sousa. sandra m. zakia avaliacao na organizacao do ensino

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A AVALIAÇÃO NA ORGANIZAÇÃO DO ENSINO EM CICLOS SANDRA M. ZÁKIA L. SOUSA ( Revista de Educação) Os anos 80, marcam a ruptura com a organização seriada, que com a LDB (9394/96), se coloca como tendência irreversível. A implantação de ciclos institui o regime de progressão continuada que determina uma re-significação ao processo de avaliação, especialmente, da aprendizagem dos alunos. O horizonte da transformação proposta é a construção de uma nova concepção do processo de aquisição e produção do conhecimento. A implantação dos ciclos, ao prever a progressão continuada supõe tratar o conhecimento como processo de construção em que o aluno é situado como sujeito da ação, que, continuamente, está se formando, construindo significados a partir de relações dos homens com o mundo e entre si. A natureza dinâmica, relativa e plural do conhecimento ganha centralidade, opondo-se à noção de conhecimento como algo estático, traduzido por conteúdos e habilidades a serem dominados pelos alunos, desconsiderando-se as diferenças individuais e sócio- culturais dos mesmos. TENDÊNCIAS PRESENTES NA PRÁTICA ESCOLAR A avaliação, no contexto escolar, revela sua natureza classificatória, seletiva e autoritária. Aprovação ou reprovação se constitui na finalidade e no foco central do processo de avaliação. Os alunos não discutem o que estão aprendendo, se estão aprendendo ou o sentido da aprendizagem, mas, que nota tiraram. A avaliação se caracteriza como instrumento de controle e adaptação de condutas educacionais dos alunos. Desta forma, o projeto educacional dominante em nossas escolas é o de reprodução cultural e econômica das relações de classe de nossa sociedade. O que está em jogo é o projeto educacional e social com qual estamos comprometidos que valores estão pautando nossas decisões e ações? A implantação da progressão continuada provoca um confronto com essa lógica dominante na instituição escolar. É preciso que se indague: - queremos a democratização da escola? - acreditamos que a escola deve servir a todos e que todos têm direito ao acesso? - acreditamos na condição de educabilidade do ser humano, na possibilidade de todos desenvolverem-se respeitando-se a singularidade de cada um e suas características sócio-culturais? É necessário analisar as condições de nosso sistema de ensino quanto ao seu potencial viabilizador de mudanças. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGISLAÇÃO E AS CONDIÇÕES PARA A IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE PROGRESSÃO CONTINUADA. - LDB 4024 (artº 104), possibilita a organização não-seriada em caráter experimental. - LDB 5692/71 (artº 14) aparece como alternativa. - CFE (Parecer nº 360/74) se posiciona pela não-reprovação. A escolaridade do aluno é vista num sentido de crescimento horizontal; o aproveitamento, numa linha de crescimento vertical. A adoção do sistema de avanços progressivos possibilita que o aluno caminhe de acordo com sua capacidade. Condições a serem observadas para o sistema ser implantado com êxito: - agrupamento dos alunos segundo o critério conjugado de idade cronológica e nível de progresso (aproveitamento escolar); - avaliação contínua dos alunos pelo professor e aplicação de diferentes meios de verificação da aprendizagem;

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Page 1: Sousa. sandra m. zakia   avaliacao na organizacao do ensino

A AVALIAÇÃO NA ORGANIZAÇÃO DO ENSINO EM CICLOS SANDRA M. ZÁKIA L. SOUSA ( Revista de Educação)

Os anos 80, marcam a ruptura com a organização seriada, que com a LDB (9394/96), se coloca como tendência irreversível. A implantação de ciclos institui o regime de progressão continuada que determina uma re-significação ao processo de avaliação, especialmente, da aprendizagem dos alunos. O horizonte da transformação proposta é a construção de uma nova concepção do processo de aquisição e produção do conhecimento. A implantação dos ciclos, ao prever a progressão continuada supõe tratar o conhecimento como processo de construção em que o aluno é situado como sujeito da ação, que, continuamente, está se formando, construindo significados a partir de relações dos homens com o mundo e entre si. A natureza dinâmica, relativa e plural do conhecimento ganha centralidade, opondo-se à noção de conhecimento como algo estático, traduzido por conteúdos e habilidades a serem dominados pelos alunos, desconsiderando-se as diferenças individuais e sócio- culturais dos mesmos. TENDÊNCIAS PRESENTES NA PRÁTICA ESCOLAR A avaliação, no contexto escolar, revela sua natureza classificatória, seletiva e autoritária. Aprovação ou reprovação se constitui na finalidade e no foco central do processo de avaliação. Os alunos não discutem o que estão aprendendo, se estão aprendendo ou o sentido da aprendizagem, mas, que nota tiraram. A avaliação se caracteriza como instrumento de controle e adaptação de condutas educacionais dos alunos. Desta forma, o projeto educacional dominante em nossas escolas é o de reprodução cultural e econômica das relações de classe de nossa sociedade. O que está em jogo é o projeto educacional e social com qual estamos comprometidos – que valores estão pautando nossas decisões e ações? A implantação da progressão continuada provoca um confronto com essa lógica dominante na instituição escolar. É preciso que se indague: - queremos a democratização da escola? - acreditamos que a escola deve servir a todos e que todos têm direito ao acesso? - acreditamos na condição de educabilidade do ser humano, na possibilidade de todos

desenvolverem-se respeitando-se a singularidade de cada um e suas características sócio-culturais?

É necessário analisar as condições de nosso sistema de ensino quanto ao seu potencial viabilizador de mudanças. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGISLAÇÃO E AS CONDIÇÕES PARA A IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE PROGRESSÃO CONTINUADA. - LDB 4024 (artº 104), possibilita a organização não-seriada em caráter experimental. - LDB 5692/71 (artº 14) – aparece como alternativa. - CFE (Parecer nº 360/74) se posiciona pela não-reprovação. A escolaridade do aluno é

vista num sentido de crescimento horizontal; o aproveitamento, numa linha de crescimento vertical.

A adoção do sistema de avanços progressivos possibilita que o aluno caminhe de acordo com sua capacidade. Condições a serem observadas para o sistema ser implantado com êxito: - agrupamento dos alunos segundo o critério conjugado de idade cronológica e nível de

progresso (aproveitamento escolar); - avaliação contínua dos alunos pelo professor e aplicação de diferentes meios de

verificação da aprendizagem;

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- existência de programas diferenciados de acordo com os grupos de alunos –programas graduados que promovam a diversificação do ensino;

- capacidade de adaptação da escola ao nível de desenvolvimento de seus alunos. Recursos para a implantação dos avanços progressivos: - infra-estrutura da escola para a formação dos agrupamentos; - profissionais da educação com possibilidade de trabalhar instrumentos de avaliação

diagnóstica das condições do aluno; - disponibilidade de tempo do docente para a elaboração de programas de ensino

adequados aos grupos com que trabalha; - manutenção de um registro sistemático do desenvolvimento de cada aluno, para emitir

um julgamento quanto à “desejabilidade” do desempenho para a programação e reprogramação do trabalho.

- Embora a legislação dê abertura para um regime não-seriado, na realidade, está longe de acontecer, contando-se ainda com a resistência dos professores.

Na LDB 9394, de dezembro de 1996, artigo 23, são indicadas diferentes alternativas de organização do ensino. São elencadas alternativas à organização anual em séries, que apontam,em seu conjunto, para a implantação de formas de atendimento escolar que venham responder de modo mais adequado ao processo de desenvolvimento, mesmo para os casos em que se mantém a organização seriada, mecanismos de reclassificação dos alunos e de progressão parcial, o que é expresso no parágrafo primeiro do artigo 23 e nos incisos II e III do parágrafo 24. Além de decretar a sua implantação é necessário que sejam criadas circunstâncias de trabalho que favoreçam aos profissionais da escola, alunos e pais, uma reflexão coletiva e a construção de novas propostas e respostas capazes de garantir que uma medida, potencialmente, tão valiosa para garantir a democratização do ensino, não se traduza em descompromisso com o processo de aprendizagem escolar. DEFININDO AVALIAÇÃO

Normalmente, se define avaliação como sendo mais voltada para o desempenho escolar, procedimento de atribuição de nota, aplicação de instrumento de testagem, prova. - medida- “ Medida é limitada a descrições quantitativas do comportamento do aluno” (Gronlund) É um processo mais restrito que avaliação, fornece dados quantitativos. - avaliação – É um termo mais abrangente do que medida, inclui descrições qualitativas

e/ou quantitativas do comportamento do aluno e mais julgamento de valor quanto à desejabilidade do comportamento.

É preciso não reduzir o conceito de avaliação ao procedimento de constatação e quantificação de “acertos” ou “erros” dos alunos com o qual tem sido confundido. Procedimentos utilizados por Gronlund(1971) para avaliação da aprendizagem dos alunos : - testagem –conjunto de tarefas usadas para colher amostras do comportamento do

indivíduo em uma determinada situação e em um determinado tempo; - auto – relato- situação em que o indivíduo fornece informações sobre si; - observação – aqueles procedimentos que permitem a apreensão direta do fenômeno

que vai ser avaliado. A prova não pode ser confundida com avaliação. Prova é um dos instrumentos de testagem. Avaliação não se caracteriza por mensuração, mas sim, por uma atribuição de valor quanto ao grau de desejabilidade ou desempenho. A implantação da progressão continuada traz a vivência da avaliação em seu sentido constitutivo, direcionando a conceituação de suas funções. SOBRE AS FUNÇÕES DA AVALIAÇÃO Re-significar o processo avaliativo impõe novas respostas ao “para que” e “por quem” as informações serão produzidas e utilizadas; o desafio é buscar superar uma concepção de

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avaliação que se traduz na classificação dos alunos e no controle de seus comportamentos. Funções da avaliação: (enfatizadas na literatura) - o diagnóstico; - a retroinformação; - o favorecimento do desenvolvimento dos alunos. Caracteriza-se como uma prática que tem por fim apoiar e orientar os processos de planejamento e de mudança. A avaliação pautada por estas funções não se limita a uma questão meramente técnica, mas sim política, que leva em conta o compromisso com o processo de desenvolvimento de todos os alunos. BENEFÍCIOS DA MUDANÇA? A Deliberação do Conselho Estadual de Educação de São Paulo 09/97, que institui, no sistema de ensino do Estado de S.P. o regime de progressão continuada, entre outras coisas diz que: “a repetência constitui um pernicioso “ralo” por onde são desperdiçados preciosos recursos financeiros da educação. O custo correspondente a um ano de escolaridade de um aluno reprovado é simplesmente um dinheiro que, sem dúvida afeta os investimentos da educação.” A extinção da repetência, em si, não garante que seja reduzido o custo individual e social da reprovação, caso não sejam garantidas condições para a aprendizagem escolar e a vivência da avaliação em seu sentido constitutivo. É fundamental que ocorra, sistematicamente, a avaliação da escola para além da avaliação do aluno. O horizonte que se impõe com a progressão continuada é a construção de uma escola de qualidade para todos, para o que se impõe também uma nova organização do trabalho escolar, capaz de provocar uma transformação na cultura classificatória e seletiva hoje dominante no sistema escolar. Ao mesmo tempo que se estimula a perspectiva da progressão continuada, o MEC e as Secretarias Estaduais têm estimulado a realização de testes que enfatizam os produtos ou resultados educacionais; o princípio é o de que avaliação gera competição e a competição gera qualidade. Ao estimular essa qualidade (comparando, classificando e selecionando), as políticas educacionais acabam por incorporar a exclusão, ocorrendo uma incompatibilidade ao direito de todos à educação.