sucessão legítima comentários ao artigo 1.829 código civil

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 ACADÊMICO: Francisco Selingardi RA 107510 DISCIPLINA: Direito Civil VIII   PROFESSOR: ALVARO CAVAGGIONI TEMA: Sucessão legítima - Comentários ao artigo 1.829 Código Civil DATA: 14/12/2011 1 Cumpre, em primeiro pla no, dizer que a redação d o dispositivo leg al em estudo é a seguinte, senão vejamos: "Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:  I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação  obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão  parcial, o autor da he rança não houve r deixado ben s particulares;  II -.. ." Consoante Maria Berenice Dias: "Guindar o cônjuge a herdeiro concorrendo com os que eram os únicos beneficiários da herança   os filhos   foi a solução encontrada pelo legislador para corrigir uma distorção legal. Segundo justifica Miguel Reale, em artigo publicado no Estado de São Paulo, intitulado O Cônjuge no novo Código Civil , o cônjuge foi elevado à categoria de herdeiro concorrente porque, com o advento da Lei do Divórcio, o regime da comunhão de bens passou a ser parcial, e havia o risco de o cônjuge sobrevivente, sobretudo quando desprovido de recursos, nada herdar no tocante aos bens particulares do falecido, cabendo a herança por inteiro aos descendentes e aos ascendentes. Com tal esclarecimento se faz evidente a intenção do legislador: permitir que um cônjuge receba parte dos bens particulares do outro, preocupação que não existia quando o regime legal era o da comunhão universal de bens, pois a meação de todo o acervo patrimonial ficava com o viúvo. Desvendada a natureza do instituto, fica mais fácil entender o porquê o direito à concorrência está condicionado ao regime de bens do casamento. Voltando ao texto legal, é certo que o estado condominial entre cônjuge e descendentes ou ascendentes é a regra, apontando o inc. I as hipóteses em que, tendo o autor da herança filhos, não surge o direito à concorrência." Novamente nas palavras de Maria Berenice Dias: Diante do exposto ne cessário se faz dividir o inciso em estud o, em antes e depo is da palavra "salvo", palavra que indica uma ressalva, uma contrariedade à idéia anteriormente exposta, ou mais precisamente, conforme Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira: "Salvo: [...] ressalvado; excetuado; omitido; (antônimo de) permitido..." (Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 13ª ed., 1979; Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A.) Assim, a segunda parte do inciso poderia ser apresentada na forma de parágrafo único, ao final do artigo: Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

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5/11/2018 Sucessão legítima Comentários ao artigo 1.829 Código Civil - slidepdf.com

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ACADÊMICO: Francisco Selingardi – RA 107510

DISCIPLINA: Direito Civil VIII – PROFESSOR: ALVARO CAVAGGIONI

TEMA: Sucessão legítima - Comentários ao artigo 1.829 Código Civil

DATA: 14/12/2011

1

Cumpre, em primeiro plano, dizer que a redação do dispositivo legal em estudo é a

seguinte, senão vejamos:

"Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

 I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado

este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação

 obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão

 parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

 II -.. ."

Consoante Maria Berenice Dias: "Guindar o cônjuge a herdeiro concorrendo com os

que eram os únicos beneficiários da herança – os filhos – foi a solução encontrada pelo

legislador para corrigir uma distorção legal. Segundo justifica Miguel Reale, em artigo

publicado no Estado de São Paulo, intitulado O Cônjuge no novo Código Civil, o

cônjuge foi elevado à categoria de herdeiro concorrente porque, com o advento da Lei

do Divórcio, o regime da comunhão de bens passou a ser parcial, e havia o risco de o

cônjuge sobrevivente, sobretudo quando desprovido de recursos, nada herdar no

tocante aos bens particulares do falecido, cabendo a herança por inteiro aosdescendentes e aos ascendentes. Com tal esclarecimento se faz evidente a intenção do

legislador: permitir que um cônjuge receba parte dos bens particulares do outro,

preocupação que não existia quando o regime legal era o da comunhão universal de

bens, pois a meação de todo o acervo patrimonial ficava com o viúvo. Desvendada a

natureza do instituto, fica mais fácil entender o porquê o direito à concorrência está

condicionado ao regime de bens do casamento. Voltando ao texto legal, é certo que o

estado condominial entre cônjuge e descendentes ou ascendentes é a regra, apontando o

inc. I as hipóteses em que, tendo o autor da herança filhos, não surge o direito à

concorrência." Novamente nas palavras de Maria Berenice Dias:

Diante do exposto necessário se faz dividir o inciso em estudo, em antes e depois da

palavra "salvo", palavra que indica uma ressalva, uma contrariedade à idéia

anteriormente exposta, ou mais precisamente, conforme Aurélio Buarque de Hollanda

Ferreira: "Salvo: [...] ressalvado; excetuado; omitido; (antônimo de) permitido..."

(Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 13ª ed., 1979; Rio de Janeiro:

Editora Civilização Brasileira S.A.)

Assim, a segunda parte do inciso poderia ser apresentada na forma de parágrafo único,

ao final do artigo:

Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

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DATA: 14/12/2011

2

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente;

[...]

Pár. ún. - No caso do inciso I, fica ressalvada a hipótese da concorrência entre

descendentes e o cônjuge sobrevivente, desde que casado este com o falecido no regime

da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo

único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado

bens particulares.

Conforme colocado, a redação do artigo melhoraria de maneira a facilitar o

entendimento do "ponto-e-virgula", e, ao mesmo tempo, não mudaria em nada a

intenção do citado artigo.

Mais especificamente quanto ao ponto-e-vírgula, cumpre iniciar o estudo explicando

uma analogia entre a língua portuguesa e a matemática, onde, nesta, usam-se os sinais

de "{}" (chaves), os sinais de "[]" (colchetes) e os sinais "()" (parênteses) em uma

expressão matemática para assinalar que uma determinada operação matemática

somente será realizada após a realização da primeira.

Ex:

2. { 2 / [ 3 + ( 2 - 1 ) ] } = x

No exemplo, dever-se-á realizar a subtração "2 - 1" em primeiro lugar, para depois,

utilizar seu resultado "1" na adição com "3", dando um resultado "4" que então será

utilizado na divisão "2/4", cujo resultado será multiplicado por "2" fazendo com que "x"

seja igual a "1". Qualquer tentativa de se inverter a ordem das operações traria um

resultado diferente à incógnita "x".

Ou, ainda, para assinalar diferentes níveis de operação, de forma que os membros

localizados dentro dos parênteses devem ser analisados antes dos que estão fora deles,

porém dentro dos colchetes.

Ex:

2. [ 3 + ( 2 - 1 ) + (3 - 2) ] = x

No exemplo, dever-se-á realizar a subtração "2 - 1" e, ao mesmo tempo, a subtração "3 -

2", para, só depois, fazer as operações dentro dos colchetes, ou seja, "3 + 1 + 1", para,

depois, multiplicar o resultado "5" pelo valor "2", localizado fora dos colchetes, o que

nos dará um resultado "x = 10". Neste outro exemplo, igualmente ao anterior, qualquer

tentativa de inversão da ordem das operações implicará um resultado diferente à

incógnita "x".

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Aqui, neste exemplo, o uso dos colchetes e dos parênteses indicam níveis de

"hierarquia" entre as operações. Primeiramente resolve-se os parênteses, para, somente

após, resolver-se os colchetes.

Na língua portuguesa, o papel do ponto-e-vírgula é semelhante ao papel dos colchetes

nas expressões matemáticas, pois, conforme Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira:

"Ponto: [...] ponto e vírgula: sinal de pontuação (;) que indica uma pausa mais forte que

a vírgula e menos que o ponto final..." (Op. cit.).

Ou seja, o ponto-e-vírgula é um sinal intermediário (equivalente aos colchetes) entre a

vírgula (que na matemática seria representado pelos parênteses) e o ponto final (que na

matemática seria representado pelas chaves), e, qualquer tentativa de se considerar de

maneira diversa, implicaria em um significado diferente da oração, ou neste caso, do

inciso em estudo.

Ex.

Se digo: Fui a São Paulo com João, Pedro e Antônio; ao Rio de Janeiro com José, Luiz

e Miguel e a Brasília com Carlos e Ricardo.

Poderíamos, neste caso, dividir a oração em cada ponto e vírgula, para que ficasse da

seguinte maneira:

Fui a São Paulo com João, Pedro e Antônio.

Fui ao Rio de Janeiro com José, Luiz e Miguel.

Fui a Brasília com Carlos e Ricardo

O significado é completamente diferente se disser: Fui a São Paulo, Rio de Janeiro e

Brasília com João, Pedro, Antônio, José, Luiz, Miguel Carlos e Ricardo.

A explicação do exemplo acima é simples: a vírgula e o ponto-e-vírgula indicam níveis

diferentes de subdivisão da oração principal, de forma que, se vou utilizar duas "idéias"

diferentes, onde eu preciso dividir uma, ou ambas, com o auxílio da vírgula, então euutilizo o ponto-e-vírgula para indicar uma separação entre cada uma das "idéias" que

pretendo expressar.

Neste sentido, encontramos, no site http://www.portugues.com.br (Dia 14 de dezembro

de 2011, 09:34.), a seguinte explicação sobre o uso do ponto-e-vírgula:

"a) separar os itens de uma lei, de um decreto, de uma petição, de uma seqüência etc.

Ex.: Art. 127 – São penalidades disciplinares:

I- advertência;

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II- suspensão;

III- demissão;

IV- cassação de aposentadoria ou disponibilidade;

V- destituição de cargo em comissão;

VI- destituição de função comissionada. ( cap. V das penalidades Direito

Administrativo)

b) separar orações coordenadas muito extensas ou orações coordenadas nas quais

 já tenham tido utilizado a vírgula. 

Ex.: ‘O rosto de tez amarelenta e feições inexpressivas, numa quietude apática, erapronunciadamente vultuoso, o que mais se acentuava no fim da vida, quando a

bronquite crônica de que sofria desde moço se foi transformando em opressora asma

cardíaca; os lábios grossos, o inferior um tanto tenso (...)’ (O visconde de Inhomerim -

Visconde de Taunay)" [grifo nosso]

Por isso discordamos, data máxima vênia, da desembargadora Maria Berenice Dias

quando afirma:

"Em um primeiro momento o legislador ressalva duas exceções. Fazendo uso da

expressão ‘salvo se’ exclui a concorrência quando o regime do casamento é o dacomunhão universal e quando o regime é o da separação obrigatória. Ao depois, é usado

o sinal de pontuação ponto-e-vírgula, que tem por finalidade estabelecer um

seccionamento entre duas idéias. Assim, imperioso reconhecer que a parte final da

norma regula o direito concorrente quando o regime é o da comunhão parcial. Aqui abre

a lei duas hipóteses, a depender da existência ou não de bens particulares. De forma

clara diz o texto: no regime da comunhão parcial há a concorrência ‘se’ o autor da

herança não houver deixado bens particulares. A contrario sensu, se deixou bens

exclusivos, o cônjuge não concorrerá com os descendentes. Outra não pode ser a leitura

deste artigo. Não há como ‘transportar’ para o momento em que é tratado o regime dacomunhão parcial a expressão ‘salvo se’ utilizada exclusivamente para excluir a

concorrência nas duas primeiras modalidades, ou seja, no regime da comunhão e no da

separação legal. Não existe dupla negativa no dispositivo legal, pois na parte final  –  

após o ponto-e-vírgula  – passa a lei a tratar de hipótese diversa, ou seja, o regime da

comunhão parcial, oportunidade em que é feita a distinção quanto a existência ou não de

bens particulares. Essa diferenciação nem cabe nos regimes antecedentes, daí a divisão

levada a efeito por meio do ponto-e-vírgula." (texto citado)

Não concordamos, pois, no inciso em estudo, o legislador pretende expressar duas

"idéias" diferentes, uma é o caso dos regimes de comunhão universal e do regime deseparação parcial, onde, em hipótese alguma, haverá a concorrência entre descendentes

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e cônjuge sobrevivente, e a outra "idéia" é a do regime de comunhão parcial, onde

somente será excluída da concorrência a hipótese em que o autor da herança não houver

deixado bens particulares.

Após estas considerações, podemos sub-dividir o inciso em duas partes, uma antes, e a

outra depois, do analisado ponto-e-vírgula. Propomos, então, que o nosso artigo seja

novamente dividido, para ficar com a seguinte redação:

Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente;

[...]

Pár. ún. - No caso do inciso I, fica ressalvada a hipótese da concorrência entre

descendentes e o cônjuge sobrevivente, desde que casado este com o falecido:

I - no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640,

parágrafo único);

II - no regime da comunhão parcial e o autor da herança não houver deixado bens

particulares.

Assim elaborado, não restariam dúvidas sobre o significado expressado pelo (muito mal

redigido) artigo 1829 do Código Civil.

Esta é nossa proposta. Que o artigo seja interpretado como se assim tivesse sido

redigido, cujo significado seria o seguinte: 1) - a sucessão legítima defere-se na ordem

apontada pelos incisos do artigo em estudo, ou seja, em primeiro lugar, aos

descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente; 2) - fica excetuado da regra

geral do inciso I, os casos em que os cônjuges eram casados em regime de comunhão

universal (pois, neste caso, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro, mas co-proprietário

dos bens do de cujus); 3) - fica também excetuado da regra geral do inciso I, os casos

em que os cônjuges eram casados em regime de separação obrigatória de bens (pois se

diferente fosse, estar-se-ia contrariando o sentido da lei que deseja que os bens dos

cônjuges casados em regime de separação obrigatória não se comuniquem); 4) - fica,

ainda, excetuado da regra geral do inciso I, os casos em que os cônjuges eram casados

pelo regime da comunhão parcial em que o autor da herança não houver deixado bens

particulares (explicando: os bens que possuía o de cujus foram adquiridos durante a

convivência marital, ou seja, adquiridos pelo esforço comum e, portanto, de co-

propriedade do cônjuge sobrevivente, assemelhando-se ao caso da comunhão universal

de bens, de forma que não existe o que herdar, uma vez que os bens são de propriedade

do cônjuge sobrevivente).

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Conclusão: o cônjuge sobrevivente somente irá ter direito à herança do falecido se fora

com este casado em regime de comunhão parcial de bens e tiver o de cujus deixado bens

particulares.

Com estas conclusões, acreditamos ferir de morte o entendimento de Maria Berenice

Dias, que afirma: "Quando o regime é o da comunhão parcial e não existem bens

particulares, significa que todo o acervo hereditário foi adquirido depois do casamento,

ocorrendo a presunção da mútua colaboração em sua formação, o que torna razoável

que o cônjuge, além da meação, concorra com os filhos na herança quando há bens

amealhados antes do casamento, nada justifica que participe o cônjuge desse acervo. Tal

não se coaduna com a natureza do regime da comunhão parcial, sendo descabido que

venha o cônjuge sobrevivente a herdar parte do patrimônio quando da morte do par."

(texto citado)

Apesar dos argumentos expressos por tão brilhante doutrinadora, acreditamos que esta

não é a intenção do legislador que, segundo nosso entendimento, pretendeu garantir ao

cônjuge sobrevivente e aos filhos um patrimônio de valor aproximado.

O raciocínio é fácil de entender quando se utiliza exemplos:

Exemplo 1 - patrimônio 50 % comum, 50 % particular:

Exemplo 2 - patrimônio 100 % comum:

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Exemplo 3 - patrimônio 100 % particular:

Pensar de forma diversa, como pretende Maria Berenice Dias, poderá dar lugar a casos

extremos em que ou o cônjuge teria direito a bem mais da metade do patrimônio

comum, ou em que o cônjuge seria completamente excluído da sucessão (caso só

houvessem bens particulares).

Novamente os exemplos facilitam o entendimento.

Exemplo 4 - patrimônio 100 % comum:

Exemplo 5 - patrimônio 100 % particular:

Concordamos que têm fundamentos as preocupações apresentadas por Maria Berenice

Dias quando afirma que: "...quando o autor da herança tem filhos anteriores ao

casamento, não há como reconhecer a possibilidade de o cônjuge sobrevivente, que não

é genitor dos herdeiros, ficar com parte do patrimônio que era exclusivo do de cujus.

Essa não é, e nunca foi, a intenção do legislador. Não está na lei. Urge que se deixe de

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ler o que não está escrito, sob pena de chegar a conclusões distorcidas e consagrar

injustiças."

Porém, acreditamos que o raciocínio aplicado pela jurista é conservador e não

acompanha as mudanças da sociedade, pois vislumbramos a necessidade de se proteger

o cônjuge sobrevivente contra situações extremas onde (como no exemplo 5

apresentado acima) somente existam bens particulares do de cujus, principalmente se o

cônjuge sobrevivente não possuir bens suficientes para se manter sozinho.

Seria justo deixar o cônjuge sobrevivente à mercê da boa vontade dos descendentes do

falecido companheiro que, caso ainda estivesse vivo, certamente, protegeria o

sobrevivente das dificuldades patrimoniais?

Acreditamos que não, pois o de cujus, ao se unir com o cônjuge sobrevivente sabia queeste não possuía bens particulares capazes de manter sua estabilidade econômico-

financeira, e, assim, consentiu em deixar de herança parte de seu patrimônio particular

(caso não fosse esta a intenção do de cujus então este teria se caso sob o regime da

separação de bens disciplinado pelos artigos 1687 e 1688 do Código Civil...).

Raciocínio este, que se amolda à intenção do legislador, uma vez que, conforme trecho

do texto (já citado anteriormente) de Maria Berenice Dias: "...Segundo justifica Miguel

Reale, em artigo publicado no Estado de São Paulo, no dia 12 de abril, intitulado O

Cônjuge no novo Código Civil, o cônjuge foi elevado à categoria de herdeiro

concorrente porque, com o advento da Lei do Divórcio, o regime da comunhão de bens

passou a ser parcial, e havia o risco de o cônjuge sobrevivente, sobretudo quando

 desprovido de recursos, nada herdar no tocante aos bens particulares do falecido,

 cabendo a herança por inteiro aos descendentes e aos ascendentes." [grifo nosso]

(texto citado).

Nossa interpretação vem, justamente, acompanhar o desejo do eminente jurista Miguel

Reale, uma vez que, conforme demonstrado nos exemplos acima, possibilita que o

cônjuge e os descendentes, em qualquer hipótese, herdem patrimônios semelhantes

(desde que entendidos os descendentes de maneira global, como uma única "entidade"),ao contrário da interpretação da jurista, que possibilita casos extremos, onde, como

exemplificado anteriormente, o cônjuge sobrevivente possa não herdar nada,

contrariando a intenção de Miguel Reale, ou, onde o cônjuge sobrevivente chegue a

herdar, sozinho, até 75% do patrimônio, deixando ao descendente apenas 25%.

Por outro lado, nossa douta opositora insiste que: "Ainda que concorde com toda tua

análise sobre chaves, parentes e colchetes, não consigo deixar de ver que a primeira

vírgula isola a regra geral da concorrência. A ressalva é feita tão só para as duas

primeiras hipóteses previstas (comunhão universal ou separação legal). Depois do ponto

e vírgula passa o legislador a regular uma nova hipótese de concorrência não deexclusão. Nessa segunda modalidade de regime de bens, ou seja, no regime da

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comunhão parcial a exclusão é posta pelo ‘se’, isto é, se o autor da herança não houver 

deixado bens." (Um segundo texto recebido, via e-mail, no dia 1º de maio de 2003, onde

a Des. Maria Berenice Dias comenta uma primeira versão deste nosso estudo.)

Segundo seu fundamentado entendimento, o artigo em análise poderia, sem mudar sua

intenção, ser re-escrito da seguinte forma:

Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, se casado este com

o falecido no regime da comunhão parcial, e o autor da herança não houver deixado

bens particulares; salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão

universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único);

II -.. .

Neste caso, transferimos o texto a partir do "salvo se" para o fim do inciso, e recuamos

o texto após o ponto-e-vírgula para junto das hipóteses em que existe a concorrência

(que é, justamente, o que Maria Berenice Dias pretende fazer com sua interpretação).

Assim o texto passaria a dizer o oposto do que acreditamos que diz, ou seja que o

cônjuge sobrevivente somente terá direito a concorrer com os descendentes a herança,

se casado com o falecido no regime de comunhão parcial e não tiver o de cujus deixado

bens particulares.

Se compararmos este texto pretendido por Maria Berenice Dias com o texto proposto

por nós:

Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente;

[...]

Pár. ún. - No caso do inciso I, fica ressalvada a hipótese da concorrência entre

descendentes e o cônjuge sobrevivente, desde que casado este com o falecido:

I - no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640,

parágrafo único);

II - no regime da comunhão parcial e o autor da herança não houver deixado bens

particulares.

podemos, facilmente, notar que nossa versão do texto é mais próxima do texto original

aprovado pelo Poder Legislativo, uma vez que não fere a estrutura básica do texto,

apenas subdivide o texto no local do ponto-e-vírgula para clarear nosso entendimento.

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Partindo-se do pressuposto de que o Legislador é capaz de se expressar corretamente,

não se pode (sob pena de sacrificar-se o mínimo necessário de segurança jurídica)

modificar o sentido literal da lei. O que se pode, por outro lado, é modificar o sentido

(ou intenção) da lei, através dos métodos (ou momentos - Como pretende João Baptista

Herkenhoff no seu livro "Como aplicar o direito" da Editora Forense.) de interpretação,

pois, como afirmam os mais diversos estudiosos da hermenêutica jurídica, toda

interpretação deve começar pela simples letra da lei (Celso Ribeiro Bastos, Curso de

direito financeiro e de direito tributário, 7ª ed., São Paulo Saraiva, 1999, pág. 185; João

Baptista Herkenhoff, Como aplicar o direito, 6ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense,

1999, pág. 15; André Franco Montoro, Introdução à ciência do direito, 22ª ed., São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, pág. 373; R. Limongi França, Hemenêutica

Jurídica, 6ª edição - São Paulo: Saraiva, 1997, págs. 08 e 09; Alípio Silveira,

Hemenêutica no Direito Brasileiro - Vol. 1, 1ª edição - São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1968, págs. 16 e 17; Inocêncio Mártires Coelho, Elementos de teoria da

Constituição e de interpretação constitucional in Gilmar Ferreira Mendes, Hermenêutica

constitucional e direitos fundamentais, 1ª ed. 2ª tiragem, Brasília: Brasília Jurídica,

2002, págs. 75 e 76.), para depois atingir os métodos (ou momentos) histórico,

sistemático ou sociológico (Como prega João Baptista Herkenhoff no seu livro "Como

aplicar o Direito" da Editora Forense.).

Caso o legislador quisesse que o trecho após o ponto-e-vírgula em questão não fosse

parte da ressalva expressada pelo "salvo se", teria redigido o inciso em estudo de

maneira que a parte final do inciso estivesse antes da ressalva, e não depois do ponto e

vírgula (após "salvo se"), em outras palavras, teria redigido o texto, da maneira que

pretende a interpretação de Maria Berenice Dias.

Da forma como está redigido, o ponto-e-vírgula faz parte do texto após "salvo se", e,

portanto, expressa a idéia de ressalva. Assim, o texto traz, como defendemos, duas

ressalvas, uma antes do ponto-e-vírgula, e a outra após o ponto-e-vírgula.

Além disso, caso o artigo dissesse o que Maria Berenice Dias pensa que diz, então qual

seria o fundamento para que o legislador excetuasse da concorrência hereditária o

regime da comunhão universal e, por outro lado não excetuasse os bens comuns, que,

em última análise são exatamente "iguais" aos bens de uma comunhão universal (bens

de co-propriedade entre de cujus e cônjuge sobrevivente)?

Incoerência, esta, que, expressamente, reconhece a jurista: "Concordo que falta um

pouco de coerência lógica. No regime da comunhão (às claras que há bens particulares,

senão desnecessário o pacto antenupcial), o cônjuge só recebe a meação e não concorre.

Se casado sob o regime da comunhão parcial, na hipótese de não haver bens

particulares, faticamente a situação é a mesma, ou seja, existe tão-só bens comuns, mas

a a solução legislativa é diferente: assegura a concorrência. De qualquer forma, acreditoque o legislador quis garantir a concorrência sobre os bens em que houve cooperação na

5/11/2018 Sucessão legítima Comentários ao artigo 1.829 Código Civil - slidepdf.com

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ACADÊMICO: Francisco Selingardi – RA 107510

DISCIPLINA: Direito Civil VIII – PROFESSOR: ALVARO CAVAGGIONI

TEMA: Sucessão legítima - Comentários ao artigo 1.829 Código Civil

DATA: 14/12/2011

11

construção do patrimônio, ainda que o sobrevivente do regime da comunhão tenha um

tratamento diferenciado!" (No segundo texto enviado via e-mail, onde combate uma

primeira versão deste estudo.)

Só nos resta uma única interpretação correta, a que defendemos, uma vez que: 1) por

não dar tratamentos diferenciados aos bens da comunhão universal e dos bens comuns

do falecido e do cônjuge sobrevivente, não põe o legislador em contradição; 2)

interpreta o inciso da forma em que foi redigido, ou seja deixa o ponto-e-vírgula

exatamente onde está, após "salvo se"; 3) acompanha a intenção de Miguel Reale, no

sentido de preservar ao cônjuge sobrevivente, em qualquer hipótese, o mínimo de

patrimônio capaz de mantê-lo até o fim de seus dias.

Nosso objetivo com este estudo não é encontrar uma solução justa para a concorrência

entre descendentes e cônjuge do de cujus na sucessão, mas, apenas (e nada mais que

isso), encontrar o significado objetivo do ponto-e-vírgula do inciso I do artigo 1829 do

Código Civil brasileiro.

Por isso concluímos novamente assinalando que a intenção do legislador foi a de dividir

o patrimônio do falecido em partes aproximadas entre descendentes e cônjuge

sobrevivente e acreditamos, assim, ter solucionado a questão do significado do ponto-e-

vírgula do artigo 1829 do Código Civil, porém, como não somos "donos da verdade",

estamos abertos à outras formas de interpretação possíveis do inciso em estudo.

Apesar de concordarmos com o entendimento de Maria Berenice Dias sobre a "justiça"

de referido inciso, onde, talvez, não fosse justo que o cônjuge sobrevivente tenha direito

à herdar parte do patrimônio particular do falecido, principalmente no caso de este ter

filhos anteriores à união [Nas palavras da própria jurista: "Aliás esta é minha

preocupação: como alguém que tem filho e patrimônio pode casar e fazer que o novo

cônjuge não vire herdeiro (nem por concorrência) do patrimônio que possuía antes de

casar? Que regime deveria adotar?" - no segundo texto, enviado via e-mail, em 1º de

maio de 2003. Respondemos à tão pertinente indagação afirmando, como já fizemos

antes, que seria possível ao casal (principalmente ao cônjuge que não pretende "dividir"

seu patrimônio) que se casasse sob o regime de separação de bens (disciplinado,principalmente, pelos artigos 1687 e 1688 do Código Civil).], cumpre lembrar, mais

uma vez, que na interpretação de qualquer dispositivo de lei, esta deve sempre começar,

e ter por limites, a letra da lei, pois, presume-se que o legislador seja capaz de saber se

expressar corretamente.

Acreditamos ter expressado o significado "literal" do dispositivo em análise. Se, por

outro lado, esta interpretação literal não é "justa", cabe trazer à análise argumentos

outros, quer sejam históricos, sistemáticos, ou sociológicos (o que não é, por enquanto,

nossa proposta).

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Neste singelo estudo buscamos tão somente, frise-se, analisar o significado do ponto-e-

vírgula do inciso I do artigo 1829 do Código Civil, nada mais que isso. Não

pretendemos analisar a "justiça" ou a "injustiça" de referido dispositivo de lei.

Deixamos, portanto, tal apreciação para estudos outros que devam começar,

obrigatoriamente, por este, que expressa o sentido literal do dispositivo em análise.

Por outro lado, não podemos deixar de demonstrar nossa indignação à tão flagrante falta

de técnica por parte do nosso Poder Legislativo que, quando se dá ao trabalho de

legislar, o faz sem qualquer critério técnico científico, dificultando o entendimento das

leis, colaborando para o enfraquecimento da segurança jurídica, o que contribui para o

descrédito do Poder Judiciário que se vê na situação de julgar casos "iguais" de

maneiras diferentes, uma vez que um único artigo de lei, muito mal redigido, pode dar

margem à várias interpretações diferentes, e muitas vezes em sentidos opostos.

Cumpre aos membros do Poder Legislativo, (uma vez que, por ditames democráticos,

"qualquer um" pode ser eleito membro do Poder Legislativo - o que possibilita o

ingresso de parlamentares que desconhecem, por completo, as técnicas jurídicas - o que,

a meu ver, não é ruim, pelo contrário, é um aspecto muito positivo da democracia

brasileira), procurem, antes de apresentarem projetos de leis (e durante a análise de tais

projetos) assessoria jurídica competente para, ao menos, minimizar a possibilidade de

promulgação de leis tão mal elaboradas.