sustentabilidade nos bairros marginais

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DESIGUALDADES SOCIAIS E SUSTENTABILIDADE EM BAIRROS DEGRADADOS Xosé Manuel Carreira Rodríguez ([email protected]) INTRODUÇÃO O mundo está a se urbanizar rapidamente e o Relatório Brundtland [BRUNDT87, C. 9] alertou para os perigos inerentes à uma urbanização desordenada. O Alvo # 11 da Declaração de Objetivos do Milénio [UNMD00, MDG # 7.d] está focado na melhora das condições de vida de 100 milhões de habitantes de bairros degradados (slums) entre 2000 e 2020. As cidades são locais de produção de mais de 60% do PIB na maioria dos países e são uma peça chave na mudança climática. Pela primeira vez na história humana, mais da metade da população do planeta vive em cidades [UNHABITAT]. É difícil imaginar qualquer política sobre o crescimento económico, a sustentabilidade ambiental, as mudanças climáticas ou as desigualdades social sem considerar as tendências de urbanização e o crescimento do favelismo [COHEN13]. A previsão de [UNHABITAT] em 2012 era que, nos próximos 30 anos, o número de moradores em favelas em todo o mundo iria aumentar para 2.000 milhões se não fossem tomadas medidas. Os países desenvolvidos também não escapam ao problema pois existiam então 54 milhões de habitantes de bairros degradados no Primeiro Mundo. Por essa razão, neste escrito propositadamente não se faz uma distinção clara entre países nem entre as diferentes formas de degradação urbana existentes no planeta (favelas, bairros de lata, slums, banlieues, chabolismo vertical,... ). ÁGUA E SANEAMENTO Os Alvos #10 e #11 estão relacionados com o problema da habitação [UNMD00, MDG # 7.c & MDG # 7.d] e visavam reduzir para metade, até 2015, a proporção da população sem acesso sustentável à água potável e ao saneamento básico. O indicador mais visível do crescimento urbano improvisado tem sido o grande aumento do favelismo nas áreas

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O mundo está a se urbanizar rapidamente e o Relatório Brundtland alertou para os perigos inerentes à uma urbanização desordenada, especialmente no que diz respeito às inequidades sociais.

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Page 1: Sustentabilidade nos bairros marginais

DESIGUALDADES SOCIAIS E SUSTENTABILIDADE EM BAIRROS

DEGRADADOS

Xosé Manuel Carreira Rodríguez

([email protected])

INTRODUÇÃO

O mundo está a se urbanizar rapidamente e o Relatório Brundtland [BRUNDT87, C. 9]

alertou para os perigos inerentes à uma urbanização desordenada. O Alvo # 11 da

Declaração de Objetivos do Milénio [UNMD00, MDG # 7.d] está focado na melhora

das condições de vida de 100 milhões de habitantes de bairros degradados (slums) entre

2000 e 2020. As cidades são locais de produção de mais de 60% do PIB na maioria dos

países e são uma peça chave na mudança climática. Pela primeira vez na história

humana, mais da metade da população do planeta vive em cidades [UNHABITAT]. É

difícil imaginar qualquer política sobre o crescimento económico, a sustentabilidade

ambiental, as mudanças climáticas ou as desigualdades social sem considerar as

tendências de urbanização e o crescimento do favelismo [COHEN13].

A previsão de [UNHABITAT] em 2012 era que, nos próximos 30 anos, o número de

moradores em favelas em todo o mundo iria aumentar para 2.000 milhões se não fossem

tomadas medidas. Os países desenvolvidos também não escapam ao problema pois

existiam então 54 milhões de habitantes de bairros degradados no Primeiro Mundo. Por

essa razão, neste escrito propositadamente não se faz uma distinção clara entre países

nem entre as diferentes formas de degradação urbana existentes no planeta (favelas,

bairros de lata, slums, banlieues, chabolismo vertical,... ).

ÁGUA E SANEAMENTO

Os Alvos #10 e #11 estão relacionados com o problema da habitação [UNMD00, MDG

# 7.c & MDG # 7.d] e visavam reduzir para metade, até 2015, a proporção da população

sem acesso sustentável à água potável e ao saneamento básico. O indicador mais visível

do crescimento urbano improvisado tem sido o grande aumento do favelismo nas áreas

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periurbanas de África e Sul de Ásia com mais de 80% das suas novas populações sem

qualquer abastecimento de água potável nem saneamento [UNDP12].

DESEMPREGO E SUBEMPREGO

Como foi salientado por [UNHABITAT], as cidades oferecem a promessa de melhores

oportunidades das que existem nas zonas rurais mas, ao mesmo tempo, as cidades

podem tornar-se locais de extrema pobreza e acesso profundamente desigual a serviços

e oportunidades de emprego. Por exemplo, o filme neo-realista [SURCOS51] narrou

cenas do êxodo rural ao Madrid dos anos cinquenta. Esta migração gerava um excesso

de mão de obra sem especializar na periferia e tinha como efeito o emprego informal ou

subemprego.

Apesar das fortes correlações entre o crescimento económico e urbanização, é

importante ressaltar, ainda, o impacto das ineficiências urbanas no emprego e a geração

de renda e a forma espacial urbana da cidade em si. O processo de crescimento urbano

tem sido fortemente influenciado pela suburbanização do emprego industrial e

comercial. As comunidades suburbanas têm respondido às novas condições de

crescimento criando um novo padrão de diferenciação, aquele em que há a estratificação

por classe social e riqueza em detrimento dos moradores mais pobres [LOGAN76].

Favelados e sem-teto vivem por causa da falta de empregos em uma pobreza que não é

melhor do que a das pessoas rurais [BBC06]. Um fator de género a sublinhar é que as

mulheres urbanas pobres são mais propensas do que as rurais a ser dependentes da

economia salarial pela ausência de uma produção para auto-consumo e isso pode vir a

aumentar a vulnerabilidade das mulheres urbanas especialmente quando estão

envolvidas em trabalhos informais [CHANT07].

CONFLITOS SOCIAIS

São várias as pesquisas que provam as relações entre conflitos e desigualdades em áreas

de rápida urbanização [WBANK00] [SEVILLA13]. Nos últimos anos, muitos filmes de

ficção retrataram a paisagem da marginalidade urbana. Cidade de Deus [COG02]

retratou o crescimento desenfreado da criminalidade nos subúrbios do Rio de Janeiro

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entre os anos 60 e o 80. O thriller La Zona [ZONA07] descreve o panorama

preocupante de segregação social, muros e insegurança na megacidade de México DF.

De acordo com [UNDP09] havia 90 cidades fechadas para ricos no início da década de

1990 e 541 em 2008. Este tipo de cidadelas privadas e muradas faz com que o

sentimento de exclusão social e a violência aumentem [ELPAIS14].

No filme La Haine [HAINE95], a banlieue francesa foi representada como um lugar

ruim para viver, com tensões sociais, delinquência e conflitos raciais. Em 2005, uma

série de inesperados e violentos motins protagonizados por filhos de imigrantes ocorreu

nos subúrbios de Paris no que se deu em chamar la malaise des banlieues

[MALAISE05].

Uma origem de conflitos em alguns bairros degradados é a falta de posse legal da

morada, a ocupação de domicílios urbanos e a perspetiva de despejos forçados

[COHEN13]. As portas fechadas à participação popular propiciam a aparição de

conflitos como em [GAMO14]. Este défice democrático também é refletido em

inundações de quintas, dotações orçamentais que favorecem mais aos bairros de classe

média e na locação de indústrias poluentes em bairros periféricos na procura de mão de

obra abundante e a baixo preço [UNDP14].

INFRAESTRUTURAS E TRANSPORTE

Os bairros degradados são uma manifestação espacial da pobreza urbana. A maioria das

estruturas de habitação em bairros favelistas são sub-padrão e não estão em

conformidade com os códigos de construção. [UNDP12]. Vários estudos concluíram

que as condições de vida estão intimamente correlacionadas com os códigos postais

[UNHABITAT ] [JON14].

Por exemplo, o filme [BARRIO98] descreve a vida em um subúrbio madrileno onde o

centro da cidade está longe e mal comunicado e os protagonistas passam a maior parte

do tempo a verificar como é difícil sair dessa célula urbana. De facto, não possuir um

carro pode marcar uma exclusão social quando o transporte público não está garantido

[JEEKEL14]. As deficiências nos transportes adicionam problemas de tempo

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predominantemente suportados pelas mulheres para acompanhar os seus filhos a

escolas, centros de saúde etc... [CHANT07].

MÉDIO AMBIENTE

O crescente impacto das cidades sobre o ambiente e a alta vulnerabilidade das cidades

em relação às mudanças climáticas e desastres naturais exigem uma reflexão sobre o

conceito de sustentabilidade no desenvolvimento urbano.

A Curva de Kuznets Ambiental (EKC) relaciona desigualdade social e degradação

ambiental [BOYCE94]. A perda de floresta e o risco de inundações nos bairros

periféricos são os efeitos mais evidentes [KRUT94]. Também a falta de biodiversidade

tem efeitos negativos sobre moradores nos bairros degradados [MOSQ11] [CARR14].

Contrariamente à crença comum, os sistemas urbanos podem ser ambientalmente mais

sustentáveis do que a vida rural. As áreas urbanas densas produzem menos emissões de

gases de CO2 por pessoa sempre que os sistemas de mobilidade sejam eficientes. A

dispersão periférica (urban sprawl) exige mais energia, infraestruturas e terra

[UNDP12] [JON14].

MULHERES

A reflexão de [CASTELLS78] continua a ser válida hoje em dia: as cidades funcionam

porque as mulheres garantem transporte não remunerado, porque reparam as casas,

porque fazem as refeições quando não existem cantinas, porque passam tempo a fazer

compras, porque cuidam dos filhos quando não há creches e porque oferecem

entretenimento gratuito quando há ausência de opções culturais. Se as mulheres fossem

elevadas ao status de jogadores integrais na política urbana, o Alvo# 11 teria tamém o

potencial de promover uma maior igualdade de gênero [CHANT07].

CONCLUSÃO

[IHC12] observa que se bem alguns dos objetivos do Alvo #11 [UNMD00, MDG # 7.d]

foram cumpridos, o número absoluto de pessoas vivendo em favelas continua a

Page 5: Sustentabilidade nos bairros marginais

aumentar. Em 2012 [UNHABITAT] publicou uma lista de onze metas mais concretas

do que o Alvo # 11 e ilustram a necessidade de dizer algo mais.

Ora bem, mesmo se todos os oito MDGs deixaram de constituir uma agenda suficiente

para o desenvolvimento humano no século XXI, os MDG sem dúvida, exerceram uma

influência positiva sobre o atual planejamento urbano.

Page 6: Sustentabilidade nos bairros marginais

REFERÊNCIAS:

[BARRIO98] Barrio. Um filme de F. L. de Aranoa. Madrid. 1998.

http://www.imdb.com/title/tt0146468/

[BBC06] UN report reveals global slum crisis. BBC News. 16 June 2006.

http://news.bbc.co.uk/2/hi/5078654.stm

[BOYCE94] Boyce J. Inequality as a cause of environmental degradation. Ecological

Economics. Vol. 11, Issue 3, pp 169–178. 1994.

[BRUNDT87] Our Common Future. Report of the World Commission on Environment

and Development. World Commission on Environment and Development. Oxford

Paperbacks. 1987.

[CARR14] Carrus G., Scopelliti M., Lafortezza R., Colangelo G., Ferrini F., Salbitano

F., Agrimi M., Portoghesi L., Semenzato., Sanesi G. Go greener, feel better? The

positive effects of biodiversity on the well-being of individuals visiting urban and

peri-urban green areas. Landcape and Urban Planning Journal 134. P. 221-228. 2014.

[CASTELLS78] Castells M. City, Class and Power. MacMillan St. Martins Press. New

York. 1978.

[CHANT07] Chant S. Gender, Cities and the Millenium Development Goals in the

Global South. Gender Institute. New Working Paper Series. London School of

Economics. 2007.

[COG02] City of God. Um filme de F. Meirelles e K. Lund. Rio de Janeiro. 2002.

http://www.imdb.com/title/tt0317248/

[COHEN13] The City is missing in the Millennium Development Goals. Working Paper

Series Harvard University. 2013

http://fxb.harvard.edu/wp-content/uploads/sites/5/2013/09/Cohen-PoN-0924.pdf

Page 7: Sustentabilidade nos bairros marginais

[ELPAIS14] El director de UN Habitat para América Latina y Caribe cree distintas

clases socioeconómicas deben vivir en el mismo barrio. Diario El País. Madrid. 1 Abril

2014.

http://elpais.com/elpais/2014/04/01/planeta_futuro/1396374564_468216.html

[GAMO14] Conflicto Urbano de Gamonal (Burgos, Espanha) na Wikipédia

http://es.wikipedia.org/wiki/Conflicto_de_Gamonal_de_2014

[HAINE95] La Haine. Um filme de M. Kassovitz. Paris. 1995

http://www.imdb.com/title/tt0113247/

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[JEEKEL14] Jeekel H. Social exclusion, vulnerable groups and driving forces:

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[JON14] Jones C., Kammen D.. Spatial Distribution of U.S. Household Carbon

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[MALAISE05] La malaise des banlieues na Wikipédia

http://fr.wikipedia.org/wiki/ Émeutes de 2005 dans les banlieues françaises

Page 8: Sustentabilidade nos bairros marginais

[MOSQ11] López-Mosquera N., Sánchez M. Emotional and satisfaction benefits to

visitors as explanatory factors in the monetary valuation of environmental goods. An

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[SEVILLA13] Sevilla-Buitrago A, Debating contemporary urban conflicts: A survey of

selected scholars. Cities Journal 31. P. 454-468. 2013.

[SURCOS51] Surcos. Um filme de José Antonio Nieves. Madrid. 1951.

http://www.imdb.com/title/tt0044092/

[UNDP00] United Nations Millennium Development Goals Report. UNDP. New York.

2000.

[UNDP09] United Nations Millennium Development Goals Report. UNDP. New York.

2009.

[UNDP12] United Nations Millennium Development Goals Report. UNDP. New York.

2012.

[UNDP14] United Nations Millennium Development Goals Report. UNDP. New York.

2014.

[UNHABITAT] Programa de Nações Unidas para os Assentamentos Humanos. 1978 –

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http://www.unhabitat.org/mdg/

[UNMD00] United Nations Millenium Declaration. The General Assembly. 2000.

[WBANK00] Fanjnzylber P., Lederman D., Loayza N. Determinants of Crime Rates in

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[ZONA07] La Zona. Um filme de R. Plá. Mexico. 2007.

http://www.imdb.com/title/tt1039652/