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SUMÁRIO

“Era uma vez...” ............................................................................ 03

Uma história de amor que conto agora ...................................... 03

Primeiras conversas sobre memória e a arte de narrar histórias. 05

A cegueira e o saber............................................................. 05

A escolha da história............................................................ 07

A preparação da história....................................................... 09

O preâmbulo e a finalização da história................................ 11

Figurino................................................................................... 12

O olhar..................................................................................... 13

A importância dos Contos de fadas na formação das crianças. 14

Análise crítica de “O Patinho Feio”.......................................... 19

“O Corcunda de Notre Dame”.................................................. 20

Texto para reflexão....................................................................... 22

Literatura infantil que trata da inclusão...................................... 25

Livros e autores que tratam da inclusão....................................... 28

Bibliografia básica......................................................................... 29

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“Era uma vez...”

É assim que boa parte das histórias começa e é

assim que vou cumprimentar você, meu visitante, e contar

um pouco de mim. Era uma vez um menino que adorava

ler e gostava tanto das histórias que lia que um dia não

aguentou e desandou a sair por aí contando o que leu. E

quanto mais lia, mais contava, num círculo infinito de dar e

receber. E é isso que você vai encontrar aqui. Vou partilhar

com você as agruras, aventuras, alegrias e aprendizados

desta minha caminhada tão maravilhosa na arte da

contação de histórias.

Mas, para início de conversa, leia a história abaixo:

UMA HISTÓRIA DE AMOR QUE CONTO AGORA...

“Contar histórias é revelar segredos, é seduzir o

ouvinte, é convidá-lo a se apaixonar... pelo livro... pela

história... pela leitura. E tem gente que ainda duvida

disso”. Contar histórias é ser, sim, um pouco bruxo,

feiticeiro, palhaço, pois encantadores de olhares e

corações. Contação de histórias é “oração”, porque as

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narrativas têm o poder de celebrar, de comungar. Altares

são construídos sempre que se conta uma história.

Interessante demais como as histórias têm o poder

de agregar pessoas, de incluir pessoas na roda, cada uma

com suas experiências de vida, que se ajuntam para ouvir,

sentir ou apenas para ver as imagens e imaginar a história.

Mas cada pessoa encontrando nas entrelinhas das histórias

o sentido que suas experiências de vida lhes permitem. Por

isso, o ofício que mais me dá prazer, pois me permite

dividir sonhos, naquele momento de contação, adentro,

com certeza, por outras dimensões.

Meus últimos dez anos de existência têm sido

misturados aos livros, histórias infantis e crianças com

olhares de algodão doce e coração de maçã do amor. Esse

ofício com certeza deixa minha vida mais colorida e suave.

Tão bom ser identificado nas ruas pelas crianças como “O

contador de histórias”!

Cada gesto, cada pontuação, cada expressão no

rosto, a hora certa de respirar, o tom de voz e as vozes

dos personagens, sei que são os segredos do doce

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chamado Contação de histórias e foram conquistados com

prática e paixão. Ninguém ensina ninguém a contar

histórias... acredito que se nasce contador de histórias.

Histórias são as mentiras mais deliciosas que nos contam

ou contamos.

Defino-me assim: cinquenta por cento de mim é

história infantil, os outros cinquenta também. Descobri, já

há alguns anos, um baú que foi guardado em mim, por

minha mãe, e todos os dias ela guardava uma joia nesse

baú e me pedia segredo e muito cuidado, pois eram joias

de família... histórias... e mais histórias, que meus avós

contavam para ela e ela contava para mim. E que agora

decidi dividir com vocês, pois só consigo encontrar o brilho

dessas joias nos olhos de quem as ouvem.

Primeiras conversas sobre memória e a arte de

narrar histórias

A cegueira e o saber

“Era uma vez uma praga que atingiu os mongóis. Os

saudáveis fugiram, deixando os doentes e dizendo: „Que o

Destino decida se eles vivem ou morrem‟. Entre os doentes,

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havia um jovem chamado Tarvaa. O seu espírito deixou o corpo

e chegou ao lugar dos mortos. O governante daquele lugar

disse a Tarvaa: „Por que deixaste o teu corpo enquanto ainda

estava vivo?‟ „Eu não esperei que tu me chamasses‟, respondeu

Tarvaa, „simplesmente vim‟. Comovido com a presteza com que

o jovem obedeceu, o Khan do Inferno disse: „A tua hora ainda

não chegou. Deves retornar. Mas podes levar daqui o que

quiseres‟. Tarvaa olhou em volta e viu todas as alegrias e todos

os talentos terrenos: riqueza, felicidade, riso, sorte, música,

dança. „Dá-me a arte de contar histórias‟, disse ele, pois sabia

que as histórias podem congregar as outras alegrias. E assim

retornou ao seu corpo e constatou que os corvos já lhe haviam

arrancado os olhos. Como não podia desobedecer ao Khan do

Inferno, reentrou no próprio corpo e viveu cego, porém

conhecendo todos os contos. Passou o resto da vida viajando

pela Mongólia, contando contos e lendas e trazendo às pessoas

alegria e saber.”

Narrar é uma forma de sobreviver e afastar a morte,

igualmente em “As mil e uma noites”, as peripécias que

Sherazade vai desfiando noite após noite é o seu

estratagema para postergar a sua morte. Ou seja, as

histórias exercem um poder inestimável sobre o ser

humano, e os educadores precisam urgentemente

descobrir essa estratégia tão eficaz, pois capaz de

sensibilizar nossos alunos pelo lúdico. A contação de

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histórias pode ser uma grande ação pedagógica em prol da

inclusão.

Mas com essa história, começamos o nosso bate-

papo: quais histórias podem ser contadas? Onde elas

estão? Como as escolhemos?

A escolha da história

Geralmente, contamos as histórias que mais

gostamos. Aquelas que nos “apeteceram” na infância ou

em outra fase importante da vida. Por isso, o contador de

histórias deve escolher uma história que ele realmente

goste. Uma história pela qual ele vibre como adulto, que

mexa com ele de alguma forma. A narrativa chega cedo à

vida da criança, já em seus primeiros dias de vida, por

meio dos acalantos, das letras das cantigas que tantas

vezes contam histórias, como O Cravo brigou com a

Rosa e outras. Segundo a educadora Gilka Girardello

(2010), “o poeta russo Kornei Chukovski (1968) dizia que

as pessoas contam as histórias e canções de que mais

gostavam quando elas próprias eram crianças, de modo

que quem escolhe as histórias para as crianças de hoje são

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as crianças de ontem” (fala proferida durante o Simpósio

Internacional de Contadores de Histórias). Ao narrar, o

contador reativa uma cadeia de contadores de histórias

que vem do início das civilizações até os nossos dias. É

difícil, por exemplo, imaginar por quantas bocas passou um

conto. A Festa no Céu, que, por exemplo, permeou

muitas infâncias, tem registros em cerâmicas e tapeçarias

que datam do século IV a.C.

Daniel Munduruku (2005), escritor indígena, disse

certa vez que:

“... as histórias [...] são como a areia no fundo do rio. Elas estão

lá quietinhas, bonitinhas, branquinhas, a gente olha e elas estão

lá. Mas água nenhuma é bonita, areia nenhuma no fundo do rio é

bonita, se a gente não for lá e mexer um pouquinho com elas...

Então, as histórias são como essas areias, que a gente vai lá e

mexe um pouquinho com a mão e elas começam a subir. O rio é

nosso coração, é história que mora dentro da gente, que vai lá e

mexe um pouquinho e ela vem à tona. E quando ela vem à tona,

ela se torna memória” (p.33).

E é nessa memória que vamos buscar as histórias

que queremos contar. Uma memória individual ou coletiva,

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carregada de afeto, observação, percepção, curiosidade,

senso de humor, brincadeiras, coragem, capacidade de

sonhar. Ou seja, as histórias. A contação de histórias pode

possibilitar ao professor a realização de um trabalho muito

interessante dentro das escolas, que é a sensibilização,

para o respeito ao outro, ao diferente, à diversidade.

Atualmente, percebe-se a tão urgente necessidade de

ações que promovam a inclusão afetiva nas escolas. É

sabido que o bullying tem assumido proporções muito

perigosas dentro do espaço escolar, e a grande maioria das

vítimas são alunos que por algum motivo não se

enquadram dentro do estipulado “padrão”.

A preparação da história

O narrador tem o papel de criar a ocasião para a

narração, de sugerir formas de contar, ouvir e explorar

histórias. Sem dúvida, sua dedicação em escolher e

preparar carinhosamente cada história que for contar é

fundamental, para que o público viva com maior

intensidade possível a viagem imaginária para a qual

história convida. E o professor precisa, ao preparar uma

história para ser contada na sala de aula, tomar o cuidado

de, se tiver algum aluno surdo, colocá-lo em ponto

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estratégico onde possa observar as imagens, as ilustrações

da história. Mas se a história não tiver ilustrações, ou se o

professor não for utilizar o livro, ele pode usar a estratégia

dos dedoches, fantoches ou mesmo os personagens

desenhados previamente em folhas, ou, então, contar a

história com desenhos no quadro. Já diante de alunos

cegos recomenda-se a descrição de alguns detalhes físicos

dos personagens, mas tomando o cuidado para que não

influencie a interpretação do aluno. Apenas incite-o,

lembre: o aluno cego é capaz de imaginar, de criar;

portanto, não tente fazer por ele. Já em relação às

crianças hiperativas, fazê-las se aquietar, ou chamar a

sua atenção e conseguir que se concentrem na história,

não é tarefa fácil. Podemos lançar mão de dinâmicas,

brincadeiras e músicas cumulativas para introduzir a

história e colocar elementos pelos quais tenham interesse.

Logicamente, nem toda criança é igual a outra e os

interesses mudam. Assim, conhecer seu grupo é

importante. Uma boa maneira é deixar a história cheia de

altos e baixos e solicitar, ora ou outra, a ajuda e

participação das crianças.

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O preâmbulo e a finalização da história

Faz parte da preparação para a contação de histórias

pesquisar e registrar diferentes começos e finais das

mesmas.

O início da história é essencial. É preciso que o

contador prepare seu público para receber a história. Para

educadores, é sempre agradável preparar um canto

especial para histórias, para criar o hábito, a expectativa, o

gosto. Procure aguçar a curiosidade da plateia, criar um

clima de encantamento, tocar um instrumento, trazer um

trecho de música, fazer um verso ou simplesmente chamar

o tradicional Era uma vez. Trazer o público para o clima da

sua história não significa apenas “exigir silêncio porque

agora é hora de ouvir histórias”. Este momento deve partir

do convite ao encantamento:

“Há muito tempo, quando os animais ainda falavam...”

Assim como o preâmbulo, é igualmente importante

finalizar bem a história. Às vezes, as próprias crianças já

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puxam o tradicional “e foram felizes para sempre”. Mas

existem outras possibilidades...

“Eu fui até à festa do casamento. Pensei em trazer uns

docinhos para vocês, mas quando enchi a sacola, a

meninada toda viu... eu tive que devolver e o gosto do

doce só vai ficar na memória de quem me ouviu”.

Os começos têm o poder de abrir as portas do

universo da história; os finais fazem a passagem de volta

ao mundo real.

Figurino

O figurino pode ser, portanto, aquilo que você gosta

de vestir, aquilo que tenha uma intenção: um figurino que

não roube a atenção da história a ser narrada. Os recursos

externos, portanto, devem dialogar com a história e jamais

aparecer mais que ela. É sempre bom lembrar que o

trabalho do contador de histórias difere do trabalho do

ator. Mas na contação de histórias, um detalhe, às vezes, é

o que faz toda diferença.

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O olhar

É o olhar que diferencia a arte de narrar histórias de

outras artes cênicas. É pelo olhar que o contador se

conecta ao ouvinte, prende a atenção da plateia. É também

aí que ele vai sentindo a “temperatura” do ambiente, se

continua pelo mesmo caminho, se altera, se acelera, se

degusta mais os detalhes, se chama a plateia para

participar. O contador não pode ter a expectativa do

“silêncio absoluto”, ou querer, antes de qualquer coisa,

contar a história até o fim, do modo que a preparou. Estar

de corpo presente durante a narração é dialogar com o que

surgir.

Assim,

“a intenção, o ritmo e a técnica constroem passo a passo a

possibilidade da presença, a capacidade de responder

criadoramente a tudo que ocorre no instante da narração,

com vivacidade e confiança. Confiança na potencialidade

de seus recursos externos e internos, confiança na história

como um presente que ele oferece a si mesmo e à sua

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audiência. „Estar presente é poder presentear‟‟‟ (Regina

Machado, Acordais. p. 81).

A importância dos Contos de fadas na formação das

crianças

Sabe-se como é importante para a formação de

qualquer criança ouvir histórias. Escutá-las é o início da

aprendizagem para ser um bom leitor, tendo um caminho

absolutamente infinito de descobertas e de compreensão

do mundo. É poder sorrir, gargalhar com situações vividas

pelos personagens e com as ideias dos contos. Então, a

criança pode ser um pouco participante desse momento de

humor, de brincadeira e de aprendizado. Os contos

também conseguem deixar fluir o imaginário e levar a

criança a ter curiosidade, que logo é respondida no

decorrer dos contos. É uma possibilidade de descobrir o

mundo imenso dos conflitos, dos impasses, das soluções

que todos vivem e atravessam, de um jeito ou de outro,

por meio dos problemas que vão sendo defrontados,

enfrentados (ou não), resolvidos (ou não) por intermédio

dos personagens de cada história. Essa é a importância dos

contos.

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Nelly Novaes Coelho (2003) diz que os contos de

fadas são narrativas que giram em torno de uma

problemática espiritual, ética e existencial, ligada à

realização interior do indivíduo basicamente por intermédio

do amor. Daí, explica-se o fato de suas aventuras terem

como motivo central o encontro, a união do cavaleiro com

a amada (princesa ou plebeia) após vencer grandes

obstáculos proporcionados pela maldade de alguém.

Já Bettelheim (2004) afirma que: “Enquanto diverte

a criança, o conto de fadas a esclarece sobre si mesma, e

favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece

significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a

existência da criança de tantos modos que nenhum livro

pode fazer justiça à multidão e diversidade de

contribuições que esses contos dão à vida da criança” (p.

20).

Assim, a suprema importância dos contos de fadas

para as crianças em crescimento reside em algo mais do

que ensinamentos sobre formas corretas de se comportar.

Eles são terapêuticos, porque o paciente encontra sua

própria solução pela contemplação do que a “estória”

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parece implicar acerca de seus conflitos internos nesse

momento da vida.

Especialistas afirmam que a tendência de retirar o

mal, o medo e o castigo das narrativas é forte atualmente.

As mudanças de enredo apaziguam as emoções que

precisam ser vividas. Não é saudável evitar que as crianças

enfrentem os conflitos. Assim, é possível usar e abusar de

filmes que recontam A Bela e a Fera e O Patinho Feio, por

exemplo, mas é preciso apresentar, primeiro, obras que

mais se aproximam dos originais.

O maravilhoso sempre foi e continua sendo um dos

elementos mais importantes na literatura destinada às

crianças. Por meio do prazer ou das emoções que as

“estórias” lhes proporcionam, o simbolismo que está

implícito nas tramas e personagens vai agir em seu

inconsciente, atuando pouco a pouco para ajudar a

resolver os conflitos interiores normais nessa fase da vida;

consequentemente, surge a necessidade de a criança

defender sua vontade e independência em relação ao

poder dos pais ou à rivalidade com os irmãos ou amigos.

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É nesse sentido que a literatura infantil e,

principalmente, os contos de fadas podem ser decisivos

para a formação da criança em relação a si mesma e ao

mundo à sua volta. O maniqueísmo que divide as

personagens em boas ou más, belas ou feias, poderosas ou

fracas etc. facilita à criança a compreensão de certos

valores básicos da conduta humana ou convívio social. Tal

dicotomia, se transmitida mediante uma linguagem

simbólica, e durante a infância, não será prejudicial à

formação de sua consciência ética. O que as crianças

encontram nos contos de fadas são, na verdade, categorias

de valor que são perenes. O que muda é apenas o

conteúdo rotulado de “bom” ou “mal”, “certo” ou “errado”.

Lembra a Psicanálise que a criança é levada a se

identificar com o herói bom e belo, não devido à sua

bondade ou beleza, mas por sentir nele a própria

personificação de seus problemas infantis: seu inconsciente

desejo de bondade e beleza e, principalmente, sua

necessidade de segurança e proteção. Pode, assim, superar

o medo que a inibe e enfrentar os perigos e ameaças que

sente à sua volta, podendo alcançar gradativamente o

equilíbrio adulto. Logo, a área do Maravilhoso dos contos

de fadas tem linguagem metafórica que se comunica

facilmente com o pensamento mágico, natural das

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crianças, como bem explica Vera Teixeira Aguiar (2001)

quando diz que os contos de fadas exercem um grande

fascínio nas crianças, sendo caminhos de descoberta e

compreensão do mundo.

Segundo Bettelheim (2004) dentro do texto: “O

conto de fadas procede de uma maneira consoante ao

caminho pelo qual a criança pensa e experimenta o

mundo; por esta razão, os contos de fadas são tão

convincentes para elas” (p. 20). Bettelheim ainda assinala

que as crianças, por meio da utilização dos contos,

aprendem sobre problemas interiores dos seres humanos e

sobre suas soluções. E também é por intermédio deles que

a herança cultural é comunicada às crianças, tendo uma

grande contribuição para sua educação moral. E por meio

dos contos de fadas, pode-se trabalhar muito a questão da

sensibilização dos alunos em relação ao respeito às

diferenças e mesmo deficiências mais marcadas do ser

humano.

A partir dessas constatações da importância dos

contos de fadas na formação da criança, analisar-se-á duas

histórias “O Patinho Feio” e “O Corcunda de Notre Dame”,

procurando verificar que atitudes estão sendo construídas

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ou perpetuadas, com vistas aos preconceitos e estereótipos

em relação à pessoa com deficiência que essas histórias

podem passar às crianças.

Análise crítica de “O Patinho Feio”

Na história O Patinho Feio, pode-se perceber um

retrospecto dos diferentes momentos históricos do

preconceito em relação à pessoa com deficiência. O

Patinho, por ter nascido diferente do resto da ninhada, é

excluído, pois está fora da categorização esperada, não

possuindo os atributos comuns e naturais dos membros de

sua categoria e, por esse motivo, é rejeitado e

abandonado. Continuando a história, aparecem atitudes de

caridade e assistencialismo em relação ao Patinho Feio,

quando ele é recolhido e alimentado por compaixão,

atitudes típicas da Idade Média, época em que não havia o

intuito de inclusão do deficiente, mas apenas de propiciar

cuidados e assistência por benevolência, sendo o diferente

visto como vítima, digno de piedade.

Para um final feliz à história, o Patinho Feio “se

descobre” um cisne e encontra sua verdadeira família, o

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que deixa claro que a única possibilidade encontrada para

um final feliz não foi a aceitação e inserção do diferente,

mas, sim, a normalização. Só como cisne e pertencente a

uma outra categoria pôde ser aceito. Sabe-se que a

sociedade dita suas normas e o preço que a pessoa

deficiente ou diferente paga neste mundo dito “moderno” é

o de normalizar-se. Ou seja, aproximar-se do

“preestabelecido”, do “normal”, da “perfeição”, do

“saudável”, do “conhecido”. Só é possível a “inclusão”

quando as diferenças são neutralizadas ao máximo, e o

indivíduo se aproxima do usual, das normas aceitas pela

sociedade.

“O Corcunda de Notre Dame”

A história de Corcunda de Notre Dame traz a

amostra fidedigna de toda repulsa preconceito e

estigmatização em relação ao deficiente físico. Quasímodo

(o Corcunda), por apresentar uma deformidade física, não

se enquadra nos padrões considerados comuns e normais

para o grupo. É estigmatizado, não sendo considerado uma

pessoa comum, sendo visto com menos valia e digno de

pena. Vê-se, ainda, na história em questão, atitudes de

ridicularização da pessoa com deficiência quando

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Quasímodo é colocado como bobo da corte, sendo exposto

e humilhado. Nessa história, a deformação e a

desfiguração do personagem não permitiram um final feliz,

e, só com a morte do Corcunda, foi possível um final

dentro das normas aceitáveis, sendo transformado, então,

em mito. Historicamente, o estigma em relação à

deformidade física aparece em citações na Bíblia, em

Platão, em Aristóteles e outros.

Observação: vieram-me à mente, agora, alguns de nossos

personagens do folclore brasileiro.

Assim, contar histórias a uma criança tem que se

tornar uma atividade bastante corriqueira, nas mais

diversas culturas do mundo e em várias situações tanto no

âmbito familiar como no escolar. A cada dia, essa prática

vem se reproduzindo através dos tempos de maneira

quase intuitiva. Contudo, alguns estudos já demonstram o

importante papel que os contos desempenham nos

processos de aquisição e desenvolvimento da linguagem

humana e também, se bem trabalhados, cooperam

imensamente na formação de cidadãos conscientes, pois

fixam na memória.

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Texto para reflexão

NOTÍCIAS

“Para Sara, Raquel, Lia e para todas as

crianças”

Carlos Drummond de Andrade

Eu queria uma escola que cultivasse

a curiosidade de aprender

que é em vocês natural.

Eu queria uma escola que educasse

seu corpo e seus movimentos:

que possibilitasse seu crescimento

físico e sadio. Normal.

Eu queria uma escola que lhes

ensinasse tudo sobre a natureza,

o ar, a matéria, as plantas, os animais,

seu próprio corpo. Deus.

Mas que ensinasse primeiro pela

observação, pela descoberta,

pela experimentação.

E que dessas coisas lhes ensinasse

não só o conhecer, como também

a aceitar, a amar e preservar.

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Eu queria uma escola que lhes

ensinasse tudo sobre a nossa história

e a nossa terra de uma maneira

viva e atraente.

Eu queria uma escola que lhes

ensinasse a usarem bem a nossa língua,

a pensarem e a se expressarem

com clareza.

Eu queria uma escola que lhes

ensinassem a pensar, a raciocinar,

a procurar soluções.

Eu queria uma escola que desde cedo

usasse materiais concretos para que vocês pudessem ir

formando corretamente os

conceitos matemáticos, os conceitos de números, as

operações... pedrinhas... só

porcariinhas!... fazendo vocês aprenderem brincando...

Oh! meu Deus!

Deus que livre vocês de uma escola

em que tenham que copiar pontos.

Deus que livre vocês de decorar

sem entender, nomes, datas, fatos...

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Deus que livre vocês de aceitarem

conhecimentos prontos,

mediocremente embalados

nos livros didáticos descartáveis.

Deus que livre vocês de ficarem

passivos, ouvindo e repetindo,

repetindo, repetindo...

Eu também queria uma escola

que ensinasse a conviver,

a cooperar,

a respeitar, a esperar, a saber viver

em comunidade, em união.

Que vocês aprendessem

a transformar e criar.

Que lhes desse múltiplos meios de

vocês expressarem cada

sentimento,

cada drama, cada emoção.

Ah! E antes que eu me esqueça:

Deus que livre vocês

de um professor incompetente.

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Literatura infantil que trata da inclusão

Coleção: Trabalhando as diferenças e a inclusão

social, Blu editora.

Títulos: Sofia, a ursinha vitoriosa. (Deficiência física)

Clara, a ovelhinha que falava por sinais.

(Deficiência auditiva)

Osmar, o cãozinho que trocava as letras.

(Dislexia)

Davi, um coelhinho especial. (Síndrome de Down)

Lívia e as mudanças que a vida traz. (Morte na

família).

Coleção: Bullying na escola, Blu editora.

Títulos: Por trás da maldade virtual. -Mentiras e ofensas

pela internet.

Tamanho não é documento. -Zombaria da

estatura.

Voando sim, mas em direção ao futuro. -Chacota

das orelhas.

Quando a covardia pesa muito mais. -Ataques

contra alunos obesos.

Ver a todos com bons olhos. -Deboche da

aparência.

Preciso de ajuda. -Agressão ao aluno tímido.

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Forte para vencer na vida. -Piadas do aspecto

físico.

A riqueza que o dinheiro não compra. -Preconceito

social.

Piolho não escolhe cabeça. -Piada por fato

embaraçoso.

Medo de gaguejar. -Agressão verbal.

Quem zomba tem inveja. -Violência verbal.

Amizade não tem cor. -Preconceito racial.

Livre para seguir sua crença. -Preconceito

religioso.

Coleção: Meu amigo Down, de Claudia Werneck.

Títulos: Meu amigo Down em casa.

Meu amigo Down na rua.

Meu amigo Down na escola.

Um amigo diferente?

Rubem Alves.

Título: Porquinha do rabinho arrebitado.

Elisabeth Maggio.

Título: Maria Noite, Maria Dia.

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André Carvalho e Alencar Abujambra.

Título: Além de qualquer diferença: Dois Sacis

enamorados.

Ana Maria Machado.

Títulos: Menina Bonita do laço de fita.

Beto, o carneirinho.

Um ano novo danado de bom!

Clássicos:

Títulos: O Patinho Feio.

O Corcunda de Notre Dame.

A Gata Borralheira.

A Bela e a Fera.

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Livros e autores que tratam do tema inclusão:

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: cultura e cotidiano escolar,

organização e edição de Rosana Glat.

NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECÍFICAS:

Intervenção psicoeducacional, de Eugênio Gonzáles.

SURDEZ E LINGUAGEM: aspectos e implicações

neurolinguísticas, de Ana Paula Santana.

INCLUSÃO ESCOLAR: pontos e contrapontos, de Maria

Tereza Eglér Mantoan.

Livros de Claudia Werneck.

Ninguém mais vai ser bonzinho, na sociedade inclusiva.

Sociedade Inclusiva. Quem cabe no seu TODOS?

Mas ele não é mesmo a sua cara?

Você é gente?

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Bibliografia básica:

Acordais-Fundamentos Teórico-Poéticos da Arte de

Contar Histórias, Regina Machado, Ed. DCL.

A Casa Imaginária: Leitura e literatura na primeira

infância, Yolando Reyes, Ed. Global.

A Palavra do Contador de Histórias, Gislayne Avelar

Matos, Ed. Martins Fontes.

Como um Romance, Daniel Pennac. Ed.Martins Fontes.

Magia e Técnica, Arte e Política, Walter Benjamim

(capítulo O narrador), Ed. Brasiliense.

O que conta um conto, J. Bonaventura, Ed. Paulinas.

Outros Documentos

http://www.artigonal.com/educacao-infantil-artigos/a-

importancia-dos-contos-de-fadas-na-alfabetizacao-

762528.html

http://www.escoladegente.org.br/