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SUPLEMENTO MAI /JUN 2010 Nº 125 O vosso programa anuncia uma “análise marxista rigorosa do 25 de Abril”. Não direi tanto. Nos debates que temos travado ao longo destes 28 anos, temos procurado inspirar- -nos no marxismo e no leninismo, mas a questão não é fácil. Vou só abordar alguns tópicos que podem ser mais polémicos. Primeira questão, a mais frequente: Por que é que uma revolução tão pujante e que despertou tanta esperança foi tão facilmente derrotada? A nossa resposta: porque não chegou a ser revolução. Tornou-se hábito designar a crise de 1974-75 como a “revo- lução de Abril” para exaltar o movimento popular desses me- ses, tantas vezes caluniado pela reacção. Mas para que esse grande movimento tomasse a envergadura de uma revolução autêntica teria que inverter as relações entre as classes. Detonado por um golpe militar, o movimento de Abril manteve-se sem- pre sob a autoridade do exército, o pilar da ordem burguesa. Foi isso que permitiu que, dezanove meses mais tarde, o exér- cito interviesse em sentido oposto e roubasse ao povo o que tinha ganho. Assim, apesar de amputada das colónias e privada da couraça protectora do salazarismo, a burguesia atravessou com êxito o delicado momento da sua modernização. Entendamo-nos. O movimento popular do 25 de Abril é o maior acontecimento da história moderna de Portugal: der- rubou a ditadura fascista, pôs fim às guerras coloniais, conquis- tou novos direitos para os assalariados, abalou todo o sistema político. Foram nacionalizados os grandes grupos monopolis- tas, os assalariados ocuparam os latifúndios. Pela primeira vez na nossa história, o povo perdeu o medo dos ricos e fê-los tremer com as ocupações de empresas, terras e casas, as expe- riências de autogestão e controle operário, a liberdade de greve, a iniciativa nas ruas, as moções dos plenários, o saneamento de fascistas… As criações do movimento de massas enriquece- ram o movimento revolucionário português e internacional. Nós, os comunistas da Política Operária, somos discípulos desse grande movimento. Mas é preciso reconhecer que, em face da grandeza das tarefas que se colocavam, toda essa audácia foi tímida. Os trabalhadores consentiram que o novo poder democrático poupasse os fascistas, só tomaram a gestão de empresas quan- do abandonadas pelos patrões, pediram sempre a legitimação das suas acções ao MFA e nunca recorreram à violência – o “terror anarco-populista” é uma invenção da burguesia. 25 de Abril: o proletariado deixou escapar a crise de poder FRANCISCO MARTINS RODRIGUES O Abrente, jornal porta-voz da Primeira Linha galega, reproduziu no seu nº 56, de Maio, um texto nunca publicado entre nós de Francisco Martins Rodrigues, por ocasião da passagem do segundo aniversário da sua morte, a 22 de Abril (“em homenagem ao nosso querido Chico”). Trata-se da sua comunicação apresentada a 30 de Maio de 2002 nas VI Jornadas Independentistas Galegas, que questiona os falsos paradigmas e fetiches que o reformismo construiu sobre os acontecimentos de Abril de 1974.

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Anexo da publicação do Colectivo Comunista português Política Operária

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TO

MAI

/JUN

2010

Nº 125

O vosso programa anuncia uma “análise marxista rigorosado 25 de Abril”. Não direi tanto. Nos debates que temostravado ao longo destes 28 anos, temos procurado inspirar--nos no marxismo e no leninismo, mas a questão não é fácil.Vou só abordar alguns tópicos que podem ser mais polémicos.

Primeira questão, a mais frequente: Por que é que umarevolução tão pujante e que despertou tanta esperançafoi tão facilmente derrotada?

A nossa resposta: porque não chegou a ser revolução.Tornou-se hábito designar a crise de 1974-75 como a “revo-

lução de Abril” para exaltar o movimento popular desses me-ses, tantas vezes caluniado pela reacção. Mas para que essegrande movimento tomasse a envergadura de uma revoluçãoautêntica teria que inverter as relações entre as classes. Detonadopor um golpe militar, o movimento de Abril manteve-se sem-pre sob a autoridade do exército, o pilar da ordem burguesa.Foi isso que permitiu que, dezanove meses mais tarde, o exér-cito interviesse  em sentido oposto e roubasse ao povo o quetinha ganho. Assim, apesar de amputada das colónias e privadada couraça protectora do salazarismo, a burguesia atravessoucom êxito o delicado momento da sua modernização.

Entendamo-nos. O movimento popular do 25 de Abril éo maior acontecimento da história moderna de Portugal: der-rubou a ditadura fascista, pôs fim às guerras coloniais, conquis-tou novos direitos para os assalariados, abalou todo o sistemapolítico. Foram nacionalizados os grandes grupos monopolis-tas, os assalariados ocuparam os latifúndios. Pela primeira vezna nossa história, o povo perdeu o medo dos ricos e fê-lostremer com as ocupações de empresas, terras e casas, as expe-riências de autogestão e controle operário, a liberdade de greve,a iniciativa nas ruas, as moções dos plenários, o saneamentode fascistas… As criações do movimento de massas enriquece-ram o movimento revolucionário português e internacional.Nós, os comunistas da Política Operária, somos discípulos dessegrande movimento.

Mas é preciso reconhecer que, em face da grandeza dastarefas que se colocavam, toda essa audácia foi tímida. Ostrabalhadores consentiram que o novo poder democráticopoupasse os fascistas, só tomaram a gestão de empresas quan-do abandonadas pelos patrões, pediram sempre a legitimaçãodas suas acções ao MFA e nunca recorreram à violência –o “terror anarco-populista” é uma invenção da burguesia.

25 de Abril:o proletariado deixou escapar

a crise de poder

FRANCISCO MARTINS RODRIGUES

O Abrente, jornal porta-voz da Primeira Linha galega, reproduziu no seu nº 56,de Maio, um texto nunca publicado entre nós de Francisco Martins Rodrigues, por ocasião

da passagem do segundo aniversário da sua morte, a 22 de Abril (“em homenagem aonosso querido Chico”). Trata-se da sua comunicação apresentada a 30 de Maio de 2002

nas VI Jornadas Independentistas Galegas, que questiona os falsos paradigmas e fetichesque o reformismo construiu sobre os acontecimentos de Abril de 1974.

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A ideia da necessidade de conquistar o poderesteve sempre excluída para o proletariado,mesmo o mais avançado.

Essa timidez do 25 de Abril ditou a suaderrota e o posterior marasmo do movimentopopular. A actual arrogância da burguesia e aresignação do proletariado não são fruto daderrota da revolução, mas de não ter havidorevolução. Aliás, grande milagre seria quehouvesse uma revolução e uma contra--revolução com duas dezenas de mortos.Tivemos sim uma crise revolucionária que,devido à imaturidade política do proletariado,se deixou sufocar sem chegar a desenvolverplenamente as suas potencialidades.

Quando uma parte da esquerda portuguesaevoca romanticamente a “revolução doscravos”, ela exalta no 25 de Abril não o que eleteve de avançado, mas o que teve de atrasado.Sonha com uma “revolução” pacífica, capaz delevar todo o povo unido a provocar umamiraculosa rendição do poder. Isso não existe.A revolução de que a nossa sociedade está grá-vida só se poderá realizar através de umaconvulsão aguda e violenta. É uma revoluçãoanticapitalista e o mais certo é a burguesia lançar--se na guerra civil para defender os seus privi-légios. Como de resto bem se viu pelo compor-tamento das classes durante o vacilante ensaiode 74-75.

Segunda questão: Mas a explosão popu-lar que respondeu ao golpe dos capitães nãoindicava um movimento revolucionário degrande envergadura, amadurecido em 48anos de luta contra a ditadura?

O milhão de pessoas nas ruas no 1º deMaio de 74 indicou a força do sentimentodemocrático do povo, mas também a suamenoridade.

A propósito da ditadura de Salazar, fala-sesempre na PIDE, no campo de concentraçãodo Tarrafal, no partido único, na Censura. Diz--se menos que ela foi durante décadas apoiadae aceite não só pela grande burguesia, mas pelamassa da pequena burguesia e por extensossectores dos empregados e operários. De outromodo seria impossível uma ditadura manter--se quase meio século no poder com um nívelde repressão relativamente baixo (e quandodigo “baixo” não estou a minimizar os crimesdo salazarismo, mas a pô-los em comparaçãocom o franquismo, por exemplo). Isto nadatem de estranho: num país de capitalismoatrasado e patriarcal, é fácil um regime autoritárioimpor uma “união nacional” em torno da ideiada estabilidade e da ordem, abafando as vozescontrárias.

A deslocação do sentimento popular con-tra o regime foi lenta: foi preciso uma lutaesgotante e isolada dos sectores operários maisavançados, primeiro os anarquistas, depois esobretudo os comunistas, com o seu árduotrabalho subterrâneo de esclarecimento; foipreciso despertar as grandes massas para apolítica através das candidaturas oposicionistasde personalidades conservadoras (1949, 1958);mas foi preciso sobretudo a guerra colonialestender-se ano após ano com a perspectiva daderrota à vista para o movimento contra a di-tadura ganhar boa parte da população. Só nosúltimos cinco anos, quando o regime, gasto, se

abeirava do fim, por não ser capaz de sair daratoeira das guerras coloniais, se generalizaramas greves e a oposição à ditadura se estendeu acamadas mais vastas da pequena burguesia edo semiproletariado, da Igreja, até de parte daalta burguesia.

Daí o consenso universal em torno dogolpe dos capitães, que leva tanta gente a mara-vilhar-se com esta revolução sem tiros e semsangue. Esquecem que os cravos em Lisboaforam possíveis graças aos tiros e ao sanguedos guerrilheiros africanos.

E por quê, durante décadas, os “democra-tas”, como eram chamados, hesitaram em pas-sar à acção? Porque receavam o vazio de poder.Tinham mais medo do povo do que do fascis-mo. Os 16 anos da I República tinham mostra-do como era difícil manter a ordem neste país,não por o proletariado ser especialmente forte,mas por a burguesia ser fraca.

Essa fraqueza crónica manifestou-se denovo no 25 de Abril: planeara-se um regimemilitar presidido por um fascista retinto (Spíno-la) e em poucas semanas já estava tudo de per-nas para o ar. Impreparada para lidar com opovo após meio século de “lei da rolha”, aburguesia entrou em pânico ao embate dasmanifestações e greves; boa parte do MFAcomeçou a vacilar, o aparelho judicial e repres-sivo ficou paralisado, muitos capitalistas fugi-ram, os líderes burgueses juravam nos comíciosque eram pelo socialismo. As tentativas golpis-tas de 28 Setembro e 11 Março foram tão frou-xas e inábeis que quase se tornaram cómicas.De repente, o inimigo de 50 anos parecia evapo-rar-se. Isto criou um optimismo enganadorentre os trabalhadores. Em vez de uma luta devida ou de morte para arrancar o poder à burgue-sia, entrou-se no que parecia um passeio acaminho do “poder popular”, sob a protecçãodo COPCON, a ala “socialista” do MFA.

Terceira questão: Mas não é um facto queos governos provisórios adoptaram umasérie de medidas sociais avançadas e que oCOPCON apoiou os trabalhadores?

É indiscutível. A questão é saber a quemcabe o mérito dessas acções. Durante muitosanos, a gratidão para com os capitães impediuna esquerda uma crítica de classe ao seumovimento. O progressismo do MFA (que,note-se, só despertou quando as guerrascoloniais estavam perdidas) era sincero mastinha o fôlego curto; era um conglomerado detendências políticas das mais diversas quequeriam basicamente fazer a transição daditadura fascista para uma democracia burguesa,idealizada por muitos sob cores paternalistas.

Depois de um ano de escaramuças indeci-sas, o MFA viu-se a braços com o duche friodo resultado das eleições para a AssembleiaConstituinte: um ano após a queda do fascis-mo, três quartos dos eleitores votaram no cen-tro-direita e na direita (PS e PPD), e não era sógente arrebanhada pelos patrões, pelos padrese pelos caciques da província; eram em grandenúmero empregados, funcionários públicos,professores, operários. O acto “cavalheiresco”de realizar eleições quando estava por desman-telar a estrutura herdada do fascismo e a massaretardatária predominava só pode ser explicadopelo preconceito legalista de uns e pelo secreto

desejo de pôr termo à agitação e restaurar aordem, da parte de outros.

Mas, naquele momento, entregar o governoao PS significaria criar um conflito de propor-ções imprevisíveis com o movimento popularavançado. Além disso, o golpe spinolista fracas-sado de 11 de Março provocara uma viragem àesquerda nas assembleias do MFA. O comandodas operações caiu assim durante algumas se-manas nas mãos dos adeptos do “socialismomilitar”. Para fazer face à pressão da direita(sabotagem, fuga de capitais e ameaça de desca-labro económico) e da esquerda (ocupações,plenários, manifestações), o MFA lançou-se naaceleração da “revolução” por cima: nacionaliza-ções, lei da Reforma Agrária, lei do arrendamen-to rural, imposição de um pacto aos partidossob o lema da “aliança Povo/MFA”, “poderpopular”, “via socialista”…

Com estas medidas, que puseram a burgue-sia a bradar que se queria “implantar o comunis-mo”, Vasco Gonçalves procurava conquistarapoio popular contra a direita, mas sem deixarsair o controlo dos acontecimentos das mãosdos militares. Teve a reacção clássica dos “mo-derados” em período de crise do poder: O Es-tado “socialista” tornava-se o fiel depositárioda propriedade burguesa enquanto durasse acrise; e com os órgãos de “poder popular” soba autoridade do MFA, dava-se uma aparênciade satisfação aos revolucionários, evitando opior (aliás, os “esquerdistas” eram expressa-mente ameaçados se desobedecessem).

Porém, os gonçalvistas subestimavam areacção da direita. Fortes da sua vitória eleitoral,apoiadas pelo imperialismo, todas as correntesburguesas, do PS e da maioria do MFA à Igrejae aos fascistas declarados, passaram ao ataque,em verdadeira histeria, com os atentados bom-bistas e os incêndios do ELP e do MDLP noCentro e Norte do país, mas também com gran-des manifestações, como as de 18-19 de Julho.No Verão estava em marcha um grande movi-mento de massas contra-revolucionário apoia-do no terrorismo e as fileiras da esquerda come-çaram a vacilar e a reduzir-se. O que fez a impo-tência do PCP, da ala esquerda do MFA e dageneralidade da chamada “esquerda revolucio-nária” foi a incapacidade para subir a parada,para dar à direita a resposta mais enérgica que anova situação exigia: para desarticular a frente“ordeira”, que ia do PS aos fascistas, seria precisolibertar a iniciativa das massas, apelar à revoltados mais pobres, castigar os bombistas – masisso seria a terrível “desordem”. Faziam-se gran-des manifestações “para meter medo”, quandoeram precisas outras formas de coacção paraparalisar a instabilidade da pequena burguesiae separá-la da campanha reaccionária.

Vasco Gonçalves era na realidade um pobrereformista que tentava satisfazer os trabalhado-res com as suas leis e discursos, para evitar queeles “tomassem o freio nos dentes”; ao mesmotempo lançava advertências inócuas ao campodireitista, que engrossava dia a dia, seguro daimpunidade. Depois que o pronunciamentode Tancos fez cair o seu governo, a direita, cadavez mais segura de si, encaminhou o conflitopara o desenlace, o golpe de 25 de Novembro.

Mesmo a ala otelista do MFA, que se defi-niu como última esperança da esquerda, era

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igualmente impotente. Otelo oscilava, comosempre fez, entre as proclamações arrojadas eos gestos dúbios (o pior de todos, a reintegra-ção do fascista Jaime Neves, saneado pelos seussoldados). Os mais activos defensores destacorrente não sabiam como abrir espaço entreas duas grandes forças – gonçalvistas dum ladoe “Grupo dos Nove” do outro. Tinham umacrença ingénua nos órgãos de “poder popular”descentralizados; na prática, viam no namoroaos oficiais “revolucionários” a chave da con-quista do poder através de um golpe militardas esquerdas, armadilha a que acabaram porser levados pelas provocações da direita.

O êxito fácil de mais do golpe de 25 deNovembro resultou dessa impotência dos quese lhe opunham. O movimento chegou a No-vembro derrotado por falta de estratégia pró-pria.

Quarta questão: Se não havia condiçõespara uma revolução socialista e para o po-der popular, para quê radicalizar ao máxi-mo as reivindicações, levando o proletaria-do para um impasse e correndo o risco deprovocar uma contra-revolução sangrenta?Os M-L não se comportaram efectivamentecom imaturidade e aventureirismo? O PCPnão teve razão nesse ponto?

Primeiro, há que esclarecer que nós não in-ventámos palavras de ordem radicais: acompa-nhámos as exigências dos operários mais com-

bativos, das mulheres dos bairros pobres, dossoldados, dos assalariados agrícolas. A nossainesperada influência resultou disso mesmo:de irmos ao encontro do estado de espírito davanguarda. E a vanguarda tinha razão; peranteuma crise do poder, a única táctica sensata eresponsável dos explorados é abrir o mais pos-sível o rasgão, arrancar o máximo de concessões,para ver até onde se pode chegar. Ficar na expec-tativa é suicida.

Naturalmente, esse comportamento davanguarda não é seguido de imediato pela gran-de massa, inclusive dos operários. A primeirareacção desta é desaprovar, assustar-se e recuarperante essas “loucuras”. Mas em período decrise revolucionária, quem tem que indicar oritmo e criar os factos consumados é a minoriade vanguarda. Só ela habitua os espíritos aperceber que chegou a hora de deitar abaixo asvelharias. Só pela audácia a vanguarda vai to-mando consciência de si própria, ganha a confi-ança da massa e se educa para futuros confron-tos.

Sabia-se, dadas as condições internacionaise a juventude do nosso movimento, que nãotínhamos a revolução socialista ao nosso alcan-ce. Mas tudo o que se avançasse ajudava a des-mantelar a ordem tradicional, com a sua cargaasfixiante de abuso patronal, tirania burocrática,estupidez clerical, caciquismo, machismo, chau-vinismo, conformismo, ignorância – todo o

peso de uma sociedade que não fez uma granderevolução burguesa e foi passando ao capitalis-mo por pequenas etapas. Se algum saldo posi-tivo ficou apesar de tudo do 25 Abril, foi graçasao comportamento radical da vanguarda.

Além disso, quando se critica o “excesso deambição dos radicais” esquece-se que o prolon-gamento da crise poderia ter acelerado a agoniado franquismo. Se em vez da manobra liberali-zante de 78 a Espanha tivesse conhecido umlevantamento antifascista por reflexo da criseportuguesa, as possibilidades revolucionáriasna península teriam dado um enorme saltoem frente.

Quinta questão, associada à anterior: masos marxistas-leninistas não poderiam terprocurado a unidade com o PCP contra oavanço da direita? não era o PCP a princi-pal força política no movimento operárioe popular?

Era, sem dúvida. Único partido implantadonas massas e com uma longa resistência à dita-dura, o PCP ganhou desde a primeira hora ahegemonia no movimento popular. Masusou-a sempre para lhe retirar a carga revolucio-nária.

Deixem-me exemplificar com algunsfactos: um mês após o 25 de Abril, um dirigentedo PCP (com longos anos de prisão e clandes-tinidade) foi expulso de uma assembleia detrabalhadores dos CTT por dizer que a sua

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greve era “útil à reacção”; o PCP esteve contra aexigência surgida na rua de “nem mais um sósoldado para as colónias” porque isso enfraque-cia o novo governo nas negociações com a guer-rilha; quando começaram as ocupações de em-presas, o Avante deitava água na fervura assegu-rando que “o investimento estrangeiro temainda vastas possibilidades de uma vantajosa elarga retribuição”; em Setembro de 74, quandoos operários dos estaleiros navais fizeram umacombativa manifestação pelo saneamento dosfascistas, o PCP organizava uma manifestaçãode homenagem a Spínola, para tentar apaziguá--lo; Cunhal, como ministro de Estado, assinouuma lei antigreve que não chegou a ser aplicadadevido ao repúdio dos trabalhadores; após o28 de Setembro, para baixar a temperatura dasmassas, o PCP lançou a campanha por “umdia de trabalho para a Nação”; o PCP condenouo cerco popular ao congresso dos fascistas doCDS, no Porto, como “um acto desordeiro”; a7 de Fevereiro, com milhares de operários aprotestar nas ruas de Lisboa contra a entradano Tejo de uma esquadra da NATO, um diri-gente do PCP foi à televisão difamar a manifes-tação e pedir um “acolhimento amistoso” aosmarinheiros americanos; no decurso do golpespinolista de 11 de Março, quando os “esquer-distas” acudiam ao quartel atacado e saqueavama casa de Spínola, o PCP ordenava aos seusmembros a máxima contenção para não agra-var as desinteligências entre os militares; noVerão de 75, o PCP desaprovou a greve dosoperários do República contra os jornalistas so-cial-democratas; desaprovou a manifestação deapoio aos jornalistas de esquerda da Rádio Re-nascença, despedidos pela Igreja, proprietáriada estação; condenou como “provocação” oassalto popular à embaixada de Espanha quan-do Franco assassinou cinco antifascistas.

Situações destas repetiram-se vezes semconta. Para estar ao lado do avanço popular,tínhamos que estar contra o PCP, que nos acu-sava invariavelmente de “aventureiros” e “pro-vocadores”.

Isto não foi surpresa. Desde os anos 40 oPCP apostara na mobilização dos trabalhadorescomo força de choque ao serviço de uma quedacontrolada do fascismo. Cunhal constituíra-sehá muito prisioneiro da democracia burguesa,à qual hipotecara o seu futuro.

Logo após o 25 de Abril, o PCP passou aaplicar a estratégia dupla a que seria fiel duranteesses dezanove meses: impulsionar as acçõesde massas como capital para negociar uma nor-malização democrática, onde o seu lugar esti-vesse assegurado; e portanto opor-se às acções“excessivas” que poderiam assustar o MFA e apequena burguesia. A função do “radicalismo”do PCP era servir de pára-raios popular, apoiaras reivindicações para depois as canalizar paraobjectivos ordeiros. Por isso mesmo, a burgue-sia exigiu logo no primeiro dia a sua participaçãono poder, para o ter como refém e garante damanutenção da ordem.

No Verão Quente, quando sentiu o perigode lhe escapar o controlo do movimento demassas, o PCP foi obrigado a radicalizar a lin-guagem para não deixar os operários passarempara a extrema-esquerda, mas não mudou deestratégia. Exemplo: a adesão em Agosto à

FUR (Frente de Unidade Revolucionária), ondehavia vários grupos da extrema-esquerda, parasair cinco dias depois logo que negociou umcompromisso com os militares conspiradores.Em Novembro esta táctica dupla tinha chegadoao extremo: grandes manifestações para “metermedo” à direita, como o cerco à Assembleia daRepública pelos operários da construção civilenquanto decorriam conversações secretas paragarantir a legalidade do partido depois do golpe.Com o maior desplante, Cunhal veio mais tar-de deitar as culpas da derrota para cima do movi-mento que ele próprio ajudou a fazer abortar.

Sexta questão: Se os marxistas-leninistasestavam com a vanguarda, porque foramincapazes de orientar o movimento deforma mais positiva?

Os M-L estavam completamente imprepa-rados para as tarefas que lhes cabiam.

A possibilidade de levar a cabo uma insur-reição antifascista, fazendo da queda da ditadurao início de uma revolução autêntica, tinha sidodefendida em 1964 pelo CMLP, o primeiro gru-po marxista-leninista. Foram aí lançados os ali-cerces ideológicos para uma ruptura com o re-formismo e para uma nova corrente comunistaportuguesa. Todavia, nos dez anos decorridosaté ao 25 de Abril, a implantação dos marxistas--leninistas no proletariado progrediu muitolentamente. Tiveram um papel positivo na lutacontra as guerras coloniais e pouco mais.

O 25 de Abril pôs a nu o tremendo atrasoda nossa corrente. Faltava-nos uma linha políti-ca que clarificasse o rumo ao movimento demassas e nos afirmasse como real alternativa àesquerda do PCP. A desproporção entre as pers-pectivas abertas pela crise de poder e a pequenezdos grupos era tal que os activistas deixavam--se ir à deriva dos acontecimentos, agindo porinstinto. E faltava-nos consistência organizati-va; só no Verão de 74 alguns grupos começa-ram a negociar a unificação, numa corrida con-tra o tempo, quando todos os esforços deviamser virados para o movimento de massas.

Estas desvantagens foram agravadas peloequívoco político em que assentava a correnteM-L, em resultado das contradições em que sedebatiam o PC da China e o PT da Albânia.Alguns grupos faziam, em nome do marxis-mo-leninismo, um ataque ao PCP e à URSSmuito semelhante ao da burguesia, de tal mo-do que vieram a tornar-se colaboradores activosda ofensiva reaccionária no Verão-Outono de75. A ruptura na corrente M-L entre a verdadeirae a falsa esquerda tardou demasiado e esta con-fusão sob a mesma bandeira de tendências co-munistas e social-democratas desacreditou os“M-L” junto dos operários de vanguarda e difi-cultou-lhes a desagregação da influência doPCP.

A isto somava-se uma errada concepção dePartido. Formados na escola stalinista, os M-Ltomavam por sinais de “vigor bolchevique” omedo ao debate, as fórmulas dogmatizadas, oburocratismo organizativo, o revolucionarismodeclamatório. Pior ainda, no desejo de ser reco-nhecidos internacionalmente, abdicaram da suaautonomia e submeteram-se à tutela de auto-proclamados “representantes do movimentocomunista internacional” (na realidade oportu-nistas), o que viria a ter um resultado desastroso

no partido, formado justamente a seguir ao 25de Novembro. Mas essa é já outra história.

Sétima e última questão: Pode dizer-seque a insuficiente unidade popular perdeuo movimento de 25 de Abril?

Eu diria antes que faltou a unidade popu-lar combativa e sobrou a unidade popularconciliadora. Faltou um corte entre os interes-ses revolucionários do proletariado e os inte-resses da burguesia “progressista”, que só que-ria apoiar-se no povo para modernizar o capita-lismo. Por falta de independência política, ostrabalhadores deixaram-se “enrolar”.

Se virmos o comportamento do conjuntoda classe burguesa ao longo da década de 70, éperfeitamente nítido o esquema clássico: parapassar dum regime para o outro, a burguesia“democrática” apoiou-se primeiro no povocontra o fascismo para a seguir se aliar aos fascis-tas contra o povo. O produto desta astuta ma-nobra em duas fases foi a podre Democraciacapitalista que nos governa.

Com o 25 de Abril aprendemos na práticaa lição leninista: não basta centrar o fogo noinimigo principal; há que distinguir rigorosa-mente os interesses do proletariado dos da ca-mada burguesa que lhe fica mais próxima – apequena burguesia. A trajectória do PCP, comomais tarde a do PC(R), resultou da ausênciadessa distinção. Parecia vantajoso misturar nu-ma corrente única os sentimentos antifascistasdas várias classes. Mas a simpatia da pequenaburguesia pelo povo era apenas a busca de umaforça de choque. Submetido à contraprova daagitação revolucionária popular, o progressis-mo da pequena burguesia mostrou o que valia.

De resto, nas duas últimas décadas, o ali-nhamento da pequena burguesia portuguesatem vindo a modificar-se: o capitalismo penetraem todos os poros da sociedade, abatem-se asvelhas barreiras entre o capital nacional e o capi-tal estrangeiro, as oportunidades de negócio ede consumo abrem novos horizontes paraesses sectores em termos profissionais, cultu-rais, etc. A ânsia de justiça social e a paixão pa-triótica que mobilizavam boa parte da pequenaburguesia no tempo do fascismo evaporaram--se.

O esvaziamento das fileiras da extrema--esquerda, em paralelo com o esclerosamentodo PCP, correspondem assim à debandada daparte “esclarecida” da pequena burguesia. Aoreorganizar-se, o movimento comunista deveráter presente que, à medida que a luta anticapi-talista se vai definindo com maior nitidez comoo objectivo directo do proletariado, mais difícilé contar com o apoio da pequena burguesia,mais vital é assumir os interesses próprios doproletariado.

Há agora quem diga que “os portuguesesficaram vacinados contra o esquerdismo”.Estou plenamente convicto, pelo contrário, deque, sob o aparente esquecimento actual, asexperiências avançadas de democracia proletáriavividas em Portugal estão inscritas na memóriacolectiva. Ressurgirão forçosamente amanhã,numa nova situação de crise de poder. Haveráentão que levá-las à sua consequência: o derrubee expropriação da burguesia.

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O apelo público surgiu a 21 de Novembrode 2009, no auditório do Hotel Humboldt,em Caracas, na sessão de encerramento do En-contro de Partidos de Esquerdas, organizadopelo Partido Socialista Unificado da Venezuela(PSUV). Apareceu de surpresa, mas certamentenão de forma totalmente improvisada. No usoda palavra, o presidente Hugo Chávez disse, acerto passo, que se “atrevia” a convocar pessoal-mente a Quinta Internacional Socialista. Marca-damente pessoalizada foi também a visão queChávez expôs então, em traços a grosso, e deforma extremamente discutível, da história dasinternacionais precedentes: a primeira teria sidoconvocada por Marx; a segunda por Engels; aterceira por Lénine e a quarta por Trotsky.

Este encontro de Caracas foi, em si mesmo,um acontecimento de relevo, juntando quaren-ta partidos políticos da América Latina, Caribe,Europa, África, Ásia e Oceania, culminandocom a assinatura de um documento políticobastante significativo1. Todavia, apesar de avan-çar com algumas linhas de análise mais genéri-cas, trata-se em grande medida de um docu-mento centrado na realidade latino-americanae dirigido no sentido de organizar a solidarie-dade com a sua revolução bolivariana, numaaltura em que ela sofria uma agressão e declaraçãode guerra muito clara por parte da administra-ção Obama, com o golpe militar nas Hondu-ras, a reactivação da 4ª Esquadra e o anúncio dainstalação de novas bases avançadas norte--americanas na Colômbia e Panamá, como for-talecimento das já existentes em toda a região.

 É como uma terceira adenda a esta Decla-ração de Caracas, datada de 21.11.09, que apareceuma “Decisão Especial” do encontro, rezan-do o seguinte:

“O Encontro Internacional de Partidos deEsquerda realizado em Caracas nos dias 19, 20 e21 de Novembro de 2009, recebida a proposta doComandante Hugo Chávez Frías de convocar aV Internacional Socialista como uma instânciados partidos e correntes socialistas e movimentossociais do mundo na qual se possa harmonizaruma estratégia comum para a luta anti-imperia-lista, a superação do capitalismo pelo socialismo ea integração económica solidária de novo tipo,valoriza a dita proposição pela sua dimensão histó-rica que propugna o espírito de um novo internacio-nalismo, acordando, com vista a concretizá-la nocurto prazo, criar um grupo de trabalho compostopor aqueles partidos e correntes socialistas e movi-mentos sociais que subscrevem esta iniciativa, parapreparar uma agenda onde se definam os objectivos,conteúdos e mecanismos desta instância mundialrevolucionária, convocando-se um primeiro eventoconstitutivo para o mês de Abril de 2010 nestacidade de Caracas. De igual forma, aqueles parti-dos e correntes socialistas e movimentos sociaisque não se expressaram submeterão a proposta àconsideração dos seus órgãos directivos legítimos.”

Não temos qualquer notícia do funciona-mento deste “grupo de trabalho”, mas o que écerto é que Abril de 2010 passou já sem tersido constituída qualquer Quinta Internacional.Neste mês, estava previsto (e ocorreu efectiva-mente) o encerramento do Congresso Extraor-dinário (dito “ideológico”) do PSUV, quedecorreu durante cinco longos meses. Na Co-missão Internacional do Congresso do PSUVfoi ultimado um documento que articula avisão deste partido sobre a Quinta Internacio-nal. Mas a constituição desta foi adiada parauma melhor ocasião, com maior amadureci-mento, prevendo-se agora um processo em

várias fases, mediado por diversas reuniõespreparatórias a nível continental ou regional2.

É de registar que nos parece de todo salutaresta dissociação, no tempo e no espaço, entre oCongresso do PSUV e a constituição de umaQuinta Internacional. Mais do que isso, parece--nos que este processo deve também ser com-pletamente autonomizado do da ‘Declaraçãode Caracas’ e das legítimas expectativas de cons-tituição de uma urgente e indispensável frenteinternacional de solidariedade com a revoluçãobolivariana. Não é certamente a isso que sedeve circunscrever ou nisso que se deve centraro papel de uma Internacional Socialista. A eradas internacionais submetidas aos desígniosgeoestratégicos de certas ”potências” socialis-tas (por vezes rivais, ou até inimigas) está hojedefinitivamente ultrapassada, assim o espera-mos. A inesperada “convocatória” com origemnuma conferência que era basicamente de soli-dariedade com a Venezuela – ou a ALBA –frente à agressão ianque levou já a um comen-tário sarcástico do académico socialista HeinzDieterich, que, parafraseando um famoso chis-te de Estaline sobre o Vaticano, pergunta“Quantas divisões tem a V Internacional?”3.

A ideia da Quinta Internacional, emboranão tenha tido um sucesso imediato em largaescala, já fez algum caminho. Recolheu umapoio entusiástico ou mais mitigado de váriascorrentes internacionais trotskistas. Entre elas, aCorrente Marxista Internacional de AlanWoods e a própria IV Internacional (Secreta-riado Unificado), da qual o pensador mais des-tacado é hoje Michael Löwy, que há muitosanos vem defendendo esta mesma ideia4.Dentro do trotskismo, há mesmo já em funcio-namento há largos anos uma Liga para a QuintaInternacional5. Numerosos outros partidos já

Rumo à Quinta Internacional?

ÂNGELO NOVO

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deram a sua adesão, incluindo partidos no po-der (e já extensamente corrompidos por ele)como a Frente Sandinista de Liberación Na-cional (Nicarágua). Também a vizinha FrenteFarabundo Martí para la Liberación Nacional(El Salvador) deu a sua adesão, mas o presidenteda República por ela eleito, Maurício Funes,logo se demarcou, dizendo não querer ter nadaa ver com socialismo.

O conhecido ensaísta post-maoísta egípcioSamir Amin tem-se batido igualmente, hámuitos anos, por uma Quinta Internacional.Iniciativas em que se tem envolvido fortemen-te, como o ‘Manifesto de Porto Alegre’ (2005)e, sobretudo, o ‘Apelo de Bamako’ (2006) ouo Fórum Mundial das Alternativas, que ani-ma conjuntamente com o teólogo belga Fran-çois Houtart, são notoriamente instrumentospreparatórios dirigidos nesse sentido, procu-rando uma saída para o impasse profundo emque mergulhou o processo do Fórum SocialMundial (FSM)6. Um dos membros do pró-prio Conselho Internacional do FSM, ÉricToussaint, presidente do Comité para a Anu-lação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM),tem-se associado publicamente à iniciativa poruma Quinta Internacional, dizendo que, seo formato FSM não permite uma inter-venção e uma luta política coerente, havendono seu seio resistências invencíveis a isso, entãoé altura de criar um novo instrumento7. É, semdúvida, uma maneira de romper o estéril ebizantino debate formal que se estabeleceu eeterniza de forma paralisante no seio do puro“movimentismo social”.

Surgiu, entretanto, na rede Znet, um docu-mento intitulado ‘Proposta para uma Interna-cional Socialista participativa’, assinado à cabeçapor Noam Chomsky e já subscrito desde entãopor inúmeros intelectuais de grande prestígio

1 - O ‘Compromisso de Caracas’ pode ser consultadoem linha, no seguinte endereço: http://psuv.org.ve/files/tcdocumentos/compromiso.caracas_0.pdf.

2 - Cf. Julio Chávez, Kiraz Janicke e Frederico Fuen-tes, ‘The First Socialist International of the 21stCentury’: http://www.zcommunications.org/the-first-socialist-international-of-the-21st-century-by-julio-chavez.

3 - Pode ler-se o artigo no portal Kaos-en-la-red:http://www.kaosenlared.net/noticia/cuantas-divisiones-tiene-v-internacional.

4 - Michael Löwy, “É necessária uma quintainternacional?”: http://combate.info/index.php?option=com_content&task=view&id=50.

5 - League for the Fifth International: http://www.fifthinternational.org/.

6 - Cf. Samir Amin, ‘Pour la Cinquième Internatio-nale’, Le Temps des Cerises, Paris, 2006. O ‘Apelo deBamako’ pode ser lido em português no nº 8 darevista electrónica ‘O Comuneiro’: http://www.ocomuneiro.com/nr8_05_ApelodeBamako.html.

7 - Éric Toussaint, ‘Para além do Fórum SocialMundial, a Quinta Internacional’: http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/entrevistas/para-alem-do-forum-social-mundial-a-quinta-interna-cional/?searchterm=toussaint.

8 - Proposal for a Participatory Socialist International:http://www.zcommunications.org/newinternatio-nal.htm.

em todo o mundo, de todas as tendências so-cialistas e também anarquistas8. Na verdade,um dos mais entusiastas apoiantes é MichaelAlbert, pensador libertário norte-americano,teórico e prospectivista de uma sociedade futurapost-capitalista sob uma economia participativa(Parecon).

Claramente, o apelo à reunião da QuintaInternacional ganhou outra dimensão e faz umcompasso de espera para tomar um fôlegomais aprofundado. Todavia, continua a sernecessário que, nesse passo, a iniciativa não seperca de todo. Começa a ser desenhada comouma confederação mundial de partidos políti-cos, movimentos sociais e organismos debase com disposição e disponibilidade paracoordenar, de alguma forma, entre si, uma lutaanticapitalista sustentada, sem directório oucomando centralizado, eventualmente com ainterposição no seu seio de diversas formasorganizativas de geometria variável. Sem qual-quer fetichismo histórico, não nos repugnaabsolutamente nada que esta iniciativa revistao nome e a série das internacionais do movi-mento operário do passado. Por outro lado,talvez isso contribua de algum modo para lheconferir um maior apelo público e clarificar asua missão.

Mesmo com todos os potenciais equívocosque é já previsível virem a gerar-se no seu seio,parece-nos que este pode indiscutivelmente vira ser um passo em frente no bom sentido. Umpasso necessário, provavelmente ainda apenasum passo intermédio, com vista à criação deum sujeito político revolucionário à escalamundial, capaz de dar finalmente alguma coe-rência e profundidade estratégica à luta con-tra um sistema capitalista aparentemente emfase de estrangulamento e declínio histórico.

 Há uns dez anos, foi avistado numa rua

de Manágua um mural com a consígnia“Proletários de todos os países, uni-vos!”,onde alguém tinha sobreposto a advertência:“Último aviso”.

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A segunda economia maior do mundo é aChina, que há anos a esta parte tem tido taxasde crescimento constantes e acima dos doisdígitos, em contracorrente com o que aconteceno resto do mundo.

Isto faz sonhar muita gente, convencidade que se trata de um sinal de que a evoluçãodeste país é uma alternativa viável ao capitalismoe uma correcção da histórica incapacidade dosregimes ditos comunistas de superarem o mo-do de produção actual.

Seria bom que se analisasse primeiro a si-tuação da classe operária chinesa. Nas zonasindustriais de crescimento rápido do Sudeste esobretudo no centro controlado pelo Estado,a nordeste, reina a indignação e o desesperoentre os trabalhadores. Os protestos laboraissucedem-se em crescendo, como indicam aspróprias estatísticas oficiais: o número de “inci-dentes de massa” (greves, levantamentos, para-lisações, etc.), que em 1993 se cifravam em8.700, em 2005 foram 74.000, em 2008 eram já1.200.000 e no primeiro trimestre de 2009ascendiam a 58.000.

Na zona industrial do Nordeste, abando-nada em detrimento do Sudeste, os operáriosacusam o governo de trair os princípios maoís-tas de solidariedade e dedicação ao desenvolvi-mento social. Em todo o país, milhões de tra-balhadores afastados pelo desemprego das suasunidades de trabalho – fenómeno novo numpaís que garantia trabalho para todos – experi-mentam pela primeira vez uma profunda sensa-ção de insegurança.

A proporção do PIB destinada aos saláriosdiminui a olhos vistos desde 1983. Zhao Jian-guo, alto funcionário sindical e chefe doDepartamento de Contratos Colectivos daFederação Nacional de Sindicatos da China,afirmou recentemente que o salário de quaseum em cada quatro empregados manteve-seinvariável nos últimos cinco anos.

Entretanto, em 2009 o Estado chinês arreca-dou 98.870 milhões de yuans (14.500 milhõesde dólares) de lucros gerados pelas empresasestatais, o que revela um grande aumento emcomparação com os 44.360 milhões em 2008 eos 13.990 milhões de yuans em 2007. Os rendi-mentos derivados de contribuições e impostosaumentaram 33,2 por cento entre Janeiro e Abrildeste ano, alcançando os 2.630 mil milhões deyuans (384.770 milhões de dólares), segundodados da Administração Estatal de Impostos.Os proventos derivados dos impostos sobreo valor acrescentado, das receitas de empresas edo comércio aumentaram 13,7, 41,1 e 37,9 porcento respectivamente.

Após a Revolução Cultural e a morte deMao, o Partido Comunista da China tem-selançado numa política de reformas económicase de abertura ao comércio externo e ao investi-mento que transformou grandemente o país.Contudo, ao lado das megacidades dos arra-

CHINA

A grande impostura

pelos militantes partidários ou pelo Estado.Há uma corrida ao dinheiro que origina umaconcorrência feroz.

Tudo isto se reflecte na evolução das mentali-dades. Face à insegurança crescente e à repressãosobre as organizações de base, multiplicam-se,na ausência de garantias colectivas, as associaçõesmutualistas e de solidariedade e entreajuda.

A corrupção e o enorme poder económicodo exército geraram um grande descrédito,reforçado pelo papel repressivo dos militares.Os serviços de propaganda têm feito umesforço para combater esta tendência e, quandono Verão passado se deram as inundações doYangtsé e da Manchúria, a intervenção da tropafoi colocada em primeiro plano para melhorara imagem do exército, ao mesmo tempo que ogoverno anunciava a intenção de intervir pararegular o poder económico detido pelos oficiaisde alta patente.

Nos campos também foi introduzido umnovo sistema de gestão das comunas, em queos candidatos apoiados pelo partido têm perdi-do posições, por vezes em proveito de mem-bros das antigas famílias de proprietários ex-propriados pelo maoísmo.

Todas estas transformações indicam evo-luções que afastam o país dos proclamadosobjectivos socialistas. Apesar disso, muitos in-sistem em que a China continua a ser socialista,progressista e anti-imperialista e a desempenharum papel crucial contra o domínio dos EUA eseus aliados.

A controvérsia estende-se também à inter-venção económica chinesa em países da Ásia,na África e América Latina. Há quem defendaque os chineses oferecem muitas vantagens aospaíses do terceiro mundo, sem as contraparti-das injustas e desiguais da “ajuda” ocidental.Outros vêem a ajuda da China como forma deesta garantir o acesso a matérias-primas que lhesão essenciais, como o petróleo, através deassinatura de acordos de cooperação obede-cendo a estratégias que não se coadunam comas reais necessidades desses países.

Quanto a nós, o chamado “socialismo demercado” não passa de uma impostura inven-tada pelos dirigentes do ex-maoísmo recicladopara branquear a consumação de uma contra--revolução iniciada há trinta anos.

nha-céus monstruosos e de um aparente bem--estar e aumento do consumo, proliferamfábricas de equipamento obsoleto, oficinas esecções fabris insalubres, alojamentos paraoperários que mais parecem ninhos de ratos euma ausência total de protecção no trabalho.Segundo David Harvey, no seu livro acabadode publicar no Brasil sob o título O Neolibera-lismo: História e Implicações, as condições sãotípicas do neoliberalismo: “Cinco dólares desalário por dia, sem direitos sociais, com fortediscriminação contra as mulheres, trabalho in-fantil sem disfarces, privilégios quase inimagi-náveis para os altos executivos, subsídios go-vernamentais astronómicos para os capitais es-trangeiros, e last but not least, investimentosem ciência e tecnologia necessários exactamentepara colocar o imenso exército de reserva emcondições de produção competitiva à escalamundial. A China não se especializa em com-modities, como nós estamos fazendo, mas numacombinação de mão-de-obra barata e saltotecnológico formidável.”

No campo escasseiam oportunidades, obri-gando os camponeses a partir para os centrosindustriais, mesmo assim carentes de mão-de--obra. Esta situação exerce grande pressão sobreas relações de classe e a intensificação das lutasoperárias contra a exploração preocupa os diri-gentes dos sindicatos, do partido e das fábricas,quase todos abastados e beneficiados por umenriquecimento rápido decorrente das suasfunções.

É já evidente que a China se orienta parauma sociedade a duas velocidades. O progressoe a modernização são sinónimo de diferencia-ção com base no dinheiro acumulado por cadaum. O desenvolvimento de tipo capitalistaagrava a situação dos mais pobres, porque fo-ram abolidos muitos dos serviços públicosexistentes no tempo do maoísmo.

A reestruturação em curso, muitas vezestraduzida em privatizações ou “racionalização”(eufemismo para os despedimentos) alterouas regras que presidiam às condições de alo-jamento, educação e saúde, dantes ligadas àunidade de trabalho, que providenciava tudoisso. Devido ao recrudescimento dos protestosdos trabalhadores, as empresas estatais reestru-turadas permitem que os despedidos conti-nuem a beneficiar de algumas dessas vantagens,sem as quais ficariam privados de tudo.

As novas estruturas económicas, domina-das pelos gestores e com especial peso de pes-soal oriundo do exército, têm tendência a refor-çar-se por causa do ascenso de uma classe médiaque procura consolidar a sua riqueza e promo-ção social através de actividades de tipo capitalis-ta, embora ainda de pequena dimensão.

Desapareceu o mito do partido e hoje éclaro para todos que ele representa uma estru-tura de classe identificada por completo com asestruturas económicas, sejam elas dominadas

ANA BARRADAS

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RELENDO... LENINERELENDO... LENINERELENDO... LENINERELENDO... LENINERELENDO... LENINE

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A surpresa das presidenciais de 2010 noBrasil é que, pela primeira vez desde 1989,elas não deverão ter nada de surpreendente.O Brasil passou a ser previsível. Não serãosurpreendentes por duas razões: porque é im-provável que Marina possa disputar de igualpara igual contra Dilma e Serra (e seria motivode estupefação o crescimento de uma das can-didaturas da esquerda socialista), e porque éimprovável que aquele que vier a ser eleitosurpreenda a nação como Collor em 1990 (ochoque do congelamento da dívida interna),FHC em Janeiro de 1999 (o choque da desva-lorização cambial), e Lula em 2002 (o choquedo megaajuste fiscal).

Seja eleita Dilma ou Serra, não haverá nemsurpresa nem choque algum, mas apenas busi-ness as usual, ou seja, a estabilidade para osnegócios. Existe um grande consenso entreo mundo empresarial-burguês e os três candi-datos favoritos. Dilma como herdeira dosoito anos lulistas de concessões às grandescorporações, e políticas sociais focadas; Serrae os dezesseis anos paulistas de privatizaçõese choque de gestão dos serviços públicos; eMarina, porta-voz de um lulismo do PT, ouseja, paz social com ajustes reguladores. Oconsenso remete aos desafios político-econô-micos a partir de 2011: manter a busca dosuperávit fiscal acima de 3% do PIB para per-mitir a rolagem da dívida, mesmo com taxasacima de 10% ao ano, sem sacrificar um cres-cimento do PIB próximo a 5% ao ano.

COLABORAÇÃO DE CLASSESSEM REFORMAS

José Serra, Dilma Roussef e Marina Silva.Haverá diferenças de tom, mas a música seráa mesma. Seus programas eleitorais serão, de-claradamente, pró-capitalistas, com ênfasesvariadas sobre o tipo de regulação mais oumenos social, ambiental e desenvolvimentistaque pretendem fazer do capitalismo. Os trêsreconhecem diferenças entre si, mas admitem,também, e com estarrecedora franqueza, quesão irrelevantes. Haverá alguma poeira levanta-da por polêmicas, essencialmente, secundárias.Não foi por outra razão que Marina adiantouque, se eleita, convidaria para ministros qua-dros do PT e do PSDB. Serra, para não ficaratrás, respondeu que convidaria quadros doPV e do PT. Não há que duvidar que Dilma,se eleita, faria, também, os convites mais es-drúxulos, já que o próprio Lula não hesitouem chamar Roberto Rodrigues para a Agricul-tura e Meirelles para o Banco Central. Tudoisso é possível.

Defensores de Serra, de Dilma e de Ma-rina estão igualmente satisfeitos e reconci-liados com quatro apreciações estratégicas: (a)a preservação do aparelho repressivo das For-ças Armadas e Polícias Militares herdado daditadura, inclusive, a anistia aos torturadores,

como conquista política de um patamar dedisputa civilizada; (b) a consolidação da de-mocracia-liberal como regime político, comseus vícios, cronicamente, escandalosos decorrupção eleitoral financiada pelos monopó-lios, numa espécie de bipartidismo governo/oposição, ampliado pelas coligações regio-nais que garantiram uma maioria congressualnos últimos vinte e cinco anos (o PV partici-pou, entusiasticamente, tanto dos governosSerra em São Paulo e César Maia no Rio, quan-to Lula em Brasília); (c) as desnacionalizações,privatizações e parcerias com o grande capitalem áreas como telefonia/comunicações, dis-tribuição de energia, obras públicas e infra-estrutura, incluindo a participação estrangeirana exploração do pré-sal; (d) a manutençãode um modelo misto – público/privado –de gestão da educação, da saúde, da previ-dência e da segurança interna.

A VIDA DAS MASSAS NÃO MUDOU

A tensão social crônica alimentou lutasde resistência que, rapidamente, pareciam po-der transbordar para além dos limites institu-cionais do novo regime democrático. Foi pos-sível, em mais de um momento, começar,seriamente, a medir forças entre o proletariadoe seus aliados sociais e a burguesia. E o que seviu nas ruas entre 1984 e 2002 foi a revoluçãobrasileira engatinhando os seus primeiros pas-sos. Descobriu-se um Brasil urbano e concen-trado, em que a força social de choque doproletariado era capaz de atrair a maioria daclasse média, e deixar isolado o grande capital.Quando a massa popular saiu às ruas aosmilhões para derrotar o Colégio Eleitoral daditadura exigindo Diretas Já em 1984; quandoa maioria do povo aderiu aos métodos deluta da classe operária, com as greves geraiscontra Sarney, entre 1987 e 1989; quando ajuventude se sublevou e acendeu a ira de mi-lhões contra Collor em 1992; quando as ocu-pações de latifúndios e as marchas campone-sas do MST despertaram a simpatia da maio-ria da nação, em 1997; quando o Fora FHCfoi capaz de unir cem mil na marcha a Brasíliaem 1999. Em todos estes momentos decisi-vos, a burguesia brasileira se apequenou, seacanhou, se descobriu socialmente isolada, epoliticamente dividida.

Paradoxalmente, a direção que alimentouas lutas contra Figueiredo e Sarney – os com-bates que legitimaram a fundação do PT e daCUT, e a autoridade de Lula – passou a refreá--las contra Collor e FHC. Mas isso não impe-diu que se beneficiasse do desgaste dos go-vernos da Nova República, e vencesse as elei-ções em 2002. O mais importante é que esseprocesso de vinte e cinco anos confirmou que,nos limites do regime democrático-liberal eseu calendário eleitoral, a vida das massas nãopoderia mudar. Parece inegável que essa es-

É uma situação sem precedentes nahistória: o proletariado, a vanguarda re-volucionária, possui um poder políticomais do que suficiente; e, a seu lado,está o capitalismo de Estado. (...)Um ano se passou nesta situação, e oEstado está nas nossas mãos. Pois bem,podemos dizer que no plano da NovaPolítica Económica o Estado funcionoucomo pretendíamos?Não. Embora não o queiramos confes-sar, a verdade é que o Estado não fun-cionou como desejávamos. E como fun-cionou então?O carro não nos obedece. Há de factoum homem ao volante, que parece di-rigir, mas o carro não avança na direc-ção estabelecida. É impelido por umaoutra força — força ilegal e ilícita, queninguém sabe de onde vem, talvez dosespeculadores, talvez dos capitalistasprivados, talvez de uns e de outros —mas o certo é que o carro não respondeàs intenções de quem o guia.Este é o ponto essencial a ter presentequando tratamos do capitalismo de Es-tado. Nesta questão fundamental, deve-mos aprender tudo desde o começo. Sóse assimilarmos esta verdade podere-mos garantir o êxito da nossa aprendiza-gem.

(XI Congresso do PC(b)R, Obras, tomo 33, 1922)

ELEIÇÕES NO BRASIL

Três propostasde capitalismo regulado

perança reformista, com a perspectiva que os últi-mos oito anos nos oferecem, foi frustrada.

As poucas reformas de conteúdo progressivorealizadas sob o regime da democracia liberal, comoa extensão da previdência social à população rural,ou a implantação do Sistema Único de Saúde, fica-ram muito aquém das necessidades reprimidasdurante duas décadas pelo regime militar. As pou-cas reformas de Lula, como o aumento do saláriomínimo levemente acima da inflação, a expansãode vagas no ensino público federal, ou as políticascompensatórias como o Bolsa-Família e as cotasde acesso para afro-descendentes, foram muitopouco, depois de tantas lutas e tanto tempo.

Fossem quais fossem as coligações articuladaspelo PSDB ou pelo PT em Brasília, todos os gover-nos, desde a derrota de Maluf em 1985 no ColégioEleitoral da ditadura, foram incapazes de diminuir,significativamente, as desigualdades sociais acumu-ladas. Embora a recuperação econômica entre 2004--08 tenha trazido a uma maioria da população umasensação de alívio, o impacto da crise mundial de2008-09 não deixará de ter repercussões internas,porque a vulnerabilidade externa do Brasil não sónão foi revertida, como se agravou – a previsão éde um déficit em contracorrente de US$ 50 bilhõesem 2010 – apesar do aumento das reservas paraum patamar em torno de US$ 250 bilhões. O agra-vamento da crise capitalista pela iminência de umamoratória da dívida externa da Grécia, que seriaum terremoto financeiro ainda maior do que afalência do Lehmann Brothers, em 2008, sinalizaque estamos entrando em uma nova situaçãomundial, que só deverá chegar ao Brasil depoisdas eleições de Outubro.

VALÉRIO ARCARY