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SUSTENTABILIDADE SÓCIO-ECONÔMICA AGREGAÇÃO DE VALOR E AGROINDÚSTRIA FAMILIAR 1 ERCILIA BUENO BASSANI – INCAPER RESUMO Este texto tem por objetivo disponibilizar elementos que norteiam as atividades de Sustentabilidade sócio-econômica - Agregação de Valor e Agroindústria Familiar inseridas no contexto do curso de Agroecologia – através do Ministério do Desenvolvimento Agrário -MDA, do Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural - Dater, da Secretaria da Agricultura Familiar – SAF; REDCAPA, Universidade de Berkeley - USA, SOCLA - Sociedade Científica Latino- americana de Agroecologia. Pretendemos aqui disponibilizar elementos para a concepção de agroindústria familiar inserida na idéia de desenvolvimento e sustentabilidade, dar uma visão que possa nortear aos que se envolvem ou começarão a se envolver nesta atividade. Enfatizaremos de forma breve sobre a concepção de agroindústria familiar de pequeno porte, também o reconhecimento da importância da atividade da agroindústria familiar; agregação de valor e a agroindustrialização; a agroindústria familiar de pequeno porte como instrumento de desenvolvimento local e regional; a agroindústria de pequeno porte e sustentabilidade; a agroindústria de pequeno porte e desenvolvimento territorial sustentável; aspectos sobre a formalização de pequenas agroindústrias; aspectos sobre o controle de qualidade; a legislação sanitária e o controle de qualidade; qualidade ampla; o método de controle de qualidade normativo, assuntos estes relacionados às ações e políticas públicas vigentes na busca da superação de desafios coletivos e da melhoria da qualidade de vida. Palavras-chave: sustentabilidade sócio-econômica, agregação de valor, agroindústria familiar,agroecologia. 1 Concepção de agroindústria familiar de pequeno porte 1 Economista Domestico e Nutricionista pela Universidade Federal de Viçosa . Agente de Desenvolvimento Rural do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural INCAPER.. Especialista em Tecnologia , Qualidade, Processamento e Controle de Carne , Leite, Ovos e Pescado pela UFLA – Universidade Federal de Lavras , Especialista em Tecnologia Qualidade e Controle de Vegetais e Metodologia de Ensino Superior - UFLA; Especialista em Extensão Rural e Desenvolvimento Sustentável – UFRPE – Universidade FederaL Rural de Pernambuco. Colaboradora do MDA - Coordenadora /Facilitadora / Professora curso EAD Agroecologia - Ministério do Desenvolvimento Agrário -MDA, Univ. Bekerley - REDECAPA - – SOCA.

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SUSTENTABILIDADE SÓCIO-ECONÔMICA

AGREGAÇÃO DE VALOR E AGROINDÚSTRIA FAMILIAR

1 ERCILIA BUENO BASSANI – INCAPER

RESUMO

Este texto tem por objetivo disponibilizar elementos que norteiam as atividades de Sustentabilidade sócio-econômica - Agregação de Valor e Agroindústria Familiar inseridas no contexto do curso de Agroecologia – através do Ministério do Desenvolvimento Agrário -MDA, do Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural - Dater, da Secretaria da Agricultura Familiar – SAF; REDCAPA, Universidade de Berkeley - USA, SOCLA - Sociedade Científica Latino-americana de Agroecologia.

Pretendemos aqui disponibilizar elementos para a concepção de agroindústria familiar inserida na idéia de desenvolvimento e sustentabilidade, dar uma visão que possa nortear aos que se envolvem ou começarão a se envolver nesta atividade.

Enfatizaremos de forma breve sobre a concepção de agroindústria familiar de pequeno porte, também o reconhecimento da importância da atividade da agroindústria familiar; agregação de valor e a agroindustrialização; a agroindústria familiar de pequeno porte como instrumento de desenvolvimento local e regional; a agroindústria de pequeno porte e sustentabilidade; a agroindústria de pequeno porte e desenvolvimento territorial sustentável; aspectos sobre a formalização de pequenas agroindústrias; aspectos sobre o controle de qualidade; a legislação sanitária e o controle de qualidade; qualidade ampla; o método de controle de qualidade normativo, assuntos estes relacionados às ações e políticas públicas vigentes na busca da superação de desafios coletivos e da melhoria da qualidade de vida.

Palavras-chave: sustentabilidade sócio-econômica, agregação de valor,

agroindústria familiar,agroecologia.

1 Concepção de agroindústria familiar de pequeno porte

1 Economista Domestico e Nutricionista pela Universidade Federal de Viçosa . Agente de Desenvolvimento Rural do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural INCAPER.. Especialista em Tecnologia , Qualidade, Processamento e Controle de Carne , Leite, Ovos e Pescado pela UFLA – Universidade Federal de Lavras , Especialista em Tecnologia Qualidade e Controle de Vegetais e Metodologia de Ensino Superior - UFLA; Especialista em Extensão Rural e Desenvolvimento Sustentável – UFRPE – Universidade FederaL Rural de Pernambuco. Colaboradora do MDA - Coordenadora /Facilitadora / Professora curso EAD Agroecologia - Ministério do Desenvolvimento Agrário -MDA, Univ. Bekerley - REDECAPA - – SOCA.

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Pelo acompanhamento das atividades agroecológicas que vem sendo

desenvolvidas no país, pressuposto que o curso enriquece nosso conhecimento das

diferentes realidades e dos diferentes modos com que a ciência agroecológicas vem

sendo concebida, tenho a certeza que a agroindústria familiar de pequeno porte é um

elo indispensável para que realmente se possa complementar o que aqui de forma

breve, mas já amplamente discutida no curso a idéia de desenvolvimento e

sustentabilidade.

A partir da visão de desenvolvimento sustentável no que diz respeito ao

aspecto social, podemos dizer com certeza que a agroindústria familiar de pequeno

porte é apontada como alternativa para a reversão das conseqüências sociais

desfavoráveis no meio rural, tendo o espaço rural não mais apenas atividades

agrícolas, levando-se em conta a pluralidade2 e a multifuncionalidade3.

A trajetória da pluriatividade é uma literatura bastante controvertida. Apresenta

alguma das questões que fizeram com que a partir da década de 1980 a

pluriatividade deixasse de ser um tema marginalizado e sem reconhecimento.

Conforme Bassani (2005 apud Schineider 1999),[...] o termo pluriatividade tem

sido utilizado para descrever o processo de diversificação que ocorre dentro e fora

da propriedade, bem como apontar a emergência de um conjunto de novas

atividades no meio rural. O mesmo autor ressalta [...] que a pluriatividade, portanto,

refere-se a uma unidade produtiva multidimensional, onde se pratica a agricultura e

as outras atividades tanto dentro como fora da propriedade, pelas quais são

recebidos diferentes tipos de remuneração e receitas.

Existem quatro funções atribuídas à agricultura familiar que expressam a

multifuncionalidade, a saber:

(a) Reprodução socioeconômica das famílias rurais:

(b) Promoção da segurança alimentar das famílias rurais e da sociedade;

(c) Manutenção do tecido social e cultural;

(d) Preservação dos recursos naturais da paisagem rural “(Ibidem)”.

2 Sobre isso ver Bassani (2005) – monografia apresentada a Universidade Federal Rural de Pernambuco – Novas Políticas de Assistência Técnica e Extensão Rural – INCAPER e o Programa Qualidade de Vida no Campo - 3 O conjunto dessas atividades tem sido descrito como neo-ruralismo e renascimento rural, Schneider (1999) reportando Mingione e Pergliese, 1987; Font, 1988; e Kayser, 1988, 1990,1991. ...A pluriatividade também pode adquirir significados diversos e servir para satisfazer projetos coletivos ou como respostas as decisões individuais.

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Desta forma, o espaço rural deixará ter como função exclusiva à produção

agrícola, passando a ser um espaço polissêmico em que convivem atividades de

natureza diversa como a própria agroecologia no desenvolvimento de todas as

atividades a ela ligadas, a agricultura orgânica, a agroindústria de pequeno porte, o

agroturismo, a atividade artesanal, entre outros...

Esse ajuste constante de atividades agroecológicas ou mesmo atividades de

agropecuária, numa mesma família é que distingue e define a pluriatividade, que

tanto pode ser uma atividade ao qual a família utiliza para garantir a manutenção

social do grupo ou do coletivo que lhe corresponde, como também pode representar

uma estratégia individual das pessoas que constituem a unidade familiar.

A agroindústria familiar de pequeno porte, dentro das atividades

agroecológicas de base familiar pode impulsionar a geração direta de um novo

padrão de atividade, no seu dia a dia, envolvendo desta forma todos seus membros,

desde o agricultor, a mulher e os filhos, gerando diretamente novos postos de

trabalho e de renda, comprometidos com uma como agregação de valor

ambientalmente saudável e socialmente eficiente.

2 O reconhecimento da importância da atividade da agroindústria familiar

O reconhecimento da importância da atividade da agroindústria familiar de

pequeno porte no processo de desenvolvimento econômico e social tem levado os

formuladores de políticas públicas, no Brasil, o MINISTÉRIO DO

DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO – MDA através do Departamento de Assistência

Técnica e Extensão Rural - DATER, a eleger o setor como prioritário para a

promoção de investimentos em novos empreendimentos.

A produção de alimentos através da agroindústria familiar como vimos tem

sido alvo de políticas públicas, que tem como meta tirá-las da informalidade, com a

implementação de leis e mais leis que procuram garantir uma solução para o

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problema do agricultor familiar4 e que pretende dar o que se chama de seguridade

alimentar ao produto.

Percebe-se que para a implementação das agroindústrias o agricultor familiar

deverá ter investimentos que lhe dê condições de comprar equipamentos e investir

nas instalações, mediante as exigências legais que na maioria das vezes leva o

agricultor familiar a mudar sua forma de produzir e a alterar sua escala de produção

sem mesmo ter um mercado consistente, simplesmente para atender a legislação A

ou B.

Muitas vezes o que ocorre é a descaracterização do produto artesanal para a

adoção de processamentos ligados a máquinas e equipamentos que não lhe são

peculiares e muitas vezes ultrapassam a sua própria capacidade de produção.

O que se pode considerar como “ótimo” é o aproveitamento da matéria prima

disponível na propriedade e na manutenção do produto com valor agregado por um

longo período do ano, que lhe traga uma renda que pelo menos lhe dê uma

segurança em termo de renda e mercado.

Na perspectiva de se respeitar às tradições e valorizar os costumes, a arte de

produzir, o histórico da produção, os hábitos e costumes e as tradições de cada

família, que às vezes têm sido descaracterizado ou forçosamente descaracterizado

para atender a X ou Y exigências de leis que, em vez de ajudar, emperram o

processo.

A agroindústria de pequeno porte é uma das principais geradoras de

empregos diretos e indiretos por unidade de capital investido. Dados recentes do

Departamento Econômico do BNDES e do IBGE mostram claramente esta

característica no caso brasileiro, onde, para cada milhão de dólares investido, os

empreendimentos agropecuários e agroindustriais chegam a gerar 118 a 182

empregos, cerca de 15% a 80% a mais do que os investimentos em um segmento

tradicionalmente intenso em ocupação de mão de obra, como o setor comercial. Por

4 A construção de alternativas de desenvolvimento do (novo) meio rural tem na agricultura familiar o público prioritário. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf do Ministério de Desenvolvimento Agrário, define este tipo de agricultor como aquele que não detenha área superior a quatro módulos fiscais, no mínimo 80% da sua renda bruta venha da atividade agropecuária, resida na propriedade rural ou urbana próxima e que mantenha até dois empregados permanentes. A esta definição, podemos, ainda, acrescentar outras características apontadas por diversos autores (CONTAG, 1998; SILVA e GILES, 1998; LAMARCHE, 1993; ...Poderá abrir, cada vez mais, novas possibilidades de reprodução da agricultura de pequena escala e uma potencial ampliação da divisão social do trabalho ao nível local e regional).

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outro lado contribui para aliviar o sério problema do êxodo rural, por gerar empregos

diretos e indiretos no campo.

De modo a incentivar a implantação de agroindústrias em áreas rurais, a

Secretaria da Agricultura Familiar - Ministério do Desenvolvimento Agrário

disponibiliza diferentes modalidades de crédito para atividades agroindustriais dos

agricultores familiares. Através do PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento

da Agricultura Familiar são disponibilizados recursos em condições facilitadas para

que estes agricultores invistam no processamento e na comercialização de seus

produtos, de modo a viabilizar avanços nas suas formas de inserção econômica e,

assim, permitir melhoria na sua renda e nas condições gerais de vida. Podem ser

financiadas não apenas empreendimentos isolados, individuais ou grupais, como

também projetos de conglomerados compostos por várias pequenas e médias

agroindústrias, interligadas através de uma central de apoio em gerenciamento,

tecnologia e comercialização.

O processo de tomada de decisão dos investimentos potenciais é um dos

parâmetros que tem que ser desenvolvido numa ação entre técnico e agricultor

familiar, nunca o técnico tomando decisões sem a troca de saberes e experiências.

3 Agregação de valor e a agroindustrialização

Os efeitos multiplicadores da agregação de valor à produção pela

agroindustrialização ocorrem tanto a montante, na atividade agroecológica, como a

jusante, na estrutura de comercialização e serviços, e refletem-se na efetiva

interiorização do processo de desenvolvimento.

Posso também considerar que as características tecnológicas do

processamento das agroindústrias de pequeno porte viabilizam, para algumas

matérias primas e produtos, a implantação de unidades de pequeno e médio porte,

mais acessíveis a investidores com menor disponibilidade de capital. Pequenas

casas que antes estavam abandonadas no meio rural, e outras construções rurais

tem sido motivo de projetos que viabilizam a infra-estrutura para o seu

funcionamento e viabiliza sua implantação. Assim, o agricultor familiar, geralmente

com pouco capital, pode lançar mão de pequeno recurso para desenvolvimento de

uma atividade que lhe trará agregação de renda a sua produção, gerando trabalho e

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melhoria da qualidade de vida da família e influenciando diretamente na comunidade

rural. Tudo isso sem descaracterizar “a maneira especial de fazer de cada um”,

orientados na segurança alimentar e nutricional com vistas ao consumidor.

Outros benefícios sociais importantes das agroindústrias de pequeno porte

são gerados pela melhoria da qualidade dos produtos processados, pela redução de

perdas no processo de colheita, processamento e comercialização e pelo papel

disseminador que tendem a exercer na promoção de melhorias nas atividades na

propriedade rural.

Hoje felizmente podemos contar com experientes profissionais nos serviços de

ATER que reúnem informações sobre equipamentos e processos em escala mínima

de operação, acompanhados de análise de viabilidade técnica e econômica do

empreendimento correspondente. Assim, os agricultores familiares interessados

poderão dialogar com esses técnicos e terão informações sobre as características

técnicas e econômicas do empreendimento da agroindústria de pequeno porte

desejado. Ainda torna-se necessário informar ao agricultor familiar sobre os diversos

parâmetros considerados na análise original e avaliar a rentabilidade do

empreendimento para as suas condições específicas.

Considero essencial o controle de qualidade nas agroindústrias familiares,

mas que não seja um controle feito somente onde se tem uma parte da cadeia

produtiva, mas que este acompanhamento ultrapasse as porteiras da propriedade de

base familiar e alcance os locais de comercialização. Este, na maioria das vezes,

foge completamente ao que a legislação sanitária vigente coloca como controle de

qualidade. Que se chegue ao que se chama de “qualidade ampla” que discutiremos

ainda neste texto. O agricultor familiar deve buscar orientação de técnicos

especializados na implantação de agroindústria familiar de pequeno porte. Não pode

ainda fugir de uma análise financeira que esteja adequada a sua realidade e não

simplesmente adequada a leis ou empréstimos bancários. Outro ponto importante

ponto passa pela importância do compromisso do técnico com a agricultura familiar.

Se pegar um técnico que só pensa em satisfazer o mercado, complica.

Sugiro que se faça uma análise nas perdas, nos processos de produção, que

muito se fala em qualidade, segurança alimentar, qualidade ampla e pouco se fala

em perdas ou processos de redução de perdas para gerar maior renda. São fatores

que não podem ser desmembrados.

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Há que se dialogar para que se conheça a condição real e que o agricultor

familiar seja capaz de sentir a necessidade da “qualidade ampla” e não fazer assim

ou assado por que a lei assim o requer. A sustentabilidade está em evitar o

desperdício e trabalhar com o que se perde. Estudos recentes que fiz comprovam

que o estrangulamento da pequena agroindústria está nas perdas nos processos de

colheita e processamento.

Desta forma podemos dizer que a agroindústria familiar de pequeno porte é

uma alternativa de inclusão sócio-econômica dentro do modelo econômico atual.

Com a implantação da proposta da ATER, o trabalho foi impulsionado com uma nova

proposta tanto para agricultores familiares como para os agentes de

desenvolvimento rural e universidades. Com certeza as políticas de ATER que hoje

são implementadas representam a política pública fundamental para se impulsionar o

referido modelo de agroindustrialização, com sustentabilidade e cidadania. A

agroindústria de pequeno porte pode promover a inclusão social dos agricultores

familiares e uma mudança no quadro da economia familiar. Com certeza contribuirá

para uma vida mais saudável e mais longa não só da família de agricultores

familiares, mas dos consumidores que terão acesso a esses produtos.

Nos últimos anos, principalmente após a implementação da nova PNATER,

diversos projetos descentralizados têm buscado o desenvolvimento das populações

locais e dinamizar economias, especialmente em pequenos e médios municípios.

Nos referimos aqui aos projetos de agroindústrias de pequeno porte , voltados à

produção de alimentos, procurando incorporar qualidades adicionais locais, ligadas

ao “saber fazer”, a cultura local e a qualidade biológica dos alimentos e a

agroindustrialização dos alimentos que se perde nos finais de colheita e de outras

formas.

Para que isto ocorra de forma a se constituir projetos exitosos, há que se

preparar todos os envolvidos nos processos da agroindústria de pequeno porte nas

BPF – Boas Praticas de Fabricação e em especial nas Boas Praticas de Manipulação

de Alimentos e depois então partir para o que chamamos de processo de

capacitação especializada, como por exemplo, processamento do leite , carne, frutas

, etc. O enfoque de qualidade representa uma diferenciação dos produtos em relação

aos produtos oriundos das indústrias de grande porte, e também, facilita o processo

de comunicação entre o agricultor familiar e consumidor.

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4 A agroindústria familiar de pequeno porte como instrumento de

desenvolvimento local e regional

Existe uma relação estabelecida entre o que o agricultor familiar vai produzir e

o consumidor, que esteja ligada ao hábito de consumir e gostar. A agroindústria

familiar de pequeno porte pode ser considerada um instrumento de desenvolvimento

local e regional de algumas formas de organizações e estratégias possíveis no

mercado.

Projetos descentralizados no Brasil têm buscado estimular o desenvolvimento

das populações locais, podendo citar projeto denominado PERDA ZERO, que

contempla associações de agricultores familiares com em parceria com o Conselho

Municipal de Desenvolvimento Rural - CMRD e Pronaf, implantado nas comunidades

rurais do Espírito Santo que trabalham no sentido de que a perda seja zero, e com

certeza refletem o que afirmamos acima. Também experiências como do Programa

de Verticalização da Produção Familiar de Blumenau, a Rede Ecovida, a rede de

pequenas agroindústrias na região Oeste de Santa Catarina, o programa de

agroindústrias de Crissiumal, no Rio Grande do Sul e inúmeros nas regiões do

agroturismo no Espírito Santo.

O crescimento econômico é o eixo central desse modelo atual de

desenvolvimento rural, do qual faz parte a agroindustrialização convencional (grande

escala). Isto vem implicando problemas sociais e ambientais, como a falta de

oportunidade de trabalho, a concentração de renda e aumento da pobreza, a

migração desordenada da população, em geral para os centros urbanos, o

desequilíbrio ambiental, o crescimento da violência e a diminuição da qualidade de

vida da população rural e, também urbana. Esse processo pelos seus custos sociais

e ambientais elevados, já justificaria uma mudança do modelo de desenvolvimento

vigente. Os debates sobre este tema indicam a construção de um novo

desenvolvimento, que seja sustentável.

5 A Agroindústria de pequeno porte e sustentabilidade

Segundo BASSANI (2005 apud GUIMARÃES, 1995. p.13), observa que

parecem fortes as reflexões de Guimarães, quando afirma que [...] “as profundas

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transformações que caracterizam o cenário internacional, apesar de oferecerem

oportunidades inéditas de progresso para a humanidade, representam riscos

consideráveis de retrocesso nas conquistas políticas e sociais arduamente

conquistadas no século anterior” [...] dinâmica atual configura, pois, uma crise.

Atravessamos um período de transição em que coexistem contraditórias tendências

que apenas insinuam um mundo novo que tenta ressurgir das cinzas de uma

realidade ainda dominante”(GUIMARÃES, op.cit.). “Nas últimas cinco décadas fomos

levados erroneamente, a tomar o desenvolvimento como sinônimo de crescimento

econômico permanente e ilimitado” (GUIMARÃES, op.cit.).

Como relata BASSANI, (2005 apud Deléage, 1990) se tornou imprescindível

refletir em termos ecológicos e ambientais não como nostalgia do passado, senão,

ao contrário, como uma maneira mais realista de privilegiar em longo prazo e de

construir formas alternativas de desenvolvimento. Há de se convir que estamos no

momento de rever as atividades ligadas à agroindústria familiar e adequar a

realidade que hoje vivenciamos e tirar do papel e cair para a prática.

A mesma autora parafraseando Gleissman (2001) diz que não existe um

manual de sustentabilidade e, portanto as receitas carecem de sentido. É mais um

estilo, no sentido de que significa comportamento, conduta e prática. Pressupõe

princípios plasmados em valores que constroem a historia individual e coletiva do ser

humano em sua relação com a natureza. Na opinião de Bassani (2005 apud

Goodland et al. 1997, p.21), “este conceito de crescimento de transformação

quantitativa – baseado no aumento crescente de matérias primas e energia – é

insustentável e deve dar lugar a uma busca imaginativa de fins econômicos que

façam um uso menos intensivo dos recursos”.

Entre a época de “Uma só Terra” (Estocolmo-72) e a atualidade do

“Desenvolvimento Sustentável” (Rio-92) a humanidade modificou sensivelmente a

sua percepção a respeito da crise. Já não se pode reduzi-la a uma questão de

manter limpo o ar que respiramos a água que bebemos ou o solo que produz nossos

alimentos. O desafio da sustentabilidade é um desafio eminentemente político.

A crise atual também indica o surgimento de uma nova era. Estamos vivendo

o início da construção de uma nova história, e temos que rever o nosso lugar neste

processo histórico pois, talvez seja a única possível marcada por derrotas e por

vitórias, que inexoravelmente continuará incorporando novos capítulos.Isso implica

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uma transformação progressiva da economia e da sociedade, aumentando o

potencial produtivo e assegurando a igualdade de oportunidades para todos,

principalmente a dos agricultores familiares.

De acordo com a citação de Bassani (2005 apud Costabeber, 2000) ...

empenha-se em defender Desenvolvimento Sustentável como um processo gradual

de mudança que encerra em sua construção e trajetória a consolidação e processos

educativos e participativos que envolvem populações rurais, conformando uma

estratégia impulsionadora de dinâmicas socioeconômicas mais ajustadas ao

imperativo ambiental, aos objetivos de eqüidade e aos pressupostos de solidariedade

intra e intergeracional.

Sua prova estará sempre no futuro. Por esta razão, a construção do

Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS - deve assentar-se na busca de contextos

de maior sustentabilidade, alicerçados em algumas dimensões básicas e devem ter

em conta seis dimensões relacionadas entre si: ecológica, econômica, social

(primeiro nível), cultural, política (segundo nível) e ética (terceiro nível).

Também LEFF (2001), redargüindo a temática relacionada ao

desenvolvimento sustentável, economia ecológica e ecologia política até a questão

da ética, cidadania e apropriação social da natureza, considera o ambiente não

apenas uma realidade visível, mas sim uma convergência de processos físicos,

biológicos e simbólicos, que por meio das ações econômicas, cientificas e técnicas

do homem são reorganizadas e conduzidas (...) tal situação seria expressa pelo

processo crescente de homogeneização da cultura e dos padrões de consumo e

conseqüente aumento na produção de mercadorias e deterioração dos bens naturais

comuns. (LEFF, 2001, p.208).

O agricultor familiar produz mercadorias de acordo com a sua produção e é o

que menos deteriora os bens, se formos analisar de uma forma geral como ocorrem

com os pequenos, médios e grandes proprietários de terra.

Constata Bassani (2005 apud Caporal,1998) que de fato, a transição

agroecológica em curso indica a necessidade de construção de conhecimentos sobre

distintos ecossistemas e variedades de sistemas culturais e condições

socioeconômicas, o que determina que a extensão rural, como um dos instrumentos

de apoio ao desenvolvimento, adote estratégias e práticas compatíveis com os

requisitos deste novo processo.

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Dentro desta busca é bom relembrarmos Paulo Freire (1989), quando diz que

a atividade humana consiste em ação e reflexão: é práxis e é transformação do

mundo. E como práxis, requer teoria para iluminar. Não pode ser reduzida nem ao

mero verbalismo nem ao ativismo.

Como enfoque científico e estratégico de caráter multidisciplinar, a

Agroecologia apresenta potencialidade para fazer florescer novos estilos de

agricultura e de processos de desenvolvimento rural sustentáveis que garantam a

máxima preservação ambiental, enfatizando princípios éticos de solidariedade

sincrônica e diacrônica conforme Bassani (2005 apud Caporal e Costabeber, op. cit.

p. 120).

E a agroindústria de uma forma marcante se bem inserida muito contribuirá

neste processo pois, a noção de desenvolvimento sustentável supõe o

estabelecimento de estilos de agricultura sustentável que não podem ser alcançados

mediante a simples transferência de tecnologias, característica chave da “antiga

extensão rural”. O desenvolvimento sustentável deve permear uma condição de

equilíbrio entre os aspectos social, cultural, ambiental e econômico e ético. A

sustentabilidade está, ainda, associada à viabilidade e à longevidade.

6 A agroindústria de pequeno porte e desenvolvimento territorial sustentável

A implementação do conceito de desenvolvimento territorial sustentável como

elemento norteador de políticas, ações governamentais e não-governamentais e

estratégias, voltadas à melhoria da qualidade de vida e ao abaixamento das

desigualdades sociais nas regiões brasileiras que apresentam os mais baixos índices

de desenvolvimento humano – IDH , requer um esforço constante e planificado de

capacitação dos diversos atores sociais interessados em compartilhar do processo

de superação da pobreza e da exclusão social.

O desenvolvimento rural consiste em um processo de mudança que leva ao

dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população,

potencializando as capacidades territoriais e incrementando as oportunidades

sociais, a viabilidade e competitividade da economia e a conservação dos recursos

naturais e o aproveitamento de toda a produção. Resulta, assim, da interação e

sinergia entre a qualidade de vida da população local - redução da pobreza e

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geração de riqueza -, a eficiência econômica - com agregação de valor na cadeia

produtiva - e a gestão pública eficiente, mediada pela boa governança, pela

organização da sociedade e pela distribuição dos ativos sociais.

O desenvolvimento territorial é visto como um resultado de um complexo

processo multidimensional e multisetorial que combina roteiros técnicos, políticos e

sociais, resultando na crescente inclusão dos atores nas ações que produzam maior

autonomia do território sobre suas múltiplas dimensões, sendo eles considerados

gestores e sujeitos do desenvolvimento. Esse conceito de desenvolvimento está

baseado no paradigma da sustentabilidade, estando, portanto, intimamente

relacionado à noção de gestão social como elemento central das transformações

pretendidas, constituindo-se, assim, em um processo de gerenciamento de assuntos

públicos, principalmente políticas de valor social para o desenvolvimento territorial.

Precisamos desenvolver também neste contexto o entendimento sobre o rural.

Do ponto de vista econômico, é cada vez menos importante a visão do rural apenas

como espaço de produção de matérias-primas ou, até mesmo, como local de

atividades apenas agrícolas, pois as demais atividades econômicas da propriedade

rural vêm se constituindo em alternativas importantes de desenvolvimento do meio

rural, como a agroindústria familiar, o turismo rural e o artesanato.

Como propõe Graziano da Silva (1999), o rural vem se caracterizando como

um espaço de pluriatividade, ligado ao turismo e ao lazer, à prestação de serviços, à

moradia e a agroindustrialização. A família rural sempre processou de forma

artesanal seus alimentos, primeiro para o consumo familiar, melhoria da qualidade da

alimentação, para a conservação do alimento por períodos de entre safra, o que

muda no cenário é que hoje a família de agricultores familiares além de produzir para

o consumo próprio, produz para venda. Tendo assim que estar com uma área de

agroindústria de pequeno porte, separado das atividades da rotina diária da família, e

também buscar melhor capacitação para o que se propõe , pois terá que contar com

a vida de prateleira do produto e que agora é destinado ao consumidor.

No desempenho deste novo papel, a criação agroindústria familiar de

pequeno porte pode ser apontada como uma das alternativas econômicas para a

permanência da agricultura familiar e para a construção de um novo modelo de

desenvolvimento sustentável, que pensa o rural como um todo e não mais apenas

ligado à produção agrícola,mas também a agroecologia.

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É nessa visão que se insere a proposta da agroindústria rural de pequeno

porte –e que pode se tornar uma importante alternativa para promover a participação

dos agricultores no processo produtivo. Para eles, a industrialização dos produtos

agropecuários não se constitui em uma novidade. Isto já faz parte da sua própria

história e da sua cultura, tendo como objetivo atender o consumo da família e, em

menor grau, abastecer o mercado local com o excedente. Como exemplo, podemos

citar a transformação de frutas em doces e bebidas, a elaboração de conservas em

geral e a fabricação de queijos, embutidos e defumados de carne. Entendemos, aqui,

como agroindustrialização, o beneficiamento dos produtos agropecuários (seleção,

preparo, processamento, secagem, classificação, limpeza, armazenagem,

embalagem) e/ou a transformação de matérias-primas gerando novos produtos, de

origem animal ou vegetal, como por exemplo, o leite em queijo e as frutas em doces

e bebidas. A diferenciação está no “modo de se produzir” e a sua relação entre as

características dos produtos e seus consumidores.

No momento em que se discute a pluriatividade no meio rural e a construção

do desenvolvimento sustentável apontado acima, o modelo de agroindustrialização

descentralizado de pequeno porte, de característica familiar, é visto como uma

alternativa capaz de incentivar essa nova forma de agregação de valor ao seu

produto. Ou seja, pode proporcionar uma importante forma de (re) inclusão social

para os agricultores, através da renda obtida pelo seu trabalho (e produção),

melhorando a sua qualidade de vida, o aproveitamento de todos os produtos

produzidos, sem perdas significativas , nem na colheita nem na pós-colheita,

beneficiamento ou processando. Para essas pessoas pode representar o (re) início

da construção de cidadania, bem como uma oportunidade de resgate de valores

culturais, sociais, econômicos e éticos. Cidadania, aqui, pode ser entendida

principalmente como oportunidade de trabalho e melhoria de renda, suficiente para

se ter qualidade de vida. .

Há que se pensar no social, ambiental, econômico, cultural e ético para

podermos discutir os principais princípios e características da agroindústria da

agricultura familiar, com o objetivo de buscar sua viabilidade: a propriedade e gestão;

a matéria-prima; a mão-de-obra; o modelo tecnológico; a escala de produção; a

localização; a diferenciação dos produtos.

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1 Aspectos sobre a formalização de pequenas agroindústrias

Uma das alternativas que vem sendo adotadas em vários Estados, como

Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, o Distrito Federal

entre outros, é a criação de agroindustriais familiares de pequeno porte que utilizem

tecnologia simples, principalmente por intermédio de cooperativas, ou a

industrialização artesanal,familiar, a fim de garantir o abastecimento dos mercados

locais e/ou regionais.

Considera-se que os produtos de alimentos de pequena escala desempenham

importante papel no desenvolvimento da agricultura familiar e dos municípios onde

estão sendo impulsionados e que, no entanto, a legislação sanitária que regulariza

os serviços de inspeção e o funcionamento das agroindústrias familiares de pequeno

porte impõe importantes limitações para implantação das mesmas.

Estas limitações dizem respeito às distorções causadas pelas exigências em

relação às instalações e estruturas que igualam uma unidade que industrializa um

milhão de litros de leite por cada dia a uma pequena fábrica de queijos artesanais

que utiliza 400 litros de leite por dia.

O que se deseja em última instância é a qualidade ampla dos produtos que

não está necessariamente, condicionada ao tamanho do estabelecimento e sim aos

critérios ligados as BPF e que sobretudo são essenciais para a produção de

alimentos com qualidade.

Para isto também temos que lembrar do APPCC – Analise de Perigos e

Pontos Críticos de Controle. O método APPCC analisa personalizadamente cada

etapa da operação de produção do alimento, levando em consideração o contexto

dos recursos estruturais e humanos disponíveis e ainda privilegia os objetivos da

agroindústria, com relação à posição e competitividade de mercado, produtividade,

controle de desperdícios, organização e limpeza. É um aliado que temos pois,

através dele podemos adequar a realidade da agroindústria familiar. Neste método

pode garantir a qualidade e superar um viés estritamente sanitário, mas que vem a

somar nessa ação educativa de formação , que deve ser permanente.

Somente através do esforço conjunto, partindo de uma filosofia de gestão

voltada à qualidade, poderão ser gerados resultados satisfatórios, no controle

sanitário de alimentos produzidos nas agroindústrias familiares, com vistas a

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alcançar os parâmetros mínimos de qualidade, considerando –se as referencias

técnicas do método BPF – Boas Praticas de Fabricação.

Constata-se, por um lado, que significativa quantidade de alimentos é

colocada no mercado sem o devido controle de qualidade, e por outro, que muitos

empreendimentos deixam de existir (ou trabalham clandestinamente), em função da

carga de exigências que devem cumprir para obtenção da certificação da inspeção

sanitária, comprometendo a qualidade dos alimentos consumidos pela população. Os

agrotóxicos, devido à ampla divulgação de problemas relativos à contaminação dos

alimentos, provocam grande preocupação no seio da sociedade e, no entanto várias

industrias continuam processando alimentos carregados destes “venenos”.

Outros perigos eminentes, estão presentes à mesa da população, devido às

questões culturais e de desinformação, passam desapercebidos provocando grandes

danos à saúde pública. Tais perigos são conseqüência da baixa qualidade da

pequena produção de alimentos, responsável por inúmeros produtos consagrados

junto ao hábito alimentar de vários estados brasileiros, como é o caso do queijo de

coalho, da rapadura, dos pescados, entre outros. O queijo de coalho, por exemplo, é

um produto que em mais de 90% dos casos apresenta contaminação por

microorganismos, como Coliformes Fecais, Staphylococus aureus, Salmonela, etc.,

além do vírus da aftosa e do bacilo da brucelose que caracterizam a falta de

sanidade do rebanho leiteiro.

As informações básicas sobre os registros necessários em uma agroindústria

familiar como o SELO DE INSPEÇÃO FEDERAL – SIF (alguns produtos não podem

receber o SIE ou SIM , como o caso de bebidas e outras mais) podem ser

conseguidos através do Ministério da Agricultura – DIPOA e do Ministério da Saúde –

VISA, o SELO DE INSPEÇÃO ESTADUAL através da legislação de cada estado e o

SELO DE INSPEÇÃO MUNICIPAL junto a prefeituras municipais.

Sobre a legislação sanitária, o MDA apresenta a conceituação, princípios e

funcionamento do Sistema Unificado de Atenção a Sanidade Agropecuária – SUASA,

indicando as possibilidades abertas e as limitações que persistem para as pequenas

agroindústrias com o novo sistema. (ver em textos opcionais)

8 Aspectos sobre o controle de qualidade

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Quando falamos em agroindústria artesanal, em produção artesanal de

alimentos as abordagens tradicionais enfocam como preocupação fundamental a

adequação das unidades de processamento de matérias –primas de origem vegetal

ou animal, às normas sanitárias vigentes (PREZOTTO, 2002).

SILVEIRA, 2003, considera que “tal enfoque implica em elaboração de

projetos de implantação de instalações e equipamentos que extrapolam a

capacidade de investimento dos empreendedores”, no nosso caso, agricultores

familiares.[...] “Neste contexto, muito agricultores são forçados a permanecerem

numa situação de informalidade e se expõe o consumidor a produtos sem controle

de qualidade”.

Se analisar os problemas do aspecto que diz respeito ao de controle de

qualidade, onde as recomendações para certificação dos produtos partem das

exigências da legislação sanitária e procedimentos técnicos de padrões, o agricultor

familiar necessitará de investimento além das condições existentes, o que leva a

manutenção da informalidade e a ausência de controle de qualidade.

No enfoque Normativo, as normas a serem cumpridas são definidas na

interação Agente de ATER – agricultores familiares, tomando parâmetros definidos

no Método de Boas Práticas de Fabricação - BPF e nas práticas tradicionais de

produção. A metodologia proposta parte da identificação dos limites em instalações e

equipamentos para o alcance da qualidade e dos pontos críticos nos procedimentos

de produção, definindo-se programa de re-estruturação e qualificação, como citamos

acima. Aborda-se a qualidade ampla, onde se ultrapassa o aspecto estritamente

sanitário, envolvendo o nutricional, organoléptico5, o ecológico e sócio-cultural, o

regulamentar e a aparência. Observa-se que é permitida a compreensão dos

fundamentos das boas práticas de fabricação, favorecendo a mudança de atitudes e

a dimensão ativa e coletiva na construção de método que garanta a segurança ao

consumidor.

A legalização tem que ser uma conseqüência do processo e que leve o

agricultor familiar a seguir um sistema que conserve a característica artesanal dos

produtos, concebida como a arte de processar alimentos, preservando o toque

especial de cada agroindústria familiar que precisa ser preservada. Deste modo, os

5 Organoléptico - (òr). [De organ(o)- + -léptico.] Adj. Fisiol. Diz-se de propriedade demonstrada por um corpo, ou por uma substância, e que impressiona um ou mais sentidos (São cinco os sentidos: visão, audição, olfato, gosto e tato).

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programas de estímulo à implantação de agroindústrias familiares propõem um

conjunto de investimentos necessários em instalações e equipamentos para obter-se

o aval do poder público, através do atendimento das exigências legais nos aspectos

sanitários e fiscais. Em nenhum se estimula à redução das perdas no processo, e

também a multifuncionalidade da área construída envolvendo os processos possíveis

daquele produto naquele espaço.

Como exemplo: uma agroindústria de beneficiamento e processamento de

frutas, geralmente se faz um produto, podendo ser, polpa de frutas e o restante todo

é descarte , lixo , dinheiro jogado fora. O bagaço das frutas pode ser aproveitado em

chimias, doces, recheios para bombons, e outras variações de fabricação,

aumentando a gama de produtos e a renda, conseqüentemente.

No entanto, temos observado que tais alterações propostas, e muitas vezes,

estão além das expectativas dos agricultores que tem na atividade de

processamento de produtos de origem animal ou vegetal uma fonte de renda

complementar e sua escala de produção não justifica tal investimento. Nos casos em

que a opção é realizar o investimento, observa-se um conjunto de conseqüências

provenientes do aumento de linha de produção para obter a capacidade de

pagamento necessária: a incompatibilidade entre disponibilidade de matéria-prima e

produção esperada, a concorrência da atividade agroindustrial com as demais

atividades realizadas na agroindústria familiar, mão-de-obra, capital, terra, além da

descaracterização do processo artesanal de produção ao adotar-se um padrão

industrial (originado na introdução de máquinas e equipamentos que permitem um

controle rígido das metodologias dos processos de produção).

Considerando que tais políticas públicas aparecem sustentadas na

possibilidade de agregação de valor as matérias-primas disponíveis na agricultura

familiar e na manutenção de uma diversificação de atividades que garante uma

competitividade sistêmica na agricultura familiar (WILKINSON, 1997), os efeitos

acima descritos atribuem uma ponderação sobre a concepção destes programas de

estímulo à agroindústria familiar. No entanto, é a perda do caráter artesanal da

produção que precisa ser evitado, caso concorde-se com o que tem alcançado certo

consenso, é o produto diferenciado que pode sustentar uma estratégia de

desenvolvimento da agroindústria familiar.

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Não podemos no entanto, descuidarmos do aspecto da segurança do

consumidor, como já apresentado em outras etapas deste curso, dos processos que

busquem a perda zero dentro de uma agroindústria familiar.

1. Aspectos sobre o controle de qualidade

É fundamental considerarmos que o caráter artesanal do processamento de

matérias-primas de origem animal ou vegetal tem conseqüência teóricas e práticas

que, normalmente, são colocadas em segundo plano no debate sobre a denominada

“Agroindústria Familiar”. Preocupa–se com a legalização e a formulação de leis , mas

precisamos capacitar os agentes de ATER, como se faz agora neste curso de

agroecologia, para que tenhamos o nivelamento dos conceitos e paradigmas que

envolvem a agroecologia e todas as outras atividades que a cercam. SILVEIRA,

2003, destaca numa pesquisa realizada na região centro do estado do RS que a

forma artesanal de produzir, significa que o processo de produção implica em uma

dimensão de arte e não meramente técnica.

Quando buscamos adequar a agroindústria artesanal de pequeno porte às

normas legais, estamos nada mais do que implementando um conjunto de

procedimentos, sejam estruturais ou relativos ao processo de produção

(conhecimento sistematizado para garantir um padrão), orientados na preocupação

com a segurança do consumidor. Mas isto pode significar o abandono do toque

especial do artesão ou na melhor das hipóteses, minimizá-lo. Tal adequação

argumenta-se, torna-se necessária para que o produto tenha uma certificação de sua

“qualidade”, ou seja, o aval do poder público de que o consumidor pode consumi-lo

sem risco (PREZOTTO, 1997).

Na busca de uma expansão de mercado, seja atingir as grandes redes de

supermercados ou o mercado externo, este processo assume fator estratégico e

vital. Pode-se argumentar que tais mercados de escala não são o objetivo dos

agricultores familiares, que o mercado local e regional seriam seu espaço

preferencial. Estrategicamente, como analisa MALUF (2004), é realmente os circuitos

locais e regionais de produção, distribuição e consumo que devem ser conquistados

pela produção artesanal de alimentos para sua consolidação inicial.

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Mas, as análises dos programas de incentivo à agroindústria familiar tem

evidenciado que o investimento em sua implantação leva a obrigação de aumentar a

linha graduada de produção para além da capacidade de demanda do mercado local/

regional. “Tal situação relaciona-se com a capacidade de pagamento do

financiamento obtido e dos custos operacionais e encargos que passam a onerar o

empreendimento, SILVEIRA, 2003”.

O estímulo à produção comercial com a implantação de agroindústrias familiares,

significa o aumento do número de produtores de alimentos processados de origem

animal e vegetal que passam a disputar o mercado local e regional ““.

Se observarmos pelo viés da sustentabilidade desta estratégia estar

condicionada a inserção em maiores centros de consumo. Pôr esta razão que muitos

destes projetos tem fracassado pela incapacidade de tais empreendimentos

alcançarem mercado aceitável que o torne economicamente viável, considerando os

custos operacionais, amortização de investimentos e os tributos envolvidos, mesmo

quando o agricultor trabalha com o bloco de notas do produtor rural.

O apelo ao consumo de alimentos artesanais deve-se ao seu diferencial em

relação ao industrial, massificado e padronizado (SILVEIRA et alli, 2000;

GUIMARÃES, 2001). O impasse que temos vivenciado é a oposição entre o caráter

intrínseco do alimento artesanal e as tentativas de adequá-lo à legislação vigente

para potencializar sua participação no mercado. Portanto tem que se verificar quais

fatores podem sustentar uma estratégia alternativa que respeite o caráter artesanal

do alimento como diferencial na relação com o consumidor.

2. A Legislação Sanitária e o Controle de Qualidade

Em relação à Produção Artesanal de Alimentos, as abordagens tradicionais

enfocam como preocupação fundamental à adequação das unidades de

processamento de matérias primas de origem vegetal ou animal, às normas

sanitárias vigentes (PREZOTTO, 2002).

Tal enfoque implica em elaboração de projetos de implantação de instalações e

equipamentos que extrapolam a capacidade de investimento dos agricultores

familiares. Tal flexibilidade justifica-se pelo fato de que a legislação vigente no país

foi concebida nos princípios da grande escala de produção e da suposição de um

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elevado tempo entre produção e consumo (SILVEIRA & ZIMERMANN, 2004), o que

não condiz com a realidade concreta das unidades de produção artesanal de

alimentos.

O problema surge com a inflexibilidade da legislação diante de uma pequena

escala de produção e um consumo quase imediato, situação da produção artesanal

desenvolvida na agricultura familiar. Associando qualidade a estrutura física, a

legislação condena esta produção artesanal à informalidade, pois seria necessário

um investimento para sua regularização, além de suas possibilidades e interesse. E

como bem lembra PREZZOTTO (2002 a,p.09), nas pequenas unidades de

processamento de alimentos, “a qualidade dos alimentos (...) está mais ligada à

qualidade da matéria prima, à saúde e higiene das pessoas que manipulam os

alimentos, à higiene das instalações, ao fluxograma operacional dos trabalhos da

agroindústria etc...”.Diante de tal realidade, “a questão fundamental é saber quais

critérios de qualidade devem ser adotados em circuitos locais e regionais de

produção, distribuição e consumo, considerando que seu contexto é diverso da base

epistêmica de que parte a legislação sanitária.” (SILVEIRA & ZIMERMANN, 2004,p.

219).

Trata-se, então, de definirmos quais os parâmetros mínimos de qualidade que

permitiriam a segurança ao consumidor e qual método de controle de qualidade a

aplicar, tema ainda controverso em nível de pesquisa (até pela carência de estudos

sobre a qualidade efetiva dos produtos da produção artesanal). Coerente com o

espírito da legislação sanitária vigente, a fiscalização hoje realizada adota um

método prescritivo de controle de qualidade, onde identificado um problema de

qualidade, através de uma análise laboratorial, o produto é considerado não apto

para o consumo. Nesta circunstância, assim como no caso de verificação de que as

instalações ou equipamentos utilizados não atendem as normas da legislação, o

estabelecimento é impedido de continuar produzindo, além de ser-lhe imputado às

penalidades previstas em lei.

Nesta perspectiva, o agente não age como educador, buscando junto aos

produtores superar os problemas identificados e nem indicando a forma de superá-

los. Se a preocupação, realmente é melhorar a qualidade dos produtos, a postura

devia ser normativa, “onde os critérios de qualidade são normatizados por técnicos e

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agricultores, definindo-se os níveis de qualidade pretendidos em cada período”

(SILVEIRA & ZIMERMANN, 2004).

Deste modo, o controle de qualidade é visto como um processo permanente e

gradual. Assim, o método de controle de qualidade se baseia na avaliação dos

processos de produção, nas rotinas efetivadas, no fluxo de produção, nas práticas e

cuidados das pessoas envolvidas, surgindo, a partir daí, os pontos críticos no

aspecto de qualificação do produto.

De acordo com SILVEIRA, 2003, “trata-se de propor um processo de Qualificação

inspirado na necessidade de um controle normativo da qualidade e que possa

superar um conceito de qualidade estritamente sanitário em prol de uma qualidade

ampla”, a qual examinaremos a seguir, num breve resumo.

11 Qualidade Ampla

A legislação vigente trabalha com o conceito de qualidade estrito, limitado ao

aspecto sanitário e legal. No aspecto sanitário, a preocupação é a saúde do

consumidor. Vincula-se a estrutura disponível com qualidade do produto, pois se

pretende que esta garanta que não haverá contaminação do alimento.

Neste sentido, LAGRANGE (1995) desenvolve o conceito de qualidade ótima.

Neste conceito, o autor “destaca a qualidade sanitária (ou higiênica) quando um

alimento não é nocivo à saúde; a nutricional, em função da satisfação das

necessidades fisiológicas; a organoléptica, a que proporciona prazer ao consumidor;

a facilidade de uso, ligada à comodidade; e a regulamentar, por respeitar as diversas

normas” (PREZZOTTO, 2002, p.07).

No entanto, tal conceito, torna-se insuficiente por não abordar outros

elementos fundamentais. O aspecto ecológico, social, cultural e a aparência, o que

comporiam a qualidade ampla (PREZZOTTO, 2002). Segundo este autor, este

conceito implica numa perspectiva de saúde global e envolve a relação do

consumidor com o produtor.

Segundo SILVEIRA, 2003, aspecto ecológico estaria relacionado com o processo de

produção da matéria-prima e do produto final, onde haveria uma valorização dos

aspectos naturais, evitando a utilização de insumos químicos nocivos à saúde das

pessoas ou ao meio-ambiente.

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O aspecto social refere-se ao compromisso do consumidor com um produto

que proporcione a quem produziu melhor qualidade de vida. Um consumo solidário,

onde se torna um ato de defesa de um projeto de inclusão social.

O aspecto cultural refere-se a valorização do saber fazer presente no alimento

artesanal, onde os conhecimentos do produtor fazem parte de uma herança

histórico-cultural (GUIMARÃES,2001). Práticas e hábitos alimentares características

de determinadas regiões rurais estão aí representadas e sua valorização relaciona-

se com a reação dos consumidores à massificação alimentar.

O aspecto da Aparência, o mais visível ao consumidor, relaciona-se com o uso

de embalagens que tornem o produto belo, mas também o protejam de efeitos

externos que prejudiquem seu estado natural, além de não significarem problemas

ambientais em seu descarte como resíduo.

A passagem de uma qualidade estrita para uma qualidade ampla significa uma

mudança necessária nos métodos de controle de qualidade, pois o método

prescritivo somente considera o fator sanitário. Deste modo, propomos um método

de controle normativo de qualidade, SILVEIRA, 2003..

12 Método de Controle de Qualidade Normativo

Por controle normativo de qualidade entendemos um processo em que as

normas que orientarão os procedimentos de produção são definidas a partir das

rotinas existentes e das práticas adotadas pelos produtores artesanais, (SILVEIRA

2003) Define-se entre técnicos e produtores as metas a perseguir e os indicadores

para sua avaliação.

Este método normativo de controle de qualidade exige uma ação educativa de

formação permanente que se inicia com a identificação dos pontos críticos do

processo de produção. Tal postura inspira-se no método internacionalmente

reconhecido, o APPCC - Análise dos Perigos e Pontos Críticos de Controle, mas

diferencia-se ao adequar-se a realidade da produção artesanal de alimentos, onde as

condições previstas nesse método para garantir a qualidade não ocorrem

normalmente e, também, por superar um viés estritamente sanitário.

A partir dos pontos críticos estabelece-se um plano de ação para re-

estruturação e qualificação adequada a cada unidade de produção artesanal de

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alimentos. Por reestruturação entende-se um processo de melhoria das instalações e

equipamentos utilizados, considerando o mínimo necessário para alcançarem os

parâmetros mínimos de qualidade.

Para SILVEIRA, 2003, “o método de controle normativo, permite avançar para

a validação social da qualidade, processo onde produtor e consumidores definem a

qualidade esperada”. A Validação social da qualidade é um processo em que a

certificação da qualidade passa a ser conferida socialmente pelo acompanhamento

das diferentes instituições envolvidas neste programa de qualificação e pela

aceitação do consumidor, não apenas pelo carimbo dos órgãos encarregados da

vigilância sanitária (PREZOTTO, 2002).

13 Principais aspectos a serem considerados para elaboração e implantação

de projetos agroindustriais de pequeno porte

Na elaboração e implantação de projetos de agroindústria familiar os pontos

mais relevantes a serem considerados no momento de conceber e elaborar um

projeto agroindustrial, para maximizar acertos e diminuir erros deve ser considerado:

o estudo de viabilidade técnica/econômica; a escolha do local da construção; o

mercado (conhecer o local/região onde pretende atuar, concorrência, potencial,

mercado institucional); as formas de comercialização (marca, tipo de embalagem,

logística); a disponibilidade e qualidade da matéria-prima; a disponibilidade e

qualificação da mão-de-obra; a infra-estrutura disponível (energia, fone, estradas,

água); a disponibilidade de assistência técnica; o dimensionamento da unidade

(instalações, equipamentos, fluxo do processamento – lay out - escala de produção);

as fontes de recursos (financiamento, recursos próprios); a forma de gestão

(controles de produção, qualidade, contábil); a formalização da unidade (tipo de

pessoa jurídica, tipo de serviço de). inspeção sanitária, nota fiscal, (registro

ambiental) e o estudo dentro do que se propõe na troca de saberes e respeito às

tradições e aos costumes locais , adequando- os a legislação vigente.

Em fim, frisamos que para as pequenas agroindústrias, que tem maior

inserção no mercado local/regional, a comunicação com os consumidores pode

representar uma importante estratégia de inserção no mercado. Além de propiciar

uma ampliação do consumo de produtos da agroindústria familiar poderia dar inicio a

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consolidação de uma nova visão de qualidade dos alimentos em especial

substituindo o caráter restritamente comercial, contribuindo para o processo

educativo dos consumidores e para a construção da cidadania e do desenvolvimento

sustentável.

A agroindústria não representa, entretanto, a solução definitiva da

problemática brasileira de exclusão social, mas sim uma alternativa possível de

oportunizar trabalho e renda, essencial e urgente para a construção da cidadania.

Também profissionais envolvidos no processo com conhecimentos específicos

traçando um parâmetro entre o que propõe a nova PNATER e as considerações de

CORDINE (2003 apud Francelino et. al, 2003), entende-se que o profissional

ligado...a economia domestica tem a ver com ecologia social, já que está preocupada

com a qualidade de vida, portanto, atenta aos aspectos sociais (relações humanas),

econômicos relações de consumo/(produção), laborais de saúde e educação da

população. Além de outros eixos transversais da profissão (relações de gênero, visão

holística da realidade, ecologia humana, etc.), (ibidem.). Entendo que a mescla de

profissionais ligados ao desenvolvimento sustentável e a agroecologia e

principalmente os técnicos de ATER abrem caminhos para o controle social e a

participação nas políticas públicas. É uma forma de se rever o que se fez nos

processos da extensão rural e do desenvolvimento sustentável e de se abrir às

oportunidades de mudança.

O enfoque da qualidade ampla pode contribuir no diálogo da ARPP com

os consumidores. Este processo de comunicação sobre a qualidade dos produtos

pode se dar diretamente dos produtores com os consumidores na venda direta dos

produtos (casa-em-casa, feiras etc). De outra forma, pode ocorrer através da

mediação de organizações de pequenas agroindústrias e dos consumidores, com

base na credibilidade estabelecida entre quem produz e quem consome, acordando

entre as duas partes, o padrão de qualidade desejado dos produtos.

Por fim, é necessária a continuação do debate sobre políticas públicas e

normas adequadas a uma nova visão de qualidade dos produtos, pela importância,

por um lado, dos alimentos para a qualidade de vida e para a longevidade da

população. Por outro, para a constituição de um ambiente institucional favorável a

ARPP.

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Em novos estudos, este tema, diante de sua relevância, deve merecer

maior profundidade, indicando processos educativos potencializadores de

crescimento do ser humano como cidadão para o estabelecimento de um novo

paradigma orientado para o desenvolvimento sustentável e estabelecimento de

estilos de agricultura sustentável com base nos princípios de agroecologia

fornecendo elementos para compor políticas e consolidar uma nova visão de

qualidade dos alimentos na perspectiva da sustentabilidade ambiental, social, cultural

e econômica, tendo na pequena agroindústria, uma importante alternativa.

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