Inclinou a cabeça para a frente. — Talvez a felicidade.— Alguém que for digno de respeito me fará feliz, milorde.— Tem certeza disso, milady?— Abso...Dansbury beijou-a com rudeza. Lilith prendeu a respiração. Tudo

o mais perdeu a razão de ser diante da sensação cálida dos lábios dele nos seus. Teve a impressão de que um raio atingira sua espinha. Estava dividida entre a vontade de que o beijo continuasse e o horror de ser beijada pelo marquês. Então, ela lhe puxou os cabelos para trás. Jack fitou-a, surpreso, e Lilith o acertou na canela.

— Canalha. — A jovem ofegava. Dansbury recuou e esfregou a perna dolorida.

— Sem-vergonha! Devasso! — Lilith gritou, irada.— Paus e pedras podem quebrar meus ossos. Palavras... Ela

levantou um vaso.— Por que não o joga?Lilith atirou a peça. Dansbury desviou-se e a porcelana quebrou-

se no sofá.— Muito bem, Rainha do Gelo. — Divertido, tornou a aproximar-

se.— Não sou nenhuma Rainha do Gelo!Ela apanhou um castiçal de cerâmica e o atirou na direção do

marquês. Dessa vez, a peça acertou o alvo. A cabeça de Jack. Ele deu um gemido, cambaleou e caiu no chão.

Lilith correu e ajoelhou-se a seu lado.— Milorde? Dansbury?Ele se conservou imóvel, com um braço por cima do rosto.— Jack? — Lilith apavorou-se com a hipótese de tê-lo ferido

seriamente.O marquês abaixou o braço devagar e fitou-a.— Droga! Está doendo. — Passou a mão na têmpora e os dedos

ficaram ensangüentados. Sentou-se e moveu a cabeça para os lados devagar.

— Creio que a senhorita provou a pertinência de sua afirmativa.Dansbury insistia em irritá-la.

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— Qual delas?— Que não é a Rainha do Gelo, Lil.— Srta. Benton — ela o corrigiu. — Milorde é um grosseiro e

merecia muito mais do que isso.— Já fui bem mais castigado. — Ele deu risada. — Embora um corte na cabeça me pareça bastante severo para

um simples beijo.Ora, Dansbury poderia ter beijado muitas mulheres que nada

haviam sentido, mas Lilith não saberia descrever o que experimentara.

— Que isso não se repita.— Pois eu pretendia fazê-lo tantas vezes quantas me fossem

possíveis.A jovem sentou-se, entorpecida.— Não entendo por que milorde insiste em atormentar-me.— Estou apaixonado. Além disso, a senhorita olhou para mim de

maneira irresistível.— Não devo ser a única pessoa no mundo que o olhou. Por que

não atormenta os outros?Novamente o sorriso fascinante.— Creio que não fui muito claro. A senhorita olhou para mim e

depois fingiu que não o fez. — Jack chegou mais perto. — A senhorita sentiu, e ainda sente,

atração por mim.— Nada disso. Por um momento, achei a sua fisionomia

agradável — Lilith falou, relutante. — Mas foi antes de eu me inteirar da fraqueza de seu caráter.— Por que diz isso?— Milorde sabe muito bem.— Quero escutar as evidências dessa acusação. — Jack acariciou-lhe o rosto.— Pare com isso!Ele passou o indicador no colar de pérolas que lhe enfeitava o

pescoço.— Fale...Lutar contra o duque de Wenford fora mais fácil. O velho lhe

causava repulsa. Dansbury a fazia perder o fôlego.William escancarou a porta e irrompeu na sala.— A carruagem de papai dobrou a esquina... — Fitou o marquês. — Mas o que aconteceu?— Eu o acertei com um castiçal de cerâmica.Sufocando a risada, Dansbury pôs-se de quatro e reuniu com

rapidez os restos da peça quebrada.

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William arregalou os olhos.— Ele é um dos atiradores mais experientes da Inglaterra, Lil.

Ficou maluca?— Completamente — Jack respondeu por ela. — Srta. Benton, será que não acertou algo em Wenford?Lilith empalideceu.— Não ouse dizer uma coisa dessas!— Lil, comporte-se! — William advertiu-a.— Ele é quem deveria portar-se melhor comigo! — A jovem ficou em pé e procurou outro objeto para atirar. —

Saia daqui, antes que papai o veja!— Lilith!— Cale a boca, William. — Jack aborreceu-se. — Sei me defender. — Jogou os pedaços de cerâmica no lixo e apalpou o calombo na

testa. — Ainda terei de achar uma explicação para isso.— Simples. Uma mulher que teve de defender a honra diante de

seus avanços. — Foi a vez de Lilith divertir-se.— Eu não...— Não, depois de ter caído. Jack riu.— Só se for por sua beleza, minha querida.Ela não chegou a responder. O marquês fez uma mesura elegante

e um gesto para William precedê-lo.— Acompanha-me até a porta, meu rapaz? — Olhou para Lilith. — Até a próxima vez, ma chèri.— Milorde — William falou ao passar pela porta —, pensei que

fosse o culpado pelo que aconteceu a Wenford. A garrafa de vinho do Porto que deu a ele no White's não estava cheia de estricnina?

— O quê?! — Lilith gritou atrás deles.— Isso não tem graça, William — Jack resmungou.— Milorde deu uma garrafa de bebida ao duque antes de ele

morrer... aqui no meu sofá? — Ela o encarou, desconfiada.— Pelo amor de Deus! — Só lhe faltava Lilith supor que ele fosse

um assassino. — Eu não queria apertar aquela mão imunda! Tenho certeza de que ele deve ter sido amaldiçoado por nobres mais valorosos do que eu.

— Seria difícil encontrar alguém com menos valor, milorde.— Procure entre seus outros pretendentes — Jack retrucou. —

Adieu.Dansbury fechou a porta depressa antes que ela pudesse

responder. Seguiu William até a saída de trás, onde havia amarrado

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Benedick. Sua cabeça doía, mas valera o risco.A vontade de tocar em Lilith Benton e de beijá-la o havia deixado

transtornado e o tinha afastado do objetivo verdadeiro do jogo. Dissera desatinos só para sentir o gosto daqueles lábios. E o desejo não havia sido aplacado. Pelo contrário.

— Para onde vamos? — William montou em Thor.— Vou ao Parlamento. — Jack estava aborrecido com o rapaz. — Terá de se divertir sozinho.— Milorde freqüenta a Câmara dos Lordes?— Quando consigo encontrá-la. Esqueça. Eu já havia marcado um

encontro para esta noite.William fez uma careta e desmontou.— Quem é ela?— Uma jovem de olhar brilhante e um sorriso doce de causar

inveja aos anjos. — Pareceu-lhe uma boa ocasião para ativar o plano secundário. —

Por falar nisso, acredito que a Srta. Antonia espera que um jovem cavalheiro a leve à opera hoje.

— Antonia? — William animou-se. — Ah, Jack, mas isso é... — O rapaz mostrou-se desalentado. — Isso é horrível. Não tenho

camarote. Não poderei convidá-la para sentar-se atrás, junto com a plebe.

O marquês tirou um pedaço de papel do bolso.— Se está lembrado, tenho um camarote. — Segurou as

entradas. — Divirta-se.William estendeu a mão, mas Jack não entregou os cartões.— William, quando a notícia da morte de Wenford vier à tona,

sugiro que não mencione outra vez aquela garrafa de vinho do Porto. Estamos combinados?

— Jack, aquilo foi uma brincadeira.— William...— Está bem, eu juro. Não tocarei mais no assunto. Dansbury

entregou-lhe as entradas, dizendo:— Bom rapaz. Venha ver-me amanhã cedo. Eu o levarei ao

Gentleman Jackson's.Jack teria muito o que planejar. A raiva inicial que sentira de Lilith

Benton tinha evoluído para algo bem mais complexo. Precisava decidir em que terreno se encontrava antes de dar o próximo passo. Ou então acabaria caindo novamente.

Tia Eugenia cancelara o passeio às lojas por causa do frio. Não havia se incomodado com os protestos de Lilith que desejava sair. Até mesmo fazer compras com tia Eugenia serviria para esquecer um pouco o marquês de Dansbury.

A jovem procurou entreter-se com as tarefas mais variadas na

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casa, sem resultados positivos. Dansbury planejava alguma maldade e Lilith não tinha a menor idéia do que se tratava. Passou os dedos nos lábios e deu um suspiro. Exasperada, voltou a bordar. Gostaria de entender por que o marquês insistia em lembrá-la da dívida, em vez de cobrá-la de uma vez.

— Lil? — William chamou-a.— O que é? — ela falou, impaciente, empurrando a agulha no

tecido grosso do bordado.O irmão entrou na sala.— Pensei em ir até o leilão de cavalos. Quer vir comigo? Ela

largou o bordado.— Eu adoraria, mas papai jamais permitiria que eu fosse.William inclinou-se sobre o encosto do sofá, onde ela estava

sentada.— Papai nunca permite nada, exceto a filha casar-se com viúvos

decrépitos.— Cale-se, William!— Eu sei. De nada adianta falar. Se ele ouvir, gritará comigo. Mas

não me parece justo. — O rapaz segurou o bastidor. — Isto é interessante — ele caçoou

e levantou a agulha.— William! Devolva-me o bordado. Não se atreva! Ele lhe

entregou o conjunto.— Esta temporada foi um desastre, não foi, Lil? As oportunidades

de se divertir, que sempre foram escassas, diminuíram ainda mais com Wenford, com Jack, comigo e...

— Pelo menos não terei de me casar com Sua Alteza — Lilith interrompeu-o com um sorriso triste. — A temporada ainda não terminou. — Estranhou a seriedade do irmão.

— Eu gostaria que tomasse cuidado com o marquês de Dansbury._— Jack está bem. Eu também não me preocuparia com a

proposta dele. Ernest e os outros têm falado que o marquês está atrás de uma jovem apelidada de Rainha do Gelo.

O coração de Lilith disparou.— E por que ele haveria de persegui-la?— Para derretê-la. — William deu uma risada. — A pobre jovem

não tem chance de escapar. Jack é capaz de incendiar um iceberg, se desejar fazê-lo.

— Não... duvido.William beijou-a e saiu. Lilith tentou entender por que Dansbury

insistia em aborrecê-la. Seria para fazê-la agir com maior condescendência? O que mais a perturbava era não poder tirar o marquês de Dansbury de seus pensamentos, mesmo sabendo que ele tramava um plano audacioso. Assustou-se quando Bevins bateu

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na porta.O mordomo entrou na sala, entregou-lhe uma mensagem e saiu.

Alison, lady Hútton, mandara um convite para a festa do quarto aniversário de sua filha, que se realizaria naquela noite. Pedia desculpas pelo bilhete apressado, mas esperava contar com a presença de lady Eugenia e da Srta. Benton. Lilith sorriu. Seria um divertimento bem melhor de que o recital na casa de lady Wickes. Foi até a secretária para escrever uma nota de agradecimento e aceite. Precisava de uma distração.

— Srta. Benton?Parecia um complô para não a deixarem em paz.— O que é, Emily? — Fitou a criada de muitos anos.— Srta. Benton, eu... não consigo encontrar um de seus brincos.— Qual deles?— Aquele de pérolas... de sua mãe. — Emily parecia muito

preocupada. — Jenny ,a moça que limpa a parte de baixo da casa, entregou-me ontem um dos brincos encontrados na pequena sala de estar. Eu já guardei o colar na caixa, mas não encontrei o outro brinco.

— Ontem? De repente, Lilith empalideceu. Lembrou-se da luta com o duque de Wenford, quando ele lhe agarrara os cabelos.

— Oh, não.— O que aconteceu, srta. Benton?— Nada, Emily.Lilith respirou fundo. O conjunto de brincos e colar era a única

recordação de sua mãe, que lhe havia sido permitido guardar. Mesmo desaprovando as atitudes intempestivas de Elizabeth Benton e por mais que houvesse sofrido com sua fuga, Lilith nunca tinha se separado dessas jóias. Talvez Milgrew ou Dansbury, ao deixar o duque no porão, tivessem visto se Wenford segurava alguma coisa. Jack, principalmente, que reparava em tudo.

Emily ofereceu-se para fazer nova busca no guarda-roupa e Lilith agradeceu com esperança de que sua suposição estivesse errada. Terminou a mensagem para lady Hutton e estava para entregá-la a Bevins, quando o pai apareceu, mal-humorado.

— Como está a sra. Higginson? — Lilith indagou, cortês.— Continua queixando-se de maneira incessante. Seis anos se

passaram e nada mudou. — Apontou a mensagem. — O que é isso?— Minha resposta a um convite de lady Hutton. Esta noite ela fará

uma festa para comemorar o aniversário da filha e eu gostaria de comparecer.

— Hutton?— O marido é lorde Hutton, de Shropshire.

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— Quais as propriedades dele?— Um baronato em Linfield. O que importa isso?— Um baronato? — O visconde franziu a testa. — Pensei que iria

ao evento na casa de lady Wickes. Escutei lady Georgina perguntar se ficaria sentada a seu lado.

— Papai, Georgina é tão... leviana. Eu gostaria muito de rever lady Hutton. O avô de lorde Hutton foi o conde de Clanden. — Pelo menos era o que a mãe de Penélope dissera.

— Está bem. Uma vez casada, não terá mesmo tempo para tais bobagens.

— Obrigada. Papai, a respeito de Sua Alteza... — Lilith esperava influenciar o pai na escolha de outro pretendente, antes que o cadáver de Wenford fosse descoberto. Queria evitar aborrecimentos ao visconde.

— Estou pensando em falar com ele. — Stephen Benton foi até a porta.

— Mandarei uma carta para Sua Alteza.— Não quero me casar com ele. — Lilith esperou o pai sair e foi

procurar Bevins. — Já está morto mesmo.

Capítulo V

Há belos jardins em Paris — Richard Hutton afirmou —, mas nenhum deles tem rosas como as inglesas.

Lady Hutton estava sentada de mãos dadas com o marido no sofá.

— Richard deve acreditar que Deus criou o clima inglês para que as rosas se desenvolvam melhor.

Cerca de vinte convidados, reunidos na sala de estar, riram do comentário. Os amigos de Alison Hutton eram alegres, ruidosos e simpáticos. Lilith descontraiu-se. Nenhum de seus pretendentes havia sido convidado. Tia Eugenia, que estivera macambúzia, ficou mais bem-disposta com a chegada da condessa de Ashton. Aquela reunião era um momento alegre em meio às pressões da temporada.

— Para mim, é frio demais — Peter Wilten opinou e estendeu mais um pacote embrulhado com papéis coloridos.

— Sr. Wilten — Gabrielle Wilten repreendeu-o e os outros riram.Beatrice Hutton estava sentada no chão, rodeada por uma

montanha de presentes. A menina era linda. Tinha os cabelos

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escuros e ondulados da mãe e os olhos cinzentos do pai. Lilith sorriu para a menina, satisfeita. O bicho de pelúcia que ela havia comprado fora um dos preferidos da garota.

Tia Eugenia conversava, animada, com a condessa e com a mãe de lady Hutton, que também conhecera os Dupont em Shropshire. Os sobrinhos de Richard ajudavam Beatrice a desembrulhar os presentes.

— Srta. Benton, quantas variedades florescem em seus jardins? — Lorde Hutton perguntou enquanto Beatrice pulava em seu colo, atrapalhada com um embrulho mais complicado.

— Tenho quinze espécies aqui e umas trinta em Hamble. Muitas são duplicadas. Ao todo, umas trinta e cinco variedades.

— Maravilhoso.Lilith sorriu com o entusiasmo dele.— Obrigada.— Estou procurando uma Hardy. A minha morreu depois de uma

poda.— Tenho uma Hardy na Mansão Benton. Ficarei feliz em fornecer-

lhe uma muda.— Eu seria muito grato...— Onde está minha doce Bea? — uma voz chamou.Beatrice deu um grito e escapou do colo do pai. Correu para a

porta, tropeçando em papéis e fitas. Atônita, Lilith viu o marquês de Dansbury entrar na sala, levantar Beatrice no colo e girar a menina no ar. Rindo, beijou-a com um estalo e deixou-a no chão. Beatrice começou a mexer nos bolsos dele.

— O que está procurando, minha pequena? A menina deu uma risada.

— Meu presente de aniversário.— Lembra-se do que me pediu, Bea?— Sim, tio Jack.— E acha que o presente caberia em meus bolsos?— Onde o deixou? — A menina abriu as mãos.O marquês virou-se para trás. Um criado entrou trazendo nos

braços um filhote de setter irlandês. Beatrice gritou de alegria. O marquês pegou o animal e agachou-se.

— Bea, ele é bem pequeno. Por isso terá de ser carinhosa com ele. Entendeu?

A menina acariciou o animal com cuidado.— Sim, tio Jack.— Está bem, doçura. Eis seu filhote vermelho. Feliz aniversário.Jack deixou o cachorrinho no chão. O animal pulou em cima de

Beatrice e começou a lamber-lhe o rosto. As outras crianças correram, excitadas, para brincar com o filhote. Dansbury levantou-

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se para cumprimentar os presentes. Hesitou por um instante, ao ver Lilith entre os convidados. Ela ergueu uma sobrancelha e Jack prosseguiu até onde estava lady Hutton.

— Perdoe-me pelo atraso. — O marquês abaixou-se, beijou o rosto de Alison e fitou Richard. — Posso ficar?

— Claro — Alison respondeu e puxou-o para sentar-se no sofá a seu lado.

— Bea lhe disse que queria um cachorro?— E foi bastante objetiva. Um filhote vermelho, tio Jack.Lilith entendeu que Jack e Alison eram irmãos. Cabelos negros e

ondulados, olhos castanhos e feições muito parecidas. Viu Dansbury estender a mão a Richard e teve a impressão de que lorde Hutton hesitava antes de cumprimentá-lo.

— Muito ocupado, Richard? — Jack aceitou uma taça de vinho do Porto oferecido pela criada.

— Bastante. O primeiro-ministro ainda não se convenceu de que a Inglaterra já se livrou de todos os espiões de Boney.

— De qualquer forma, isso pouco importa. Bonaparte está morto. Se existirem espiões, não terão para quem fazer os relatos.

Lorde Hutton estreitou os olhos.— Tente explicar isso a Liverpool.— Pelo que me lembro...— Jack, conhece a srta. Benton? — Alison interrompeu a

conversa. — Lilith, meu irmão, marquês de Dansbury.Jack levantou-se, segurou a mão de Lilith e levou-a aos lábios.— Já nos conhecemos — o marquês murmurou com um sorriso

maroto. — Alegro-me por tornar a vê-la, Srta. Benton.— Milorde. — Lilith puxou a mão o mais depressa que pôde.Dansbury, com charme e personalidade, virou-se para conversar

com os outros convivas, ou pelo menos com os que não o evitavam. E, quando se sentou novamente ao lado de Alison, voltou a sorrir sem afetação ou cinismo. Lilith teve a impressão de que aquele era o verdadeiro Jack.

Ao perceber que Dansbury a olhava, a jovem concentrou-se na própria xícara de chá. O que não evitou, logo depois, a presença dele a seu lado.

— Pensei que milorde tivesse outros compromissos esta noite.— Decidi deixar seu irmão divertir-se sozinho. Não está satisfeita?

— Jack observou a sobrinha brincar com o pequeno cão.— Ainda não desistiu de tentar derreter a Rainha do Gelo?— A senhorita já demonstrou que seu temperamento se parece

mais com um vulcão.

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— E foi preciso um golpe na cabeça para convencê-lo disso.— Um beijo.— Milorde é demoníaco. — Lilith corou. O insulto o fez rir.— Seus olhos estão lançando faíscas novamente, Srta. Benton.

Nunca vi nada tão verde, nem mesmo as esmeraldas reais.Lilith irritou-se por sentir que corava ainda mais. Não podia

acreditar nos elogios que Jack sempre lhe fazia.— As esmeraldas a que se refere por acaso foram roubadas?Jack tornou a rir.— Agora sou um demônio, um assassino de duques e um ladrão

de jóias — ele sussurrou, inclinando a cabeça mais para perto. — Será que não existe mais nenhuma acusação perversa para esta noite?

— Não na frente de todas essas pessoas.— Talvez pudéssemos discutir o assunto em particular, Lilith. — Jack passou a ponta do dedo na prega da saia da jovem.— Srta. Benton — ela o corrigiu, tentando ignorar o alvoroço de

seu coração. — Seus elogios não têm o menor efeito sobre mim. Devo avisá-lo

de que já decidi me casar com o conde de Nance.— Nance não é o homem certo para a senhorita — Jack

impacientou-se.— Verdade? — Lilith surpreendeu-se com o tom ríspido. — O que

o fez chegar a essa conclusão?— Ele é um idiota — o marquês começou a contar na ponta dos

dedos —, não tem senso de humor e mais parece um poste. Rigor mortis prematuro. — Sorriu com cinismo. — O mesmo se pode dizer de Jeremy Giggins, Henning, Varrick. — Franziu a testa. — E de Wenford. Na verdade, não saberia dizer quantos candidatos já estão mortos e quantos ainda não sabem que estão. Exceto eu, é claro.

— Os outros são respeitáveis. Exceto milorde.— Todos inaceitáveis para quem não é mais a Rainha do Gelo.

Exceto eu.— Se não tivesse desperdiçado sua vida, eu até poderia

concordar com milorde.Lilith, ansiosa para ir embora, olhou para tia Eugenia, que

continuava a tagarelar com animação. Nem a presença de Dansbury parecia incomodá-la.

— Srta. Benton, admita que tem apenas conhecimento de boatos e insinuações a meu respeito. Talvez eu seja diferente da imagem que faz a meu respeito.

A seriedade de Jack a surpreendeu.— Que tipo de homem é milorde?Foram interrompidos por Gabrielle Wilten, que se afastou após

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um momento interminável.— Sou racional, inteligente, estou em forma e continuo em

movimento. — Alisou a lapela do magnífico paletó azul. — Não desperto a sua

admiração?— Milorde é muito modesto. — Lilith não conteve o riso.— A senhorita tem um belíssimo sorriso.A jovem respirou fundo, tentando não ser afetada por mais um

elogio.— Posso fazer-lhe uma pergunta?— Estou às suas ordens, srta. Benton.— Por acaso milorde notou se Wenford segurava alguma coisa

nas mãos?— Seria mais fácil se me dissesse no que está pensando. Posso

assegurar-lhe que nada havia nos bolsos. — Jack piscou. — Não contava com nenhum quando o deixei.

Lilith tinha de lembrar-se de que o marquês não passava de um canalha.

— O que está procurando?— Um brinco. — Ela tomou mais um gole de chá. Dansbury

inclinou-se para a frente.— A senhorita deu àquele crápula um brinco?Gloria Ashbury olhou na direção deles e comentou alguma coisa

com lady Mavern. Lilith deu-se conta de que ela e o marquês estavam sentados próximos demais. Afastou-se depressa.

— Parece que está com ciúme.— Fiquei apenas surpreso que tenha dado àquele horrendo

mamute velho uma prova de sua afeição.— Não dei nada a ele, milorde. Nem imaginava que alguma coisa

minha estivesse faltando. Ele agarrou meus cabelos e, provavelmente, levou junto o brinco. Só senti falta da peça há poucas horas. Já a procurei por toda a parte.

Dansbury fitou-a por alguns momentos.— Eu gostaria de ter ido à sua casa um pouco mais cedo.— Por acaso não acredita em mim? — Lilith ofendeu-se.— Eu poderia ter poupado Wenford do esforço de morrer por

conta própria.Lilith percebeu o tom ameaçador e perigoso na voz de Jack

Faraday. E não se tratava de ciúme, pois o marquês não tinha nenhum direito sobre ela.

— Começo a acreditar que milorde teve algo a ver com a morte do duque.

Jack suspirou e negou com um gesto de cabeça.— É em momentos como este que eu gostaria de ter sido uma

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pessoa de comportamento exemplar.Lilith admirou-se pelo tom de remorso.— Então por que não agiu de maneira diferente? Dansbury deu de

ombros.— Talvez por imaginar que não teria nenhuma graça. — Suspirou. — Não se preocupe, srta. Benton. Vou procurar seu brinco mais

tarde.Mais um fragmento de honra. Dansbury se revelava um homem

surpreendente.— Eu gostaria de acreditar no que está me dizendo. — Lilith não

se referia apenas à procura do brinco.Beatrice aproximou-se do tio e puxou-lhe a mão para levantá-lo.— Venha ajudar-me, tio!— E eu gostaria que pudesse fazê-lo, Lilith. — Dansbury pôs-se

em pé e foi arrastado até onde as crianças faziam um cercado com cadeiras para o pequeno setter.

— Srta. Benton — ela murmurou depois de alguns segundos, acompanhando Jack com o olhar.

— "Tio Jack" não é um nome adequado para um cachorrinho — Dansbury explicou com paciência. Atrás dele, Alison não continha as risadas.

— Mas esse é o nome dele — Beatrice insistiu, tentando conter o animal irrequieto no colo.

O último convidado se despedira havia pouco. Dansbury ficou satisfeito ao perceber que Lilith tinha se demorado até quase o final da festa.

— Minha querida, isso vai criar uma grande confusão. Como sua mascote vai saber se está falando com ela ou comigo?

— Eu sei com quem estou falando, tio — Beatrice explicou e fitou o marquês como se ele fosse um retardado.

— O que acha de "Lorde Hutton"? — Jack fez uma tentativa de preservar um resto de dignidade.

— Ah, muito obrigado — Richard murmurou da entrada. — Ainda bem que se lembrou do cunhado com quem não fala há

mais de uma hora.— Ele se chama Tio Jack — Beatrice insistiu, disposta a chorar.Dansbury acariciou as orelhas do animal.Richard não haveria de gostar de ouvir o nome do cunhado na

casa, mas Jack não estava disposto a fazer a sobrinha derramar lágrimas por causa do nome de um cachorro.

— Está bem. Doçura. Será Tio Jack.Fanny, a governanta de Beatrice, desceu a escada. Jack deu

espaço para a mulher de proporções avantajadas passar.— Está na hora de ir para a cama, senhorita — Fanny informou-a.

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— Não quero dormir — a menina protestou e, apesar de relutante, teve de seguir a outra.

— Jack, venha até aqui — Alison chamou-o.Ele atravessou a sala e sentou-se ao lado da irmã.— Obrigado por convidar-me, Alison. Não imaginei que pudesse

fazê-lo.— E eu pensei que talvez não aceitasse o convite.— Bem — Dansbury examinou as próprias unhas, ciente de que

Richard os observava —, admito que tenho sido relapso diante das obrigações familiares. Mas nunca me esqueci dos aniversários de Beatrice.

— Nem sempre foi assim — Richard interveio e saiu da sala.— Alison, ouso dizer que meu cunhado já não me odeia como

antes. Há um ano, ele não suportaria ficar no mesmo recinto comigo por mais de cinco minutos.

— Concordo e também devo lhe dizer que admirei seu com-portamento esta noite. Mostrou-se bastante civilizado.

Jack não poderia lhe revelar que usava de um estratagema para atrair uma jovem arredia. Evitou comentários e cruzou as pernas na altura dos tornozelos.

Alison sorriu e acariciou o abdômen volumoso.— Diga-me, Jack, há quanto tempo conhece Lilith Benton?— A srta. Benton? — Ele franziu o cenho, como se tentasse

precisar a data. — Há alguns dias. Sou amigo do irmão dela.Alison fitou-o e Jack procurou demonstrar indiferença. Ela o

conhecia melhor do que qualquer pessoa. Mesmo assim, o marquês procurou disfarçar.

— Está interessado nela, Jonathan Auguste Faraday! — a irmã exclamou de repente.

— Eu não... — Jack ergueu as duas sobrancelhas. Alison começou a aplaudir.

— Nunca pensei que isso pudesse acontecer. Afinal, cansou-se de tantas andanças e tanto divertimento sem sentido. Eu já havia perdido a esperança.

— Alison, creio que está...— O poderoso acabou caindo!— Esqueça, Alison — Jack pediu, aborrecido. — Ela não está interessada em mim.— Por que não? — A irmã ficou séria.— Ela está atrás de um título respeitável. Acha que desperdicei

minha vida, que dou mau exemplo a seu irmão, que pretendo arruiná-lo para ficar com a fortuna dele.

— Oh, Jack. — Alison acariciou-lhe os cabelos. — Por que as pessoas pensam coisas horrorosas a seu respeito?

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Ele encolheu os ombros e tomou um gole de vinho.— Porque estão certas.— Jack...Ele deixou a taça na mesa lateral e levantou-se.— Não alimente esperanças vãs, minha irmã. Eu me divirto com a

obsessão da srta. Benton pela respeitabilidade. Apenas isso. Boa noite, Alison. — O marquês foi até o corredor pegar o capote e o chapéu. — Boa noite, Richard! — gritou, sem esperar resposta.

Desistiu de passar o resto da noite no Boodle's. O sorriso de Lilith ocupava-lhe a mente. Acabaria se distraindo durante o jogo. Além disso, ela o encarregara de uma tarefa para aquela noite, embora não se tratasse de nada agradável.

Voltou à Mansão Faraday, disposto a trocar de roupa. Precisava vestir algo mais apropriado para entrar no porão dos Remdale. Encontrou William Benton sentado nos degraus da entrada com os cotovelos apoiados nos joelhos e o queixo, nas mãos.

— Perdeu alguma coisa? — Jack perguntou e passou pelo rapaz quando Peese' abriu a porta.

— Não exatamente. — William levantou-se e seguiu-o. — Vim fazer-lhe uma pergunta, mas seu mordomo não me deixaria entrar.

Jack fitou Peese, que disfarçou o riso.— Sim, em geral ele não deixa. — Foi até a escadaria e notou

que William hesitava. — Não tenho tempo de sentar-me para conversar.— Então posso acompanhá-lo?— Bem... — Afinal, o assunto era de interesse da irmã dele. —

Por que não? Descerei num instante.Jack chegou a seu quarto, tirou o paletó e jogou-o sobre a cama.

Martin apareceu em seguida e estalou a língua, aborrecido. O marquês remexia no lado menos utilizado de seu guarda-roupa.

— Milorde precisa de ajuda?— Onde estão minhas roupas velhas?— Quais, milorde?— As francesas, escuras.— Algum problema, milorde?— Ainda não. Preciso de uma roupa que sirva para eu rastejar e

que não comprometa a aparência de cavalheiro.O criado foi até uma arca e voltou com um paletó marrom.— Serve este, milorde? Dansbury torceu o nariz.— Eu já vesti isso?— Uma vez, milorde. Em Paris. — Martin franziu a testa e cheirou

o casaco. Empalideceu e afastou o tecido do rosto. — Este não serve. Pegarei outro.

— O que foi? — Jack adiantou-se.

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— Nada, milorde. E que eu...Jack pegou o paletó e cheirou-o. Sentiu a leve fragrância de

perfume francês e perdeu a cor. Detectou também traços adocicados de sangue velho. Devolveu o paletó a Martin e esfregou as palmas nas coxas.

— Queime esse e pegue outro, Martin. Estou com pressa.O criado foi até a arca de novo e voltou com outro paletó. Tinha

cintura estreita, como se usava em Paris havia cinco anos e apenas cheirava bolor.

— Para onde vamos? — William indagou quando Jack desceu. Fitou a roupa antiga com curiosidade.

— Fazer uma pequena necropsia — o marquês respondeu, vestindo as luvas.

— Está falando de Wenford? — William perguntou com olhos brilhantes.

— Fique quieto. — Olhou para Peese, que segurou aberta a porta da frente.

— Se não puder manter a boca fechada, não poderá acompanhar-me.

O rapaz manteve-se em silêncio durante o trajeto de dois quilômetros até a Mansão Remdale. O que foi um benefício. O marquês não estava com vontade de conversar. Era uma idiotice voltar àquele lugar. Por sorte, tinha escapado, sem ser percebido, da brincadeira original. Esperava que sua boa estrela marcasse presença novamente. Diante do sorriso de Lilith Benton, ele se comportava como um imbecil. Seu único consolo era pensar que ela pagaria por isso mais tarde.

Aproximar-se da casa no escuro seria mais fácil do que havia sido à luz do dia. Rodearam a mansão e Jack olhou em volta para certificar-se de que nenhum dos criados saíra para um passeio ao luar. Tirou uma faca da bota e abaixou-se junto à porta da adega.

— Tem certeza do que está pretendendo?Jack olhou para trás. William estava escondido nas sombras dos

olmeiros.— Fique quieto e mantenha os olhos abertos.— Está bem — o rapaz sussurrou. — Milorde já não fez isso antes?— Sim, durante o dia, e sem esses cachorros uivando. Jack contou

até sete e William recomeçou a falar:— Milorde já pensou em se casar?Por um momento, o marquês deteve as mãos na fechadura

enferrujada. Na certa se tratava dos efeitos dos encantos de Antonia.

— Eu já lhe avisei para ficar calado.— Eu escutei — o rapaz continuou a sussurrar.

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— Mas Nance procurou-me para conversar hoje no teatro e advertiu-me a respeito dos libertinos como o senhor. E Antonia...

Lionel Hendrick era um esnobe idiota.— Ah, ele fez isso? William anuiu com a cabeça.— Milorde já pensou em se casar? — o rapaz repetiu a pergunta.— Ouça um conselho, William. — Jack ficou de lado para não

obstruir a luz do luar e voltou ao trabalho para abrir o cadeado. — Nunca entregue o coração a uma mulher, sob o risco de vê-lo estraçalhado.

O silêncio desaprovador do rapaz era quase palpável, mas Jack não se incomodou de haver ofendido a sensibilidade do jovem.

— Milorde fez uma proposta de casamento a Lil!— Tratou-se de uma brincadeira. — Pelo menos a intenção fora

aquela. Embora depois uma confusão tenha se instalado em sua mente. — Os sentimentos de sua irmã a meu respeito não constituem segredo para ninguém. — Jack virou novamente a ponta da faca e a tranca cedeu. — Pronto. Eu não lhe disse que conseguiria?

— Ainda bem que não demorou. Estou congelando.— Dê graças a Deus que está frio. Ou não agüentaríamos o

cheiro.— Que já deve ser horrível.Jack abriu a porta e parou antes de descer a escada.— Talvez fosse melhor esperar-me aqui, William.— Bobagem. Depois do que ele fez a Lilith, ver o cadáver de

Wenford não me causará nenhum malefício.— Espero que não. — O marquês apanhou uma das lamparinas da

parede e acendeu-a. Havia prateleiras e mais prateleiras com garrafas de vinho espalhadas em todas as direções da adega enorme. Jack andou com cuidado, seguido por William. — Sua irmã é muito sagaz. Encomendou-me uma missão perigosa, enquanto está dormindo sossegada.

— Não a imagino esgueirando-se no meio da noite na casa do duque de Wenford.

— Isso mesmo — o marquês murmurou e virou-se ao ouvir um barulho à sua esquerda.

— Talvez ela prefira ver-me prisioneiro.Escutaram um miado. Felizmente, Wenford mantinha gatos na

adega para evitar que ratos roessem as rolhas. Ou a cena que os aguardava seria pior.

— Lil não tem culpa dos atos que é obrigada a cometer.Chegaram ao final das prateleiras. William deu um gemido surdo

e parou. Wenford estava onde Jack e Milgrew o haviam deixado. De costas no chão, agarrado a uma garrafa de vinho. Suas roupas

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estavam empilhadas aos pés do defunto. Dansbury entregou a lamparina a William e agachou-se ao lado do cadáver de Wenford.

— Santo Deus — William sussurrou e a mão que segurava a lamparina tremeu.

— Segure isso direito — Jack murmurou.O brinco não estava nas mãos do duque nem no meio de suas

roupas. Dansbury o procurou no chão sujo e cheio de palha. Achou dois centavos que deviam ter caído dos bolsos de Wenford.

— Diga-me uma coisa. Por que a Srta. Benton é tão preocupada com a respeitabilidade?

— Milorde provavelmente já ouviu sobre a história de nossa mãe com o conde de Greyton, não é?

— Alguma coisa.— Tudo que ouviu foi verdade. Mamãe era uma pessoa

extrovertida e não combinava com meu pai. Foi um casamento arranjado e creio que meu pai não tinha idéia de como lidar com ela. Quando mamãe nos abandonou por causa de Greyton, papai jurou que nunca a perdoaria. E foi o que aconteceu.

— Ele foi embora de Londres com a família. William anuiu com a cabeça.

— Lil estava com doze anos. Daquele momento em diante, meu pai não a deixou mais esquecer que era dever dela redimir o nome dos Benton. Lil chegava a ficar doente com tantas exigências. Papai e aquela múmia da tia Eugenia a repreendiam severamente se Lil não agisse de maneira correta.

Jack guardou as moedas.— Uma responsabilidade grande demais para uma menina.— Com toda a certeza. Entretanto, Lilith nunca parou de tentar.

Sob meu ponto de vista, nunca houve tarefa mais difícil.As tábuas de cima rangeram e uma pequena nuvem de poeira os

envolveu. Jack refletiu que o relato de William explicava muitas coisas a respeito de Lilith Benton. Não era à toa que ela ficava à beira de um ataque de nervos toda vez que ele se aproximava. Jack Faraday era uma ameaça ao muro de proteção que a jovem levara seis anos para construir. Por outro lado, ele não podia esquecer a maneira como Lilith tinha respondido a seu beijo ou como ela estremecera com carícias leves. Ela gostava de ser tocada. Jack sorriu. Talvez o anjo tivesse um desejo secreto. Saber como se sentiria ao ser abraçada pelo demônio.

— O que houve?O marquês olhou para cima.— Espere um pouco. Se alguém aparecer, esconda-se.— Aonde milorde vai?— Lá em cima. Tenho de verificar algo.

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— Jack...Dansbury subiu a escada que levava à cozinha, dizendo:— Voltarei em seguida.O marquês encontrou tudo calmo e tranqüilo como se o duque

não estivesse ausente havia quase dois dias. Chegou ao saguão e dirigiu-se ao gabinete de Wenford. Nada fora do lugar. Ninguém havia procurado indícios do desaparecimento dele. Na segunda gaveta da mesa de carvalho, encontrou o livro-caixa.

Inúmeros lançamentos nas duas últimas páginas. Dívidas, provavelmente de jogo, feitas por Dolph Remdale e pagas pelo tio, inclusive a última, de mil, duzentas e setenta e sete libras. O resgate do alfinete de gravata.

Jack sentou-se na cadeira. Wenford morrera na hora certa. Mais uma semana ou duas e ter-se-ia casado com Lilith Benton. Um herdeiro haveria de complicar a pretensão de Dolph à herança. Depois da morte descoberta, Dolph Remdale se tornaria um indivíduo muito poderoso e rico.

Wenford era idoso e dado a acessos de raiva. Poderia ter morrido em uma dessas crises agravadas pela bebida. E se não fosse aquela a causa da morte? Jack não desprezava nenhuma possibilidade. Guardou o caderno de contabilidade atrás de uma obra de Aristóteles.

Saiu do gabinete, atravessou o saguão, a cozinha e voltou ao porão frio.

— William?— Graças a Deus.Jack virou-se e tirou a garrafa que o rapaz tinha na mão.

— Este vinho tem sessenta e cinco anos. Se pretender arrebentar a cabeça de alguém, faça-o com uma bebida mais barata.

— Desculpe — William resmungou. — Achou o que estava procurando?— Quem sabe? Vamos embora.Lilith acordou com uma terrível dor de cabeça. Tivera pesadelos

com duques mortos e demônios de olhos escuros, sorrisos irresistíveis e vozes sedutoras. E as pontadas pioraram depois de William entrar na sala para o desjejum, contando-lhe o que havia feito na noite anterior.

— Esteve onde? — Lilith largou a faca para não ser tentada a atirá-la no irmão.

— Jack precisava de alguém para segurar a lamparina. — Imperturbável, o irmão pegou o prato com presunto.— Não posso acreditar que o marquês o tenha envolvido nisso. — Hesitou. — Claro que acredito. Patife!

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— Eu me ofereci, Lil.Ela suspirou.;— Havia algum sinal de agitação na Mansão Remdale? — Lilith não quis tocar no episódio do brinco.William fez uma careta.— Somente quando Jack se irritou porque eu pretendia acertá-lo

com uma garrafa de vinho dispendioso.— Por que tentou atingi-lo?— Estava muito escuro e eu não poderia distinguir a fisionomia de

alguém que resolvesse atacar-me.— Para onde o marquês tinha ido?— Procurar alguma coisa no pavimento superior. Ele não me disse

do que se tratava.— Talvez fosse melhor tê-lo atingido. — Lil odiava não saber o

que o patife pretendia, ainda mais que a própria tranqüilidade estava em jogo.

— Jack comentou que, para quebrar uma garrafa de vinho na cabeça dos outros, era preciso escolher um de qualidade inferior. O marquês entende de vinhos. Ele mantém seu próprio estoque em metade dos clubes da cidade. Mesmo a garrafa que ele deu a Wenford naquela noite era de primeira classe. Isso porque não gostava do duque.

— A garrafa era do estoque de Dansbury?Lil provocara Jack quando havia sugerido que ele poderia estar

envolvido na morte de Wenford. De repente, isso não se tornava tão divertido. Depois da esplêndida noite anterior, não estava muito convicta se queria acreditar no pior a respeito do marquês de Dansbury. Ele tinha se mostrado encantador, inteligente e generoso. Além de ser atraente como o pecado. Lilith não saberia dizer se era outro dos disfarces por ele empregado ou se fora o verdadeiro Jack Faraday que havia feito uma rara aparição. Assustou-se quando Bevins bateu na porta.

— Srta. Benton — ele segurava uma bandeja com um cartão —, lorde Hutton mandou perguntar se poderia falar-lhe por alguns minutos.

— Hutton? O cunhado de Jack?— Desculpe-me, William. — Lilith devia muito ao silêncio de

Bevins e não desejava onerá-lo com mais problemas. — Prometi a lorde Hutton uma muda da rosa Hardy. Não imaginei que ele viesse cobrar o presente com tanta urgência.

— Ela se levantou e deu um tapa amigável no ombro do irmão. — Voltarei logo. Juízo!

A jovem encontrou Richard no saguão, admirando um buquê de flores amarelo-rosadas que estavam no vaso.

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— Penzance — ele afirmou.— São minhas rosas preferidas.— Minhas também. — Richard segurou-lhe a mão. — Peço-lhe desculpas por vir sem avisar. Mas eu passava por aqui

e pensei...— Acho ótimo que tenha vindo. — Lilith notou que, na ausência

de Dansbury, o cunhado se mostrava tão caloroso como Alison. — Aceita uma xícara de chá?

— Agradeço, mas não tenho tempo.— Então permita apresentar-lhe meus tesouros.A admiração que lorde Hutton demonstrou pelas roseiras foi

gratificante. E a presença dele serviria para outros propósitos.— Eu não sabia que o marquês de Dansbury era seu parente.

— Lilith esfregou as mãos por causa do frio e ignorou a voz interior que a acusava de usar manobras escusas.

— Na verdade, Jack me apresentou a Alison. — Richard contemplou o jardim.

— A senhorita cederia uma muda de Anne de Gierstein?— Claro. — Lilith entregou-lhe a tesoura. — Ele me parece uma pessoa bem... independente.Richard estremeceu quando um espinho espetou-lhe o dedo.— Jack já se meteu em muitas encrencas.— Ele e os Remdale parecem não se dar muito bem.— Há muito tempo. Parece-me que o avô de Jack perdeu uma

propriedade em uma aposta e os Remdale recusaram a proposta para vendê-la. E nem o fariam agora com Jack provocando Wenford daquela maneira.

Lilith desejou que Richard Hutton não tivesse aparecido. Talvez Jack Faraday tivesse um motivo forte para livrar-se de Wenford. Era inconcebível, mas ela não podia esquecer a garrafa de vinho do Porto que o marquês havia dado ao duque.

Depois da partida de Richard, Lilith não pensou em outra coisa até o final da manhã. Nem mesmo durante o lanche com Pen e lady Sanford em uma cafeteria nova e deliciosa com mesas na calçada.

— Vejam. — Lady Sanford olhou para o outro lado da rua e sorriu. — E Darlene McFadden. Não sabia que ela viera a Londres para o verão.

— Observou a ruiva alta entrar em uma loja. — Voltarei logo. — Ela pegou a bolsa, levantou-se e atravessou a rua.

— Vai demorar no mínimo uma hora. — Penélope deu risada. — Espere, aquele não é William?— Onde?Pen apontou para a rua. Passava um faetonte com o brasão dos

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Hamble, e William segurava as rédeas.— Ele disse que ia fazer um piquenique, mas eu não sabia que

levaria Antonia St. Gerard — Lilith lamentou-se.— Ouvi dizer que ela nunca sai durante o dia. — Pen mostrou-se

desanimada.— Pelo jeito, ele foi capaz de convencê-la.— Não deve ter sido difícil. William é espirituoso e sempre me

faz rir. — Penélope acrescentou açúcar ao chá.— Gosta de meu irmão, não é, Pen? A amiga corou.— Talvez. — Levou o guardanapo à boca. — Um pouco.— Espero que ele volte a seu juízo perfeito. — Lilith fitou a

pequena carruagem sumir. — William vem se comportando de maneira execrável desde que

resolveu seguir Dansbury como uma sombra.A amiga fez uma careta.— Temo pelo bom nome dele e por sua carteira, Pen, a menos

que eu consiga tirá-lo das garras de Jack Faraday.— Sou uma ave de rapina ou um dragão? — A voz profunda e

sensual veio de trás de Lilith e ela entendeu o motivo do trejeito do rosto de Pen.

Lilith corou. Jack puxou uma cadeira e sentou-se. Ele se divertia com os insultos de Lilith e ela se irritava.

— Com certeza um dragão que expira fogo! Dansbury olhou-a, enigmático.

— Dragões gostam de mulheres virginais, não é verdade? Pen corou e abanou-se com o leque.

— Pois acho que elas são presas insignificantes para uma fera de tal porte.

— Só se igualarmos virgindade com timidez. — Jack apoiou o cotovelo na mesa, o queixo na mão, fitando Lilith

de modo especulativo. — Não tenho dúvida de que a senhorita poderia matar um

dragão, se quisesse.Lilith estreitou os olhos. Gostaria muito que Dansbury parasse

com as ironias e explicasse de uma vez o que pretendia.— Na verdade, lorde Dansbury, venho considerando uma hipótese

desse tipo.— Lilith! — Pen escandalizou-se.— Oh, não se preocupe, Srta. Sanford. Já estou acostumado. A

Srta. Benton e eu temos um traço em comum.— Têm mesmo? — Pen arregalou os olhos.Lilith, empertigada, observou Dansbury pedir uma xícara de café.— Ah, sim. Um dos aspectos mais curiosos da questão é que a

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Srta. Benton nunca faz perguntas diretas. Ela prefere falar com meus

parentes para saber detalhes de meus assuntos pessoais.Jack descobrira que ela havia falado com lorde Hutton.— O marquês não entende que, se ele fosse tão aberto e sincero

como diz ser, ninguém teria de ir atrás de indícios em potencial — Lilith explicou a Pen sem desviar os olhos de Jack.

Dansbury tomou um gole de café.— A noite passada a senhorita estava bem mais amistosa.— Naquela ocasião, eu não sabia que uma certa garrafa de vinho

do Porto viera de um estoque particular. Também tomei conhecimento sobre uma disputa de terras.

— Richard é um grande boateiro. — Jack franziu o cenho.— Isso diz milorde. Qual a sua explicação para a garrafa?Pen olhava de um para outro, sem entender. O que era bastante

razoável. Lilith não desejava a amiga envolvida com o que poderia se transformar em um escândalo.

Jack sacudiu a cabeça, inclinou-se para a frente e acariciou a mão de Lilith com a ponta de um dedo. A jovem rapidamente levou a mão ao colo.

— Lilith, dentro em pouco nada mais encontrará para acusar-me. O que fará então?

— Milorde, empregue à vontade o jogo de palavras. Isso nada mudará.

— Existem outros jogos que me agradam — Jack respondeu com malícia.

— Cartas, por exemplo? — Lilith permaneceu impassível diante daqueles olhos que procuravam desvendar sua mente.

Dansbury comeu um dos bolinhos do prato de Lilith.— Não era exatamente o que eu pensava, mas servirá por

enquanto.— Vá embora! — a jovem gritou, descontrolada e agarrou um

cálice de ratafiá.O marquês lembrou-se do castiçal de cerâmica.— Continuaremos a conversa mais tarde, Srta. Benton. — Jack tirou do bolso uma nota de cinco libras e deixou-a na

mesa. — Meus agradecimentos pelo bolinho e pela conversa. — Sorriu e afastou-se. De repente, parou e olhou para trás. —Antes que me esqueça. Não havia nenhuma pérola com aquele

suíno. — Dirigiu uma mesura a Pen e atravessou a rua, assobiando.— Lil, não creio que ele ainda esteja querendo prejudicá-la.Lilith deixou o cálice na mesa com cuidado para que Pen não lhe

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visse as mãos trêmulas. Jack havia enfrentado riscos para procurar o brinco e viera a seu encontro para relatar o fracasso. De alguma maneira, ele sempre conseguia romper-lhe o equilíbrio.

— Lil, por acaso não acha o marquês atraente? Tem um semblante enérgico que sugere perigo. — Pen estremeceu.

— E por acaso isso o torna sedutor?— Creio que essa também é sua opinião, minha amiga. Enquanto

duelavam com palavras, tive a impressão de que acabariam por devorar-se. Não a imaginava tão feroz, Lil.

— Está me acusando de um comportamento impróprio? Ou trata-se de um elogio?

— Lilith ironizou.— Por que está falando assim comigo? — Pen ressentiu-se. — Eu gostaria que alguém me olhasse da maneira como

Dansbury a fitava.— E como era?— Como se pretendesse a absorver por inteiro.Lilith estremeceu. Dansbury sumira de vista. Rezou para que

Wenford fosse encontrado logo. Assim ficaria livre do marquês e da confusão emocional em que estava mergulhada.

Capítulo VI

Jack foi até a janela e observou a chuva insistente que molhava a noite londrina. O jogo de faraó prosseguia sem ele. Tomou um gole de vinho e suspirou. Vinha perdendo havia várias horas, e imaginava o porquê.

— Está muito quieto hoje. — Antonia chegou por trás e passou o braço no dele.— Pensativo, melhor dizendo — Jack a corrigiu, sem olhá-la.— Um passatempo perigoso para milorde. Por acaso, está

lamentando o assassinato de alguém?— Nada tão terrível. Estou apenas pensando. — Recordando a aparência, o rosto e a voz de uma jovem esbelta,

de cabelos negros a quem desejava cada vez mais.— Em alguém em particular?Ou Antonia tinha adquirido a habilidade de ler pensamentos ou

ele ficara transparente. Em nenhum dos casos, o marquês a deixaria perceber como estava próxima da verdade.

— Reflexões sobre a triste situação da humanidade.

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— Permita-me então alegrá-lo.— Não será necessário. Antonia suspirou.— Tenho ouvido comentários a seu respeito, milorde. Jack

Faraday tem -passado muito tempo em companhia de pessoas respeitáveis. Pensei que as odiasse.

Antonia buscava informações.— Devo ir aos lugares freqüentados pela Srta. Benton, se tenho

intenção de prosseguir com meu plano, não acha? Eu não a encontraria aqui, por exemplo.

— Oh, Jack, também não há necessidade de ofensas. O marquês fitou-a e tornou a olhar a rua escura.

— Não, não há.— Bem, não desejo aborrecê-lo, mas tenho novidades que podem

interessá-lo. — Antonia encostou o rosto no braço de Jack e alisou o tecido

com a mão.— Fale logo, Antonia. Estou ansioso para saber.— Hoje William e eu fomos fazer um piquenique e ele falou em

casamento — Antonia murmurou.Jack olhou para trás. William acabava de perder uma boa quantia

para lorde Hunt e para o marquês de Telgore.— Homens costumam dizer qualquer coisa no auge da paixão.Antonia não se ofendeu.— Sei disso. Mas o comentário foi feito bem depois. Ele me

perguntou se eu já havia me apaixonado e quis saber se eu considerava o casamento uma instituição válida.

— Ela suspirou. — William tem direito a cinco mil libras anuais.— Eu sei. Por acaso, está pensando seriamente nele? Um

rapazinho inocente do campo?— Não é mais tão inocente. — Antonia sorriu, travessa. — Claro que William ainda não fez nenhuma proposta. Mas estive

pensando que cinco mil libras por ano é uma quantia razoável.Aquilo mataria Lilith.Jack não entendeu por que se preocupar com a Srta. Benton,

considerando-se o que pretendia fazer com ela. Na verdade, a culpa era de Lilith. Ela desencadeara os sentimentos de vingança nele. Teria de agüentar as conseqüências.

— Aceite a proposta, Toni.Price e Ernest Landon entraram na sala, agitados, e aproximaram-

se de Jack.— Dansbury, já soube das novidades? — Landon perguntou,

divertido.— Eu soube de muitas coisas. Não sei a que está se referindo.— Fale logo, homem — lorde Hunt impacientou-se.

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— Os senhores nem podem imaginar do que se trata. — Landon sorriu.—Vamos lá. Parece...— Price? — Jack interrompeu Landon.— O duque de Wenford está morto — Price explicou, sucinto.— Mas que droga, Price! — Ernest protestou. — Era preciso

dramatizar mais a notícia.Hunt levantou-se, seguido pelo marquês de Telgore.— O quê!? — os dois perguntaram em uníssono.— Não diga! — Jack bebericou o vinho.William ficou da cor de uma beterraba e Dansbury esperou que o

rapaz tivesse senso suficiente para manter a boca fechada.— Posso melhorar um pouco a história — Price reconsiderou.— Deixe comigo — Landon contestou. — Eu direi o resto.— A menos que pretenda encenar uma pantomima, sugiro que

fale logo — Hunt exigiu.— Está bem — Landon concordou. — Preciso de um gole primeiro.Impaciente, Antonia pediu vinho a um dos criados.— Estamos ansiosos pelas novidades, Ernest — ela falou com a

leveza habitual.— Um dos serviçais de Wenford foi até a adega à procura de um

vinho especial. E sabem quem ele encontrou no chão?— Wenford? — Jack falou com naturalidade.— Sim. Mas em que condições?— Morto? — Price fez uma careta.— Sim, mas...— Landon, fale logo! — Hunt repetiu.— Ele estava esticado no chão — Ernest prosseguiu aborrecido

pela falta de sensibilidade teatral da platéia —, segurando uma garrafa de vinho barato, já com cheiro de vinagre. E daquele jeito.

— Que jeito? — William perguntou e subiu no conceito de Jack.— Despido — Landon explicou, impaciente, e sacudiu a cabeça. — As roupas estavam jogadas a seus pés.— Santo Deus! — Hunt arrepiou-se. — Tem certeza? Price anuiu.— A carruagem foi buscar Dolph Remdale no White's. Enquanto

esperava, o cocheiro contou-me tudo.— Que delícia — Antonia cochichou no ouvido de Jack.— A notícia estará na boca de todos amanhã cedo. — Price sorriu. — Londres ferverá com a novidade.— Sr. Benton — Peter Arlen chamou William de uma mesa mais

afastada —, sua irmã não estava quase noiva de Sua Alteza?William empalideceu e fitou Jack.Dansbury deu uma risada e encarou Arlen.

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— Ela está quase noiva de todos os homens solteiros de Londres.Os homens riram e William franziu o cenho.Jack irritou-se. Se o rapaz tentasse defender a irmã, acabaria

dizendo alguma impropriedade que poderia comprometer a todos. Lilith teria sensatez suficiente para manter-se afastada e não causar suspeitas.

As novidades encerraram os jogos daquela noite e Price aproximou-se de Jack.

— Dansbury?— Ah, então o senhor estava com Dolph no White's, não é? — Jack

tentou deixar o amigo na defensiva para evitar perguntas menos agradáveis.

— Eu estava tentando afastar-me um pouco de milorde — Price respondeu.

— Não pretendo ser arrastado para mais uma tarde de degustação de chás. Mas, quando eu soube do ocorrido, achei injusto milorde não estar entre os primeiros a saber.

— Agradecido. De qualquer forma, Wenford já estava bem idoso.— Não discordo. Acha que Dolph ostentará o título com maior

aprumo?Jack deu de ombros.— Para mim, tanto faz. Os Remdale representam um atraso para

a humanidade.— Mais uma vez não posso discordar. Bem, diga-me, como vai

seu jogo? Tem algum resultado?— Meu Deus. — O visconde Hamble gemeu com a cabeça entre

as mãos. — Morto durante esse tempo todo.Ao lado do pai e de olhos baixos, Lilith escutava as lamúrias.

Admitiu que deveria ter contado a verdade. Mas, se o tivesse feito, não teria se sentido tão livre durante aqueles dias.

Como ninguém sabia da morte do pretendente favorito, ela ficara livre dos outros. Exceto de Lionel que tinha sido alçado ao primeiro posto e de Jack Faraday que insistia em imiscuir-se em sua vida, apesar de não ser bem-vindo.

— Isso estava fadado a acontecer mais cedo ou mais tarde, papai. O duque era idoso e, segundo dizem, tinha ataques...

— Ele poderia ter esperado para morrer depois do casamento. — O pai não a deixou terminar a frase. — E depois de haver gerado um herdeiro que lhe assegurasse o ducado.

— Papai, eu já havia dito que não queria me casar com ele...— Eu tive esperança de mudar sua opinião.— ...mas também afirmei que aceitaria sua escolha em relação

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aos outros. — Por um instante, veio-lhe à mente um rosto que jamais seria

aprovado pelo pai.— Sim, minha filha. Teremos de prosseguir com nossos planos. —

O visconde endireitou-se. — Não podemos dar a impressão de que Lilith Benton está

pranteando a morte de Wenford. Se ele tivesse morrido de maneira respeitável, uma demonstração de pesar seria apropriada. Nas atuais circunstâncias, devemos nos afastar o máximo possível da imagem de Geoffrey Remdale.

Jack tinha lhe prestado um duplo serviço. Além de tirar Wenford de sua casa, ainda denegrira sua memória.

— Pensei em comparecer ao baile dos Doveshane esta noite.— Esplêndido. — Benton levantou-se. — Tive uma idéia excelente.Lilith inquietou-se. As idéias que serviam ao pai eram péssimas

para ela.— Do que se trata?— A morte de Wenford não deverá afastá-la dos objetivos de um

casamento de alto nível. O que acha de...?— De quê, papai?— De casar-se com o novo duque de Wenford!Lilith estacou. Jamais havia pensado nisso, apesar da brincadeira

de Jack Faraday.— R... Randolph R... Remdale? — Lilith gaguejou.— E por que não? Randolph é um homem atraente, bem-educado

e, com a morte do tio, se tornará poderoso. — Stephen Benton sentou-se de novo, pensando na estratégia.

— Papai, Dolph, isto é, Sua Alteza não estará de luto?— O testamento de Wenford prevê tudo isso. Ele não quer tempo

perdido com bobagens.Segundo a última conversa de Geoffrey, reinaria o caos após a

sua morte. Lilith sorriu. Pelo menos essa parte era verdadeira, graças ao marquês de Dansbury.

Ela deixou o pai entregue às novas reflexões e foi até a sala de estar. Mal havia se sentado, quando Bevins anunciou a presença de Jack Faraday. O marquês queria falar-lhe em particular. Tudo mudara naquela casa. Bevins nem mesmo tinha levantado uma sobrancelha com a idéia de a Srta. Lilith Benton receber, desacompanhada, a visita de Dansbury. Na certa, o mordomo considerava o fato como parte do escândalo da remoção do cadáver de Wenford. A jovem nem ao menos se incomodou.

— A senhorita está armada? — Jack perguntou assim que Bevins fechou a porta.

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— No momento, não. — Ela fitou a estante mais próxima. — Mas ali há abundância de munição.

O marquês sorriu.— Não esquecerei. — Ele foi até a estante, examinou os objetos

com atenção e em seguida olhou para Lilith. — Os livros são seus ou fazem parte da herança da família?

— A maioria me pertence. As relíquias estão guardadas na biblioteca. Se não se comportar, pedirei a Bevins que o escolte para fora.

Jack riu, tirou um livro da prateleira e abriu-o.— Mitologia grega. — Ele folheou as páginas. — Uma escolha estranha para uma jovem no afã de encontrar um

bom casamento.— Por que diz isso? — Lilith ficou em pé.— Por que tenho a impressão de que a senhorita está se

comportando como um vistoso bibelô que é exibido aos interes-sados. E, se quer um conselho, lembre-se de que os nobres sãos uns tolos e não gostam que suas mulheres sejam mais inteligentes do que eles. Bem, suponho que a senhorita saiba como disfarçar a diferença.

Mais uma vez, o insulto de Dansbury soava como um elogio e ela não soube o que responder.

— O que milorde está fazendo aqui? — Lilith mudou de assunto. — E muito cedo. Neste horário, milorde deveria estar voltando para casa das jogatinas, bebedeiras ou... sei lá mais o quê.

— A senhorita queria dizer dos bordéis?— Milorde é quem sabe. — Ela odiou sentir que enrubescia.— Para seu conhecimento, nos últimos tempos, não venho

fazendo nada de sei lá mais o quê. Eu estava na casa de uma amiga quando soube que o corpo de Wenford fora encontrado.

Mal contive a ansiedade de esperar um horário apropriado para lhe contar a novidade.

— De qualquer forma, ainda é muito cedo para ser um horário apropriado. Nem William nem minha tia estão acordados.

— A senhorita, contudo, já se levantou. — Jack guardou o livro, pegou outro e leu a lombada. — Jane Austin? — A senhorita também é romântica?

— Sou — Lilith afirmou.— Mais um gosto estranho para uma jovem que pretende se

casar com um título. A senhorita é cheia de contradições. Lilith recriminou-se por admitir que os livros lhe pertenciam. Dansbury na certa se vangloriaria de haver encontrado o caminho para a mente de Lilith Benton, que poderia, então, ser facilmente invadida.

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— Milorde não vai embora?Jack voltou o livro para o lugar de onde o havia tirado e virou-se

para Lilith.Inquieta, ela imaginou como os olhos de Alison podiam ser tão

bem-humorados e simpáticos, enquanto os de Dansbury — idênticos em cor e formato aos da irmã — podiam ser tão cínicos e sombrios.

— Está bem. Mas antes me diga como seu pai reagiu à novidade.Lilith foi até a janela.— Pessimamente. — Nada contaria sobre a decisão do pai. De qualquer forma, o marquês acabaria descobrindo.— E? — Jack esperava um desdobramento.— Nada. Agora vá embora.— Eu fui cortês esta manhã, não fui?— Isso não importa. Sua fama o precede.— Mas é isso que mais a atrai, não é, Lilith?— Não o autorizei a chamar-me de Lilith! — Com raiva e sem saber o que estava fazendo, levantou a mão

para esbofeteá-lo.Jack segurou-lhe o pulso e a puxou de encontro a ele. Antes de a

jovem esboçar qualquer reação, abaixou a cabeça e beijou-a.Lilith pensou em empurrar-lhe o peito, mas se agarrou à lapela do

paletó e encostou-se ainda mais. Tremendo, retribuiu o beijo com uma paixão que a surpreendeu. Jack acariciou-lhe levemente a nuca antes de se afastar, com olhar de triunfo.

— Seu... seu... — Ela não podia desviar a atenção dos lábios de Jack.

— Afaste-se de mim!— Não vai atirar nada desta vez, Srta. Benton? — ele falou em

voz baixa. — Imperdoável.— Como tudo a seu respeito, milorde! — Em um momento de insanidade, Lilith desejou que ele a

beijasse de novo. Considerou-se igual à mãe que se deixara levar pelo primeiro beijo apaixonado.

— Tem razão, Srta. Benton.Se ao menos o marquês não sorrisse daquela maneira! Ela o fitou,

desconfiada. Jack dando razão a ela?— Milorde não tem mais nenhum insulto para proferir? Dansbury

franziu os lábios.— Creio que tenho.Lilith cruzou os braços para que ele não visse que tremia.— Então fale logo.— A senhorita reservaria uma valsa para mim no baile dos

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Doveshane?Ela se recusou a acreditar na sinceridade do pedido.— De maneira nenhuma! Eu prefiro dançar com... — Lilith viu algo

brilhando na mão de Jack. — Devolva minha corrente! — Ela tentou alcançá-lo, mas o marquês se desviou rapidamente. — Devolva!

— Dance comigo.— Eu mandarei prendê-lo pelo que fez com Wenford! Era o que eu

já deveria ter feito!— A senhorita não fará isso. — Jack examinou a corrente de prata.— O que fará para impedir-me?— Se mandar me prender, farei o mesmo com a senhorita.— Eu não...— Ora, srta. Benton, convenhamos. Entregou a ele seu brinco. Se

foi de má-vontade...— Não fiz nada disso.— Uma valsa por uma corrente, Lil. — Ele girou a peça nos

dedos. — E tudo o que lhe peço.Apesar de furiosa, Lilith estava exultante. Ninguém fora tão longe

para ter a permissão de dançar com ela.— O senhor está pedindo demais, lorde Dansbury.— Prometa.— Milorde tem minha palavra.— Eu a aceitarei.— Agora devolva minha corrente.O marquês pôs a jóia delicada na palma da mão de Lilith e

acariciou-lhe o pulso.— Não foi tão ruim, foi? Ele se referia ao beijo?— Isso não muda nada. — Lilith irritava-se por arfar. — Milorde terá uma valsa. Nada mais.Jack acariciou-lhe o rosto.— Nada mais, por enquanto. Não é?Dansbury não esperou resposta. Virou-se e saiu.O marquês era mesmo muito pretensioso! Achar que Lilith Benton

se sentia atraída por ele ter um comportamento indecoroso. Mesmo se isso fosse verdade, o visconde jamais permitiria um desfecho favorável. Aquilo era contrário ao senso comum.

Lilith levantou a mão devagar e passou um dedo nos lábios ainda quentes pelo toque de Dansbury. Decidiu usar naquela noite o vestido novo verde-esmeralda. O decote baixo haveria de impressionar... Dolph Remdale e Lionel Hendrick. Eles estariam presentes ao baile. E, para satisfazer o gosto de seu pai, ela deveria apresentar-se da melhor maneira possível. Prendeu a corrente no

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pescoço e correu para cima, à procura de Emily.Os quatro pretendentes de Lilith que haviam comparecido ao

baile de Doveshane entreolhavam-se como inimigos. A morte de Wenford os deixara agitados. Cada um deles disputou avidamente o direito de dançar uma das três valsas contratadas para aquela noite.

Lilith não via o quinto candidato. Com um sorriso forçado, destinou uma das valsas ao conde de Nance, conforme o pai a instruíra. Guardou a outra para o caso de o visconde falar com o novo duque de Wenford e convencê-lo a dançar com a filha. Recusou com discrição a terceira que seria destinada a Jeremy Giggins.

— Srta. Benton, sabemos que ainda tem uma valsa — Francis Henning adulou-a.

— Não me negue o prazer de sua companhia.— Poderemos dançar uma quadrilha ou uma música campestre. — Lilith teve de concordar com Jack Faraday. Francis Henning era

um tonto. — As valsas já estão prometidas.— Para quem? — Nance perguntou, aborrecido. — Gostaria de

saber quem será o felizardo que conquistou o direito de dançar a primeira da noite com a senhorita.

Lilith irritou-se com o pedido que lhe pareceu impertinente. Destinara a primeira valsa a Dansbury. Assim se livraria da incumbência logo no início e poderia aproveitar a noite com tranqüilidade. Se o marquês, fiel a seus hábitos, se atrasasse, ela não teria de manter nenhuma promessa.

— A srta. Benton a prometeu a mim. — Dansbury, também como de costume, materializou-se ao lado dela. — Algum problema, Nance?

Lilith envergonhou-se com os murmúrios que se elevaram a seu redor, interligando os nomes Dansbury e Benton. Escutou a Sra. Falshond contar à sra. Pindlewide como o marquês perseguira a Srta. Benton na tarde de degustação de chás em sua casa. Seguir-se-iam os comentários de como a insistência do marquês em aparecer ao lado da Srta. Benton destruiria as oportunidades de um bom casamento e no conseqüente desgosto do tão sofrido visconde.

Lilith olhou para Dansbury e tentou ignorar os disparos de seu coração ao lembrar-se do beijo.

— Lilith, terei de protestar. — Nance adiantou-se, irritado. — A senhorita não pode estar pensando...— Proteste à vontade — Dansbury interrompeu-o com frieza. — Nós vamos dançar.

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A orquestra iniciou a valsa e o marquês ofereceu-lhe a mão. Lilith hesitou um momento antes de aceitar. Ambos se dirigiram para a pista de dança. Jack estava vestido de cinza-escuro. Alto, atlético e atraente. O brilho de seu olhar era mais de divertimento do que de cinismo. Lilith novamente pensou que nada sabia sobre Dansbury, exceto o que ele havia lhe contado.

O verdadeiro Jack Faraday, nas suas raras aparições, era en-cantador.

— Por que todos os seus pretendentes têm permissão para chamá-la de Lilith e eu não?

Ela não se surpreendeu por Jack ser um bom dançarino. Valsar nos braços dele parecia um sonho.

— Eu gosto deles e não gosto do senhor.— E se eu lhe dissesse que a senhorita tira o fôlego de qualquer

um e que seus olhos são ainda mais belos e verdes do que seu lindo vestido?

— Isso não teria o menor efeito — Lilith mentiu feliz por ele haver notado o traje novo. Compensava o fato de o pai haver desaprovado totalmente a vestimenta.

— Ah, eu já comparei seus olhos com as esmeraldas reais. Odeio me repetir. Que tal se eu dissesse que seus lábios têm a cor de rubis e...

— Não têm. — Ela riu do linguajar de Jack.— ...e que seus cabelos são negros como a noite. Posso con-

tinuar? Devo adverti-la de que, antes dos elogios, faço observações

atentas. O próximo louvor, embora sincero, poderá render-me outro tapa. Lilith não conteve o riso e seu coração disparou diante do sorriso de Jack. Imaginou se aquela versão agradável do marquês seria uma parte da verdade.

— Está bem, lorde Dansbury. Pode chamar-me de Lilith.— Obrigado, Lilith.Ela viu o pai ao longe, furioso, de braços cruzados, sem a perder

de vista.— Jamais poderei explicar o que está acontecendo.— Explicar o quê? — Jack seguiu o olhar dela e suspirou.— Entendi. Bem, o que acha de "papai, eu quis dançar com Jack

Faraday"?— Eu não queria dançar com milorde — ela o corrigiu. — Milorde me forçou.— Não importa. Lilith, suas feições são parecidas com as de sua

mãe? Seu rosto não lembra o de seu pai.A jovem estreitou os olhos. Não gostou do rumo da conversa.

Estava em Londres para enfatizar as diferenças entre Elizabeth

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Benton e a filha. E não para congregar as similaridades.— Eu lhe direi, se me disser por que Richard Hutton não o

aprecia.— Pelos mesmos motivos que afastam as demais pessoas.— O Jack Faraday cínico e impenetrável estava de volta. — Mas tenho por hábito não fazer boatos a meu respeito. Por isso,

terá de servir-se de outros meios para arrancar de mim os terríveis segredos — afirmou, com amargura.

— Milorde formula questões difíceis, mas não gosta de responder a nenhuma. Isso não me parece justo, lorde Dansbury.

Jack apertou-a nos braços e acariciou-lhe a cintura. A saia de Lilith ondulava ao redor das pernas dele.

— Nunca sou justo — murmurou. — No entanto, também nunca perco.

Lilith afastou o corpo.— Uma afirmativa muito corajosa, milorde, mesmo para um

jogador afamado. Para que me informar sobre a sorte que parece persegui-lo?

— Nenhum motivo em particular. Apenas para lembrá-la. O marquês nada dizia aleatoriamente.

— Eu não tinha motivos anteriores para confiar em milorde. Suas revelações certamente não me inspiram a mudar de opinião.

— Não estou muito convencido a respeito — Jack afirmou, enquanto giravam pelo salão.

— Há poucas semanas, a senhorita nem mesmo falava comigo.Lilith adorava dançar e nunca tivera parceiro melhor. Ou um

menos desacreditado.— Não precisa me lembrar disso.Jack apertou-lhe a mão e olhou para o outro lado. Lilith percebeu

do que se tratava. Dolph Remdale conversava com seu pai.— Ele não está de luto — o marquês estranhou. — Nem mesmo

traz uma faixa preta no braço.— Milorde não sabia que o tio o proibiu de usar luto?— Não. Conveniente, não acha?— Não sou eu quem deve questionar o estado de espírito de

Wenford ao fazer seu testamento — Lilith respondeu.— Por que não? Isso é muito conveniente e altamente improvável.

Se pudesse, Wenford teria ordenado luto à Inglaterra inteira após a sua morte.

Ela teve de concordar com o marquês.— Dolph não deseja passar seis meses fora da sociedade — a

jovem argumentou. — Não é a primeira vez que isso ocorre.— Eu sei. Mas por que...

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— Não havia necessidade de me pedir para dançar uma valsa só para menosprezar Dolph Remdale. Milorde poderia ter simplesmente invadido minha casa novamente para me importunar.

— Importunar?— Isso mesmo. E eu poderia ter reservado a valsa para alguém

mais respeitável.— Ah. — Jack refletiu por alguns instantes. — Fiquei sem alternativas, a não ser falar sobre a atração que

sinto pela senhorita.— Não seria melhor dizer antagonismo, milorde?— É isso o que lhe parece, Lilith?A música terminou e a jovem parou de repente. Jack continuou a

abraçar-lhe a cintura por alguns segundos. Depois pôs a mão dela sobre seu braço e fez menção de levá-la até onde estava tia Eugenia.

— Posso achar o caminho sozinha, obrigada. — Lilith se desvencilhou dele e começou a andar.

— Quero beijá-la novamente — Jack murmurou atrás dela.Lilith apressou-se ao encontro de William e do sr. Price. O

marquês tentava apenas consterná-la. O que não explicava a vontade de tornar a beijá-lo e de sorrir só ao pensar nisso. Na certa era por ele ter sido o único homem que a beijara. O que Wenford havia feito fora nojento. Os beijos de Jack Faraday também não pareciam nem um pouco... respeitáveis. Mas eram tão excitantes como o marquês em pessoa.

— Lilith! — Tia Eugenia agarrou-a pelo cotovelo e sentou-a em uma poltrona.

— O que acha que está fazendo?A jovem piscou e procurou manter o equilíbrio.— Dançar com aquele... aquele homem! — A sra. Farlane batia o

leque com força na coxa. — A oportunidade de casar-se com o velho duque desapareceu.

Por isso é preciso comportar-se com mais cuidado. E não lhe faltaram avisos a respeito do marquês de Dansbury!

— Eu pedi a ele para desistir de arrastar William para todo lado — Lilith improvisou.

— Isso não é de sua conta. A reputação de uma mulher é muito mais frágil do que a do homem. Deixe seu pai preocupar-se com as amizades de William.

— Sim, senhora.— E trate de comportar-se, principalmente com o sr. Giggins, pois

a valsa deveria ter sido dele.— Sim, senhora.

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Lilith anuiu quando Jeremy Giggins se aproximou para iniciarem a dança campestre.

Em seguida, ela dançou a quadrilha com Francis Henning. Mas não parou de pensar por que Dansbury permanecia na festa. Ele não foi ao salão de jogos nem monopolizou a bebida da mesa. Encostado à parede, limitava-se a observá-la. William e os outros amigos conversavam com ele quando não estavam dançando ou jogando. Jack Faraday não saiu do salão e fitou-a o tempo inteiro. O que não a aborreceu como deveria.

— Boa noite, Srta. Benton — Randolph Remdale cumprimentou-a, vestido de maneira impecável. Paletó azul em estilo parisiense, colete de cor creme e calça preta.

— Boa... noite, Alteza. — Lilith fez uma mesura.— Perdoe minha audácia, mas desejo cumprimentá-la por sua

magnífica aparência esta noite.— Obrigada, Alteza. Muita bondade sua.— Não há de quê. Seu pai sugeriu que a senhorita poderia dançar

uma valsa comigo. Permita-me pedir-lhe para dançarmos amanhã em Cremwarren. Em atenção ao falecimento de meu tio, prefiro não dançar hoje.

— Claro, Alteza — Lilith concordou, aliviada. — Terei imenso prazer.

Dolph anuiu, fitou Dansbury de relance e voltou a falar:— Permita-me um aviso, Srta. Benton. Ouvi rumores de que Jack

Faraday a está importunando. Isso pode não ser muito bom para a reputação de uma jovem.

— Obrigada, Alteza. — Lilith escondeu o aborrecimento. — Não esquecerei.

Dolph olhou-a nos olhos e curvou-se sobre a mão dela.— Eu a verei em Cremwarren.— Sim.A jovem o observou reunir-se com os amigos. Admitiu que,

embora um tanto lerdo e pomposo, tratava-se de um homem bonito. Mas nem de longe atraente como o marquês de Dansbury. Foi ao encontro de Penélope que, de olhar arregalado, escutava os cochichos de Mary Fitzroy.

— Oh, Senhor! — Pen alarmou-se.— O que foi? Mary soltou uns risinhos.— Escutei Ben Collins dizer a lady Francine Walkins que lady

Pender ouviu Donald Marley e o novo duque de Wenford conversarem. Eles diziam que a morte de Sua Alteza não foi acidente.

— E mesmo? — Lilith empalideceu. — O que eles acham que aconteceu?

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— Não sei — Mary falou em voz baixa e olhou ao redor. — Eles acham que um certo patife conhecido por seu ódio aos

Remdale pode estar envolvido. E nós todos sabemos de quem se trata.

— Eles têm provas? — Lilith procurou parecer cética e incrédula, apesar da irritação que a ameaçava. Não conhecia detalhes sobre a vida do marquês de Dansbury, mas não acreditava que ele fosse um assassino frio.

— Não sei — Mary repetiu. — E se for verdade? Acha que mandarão enforcar Dansbury?

— Creio que Dolph Remdale sentiu vergonha pelo estado em que o tio foi encontrado e tenta culpar outra pessoa — Lilith opinou.

— Pois acho que está tentando defender certa pessoa por... estar apaixonada — Mary retrucou.

— Não entendi. — Lilith franziu o cenho e estreitou os olhos.— Ah, todo o mundo sabe. Dansbury a vem seguindo por toda

parte como uma pantera domesticada.— Mary, deixe de brincadeiras — Pen interveio. — O irmão de

Lilith tem amizade com Dansbury. Conhecemos muito bem os sentimentos de Lil a respeito do marquês. Já a ouvimos queixar-se dele várias vezes.

— Não discordo. — Mary hesitou. — Mas eu também vi a expressão do rosto dela enquanto dançava com Dansbury.

— Mary, por favor, não diga uma coisa dessas nem por brincadeira — Lilith pediu.

Era um absurdo imaginar que estivesse apaixonada por Dansbury! Todavia tinha de admitir que já não o desprezava como antes. Sabia que Jack a perseguia para aliviar o orgulho ferido, mas se tornava impossível pensar nele como um patife. Confusa, não conseguia decifrar seus sentimentos. Uma coisa era certa: teria de informar o marquês dos boatos espalhados por Dolph. Seria terrível se Dansbury se metesse em apuros por tê-la ajudado.

Foi ao encontro de William que, irritado, disse-lhe não saber do paradeiro de Jack.

— Saiu daqui, aborrecido. Pode ter sido por sua culpa. E ainda por cima perdi meus amigos.

— Não sou responsável pelo mau humor de Dansbury. E, se precisa de amigos, por que não procura o conde de Nance ou mesmo Dolph?

— São todos uns idiotas. — William virou-se e foi embora.Os rumores continuaram circulando cada vez mais fortes e Jack

não tinha idéia do que estava se passando.Lilith, exausta física e mentalmente, foi para casa com tia

Eugenia.

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O novo duque de Wenford observou a partida de Lilith Benton da festa. Seu tio estivera certo. Era uma jovem adorável. Pôs a mão no bolso e pegou o brinco de pérola que havia encontrado sob o cadáver do tio. Abençoado por uma boa memória, lembrava-se muito bem a quem pertencia a jóia. O que o levara a pensar que a Srta. Benton tinha estado com Geoffrey Remdale na hora da morte.

Sorriu. Percebera que Dansbury era vulnerável aos encantos de Lilith Benton. Havia sido o suficiente para convencê-lo de que estava na hora de pôr seu plano em execução. Pensou nas circunstâncias da morte de seu tio. A misteriosa doença que vitimara Geoffrey certamente não lhe tinha dado tempo de despir-se, tirar a rolha de uma garrafa de vinho — de péssima qualidade, por sinal — e deitar-se de costas antes de morrer. Com a evidência do brinco, não poderia deixar de pensar que se tratara de mais uma façanha de Dansbury. E o marquês pagaria caro por isso. E por tudo.

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Capítulo VII

Pai, não acha macabro sugerir a Dolph Remdale interessar-se por Lilith?

— Sei o que estou fazendo, rapaz. — O visconde, seguido pelo filho, descia a escada para tomar o desjejum. — Se ele não acha necessário manter o luto, nós o acompanharemos. Dolph transformou-se no homem que atende às minhas expectativas e às de Lilith.

A jovem estava no saguão, aflita para que a conversa terminasse. Precisava mandar William à procura de Dansbury.

— Como sabe o que Lilith deseja?— Ora, William, as jovens gostam de homens bonitos e que

saibam dançar. — O visconde revirou os olhos e mexeu os dedos no ar, imitando

uma coreografia campestre.— Papai, não diga essas coisas a meu respeito — Lilith pediu,

desanimada pelo mau conceito que o pai fazia dela. — Não são verdadeiras.

O visconde parou e fitou-a com severidade.— Estou apenas tentando encontrar uma explicação para o fato

de minha filha destinar uma de suas valsas a Dansbury ontem à noite! A sua ânsia por um homem bonito e ótimo dançarino parece a única desculpa para deixar seu pai em uma situação embaraçosa!

— Ele é amigo de William — defendeu-se. — Se eu fosse rude, poderia haver conseq...

— As conseqüências sofridas por Dansbury não me interessam. Metade da população séria de Londres nem mesmo fala com ele. Isso é razão mais do que suficiente para nunca mais dançar ou conversar com aquele homem.

— Está bem, papai.— Eu a avisei, Stephen. — Tia Eugenia apareceu no alto da

escada. — Mas ela é teimosa e...— Não sou teimosa — Lilith protestou. — Já pedi desculpas. Não vou mais ser desobediente. Por favor,

vamos tomar café.— Uma ótima idéia — a tia afirmou de pronto.O visconde e a irmã foram na frente. Lilith segurou o braço de

William.— Preciso falar-lhe a sós.— Cuidado, Lil, não vá se meter em encrencas. — Apesar do conselho, sorriu, compreensivo.— Pode levar um recado a Dansbury?

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— Claro. O que houve?— William, vou lhe garantir uma coisa. Não estou apaixonada por

Jack Faraday.— Mas nunca afirmei...— Não o tolero — Lilith exagerou —, porém devo a ele um favor. E

por isso não vou ficar inerte. Diga a Jack...— William! — o pai berrou da sala de jantar. — Antes de assumir

outro de seus intoleráveis compromissos, lembre-se de que terá de ir comigo à casa dos Denson!

— Está bem, papai. — Ele apertou a mão de Lilith. — O recado pode esperar até a noite?

— Acho que não — ela negou com um gesto lento de cabeça. Sentia-se responsável pelo envolvimento de Dansbury no episódio da morte de Wenford. Era preciso avisá-lo dos rumores que se espalhavam. Quanto antes melhor. — Eu mesma darei um jeito nisso.

Quando entrou na sala com William, Lilith olhou o relógio do aparador.

— Oh, não! — Ela cobriu a boca com a mão.— E agora, o que é? — O visconde resmungou.— Tia Eugenia, havíamos combinado de tomar um brunch na casa

dos Sanford. Pen vem falando nisso a semana inteira!A mansão dos Sanford era bem próxima à residência de

Dansbury.— Não me lembro de nenhum convite. Não íamos almoçar com

eles amanhã?— Não. Mudamos o compromisso. — Lilith puxou a cadeira da tia

e ignorou o olhar divertido de William. — Por favor, vamos depressa. Talvez cheguemos a tempo.

— Lilith... — A Sra. Farlane suspirou e olhou o prato com presunto fatiado.

— Por favor, tia Eugenia — a jovem implorou.— Está bem. — Relutante, Eugenia afastou-se da mesa.— Preciso de alguns minutos para me arrumar.Lilith aproveitou e foi a seus aposentos. Escreveu uma mensagem

a Jack, dobrou-a e enfiou-a na bolsa de crochê. Pediria a Milgrew que entregasse o bilhete aos criados do marquês, enquanto ela e a tia comiam com os Sanford.

— Uma idéia excelente — congratulou-se em voz alta.Teria sido, se o pai não tivesse requisitado Milgrew. A tia e ela

tiveram de ir na caleche conduzida pelo jovem Walter. Não confiava no rapaz para uma tarefa tão secreta. Com o recado na bolsa, Lilith não sabia o que fazer.

Lady Sanford apareceu na porta assim que o mordomo a abriu.

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— Bom dia. — A boa senhora não escondeu a surpresa por vê-las.— Bom dia — tia Eugenia respondeu. — Estávamos ansiosas pelo

brunch.Atrás da tia, Lilith sorriu e ergueu os ombros. A tia ficaria furiosa

se soubesse que fora enganada, mas a jovem não se incomodou. Tia Eugenia nunca dissera uma palavra carinhosa para ela ou para William e a antiga tolerância pela megera começava a evaporar-se.

— Claro, nós também. — Lady Sanford piscou para Lilith.— Vamos entrar.Pen desceu a escada e espantou-se ao ver as visitantes no hall.— Bom dia!— Lilith e Eugenia vieram para o brunch — lady Sanford explicou

para a filha com um sorriso entendido. — James, por favor, avise a cozinheira.

O mordomo anuiu e desapareceu rumo à cozinha.— Que bom! — Pen alegrou-se.As duas senhoras foram à sala de jantar.— Pen — Lilith segurou a mão da amiga —, preciso contar-lhe

algo.Lady Sanford fitou-as com indulgência.— Podem sair para conversar.Lilith arrastou a amiga para a biblioteca e fechou a porta.— Aconteceu alguma coisa com William? — Pen indagou,

corando.— Não. Pen, preciso de um grande favor que terá de ser mantido

em segredo — Lilith falou em voz baixa.— Pode contar comigo — a amiga concordou de imediato. — Do

que se trata?— Preciso entregar uma mensagem urgente ao marquês de

Dansbury.— Dansbury? — Pen repetiu, desalentada. — Está apaixonada por

ele, Lil? Mary estava certa?— Eu... — Lilith não queria mentir para Pen. — Não sei. Mas trata-

se de um assunto importante. Pode me ajudar?— Claro. — A amiga juntou as mãos, nervosa. — O que deverei

fazer?— Vou sair pela janela, entregarei o recado e retornarei em

seguida. Quero que fique aqui, como se estivéssemos conversando.— Ah, que romântico! — Pen suspirou. — Vá logo.Com o coração batendo em descompasso, Lilith abraçou a amiga

e destrancou uma das janelas da biblioteca.— Voltarei logo — Lilith repetiu, ergueu a barra da saia e pulou

para o jardim.A residência de Dansbury era a terceira e os muros que

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separavam as mansões eram baixos. Lilith escalou o primeiro com facilidade. O sapato prendeu-se numa trepadeira no segundo e com uma imprecação ela caiu de costas no jardim de Faraday. Felizmente, o local não era visto da rua. Levantou-se e foi até a porta dos fundos. Hesitou, envergonhada, antes de endireitar os ombros e bater.

A porta foi aberta. O homem que a atendeu tinha um aspecto desagradável, apesar de vestido como mordomo. Uma cicatriz grande atravessava uma das faces e faltava-lhe um dedo na mão esquerda. Parecia mais um arruaceiro do que o criado de um lorde. Apesar de que para Jack Faraday...

— Pois não, senhorita? — O homem tinha voz grossa.— O senhor trabalha para o marquês de Dansbury? — Lilith indagou, trêmula.— Sim.— Bem, preciso que leve uma mensagem a ele. — Tirou o papel dobrado da pequena bolsa. — Pode fazer isso

com urgência?— Sim, senhorita — o mordomo respondeu e apontou o interior

da casa.— Oh, não. — Lilith recuou, escandalizada. Se entrasse, o já

manchado nome da família seria enlameado de vez. — Só preciso que o senhor entregue a ele o recado.

O homem adiantou-se e puxou-a para dentro. Tampou-lhe a boca com uma das mãos e com a outra lhe segurou os braços. Fechou a porta com o pé.

— Milorde! — gritou, arrastando Lilith, que esperneava, pela cozinha até o saguão.

— O que foi, Peese? — Jack chegou por uma porta lateral, com um livro aberto na mão.

— Por que toda essa grit... — Viu Lilith. — Solte-a imediatamente!— Jack! — Lilith soluçou e aproximou-se. Dansbury largou o livro e

abraçou-a.— O que estava fazendo, Peese? — perguntou ao mordomo

furioso, enquanto embalava Lilith até que ela se recuperasse do susto.

A jovem escondeu o rosto no peito de Dansbury. O marquês inalou a fragrância de chá e lavanda.

— Ela agia de forma suspeita e eu não quis que fosse embora — o mordomo resmungou.

— Eu não fiz nada disso — Lilith respondeu com voz abafada. Não queria deixar o paraíso no qual se encontrava.

— Entregou uma mensagem pela porta da cozinha — defendeu-se Peese —, sem dizer o nome...

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— Que mensagem? — Jack levantou o queixo de Lilith e encarou-a.

Ela se endireitou.— Tenho novidades. William não pôde vir e... — Olhou para o mordomo.Jack segurou-lhe a mão, voltou com Lilith de onde viera e fechou

a porta.— Por que William não veio? — o marquês perguntou.— Papai ia sair com ele. E eu precisava contar...— Como foi que chegou aqui?Lilith imaginou se Dansbury fora uma daquelas crianças

insatisfeitas com as explicações dos adultos e que faziam perguntas embaraçosas uma atrás da outra.

— Eu teria de almoçar com os Sanford amanhã. Convenci tia Eugenia de que o compromisso era para o hrunch de hoje. Depois tive de convencer lady Sanford que tia Eugenia se enganara na data. — Lilith não sabia como o esquema seria interpretado.

Dansbury divertiu-se.— Uma trapaça engenhosa — ele a cumprimentou.— Não gosto de enganar ninguém — Lilith respondeu, apreciando

o elogio.— Uma pena. Pensei que fosse um dom natural.— Eu...— Por que não mandou Milgrew vir aqui?— Era o plano original, mas papai requisitou-o para seu

compromisso.— E sua tia?— Está conversando com lady Sanford. Assim espero. Jack fitou-a

por alguns instantes.— Diga-me quais são as novidades, doçura.— Ontem à noite, depois que milorde foi embora, começaram a

correr boatos.— A senhorita e Dolph pareciam muito amigos — Jack

interrompeu-a, sombrio, e foi até a janela. — Alegres e calorosos.Lilith abriu e fechou a boca. Se revelasse os planos do pai para

ela e o novo duque, Jack não lhe daria ouvidos.— Ele veio falar comigo e eu não podia ofendê-lo.— Mas foi o que fez comigo — Jack afirmou, sem mágoa.— Que sujeira é essa na parte de trás da sua saia? — perguntou

quando a jovem se virou, observando o ambiente.— O quê? — Lilith corou e limpou-a com a mão. — Tive de pular dois muros para não ser vista. E tropecei

naquelas suas benditas trepadeiras. Não havia outra maneira de eu chegar aqui. Por isso...

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O marquês deu uma gargalhada.— Então primeiro a senhorita ludibriou sua tia para que ela a

ajudasse no estratagema inventado às pressas?— Sim, mas o que...— Depois escalou muros e correu por jardins... para me ver?— Sim. Eu não sei voar, milorde.— Por Deus, a senhorita é uma surpresa constante — Jack falou com alegria.— Quer ou não escutar o que tenho para lhe dizer, Dansbury?— Lilith impacientou-se.Jack fez uma mesura.— Perdão. Fale, por favor, milady.— Várias pessoas estavam discutindo como Dolph começou a

suspeitar da possibilidade de o tio não ter morrido de causas naturais.

— Era de se esperar. Ele deve ter ficado constrangido com o que viu.

— Estão fazendo especulações. Acham que um certo patife conhecido por seu ódio aos Remdale pode estar envolvido.

Jack fitou-a com intensidade como se tentasse ler seus pen-samentos. Lilith desejou ardentemente que Dansbury não tivesse sucesso.

— E arriscou-se dessa maneira só para me contar o que soube?— Não quero lhe dar a impressão de haver cometido um erro em

ajudar-me. Estou muito agradecida pelo que fez. Agora mais ainda do que antes.

— Está mesmo?— Estou.— Acha que tenho alguma coisa a ver com a morte do velho

Wenford? — Jack deu um passo à frente. — Prefiro uma resposta sincera. Já

me acusou algumas vezes e... valorizo a sua opinião.Lilith refletiu antes de responder:— Creio que não o conheço o suficiente para tirar conclusões.Jack afastou a cortina e olhou para fora.— Não sei por que eu deveria esperar algo diferente — ele falou

mais para si mesmo e virou-se. — Proponho uma troca.— Que espécie de troca?— A senhorita poderá fazer três perguntas e apenas três. Prometo

dar respostas honestas e sucintas. Isto é, se me prometer que essa conversa não sairá desta sala.

Era uma sugestão intrigante.— E o que terei de dar em troca? Dansbury sorriu.— Um beijo para cada pergunta.

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Lilith procurou ignorar o arrepio que lhe percorreu a espinha.— Milorde quer me beijar?— Três vezes.Lilith imaginou que o marquês esperava uma recusa. Mas Jack

não sabia que ela não pensava em outra coisa desde o primeiro beijo.

— Concordo. — Lilith deleitou-se ao ver a surpresa de Dansbury.— Será um prazer. Comece.Lilith bateu com a ponta do dedo no queixo, pensando na

primeira pergunta.— Por que milorde não gosta da família Remdale?Jack aproximou-se, inclinou a cabeça e beijou Lilith. Os lábios

suaves e firmes a acariciaram de maneira inebriante.— Hum... — Jack murmurou ao afastar-se.— E a resposta?Dansbury acariciou-lhe o rosto.— Hanfeld Hall, uma das propriedades de Wenford, é um pequeno

parque de caça pouco usado e que faz fronteira com Fencross Glen, um de meus menores domínios. No meio deles, há uma campina com um gazebo central, que inunda com as chuvas da primavera. Dizem que Wenford... obteve o consentimento de sua primeira esposa em Fencross.

— Fez com ela o que tentou fazer comigo?— Assim correram os boatos. De qualquer forma, ele decidiu

comprar a campina. Talvez por achar romantismo na coerção. Meu avô recusou-se a vender as terras. Wenford propôs um jogo de dados. Ofereceu o melhor pavilhão de caça em Surrey em troca do gazebo. Meu avô concordou e Wenford venceu.

— O que há de tão terr...— O parque estava hipotecado. Wenford não tinha a posse das

terras e não podia dispor delas. Ainda por cima, acabou insultando a família Faraday por haver forçado a aposta. Meu avô era um homem muito orgulhoso.

— Como milorde — Lilith falou.— Perdi meu orgulho há algum tempo, doçura. Restam-lhe duas

perguntas.— Está bem. Como milorde consegue ser tão sorrateiro, como

parece adivinhar o que as pessoas pretendem fazer e por quê?— Na verdade, está me fazendo três perguntas. Mas eu as

considerarei como única para uma jovem de beleza tão arreba-tadora.

— Agradecida. — Lilith não se lembrava de haver recebido tamanho elogio, ainda mais de alguém tão experiente como Dansbury.

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Jack tornou a beijá-la com leveza. Abraçou-a e intensificou o beijo. O toque da língua nos dentes de Lilith deixou-a arrepiada. Era como ela sempre imaginara que o beijo deveria ser.

Jack ergueu a cabeça devagar.— Dois...As badaladas do relógio do saguão trouxeram Lilith de volta à

Terra.— Tenho de ir. — Lilith desvencilhou-se. — Pen está me esperando na biblioteca. Não posso...— Eu era um espião — Jack a interrompeu.— O quê?— Quando Bonaparte retomou Paris, Richard e eu fomos

recrutados por Wellington como seus enviados. Passamos a maior parte da guerra esquadrinhando Paris e arredores. Tentávamos separar os boatos da realidade. Peese, meu mordomo e Martin, meu criado pessoal, faziam parte de nosso grupo. Richard ainda está no Departamento de Guerra. Eu saí.

— Por quê?— E a terceira questão?Lilith notou uma hesitação quase imperceptível da parte dele.— Milorde não quer responder?— Não poderei dizer nada até a senhorita decidir se é ou não a

terceira pergunta.A jovem gostaria de saber de muitas coisas. Entre elas se

Dansbury gostava dela ou não. Mas seria preciso desvendar primeiro o caráter de Jack Faraday diante dos boatos que envolviam a morte de Wenford.

— Quero saber por que deixou o Departamento de Guerra.— Lil, suponho que tenha ouvido conversas. Tome-as como

resposta. Pergunte outra coisa.— Jack, fale alguma coisa sobre a mulher que dizem que matou.Dansbury encostou-se no consolo da lareira com postura

descontraída. Mas a tensão do olhar traiu seus sentimentos.— Ela se chamava Genevieve Bruseille. Éramos amantes. Eu a

matei. Com uma faca. Eu não estava bêbado nem foi um acidente. Se eu tenho remorsos? Sim, agora mais do que nunca.

Lilith percebeu o misto de emoções que se sucederam na fisionomia de Jack Faraday. Remorso, vulnerabilidade momentânea, desejo... As palavras eram menos significativas do que os sentimentos que o tinham levado a confessar.

— Pelo que eu soube neste momento, milorde -— Lilith encarou-o —, não creio que tenha nada a ver com a morte de Wenford.

— Eu lhe agradeço. — Jack voltou à janela e se deteve na paisagem por um longo tempo.

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— Por mais que estivesse consternado pela situação embaraçosa, Dolph poderia ter minimizado o fato. Algum outro escândalo poderia surgir em pouco tempo e tudo seria esquecido. Não havia necessidade de surgir um assassinato. Acusar um nobre, mesmo desacreditado como eu, pode trazer repercussões desastrosas para o acusador, se a culpa for infundada.

— São apenas rumores.— Que podem acabar causando um grande prejuízo. Sua família

sabe disso, mais do que qualquer um.— E verdade.Jack aproximou-se e levantou-lhe o queixo.— Não gostaria de dizer-lhe isso — murmurou --mas talvez seja

melhor que vá embora. Inventarei um motivo para afastar-me de William. A senhorita se verá livre de mim quando os boatos se acirrarem.

— Por que está se portando com tanto cavalheirismo?— Recentemente descobri várias facetas inesperadas de minha

personalidade. Confesso que foi inquietante. — Jack apoiou as mãos nos ombros de Lilith.

— Não se esqueça de uma coisa, Lil. Se Dolph continuar a espalhar essas idéias falsas para me incriminar, é porque ele deve estar querendo afastar as atenções de si mesmo.

Lilith arregalou os olhos.— Acha que Dolph Remdale matou o tio?— Admito que pode ser uma suposição falsa. Mas tome cuidado

com ele. Não quero que nada lhe aconteça.O nobre mais mal-afamado de Londres se transformava.— Milorde está pensando em minha segurança.— Hoje estou cheio de contradições. Creio que fiquei confuso ao

vê-la na minha casa. Nunca poderia esperar isso.— Não acredito. Duvido até que tenha se surpreendido.— Suponho que ficarei surpreso toda vez que a encontrar.

Lilith segurou-lhe o rosto e encostou os lábios nos dele. Jack fechou os olhos, abraçou-a pela cintura e tornou o beijo mais ardente. Ela lhe circundou a nuca com as mãos e pressionou o busto contra o peito de Jack. Os dois entreabriram os lábios e passaram a respirar juntos. Gemendo, provocando, mor discando.

— Por que eu mereci tudo isso? — Jack murmurou ao afastar o rosto.

— Milorde esqueceu o terceiro beijo.— É mesmo? Ah, que estupidez a minha. Como... Lilith pressionou

o dedo nos lábios dele.— Eu gosto deste Jack Faraday — ela sussurrou e tornou a beijá-

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lo.O marquês correspondeu com maior intensidade e acariciou-lhe

as costas, descendo e subindo pelos quadris. Lilith nunca se sentira tão viva.

Então, ele a guiou até o sofá e beijou-lhe o pescoço. Os beijos tornaram-se incandescentes e os carinhos, mais perigosos. Lilith abriu os olhos e gemeu. Ah, como desejava que ele continuasse!

— Jack, pare!Espantado, ele levantou a cabeça.— O que foi, Lil?— Por favor, Jack. Não posso... agora... eu...— Não agora ou não comigo?— Não sei. — Ela sacudiu a cabeça, segurando as lapelas do

paletó de Jack para que ele não se afastasse. — Preciso ir. — Procurou respirar com maior normalidade e acalmar-se. Receava que seu coração explodisse no peito.

Ele passou o polegar pelo rosto de Lilith.— De certa maneira, posso dizer que invejo Wenford.— Por quê?— Não havia lugar melhor no mundo para morrer.— Ah, não diga asneiras — ela protestou. — Esta é a sua maneira

de vingar-se de mim? Trata-se de alguma espécie de afeição ou quer apenas divertir-se comigo?

A expressão de Jack fez Lilith desejar bater-lhe e também beijá-lo, não necessariamente nessa ordem.

— Essas são a quarta, quinta e sexta questões. O que vamos fazer, Lil?

— Fazer? A respeito do quê? — Ela se desvencilhou.— Com a possibilidade de Dolph Remdale ter matado o tio.— Como pode... — Lilith fechou a boca. Jack raciocinava de

maneira lógica. Logo, os beijos nada significavam. E ela continha a custo a vontade de tornar a beijá-lo.

— O quê? — Jack acariciou-lhe os braços.— Nada. Não temos nenhuma prova para incriminar Dolph.— Ainda não. — Ele lhe segurou o rosto. — Não se preocupe. Pensarei em alguma coisa.— Não pense em nada, por favor. Não tente me arrastar para

mais uma de suas armadilhas.Jack suspirou.— Então tentarei comportar-me por mais tempo. Se me conceder

outra valsa em... — Ele franziu o cenho. — Qual é o próximo maldito evento social?— O baile dos Cremwarren esta noite. — Lilith admitiu que Jack

Faraday pouco tinha em comum com a elite londrina.

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— Creio que fui convidado. A senhorita dançará comigo uma valsa?

— Está bem. — O pai ficaria furioso. — Se me prometer não tocar no assunto de Dolph e do assassinato.

— Prometo. — Jack abraçou-a de novo.— Não faça isso. Preciso ir embora antes que Pen e eu fiquemos

em apuros.— Sim, milady.O marquês foi até a porta, abriu-a e seguiu Lilith por onde ela

viera. Foram até o muro coberto de hera. Jack não resistiu a um último beijo e Lilith correspondeu, não sem antes se certificar de que não seriam vistos pelos vizinhos.

— Ninguém está aqui fora, só os criminosos.— Nós não somos criminosos. Eu, pelo menos, não sou.— A Srta. Lilith Benton é um exemplo de honestidade e pureza —

ele concordou com um sorriso. — Sou capaz de mudar pelo menos uma dessas virtudes.

— Jack!— Lil, sua imaginação a leva a conclusões errôneas. Eu já lhe

disse que é uma jovem sensual?— Não sou. Ele ficou sério.— Doçura, nunca mais diga isso de si mesma. Nunca. — Pegou-a pela cintura, ajudou-a a subir no muro e segurou-lhe a

mão.Lilith pulou do outro lado e ele não a soltou.— Preciso ir embora — sussurrou, aflita.

— Está bem. Tenha cuidado com Dolph. — Jack admitiu que gostava de Lilith Benton.

— Tome cuidado também, Jack. — Segurou a saia e correu de volta à biblioteca de Pen.

— Tomarei.

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Capítulo VIII

Dansbury ficou no jardim por algum tempo depois de Lilith Benton sumir atrás do muro de lorde Tomlin. Ela se arriscara para avisá-lo do perigo que o aguardava. Ah, como gostaria que Lilith tivesse ficado com ele. Gostaria também de ser um homem sem passado condenável. Poderia visitá-la e não a deixaria constrangida quando dela se aproximasse em público.

— Em que bela confusão se meteu, Jack Faraday — murmurou enquanto quebrava um graveto entre os dedos. — Nem mesmo sabe o que fazer com Lilith.

— Arrepiou-se.Um vento frio soprava e agitava as folhas dos olmeiros.— E, mesmo que soubesse — continuou o monólogo —, nada

poderia fazer a respeito. Ninguém acreditaria. Nem eu. Sou mesmo um idiota.

Jack jogou fora os pedaços de graveto e foi até a frente da casa. Lilith havia dito ver nele resquícios de honra. Não era um insulto, mas uma afirmativa desconcertante. E não apenas em relação à jovem.

Certos fatos a respeito da morte de Wenford começavam a perturbá-lo. A luz dos comentários de Lilith, que professava gostar do verdadeiro Jack Faraday, fosse ele quem fosse, o marquês ficava indeciso se podia ignorar as informações que estava acumulando. O pagamento das dívidas de Dolph por seu tio. A suprema falta de afeição entre os membros da família Remdale. A morte do velho duque a tempo de impedir seu casamento e a posterior presença de um herdeiro que suplantasse a posição de Dolph. Poderiam ser coincidências. Por que Dolph enveredara pelo caminho perigoso da sugestão de assassinato? Não era uma postura ilógica para um homem que desejasse afastar as suspeitas de si mesmo.

Uma situação intrigante e incômoda. Principalmente para Jack Faraday que precisava planejar a própria trilha com cuidado. Se não estivesse agindo como um tolo por causa de uma jovem virtuosa, poderia impedir as boatarias espalhadas por Dolph de maneira mais direta e menos convencional.

Beijar Lilith fora uma experiência única entre as muitas anteriores. Os suaves lábios cálidos e o desejo que ela não havia conseguido esconder despertaram-no para uma ânsia diferente e muito mais intensa. Tivera de conter-se para não lhe rasgar as roupas ali mesmo, na saleta.

— Deixe-me adivinhar. Está tão bêbado que nem mesmo consegue subir os degraus da própria casa. Jack surpreendeu-se.

— Quanta bondade, Richard. Vir até minha humilde casa para

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saber de minha saúde.— Não me preocupo nem um pouco com isso — respondeu lorde

Hutton, brusco. — Milorde será recebido nos aniversários, Natal e festa de São Miguel. Mas soube que esteve em minha casa duas vezes nos últimos dois dias. Está abusando de seu privilégio.

— Verei minha irmã sempre que tiver vontade. — A dor e o sofrimento enrijeceram ps músculos de Jack.

De todos os londrinos, talvez Richard tivesse mais razões de não gostar dele. No entanto, o marquês havia tido a impressão de que o ódio cedia gradualmente. E, ao saber que Alison conhecera Lilith, não tinha resistido à vontade de fazer perguntas sobre a srta. Benton.

— Não o quero envolvido com Beatrice. Já é suficiente tê-lo como tio. A menina não precisa aprender a imitar seu comportamento desastroso.

— Richard, ela tem quatro anos. Não poderei ensiná-la a jogar ou a beber.

— Ela o venera.— Está com ciúme? — Jack ironizou.O barão desistiu de responder. Virou-se e foi em direção ao

cavalo cinzento que deixara afastado da casa.— Não se preocupe. Talvez isso seja o mais próximo que poderei

chegar! — Jack gritou para seu cunhado e antigo companheiro. Richard se

deteve.— Próximo do quê?— Do que milorde tem.Jack subiu os degraus e Peese abriu a porta.— Não fui eu quem tirou suas oportunidades, Jack — respondeu o

cunhado de longe, com calma.— Sei que fui o culpado.Tudo o que restava para o marquês era uma disputa de vingança

contra uma jovem dez anos mais moça do que ele e muito mais sofredora. Embora o jogo prosseguisse de maneira admirável, não tinha a menor vontade de continuá-lo.

Dansbury entrou em casa, pegou o livro e o pedaço de papel dobrado. Na caligrafia bonita de Lilith, o aviso do perigo que ele corria e o pesar de sentir-se em parte responsável por isso. Sorriu ao cheirar a fragrância de lavanda da mensagem. O perfume de Lilith. Voltou a ler o livro de poesias. Independentemente do desfecho, ainda teria outra valsa para dançar naquela noite.

Para tirar a imagem do marquês de Dansbury da cabeça, Lilith passou a tarde empenhada em tarefas relativas a uma filha diligente.

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Estar nos braços de Jack fora uma experiência indescritível. Uma imprudência inebriante. O marquês era o resumo de tudo que lhe havia sido ensinado a desprezar. Assustava-a admitir o quanto desejava revê-lo, falar com ele e tocar naquele físico musculoso. Quando estavam a sós, sem ninguém para reprimi-la sobre comportamento ou linguajar, sentia-se à vontade para falar ou fazer o que desejasse. E bem distante dos padrões de educação que recebera.

Vestiu o traje mais conservador e recatado. Esforçou-se para ocupar a mente com pensamentos sóbrios que incluíam uma maneira cortês de conversar com o novo duque de Wenford. Apesar da advertência de Dansbury, aborrecia-se mais pela idéia de suportar os comentários tolos de Dolph.

Lilith desceu a escada para reunir-se com a família. Refletiu na ironia da situação. O cavalheiro malvisto por todos a advertia sobre um nobre considerado respeitável. Mas um véu escuro toldou-lhe a alma. Seria a última vez que dançaria e se encontraria com Jack Faraday. Nem seu coração nem sua boa fama suportariam a continuação daquele relacionamento.

A festa anual dos Cremwarren era famosa. O salão de baile estava lotado. Logo depois de entrar no recinto, Lilith perdeu a tia de vista e acenou para Mary Fitzroy. Olhou ao redor e não viu o marquês de Dansbury. Assustou-se quando sentiu que a seguravam pelo cotovelo.

—Espero que a próxima valsa seja a minha.—Dolph Remdale deu um sorriso largo.

— Sem dúvida, Alteza.Os dois ficaram parados por um momento para evitar os

encontrões. Lilith sentia-se constrangida. Havia tomado conhe-cimento da morte do antigo duque antes de o sobrinho inteirar-se do fato.

— Sinto muito por sua perda, Alteza. Seu tio... fará falta. Dolph anuiu, apesar da frase não muito adequada.

— Agradeço por suas condolências. Tio Geoffrey era um pouco excêntrico, mas acredito que ele lhe dedicava um carinho especial.

A música foi iniciada. Dolph fez uma mesura com a cabeça e ofereceu-lhe o braço. A pista de dança estava brilhante, polida com várias camadas de cera de abelhas. Dolph dançava com a mesma desenvoltura de Dansbury, embora de maneira mais contida. A sensação de liberdade ao girar nos braços do marquês era gratificante. Uma aventura. A qualquer momento poderia ser beijada ou erguida do solo. E, de repente, Lilith o avistou. Jack a olhava enquanto conversava com William.

Sentiu o brilho dos olhos escuros e imaginou se Dansbury estaria

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com ciúme. Se bem conhecia William, o irmão deveria ter contado os planos do visconde para a filha assim que Jack entrara no salão. Não importava. Ela nada poderia fazer a respeito. Resoluta, desviou o olhar.

— Eu a vi observando Dansbury.A fala inesperada de Dolph fez Lilith voltar rapidamente a atenção

para seu parceiro.— Ele me olhava de maneira grosseira e eu lhe retribuí a

gentileza — Lilith inventou.— Seria mais oportuno ignorá-lo. Os que ele despreza costumam

ter surpresas imprevisíveis.Dolph certamente não ousaria desabafar suas suspeitas, sabendo

que William e Jack eram íntimos.— Vossa Alteza está se referindo a alguma particularidade?— Sim. Embora boatos não me agradem, prefiro falar para seu

próprio bem. Em Paris, uma mulher humilhou-o e ele a assassinou. Depois de sua volta a Londres, dizem que matou pelo menos dois homens em duelos. Dansbury tem um temperamento terrível. E

u até me pergunto se Jack Faraday não teve algo a ver com a morte de meu tio. O ódio do marquês por Geoffrey Remdale era conhecido. As circunstâncias do falecimento de meu tio foram... estranhas.

Lilith havia sentido o remorso na voz de Jack quando ele se referira à mulher que tinha matado em Paris. Sufocou a vontade de defendê-lo.

— Os rumores se alastram com o vento, Alteza. Prefiro fazer os julgamentos por mim mesma.

— Bobagem.— Por que, Alteza?— A senhorita é muito bela. Tudo o mais é um desperdício.

Sempre digo que é mais sensato as mulheres se preocuparem apenas com assuntos do coração.

Espantada, Lilith encarou-o com um olhar faiscante. Wenford ousava insultar-lhe a inteligência! Ela não conseguiu esconder a irritação.

— Se essa é a opinião de Vossa Alteza, talvez devêssemos...— Não se ofenda. — O bom humor de Dolph diminuiu. — Apenas sorria e mostre sua beleza. E tudo o que se espera da

senhorita. — Fitou Dansbury. — Falar demais poderá envolvê-la em

situações desagradáveis.— Então será melhor não conversarmos.Dolph deu de ombros. Lilith admirou-se como um homem tão

bonito podia ser tão asqueroso.

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— Aconselho-a a usar a lisonja ao falar comigo, como faz com seus outros pretendentes. E, quanto mais elevado o título do interessado, melhor a senhorita se comporta, para agrado de seu pai. Creio que ele acha o meu fascinante. — Dolph apertou-lhe a mão.

— Na verdade, eu é que a acho fascinante, apesar de seu relacionamento inadmissível com Dansbury.

— Não tenho nenhuma relação com o marquês de Dansbury. Mesmo assim, eu o considero mais interessante do que Vossa Alteza. — Lilith perdia a paciência. Dolph era pior do que o tio.

— Modere seus modos, minha jovem, ou alguém terá de fazê-lo pela senhorita.

Lilith assustou-se com a frieza daqueles olhos azuis. Preocupada, lembrou-se de haver prometido ao pai aceitar o que ele escolhesse. E o pai se decidira por Dolph Remdale.

— Sim, Alteza. Dolph voltou a sorrir.— Vejo que a senhorita aprende depressa. Seu querido pai me

parece esperançoso. Ele está nos contemplando com ansiedade. Vamos fazê-lo feliz?

— Vossa Alteza não pode estar falando sério. — Lilith empalideceu. Só pensava em gritar e sair correndo dali.

— Por que não? Eu terei de casar-me mais cedo ou mais tarde. Prefiro tê-la na minha cama do qüe escolher uma daquelas meninas insossas que ficam coladas nas paredes.

— Wenford abraçou-a com força. — Mal posso esperar para tê-la em meus braços, Lilith.

— Jamais!— Vamos apostar?Dolph voltou a falar sobre generalidades, como se o assunto

anterior estivesse resolvido.A valsa terminou e ela procurou desvencilhar-se, mas Wenford

segurou-lhe a mão com força.— Solte-me — Lilith murmurou.— Sorria, meu amor — ele recomendou, sorrindo. — Não pretende fazer um escândalo, não é?Por mais que o odiasse e temesse, nada poderia fazer em público.

Assim que fosse possível, explicaria a seu pai que Dolph Remdale não passava de um homem rude e que as atenções dele não eram bem-vindas. Pararam diante de lorde Hamble. Lilith não podia acreditar na atitude de Wenford, um nobre que mal a conhecia.

— Hamble — o duque sorriu com simpatia para Lilith —, sua filha é maravilhosa.

— Obrigado, Alteza. — Hamble encantou-se com o elogio.— Fiz o possível para educá-la de maneira satisfatória.

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— Falarei com meu administrador e com os advogados de meu tio.

— Dolph parecia tratar da compra de uma carruagem.— Entretanto, não vejo nenhum obstáculo. Milorde pode pro-

curar-me amanhã para finalizarmos o acordo.O próprio visconde assustou-se com a rapidez da conduta.— Bem... Será um prazer, Alteza. — Benton sorriu e estendeu a

mão.Dolph aceitou o cumprimento e em seguida levantou a mão de

Lilith para beijá-la.Finalmente, soltou-a. A jovem recuou. Não teve como fugir. Tia

Eugenia abraçou-a.— Minha querida, que novidade esplêndida!— Sim. Obrigada. Desculpem-me.Sem pensar no que fazia, Lilith virou-se e abriu caminho por entre

a aglomeração. Precisava de ar puro. Não conseguia respirar. Aquilo era um pesadelo. Como dizer ao pai, esfuziante pela notícia, que não se casaria com Dolph Remdale? Chegou à sacada, agarrou-se ao corrimão e respirou fundo.

— Parabéns.Lilith virou-se depressa. Jack estava parado na sombra, perto da

porta. Ela deu um passo à frente, mas ele ergueu a mão para impedi-la de prosseguir.

— Muito bem — o marquês falou com voz suave.— Jack...— Um duque, afinal. Eu lhe devo desculpas.Era o Jack Faraday que não lhe agradava. Arrogante e cínico.— Por quê?— Eu estava errado. A senhorita é mesmo a Rainha do Gelo.— Como pode dizer isso? — Lilith sussurrou, chocada.— E como não poderia? — O ódio era quase palpável. — A senhorita fez um acordo com um monstro. Por acaso, não se

lembra de termos falado que ele poderia ter matado o tio por causa do título? Ah, mas Dolph é respeitável! Esqueci esse detalhe. A senhorita deve estar encantada.

— Suponho que isso seja verdade. — Lilith queria gritar que precisava do apoio dele.

— Ele pode ser um assassino. — Encostou o indicador no peito de Jack.

— Milorde, contudo, é um matador confesso.— Não posso negar, mas naquele momento não a vi nem um

pouco temerosa. Foi a confissão que a faz se tornar ofensiva, não é?

— Milorde é que pode ser considerado injurioso!

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— O sentimento é mú...— Como ousa? — Lilith o interrompeu, com lágrimas deslizando

pelo rosto. — Milorde é extremamente egoísta! Acredita que a humanidade

só pensa nas próprias diversões. Nem todos estão centrados em si mesmos, Dansbury. Meus sentimentos afetam minha família, quer eu queira ou não. Minha família quer que eu me case com Wenford. E eu preciso contentá-la!

— E por acaso lhe agradará saber que sua família está feliz e segura, enquanto a senhorita terá de submeter-se aos desejos de Dolph em Wenford Park?

— Jack agarrou-a pelos ombros. — Lilith, abra os olhos pelo amor de Deus, antes que seja morta. Ou coisa pior.

Jack soltou-a e voltou para o salão. Soluçando, a jovem agarrou-se à balaustrada. Odiava Dansbury, um homem arrogante, cínico e estúpido!

A última esperança de escapar ao pesadelo de Wenford acabava de abandoná-la.

Na biblioteca defronte da lareira acesa, Jack estava sentado com as pernas esticadas e cruzadas na altura dos tornozelos. Levantou uma carta. Três de ouros. Atirou-a nas chamas.

A carta ardeu e sumiu. Mais uma e depois outra tiveram o mesmo destino.

Na metade do segundo baralho, sua fúria não diminuíra.— Idiota. — Atirou o cinco de paus no fogo. — Estúpido.— Jogou o nove de copas. — Retardado. — Seguiu-se o dez de

paus.Bateram na porta.— Não estou em casa. — Jack continuou a destruir as cartas.— Eu sei, milorde — Peese falou atrás da porta fechada.— Se estivesse em casa, milorde gostaria de falar com o sr. Price

que está no saguão?— Está despedido, Peese.— Pois não, milorde. E o sr. Price?— Não.— Está bem.Mais duas cartas foram consumidas antes de Price bater e entrar.— Sei que não está em casa e, se estivesse, o mau humor não lhe

permitiria receber-me. — Sentou-se à direita de Jack.— Faz tempo que não vejo esta cena.O marquês levantou a última carta do segundo baralho. A rainha

de copas. A imagem ruiva pouco tinha a ver com a beldade de cabelos negros, que escapara de seus braços para enrodilhar-se

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com uma serpente. A carta escorregou de sua mão e caiu com a face para cima.

— Problemas com mulheres, Jack? — Price entregou-lhe o terceiro baralho dos que estavam em cima da mesa lateral.

— Não.— Ah. Nada a ver com o noivado da Srta. Benton.— Nem sabia que ela estava noiva.— Mentiroso. — Price começou a embaralhar outra pilha de

cartas. — Isso não me importa, exceto que posso ter ganhado cem libras

na aposta feita com Landon. Eu disse a ele que mi-lorde não se deitaria com ela.

Dolph Remdale faria isso quando desejasse.— A temporada ainda não está encerrada.— Creio que milorde poderia passar a noite em companhia de

alguma mulher agradável.— Poderia.Um encontro sem conseqüências com alguma diva italiana da

ópera era do que estava precisando, Jack refletiu.Desde o rompimento com Camilla havia quase duas semanas,

não houvera ninguém mais. Tinha concentrado sua energia e seus esforços em Lilith Benton. Uma pequena vingança que evoluíra para algo desconhecido. Mas com uma certeza: nenhuma mulher seguiria o coração em detrimento do interesse financeiro. O frustrante era desejar Lilith muito mais do que no início daquele jogo sem nexo.

— Entretanto, não é o que pretende fazer.— Não. Price tossiu.— Bem, então talvez seja melhor eu ir embora. — Sem receber

uma proposta para ficar, o amigo levantou-se. Deu alguns passos e Jack continuou a ignorá-lo.

— O principal motivo de minha vinda aqui foi para informá-lo de que depois de mm saída tempestiva do baile dos Cremwarren, começaram a especular que o velho Wenford pode ter sido envenenado.

— E fui eu quem fez isso. — O nove de paus foi para o fogo.— Acertou. E com o vinho do Porto que deu a ele. A garrafa vazia

foi encontrada no escritório do duque.Mas ela não estava no gabinete quando Jack estivera lá à procura

do brinco de Lilith. Fora colocada no recinto depois de o corpo ter sido encontrado.

— Sei.Price estudou a fisionomia de Jack, antes de se dirigir até a porta.— Boa noite, Dansbury.

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— Boa noite, Price.Jack continuou sentado diante do fogo após a saída do amigo.

Tinha percebido a dúvida no olhar de Price, que o conhecia muito bem.

Dansbury deixou a poltrona e abaixou-se diante da lareira. Pegou as poucas cartas que haviam escapado da incineração e jogou uma a uma nas chamas. Errara em dois pontos. Tinha se enganado com Lilith Benton ao supor que poderia representar para ela mais do que uma novidade fora dos parâmetros convencionais. Em segundo lugar, perdera muito tempo atrás dela e havia se esquecido de Dolph, que o superara em estratégia.

Como conseqüência, estava para ser envolvido em outra onda de insinuações e rumores. Seria desprezado e ignorado por todos. Jack levantou a dama de copas. O mais doloroso era saber que tinha se enganado a respeito de Lilith. Admitiu, porém, que havia muito tempo, perdera a chance de conseguir admiração e respeito. Amarrotou a carta e atirou-a ao fogo.

— Droga. — Sentou-se de pernas cruzadas no tapete e passou as mãos nos cabelos.

— Droga.— Minha irmã, duquesa de Wenford. — William fez uma mesura

exagerada quando Lilith desceu a escada. — Quem diria? Papai estava certo. A srta. Benton conseguiu o mais alto título de Londres. E o mais insípido, sem dúvida.

Ela engoliu em seco, determinada a não chorar de novo. Não fizera outra coisa nos últimos dois dias.

— Prefiro não falar sobre isso. Vou fazer compras. Preciso preparar o baile de noivado. — Dali a mais dois dias, depois do anúncio oficial, tudo estaria perdido. Na verdade, sua vida tinha sido comprometida desde o dia em que a mãe fugira.

— Está bem, Lil.— Obrigada. — A jovem passou por ele e pegou as luvas

entregues por Bevins. Escutou William aproximar-se por trás.— Lil, já ouviu falar do Harém de Jezebel?— Eu deveria ter conhecimento de sua existência?— Creio que não. Lá as mulheres vestem sobre o corpo apenas

véus que nada escondem. Estive lá com Jack ontem à noite. Uma delas sentou-se no colo dele, mas o marquês estava muito mais interessado na garrafa de uísque. Estranho, não é? Jack desdenhar uma jovem vestida com lenços!

— William, esse assunto não me interessa. — Lilith foi até o espelho do hall, pôs o chapéu sobre os cabelos penteados e amarrou as fitas sob o queixo.

— O que está acontecendo? As proezas de Jack sempre a

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encolerizaram.— Sou a Rainha do Gelo.— Não é, não, Lil. Pare com isso! Ela se virou e encarou-o.— Por quê?— Se não quer se casar com Wenford, fale com papai e...— E um bom casamento — Lilith interrompeu-o, bateu-lhe com

carinho no rosto e procurou sorrir. — Serei uma duquesa. O que mais eu poderia desejar?

A jovem voltou-se para Bevins que a ajudou a vestir o xale pesado. Foi até a porta. Do lado de fora, Milgrew a aguardava na carruagem.

— Jack também se recusa a falar a seu respeito, Lil. Ela tentou esconder a emoção e endireitou o xale.

— Isso não me importa — disse e saiu.Milgrew ajudou-a a subir no coche. Os cavalos se puseram em

marcha e depois de algum tempo pararam diante da casa de lady Sanford. Ela e Pen subiram no veículo. O cocheiro levou as três até Bond Street, onde desceram. Lady Sanford entrou numa loja de chapéus. Lilith e Pen aguardaram do lado de fora.

— Sei que não está contente — Penélope afirmou, observando o movimento da rua.

— Lil, Sua Alteza é bonito e rico. Isso não vale nada?— Não importa, Pen. — Olhou sem interesse para lady Phoebe

Dewhurst que vinha seguida por um cortejo de criados e pacotes. — Já está tudo decidido entre o duque e meu pai. Os advogados firmarão um acordo sobre o meu dote. Daqui a duas noites, tia Eugenia receberá os convidados para a minha festa de noivado.

— Por que essa pressa?O pai revelara o desejo do duque quando havia voltado da

Mansão Remdale. E com o olhar impedira qualquer manifestação de protesto. Era a união que o visconde esperava havia seis anos. Ou quem sabe a vida inteira.

— Dolph Remdale deve estar apaixonado — Pen disse sem o menor entusiasmo.

— Deve estar — Lilith concordou no mesmo tom. — Vamos falar de outra coisa.Em vão, Lilith tentava convencer-se de que interpretara mal o

duque no baile. Talvez ele estivesse nervoso com a perspectiva da proposta e por isso tinha se comportado mal. Não o vira desde aquela noite e estava convencida de que não havia motivo para ele ter sido cruel. Ambos mal se conheciam.

— Está bem. — Pen ficou calada por alguns momentos e depois seus olhos brilharam.

— O marquês de Dansbury ficou arrasado com as notícias?

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— Duvido que ele tenha sensibilidade suficiente para isso. — Petulante, Lilith fitou a amiga e desviou o olhar.Entendia muito bem o que havia se passado com Jack Faraday. Ao

entender que perdera o jogo, que ela nem mesmo sabia qual era, tinha ficado furioso e se retirara como uma prima-dona temperamental. Lilith Benton nunca mais o encontraria. Aliás, folgava muito em vê-lo pelas costas. Também não era por esse motivo que havia passado as últimas três noites chorando.

— Gosta dele de verdade, não é? — Penélope perguntou.— Nem um pouco. O marquês é um devasso, um jogador e um

patife. Eu lhe garanto que ficarei muito satisfeita se nunca mais o vir na minha frente!

— Ainda bem que deixou de lado um assassino.— O quê?— Não escutou os comentários? Todos dizem que ele matou o

velho Wenford. Dansbury deu ao duque vinho envenenado. A garrafa foi encontrada.

— Mas isso é um absurdo — Lilith protestou. — Por mais detestável que ele possa ser, tenho certeza de que nunca matou ninguém.

— E aquela mulher de Paris?— Se acredita que Dansbury seja um assassino, por que ficou tão

animada quando pensou que ele me perseguia?— Porque achei que não tivesse acreditado na hipótese de ele ter

matado alguém e...— Mas eu... — ...e também por imaginar que gostasse dele.O quanto gostava de Dansbury tornou-se claro quando ele a

abandonara. Jack Faraday havia trazido para a sua vida algo inédito. A idéia de não ter de se controlar o tempo inteiro e de poder fazer o que desejasse. Pura ilusão. Tudo o que fizesse teria de ser do agrado dele. O marquês deixara bem evidente que não acalentava nenhum sentimento mais profundo. Lilith disse a si mesma estar feliz com o término daquele episódio ridículo.

— Eu estava errada.Jack estreitou os olhos. Price olhava o salão lotado do Boodle's e

evitou encarar o marquês.— Pode ir. — Jack terminou de tomar o conhaque. — De qualquer forma, eu não esperava encontrá-lo depois da

outra noite.— Tive um compromisso — Price repetiu pela terceira vez,

sentando-se. — Não sei o que pretende ao vir para cá. Ser desprezado pelos

amigos faz parte de seu jogo?— Eles é que estão sendo desprezados por mim.

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— Jack tornou a encher o cálice. — Assim como o senhor. Vá embora.As mesas do lado se esvaziaram apesar do grande número de

pessoas. O marquês sabia que seu nome estava em todas as bocas. William encontrava-se na casa de Antonia. Tinha evitado ir até lá para não ser sutilmente interrogado por mademoiselle St. Gerard. Também não fora ao White's nem ao Society. Lá seria tratado com maior rudeza. E, mesmo no Boodle's, que era mais simples, havia sentido a suspeita e a tensão no ar. O que, para ser sincero, nem o incomodava tanto. Só queria beber e dormir sem sonhar com Lilith Benton.

— Jack, vá para casa — Price implorou, levantou-se e saiu.Dolph Remdale havia tido sucesso ao espalhar os rumores. Ernest

Landon o evitava. Thomas Hanlon fora para o campo cuidar de um parente em recuperação. Os amigos fugiam dele. William Benton tinha sido o único que se oferecera para passar a noite com Jack. William era irmão de Lilith, o que seria uma lembrança constante de sua tolice.

Alguns minutos depois, Price voltou e sentou-se defronte do amigo.

— Pior do que um covarde é um indeciso, Price — o marquês murmurou sem o olhar.

— Dê o fora, antes que eu também o mate.— Dizem que a confissão é o melhor remédio para a alma. Mas,

em virtude das circunstâncias, no momento não deve ser a melhor solução.

Jack espantou-se com a voz diferente, levantou a cabeça e encarou o recém-chegado.

— Richard.— Bem, ao menos milorde ainda enxerga. Sinal de que não está

tão bêbado.— Eu não me aproximei de sua preciosa família — Jack espalhou

os braços na mesa e quase derrubou o cálice —, não falei com minha irmã, nem com minha sobrinha, com seu cachorro ou sua lavadeira. Deixe-me em paz!

— Era o que eu pretendia fazer. Mas Alison pediu-me que o procurasse para saber se está bem.

— Estou ótimo. Boa noite.— Jack eu só vim aqui para...Dansbury levantou um dedo na direção do cunhado.— Richard, não o quero aqui. Ainda não me esqueci de quando

me virou as costas. Não preciso de sua caridade agora!— Eu lhe virei as costas? Foi o que disse?Jack sabia que não deveria ter falado aquilo. Mas, além de ter

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bebido em excesso, estava cansado de tudo. E de si mesmo também.

— Milorde escutou muito bem. — Dansbury dispensou o lacaio que se aproximou com outra garrafa e encheu o cálice com a que estava na mesa. — Família é o mais importante, sabia? Não a envergonhe, não a desaponte, não a enfrente.

Jack olhou em volta. Os clientes da casa se mantinham afastados. Esvaziou o cálice e duvidou que pudesse chegar sozinho até a carruagem. Seria ótimo acabar caído na sarjeta.

— O que ela não entende — as palavras do marquês soavam arrastadas — é o que a família está fazendo por ela. A família a está usando. Ela tem medo de desapontar os familiares e eles a abandonarem. Milorde conhece bem essa história, não é?

— Quem é ela? — Richard perguntou.— Uma jovem a quem eu tentava prejudicar.O cunhado estreitou os lábios e sacudiu a cabeça, desaprovador.— Trata-se de Lilith Benton?

— Não se preocupe, Richard. Já retornei meus interesses para a bebida, as jogatinas e as rameiras.

Pela expressão do cunhado, o descrédito era evidente. Jack não se importou. Ficaria feliz se nunca mais visse Lilith Benton. Tão feliz como estava naquela noite.

— Politicamente, ela fará um bom casamento — Richard disse em voz baixa.

— Quem? Ah, a Srta. Benton. Ah, sim, Dolph Remdale é um homem refinado e honesto. Ela será muito feliz. — O marquês não pôde evitar a amargura da voz. Maldita confusão mental.

— Ela convidou Alison e a mim para a festa de noivado. Richard jogou a isca.

— Mas que maravilha. Meu convite deve ter se perdido no correio londrino. Uma vergonha esses serviços públicos que não funcionam.

— Jack, o que acha de se preocupar no momento com a sua reputação, em vez de arruinar a dos outros?

— Não preciso de seus conselhos, Richard. — Estreitou os olhos para o criado mais próximo. — Estou saindo. Mande trazer minha carruagem.

— Sim, milorde.— Ainda não entendeu Jack — o cunhado agarrou-o pelo braço —,

que o estão acusando pelo assassinato de Wenford? Como pode ficar aí dando um espetáculo humilhante?

Dansbury desvencilhou-se e cambaleou ao ficar em pé.— Perdão se o envergonhei, Richard. Se me ignorar de novo, não

será prejudicado por isso. Todos sabem que nem ao menos

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conversamos.— E a segunda vez que me acusa de eu tê-lo abandonado. —

Richard impediu a passagem de Jack. — Pelo que me lembro, foi milorde quem matou Genevieve. Eu nem mesmo estava naquele quarto.

— Algum dia, Richard — Dansbury rodeou o cunhado e apontou-lhe um dedo —, eu lhe direi o que realmente aconteceu naquela noite.

— Diga-me agora.— Vá para o inferno!O cunhado seguiu-o até a porta.— Jack, sei que não quer me escutar, mas o duque de Wenford

está pressionando para que seja instaurada um investigação formal a respeito da morte do tio. Seria melhor não aparecer por alguns dias, até a tempestade passar.

— E qual seria a graça? — O marquês o fitou e ensaiou um sorriso.

— Srta. Lilith devo aplicar mais ruge? — Emily perguntou.Lilith olhou-se no espelho. A criada havia exagerado na

maquiagem e mesmo assim seu rosto estava pálido.— Não, Emily. Mais um pouco e ficarei parecida com uma atriz

pronta para entrar no palco.— Sim, senhorita.Nada disfarçaria o tremor das mãos ou a apreensão do olhar.

Implorara a tia Eugenia que adiasse um pouco a festa de noivado. A tia havia recusado o pedido, alegando que não poderiam perder o momento de interesse do duque. Lilith rezava para Dolph mudar de idéia. Mas, nas duas vezes em que tinham se encontrado desde a proposta, ele fora cortês e civilizado sem dar nenhuma indicação de lamentar a decisão precipitada. Na verdade, mal haviam conversado, pois Lilith se esforçara para não ficar a sós com ele.

Talvez sua preocupação fosse excessiva. Dolph era belo e rico. Embora não gozasse do respeito devido a seu tio, era bem relacionado e não colecionava antipatias. Com o tempo, poderia suplantar o tio em influência e poder. Mas Lilith sentia arrepios quando se lembrava do que ele tinha dito enquanto estavam dançando e do olhar duro enquanto falava. Além do mais, Jack Faraday a prevenira. Apesar do que havia acontecido, acreditava nas palavras de Dansbury.

Lilith suspirou infeliz. Sentia falta de Jack. De vê-lo, das discussões e das artimanhas que ele empregava para encontrá-la. E dos beijos roubados, os maiores prêmios. Provavelmente nunca mais o veria. Jamais seria beijada por ele.

A família escolhera Dolph Remdale.

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A porta foi aberta e tia Eugenia entrou, resplandecente em um vestido cor de marfim e verde-esmeralda.

— Está na hora, Lilith. —A Sra. Farlane esbanjava alegria por ser a anfitriã da noite.

— Tia Eugenia. — A jovem não conseguia mover as pernas.— Tudo foi tão rápido, não tenho certeza... não sei...— Minha querida, está nervosa. Quando me casei com Walter, eu

mal o conhecia e formamos um casal muito feliz.Pobre tio Farlane. Morreu afogado um ano após o casamento.— Eu sei, mas...— Lilith, vamos. E a sua festa de noivado.— Não quero me casar com ele! — Lilith gritou, começou a soluçar, abaixou a cabeça e escondeu

o rosto entre as mãos.Eugenia sufocou um grito.— Pois é o que veremos, menina malvada! É o que veremos!— A tia deixou o quarto com um volteio ruidoso de saias.— Srta. Lilith? — Emily murmurou.— Pode ir, Emily — a jovem falou sem levantar a cabeça.— Sim, senhorita. — A criada saiu com mais pressa do que

Eugenia.Lilith continuou a chorar, desconsolada. Dissera ao pai que se

casaria com qualquer um que não fosse Geoffrey Remdale. O pai ficaria furioso, mas ela não podia aceitar a atual escolha.

— Sua tia disse que a senhorita não quer se casar. Lilith assustou-se e levantou a cabeça.

— Alteza.Um grande pavor invadiu-a. Esperava o pai e, apesar da ira que

teria de enfrentar, sabia como lidar com ele. O duque de Wenford era outra história e bem diversa.

— Expliquei à boa senhora que a senhorita estava sofrendo de uma crise nervosa e que precisava de mim para assegurar que tomava a decisão correta.

Lilith limpou os olhos e levantou-se.— Alteza, tudo isso aconteceu depressa demais. Tenho certeza de

que nenhum de nós deveria ficar com dúvidas sobre...Dolph deu um passo à frente.— Eu não tenho dúvidas.— Milorde nem me conhece direito — Lilith protestou.— Eu a conheço o suficiente. — O duque de Wenford procurou alguma coisa no bolso do paletó

cinza e ergueu a mão. Nela havia um brinco de pérola com fecho de prata.

— Não... estou... entendendo — Lilith gaguejou, muito pálida.

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— Ah, está, sim. No instante em que vi meu tio morto, entendi que Jack Faraday fora o responsável por seu fim desonroso. Ninguém mais teria o atrevimento de fazer uma coisa daquelas. Imagine minha surpresa, quando descobri o brinco da senhorita debaixo do corpo de tio Geoffrey.

— Alteza, eu...— Deixe-me terminar! Srta. Benton, se não se casar comigo,

esteja certa de que todos saberão que é amante de Dansbury e que os dois conspiraram para matar meu tio.

Lilith ficou estarrecida. Um boato daqueles mataria seu pai.— Por quê? — Ela sentiu as mãos frias e suadas.— Por que Dansbury a deseja.Lilith deu um passo à frente, sentindo a excitação mesclada com

o pavor.— Então Vossa Alteza venceu desde o começo — a jovem falou

sem emoção aparente. — Minha família jamais me permitiria casar com Dansbury,

mesmo se eu quisesse.— Mas a senhorita não quer.— Não quero.— Não importa. E uma bela jovem de uma ótima família, apesar

da falta de juízo de sua mãe. — Dolph examinou o brinco e tornou a fitar Lilith. — Não tenho dúvida de que se empenhará em ser uma esposa calma e complacente. — Ele sorria. — Toda vez que Dansbury a olhar, saberá que a perdeu. Para mim.

— Isso é uma loucura — Lilith protestou, ainda mais horrorizada, e foi até a porta.

Ouvira falar em casamentos por conveniência, dinheiro, títulos ou, em seu caso, para recuperar o respeito da nobreza. Mas era inacreditável casar-se para provar a supremacia da masculinidade.

— Se eu quisesse sua opinião, eu a pediria — Dolph afirmou com olhar cruel.

— Uma pena que Dansbury será preso antes de nosso casamento. Teremos de visitá-lo na prisão.Havia alguma coisa errada. Não se tratava apenas da motivação doentia de Dolph para se casar com ela, mas a maneira como usava a morte do tio. Lembrou-se de Jack ter dito que Dolph nem ao menos havia se preocupado com uma leve demonstração de pesar, nem mesmo para salvar as aparências. Se Wenford estivesse realmente preocupado com a causa da morte do tio, não teria escondido o brinco até poder usá-lo em caso de ser necessária a coerção.

— Minha querida, virá ao meu encontro no salão? Ou terei de ir sozinho e expressar minha opinião no que diz

respeito ao brinco e ao marquês de Dansbury?

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— Vossa Alteza é um monstro! — Lilith gritou.— Creio que acabará gostando disso. — Dolph tornou a sorrir.

Aproximou-se, segurou-lhe o rosto com as mãos enormes e beijou-a.

Um beijo horrível. Úmido, mole e frio. Totalmente diverso dos beijos estimulantes de Jack. Lilith encolheu-se. Só poderia haver dois motivos. Ou o marquês era um homem muito experiente na arte de beijar ou ela estava apaixonada por Jack Faraday.

— Não se preocupe, minha querida. Com o tempo, sua resposta vai melhorar.

Lilith precisava refletir. Tinha de descobrir uma maneira de escapar de Dolph. Falaria com o pai. Era urgente avisar Jack sobre o brinco e a ameaça de Dolph. Seria imprescindível esclarecer a suspeita sobre a morte do duque. Ergueu a mão devagar.

— Irei com Vossa Alteza.— Boa menina.A noite foi um pesadelo. Amigos e conhecidos cumprimentavam-

na com efusão, sem ter idéia de como Lilith detestava o noivo e desejava fugir dali. Ninguém duvidava de sua felicidade. Afinal, chegara a Londres de maneira fria e impessoal. E com apenas um objetivo. Encontrar o melhor casamento possível. Naquela altura, era tarde demais para recuar.

Ou talvez não fosse. Os convidados começavam a retirar-se. A jovem viu o pai na janela, saboreando o triunfo. Aproveitou o ensejo de Dolph estar entretido com os amigos e esgueirou-se para perto do visconde. Precisava pesar muito bem as palavras.

— Papai.— Filha, agradeço a felicidade que me concedeu. — O visconde

sorriu e segurou-lhe a mão. — Wenford está pensando em conseguir uma licença especial.

Assim poderiam casar-se antes do término da temporada. Talvez no final do mês.

— E sobre isso que eu gostaria de falar-lhe, papai.— Sua tia me contou sobre seu ataque de nervos. — Stephen

Benton franziu o cenho. — Poderia ter arruinado tudo. Dê graças a Deus pela

compreensão de Sua Alteza.— Papai, ele me assusta.O visconde ergueu uma sobrancelha.— Não seja ridícula. Ele é um cavalheiro. E está apaixonado.— Papai, poderíamos conversar em particular por alguns

minutos?— Lilith... — ele a advertiu.— Serei breve, papai — ela insistiu. — Por favor.

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— Está bem — o visconde concordou, mal-humorado.Com um gesto, ele apontou o gabinete. Quando lá entraram,

fechou a porta.— O que foi dessa vez, Lilith? Não gosta de Sua Alteza, mas se

casará com um outro que eu escolher?Ela imaginou que seria uma conversa terrível.— Sei que não...— Já escutei isso de outra vez! — Stephen Benton jogou com

força um livro na mesa. — Pretende fazer a mesma promessa até passar por todos os

homens solteiros de Londres? Isso é um absurdo! Está noiva de Sua Alteza, o duque de Wenford, e se casará com ele!

— Mas eu não gosto desse homem! — Lilith gritou.— Nunca pensei que fosse uma jovem avoada e perversa como

sua mãe! Se o velho Wenford não tivesse sido assassinado por Dansbury, ele teria dado um jeito nas suas manias.

— Papai! — Uma suspeita a deixou horrorizada. — O senhor havia prometido que eu não teria de me casar com ele!

— Eu esperava que mudasse de idéia. — O visconde desviou o olhar.Lilith lembrou-se do espanto e desapontamento do pai na manhã

em que Wenford morrera e que Jack o havia levado embora.— O senhor sabia que ele viria visitar-me naquela manhã quando

levou William e tia Eugenia à mansão dos Billington, justamente no dia de folga dos empregados! — ela o acusou.

— Lilith Benton teria de ser uma duquesa... e é o que será. Uma duquesa! Ponto final. Agora trate de se despedir e vá para a cama antes de causar mais problemas. Minha filha é ainda pior do que William!

A jovem correu para o quarto. O pesadelo piorara. O pai havia arquitetado tudo. Ao deixar o velho duque e a filha juntos, sabia que a comprometeria. E ela teria se casado com Wenford para não cair em desgraça.

Em resumo, era o mesmo tipo de ameaça que Dolph empregara. Deveria casar-se com ele ou todos ficariam sabendo que ela era amante de Dansbury!

Lilith fechou a porta e sentou-se na beira da cama. Os homens respeitáveis de Londres não passavam de monstros. Jack Faraday era o único que se preocupava com a felicidade dela, o único que a escutava. Lilith suspirou com o coração partido.

Independentemente do que houvesse entre eles, o marquês não tinha idéia de que Dolph estava com o brinco nem suspeitava que acertara na própria suposição. Dolph sabia muito mais sobre a morte do tio do que havia ousado confessar.

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Andou de um lado a outro do quarto, inquieta. Se revelasse o caso a William, o irmão tentaria resolvê-lo por conta própria e destruiria qualquer esperança de ela escapar daquela insanidade.

Parou diante da janela, olhou as ruas escuras de Mayfair e disse a si mesma que fugir não seria uma má idéia.

Capítulo IX

Milorde — Peese falou com paciência, segurando duas lamparinas e uma cadeira —, suponho que a limpeza deva ser feita na primavera.

— Cale-se, Peese, ou o despedirei — Jack falou e abriu outra das mais de cinqüenta arcas que estavam guardadas no sótão. — Leve estas coisas para baixo e deixe junto com o resto. O padre Donaldson cuida de muitos pobres e saberá dar um destino melhor a elas.

— Mas algumas delas fazem parte da herança, milorde.— E há muito tempo estão me aborrecendo. Desça, Peese. Diga a

Frederick e a Peter que estranhei a ausência deles e que os espero de volta com a maior brevidade.

— Sim, milorde.Jack passara as últimas três noites bebendo em excesso. Mesmo

assim, não tinha conseguido esquecer Lilith. Naquela altura, considerando-se o evento que transcorria na Mansão Benton, a idéia de afogar-se no conhaque não lhe parecera uma boa alternativa. Realizava-se a festa de noivado de Lilith e Dolph com a presença da elite londrina. Talvez lhe restasse um pouco de orgulho. Não queria ser visto entre os que levavam uma vida desregrada nos clubes da cidade.

Havia horas estava no sótão, fazendo uma limpeza. Livrava-se dos objetos de pouca valia herdados na ocasião. Absolutamente

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inúteis naquela altura. Doá-los para os pobres teria uma serventia muito maior. Embora admitisse que o ato de nada serviria para obter a salvação eterna. Na certa seus vizinhos pensariam que ele deixava o país, o que o divertiria. Esticou as costas e bateu na calça para tirar um pouco da poeira.

Devia ser mais de duas da madrugada. Não tinha para onde ir e também não estava com sono.

— Mi lorde? — O mordomo voltou.— Peese, se Frederick e Peter não subirem em dois minutos, eu...— Milorde tem visita.— Não estou em casa.— Sim, milorde. Trata-se de uma mulher. Jack virou-se.. — Antonia? — Esperava que não fosse.Peese negou com um gesto de cabeça e hesitou por um instante.— A outra, milorde.— Droga, Peese! Explique-se.— A que veio visitá-lo há alguns dias, milorde. O coração de Jack

disparou.— Lilith?— Creio que sim, milorde.O marquês de Dansbury engoliu em seco e sua mente foi

dominada por um turbilhão de emoções. Desaparecera a irritação e o desapontamento. Lilith não era uma jovem sem sentimentos e ele não queria vê-la casada com Dolph Remdale. Deixou o sótão e desceu os degraus de dois em dois. Não podia imaginar o que havia acontecido para que, nas atuais circunstâncias, a jovem viesse procurá-lo às duas da manhã. Se Dolph a tivesse machucado, poderia considerar-se um homem morto.

Jack abriu a porta da sala de estar com ímpeto e Lilith assustou-se. Ele a fitou, preocupado. Arfante, empoeirado e descomposto. Os cabelos estavam desalinhados. Sem gravata nem paletó, as mangas da camisa tinham sido enroladas até os cotovelos. Lilith admitiu que Dansbury era fascinante apesar da aparência relapsa e não podia desviar os olhos dele. Temera não encontrá-lo em casa ou que não quisesse recebê-la.

— Jack — as lágrimas escorriam pelo rosto dela —, ele... está... com... meu... brinco. Afirmou que... que o usaria para... dizer a todos...

— Wenford está com seu brinco? — o marquês a interrompeu e fechou a porta.

Lilith anuiu.— Não quero me casar com aquele homem! — A jovem soluçava. — Ele disse que vai me desgraçar e que o levará à forca!

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Jack não saiu do lugar.— Deixe-me entender. Eu lhe disse que matei Genevieve e agora

a senhorita quer que eu lhe faça o favor de eliminar Randolph. Acertei?

Lilith sacudiu a cabeça, horrorizada pela idéia ter-lhe parecido tentadora.

— Não, eu vim aqui para...— Por que não? De qualquer forma, todos pensam que matei o

velho duque. Poderia matar o sobrinho.— Pare com isso! Já não chega eu me sentir culpada por o

acusarem do assassinato de Wenford? Não sabe como eu gostaria de poder afirmar que milorde apenas pensava em me ajudar. — Lilith pôs as mãos na cintura.

— Mas eu não lhe pedi para tirar a roupa dele nem para deixá-lo com uma garrafa de bebida barata na mão! Ora, Dolph tem certeza de que o tio não tiraria a roupa. Em quem poderia recair a suspeita?

— A raiva diminuiu. — E, por causa desse maldito brinco, comecei a suspeitar que

Dolph tem algo a ver com a morte do velho duque. Se ele quisesse realmente esclarecer o episódio, não teria usado a jóia para me coagir. Por isso vim até aqui.

Jack ficou alguns minutos em silêncio.— Para me avisar?Lilith concordou com um movimento de cabeça.— E também porque não achei ninguém mais que pudesse me

ajudar.— Ajudá-la? Eu? — O marquês cruzou os braços e encostou-se à

parede. Sob o cinismo e o desdém, a jovem viu a esperança. — Minha querida, não lhe disseram que não ajudo as pessoas?

Brinco com elas, divirto-me e, se me convém, eu as arruíno.— Devo dizer-lhe, lorde Dansbury, que está errado a respeito de

si mesmo. Milorde poderia ter acabado com a especulação sobre o caso dizendo que encontrou o duque morto em cima de mim.

— Eu já afirmei que o incidente me divertiu. — Jack fitou Lilith. — Que tal fazermos uma troca, Srta. Benton?— Que tipo de troca?— Proponho ajudá-la a livrar-se de Dolph Remdale, se concordar

em passar comigo uma noite.Lilith prendeu a respiração. Randolph a ameaçara com o mesmo

propósito e ela havia se sentido enojada. Se alguém a tivesse visto no portão de Jack naquela noite, estaria desgraçada para sempre. Entretanto, nada disso a amedrontava. Pelo contrário. Mal continha o sentimento de ansiedade. E isso acontecera desde o primeiro

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momento em que o havia visto. Ansiava por sua atenção, pelo som de sua voz e pelo toque de suas mãos. Jack Faraday representava tudo o que estava fora de seu alcance. A liberdade e a pouca importância dos próprios atos diante da opinião alheia.

— Qual a sua resposta, Lil? — O tom cínico da voz persistia. — A senhorita poderia voltar para casa antes que...— Concordo — ela falou com voz trêmula.— Como é?— Concordo com a sua proposta. Jack foi até a janela.— Pobrezinha — ele murmurou. — Deve estar desesperada. Vá para casa. Falarei com William

amanhã cedo e veremos o que poderá ser feito.— Mas eu aceitei...— Eu apenas desejava saber qual seria sua resposta, Srta.

Benton. Não sou esse monstro que imagina que eu seja. — Jack se virou para Lilith.

— Creio que estou começando a invejar os homens ditos respeitáveis.

Eles pelo menos podem dançar com a senhorita.— Meu pai ficou irado comigo esta noite e, sem querer,

mencionou saber que Wenford iria procurar-me naquela manhã para tentar... persuadir-me a casar com ele. De uma maneira que me impediria de recusar.

— Ele planejou deixá-la sozinha com aquele pervertido? — Jack ficou abismado.

Lilith viera procurá-lo no meio da noite. Se Jack não a ajudasse, ela não teria a quem recorrer.

— Meu pai queria um casamento respeitável para a família. Não importava que, para isso, a filha tivesse de ser violada. Como pode ver, homens respeitáveis se transformaram em vilões para garantir os próprios interesses. Não foi o que ocorreu com milorde.

— Lilith...Jack adiantou-se e limpou as lágrimas do rosto dela. Lilith fechou

os olhos e ergueu a cabeça. Ele lhe beijou as pálpebras e depois os lábios com suavidade. A jovem correspondeu ao beijo que se tornou mais intenso. Lilith gemeu pela sensualidade que Jack imprimiu ao ato.

De repente, ele a afastou.— Pelo amor de Deus, Lilith, vá embora. Volte para sua casa

onde estará segura.— Ficarei mais protegida aqui — disse, tocando-lhe os lábios. — Beije-me novamente.— Lil, eu desejo muito mais do que um beijo. — Jack abraçou-a

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com força.Independentemente das conseqüências, Lilith ansiava para que

ele fosse o primeiro em sua vida. Mesmo se a motivação do marquês fosse apenas desejo, e não o amor que ela começava a sentir.

— Eu sei, Jack.— Eu não chegaria ao extremo de adverti-la sobre a tolice que

está cometendo — sussurrou e levantou-a nos braços. — Creio que será melhor evitarmos o sofá.

No colo de Jack, Lilith abriu a porta e sufocou um grito de susto.O mordomo estava no corredor e carregava um par de can-

delabros de bronze.— Onde deixo estes, milorde? — Ele ergueu uma sobrancelha.— Junto com os outros.— Jack. — Lilith escondeu o rosto no ombro de Dansbury,

envergonhada.— Peese, diga a todos que podem dormir — falou sem se alterar.— Com prazer, milorde. — O mordomo fitou a jovem com

curiosidade e desapareceu.— Jack, será que ele...— Peese é confiável. — Beijou-a enquanto subiam a escada.Entraram nos aposentos de Dansbury. O acolchoado estava com

a beira virada e as chamas brilhavam na lareira. Nada que lembrasse um covil de perversidades. Aliás, o marquês era muito diferente de tudo o que Lilith imaginara.

Ele a deixou em pé diante das chamas e beijou-a novamente. Dos lábios, passou ao queixo e ao pescoço. Mordiscou-lhe o lóbulo da orelha e Lilith gemeu. Então, acariciou-lhe a nuca e soltou-lhe as trancas. Desmanchou-as devagar e beijou-lhe a outra orelha. Lilith estremeceu, sentindo um calor inesperado.

— Eu tinha certeza de que encontraria uma jovem sensual — Jack sussurrou.Ela arfava, com o coração disparado.— Esta noite é sua, Lil. Poderá fazer o que quiser.Ao ser envolvida pela cintura, ela sentiu o desejo de Jack e não

conteve outro gemido.Lilith imaginou que não suportaria o ímpeto da sedução quando

ele começou a soltar os botões da parte traseira do corpete com movimentos lentos. Jack veio para a frente e desceu-lhe o vestido pelos ombros. Ela ficou parada no meio da lagoa de tecidos amontoados no chão.

Mesmo diante das chamas, Lilith estremeceu. O marquês

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acariciou-lhe os ombros sob o tecido fino da camisa.— Está com frio?— Não. Estou sentindo calor. Jack deu uma risada.— Eu também, para ser sincero.A camisa teve o mesmo destino do vestido e a jovem sufocou um

grito. Somente sua criada a vira despida. De maneira inconsciente, cobriu o que pôde com as mãos. Ele se manteve extasiado e analisou-a da cabeça aos pés.

— Simplesmente gloriosa — murmurou.E era como Lilith se sentia. Trêmula, dividida entre o desejo e o pavor, mas muito bela. Com

o olhar fixo no da jovem, Jack acariciou-a suave e sensualmente. Ela imaginou por quanto tempo ainda conseguiria evitar que os joelhos se dobrassem.

Os locais onde Jack encostava criavam vida e Lilith passou a perceber os sopros de ar que tocavam sua pele.

— Jack, por favor — ela gemeu.— Sim, Lilith? — Abraçou e beijou-a com ardor. A bela jovem não sabia

exatamente o que dizer.— Quero ficar a seu lado.— Não tema. Permaneceremos juntos.O marquês pediu que Lilith o ajudasse a tirar as roupas e, quando

ela o viu despido, admirou-se.— Milorde é ainda mais belo do que a estátua de Davi —

sussurrou.Ele tornou a erguê-la no colo. Lilith sentiu as batidas aceleradas

do coração do marquês de encontro ao seu. Com cuidado, deitou-a na cama e em seguida ela sentiu mãos fortes deslizarem sobre seus seios, o estômago e então mais abaixo... Enquanto os dedos de Jack moviam-se entre as pernas bem torneadas da jovem, ela arfava de prazer. Ele a cobriu com o próprio corpo e voltou a beijá-la de forma arrebatadora. Completamente inebriada, Lilith deixou suas mãos passearem pelos músculos rijos das costas e depois das nádegas de Jack.

Inclinando-se um pouco para o lado, ele afastou as pernas delicadas com um movimento suave para então se posicionar entre elas. A jovem fitou aqueles olhos escuros que pareciam mergulhar em sua intimidade e adivinhar o que lhe ia na alma.

Ele voltou a beijá-la e ao mesmo tempo a penetrou calma e cuidadosamente.

— Jack... Lilith apenas sussurrou, extasiada.— Eu não irei machucá-la. Prometo...Então, entregaram-se ao prazer que os consumia sem restrições.

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Aos poucos, as investidas de Jack tornavam-se mais vigorosas. Instintivamente, Lilith envolveu os quadris viris com as pernas, deleitando-se com as sensações jamais imaginadas. Em resposta, ele acelerou os movimentos até atingirem o clímax.

Momentos depois, Jack voltou a beijá-la com suavidade no ombro e no lóbulo da orelha.

Subitamente, ele se deu conta de que o peso do próprio corpo poderia incomodar Lilith e deitou-se de lado, abraçando-a pela cintura com emoção.

— Lil, ninguém tem o direito de chamá-la de Rainha do Gelo.Ela se aconchegou a Jack e, nesse instante, escutou um relógio

soar quatro horas. Teria de juntar suas roupas, vestir-se e ir para casa. De volta para

o pesadelo.Eu o amo, Jack Faraday.Feliz como nunca, Lilith suspirou e fechou os olhos.Havia alguma coisa diferente. O marquês pensava nisso desde

que Lilith adormecera em seus braços. Apoiado sobre o cotovelo, ele a olhava, encantado. Os cabelos longos, negros e ondulados por causa das trancas recém-desfeitas espalhavam-se no travesseiro como um halo escuro. Sem querer despertá-la, inclinou-se e beijou-a levemente no rosto.

Jack admitiu que havia alguns anos não se preocupava com os sentimentos alheios. Não era a primeira vez que se deitava com donzelas. Elas sempre se mostravam desajeitadas, nervosas e pouco compensadoras pelas lágrimas e crises de histeria que se seguiam invariavelmente. O estranho era que ele mesmo sentia um certo desprezo pelas incautas que cediam a um homem que não se importava com elas.

Suspirou quando Lilith se mexeu. Desde que a tinha visto no começo da temporada, pensara nela em sua cama. Havia dito a si mesmo que fora por ter sido rejeitado e que a Rainha do Gelo merecia uma lição. O objetivo tinha sido alcançado, com um resultado completamente diferente do esperado. A reação apaixonada de Lilith e dele mesmo o deixara com a impressão de serum estudante deslumbrado. Ele ainda a desejava. E não apenas isso. Almejava protegê-la, evitar que sofresse, vê-la sorrir e escutar aquele riso sonoro.

O carrilhão do hall soou um quarto de hora. Jack franziu o cenho. Seria um escândalo em Londres, se alguém soubesse que Lilith Benton havia passado a noite na casa de Jack Faraday.

— Lilith? — ele murmurou e afastou-lhe uma mecha de cabelos do rosto.

Ela suspirou e sorriu, pressionando as costas no peito de Jack. De

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repente, sentou-se com um grito.— Oh, meu Deus! — exclamou e fitou-o, apavorada.Jack também se sentou e refletiu se ela pretendia dar uma

demonstração de histeria.— Não, sou apenas Jack Faraday e não costumamos ser

confundidos — ele tentou fazer graça, mas Lilith não sorriu.— Que horas são? — Ela saiu da cama e agarrou as roupas

largadas perto da lareira já quase apagada.Jack admirou-lhe a silhueta e recostou-se na cabeceira.

Apavorada, Lilith corria de um lado a outro como uma donzela de comédia burlesca.

— Quinze para as seis.— Oh, não! — ela gritou, tentando enfiar a camisa. — Estraguei tudo!Dansbury fitou-a com curiosidade.— Preocupada em ofender Dolph? — perguntou, sem demonstrar o surto de ciúme e ódio que o

invadia.Aquela loucura começava a tornar-se muito séria e preocupante.

Pensar em Lilith ser tocada por outro homem qualquer, e principalmente por Dolph, era suficiente para cegá-lo de fúria.

A jovem encontrava dificuldade em vestir o traje de gala. Lágrimas escorriam-lhe pelo rosto enquanto puxava para cima a manga curta e bufante.

— Sou igual a ela... — soluçava, inflamada. — Como pude fazer uma coisa dessas?

— Está falando de sua mãe? — Jack indagou sem se exaltar. Levantou-se, pegou o roupão dobrado sobre o encosto de uma cadeira, vestiu-o e aproximou-se de Lilith.

— Não faça isso consigo mesma. — Ajudou-a a enfiar a outra manga.

— Cometi a mesma estupidez — ela murmurou com amargura. — Agora todos pagarão por isso, como já aconteceu antes.— Que absurdo. — Jack soltou-lhe os cabelos por cima dos

ombros. — Tenho vários adjetivos para descrever o que fizemos. E

estupidez não é um deles. — Ele fechou a parte de trás do corpete. — Seu pai não tinha o

direito de fazê-la pagar pelos atos de sua mãe. E Dolph Remdale não passa de um grande imbecil.

— Isso não importa. Eu fiz um acordo.— Fez? Parece que não lhe foi dada nenhuma oportunidade de

opinar. Não se tratou de acordo, mas sim de imposição.

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Lilith virou-se e fitou-o. A expressão apavorada transformou-se. Uma ânsia inconfundível suavizou o rosto bonito.

— Jack... — Lilith sussurrou.Dansbury imaginou como poderia evitar que ela sofresse. Admitiu

que era desacreditado pela sociedade londrina. Mas aquilo poderia ser modificado. Possuía um título elevado de nobreza. Engoliu em seco diante da enormidade do problema que pensava resolver.

— Lil, eu...— Por favor, prometa não dizer nada — interrompeu-o, tocando-o

no coração por cima do robe. Não percebeu o tremor resultante da carícia. — Ainda é cedo. Se eu pudesse voltar...

— A jovem mais respeitável e recatada de Londres nos braços do canalha mais notório?

— Jack ironizou para Lilith não ter idéia do quanto o ferira. Na certa, ela estava envergonhada. — Quem acreditaria em mim?

O marquês ergueu-lhe o queixo para secar a face úmida de lágrimas. Inclinou a cabeça e beijou-lhe os lábios. Lilith cor-respondeu intensamente. Abraçou-o e pressionou-se de encontro a ele. Parecia que os dois haviam sido destinados a ficar juntos. Eram arrastados por uma força poderosa além do bom senso e da razão. Se aquela era uma punição pelos erros passados, Jack se alegraria em pagar por ela.

— Eu acredito — Lilith afirmou, convicta e com um sorriso. — Milorde não é tão terrível como os outros dizem.— Nesse caso, pode responder-me duas perguntas? — Entregou-lhe uma das presilhas de cabelo e foi até o quarto de

vestir.— Depende. — Ela podia ter medo do escândalo, mas tinha

coração forte.— Acredita que Dolph matou o tio? — Jack procurou uma camisa,

uma calça e olhou pela porta, aguardando a resposta.Ela fitava o fogo que se extinguia.— Creio que ele pode ter feito isso. — Lilith virou-se para o

marquês. — Qual é a segunda pergunta?— O que pretende fazer a respeito, Lil?— Não entendi o significado da questão.Jack vestiu a calça, tirou o roupão e enfiou a camisa.— Pretende ignorar o que sabe e casar-se com um bastardo

assassino ou modificará a situação? — Não conseguiu disfarçar o ciúme que sentia e notou que ela o olhava com certa especulação. — Essa decisão não deve ser tomada de imediato. Porém, seria interessante que pensasse nisso antes que eu vá para a forca.

Jack arrependeu-se imediatamente do que acabara de dizer. Lilith

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se lembraria de que falavam dele como um assassino. Cerrou os dentes ao lembrar-se da bela Genevieve. A ruiva deslumbrante que havia tentado fazê-lo mudar para o lado de Napoleão em troca de um saco de ouro.

O relógio soou de novo e Dansbury apanhou o colete.— Vou levá-la para casa.A despeito de ser muito cedo, Peese já estava pronto e os

aguardava no saguão.— Tomei a liberdade de pedir uma carruagem de aluguel — o

mordomo anunciou e entregou a Jack a capa com capuz com que Lilith viera.

O marquês fitou o mordomo. Mal tinha tocado no nome de Lilith Benton. Assim mesmo, Martin e Peese sentiam que ela não se tratava de uma personagem típica de final de noitada.

— Obrigado, Peese. — Jack ajudou Lilith a vestir o agasalho.— Aluguel? — Ela franziu a testa para o mordomo. Peese ajudou

Jack a vestir o sobretudo.— Sem o emblema Dansbury na porta. Vamos?A carruagem foi por Grosvenor Street rumo a Savile Row, fazendo

um barulho excessivo no silêncio da manhã. Não conversaram durante o trajeto. Muitas coisas haviam acontecido e teriam de ser decifradas.

Jack instruiu o cocheiro a parar na esquina anterior à Mansão Benton. Lilith, distraída, assustou-se quando o veículo deu um tranco e parou.

— Não precisa me acompanhar — avisou-o quando ele se levantou e abriu a porta.

— Sou muito eficiente em esgueirar-me. — Jack queria apenas prolongar o encontro.

Ele se inclinou para fora da porta e estudou a rua coberta pelo nevoeiro. Não viu ninguém. Desceu e estendeu a mão para ajudar Lilith a sair. Apressaram-se pela travessa e passaram por uma abertura na sebe do jardim. A estrebaria estava silenciosa. A única luz da casa vinha da janela da cozinha.

— Foi por ali que saiu? — Jack apontou a treliça coberta de rosas que alcançava o teto,

ao lado da janela dos aposentos de Lilith.— Ficou louco? — sussurrou. — Saí pela porta de serviço. Creio que poderei voltar pelo mesmo

caminho.— A treliça seria mais segura, se não deseja encontrar ninguém.— As roseiras têm muitos espinhos. — Lilith sorriu, exasperada. — Eu agradeço por haver me trazido.

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Jack deu um passo adiante.— Isso é tudo?— Eu... — Encarou-o. Seu olhar cor de esmeralda refletiu o desejo

e a paixão daquela noite. — Será preferível que nos separemos.Ele empurrou para trás o capuz de Lilith, segurou-lhe o rosto

entre as mãos e tocou-lhe suavemente os lábios com os seus.— Por enquanto. Creio que não estou pronto para desistir de Lilith

Benton.— Jack...Ele a silenciou com um dedo. Não queria ouvi-la protestar nem

afirmar que jamais poderiam ficar juntos porque era um patife irregenerável.

— Eu a verei em breve. — Tornou a beijá-la.A resposta deixou-o esperançoso de que Lilith também não

desejasse terminar por ali.— Queiram desculpar-me.Jack, por instinto, interpôs-se entre a voz e Lilith. O cavalariço dos

Benton estava ao lado de um canteiro de gerânios, com expressão curiosa.

— Milgrew — Dansbury cumprimentou-o, mas não largou a mão da jovem.

— Uma bela manhã para um passeio.— Sim, milorde. — Milgrew olhava de um para outro, procurando

entender. — Um pouco fria. Eu pensava em ir à cozinha tomar um pouco de

chá. Talvez a Srta. Lilith preferisse acompanhar-me... para ter certeza de que certas pessoas... ainda não acordaram.

Jack descontraiu-se e sorriu.— Excelente idéia. Agradecemos muito.— Obrigada, Milgrew — Lilith reforçou o agradecimento e virou-

se para Jack. — Tenho de ir.— Cuide-se. — O marquês relutou em soltar-lhe a mão. — Procure

ficar afastada de Dolph, se puder. Até descobrirmos alguma coisa. Ou até a senhorita tomar uma decisão.

— Tentarei.Jack contemplou Lilith e Milgrew entrarem na casa pela porta dos

fundos. Saiu do jardim e voltou ao coche.— Pode voltar por onde viemos — informou ao cocheiro.Dansbury nem notou quando o veículo arrancou. Lilith

provavelmente faria tudo para esquecer a noite que passaram juntos. Jack, por sua vez, jamais esqueceria o que havia acontecido entre eles.

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Seria uma completa idiotice negar que estava apaixonado por Lilith Benton. Provavelmente isso ocorrera quando a havia visto pela primeira vez. Lilith tinha sido a única mulher que o fizera recordar-se de que possuía qualidades como decência e bom coração, embora as renegasse com firmeza.

E a srta. Benton não poderia lhe pertencer.Mesmo assim, era impossível negar que ele não lhe fora

indiferente. Lilith havia tentado esconder os sentimentos naquela manhã, mas não o entusiasmo da madrugada passada. Jack admitiu que preferia ser amaldiçoado a deixar que Dolph ou algum daqueles janotas estúpidos encostassem um dedo em Lilith.

Ela teria de ser sua. E para sempre.Com esse objetivo, duas tarefas o aguardavam. Descobrir o que

matara Geoffrey Remdale. E, antes que a Coroa confiscasse seus bens e o desterrasse para a Austrália, teria de provar que Dolph havia sido o culpado.

O marquês estava consciente do que pensavam dele. Isso não o preocupava, embora não o divertisse. Jack Faraday adorava desafios. O maior deles seria dar uma guinada em sua vida por causa da jovem mais respeitável de Londres. E teria de ser o vencedor.

Lilith se tornava perita em engodos e subterfúgios, esquemas aos quais não estava acostumada.

Continuava a afirmar que sentia apenas desdém por Jack Faraday. Naquela manhã, dissera uma mentira que lamentava. Que seria preciso afastar-se de Dansbury. Não podia negar que seria o passo mais acertado para o bem de sua família. Mas não era o que seu coração desejava fazer. Gostaria de ter corrido para os braços de Jack e fugido com ele na carruagem.

Enganar tornava-se mais fácil. Mentiu para Emily que veio ajudá-la a preparar-se para o café. Explicou estar na biblioteca na hora de dormir. Para a tia preocupada, alegou estar ansiosa para casar-se com o duque de Wenford. Fingiu não se sentir traída nem estar furiosa com o pai. Concordou quando o visconde afirmou que o marquês de Dansbury era um maldito patife e que seu enforcamento seria um grande benefício para a humanidade. Enquanto se mostrava agradável, cooperativa e mentirosa, pensava em Jack.

A noite passada havia sido um grande erro. A maior tolice que já cometera. E a mais maravilhosa. Tia Eugenia insistiu para irem imediatamente escolher o vestido de noiva mais deslumbrante da história. E sempre com o pensamento em Jack, Lilith foi à loja de madame Belieu e perdeu-se entre modelos e tecidos que não via. Respondia quando perguntavam duas ou três vezes a mesma coisa.

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Estava com Jack na mente e no coração. Sentia seu toque, escutava sua voz. Almejava coisas impossíveis. Tinha esperança de que ele conseguisse uma maneira de tirá-la daquela confusão.

Teria passado o dia sonhando se Penélope e lady Sanford não resolvessem lhe fazer companhia em um passeio pelo Hyde Park ao lado da entusiasmada tia Eugenia.

— Está parecendo mais feliz hoje do que ontem à noite. — Pen passou o braço no da amiga.— E estou. — Lilith gostaria de poder revelar a Pen o motivo de

sua felicidade.— Eu me alegro com isso, Lil. Fiquei muito preocupada ao notar

seu aborrecimento no baile.— Creio que eu estava com medo.Entender o pouco que ela representava ao pai e a Dolph a fizera

voar em direção aos braços do homem que lhe parecia sinceramente interessado. Tinha sido uma escolha arriscada. Porém, Jack Faraday não a desapontara.

Pen olhou ao redor. Queria certificar-se de que tia Eugenia e lady Sanford não poderiam escutá-la.

— Tem notícias de lorde Dansbury?— E por que eu deveria ter?— Lilith, depois de sair pela biblioteca de minha casa para vê-lo,

voltou rindo à toa. Por que fingir para mim que não gosta dele? Não direi a ninguém.

— Pen apertou-lhe o braço. — Gosta dele não é?Lilith suspirou e encostou a cabeça na de Penélope.— Pior de que isso, Pen.— Pior? — Penélope assustou-se. — Como assim?— Eu o amo, Pen. A amiga sorriu.— Ah, Lil, que marav... — Pen se deteve e franziu a testa. — Mas isso é terrível. Está noiva de Sua Alteza!— Eu sei. — Lilith arrepiou-se. — E, mesmo que eu não estivesse,

papai nunca me deixaria casar com Jack. Nem mesmo se o marquês quisesse.

— Ele quer se casar? Ele a ama?— Não sei. Algumas vezes acho que sim. — Lilith corou ao

lembrar-se da paixão que haviam partilhado. — Em outras, não tenho idéia do que se passa em sua mente nem em seu coração. Ora, isso não importa. Nada será possível entre nós dois.

Penélope abaixou a cabeça e chutou uma pedrinha da rua.— Então vai mesmo se casar com Dolph Remdale.— Pen, eu não quero me casar com ele, mas não tenho

alternativa! O casamento já foi anunciado!— Bem, poderia fugir com lorde Dansbury — Penélope propôs

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com firmeza.— E viver para sempre em desgraça na Escócia ou na América? — Lilith procurou ignorar a excitação pela idéia da amiga.— Pelo menos seria feliz.Lilith abriu a boca para responder e desistiu. Lembrou-se de sua

mãe, linda e indomável. Naquele dia, ela parecera muito triste sentada na saleta de estar, olhando pela janela. Lilith lhe perguntou o que havia ocorrido. A mãe sorrira e tinha negado qualquer problema. Isso acontecera um mês antes de lady Hamble fugir com o conde de Greyton.

Pela primeira vez, Lilith imaginou os verdadeiros motivos da fuga de Elizabeth Benton.

Sangue ruim, o pai dizia continuamente. Lilith nunca questionara a afirmativa, pois tinha se sentido abandonada. Naquela altura lhe ocorria uma verdade. Se sua mãe fosse feliz, não teria corrido para os braços de outro homem. Se Lilith Benton amasse Dolph Remdale, não teria ido atrás do marquês de Dansbury e direto para sua cama.

— Lilith, no que está pensando?— No que as pessoas fazem à procura da felicidade, Pen. — Suspirou e deu um sorriso triste. — Mesmo que seja por pouco tempo.

Capítulo X

Jack fitou o relógio de bolso, o céu nebuloso e a silhueta ajoe-lhada além do baixo muro de pedras, escondido por uma fileira de arbustos. Estava aborrecido e irritado. Precisava controlar-se. Com calma e frieza poderia ter algum sucesso em seu objetivo.

Espiou de novo o relógio, fechou-o com um estalo, guardou-o no bolso do colete e aproximou-se do portão.

— Tirando ervas daninhas? — Jack inclinou-se sobre o portão de madeira.

Richard Hutton olhou-o, levantou-se e tirou a terra de sua calça larga de jardinagem.

— Plantando rosas. — O cunhado pegou um dos ramos que estavam no balde com água e deu alguns passos para enterrá-lo em outra cova.

— Rosas de Lilith Benton?

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— Sim. Tem algum motivo para ter vindo até aqui?Jack respirou fundo. Era preciso conter a irritação. Discutir não

levaria a nada.— Sim, tenho, mas isso não fará com que me aprecie mais.— Então é melhor ir embora.Dansbury negou com um gesto de cabeça, desgostoso pela raiva

ainda presente na voz de Richard após cinco anos.— Para mim também não é fácil. Fiquei andando de um lado a

outro neste frio, esperando até Bea entrar, só para que ela não me visse.

— Estou comovido... — Hutton desistiu de continuar com a ironia e olhou a casa de esguelha. Levantou-se e encostou-se à parede. — Do que se trata?

Jack hesitou, abriu o portão e aproximou-se do cunhado.— Estou em apuros.— Eu sei.— Se puder escutar-me, gostaria de discutir o assunto.—Alison apostou que milorde viria falar comigo — Richard disse,

tirou as luvas grossas e deixou-as em cima da mureta.— Considerei a expectativa muito ingênua e otimista. Estou

escutando.Dansbury ficou alguns minutos em silêncio, à procura de palavras

que pudessem ser menos chocantes. Infelizmente não as encontrou.

— Fui eu quem levou Wenford para a adega.— Milorde o quê!? — Richard engasgou e empalideceu.— Tirei a roupa dele e pus a garrafa de vinho em sua mão.— Misericórdia Divina! — Richard tornou a olhar para a casa.

Queria certificar-se de que não eram ouvidos nem vistos.— Por acaso também o matou?Jack encarou o cunhado e negou com um gesto de cabeça.— Não, mas suponho que eu mereça que pensem isso de mim.

Permita-me explicar o que houve.— Por favor, faça-o com urgência.— Dolph Remdale perdeu para mim em um jogo de dados. Sem

dinheiro para pagar, ofereceu-me um alfinete de gravata de diamante. Aceitei a jóia, mas suspeitei que não fosse dele. E tive certeza quando Wenford me viu com a peça.

— Há vários dias ouvi comentários sobre essa discussão. Milorde poderia ter tentado resolver a pendência sem grandes atritos.

Jack encolheu os ombros.— Dolph veio procurar-me na manhã seguinte. Após alguns

insultos, ele reouve o alfinete e jurou arruinar-me. Eu o provoquei para que ele me desafiasse para um duelo. O covarde não mordeu

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a isca.— Ele foi esperto, considerando seu histórico e o futuro dele

como duque de Wenford.— Foi o que imaginei. Uma noite mais tarde, no White's, Wenford

tentou fazer as pazes. Ainda com raiva de Sua Alteza, não quis lhe apertar a mão e ofereci-lhe uma garrafa de vinho do Porto de meu estoque. Na manhã seguinte, fui até a mansão dos Benton. Eu... havia deixado minhas luvas lá. Wenford tinha chegado na minha frente para visitar Lilith. E morreu enquanto fazia a proposta de casamento.

Jack esperava que Richard aceitasse a história um pouco amenizada. No passado, o marquês teria se divertido muito em relatar o incidente sórdido. Mas era impossível pensar nisso quando Lilith estava envolvida na história.

— E, por um motivo inteiramente plausível, milorde não comunicou o caso às autoridades nem me informou.

— Lil estava em casa sozinha. Fiquei confuso e decidi salvá-la do escândalo que a morte de Wenford poderia causar-lhe.

— Observou lorde Hutton de esguelha. — Como nós dois não conversávamos, nem me passou pela

cabeça vir até aqui.— Ah.— Por isso, encarreguei-me do defunto e resolvi fazer com que

Londres inteira discutisse o assunto.— Posso fazer-lhe uma pergunta? Jack anuiu.— Se nós não estamos conversando, por que veio procurar-me?Dansbury estava acostumado a resolver os próprios problemas.

Desabafar para o cunhado era uma tarefa muito difícil. Respirou fundo. Era sua primeira, última, melhor e única oportunidade para ficar com Lilith.

— Virn pedir sua ajuda, Richard.— Pretende matar mais um nobre e precisa de outra adega? Jack

teve dificuldade para ignorar o sarcasmo do cunhado.— Enquanto arrastávamos Wenford para fora da casa dos Benton,

Lil deixou cair um brinco. Dolph encontrou-o na adega, sob o cadáver do tio.

— Não ouvi falar nada disso.— Dolph mostrou-o apenas para Lilith, a fim de forçá-laa casar com ele. O que me parece estranho é um homem pre-

tender levantar a hipótese de assassinato do tio e esconder a única prova que poderia ser usada para incriminar-me.

A garrafa de vinho.— Não entendi.— A garrafa que pus na mão de Wenford na adega não foi a

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mesma que dei a ele no White's.— E...— Quando entrei no gabinete de Sua Alteza, na noite anterior à

descoberta do corpo, a garrafa de vinho do Porto não estava lá. Creio que Wenford não voltou para casa no intervalo entre a saída do White's e a visita a Lilith. Ele deve ter se encontrado com o sobrinho. Pode tê-lo informado de que pretendia casar-se com Lilith e ter um herdeiro. E que também não pagaria mais suas dívidas de jogo.

— Milorde entrou... — Richard sacudiu a cabeça. — Não me conte mais nada. Não quero saber. — Virou nas mãos a pequena enxada. — Acha que Dolph matou Wenford?— Acho.Richard respirou fundo.— Será a palavra de Randolph contra a sua. E a história de vida

de milorde não o recomenda muito.— Quanta gentileza. Estou ciente disso, Richard. Por acaso não

lhe ocorre nenhuma idéia mais brilhante?— Considerando o que escutei esta manhã, creio que nada há

para se fazer.— E o que foi que ouviu dizer?— Que o vinho do Porto restante foi testado em ratos. Todos

morreram.— Dolph deve ter posto arsênico na garrafa que dei a Wenford!

Isso é óbvio!— Óbvio para milorde. Para os outros, Jack Dansbury não passa

de um canalha que já matou uma mulher. Por que mais uma pessoa não poderia fazer parte da lista já iniciada? Principalmente uma que já lhe roubou um pedaço de terra?

Jack fitou as roseiras e não respondeu.— A Srta. Benton poderia testemunhar e dizer que Wenford

morreu diante dela em horário impróprio.— Não — Jack negou com firmeza.— Por que não?— Ela odeia escândalos.Dansbury não ajudara nada deixando Wenford desnudo, embora

não estivesse arrependido de tê-lo feito.— Jack, o caso se tornou muito sério. A garrafa continha veneno e

muitos o viram entregar o vinho ao duque. A garrafa pode nem ser a mesma, mas é idêntica. Milorde pode ir a julgamento por isso e as circunstâncias do ocorrido viriam à tona de qualquer maneira.

— Não, não posso envolver Lilith.— Prefere o desterro para a Austrália como criminoso? Sabe

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muito bem que Prinny está atrás de sua propriedade há anos. Ela é mais próxima de Londres do que Brighton e seria bem mais econômico convertê-la em um palácio de prazer, como diz Sua Alteza Real.

— Sei disso. Porém, prefiro perder Dansbury a não cumprir a promessa feita à Srta. Benton.

— Era surpreendente. Ele preferia morrer a fazer Lilith sofrer.— Entendo. — Richard sorriu de maneira agradável. — Então se encontra em situação difícil, não é?Jack sentiu-se pouco à vontade. Amar era uma novidade preciosa

e não pretendia discuti-la com ninguém.— Bastante.— Devo mais dez libras a Alison. Ela disse que milorde estava

perturbado por causa da srta. Benton.— Isso é bobagem. Bem, voltemos ao que interessa. Como posso

livrar-me do problema sem envolver Lil?— A Srta. Benton conhece seu passado?— Ela sabe que matei uma mulher.— Mas que droga, Dansbury! Por que não me diz de uma vez o

que aconteceu naquela noite?Pela primeira vez desde a tragédia, Jack achou que Richard

deveria saber da verdade.— Depois de elaborarmos um plano. Lorde Hutton levantou as

mãos.— Está bem. É simples. Teremos de fazer Dolph confessar que

matou o tio para ficar com a herança. Com exceção disso, creio que não haverá escapatória.

— Foi o que pensei. Muito agradecido. Um bom dia.

— Jack não estendeu a mão por imaginar que o cunhado não a aceitaria, foi até o portão e virou-se.

— Por que resolveu falar comigo hoje, Richard?— No aniversário de Bea, eu o vi conversando com a srta. Benton.

As boas facetas de seu caráter voltavam à tona. Eu não as via fazia cinco anos e até esquecera que existiam.

Jack anuiu e hesitou. Lilith dava muita importância à família e pareceu-lhe uma tolice ele mal falar com a sua. Embora lhe custasse admitir, sentia falta deles e havia ocasiões em que não lhe agradava a solidão.

— Richard, naquele dia... na França... quando entrei no quarto do hotel para prender Genevieve, ela ficou fora de si. Começou a gritar, agarrou uma faca e veio atrás de mim. Tentei empurrá-la e tirar o punhal de suas mãos. Genevieve não parava de gritar "assassino maldito". Ela fez um escândalo. Tive receio de que os

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dois soldados que estavam com ela pudessem entrar a qualquer momento.

— Por isso a esfaqueou.— Eu quase fui enforcado da primeira vez em que ela nos traiu. E eu não sabia de seu paradeiro, Richard. Não pude arriscar a

deixá-la fugir...— Por que não me disse que não se tratou apenas de vingança?— Milorde não me deu oportunidade de falar.— Sim, suponho que não. — Richard suspirou ao recordar-se. — Sangue por toda parte. Nas suas roupas, no seu rosto e

cobrindo a bela Genevieve. Soldados subindo a escadaria dos fundos.

— Mas teve tempo de chamar-me de assassino. Éramos amigos, Richard. Depois de tudo o que havíamos enfrentado juntos... sofri muito com sua acusação de que eu a matara e, ainda por cima, por vingança. Mais tarde meu orgulho impediu-me de lhe contar o que houve.

— Jack...Dansbury abriu o portão.— Creio que estava certo Richard. Sou um assassino. Eu deveria

ter encontrado outra maneira de impedi-la de agir, sem ter de matar.

Richard não respondeu. Fitou o cunhado subir em Benedick e afastar-se.

A tarefa seguinte também foi difícil, mas necessária. Jack demorou algum tempo para encontrar William. E o fez em uma das mais caras joalherias de Londres.

— Jack, o que o traz aqui? — William não demonstrou entusiasmo quando Dansbury bateu-lhe amigavelmente nas costas. Pôs um colar de diamantes na caixa de veludo e devolveu tudo ao vendedor. — Não imaginava vê-lo mais. Esta manhã meu pai passou meia hora fazendo um sermão sobre a necessidade de evitar o marquês de Dansbury. E a coitada da Lil está muito preocupada por ter de casar-se com aquele Wenford enfadonho.

Jack pensou no colar que valia, no mínimo, mil libras.— Eu o tenho negligenciado, meu amigo. Pretendo corrigir-me.

Iremos ao Society esta noite.— Estarei ocupado, Jack.O marquês abraçou o rapaz pelos ombros e levou-o até a porta.— William, posso fazer-lhe uma pergunta?— Estou muito atarefado. Talvez pudéssemos...— William, teve algum outro relacionamento a não ser com

Antonia? — Jack fez a pergunta de modo casual.

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— Claro. — O rapaz corou, indignado. — Não tive tantas conquistas quanto milorde, mas... Afinal, o que milorde tem a ver com isso?

— Quando não se está habituado, a intimidade tende a confundir o coração das pessoas. Conheci muitos jovens, embora menos inteligentes do que este meu amigo, que interpretaram o desejo como amor na primeira vez em que se deitaram com uma garota. É preciso ter certeza do que está pretendendo fazer.

William desvencilhou-se com raiva e arrumou o paletó.— Dansbury, sei o que está pretendendo fazer. Não sou nenhum

idiota, embora não seja membro de metade dos clubes da cidade. Pelo menos ainda posso freqüentá-los.

Jack não se abalou.— Farei vista grossa a isso, pois prezo sua irmã. Se pretende

continuar meu amigo, sugiro que abra os olhos.William engoliu em seco.— Jack, eu amo Antonia e pedirei a ela que se case comigo. Quer

isso agrade ou não a milorde.

— Não estou lhe dizendo para não se casar. Quero que se inteire do verdadeiro caráter de Antonia. Responda-me, alguma vez já discutiu com ela?

— Não. — William orgulhou-se. — Concordamos em tudo. Fomos feitos um para o outro!

— Por acaso já viu duas pessoas que se conhecem bem e que não discutam?

— Na verdade...— Aposto mil libras que não conseguirá fazer Antonia discordar

de uma opinião sua.— E o que isso prova?— Nada em particular. Será um belo presente, se ganhar a

aposta.— Eu poderia mentir e dizer que discutimos.— Sei que não faria isso. Sua índole é a mesma de sua irmã.William sorriu, fitou a jóia ainda sobre o balcão e olhou de novo

para Jack.— Quando eu ganhar a aposta, milorde comprará esse colar para

eu dar a Antonia. Concorda?— Concordo. Mas, se eu ganhar, terá de considerar o que eu

disse. Depois disso, faça o que achar conveniente.Eles apertaram as mãos e Dansbury voltou para a rua, satisfeito

com o rumo dos acontecimentos. Mal notou que a condessa de Devale o evitava. Se Antonia St. Gerard reagisse como ele imaginava, pelo menos William seria salvo.

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Jack montou Benedick e foi para casa. Lilith estaria na residência dos Mistner naquela noite. E felizmente ele recebera convite para a festa antes de os últimos rumores terem início. Para tomar uma atitude contra Dolph, precisava da permissão de Lilith. Se ela resolvesse casar-se com o novo duque, Jack teria de valer-se de uma decisão drástica. Iria à Espanha ou à América e morreria em algum duelo. A menos que a raptasse e fugisse para Gretna Green. Sorriu. Estava mesmo ficando maluco.

Teria de ser cuidadoso. Lilith havia sido proibida de vê-lo. O momento não era para diversões. Um erro poderia ser fatal.

As preces de Lilith foram atendidas. O duque de Wenford enviou desculpas, alegando um encontro com os advogados. Não poderia comparecer à festa dos Mistner. Apesar disso, ela refletiu se Dolph não estaria arquitetando problemas para Jack.

Durante a valsa com Lionel Hendrick, chegou a tropeçar na ânsia de espiar Dansbury que conversava com Ogden Price ao lado da porta. Os que estavam próximos deles haviam se afastado. Jack olhou-a de soslaio, sorriu e voltou a conversar.

O marquês não deveria ter vindo. Lilith escutara os rumores a respeito da garrafa de vinho envenenado. Ninguém se aproximaria dele e nenhuma dama aceitaria sua companhia para dançar.

— Lilith — Lionel tirou-a de seus devaneios —, espero que não me exclua da lista de convidados de seu casamento. Espero continuarmos amigos.

Quem pretendia ser excluído do grande evento da temporada?— Claro que não. — Lilith sorriu.— Fico feliz de saber disso.A música terminou e Pen agarrou-a pelo braço.— Lilith, ele está mesmo apaixonado, ou não teria vindo esta

noite — a moça cochichou.— Ou então é muito teimoso. — Lilith procurou manter os sonhos

afastados da realidade.— Ah, é tão romântico — Penélope insistiu. — Parece com a

história de Romeu que ousava visitar a casa dos Capuleto para ver Julieta.

— Romeu foi à festa dos Capuleto para causar desentendimentos — Lilith corrigiu-a e olhou para Jack. Ele fez um sinal com o queixo, apontando os fundos da casa com um gesto muito sutil que a deixou indecisa. — Ele não vira Julieta antes.

— Ah, desmancha-prazeres — Pen retrucou. — Lil, ele está tentando chamar sua atenção.

— A mim também pareceu isso, mas não imagino o que Jack deseja. Não posso dançar com ele.

— Vou descobrir do que se trata.

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— Pen!Penélope sorriu para Dansbury, foi até a mesa e aceitou um cálice

de ponche de um serviçal.Jack olhou as duas e Lilith anuiu com a cabeça. Ele abriu espaço

entre as pessoas e aproximou-se da mesa servida. Lilith virou-se de costas e fingiu apreciar um vaso de plantas. Pareceu-lhe uma eternidade até Pen voltar.

— Lorde Dansbury — Pen encostou-se a Lilith, de frente para a planta — pede que o encontre na sala de estar, onde há o retrato de lorde Mistner pintado por Thomas Lawrence, em cima do consolo da lareira. Por volta de meia-noite e meia.

— Pen sufocou uma risadinha.Lilith observou o relógio mais próximo. Estava quase na hora. Um

arrepio percorreu-lhe a espinha. Sabia que deveria ignorar o pedido e esquecê-lo. Casamentos de conveniência eram comuns entre os nobres. O de seus pais tinha sido contratado à revelia dos noivos.

— Obrigada, Pen.Passavam vinte minutos da meia-noite quando Lilith aproximou-

se de lady Mistner.— Milady, ouvi dizer que seu marido foi retratado por Thomas

Lawrence. Sou grande admiradora do sr. Lawrence. Eu poderia ver a obra?

— Minha querida srta. Benton, eu adoraria mostrar-lhe nosso mais novo tesouro.

— Oh, milady, não se incomode. Sei que está atribulada dando ordens aos criados para que os convidados sejam servidos com esmero. Posso ir sozinha.

— Nem pense nisso, minha querida. Por aqui, vamos.— Lady Mistner, eu...A dama apressou-se pelo corredor e Lilith teve de segui-la.— Ah, milady, não pretendia constrangê-la.— Bobagem, minha querida. — Ela abriu a porta. — Veja um dos

mais belos trabalhos do sr. Lawrence.Jack Faraday não estava próximo ao quadro, nem atrás do sofá,

nem escondido nos cantos. Lilith juntou as mãos em um gesto de admiração e para disfarçar o tremor.

— Mas é magnífico! Deslumbrante! — A voz saiu alta demais por causa do nervosismo.

— A maneira como ele usou a luz... Tem razão, milady. E a melhor obra dele.

Lady Mistner sorriu diante da lisonja.— Eu disse a Malcom que foi bem empregado o tempo gasto em

posar.

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— Com certeza. O sr. Lawrence captou a verdadeira essência da personalidade de lorde Mistner.

— Lady Mistner? — Penélope apareceu na entrada. — Perdoe-me, mas milady deseja que os músicos façam um intervalo?

— Não! Não antes da segunda valsa! — Lady Mistner virou-se para Lilith.

— Por favor, milady — Lilith estendeu a mão —, não se preocupe. Pode ir. Irei em seguida.

— Obrigada, querida. — A dama apressou-se até a porta. Pen piscou para Lilith enquanto seguia a anfitriã.

— Santo Deus! — Lilith largou-se no sofá.— A verdadeira essência? — Jack pulou para dentro da sala pela

janela entreaberta. — Suponho que a verdadeira essência de Mistner tem muito mais

a ver com a barriga e a papada.— Milorde estava do lado de fora?— E nesse frio. — Jack sorriu e aproximou-se. — Ainda bem que não estava chovendo. O que lady Mistner fazia

aqui?— Pedi a ela permissão para ver o retrato. Não esperava que me

acompanhasse.— Não deveria ter lhe pedido permissão. Se não tivesse gritado,

a situação teria ficado constrangedora.— Eu não gritei. — Lilith se alegrava em vê-lo outra vez e em falar

com ele. Era como se não o visse havia um século.— Mas foi o que me pareceu, felizmente. — Jack acariciou-lhe a face, segurou-a pela cintura e inclinou a

cabeça.— Não faça isso — ela sussurrou.Jack ficou imóvel. Em seguida, soltou-a e recuou.— Por que veio aqui? — O tom de Jack era de acusação.— Sinto-me responsável pelo mal que o está atingindo. — Lilith

não ousou encará-lo.— Sempre assumi a responsabilidade de meus atos. Mas não me

conformo que minha estupidez a tenha levado ao compromisso com Wenford.

— Não foi sua culpa. Esqueceu que meu pai pretendia vender-me para conseguir um ducado? — Lilith falou com amargura e perguntou-se se Jack seria capaz de adivinhar o quanto o amava.

— Lil, responda-me uma pergunta.— Tentarei. Mas, por favor, seja rápido. Se formos vistos...— Não deixarei que isso aconteça. — Jack acariciou-lhe o rosto

corado. — Digamos que, se houvesse uma maneira de não se casar com

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Dolph, poderia aceitá-la?Diante dela estava o verdadeiro Jack Faraday que a havia

abraçado a noite passada. O Jack Faraday que demonstrara incerteza e vulnerabilidade.

— Não há como evitar...— Lil...— Se houvesse uma maneira... eu não me casaria com ele.— Gostaria que eu provasse que ele é um assassino e, portanto,

um marido inaceitável para a srta. Lilith Benton?— Jack, se puder limpar seu nome, por favor, não hesite. Não

quero que seja enforcado. Se tem provas de que Dolph realmente matou...

— Não me interrompa, Lil. Estou tentando ser um cavalheiro respeitável. Tenho vários palpites e algumas suspeitas, mas nenhuma prova. Poderei superar as dificuldades, mesmo se tiver de passar um ano ou dois na Escócia ou na Itália antes de o caso ser esquecido. Por enquanto, quero saber uma coisa. Desta vez o que realmente deseja?

— Desta vez — Lilith repetiu com amargura — tenho me perguntado se eu encontraria a felicidade em satisfazer minha família. Eu...

— Lilith! Ouso dizer que sua única atitude egoísta nos últimos seis anos foi deitar-se na minha cama a noite passada. Não é nenhum crime querer ser feliz, pelo amor de Deus! Agora responda! Quer que eu inicie a investigação contra esse maldito Dolph Remdale?

Ela fechou os olhos, procurando afastar a imagem de Jack. Seria mais fácil seu coração parar de bater.

— Quero. — A jovem abriu os olhos devagar.— Mais uma questão. — Jack segurou-a pela cintura e puxou-a

para perto dele. — Se eu fosse, digamos, um Galahad, poderia considerar-me um de seus pretendentes?

Lilith fitou-o e teve certeza da sinceridade de seus propósitos.— Eu permitiria que me cortejasse, se não estivesse com-

prometida com o duque de Wenford. — Receou que seu coração fosse sair pela boca diante daquela pequena esperança. Pela manhã, imaginara uma felicidade que poderia durar até o fim de seus dias. — Milorde não é sir Galahad.

— Finja que sou.Jack beijou-a. Em um acesso de loucura, Lilith desejou trancar a

porta da sala para que o momento não terminasse. Abraçou-o e pressionou-se de encontro a ele.

— Jack, eu o amo — ela murmurou.O marquês ficou paralisado pelas emoções que o invadiram.

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— Lil, creio que não entendi.— Eu...— Sra. Farlane — a voz propositadamente elevada de Penélope

foi ouvida do corredor , tenho certeza de ter visto Lil com Mary na sacada.

Lilith empalideceu.— Santo Deus — Jack murmurou e correu até a janela. Antes de

sair, acrescentou, sorrindo: — Estarei por aí se precisar de mim. Lil, não se prenda muito a esse noivado que terminará de uma maneira ou de outra.

Assim que Dansbury desapareceu, Lilith voltou-se para a pintura e respirou fundo.

— Tia Eugenia — fingiu surpresa ao vê-la entrar e sorriu, indicando o quadro —, já viu esse trabalho magnífico?

A tia não se convenceu.— A futura duquesa de Wenford não deve andar se escondendo

em salas desertas. Lady Fenbroke está organizando uma partida de cartas para alguns convidados seletos,

— Esplêndido! — Lilith apressou a tia e deu-lhe precedência, não sem antes espiar a janela semi-aberta.

William mexeu-se no sofá da sala de estar de Antonia St. Gerard, incomodado com o aperto da gravata. Da próxima vez, diria a Weems para deixá-la mais solta. Começar uma discussão intencional com Antonia parecia uma idiotice. Mas Jack Faraday era um patife. Sabia muito bem que o desafio seria irrecusável. Escutou o tilintar de vidro, assustou-se e deu um último puxão na gravata.

Antonia aproximou-se trazendo dois cálices com conhaque. Sentou-se ao lado de William e entregou-lhe um deles. O rapaz pensou num assunto para conversar. Só lhe ocorria discursar sobre a beleza dela. Era como os diálogos começavam e só terminavam na cama. Até o momento, William não tivera objeções a tais ocorrências deliciosas. Ele suspirou, irritado. Jack e seus malditos jogos.

Para satisfazer sua curiosidade, poderia começar com uma pequena discussão. Em seguida, desculparia-se e eles iriam para o quarto. Jack teria de comprar o colar diante de muitas risadas caçoístas.

— William... — Antonia acariciou-lhe as coxas com languidez. — Mon amour, pensei em jogar cartas esta noite. Não imaginei que fosse pedir para ficarmos juntos. Algum motivo especial?

O rapaz prendeu a respiração.— Antonia, não quero que promova mais noites de jogatina.Ela o fitou durante alguns instantes e perguntou, com suavidade:— Por acaso tem outra coisa em mente?

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— Ah, não gosto daqueles homens todos a olhando e...— Pensando que são meus donos? — Antonia encostou-se ao braço de William e acariciou-lhe o

lóbulo da orelha.— Isso mesmo. Portanto, esqueça os jogos de cartas.Jack havia dito que ela comandava as mesas de carteado desde

que tinha vindo a Londres. Era a sua paixão. Certamente haveria de protestar.

— Como queira, meu amor. — Antonia suspirou. — Mas preciso de meios para pagar minhas contas.— Não se preocupe com isso. — William desapontou-se. Uma

alternativa seria desistir e contar uma mentira a Jack. — Também não acho apropriado uma mulher solitária atravessar a cidade em um faetonte.

Ela franziu os lábios e tomou mais um gole de conhaque.— Sabe, William, eu estava mesmo pensando em desistir desse

tipo de carruagem. Com esse tempo horrível, quem vai querer andar por aí em uma carruagem aberta, n'est-ce pas?

— Correto. — A situação se complicava. Apontou para o conhaque que Antonia adorava beber. — Mulheres tomam vinho Madeira ou ratafiá. Não conhaque.

Ela deixou o copo sobre a mesa lateral.— Serei uma abstêmia, não se preocupe. — Beijou-lhe a nuca.— Também não quero ouvi-la mais falando essa porcaria de

francês. — Desesperado, William afastou-se de Antonia.— Serei uma dama inglesa. — Arqueou uma sobrancelha. — Está

satisfeito agora?— Ficarei se cumprir o que está prometendo. Estou falando sério.— Serei o que desejar que eu seja, William. — Começou a

acariciá-lo com erotismo.O rapaz levantou-se, seguido por ela.— Mas que droga, Antonia! Pare de me tratar como se eu fosse

um palerma.— Não fique irritado, meu amor. Apenas concordei com seus

pedidos.— E por que fez isso?— Ora, porque me pediu.— Jack me avisou de que eu não conseguiria fazer com que

discutisse comigo. Insinuou que seu comportamento em relação a mim não passava de fingimento. E a senhorita concordou com tudo o que pedi esta noite! Pelo amor de Deus, Antonia! Nem mesmo piscou quando lhe ordenei que não falasse francês!

A expressão feroz que surgiu tão instantaneamente quanto

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desapareceu do rosto de Antonia passou despercebida a William. Então ela voltou a sorrir como a luz da manhã.

— Imaginei que estivesse apenas preocupado com o fato de que poderíamos não combinar. Por isso, tentei tranqüilizá-lo.

— Segurou-o pelas lapelas do paletó e empurrou-o até a porta.— Sei que nunca me proibiria de falar francês, mon amour.O rapaz sorriu. Para quem se gabava de conhecer as mulheres,

Jack Faraday estava completamente enganado.— Graças a Deus.— Venha comigo, William. Vamos nos desculpar mutuamente. — Levou-o para cima. De costas para o amante ingênuo, Antonia imaginou que o amigo

se voltara contra ela. Na certa pretendia impressionar a Rainha do Gelo prevenindo o irmão contra a maldosa Antonia. O marquês de Dansbury não precisava das cinco mil libras anuais de William Benton, mas ela necessitava, e muito. Nada a impediria de atingir seus objetivos. Conhecia certos pormenores que deixariam em dificuldades um tal marquês arrogante.

Ela sorriu.Cinco mil libras anuais.— Milorde, se pudesse ser mais específico — Peese pediu,

observando o marquês de Dansbury andar de um lado a outro na sala de jantar.

Jack hesitou, fitou-o com raiva e prosseguiu na marcha. Dormira muito pouco à noite, acossado por duas idéias fixas. Salvar o próprio pescoço e torcer o de Dolph.

Havia rezado para que Lilith encontrasse uma maneira devir vê-lo outra vez. Embora ela tivesse dito que o amava, Jack sabia que a batalha estava longe de ser vencida.

— Peese, não entendo como poderei ser ainda mais específico. O que pode me dizer a respeito da propriedade de Dolph Remdale?

A porta da sala foi aberta e Jack virou-se para o intruso. Ao ver Martin espiar para dentro, fez um gesto autorizando sua entrada.

— Não sei por que chegou tão atrasado! — Jack recriminou-o.Peese fitou Martin de relance e deu se ombros.— Milorde — Peese começou a falar com paciência, na tentativa

de apaziguar o temperamento intempestivo do marquês —, propriedades espelham o caráter de seus donos. Milorde nada tem a ver com o novo duque e nós, muito menos com os servos dele. Se dissesse exatamente o que está pretendendo saber...

— Se eu soubesse, não precisaria perguntar! — Jack explodiu, frustrado.

— Não posso acreditar que, com tantas conversas que os dois costumam escutar, ainda não tenham se inteirado de nada!

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— Da mesma forma que ninguém ouviu nenhum comentário sobre esta propriedade, milorde. — Martin fez uma mesura. — A única coisa de que me recordo é de ter ouvido falar, há tempos, que uma das criadas do sr. Dolph Remdale quebrou o braço caindo da escada.

— Uma infelicidade, claro, mas nada tão incomum.— O antigo duque a havia mandado embora, antes de ser

contratada pelo sobrinho.— E qual o nome da moça?— Não saberia lhe dizer, milorde.— Por falar nisso — Peese interveio —, a irmã do marido de minha

prima foi contratada para trabalhar lá há três anos. Depois de uma quinzena, pediu demissão.

Finalmente uma luz.— Por quê?— Ela disse que o sr. Remdale a assustava e que as outras moças

apresentavam equimoses.— Está querendo dizer que ele abusava das criadas e batia nelas? — Jack gritou, furioso, ao imaginar que o crápula pretendia

encostar as mãos na sua Lilith.— Parece que sim, milorde — Peese anuiu.— Por que não se lembrou disso antes? — Jack resmungou.— Eu lhe disse que milorde teria de ser mais específico — o

mordomo se defendeu.— Se o senhor prestasse mais atenção ao que acontece nesta

propriedade, poderia saber a que Peese estava se referindo — Martin criticou-o.

— O que está querendo dizer com isso, Martin?— Não responderia nem que estivesse ameaçado de morte.Pelo comportamento de Martin e Peese, podia-se supor que

tivessem desconfiado de um significado especial na visita de Lilith naquela noite. Afinal, eram inteligentes. A prova disso era terem sobrevivido à maldita guerra de Napoleão.

— Espero que nenhum de nós tenha de passar por isso novamente.

— Aquele idiota quer vê-lo enforcado, milorde — Peese resmungou.

— Vamos dar um jeito para que isso não aconteça, não é?— Poderíamos dar uma surra nele, milorde — o mordomo propôs.Jack negou com um gesto de cabeça, dizendo:— Eu já havia pensado em hipótese semelhante. Mas isso

também recairia em cima de mim. Dessa vez, teremos de agir dentro da lei.

— Uma lástima — Peese lamentou-se.

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— Bem, se tudo correr como espero, poderemos ter mais informações sobre o que acontece em Wenford. Peese, venha comigo. Martin, veja se consegue levantar mais dados sobre a propriedade de Remdale. Descubra tudo o que puder.

— Sim, milorde! — Martin empertigou-se e esboçou uma saudação.

Jack chegou com Peese ao White's e surpreendeu-se com o fato de as autoridades ainda não terem vasculhado o clube. Seu estoque privativo de vinho continuava trancado na adega e, segundo o chefe dos criados, não fora mexido. Pelo visto, os rumores ainda não tinham sido suficientes para agitar Bow Street contra um membro da nobreza. Pelo menos por enquanto. Deixou Peese tomando conta de tudo e saiu em busca de Richard.

— Creio que tem conhecimento do risco que está correndo — o cunhado avisou-o enquanto tiravam o engradado da adega do clube e o deixavam sobre a mesa da cozinha.

A noite se iniciava e o salão principal começava a lotar com os freqüentadores usuais. Os criados se aglomeravam na cozinha.

— Não tenho muita escolha — Jack respondeu e fez sinal para Peese. — Leve isso ao salão.

— Jack... — Richard advertiu-o novamente e recuou quando a legião de criados saiu atrás de Peese.

— Vamos. — O marquês fez uma mesura quando foi iniciada uma onda de protestos mal-humorados no elegante salão lotado. — Tenho certeza de que apreciará o evento.

Peese deixou o caixote no meio da mesa ocupada pela comitiva de lorde Dupont, amassando todas as cartas do jogo.

— O que está pretendendo fazer, Dansbury? — Dupont aborreceu-se e saiu de seu lugar enquanto Jack pegava uma garrafa.

— Boa noite, cavalheiros — Jack cumprimentou e depois voltou a atenção à garrafa que tinha nas mãos. A rolha estava no lugar e parecia não ter sido tocada.

— Freeling, tem certeza de que ninguém se aproximou de meu estoque desde a última vez em que pedi uma garrafa de vinho?

— Sim, milorde. Ninguém o tocou — o responsável pelos criados respondeu.

Jack estudou a fisionomia do homem alto e magro. Os clientes murmuravam a seu redor. O dinheiro fabricava mentirosos. Mas Freeling sempre lhe parecera um homem honrado.

— Muito bem — Jack falou.Em seguida, sussurrou para Peese, que se adiantou e tirou a

rolha.— Não creio que pensou em trazer ratos — Richard murmurou e

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fitou a platéia com preocupação.— Eu odiaria desperdiçar um bom vinho do Porto com animais. — Dansbury levantou a garrafa, levou-a aos lábios e tomou um

gole.— Jack! — Richard berrou, tentando tirar o vasilhame das mãos

do cunhado. — Ficou maluco?— Se um pobre rato morresse, eu também seria enforcado.Jack observou a expressão de Freeling novamente. O maitre

parecia tão espantado como os demais, mas nada indicava que soubesse mais do que declarara. Tornou a fitar Richard.

— Quanto tempo é necessário para alguém morrer envenenado por arsênico?

— perguntou em voz baixa.— Sob tais circunstâncias, acredito que saberia se estivesse

envenenado neste momento. — Richard empalideceu. — Santo Deus, Jack!O marquês estava certo de que, se agisse com hesitação,

poderiam considerá-lo culpado. Lilith o mataria se descobrisse o que ele estava fazendo. No entanto, preferia morrer envenenado a ver Dolph dar risada enquanto segurava a outra extremidade da corda.

— Freeling.— Sim, milorde?— Naquela noite, pedi alguma garrafa em especial?— Não que eu me lembre, milorde.— E por que lhe pedi que me trouxesse qualquer uma delas?— Milorde disse que preferia tomar o seu vinho, pois o da casa

era horrível.Jack ergueu uma sobrancelha e olhou para o cunhado.— Richard, devo tomar um gole de cada uma delas?— Cinqüenta libras por cada garrafa que ele sobreviver — lorde

Hunt lançou a aposta.— E por que não? — Jack também resolveu apostar.Richard protestou e pediu a Peese que recolhesse o engradado.— Nada disso. Levarei o resto a um alquimista. Convocarei

algumas testemunhas e testaremos o vinho de uma maneira menos espetacular, porém mais científica.

Dansbury pôs a mão em cima da embalagem.— Milorde não perderá de vista o conteúdo? — O marquês fazia questão de demonstrar ao cunhado que

confiava nele.— Prometo.— Então está certo. — Jack afastou-se da mesa.

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— Boa noite, cavalheiros.Dansbury sabia que era mais um ponto a seu favor. Antes de

prosseguir a batalha, admitiu que precisava ver Lilith outra vez. Deus era testemunha de que já havia cometido tolice semelhante. Naquela altura, os motivos eram corretos. Além do mais, precisava alertá-la sobre o comportamento de Dolph Remdaie com as mulheres. Se o bastardo encostasse um dedo em Lil, não viveria tempo suficiente para se arrepender disso.

Lilith observou o céu sem nuvens sobre o Hyde Park e disse a si mesma que o tempo em Londres clareava à medida que sua vida ficava mais confusa.

Inclinou-se para a frente e acariciou a cernelha de Polly, sua égua.

— O que disse a sua tia esta manhã? — Penélope perguntou enquanto passeavam. Milgrew esperava a uma distância respeitável.

— Afirmei que aceitaria o convite de Sua Alteza para fazer um piquenique amanhã.

Todos pensariam que Lilith se comportava como uma filha obediente. Na verdade, pretendia descobrir se Dolph matara o tio. Em caso positivo, como e por quê.

— Lil, ainda outro dia, afirmou ficar enojada só de ver Sua Alteza! E quanto a lorde Dans...

— Fique quieta, Pen. Sei o que estou fazendo. — Pelo menos era o que esperava.

A amiga sacudiu a cabeça.— Não sei o que está pretendendo, mas... — Pen olhou por cima

do ombro de Lilith e corou. — Boa tarde, sr. Benton.— Srta. Sanford — William cumprimentou-a.Lilith virou-se. O irmão se aproximava montado no garanhão caro,

grande e negro que Jack o havia convencido a comprar. Thor era um animal magnífico.

— Achei que estivesse com seus amigos. — Lilith olhou o irmão com curiosidade.

— Meus amigos se dispersaram. O único que posso achar é Jack, mas papai ameaçou dar-me uma surra se eu tornasse a falar com ele.

Muito menos do que o pai faria com ela se descobrisse o que acontecia.

— O que houve com a Srta. St. Gerard? Na semana passada, sucederam-se piqueniques e passeios a cavalo diariamente.

— Antonia tem hábitos notívagos. Lilith notou o olhar distante.— Aconteceu alguma coisa? — Pen adiantou-se a Lilith na

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pergunta.— Nada, nada. Meu pensamento está longe.— Podemos ajudar?— Não, pelo amor de Deus! — William corou e bateu com o punho

fechado no arcão da sela. —Algumas vezes as mulheres são agradáveis em excesso!

As duas se entreolharam.— Qualquer mulher ou pessoa agradável demais está interessada

em alguma coisa — Pen afirmou e deu uma risada.— Nunca a vejo contrariada, Srta. Sanford. — William observou-a com curiosidade.— Eu me aborreço nas horas certas.— Mas como é que alguém pode saber...Lilith virou-se para ver o que estava acontecendo. Um cavalo baio

vinha na direção deles, sem cavaleiro. Polly mexeu-se, nervosa, e Lilith teve de segurar as rédeas com energia.

— E Benedick, o capão baio de Jack. — William virou Thor e o incitou para a frente.

O garanhão resfolegou e correu em direção ao cavalo. Com destreza, William conseguiu segurar as rédeas soltas do animal.

Um pouco mais adiante, Jack Faraday se aproximava caminhando pelo parque, indiferente aos pedestres que o evitavam.

— Obrigado, William — o marquês disse, a alguns passos deles. — Eu conversava com lady Henry, e Benedick resolveu dar um

passeio.— Milorde não se feriu? — Lilith perguntou com voz casual.— Não, srta. Benton. — Dansbury aceitou as rédeas de William e

pulou na sela. Virou o cavalo e passou ao lado de Lilith. — Deixe sua janela aberta esta noite, minha querida — ele murmurou. Com um sorriso e um aceno alegre para Pen, foi embora pela alameda do parque.

— Duvido que Benedick tenha se afastado de Jack — falou William mais para si mesmo.

— O cavalo é muito apegado a ele. Gostaria de saber o que Dansbury está maquinando no momento.

— Talvez ele esteja sentindo sua falta — Penélope falou e olhou para Lilith quando a viu levantar a cabeça. — Parece que todos o abandonaram.

— Alguns por falta de opção. — William suspirou. — Posso oferecer sorvete às damas?

— Eu adoraria. — Pen sorriu.William posicionou Thor ao lado da égua da Srta. Sanford e Lilith

seguiu-os, com o coração dando saltos de alegria.Jack iria vê-la naquela noite.

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Capítulo XI

Isso traz de volta algumas lembranças — Martin falou, sombrio. Dansbury mirou-se no espelho. A roupa negra também lhe trazia recordações nada agradáveis. Ter dito a Lilith que Richard e ele haviam vasculhado a França e a Bélgica em busca de informações fora um relato ínfimo diante do que tinham feito em nome de Deus e da pátria. Muito sangue fora derramado e em condições perversas.

— E verdade. — Jack calçou as grossas luvas também negras e olhou o nevoeiro que toldava a visão no meio da noite. Seria mais fácil escalar a parede até a janela de Lil.

— Alguma notícia de Peese?— Não. Creio que milorde feriu o orgulho dele quando disse que

ele deveria saber mais a respeito da propriedade de Sua Alteza. Saiu depois do compromisso com lorde Hutton e disse que voltaria à noite.

— Peese escolheu uma péssima ocasião para perambular — Jack resmungou.

— Não me faltava mais nada. Imagine se descobrirem meu

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mordomo espiando as janelas de Remdale ou debaixo da saia das criadas dele.

O marquês foi a seu escritório, pegou uma das pistolas e carregou-a. Não tinha intenção de andar desarmado no escuro. Dolph devia ser tão maluco quanto seu velho tio.

— Aonde está pretendendo ir, milorde?Jack virou-se, a arma empunhada. Peese estava parado na

entrada.— Em busca de informações. E o senhor onde esteve? — Jack

passou pelo mordomo, foi até o saguão, largou a pistola e esperou Peese ajudá-lo a vestir o sobretudo.

— Investigando... — Devolveu a arma a Jack, que a enfiou no bolso. — O mordomo do novo duque de Wenford foi embora há quatro dias. Ninguém sabe o motivo nem teve coragem de perguntar a Sua Alteza sobre o paradeiro de Frawley.

— Que tipo de homem é Frawley? Peese pensou por alguns instantes.

— A cozinheira disse que o sr. Remdale contratou Frawley por ele ser um sujeito bastante conservador.

— Um que não veria com bons olhos o empregador usar de expedientes clandestinos?

Peese sorriu.— Diferente de nós, é claro.Aquilo fazia sentido. Dolph teria contratado o mordomo mais

formal de Londres para causar boa impressão. O fato de um indivíduo honrado ter desaparecido sem deixar pistas "poderia ter um significado. Frawley descobrira algum detalhe que deixaria constrangidos tanto ele quanto Dolph. Jack admitiu tratar-se de mera suposição, mas também não contava com nenhum dado mais consistente.

— Tem alguma idéia de onde Frawley possa estar?— Não por enquanto. Mas terei.— Excelente. — Jack ajeitou a arma no bolso fundo.— Milorde tem certeza de que não deseja que alguém o

acompanhe? — Martin perguntou.— Não. Não precisam esperar-me. Voltarei tarde.— Sua Alteza quer vê-lo morto, milorde — Peese advertiu-o. —

Não deveria andar sozinho.— Ele disse que pretende arruinar-me — Jack falou.— Se o enforcar, arruinará sua memória.— Os dois já salvaram minha vida. — Dansbury fitou Peese e

Martin a quem considerava como amigos. — Não pretendo desperdiçá-la.

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— Milorde não poderia imaginar que Genevieve Bruseille fosse traí-lo. Eu, Martin e lorde Hutton também confiávamos nela.

Jack não estava disposto a discutir erros de julgamento do passado, ainda mais que poderia estar cometendo outro. Foi até a entrada.

— Isso aconteceu há cinco anos. Está obsoleto. Abra a porta, por favor. Se eu não voltar, diga a Richard que fui me encontrar com William Benton.

— Milorde?— Se eu morrer, não poderei apreciar o escândalo. — Jack deu de ombros e sumiu na escuridão.O marquês saiu pelos fundos para evitar ser visto, caso Dolph

tivesse mandado vigiar a Mansão Faraday. A pistola que batia em sua coxa enquanto andava lembrou-o das últimas noites nevoentas de Paris.

Além de confiar em Genevieve, ainda fora estúpido de achar que a amava. E ela o traíra em favor de Bonaparte. Jack nunca havia descoberto se fora por burrice, medo ou patriotismo. O que fizera naquela noite o tinha deixado com fama de homem sem nenhum pingo de honradez. Durante cinco anos, não conseguira esquecer o terrível acontecimento. Admirava-se de Lilith Benton ter coragem de falar com ele. Nem acreditava que ela havia se tornado sua amante. Não podia deixar de pensar que a jovem o abandonaria e cederia aos desejos do pai.

Poucas luzes estavam acesas na Mansão Benton. Jack entrou na propriedade pela cerca do jardim e escalou a parede sul pelas treliças cobertas de roseiras. Murmurou uma imprecação contra os espinhos que o espetavam apesar das luvas e do sobretudo.

Por que Lilith não escolhera violetas ou gerânios como flores favoritas?

Subiu no telhado e esgueirou-se pelo beirai. Espiou através da janela entreaberta da jovem. Hesitou. Não tinha o direito de estar ali. A cama estava feita e o quarto, escuro. Decidiu-se. Pulou para dentro.

— Lilith? — sussurrou e tirou as luvas.— Estou aqui. — Ela se aproximou da luz diante da janela aberta.Lilith vestia camisola e havia deixado os cabelos soltos. A

fragrância leve de lavanda era mais inebriante do que o mais caro perfume francês. Jack puxou-a de encontro ao peito e beijou-a. Acariciou-lhe os cabelos sedosos e sentiu a resposta imediata a seus carinhos.

Ele sorriu. Metade dos bem-nascidos londrinos a chamava de Rainha do Gelo.

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— Jack — Lilith suspirou e afastou-se —, é verdade que tomou vinho daquelas garrafas do White's para testá-las?

A raiva que perpassou o tom de voz da jovem lhe agradou.— Só tomei de uma delas — ele a corrigiu. Lilith acertou-o com

um punho fechado no peito.— Que estupidez, Jack! Se Dolph tivesse trocado as garrafas...— Eu precisava demonstrar um pouco de minha honestidade, Lil.

Se eu não tivesse feito isso e me limitasse a sumir com o caixote, tudo haveria de piorar, independentemente do resultado.

— A sua morte seria o pior de tudo. — Fitou-o com pavor.Jack perdeu-se nas esmeraldas daquele olhar. Perguntou a si

mesmo se era merecedor de tanta alegria que lhe era concedida.— Obrigado, doçura. — Não lhe disse que daria a vida para salvar

a dela e beijou-a de novo.Lilith gemeu. Em seguida, beijou-o suavemente no queixo e no

pescoço. Jack gostaria de esquecer o motivo de sua vinda àquela casa e deitar-se com Lilith ali mesmo no tapete. O que poderia ser pior para ambos.

— Segundo imaginamos — o marquês encontrava dificuldade para se concentrar —, Dolph pode ter envenenado o tio entre o trajeto do White's e a Mansão Benton.

— Então será impossível provar alguma coisa. Não havia motivo para Dolph matar o tio.

— Lil...Ela o silenciou com um dedo, impedindo-o de continuar.— Isso é o que dirão. Seu advogado terá de afirmar que o velho

duque pretendia casar-se para ter um filho, ou seja, um herdeiro direto.

Jack encostou o rosto nos cabelos de Lilith.— E preciso evitar um julgamento. Tenho algumas idéias.— Eu também — falou de encontro ao ombro másculo.— Esplêndido. Vamos ouvi-las. — O marquês esperava que

fossem mais substanciais do que as dele. Ela hesitou antes de levantar a cabeça e observá-lo.

— Pretendo ficar mais tempo ao lado de meu noivo.— Nem pense em uma coisa dessas! — Jack soltou-a e começou

a caminhar pelo quarto. — Nem pensar.— Jack, ele é muito arrogante e orgulhoso. Não dá importância à

inteligência das mulheres. Creio que poderei fazê-lo falar.— Não. — Dansbury sacudiu a cabeça.— Não pode me impedir de fazer isso.— Ele agride as próprias criadas e faz coisas piores. Não quero

que fique perto de Dolph.

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— Se pudermos provar que ele é um assassino, não terei de casar-me com o duque.

— Lilith suspirou. — Não sei como escapar desse casamento sem piorar os males causados por minha mãe a esta família.

— O mordomo de Dolph sumiu. Tentaremos encontrar pistas dele. Richard, por sua vez, tentará descobrir mais alguma coisa. — Jack acariciou-lhe o rosto.

— Por favor, não pense que está sozinha. Eu...Dansbury não se lembrava de ter aberto seu coração antes. E, naquele momento, não considerava sensato usar de sinceri-

dade. Seu futuro ainda era bastante duvidoso.— Eu não tenho intenção de abandoná-la. — Ele modificou a idéia

inicial. — Não pense que poderá se ver livre de mim com facilidade.— Bem, não é exatamente uma proposta respeitável. De qualquer

forma, não creio ter ouvido nenhuma mais honrada até agora.Lilith beijou-o com suavidade e Jack concluiu que ela entendera o

significado de suas palavras.— Preciso ir — ele sussurrou.— E o que quer fazer?Dansbury nunca havia desejado tanto ficar ao lado de uma

mulher.— Não.Ela enfiou as mãos por baixo do sobretudo, na altura dos ombros,

e tirou-lhe o casacão.— Então fique mais um pouco.O marquês estava ciente de que jamais deveria ter vindo àquela

casa. Mas, se Dolph ganhasse a partida, talvez essa fosse a última vez para ter Lilith nos braços.

A jovem não lhe deu tempo para decidir. Desabotoou-lhe o colete e a calça, bem mais determinada dessa vez. Ele lhe tirou a camisola e esqueceu o que a razão o aconselhava. Tudo que importava era estarem juntos e o quanto a desejava.

— Jack... — Lilith murmurou quando ele lhe tomou os seios intumescidos e os sugou com paixão.

Estimulada pelo toque sensual, ela deslizou as mãos delicadas sobre as costas e depois sobre o peito de músculos definidos, descendo com ousadia até apoderar-se da masculinidade de Jack.

— Não deixarei que se divirta sozinho... — disse, estremecendo de prazer.Aquela exploração de seu corpo fez com que Dansbury ofegasse,

ardendo de satisfação.Então os lábios femininos procuraram-lhe os mamilos. Enquanto a

língua macia, úmida e quente brincava com eles, Jack gemia, louco de desejo. Lilith se mostrava uma excelente aluna na arte da

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sedução.— Pensei que odiasse libertinagem — Dansbury sussurrou no

ouvido da jovem de beleza estonteante.Ela sorriu, ciente das sensações que despertava nele.— Mudei de idéia. E decidi ajudá-lo...Com um movimento rápido e preciso, Jack a ergueu nos braços e

levou-a até a cama. Posicionou-se sobre o corpo feminino, beijando-a com ardor. Penetrou-a com urgência e logo percebeu que Lilith se entregava por completo às sensações arrebatadoras que a dominavam, enquanto arqueava os quadris para senti-lo por inteiro.

Jack queria permanecer dentro dela, ser parte dela, para sempre. Com esses pensamentos, também se entregou sem reservas àquele ato de amor até atingir o clímax.

Ofegantes, mantiveram-se abraçados por algum tempo.— Jack — Lilith murmurou, já com a respiração normalizada,

enquanto lhe acariciava o rosto. — Amanhã vou a um piquenique com Dolph.

— Não vai, não. Ele é um homem perigoso.— Não o deixarei fazer tudo sozinho. Não teria graça — ela

provocou o marquês.— Pensei que não gostasse de enganar os outros!— Ando mudando de idéia sobre vários assuntos ultimamente. E

também quero ajudar.— Não gosto disso. Mas não posso deixar de admirá-la por sua

coragem.— Pode contar com minha ajuda. — Lilith envaideceu-se e

esperou um pouco, antes de tocar numa questão que a inco-modava.

— Jack, fale-me sobre Genevieve.Ele respirou fundo.— Lil, creio que já tem preocupações em quantidade suficiente.

Não precisa adicionar meus problemas ao seu caldeirão.Ela sorriu.— Estou começando a me acostumar com situações difíceis. Fale.— Menina teimosa. — Jack beijou-a. — Genevieve era nosso

contato em Paris.— Seu e de Richard?

— Sim. Eu não podia imaginar que ela fosse leal a Napoleão. Até uma manhã em que acordei e a vi segurando a porta aberta. Pelo menos uma dúzia de soldados franceses apontava mosquetões para a minha cabeça. Richard, Peese e Martin me resgataram da prisão

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uma noite antes de eu ser enforcado. Passamos uma semana escondidos nas catacumbas de Paris.

Lilith estremeceu nos braços dele.— Lá onde levavam os ossos dos cristãos quando precisavam de

lugar nos cemitérios?Jack acariciou-lhe os ombros e enrolou uma mecha de cabelos

sedosos nos dedos.— Exatamente. Aquela foi uma experiência nada agradável.

Bonaparte já tinha ido para o Norte. Wellington procurava um meio de levar-nos de volta à Inglaterra. Naquela altura, soubemos que Genevieve iria ao encontro de Boney. Ela conseguira descobrir os planos de Wellington e tinha nas mãos uma lista de espiões. Fomos atrás dela.

Era um alívio contar a história para alguém interessado em escutar sem nenhuma intenção de acusá-lo.

— Eu a encontrei antes dos outros. Genevieve viajava acompanhada de dois soldados. Consegui surpreendê-la sozinha. Mas ela começou a gritar e tive certeza de que acordaria não apenas os dois companheiros, mas todo o batalhão da rua. Ordenei que ficasse quieta, mas ela queria me ver morto. — Jack fechou os olhos por um instante. — Então a ataquei. Continuo achando que eu poderia ter feito outra coisa... que não fosse matá-la.

— Em momentos de extrema aflição, sempre fazemos o que nos parece correto.

— Lilith levantou a cabeça e fitou-o com seriedade. — Não se torture pelo resto de sua vida. Não é justo.— Impossível esquecer a decisão covarde de matá-la.— Lorde Hutton imaginou que a tivesse matado por vingança. — Lilith desenhava, com a ponta do dedo, círculos no peito de

Jack.— Não posso acusá-lo de ter pensado isso. Não sei como teria

agido no lugar dele. — Jack deteve a mão de Lilith em cima de seu coração. — Voltei a Londres e comecei a comportar-me de maneira

insatisfatória. Não via motivos para passar uma imagem de honradez e respeitabilidade. De qualquer forma, nunca fui muito competente nesses pormenores. Só comecei a lamentar meu padrão de vida quando a conheci.

— Ah, quis vingar-se de mim porque o desdenhei. — Lilith deu uma risada marota.— Bem, talvez no princípio. E se sabia disso por que resolveu falar

comigo?Lilith beijou-o.— Como ignorar alguém com tanta energia e vivacidade? Seria o

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mesmo que não reconhecer as batidas de meu coração.Jack teve esperança de que Lilith realmente o amasse.— Lil, se nossos planos derem errado, promete considerar a

possibilidade de não se casar com Dolph?— Se eu tentasse fugir, acabaria por matar meu pai...— Esqueça o que eu disse. Não se preocupe. Dolph não vencerá

a batalha.Ela o amava, mas a família vinha em primeiro lugar. Lilith se

casaria com um monstro para evitar um escândalo. Jack gostaria de ficar irado com ela, mas o coração leal e bondoso fora o que o atraíra em primeiro lugar. Não poderia culpá-la por excesso de honradez.

Dansbury tornou a abraçá-la com paixão. O amor deles foi intenso. Desesperado pelo receio de ser a última vez.

Ele se levantou e pegou sua roupa. Lilith ficou na cama, encolhida, observando-o.

— Jack.— O que foi? — Ele calçava as botas.— Nós venceremos essa batalha, não é?— Espero que sim, Lil. De todo o coração.— Eu também.Lilith custou a encontrar o que procurava.O sótão da Mansão Benton estava lotado de móveis velhos e de

uma infinidade de objetos sem valor O recinto estreito era frio, úmido e bastante empoeirado. A jovem levantou o castiçal e iluminou as quinquilharias empilhadas junto à parede dos fundos. Por baixo de um lençol, viu a ponta exposta de uma moldura de madeira.

Afastou uma caixa com ornamentos de Natal e pôs o suporte da vela sobre uma arca manchada. Puxou o lençol com cuidado, mas o mesmo acabou se rasgando.

— Aí está — falou para si mesma, quando descobriu o quadro que se encontrava de cabeça para baixo.

A obra era grande e pesada. Lilith custou a colocá-la na posição correta.

— Ah, assim está melhor. — Ela sorriu. — Olá, mamãe.Os cabelos longos, negros e ondulados dispostos artisticamente

sobre um ombro destacavam o belo rosto de Elizabeth Benton. Estava sentada em uma cadeira de palha sob um ol-meiro e a seus pés via-se um canteiro de flores. Nas mãos, havia um buquê das mesmas flores campestres. Lilith observou o retrato, o leve sorriso com que a mãe posara para o artista e a alegria nos olhos verdes. Sentou-se diante do quadro e estudou o rosto que se parecia com o

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seu.A pintura fora feita antes do casamento dos pais. Lilith ponderou

que nunca tinha visto um sorriso daqueles no rosto de sua mãe. Era provável que Elizabeth Benton tivesse se casado com alguém que não se importava com seu coração. Talvez lady Hamble não tivesse ninguém para preveni-la a respeito do erro que acabaria por cometer.

Jack sugerira que fugisse com ele. Lilith havia entendido que sua mãe enfrentara o mesmo dilema e tinha comprometido seu bom nome. Lorde Greyton também lhe pedira que fugissem. Elizabeth Benton havia ficado tentada. Sua natureza vibrante e apaixonada detestava o casamento que lhe fora imposto. Greyton tinha enganado lady Hamble quanto aos próprios sentimentos, mas Lilith não duvidava da palavra de Jack. O que a deixava tentada a abandonar tudo por ele.

— Mamãe, o que deverei fazer? — Lilith sussurrou.Desejava ficar ao lado de Jack Faraday. Mas teria coragem de

tomar a mesma decisão da mãe, caso os planos fracassassem?Ir contra a família e o pai a aterrorizava. Mesmo que tivesse de

decidir por amor a Jack.Se não tivesse conhecido o marquês, Dolph lhe pareceria

igualmente repulsivo. A única diferença seria ter descoberto a aversão após o casamento. Como acontecera com sua mãe, que parecia bem feliz ao posar para o retrato, antes de se casar com lorde Hamble.

Lilith não sabia que tipo de monstro era Sua Alteza, mas ficaria satisfeita se conseguisse impedi-lo de cometer maldades. Agir maliciosamente lhe parecia interessante.

Fitou a mãe mais um pouco e cobriu a pintura. Ergueu a vela e voltou até a entrada do sótão estreito. Afinal, havia compreendido a atitude de Elizabeth. Convenceu-se de que teria de fazer o que estivesse a seu alcance para evitar a armadilha de mergulhar em uma existência miserável. Embora sem aceitar a idéia da fuga.

De volta a seus aposentos, chamou Emily e trocou de roupa. Estava nervosa, mesmo sabendo que agia para o bem dela e de Jack. Afinal, por mais excitante que lhe pudesse parecer o jogo, não tinha experiência em planejar armadilhas para duques confessarem assassinatos.

— Bom dia. — Tia Eugenia entrou no quarto sem bater, como sempre.

— Ainda não está pronta? Não deve deixar Sua Alteza esperando, minha querida.

— A tia foi até a janela.Lilith fez sinal para Emily terminar o penteado.

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— Ele ainda não chegou, tia Eugenia.— Chegará a qualquer momento. Lembre-se de sorrir e de fazer

comentários sobre a beleza do dia. Ah, e diga também que sentiu a ausência dele na residência dos Mistner.

— Sim, tia. — Ela deveria mostrar-se agradável, lisonjeira e idiota. Assim talvez o levasse a confessar mais do que o necessário às perguntas feitas.

— E, pelo amor de Deus, esqueça seus ímpetos. Já testou a paciência do duque ao extremo.

— Sim, tia.Nem pensava em discutir com a Sra. Farlane. Quanto menos a

família soubesse de seus verdadeiros sentimentos a respeito do duque de Wenford e pelo marquês de Dansbury, tanto melhor. O entendimento de todos viria com o passar do tempo. No momento esperava que ninguém interferisse até que Jack e ela descobrissem a verdade. Depois daria explicações à família e comunicaria que amava outro homem. Mesmo que seu escolhido não correspondesse às expectativas dos Benton, era tudo o que ela mais desejava.

Lilith gostaria de saber se, como mulher, correspondia às expectativas de Jack. Apesar da sugestão dele de fuga, era im-possível afirmar se a idéia de casamento passara por aquela mente não convencional. Teria de deixar a resolução para depois de ele ser inocentado.

Escutou um veículo chocalhar pela rua. Levantou-se e esperou Emily ajeitar-lhe o xale quente sobre os ombros. Desceu a escada acompanhada de tia Eugenia, que repetiu as recomendações para um comportamento gentil e respeitoso. A Sra. Farlane era tão obcecada quanto o irmão pelo bom nome da família Benton.

Lorde Hamble se apressou em cumprimentar Dolph, que tinha vindo de caleche. Lilith suspirou, aliviada. Felizmente Sua Alteza viera em carruagem aberta. Ele nem se preocupou em ficar de pé para recebê-la. O que não importava. Quanto menor a consideração por ela, maior a chance de seu plano ser bem-sucedido.

Lilith fez uma mesura quando ele estendeu a mão para ajudá-la a subir.

— Bom dia, Alteza. — Deu um sorriso e subiu.— Srta. Benton — Dolph a cumprimentou e fez sinal para que se

sentasse diante dele.O que agradou à jovem. Teriam de passar a viagem olhando um

para o outro, mas pelo menos estavam distantes. Notou que o duque estava vestido de maneira impecável, como sempre. E até de maneira exagerada para um piquenique.

— Se não se importa, poderíamos ir ao norte da cidade — ele

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propôs.Lilith ficou inquieta. Se fossem a um dos parques, não ficariam

sozinhos.— Será ótimo.O visconde acenou com efusão e desejou-lhes um bom di-

vertimento. A caleche desceu a rua e seguiu no rumo norte. Lilith estava sentada de costas, o que a deixava nauseada.

— Vossa Alteza escolheu um belo dia para um piquenique. — Sorridente, apontou o céu azul com poucas nuvens.— Creio que sim. — Dolph consultou o relógio de bolso, olhou-a

de viés e avaliou as redondezas.— A ausência de Vossa Alteza foi muito sentida na festa dos

Mistner. — O sorriso de Lilith não poderia ter sido mais brilhante.— Não duvido. Mas não pela senhorita.— Claro que senti sua falta, Alteza — Lilith protestou, fingindo-se ofendida. — Afinal, estamos noivos.A risada desagradável de Dolph causou-lhe arrepios na espinha.— Estamos noivos porque eu a prejudicaria se a senhorita

recusasse casar-se comigo. Não finja que esse matrimônio lhe agrada.

— Vossa Alteza interpretou de maneira errônea minha ligação com o marquês de Dansbury. Sinto-me honrada com seu pedido, milorde. O acordo foi ajustado e serei a duquesa de Wenford.

Se ele a considerasse obtusa e ambiciosa, seria fácil convencê-lo de que ela também carecia de moral.

Atravessaram a cidade, passaram por Highbury e Lilith receou que estivessem indo a Cambridge. Mas, quando chegaram a Wood Green, o cocheiro levou-os ao Alexandra Park. Embora não costumasse freqüentá-lo, viu que não era nenhuma clareira na floresta.

Dolph apeou rapidamente da carruagem. A jovem levantou-se e pensou que ele não fosse ajudá-la. O duque se virou de repente, estendeu a mão e auxiliou-a a descer os dois degraus.

— Obrigada, Alteza.Ele lhe soltou a mão e voltou a ignorá-la.— Atrás daquela árvore, Finter.O cocheiro pulou para o solo. Tirou da caleche uma cesta de

piquenique e uma manta que estendeu sobre o gramado. Deixou o cesto em um canto e voltou para o veículo.

— Espere por nós na estrada.— Sim, Alteza. — Finter subiu, sentou-se na boléia e levou a

parelha à saída do parque.

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Os demais visitantes estavam afastados e não poderiam escutar a conversa. Lilith procurava um lugar para sentar-se que lhe fosse mais conveniente em caso de precisar fugir.

— Sente-se! — Dolph ordenou.Ela disfarçou o aborrecimento e lhe obedeceu. O duque

demonstrava nada sentir por Lilith, a não ser irritação. O que causava estranheza, pois fora ele quem tinha insistido no ca-samento. Sentiu-se enojada só de imaginar ser tocada por esse homem. Mas até isso permitiria para o bem de Jack e dela mesma.

O duque sentou-se e abriu a cesta de piquenique.— Alteza, sei que está com raiva de mim. Mas eu lhe imploro. Dê-

me uma oportunidade de provar quem sou na verdade. Creio que nenhum de nós espera um relacionamento hostil, apesar do início tempestuoso.

— Era o que eu gostaria de ouvi-la dizer. — Dolph entregou-lhe um pêssego.— E um pedido lógico, não acha?O duque estreitou os olhos e continuou a tirar os itens da cesta.— Creio que sim. Lilith precisava fazer com que o duque confiasse

nela. Queria deixá-lo mais à vontade. Assim a arrogância e o orgulho o fariam querer vangloriar-se.

— Meu pai afirmou que Vossa Alteza fez um pedido de licença especial em Canterbury. Desse modo, a cerimônia poderá ser realizada no final do mês.

— Não pretenda fazer de mim um tolo, Srta. Benton. Acha que esqueci suas crises histéricas? Sei que não desejava casar-se comigo, mas não me importo. Dansbury tem a si mesmo em alta conta e se acha muito inteligente. Mas eu lhe garanto. Ele perderá a cabeça e a senhorita.

— Não pertenço a Dansbury, Alteza. Por isso, ele não poderá me perder. O marquês vinha me perseguindo e sempre o achei enfadonho. Ultimamente nem mesmo o tenho visto, graças a Deus — Lilith mentiu com tranqüilidade.

— Verdade? E o brinco?— Alteza, seu tio vivia pedindo lembranças minhas. Presumo que

ele tenha levado o brinco sem meu conhecimento.— Pois eu presumo, Srta. Benton, que essa é uma mentira

deslavada. E, de agora em diante, será melhor se comportar. Se a história desse brinco vier à tona, a senhorita estará perdida.

— Não entendo por que milorde precisa tomar atitudes tão drásticas. Não represento nenhuma ameaça a Vossa Alteza.

— E assim deverá continuar. — De repente, Dolph procurou-lhe a mão.

— Será uma esposa honrada e obediente, não é?

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— Claro, Alteza. — Lilith sorriu, apesar da mão que formigava ao ser tocada.

— A senhorita é linda. Meu tio estava certo.— Vossa Alteza e seu tio discutiam a meu respeito? — Lilith encorajou-o a continuar.— O velho duque tinha uma obsessão. Possuí-la e ter filhos.

Admito que estou ansioso para executar a tarefa que ele não pôde completar.

— Então poderemos ter um relacionamento amigável. — Ela não afastou do rosto o sorriso ingênuo, apesar do horror

que a invadia.— Amigável enquanto provar seu valor como duquesa de

Wenford. — Dolph passou a acariciar-lhe o braço desnudo. — Nenhum ataque histérico. Nenhuma demonstração de mau hu-

mor nem de rebeldia.— Foi por isso que sugeriu fazermos um piquenique? Para

estabelecer as regras concernentes a uma boa esposa? — Lilith tentou soltar-se. Não conseguiu.

— Eu lhe asseguro, Alteza, que esse é o maior desejo de minha família. Eu não me oporia aos anseios dos Benton.

— E quanto aos desejos de Dansbury?— Não os conheço, Alteza. — Encostou-se ao duque de Wenford,

admirada com a própria coragem. — Milorde conseguiu, e muito, ultrapassá-lo em esperteza. Meu irmão diz que a sociedade o tem evitado e ninguém mais fala com ele.

Dolph virou-se e observou os circundantes mais próximos. Ao ver que estavam distraídos, deu um tapa no rosto de Lilith. Ela piscou surpresa.

— Não tente me enganar! — Ele a puxou com força e fitou-a com raiva. — Não sei o que está imaginando e não me importo com o que pensa que sabe. Não duvide que poderei desgraçar sua vida nem que tenho evidências suficientes para enforcar Jack Faraday.

— Solte-me! — Lilith gritou e tentou desvencilhar-se.Apesar da advertência de Jack, não pensara que Dolph pudesse

atacá-la. Jamais alguém havia lhe agredido! Se ele se imaginava com liberdade para dar-lhe um tapa enquanto noivos, certamente a espancaria depois de casados. Mas Lilith Bentpn não se casaria com o duque de Wenford. Aquele homem acabara com todas as suas dúvidas.

— Entendeu? — Puxou-a para bem perto.— Não me casarei com Vossa Alteza! Dolph sacudiu-a com força.— Dê graças a Deus que a escolhi como esposa. — Empurrou-lhe

o rosto.

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— Há alternativas. Compreendeu minha querida?Matá-la ou matar Jack. Isso não seria nada para quem tinha

executado o próprio tio. Lilith estremeceu.— Sim, Alteza.— Então fique quieta e termine seu lanche. — Dolph a soltou.— Nunca mais toque em mim! — Lilith afastou-se.— Esteja certa de que o farei sempre que for necessário e a

senhorita terá de agradecer-me até o fim da vida por preservar seu bom nome!

— Eu lhe agradeceria se me levasse para casa.— Pensei que estivesse ansiosa para tornar-se a duquesa de

Wenford. A menos que esteja mentindo. — Ofereceu-lhe uma taça de vinho Madeira.

Com a mão trêmula, Lilith aceitou e conteve a vontade de atirar-lhe a bebida no rosto.

— Eu não estava mentindo. Dolph deu risada.— Sei que não se recusará a casar de acordo com a vontade de

seu pai. Adoro seus ares de duquesa. Mal posso esperar para tê-la em meus braços e ensiná-la a ser mulher. Portanto, comporte-se e nós dois alcançaremos nossos objetivos.

Enquanto comia o lanche, ele cantarolava uma valsa. Lilith olhava-o de revés, inconformada. Dolph ousara agredi-la. O novo duque de Wenford enganava a todos. Para a sociedade, era o exemplo de cortesia e respeitabilidade. O verdadeiro Randolph havia matado o tio para ficar com a herança e preparava-se para levar Jack Faraday à forca. Teria de ser contido.

Ele parecia satisfeito por tê-la intimidado e seu humor melhorara consideravelmente. Lilith perguntou-se se o novo duque seria um monstro ou um maluco como o tio.

Sem conseguir comer, a jovem ficou aliviada quando Dolph acenou para o cocheiro trazer a caleche. Em silêncio, Finter guardou o restante da refeição e evitou olhar para Lilith. Sinal de que tinha testemunhado a agressão por ela sofrida.

Voltaram a Londres em silêncio. Dolph a fitava com expressão enigmática. Lilith, desalentada, criticava a própria autoconfiança. A manhã fora um desastre. A ansiedade de ver Jack era tão grande que se tornava assustadora. Nunca havia imaginado apaixonar-se. Resignara-se a aceitar apenas a amizade de um marido que o pai escolhesse para ela. E uma certeza tinha se infiltrado em sua mente. Viver sem o marquês de Dansbury seria pior do que a morte.

Wenford endireitou-se quando chegaram a Mayfair.— Sente-se a meu lado, minha querida.— E se eu não quiser?

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Dolph olhou o relógio de bolso com expressão casual.— Ficarei muito irritado.Lilith controlou o ódio e o terror, equilibrou-se para ficar em pé e

sentou-se no mesmo banco que ele, o mais afastada que pôde. Quando chegaram diante da Mansão Benton, o visconde apareceu na entrada e desceu a escada para saudá-los. Lilith controlou a vontade de voar para dentro de casa e permaneceu sentada, enquanto Dolph descia para cumprimentar lorde Hamble. Com um suspiro de frustração, permitiu que o noivo a ajudasse a descer.

— Obrigada, Alteza — ela falou com frieza, apesar do sorriso do duque.

Se o pai soubesse do que acontecera, diria que Lilith se comportava de maneira inadequada diante da extrema cortesia do duque de Wenford.

— Encantado, Srta. Benton. Posso chamá-la de Lilith?— Claro, Alteza.— Maravilhoso. — Lorde Hamble não conteve a alegria. — Maravilhoso.— Com licença. — Ela soltou a mão e recuou.— Eu a verei em breve, Lilith — Dolph afirmou.A jovem entrou em casa e entregou o xale a Bevins.— Onde está William?— Creio que na estrebaria, milady.— Obrigada.Com vontade de chorar, Lilith correu para fora. O irmão

observava Milgrew escovar Thor.— William?— Lil — ele a saudou com um sorriso. — Como foi o piquenique? Espero que Sua Alteza não a tenha aborrecido.Ela negou com um gesto de cabeça e fitou Milgrew de esguelha.

O cavalariço entendeu e levou o cavalo para o fundo da estrebaria, onde prosseguiu a escovação.

— William, preciso de um grande favor seu.— Marquei um encontro com Ernest Landon para uma partida de

bilhar no Boodle's.— Tenho de ver Jack — Lilith sussurrou, corando.— Lil! Não acredito que Sua Alteza tenha matado o velho

Wenford. Vamos esquecer isso. Dolph não gosta de Dansbury. Não queira piorar a situação.

— William, preciso ver Jack. — As lágrimas começaram a deslizar pelo rosto dela.

— O que aconteceu, Lil?— Por favor, William. Dê o recado a ele e traga-me a resposta.— Papai matará a nós dois, se souber disso.

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— E importante. — Apertou o braço do irmão.— Sr. William — Milgrew interrompeu-os —, se quiser, poderei

falar com lorde Dansbury.— Não será necessário, Milgrew. Lil, não sei quanto tempo

demorarei até encontrá-lo.— Obrigada, William —- agradeceu, aliviada.O cavalariço apressou-se em selar o cavalo. William olhava para a

irmã, sem entender nada, enquanto ela se compunha para voltar. Lilith não queria que a vissem transtornada. Não a entenderiam, não a apoiariam e jamais a ajudariam.

Milgrew levou o cavalo para fora e ajudou William a montar.— Lil?— Explicarei mais tarde, William. Prometo.— Está bem. Voltarei o quanto antes.A jovem observou o irmão afastar-se, sem parar de tremer.

Milgrew guardou as escovas e aproximou-se.— Está se sentindo bem, senhorita?— Vou melhorar.— O sr. William encontrará o marquês. Não se preocupe.— Espero que sim, Milgrew. Obrigada.Jack estava exasperado. Peese se ausentara quase o dia todo e

havia mandado avisar que iria a Gloucester. Enviaria notícias assim que pudesse. Jack tinha andado a esmo procurando um amigo de Wenford que pudesse ter escutado um desabafo do duque. Desanimado, concluiu que ninguém se mostrava disposto a falar com ele.

Situação idêntica àquela enfrentada quando voltara da França. Os rumores sobre o assassinato de Genevieve espalharam-se por Mayfair. Na época, havia se escondido atrás da reputação tenebrosa, certo de que a merecia. Convencera-se de que a condição lhe agradava. Até conhecer Lil. Naquele momento, só pensava em esclarecer a verdade para não a perder.

No Navy Club encontrou Donald Marley e sentou-se ao lado dele, defronte da grande lareira suja de fuligem. O melhor amigo de Dolph Remdale lia o London Times e fumava um charuto.

— Dansbury. — Donald percebeu o ruído e abaixou o jornal, espantado.

— Marley.Donald fitou-o por alguns instantes, dobrou o jornal e levantou-se.— Com licença.— Tenho certeza de que não deseja ser visto a meu lado. — Jack recostou-se, esticou as longas pernas para a frente e

cruzou-as na altura dos tornozelos.— Isso mesmo. — Marley olhou-o de cima.

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— Uma segunda decisão medíocre.— Pode dizer-me qual foi a primeira?— Ter conhecido Dolph Remdale.— Sou obrigado a discordar, Dansbury. Considerando o que

Antonia St. Gerard fez pelo senhor, talvez milorde deveria preocupar-se mais com seus amigos.

Alarmado, Jack franziu o cenho. Seus problemas não parariam de crescer?

— Antonia?— Ela mesma. Tudo ainda não passa de um boato. Porém, ouvi

dizer que ela vai prestar um testemunho contra milorde e sob juramento. Diz ela que milorde procurava informações para prejudicar Lilith Benton. E que, deliberadamente, ganhou o alfinete de gravata de Dolph para propiciar a discórdia entre tio e sobrinho.

Jack cruzou os braços em silêncio. Subestimara Antonia. Quando tinha desencorajado William a procurá-la, pensara que ela ficaria irada. Nada mais. Não esperava que Antonia quisesse vê-lo preso. Não fazia sentido. Agir de má-fé não lhe traria o rapaz de volta. Sem dúvida, tratava-se de vingança.

— Bem, se tem de ir... — Jack acenou para Marley.O marquês precisava pensar. Boatos e acusações de antigos

desafetos eram esperados. Situação muito diferente quando provenientes de um amigo. Tudo o que Antonia havia dito deveria ser levado em conta com seriedade.

Donald Marley aproximou-se da porta e teve de afastar-se para dar passagem a um homem que irrompia no salão. William Benton olhou ao redor, viu Jack e aproximou-se a passos largos, com expressão de alívio.

— Graças a Deus o encontrei, Jack — o rapaz murmurou e sentou-se na cadeira que Donald Marley acabara de deixar vaga.

— Diga-me, William — Jack não perdeu tempo —, ganhou ou perdeu nossa pequena aposta a respeito de Antonia?

William não percebeu a amargura e a raiva nas palavras de Jack.— Perdi. Mas essa é uma preocupação que pode ficar para depois. — O rapaz olhou para os lados e inclinou-se para perto do

marquês. — Lilith mandou-me à sua procura.O coração de Jack bateu, desordenado. Apesar disso, teria de

aparentar naturalidade. Não tinha idéia do quanto o rapaz sabia.— E mesmo?— Não adianta fingir, Jack — William continuou a falar em voz

baixa. — Ela estava em lágrimas. Implorou para que eu o encontrasse e

dissesse que desejava vê-lo. Perdão precisava ver milorde.

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O marquês levantou-se. Se Dolph fizera alguma maldade com Lilith, haveria dois Remdale mortos.

— Onde ela está?— Calma, Dansbury. — William não se mexeu. Jack voltou à

cadeira, impaciente.— Fale logo.— Jack, por que me procurou para nos tornarmos amigos?— Que pergunta mais idiota. E também imprópria pelas

circunstâncias.— Eu já tinha ouvido falar de milorde — William insistiu — e não

acredito que lhe agradasse a companhia de um rapaz simplório como eu. Mas, ao ver Lilith hoje, comecei a suspeitar de sua boa-vontade inicial. Gostaria de saber o que tem para me dizer a respeito.

— Admito que, no começo, considerei a possibilidade de atraí-lo como amigo para conseguir a atenção de sua irmã.

— Entendi.Jack admitiu que se tornara um sentimental irreconhecível.

Aborrecia-o ferir os sentimentos de William.— Em pouco tempo, descobri ter feito um julgamento errôneo a

respeito de Lilith e que ela me detestava.O rapaz tornou a olhar a distância que os separava dos presentes.— Então por que não se afastou de mim quando descobriu que

seu plano não daria certo?— Porque, para minha surpresa, descobri que gostava de William

Benton.— Já escutei Price dizer que eu era seu bode expiatório.— Se alguma vez isso me passou pela cabeça, foi há muito

esquecido.— Jack...— William, estou em vias de ser preso sob acusação de haver

matado o velho duque de Wenford. Sua irmã está desesperada e quer ver-me. Não temos tempo para discutir isso agora.

— Temos, sim. Esta temporada é muito importante para Lil. Depois de ter conseguido as atenções dela, o que pretende fazer? Pelo amor de Deus, Jack, ela vai se casar. Lil não está habituada a pessoas como milorde. Ela poderá sair muito machucada dessa brincadeira.

— Eu jamais prejudicaria Lilith — Jack indignou-se. — Quanto a ter ficado noiva, o senhor poderia tomar o partido de sua irmã e dizer a seu pai o quanto ela odeia Dolph Remdale, antes que essa estupidez aconteça!

— Sei que Lil acha Wenford um imbecil, mas não o...— Lilith detesta o duque! E pretendo tirá-la dessa situação

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aflitiva.— E como pretende fazer isso? — William franziu a testa.— Não tenho a menor idéia. Se continuar a retardar-me, nada

poderei fazer. Vamos?O rapaz levantou-se.— Onde deseja encontrá-la?Jack tirou o relógio do bolso do colete. Estavam no fim da tarde.

Mas ainda em tempo de fazer compras.— Diga que eu a encontrarei em Bond Street, perto de Brook, em

quarenta minutos.— Está bem. — William pôs a mão no ombro do marquês. — Jack, estou confiante de que não criará mais problemas para a

minha irmã.— Fique tranqüilo. — Dansbury não sabia se tentava convencer

William ou a si próprio. — Estou tentando me esquivar dos mesmos.— Se quer saber, desde o começo, achei que milorde seria a

pessoa indicada para Lilith. — William sorriu. — Milorde foi a única pessoa que a fez esquecer

que deveria se sacrificar pelos outros.— Tomarei isso como um cumprimento.

Capítulo XII

Jack chegou ao local combinado em Bond Street e escondeu Benedick, para que a tia de Lilith não o visse. Não lhe ocorria como falar com Lilith a sós, a menos que iniciasse um incêndio ou o estouro de uma boiada. De repente, sorriu. Viu Penélope Sanford ao longe. A moça o ajudara antes. Poderia fazê-lo novamente.

Não foi difícil dar um esbarrão nela com a rua lotada de transeuntes. Jack abaixou-se e pegou o pacote que Pen havia deixado cair.

— Perdão, srta. Sanford.

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— Não foi nada, milorde. — Ela enrubesceu e olhou a mãe de esguelha.

— Preciso prestar mais atenção por onde ando. — Jack fingiu ajudá-la a arrumar os pacotes. — Lil estará aqui em

poucos minutos — sussurrou. — Tenho de falar com ela. Pode levá-la até Bond

Street, perto de Brook?— Posso, mas isso não causará problemas a Lilith?— Ela pediu para ver-me.— Está bem.Jack fez uma mesura lady Sanford e afastou-se. Pen e a mãe

entraram em uma loja, e Dansbury postou-se no local combinado. Consultou o relógio. Mais dez minutos. Nervoso e preocupado, não podia imaginar o que levara Lilith a chamá-lo assim que havia voltado do piquenique. Não acreditava que houvesse alguma notícia sobre a culpa de Dolph. Ela teria sido mais sutil ao chamá-lo.

Demorou uma eternidade até o coche dos Hamble subir a rua. Jack escondeu-se e tentou não se sentir o criminoso que aparentava ser. Minutos depois, Lilith apareceu puxada pela mão de Pen.

— Jack... — Lilith murmurou e jogou-se nos braços dele.— O que houve, minha querida? — o marquês sussurrou. Ela

começou a chorar.— Ficarei na esquina — Penélope murmurou e desapareceu.— O que aconteceu, Lil?— Acho que é uma bobagem... mas eu precisava vê-lo. — Abraçou-o pela cintura e escondeu a cabeça no ombro dele. — Jack, sei que ele matou o tio, mas não tenho como provar.— Lil! — Afastou-a um pouco. — Dolph a ameaçou?A jovem balançou a cabeça negando, mas não foi convincente.— Por favor, diga-me por que precisava falar comigo.— Bem... apesar de suas advertências a respeito dos maus-tratos

que Dolph infligia às criadas, eu não esperava... — Lilith corou e encostou a face no ombro de Jack. — Nunca esperei...— Ele a machucou? — Dansbury ficou cego de fúria.— Ele me esbofeteou.— Eu o matarei!— Não, Jack. Não fará nada disso ou todos acreditarão que matou

o tio dele.O marquês não pôde deixar de sorrir. Lilith preocupava-se mais

com ele do que consigo mesma.— Pode ser. De qualquer forma, ninguém acredita em minha

inocência.

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— Eu acredito. Jack beijou-a.— Eu sei.— Na verdade, não foi nada tão violento, mas me surpreendeu. E

deu-me a certeza de que ele matou o tio. O olhar de Dolph era assustador. Mortífero. Jack, como poderemos provar que ele é o autor do crime? Dansbury encostou o rosto nos cabelos dela e considerou as poucas chances de escapar de Wenford.

— Não sei. Eu não deveria tê-la deixado sair com ele.— Mas eu queria ajudar. E ainda quero. Esqueceu que estou

comprometida com um assassino?— Como eu poderia me esquecer? — Apertou-a entre os braços.

— Vamos fugir para a Espanha ou para a Itália. Sei que adoraria Veneza, ma chèri.

Lilith ficou em silêncio por algum tempo. Em seguida, recuou e segurou-lhe o rosto.

— Deixar a Inglaterra é a única maneira de salvá-lo?Jack alegrou-se ao supor que Lilith o acompanharia. No entanto, jamais faria com que ela abandonasse a família como

a mãe fizera.— Não, não é. Lil, vá visitar Alison amanhã. Fique com ela até

Richard ou eu lhe dissermos o que fazer.— O que pretende?— Sair à caça.— Por favor, tia Eugenia! — Lilith imaginara que a tarefa seria

difícil, mas não tanto.— Aceitei um convite para almoçar com lady Neuland. — A Sra.

Farlane se mostrava irredutível. — Não se pode cancelar compromissos com ela.

— Mas também aceitei um convite para almoçar com lady Hutton!E prometi a Jack que passaria o dia com a irmã dele.— Ela é apenas a esposa de um barão. Lady Neuland é uma

marquesa. Não seja ridícula.Desde o café da manhã, nada parecia dar certo.— Papai? — Lilith falou, desesperada.Lorde Hamble levantou os olhos do jornal. A expressão irritada

não aumentou a esperança de Lilith.— Sua tia está certa, minha filha. Uma futura duquesa não deve

perder tempo com pessoas de posição inferior à sua.— Isso não é justo! — Lilith exasperou-se.O visconde dobrou o jornal e deixou-o de lado.— Creio não ter ouvido direito.Lilith reconheceu o tom rude. Era assim que o pai reagia havia

seis anos, sempre que o comportamento dela lhe desagradava.— Estou lhe pedindo um pequeno favor, papai.

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— Procurou manter-se o mais calma possível. — Eu queria apenas passar a manhã e almoçar com uma amiga. Isso é tão terrível?

— Será se não tiver ninguém para acompanhá-la — tia Eugenia interveio.

A porta da sala foi aberta e William entrou, com ar tímido. Deu uma tossidela e sentou-se no sofá ao lado da irmã.

— Eu estava pensando em visitar Richard Hutton esta manhã. Lil conhece lady Hutton, não é mesmo?

Lilith teve vontade de beijá-lo. Com certeza, ele havia escutado tudo atrás da porta.

— Conheço. Por falar nisso, eu planejava visitá-la. Não se importaria de acompanhar-me?

— Nem um pouco. — O sorriso não poderia ser mais inocente.— O que está acontecendo? — O visconde franziu o cenho.— Ah, está bem. Eu ouvi o final da conversa. Lil merece um pouco

de distração, antes que o senhor a algeme àquele imbecil do Wenford. Não tenho objeção em acompanhar minha irmã, se tia Eugenia já assumiu um compromisso anterior.

— Oh, o senhor não tem objeção — lorde Hamble ironizou.— Papai, será muito difícil permitir que eu vá com William?— Lilith perguntou com candura, escondendo a frustração e a

raiva. Era doloroso perceber o pouco que o pai se preocupava com a filha, sendo que ela passara cada minuto dos últimos seis anos procurando lhe agradar. — Eu não havia assumido nenhuma obrigação social para hoje, por isso empenhei minha palavra a lady Hutton.

— Pois não deveria ter aceitado nada sem nos consultar— tia Eugenia a recriminou.— Ah, deixe-a ir, Eugenia. — O visconde fitou a irmã. — Senão Lilith acabará tendo mais um acesso de nervos. — Ele abriu o jornal e tornou a ler.A jovem levantou-se depressa com receio de que o pai mudasse

de idéia.— Obrigada, papai. — Lilith fez uma mesura e saiu com William.— Onde está Jack? — o irmão perguntou assim que a porta foi

fechada.Ela percebeu o tom preocupado.— Deve ter ido ao encontro de Wenford. Jack não ignora que a

única maneira de provar sua inocência será arrancando uma confissão do duque.

William anuiu com um gesto de cabeça.— Está me parecendo que o ama, Lilith.— Muito, William, muito.— Pegue seu agasalho. Eu a levarei até a residência dos Hutton,

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mas não ficarei lá.— Para onde pretende ir?— Tenho algumas coisas para fazer.— Está bem. Jack Faraday abaixou-se atrás de uma carroça de

gelo e disse uma imprecação. Não fora fácil seguir os rastros de al-guém em Paris onde ninguém o conhecia. No entanto, parecia-lhe tarefa impossível perseguir o duque de Wenford por Mayfair sem despertar suspeitas.

Nem mesmo tinha certeza se um confronto com Dolph teria resultado positivo. Era preciso fazê-lo confessar o crime e diante de testemunhas. Em particular, uma confissão seria inútil. Pelo menos Jack tinha um alento. O duque não se preocupava em esconder animosidades e motivações. Esperava que a arrogância e a confiança em si mesmo o fizessem descuidar-se.

Um confronto com Dolph poderia resultar em desastre. Com a reputação e a segurança de Lilith em jogo, nenhum cuidado seria excessivo. Jack contou até dez, saiu de trás da carroça e subiu a rua. Dolph entrara na Stanton's, local onde eram vendidos os charutos mais caros de Londres. Dansbury abaixou o chapéu sobre os olhos e esperou encostado a uma padaria. Fazia frio e Jack vestira o sobretudo negro e pesado. Nos bolsos fundos, as pistolas.

— Dansbury.O marquês voltou-se.— Price. Pensei que tivesse ido visitar seu irmão em Sussex. Ou

foi sua irmã em Devonshire?— Não espere desculpas. Meu amigo, seu navio está afundando.

Não passo de um rato insignificante.— Sua consciência me poupa de ter de chamá-lo exatamente

disso. — Jack fitou a tabacaria. — O que está fazendo aqui?Price estava com traje de noite. Não deveria ter ido para casa, o

que não era usual.— Por que não foi dormir em vez de perambular pelo distrito

comercial de Mayfair?— Na verdade, eu o procurava. Tomei o café da manhã com

Landon no Boodle's. Imagine que dois policiais entraram, sentaram-se à minha mesa e perguntaram se eu sabia de seu paradeiro.

— E qual foi a resposta?— Que milorde havia partido para a China. Mas não creio que os

convenci.— Obrigado.A polícia estava em seu encalço. Só poderia haver dois motivos.

Um interrogatório ou um mandado de prisão em curso. Em qualquer um dos casos, teria de esconder-se de Dolph Remdale. E, se não

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resolvesse o problema naquele dia, acabaria preso em Old Bailey.— Se tiver juízo, Jack, vá ao Oriente com a maior brevidade

possível. Procure entender, meu amigo. Desta vez, o jogo está perdido. E, para quem arrisca alto, a perda é total.

Jack bateu no ombro de Price.— Sua fé em mim é surpreendente — divertiu-se apesar do

perigo que corria. — Mas não pense em apostar. Ainda não estou acabado.— Não precisa fingir para mim, Jack. Saia de Londres enquanto é

tempo. Ou acabará preso.— Não posso fazer isso. — Apesar da lealdade demonstrada por

Price, não devia lhe revelar os motivos. — Talvez fosse melhor o senhor sumir por um dia ou dois. Não precisa ir à China. Sussex será o suficiente.

— O que está pretendendo fazer? — Price insistiu.Jack entendia que Price não estava convencido de que ele havia

matado Wenford. Essa incerteza o distinguia de seus outros conhecidos.

— Justiça, eu acho. — O marquês levantou os ombros. — Ou talvez possamos dizer retribuição.— Creio que ficou louco, Jack. Aliás, tenho dito isso há tempos. —

Price cumprimentou-o com um aceno vivaz. — Boa sorte. Estarei por perto. Não pretendo perder nada.

— Saiu na direção de sua casa.Dansbury impacientou-se e olhou a rua. O duque estava na loja

havia muito tempo. Jack caminhou até a Stanton's. Parou na entrada e perscrutou a penumbra interior. Respirou fundo. A loja era pequena e Dolph não estava lá.

— Wenford? — ele berrou para o atendente assustado.— Perdão, milorde?— Onde está Wenford? — Jack repetiu em voz alta e procurou atrás do balão.— Não o vi, milorde.Dansbury empurrou o funcionário e entrou na loja. Dolph não

saíra pela porta da frente. Se havia desconfiado de que era perseguido, poderia ter-se embrenhado pela viela estreita e imunda dos fundos. A China começou a parecer-lhe uma ótima opção. Imaginou se a idéia agradaria a Lilith.

— Não creio que Jack tivesse isso em mente quando pediu que a senhorita ficasse comigo

— Alison Hutton sussurrou.— Milady disse que gostaria de passear um pouco — Lilith

lembrou-a, levando Beatrice pela mão. As três atravessaram a rua em direção à loja favorita de roupas de Alison. — E aqui estamos.

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— Jack pretendia deixá-la em segurança. Aqui não é...— Claro que é, Alison. Além disso, Londres é muito grande.

Sozinho ele não poderá encontrar Dolph. Desta maneira, serão três pares de olhos à procura dele. Não posso ficar sentada sem fazer nada. Enlouqueceria de preocupação.

— Com o meu irmão?— Claro que sim.— Ainda bem. Se quer saber, suspeito que há quatro pares de

olhos procurando alguma coisa — Alison falou. — Richard tomou o café e saiu depois de atender quem batia à porta. Ele não me pareceu nem um pouco satisfeito.

— Richard prenderia Jack se a ordem de prisão fosse expedida?— Acho que não. Os dois podem estar estremecidos, mas Richard

não faria uma coisa dessas.— Tem certeza?— Bem, não sei. Nos últimos dias, Richard e Jack têm conversado

bastante. Não faziam ifsso havia cinco anos. Não sei... não sei.— Preciso avisá-lo. — Lilith olhou para o outro lado.— Estamos ajudando tio Jack? — Beatrice perguntou.— Não. Eu vou ajudá-lo.— Lilith...A jovem fitou Alison.— Milady, vá para casa.— Tenha cuidado. — Alison suspirou. — Jack vai me matar por isso.— Terei. Não se preocupe. — Lilith demonstrou coragem.Mas, ao caminhar pelas ruas de Londres, imaginou as ínfimas

possibilidades de localizar Jack antes que lorde Hutton o fizesse.Lilith virou a esquina e ficou paralisada. O duque de Wenford

olhava a vitrina de uma loja a poucos passos dela. A jovem voltou-se e quase colidiu com lorde Manderly.

— Perdão. — Ela se encostou à parede.— Srta. Benton. — Manderly levantou a sobrancelha e o chapéu

antes de continuar seu caminho. O coração de Lilith estava disparado. Ofegante, tentou acalmar-se. Abandonar o duque e tentar encontrar Jack seria desastroso. Seguir Dolph deixaria Dansbury sem saber que lorde Hutton o perseguia.

— Droga! — sussurrou.Jack era muito cauteloso e estava sempre inteirado dos

acontecimentos. Se fosse tarde demais, se não pudessem impedir Dolph ou Richard de agir, ainda haveria a possibilidade de fugirem.

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Lilith fechou os olhos. Sentia falta de Jack, de sua voz, de seu toque, de seu calor e de sua paixão. A família a odiaria, mas não imaginava a vida sem Jack Faraday. E ousou pensar que o marquês também a amava. Estaria até disposta a aceitar a sugestão de fuga.

Lilith esgueirou-se até a esquina. Dolph encontrava-se diante de uma joalheria. Ele deu alguns passos, enveredou por outra rua e sumiu. Ela saiu do esconderijo e foi em frente.

A jovem o seguiu durante uma hora, escondendo-se na entrada das lojas quando Dolph fazia menção de virar-se. Várias pessoas a olharam com estranheza, mas Lilith não se importou, atenta à presa.

Jack na certa era mais experiente em seguir rastros, mas estava satisfeita com o próprio desempenho. Sorriu duas vezes quando conseguiu evitar ser vista. Não era de admirar que o marquês tivesse concordado em ser espião de Wellington. O trabalho era excitante.

Foram para o sul de Mayfair, em direção ao Tâmisa. Lilith imaginou o que o duque de Wenford pretendia naquela região de Londres. Inquieta, olhou para os lados. Não havia nobres para cogitar o que ela fazia sozinha nas ruas. Ou melhor, não havia ninguém nas proximidades. E nem sinal de Jack.

Dolph parou e ela se escondeu na frente da porta recuada de uma sapataria. Na ponta dos pés, esperou um pouco e espiou.

O duque desaparecera. Lilith franziu o cenho, deixou o abrigo e seguiu em frente. Na passagem, mirava o interior das lojas para certificar-se de que Dolph não estava em alguma delas.

Caminhava por uma viela entre dois armazéns quando sentiu que não estava sozinha. Antes de poder se virar, foi agarrada pela cintura e braços e teve a boca tampada.

— Bom dia, minha querida. O que está fazendo aqui, sozinha e tão longe de casa?

— Wenford murmurou.Lilith tentou gritar, mas o som saiu abafado atrás da palma da

mão do duque. Procurou atingi-lo na canela e foi recompensada por um gemido de dor. Dolph segurou-a com mais força e arrastou-a para o lado, fazendo com que perdesse o equilíbrio. Lilith conseguiu soltar um braço e puxou-lhe os cabelos.

A reação foi instantânea. Ele a esbofeteou.— Pare de lutar ou quebrarei seu pescoço.Entendeu que Dolph não estava perambulando sem destino.

Percebera sua presença e a havia conduzido até um local solitário. Certamente sabia que Jack estava à procura dele.

O duque a apertava com tanta força que Lilith ficou sem ar. Arrastou-a até o final do beco e abriu a porta do que parecia ser um

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escritório de dois andares. Empurrou-a para dentro, entrou e fechou a porta. Lilith correu até a porta da frente. Ele a agarrou pelos ombros e puxou-a para trás, impedindo-a de sair. Jogou-a contra a parede. A jovem tropeçou e caiu.

— Deixe-me em paz! — Lilith exclamou. Dolph ergueu-a e puxou-a escada acima.

— A senhorita vinha me seguindo. Que espécie de cavalheiro eu seria se lhe permitisse andar sozinha por ruas tão perigosas?

— Milorde não é nenhum cavalheiro! Milorde não passa de um monstro!

Chegaram ao patamar superior e ele a empurrou por uma das duas portas. Era um sótão grande, lotado com mesas, cadeiras e estantes velhas. Tudo empoeirado. Uma luz pálida penetrava através das duas janelas sujas.

Dolph trancou a porta e guardou a chave.— Eu é que sou um monstro? Por acaso, pretende convencer-me

de que se tratou de mera coincidência eu me esquivar da perseguição de Dansbury e dez minutos depois notar a senhorita atrás de mim? Não foi nada sutil, minha querida. Nem muito inteligente. Não deveria ter me provocado, Srta. Benton.

Lilith estremeceu. Pela primeira vez em sua vida, não pensara nos riscos que corria e nas conseqüências de suas atitudes. Tinha pensado apenas em ajudar Jack.

— Onde estamos? Dolph adiantou-se.— No escritório do advogado de meu tio. Eu não gostava dele, por

isso o mandei embora. O prédio era de meu tio e agora é meu.Lilith estava assustada com o olhar de Dolph e encostou-se à

parede entre as vidraças.— O advogado o enganava? — Ela procurou distraí-lo e olhou

para os lados de revés.As duas janelas estavam trancadas.O duque deu mais um passo à frente.— Eu não gostava dele — Dolph repetiu. — E a senhorita é adorável, quer seja uma tola ou não. —

Acariciou-lhe o rosto com leveza.Lilith estremeceu e foi até a porta, dizendo:— Não se atreva.Ele se virou, com um sorriso maligno.— Por que não? Afinal de contas, nós vamos nos casar.— Vossa Alteza não pode estar falando sério! Ainda pretende

casar-se comigo?— Não vejo nenhum impedimento. Dansbury não está em posição

de desposá-la. Se me recusar e for descoberto seu relacionamento com ele, ninguém mais a aceitará.

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Dolph agarrou-a pelos ombros e beijou-a. Lilith tentou desvencilhar-se, mas ele a segurou com força. Finalmente, conse-guiu soltar-se e tentou abrir a porta O trinco não cedeu, apesar dos movimentos frenéticos. Desesperada, olhou em volta. E, por um instante, não acreditou no que via. Jack a olhava através de uma das janelas. Ele se abaixou e tornou a aparecer com uma pistola na mão. Com os lábios estreitados pelo ódio, fez sinal para Lilith afastar-se de Dolph.

Se ela lhe obedecesse, Jack mataria Wenford. E seria enforcado por isso. Teria de haver outro jeito.

— Se Vossa Alteza está decidido a casar-se comigo, por que insiste em fazer com que eu o odeie?

— Minha querida Lilith, a senhorita é objeto de afeição do marquês de Dansbury. E, a julgar pelas atividades tolas em que se empenhou nesta manhã, a senhorita também gosta bastante dele. Qual a espécie de esposa desejaria se relacionar com o pior inimigo do marido?

Ela teve de lutar contra a urgência de fitar outra vez a janela.— O marquês está destruindo meu irmão. Tenho de fazer algo a

respeito.— Está me dizendo que sua lealdade a Dansbury se refere ao

bem-estar de sua família de e seu irmão? — A expressão de Dolph era cética.

— Isso mesmo, Alteza. Meu pai não suportaria a ruína de William. Quando o marquês entendeu a ameaça a que estava exposto, forçou-me a usar meu relacionamento com Vossa Alteza para ajudá-lo. Se eu não concordasse, destruiria meu irmão.

— Srta. Benton, se ele for preso, não poderá mais ser uma' ameaça. Não pensou nisso?

Lilith abaixou a cabeça, fingindo-se envergonhada.— Não, não pensei. — Tornou a fitar Dolph. Felizmente, ele a

tomava por uma idiota. — Eu estava assustada. Creio não ter entendido que Vossa Alteza

é muito mais poderoso do que ele.— Lisonjas, minha doce Lilith?-Dolph aproximou-se e tornou a beijá-la. Lilith fechou os olhos e a

boca. Felizmente, o beijo foi rápido e ele afastou o rosto.— Não posso gostar da maneira como Vossa Alteza vem me,

tratando, mas o marquês tem feito ainda pior. Vossa Alteza pelo menos me prometeu um título. Ele apenas se contenta em ameaçar-me. — Ela pensou até onde conseguiria enganá-lo. O duque era arrogante e egoísta, mas não era nenhum idiota. — Por

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mais que Vossa Alteza tenha me tratado mal, suponho que devo lhe agradecer.

Com um sorriso, Dolph passou a acariciar-lhe o busto sobre o corpete de musselina verde.

— Há uma maneira de demonstrar gratidão por eu a haver salvado de Dansbury.

— Ele lhe beijou o pescoço e o queixo.Lilith soltou-se e recuou até a porta.— Alteza, nós ainda não somos casados! — Protestou com a

indignação de uma donzela.— E como pretende pagar a dívida? — Agarrou-a pelos pulsos e

puxou-a de encontro a ele.— Isso não é motivo para anteciparmos nosso juramento, Alteza! — Lilith espiou pela janela. Não havia sinal de Jack. Rezou para

que ele escutasse a confissão que pretendia arrancar de Dolph. — Alteza, mais uma coisa. Devo dizer-lhe que teria sido um sacrifício casar-me com seu tio. Eu não suportava ser tocada por aquele velho.

O duque não parava de acariciá-la.— Então a senhorita tem comigo um débito ainda maior. Eu a

salvei da obrigação de dormir com ele. — Fitou-a com maldade. — Não pense que essa revelação lhe adiantará em alguma coisa. Se disser uma palavra sobre o assunto antes de nós nos casarmos, farei com que Londres inteira saiba que a senhorita não passa de uma rameira.

Quando Dolph a derrubou no chão e deitou-se sobre ela, o vidro da janela foi quebrado. Jack pulou para dentro do recinto e jogou-se por cima do duque. Lilith gritou e engatinhou para o lado, enquanto os dois homens se empenhavam em uma luta.

Dansburv deu um soco no rosto de Dolph.— Isso doeu, Alteza?O duque o empurrou, levantou-se e limpou o sangue que escorria

pelo canto da boca.— Dansbury! — Virou-se para Lilith. O ódio lhe escurecia' os olhos

azuis. — Rameira! Acha que pode...Jack atingiu-o de novo.— Eu ia atirar em milorde — o marquês usou um tom de voz

ameaçador que Lilith desconhecia —, mas espancá-lo até a morte será mais satisfatório.

Dolph tentou atacar Jack, que se esgueirou e atingiu o inimigo com um novo golpe. O duque se desequilibrou e caiu para trás. Dansbury avançou sobre ele. Dolph enfiou a mão no bolso do casaco, tirou uma pistola e a apontou ao marquês.

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Lilith gritou. Jack não fitou a pistola, mas sim o rosto de Dolph, que sorria com os dentes ensangüentados.

— Milorde cometeu um erro — o duque falou e cuspiu. — Deveria ter-me matado enquanto teve oportunidade. — Virou a pistola na direção de Lilith. — Primeiro vou desgraçá-la. Dansbury, sei que está armado.

Ponha as armas no chão. Devagar.— Não o mate, Jack! — Lilith gritou, encolhida à parede. — Ele confessou. Nada poderá fazer depois disso!Dolph limpou a boca e fitou o sangue que escorria pelos dedos.— E quem acreditará em uma meretriz e em um assassino? Ainda

mais em um que tentou me matar. Dansbury, a forca o espera! As armas no chão!

Jack fitou Lilith. Enfiou a mão no bolso. Tirou primeiro uma e depois a outra pistola.

— Não, Jack — Lilith sussurrou.O marquês abaixou-se e deixou-as no chão.— Dessa vez, não farei a escolha errada — Jack respondeu com calma. — Está bem, Wenford. Deixe a Srta. Benton ir embora.— Saia daí — Dolph ordenou e Jack afastou-se das armas.— Sou seu prisioneiro, Wenford. Solte-a.— Meu prisioneiro — o duque repetiu e apontou a pistola para

Jack. — Espero que o enforquem depois de meu casamento.— Eu o matarei antes de desposá-lo. — Lilith fitou a arma. Se pudesse arrancá-la de Dolph, Jack teria

uma oportunidade.— A senhorita não poderá se casar com mais ninguém. Eu a

possuirei, mas antes o mandarei para Old Bailey. Teremos de antecipar nossa comemoração particular para esta noite.

Lilith aproximou-se e respirou fundo. De repente, deu um berro. No mesmo instante, ergueu uma cadeira e atingiu Dolph no peito. O duque se desequilibrou. Jack pulou para a frente, agarrou o pulso de Dolph e desarmou-o.

— Vossa Alteza não terá nada para comemorar esta noite — Dansbury grunhiu, feroz, e atirou a arma de Dolph a um canto.

O duque jogou-se sobre Jack. O peso dos dois homens quebrou uma das mesas e ambos rolaram no chão. Lilith afastou-se e, na passagem, atingiu Dolph com um pontapé. O duque gemeu e tentou atacá-la. Mas Jack o agarrou pelos ombros e jogou-o outra vez no chão. Agarrado aos cabelos loiros levantou-lhe a cabeça e socou-a no piso de tábuas várias vezes.

— Jack, chega! — Lilith alarmou-se com a fúria na expressão do

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marquês.— Não enquanto ele estiver respirando.Ela ouviu batidas fortes na porta. A maçaneta foi forçada, mas

não pôde ser aberta.— Oh, não! — Lilith pensou em duas hipóteses. Ou Dolph não

estava sozinho ou lorde Hutton encontrara o marquês. — Jack, pare! Pare! — Ela pulou por cima de Dansbury e tentou afastá-lo do duque. — Não o mate! Por favor! — Se Dolph fosse morto, Jack estaria perdido. Ninguém acreditaria que o duque confessara ter matado o tio.

As pancadas na porta continuaram até que foi arrombada. Lilith gritou quando Richard Hutton entrou acompanhado por seis policiais. Jack seria preso e ela nada poderia fazer.

— Dansbury, chega! — Richard berrou e puxou Jack para trás pelo pescoço.

O duque estremeceu, tossiu e começou a rastejar em direção à porta. No chão, uma trilha de sangue escorria-lhe de um ferimento da testa.

— Só mais um minuto, Richard. — O marquês foi atrás de Dolph.— Jack, não, por favor — Lilith implorou.— Isso já foi longe demais, Dansbury — Richard disse com

aspereza.O marquês parou e virou-se para Lilith.— Está bem — sussurrou. — Está terminado... por sua causa.— Graças a Deus. — Richard respirou fundo. — Milorde terá de vir comigo.— Não, ele não vai. — Lilith abaixou-se e apanhou a pistola de

Dolph. Com mãos trêmulas, apontou-a para Richard. — Nós vamos embora.

— Lil, largue a arma — Jack falou com calma e aproximou-se devagar.

Ela negou com um gesto de cabeça, sem tirar os olhos de lorde Hutton e dos policiais.

— Tenho algum dinheiro comigo. Chegaremos à Espanha em pouco tempo.

Jack procurava conter o riso.— Srta. Benton — Richard olhou com desconfiança a pistola que

balançava —, pode não acreditar em mim, mas estou de seu lado.— Milorde veio prender Jack.— Lil. — O marquês parou ao lado dela. — Está tudo bem. Eles

estão comigo.— O quê?— Perdi Wenford de vista há uma hora. Fui ao encontro de

Richard e conseguimos encontrá-lo no momento em que ele a

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arrastava pela viela. Eles escutaram tudo na outra sala. Eu vim por fora até a janela e pude observar o que acontecia aqui dentro.

Não podia permitir que Dolph a machucasse novamente.— Eles escutaram? — Lilith repetiu e abaixou a arma devagar. — Escutaram o duque confessar que matou o tio?— Sim, escutamos — Richard anuiu e respirou, aliviado, quando

Jack tirou a pistola das mãos dela.— Alison disse que milorde não estava satisfeito quando saiu esta

manhã.— A senhorita também ficaria irritada se um mordomo de nove

dedos a tirasse do aconchego de seu lar e a levasse até a estrebaria de Dansbury para entrevistar outro maldito mordomo que estava amarrado lá.

Lilith fitou Jack. Com o lábio cortado, os cabelos desalinhados e a roupa rasgada, ele sorria.

— Milorde o encontrou?— Não, Lil, Peese o encontrou. Eu não estava em casa, por isso

Peese foi à procura de Richard, e Frawley acabou contando o que houve. Naquele dia, Geoffrey Remdale parou na casa do sobrinho e tomou uma dose de conhaque antes de ir até a Mansão Benton fazer-lhe a proposta de casamento. — Jack olhou para Richard.

— Por isso não fui levado para a prisão.— Graças a Deus. — Lilith fechou os olhos por um momento e

depois fitou os policiais que levantavam Dolph. — E quanto a eles?Um dos Bow Street Runners adiantou-se e fez uma mesura.— Ainda há algumas questões que necessitam de esclare-

cimentos. Se lorde Dansbury consentir em acompanhar-nos, não creio que haverá problema.

— Irei, mas gostaria que lorde Hutton viesse comigo.— E acha que eu ficaria para trás? — Richard resmungou.Dois dos Runners desceram a escada com Dolph, e Jack entregou

a Richard a pistola que tirara das mãos de Lilith.— Obrigado, Lil.Ela gostaria de dizer muitas coisas a Jack, mas envergonhou-se

por estar diante de Richard e dos outros homens.— Não foi nada, Jack.Ele a fitou em silêncio por alguns momentos. O olhar foi mais

eloqüente do que as palavras.— Precisamos levar a Srta. Benton para casa — o marquês disse a

Richard, que anuiu.— É melhor nos apressarmos antes que o príncipe Jorge mande os

granadeiros reais atrás de milorde.— Jack? — Lilith sussurrou.— Falaremos mais tarde — ele respondeu no mesmo tom e sorriu.

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— Depois de eu esclarecer tudo.A jovem não se acalmou. Dansbury estava disposto a agir com

honradez. O que poderia negar a ela o mais importante. Jack.

Capítulo XIII

William decidiu dar uma pequena demonstração de des-prendimento em favor da irmã. Nada mais merecido. Lilith passara a vida inteira sacrificando sua felicidade pela família.

Ele desalinhou os cabelos e subiu os degraus da frente da casa de Antonia St. Gerard. O que ela havia feito contra Jack era inaceitável. Se Dansbury fosse enforcado pelas mentiras de Antonia, William também seria culpado.

Bateu à porta e entrou assim que a mesma foi aberta por Linden.— Onde está Antonia? — gritou e foi até a escada.— Em seus aposentos. — O mordomo fechou a porta. — Tive ordens de não deixar ninguém entrar, a não ser o senhor.— Agradecido, Linden.O rapaz foi até o segundo pavimento e entrou no quarto de

Antonia sem bater. Deteve-se, como de costume. Ainda não havia se habituado à decoração negra que agradava a ela. No começo, William pensara em um cenário exótico. Depois, achou absurdo. Antonia, que estava sentada junto à mesa e escrevia uma carta, levantou o olhar.

— William, mon amour. O que houve?— Tem de sair daqui.

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— O rapaz foi até o guarda-roupa e escolheu alguns trajes de viagem.

Antonia levantou-se e chegou perto dele.— Estamos fugindo? — Ela sorriu, acariciou-lhe o ombro e tirou

um vestido de musselina azul do armário.— Não ouviu falar? — William continuou a atirar trajes em cima da cama. — Nem poderia, não é? Acabou de se levantar.— Fiquei acordada até tarde. — Fitou-o com o cenho franzido. — O que houve?— Foi encontrada uma carta. O antigo duque de Wenford se

matou.— Isso é um contra-senso — disse, aturdida.— Não é. A escrita foi confirmada por Dolph Remdale. Dansbury

ficou livre das acusações e está furioso porque a senhorita testemunhou contra ele para as autoridades. E sabe muito bem como Jack reage quando alguém o trapaceia.

— O rapaz levou a mão de Antonia ao coração.— Eu sei. — Ela foi até a janela, olhou para fora e voltou-se. — Tem certeza, William?— Price me contou.— Jack não ousaria fazer nada contra mim.— Antonia, por suas palavras, ele quase foi preso e enforcado! O

marquês matou aquela mulher em Paris por muito menos do que isso. Por favor, arrume suas coisas! Quando a senhorita estiver longe daqui, tentarei convencê-lo a não lhe fazer mal algum. Direi a ele que foi minha culpa ou algo assim.

— Por que não vem comigo, William? Poderíamos viver em Paris. — Estendeu a mão. — Seria merveilleux.Aquela era a parte mais difícil de contornar. O rapaz anuiu,

distraído. Em seguida, mostrou-se assustado com um som imaginário e fitou a porta.

— Primeiro tenho de falar com Dansbury e convencer meu pai a não me deserdar.

— Por que ele o deserdaria? William tornou a olhar a porta.— Ora eu falei mal de Dolph Remdale e estou endividado até o

pescoço. Se eu fosse para o continente e deixasse o rombo para meu pai acertar, jamais veria a cor do dinheiro dele.

— Suspirou e sorriu. — Talvez pudéssemos abrir um salão de jogos em Paris. Então não precisaríamos de meus rendimentos.

Antonia observou-o por um instante, foi até a porta e abriu-a.— Linden! Preciso de minhas arcas de viagem immediatementl —

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Fechou a porta e encostou-se à mesma. — Está certo, mon amour. Irei antes e mandarei avisá-lo quando encontrar uma casa. Confio em sua habilidade de apaziguar Jack.

O rapaz concordou, solene, e fez um grande esforço para esconder um sorriso de triunfo.

— Farei o possível. Sentirei sua falta, Antonia. Ela se encostou a ele.

— Contarei os dias para revê-lo.— Eu também.William beijou-lhe a mão. Linden veio com outro criado,

carregando uma arca enorme. Com um aceno para o mordomo, o rapaz desceu a escada e deixou a casa de Antonia St. Gerard. - Montou em Thor e rumou à Mansão Benton. Não fora tão penoso. Embora desapontado com a certeza de que Jack tinha razão a respeito dela, havia ficado aliviado de ter escapado ileso de suas garras. E seria uma testemunha a menos contra Jack, se ele fosse levado a um julgamento. Sorriu. Talvez o aluno tivesse aprendido alguma coisa com o mestre.

Bevins abriu a porta da frente e Lilith entrou.— Papai está? — Ouviu a carruagem afastar-se levando Jack,

lorde Hutton e Wenford.— Srta. Benton, ele e sua tia foram almoçar com lorde e lady

Neuland. Devem voltar em uma hora.— E William?— Ainda não retornou.— Obrigada, Bevins. Estarei na biblioteca.— Sim, milady.Lilith subiu até seu quarto, trocou de roupa e em seguida foi à

biblioteca. Estava satisfeita por lhe ter sido dado um intervalo para pensar numa maneira de fazer um relato das notícias. O pai ficaria furioso e envergonhado. Afinal, ele a forçara a ficar noiva de um assassino. Com certeza, não era a espécie de marido que tinha imaginado para a filha. Então ela poderia dizer que estava apaixonada por outro.

Um cavalheiro que se arriscara para proteger-lhe a reputação e a vida.

Suspirou e sentou-se em uma das poltronas diante da lareira. Pensou na atitude estranha de Jack depois de agarrar Wenford. Mal havia falado com ela e parecera ansioso para sair com Richard e prestar testemunho contra Dolph.

Jack Faraday ganhara o jogo e poderia decidir que não precisaria mais dela. Só de imaginar uma coisa dessas doía-lhe o coração. Todavia, restava a esperança de que o marquês estivesse tentando

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ser honrado por sua causa. Teria de acreditar nessa hipótese. Seria doloroso demais considerar qualquer outra.

Escutou a porta da frente ser aberta. Apressada, pegou um livro da mesa e abriu-o, fingindo ler.

— Lil?Ela suspirou, aliviada.— William. Onde esteve?O rapaz sentou-se na poltrona contígua.— Cuidando de algumas coisas. Por que está em casa? Não se

encontrava em visita aos Hutton?— Que coisas, William? Não fez nenhuma tolice, fez? Ele levou as

mãos ao peito e arqueou as sobrancelhas.— Tolice? Eu? — Notou a suspeita na expressão da irmã. Sorriu e

sacudiu a cabeça. — Não. Percebi meu erro no relacionamento com Antonia. Ela

está voltando para a França. Ficará fora por um tempo. Alguma notícia de Dansbury?

William não era tão estouvado como parecia. Prestara um grande serviço a Dansbury.

— Ouvi dizer que Antonia testemunhou contra Jack. Sabia disso, não é?

— Bem... sim, eu sabia. — O rapaz inclinou-se e leu o título do livro que Lilith segurava.

— Dicionário da Língua Inglesa, de Johnson? Lil, ainda não respondeu à minha pergunta. Não deveria estar com lady Hutton? O que houve?

— Wenford confessou tudo. William deu um pulo.— O quê!?Lilith não teve tempo de explicar. A porta da frente foi novamente

aberta, dessa vez com estardalhaço.— Lilith!— Estou aqui, papai. — Ela franziu o cenho. O grito do visconde

não lhe agradou.Stephen Benton abriu a porta da biblioteca com um empurrão.

Entrou seguido por tia Eugenia, muito pálida e com os lábios estreitados.

— Maldito Dansbury! — o visconde gritou antes de olhar para William. — Encorajou essa amizade. Não posso acreditar!

— Papai, eu...— Isso é um desastre! Não há como escapar do escândalo. Todos

sabiam que minha filha estava noiva. Maldito Dansbury! — Stephen repetiu, possesso.

— Papai! — Lilith não podia permitir que o nome de Jack Faraday fosse enxovalhado.

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— Dolph Remdale é um assassino.— Então isso também lhe chegou aos ouvidos. Como soube?A jovem continuou sentada com as mãos apertadas no colo para

que não tremessem.— Ajudei lorde Dansbury e os Bow Street Runners a apanhar Sua

Alteza.Os outros ficaram paralisados.— O que foi que fez, Lilith? — O pai foi o primeiro a se recuperar.— Pela maneira como Sua Alteza falava comigo e agia contra

mim, tive certeza da veracidade das palavras de lorde Dansbury. Foi Sua Alteza quem matou o velho duque.

— Eu não havia lhe proibido de falar com o marquês de Dansbury?

Lilith não se conformou. O pai nem mesmo parecia importar-se com o fato de Remdale haver matado o próprio tio para ficar com o título.

— Pois bem, falei com ele. Eu não me casaria com um homem que mata por riqueza e posição e que ainda por cima bate em mulheres!

— Dolph a agrediu? — William perguntou, indignado.— Silêncio, William! — O visconde, vermelho de fúria, aproximou-

se de Lilith. — Estou falando com sua irmã. Acha que sou um idiota, menina?

Sei muito bem que conspirou contra Wenford por não querer se casar com ele! — Socou a palma da outra mão.

— E arruinou a melhor... a única oportunidade de um casamento respeitável. Daqui para a frente, ninguém mais a olhará!

Lilith ficou em pé.

— Papai, ele me bateu! Tentou me matar! Matou o próprio tio! Como pode estar com raiva porque eu não queira me casar com o duque?

O visconde apontou-lhe um dedo.— A minha filha é um poço de egoísmo! Sabia muito bem que

nossa família precisava dessa união. O que fez? Destruiu tudo porque não lhe agradava o marido que seu pai escolheu. Destruiu tudo! — o visconde repetiu, bufando.

— Teremos de voltar para Northamptonshire e nunca mais poderemos mostrar o rosto em Londres.

Lilith sabia que nada fizera de errado.— Papai...— Por Deus, eu deveria renegá-la. E igual à mãe que só pensava

nela mesma.Tia Eugenia fungou e William se esforçava para dominar a raiva.

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— Papai, durante seis anos, não fiz outra coisa a não ser pensar no senhor e em nossa família — Lilith falou em voz baixa e trêmula de emoção. O pai não se importava com ela.

— Em troca, só recebi seu desprezo. Concordo com o senhor. Quero ser renegada. Não desejo mais ser sua filha. William, por favor, poderia ajudar-me a levar minhas coisas para a casa de Penélope? Não ficarei mais nenhuma noite debaixo deste teto.

Atordoado, William fitou-a por um momento antes de consentir:— Claro que sim.O pai ficou ainda mais vermelho de tanta raiva.— Se deixar esta casa, jamais será recebida de volta! Não terá

dinheiro, amigos, nem lar. Nada!Lilith virou-se de costas para não lhe dar a satisfação de vê-la

magoada.— Se for preciso, trabalharei como preceptora. — Foi até a porta e

William a seguiu. De repente, voltou-se. — Levarei o retrato de mamãe que o senhor escondeu no sótão. Se tivesse sido mais bondoso, creio que ela não o teria abandonado. Agora o senhor perdeu nós duas.

— Menina insolente! — tia Eugenia gritou.— Bons ventos a levem — o visconde resmungou diante da

lareira. — Bevins! Reúna a criadagem. Informe a todos que fecharemos

esta casa e que voltaremos a Northamptonshire amanhã!Lilith saiu da biblioteca, foi a seus aposentos e chamou Emily para

ajudá-la a empacotar seus principais pertences. Bevins e William trouxeram uma de suas arcas de viagem e dois criados, a outra.

— Não precisa sair correndo, Lil. — O irmão sentou-se na beira da cama.

— Papai não se incomodará se for necessário ficar mais um ou dois dias.

— Deu um sorriso forçado. — Afinal, a srta. Lilith Benton continua sendo sua melhor chance de respeitabilidade.

A jovem admirou-se de não estar tão preocupada com a situação. Na verdade, sentia-se aliviada. Nunca mais teria de escutar recriminações do pai e da tia. Não seria a esperança de ninguém.

— William, não suporto mais essa pressão sobre mim.— Para ser sincero, não sei como vem agüentando essa situação

há seis anos.— Por favor, guarde meus livros para que papai não os queime.

Leve minhas coisas de volta para casa.— Sim, Lil. O que mais?Ela pensou nos amigos de Northamptonshire. Depois do

escândalo de sua partida, eles também se afastariam.

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— Nada, William, obrigada. Quando eu encontrar uma ocupação, escreverei para dar meu endereço.

— E quanto a Jack?Lilith sentiu as lágrimas aflorarem aos olhos.— Não sei, William.— Mas eu sei. — O irmão levantou-se. — Creio que preciso trocar

algumas palavras com meu amigo.— Não se atreva! — protestou, envergonhada. Não queria mais

ninguém providenciando matrimônios para ela. — Não quero que ele se sinta obrigado a fazer nada.

— Duvido que eu possa convencê-lo de alguma coisa. — Foi até a porta.

— Pedirei a Milgrew que traga o coche.Estavam havia pouco tempo em Londres e Lilith tinha pouca coisa

a ser transportada. Antes do anoitecer, ela e William estavam na carruagem, a caminho da residência dos Sanford.

O pai e tia Eugenia não vieram para as despedidas, o que só serviu para Lilith certificar-se de que agira corretamente. Se gostassem dela, teriam lhe pedido que ficasse.

Lilith preocupou-se quando chegaram diante da mansão dos Sanford. Se lorde e lady Sanford recusassem sua permanência ali, pensou se teria coragem de pedir abrigo aos Hutton. Eram seus únicos conhecidos. O pai sempre havia lhe escondido o paradeiro dos parentes de sua mãe. Aliás, nem mesmo sabia se eram vivos. William sentiu a hesitação da irmã. Ajudou-a descer da carruagem e levou-a até a entrada.

— Não se preocupe, Lil. Haveremos de encontrar um lugar seguro para abrigá-la.

O mordomo dos Sanford abriu a porta.— Lady Sanford ou a Srta. Sanford se encontram em casa?— Lilith indagou.— As duas estão em casa, Srta. Benton. Entre, por favor.O mordomo levou os irmãos até a sala de estar e Penélope deu

um pulo do sofá.— Lil! Ouvimos falar a respeito de Sua Alteza. Quem poderia

imaginar que ele mataria o tio?— O fato já me ocorrera — Lilith informou. Os irmãos

cumprimentaram lady Sanford. — Na verdade, é por isso que vim até aqui.Pen levou-a até o sofá e apontou uma poltrona para William.Lady Sanford tocou a sineta e pediu chá.— O que houve, minha filha? — A bondosa senhora mostrou-se

preocupada.— Terei de contar-lhe toda a história, milady.

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— Eu também gostaria de ouvi-la, Lil — William interveio.— Não soube de muita coisa antes.— Lady Sanford, por causa de certas circunstâncias que prefiro

omitir, o marquês de Dansbury e eu tivemos razões para suspeitar que Sua Alteza, o antigo duque, foi assassinado por Randolph Remdale. Implorei a meu pai que não me obrigasse a casar com Dolph, mas ele não me escutou.

— Creio que a decisão não foi de seu agrado — lady Sanford murmurou.

— Não, milady. Todavia, as evidências acabaram se tornando mais fortes contra Dolph. Tive de fazer uma escolha. Ou ajudaria Jack... Dansbury... a provar a verdade ou me arriscaria a desposar um assassino. Esta manhã, vi o duque ao longe. Como eu sabia que Dansbury o procurava, eu mesma o segui.

— Não acredito! — Pen sufocou um grito, com os olhos arregalados.

— Fingindo não saber que era seguido, Dolph levou-me a um local solitário onde me agarrou. Evitarei os detalhes sórdidos, milady. Felizmente, fomos encontrados pelo marquês de Dansbury, por lorde Hutton e por alguns agentes dos Bow Street

Runners. Percebi que Dansbury poderia escutar o que dizíamos e forcei Dolph a confessar o assassinato do tio com um ardil.

— Lil, foi um desempenho espetacular, embora arriscado— William admirou-se.Penélope bateu palmas.— Não foi essa a opinião de meu pai — Lilith prosseguiu com

tristeza. — Ele estava muito aborrecido por eu haver desperdiçado a

chance de um bom casamento e ter desencadeado um novo escândalo sobre a família. Papai se recusou a entender meus motivos e ameaçou renegar-me. Afirmei que seria a melhor atitude, pois não estava disposta a ficar nem mais um dia sob o mesmo teto de alguém que não se importa comigo.

— Lilith respirou fundo. — Por isso, vim até aqui. Se milady me permitir, eu...

— Claro, Lil, terá de ficar aqui! — Penélope entusiasmou-se e segurou a mão da amiga.

William sorriu para Penélope, que enrubesceu.— Minha filha — lady Sanford inclinou-se para a frente e deu uma

batida carinhosa na perna de Lilith —, eu não poderia desejar melhor companhia para Penélope. Fique por quanto tempo quiser.

— Milady, tenho certeza de que o escândalo não poderá ser evitado.

— Lilith não continha as lágrimas de agradecimento.

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— Bobagem. — Lady Sanford fez um gesto de pouco caso.— Esta casa precisa de mais animação.— Tem certeza, milady?— Lil, seremos como irmãs! — Penélope exclamou. — Eu não poderia estar mais feliz!— Ficarei apenas até encontrar um emprego de preceptora— Lilith informou.— Preceptora? Lil, e quanto... — Pen fitou a mãe — àquele que nós sabemos de quem se trata?— Está agindo com honradez. — William sorriu para Penélope. — Mas vai superar isso.— Sr. Benton, o que pretende fazer? Também se desentendeu

com seu pai? — lady Sanford perguntou.— Oh, não, milady. Tenho uma herança à minha espera. E

também preciso cuidar dos pertences de Lil.— Muita bondade sua — Penélope elogiou-o.— Não será nada além de minha obrigação. Minha irmã foi

obrigada a suportar minha falta de juízo desde criança. — William, muito sério, sentou-se mais para a frente.

— A senhorita é que está demonstrando grande bondade.Penélope abaixou a cabeça com timidez e lady Sanford olhou de

um para outro com interesse.— Muito bem, Lilith — lady Sanford disse após alguns momentos

—, trouxe suas coisas?— Sim, milady.— Então vamos arrumar um dos aposentos. Esta noite, teremos o

baile dos Delmore.— Oh, não poderei ir — Lilith protestou.Todos ficariam sabendo e murmurariam comentários. Jack

poderia estar presente, o que haveria de piorar a situação. Lilith estremeceu. O nobre Jack Faraday. Independentemente do que pudesse acontecer, desejava uma explicação para o estranho comportamento dele. William poderia estar correto. Nesse caso, várias idéias lhe ocorreram para fazer o marquês de Dansbury desistir de seu comportamento respeitável e não habitual.

— Pois eu creio que seria uma idéia excelente — William contestou e olhou para Penélope.

Lilith supôs que o irmão era mais inteligente do que supunha.— Se milady não acha inoportuno, por que não? — concordou por fim a srta. Benton.Jack Faraday desmontou diante da Mansão Benton no final da

tarde. Criticou a si mesmo por haver deixado Lilith enfrentar sozinha a raiva do pai. Alguém precisava dizer a lorde Hamble que

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ele errara em forçar o compromisso da filha com Dolph Remdale. E o marquês de Dansbury pretendia retificar essa situação.

Em vez de ter ido prestar depoimento com Richard, deveria ter acompanhado Lilith para garantir que seriam mínimos os prejuízos à sua reputação. Depois de cinco horas de interrogatórios e argumentação, admitiu que não havia se afastado de Lilith apenas por cavalheirismo.

Ela estava livre do compromisso de casamento com o duque e poderia escolher qualquer um de seus antigos pretendentes. Depois de passada a euforia inicial, a jovem poderia entender que Jack Faraday não seria um marido ideal.

Dansbury bateu a aldrava de bronze da porta. Demorou um pouco para Bevins atender.

— Pois não, milorde? — O espanto era evidente.— A srta. Benton pode receber visitas? — Jack esmerou-se na

cortesia, apesar da vontade de irromper na mansão.— Não, milorde.— Por favor, poderia dizer a ela que estou aqui? — O marquês não evitou um tom mais áspero.O mordomo hesitou e olhou para trás.— Não posso, milorde — Bevins falou em voz baixa.— E por que não? Não se esqueça de que o vi carregando o

cadáver de Sua Alteza pelas ruas de Londres! Não vai querer que ninguém saiba disso, não é?

— Não, milorde. Mas a srta. Benton não está aqui.— Quando ela voltará?Mais uma vez Bevins olhou para dentro.— Ela não vai voltar, milorde.— Bevins, se não quer ficar sem dentes, diga-me exatamente

onde Lilith está.— Não sei onde ela se encontra, milorde. Por favor, fale baixo.

Não quero perder meu cargo por estar falando com milorde.— O que aconteceu, Bevins?— Não tenho certeza, milorde. Acredito que a srta. Benton e lorde

Hamble se desentenderam. Ela saiu com as arcas de viagem.— Ela não voltou a Northamptonshire, voltou?— Acredito que não. O visconde e lady Eugenia voltarão para lá

amanhã. — Bevins olhou ao redor e inclinou a cabeça para mais próximo

de Jack. — Creio que ela deixou esta casa, milorde. E também o pai.— O quê!? — Dansbury não podia acreditar que Lil tivesse

tomado uma atitude daquelas. Por certo, decidira que estava na hora de mudar a situação. — William está?

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— Ele acompanhou a srta. Benton. Por favor, milorde, vá embora.Bevins fez uma mesura e fechou a porta sem ruído.Jack ficou parado nos degraus. O último grande baile da

temporada seria naquela noite. Sua esperança era encontrar Lilith na festa. Não havia sido convidado. Mas não teria problemas para ser recebido, pois a prisão de Wenford já deveria ser de conhecimento público. Se não a encontrasse lá, teria de prosseguir a busca.

Voltou para casa. Encontrou Peese e Martin comemorando a vitória com uma das melhores garrafas de conhaque. Acompanhou-os nos brindes. Depois de algum tempo, pediu a Martin que subisse e o ajudasse a vestir-se. Sugeriu o traje mais sóbrio que houvesse no guarda-roupa. Martin escolheu calça e paletó negros, colete cinza e gravata branca.

— Uma pena que não tenho uma carruagem de duas parelhas e animais negros.

— Jack vestiu as luvas.— Seria um horror, milorde.O marquês chegou à festa dos Delmore e, após uma breve

hesitação da anfitriã, recebeu uma solicitação simpática para entrar. Jack agradeceu com a maior polidez. Ao entrar no salão, teve um sobressalto. De alegria.

Lilith ainda estava em Londres e não parecia muito aborrecida por haver deixado a casa do pai. Ao contrário. Estava radiante, vestida com o ousado traje verde-esmeralda. No centro de um grupo de amigos, desdobrava-se em atenções. Parecia que todos pretendiam cumprimentá-la por tanta bravura. Jack teve a impressão de que falavam sobre o caso.

Lilith desabrochara. Demonstrava alegria e vivacidade. Os olhos verdes brilhavam. Sem o peso nos ombros que a obrigava a ser perfeita, esbanjava beleza, charme e inteligência.

Jack sentiu a animação desaparecer. Por que uma jovem de tanta luz haveria de querer um homem como ele? Admitiu a impossibilidade de viver sem Lilith Benton. Ao mesmo tempo, não pretendia forçá-la a aceitar nada que não fosse do agrado dela. Seria uma tolice arriscar a nova popularidade e ser vista com Jack Faraday. Além do mais, Lilith não era nenhuma tola.

Lilith imaginara que as senhoras respeitáveis a evitariam. O que não aconteceu. Ao entrar no salão, ela e Pen foram imediatamente rodeadas pelo círculo usual de amigos. Logo apareceram outros que nunca haviam se preocupado em estreitar as relações de amizade. Sentiu-se desconcertada com tantas atenções e palavras de aprovação. Até ouvir a versão que circulava sobre os acontecimentos daquela manhã.

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— Lil, deveria ter-nos contado — Mary Fitzroy recriminou-a com uma risada.

— Bem, eu não poderia dizer nada — respondeu sem saber ao certo do que se tratava.

— Imaginar que a senhorita conhecia a periculosidade de Sua Alteza e que o primeiro-ministro em pessoa lhe pediu ajuda para prender o maluco!

Lilith surpreendeu-se e logo entendeu o que ocorrera. Jack pretendia portar-se com nobreza e para isso tinha contatado lorde Hutton e até o conde de Liverpool. A jovem resolveu não responder a mais perguntas até inteirar-se completamente do assunto. E custou a acreditar na história. Dolph vinha sendo secretamente investigado. Lilith fora procurada depois de perceberem o interesse dele por ela. Tudo havia transcorrido sem sobressaltos até aquela manhã. Receando uma fuga de Sua Alteza, pediram que Lilith Benton o atraísse a um local onde seria facilmente preso, sem causar danos a ninguém.

— Não imaginei que eu fosse tão heróica — Lilith cochichou com Pen, aproveitando o burburinho em volta delas.

— Esse não foi o relato que mamãe e eu escutamos. — Pen franziu o cenho.Jack tinha sido maravilhoso.— Infinitamente mais de acordo com a minha reputação do que a

verdade, não é?— Lilith? — Era Lionel Hendrick, o conde de Nance.— Milorde.— Eu poderia falar-lhe por um momento? — Ele apontou a pista

de dança. — Uma quadrilha?— Com prazer.Ela foi conduzida até o piso encerado. A música começou. Lilith e

Lionel fizeram uma mesura e começaram a dançar.— Lilith, por que não me contou que o noivado com Wenford era

uma farsa?O conde de Nance não perdia tempo.— Não tive autorização para divulgar a verdade.Todos ignoravam que Lilith Benton não tinha mais dote. Ela

refletiu se o fato influenciaria seus pretendentes.— O que importa, Srta. Benton, é que está livre novamente.— É verdade.Naquele instante, ela viu Jack de costas. Ele sentiu o olhar da

jovem e virou-se. Lilith prendeu a respiração e sorriu em seguida. Jack retribuiu o sorriso e observou-a.

— Estou notando que está satisfeita, Srta. Benton.

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— Lionel interpretara a expressão de Lilith de maneira enganosa. — Talvez eu possa alimentar a esperança de tê-la como minha

esposa.O conde de Nance era bonito e atencioso. Embora não tivesse

uma inteligência brilhante, não parecia ser daqueles que espancavam a esposa. Porém, o coração dela tinha dono. Se não fosse Jack, não queria ninguém mais.

— Lionel, eu lhe agradeço pela oferta generosa, mas as circunstâncias tiveram uma pequena alteração. Decidi que somente me casarei por amor. Por isso, eu lhe peço perdão, mas não aceitarei sua proposta.

Nance fitou-a, perplexo, até colidir com o sr. Nanders por trás.— Ah, perdão, Nanders — Nance gaguejou e retomou o ritmo. — Srta. Benton, serei um bom marido.— Mas eu não seria uma boa esposa. Não sou tão gentil e digna

como milorde imagina.— Não creio nisso.— Não quero me casar com milorde. Por favor, não insista. Eu

detestaria ser grosseira.Nance franziu o cenho.— Está bem, srta. Benton, Talvez esteja certa. Peço-lhe perdão.Eles terminaram de dançar a quadrilha. Lorde Nance levou Lilith

de volta ao local onde lady Sanford estava sentada e desapareceu.— Algum problema, minha querida? — a mãe de Penélope

perguntou.A presença de Jack deixava Lilith arrepiada.— Apenas um mal-entendido, lady Sanford. Onde está Pen? A

dama sorriu.— Ali.Na mesa de comidas e bebidas, William servia uma taça de

ponche a Penélope. Os dois riam. Lilith suspirou. Pelo menos para eles, a situação melhorava. A orquestra iniciou e vários conhecidos se aproximavam.

— Lady Sanford, permita-me ausentar-me por um minuto?— Claro, minha filha.Lilith localizou Jack e caminhou na direção dele, ignorando os

murmúrios à sua volta. Dansbury não escondeu o espanto e veio a seu encontro.

— Lil, está tudo bem? — O marquês levou a mão da jovem aos lábios.

— Não. Milorde abandonou-me esta manhã. Jack hesitou antes de responder:

— Tive de prestar um testemunho e responder a um in-terrogatório.

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— E esse testemunho, Dansbury, transformou-me em heroína.— Ótimo. Foi uma honra merecida.— Não posso negar. — Lilith fingiu presunção. — E qual seu papel na história, milorde?— Eu estava apenas tentando salvar minha pele. Atitude típica de

um coração empedernido.— Entendi. — Ela o encarou. — Quer saber o que penso?— Não.— Que milorde está agindo com uma tola honradez pensando

apenas em meu bom nome.— Pelo que me recordo, senhorita, sua prioridade sempre foi a

reputação.— Pois aprendi, milorde, que minha felicidade é mais importante. — Lilith estendeu a mão. — Quer dançar comigo?— Sem dúvida.Jack a levou até a pista e tomou-a nos braços. Lilith amava ser

enlaçada por ele e sorriu quando o marquês não conseguiu manter uma distância respeitável.

— Quais são seus planos para o futuro? — ela perguntou.— Isso depende. O que a senhorita discutia com Nance há poucos

minutos?Lilith achou graça por Jack estar com ciúme.— Ele pediu outra vez que me casasse com ele.— E o que decidiu, Srta. Benton?— Ninguém mais, a não ser milorde, demonstrou importar-se

comigo, corn o que penso e com o que me agrada.— Lil. — Jack engoliu em seco. — Ouvi dizer que saiu da casa de

seu pai. Espero que não tenha sido por minha causa.— Creio que foi por nós dois. Mas eu precisava que me dissesse

mais alguma coisa.— Lil, eu não seria um bom marido. Eu jogo, bebo, não tenho

escrúpulos...Ela sabia que Dansbury tentava convencer-se de que a atitude

mais nobre seria afastar-se. Precisava levá-lo a algum lugar onde pudesse ser mais persuasiva.

— Foi por isso que arriscou sua vida para salvar-me? Jack, não podemos conversar aqui.

— Lilith...— Encontre-me na biblioteca em cinco minutos, está bem? — ela

o interrompeu.— Eu não deveria...— Deve sim, se não quiser que me case com Nance. Jack franziu o

cenho.

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— O conde de Nance é um ótimo partido.— Então está certo. Devo convidá-lo para a cerimônia?— Muito bem. — A relutância e o desejo travavam uma batalha na

mente do marquês. — Eu a encontrarei na biblioteca!Assim que a música terminou, Lilith decidiu usar de um artifício

para fazer Jack voltar a seu estado natural de poucos floreios morais. Se tivesse coragem.

Ele a levou de volta à companhia de lady Sanford. Cumprimentou os conhecidos, divertindo-se com o constrangimento daqueles que o haviam evitado nos últimos dias. Lilith observou-o ir em direção à escada e sumir.

— Vou fazer companhia a Penélope e a William, antes que um novo escândalo estoure. Agir com sutileza não é o que eles sabem fazer de melhor. — Lady Sanford sorriu para Lilith e foi até onde Pen e William conversavam e riam, alheios ao que se passava.

Assim que a nova dança começou, Lilith aproveitou a distração geral e subiu a escadaria larga. O mordomo' passou e olhou-a com curiosidade. Ela levou a mão aos cabelos, dando a impressão de estar à procura de um aposento para recompor o penteado.

Empurrou a porta entreaberta da biblioteca e entrou. Jack olhava a escuridão através do vidro da janela. Virou-se ao escutá-la entrar e trancar a porta.

— Despertará suspeitas, não acha?Ela deu de ombros. Foi até a outra porta e também a trancou.— Quero fazer amor, Jack.— Mas... aqui?! — Ele se espantou.— Isso mesmo.— Lil, eu lhe darei um minuto para retirar o que disse — falou

com voz rouca. — Não pense que serei honrado a ponto de recusar sua proposta.

Não sou tão cavalheiro.Ela sorriu. A respiração de Jack tornou-se arfante. Lilith se

regozijou com o poder que exercia sobre o marquês de Dansbury. Ele se preocupava com a mais leve mudança de expressão em seu rosto e não se acalmava enquanto não decifrasse o significado da mesma.

— Milorde, saiba que eu estava contando com essa sua falta de comedimento — ela sussurrou.

Aproximando-se, abraçou-o pela cintura. Beijou-lhe o queixo, a ponta da orelha e depois os lábios com paixão.

— Lil, se alguém nos descobrir, seu bom nome...— Não diga mais nada. — Tirou-lhe o paletó, o colete e jogou-os

no chão.

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— Isso é completamente... inadequado. — Jack suspirou quando ela lhe puxou a gravata, que foi largada

sobre o colete.— Eu sei.— Podemos ao menos sair de perto da janela? Lilith beijou-lhe a

base do pescoço.— Já que insiste.O conjunto musical iniciou uma dança campestre e a jovem levou

Jack até o sofá.— Lil, tem certeza do que está fazendo?— Deixe de ser irritante, Jack Faraday.Antes que perdesse a coragem, ela terminou de despi-lo e em

seguida tirou a própria roupa com movimentos leves e sensuais. Deitou-se sobre o corpo quente e másculo, sentindo o membro ereto penetrá-la. Lilith gemia enquanto deslizava sobre ele com languidez.

Dansbury estava completamente extasiado. Então ela o beijou com sofreguidão e foi prontamente correspondida.

Segurando-lhe os quadris delicados com firmeza, ele intensificou os movimentos de Lilith enquanto levantava os próprios quadris, aprofundando as sensações de prazer até atingirem o orgasmo. Ambos ao mesmo tempo.

Exaustos, permaneceram abraçados por alguns minutos.— Lil?— O que é?— Eu a amo — Jack murmurou.Ela estremeceu e fechou os olhos. Jack dissera o que ela tanto

esperava escutar.— Então está tudo resolvido — Lilith procurou falar de maneira

trivial.— Resolvido o quê?— Terá de se casar comigo.— Como é? — Ele a fitou.— Eu arruinei a sua respeitabilidade. Não duvide que nos viram

entrar aqui. Se não se casar comigo, ficará solteiro para sempre. Ninguém mais o aceitará.

Rindo, Jack tirou-lhe uma mecha de cabelos dos olhos.— E mesmo? A senhorita não se incomodará de ficar acorrentada

a uma cópia malfeita de um cavalheiro?— Nem um pouco. Se milorde não se importar em casar-se com

uma jovem não convencional.— Minha querida, parece que se curou mesmo da ânsia pela

reputação imaculada.

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— Jack segurou-lhe o rosto e beijou-a. — Suponho que, se a Srta. Benton pôde tornar-se indecorosa para mim, Jack Faraday poderá tornar-se mais respeitável. — Tornou a beijá-la.

— Lilith, aceita casar-se comigo?Uma lágrima de alegria deslizou pela face dela.— Claro, Jack. É o que eu mais desejo neste mundo.— E o quanto antes, permita-me acrescentar. — Entrelaçou os

dedos aos dela. — Srta. Benton — falou com seriedade Ungida —, contei sete

propostas nesta temporada. Não quero me arriscar. Eu poderia ser trocado por um candidato mais qualificado.

Lilith chorava e ria.— Fique quieto, Jack. Beije-me.O marquês de Dansbury ficou muito feliz de cumprir aquelas

ordens.

FIM