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1 TEC Teatro Experimental Cascais O SONHO August Strindberg Versão | Dramaturgia: Graça P. Corrêa Encenação: Carlos Avilez Cenografia | Figurinos: Fernando Alvarez Coreografia: Natasha Tchitcherova Canto | Voz: Ana Ester Neves Apoio ao movimento: Cláudia Nova e David Chan Cordeiro Direção de montagem: Manuel Amorim Contra-regra | Montagem: Rui Casares Desenho som surround | Operação de som: Hugo Neves Reis Operação de luz: Jorge Saraiva Assistência de encenação: Rodrigo Aleixo Produção & comunicação: Paula Fernandes | Produção executiva: Raul Ribeiro Fotografias de cena: Ricardo Rodrigues | Execução de figurinos: Rosário Balbi | Vídeo do espetáculo: Miguel Ângelo Audiovisuais | Secretariado: Maria Marques | Contabilidade: Ana Landeiroto | Bilheteira: Sheila Madeira | Manutenção de guarda- roupa: Clarisse Ribeiro Com: Miguel Amorim, Luiz Rizo, Renato Pino, Ruy de Carvalho, Sérgio Silva, Teresa Côrte-Real Com os finalistas da Escola Profissional de Teatro de Cascais: André Miguel, Beatriz Alencar, Beatriz Beja, Beatriz Gonçalves, Beatriz Guimarães, Beatriz Oliveira, Bruna Lima, Bruno Cruz, Carolina Ferraz, Catarina Chora, Catarina Mendonça, Catarina Silva, Constança Antunes, Diogo Viegas, Fernanda Guimarães, Francisco Mendes, Francisco Monteiro Lopes, Inês Chaveiro, Inês Lourenço, Inês Rocha, Inês Tiago Silva, Isabel Marques Mendes, Joana Goldschmidt, João Fialho, João Klymenko, Kuka Rosa, Leandro Paulin, Madalena Ghira, Margarida Rainho, Mariana Castro, Mariana Fonseca, Mariana Gonçalves, Mariana Guerreiro, Rafael Carvalho, Rita Boavida, Sara Rosa, Sofia Ramos, Teresa Jerónimo E os alunos do 1º e 2º ano: Baltasar Marçal, Beatriz Domingues, Carlota David, Carlota Guerreiro, Carolina Basto, Carolina Faria, Carolina Flores, Daniela D’Or, Daniela Miranda, Diogo Letra, Diogo Nunes, Filipe Feio, Gonçalo Braga, Gonçalo Peres, Henrique Caetano, Hugo Narciso, Inês Proença, Inês Ribeiro, Inês Saramago, Jaime Pinto Gamboa, Joana Raposo, Lara Soares, Laura Baptista, Leonor Carvalho, Madalena Madruga, Madalena Marques, Marco Sá Pedroso, Marco Teixeira, Maria Almeida, Maria Freire, Pietro Pianetti, Raquel Ferradosa, Rita Roque, Rita Vicente, Samanta Correia, Sara Filipe, Susana Luz, Tomás Garcia 5 a 31 JULHO 2019 TEATRO MUNICIPAL MIRITA CASIMIRO

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TEC Teatro Experimental Cascais

O SONHO August Strindberg

Versão | Dramaturgia: Graça P. Corrêa

Encenação: Carlos Avilez

Cenografia | Figurinos: Fernando Alvarez Coreografia: Natasha Tchitcherova

Canto | Voz: Ana Ester Neves Apoio ao movimento: Cláudia Nova e David Chan Cordeiro

Direção de montagem: Manuel Amorim Contra-regra | Montagem: Rui Casares

Desenho som surround | Operação de som: Hugo Neves Reis Operação de luz: Jorge Saraiva

Assistência de encenação: Rodrigo Aleixo

Produção & comunicação: Paula Fernandes | Produção executiva: Raul Ribeiro Fotografias de cena: Ricardo Rodrigues | Execução de figurinos: Rosário Balbi | Vídeo do espetáculo: Miguel Ângelo Audiovisuais | Secretariado: Maria Marques | Contabilidade: Ana Landeiroto | Bilheteira: Sheila Madeira | Manutenção de guarda-roupa: Clarisse Ribeiro

Com: Miguel Amorim, Luiz Rizo, Renato Pino, Ruy de Carvalho, Sérgio Silva, Teresa Côrte-Real

Com os finalistas da Escola Profissional de Teatro de Cascais: André Miguel, Beatriz Alencar, Beatriz Beja, Beatriz Gonçalves, Beatriz Guimarães, Beatriz Oliveira, Bruna Lima, Bruno Cruz, Carolina Ferraz, Catarina Chora, Catarina Mendonça, Catarina Silva, Constança Antunes, Diogo Viegas, Fernanda Guimarães, Francisco Mendes, Francisco Monteiro Lopes, Inês Chaveiro, Inês Lourenço, Inês Rocha, Inês Tiago Silva, Isabel Marques Mendes, Joana Goldschmidt, João Fialho, João Klymenko, Kuka Rosa, Leandro Paulin, Madalena Ghira, Margarida Rainho, Mariana Castro, Mariana Fonseca, Mariana Gonçalves, Mariana Guerreiro, Rafael Carvalho, Rita Boavida, Sara Rosa, Sofia Ramos, Teresa Jerónimo

E os alunos do 1º e 2º ano: Baltasar Marçal, Beatriz Domingues, Carlota David, Carlota Guerreiro, Carolina Basto, Carolina Faria, Carolina Flores, Daniela D’Or, Daniela Miranda, Diogo Letra, Diogo Nunes, Filipe Feio, Gonçalo Braga, Gonçalo Peres, Henrique Caetano, Hugo Narciso, Inês Proença, Inês Ribeiro, Inês Saramago, Jaime Pinto Gamboa, Joana Raposo, Lara Soares, Laura Baptista, Leonor Carvalho, Madalena Madruga, Madalena Marques, Marco Sá Pedroso, Marco Teixeira, Maria Almeida, Maria Freire, Pietro Pianetti, Raquel Ferradosa, Rita Roque, Rita Vicente, Samanta Correia, Sara Filipe, Susana Luz, Tomás Garcia 5 a 31 JULHO 2019 TEATRO MUNICIPAL MIRITA CASIMIRO

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O Sonho que Sonhei . . .

Este espetáculo significa para mim o sonho unificador de uma longa viagem no teatro. Por isso me sinto grato e imensamente feliz de que este Sonho faça parte do Festival Internacional de Almada 2019, no mesmo ano em que prestam homenagem à minha vida e obra no Teatro, através de uma exposição concebida por José Manuel Castanheira.

O Sonho que agora apresentamos é o de August Strindberg, escrito em 1901 e apresentado pela primeira vez na Suécia, em 1907. Com versão e dramaturgia de Graça Corrêa, trata-se de uma partitura de fragmentos que questiona o sentido da existência humana e a presença do Sagrado na vida e na morte.

Assim como o título original de Strindberg pode ser traduzido como “Uma peça que sonhei”, este é também o sonho que imaginei como encenador, num ano em que celebro 63 anos de teatro. Na terra deste Sonho, evoco as memórias de outras peças que encenei no TEC, muitas delas de um teatro eminentemente teatral, frequentemente absurdo ou de nonsense, através de reminiscências visuais e artefactos cénicos da minha viagem, num espaço composto pelo cenógrafo e figurinista Fernando Alvarez. Evoco igualmente, neste Sonho, ambientes sonoros e musicais e momentos marcantes: de canto, com o apoio da cantora lírica Ana Ester; e de dança, concebida pela bailarina-coreógrafa Natasha Tchitcherova.

Este Sonho é um verdadeiro encontro de vários sonhos. No âmbito do rejuvenescimento do nosso público e do lançamento de novos valores nas áreas da representação—como atesta o elevado número de atores formados desde há 25 anos na EPTC em articulação com o TEC, que atualmente se destacam no teatro, no cinema e na ficção televisiva—este espetáculo coincide com a prova final de aptidão profissional de trinta alunos finalistas da Escola Profissional de Teatro de Cascais. No sentido de proporcionar oportunidade a que todos os alunos apresentassem trabalho de interpretação passível de ser avaliado, foram desdobrados protagonistas e ensaiados 4 elencos distintos.

O colectivo deste espetáculo conta com atores profissionais do TEC, de uma companhia com quase 54 anos de existência; e ainda com a interpretação do ator de prestígio e talento incontestáveis, Ruy de Carvalho. Numa verdadeira celebração do teatro no teatro, o elenco é complementado com a participação de cinquenta alunos não-finalistas da EPTC, consolidando a perspectiva de integrar a formação com a produção teatral, que prosseguimos há 15 anos.

Desafiado pela estética onírica e violentamente absurda que sempre me apaixonou, este meu Sonho é uma obra-vida da qual desconheço o final, porque estará em continua transformação, à espera do encontro com cada um dos espetadores que o irão completar, usando da sua própria imaginação.

Carlos Avilez Maio 2019

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Viagem à Terra da Humanidade

"A minha peça mais amada e a filha da minha maior dor".

Strindberg, carta para Emil Schering 17 April 1907 referindo-se à estreia de O Sonho

August Strindberg escreveu a peça O Sonho (Ett drömspel, “uma peça/jogo de sonho”) em 1901, após ter ultrapassado uma grave crise psíquica. Denominada de crise do "Inferno" pelo próprio autor, deu origem a um livro com esse mesmo título, finalizado em 1897. Durante esse período, em que residiu num quarto de hotel em Paris, Strindberg sofreu de agonias físicas autoinfligidas—como quando queimou as mãos ao praticar experiências alquímicas—bem como de obsessões e alucinações profundas. Quando finalmente despertou dessa viagem infernal, sob o cuidado carinhoso da sua sogra (mãe de Frida Uhl, sua segunda esposa, que o abandonou devido à sua crueldade conjugal), Strindberg estava transformado: no seu comportamento pessoal, na sua visão da feminilidade e masculinidade, na sua abordagem ao teatro. Se antes se tornara conhecido por obras de estética realista em que retratava homens e mulheres numa luta elementar e “darwiniana” pela supremacia e sobrevivência (Menina Júlia, Pai, Os Credores, A Mais Forte), na altura em que escreve A Estrada para Damasco e O Sonho, torna-se evidente uma mudança conceptual e temática na sua obra, manifestadas através de uma estética teatral inovadora.

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Neste sentido, a protagonista de O Sonho já não é a mulher vampírica e castradora das suas obras anteriores, mas antes uma deusa combativa e afetuosa. Filha de Indra, deus védico do céu e dos trovões da mitologia Hindu, Agnes decide viajar para a Terra através de uma atmosfera sufocante para descobrir porque razão os seres humanos se lamentam da sua vida e condição. Ao assumir uma forma humana para experimentar todos os prazeres e tribulações dessa espécie, emerge como uma figura de Cristo no feminino, recusando no entanto imolar-se para salvar a humanidade. Tal como em obras anteriores, Strindberg projecta-se nos homens sonhadores, desesperados e loucos que protagonizam O Sonho: no Oficial narcísico e fantasiador, que vive em contínua demanda pelo amor ideal; no Advogado desesperadamente enredado na teia mesquinha e corrupta das contendas humanas; e, finalmente, no Poeta sofrido e demente, que sonha ou engendra o próprio Sonho a que estamos a assistir, procurando encontrar uma alternativa vitalista para a absurdidade a que a humanidade chegou. Um dos temas principais que atravessa O Sonho é o do amor sexual: da impossibilidade de fruir da sua doçura sem provar também o amargo sofrimento que provoca. Com efeito, a transformação que ocorreu em Strindberg durante o processo de composição da peça foi particularmente acentuada pela dissolução do seu terceiro casamento com a actriz Harriet Bosse, a primeira a interpretar Agnes quando O Sonho estreou no Teatro Sueco de Estocolmo, em 17 de abril de 1907.

Através da viagem de Agnes ao mundo dos mortais, Strindberg sugere que a vida humana é uma contradição trágica, uma luta entre opostos aparentemente irreconciliáveis como espírito e matéria, amor e ódio, masculino e feminino, juventude e velhice. Neste sentido, Strindberg evoca a união dos contrários ou coincidência dos opostos proposta por Emmanuel Swedenborg (filósofo sueco do século XVIII que ele muito admirava), como conexão de correspondências essenciais para transmitir o mistério divino da totalidade. “Terra e céu comunicam um com o outro”, escreve Strindberg, “Tudo é criado por analogia”. Em O Sonho, Strindberg evoca igualmente o neoplatonismo de Swedenborg, de que o mundo aparente, ou perceptível, é apenas uma imagem sombria do mundo divino. Repetidamente ao longo da peça, Strindberg sugere que a vida é apenas uma aparência,

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uma cópia, ou um espelho pouco fiel. Centenas de anos antes, já Calderón de la Barca (La Vida es Sueño, 1635) e Shakespeare (The Tempest, 1611), entre outros, tinham adoptado esse mesmo conceito, de que a vida é um sonho, ou de que o que tomamos por realidade é apenas uma representação. O texto cénico de O Sonho é metateatral, estruturado num desdobramento de diferentes níveis de ficção em que as passagens de uns para outros não são marcadamente evidentes nem previsíveis. Foi assim que, por razões tanto dramatúrgicas como práticas (por se tratar de um espetáculo que também é prova de aptidão profissional dos alunos finalistas da EPTC), decidimos proceder a uma duplicação da protagonista: a primeira correspondendo à representação da filha de Indra, de uma deusa combativa mas ainda etérea; a segunda atribuída à actriz-Agnes designada pelo actor-Indra, criadores de universos de teatro aqui e agora, no Teatro Experimental de Cascais em Julho de 2019. A inovação mais marcante de O Sonho é precisamente a sua estética metateatral não-realista, pelo que foi considerado um texto cénico percursor não só do Expressionismo, como também do Surrealismo e do Teatro do Absurdo. Sendo talvez o primeiro texto a tentar apresentar um sonho cenicamente, a obra segue a forma episódica, fluída e fragmentada de um fluxo do (in)consciente, confundindo as relações entre exterior e interior, conhecido e desconhecido, visível e invisível. Tal como anuncia no prefácio à peça, Strindberg propõe-se evocar a estrutura livre do inconsciente “em que o Tempo e o Lugar não existem" e onde a imaginação “tece uma mistura de memórias, experiências, associações livres, absurdidades e improvisos”. Um dos temas principais é portanto o próprio Tempo, que decorre de forma linear e inexorável para as personagens humanas de O Sonho, causando-lhes angústia pela consciência da finitude, em lugar de lhes infundir responsabilidade apaixonada pelas suas ações, ou intensidade para pensar-sentir cada momento. Embora apresente uma estética fragmentada e frequentemente abstracta, O Sonho enuncia portanto um ataque implacável à insensatez e mesquinhez da sociedade humana. Torna-se isto evidente no modo como apresenta a burocracia aleijada e moribunda da justiça, que viria a inspirar a ficção de Franz Kafka, tal como o próprio admitiu numa carta a Strindberg. São igualmente articuladas críticas acerbas ao sentimentalismo piegas e hipócrita das relações conjugais e familiares; à perversidade dos Dignitários da Academia, que em lugar de estimular e divulgar o conhecimento lutam avidamente pelo poder; e ainda ao “cego” monopólio de alguns poucos seres humanos, em contraste com a miséria e escravidão de muitos outros. O mundo a que Agnes assiste é portanto pesado e encontra-se poluído de invenções dos seres humanos que afinal só servem para os torturar e castigar: a medição do tempo, a exploração desmedida dos recursos naturais, o cumprimento do dever sem prazer, o sentido do pecado, o medo da felicidade, o medo da liberdade. Tal como Agnes declara: “Filhos da humanidade! Como sabem estragar tudo o que há de bom.”

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O Sonho de Strindberg emerge assim como um grito existencial de dor, evocando o Grito pintado por Edvard Munch, pintor norueguês que foi seu amigo íntimo. Deixa-nos contudo a sugestão de que a poesia é sonho, de que o sonho é poesia, ou de que cabe aos artistas (re)inventar mundo(s). Graça P. Corrêa Julho 2019

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August Strindberg Biografia 1849 – Nasce a 22 de Janeiro, em Estocolmo. É o terceiro de oito filhos de Carl Oscar, um aristocrata falido, e de Nora, que fora previamente sua criada. A sua infância é marcada pela pobreza, fome e insegurança emocional; e pelo fanatismo religioso da mãe, à Strindberg consagra um amor devoto.

1860 – Enquanto frequenta o ensino secundário, aspira a ingressar na escola de cadetes, tal como os jovens aristocratas seus colegas. Impossibilitado de se tornar oficial, Strindberg fará mais tarde vestir o uniforme a alguns dos seus duplos, nomeadamente em O Sonho.

1862-63 – A sua mãe falece; o pai volta a casar-se, novamente com uma criada.

1867 – Ingressa na Universidade de Upsala para estudar Literatura.

1868 – Abandona a Universidade. Trabalha como professor do ensino básico.

1869 – Ainda estudante, escreve a comédia O Livre Pensador e a tragédia em verso, O Fim da Héladetornar-se actor, inscrevendoConservatório do Teatro Real Dramático de Estocolmo (Dramaten). Falha como actor; passa a trabalhar como ponto.

1870 – Enquanto frequenta o Conservatório de Teatro, é convidado pelo director a escrever uma peça (Roma) que se estreia com algum sucesso a 13 de Setembro.

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Nasce a 22 de Janeiro, em Estocolmo. É o terceiro de oito filhos de Carl Oscar, um aristocrata falido, e de Nora, que fora previamente sua criada. A sua infância é marcada pela pobreza, fome e insegurança emocional; e pelo fanatismo religioso da mãe, à qual Strindberg consagra um amor devoto.

Enquanto frequenta o ensino secundário, aspira a ingressar na escola de cadetes, tal como os jovens aristocratas seus colegas. Impossibilitado de se tornar oficial, Strindberg fará mais tarde vestir o

me a alguns dos seus duplos,

A sua mãe falece; o pai volta se, novamente com uma criada.

Ingressa na Universidade de Upsala para estudar Literatura.

Abandona a Universidade. r do ensino

Ainda estudante, escreve a e a tragédia

O Fim da Hélade. Decide se actor, inscrevendo-se no

Conservatório do Teatro Real Dramático de Estocolmo (Dramaten). Falha como

alhar como ponto.

Enquanto frequenta o Conservatório de Teatro, é convidado pelo director a escrever uma peça (Em

) que se estreia com algum sucesso

1871 – Escreve O Banido, estreada a 16 de Outubro no Dramaten.

1872 – Escreve Mestre Oloftemas políticos controversos que é rejeitada pelo Dramaten. Abandona o teatro e passa a trabalhar como jornalista.

1873 – Trabalha como telegrafista e depois como redator de uma revista de seguros. Tenta suicidar-se.

1874 – Trabalha como bibliotecário na Biblioteca Real de Estocolmo. É promovido a secretário geral e estabelece relações amigáveis com o Barão Wrangel e a sua esposa Siri von Essen, uma aristocrata de 25 anos que aspira a ser actriz.

1875 – Siri von Essen e August Strindberg declaram o seu amor mútuo na Primavera. Assustado pelo ardor da sua paixão, Strindberg foge para Paris.

, estreada a 16

Mestre Olof, peça sobre temas políticos controversos que é rejeitada pelo Dramaten. Abandona o teatro e passa a trabalhar como

Trabalha como telegrafista e depois como redator de uma revista de

Trabalha como bibliotecário na Biblioteca Real de Estocolmo. É promovido a secretário geral e estabelece relações amigáveis com o Barão Wrangel e a sua esposa Siri von Essen, uma aristocrata de 25 anos que

n e August Strindberg declaram o seu amor mútuo na Primavera. Assustado pelo ardor da sua paixão, Strindberg foge para Paris.

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1876 – Após uma intensa discussão com o pai, decide não voltar a vê-lo até ao fim da vida.

1877 – O casal Wrangel decide divorciar-se. Pouco tempo depois, August e Siri casam-se. Durante os primeiros dois anos, o casal atravessa graves dificuldades emocionais e financeiras.

1879-82 – Sob a influência de Siri von Essen, Strindberg começa a escrever dramas históricos: O Segredo de Guilda, Viagem de Pedro o Feliz, A Mulher de Sire Bengt. Graças ao sucesso do romance O Quarto Vermelho, Strindberg ascende à celebridade e a um relativo desafogo financeiro. No entanto a relação do casal começa cedo a degradar-se. Strindberg passa da atração à repulsa, da veneração ao nojo, alimentando um amor-ódio por Siri que é descrito no seu romance, Defesa de um Louco. Deste casamento nascem duas filhas e um filho.

1882 – Escreve Camaradas, uma comédia de costumes que ridiculariza o feminismo, em resposta ao sucesso da peça Uma Casa de Bonecas de Ibsen. Publica um volume de contos de teor político, O Novo Reino, pelo qual é publicamente criticado.

1883-84 – Abandona a Suécia e viaja pela França, Suíça, Alemanha e Dinamarca. Escreve um conjunto de narrativas intitulado Casados, no qual expõe livremente a sua misoginia. Por abordar de forma imprópria o sacramento da Última Ceia, Strindberg é acusado de blasfémia, levado a tribunal na Suécia, depois absolvido.

1886 – Escreve O Filho da Criada, uma narrativa autobiográfica: “Nascido com a nostalgia do céu, desde criança que choro pela sujidade da existência, considerando-me estranho e desenraizado da minha família e da sociedade. Desde a infância que procuro Deus, mas só encontrei o demónio.”

1887-89 – Inicia o seu período naturalista, com as peças Pai, Menina Júlia, Credores e O Pária, explorando alguns temas com insistência, nomeadamente o antagonismo conjugal e a guerra dos sexos, como um incessante “combate cerebral” com dimensões cósmicas. Apesar das discussões constantes com Siri, é ela quem interpreta as protagonistas de todas as suas peças.

1891 – A relação com Siri termina num doloroso processo de divórcio. Na sequência desta separação, passa a ser considerado um escritor alcoólico e obcecado por temas escandalosos, não encontrando quem publique as suas

Siri von Essen

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obras, nem quem encene as suas peças de teatro, na Suécia.

1892 – No Outono parte para Berlim, onde é aclamado pelos naturalistas alemães. Conhece Frida Uhl, jovem jornalista austríaca 23 anos mais nova do que ele, cujo pai é bastante influente na corte imperial de Viena. Frida propõe tornar-se empresária de Strindberg, encarregando-se de o apresentar às personalidades mais importantes das artes e das letras em Berlim. Durante este período de relacionamento com Frida, Strindberg escreve O Elo, As Chaves do Céu, Ter e Dever e Perante a Morte.

1893 – Casa-se com Frida na ilha de Heligoland, Alemanha. Sente dificuldade em ser aceite pela família católica e aristocrata da sua nova mulher. Este casamento, do qual nasce uma filha, durará apenas alguns meses.

1894 – Após uma existência deambulante e perturbada, o casal fixa-se em Paris, onde Strindberg estabelece uma amizade com os pintores Paul

Gauguin e Edvard Munch, entre outros. Pouco tempo depois, alegando ser vítima de maus tratos por parte do marido, Frida decide regressar à Áustria (onde irá conhecer e tornar-se amante do dramaturgo Franz Wedekind).

1894-96 – Atravessa uma grave crise psíquica (descrita na narrativa autobiográfica Inferno), durante a qual decide iniciar-se no ocultismo e dedicar-se à alquimia. Leva uma vida irregular e extenuante num quarto de hotel em Paris, viciando-se em absinto, bebida alucinogénia. Sofre de visões aterradoras, pelo que mergulha na leitura da Bíblia e da obra filosófica de Emmanuel Swedenborg. É finalmente internado para tratamento psiquiátrico no Hospital de Saint-Louis.

1898 – Em Fevereiro, já recuperado mas ainda em Paris, começa a escrever A Estrada para Damasco, a sua primeira obra teatral mística, inspirada nas ideias de Dante, Péladan e Swedenborg. Afirma estar a inaugurar uma estética “supranaturalista”.

1899 – Regressa à Suécia onde escreve dramas históricos: Gustav Vasa, A Saga dos Folkungar e Erik XIV. Como a publicação destas obras não lhe traz o sucesso que esperava, renuncia novamente ao teatro, dedicando-se ao romance. Na Primavera conhece Harriet Bosse, atriz norueguesa de 22 anos contratada pelo Dramaten para protagonizar a peça A Estrada para Damasco. Strindberg apaixona-se por Harriet, julgando-se enfeitiçado por ela, tal como descreve no seu Diário Oculto.

1900 - Com 51 anos, casa-se com Harriet. Apesar de frequentemente se

Frida Uhl

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referir a Harriet como sua musa e de escrever vários papéis com ela em mente (nomeadamente o de Agnes em Sonho), o relacionamento não consegue sobreviver ao ciúme incessante e ao humor instável de Strindberg.

1901-02 – Escreve O Sonho, inspirado pelo amor que sente por Harriet, uma autêntica “primavera no inverno” para o autor. Escreve igualmente A Dança da Morte e uma autobiografia intitulada

1903 – Durante o Verão, após dois anos de disputas e reconciliações, de partidas e regressos, Harriet abandonalevando consigo a filha do casal, AnneMarie.

1904 – É pronunciado o divórcio entre Strindberg e Harriet. Isso não impede o casal de continuar a encontrar-Harriet de preservar o seu “quarto amarelo” na casa do ex-marido, nem a Strindberg de se sentir visitado por ela, mesmo na sua ausência, mantendo com

Harriet Bosse

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referir a Harriet como sua musa e de escrever vários papéis com ela em mente (nomeadamente o de Agnes em O

), o relacionamento não consegue sobreviver ao ciúme incessante e ao

, inspirado pelo amor que sente por Harriet, uma autêntica “primavera no inverno” para o

A Dança da e uma autobiografia intitulada Só.

Durante o Verão, após dois anos de disputas e reconciliações, de partidas e regressos, Harriet abandona-o, levando consigo a filha do casal, Anne-

É pronunciado o divórcio entre Strindberg e Harriet. Isso não impede o

-se, nem a Harriet de preservar o seu “quarto

marido, nem a Strindberg de se sentir visitado por ela,

endo com

a ex-mulher uma estranha ligação que classifica de “tele-erótica”. Durante este período Strindberg escreve contos e pequenos romances. Em Maio, Júlia é encenada com grande sucesso pelo jovem Max Reinhardt em Hamburgo.

1906 – O jovem encenaAugust Falck encena Menina JúliaEstocolmo, com enorme êxito. Propõe a Strindberg a criação do Teatro Íntimo, onde serão apresentadas as suas Kammarspel ou peças de câmara: Tempestade, A Casa Queimadados Espectros e O Pelicanoúltimas peças, Strindberg apresenta indivíduos enclausurados em espaços habitados por aparições, sombras e espectros. Esta mistura caótica de pesadelos da imaginação com trivialidades quotidianas tem a sua raiz numa experiência paranoica da realidade. Com efeito, durante este período reside com a sua irmã Ana, a quem censura por o fazer passar fome.

1906-09 – Ao longo de menos de três anos a nova companhia produz 1.500 apresentações, na sua sede em Estocolmo e em digressões pela Suécia.A oportunidade de trabalhar de perto com atores e designers permite a Strindberg exercitar algumas das suas teorias sobre a estética e função da performance teatral. Em vez de dar indicações aos seus atores após os ensaios, Strindberg escreve uma série de memorandos para caexplicar os seus pensamentos e intenções. Estas Cartas Abertas para o Teatro Íntimo, publicadas em 1966, oferecem uma visão fascinante da sua praxis teatral.

Harriet Bosse

mulher uma estranha ligação que erótica”. Durante este

período Strindberg escreve contos e pequenos romances. Em Maio, Menina

é encenada com grande sucesso pelo jovem Max Reinhardt em

O jovem encenador sueco Menina Júlia em

Estocolmo, com enorme êxito. Propõe a Strindberg a criação do Teatro Íntimo, onde serão apresentadas as suas

ou peças de câmara: A Casa Queimada, Sonata

dos Espectros e O Pelicano. Nestas últimas peças, Strindberg apresenta indivíduos enclausurados em espaços habitados por aparições, sombras e espectros. Esta mistura caótica de pesadelos da imaginação com trivialidades quotidianas tem a sua raiz numa experiência paranoica da

efeito, durante este período reside com a sua irmã Ana, a quem censura por o fazer passar fome.

Ao longo de menos de três anos a nova companhia produz 1.500 apresentações, na sua sede em Estocolmo e em digressões pela Suécia.

trabalhar de perto com atores e designers permite a Strindberg exercitar algumas das suas teorias sobre a estética e função da performance teatral. Em vez de dar indicações aos seus atores após os ensaios, Strindberg escreve uma série de memorandos para cada um, a explicar os seus pensamentos e

Cartas Abertas para o , publicadas em 1966,

oferecem uma visão fascinante da sua

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1909 – Após o encerramento do Teatro Íntimo e o casamento de Harriet com um ator, passa a residir na sua “torre azul”, um apartamento em 85 Drottninggatan, no centro de Estocolmo, que é atualmente uma casa-museu. Aí escreve as suas duas últimas peças, A Luva Preta e A Grande Estrada. A jovem de 18 anos Fanny Faulkner, atriz do Teatro Íntimo e sua última paixão, mora no mesmo prédio e visita-o regularmente para lhe trazer refeições. Strindberg pede-a em casamento, proposta que ela simpaticamente declina.

1910 – Os últimos anos da sua vida são marcados por um escândalo público final, desencadeado a 29 de abril, com a publicação de um artigo seu num jornal esquerdista intitulado “Culto-do-Faraó”, no qual critica a tirania de Karl XII, rei sueco do século XVII. O artigo provoca uma reação irada por parte do movimento conservador e atiça um longo debate de dois anos que fica

conhecido como “A Contenda de Strindberg”.

1912 – A 22 de janeiro, dia do seu último aniversário, Strindberg é premiado com um prémio anti-Nobel por um grupo de trabalhadores e estudantes que meses antes tinham iniciado uma coleta pública para apoiar o autor. Depois de lhe ter sido negado o prémio Nobel pela Academia sueca durante sete anos, Strindberg é homenageado por uma multidão de milhares de pessoas que se reúnem junto à casa onde reside em Estocolmo. Quatro meses depois, após lutar contra uma pneumonia, Strindberg falece a 14 de Maio, de cancro do estômago. Cerca de 60.000 pessoas acorrem à sua procissão fúnebre. Os jornais, que antes tinham sido tão críticos para com ele, apressam-se a publicar obituários elogiosos – uma ironia do destino para um escritor que passou toda a sua vida a escrever contra a ideologia do sistema social, económico e político do seu tempo.

August Strindberg por Edvard Munch, 1896

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A obra de Strindberg influenciou imensamente o teatro do século XX, continuando a inspirar muitos criadores no século XXI. Além de se revelar um inovador no teatro (com 60 peças escritas em diferentes géneros), foi também poeta, jornalista, romancista, pintor e fotógrafo. Embora seja recordado sobretudo como dramaturgo “naturalista”, são precisamente os seus textos simbolistas e pré-expressionistas que se revelaram mais inspiradores para escritores e encenadores como Antonin Artaud, Franz Kafka, Samuel Beckett, Max Reinhardt, Sean O'Casey, Eugene O'Neill, Tennessee Williams, Harold Pinter, Caryl Churchill, Sarah Kane, Edward Albee, Ingmar Bergman, Bob Wilson e Lars Nóren.

Graça P. Corrêa

Bibliografia

Bablet, Denis e Jean Jacquot. L’Expressionisme dans le Théâtre Européen. Paris: C.N.R.S., 1984.

Bjurström, Carl-Gustaf. Posfácio ao Théâtre Complet de A. Strindberg vol. 6. Tradução de Graça P. Corrêa. Paris: L’Arche, 1997.

Gravier, Maurice. Posfácio ao Théâtre Complet de A. Strindberg vol. 1. Tradução do Teatro da Cornucópia. Paris: L’Arche, 1982.

Kimberly La Palm, “Strindberg’s Biography”, http://strindberg.cuttingball.com/strindbergs-biography. Consultado 17 Junho 2019.

Martinus, Eivor. “Introduction”, The Chamber Plays. Oxon, UK: Amber Lane Press, 1991.

Meyer, Michael Leverson. Strindberg: A Biography. Oxford: Oxford University Press, 1987.

Strindberg em Gersau, Suiça . 1898

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O SONHO Guião de cenas

tal como descritas na peça de Strindberg

1. No domínio dos deuses

Massas de nuvens que lembram montanhas com castelos e fortalezas destruídas. Distinguem-se as constelações de Leão, Virgem e Balança, com o planeta Júpiter brilhando intensamente entre elas.

2. No exterior do castelo

Floresta de enormes malvas em flor; de cores branca, rosa, roxa, amarelo-sulfuroso e violeta. Acima delas o telhado dourado de um castelo, encimado por um botão floral semelhante a uma coroa.

3. Uma sala no interior do Castelo

Um OFICIAL está lá sentado a entreter-se com uma arma, veste um uniforme atual mas muito estranho.

4. A sala de uma casa de família

A MÃE, uma inválida, está sentada a uma mesa. À sua frente há uma vela acesa que ela atiça de vez em quando, com a ajuda de uma tesoura. O PAI entrega-lhe um xaile de seda.

5. No exterior do Teatro, junto à porta

dos artistas, na primavera

A PORTEIRA do TEATRO tem uma mantilha sobre a cabeça e ombros e está a fazer, em crochet, uma colcha de estrelas. À direita o AFIXA-CARTAZES segurando um camaroeiro com um cabo verde. A CANTORA entra a chorar. O OFICIAL entra, trazendo na mão um ramo de rosas radiantes e felizes.

6. No exterior do Teatro, no outono,

alguns anos depois

O OFICIAL entra, tem agora barba e cabelos grisalhos. As suas roupas estão surradas, a gola do casaco está suja e amarrotada. Ouve-se, vinda de cima, uma música suave de ballet.

7. No exterior do Teatro, primavera,

anos depois

O OFICIAL é agora um velho de cabelos brancos, de roupa esfarrapada. Transporta os restos do ramo de rosas. Uma BAILARINA da companhia de ballet entra. Uma CANTORA do Coro da Ópera entra. O PONTO do teatro entra.

8. No exterior do teatro

O OFICIAL faz com que todos se reúnam à volta da porta. Entram CANTORES do coro dos Mestres Cantores de Wagner; seguidos de DANÇARINOS e FIGURANTES da Aida de Verdi. Agentes da POLÍCIA impedem a abertura da porta.

9. No escritório de um advogado

A cena muda para apresentar o escritório de um ADVOGADO, que está sentado diante de uma mesa coberta de papéis. A sua expressão denuncia um sofrimento extremo; o seu rosto é branco como giz e está fortemente desenhado de rugas e olheiras roxas. É um homem feio, cujo rosto reflete todo o tipo de crimes e vícios em que a sua profissão necessariamente o envolveu. Dos dois SECRETÁRIOS seus assistentes,

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o primeiro tem apenas um braço e o outro apenas um olho.

10. No interior de uma igreja

Os ARAUTOS entram, seguidos por DANÇARINOS que seguram coroas de louros. Entram os DECANOS das quatro faculdades de FILOSOFIA, TEOLOGIA, MEDICINA e DIREITO. Três são coroados pelos DANÇARINOS. O ADVOGADO avança para ser coroado mas os DANÇARINOS afastam-se, recusando-se a coroá-lo. Todos saem, deixando o ADVOGADO sozinho. AGNES coloca uma coroa de espinhos na cabeça do ADVOGADO. Senta-se ao órgão e toca um Kyrie, mas em vez da música ouvem-se vozes humanas.

11. No interior de uma gruta

O órgão é transformado na Gruta de Fingal. O mar surge sob os pilares de basalto, produzindo um som combinado de vento e ondas.

12. No Teatro Experimental de

Cascais, em Julho de 2019

Aqui e agora.

13. Uma sala na casa do casal Agnes-

Axel

Uma sala muito simples, junto ao escritório do advogado. KRISTIN está ocupada a colar tiras de papel nas frinchas das janelas.

14. Exterior de um entreposto de

quarentena junto à praia

Vemos as encostas queimadas de uma montanha, tocos de árvores carbonizados, estábulos e pocilgas vermelhas, após um incêndio florestal. Mais abaixo, um Ginásio onde PESSOAS se exercitam em máquinas que mais parecem instrumentos de tortura. Em

primeiro plano, vê-se parte de um pavilhão aberto; trata-se do edifício da quarentena, com as suas fornalhas, caldeiras e tubagens. O MESTRE de QUARENTENA, vestido como um mouro, caminha pela praia. O POETA entra, a olhar para o céu, com um balde de lama na mão. LINA entra com um balde na mão. Um barco branco desliza à nossa frente. Ao leme, com os braços ao redor da cintura um do outro, sentam-se ELE e ELA. O OFICIAL lança um cabo que desloca o barco para a praia da Morte. Passa um REFORMADO, de mãos atrás das costas.

15. Exterior de uma sala de convívio

num aldeamento turístico junto à

praia

Uma bela praia arborizada com embarcadouros decorados com bandeiras multicolores. Barcos à vela, alguns com velas içadas, outros não. Pequenas moradias de estilo italiano, pavilhões, quiosques e estátuas de mármore, podem ser vistas ao longo da costa, entre a folhagem. À direita a sala de convívio do aldeamento turístico, onde há casais que dançam. Sentadas sobre um caixote estão as JOVENS CRIADAS que, abraçadas à cintura umas das outras, observam a dança. Nos degraus da sala de convívio está sentada a feia EDITE, de cabeça destapada e infeliz. À frente dela, um piano. Paisagem de inverno, com neve no chão e árvores despidas de folhas. EDITE começa a tocar a Tocata e Fuga de Bach no.10 ao piano. Os CONVIDADOS surgem à porta para a ver tocar. Um OFICIAL da MARINHA segura ALICE pela cintura e a leva-a até ao cais. EDITE interrompe a música ao piano, levanta-

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se e observa-os com uma expressão desesperada.

16. No interior de uma sala de aula

Vemos três carteiras escolares com CRIANÇAS-ALUNOS lá sentados, entre eles o OFICIAL. À frente deles está o MESTRE-ESCOLA com óculos, giz e um ponteiro.

17. No cais de embarque

As CRIADAS, que estavam a assistir à dança, dirigem-se com tristeza para o cais de embarque. O MARIDO e a MULHER, recém-casados, dirigem-se para o mar. Entra um CEGO. O veleiro iça as velas e afasta-se. As jovens CRIADAS ora agitam os lenços, ora secam as lágrimas. Vê-se uma bandeira com o sinal “Sim” (um circulo vermelho sobre um fundo branco) a subir ao mastro. ALICE, louca de alegria, agita freneticamente o lenço. O ADVOGADO entra, dirige-se ao CEGO e segreda-lhe qualquer coisa. Ouvem-se lamentações provenientes da Praia da Morte, na margem oposta.

18. Uma praia no Mediterrâneo

Um muro branco acima do qual assomam laranjeiras carregadas de fruta. Ao fundo umas moradias e um casino com esplanada. Dois CARVOEIROS em tronco nu. AGNES e o ADVOGADO entram. O CAVALHEIRO e a DAMA atravessam a cena. Entram CRIANÇAS que gritam de susto ao verem os dois carvoeiros tão enegrecidos.

19. No interior de uma gruta

A Gruta de Fingal. Longas ondas verdes rolam lenta e docemente no interior da caverna. Música do vento. Música das ondas. AGNES e o POETA estão em cena.

As ondas sobem na gruta e ameaçam submergi-los.

20. No interior de um teatro de ópera

A PORTEIRA do TEATRO faz soar um apito. CANTORES, ACTORES e DANÇARINOS entram. O OFICIAL entra com um ramo de rosas na mão, radiantemente feliz. Entram o CHANCELER e os DECANOS das quatro faculdades: FILOSOFIA, TEOLOGIA, MEDICINA e DIREITO. Chegam também, para assistir à abertura da porta, todos os BEM-PENSANTES.

21. No exterior do castelo

O mesmo cenário que na cena inicial da peça. No ponto mais alto do castelo, o botão de crisântemo está prestes a desabrochar. AGNES entra no castelo. O fundo do palco ilumina-se com o castelo a arder, exibindo uma parede de rostos humanos que se questionam, lastimam e desesperam. À medida que o castelo arde, o botão descerra um enorme crisântemo.