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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO REGIONAL DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ CAMPUS DE CAICÓ CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO CLÉCIO ARAÚJO DE LUCENA A SUCESSÃO DOS PADRES: UMA ANÁLISE DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E DO CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO DE 1983 CAICÓ RN 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO REGIONAL DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

CAMPUS DE CAICÓ

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

CLÉCIO ARAÚJO DE LUCENA

A SUCESSÃO DOS PADRES: UMA ANÁLISE DO CÓDIGO CIVIL DE

2002 E DO CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO DE 1983

CAICÓ – RN

2015

CLÉCIO ARAÚJO DE LUCENA

A SUCESSÃO DOS PADRES: UMA ANÁLISE DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E DO

CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO DE 1983

Monografia apresentada ao Curso de Direito da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como

requisito para obtenção do título de Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof. Me. Dimitre Braga Soares de

Carvalho

CAICÓ – RN

2015

Lucena, Clécio Araújo de.

A sucessão dos padres: uma análise do Código Civil de 2002 e do Código de Direito

Canônico de 1983 / Clécio Araújo de Lucena.

- Caicó: UFRN, 2015.

71f.

Monografia - Bacharelado em Direito - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientador: Ms. Dimitre Braga Soares de Carvalho.

1. Clérigos. 2. Direito Canônico. 3. Direito das Sucessões. 4.

Herança. 5. Sucessão dos padres. I. Carvalho, Dimitre Braga Soares de.

II. Título.

CLÉCIO ARAÚJO DE LUCENA

A SUCESSÃO DOS PADRES: UMA ANÁLISE DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E DO

CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO DE 1983

Monografia apresentada ao Curso de Direito da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como

requisito para obtenção do título de Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof.Me. Dimitre Braga Soares de Carvalho

Aprovada em 24 de novembro de 2015.

BANCA EXAMINADORA:

____________________________________________________

Prof. Me. Dimitre Braga Soares de Carvalho – Orientador

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

____________________________________________________

Prof. Me. André Melo Gomes Pereira – Membro da Banca

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

____________________________________________________

Prof. Me. Thomas Kefas de Souza Dantas – Membro da Banca

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Dedico este trabalho a todos os

sucessionistas e canonistas.

AGRADECIMENTOS

Ao Universo, por conspirar favoravelmente a

meu favor, dando-me saúde e força no dia a

dia.

Ao meu amigo e futuro padre Marcos Barbosa,

pela paciência e estímulo ao debater comigo as

primeiras ideias deste trabalho sobre a

sucessão dos padres.

Aos padres Fabiano Maurício e Alcivan

Tadeus, pelas entrevistas a mim concedidas

que possibilitaram a compreensão adequada do

tema.

Ao meu orientador Dimitre Braga, pelas

excelentes dicas propostas em sua orientação.

Aos professores do Curso de Direito do Centro

de Ensino Superior do Seridó (CERES –

UFRN), por contribuírem para a minha

formação pessoal, acadêmica e profissional.

Aos meus pais, por fomentarem os meios

materiais e sentimentais necessários para o

meu desenvolvimento.

À Wanessa, pelo amor, carinho e compreensão

dedicados a mim todo esse tempo.

Aos meus eternos mestres Félix e Fábio, pela

contribuição inestimável na minha formação

enquanto estudante e ser humano.

Aos meus amigos, pelos incentivos constantes

em minha jornada.

Aos colegas de curso, pelas conversas, debates

e trocas de experiências ao longo destes

últimos anos.

“Não tenho medo da morte

Mas medo de morrer, sim

A morte é depois de mim

Mas quem vai morrer sou eu

O derradeiro ato meu

E eu terei de estar presente

Assim como um presidente

Dando posse ao sucessor

Terei que morrer vivendo

Sabendo que já me vou”

(Gilberto Gil)

RESUMO

A herança dos padres é um tema ainda não explorado no campo do Direito das Sucessões.

Este trabalho examinou a sucessão dos padres a partir da análise do Código Civil de 2002 e

do Código de Direito Canônico de 1983, a fim de descobrir se seus bens observavam a

sucessão legítima ou a testamentária, como também se a herança era destinada aos herdeiros

na ordem de vocação hereditária do Código Civil ou à Igreja Católica. Buscou-se ainda

verificar qual dos Códigos prepondera: o Civil ou o Canônico. Apuraram-se diferenças entre

padres: existem os diocesanos e os religiosos. Estes pertencem a um instituto, isto é, uma

congregação ou ordem religiosa, e sua sucessão é a testamentária, como determina o Código

Canônico, devendo-se, observar, contudo, as normas do Código Civil para a validade do

testamento. Já os diocesanos, também denominados clérigos, pertencem a uma diocese, e sua

sucessão pode ser tanto a legítima como também a testamentária previstas no Código Civil,

visto que o Código Canônico nada disciplina no tocante à herança destes últimos. Constatou-

se, ainda em relação aos clérigos, que a Igreja Católica não herda os seus bens quando

falecem, salvo por testamento ou por doação dos herdeiros. Ao final, propomos uma sucessão

legítima diferenciada para os diocesanos, a fim de incluir a Igreja Católica como herdeira em

concorrência com os descendentes, ascendentes e colaterais do falecido.

Palavras-chave: Direito das Sucessões; Direito Canônico; sucessão dos padres; herança;

clérigos e religiosos.

ABSTRACT

The priest’s inheritance is an theme not yet explored in the Succession Law field. This work

examined the succession of priests from the analysis of the Civil Code 2002 and the Code of

Canon Law of 1983, in order to find out if theirs properties observed the legitimate succession

or testamentary, as also the inheritance was destined to heirs in heredity order of the Civil

Code or to Catholic Church. It sought to even check which prevails codes: the Civil or

Canonic. It was found differences between priests: there are diocesans and religious. The

second one belong to an institute, this is, a congregation and religious order, and its

succession is testamentary, as determines Canonic Code, and one should observe, however,

the rules of the Civil Code for the validity of the testament. Already the diocesan, also called

clerics, belong to a diocese, and their succession can be both legitimate as well as

testamentary provided for in the Civil Code, once Code of Canonic Code no discipline

regarding the inheritance of the latter. It was found, also in relation to the clerics, the Catholic

Church does not inherit your assets when die, except by testament or by donation from the

heirs. At end, we propose a different legitimate succession to diocesan, in order to include the

Catholic Church as heir in competition with the descendants, ascendants and collaterals of the

deceased.

Keywords: Law of Succession; Canon Law; succession of priests; inheritance; clerics and

religious.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

art. artigo

cân. cânone

CC Código Civil

CP Código Penal

CPC Código de Processo Civil

d.C. depois de Cristo

ss. seguintes

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10

2 NOÇÕES GERAIS DO DIREITO DAS SUCESSÕES ................................................... 12

3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA VIDA CELIBATÁRIA E CASTA DOS PADRES .... 16

4 O CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO DE 1983 ........................................................... 21

5 DA SUCESSÃO LEGÍTIMA ............................................................................................. 24

5.1 SUCESSÃO LEGÍTIMA DOS DESCENDENTES ....................................................... 25

5.2 SUCESSÃO LEGÍTIMA DOS ASCENDENTES ......................................................... 26

5.3 SUCESSÃO LEGÍTIMA DO CÔNJUGESOBREVIVENTE ....................................... 26

5.4 SUCESSÃO LEGÍTIMA DOS COLATERAIS ............................................................. 28

5.5 SUCESSÃO LEGÍTIMA DA COMPANHEIRA ........................................................... 29

5.6 SUCESSÃO LEGÍTIMA DO COMPANHEIRO HOMOAFETIVO ............................ 30

5.7 ARRECADAMENTO DA HERANÇA EM FAVOR DO MUNICÍPIO, DO DISTRITO

FEDERAL OU DA UNIÃO ................................................................................................. 31

6 DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA ............................................................................... 34

7 DIFERENÇAS ENTRE PADRES DIOCESANOS E PADRES RELIGIOSOS ........... 37

8 DA SUCESSÃO DOS PADRES DIOCESANOS E RELIGIOSOS ................................ 41

8.1 SUCESSÃO DOS RELIGIOSOS ................................................................................... 41

8.2 SUCESSÃO DOS CLÉRIGOS ...................................................................................... 42

9 UMA PROPOSTA DE SUCESSÃO LEGÍTIMA DISTINTA PARA OS CLÉRIGOS 46

10 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 50

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 52

APÊNDICES ........................................................................................................................... 55

ANEXOS ................................................................................................................................. 63

10

1 INTRODUÇÃO

A sucessão dos padres é um tema ainda obscuro na seara do Direito das Sucessões.

Para quem se destina a sua herança: para os herdeiros ou para a Igreja Católica?

O art. 1.829 do Código Civil trata da sucessão legítima. O patrimônio do padre deve

seguir tal artigo ou obedecer alguma norma canônica? Havendo pais vivos, por exemplo, estes

herdam os bens ou a Igreja possui preferência? O que acontece se o padre deixa irmãos,

sobrinhos ou tios? E os parentes de quarto grau – primos, tios-avós e sobrinhos-netos –

também herdam em face da instituição católica ou não? Quando inexistirem herdeiros ou,

havendo, todos renunciem a herança, quem a recebe: a Igreja ou o Município?

Se um eclesiástico romper o celibato e gerar um filho, este recebe os bens daquele

após a morte? Um filho nascido antes da ordenação do padre acarreta consequências

diferentes? É possível haver sucessão do cônjuge ou da companheira – ou companheiro –

sobrevivente ou a Igreja Católica, com fundamento no celibato, é quem de fato herda o

patrimônio do falecido?

Há também outra modalidade de sucessão que é a testamentária. Será que o Código

de Direito Canônico de 1983 estabelece que os padres façam testamento ou isso é uma

faculdade como assim o é no Código Civil de 2002? Existe interferência por parte da Igreja

nos desígnios do padre no momento dele dispor seu patrimônio?

Eis o problema o qual norteará esta pesquisa.

A hipótese suscitada é a de que a Igreja Católica não possui o condão de interferir na

soberania nacional, a ponto de fazer preponderar o Código de Direito Canônico em

detrimento do Código Civil. Desse modo, acredita-se que a sucessão dos padres deve seguir

naturalmente a ordem disciplinada no art. 1.829 da legislação civilista, não sendo a Igreja

considerada herdeira dos bens dos seus eclesiásticos. Possivelmente, pode a legislação

canônica prescrever algo a respeito, determinando a confecção de testamento, por exemplo;

no entanto, tal norma, hipoteticamente, não deve conflitar com a Lei Civil.

A justificativa que motivou a pesquisa acerca do tema aqui proposto dá-se pela

ausência de estudos científicos (artigos científicos, monografia, dissertações, teses, etc.)

tratando sobre a herança dos padres. Ou este tema é tão óbvio que não necessita de

aprofundamentos ou ele, por envolver o Direito Canônico, apresenta abordagens misteriosas e

enigmáticas das quais outros autores preferiram não adentrar. Assim, a relevância do trabalho

se encontra no fato de se tratar de um estudo pioneiro sobre essa temática.

11

Este estudo possui o escopo de analisar a sucessão dos padres, a fim de concluir (i) se

sua herança dá-se por lei ou testamento; (ii) se os bens são destinados à Igreja Católica ou aos

herdeiros mencionados na nossa Lei Civil; e, (iii) qual código prepondera: o Código Civil de

2002 ou o Código de Direito Canônico de 1983.

No tocante à metodologia, a pesquisa será exploratória, com o fito de possibilitar

maior proximidade com o problema, o que, para tanto, envolverá levantamento bibliográfico e

entrevistas com padres como meios de procedimento de coleta.

12

2 NOÇÕES GERAIS DO DIREITO DAS SUCESSÕES

O que dizer do Direito das Sucessões? Dizem por aí, nos corredores das universidades

com os cursos de graduação em Direito e nos fóruns da vida, que se trata do sub-ramo do

Direito Civil que menos interessa os estudantes e os profissionais do mundo jurídico. Se este

fato é verídico, pelo menos não o é para este que aqui vos escreve!

O Direito das Sucessões, para quem se debruça em seu estudo, é simplesmente

apaixonante. Para compreendê-lo de verdade, é preciso ir além: descobrir como as coisas

eram e são durante a vida, para se saber como será depois da morte. Porque suceder, como já

ensinava Pontes de Miranda:

[...] é vir depois, colocar-se após. Após, no Espaço, ou após, no Tempo. No Direito,

suceder é pospor-se no Tempo. Em sentido amplíssimo, sucede todo sujeito que se

sobrepõe, no Tempo, a outro, tomando, na relação jurídica, o lugar que o tinha. Em

sentido mais estreito, mais técnico, suceder é herdar, ou haver por legado, ou haver

por deixa modal: supõe a morte de quem foi sucedido. Em tal acepção é que se fala

de direito de sucessão: sucessão legítima, a que se opera por lei, sem necessidade de

quaisquer intervenções volitivas do sucedendo; testamentária, a em que a vontade

do testador constitui a causa necessária e suficiente, isto é, em que o querer do

sucedendo faz a lei doméstica, a lexprivata, – de eo quod quis post mortem suam

fieri velit. Modo derivativo de aquisição, ex facto hominum.1 (grifo do autor)

Para prosseguir no assunto – e assim compreender a proposta deste trabalho –,

pertinente é, como ponto de partida, enveredar-se pelo conceito de Direito das Sucessões.

Pela doutrina clássica, Carlos Maximiliano conceitua o Direito das Sucessões em duas

vertentes:

[...] em sentido objetivo, é o conjunto de normas reguladoras da transmissão dos

bens e obrigações de um indivíduo em consequência de sua morte. No sentido

subjetivo, mais propriamente se diria – direito de suceder, isto é, de receber o acervo

hereditário de um defunto2. (grifo do autor)

Na doutrina contemporânea, são muitos os ensinamentos de qualidade encontrados. Na

impossibilidade de fazer referência a todos os mestres sucessionistas, citemos, a título

exemplificativo, algumas preleções.

Para o jurista Paulo Lôbo, o Direito das Sucessões “é o ramo do direito civil que

disciplina a transmissão dos bens, valores, direitos e dívidas deixados pela pessoa física aos

1 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. Atualização de Giselda Maria Fernandes

Novaes Hironaka e Paulo Luiz Netto Lôbo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. t. 55, p. 221.

2 MAXIMILIANO, 1952 apud TARTUCE, 2014, p. 2.

13

seus sucessores, quando falece, além dos efeitos de suas disposições de última vontade”3. O

professor Flávio Tartuce, inspirado no Código Civil português, conceitua o Direito em estudo

como “o ramo do Direito Civil que tem como conteúdo as transmissões de direitos e deveres

de uma pessoa a outra, diante do falecimento da primeira, seja por disposição de última

vontade, seja por determinação da lei, que acaba por presumir a vontade do falecido”4.

No mesmo norte, Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

afirmam que o Direito das Sucessões:

[...] trata exclusivamente da sucessão decorrente do falecimento da pessoa.

Emprega-se o vocábulo sucessão em sentido estrito, para identificar transmissão do

patrimônio apenas em razão da morte, como fato natural, de seu titular, tornando-se,

o sucessor, sujeito de todas as relações jurídicas que àquele pertenciam. Também

chamada de direito hereditário, apresenta-se como o conjunto de regras e complexo

de princípios jurídicos pertencentes à passagem da titularidade do patrimônio de

alguém que deixa de existir aos seus sucessores5. (grifo do autor)

A par de grandiosas lições, conceituamos, humildemente, o Direito das Sucessões

como o sub-ramo do Direito Civil que estatui as normas referentes à transmissão da herança

aos herdeiros legítimos e testamentários, em decorrência do falecimento de uma pessoa, na

medida das forças da herança.

Neste cenário sucessório, a morte é a ideia central, visto que não se pode falar em

herança de pessoa viva, tampouco em direito adquirido à herança antes do seu advento; o que

existe é mera expectativa de direito. A exceção aceita por Lei reside na sucessão dos bens do

ausente: inicialmente, provisória, e, em seguida, definitiva, sendo que o ausente será

presumido morto apenas com a abertura da sucessão definitiva6.

3 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2013. p 15.

4 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Sucessões. 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense;

São Paulo: MÉTODO, 2014. v. 6, p. 3.

5 CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões. 4. ed. São

Paulo: RT, 2012. p. 22.

6 FIUZA, Cézar. Direito Civil: Curso Completo. 17. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais; Belo Horizonte: Del

Rey, 2014. p. 1243.

14

No Brasil, quando uma pessoa vem a óbito7, abre-se a sucessão, transmitindo-se a

herança, imediatamente, aos herdeiros legítimos e testamentários. Trata-se do princípio da

saisine insculpido no art. 1.784 do Código Civil de 20028.

O princípio da saisine é proveniente do direito francês. Sua ideia é a transferência da

posse da herança in continenti aos herdeiros9.O droit de saisine surgiu na Idade Média, no

século XIII10.

Segundo os ensinamentos de Marcel Planiol, saisine significa posse, e saisine

héréditaire exprime a concepção do direito que possuíam os parentes do falecido de tomar

posse dos bens deste sem necessitar de qualquer formalidade. O brocardo le mort saisit le vif

difundia essa conjuntura, consignando que os herdeiros se apoderam dos bens, direitos e ações

do morto11.

Conforme a lição de Zeno Veloso:

[...] a morte, a abertura da sucessão e a transmissão da herança aos herdeiros

ocorrem num só momento. Os herdeiros, por essa previsão legal, tornam-se donos

da herança ainda que não saibam que o autor da sucessão morreu, ou que a herança

lhes foi transmitida. Mas precisam aceitar a herança, bem como podem repudiá-la,

até porque ninguém é herdeiro contra a sua vontade. Mas a aceitação tem o efeito –

como diz o art. 1.804 – de tornar definitiva a transmissão que já havia ocorrido por

força do art. 1.784. E, se houver renúncia por parte do herdeiro, tem-se por não

verificada a transmissão mencionada no mesmo artigo (art. 1.804, parágrafo

único)12. (grifo do autor)

Por conseguinte, tem-se que a sucessão ocorrerá nos moldes da lei ou por disposição

de última vontade13, como disciplina o art. 1.786 do Novo Código Civil.

7 Sobre a morte, ensina Ricardo Fiuza o que se segue: “A morte deve provar-se autêntica. No plano biológico,

pela medicina, e no plano jurídico pela certidão passada pelo Oficial do Registro Civil, extraída do registro de

óbito”. FIUZA, Cézar, op. cit., loc. cit.

8 O Código Civil de 1916 introduzira em seu texto o supracitado princípio, com a diferença de que não era a

herança que era transmitida com a abertura da sucessão, mas sim o domínio e a posse daquela. Vejamos: “Art.

1.572. Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e

testamentários”.

9 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil. Coordenação de Sálvio de Figueiredo

Teixeira. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 21, p. 6.

10 JOSSERAND, 1938 apud FIUZA, 2014, p. 1244.

11 PLANIOL, 1915 apud GONÇALVES, 2012, p. 38.

12 VELOSO, Zeno. Novo Código Civil Comentado. Coordenação de Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2002.

p. 1598.

13 Disposição de última vontade, segundo consta no Dicionário Jurídico da professora Maria Helena Diniz,

significa “disposição causa mortis ou testamentária, pela qual o testador dispõe, licitamente, por testamento, de

15

Essas duas modalidades de sucessão serão exploradas neste trabalho, tendo como

cerne da discussão uma personalidade histórico-social bastante conhecida: o padre.

todo ou de parte de seu patrimônio”. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 3. ed. rev., atual. e aum. São

Paulo: Saraiva, 2008. p. 210.

16

3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA VIDA CELIBATÁRIA E CASTA DOS PADRES

Inicialmente, convém assinalar o que se entende por celibato eclesiástico, a fim de

nortear a evolução histórica desta temática. Para tanto, é mister citar as palavras do Cardeal

Alfons Stickler:

A primeira e mais importante premissa para conhecer o desenvolvimento histórico

de qualquer instituição é a identificação do verdadeiro significado dos conceitos

sobre os quais se baseia. No caso do celibato eclesiástico, foi oferecida de maneira

clara e concisa por um dos maiores decretistas: Uguccio Pisa, que na sua

conhecida Summa, composta aproximadamente em 1190, começa o comentário ao

tratado do celibato com estas palavras: “No início desta distinção (Graciano) para

tratar especialmente da continentia clericorum, ou seja, a que devem observar in non

contrahendo matrimonio et in non utendo contracto”.

Nestas palavras é mencionada, com a clareza desejável, uma dupla obrigação: a de

não se casar e a de não usar de um casamento previamente contraído. Isto mostra

que naquela época, ou seja, no final do século XII, ainda havia clérigos maiores que

se tinham casado antes de receber a sagrada Ordenação.14 (grifo do autor)

A primeira menção acerca do celibato eclesiástico que se tem conhecimento remonta

ao século IV. O Concílio de Elvira, na Europa ocidental – atualmente Granada no Sul da

Espanha –, foi o primeiro sínodo que conservou as decisões de forma escrita15. Hefele e

Leclercq chegam a afirmar o seguinte: “Cesynode a été, plus que tout autre,

l'objetdesrecherches et descontroverses de beaucoup de savants”.16 [Este sínodo foi, mais do

que qualquer outro, o objeto de pesquisas e controvérsias de muitos estudiosos] (tradução

nossa). Certamente, um dos principais objetos de análise deste concílio diz respeito à data de

sua realização, devido à dificuldade de precisá-la estreitamente. Cada estudioso defende uma

tese indicando um ano. O que se sabe é que o Concílio de Elvira ocorreu por volta do ano 300

d.C.

O Concílio de Elvira contém 81 cânones. A seguir, destacamos os cânones os quais

identificamos possuírem pertinência com a nossa temática:

14STICKLER, Alfons M. Celibato Eclesiástico: História e Fundamentos Teológicos. Tradução de Pe. Anderson

Alves. Disponível em: <http://www.presbiteros.com.br/site/celibato-eclesiastico-historia-e-fundamentos-

teologicos-2/>. Acesso em: 01 out. 2015.

15 CARVALHO JÚNIOR, Macário Lopes de. Concílios Eclesiásticos no Século IV: Uma Janela para a

Formação do Cristianismo Tardo-antigo. Disponível em:

<http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364917081_ARQUIVO_concilios_no_cristianismo_tardo-

antigo-comcorrecoes.pdf>. Acesso em: 01 out. 2015.

16 HEFELE, Charles Joseph; LECLERCQ, Henri. Histoiredes Conciles d’après les Documents Originaux.

Paris: Letouzey et Ané, 1907. p. 212.

17

Can. 27. Episcopus, vel quilibet alius clericus, aut sororem aut filiam virginem

dicatam Deo tantum secum habeat; extraneam nequaquam habere placuit.

[Cân. 27. Um bispo, como qualquer outro clérigo, apenas tenha consigo uma irmã

ou uma filha virgem consagrada a Deus; ficou decidido que de modo algum tenha

uma estranha <consigo>.]

Can. 33. Placuit in totum prohibere episcopis, presbyteris et diaconibus, vel omnibus

clericis positis in ministerio, abstinere se a coniugibus suis et non generare filios:

quicumque vero fecerit, ab honore clericatus exterminetur.

[Cân. 33. Ficou plenamente decidido impor aos bispos, aos presbíteros e aos

diáconos, como a todos os clérigos no exercício do ministério, a seguinte proibição:

que se abstenham das suas esposas e não gerem filhos; quem porém, o fizer deve ser

afastado do estado clerical.]17(tradução do autor)

Dos cânones supracitados, percebe-se que o cânone 33 é o que está diretamente

relacionado com a questão do celibato. Tal cânone é conhecido como a primeira lei sobre o

celibato18.

O I Concílio de Latrão foi realizado em 1123 e, além de outros assuntos, tratou

também de legislar acerca do celibato eclesiástico.

Can. 3 (al. 7). Presbyteris, diaconibus vel subdiaconibus concubinarum et uxorum

contubernia penitus interdicimus et aliarum mulierum cohabitationem, praeter quas

Synodus Nicaena propter solas necessitudinum causas habitare permisit, videlecet

matrem, sororem, amitam vel materteram aut alias huiusmodi, de quibus nulla valeat

iuste suspicio oriri.

[Cân. 3 (outros 7). Proibimos absolutamente aos sacerdotes, diáconos ou

subdiáconos, conviverem com concubinas ou com esposas e coabitarem com outras

mulheres que aquelas com as quais o Concílio de Nicéia, só por razões de

necessidade, permitiu a coabitação, isto é, a mãe, a irmã, a tia paterna ou materna

ou outras semelhantes, a respeito das quais honestamente não possa surgir alguma

suspeita.]19 (tradução do autor)

O II Concílio de Latrão, datado do ano de 1139, reproduziu a mesma censura do

primeiro no que se refere ao casamento e ao concubinato, como bem se verifica dos seus

cânones 6 e 7:

CANON 6

17 DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos Símbolos, Definições e Declarações de Fé e Moral. Tradução de

José Marino e Johan Konings. São Paulo: Loyola, 2007. p. 49.

18 STICKLER, Alfons M., op. cit.

19 DENZINGER, Heinrich, op. cit., p. 254-255.

18

Summary. Clerics living with women shall be deprived of their office and benefice.

[Os clérigos que vivem com as mulheres devem ser afastados das suas funções e

benefício eclesiástico].

Text. We also decree that those who in the subdiaconate and higher orders have

contracted marriage or have concubines, be deprived of their office and

ecclesiastical benefice. For since they should be and be called the temple of God, the

vessel of the Lord, the abode of the Holy Spirit, it is unbecoming that they indulge in

marriage and in impurities.

[Nós também decretamos que, aqueles que no subdiaconato e ordens superiores

tenham contraído casamento ou tenham concubinas, serão afastados das suas

funções e benefício eclesiástico. A partir do momento que eles são chamados ao

templo de Deus, ao navio do Senhor, à morada do Espírito Santo, é inconveniente

que eles desfrutem do casamento e de impurezas].

CANON 7

Summary. Masses celebrated by members of the clergy who have wives or

concubines are not to be attended by anyone.

[Missas celebradas por membros do clero que possuem esposas ou concubinas não

sejam frequentadas por ninguém].

Text. Following in the footsteps of our predecessors, the Roman pontiff s Gregory

VII, Urban, and Paschal, we command that no one attend the masses of those who

are known to have wives or concubines. But that the law of continence and purity,

so pleasing to God, may become more general among persons constituted in sacred

orders, we decree that bishops, priests, deacons, subdeacons, canons regular, monks,

and professed clerics(conversi) who, transgressing the holy precept, have dared to

contract marriage, shall be separated. For a union of this kind which has been

contracted in violation of the ecclesiastical law, we do not regard as matrimony.

Those who have been separated from each other, shall do penance commensurate

with such excesses.

[Seguindo as pegadas dos nossos antecessores, o pontífice romano Gregório VII,

Urban, e Pascal, nós determinamos que ninguém assista às missas daqueles que são

conhecidos por terem esposas ou concubinas.Mas para que a lei da continência e

pureza, tão agradável a Deus, possa tornar-se mais generalizada entre as pessoas

constituídas em ordens sagradas, nós decretamos que bispos, padres, diáconos,

subdiáconos, cânones regulares, monges e clérigos professos (convertidos) que,

transgredindo o preceito sagrado, atreveram-se a contrair matrimônio, devem ser

separados. Para uma união desse tipo que tenha sido contratado em violação da lei

eclesiástica, nós não consideramos como matrimônio. Aqueles que foram separados

uns dos outros, devem fazer penitência proporcional com tais excessos].20 (tradução

nossa)

A partir deste sínodo, iniciou-se a proibição da descendência sacerdotal. O Concílio

Lateranense II, em seu cân. 16, não permite a sucessão dos filhos dos sacerdotes em seus

cargos tampouco o recebimento de suas heranças. Ainda o cân. 21 exclui os descendentes dos

20 MEDIEVAL Sourcebook. The Canons of the Second Lateran Council, 1123. Disponível em:

<http://legacy.fordham.edu/halsall/basis/lateran2.asp>. Acesso em: 02 out. 2015.

19

presbíteros do ministério sacerdotal, exceto se já houvessem ingressado como monge ou

cônego na vida comunitária regular21.

Realizado em 1179, o III Concílio de Latrão reiterou as normas já tratadas nos

concílios anteriores, tornando precisos os termos. O cân. 11, por exemplo, proibiu os clérigos

de visitarem os mosteiros femininos sem motivo aparente, como também o concubinato e a

sodomia.

O IV Concílio de Latrão, realizado em 1215 sob liderança do papa Inocêncio III,

resultou em 70 cânones que legiferavam sobre as heresias, previa punições, exclusões e

diversas modificações na organização eclesial. Entre os concílios ecumênicos da Idade Média,

este Concílio Lateranense foi o maior de todos22. “Esse concílio também manteve a proibição

dos filhos de cônegos das igrejas seculares de herdarem dos pais os cargos eclesiásticos”23.

É possível ainda encontrar, em outros sínodos, cânones que exortam o celibato ou

mesmo o colocam de maneira impositiva prevendo sanções no caso de descumprimento pelos

clérigos. Ademais, a práxis celibatária da Igreja Oriental era diferente da Igreja Ocidental,

razão pela qual nos detivemos apenas aos aspectos históricos desta24.

Atualmente, o Código de Direito Canônico de 198325 também não deixou de

preceituar o celibato.

Cân. 247 — § 1. Preparem-se com a educação conveniente para guardar o estado de

celibato, e aprendam a considerá-lo como dom especial de Deus.

§ 2. Dê-se aos alunos a devida informação acerca das obrigações e dos encargos

próprios dos ministros sagrados da Igreja, sem se lhes ocultar nenhuma das

dificuldades da vida sacerdotal.

Cân. 277 — § 1. Os clérigos têm obrigação de guardar continência perfeita e

perpétua pelo Reino dos céus, e portanto estão obrigados ao celibato, que é um dom

peculiar de Deus, graças ao qual os ministros sagrados com o coração indiviso mais

21 SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da; LIMA, Marcelo Pereira. A Reforma Papal, a Continência e o

Celibato Eclesiástico: Considerações Sobre as Práticas Legislativas do Pontificado de Inocêncio III (1198-1216).

In: História: Questões & Debates, Curitiba: Editora UFPR, n. 37, p. 83-109, 2002.

22 ARRUDA; Fabiana dos S. A Dimensão Pastoral do IV Concílio de Latrão. Disponível em:

<http://www.cih.uem.br/anais/2011/trabalhos/158.pdf>. Acesso em: 19 out. 2015.

23 SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva; LIMA, Marcelo Pereira, op. cit.

24 Como constatação do disciplinamento diferenciado da Igreja no oriente em contraste com a do ocidente,

reportamos o fato daquela não ser regida pelo Código de Direito Canônico de 1983, e sim pelo Código de

Cânones das Igrejas Orientais, datado de 1990.

25 O Código de Direito Canônico de 1983 está disponível para consulta pública no sítio do Vaticano:

http://www.vatican.va/archive/cod-iuris-canonici/portuguese/codex-iuris-canonici_po.pdf.

20

facilmente podem aderir a Cristo e mais livremente conseguir dedicar-se ao serviço

de Deus e dos homens.

§ 2. Os clérigos procedam com prudência para com as pessoas, cuja convivência

possa constituir perigo para a obrigação de guardarem continência ou redundar em

escândalo para os fiéis.

§ 3. Compete ao Bispo diocesano dar normas mais determinadas nesta matéria e

emitir juízo sobre a observância desta obrigação nos casos particulares.

Ao perpassar, sumariamente, pelos principais concílios até chegar ao Código de

Direito Canônico, duas correntes apontam os fundamentos do celibato eclesiástico. De um

lado, têm-se os eclesiásticos que revelam o celibato como dom divino, admitindo-o apenas a

partir de uma explicação teológica.

O sacerdócio da Igreja Católica se manifesta, pois, como um mistério inserido, por

sua vez, no mistério da Igreja. Quaisquer das questões que estão relacionadas com

ele e sobretudo o problema grave e sempre atual do celibato, não pode ser

considerado e resolvido por argumentos puramente antropológicos, psicológicos,

sociológicos e, em geral, profanos e terrenos. Este problema, aliás, não pode ser

resolvido com puras disposições disciplinares. Todas as manifestações da vida e das

atividades do sacerdócio, a sua natureza e identidade, requerem, acima de tudo, uma

justificação teológica.26

Noutro diapasão, os historiadores, exercendo seu mister, vão além, apresentando outro

fundamento que não apenas o de dedicar-se à função eclesiástica, qual seja, a necessidade de

proteger os bens da Igreja Católica.

A imposição do celibato aos clérigos regulares [religiosos] e aos seculares

[diocesanos] das ordens maiores estava relacionada a uma série de questões práticas,

tais como a preocupação com a preservação do patrimônio eclesiástico e a

necessidade destes indivíduos dedicarem-se integralmente às funções eclesiásticas27.

Filiamo-nos à segunda linha de pensamento. Pela análise dos vários cânones dos

sínodos aqui expostos, é possível inferir a “preocupação” da Igreja Católica de não mais

permitir clérigos casados, como também impossibilitar seus descendentes de se beneficiarem,

através da herança do falecido, dos bens e benefícios eclesiásticos. Evidentemente, não

refutamos a ideia da continência como instrumento para melhor servir ao múnus sacerdotal;

apenas não visualizamos ser esse pensamento o único sustentáculo para tal obrigação.

26 STICKLER, Alfons M., op. cit.

27 SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da; LIMA, Marcelo Pereira, op. cit.

21

4 O CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO DE 1983

O Código de Direito Canônico é o principal documento legislativo da Igreja Católica

de rito latino. De modo comparativo, o Código Canônico está para a Igreja Católica assim

como a Constituição Federal de 1988 está para o Brasil e o ordenamento jurídico brasileiro.

Estruturalmente, possui 1752 cânones, e é dividido em sete Livros, cujas intitulações serão

vistas a seguir.

O Livro I do citado Código estabelece as normas gerais, e já no cân. 1 deixa claro que

os cânones pertencentes àquele referem-se unicamente à Igreja Latina. Como fora ressaltado

antes, a Igreja Oriental é regida por um código distinto, qual seja, o Código de Cânones das

Igrejas Orientais de 1990. Dispõe tal Livro sobre as leis eclesiásticas, o costume, os decretos

gerais e as instruções, os atos administrativos singulares, os estatutos e regulamentos, as

pessoas físicas e jurídicas, os atos jurídicos, o poder de governo28, os ofícios eclesiásticos, a

prescrição e o cômputo do tempo.

Já o Livro II trata “Do Povo de Deus” e encontra-se dividido em três partes. A Parte I

possui como foco os fiéis e aborda as obrigações e direitos de todos os fiéis, as obrigações e

direitos dos fiéis leigos, os ministros sagrados ou clérigos, as prelaturas pessoais, como

também as associações de fiéis. A Parte II, por sua vez, dedica-se à constituição hierárquica

da Igreja, disciplinando acerca de sua autoridade suprema, assim como das Igrejas

particulares e dos seus agrupamentos. E a Parte III completa aquele Livro ao versar a respeito

dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica.

“Do múnus de ensinar da Igreja” é o que está disposto no Livro III do Código de

Direito Canônico, instituindo sobre o ministério da palavra divina, a ação missionária da

Igreja, a educação católica, os meios de comunicação social e a profissão de fé.

Igualmente, o Livro IV – “Do múnus santificador da Igreja” – é dividido em três

partes. A Parte I fala a respeito dos sacramentos, os quais se referem ao batismo, ao

sacramento da confirmação, à santíssima Eucaristia, ao sacramento da penitência, ao

sacramento da unção dos doentes, à ordem, bem como ao matrimônio. A Parte II rege os

outros atos do culto divino, sendo eles os sacramentais, a liturgia das horas, as exéquias

eclesiásticas, o culto dos santos, as sagradas imagens e as relíquias, o voto e o juramento. A

Parte III regula os lugares e os tempos sagrados.

28 Sobre o poder de governo, interessante é a sua divisão no âmbito do Direito Canônico, conforme o cân. 135,

ao fazer menção aos três Poderes: “O poder de governo divide-se em legislativo, executivo e judicial.”

22

O Livro V diz respeito aos bens temporais da Igreja. Esse Livro dispõe acerca da

aquisição e administração daqueles bens, dos contratos – principalmente da alienação –, das

vontades pias em geral e das fundações pias.

As sanções na Igreja vêm elencadas no Livro VI, o qual é composto por duas partes. A

Parte I trata dos delitos e das penas em geral29, entabulando acerca da punição dos delitos em

geral, da lei penal e do preceito penal, da pessoa sujeita às sanções penais, das penas e das

outras punições, da aplicação das penas e ainda da cessação destas. A Parte II (“Das penas

contra cada um dos delitos”), por sua vez, seria, em comparação com o nosso Código Penal, a

Parte Especial deste, abordando os crimes em espécie. No âmbito do Código de Direito

Canônico, são eles: I) dos delitos contra a religião e a unidade da Igreja; II) dos delitos contra

as autoridades eclesiásticas e contra a liberdade da Igreja; III) da usurpação das funções

eclesiásticas e dos delitos no exercício das mesmas; IV) do crime de falsidade; V) dos delitos

contra obrigações especiais; VI) dos delitos contra a vida e a liberdade do homem; e, VII)

norma geral.

Por fim, o Livro VIII disciplina, em cinco partes, sobre os processos. A Parte I – “Dos

juízos em geral” – estatui o foro competente, os vários graus e espécies de tribunais, a

disciplina a observar nos tribunais, as partes na causa e as ações e exceções. A Parte II

estabelece normas no que atina ao juízo contencioso, o qual se subdivide em juízo

contencioso ordinário e processo contencioso oral, enquanto a Parte III complementa a

processualística com alguns processos especiais, como, por exemplo, os processos

matrimoniais. Essas três primeiras partes harmonizam-se bastante, formando a base do Direito

Processual Civil Canônico; aliás, seus cânones se referem a figuras, institutos e atos muito

semelhantes com a do Direito Processual Civil brasileiro, dentre eles: o juiz, o promotor de

justiça, o advogado, as partes, a intervenção de terceiros, a ação, a petição (inicial), a citação,

a contestação, as provas30, a sentença, a apelação, a execução, etc. Já a Parte IV prescreve as

29 Neste ponto, curioso notar que o Direito Penal Canônico possui vários institutos semelhantes ao do Direito

Penal pátrio, com as suas devidas adaptações, é claro, devido o fim que as normas canônicas buscam alcançar.

Dentre eles, podemos citar: i) o princípio da retroatividade da lei penal benéfica (cân. 1313); ii) o dolo e a culpa

(cân. 1321); iii) a inimputabilidade (cân. 1323, 1.º), sendo que, enquanto no Código Penal brasileiro são

penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos (art. 27/CP), para o Código de Direito Canônico os

são os que ainda não tenham completado 16 (dezesseis) anos de idade; iv) a legítima defesa (cân. 1323, 5.º); v) a

embriaguez, a perturbação mental e a paixão (cân. 1324, 2.º e 3.º); vi) a reincidência enquanto circunstância

agravante (cân. 1326); vii) a desistência voluntária (cân. 1328, § 2.); viii) o concurso de pessoas; ix) o crime

consumado e tentado (cân. 1330); e, x) a prescrição (cân. 1362).

30 É válido ainda acrescentar que o sistema de provas do Código de Direito Canônico (cân. 1526 e ss.) é bastante

similar com o do nosso Código de Processo Civil (art. 332 e ss.), quando prevê a confissão ou qualquer outra

declaração, as provas documental, testemunhal e pericial, e ainda a inspeção judicial. A diferença reside em uma

23

normas de processo penal (canônico). Por último, a Parte V normatiza sobre o modo de

proceder nos recursos administrativos e na remoção ou transferência dos párocos.

única prova para cada código: enquanto o CPC autoriza também a exibição de documento ou coisa, o Código

Canônico admite as presunções como meio probatório.

24

5 DA SUCESSÃO LEGÍTIMA

O Livro V da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), trata acerca do

Direito das Sucessões, matéria estritamente atrelada ao objeto deste trabalho. Neste momento,

lançar-nos-emos sobre o Título II do referido Livro, o qual dispõe sobre a sucessão legítima.

Os doutrinadores Flávio Tartuce e José Fernando Simão afirmam que “em se tratando

de sucessão legítima cabe à lei indicar a ordem de vocação hereditária, ou seja, quem são as

pessoas chamadas a suceder”31.

O Capítulo I – Da Ordem de Vocação Hereditária – traz, já em sede inicial, um dos

artigos mais importantes do direito sucessório, a nosso ver, pois determina a sequência dos

herdeiros legitimados a receber a herança: o art. 1.829. Por tal razão, inevitável não

transcrevê-lo. Vejamos:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado

este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação

obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão

parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

O artigo acima anuncia bem o objetivo do legislador: na inexistência de testamento,

presumem-se quais são as pessoas mais próximas do finado para fins de divisão do

patrimônio. Nas palavras de Silvio Rodrigues, “a lei cuida do destino de seu patrimônio, ou

do destino dos bens não abrangidos no testamento, determinando que irão para certas pessoas

de sua família e, na falta destas, para o Poder Público”32.

A professora Maria Helena Diniz ensina que:

Na sucessão legítima convocam-se os herdeiros segundo tal ordem legal, de forma

que uma classe só será chamada quando faltarem herdeiros da classe precedente. A

relação é, sem dúvida, preferencial; há uma hierarquia de classes obedecendo a uma

31 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito das Sucessões. 5. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012. v. 6, p. 116.

32 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Sucessões. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 7,

p. 93.

25

ordem, porque a existência de herdeiro de uma classe exclui o chamamento à

sucessão dos herdeiros da classe subsequente.33

Tal dispositivo é a alavanca para a discussão do tema a que nos propomos.

Como se dá a sucessão legítima dos padres? Qual norma deve prevalecer: o art. 1.829

do Código Civil de 2002 ou alguma norma de Direito Canônico? Como funciona a ordem de

vocação hereditária destes religiosos? Os bens são destinados às pessoas indicadas na

sequência dos incisos do supracitado artigo ou vão para a Igreja Católica?

É o que se verá adiante.

5.1 SUCESSÃO LEGÍTIMA DOS DESCENDENTES

O art. 1.829, em seu inciso I, do Código Civil, autoriza a sucessão em prol dos

descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Essa é a regra. Excetua, no

entanto, três situações em que o cônjuge supérstite não concorrerá com os descendentes: I)

quando casado com o falecido no regime da comunhão universal; II) quando casado com o

falecido no regime da separação obrigatória de bens; e, III) quando, no regime da comunhão

parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.

Não é de hoje que se houve falar de padres que tiveram filhos no exercício da

atividade clerical, isto é, na constância do celibato e da castidade estabelecidos pela Igreja.

Não é o nosso alvo exemplificar o que aqui expomos com casos concretos de padres que

caíram na mídia em razão desse fato. Decididamente, não! Embora trate de questões

polêmicas, nosso estudo não visa se debruçar sobre os aspectos morais, e sim tão somente os

aspectos jurídicos.

Então, se um padre rompe a castidade pregada pela Igreja Católica e, em decorrência

disso, engravida uma mulher e esta vem dar à luz um filho seu, e, no futuro, o eclesiástico

falece, para quem ficam os seus bens? O filho sub-roga-se no patrimônio de seu genitor em

face da instituição católica ou esta, mesmo em tais casos, arrecada o patrimônio do seu

sacerdote?

Vale também registrar os casos de homens que, antes de serem ordenados padres, já

possuíam filhos. Imagine o seguinte exemplo. João – porque ninguém mais suporta Caio,

33 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 24. ed. São Paulo: Saraiva,

2010. v. 6. p. 104-105.

26

Tício e Mévio – casa-se com Maria e, como fruto natural do matrimônio, nasce Francisco.

Maria morre, e João fica viúvo, com a incumbência de educar e criar seu filho. Os anos voam,

Francisco cresce, e João resolve se tornar padre... E consegue! É um exemplo perfeitamente

possível de se concretizar na realidade e que não envolve a discussão sobre a ruptura da

castidade, já que o descendente foi concebido bem antes do sacerdócio. Fazemos os mesmos

questionamentos acima, indo além: um caso assim em que o clérigo já possuía um filho bem

antes da sua ordenação ocasionaria consequências diferentes?

5.2 SUCESSÃO LEGÍTIMA DOS ASCENDENTES

O inciso II do art. 1.829 estabelece que, não havendo descendentes, sucederá os

ascendentes – pais, avós, etc. –, juntamente com o cônjuge.

Pois bem,é plenamente possível que um padre venha a óbito no vigor da idade

celibatária, deixando ainda vivos algum ou alguns ascendentes, como, por exemplo, seus

próprios genitores. Levando em consideração esta informação, como também o fato de ele

não ter realizado disposição de última vontade, a quem incumbiria o destino dos bens desse

padre: aos seus pais ou à Igreja?

5.3 SUCESSÃO LEGÍTIMA DO CÔNJUGESOBREVIVENTE

O cônjuge supérstite nem sempre ocupou lugar de prestígio como atualmente se vê no

Código Civil de 2002. Realizando um escorço histórico, Sílvio de Salvo Venosa nos ensina

como ocorria a sucessão do cônjuge em Roma, perpassando pelo nosso ordenamento jurídico:

No Direito Romano, não havia propriamente sucessão do cônjuge, já que a

transmissão se efetuava pela linha masculina. Apenas na última fase do Direito

Romano, já com Justiniano, é que se permitiu à mulher suceder nos bens do marido,

estabelecendo-se uma possibilidade de usufruto, concorrendo com filhos.

No direito anterior ao Código de 1916, o cônjuge sobrevivente estava colocado em

quarto grau na escala hereditária, após os colaterais de décimo grau. Tornava-se

praticamente inviável a sucessão do viúvo ou viúva. Apenas em 1907, com a

chamada “Lei Feliciano Pena”, Lei nº 1.839, é que o supérstite passou a herdar em

terceiro lugar.

27

No Código de 1916, o cônjuge herdava na ausência de descendentes ou ascendentes

e desde que não estivessem separados.34

A grande novidade no Novo Código Civil foi a colocação do cônjuge sobrevivente

concorrendo com os descendentes e os ascendentes (CC, art. 1.829, I e II). Na inexistência

destes, aquele herda sozinho em terceiro grau na escala hereditária (CC, art. 1.829, III).

De acordo com Zeno Veloso, nossa Lei Civil seguiu uma tendência universal ao

considerar o cônjuge como herdeiro necessário ao lado dos descendentes e ascendentes, o que

melhorou, de forma relevante, a sua posição na sucessão legítima35. Tal previsão encontra-se

insculpida no art. 1.845 da codificação de 200236. Como efeito prático disso, tem-se que,

havendo herdeiros necessários, o testador apenas poderá dispor da metade da herança, pois a

outra metade dos bens da herança é justamente a legítima, a qual pertence, de pleno direito,

aos herdeiros necessários, isto é, aos descendentes, aos ascendentes e ao cônjuge (CC, arts.

1.789 c/c 1.846)37.

Pois bem, feitas estas breves considerações históricas acerca da sucessão do cônjuge,

eis o momento de discutirmos um tema bastante polêmico.

“Padres não podem se casar!”. Essa é a frase que todos, certamente, já ouviram em

algum momento. Por quê? Bem, as respostas são as mais variadas possíveis, principalmente

quando partem do “achismo” das pessoas. Na parte histórica, no início deste trabalho,

apresentamos a tese de que a Igreja Católica proibiu o casamento dos eclesiásticos pelo fato

de que suas mulheres e filhos herdavam os seus bens, como também a Igreja viu a

necessidade de exigir dos padres uma maior dedicação para a vida sacerdotal. Entretanto, o

que interessa para este trabalho é a apreciação do tema a partir do disposto no Código de

Direito Canônico de 1983 e do Código Civil de 2002.

34 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 7, p. 115.

35 VELOSO, Zeno. Direito Hereditário do Cônjuge e do Companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 25.

36 Trazendo à baila um pouco de Direito Comparado, o jurista Zeno Veloso assim leciona: “A reserva hereditária

não é conhecida no direito anglo-saxão (Inglaterra, Estados Unidos), que, num individualismo exacerbado,

confere liberdade praticamente absoluta para que o indivíduo disponha de seus bens para depois da morte, ainda

que tenha descendentes, ascendentes, cônjuge. Nos países de raiz latina, porém, a liberdade de testar é limitada e

tem de observar o instituto da legítima; o testador precisa resguardar o que, por força da lei, é destinado aos

herdeiros necessários. A legítima é uma figura construída com base em regras jurídicas, éticas, morais,

econômicas, considerando sobretudo a necessidade de preservar e defender os interesses da família.” Ibidem, p.

26.

37 Essa compreensão sobre a sucessão legítima é de suma importância, pois trata-se do liame inicial para adentrar

na sucessão testamentária, a qual será tratada em capítulo próprio.

28

Não é permitido o casamento de um padre em razão da vida celibatária que é imposta

a ele pela Igreja Católica. Trata-se, destarte, de uma obrigação, conforme se extrai dos

cânones 247 e 277 do Código de Direito Canônico.

Será que, após a ordenação de um padre, ele consegue violar o celibato, casar-se e

ainda continuar exercendo seu sacerdócio clerical? Se for possível, como ficaria a sua

sucessão legítima: a herança iria para o cônjuge, para a Igreja ou seria repartida entre ambos?

5.4 SUCESSÃO LEGÍTIMA DOS COLATERAIS

O mesmo artigo, em seu inciso IV, defere a ordem de sucessão legítima aos colaterais,

cujo chamamento não ultrapassará o quarto grau38. Conforme Carlos Roberto Gonçalves,

trata-se de uma tendência do Direito das Sucessões no sentido de restringir cada vez mais o

alcance da escala hereditária no tocante aos colaterais, visando à equivalência entre a sucessão

e os alimentos do Direito de Família39. Por óbvio, a regra presente em nosso ordenamento é a

de que os parentes mais próximos afastam os mais longínquos40.

Assim, não havendo os herdeiros mencionados anteriormente, passa-se a suceder,

seguindo a ordem dos colaterais, primeiramente os irmãos do de cujus, quer sejam bilaterais

ou unilaterais41.

Na ausência de irmãos, concorrerão à herança os filhos destes, isto é, os sobrinhos do

falecido. Na falta de sobrinhos, herdarão os tios, nos termos do art. 1.843 da Lei Civil.

Embora tanto os sobrinhos como os tios sejam colaterais de terceiro grau, o legislador achou

por bem estabelecer como parente sucessível primeiro os sobrinhos em detrimento dos tios.

Trata-se, como se apercebe, das presunções que o Direito costuma fazer em um ou outro

38 A título meramente informativo, o Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916) previu,

inicialmente, em seu art. 1.612, que os colaterais passíveis de sucessão seriam até o sexto grau. O Decreto-Lei nº

8.207, de 1945, alterou a redação deste artigo, estabelecendo a sucessão dos colaterais até o terceiro grau. Por

fim, o Decreto-Lei nº 9.461, de 1946, modificou também o mesmo artigo, a fim de permitir a sucessão dos

colaterais até o quarto grau. Como se observa do art. 1.839 do Código Civil de 2002, tal regra foi mantida.

39 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 7. ed. São Paulo: Saraiva,

2013. v. 7, p. 201.

40 Vide art. 1.840 de Código Civil.

41 Bilaterais são os irmãos oriundos dos mesmos pais, enquanto unilaterais são os irmãos ligados pela

consanguinidade com apenas um dos genitores. Quanto ao quinhão que lhe cabe em razão da herança, conferir os

arts. 1.841 e 1.842 do Código Civil.

29

aspecto. Neste caso, presumiu-se que, não deixando o morto testamento, os sobrinhos seriam

então mais próximos afetivamente àquele do que os tios, o que justificaria essa ordem

sucessiva, ao invés de concorrente.

Como o art. 1.839 estabelece que “serão chamados a suceder os colaterais até o

quarto grau”, então, não havendo sobrinhos nem tios do de cujus, devem participar da divisão

da herança os primos, os tios-avós e os sobrinhos-netos.

Feitas essas considerações, questiona-se: é impossível um padre falecer sem deixar

irmãos vivos? Seria um evento raro ele morrer e não haver sobrinhos ou tios capazes de serem

chamados a suceder? Ou ainda: se primos são os parentes que as pessoas costumam ter aos

montes, não seria algo até convencional a existência destes herdeiros na falta dos anteriores?

Como nada obsta que um clérigo, ao partir para o Reino dos Céus, deixe em vida

quaisquer dos parentes supracitados, indaga-se ainda: a sua herança deve ser partilhada nos

moldes do que determina o Código Civil brasileiro ou será direcionada para a Igreja Católica?

Como será a ordem de vocação hereditária? Serão chamados a suceder os irmãos do padre

falecido e, por conseguinte, diante da ausência daqueles, os sobrinhos, tios, primos,

sobrinhos-netos e tios-avós, na ordem civilista, ou a Igreja teria preferência ou prevalência

quanto à destinação do espólio?

5.5 SUCESSÃO LEGÍTIMA DA COMPANHEIRA

Embora não esteja localizada no Título II – Da Sucessão Legítima – do Código Civil,

o art. 1.790 que trata da companheira e do companheiro também se refere à sucessão legítima.

É como afirma Zeno Veloso:

[...] sem dúvidas, o companheiro é sucessor legítimo, mas o Código Civil dedica ao

tema o art. 1.790 que está no capítulo denominado ‘Das Disposições Gerais’. A

sucessão dos companheiros, por óbvio, tinha de ficar no capítulo que regula a ordem

de sucessão hereditária. Estamos diante de uma topografia ilógica42

Carlos Roberto Gonçalves complementa:

O art. 1.790 do Código Civil [...] preceitua que a companheira ou o companheiro

participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos na vigência da união

42 VELOSO, Zeno, Código Civil Comentado. Coordenação de Ricardo Fiúza e Regina Beatriz Tavares da

Silva. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 2009.

30

estável, sem receber, no entanto, o mesmo tratamento do cônjuge sobrevivente, que

tem maior participação na herança e foi incluído no rol dos herdeiros necessários, ao

lado dos descendentes e ascendentes.43

Vejamos então a posição que ocupa o companheiro no susodito artigo:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,

quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas

condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por

lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do

que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Como se infere da leitura do artigo, diferentemente do cônjuge, o companheiro

concorre com os colaterais até o quarto grau, pois o inciso III, ao falar “outros parentes

sucessíveis”, está fazendo alusão aos ascendentes e aos irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-

avós e sobrinhos-netos.

É possível um padre viver em união estável com uma mulher sem o conhecimento da

Igreja e, após seu falecimento, tal fato gerar uma disputa de herança?

5.6 SUCESSÃO LEGÍTIMA DO COMPANHEIRO HOMOAFETIVO

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental 132/RJ e a Ação Direta de

Inconstitucionalidade4277/DF, utilizando da técnica da interpretação conforme para

reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Vejamos um trecho da ementa da ADPF 132/RJ:

[...] 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM

CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA

INTERPRETAÇÃO CONFORME). RECONHECIMENTO DA UNIÃO

HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a

possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art.

43 GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., p. 190.

31

1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a

utilização da técnica de interpretação conforme à Constituição. Isso para excluir do

dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união

contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família.

Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas

consequências da união estável heteroafetiva.(STF - ADPF: 132 RJ , Relator: Min.

AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de

Publicação: DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-

02607-01 PP-00001)

O art. 1.723 do Código Civil, alvo do debate, estabelece, em seu caput, que é

“reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada

na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de

família”.

Com isso, reconhecida a união estável entre casais homoafetivos, com a morte de um,

o outro companheiro terá seus direitos sucessórios resguardados e herdará, como sucessor

legítimo que é, nos mesmos moldes de casais heteroafetivos, com base no art. 1.790 da nossa

Lei Civil de 2002.

Fazemos assim a mesma pergunta do tópico anterior, com a devida adaptação: é

possível um padre viver em união estável com um homem sem o conhecimento da Igreja e,

após seu falecimento, tal fato gerar uma disputa de herança?

5.7 ARRECADAMENTO DA HERANÇA EM FAVOR DO MUNICÍPIO, DO DISTRITO

FEDERAL OU DA UNIÃO

Ao final, não sendo encontrado nenhum parente sucessível, cônjuge ou companheiro,

ou, caso localizados, tenham todos renunciados às suas quotas-parte, a herança será destinada

ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União,

quando situada em território federal, como dispõe o art. 1.844 do Código Civil pátrio44.

Conforme dispõe ainda o art. 1.822 do mesmo diploma civil, os herdeiros que

legalmente se habilitarem não serão prejudicados com a declaração de vacância da herança.

44 “Recolhendo a herança, o Poder Público, antes da vigência da Lei n. 8.049/90, obrigado estava a aplicá-la em

fundações destinadas a desenvolver o ensino universitário (Dec.-lei n. 8.207/45, art. 3º e Dec. estadual paulista n.

23.296/85). Com a modificação da Lei n. 8.049/90, aqueles decretos foram revogados e pelo atual Código Civil

os bens vacantes passam para o domínio dos Municípios ou ao Distrito Federal para a atribuição que entenderem

mais pertinente ao interesse público”. DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 17. ed. São Paulo: Saraiva,

2014. p. 1413.

32

Entretanto, transcorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao

domínio dos referidos entes federativos, a depender da sua localização.

É bom frisar que o Poder Público não é herdeiro, dado que não lhe é reconhecido o

direito de saisine. Como destaca Gonçalves, ele recolhe a herança na falta de herdeiros e nos

casos em que o autor da herança morre ab intestato, isto é, sem deixar testamento45.

Na análise final dessa cadeia sucessória, quando não existirem herdeiros ou, havendo,

todos renunciarem, deve a herança do referido sacerdote ser deferida ao Município ou à

Igreja?

As exposições feitas até este momento servem para colocar em evidência o art. 1.829

do Código Civil de 2002 – e também o art. 1.790 – diante da problemática lançada: a quem se

destina o patrimônio dos padres?

Em resumo, não obstante as provocações efetuadas, é importante ter em mente sobre a

sucessão legítima a preferência que a lei estabelece.

A ordem de vocação hereditária é a relação preferencial, estabelecida pela lei, das

pessoas que são chamadas a suceder o finado.

[...]

Disse que a relação é preferencial porque, em tese, a existências de herdeiros de uma

classe exclui o chamamento à sucessão dos herdeiros da classe subsequente,

ressalvada a situação do cônjuge, que concorre com os descendentes e com os

ascendentes [...].46

Em seguida, é imperioso ainda visualizar que se segue a sucessão legítima quando da

inexistência de testamento. Essa é a regra geral. Todavia, Tartuce e Simão elencam outras

situações que merecem ser observadas:

Podem ser imaginadas algumas situações em que a ordem de vocação hereditária, ou

seja, o chamamento legal será aplicado. Na primeira delas, lembre-se a hipótese em

que o falecido não deixou ato de última vontade, situação em que a vontade do

morto é substituída pela da lei. Em uma segunda hipótese, o falecido fez testamento

dispondo apenas sobre parte de seus bens, situação em que a parte do patrimônio

não contemplada pelo instrumento seguirá as regras da sucessão legítima.

Por fim, também são aplicadas as regras da sucessão legítima na hipótese de

nulidade do testamento (testamento existente, mas inválido) ou de sua caducidade

(testamento existente, válido, mas ineficaz) [...].”47

45 GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., p. 202-203.

46 RODRIGUES, Silvio, op. cit., p. 94.

47 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito das Sucessões. 5. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012. v. 6, p. 116.

33

Destarte, trata-se do link necessário para ensejar, a partir de então, o aprofundamento

do tema e a análise sob a ótica da sucessão testamentária.

34

6 DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Outra forma de sucessão é a testamentária. O autor da herança possui a faculdade de

fazer o testamento dispondo dos seus bens, destinando-os a quem desejar, seja um herdeiro de

sua preferência, um filho que se fez mais presente em sua vida e o amparou na velhice, um

parente que não seria beneficiado pela sucessão legítima em razão da ordem estabelecida pelo

art. 1.829 do Código Civil, um amigo, uma fundação, uma igreja, dentre milhares de

possibilidades.

No que se refere ao surgimento da sucessão testamentária, Pontes de Miranda leciona

que ela, em todos os povos, é posterior à legítima, como também que predominava a

intervenção de autoridades religiosas e políticas nas primeiras práticas testamentárias48.

Para Flávio Tartuce, o testamento “representa, em sede de Direito das Sucessões, a

principal forma de expressão e exercício da autonomia privada, da liberdade individual, como

típico instituto mortis causa”49.

Quanto ao conceito de testamento50, vejamos, de modo breve, como as doutrinas

clássica e moderna enxergam este instituto importantíssimo do Direito das Sucessões. De um

lado, para a doutrina mais tradicional:

Testamento (diz-se) é o ato pelo qual a vontade de um morto cria, transmite ou

extingue direitos. Porque “vontade de um morto cria”, e não “vontade de um vivo,

para depois da morte”? Quando o testador quis, vivia. Os efeitos, sim, com serem

dependentes da morte, sòmente começam a partir dali. Tanto é certo que se trata de

querer de vivo, que direitos há (excepcionalíssimos, é certo), que podem partir do

ato testamentário e serem realizados desde êsse momento. Digamos, pois, que o

testamento é o ato pelo qual a vontade de alguém se declara para o caso de morte,

com eficácia de reconhecer, criar, transmitir ou extinguir direitos.51 (grifo do autor)

Noutro viés, entre os doutrinadores atuais, Zeno Veloso leciona que “o testamento é

um negócio jurídico pelo qual uma pessoa dispõe de seus bens, no todo ou em parte, ou faz

48 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. Atualização de Giselda Maria Fernandes

Novaes Hironaka e Paulo Luiz Netto Lôbo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. t. 56, p. 55.

49 TARTUCE, Flávio, op. cit., p. 350.

50 O Código Civil de 1916, previa, em seu art. 1.626, o conceito de testamento: “Art. 1.626. Considera-se

testamento o ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu

patrimônio, para depois da sua morte.”

51 MIRANDA, Pontes de, op. cit, t. 56, p 109.

35

determinações não patrimoniais, para depois de sua morte”52. Tartuce conceitua o testamento

como “um negócio jurídico unilateral, personalíssimo e revogável pelo qual o testador faz

disposições de caráter patrimonial ou extrapatrimonial, para depois de sua morte. Trata-se do

ato sucessório de exercício da autonomia privada por excelência”53.

Ato contínuo, é de suma importância compreender que não é pelo fato do testador

possuir a faculdade de dispor dos seus bens, em razão da autonomia privada, que ele assim

poderá proceder sem limitações. Para dispor da totalidade dos seus bens, deve o testador ser

pessoa capaz e não possuir herdeiros necessários. Havendo descendentes, ascendentes e

cônjuge, o autor da herança apenas poderá dispor de cinquenta por cento do seu patrimônio

em testamento, pois a outra metade é justamente o que constitui a legítima.

Vejamos os artigos seguintes do Código Civil:

Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus

bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.

§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento. [...]

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens

da herança, constituindo a legítima.

Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no

momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

Maria Helena Diniz sintetiza esse raciocínio de forma brilhante:

[...] o testador poderá dispor da totalidade de seus haveres, não existindo herdeiros

necessários. Se houver tais herdeiros, deverá respeitar a legítima e não poderá dispor

de mais da metade de seus bens nem no testamento (CC, art. 1.857, § 1º), nem em

doação (CC, art. 549), por pertencer de pleno direito àqueles herdeiros.54

Por conseguinte, de acordo com o art. 1.858 do Código Civil, o testamento é ato

personalíssimo, uma vez que somente ao autor da herança compete realizá-lo; também é

revogável, já que pode ser revogado ou mudado a qualquer tempo.

A doutrina costuma ainda elencar outras características do testamento:

I)unilateralidade: aperfeiçoa-se com uma única manifestação de vontade; II) gratuidade:

inexistência de obtenção de vantagens para o testador; III) solenidade: para que o testamento

52 VELOSO, Zeno. Código..., op. cit., p. 2089.

53 TARTUCE, Flávio, op. cit., p. 351.

54 DINIZ, Maria Helena. Curso..., op. cit., p. 182.

36

seja considerado válido, exige-se a observância das formalidades prescritas em lei; IV) ato

mortis causa: produz efeitos apenas após a morte do testador55.

Feitas estas considerações gerais acerca da sucessão testamentária, questiona-se: os

padres devem fazer testamento dispondo dos seus bens, em virtude de alguma prescrição da

legislação canônica? Em caso afirmativo, a Igreja interfere na vontade do presbítero no

momento de testar ou ele possui a autonomia de destinar seus bens a quem ele desejar?

55 Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., p. 229 et seq.; TARTUCE, Flávio, op. cit., p. 357 et seq.; DINIZ,

Maria Helena, op. cit., p. 186 et seq.

37

7 DIFERENÇAS ENTRE PADRES DIOCESANOS E PADRES RELIGIOSOS

Para respondermos a todos os questionamentos feitos ao longo deste trabalho, é

imprescindível, a priori, fazer a devida diferenciação entre padres diocesanos e padres

religiosos.

Os padres religiosos, em decorrência da natureza do instituto ao qual pertencem e da

própria vocação, não residem sozinhos, o que os diferenciam dos diocesanos, na medida em

que estes podem viver sós na casa paroquial. Aqueles vivem na casa religiosa própria, como é

o caso dos mosteiros e dos conventos, por exemplo. Daí também denominá-los de padres de

comunidade.

Cân. 608 — A comunidade religiosa deve habitar numa casa legitimamente

constituída sob a autoridade do Superior designado nos termos do direito; cada casa

possua ao menos um oratório, onde se celebre e conserve a Eucaristia para ser

verdadeiramente o centro da comunidade.

Cân. 665 — § 1. Os religiosos habitem na casa religiosa própria, observando a vida

comum, e dela não se ausentem sem a licença do Superior. Tratando-se de ausência

prolongada, pode o Superior maior, com o consentimento do seu conselho e por

causa justa, permitir a um religioso que permaneça fora da casa do instituto, não

porém mais de um ano, a não ser com o fim de tratar da saúde, por motivo de

estudos ou de apostolado exercido em nome do instituto.

§ 2. Se algum membro do instituto se ausentar ilegitimamente da sua casa religiosa

com a intenção de se furtar à dependência dos Superiores, seja solicitamente

procurado por eles e ajudado a voltar e a perseverar na sua vocação.

O padre diocesano é tratado pelo Código de Direito Canônico como presbítero – do

latim, presbyter –, o qual se refere ao Ministro da Igreja que recebeu o segundo grau da

Ordem Sagrada. Na verdade, presbítero é espécie do gênero clérigo (clericus). Esse termo

compreende aquele que recebeu um dos três graus do sacramento da ordem: no primeiro grau,

tem-se o diácono (diaconus); no segundo, o presbítero (presbyter); e, no terceiro grau, o bispo

(episcopus). Os graus indicam a hierarquia entre as ordens.

Cân. 1008 — Mediante o sacramento da ordem, por instituição divina, alguns de

entre os fiéis, pelo carácter indelével com que se assinalam, são constituídos

ministros sagrados, isto é são consagrados e deputados para que, segundo o grau de

cada um, apascentem o povo de Deus, desempenhando na pessoa de Cristo Cabeça

as funções de ensinar, santificar e reger.

Cân. 1009 — § 1. As ordens são o episcopado, o presbiterado e o diaconado.

§ 2. Conferem-se pela imposição das mãos e pela oração consecratória, que os livros

litúrgicos prescrevem para cada grau.

38

Os bispos diocesanos referem-se àqueles a quem foi confiado o cuidado de alguma

diocese. Párocos, por sua vez, são aqueles padres diocesanos a quem foi confiado o cuidado

de alguma paróquia.

Como exemplo de religiosos, podemos citar os franciscanos, os agostinianos, os

beneditinos, os vicentinos, os espiritanos, os salesianos, os capuchinhos, os orionitas, dentre

outros. Tais sacerdotes religiosos não estão incardinados – leia-se: vinculados, incorporados –

a uma diocese, e sim a um instituto, isto é, uma ordem religiosa ou uma congregação.

Cân. 587 — § 1. A fim de guardar mais fielmente a própria vocação e identidade de

cada um dos institutos, no código fundamental ou constituições de cada instituto

devem conter-se, além daquelas coisas que no cân. 578 se ordena sejam observadas,

as normas fundamentais concernentes ao governo do instituto e à disciplina, à

incorporação e formação dos membros, e ainda ao objecto próprio dos vínculos

sagrados.

§ 2. Tal código é aprovado pela autoridade competente da Igreja e só com o

consentimento da mesma se pode alterar.

§ 3. Neste código harmonizem-se convenientemente os elementos espirituais e

jurídicos; todavia não se multipliquem as normas sem necessidade.

§ 4. As demais normas estabelecidas pela autoridade competente do instituto sejam

convenientemente coligidas noutros códigos, que podem ser revistos e

convenientemente adaptados de acordo com as exigências dos lugares e dos tempos.

Cân. 578 — Por todos devem ser fielmente conservados a intenção e os propósitos

dos fundadores sobre a natureza, fim, espírito e índole do instituto sancionados pela

autoridade eclesiástica competente, e bem assim as suas sãs tradições; todas estas

coisas constituem o património do mesmo instituto.

Cân. 670 — O instituto deve subministrar aos religiosos tudo o que, nos termos das

constituições, é necessário para alcançarem o fim da sua vocação.

O sacerdote religioso possui como característica peculiar seus votos, quais sejam,

castidade, pobreza e obediência.

Cân. 573 — § 1. A vida consagrada pela profissão dos conselhos evangélicos é a

forma estável de viver pela qual os fiéis, sob a acção do Espírito Santo, seguindo a

Cristo mais de perto, se consagram totalmente a Deus sumamente amado, para que,

dedicados por um título novo e peculiar à Sua honra, à edificação da Igreja e à

salvação do mundo, alcancem a perfeição da caridade ao serviço do Reino de Deus

e, convertidos em sinal preclaro na Igreja, preanunciem a glória celeste.

§ 2. Assumem livremente esta forma de viver nos institutos de vida consagrada,

canonicamente erectos pela autoridade competente da Igreja, os fiéis que, por votos

ou outros vínculos sagrados, de acordo com as próprias leis dos institutos, professam

observar os conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência e pela

caridade, a que os mesmos conduzem, se unem de um modo especial à Igreja e ao

seu mistério.

Cân. 598 — § 1. Cada instituto, tendo em consideração a índole e os fins próprios,

determine nas suas constituições o modo como se devem observar os conselhos

evangélicos de castidade, pobreza e obediência, segundo a sua forma de vida.

39

§ 2. Todos os membros dos institutos, porém, devem não só observar fiel e

integralmente os conselhos evangélicos mas também orientar a vida segundo o

direito próprio do instituto e deste modo tender à perfeição do seu estado.

Cân. 640 — Os institutos, tendo em consideração os distintos lugares, esforcem-se

por dar testemunho de algum modo colectivo de caridade e pobreza e, na medida

dos seus recursos, contribuam com os seus próprios bens para as necessidades da

Igreja e o sustento dos pobres.

Enquanto os padres religiosos devem obediência ao Superior religioso no âmbito da

congregação ou ordem religiosa à qual estão incardinados, os padres diocesanos são

cooperadores do Bispo e a este estão ligados em virtude da diocese, do povo que lhes são

confiados.

É próprio dos presbíteros anunciar o Evangelho de Deus. Também, a eles e aos

diáconos, é facultado pregar em toda a parte, exceto nos oratórios e nas igrejas dos religiosos,

pois, para tanto, faz-se preciso licença do Superior religioso, conforme se extrai dos câns. 757,

764 e 765.

Os religiosos, por sua vez, são formados para vivenciarem plenamente a vida própria

do instituto e a missão deste, seguindo Cristo, conforme proposto no Evangelho e nas

constituições do próprio instituto, como regra suprema de vida, segundo os câns. 659 e 662.

Merece destaque a cooperação ordenada que deve existir entre os religiosos – entre as

ordens e congregações religiosas – e entre aqueles e os clérigos:

Cân. 680 — Entre os vários institutos e ainda entre estes e o clero secular56,

fomente-se uma cooperação ordenada, e também a coordenação de todas as obras e

actividades apostólicas, sob a orientação do Bispo diocesano, e salvaguardada a

índole, o fim de cada instituto e as leis da fundação.

Outrossim, tanto as paróquias como os institutos religiosos podem ter cemitério

próprio, nos termos do cân. 1241, § 1º.

Importante, por fim, tecer abreviados comentários quanto à figura do diácono.

Segundo o cân. 757, “é também dever dos diáconos servir ao povo de Deus no ministério da

palavra, em comunhão com o Bispo e o seu presbitério”. Contudo, diversamente do padre e

do bispo, o diácono pode ser casado. Ele somente precisa assumir a obrigação do celibato na

hipótese do diaconato transitório, o qual tem como escopo alcançar o segundo grau do

sacramento da ordem (presbiterado), e no caso de não ser casado quando da admissão à ordem

do diaconato permanente. Em outras palavras, o diácono permanente celibatário ou o

56 O termo “secular” é uma referência ao sacerdote diocesano, enquanto “regular”, ao religioso.

40

transitório podem vir a ser padres, enquanto o diácono permanente casado será,

permanentemente, diácono.

Cân. 1037 — O candidato ao diaconado permanente que não seja casado, e também

o candidato ao presbiterado, não se admita à ordem do diaconado, sem antes, com

rito próprio, ter assumido publicamente perante Deus e a Igreja a obrigação do

celibato, ou ter emitido os votos perpétuos num instituto religioso.

Cân. 1042 — Estão simplesmente impedidos de receber as ordens:

1.° o homem casado, a não ser que se destine legitimamente ao diaconado

permanente; [...].

41

8 DA SUCESSÃO DOS PADRES DIOCESANOS E RELIGIOSOS

A partir das distinções feitas no tópico anterior, é possível respondermos aos

questionamentos lançados no decorrer deste trabalho monográfico.Primeiramente, analisemos

a sucessão dos padres religiosos.

8.1 SUCESSÃO DOS RELIGIOSOS

O que acontecerá com os bens do religioso quando ele morrer? Se ele deixar herdeiros,

como, por exemplo, pais, irmãos, etc., seus bens serão transmitidos a tais herdeiros, na forma

do Código Civil, ou para o instituto ao qual ele pertencia?

Quais são os três votos (ou conselhos evangélicos) que os religiosos devem observar?

Castidade, pobreza e obediência. Pois bem, a pobreza é uma característica inerente aos

institutos religiosos. Por esta razão, antes de assumirem a profissão religiosa perpétua ou

definitiva no instituto, devem os religiosos fazer testamento dispondo dos seus bens, de modo

que seja válido segundo a lei civil.

Citemos, por exemplo, o brasileiro que deseje pertencer a uma ordem franciscana no

Brasil. Antes de se tornar franciscano definitivamente, deve ele fazer seu testamento

observando o disposto no Título III (Da Sucessão Testamentária) do Livro V (Do Direito das

Sucessões) do Código Civil de 2002.

Após o religioso ser emitido em sua profissão perpétua, os bens que ele vier a adquirir,

seja por atividade própria ou em decorrência do instituto, pertencerão a este. Se, em virtude da

natureza da congregação ou ordem religiosa a qual pertença, o religioso tiver que renunciar

plenamente os seus bens, deverá também fazê-lo antes da profissão perpétua, de uma forma

que seja válida para o Direito Civil. Nesta última situação, imaginamos, inclusive, que se trate

dos casos de doação.

Eis o que determina o cân. 668 do Código Canônico:

Cân. 668 — § l. Antes da primeira profissão, os membros do instituto cedam a

administração dos bens a quem preferirem e, a não ser que as constituições outra

coisa determinem, disponham livremente do seu uso e usufruto. Ao menos antes da

profissão perpétua, façam testamento, que seja também válido segundo a lei civil.

42

§ 2. Para alterar estas disposições por justa causa e para realizar qualquer acto em

matéria de bens temporais, carecem de licença do Superior competente nos termos

do direito próprio.

§ 3. Tudo o que o religioso adquire por actividade própria ou em razão do instituto,

adquire-o para o instituto. O que por qualquer modo lhe advier em razão de pensão,

subvenção ou seguro, adquire-o para o instituto, a não ser que o direito próprio outra

coisa se estabeleça.

§ 4. Porém, se, pela natureza do instituto, tiver de renunciar plenamente aos seus

bens, faça essa renúncia, quanto possível, em forma válida também pelo direito civil

antes da profissão perpétua, que valha a partir do dia em que emitir a profissão. O

mesmo faça o professo de votos perpétuos que, nos termos do direito próprio, com a

licença do seu Moderador supremo, queira renunciar parcial ou totalmente aos seus

bens.

§ 5. O professo que, pela natureza do instituto, tiver renunciado plenamente aos seus

bens, perde a capacidade de adquirir e possuir, e por conseguinte os actos contrários

ao voto de pobreza realiza-os invalidamente. Os bens que lhe advierem depois da

renúncia, revertem para o instituto nos termos do direito próprio. (grifo nosso)

Acreditamos, destarte, que, em regra, para os bens dos religiosos, observa-se a

sucessão testamentária. Não obstante, é preciso considerar que as ordens religiosas se

diferenciam entre si, tendo em vista que cada instituto possui uma constituição própria, a qual

regula, de forma mais específica aquela congregação. De todo modo, o Código de Direito

Canônico dispõe sobre a Igreja Católica, seus fiéis e sacerdotes como um todo, e, por tal

motivo, não pode também ser ignorado.

8.2 SUCESSÃO DOS CLÉRIGOS

E o que ocorre com os bens dos padres diocesanos quando falecem? Será que se aplica

o mesmo raciocínio da sucessão dos religiosos? Antes de receberem o sacramento da ordem,

devem os clérigos fazer testamento dispondo dos seus bens? Vejamos.

Ressalte-se, em primeiro lugar, que o cân. 668 aplica-se, unicamente, para os

religiosos, não sendo correto fazer uso da interpretação extensiva, a fim de ampliar seu

sentido para abarcar os diocesanos na mesma situação, tendo em vista que se tratam de

personalidades eclesiásticas distintas.

Então, o que se aplica para os diocesanos? Existe um cânone específico para eles? A

resposta é negativa! O Código de Direito Canônico nada diz sobre este tema no que concerne

aos clérigos. Deveríamos então utilizar a analogia diante da lacuna da lei? Não há

necessidade, pois não há lacuna.

Aos diocesanos, aplica-se o Código Civil brasileiro. Se o Código Canônico não

estabelece parâmetros ou regras para a sucessão dos clérigos, então nada mais justo que estes

43

tenham seu patrimônio regido pela legislação de sua nacionalidade, o que de fato acontece.

Logo, a sucessão dos diocesanos brasileiros poderá ser tanto a legítima quanto a

testamentária, nos moldes da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

Se um padre adquire bens ao longo da sua vida sacerdotal ou já os possuía antes

mesmo da sua ordenação para o presbiterado, por exemplo, poderá dispor deles em

testamento, deixando-os para um parente em particular, ou para a Igreja, especialmente, a

depender da sua vontade.

Se, porventura, o diocesano não fizer testamento, tratar-se-á da sucessão legítima,

sendo a herança transmitida aos seus herdeiros na ordem do art. 1.829 do Código Civil.

O inciso I do citado artigo garante a herança aos descendentes e ao cônjuge. Bem,

existe a possibilidade de um padre, antes da sua ordenação, ter filhos, conforme explanado no

tópico 4.1. Em casos tais, com a morte do presbítero, seus bens serão destinados a eles,

mesmo que o finado tivesse pais vivos. No caso de ele romper a castidade no exercício do

estado clerical e, como consequência, um filho seu venha a nascer, isso pode acarretar o

afastamento do padre da Igreja somada com outras punições, sem, no entanto, retirar o direito

de herança de seu filho quando vier a óbito. Outra situação ainda é a que se relaciona com o

descobrimento do filho depois da morte do padre: se comprovada a paternidade post mortem,

terá o filho o direito à sucessão legítima57.

Quanto à possível sucessão do cônjuge do presbítero, é totalmente incompatível o

matrimônio e o celibato. É característica da celebração do casamento a publicidade. Se um

padre ousasse se casar (na forma apenas civil, hipoteticamente), certamente não demoraria a

ser excomungado pela Igreja Católica. E, sendo diocesano, sua sucessão já é regulada pelo

Código Civil, também não sofrerá mudanças a forma de sucessão após a sua demissão do

estado clerical. É oportuno enfatizar que esta ideia aplica-se aos padres e bispos – e ainda aos

diáconos celibatários –, haja vista que, consoante discorremos no capítulo 6, há diáconos

casados. Nestes casos, entendemos pela aplicabilidade plena do art. 1.829 da Lei Civil.

Ato contínuo, o inciso II do artigo acima mencionado destina o acervo hereditário aos

ascendentes em concorrência com o cônjuge. Embora possa não seguir a ordem natural da

vida, é perfeitamente crível que um clérigo faleça e seus pais – ou outro ascendente – ainda

sejam vivos. Em tal conjuntura, serão eles quem herdarão seus bens, e não a Igreja Católica.

57 Caso o padre tenha feito testamento dispondo de todo o seu patrimônio e, posterior à sua morte, descobre-se

que havia um herdeiro necessário – exemplo do filho não conhecido que surge depois do óbito e tem-se a

paternidade comprovada judicialmente por meio de uma ação de investigação de paternidade post mortem, por

exemplo –, as disposições testamentárias que excederem a parte disponível, serão reduzidas aos limites dela,

qual seja, a metade dos bens da herança, já que a outra metade, a qual constitui a legítima, pertence, de pleno

direito, aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge).

44

O cônjuge sobrevivente herda sozinho, nos termos do inciso III. Sem embargo, valem

as mesmas ponderações feitas acima.

De acordo com o inciso IV do art. 1.829, a herança será deferida aos colaterais até o

quarto grau ante a inexistência dos herdeiros elencados anteriormente. Então, se um clérigo

desviver e houver irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avós e sobrinhos-netos, eles herdarão o

patrimônio do de cujus– respeitada a regra, por óbvio, de que o grau mais próximo exclui o

mais remoto –, sem nenhuma ingerência da Igreja.

É de bom alvitre acentuar que, como os colaterais não são herdeiros necessários,

poderia o diocesano, se assim desejasse, deixar a totalidade da sua herança para a Igreja

Católica. A outra hipótese dos bens serem destinados para a Igreja seria através da doação dos

bens do finado pelos herdeiros.

Imperioso é ainda comentar a hipótese de sucessão legítima da companheira – ou

companheiro – do diocesano. Sem maiores dificuldades, segue-se o mesmo critério referente

ao cônjuge, com as adequações necessárias. Caso o padre estabeleça uma união estável com

um homem ou uma mulher, ser-lhe-á aplicada a pena católica mais gravosa, qual seja, a

excomunhão58. Uma vez excomungado e vindo a falecer sem deixar testamento, aplica-se a

sucessão legítima do companheiro, nos termos do art. 1.790 do Código Civil.

E, se a união estável fosse apenas de fato, sem o seu devido reconhecimento, devido

aos encontros serem às escondidas, poderia, com a morte do presbítero, o companheiro

sobrevivente ajuizar uma ação de reconhecimento e dissolução de união estável post mortem

com partilha de bens para fazer valer seus direitos sucessórios enquanto herdeiro? Isso

alteraria a sucessão? Bem, o companheiro sobrevivo poderá sim ajuizá-la, tendo em vista que

o direito de ação é público, subjetivo, autônomo e abstrato; agora, a demanda ser-lhe julgada

favoravelmente é pouco provável.

Consoante o art. 1.723 do Código Civil, são condições que configuram a união estável

a convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de

família. Assim, se os encontros ocorriam secretamente, o primeiro requisito já não se encontra

caracterizado. Também seria importante averiguar se existia continuidade ou não. Ademais,

no exemplo aqui proposto, não visualizamos o animus de constituir família. Logo, não

preenchidos todos os pressupostos legais, não há que se falar em união estável.

58 A excomunhão é a punição da Igreja Católica mais grave nos dias atuais. Vale lembrar que, na Idade Média,

na época da Inquisição, decerto a excomunhão era a pena mais branda, haja vista que as mais severas eram a

prisão perpétua e a morte na fogueira.

45

De modo pragmático, são dois os possíveis resultados: se, porventura, o companheiro

supérstite conseguir reconhecer judicialmente a hipotética união estável existente entre ele e o

padre, a sucessão legítima será aquela prescrita no art. 1.790 do Código Civil pátrio. Caso

contrário, a herança do morto será regulada pelo art. 1.829 do mesmo diploma civilístico,

seguindo a ordem já apresentada.

Por fim, não deixando o padre diocesano nenhum sucessor legítimo, ou, no caso de

existirem, todos tenham renunciado a herança, caberá ao Município ou ao Distrito Federal

recolhê-la, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em

território federal. Mesmo nestes casos a herança do presbítero não ficará para a Igreja

Católica. Por tal motivo, o testamento se mostra bastante importante nesse cenário sucessório,

pois, indubitavelmente, é bem mais interessante que o padre destine seu patrimônio para a

paróquia onde atuou, por exemplo, do que deixá-lo à mercê do Poder Público.

46

9 UMA PROPOSTA DE SUCESSÃO LEGÍTIMA DISTINTA PARA OS CLÉRIGOS

Propomos, neste ponto do trabalho, uma sucessão legítima diferenciada no tocante aos

clérigos, diante do seu múnus sacerdotal dedicado à Igreja Católica e ao Evangelho, a fim de

considerar a Igreja como herdeira e beneficiá-la com a partilha da herança. Acreditamos que,

em relação aos religiosos, a sucessão testamentária por si só basta.

Eis um esboço do que visualizamos:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a sucessão dos clérigos.

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I - Clérigo - aquele que recebeu um dos três graus do Sacramento da Ordem;

II - Ordenação - o rito de colação de uma Ordem Sagrada, a qual se subdivide em

três graus sucessivos: diaconado, presbiterado e episcopado;

III - Diácono - aquele que recebeu o primeiro grau da Ordem Sagrada, podendo ser

permanente, quando exercer estavelmente apenas a Ordem do diaconado, ou

transitório, quando tiver a intenção de ser promovido à Ordem sucessora do

presbiterado;

IV - Padre - aquele que recebeu o segundo grau da Ordem Sagrada;

V - Bispo - aquele que recebeu o terceiro grau da Ordem Sagrada;

VI - Bem Particular - toda coisa, material ou não, que contenha um valor econômico

e que tenha sido adquirida pelo clérigo por meios próprios;

VII - Bem Eclesiástico - toda coisa, material ou não, que contenha um valor

econômico ou religioso, de propriedade da Igreja Católica;

VII - Benefício Eclesiástico - o rendimento proveniente da Igreja Católica e auferido

pelo clérigo em razão do seu ministério eclesiástico.

Art. 3º Os bens e benefícios eclesiásticos pertencem, de pleno direito, à Igreja

Católica, não integrando a herança do clérigo falecido quando da abertura da

sucessão.

Art. 4º Os bens particulares dos padres e dos bispos serão deferidos na seguinte

ordem:

I - aos descendentes em concorrência com a Igreja Católica;

II - aos ascendentes em concorrência com a Igreja Católica;

III - aos colaterais em concorrência com a Igreja Católica;

IV - à Igreja Católica.

47

Art. 5º Ao diácono celibatário, aplica-se o artigo antecedente; ao casado, segue-se a

ordem de vocação hereditária disposta no art. 1.829 do Código Civil.

Parágrafo único. Não sobrevivendo sucessores legítimos do diácono casado, ou,

havendo, tenham eles renunciado a herança, esta se devolve à Igreja Católica.

Art. 6º São herdeiros necessários, para os fins desta Lei, os descendentes e os

ascendentes.

Art. 7º Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da

herança, constituindo a legítima.

Art. 8º A sucessão testamentária deverá respeitar o Título III do Livro V do Código

Civil.

Art. 9º Aplicam-se as demais normas do Código Civil naquilo que não for contrário

ao disposto nesta Lei.

Art. 10. O art. 1.521 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 passa a vigorar

acrescido do seguinte inciso “VIII”:

“Art. 1.521. ...................................................................................................................

........................................................................................................................................

VIII - os diáconos que assumiram a obrigação do celibato, os padres e os bispos.

Art. 11. Esta Lei entre em vigor cento e oitenta dias após sua publicação.

Em primeiro lugar, é importante desassociar os bens particulares dos clérigos dos bens

e benefícios eclesiásticos da Igreja. Não possui lógica que um bem eclesiástico entre na

partilha da herança, podendo vir a ser dividido com os parentes do falecido.

A sucessão legítima sugerida no art. 4º acima defere os bens particulares aos herdeiros

dos padres e dos bispos, pois, como vimos no capítulo 6, existem diáconos casados. Por este

motivo, o patrimônio destes últimos deve ser transmitido aos herdeiros do art. 1.829 do

Código Civil, com o propósito de não prejudicar o cônjuge. Contudo, caso se trate dos

diáconos que devem assumir a obrigação do celibato, entendemos que se deve aplicar a

mesma proposta sugerida para os padres e bispos.

Quanto à ordem de vocação hereditária, sugerem-se, primeiramente, os descendentes

em concorrência com a Igreja Católica. É importante a previsão dos descendentes embora

possa aparentar certa incongruência com a obrigação do celibato e da castidade, visto que,

como dito alhures, é plenamente possível que um homem possua um filho e tempos depois

48

seja ordenado padre. Caso o filho seja concebido após a ordenação do presbítero, não deve,

mesmo assim, ser privado da herança do genitor, uma vez que não soa justo ele arcar com o

rompimento da castidade do pai.

Na inexistência de descendentes, os bens particulares deverão ser herdados pelos

ascendentes em concorrência com a Igreja. Como já bem frisado, pode o clérigo falecer e

deixar ascendentes vivos (pais, avós, etc.).

A seguir, não havendo descendentes tampouco ascendentes, propõe-se que os bens

particulares dos padres e dos bispos – e ainda dos diáconos celibatários – sejam transmitidos

aos colaterais em concorrência, novamente, com a Igreja. Como rascunhamos que se devem

aplicar as demais normas do Código Civil, os colaterais, de igual modo, compreendem os

irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avós e sobrinhos netos, valendo-se também da regra de

que o grau mais próximo exclui o mais remoto.

Por derradeiro, não existindo descendentes, ascendentes e colaterais, a Igreja Católica

herdaria sozinha todos os bens dos clérigos indicados.

Pela nossa sugestão, a Igreja teria sempre direito à metade da herança quando

concorresse com quaisquer parentes sucessíveis.

Interessante notar que, por essa sistemática, nunca a herança dos clérigos seria

recolhida pelo Poder Público. Mesmo no caso do diácono casado – em que se sugeriu seguir a

ordem do art. 1.829 do Código Civil –, caso não haja nenhum dos herdeiros ali mencionados,

ou, existindo, renunciem todos a herança, deverá esta ser direcionada para a Igreja em vez de

ser recolhida pelo Município, Distrito Federal ou União, a depender do local onde o bem

esteja situado.

Como é perceptível ainda, não há previsão de herança para o cônjuge ou o

companheiro do clérigo, exceto no que diz respeito ao diácono casado. A fim de manter

coerência com a obrigação do celibato, não há sentido incluí-los nessa proposta. Ademais, se

o padre, por exemplo, infringir essa imposição canônica, será demitido do estado clerical. Por

conseguinte, caso venha a contrair matrimônio civilmente ou constitua união estável,

consequentemente, voltar-se-ia a ter a sua sucessão disciplinada pelos arts. 1.829 e 1.790,

nesta ordem.

E, na remota hipótese de casamento ou união estável de um clérigo que somente se

descobrisse após o seu falecimento, também não mereceriam herdar o cônjuge ou o

companheiro sobreviventes, pois sabiam do impedimento daquele em decorrência do celibato.

No que concerne aos herdeiros necessários, seriam assim considerados apenas os

descendentes e os ascendentes. Nesse ponto, não é interessante incluir a Igreja Católica como

49

herdeira necessária porque, se assim o fizesse, jamais o clérigo poderia dispor da totalidade do

seu patrimônio, o que limitaria, drasticamente, a autonomia privada. Na forma proposta, o

diocesano só não poderá dispor de todo o patrimônio diante da existência de descentes e

ascendentes, porquanto a metade dos bens corresponderia à legítima, pertencente, de pleno

direito, a eles enquanto herdeiros necessários.

Se o clérigo achasse por bem fazer testamento, as disposições testamentárias poderiam

seguir, inalteravelmente, o Título III do Livro do Direito das Sucessões que trata acerca da

sucessão testamentária.

50

10 CONCLUSÃO

Normalmente, entre os estudiosos dos sub-ramos do Direito Civil, o Direito de Família

se destaca como favorito por ser mais dinâmico e presente no dia a dia. Acreditamos que o

Direito das Sucessões não fica atrás – ou, pelo menos, não muito –, pois pessoas morrem

diariamente! E as situações em que isto ocorre são as mais variadas possíveis.

Alguns casos peculiares são justamente os dos padres, alvos deste estudo. Não se

encontram fontes fidedignas discorrendo sobre a sucessão deles; trabalhos científicos muito

menos. Inicialmente, apesar da inspiração diante da ideia surgida de abordar tal tema, a

dificuldade da pesquisa foi imensurável. O único livro disponível era o volumoso e

enigmático Código de Direito Canônico de 1983.

Depois da árdua leitura de inúmeros cânones nada familiares, eis que surge a luz no

fim do túnel: o cân. 668! Certamente, ele era a essência e a resposta deste trabalho. Acontece

que, se não fosse pelas entrevistas realizadas com padres da região, como se encontram

acostadas no apêndice desta monografia, as conclusões, sem dúvidas, seriam equivocadas.

O primeiro passo foi compreender a diferença existente entre padres diocesanos e

padres religiosos, pois, se peculiaridades os diferenciam, certamente o mesmo seria plausível

de ocorrer em suas sucessões.

A partir disso, vimos que o cân. 668 trata apenas dos religiosos. Desse modo, a

sucessão a eles aplicada é a testamentária, conforme determina o Código de Direito Canônico.

No entanto, para que o testamento seja válido, é imprescindível que ele seja realizado

observando as normas do Código Civil de 2002, mais especificamente o Título III (Da

Sucessão Testamentária) do Livro V (Do Direito das Sucessões).

Continuamente, verificou-se que os diocesanos não possuíam nenhum cânone próprio

dispondo acerca da sua sucessão. Deste modo, a sucessão dos clérigos – assim tratados pelo

Código Canônico – pode ser tanto a legítima como a testamentária, em conformidade com o

Código Civil brasileiro.

Caso o clérigo faça testamento dispondo dos seus bens, tal sucessão será semelhante

ao do religioso, visto que é necessário observar as mesmas normas da sucessão testamentária.

Por outro lado, não deixando o clérigo disposição de última vontade, sua herança será

partilhada entre os herdeiros seguindo a ordem do art. 1.829 do Código Civil e as regras dos

artigos seguintes. Desta feita, sem o testamento, a Igreja Católica não recebe o patrimônio do

51

de cujus, inclusive nos casos em que inexistam herdeiros, ou, havendo, estes renunciem a

herança, perdendo-a, até nestes casos, para o Poder Público.

Com efeito, relativamente aos religiosos, existe uma harmonização entre o Código de

Direito Canônico de 1983 e o Código Civil de 2002, na medida em que aquele determina que

a sucessão seja a testamentária, observando as normas deste.

Já, no que atine aos clérigos, prepondera o Código Civil, diante da ausência de

quaisquer prescrições por parte do Código Canônico a respeito da sucessão daqueles.

Portanto, a sucessão dos diocesanos pode ocorrer pela indicação da lei (legítima) ou por

disposição de última vontade (testamentária), observando, destarte, os artigos do Livro V da

Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Ao constatarmos que a Igreja nunca herdaria bens dos clérigos, exceto com o

testamento do falecido ou a doação de seus herdeiros, propomos uma sucessão legítima

diferenciada para eles, no afã de enquadrá-la como herdeira e, assim, participar da partilha da

herança.

Em nosso esboço, na sucessão legítima, colocamos a Igreja Católica como concorrente

com descendentes, ascendentes e colaterais, respectivamente. Assim, metade dos bens

particulares dos clérigos – com exceção do diácono casado, em que, devido o cônjuge, deve-

se seguir, normalmente, o art. 1.829 – seriam herdados por aquela. Na hipótese de não

existirem os herdeiros ali citados, a Igreja herdaria sozinha todo o patrimônio. Por esse

modelo, o Poder Público jamais recolheria os bens do finado, inclusive no caso do diácono

casado, pois aconselhamos que, não se localizando nenhum herdeiro deste ou havendo

renúncia total, devolver-se-ia a herança para a Igreja.

No esquema sugerido, apenas os bens particulares dos clérigos integrariam a legítima,

uma vez que os bens e benefícios eclesiásticos pertencem à Igreja Católica.

Em atenção ao celibato, cônjuge ou companheiro não aparecem como herdeiros,

ressalvado, como dito, o diácono casado. E, para barrar o surgimento de situações inusitadas

ou mesmo fraudulentas após o óbito do clérigo, basta alterar o art. 1.521 do Código Civil e

acrescentar um inciso que também considere como impedidos para o casamento ou a união

estável os diáconos que assumiram a obrigação do celibato, os padres e os bispos.

Restringir-se-iam os herdeiros necessários aos descendentes e ascendentes, sem

abranger a Igreja, com o propósito de outorgar aos clérigos a faculdade de disporem da

totalidade dos seus bens, como ocorre com as demais pessoas quando não existem herdeiros

necessários. A sucessão testamentária obedeceria, do mesmo modo, o art. 1.857 e seguintes

do Código Civil de 2002.

52

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55

APÊNDICES

56

APÊNDICE A – Perguntas elaboradas para as entrevistas com os padres

1. Antes de se ordenar padre, o senhor teve que fazer testamento dispondo dos seus

bens?

2. Como o Código de Direito Canônico de 1983 influencia nessa questão da herança

dos padres?

3. Se um padre falece sem ter feito testamento, os seus bens vão para a Igreja?

4. Caso um padre venha a óbito deixando herdeiros como pais, irmãos, etc., isso pode

gerar conflito no que se refere à destinação do seu patrimônio?

5. Explicando de uma forma sucinta, o Código Civil estabelece a seguinte ordem de

destinação da herança aos herdeiros: primeiramente, aos descendentes e ao cônjuge; depois,

aos ascendentes e ao cônjuge; em seguida, apenas ao cônjuge; e, por fim, não havendo os

herdeiros anteriores, vêm os colaterais (irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avós e os

sobrinhos-netos).O senhor acha que os padres mereciam ter um regimento distinto? Se sim,

qual seria a melhor forma de elencar os herdeiros de um clérigo?

6. Em sua opinião, o testamento, por si só, é capaz de solucionar esses conflitos de

interesses?

7. A Igreja interfere na vontade do padre no momento de ele confeccionar o

testamento ou o padre possui o livre arbítrio de destinar seus bens a quem ele desejar?

57

APÊNDICE B – Entrevista com o Pe. Alcivan Tadeus Gomes de Araújo – Pároco da

Catedral de Sant’Ana em Caicó/RN

1. Antes de se ordenar padre, o senhor teve que fazer testamento dispondo dos seus

bens?

Não. Para nós diocesanos, não é exigido o testamento dispondo dos bens, pois nós não

temos o voto de pobreza como os religiosos. No caso de um religioso, o voto de pobreza é

uma exigência da congregação. Então, se ele tem algum bem, ou vai para a congregação ou,

certamente, o religioso deixa para a família.

2. Como o Código de Direito Canônico de 1983 influencia nessa questão da herança

dos padres?

O Código de Direito Canônico de 83, que é o novo Código promulgado pela Igreja,

não tem nenhum cânone específico que regule a herança. Apenas o cânone 281 faz uma

recomendação de que o clérigo que tenha a sua sustentação proveniente de recurso da Igreja

possa depois dispor livremente dos seus bens. Mas não há nenhuma recomendação do Código

explícita dizendo se é para doar os bens, se é para deixá-los para a própria Igreja ou alguma

pessoa.

3. Se um padre falece sem ter feito testamento, os seus bens vão para a Igreja?

Não. O sacerdote que queira deixar seus bens para a Igreja precisa fazer isso por meio

do testamento. Se um padre, um clérigo possui bens, mas ele não deixa isso em testamento,

registrado em cartório, destinando-os para a Igreja, então a Igreja não tem o poder de reter

esses bens para si.

4. Caso um padre venha a óbito deixando herdeiros como pais, irmãos, etc., isso pode

gerar conflito no que se refere à destinação do seu patrimônio?

58

Não. Eu creio que deve haver sempre o bom senso. Se ele deixa bens e não faz

testamento, a Igreja não vai, de maneira alguma, exigir que sejam doados para ela. Isso é algo

que, livremente, a família, por reconhecimento ou boa vontade, pode, depois do processo de

inventário, doar para a Igreja.

5. Explicando de uma forma sucinta, o Código Civil estabelece a seguinte ordem de

destinação da herança aos herdeiros: primeiramente, aos descendentes e ao cônjuge; depois,

aos ascendentes e ao cônjuge; em seguida, apenas ao cônjuge; e, por fim, não havendo os

herdeiros anteriores, vêm os colaterais (irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avós e os

sobrinhos-netos). O senhor acha que os padres mereciam ter um regimento distinto? Se sim,

qual seria a melhor forma de elencar os herdeiros de um clérigo?

Se o clérigo possui bens, então eu creio que poderia haver uma normativa própria para

isso que determinasse cinquenta por cento para a Igreja, para a paróquia que ele atuou, e

cinquenta por cento poderia se destinar aos seus familiares. Uma divisão meio a meio.

6. Em sua opinião, o testamento, por si só, é capaz de solucionar esses conflitos de

interesses?

Eu acredito que o testamento é o instrumento jurídico mais apropriado para evitar

conflitos ou dificuldades após o falecimento. Se o padre deixa bens, então eu creio que o

caminho mais tranquilo para não haver problemas – quem é que vai ficar com a herança? – é

por meio do testamento.

7. A Igreja interfere na vontade do padre no momento de ele confeccionar o

testamento ou o padre possui o livre arbítrio de destinar seus bens a quem ele desejar?

Nós, padres diocesanos, somos livres. A Igreja não tem nenhuma recomendação

própria, nem o Código de Direito Canônico delimita isso. Cada um fica livre para fazer essa

destinação.

59

8. Qual a diferença entre padres diocesanos e padres religiosos?

Os religiosos são todos aqueles que estão ligados a uma ordem religiosa. Os

franciscanos, os dominicanos, os jesuítas estão ligados a uma ordem religiosa. Eles entram na

congregação, e professam os votos de pobreza, castidade e obediência. E aí, no voto de

pobreza, é que está essa exigência de que eles não possuam nada para si, não tenham nenhum

bem. A congregação é que assume toda a responsabilidade por aquela pessoa, na parte de

manutenção: vestuário, alimentação, plano de saúde. A congregação é quem dá toda essa

assistência.

Para nós diocesanos não há o voto, mas a promessa de pobreza, castidade e

obediência. Não há nenhuma determinação no Código que impeça o padre de possuir bens.

Ele pode ter um carro, uma casa. Pode trabalhar e, com o seu salário, adquirir bens. Então o

Código não faz essa restrição; o que ele proíbe é fazer comércio: um padre não pode ser

comerciante.

60

APÊNDICE C – Entrevista com Pe. Fabiano Maurício Dantas – Pároco da Paróquia de

Nossa Senhora da Guia em Acari/RN

1. Antes de se ordenar padre, o senhor teve que fazer testamento dispondo dos seus

bens?

Não. Não é um costume nosso. Não existe nenhuma determinação a esse respeito de

que a gente tenha que fazer testamento antes da ordenação.

2. Como o Código de Direito Canônico de 1983 influencia nessa questão da herança

dos padres?

Olhe, o Código em si não diz nada muito claro a esse respeito. Apenas prevê que, da

mesma maneira que nós recebemos muita coisa da Igreja, tanto os proventos para a

sobrevivência quanto a própria formação, existe uma indicação de que nós possamos

colaborar com a própria Igreja através dos nossos bens.

3. Se um padre falece sem ter feito testamento, os seus bens vão para a Igreja?

Não, a não ser que ele tenha feito testamento. Se ele morre, os seus bens vão para a

família dele.

4. Caso um padre venha a óbito deixando herdeiros como pais, irmãos, etc., isso pode

gerar conflito no que se refere à destinação do seu patrimônio?

Só se tiver briga entre os parentes. Assim, entre a Igreja e os parentes não, a não ser

que o padre tenha feito testamento. Aí sim a Igreja pode contestar, mas, do contrário, ela não

tem esse direito de se apropriar dos bens, pelo menos em relação aos padres diocesanos que

têm o direito de possuírem bens no próprio nome. Então, não existe esse conflito, não.

61

5. Explicando de uma forma sucinta, o Código Civil estabelece a seguinte ordem de

destinação da herança aos herdeiros: primeiramente, aos descendentes e ao cônjuge; depois,

aos ascendentes e ao cônjuge; em seguida, apenas ao cônjuge; e, por fim, não havendo os

herdeiros anteriores, vêm os colaterais (irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avós e os

sobrinhos-netos). O senhor acha que os padres mereciam ter um regimento distinto? Se sim,

qual seria a melhor forma de elencar os herdeiros de um clérigo?

É difícil dizer... No meu ponto de vista, se a Igreja deixou isso a cargo do próprio

Código Civil, acredito que sua normativa seja suficiente. Não vejo nenhum problema, até

porque, digamos, não se espera que um padre tenha filho como herdeiro, mas acontece,

muitas vezes, até de uma maneira não reconhecida. Então, é legítimo que, se houver esse

filho, ele tenha direito à herança.

Vai muito da consciência do padre. Seria muito bom, eu acredito, que o padre tivesse

aquela consciência de deixar, realmente, algo para a Igreja. Acho que é justo. Mas não que

isso seja algo previsto por lei. Deve-se partir da consciência de cada um querer fazer o

testamento.

6. Em sua opinião, o testamento, por si só, é capaz de solucionar esses conflitos de

interesses?

Eu acredito que o testamento é suficiente.

7. A Igreja interfere na vontade do padre no momento dele confeccionar o testamento

ou o padre possui o livre arbítrio de destinar seus bens a quem ele desejar?

É livre, com certeza! A Igreja não interfere, não.

8. Qual a diferença entre padres diocesanos e padres religiosos?

62

O padre diocesano é aquele padre que não pertence a nenhum instituto. Ele pertence a

uma diocese. Nós não temos o voto de pobreza, muito embora seja aconselhado viver de uma

maneira modesta, mas isso não impede que tenhamos bens em nossos nomes.

O padre religioso pertence a uma congregação religiosa, a um instituto, a uma

sociedade de vida apostólica e atua numa diocese, mas não pertence a ela; pertence a seu

instituto. O religioso faz votos de pobreza, castidade e obediência através de uma profissão

religiosa.

63

ANEXOS

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ANEXO A – Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé

relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil

DECRETO Nº 7.107, DE 11 DE FEVEREIRO DE 2010.

Promulga o Acordo entre o Governo da

República Federativa do Brasil e a Santa Sé

relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no

Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em 13 de

novembro de 2008.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,

inciso IV, da Constituição, e

Considerando que o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé

celebraram, na Cidade do Vaticano, em 13 de novembro de 2008, um Acordo relativo ao

Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil;

Considerando que o Congresso Nacional aprovou esse Acordo por meio do Decreto

Legislativo no 698, de 7 de outubro de 2009;

Considerando que o Acordo entrou em vigor internacional em 10 de dezembro de

2009, nos termos de seu Artigo 20;

DECRETA:

Art. 1o O Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé

relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em

13 de novembro de 2008, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido

tão inteiramente como nele se contém.

Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam

resultar em revisão do referido Acordo, assim como quaisquer ajustes complementares que,

nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos

gravosos ao patrimônio nacional.

Art. 3o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 11 de fevereiro de 2010; 189º da Independência e 122º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Celso Luiz Nunes Amorim

65

ACORDO ENTRE A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E A SANTA SÉ

RELATIVO AO ESTATUTO JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL

A República Federativa do Brasil

e

A Santa Sé

(doravante denominadas Altas Partes Contratantes),

Considerando que a Santa Sé é a suprema autoridade da Igreja Católica, regida pelo

Direito Canônico;

Considerando as relações históricas entre a Igreja Católica e o Brasil e suas respectivas

responsabilidades a serviço da sociedade e do bem integral da pessoa humana;

Afirmando que as Altas Partes Contratantes são, cada uma na própria ordem,

autônomas, independentes e soberanas e cooperam para a construção de uma sociedade mais

justa, pacífica e fraterna;

Baseando-se, a Santa Sé, nos documentos do Concílio Vaticano II e no Código de

Direito Canônico, e a República Federativa do Brasil, no seu ordenamento jurídico;

Reafirmando a adesão ao princípio, internacionalmente reconhecido, de liberdade

religiosa;

Reconhecendo que a Constituição brasileira garante o livre exercício dos cultos

religiosos;

Animados da intenção de fortalecer e incentivar as mútuas relações já existentes;

Convieram no seguinte:

Artigo 1º

As Altas Partes Contratantes continuarão a ser representadas, em suas relações

diplomáticas, por um Núncio Apostólico acreditado junto à República Federativa do Brasil e

por um Embaixador(a) do Brasil acreditado(a) junto à Santa Sé, com as imunidades e

garantias asseguradas pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de abril

de 1961, e demais regras internacionais.

Artigo 2º

A República Federativa do Brasil, com fundamento no direito de liberdade religiosa,

reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar a sua missão apostólica, garantindo o

exercício público de suas atividades, observado o ordenamento jurídico brasileiro.

Artigo 3º

66

A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e

de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o

direito canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras, tais

como Conferência Episcopal, Províncias Eclesiásticas, Arquidioceses, Dioceses, Prelazias

Territoriais ou Pessoais, Vicariatos e Prefeituras Apostólicas, Administrações Apostólicas,

Administrações Apostólicas Pessoais, Missões Sui Iuris, Ordinariado Militar e Ordinariados

para os Fiéis de Outros Ritos, Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida

Apostólica.

§ 1º. A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir todas as

Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo.

§ 2º. A personalidade jurídica das Instituições Eclesiásticas será reconhecida pela

República Federativa do Brasil mediante a inscrição no respectivo registro do ato de criação,

nos termos da legislação brasileira, vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou

registro do ato de criação, devendo também ser averbadas todas as alterações por que passar o

ato.

Artigo 4º

A Santa Sé declara que nenhuma circunscrição eclesiástica do Brasil dependerá de

Bispo cuja sede esteja fixada em território estrangeiro.

Artigo 5º

As pessoas jurídicas eclesiásticas, reconhecidas nos termos do Artigo 3º, que, além de

fins religiosos, persigam fins de assistência e solidariedade social, desenvolverão a própria

atividade e gozarão de todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos às

entidades com fins de natureza semelhante previstos no ordenamento jurídico brasileiro,

desde que observados os requisitos e obrigações exigidos pela legislação brasileira.

Artigo 6º

As Altas Partes reconhecem que o patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja

Católica, assim como os documentos custodiados nos seus arquivos e bibliotecas, constituem

parte relevante do patrimônio cultural brasileiro, e continuarão a cooperar para salvaguardar,

valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica

ou de outras pessoas jurídicas eclesiásticas, que sejam considerados pelo Brasil como parte de

seu patrimônio cultural e artístico.

§ 1º. A República Federativa do Brasil, em atenção ao princípio da cooperação,

reconhece que a finalidade própria dos bens eclesiásticos mencionados no caput deste artigo

deve ser salvaguardada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sem prejuízo de outras

finalidades que possam surgir da sua natureza cultural.

§ 2º. A Igreja Católica, ciente do valor do seu patrimônio cultural, compromete-se a

facilitar o acesso a ele para todos os que o queiram conhecer e estudar, salvaguardadas as suas

finalidades religiosas e as exigências de sua proteção e da tutela dos arquivos.

67

Artigo 7º

A República Federativa do Brasil assegura, nos termos do seu ordenamento jurídico,

as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e de

suas liturgias, símbolos, imagens e objetos cultuais, contra toda forma de violação,

desrespeito e uso ilegítimo.

§ 1º. Nenhum edifício, dependência ou objeto afeto ao culto católico, observada a

função social da propriedade e a legislação, pode ser demolido, ocupado, transportado, sujeito

a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, salvo por necessidade ou

utilidade pública, ou por interesse social, nos termos da Constituição brasileira.

Artigo 8º

A Igreja Católica, em vista do bem comum da sociedade brasileira, especialmente dos

cidadãos mais necessitados, compromete-se, observadas as exigências da lei, a dar assistência

espiritual aos fiéis internados em estabelecimentos de saúde, de assistência social, de

educação ou similar, ou detidos em estabelecimento prisional ou similar, observadas as

normas de cada estabelecimento, e que, por essa razão, estejam impedidos de exercer em

condições normais a prática religiosa e a requeiram. A República Federativa do Brasil garante

à Igreja Católica o direito de exercer este serviço, inerente à sua própria missão.

Artigo 9º

O reconhecimento recíproco de títulos e qualificações em nível de Graduação e Pós-

Graduação estará sujeito, respectivamente, às exigências dos ordenamentos jurídicos

brasileiro e da Santa Sé.

Artigo 10

A Igreja Católica, em atenção ao princípio de cooperação com o Estado, continuará a

colocar suas instituições de ensino, em todos os níveis, a serviço da sociedade, em

conformidade com seus fins e com as exigências do ordenamento jurídico brasileiro.

§ 1º. A República Federativa do Brasil reconhece à Igreja Católica o direito de

constituir e administrar Seminários e outros Institutos eclesiásticos de formação e cultura.

§ 2º. O reconhecimento dos efeitos civis dos estudos, graus e títulos obtidos nos

Seminários e Institutos antes mencionados é regulado pelo ordenamento jurídico brasileiro,

em condição de paridade com estudos de idêntica natureza.

Artigo 11

A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da

diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino

religioso em vista da formação integral da pessoa.

§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula

facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino

68

fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em

conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de

discriminação.

Artigo 12

O casamento celebrado em conformidade com as leis canônicas, que atender também

às exigências estabelecidas pelo direito brasileiro para contrair o casamento, produz os efeitos

civis, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua

celebração.

§ 1º. A homologação das sentenças eclesiásticas em matéria matrimonial, confirmadas

pelo órgão de controle superior da Santa Sé, será efetuada nos termos da legislação brasileira

sobre homologação de sentenças estrangeiras.

Artigo 13

É garantido o segredo do ofício sacerdotal, especialmente o da confissão sacramental.

Artigo 14

A República Federativa do Brasil declara o seu empenho na destinação de espaços a

fins religiosos, que deverão ser previstos nos instrumentos de planejamento urbano a serem

estabelecidos no respectivo Plano Diretor.

Artigo 15

Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio, renda e serviços

relacionados com as suas finalidades essenciais, é reconhecida a garantia de imunidade

tributária referente aos impostos, em conformidade com a Constituição brasileira.

§ 1º. Para fins tributários, as pessoas jurídicas da Igreja Católica que exerçam atividade

social e educacional sem finalidade lucrativa receberão o mesmo tratamento e benefícios

outorgados às entidades filantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro,

inclusive, em termos de requisitos e obrigações exigidos para fins de imunidade e isenção.

Artigo 16

Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica e de suas

instituições:

I - O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as

Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter religioso e portanto, observado o

disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a

não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica.

II - As tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de

promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas a título voluntário, observado o

disposto na legislação trabalhista brasileira.

69

Artigo 17

Os Bispos, no exercício de seu ministério pastoral, poderão convidar sacerdotes,

membros de institutos religiosos e leigos, que não tenham nacionalidade brasileira, para servir

no território de suas dioceses, e pedir às autoridades brasileiras, em nome deles, a concessão

do visto para exercer atividade pastoral no Brasil.

§ 1º. Em conseqüência do pedido formal do Bispo, de acordo com o ordenamento

jurídico brasileiro, poderá ser concedido o visto permanente ou temporário, conforme o caso,

pelos motivos acima expostos.

Artigo 18

O presente acordo poderá ser complementado por ajustes concluídos entre as Altas

Partes Contratantes.

§ 1º. Órgãos do Governo brasileiro, no âmbito de suas respectivas competências e a

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, devidamente autorizada pela Santa Sé, poderão

celebrar convênio sobre matérias específicas, para implementação do presente Acordo.

Artigo 19

Quaisquer divergências na aplicação ou interpretação do presente acordo serão

resolvidas por negociações diplomáticas diretas.

Artigo 20

O presente acordo entrará em vigor na data da troca dos instrumentos de ratificação,

ressalvadas as situações jurídicas existentes e constituídas ao abrigo do Decreto nº 119-A, de

7 de janeiro de 1890 e do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé sobre

Assistência Religiosa às Forças Armadas, de 23 de outubro de 1989.

Feito na Cidade do Vaticano, aos 13 dias do mês de novembro do ano de 2008, em

dois originais, nos idiomas português e italiano, sendo ambos os textos igualmente autênticos.

PELA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Celso Amorim

Ministro das Relações Exteriores

PELA SANTA SÉ

Dominique Mamberti

Secretário para Relações com os Estados

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ANEXO B – DECRETO Nº 119-A/80

DECRETO Nº 119-A, DE 7 DE JANEIRO DE 1890.

Revogado pelo Decreto nº 11, de 1991

Vigência restabelecida pelo Decreto nº 4.496

de 2002

Prohibe a intervenção da autoridade federal e

dos Estados federados em materia religiosa,

consagra a plena liberdade de cultos, extingue

o padroado e estabelece outras providencias.

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da

Republica dos Estados Unidos do Brasil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da

Nação,

DECRETA:

Art. 1º E' prohibido á autoridade federal, assim como á dos Estados federados, expedir

leis, regulamentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e

crear differenças entre os habitantes do paiz, ou nos serviços sustentados á custa do

orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões philosophicas ou religiosas.

Art. 2º a todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o

seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos actos particulares ou

publicos, que interessem o exercicio deste decreto.

Art. 3º A liberdade aqui instituida abrange não só os individuos nos actos individuaes,

sinão tabem as igrejas, associações e institutos em que se acharem agremiados; cabendo a

todos o pleno direito de se constituirem e viverem collectivamente, segundo o seu credo e a

sua disciplina, sem intervenção do poder publico.

Art. 4º Fica extincto o padroado com todas as suas instituições, recursos e

prerogativas.

Art. 5º A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade juridica,

para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes á

propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o dominio de seus haveres actuaes, bem

como dos seus edificios de culto.

Art. 6º O Governo Federal continúa a prover á congrua, sustentação dos actuaes

serventuarios do culto catholico e subvencionará por anno as cadeiras dos seminarios; ficando

livre a cada Estado o arbitrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem

contravenção do disposto nos artigos antecedentes.

Art. 7º Revogam-se as disposições em contrario.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 7 de janeiro de 1890, 2° da Republica.

Manoel Deodoro da Fonseca.

Aristides da Silveira Lobo.

71

Ruy Barbosa.

Benjamin Constant Botelho de Magalhães.

Eduardo Wandenkolk. - M. Ferraz de Campos Salles.

Demetrio Nunes Ribeiro.

Q. Bocayuva.