análise paleográfica das anotações marginais e finais no

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda 1 Análise paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda Susana Tavares Pedro 1. Introdução As anotações marginais e finais do Cancioneiro da Ajuda englobam duas grandes séries de marginalia: as notas efectuadas durante a produção do códice, e os vestígios posteriores deixados pelos seus leitores, possuidores ou frequentadores ocasionais. Carolina Michaëlis de Vasconcellos, sob o título genérico de «Notas marginais em cursivo», classificou as anotações nas seguintes categorias: «1º) meras correcções de erros; 2º) avisos practicos do escrevente ou revisor para o pintor das maiusculas e copistas da notação musical; 3º) reflexões de varios leitores que se entretiveram a recamar a obra dos antepassados com glosas, ora serias, ora galhofeiras» 1 . As «meras correcções de erros» atrás citadas reúnem, de facto, duas categorias de notas, resultado das tarefas primitivas de revisão e correcção do texto. Assim, reagrupei as anotações segundo uma outra tipologia: (1) Anotações marginais primitivas: instruções técnicas para os decoradores do manuscrito, notas do revisor e do corrector; (2) Anotações marginais tardias, do punho de leitores, e (3) Outras anotações: marcas de posse, de identificação de conteúdo e escritos espontâneos 2 . Pouco se sabe acerca do número de copistas que trabalharam no Cancioneiro; Maria Ana Ramos distingue, pela primeira vez e com reservas 3 , duas mãos, sendo a segunda responsável apenas pela cópia dos dois últimos cadernos. Na secção dedicada às letras de espera apresentarei dados indicando a presença de uma terceira mão no caderno XII. É de notar que este estudo só foi possível porque o códice ficou inacabado. De facto, tivesse a equipa responsável pela execução da obra concluído a tarefa, e a maioria das anotações marginais primitivas teria sido suprimida e, com elas, a possibilidade de se vislumbrar um scriptorium medieval em plena actividade. 1 C. M. Vasconcellos, Cancioneiro da Ajuda, II, p. 167. 2 Os dados foram recolhidos a partir da edição fotográfica do Cancioneiro e revistos em confronto directo com o manuscrito, cuja consulta agradeço ao Sr. Director da Biblioteca da Ajuda, Dr. Francisco Cunha Leão. Todas as imagens são digitalizações feitas por mim a partir da referida edição facsimilada. 3 M. A. Ramos, «O Cancioneiro da Ajuda», p. 38, segundo parecer de Eduardo Borges Nunes: «Contrariamente à opinião geral, desde Carolina Michaëlis a Henry H. Carter, o códice não é dotado de caligrafia de um único copista, mas apresenta, pelo menos, dois momentos bem nítidos, sem ser possível discriminar as mudanças sensíveis no primeiro deles, o que poderia hierarquizar uma sucessão de variedades gráficas».

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

1

Análise paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

Susana Tavares Pedro

1. Introdução

As anotações marginais e finais do Cancioneiro da Ajuda englobam duas grandes séries de

marginalia: as notas efectuadas durante a produção do códice, e os vestígios posteriores

deixados pelos seus leitores, possuidores ou frequentadores ocasionais. Carolina Michaëlis de

Vasconcellos, sob o título genérico de «Notas marginais em cursivo», classificou as

anotações nas seguintes categorias: «1º) meras correcções de erros; 2º) avisos practicos do

escrevente ou revisor para o pintor das maiusculas e copistas da notação musical; 3º)

reflexões de varios leitores que se entretiveram a recamar a obra dos antepassados com

glosas, ora serias, ora galhofeiras» 1. As «meras correcções de erros» atrás citadas reúnem, de

facto, duas categorias de notas, resultado das tarefas primitivas de revisão e correcção do

texto. Assim, reagrupei as anotações segundo uma outra tipologia: (1) Anotações marginais

primitivas: instruções técnicas para os decoradores do manuscrito, notas do revisor e do

corrector; (2) Anotações marginais tardias, do punho de leitores, e (3) Outras anotações:

marcas de posse, de identificação de conteúdo e escritos espontâneos 2.

Pouco se sabe acerca do número de copistas que trabalharam no Cancioneiro; Maria Ana

Ramos distingue, pela primeira vez e com reservas 3, duas mãos, sendo a segunda responsável

apenas pela cópia dos dois últimos cadernos. Na secção dedicada às letras de espera

apresentarei dados indicando a presença de uma terceira mão no caderno XII.

É de notar que este estudo só foi possível porque o códice ficou inacabado. De facto, tivesse a

equipa responsável pela execução da obra concluído a tarefa, e a maioria das anotações

marginais primitivas teria sido suprimida e, com elas, a possibilidade de se vislumbrar um

scriptorium medieval em plena actividade. 1 C. M. Vasconcellos, Cancioneiro da Ajuda, II, p. 167. 2 Os dados foram recolhidos a partir da edição fotográfica do Cancioneiro e revistos em confronto directo com o manuscrito, cuja consulta agradeço ao Sr. Director da Biblioteca da Ajuda, Dr. Francisco Cunha Leão. Todas as imagens são digitalizações feitas por mim a partir da referida edição facsimilada. 3 M. A. Ramos, «O Cancioneiro da Ajuda», p. 38, segundo parecer de Eduardo Borges Nunes: «Contrariamente à opinião geral, desde Carolina Michaëlis a Henry H. Carter, o códice não é dotado de caligrafia de um único copista, mas apresenta, pelo menos, dois momentos bem nítidos, sem ser possível discriminar as mudanças sensíveis no primeiro deles, o que poderia hierarquizar uma sucessão de variedades gráficas».

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2. Anotações marginais primitivas

Por anotações marginais primitivas entendo todos os sinais gráficos (alfabéticos e simbólicos)

que são contemporâneos da produção do Cancioneiro 4. Classifiquei-as, por conveniência,

segundo critérios de destinatário e autor. Agrupei uma primeira série de anotações por

destinatário, i. e., a pessoa ou pessoas que fariam uso das notas para a execução da sua tarefa

– são, todas elas, instruções técnicas para os decoradores. As dos dois outros grupos, pelo

contrário, estão claramente diferenciadas quanto a autor e função: um grupo reúne as

anotações do revisor do texto, o outro as do corrector, ou seja, a pessoa cuja tarefa foi a de

inserir no texto as emendas assinaladas pelo revisor.

2.1. Notas para para os decoradores

Durante a cópia do texto os escribas deixaram em branco vários espaços para posterior

preenchimento, destinados à decoração do Cancioneiro. Esta compõe-se de três elementos,

(1) iluminura, em início de ciclo, sempre na coluna A do recto ou verso dos fólios, sempre

seguida de: (2) capital ornamentada, e (3) iniciais filigranadas de vários tamanhos, consoante

a sua hierarquia dentro do programa decorativo. Foram também deixadas em branco as áreas

destinadas à notação musical, nunca iniciada.

Para distinguir entre o responsável pela execução das miniaturas e capitais ornamentadas e o

encarregado da decoração secundária – no caso, as iniciais filigranadas (completas e

incompletas) – do Cancioneiro, passo a designar o primeiro por ‘iluminador’ e o segundo por

‘rubricador’, ressalvando que esta distinção é puramente funcional e relativa apenas às tarefas

em causa e não traduz, da minha parte, qualquer juízo acerca da identidade dos seus autores.

Ou seja, para a análise que efectuei não foi relevante perceber se o iluminador foi também o

autor da decoração secundária ou se a decoração estava a cargo de um único elemento ou de

uma ou mais equipas de artistas. Noto apenas, secundando a opinião expressa por Maria Ana

Ramos 5, que tudo indica que o rubricador e o iluminador terão trabalhado em paralelo e não

em sequência.

4 Excluo da análise os sinais cruciformes, em ‘xis’ ou em ‘cruz’, uns inscritos na margem (v.g. fls. 1v e 2v), outros dentro do olho de iniciais (fls. 27 ou 33v), por não ser clara a sua intenção ou autoria. 5 M. A. Ramos, «L'éloquence des blancs...», p. 218: «le rubricateur a travaillé à plein sur des sections qui sont vides de tout autre décoration, prouvant que son activité était indépendante de celle du miniaturiste».

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2.1.1. Letras de espera

Nos espaços brancos destinados às capitais e iniciais foram inscritas pequenas letras

minúsculas conhecidas por letras de espera ou de aviso, para que, quer o iluminador, quer o

rubricador, pudessem saber qual a inicial a pintar sem terem de recorrer ao exemplar. São

instruções de carácter efémero que, na maioria dos casos, seriam cobertas pelas iniciais

pintadas ou, como sucedeu nos três últimos cadernos, suprimidas ou ocultadas no momento

da encadernação. As letras de espera eram geralmente executadas pelo copista 6, que as

escrevia no decurso da cópia. Por duas vezes (nos fls. 13v e 72v), ao iniciar a cópia de uma

nova composição, o copista escreveu também a letra destinada à inicial, para a qual deixara o

respectivo branco, com a consequente duplicação de letras. Este lapso revela, por um lado, a

importância das letras de espera para o trabalho dos decoradores e, por outro, a independência

destes em relação ao texto copiado, que não conferiam nem corrigiam.

As letras de espera inseridas nos brancos (a que chamarei de Tipo A – Gravura 1), escritas em

letra gótica semi-cursiva, diminutas e de traçado finíssimo, estão presentes ao longo de todo o

manuscrito, mesmo nos três cadernos finais. Embora a análise tenha sido feita com base

apenas em letras isoladas e não em amostras mais ricas (palavras ou sequências de palavras),

ainda assim penso que foram feitas por, pelo menos, duas mãos, a primeira presente

maioritariamente nos cadernos I a XI, a segunda nos cadernos XIII e XIV 7. Note-se, em

especial, o modo como o copista dos dois últimos cadernos trata a haste do D, cujo ângulo

com a horizontal é mais aberto que o do D típico dos cadernos anteriores, e o olho do E, mais

fechado e agudo (Gravura 1(a) e (b)).

Gravura 1 – Letras de espera Tipo A – (a) cad. I-XI; (b) cad. XIII-XIV; (c) fl. 24va l. 10.

6 A propósito das «instructions techniques laissées par les copistes sur les feuillets», Jacques Lemaire afirma: «Dans l'espace réservé à la peinture d'une lettrine ou en marge, à la hauteur de celle-ci, les copistes traçaient la lettre d'attente, destinnée à indiquer au lettriste quelle majuscule devait être dessinée» (Introduction à la Codicologie, p. 177). 7 Do caderno XII e das questões a que a sua análise deu origem falarei mais adiante.

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A espessura uniforme dos traços, sem contraste pronunciado entre finos e grossos, leva a crer

que terão sido feitos com o canto do bico largo da mesma pena usada na cópia. Este

expediente permitia ao copista não interromper o trabalho para trocar de instrumento sempre

que fosse necessário inserir uma nova letra de espera; terá sido esta a técnica que usou para

decorar com pequenas filigranas algumas maiúsculas com que, por vezes, inicia a escrita de

uma nova composição, após o branco reservado à inicial.

Nos fls. 8 e 40 e, de forma mais sistemática, nos três últimos cadernos (cadernos XII a XIV),

algumas letras de espera (daqui em diante, de Tipo B) foram inscritas nas extremidades das

margens laterais. Ainda são visíveis na margem de dorso, junto da dobra dos bifólios, além

das dos fólios já referidos, as dos fls. 75v, 76, 78, 80 8, 81v, 84, 84v e 85v 9 (Gravura 2).

Gravura 2 – Letras de espera Tipo B – (a) fl. 8v, (b) fl. 40, (c) fl. 76,

(d) fl. 81v, (e) fl. 84: letra de espera e texto.

Ao contrário das de Tipo A, estas são letras de módulo pouco menor que o das do texto

principal (observe-se nas Gravuras 2(c) e 3(e) a relação entre as dimensões da letra N, em

espera, e das letras que no texto aguardam a respectiva inicial) mas a sua caligrafia é menos

formal, própria de uma escrita caligráfica comum de diplomas e não de livros. Nos cadernos

XIII e XIV (fls. 79-88) o copista anotou desta forma apenas as letras de espera

correspondentes às iniciais de começo de cantiga.

Da comparação entre a morfologia dos dois tipos de letras de espera do Cancioneiro ressalta a

existência de dois padrões de comportamento distintos: um, próprio das de Tipo A, coerente e

sistemático na eleição de figuras preferenciais, seria o modelo seguido (imposto?) no

scriptorium; o outro (Tipo B), aplicado de forma pontual e irregular, parece ser da exclusiva

responsabilidade dos copistas que, ao se desviarem do modelo adoptado, usaram formas,

8 Na edição facsimilada a letra de espera do fl. 80, um ‘s-longo’, está tapada por uma pestana (correspondente à lacuna XXIII) na qual, por seu turno, se vê uma outra letra de espera, um ‘A’. 9 Estas letras de espera não foram reconhecidas no índice integrado no volume de Apresentação, Estudos e Índices que acompanha a edição fac-similada, onde estão erradamente colocadas entre colchetes rectos as iniciais das cantigas 278, 285, 289, 298, 302, 304 e 307.

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dimensão e localização alternativas, reveladoras de outra formação técnica e de outra

tradição.

Baseio a minha afirmação nos seguintes dados: no desenho das letras de menor dimensão,

salvo raríssimas excepções (que podem ser explicadas por intervenção de terceiras pessoas 10,

para cada letra do alfabeto usada foi escolhida uma única figura, de entre todas as variantes

possíveis do vasto leque de formas modelares minúsculas, unciais e capitais, característico da

escrita medieval. A opção por uma forma maiúscula ou minúscula para determinada letra é

constante em ambos os copistas (cf. Gravura 2(a) e (b), tal como o é a escolha do alógrafo

utilizado. Assim, são maiúsculas as letras A, G, M e N, minúsculas as B, C, D, E, F, J, L, O,

P, Q, R, S, T e U; o M é sempre uncial (ô), o S, um ‘s-longo’ (Æ) e o U, um ‘u-agudo’ de haste

alongada (µ).

O comportamento dos copistas dos três últimos cadernos e do fl. 40r reforça a noção de

diferentes indivíduos com treino, práticas e preferências distintos, nomeadamente no

tratamento de elementos codicológicos efémeros e, portanto, de menor importância, como o

eram as letras de espera, aos quais se sobrepunha com maior ou menor rigidez e constância o

modelo privilegiado pelo coordenador do scriptorium onde exerciam a sua actividade.

O caderno XII não apresenta praticamente nenhuma das letras de espera do Tipo A, o que me

levou a analisar com mais cuidado a escrita da cópia embora, volto a frisar, não tenha sido

esse o objecto deste estudo. As observações que se seguem devem ser entendidas apenas

como um apontamento, uma chamada de atenção para a necessidade de se identificarem com

rigor as mãos dos copistas, matéria que aqui é tratada de forma breve e limitada.

Assim, da análise de um número necessariamente restrito de características gráficas, creio

poder afirmar que (1) no caderno XII (fls. 74 a 78v) interveio um terceiro copista, que

trabalhou a partir do fl. 74v (ou seja, do verso do primeiro fólio), até ao fim do caderno e, (2)

o copista dos dois cadernos finais (XIII e XIV) terá escrito também o fl. 40r, onde se vê a

letra de espera da Gravura 2(b). Em apoio destas afirmações forneço exemplos de algumas

palavras onde consta a letra Z, que considero ser, neste tipo de escritas caligráficas librárias

muito regulares e com pouca variação em relação ao modelo formal, uma letra

particularmente apta a revelar características gráficas individuais, "tiques" pessoais, por assim

dizer. Tem um ductus complexo (Gravura 3) feito em três tempos, com um primeiro traço 10 Em certos casos terão sido os leitores a fornecer a inicial em lacuna (cf. fl. 19vb l. 6, ‘m’; fl. 20a, l. 15, ‘q’).

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horizontal que termina num ângulo agudo para baixo e para a esquerda, um segundo traço

mediano curvo descendente, e um terceiro traço curvo que se liga ao anterior, todos

orientados da direita para a esquerda.

Gravura 3 – Ductus da letra Z.

Chamo a atenção, em particular, para as formas do traço nº 2, aquele que melhor diferencia a

grafia dos três copistas. Comparando os exemplos da Gravura 4, e tendo como assente que,

para o efeito, α é a mão dos cadernos I a XI e χ é a mão dos cadernos XIII e XIV, torna-se

evidente que β se distingue de ambas no tratamento do traço mediano do Z.

Gravura 4 – Copistas do Cancioneiro: exemplos do traçado da letra Z.

Em β este tem uma orientação tendencialmente horizontal e termina numa curva fechada,

enquanto que em α e, especialmente, em χ, o traço descreve uma curva descendente mais

acentuada. A espessura dos traços (esquematicamente representada na Gravura 5) varia

consoante a direcção do traço, o ângulo do aparo da pena com a horizontal e a posição do

ponto de ataque: em α o arranque (o início do traço) é afilado porque feito com um

movimento diagonal ligeiramente ascendente; em β o arranque é praticamente na horizontal

e, por essa razão, o traço tem quase a mesma espessura em todo o seu comprimento; em χ,

pelo contrário, o ponto de ataque é bastante baixo, o arranque é longo, fino e claramente

ascensional e o traço descreve uma curva pronunciada.

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Gravura 5 – Espessura e direcção dos traços.

Estas características conferem ao Z do copista dos dois últimos cadernos um aspecto

marcadamente distintivo, que se repete na mão do fl. 40r, razão pela qual penso que podem

ser atribuídas ao mesmo indivíduo. Por outro lado, a diferença de figura e ductus entre o Z de

α e o de β apontam para uma mudança de mão do fl. 74 para o 74v, e para a identificação de

um outro copista.

2.1.2. Indicação de fiinda

Em 21 ocasiões, a maioria nos caderno IV a VII e uma no caderno IX, foi escrita a palavra

fiÍjÍdÉ (i.e. ‘fiinda’) na margem esquerda ou direita, consoante a coluna de texto a que se

reporta. No Quadro 1 dou a lista de todas as ocorrências e respectiva localização 11. fol col lin loc texto fol col lin loc texto fol col lin loc texto

24 A 25/26 ME fiÍjÍdÉ 27 B 10/11 MD fiÍjÍdÉ 35v B 4 MD fiÍjÍdÉ 25v A 25 ME fijdÉ 30 B 11 MD fiÍjÍdÉ 36 A 1 ME fiÍjÍdÉ 26 A 2/3 ME fiÍjÍdÉ 34 B 1 MD fiÍjÍdÉ 36 A 18 ME fiÍjÍdÉ 26 A 5 ME fiÍjÍdÉ 34v A 9 ME fiÍjÍdÉ 37v B 12 MD fijdÉ 26 A 7 ME fiÍjÍdÉ 34v A 11 ME fijdÉ 41 A 20 ME fiÍjÍdÉ 26v A 27 ME fiÍjÍdÉ 34v B 17 MD fiÍjÍdÉ 44 B 11 MD fiÍjÍdÉ 27 B 14 MD fiÍjÍdÉ 35 A 24/25 ME fiÍjÍdÉ 52v A 1/2 ME fiÍjÍdÉ

Quadro 1 – Ocorrências da indicação de fiÍjÍdÉ.

A nota, que deve ser entendida como outra categoria de instruções técnicas, está sempre

associada um branco de três linhas reservado para a notação musical. É provável que o aviso

se destinasse ao rubricador, para que desenhasse uma inicial de dimensão especial, como

afirma Carolina Michaëlis (1904, II:174); a intenção da nota seria assim um aviso para que

este não desenhasse uma inicial de cantiga, como a distribuição das linhas de texto poderia

sugerir, mas sim uma inicial de menor módulo.

Parece-me claro que estas notas foram todas feitas pela mesma mão, a que escreveu as letras

de espera Tipo A nestes cadernos. Os exemplos apresentados na Gravura 6 permitem notar a

similitude de figura do D, a única letra passível de comparação, com o D das letras de espera

11 A lengenda deste quadro e dos seguintes é apresentada no início do Apêndice.

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da Gravura 1(a). Se, de facto, estas foram da autoria do copista α, então terá sido ele também

o responsável pela escrita da indicação de fiinda.

Gravura 6 – Indicação de fiÍjÍdÉ.

No entanto, a palavra não aparece estreitamente associada à letra de espera do início da

fiinda: por vezes está situada entre as duas primeiras linhas de texto, ao lado das linhas em

branco (fls. 24, 26, 27 e 35) e, no fl. 52v, foi mesmo escrita ao lado das últimas linhas da

estrofe que antecede a fiinda. Além disso, como já referi, a nota surge na margem esquerda

quando se refere ao texto da coluna A, como seria de esperar, mas passa para a margem

direita quando se refere ao da coluna B, o que ainda a distancia mais da letra de espera,

sempre no início da linha, no intercolúnio. Por outro lado, a maioria das fiindas não foi

assinalada com a nota marginal (Ramos 1984:13), mesmo quando a disposição da cópia

mantém os brancos para a notação musical (fls. 33v, 34v, 38v, 39v, etc.). Nalguns casos

parece ter havido hesitação inicial da parte do escriba quanto ao tipo de inicial a inserir, como

refere Ângela Correia (texto inédito) 12. Esta assistematicidade não tem explicação evidente

mas pode ser interpretada como consequência da utilização de fontes com modelos diferentes

de organização e apresentação do texto, opinião já expressa por Maria Ana Ramos a propósito

dos espaços reservados para a notação musical das fiindas (Ramos 1986:223-24).

2.1.3. Indicação de refrão

Ao longo do Cancioneiro encontram-se, além da indicação de fiinda, 10 notas marginais que

reunem a uma letra maiúscula a palavra ‘refram’ (Quadro 2). fol col lin loc texto fol col lin loc texto

51v B 26 MD D ™eff™Éû 63v A 5 ME ™ef™Éõ ˙ ff 57 B 5 MD ˙ D ™ef™Éû 66v A 5 ME ™ef™Éõ ˙ ô 59 A 6 ME ˙ B ™eff™Éû 66v B 4 MD ˙ P. ™ef™É[™$]õ 60 A 5 ME ˙ Ç ™eff™Éû 71 B 17 MD ˙ D ™ef™Éõ

12 Estudo em preparação, no qual a autora constata que alguns brancos em reserva para a inicial de fiinda foram delimitados por um primeiro traço vertical e, de seguida, por um segundo traço que reduziu a largura do branco para uma dimensão inferior ao das iniciais de cantiga (comunicação pessoal).

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60 B 10 MD ˙ Q ™eff™Éõ 72 A 5 ME ˙ D. ™eff™Éõ 61 B 3 ME ˙ ∞

Quadro 2 – Indicação de ™ef™Éõ.

A maiúscula aparece quer à direita, quer à esquerda da palavra e deve ser entendida como

uma instrução para o rubricador e, nesse sentido, como uma letra de espera. A este grupo

pertence também uma 11ª nota no fl. 61, um T não acompanhado da palavra ‘refram’.

Todavia, ao contrário das outras letras de espera e das indicações de fiinda, estas corrigem o

texto, o que prova que foram feitas após a cópia. Enquanto letras de espera, são de um tipo

totalmente diverso dos outros dois comentados no ponto 2.1.1. e não podem ser atribuídas a

qualquer dos seus autores. São, sim, da responsabilidade do revisor e, tal como foi possível

detectar comportamentos individuais na opção por determinadas formas literais nos outros

tipos de letras de espera, também nestas se pode identificar um critério uniforme na escolha

da sua representação gráfica. Formalmente, são letras maiúsculas, acrescidas de pequenos

traços de destaque característicos das maiúsculas góticas (Gravura 7).

Gravura 7 – Letras de espera Tipo C – (a) fl. 58; (b) fl. 61; (c) fl. 61; (d) fl. 66v.

O revisor assinalou desta maneira apenas os casos em que o copista, ao iniciar a cópia do

refrão, escreveu a primeira letra em vez de a tratar como inicial colorida (isto é, quando

deveria ter deixado um branco acompanhado de letra de espera). O lapso ocorre sempre na

primeira estrofe das cantigas, onde não há mudança de linha a separar o refrão da estrofe.

Creio que é seguro concluir que a letra inicial do refrão não estava destacada no exemplar. O

revisor terá detectado o engano ao percorrer o resto do texto, onde o refrão aparece sempre

numa nova linha; depois de o ter assinalado, a letra desnecessária foi rasurada (excepto no fl.

71, onde permanece no texto o D sopontado e riscado). A adição da palavra ‘refram’ à letra

de espera só se pode entender como uma informação complementar, fornecida com o

propósito de clarificar a natureza da correcção.

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2.1.4. Notas para o iluminador

Ao lado de algumas iluminuras (Quadro 3) encontra-se uma palavra, traçada a ponta seca ou

plumbagina, destinada ao iluminador, ou melhor, ao artista encarregado de preencher o fundo

e, portanto, contemporânea do fabrico do manuscrito. fol col loc texto

4 A ME ÉzÉf™Éõ 15 A ME Éz[...] 16 A ME ÉcªÉf™É 29 A ME ÉzÉf™Éõ 37 A ME ÉzÉff™É

Quadro 3 – Notas para o iluminador.

Tanto quanto pude ver, é a mesma palavra em todas as instâncias, ‘açafram’ / ‘azafram’,

escrita em letra gótica cursiva. É quase imperceptível (só a detectei quando consultei o

original) e na edição fotográfica do Cancioneiro é visível apenas nos fls. 16 e 37. Na Gravura

9 pode ver-se a nota do fl. 16, a mais legível.

Gravura 8 – fl. 16 – ÉcªÉf™É.

A presença desta nota ao lado de apenas algumas iluminuras parece indicar que os fundos

seriam preenchidos com duas cores-base, alternadamente 13, sendo uma o amarelo-açafrão e a

outra a cor usada por defeito, a qual, por esse motivo, dispensaria referência explícita. Como

os fundos não chegaram a ser pintados, não sabemos que cor seria. Para confirmar ou

invalidar esta hipótese será primeiro necessário confrontar a descrição codicológica mais

recente dos cadernos do Cancioneiro com os dados da crítica textual para estabelecer

definitivamente a localização das lacunas, tendo em conta que alguns dos fólios em falta

conteriam ciclos completos de poemas. Só então será possível perceber se a distribuição desta

anotação aparece, de facto, em alternância com a sua ausência.

13 Agradeço a Patricia Stirnemann, que em comunicação pessoal (de 12/11/04) me chamou a atenção para esta hipótese.

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2.2 Notas do revisor

Em scriptoria organizados, a tarefa de revisão do texto era da competência de pessoas

experientes, com maior treino em detectar e assinalar lapsos de cópia. Da análise das

anotações marginais primitivas atribuídas tradicionalmente ao revisor do Cancioneiro, torna-

se claro que estamos perante duas mãos. A primeira é, de facto, a do revisor; a segunda, que

completou ou substituiu as anotações deste, pertence ao escriba que teve como função inserir

as emendas no texto, o qual, na ausência de um termo específico para nomear o responsável

por esta tarefa, designei por corrector. Não conheço outro manuscrito medieval onde a

intervenção do corrector esteja documentada desta forma.

Todos os cadernos, com excepção dos três últimos, revelam a actividade do revisor do

Cancioneiro, mais concretamente do fl. 1v até ao fl. 73. Os três últimos cadernos não contêm

qualquer anotação do seu punho 14. O revisor assinalou erros 15 e lacunas no corpo do texto,

sopontando e riscando letras ou palavras inteiras, marcando sempre os locais adequados com

sinais de chamada e, quando necessário, lançou nas margens as formas correctas, introduzidas

pelos sinais correspondentes. A maioria dos sinais de chamada (apresentados na Gravura 9) é

formada por dois traços oblíquos inclinados para a direita, unidos por um terceiro tracinho ao

centro (a e a’); com menor frequência encontram-se dois traços oblíquos simples (b), um

único traço oblíquo (c) ou um traço oblíquo acompanhado na base por um ou dois pontos (d).

Por vezes um ponto ou um leve traço oblíquo são acrescentados após a emenda escrita na

margem, como também se pode ver no exemplo (b). No exemplo (a) mostro, à esquerda, o

erro escribal, riscado e encimado pela chamada, e à direita a emenda do revisor, com o

respectivo sinal introdutório. Este é um dos casos em que o corrector não corrigiu o erro.

Gravura 9 – Sinais de chamada: (a) fl. 4b l. 14; (a’) fl. 21va l. 7; (b) fl. 23vb l. 4; (c) fl. 24va l. 8; (d) fl. 72va l. 23.

14 No Apêndice dou a lista de todas as anotações marginais primitivas ainda visíveis, da autoria do revisor e do corrector. 15 Importa referir que, para Maria Ana Ramos («L'importance des corrections...», p. 150), algumas destas notas não são correcções mas sim variantes presentes em material pré-arquetípico na posse do revisor.

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

12

A letra integra-se no grupo das minúsculas góticas cursivas, frequente na documentação

portuguesa do séc. XIII e princípios do séc. XIV. É uma letra com traços personalizados,

própria de uma pessoa com prática de escrita regular.

Ao longo do códice podem observar-se ligeiras alterações na espessura dos traços provocadas

por mudança no instrumento de escrita. As penas tinham de ser talhadas e substituídas com

regularidade, e um bico tão fino como o que traçou estas letras seria submetido a um desgaste

mais rápido. Apesar do tamanho diminuto das anotações do revisor, a análise do ductus revela

uma única mão em todas as ocasiões.

2.2.1. Estrofe do fl. 68

Carolina Michaëlis teve dúvidas quanto à autoria das anotações marginais dos fls. 68 e 68v,

nomeadamente quanto à da estrofe escrita na margem direita do fl. 68:

Outras correcções ha, porém, de caracteres maiores, grossos e rasgados, que parecem

accusar outra mão, bem mais moderna, e tambem proveniencia diversa. São as que se

referem ás cantigas 250, 251 e 253. E como todas se acham dentro de um espaço

circumscripto, no cancioneirinho individual de Pay Gomes Charinho, é possivel que

derivem não da phantasia de um leitor, mas da comparação com outro texto. Possivel,

mas de modo algum certo.

Quanto á estrophe inteira, accrescentada a uma poesia da mesma Secção

XXVII (No. 250) estou tão pouco segura d'esta interpretação que ao redigir e revêr as

provas do texto ainda a quis attribuir ao copista, embora a letra a distancie da mão que

escreveu as emendas 16.

Na realidade, as particularidades gráficas do traçado destas anotações não acusam «outra

mão, bem mais moderna», mas sim a do revisor. É certo que, comparada com a letra do

corrector, também presente nestes fólios, a diferença entre ambas é tão notória (veja-se a

Gravura 14, mais adiante) que não podia deixar de provocar a confessada insegurança da

autora. Aliás, em nenhum outro ponto as anotações do revisor atingem a extensão das do fl.

68. Na maioria dos casos limitam-se a uma palavra, por vezes parte de palavra, a uma única

letra ou, mais raramente, três ou quatro palavras seguidas. Quase todas as anotações de

dimensão superior são, ou exclusivamente do punho do corrector, ou acrescentadas por ele no

seguimento da emenda. Contudo, ao confrontarmos algumas palavras do texto da estrofe do

16 C. M. Vasconcellos, Cancioneiro da Ajuda, II, pp. 173-174.

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

13

fl. 68 com palavras idênticas escritas pelo punho do revisor em outros pontos do códice,

torna-se indubitável que foram traçadas por uma só mão, como se pode comprovar na

Gravura 10.

Gravura 10 – Estrofe marginal no fl. 68: confronto com exemplos da mão do revisor.

2.2.2. Nota do fl. 9v

Uma das consequências da interrupção do trabalho no Cancioneiro da Ajuda é a ausência de

identificação dos autores. Esta, como é sabido, é hoje possível através do confronto com o

texto de outros cancioneiros, onde a atribuição autoral é indicada, e apenas algumas

composições permanecem anónimas por só estarem presentes no da Ajuda.

A cantiga do fl. 9v, «Meus ollos gran cuita damor» (A39 na numeração de Carolina

Michaëlis), é um destes casos de tradição única. Apenas a primeira estrofe foi copiada e todo

o resto do fólio foi deixado em branco. Encontra-se entre os ciclos identificados como

pertencentes a Paio Soares de Taveirós e a Martim Soares. Maria Ana Ramos destacou já a

importância da sequência de cópia no Cancioneiro para a identificação dos trovadores:

S’il est vrai que les textes d’Ajuda sont complètement anonymes, il est vrai aussi

qu’ils se trouvent rassemblés par auteur et que la fin d’auteur est signalée par un

espace en blanc 17.

e, conclui:

17 M. A. Ramos, «L'éloquence des blancs...», p.221.

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

14

On peut donc conclure que, malgré le silence attributif, il faut prendre en

considération la séparation des auteurs dans le Chansonnier d’Ajuda. En effet, si on ne

peut pas parler d’attribution avec un nom ou prénom explicites, on ne peut pas nier

l’existence d’une attribution physique 18.

Na margem do fl. 9v, ao lado da inicial, o revisor escreveu um nome: pŒ dÉpont (ou seja, Pêro

da Ponte, um dos poetas do Cancioneiro; Gravura 11). Tanto quanto sei, nenhum dos editores

do Cancioneiro menciona esta nota.

Gravura 11 – fl. 9v – pŒ dÉpˇoˇnˇt

Sem querer alongar-me neste ponto, deixo todavia uma interrogação: tendo em conta que (1)

as composições estão agrupadas segundo um critério de autoria; (2) a cópia da cantiga 96 foi

interrompida após a primeira estrofe e (3) o revisor escreveu na margem o nome de Pêro da

Ponte, será admissível supor que esta cantiga tenha começado a ser copiada no sítio errado e a

nota do revisor seja uma chamada de atenção para o lapso? É certo que a composição não

reaparece no ciclo de Pêro da Ponte. Embora a nota não possa ser considerada uma rubrica

atributiva, é a única referência explícita a um autor em todo o Cancioneiro.

2.3. Notas do corrector

Nem todas as emendas do revisor foram acompanhadas por anotações do corrector. Estas

ocorrem nos casos em que a correcção implicou uma alteração substancial no texto já

copiado, com rasura de uma quantidade relativamente extensa de palavras, por vezes de mais

que uma linha de escrita. A título de exemplo mostro na Gravura 12 a sequência das várias

intervenções que afectaram o texto das linhas 5 a 8 no fl. 10va: por cima da anotação marginal

do revisor (Æenoß) o corrector escreveu o equivalente a três linhas de texto. Pela extensão da

nota, é de supor que a palavra ‘senhor’, a segunda palavra da l. 5, fora omitida na cópia

original pois só desse modo a sua inserção provocaria, como provocou, um reajustamento

considerável da escrita, que nesta secção se estende entre as duas linhas de justificação da

18 id., p. 222.

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

15

coluna. O corrector anotou na margem o texto que calculou ter de apagar e reescrever 19 e

procedeu à correcção. Conseguiu fazê-lo sem ter de escrever todo o texto previsto. A nota do

corrector diria:

[ùoÆt™o Æenoß c]omo iÉcªo coitÉdo mo™™ed ÉÆÆi entÉl pode™ dÉmo™ [q me tolleu ]o ÆÆeû ˆ mÉl pecado . Élme tolle d‹ q me ffaz

mas parou a correcção em ‘de que’, na l. 7, deixando intocadas as palavras ‘me faz’, no

início da l. 8. Para adaptar o texto ao espaço disponível, comprimiu a letra: na imagem pode

ver-se como a escrita das linhas 5 a 7 é mais cerrada que a da l. 8, da cópia original.

Gravura 12 – Notas do revisor, do corrector e correcção – fl. 10va l. 5-8 (imagem manipulada 20).

Parece-me evidente que o corrector, antes de apagar e reescrever o texto, se viu compelido a

escrever na margem a versão já emendada. O seu objectivo é claro – evitar esquecer-se das

palavras a escrever. Quer isto dizer que o corrector não tinha disponível o exemplar para se

guiar? Ou seria, mais prosaicamente, uma forma de poupar tempo, dispensando o confronto

constante com o texto do exemplar?

A intervenção do corrector estende-se do fl. 2v ao fl. 72, embora a primeira ocorrência de

uma nota pelo seu punho só seja visível no fl. 3v. Isto deve-se ao facto de, nos fólios iniciais,

tal como em várias outras ocasiões, o corrector ter apagado a emenda do revisor. No

manuscrito podem ver-se ainda as manchas e irregularidades na superfície do pergaminho

onde as emendas foram raspadas. Algumas são ainda perceptíveis, como a que se vê na

19 A nota do corrector ficou bastante truncada após a encadernação; do número de palavras em falta podemos supor que os bifólios originais teriam, pelo menos, mais 10mm de largura. 20 No original há três linhas em branco entre as linhas de escrita, destinadas à notação musical, que suprimi na reprodução.

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

16

margem do fl. 7b l. 15 (Gravura 13), onde a emenda ‘sol’ foi substituída por uma nota mais

completa do corrector e, depois, rasurada.

Gravura 13 – Revisão rasurada (a) e substituída (b) — fl. 7b l. 15.

Nos fl. 72v e 73 (onde cessa a actividade de revisor) todas as emendas ficaram por corrigir,

bem como as dos fls. 42v a 45v (verso do último fólio da primeira metade e toda a segunda

metade do caderno VII 21). Nestes fólios não há qualquer anotação do punho do corrector. Por

outro lado, o corrector saltou muitas das emendas marcadas apenas no texto, sem chamada

marginal, o que revela que se guiava principalmente pelas emendas marginais do revisor.

Observando as anotações, podemos deduzir quais as etapas deste trabalho. Em primeiro lugar,

o corrector identificava a emenda marginal e o texto a corrigir; em seguida, consoante a

natureza e extensão da intervenção requerida, passava de imediato à raspagem do texto errado

e inserção da versão correcta, ou reformulava primeiro a emenda, de uma de duas maneiras:

substituindo-a por uma nota mais extensa ou completando-a. Em qualquer dos casos,

reproduzia na margem o texto que calculava ter de anular antes de proceder à correcção. Por

vezes, rasurava a emenda. Só depois de finalizada a correcção passava à emenda seguinte.

Na Gravura 14 podem ver-se anotações onde as duas mãos estão presentes lado a lado. Em

todos estes casos o corrector completou a nota do revisor que, nos exemplos 14(a) e 14(b), se

encontra delimitada à esquerda pelo sinal de chamada e à direita por um ponto.

Gravura 14 – Anotações do revisor completadas pelo corrector – (a) fl. 12b l. 12; (b) fl. 26b l. 13;

(c) fl. 29b l. 2; (d) fl. 12vb l. 2.

21 No Apêndice, coluna N, estão assinaladas todas as ocasiões em que o corrector deixou uma emenda marginal sem correcção.

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

17

3. Anotações marginais tardias

No manuscrito do Cancioneiro da Ajuda há um número considerável de marginalia que

Carolina Michaëlis designa genericamente por «reflexões de varios leitores». Ao contrário

das anotações estudadas nos pontos anteriores, circunscritas cronológica e espacialmente ao

momento de produção do manuscrito e feitas pelos agentes responsáveis por algumas etapas

da sua execução, as cerca de 60 anotações tardias, atribuíveis a mais do que um executante,

foram escritas por indivíduos que se relacionaram com o manuscrito apenas enquanto

utilizadores.

Diferem entre si na autoria, na cronologia e na atitude expressa, que se divide entre

apreciações acerca da qualidade das composições, comentários directos sobre o seu conteúdo

e, numa ocasião, introdução de uma versão alternativa do texto.

3.1. De comentário

Um primeiro grupo de anotações, em número de 28, comenta directamente o conteúdo de

várias composições (Quadro 4). A maioria, em tom jocoso, pertence a uma só mão (Gravura

15) – a mão A – que, tendo comentado profusamente o texto em quase todos os fólios do

primeiro caderno, só reaparece no final do Cancioneiro, nos cadernos IX, XII e XIV. (É

impossível saber se nos fólios em falta haveria alguma nota, desta ou doutra natureza).

Espacialmente, as observações escritas pela mão A estão sempre situadas muito perto da

caixa de texto; no fl. 1 duas das notas chegam mesmo a sobrepor-se a traços da filigrana que

decora a inicial e a do fl. 81v principia dentro da caixa de texto.

fol col linha loc texto

1 A 18/19 ME diz u›dÉde 1 A 21/22 ME eÆte ÉviÉ eveiÉ Éo¨ qˇ viÉ mo™™eß 1 B -- MP eÆtÉ tijnhÉ ÆÆuÉ ÉlmÉ mÉll penÆÉdÉ 3v B 15/16 INT fÉziÉlhe peÆÉß eÆte eˇ nÉ õ‘ Œ ÉmÉß 4v A 5/6 ME oßÉ poi¨ fÉzelho 4v A 9/10 ME bebeß Æobre o cheiro 4v A 21/22 ME õ‘ Œ pode ÉllÉ fe 4v B 9/10 MD eÆtÉÉ beõ ÆÉteÆftˇo 4v B 24 MD bofe ÆÆy 5 A 14 ME ma¨ õ‘ Œ 5 A -- MP mÉtÉllo 5v A 26 ME eÆte leixÉ o¨ feitÓ Édeo¨ 5v B 9 INT cÉlÉß

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

18

6 A 14/15 NE out œ Œ diÉ te veßÉ 6 B 3 ND mylhoß he õ‘ Œ dizello logo 7 B 23 INT eßgo 7v A 11 ME guÉßte ˆcÉlÉte 7v B 14/15 INT lÉtiõ 62 B 4 MD ™™eÆpondeolhe 62v A 21 ME edeÆte Ép‰ndeo joÉm de menÉ 62v A 6 ME fiÍno 62v B 7 MD t – ŒbÉÆÆe¨ tu bem ˆ nˇoˇ lhe peÆÉßÉ 62v B 16 MD gÉbÉßÆÆenÓ queß 63 A 7 ME ÉndÉe eˇ eßÉ mˇÉˇÉˇoˇ vÉde¨ 81v B 15 MD epo– eÆte ÆÆe diÆe g¿dÉdo he quˇeˇ deo¨ guÉßdÉ 88v A 18/19 ME Éo demo Éo demo o Émoß

Quadro 4 – Comentários da mão A.

Gravura 15 – Comentários ao conteúdo I – mão A.

Escritas em momentos diferentes, como revelam as alterações no tom da tinta, na espessura

dos traços, no módulo das letras (menor nos fls. 62v e 63, maior nos fls. 4v e 62, por

exemplo) e na velocidade do traçado (veja-se na Gravura 15 como a escrita do fl. 1 é mais

pausada que a do fl. 81v), foram certamente feitas por alguém que frequentou o Cancioneiro

durante um período de tempo relativamente longo. Maria Ana Ramos, no estudo em que

debate a identificação do ‘Pêro Homem’, provável possuidor do Cancioneiro, sugere que a

ele se poderia atribuir a autoria (apenas) da nota marginal do fl. 62v, onde se lê: «edeÆte

Ép‰ndeo joÉm de menÉ» 22. Creio, repito, que todas as notas incluídas no Quadro 4 foram

escritas pela mesma mão. A letra deste comentador é uma gótica cursiva comum, mais 22 M. A. Ramos, «Invoco El Rrey...», p. 171. O artigo inclui boas reproduções da nota e da assinatura.

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

19

propriamente a letra joanina típica do século XV em Portugal.

Há apenas dois comentários ao conteúdo dos poemas que não foram escritos pela mão A.

(Quadro 5). fol col lin loc texto

23 B 22 MD RŒ (?) | bˇoˇoˇ diz› dÉÆɡ[...] 42v A 5 ME [...]mÉl Éqˇeˇ qˇßˇ beõ É ÆuÉ ÉmyÏgo [...]l ɡqˇßˇ mÉl [# lhe≠?] qˇß

Quadro 5 – Comentários da mão B.

Encontram-se nos fls. 23 e 24v e estão hoje ambos truncados por, ao contrário dos da mão A,

terem sido escritos na margem, junto ao que seria o corte de goteira original (Gravura 16). A

nota do fl. 23 foi enquadrada entre linhas horizontais e verticais (parto do princípio que na

extremidade direita teria havido uma linha vertical a fechar o rectângulo), a linha inferior

decorada com pequenos ornatos alongados e, à esquerda, entre as linhas horizontais mas fora

do rectângulo, está o que parece ser um R maiúsculo cursivo com um O sobreposto, a forma

medieval corrente da abreviatura do nome próprio ’Rodrigo‘. É uma figura tão típica e tão

comum na escrita medieval que não imagino que possa receber outra interpretação, mas

confesso que a explicação para a sua presença neste contexto me escapa completamente.

Ambas as anotações parecem ter sido feitas pela mesma mão, também no séc. XV.

Gravura 16 – Comentarios ao conteúdo II – mão B.

3.2. De qualificação

Alguns leitores distinguiram 17 composições com apreciações qualitativas (Quadro 6),

classificando-as com o adjectivo ‘boa’, por vezes reforçado com ‘mui’ ou ‘muito’. fol col loc texto mão fol col loc texto mão

1v A ME boÉ ? 22 A ME X boÉ C

3 B INT boÉ A 22 B MD X boÉ C

6v A ND boÉ A 22v A ME X boÉ C

16 A ME ôujto boÉ C 23v A ME boÉ ?

18 B MD muj boÉ C 26 B MD mujto boÉ C?

19v B MD X boÉ C 33 A ME mujto boÉ C?

19v B INT X boÉ C 68 A ME X ôujto boÉ C

20 A ME X boÉ C 71v A ME muj muj ‘ Œ boÉ C

20 A ME X boÉ C

Quadro 6 – Notas qualificativas.

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

20

A maioria das notas foi escrita pela mesma mão, aqui identificada com a letra C, que em 8

ocasiões realçou o comentário com uma cruz (Gravura 17) 23. As notas dos fls. 26 e 33 podem

ter sido também escritas pela mão C, mas com uma pena de bico mais fino. O principal autor

dos comentários ao conteúdo dos poemas (a mão A) também adjectivou duas composições;

tenho dúvidas quanto à nota do fl. 1v, por ser pouco legível, e quanto à do fl. 23v, que parece

ser de uma outra mão.

Gravura 17 – Notas qualitativas – mãos C e C?.

Se, de facto, as anotações qualitativas (exceptuando as atribuíveis à mão A) tiverem sido

escritas por mais de uma mão, as diferenças entre elas são tão diminutas que se torna forçoso

situá-las em momentos cronologicamente muito próximos. Em termos de tipologia de escrita,

pertencem igualmente à vasta família das góticas cursivas comuns, já influenciadas por certas

características bastardas, visíveis na inclinação tendencial das hastes para a direita e em certos

maneirismos semi-caligráficos, aqui representados no ângulo artificial da junção da haste do

B do fl. 22 com a base (na Gravura 17), um efeito necessariamente voluntário e "conta-

cursivo" pois duplica o número de traços de um elemento tradicionalmente feito em apenas

um tempo. No que respeita à data em que as anotações terão sido escritas, há exemplos deste

tipo de escrita na documentação portuguesa entre finais do século XIV e inícios do século

XVI.

3.3. Estrofe do fl. 33

Mais tardia é a mão que, na margem direita do fl. 33, escreveu uma variante da primeira

estrofe da cantiga A130 24. Actualmente encontra-se quase ilegível no manuscrito;

infelizmente, o seu estado deteriorou-se desde o século XIX e já não é possível realizar uma

23 Carolina Michaëlis interpreta erradamente este sinal cruciforme como um C maiúculo: «Um artista estudioso, amador sincero e serio dos versos plangentes do velho Portugal, distinguiu por meio dos epithetos boa, mui boa (ou muito boa), e mui mui boa, precedidos ás vezes do substantivo abreviado C(antiga) umas 18 trovas que mais lhe agradaram, posto que em grau differente» (1904, II:175). 24 C. M. Vasconcellos, Cancioneiro da Ajuda, I, p. 236/I.

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

21

leitura tão completa como a que Carolina Michaëlis apresenta, ou confirmar a justeza das

alternativas sugeridas por Brito Rebelo 25.

A letra desta mão D é mais recente que qualquer das outras até agora analisadas. É uma letra

humanista, de finais do século XVI ou de princípios do XVII, e tem algumas semelhanças

com a de Gonçalo Gomes Mirador, o leitor que ensaiou a sua assinatura no fl. 86v (v.

Gravura 19, mais adiante).

4. Outras anotações

Do restrito número das anotações marginais tardias que não se enquadram nas categorias atrás

indicadas (Quadro 7) e para as quais não encontro outra explicação senão a tentação sentida

pelos seus autores de deixarem a sua marca pergaminho do Cancioneiro, realço uma, pela

única razão de ter sido alvo de comentário por parte de Carolina Michaëlis. fol col lin loc texto

23v A 5/6 ME cÉ–tuxo

70 B -- MP DonÉ ô¬

71v A 7 ME É johɡ de [***] Quadro 7 – Outras anotações.

É a nota marginal do fl. 23, e a autora, a propósito "dos avisos ao iluminador", diz o seguinte:

«Uma vez, referindo-se a um E, em principio de estrophe, destinou-se que pintassem um e

altuxo (CA 92).6)» e, na respectiva nota de rodapé, acrescenta: «No CB ha junto á cantiga 266

(= 252) a nota cartuxo. Será erro por o altuxo? Ou nome de auctor alias desconhecido?» 26.

Ora, como se pode confirmar na Gravura 18, a palavra escrita no Cancioneiro da Ajuda é,

precisamente, ‘cartuxo’, a mesma palavra que se encontra no Cancioneiro da Biblioteca

Nacional.

Gravura 18 – fl. 23v – cÉ–tuxo.

4.1. Marcas de posse e identificação de conteúdo

Pouco se conhece da história remota do códice que reúne o fragmento do Nobliário do Conde

D. Pedro e o do Cancioneiro da Ajuda. Estudos como o já mencionado de Maria Ana Ramos

25 C. M. Vasconcellos, Cancioneiro da Ajuda, II, p. 1782. 26 C. M. Vasconcellos, Cancioneiro da Ajuda, II, p. 144.

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

22

(Ramos 1999), construído em torno da assinatura pŒ home, têm procurado responder a

interrogações sobre que livrarias terão acolhido os manuscritos e quais os seus proprietários

antes de terem sido identificados na Livraria do Real Colégio dos Nobres, no séc. XIX.

As assinaturas de Pedro Homem nos actuais fls. 86v e 88v são indubitavelmente marcas de

posse. Como é sabido, o fl. 88 esteve outrora colado ao primeiro plano da encadernação, facto

que por si só explica a presença quer da assinatura, quer da nota ‘das linhagens’, em cursivo

gótico de finais do séc. XV / princípios do séc. XVI, que identifica o conteúdo do primeiro

fragmento, o Nobiliário (Quadro 8). fol loc marcas de posse fol loc notas de identificação de conteúdo

86v MC pŒ home 77 C åÆte lyuro he de c[aˇt?]o 88v MC dɨ liÍnhÉgeˇ¨

N-15v CD åÆte he o liuŒ do ÆellÉdo 86v CD guoncªÉlo guomez mißÉdor

guoncªÉlo guomez guoncªÉlo guomez mirÉdoß

87 C eÆte liuro hez docolÉco do imfɡt

88v MC pŒ home Quadro 8 – Marcas de posse e de identificação de conteúdo.

Outras notas fazem menção ao conteúdo dos manuscritos. No Nobiliário, no fl. 15v (caderno

I), há uma nota que diz ‘Este he o liuro do sellado’, escrita também nos sécs XV-XVI, e que

se refere ao relato da batalha do Salado, no caderno seguinte. Já no Cancioneiro, numa nota

no fl. 77, de tinta muito empalidecida, penso poder ler ‘Este liuro he de canto(?)’, aludindo à

disposição do texto, preparado para receber pauta musical, e à função que o livro teria. Tem

uma grafia semelhante à da nótula anterior mas não foi feita pela mesma mão.

Quanto à nótula do fl. 87 ‘este lyuro hez do colaco do imfante’ a grafia ‘hez’, que interpreto

como um castelhanismo (apesar da utilização peculiar do –z final, que poderá eventualmente

reflectir ou a proveniência regional do autor, ou alguma indecisão/insegurança na

representação da sibilante final), e o tipo de escrita, uma gótica "cortesana" (um estilo de

caligráfica usual característico da corte espanhola desde o século XIV), levam-me a crer que

poderá ter sido feita por alguém educado em ambiente estrangeiro, provavelmente um

castelhano aculturado residente em Portugal. (Note-se, porém, o uso dos pronomes

possessivos ‘do’, e não "del"). Por este motivo, dato-a, com algumas reservas, de meados do

século XV.

Os ensaios de assinatura de Gonçalo Gomes Mirador, no fl. 86v, foram parcialmente

apagados por lavagem. Não consegui recolher quaisquer dados sobre a identidade do seu

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

23

autor nem estou segura de que se trate, efectivamente, de uma marca de posse. Por outro lado,

quanto à hipótese de ter sido ele o responsável pela estrofe marginal do fl. 33, o mau estado

de ambos os textos e a sua diversa natureza não me permitem formular uma opinião

conclusiva. As assinaturas parecem experiências de caligrafia de alguém que procura uma

assinatura própria, propositadamente embelezadas com extensões artificiais das letras finais,

enquanto a escrita da estrofe revela maior fluidez, simplicidade e cursividade de traçado,

sendo porém possível que tenham sido escritas pela mesma pessoa, em momentos diferentes.

Gravura 19 – Assinaturas de guoncªÉlo guomez mißÉdor – fl. 86v.

4.2. Escritos espontâneos

As restantes nótulas, espalhadas por toda a área do fl. 87, devem de ser entendidas no

contexto daquilo a que Armando Petrucci designa como «scritte spontanee» 27. Estes escritos

têm sido tradicionalmente classificados como testes de pena (essais de plume), com que os

escribas experimentavam o talhe dos aparos, mas Petrucci salienta que, nos códices

medievais, os vestígios de escrita espontânea nas zonas sem texto nem sempre são da

responsabilidade dos escribas (Petrucci 1992:61). Segundo o autor, as escritas espontâneas

revestem a forma de textos breves, compostos de nomes, provérbios, pedaços de orações,

frases ou desenhos obscenos, etc., que «respondem a uma necessidade pessoal de expressão

gráfica própria dos alfabetizados e semi-alfabetizados que não são profissionais da escrita

mas que sentem, em determinadas circunstâncias, a necessidade de deixar um vestígio de si

através da escrita» 28.

Desenhos, frases obscenas, nomes próprios, fórmulas intitulares fragmentárias, ensaios de

pena: podemos encontrar exemplos de todos no mosaico gráfico do fl. 87.

27 A. Petrucci, Medioevo da Leggere, p. 60. 28 (id, ibidem) Tradução minha.

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Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

24

Na zona de cabeceira lê-se o seguinte: ‘Eu que da muy Nobre çidade tenho apilido, ffalo e

digo a quem te escrevo / E quem te acabar de lleer tenho-te por fodido(?)’. As últimas

palavras foram apagadas. Por baixo desta frase, há uma resposta ou comentário do mesmo

teor, de outra mão: ‘quem tal bitafe fez nom foy mais mjsurado mas se tal [...]uer fodo-o hum

aseio’. Sob esta, uma outra mão começou a copiar a mesma frase. Da mesma maneira, por

baixo da nota ‘este lyuro hez do colaco...’ podem ver-se, a custo, as palavras ‘este liuro’ e um

borrão onde algumas palavras foram canceladas por lavagem.

Quanto a nomes próprios, deixaram a sua marca: ‘Aafomso pelagus’, ‘aluaro uaasquez ho

ca[...]’ e, no corte inferior, em duas nótulas truncadas: (1) ‘Reuerende pater jn cristo dominy

joanes fernandy presbiter efici(?) [...] dioce[...] de [...]’; (2) ‘Joham afonso cegouj(?) [...] boa

[...]’. Esta última, de difícil leitura parece ter sido feita pela mão que escreveu a frase ‘Dom

Eduarte pela graca de deus rei de putugal [sic] e do algarue e senoor de ceta’, um exemplo de

uma fórmula protocolar muito frequente no início das cartas régias, a intitulação do monarca.

Não creio que seja mais do que um ensaio de pena, ou um escrito espontâneo, igual aos que

foram escritos no fl. 15v do Nobiliário, onde por exemplo se lê ‘Corregedor amigo eu vos

mando da’, ou ‘almirante do mar amigo nos el rey’. Por outro lado, estes fragmentos de

aberturas protocolares (de carta, correspondência ou alvará régios) sugerem que, num

momento anterior à encadernação que truncou as nótulas do corte inferior, o códice se

encontrava num ambiente próximo da Corte ou da Chancelaria régia, onde o emprego destas

fórmulas era quotidiano.

5. Conclusão

A análise das anotações marginais e finais do Cancioneiro da Ajuda, pelo que revela sobre as

fases de execução do manuscrito (e sua utilização posterior), reafirma o carácter ímpar do

códice no panorama da produção do livro medieval. O Cancioneiro da Ajuda, enquanto

objecto codicológico, é ainda um enigma por resolver. Penso, ainda assim, que os dados que

apresento podem ser um contributo para se compreender melhor as circunstâncias que

rodearam o seu fabrico e os agentes que intervieram na sua execução. Por outro lado, creio

que as questões levantadas a partir da análise das anotações marginais primitivas mostram a

necessidade premente de se realizar um estudo codicológico e paleográfico mais profundo e

abrangente do Cancioneiro da Ajuda. Estou certa de que dos resultados desse estudo

resultarão dados fundamentais para se proceder, finalmente, a uma nova e mais completa

edição do Cancioneiro, cuja necessidade se faz já sentir.

Page 25: Análise paleográfica das anotações marginais e finais no

Susana Pedro / Análise Paleográfica das anotações marginais e finais no Cancioneiro da Ajuda

25

6. Referências bibliográficas

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Lisboa: Edições Távola Redonda - Instituto Português do Património Arquitectónico e

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Louvain - Institut d’Études Médiévales, 1989

Petrucci, Armando, Medioevo da leggere. Guida allo studio delle testimonianze scritte del

Medioevo italiano, Torino: Einaudi, 1992

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Filologia, 29, 1984, pp. 11-22

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Congrès International de Linguistique et Philologie Romanes, Aix-en-Provence: Publications

de l’Université de Provence, Vol. 8, 1986, pp. 215-224

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Actes du XX Congrès International de Linguistique et Philologie Romanes, Tübingen und

Basel: A. Francke Verlag, Vol. 5, 1993, pp. 141-152

Ramos, Maria Ana, «O Cancioneiro da Ajuda», Cancioneiro da Ajuda. Apresentação,

Estudos e Índices, Lisboa: Edições Távola Redonda - Instituto Português do Património

Arquitectónico e Arqueológico - Biblioteca da Ajuda, 1994, pp. 27-47

Ramos, Maria Ana, «Invoco El Rrey Dom Denis... Pedro Homem e o Cancioneiro da Ajuda»,

Actes del VII Congrés de l’ Associació Hispànica de Literatura Medieval, ed. Santiago

Fortuño Llorens, Tomàs Martínez Romero, Castelló de la Plana: Universitat Jaume, Vol. 3,

1999, pp. 127-185

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vols, Reimp. anastática Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990, (Halle: Max

Niemeyer, 1904)

Page 26: Análise paleográfica das anotações marginais e finais no

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