sousa jorge pedro uma historia breve do jornalismo no ocidente

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Uma histria breve do jornalismo no OcidenteJorge Pedro SousaUniversidade Fernando Pessoa e Centro de Investigao Media & [email protected]

ndice1 Fenmenos pr-jornalsticos no mundo antigo . . . . . . . . 1.1 A inveno da literatura e os seus contributos para a gnese do jornalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.2 Contributos da historiograa e de outras modalidades de relato para a gnese do jornalismo . . . . . . . . . . . . . . 1.3 As Actas romanas: primeiros jornais . . . . . . . . . . . 2 Fenmenos pr-jornalsticos na Idade Mdia . . . . . . . . . 2.1 As crnicas medievais, antepassadas da reportagem . . . . 2.2 Outros dispositivos pr-jornalsticos medievais: as cartas e o relatos de viagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Fenmenos pr-jornalsticos no Renascimento e mais alm . 3.1 As folhas volantes, ocasionais ou avulsas . . . . . . . . . 3.2 O sistema tipogrco de Gutenberg (a imprensa) e as suas repercusses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.3 Fenmenos pr-jornalsticos nos sculos XV e XVI . . . . 4 O nascimento do jornalismo moderno no sculo XVII . . . . 4.1 O modelo francs normativo e funcional de jornalismo no sculo XVII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.2 O modelo ingls normativo e funcional de jornalismo no sculo XVII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Jornalismo no sculo XVIII: a inuncia do Iluminismo . . . 5 7 20 34 44 45 52 55 58 68 70 75 82 83 88

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5.1 O jornalismo norte-americano no sculo XVIII . . . . . . 5.2 O jornalismo hispano-americano no sculo XVIII . . . . . 6 O jornalismo na maioridade: a imprensa do sculo XIX . . . 6.1 Coberturas de guerra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.1.1 O caso da Crimeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.1.2 Guerra da Secesso Americana . . . . . . . . . . . . . . 6.1.3 Guerra Franco-Prussiana . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.1.4 Guerra Hispano-Americana . . . . . . . . . . . . . . . . 6.2 Entra em cena o fotojornalismo . . . . . . . . . . . . . . . 6.3 As agncias de notcias e o uxo internacional da informao no sculo XIX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.4 O jornalismo nos Estados Unidos no sculo XIX . . . . . . 6.4.1 A primeira gerao da imprensa popular . . . . . . . . . 6.4.2 A segunda gerao da imprensa popular . . . . . . . . . 6.4.3 Reaces ao Novo Jornalismo e transformaes de m de sculo na imprensa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.5 O jornalismo europeu no sculo XIX: os casos de Frana e Reino Unido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 O jornalismo no sculo XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.1 Jornalismo e propaganda na I Guerra Mundial . . . . . . . 7.2 Jornalismo e propaganda na Guerra Civil de Espanha . . . 7.3 Jornalismo e propaganda na II Guerra Mundial . . . . . . . 7.4 Jornalismo dos anos frios ao presente: modelos diversicados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.4.1 O Modelo Ocidental de Jornalismo . . . . . . . . . . . . 7.4.2 Outros modelos de jornalismo . . . . . . . . . . . . . . . 7.5 Os jornais ps-televisivos . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.6 Fotojornalismo no sculo XX . . . . . . . . . . . . . . . . 7.7 Radiojornalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.8 Jornalismo audiovisual: o cinejornalismo . . . . . . . . . . 7.9 Jornalismo audiovisual: o telejornalismo . . . . . . . . . . 7.10 Jornalismo multimdia e hipermdia: o ciberjornalismo . . 7.11 Agncias noticiosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Concluses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Bibliograa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

98 99 100 113 114 116 118 121 123 128 134 137 143 151 154 169 181 183 185 187 195 204 208 210 222 227 232 239 252 258 270

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No existe pensamento nico sobre a histria do jornalismo e muito menos uma opinio nica sobre a sua gnese. Havendo vrias perspectivas admissveis sobre esses temas, neste captulo, como no poderia deixar de ser, desenvolve-se, essencialmente, o ponto de vista do seu autor. Em concreto, o enquadramento temtico aqui proposto entrecruza a histria com a teoria do jornalismo e passa pelo cultivo de seis ideias fundamentais, cujas abordagens nem sempre merecem consenso entre a comunidade acadmica: 1. A gnese do jornalismo situa-se na Antiguidade Clssica, havendo uma retoma na Idade Moderna, graas ao Renascimento, ao desenvolvimento do esprito iluminista da Ilustrao e satisfao das necessrias condies tcnicas (tipograa de Gutenberg, fbricas de papel...) e scio-econmicas (alfabetizao, capital, iniciativa privada e empreendedorismo...); 2. A notcia o dispositivo determinante e identicador do jornalismo e dos fenmenos pr-jornalsticos e os critrios de noticiabilidade tm-se mantido relativamente estveis ao longo do tempo (essencialmente, notcia o que era notcia), apesar da ampliao do leque do noticivel, que tambm se nota; 3. O discurso pr-jornalstico e jornalstico (contedos e formatos), em todos os tempos, tem uma natureza scio-cultural, englobando, neste quadro, a ideologia, pelo que indicia o mundo e as circunstncias da poca em que foi produzido, mas tambm sofre a inuncia desses e de outros factores, nomeadamente da aco pessoal de quem o elabora e das potencialidades e limites dos dispositivos tcnicos usados para o congurar. 4. A liberdade de imprensa, conquistada na Inglaterra seiscentista, foi fundamental para o jornalismo e para o papel deste nas sociedades ocidentais contemporneas; 5. A industrializao da actividade jornalstica permitiu o aparecimento de um corpo prossional de jornalistas, mas desde o sculo XVII que havia gazeteiros, periodistas, que viviam da elaborao de notcias, tal com havia empresrios da comunicao

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social. A prossionalizao dos jornalistas no sculo XIX corresponde, basicamente, reformatao de um modelo cuja estrutura, inclusivamente, j existia na Antiga Roma; 6. Perceber as teorias contemporneas do jornalismo implica compreender a forma como o jornalismo evoluiu e os desaos permanentes ao estabelecimento de fronteiras entre o que e o que no jornalismo. De todas as ideias atrs referidas, a mais controversa talvez seja a primeira. De facto, tal como sistematiza Alejandro Pizarroso Quintero (1996: 8-11), h trs grandes opinies sobre a origem do fenmeno jornalstico, as duas primeiras scio-culturais e a terceira tcnica: 1. O fenmeno jornalstico existe desde a Antiguidade, porque desde a Antiguidade existem dispositivos para a troca regular e organizada de informaes actuais, ou seja, para a troca de notcias. 2. O fenmeno jornalstico uma inveno da Modernidade, estando ligado apario da tipograa e ao surgimento, expanso e aquisio de periodicidade da imprensa na Europa, embora tenha como antecedente imediato as folhas noticiosas volantes manuscritas e impressas que surgiram entre a Baixa Idade Mdia e o Renascimento. 3. O fenmeno jornalstico nasce no sculo XIX devido quer ao aparecimento de dispositivos tcnicos, designadamente impressoras e rotativas, que permitiram a massicao dos jornais, quer inveno de dispositivos auxiliares que facultam a transmisso da informao distncia (como o telgrafo e os cabos submarinos) e a obteno mecnica de imagens - as mquinas fotogrcas. Neste quadro, a necessidade de notcias permitiu a apario das agncias noticiosas internacionais, que tornaram o jornalismo o principal dispositivo enformador da aldeia global, segundo a metfora de McLuhan. Neste texto assume-se, sem complexos, a primeira das opes atrs equacionadas, razo pela qual se abordar a gnese do jornalismo a partir dos fenmenos pr-jornalsticos ocorridos na Antiguidade ou mesmo na pr-histria.www.bocc.ubi.pt

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Fenmenos pr-jornalsticos no mundo antigo

Na sua essncia, o jornalismo uma representao discursiva de factos e ideias da vida do homem, construda para se contar ou mostrar a outrem. Por outras palavras, o jornalismo uma representao discursiva da vida humana na sua diversidade de vivncias e ideias. Assim, pode dizer-se que o jornalismo vai buscar a sua origem mais remota aos tempos imemoriais em que os seres humanos comearam a transmitir informaes e novidades e a contar histrias, quer por uma questo de necessidade (nenhuma sociedade, mesmo as mais primitivas, conseguiu sobreviver sem informao), quer por entretenimento, quer ainda para preservao da sua memria para geraes futuras (o que, simbolicamente, assegura a imortalidade). Algumas pinturas rupestres, por exemplo, so testemunhos iconogrcos deixados pelos nossos ancestrais de acontecimentos relevantes da sua vida quotidiana, embora possam ter tido outras nalidades, artsticas ou mesmo msticas e mgicas. A alvorada das civilizaes foi um salto evolutivo da humanidade, sendo marcada por fenmenos como: 1. A sedentarizao das populaes nmadas, devido s prticas agrcolas e da pastorcia; 2. A fundao das primeiras cidades, como Jeric, devido sedentarizao; 3. Incio das trocas regulares de bens dentro das cidades e entre as cidades, o que origina o comrcio; 4. Advento da escrita, devido, provavelmente, s necessidades comerciais de registo dos bens trocados e s necessidades sociais de administrao das primeiras cidades1 ;Provavelmente, um dos primeiros instrumentos de registo de informao tero sido pedras de vrios tamanhos, de que se encontraram vrios exemplares em exploraes arqueolgicas. Um conjunto de pedras de diferentes tamanhos, organizadas de determinada maneira, teriam um determinado signicado (por exemplo, trigo). A representao gurada dessas pedras em placas de argila, o que diminua o peso e facilitava o arquivo e o transporte da informao, ter iniciado a escrita, ou a pr-escrita. Outra hiptese que a pr-escrita tenha comeado pela colocao de determinados1

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5. Fundao, na Mesopotmia, dos primeiros pases, agrupando vrias cidades sob uma liderana unicada, como aconteceu na Sumria, o que incentiva a escrita (registos, cdigos, memrias...) e a comunicao; 6. Aparecimento dos primeiros imprios (Hitita, Egpcio, Assrio, Babilnico, Persa, Macednio, Parto, Romano...), o que promove a comunicao e as trocas comerciais, mas tambm gera guerras de conquista e expanso. Surgimento da civilizao helnica, determinante para a Civilizao Ocidental; 7. Advento e cultivo das artes, da literatura, da losoa, da retrica, do direito, da historiograa, da etnograa e da geograa humana, contribuindo para a xao dos cnones expressivos e dos temas do que viria a ser o jornalismo. A humanidade entra num perodo de enriquecimento cultural, tcnico, cientco e cvico, nomeadamente na Grcia e em Roma; 8. Surgimento das primeiras grandes religies, como o Judasmo e, mais tarde, o Cristianismo, e aparecimento e desaparecimento de outras, como o Paganismo Greco-Romano. Com a inveno da escrita, vrias transformaes ocorreram. Uma delas diz respeito aos actos administrativos, muitos dos quais comearam a ser registados. Os escribas egpcios, por exemplo, faziam registos de actos administrativos, conforme se pode observar nos achados arqueolgicos (quer de registos em si, quer de imagens em que se observam escribas a registar, por exemplo, as colheitas). No entanto, uma transformao, talvez ainda maior, gerou-se na arte de transmitir informao e novidades e de preservar a memria histrica. Quando, na Mesopotmia, a escrita substituiu a tradio oral no registo da memria dos povos, cerca de 3500 anos a. C.2 , a pr-histria converteu-se em histria. Foi essa transmisso de dados por meios externos, no biolgicos, quesinais nos recipientes utilizados para armazenar gneros alimentcios e armas nos armazns. Os comerciantes, por seu turno, tambm tero desenvolvido um sistema prescrito de registo de informaes em placas de argila e barro, para inventariarem o que possuam, saberem o que vendiam, a quem vendiam e por quanto vendiam, etc. 2 Pelo menos, os mais antigos registos de que temos conhecimento e que podem ser considerados escrita datam do IV milnio a. C.

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permitiu espcie humana dominar o mundo e ser uma populao em aumento exponencial (Hawking, 2002: 165). Foi tambm o aparecimento da transmisso de dados por meios externos que veio a permitir, muito depois, o aparecimento do jornalismo como hoje o concebemos.

1.1

A inveno da literatura e os seus contributos para a gnese do jornalismo

Pode dizer-se que, historicamente, o primeiro grande fenmeno que contribuiu para xar a matriz do que veio a ser o jornalismo proveio dos antigos gregos. Alis, graas aos gregos e, posteriormente, aos romanos, que temos hoje em dia a Civilizao Ocidental (somos lhos de Atenas e de Roma!). O milnio anterior ao nascimento de Cristo foi, para os gregos, o milnio de ouro da sua civilizao. A Grcia, enriquecida com o comrcio, a agricultura e a pastorcia, ajudada pelo clima e por um modo de vida propiciador de vidas longas e saudveis, gerou a losoa, viu surgir a democracia ateniense e o primeiro sistema jurdico digno deste nome (congurador dos modernos estados de direito), cultivou a retrica, fez brotar do tronco-comum da losoa as primeiras cincias, entre as quais a histria e a geograa, e cultivou as artes (a Ilada e a Odisseia tero sido elaboradas entre os sculos IX e VIII a. C.). A retrica, ligada poltica e ao direito (vida nos tribunais), a literatura, a historiograa e os relatos geogrcos e etnogrcos foram, assim, alguns dos contributos dos antigos gregos para a xao, muitos sculos depois, dos valores e formas de agir dos jornalistas, bem como para a denio dos formatos e dos contedos jornalsticos, ou seja, para a xao das estruturas tpicas das matrias jornalsticas e dos temas abordados pelo jornalismo. Se excluirmos obras menores3 , as primeiras grandes manifestaes literrias foram os poemas picos Ilada e Odisseia, de Homero4 , que documentam a passagem de uma literatura oral a uma literatura es3 Como o mesopotmico Poema de Gilgames ou os registos histrico-biogrcos das vidas dos faras inscritos nas paredes dos tmulos do Antigo Egipto. 4 possvel que Homero no tenha existido e que a Ilada e a Odisseia tenham resultado da imaginao de um sem nmero de autores que, ao longo dos tempos, declamaram poemas sobre a Guerra de Tria, a epopeia de Ulisses e a viagem de

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crita. Conforme comprovam os achados arqueolgicos no espao da antiga Tria, possivelmente ambas as obras indiciam factos reais, nomeadamente uma pequena guerra entre gregos (aqueus) e troianos. No entanto, esses factos reais indiciados quer na Ilada quer na Odisseia esto abundantemente mascarados pelas lendas, pela religio e pelo mito. Alis, o propsito principal de Homero (ou de quem cantou e escreveu as obras) no ter sido registar factos histricos, mas, provavelmente, divulgar uma histria, exaltando a interveno dos deuses na vida humana, e entreter pblicos. A Ilada e a Odisseia so, inclusivamente, um repositrio de alguns dos mitos e lendas que tero permitido aos antigos gregos, disseminados por vrias cidades-estado, darem sentido sua existncia colectiva e considerarem-se como povo possuidor de uma identidade comum. De qualquer modo, e no que respeita inuncia da literatura grega fundacional na gnese do jornalismo (e mesmo descontando que ambas as obras, na sua essncia, relatam um facto real, propsito do jornalismo contemporneo), notrio que na Ilada e na Odisseia se encontram j alguns esquemas de narrao e enunciao similares aos actuais modelos jornalsticos de enunciao e que os temas de que ambos os poemas tratam (vidas de heris famosos, combates, dilogos entre pessoas famosas...) so temas igualmente presentes no jornalismo contemporneo. A literatura clssica xou, assim, como dissemos atrs, alguns dos cnones expressivos futuros, cnones esses que, provavelmente, reectem, inclusivamente, os modelos de enunciao prprios da literatura oral anterior. Observemos, primeiro, a noo de lead e a sua concretizao na Ilada. Um lead um pargrafo-guia, um pargrafo que, devido s suas caractersticas, est indicado para iniciar um enunciado (jornalstico ou no jornalstico). No relato homrico, a primeira frase de cada seco do relato, normalmente, construda de maneira a ter impacto e importncia, pregurando aquilo que, trs milnios mais tarde, os americanos e britnicos designaram por lead. Assim, um lead jornalstico no mais do que uma reinveno, readaptao e aperfeioamento de uma estrutura literria e retrica ancestral para fomentar o interesse por uma histria. Por exemplo, comear a narrao de uma histria por EsteEneias, at xao da forma denitiva de ambos os textos, mas para efeitos deste livro esse facto irrelevante.

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jovem morrer ao amanhecer (cit. in Casass e Ladevze, 1991: 15), como fez Homero, signica antecipar a aco, comeando pelo mais importante, o que constitui um indcio da utilizao de uma espcie de proto-lead na literatura de h trs milnios. A prpria Ilada comea, no Canto I, com a frase memorvel e impactante Canta, deusa, a raiva funesta de Aquiles, lho de Peleus, que trouxe um incontvel sofrimento aos aqueus e que precipitou no Hades muitas almas valorosas de heris, presas de ces e abutres (...)!5 , que tambm se aproxima da noo de lead, quer por aportar informao (camos a saber que muitos morreram por causa da clera de Aquiles), quer pela interpelao que faz, quer ainda pelo recorte estilstico, que potencia a sua beleza plstica e o seu impacto. de referir, alis, que se encontram inmeros exemplos de proto-leads na literatura clssica. Por exemplo, na obra A Guerra de Alexandria, presumivelmente da autoria de Jlio Csar (sc. I a. C.), o narrador tambm comea o relato com uma frase de impacto que descreve factos relevantes: Uma vez comeada a guerra de Alexandria, Csar fez vir toda a frota de Rodes, da Sria e da Cilcia. De Creta fez vir os arqueiros e os cavaleiros que estavam com Malco, rei dos nabateus (s depois o narrador explica detalhadamente como que Csar deslocou as tropas para Alexandria) (cit. in Casass e Ladevze, 1991: 16). Vejamos, seguidamente, a estrutura tpica do relato homrico. Segundo Casass e Ladevze (1991: 14-20), no relato homrico comease por enunciar os aspectos mais relevantes da aco que vai ser narrada (abrindo, normalmente, conforme referido acima, com uma espcie de proto-lead); seguidamente, faz-se a narrao exaustiva dos factos, normalmente por ordem cronolgica, mantendo o interesse do leitor com a narrao peridica de pormenores interessantes e importantes; nalmente, remata-se o relato, de novo com aspectos importantes da aco ou, ento, com uma frase conclusiva cujo estilo a releve entre as demais. Essa estrutura uma das estruturas usadas na reportagem (Fernandez Parrat, 2001: 151-152 e 162) Um bom exemplo poder ser dado pela prpria estrutura geral da Ilada, obra que comea, no Canto I, com a frase impactante Canta, deusa, a raiva funesta de Aquiles, lho deTraduo livre adaptada, a partir de original em ingls, em prosa. Tendo em conta as intenes didcticas deste livro, optou-se pela traduo de originais em prosa, mais fceis de ler e compreender, e no em verso.5

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Peleus, que trouxe um incontvel sofrimento aos aqueus e que precipitou no Hades muitas almas valorosas de heris, presas de ces e abutres (...)!, a que se segue o relato do que aconteceu (a Guerra de Tria at morte do lder troiano Heitor e os preparativos para o conito), concluindo com a evocao da cerimnia fnebre do nobre heri troiano Heitor, coroada com a frase nal, marcante pela sua beleza plstica e carcter evocativo, E assim celebraram as honras de Heitor, domador de cavalos!6 . Vrios cantos da Ilada seguem, no geral, a estrutura do relato homrico. Mas outros apresentam ligeiras variaes na estrutura. Por exemplo, o Canto I comea com a frase atrs citada (Canta, deusa, a raiva funesta de Aquiles, lho de Peleus, que trouxe um incontvel sofrimento aos Aqueus e que precipitou no Hades muitas almas valorosas de heris, presas de ces e abutres (...)!), qual se seguem vrios dilogos, como os dilogos entre o heri guerreiro grego Aquiles e o rei grego Agamemnon sobre a expedio contra Tria. Mas o Canto I conclui-se com uma leve evocao da interveno divina na histria humana: Mas quando a flgida luz do sol chegou ao ocaso, os deuses recolheram-se aos seus palcios (...). Zeus Olmpico, fulminador, encaminhou-se para o leito onde costumava dormir quando o doce sono o vencia. Ao seu lado descansou Hera, a do ureo trono. Esta ltima frase do Canto I, que serve, principalmente, para fazer a ponte com o Canto II, narra algo muito menos importante do que a fria de Aquiles, que tanto sofrimento causou. Assim, pode dizer-se que o Canto I da Ilada evolui de um aspecto importante e interessante para um pormenor algo desinteressante e pouco importante para a histria, o que corresponde, grosso modo, a um modelo da retrica e da literatura clssicas de estruturao textual gradativa, designado, segundo Casass e Ladevze (1991: 14-20), por modelo da fora decrescente. Num segundo exemplo da Ilada, o Canto XII comea com a informao mais relevante, antecipando, pela primeira vez, o nal da Guerra de Tria, progredindo, depois da narrao de vrios combates singulares, para uma informao-fora, a do desencadear de uma incurso troiana nas defesas gregas. Esse Canto obedece, simultaneamente, estrutura do relato homrico (j que a narrao de um combate, no nal do Canto, tem alguma fora), e estrutura da narrao por fora6

Traduo livre de original em ingls, em prosa.

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decrescente, j que a escaramua narrada no nal no tem a importncia da antecipao do resultado da guerra, conforme se pode constatar lendo o seguinte excerto do mesmo: [Incio do Canto XII] (...) acometiam-se confusamente troianos e gregos. A eles no haveria de conter nem o fosso nem o alto muro. (...) Levantado o muro contra a vontade dos imortais deuses, no haveria de subsistir muito tempo. Enquanto viveu Heitor, Aquiles esteve irritado e a cidade do rei Pramo no foi expugnada (...) mas quando morreram os mais valentes, a cidade de Pramo foi destruda no dcimo ano e os gregos embarcaram para regressar sua ptria. (...) [Final do Canto XII] (...) enquanto uns [troianos] assaltavam o muro, os gregos refugiavam-se nos navios, e produziu-se um grande tumulto.7 De algum modo, o modelo de estruturao e disposio textual da fora decrescente corresponde, embora, para o caso, imperfeitamente8 , tcnica jornalstica da pirmide invertida (tcnica em que as informaes so gradativamente dispostas da mais importante e interessante, colocada no incio do texto, para a menos importante e interessante, que aparece no nal do texto). Podemos, assim, sustentar que a estrutura textual da pirmide invertida, que passa por ser uma inveno do jornalismo norte-americano, essencialmente uma reconverso e um aperfeioamento de uma estrutura enunciativa da retrica e da literatura antigas, adaptada difuso de notcias pelo telgrafo (sc. XIX) e pelos meios impressos. claro que a tcnica da pirmide invertida, tal como usada no jornalismo noticioso contemporneo, no o resultado de uma importao simples de um modelo enunciativo daTraduo livre a partir de original ingls, em prosa. Dizemos imperfeitamente porque no corpo do relato no se assiste ntida preocupao de ordenar os elementos por ordem decrescente de importncia. Em suma, com exactido apenas se pode dizer que o incio do Canto mais forte do que o nal, o que, todavia, suciente para dizer que o Canto progride do mais importante para o menos importante.8 7

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literatura e da retrica. Pelo contrrio, trata-se de uma tcnica prossional que foi aprimorada pelos jornalistas, em particular pelos jornalistas de agncia, no estilo e na forma, mas no , de forma alguma, uma tcnica sem memria. Leia-se o seguinte exemplo contemporneo de aplicao da tcnica da pirmide invertida difuso noticiosa de informaes, observando-se que o jornalista tambm progrediu, gradativamete, do mais importante para o menos importante: O ministro das Finanas anunciou, hoje, que a inao desceu, este ano, para 1,9 por cento, enquanto a taxa de desemprego desceu para 6,8 por cento. Bago Flix, que intervinha num almoo com empresrios, na sede da Associao Empresarial de Portugal (AEP), em Matosinhos, salientou ainda que a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) se cifrou em 3,5 por cento, bastante acima da mdia de crescimento do PIB na Unio Europeia. O relanamento da actividade produtiva apoiou-se nas exportaes de material de transporte e de bens de equipamento e beneciou da recuperao das exportaes de txteis, sapatos, cortia e enlatados, esclareceu o governante. O titular da pasta das Finanas sublinhou que o crescimento do PIB se deveu tambm ao investimento na construo civil e ao aumento do consumo privado. Para Bago Flix, a melhoria dos indicadores de conana dos consumidores, o crescimento das exportaes, o aumento do investimento e a recuperao dos nveis de emprego e de produo conrmam a natureza sustentada da fase ascendente do actual ciclo econmico. O ministro das Finanas visita hoje tarde a Faculdade de Economia do Porto, onde intervir no I Encontro LusoGalaico de Estudantes de Gesto. Se a literatura clssica nos deu, genericamente, a estrutura do relato por fora decrescente, tambm nos deu o inverso, o modelo da fora crescente, ou da pirmide (comea-se por um pormenor de pouca importncia para se atingir o mais importante, o clmax da aco, no nal),www.bocc.ubi.pt

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comum nas novelas e romances, mas tambm em alguns textos jornalsticos, designadamente em certas reportagens. O Canto XIV da Ilada, por exemplo, apresenta-se com uma fora crescente. Esse Canto comea com a narrao de um pormenor (Nestor bebia quando ouviu uma algazarra), mas termina com factos importantes, uma enumerao de quem matou quem: [Incio do Canto XIV] Nestor, se bem que estivesse a beber, no deixou de ouvir a gritaria. (...) (...) [Final do Canto XIV] Aiante Telamnio, o primeiro, feriu Hrtio Grtiada. Antloco fez perecer Falces e Mrmero, despojando-os logo das armas. Meriones matou a Moris e Hipoteon tirou a vida a Proteu e Perifetes, e o troiano feriu Hiperenor no ventre, o bronze atravessou-lhe os intestinos e a alma saiu pressurosa pela ferida e a obscuridade cobriu os olhos do guerreiro. E o veloz Aiante, lho de Oileo, matou muitos, porque ningum o igualava a perseguir guerreiros aterrorizados quando Zeus os punha em fuga.9 O exemplo a seguir inserido, contemporneo, exemplica o recurso tcnica da fora crescente, ou seja, da pirmide, no jornalismo noticioso actual: A mulher saiu para ir s compras. O marido estava a trabalhar. A temperatura atingia 38 graus. Em casa, os trs lhos caram trancados a ver televiso, o que era habitual, pois a casa era pequena e compartilhada com outra famlia, com quem as relaes atravessavam uma fase difcil. Joo, Soa e Andr provavelmente nem se aperceberam de que tinha ocorrido um curto-circuito no frigorco. Quando os bombeiros chegaram ao local, em Gondomar, perto do Porto, j nada havia a fazer. O calor tinha acelerado o incndio.Traduo livre a partir de original em prosa em ingls. Os nomes nem sempre tm correspondncia no portugus, o que tornou a sua traduo difcil.9

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A habitao ardeu e os trs irmos morreram carbonizados. Tinham 3, 5 e 7 anos. Apesar das variantes acima registadas, a forma privilegiada de relato na literatura clssica, tambm usada no jornalismo moderno e contemporneo, foi, contudo, a cronolgica (o modus per tempora, da retrica). Por exemplo, no miolo de alguns dos cantos da Ilada opta-se por uma narrao cronolgica, como acontece no nal do Canto XXIV: (...) O ancio Pramo disse ao povo: -Agora, troianos, trazei lenha para a cidade e no temais nenhuma emboscada (...), pois Aquiles, ao despedir-se de mim nos negros navios, prometeu-me no causar-nos dano at que chegue a duodcima aurora. Deste modo lhes falou. Prontamente, as pessoas da cidade, com carros de bois e mulas, reuniram-se fora das muralhas. Durante nove dias juntaram lenha em abundncia, e quando pela dcima vez despontou Eos, que traz a luz aos mortais, com os olhos cheios de lgrimas puseram o cadver do audaz Heitor no alto da pira e deitaram-lhe fogo. Mas, assim que se descobriu a lha da manh, congregouse o povo em torno da pira do ilustre Heitor. E quando todos estavam reunidos, apagaram a pira. E seguidamente, os irmos e os amigos, gemendo e com as lgrimas a escorreremlhes pelas faces, recolheram os brancos ossos e colocaramnos numa urna de ouro, envoltos num no tecido prpura. Depositaram a urna na sepultura, que cobriram com muitas e grandes pedras, amontoaram a terra e ergueram o tmulo. Tinham colocado sentinelas por todos os lados, para vigiar se os aqueus, de formosas grevas, os atacavam. Levantado o tmulo, regressaram cidade, e reunidos depois no palcio do rei Pramo, aluno de Zeus, celebraram o esplndido banquete fnebre. E assim celebraram as honras de Heitor, domador de cavalos! O modelo cronolgico de narrao esteve e est presente na tcnica e na arte de relatar factos e contar novidades, sendo comum nas crnicaswww.bocc.ubi.pt

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medievais e nas folhas volantes (ambos dispositivos pr-jornalsticos), bem como nos primeiros jornais. Por exemplo, no seguinte excerto da Crnica dos Godos (sc. XII) narra-se a Batalha de Ourique, travada pelo primeiro Rei de Portugal, Dom Afonso Henriques, contra os mouros (repare-se na invocao do auxlio de Deus, no nal, que mostra que na Idade Mdia a historiograa se tinha novamente vestido com as inuncias mticas e metafsicas de que Tucdides e outros historiadores clssicos a tinham - provisoriamente - expurgado): Era de 1177: a 25 de Julho, na festa de So Tiago Apstolo, no undcimo ano do seu reinado, o mesmo rei D. Afonso travou uma grande batalha com o rei dos Sarracenos, de nome Esmar, num lugar que se chama Ourique. Efectivamente aquele rei dos Sarracenos, conhecendo a coragem e a audcia do rei D. Afonso, e vendo que ele frequentemente entrava na terra dos Sarracenos, fazendo grandes depredaes, e vexava grandemente os seus domnios, quis, se faz-lo pudesse, travar batalha com ele e encontrlo incauto e despercebido em qualquer parte. Por isso uma vez, quando o rei D. Afonso com o seu exrcito entrava por terra dos Sarracenos e estava no corao das suas terras, o rei Sarraceno Esmar, tendo congregado um grande nmero de Mouros de alm-mar que trouxera consigo e daqueles que moravam aqum-mar, no termo de Sevilha, de Badajoz, de Elvas, de vora, de Beja e de todos os castelos at Santarm, veio ao encontro dele para o atacar, conando no seu valor e no grande nmero do seu exrcito, pois mais numeroso era ainda pela presena a das mulheres que combatiam laia de amazonas, como depois se provou por aquelas que no m se encontraram mortas. Como o rei D. Afonso estivesse com alguns dos seus acampado num promontrio, foi cercado e bloqueado de todos os lados pelos Sarracenos de manh at noite. Como estes quisessem atacar e invadir o acampamento dos Cristos, alguns soldados escolhidos destes investiram contra eles (Sarracenos), combatendo valorosamente, expulsaram-nos do acampamento, zeram neles grande carnicina e separaram-nos. Como o rei de Esmar visse isto, isto , o valor dos Cristos, e porque esteswww.bocc.ubi.pt

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estavam preparados mais para vencer ou morrer do que para fugir, ele prprio se ps em fuga e todos os que estavam com ele, e toda aquela multido de inis foi aniquilada e dispersa quer pela matana quer pela fuga. Tambm o rei deles fugiu vencido, tendo sido preso ali um seu sobrinho e neto do rei Ali, de nome Omar Atagor. Com muitos homens mortos tambm da sua parte, D. Afonso, com a ajuda da graa de Deus, alcanou um grande triunfo dos seus inimigos e, desde aquela ocasio, a fora e a audcia dos Sarracenos enfraqueceu muitssimo.10 No exemplo do sculo XVII a seguir inserido, extrado do jornal Mercrio Portugus, tambm se regista a observncia de um modelo de relato que podemos classicar como cronolgico ou diacrnico (os factos so narrados por ordem cronolgica): No ms de Maio passado deixmos o Condestvel de Castela, novo governador e capito-general da Galiza, formando um exrcito com o fervor de novo governador e ministro, contra o parecer dos seus cabos de guerra mais experimentados, que por vezes tm provado o fruto que se tira de vir s mos [batalhar] com os portugueses. Finalmente, depois de deixar as suas praas guarnecidas, ps em campanha catorze mil infantes [soldados de infantaria], seis mil deles pagos [divididos] em nove teros11 , oito mil milicianos, alguns de boa qualidade, entre mil e seiscentos e mil e setecentos cavaleiros, em quarenta e quatro esquadres, com muitos carros e gado, muito biscoito e farinhas, [tropas] prevenidas [equipadas] com vagar e conduzidas por mar, e por terra, de vrias partes. O conde de Prado, governador das nossas armas em Entre-Douro-e-Minho, ps-se tambm em campanha para a defesa, com dois mil infantes pagos, entrando neles um tero [corpo de tropas] que lhe veio de Trs-os-Montes, e com dois mil e quatrocentos auxiliares e mil e cem cavaleiros, de cujo nmero trezentos tambm de Trs-os-Montes.10 11

Graa adaptada ao portugus contemporneo. O tero era um corpo de tropas.

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A presena necessria nas praas, contra cada uma das quais o inimigo poderia acometer, no deixou mais gente livre. E o nmero excessivo de castelhanos no espantou [assustou] os nossos soldados. Fez o exrcito inimigo vrias marchas para diversas partes. E o nosso tambm, prevenindo os intentos que poderia haver nelas. At que de Forcadella se foi o inimigo a ocupar os altos sobre a Tamugem. Entendendo o conde do Prado que [o inimigo] intentava sobre a praa da Guarda [La Guardia] que no ano passado lhe tommos na Galiza, lanou ponte no [rio] Minho com pressa de tomar quartel sobre eles. E bastou esta notcia para o inimigo desfazer as tendas, com que j estava bem aquartelado, e tornar a Forcadella, de onde havia sado. (...) Resoluto enm a no ver a cara de quem lhe zesse oposio, [o capito-general da Galiza] despediu [mandou] o mestre de campo general Dom Baltazar Pantoja, com trs teros de infantaria pagos, quatro milicianos e trezentos cavaleiros (...) pela parte de Montalegre contra a Provncia de Trs-os-Montes (...). Diogo de Brito Coutinho, mestre de campo general daquela provncia, que a est governando, fez recolher [as tropas] com todo o cuidado que lhe foi possvel e meteu em Chaves coisa de duzentos cavaleiros. Entrou o inimigo [em Portugal] no Domingo onze deste ms e foi destruindo os lugares abertos e aldeias que encontrou (...) matando a sangue frio os lavradores indefesos e usando barbaramente das crueldades ordinrias dos castelhanos, quando se acham com alguma superioridade sonhada. Em treze deu uma vista praa de Chaves, onde os poucos nossos lhe saram briosos. E encontrando-se os batedores de ambas as partes, se travou a escaramua, de modo que foi necessrio ao inimigo carregar com todo o seu grosso de cavalaria e ainda ali no fez mais do que matar-nos quatro cavaleiros e ferido cinco ou seis soldados e feito prisioneiro o capito de cavaleiros Antnio de Sousa Pereira, pelo intrpido valor com que avanou. Volwww.bocc.ubi.pt

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tou a eles o capito Manoel da Costa de Oliveira e debaixo de todo o risco o libertou. A artilharia da praa fez muito dano [ao inimigo] e da nossa cavalaria o receberam tambm grande. E atemorizados com isto seguiram [procuraram] outra derrota (...). Sem ela, foram assolando alguns lugares, at que aos catorze deram sobre Santo Estvo, que o sargento-mor de auxiliares Antnio de Azevedo Rocha procurou defender com duas companhias auxiliares do distrito de Vila Real dos capites Manoel Pereira e Andr Correia, que pelejaram com notvel esforo, at serem cortados pela cavalaria, e investidos por todas as partes, padeceram muitas mortes e feridos, sendo levados prisioneiro os capites. O sargento-mor recolheu-se com alguns soldados e gente da terra torre de Santo Estvo, onde pelejou trs horas poradamente [valentemente], rejeitando o partido [rendio] e aceitando da segunda por ser impossvel a defesa. Mas no guardaram os castelhanos o prometido, mataram alguns na entrada, e ao sargento-mor deram trs feridas mortais. (...).(Mercrio Portugus Com as Novas do Ms de Julho do Ano de 1666)12 Finalmente, e como comprovativo do que atrs sustentmos, o seguinte exemplo, contemporneo, evidencia, excluindo o lead, a sobrevivncia do modus per tempora (narrao cronolgica) no jornalismo actual: O F. C. Porto teve, ontem, e mais uma vez, o triunfo nas mos e voltou a deix-lo fugir, consentindo o empate do Martimo (2-2) quando ningum imaginaria, aos 87 minutos. Isto depois de uma reviravolta-relmpago, em dois minutos, e numa altura em que o seu adversrio jogava com dez. (...) O encontro no podia comear da melhor maneira para os da casa, pois logo aos sete minutos Manduca abriu o activo. Lance simples a que a defesa portista no se conseguiu opor. Livre de Mancuso e o brasileiro a cabecear12

Graa adaptada ao portugus contemporneo.

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de costas para a baliza com Baia sem reexos para suster a bola. Mais um golo de bola parada. O costume. Foi uma vantagem que se justicava ao intervalo, pois os maritimistas foram sempre a equipa mais agressiva, canalizando o seu jogo pelos ancos. A lio do Artmedia foi bem aprendida pelo novo tcnico Bonamigo. E o 2-0 esteve para acontecer, quando Manduca, endiabrado, se isolou e depois de passar Baa - que esteve na origem do lance, por deciente reposio de bola - atirou ao poste, quando se gritava golo. O F. C. Porto foi mais pressionante, mas o seu futebol carecia de objectividade, dada a primorosa actuao defensiva do adversrio. No segundo tempo, Paulo Assuno rendeu Diego, pouco esclarecido, mexendo assim Adriaanse na formao-base (foi a mesma da partida europeia). As substituies do tcnico holands desta vez foram diferentes e acertou em cheio. A entrada de Lisandro, por troca com Quaresma rendeu, precisamente, o golo do empate, aos 74 minutos. Depois, num contra-ataque exemplar, Csar Peixoto deu a reviravolta ao marcador, Isto em dois minutos. O futebol de ataque dava frutos, numa altura em que Adriaanse jogara o tudo por tudo, trocando um defesa Bruno Alves, por um avanado, Hugo Almeida. O jogo endureceu e Sergipano seria expulso, mas isso no impediu a sua equipa de chegar igualdade, num remate frontal de Marcinho. E os maritimistas acabariam, mesmo, por car reduzidos a nove elementos com o vermelho a Valnei. Alis, os protestos de Bonamigo levaram Duarte Gomes a expulsar o tcnico.13 (Arnaldo Caffo, Jornal de Notcias, 3 de Outubro de 2005) Em concluso, pode dizer-se que muitos dos contedos e formatos do jornalismo contemporneo se encontram j na literatura de h milnios.A estrutura da reportagem aqui inserida no totalmente cronolgica, mas sim lead de impacto (com a informao mais importante) + cronologia do evento.13

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Contributos da historiograa e de outras modalidades de relato para a gnese do jornalismo

possvel armar que o jornalismo est ligado histria, pois historiograa e jornalismo esto associados. Os resumos historiogrcos feitos pelos povos antigos acerca dos factos notveis da sua vida quotidiana e das faanhas dos seus reis so um dispositivo pr-jornalstico. O jornalista ter apenas substitudo o historiador-cronista na tarefa de elaborar a historiograa do quotidiano. O jornalista actual poder, eventualmente, preocupar-se mais com a elaborao de uma crnica sobre a multifacetada vida quotidiana, enquanto o historiador actual poder preocupar-se mais com a estruturao das fases da histria e com o esclarecimento das grandes foras e conjunturas que determinaram as causas e consequncias dos acontecimentos, mas a historiograa e o jornalismo tm as suas razes comuns na poca em que fazer histria se traduzia, essencialmente, por redigir uma espcie de crnica, ou resumo, dos acontecimentos notveis, para arquivo e memria futura. Alis, por fazerem histria, jornalista e historiador cultivam idnticas qualidades e valores prossionais, como a preocupao pela delidade aos factos, a inteno de verdade, etc. A inveno da historiograa parece ter sido quase concomitante inveno da escrita. Desde o alvorecer das civilizaes histricas que os povos procuraram registar, para memria futura, os acontecimentos notveis da sua vida, em especial as faanhas dos seus lderes. So muitos os exemplos que podem ser dados. Chegou at ns o registo de uma faanha militar do rei Nabopolasar, da Babilnia, do sculo VII a. C: Aniquilei a Assria, converti as terras hostis em destroos e runas. Fiz retroceder os assrios, que desde tempos antigos impuseram a todos os povos um pesado jugo, que levaram a dor a todos os povos da terra. Destru o seu jugo. Nos tmulos faranicos tambm aparecem registados relatos das suas vidas e faanhas. Os escribas egpcios, tal como os cronistas babilnios e de outros povos antigos, registavam os principais acontecimentos que ocorriam nos respectivos pases. Uma estela funerria de um rei moabita, de cerca de 890 a. C., descreve guerras entre moabitas e israelitas. Nos mrmores de Paros gravaram-se, cerca de 263 a. C., os acontecimentos de maior importncia da histria grega e das colnias gregas na Itlia, comeando vrias centenas de anos antes.

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Em Roma, os mrmores Capitolinos e os Fastos Consulares conservaram para a posteridade os nomes dos cnsules, dos censores e de vrios outros magistrados romanos, bem como os nomes dos triunfadores (generais honrados com o Triunfo nas ruas de Roma), at poca do imperador Tibrio. Uma placa de mrmore encontrada em stia, antigo porto de Roma, conserva o registo de vrias notcias da poca de Trajano: a construo de monumentos, obras pblicas, uma homenagem pblica irm do imperador, etc. Uma enorme quantidade de nomes e datas consta tambm desse registo. Os primeiros relatos historiogrcos, contudo, apresentam-se muitas vezes contaminados com os mitos e lendas fundacionais que deram identidade e sentido vida colectiva dos nossos antepassados. Assim, a transio da pr-histria para a histria trouxe at ao presente alguns relatos escritos que podemos considerar, simultaneamente, como literrios, msticos e historiogrcos, mas tambm pr-jornalsticos, no sentido em que evidenciam quanto o jornalismo contemporneo um produto da histria. Por exemplo, na Bblia narram-se, gurativamente, alguns episdios da histria judaica, em alguns casos ocorridos vrios sculos antes de Cristo, num enquadramento e estilo que podemos considerar como literrio e religioso, mas tambm como historiogrco e, consequentemente, jornalstico, devido indiciao de acontecimentos reais, com ns de difuso dessa informao. A estrutura desses relatos e, em algumas passagens, o seu estilo, tambm so semelhantes estrutura e estilo de algumas notcias contemporneas. Leia-se, por exemplo, o captulo 36, versculos 11 a 21, do Segundo Livro das Crnicas, em que se narra a destruio do Templo em Jerusalm pelos exrcitos do rei babilnio Nabucodonosor. Trata-se de um relato de um acontecimento real, embora misturado com aluses religiosas, que abre com uma espcie de lead (quatro frases fortes interligadas com informao relevante), progredindo, depois, para o clmax, a narrao da destruio do Templo, num estilo mais factual, o que reecte uma estrutura piramidal, importada da literatura escrita, que por sua vez a ter ido buscar literatura oral: Sedecias tinha vinte e um anos quando comeou a reinar e reinou onze anos em Jerusalm. Fez o mal aos olhos do Senhor seu Deus e no se humilhou diante do profeta Jeremias que lhe viera falar da parte do Senhor. Revoltou-sewww.bocc.ubi.pt

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contra o rei Nabucodonosor, ao qual jurara delidade, em nome de Deus. Endureceu a sua cerviz, tornou inexvel o seu corao e no se converteu ao Senhor, Deus de Israel. Todos os chefes dos sacerdotes e o povo continuaram a multiplicar as suas prevaricaes, imitando as prticas abominveis das naes que o Senhor consagrara para Si, em Jerusalm. O Senhor, Deus dos seus pais, enviara-lhes constantemente mensageiros para os admoestar, pois queria perdoar ao Seu povo e Sua prpria casa; mas eles escarneceram dos Seus conselhos e riram-se dos Seus profetas at que a ira de Deus caiu sobre o seu povo sem remdio. Ento Deus enviou contra eles o rei dos caldeus que no prprio santurio mandou matar os seus jovens, sem poupar adolescentes nem donzelas, ancio nem mulher de cabelos brancos. O Senhor entregou tudo nas suas mos. Nabucodonosor tirou todo o mobilirio do Templo, os objectos grandes e pequenos, os tesouros do Templo do palcio real e dos chefes e levou-os para a Babilnia. Incendiaram o Templo, destruram as muralhas de Jerusalm, queimaram os seus palcios e todos os tesouros foram destrudos. Nabucodonosor levou cativos para a Babilnia, todos os que escaparam espada, e teve-os ali como escravos dele e dos seus lhos, at ao advento da dominao persa. Obviamente, a narrao bblica no um relato puramente historiogrco, embora faa referncia a um acontecimento real, a destruio do Templo de Jerusalm pelos exrcitos de Nabucodonosor. Trata-se, antes de mais, de uma narrativa lendria e mtica, destinada no s a reforar a f no Deus hebraico, mostrando a interveno divina na histria humana, mas tambm a dar aos judeus mais um elemento susceptvel de contribuir para explicar a sua existncia e o seu modo de vida. Todavia, o excerto bblico acima inserido indicia que muitas das formas noticiosas (narrao cronolgica, no exemplo acima) e dos contedos (aces dos governantes e guerras, no exemplo acima) presentes no jornalismo dos dias de hoje se encontram j em relatos antigos. Na maior parte dos casos, perderam-se os relatos historiogrcos das primeiras civilizaes que cultivaram a escrita (egpcios, babilnios, mesopotmicos, assrios, etc.), apesar de termos conhecimento dewww.bocc.ubi.pt

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aspectos sua histria por fontes posteriores. No entanto, como acontece na Bblia, em especial no Antigo Testamento, conforme se pode vericar no excerto atrs inserido, muitos desses escritos historiogrcos iniciais destinavam-se quer a registar factos, quer a apresentar e xar os mitos fundacionais das prprias civilizaes, justicando-as ao seu prprio olhar e dando-lhes um quadro de explicao do mundo. Por isso, nem sempre a verdade histrica era respeitada, mesmo que os relatos indiciassem acontecimentos reais. Pelo contrrio, muitas dessas primeiras narrativas de perl historiogrco tendiam a engrandecer os governantes e os feitos de cada momento, a denegrir os inimigos, a cruzar-se com lendas, mitos e religio. O Antigo Testamento, por exemplo, e tal como visvel nos exemplos atrs comentados, procura demonstrar, perpetuamente, a inuncia divina na histria de Israel. Foi necessrio esperar pelos antigos gregos para chegarmos a uma historiograa mais factual, e neste sentido mais jornalstica, afastada das lendas, da religio e dos mitos, elaborada com inteno de verdade, com cnones expressivos importados da literatura, nomeadamente a exposio cronolgica ou diacrnica (modus per tempora). Alm de nos ter legado a literatura como hoje a concebemos e conhecemos, a civilizao helnica foi tambm, efectivamente, a grande responsvel pela alterao da forma de narrar e xar para a posteridade os acontecimentos relevantes do passado e do presente, inuenciando, por essa via, a gnese e desenvolvimento do jornalismo moderno e contemporneo. A historiograa grega, desenvolvida a partir do sculo V a. C., foi a primeira a ser elaborada com inteno de verdade, respeitando os factos histricos e separando-os das lendas, dos mitos e da religio, o que se pode observar, por exemplo, nos escritos de autores como Tucdides (o primeiro reprter, autor da Histria da Guerra do Peloponeso) e Jenofonte ou Xenofonte (o primeiro enviado especial, autor de Anabasis, A Retirada dos Dez Mil). de realar, inclusivamente, que, no domnio historiogrco, os antigos gregos criaram as Efemrides (Ephaemeris), registos dos grandes acontecimentos da ptria comum helnica que eram disseminadas nas vrias cidades-estado, cumprindo, simultaneamente, as funes de preservao dos factos histricos e de transmisso de novidades distncia (difuso de notcias). Algumas das informa-

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es que temos sobre os triunfadores nos Jogos Olmpicos Antigos, por exemplo, devem-se s Efemrides. Herdoto foi, ao que tudo indica, o primeiro autor e historiador a construir uma histria de acontecimentos passados com alguma delidade aos factos e com inteno de desvendar as causas dos acontecimentos. Ele tentou elaborar uma histria dos conitos entre a Grcia e a Prsia, ocorridos mais de um sculo antes de ele empreender a tarefa da sua vida. No entanto, Herdoto no teve a percepo de que seria necessrio fazer uma crtica das fontes para construir uma histria verdadeira dos acontecimentos passados. Por isso, acabou por contaminar a sua histria com exageros, inexactides, lendas e mitos. Embora Ccero se tenha referido a Herdoto como o pai da histria, h verses de que antigamente tambm lhe tero chamado o pai das mentiras. Ele descreve, por exemplo, formigas do tamanho de raposas, uma raa de pessoas calvas desde a nascena, outra com ps de cabra e outra ainda s com um olho. Por outro lado, Herdoto atribui, inconsistentemente, as causas dos conitos entre gregos e persas aos lendrios raptos de mulheres de parte a parte e no rivalidade entre dois poderes crescentes e expansionistas. Tambm relevante da mistura entre religio, histria e mito na Histria de Herdoto o espao concedido pelo autor ao peso do Orculo de Delfos na deciso do rei Cresos em combater o rei persa Ciro. Segundo Herdoto, Cresos ter decidido combater Ciro aps o Orculo de Delfos lhe ter assegurado que um grande imprio desapareceria na contenda. Cresos estava conante de que seria o de Ciro, mas aquele que desapareceria seria o seu. Ora, provavelmente as palavras de Herdoto so verdadeiras, no sentido de que Cresos ter, possivelmente, consultado o Orculo, opo natural para um grego daquela poca, mas Cresos tambm no teria hipteses de fugir ao conito com Ciro, dada a actividade expansionista do imprio persa. Apesar de tudo, na Histria de Herdoto encontram-se passagens que revelam desejo de delidade aos factos e um estilo prximo do actual estilo jornalstico. Herdoto descreveu, assim, a clebre batalha das Termpilas, em que trs centenas de espartanos, com algumas centenas de tropas auxiliares, conseguiram, suicidariamente, atrasar o imenso exrcito persa, dando aos gregos a possibilidade de se organizarem para, posteriormente, rechaarem o invasor, o que veio a suceder

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(repare-se, j, na importncia dada s citaes, como ocorre no jornalismo actual): Os gregos consultaram-se para decidir como poderiam retardar o conito e em que lugares. A opinio prevalecente foi a de que deveriam guardar a passagem das Termpilas e que a frota deveria seguir para Artemsia, pois estes lugares so prximos, permitindo a cada fora saber como a outra se comportava. Nas Termpilas, do lado poente est uma montanha intransponvel (...) e do lado da estrada para o sop ca o mar. (...) o lder do exrcito grego foi o espartano Lenidas (...) Os helenos nas Termpilas, quando o exrcito persa se aproximou da passagem, tiveram medo e comearam a discutir uma retirada (...). Mas Lenidas (...) votou carem ali e enviarem mensageiros s restantes cidades para enviarem ajuda, pois os helenos eram demasiado poucos para fazerem frente aos persas. Enquanto estavam a discutir estas coisas, Xerxes enviou um explorador (...) para saber quantos eram os gregos e o que estavam a fazer (...). O explorador viu alguns homens exercitando-se nus e outros arranjando o cabelo. (...) Ele partiu sem ser molestado (...). Regressando, ele contou a Xerxes tudo o que tinha visto. Quando Xerxes o escutou, no percebeu a realidade, que os espartanos estavam a preparar-se para serem mortos ou matar tanto quanto poderiam. Para ele [os espartanos] estavam fazendo coisas risveis. Ele mandou procurar Demaretos (...) e perguntou-lhe sobre essas coisas, desejando saber o que os espartanos estavam a fazer, e ele disse: J ouviu de mim (...) sobre estes homens, mas ouvindo riu de mim (...). Mas oua outra vez: Esses homens vieram combater-nos (...) e para isso que se esto a preparar (...). E que sabendo isto: Se vencer esses homens e a fora que restar em Esparta, no haver outra raa de homens, ou reis, que sewww.bocc.ubi.pt

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oponha a si quando levantar a sua mo. Mas por agora tem sua frente a melhor realeza e cidade de todas as helnicas, e os melhores homens.14 Tucdides, ao contrrio de Herdoto, virou-se para a narrao historiogrca do presente ou do passado prximo (a Guerra do Peloponeso), confundindo-se mais a sua funo com a dos actuais jornalistas. Ele teve, assim, uma vantagem relevante sobre Herdoto, j que podia falar de acontecimentos que ele prprio tinha presenciado ou com testemunhas dos mesmos. No entanto, Tucdides foi tambm o primeiro a descartar-se dos deuses para explicar o curso da histria, o primeiro a avaliar as fontes com esprito crtico para ponderar a sua credibilidade e ainda o primeiro a atribuir com clareza os motivos de um acontecimento histrico aco dos homens, quando apontou como principal razo para a guerra entre Atenas e Esparta o medo desta perante o aumento do poderio ateniense e no as razes que os espartanos e atenienses esgrimiam. Pode dizer-se, assim, que Tucdides foi o primeiro a procurar debaixo da superfcie dos pretextos e das causas enunciadas por diferentes fontes as causas reais dos factos histricos. A partir de Tucdides, lendas, mitos e religio deixaram de fazer parte da historiograa, ou pelo menos da historiograa que enformou as cincias histricas contemporneas. Crtica s fontes V-se com que negligncia a maioria das gentes procura a verdade e como elas acolhem como verdicas as primeiras informaes que lhes chegam. (...) A minha investigao foi penosa porque aqueles que assistiram aos acontecimentos no os contavam de igual modo, falando deles segundo os interesses do seu partido ou segundo a volubilidade das suas lembranas. (Tucdides, I: 20-22).

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Traduo livre a partir de original em ingls.

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Anlise da sua produo historiogrca e do acontecimento narrado Deve-se olhar os factos como estabelecidos com preciso suciente, base de informaes ntidas, embora considerando que ocorreram em pocas remotas. Assim, apesar dos homens estarem sempre inclinados, numa determinada guerra, a julg-la maior, e depois que ela terminar voltarem a admirar os acontecimentos anteriores, car provado (...) que a presente guerra ter sido mais importante do que qualquer outro acontecimento no passado. (Tucdides, I: 20-22). Narrao de factos Os templos nos quais se haviam alojado estavam repletos de cadveres daqueles que morriam dentro deles, pois a desgraa que os atingia era to avassaladora que as pessoas, no sabendo o que as esperava, tornavam-se indiferentes a todas as leis, quer sagradas, quer profanas. De um modo geral a peste introduziu na cidade pela primeira vez a anarquia total. Ousava-se fazer com maior naturalidade e abertamente aquilo que antes s se fazia ocultamente. (Tucidides, II: 52-53). As causas da guerra A causa autntica [da Guerra do Peloponeso, primeira guerra civil da histria, entre gregos], ainda que no referida abertamente, foi, a meu juzo, a expanso do poder de Atenas e o alarme que isso provocou em Esparta, que se viu obrigada a declarar-lhe guerra. (Tucdides, I: 23) Encontramos a mesma delidade de Tucdides ao facto histrico e verdade na narrativa da epopeia de Alexandre Magno e dos seus generais-herdeiros da autoria de Calstenes de Olinto, bem como, posteriormente, nos historiadores romanos (especialmente entre o sculo I a. C. e o sculo III d. C). O seguinte exemplo de Diodoro Siculo sobre o lder lusitano Viriato elucidativo, evidenciando quanto a historiograa romana e a grega inuenciaram o jornalismo:

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Os Lusitanos, carecendo ao princpio de um chefe apropriado, apresentaram-se aos Romanos como fcil presa na sua luta; mais tarde, quando tiveram Viriato por chefe, inigiram grandes reveses ao Romanos. Este era, por certo, um dos Lusitanos que viviam junto ao mar oceano e, sendo pastor desde criana, viveu habituado vida na montanha (...). Acostumou-se a comer pouco, fazendo muitos exerccios, a dormir apenas o necessrio e, resumindo, inseparvel das suas armas e mantendo lutas com feras e ladres, tornouse famoso entre o seu povo, sendo eleito seu chefe (...). Saindo vitorioso nos combates, fez-se admirar pelo seu valor e gozou tambm fama de excelente general (...). Nunca se mostrou como um bandido, mas como um chefe, e lutou contra os romanos, vencendo-os em muitas batalhas. (...) Audaz, Ditalco e Minuro, da cidade de Urso, vendo que o grande prestgio de Viriato estava sendo afectado pelos Romanos, temeram por si mesmos e decidiram prestar aos Romanos um favor mediante o qual pudessem obter a sua prpria segurana (...). Sabendo que Viriato estava ansioso por acabar com a guerra, prometeram-lhe que convenceriam Cipio a rmar um acordo de paz se os enviasse como embaixadores para negociar o m da luta. Como o chefe o consentisse de muito bom grado, apresentaramse ante Cipio e facilmente o persuadiram que lhes concedesse garantia de segurana mediante a promessa de que assassinariam Viriato. Uma vez que deram e receberam por outro lado garantias sobre o tratado, regressaram prontamente ao acampamento; depois de anunciar que tinham convencido os Romanos no referente paz, deram a Viriato enormes esperanas, ao tanto se empenharem em afastar tanto quanto possvel da sua mente o verdadeiro propsito. Acreditados por ele merc da amizade, depois de entrarem durante a noite ocultamente na sua tenda, mataram Viriato com golpes certeiros de espada, escaparam rapidamente do acampamento e, valendo-se de caminhos intransitveis pela montanha, chegaram salvos ao encontro de Cipio.www.bocc.ubi.pt

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Um outro exemplo que pode ser considerado pr-jornalstico, embora tambm se correlacione com a histria, a antropologia, a etnologia e a geograa humana, encontra-se nas obras dos primeiros autores a descreverem os usos e costumes dos povos. As narrativas Anabasis (A Retirada dos Dez Mil) e Ciropaedia, de Jenofonte15 , so um primeiro exemplo de descrio mista historiogrca e etnogrca, datando do sculo IV a.C. Em ambas as narrativas d-se pela primeira vez a conhecer a um povo, o grego, os feitos e costumes de outro, o persa, pelo que Jenofonte, que relata muitas das coisas que presenciou, pode ser considerado uma espcie de primeiro enviado especial. A obra Ciropaedia d a conhecer a vida do rei persa Ciro; o livro Anabasis d a conhecer a retirada de dez mil guerreiros gregos do territrio persa, em direco Grcia: Excerto de Ciropaedia (...) Estamos inclinados a pensar que para um homem (...) mais fcil governar sobre todas as outras criaturas do que governar sobre os homens. Mas quando reectimos sobre a existncia de Ciro, o Persa, que reduziu obedincia um vasto nmero de homens, cidades e naes, somos compelidos a mudar a nossa opinio e decidir que governar os homens pode ser uma tarefa nem impossvel nem sequer difcil, desde que algum o saiba fazer com inteligncia. Em todos os momentos, sabemos que as pessoas obedeceram a Ciro, mesmo quando alguns estavam a vrios dias de distncia dele, enquanto outros estavam a vrios meses e outros ainda sabiam que nunca o veriam. No entanto, todos desejavam ser seus sbditos. Mas nada disto surpreendente, to diferente ele era dos outros reis, seja dos que herdaram os tronos dos seus pais, seja dos que os obtiveram pelos seus esforos. O rei sctio, por exemplo, nunca ser capaz de estender o seu domnio a outra nao (...); tambm o rei trcio com os seus trcios, o ildio com os seus ildios, e todas as outras naes. Mas Ciro encontrou as naes da sia independentes da mesma maneira e, comeando apenas com um pequeno15

Tambm admissvel a graa Xenofonte.

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grupo de persas, tornou-se lder dos medos pelo seu total consentimento e dos hircadianos pelo seu; ento conquistou a Sria, a Assria, a Arbia, a Capadcia, a Ldia, a Fencia e a Babilnia. Ele tambm reinou sobre a Bctria, a ndia e a Cilcia (...) e vrias outras naes. Ele juntou aos seus domnios os gregos asiticos e descendo at ao sul acrescentou Chipre e o Egipto ao seu imprio. Ele governou todas essas naes (...) pelo medo que inspirava, pelo terror que atingia todos os homens, que nunca tentavam desa-lo. (...) Acreditando que a este homem se deve admirao, tentmos investigar quais as suas origens, as suas qualidades naturais e a educao que teve (...). (...) Ciro convocou os seus pares e disse: Meus amigos, quando vos vi equipados e preparados do corao para enfrentar o inimigo (...) tive medo de que, menos em nmero e desacompanhados, poderiam falhar ao combaterem um largo nmero de inimigos (...). Vocs levam para a batalha homens (...) que tm armas como as nossas, mas roubar os seus coraes a vossa tarefa, porque o dever de um ocial no se esgota em mostrarse corajoso, ele tambm precisa de cuidar que os seus homens sejam to corajosos quanto possvel. Excerto de Anabasis Depois de fazerem as libaes e de cantar o hino, dois trcios subiram primeiro ao estrado e comearam uma dana ao som da msica de uma auta, saltando alto, mas levemente, e usando os seus sabres. Finalmente, um atingiu o outro, como toda a gente pensou, e o segundo homem caiu, agilmente. Os paagnios comearam a chorar. Ento, o primeiro homem (...) saiu a cantar (...), enquanto outro trcio levou o danarino cado, pensando que estava morto. Na realidade, ele no tinha sido ferido. Depois disto, alguns (...) levantaram-se e comearam a danar a carpteawww.bocc.ubi.pt

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sob as armas. A dana assim: Um homem est a semear com um arado puxado por bois, os seus braos pendentes para um dos lados, e vira-se frequentemente, como algum com medo. Um ladro aproxima-se. medida que o semeador v o ladro a aproximar-se, levanta os braos e dirigese ao ladro e luta com este para salvar a junta de bois e o arado. Os dois homens fazem tudo isto ao ritmo da msica da auta. Finalmente, o ladro atinge o semeador e leva-lhe os bois e o arado. Algumas vezes, o semeador fere o ladro e amarra-o atrs dos bois. Depois disto, um msio veio transportando pequenos escudos em cada mo, e num momento da sua dana executa uma pantomina quando dois outros homens convergem para ele. Ento, ele usa os escudos contra um antagonista, e novamente roda e dana, executando saltos mortais, enquanto segura os escudos nas suas mos (...). Finalmente, ele dana a dana persa, fazendo chocar os escudos um com o outro, descendo e subindo, sempre ao som da msica da auta. Depois dele, os mantneos e alguns dos arcdios (...) marcharam ao som marcialmente ritmado das autas (...) como fazem na sua procisso em honra dos deuses. Ento, o msio (...) persuadiu um dos arcdios que tinha uma danarina a emprestar-lha, vestindo-a da melhor maneira possvel e emprestando-lhe um pequeno escudo. E ela danou a prrica com graa. Ento houve um grande aplauso (...). (Jenofonte, Anabasis) , principalmente, na poca romana, que a abordagem etno-histricogeogrca da realidade, que mais tarde inuenciaria o jornalismo, se ir solidicar. Observe-se, por exemplo, o seguinte excerto do terceiro livro da Geograa de Estrabo, descrevendo os lusitanos (embora sempre com a preocupao de justicar o domnio de Roma): A norte do Rio Tejo ca a Lusitnia, a maior das tribos ibricas e que foi combatida pelos Romanos durante muito tempo. O lado sul da Lusitnia forma-o o Tejo; os lados oeste e norte, o oceano; o lado leste, Carpetanos, Vetes e Calaicos (...). Umas trinta tribos habitam o territrio entrewww.bocc.ubi.pt

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o Tejo e os rtabros. Apesar de o territrio ser rico em frutos e gado, ouro, prata e outros metais, a maior parte dos habitantes, deixando de viver da terra, viviam do roubo e em guerra permanente (...), at que os Romanos acabaram com isto, sujeitando-os e transformando a maior parte das cidades em povoados no forticados (...). Os Lusitanos so muito inclinados a sacrifcios e examinam as entranhas, mas sem as extrarem (...). Tambm cortam as mos dos prisioneiros e dedicam as direitas aos seus deuses (...). Tomam as suas refeies sentados, tendo bancos de pedra dispostos em redor dos muros. Do a presidncia aos de mais idade e categoria social. Lanam do alto dos rochedos os condenados morte e apedrejam os que mataram seus pais, fora das cidades ou alm-fronteiras. Casam-se como os gregos. Roma sucedeu Grcia no cultivo das artes, da losoa, da retrica (o sistema jurdico romano foi o mais relevante do mundo antigo) e da poltica (no devendo ser esquecido que durante o perodo republicano Roma foi governada por um sistema democrtico). Enquanto na Antiga Grcia o espao pblico se congurava metaforicamente na gora, praa central onde os cidados podiam discutir racional e livremente a governao e os negcios, em Roma o espao pblico estruturava-se, simbolicamente, em torno do Frum, centro cvico da cidade. Na Roma antiga, eram axadas ou escritas em paredes ou ainda em tabuinhas mensagens que simultaneamente se podem considerar jornalsticas e publicitrias. As cartas, trocadas, essencialmente, entre as elites, foram tambm uma forma de contar o que se passava a quem estava longe. Nos tempos do Imprio Romano, a excelente rede de estradas imperiais permitiu a institucionalizao do primeiro sistema de correios, o que gerou um assinalvel uxo de correspondncia. Ccero, o famoso poltico, advogado e orador dos nais da Repblica Romana, recebia cartas de vrios amigos, algumas das quais registou para a posteridade. Numa delas, por exemplo, o seu amigo Caelius escrevia: Paula Valeria, a irm de Triarius, divorciou-se do marido sem invocar qualquer razo, no mesmo dia em que ele regressou da sua provncia. Ela vai casar-se com Dowww.bocc.ubi.pt

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mcio Brutus e devolveu todo o seu guarda-roupa.16 Esta carta documenta que, por volta de 50 a. C., as coscuvilhices mundanas j eram consideradas notcias. O jornalismo cor-de-rosa contemporneo no corresponde, assim, mais do que uma reinveno e publicitao de notcias menores que sempre interessaram humanidade. Noutra carta, em que, subjectiva e impressivamente, mistura relatos pessoais e polticos, pregurando duas das temticas do jornalismo contemporneo, ademais muitas vezes mescladas, Ccero conta ao seu amigo tico: No dia 4 de Agosto sa de Dirraquio, no mesmo dia em que se propunha a lei sobre mim. Cheguei a Brndisi no dia 5. Ali estava-me aguardando a minha Tlia [esposa de Ccero], justamente no dia do seu aniversrio, que casualmente era o mesmo do aniversrio da colnia de Brndisi (...). No dia 13 de Agosto, estando eu ainda em Brindisi, soube por uma carta do meu irmo Quinto que a lei fora aprovada nos comcios das centrias com o maravilhoso entusiasmo de gente de todas as idades e todas as classes, chegada de toda a Itlia em incrvel auncia. Logo, distinguido pelos habitantes de Brndisi com as mais altas honras, comecei uma viagem em que me encontrava com delegados que vinham de toda a parte felicitar-me. (...) No dia (...) 5 de Setembro, dei graas no Senado. Durante os dois dias seguintes produziu-se uma extremada subida no preo dos alimentos e grupos de gente correram (...) para o Senado e comearam a berrar, a instncias de Cldio, que eu tinha culpa na escassez de trigo. Naqueles dias, o Senado debatia sobre os abastecimentos e para a gesto destes chamou-se Pompeu - coisa por que ele mesmo ansiava (...). No dia seguinte, o Senado estava completo, e todos os consulares estavam ali. Nada negaram a Pompeu do que ele lhes pediu. (...) Os cnsules redigiram uma lei na qual concediam a Pompeu, durante cinco anos, o controlo sobre os abastecimentos de trigo em todo o mundo. 17Cicern. Cartas. Col. Clsicos en Galego. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia/Editorial Galaxia, 1996, 87. 17 Cicern. Cartas. Col. Clsicos en Galego. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia/Editorial Galaxia, 1996, 116.16

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As cartas, de que a de Ccero exemplo, foram, durante muitos anos, o instrumento privilegiado para a transmisso el de informaes distncia. Concluindo este ponto, podemos dizer que o aparecimento e desenvolvimento da historiograa e da epistolograa tambm contriburam, a par do aparecimento da literatura, para a xao dos cnones expressivos, estruturas textuais, temas e nalidades do jornalismo contemporneo.

1.3

As Actas romanas: primeiros jornais

No obstante todos os dispositivos pr-jornalsticos j referidos e ainda outros, como os registos sobre a vida da corte no Antigo Egipto e os actos e medidas dos faras, a nosso ver os antepassados mais antigos dos modernos jornais e, portanto, os veculos de ndole jornalstica que primeiro surgiram no mundo foram as Actas Diurnas (Actae Diurnae), tambm conhecidas por Actas Pblicas, Actas Urbanas ou ainda Diurnlias, muito bem estudadas por Victor Le Clerc (1838), Mastino (1978) e Hernando Cuadrado (2007). Delas diz este ltimo autor: O primeiro exemplo seguro de jornalismo na histria da humanidade, ainda que, como lgico, no rena todas as caractersticas que se exigem actualmente, mas muitas mais do que sem os dados contrastados de uma investiao rigorosa se pudesse pensar, aparece em Roma. O enorme desenvolvimento poltico, social, econmico, territorial e em numerosos aspectos mais logrado pelo mundo latino provoca o nascimento e a utilizao dos meios de comunicao dos quais uma comunidade organizada e evoluda no pode prescindir. Com os instrumentos que a tcnica do momento podia oferecer, procurava-se satisfazer as necessidades dos governantes, dando a conhecer populao as suas decises, manter informados os pro-cnsules que se encontravam nas provncias distantes da urbe e alimentar a curiosidade de uma numerosaclasse dominate que necessitava da notcia e incluso da bisbilhotice para estabelecer relaes e equilibrar o poder. (Hernando Cuadrado, 2007: 11)www.bocc.ubi.pt

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No sobraram exemplares de todas as Actas para contar a sua histria, mas nas obras de Mastino, de Victor Le Clerc e de Hernando Cuadrado, j citadas, so feitas vrias referncias a textos clssicos que remetem para as Actas e so mesmo transcritos alguns fragmentos das mesmas que chegaram aos nossos dias, alguns deles citados pelos autores clssicos. Por exemplo, Suetnio, sobre a vida de Jlio Csar, escreveu: Inito honore, primus omnium instituit, ut tam Senatus quam populi diurna acta concerentur et publicarentur. Uma citao de Cato, extrada de um texto de Aulus Gellius, parece indicar que as actas do Senado eram secretas at Jlio Csar as ter tornado pblicas. Os escritos clssicos referidos por Leclerc (1838), Mastino (1978) e Hernando Cuadrado (2007) indiciam, alis, que mesmo antes do consulado de Csar era publicada diariamente uma Acta Publica. Ccero, por exemplo, em correspondncia trocada com Marco Clio, Marco Licnio Crasso e outros romanos, referida pelos autores, refere-se s Actas, sob as denominaes de Comentarii Rerum Urbanarum e Acta Rerum Urbanarum, dizendo, nomeadamente, que as mesmas eram axadas nas tabulae publicae e que por elas, uma vez copiadas e expedidas como cartas, ia acompanhando a vida na urbe quando estava fora. Noutro exemplo, Sempronius Assellio distingue os Anais das Diaria, comparando estas s ephaemeris (Efemrides) gregas. Servius regista, por seu turno, que os Anais arrolavam os mais importantes acontecimentos de cada dia, mas, segundo as interpretaes de Le Clerc (1838) e Mastino (1978), aparentemente confundiu-os com as Actas, que cedo tomaram o lugar dos Anais. Asconius Pedianus, um estudioso de Ccero do tempo do imperador Cludio, cita vrias passagens das Actas Diurnas sobre aspectos da vida poltica e judicial. Suetnio regista, tambm, que, quando Antnio ofereceu a Csar a coroa de Roma, durante as festividades conhecidas por Lupercalia, Csar ordenou-lhe que esse acto fosse registado na Acta Populi (um outro registo historiogrco), sendo seguro, pelas cartas de Ccero, que Antnio, pelo menos, inseriu o facto no calendrio religioso (Fasti). Suetnio regista, igualmente, que os imperadores Augusto e Tibrio censuraram as Actas e que Nero diminuiu o controle sobre as mesmas. Le Clerc (1838), por exemplo, anotou que o imperador Tibrio impediu que as Actas mencionassem o nome de um arquitecto que se notabilizou por ter recuperado um monumento que

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ameaava ruir. Numa stira de Petrnio, uma personagem simula ler em voz alta a Acta Diurna desse dia: No dia 26 de Julho, na terra de Cumas, na propriedade de Trimalcio, nasceram trinta meninos e quarenta meninos. Foram levados ao armazm 500 modos de trigo. Reuniramse nos estbulos 500 bois. No mesmo dia, crucicou-se o servo Mitrdates por ter blasfemado contra o gnio de Gaio, nosso senhor. No mesmo dia, foi guardado no cofre o dinheiro que no se pde investir, ascendendo a dez milhes de sestrcios. No mesmo dia, produziu-se um incndio nos jardins de Pompeu, originado na casa do colono Nasta. Francisco Rui Cdima (1996: 81) sumaria: Na literatura clssica que nos chegou da Roma Imperial, encontram-se diversssimas referncias s Actas, sua circulao por cpias e inclusive s leituras de delas se faziam ao m da tarde no lago Curtius. Plnio leu nelas o afogamento de um co no Tibre por no abandonar o corpo do dono. Plnio, o Moo, pedia a um amigo que lhe mandasse cpias das Actas da cidade. Sneca deplorava o facto de as mulheres ostentarem os seus divrcios nessas folhas linguarudas. Tibrio mandava inserir nos dirios tudo o que se dissesse dele para se vingar depois, segundo rezam as crnicas. Apesar de todos os indcios, no transparente o processo de elaborao das Actas Diurnas nem como elas se institucionalizaram na sociedade romana (Hernandez Cuadrado, 2007: 11). Elas tero surgido em Roma, presumivelmente no sculo II a. C. (possivelmente em 131 a. C.). Magistrados, escravos e funcionrios pblicos, os diurnarii ou actuarii, encarregavam-se da tarefa de recolher informaes, redigir e axar as Actas (ou de as copiar para suportes como o papiro), podendo ser considerados os primeiros jornalistas. Provavelmente, existiram tambm na Antiga Roma ocinas editoras de Actas, com os seus prprios actuarii, como se de uma empresa jornalstica se tratasse. Essas ocinas, para melhor venderem o seu produto, alm de copiarem emwww.bocc.ubi.pt

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vrios exemplares a Acta ocial, ainda lhe acrescentariam informao de produo prpria. As Actas seriam, assim, recopiadas (sempre sob forma manuscrita), vendidas e expedidas por ocinas especializadas, que disso faziam o seu negcio. possvel, alis, que tenha havido particulares a produzirem e venderem as suas prprias actas, pois as fontes clssicas revelam que, a dado ponto, o que se publicava nas actas fugiu do controlo do Estado Romano. A partir do sc. II a. C., ter tambm circulado uma Acta sobre os procedimentos administrativos e actos legislativos do Senado (Acta Senatus), presumivelmente elaborada por um pretor, auxiliado por escravos pblicos. Porm, esta ltima Acta, provavelmente, era condencial, sendo que o povo apenas tomava conhecimento das deliberaes dos senadores (Senatus Consultum), seus governantes, quando o Senado entendia que deviam ser levadas ao conhecimento da generalidade da populao. Cerca de 59 a. C., Jlio Csar teve a feliz ideia de tornar pblicas as Actas do Senado, com os resumos das sesses dessa Augusta Assembleia, mandando-as axar nas tabulae publicae, colocadas nas portas dos templos do Frum e noutros locais. As Actas do Senado, que coexistiram com as Actas Diurnas at terem sido, possivelmente, absorvidas pelas segundas (tal como ter acontecido com os Anais pontifcios), podem ser consideradas uma espcie de antepassadas dos dirios ociais da actualidade, como o Dirio da Repblica. Os romanos tinham ainda um outro registo historiogrco, reservado, exclusivamente, para o registo dos grandes acontecimentos que afectavam a Cidade e o Imprio: os Annalis do Colgio dos Pontces (Annalis Ponticum). Esses Annalis foram institudos algures durante o perodo republicano, vrios sculos antes de Cristo (talvez com o advento da Repblica Romana, em 509 a. C.), e possivelmente tinham duas verses: uma secreta (Comentarii Ponticum) e outra pblica (Annalis Maximi). Os Anais deste ltimo tipo eram axados na frente da casa do Sumo Pontce, seu redactor, sobre um album (tbua branca), para serem conhecidos pela populao, pelo que tambm caram conhecidos por tbuas brancas (ou seja, Album), registando os acontecimentos e respectivas datas importantes para a histria de Roma, constituindo uma espcie de anurios. Os Anais tambm tero sido, posteriormente, absorvidos pelas Actas Diurnas, que, ao registarem quo-

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tidianamente os acontecimentos noticiveis da vida da Cidade e do Imprio, esvaziaram os Anais da sua nalidade. Um outro registo historiogrco que provavelmente existia desde os tempos da Repblica Romana era a acta relativa aos acontecimentos do povo, a Acta Populi, que tambm ter conudo para a Acta Diurna. Independentemente de todos os registos que tero contribudo para o aparecimento e institucionalizao das Actas Diurnas, sabe-se que estas existiram e que eram axadas periodicamente nas tabulae publicae e recopiadas para suportes de papiro e pergaminho. Funcionavam, assim, simultaneamente, como uma espcie de jornal e registo historiogrco, em particular a partir do Consulado de Augusto (sculo I). Em determinados perodos, as Actas teriam mesmo tido uma periodicidade diria. Aps permanecerem axadas durante alguns dias (quando funcionavam como jornal de parede), provavelmente as Actas, pelo menos as ociais, eram retiradas, encadernadas (seriam feitas de propsito para poderem ser encadernadas) e arquivadas no arquivo do Estado (tabularium). Os escribas pblicos das ocinas do estado e os editores privados faziam cpias das Actas para serem enviadas para as provncias, para governadores, funcionrios e mesmo subscritores privados que, afastados de Roma por motivos de servio pblico, negcios ou vida privada, gostavam de se manter a par do que acontecia na sede do Imprio. Alm das Actas Diurnas e das outras j referidas, existiriam no Imprio Romano vrios outros tipos de actas. Em alguns casos eram simples registos, mas noutros quase se podem assemelhar aos actuais jornais especializados, devido aos comentrios e anlises que inseriam sobre temas especcos. Entre essas actas contabilizam-se a Acta Civilia (tambm designada por apographai), que continha dados de nascimentos, mortes, casamentos e divrcios; a Acta Forensia, lista de leis, plebiscitos e eleies, elaborada semelhana da daemosia grammata de Atenas, na Grcia Antiga; a Acta Iudiciaria (tambm denominada Gesta), com as sentenas proferidas pelos tribunais; a Acta Militaria, onde se registavam os nomes dos homens incorporados nas Legies, os seus dados biomtricos, idade, conduta, feitos militares e recompensas; e a Acta Triumphalis, onde se relataram os feitos dos 320 generais que comemoraram o Triunfo em Roma e as prprias cerimnias dos Triunfos (num misto de enaltecimento, descrio historiogrca e rewww.bocc.ubi.pt

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portagem). Os imperadores tambm tinham as suas Actas, onde se registavam os seus actos, tal como algumas famlias e personalidades pblicas. De qualquer modo, entre todas as actas, as que mais se assemelham aos jornais actuais so as Actas Diurnas. Pelos excertos das Actas Diurnas que chegaram at ns e pelos diversos registos indiretos (escritos de Suetnio, Plnio, Ccero, Tcito18 , etc.) sobre as mesmas, podemos dizer que os seus contedos integravam notcias dos decretos senatoriais e imperiais; dos nascimentos, casamentos e mortes das personalidades notveis; das audincias concedidas pelo Imperador ou outros membros da famlia imperial; dos actos pblicos dos imperadores e magistrados; dos funerais; dos processos judiciais; das batalhas travadas pelas legies; das nomeaes e eleies de indivduos para cargos pblicos; dos acontecimentos ocorridos nos municpios e colnias romanas; dos combates de gladiadores; de julgamentos e execues e respectivas listas de executados, etc. s vezes teriam sido inseridos nas Actas os elogios fnebres das personalidades notveis que morriam, bem como notcias relacionadas com pressgios, astrologia e adivinhaes (os romanos eram muito supersticiosos e viam pressgios em tudo). Pode, assim, dizer-se que as Actas foram, na sua fase urea, algo parecido com um jornal contemporneo, embora apenas inserissem notcias mais ou menos autorizadas. Ugo Bellocchi (1974: 46) relembra, alis, sobre o estilo das mesmas, que eram redigidas com frases extremamente simples e concisas, privadas de qualquer amplicao retrica. Observem-se, a propsito, os seguintes excertos das Actas Diurnas sobreviventes s vicissitudes da histria, que ilustram a proposio de Bellocchi e evidenciam a inteno noticiosa e o estilo jornalstico das mesmas: Ano 586 da fundao de Roma. 28 de Maro. Os fasces encontram-se nas mos de Emlio. primeira hora da manh, um vencedor, coroado de louro, sacricou uma ovelha no templo de Apolo. s duas da tarde, reuniu-se o Senado na curia Hostilia. Aprovou-se um senadoconsulto, em virtude do qual os pretores devero sentenciar baseandoTcito escreveu: da dignidade de um povo no entrarem na sua histria seno os feitos ilustres, bastando aos insignicantes os dirios [as actas diurnas] da cidade. (cit. in Cdima, 1996: 81).18

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se nos seus ditos perptuos. Quinto Minucio Escpula, acusado de violncia por Publio Lentulo ante o pretor da cidade Cneu Bebio, foi defendido por Caio Sulpicio. Foi condenado por quinze votos e decidiu-se aplicar a sentena por 33 votos. 29 de Maro. Os fasces encontram-se nas mos de Licnio. Relampejou e um carvalho foi golepeado por um raio no cimo do monte Velia pouco depois do meio-dia. Houve uma rixa numa taberna, ao fundo da rua de Jano, e o taberneiro do Osso do Casco cou gravemente ferido. Caio Titnio, edil da plebe, multou a uns talhantes por venderem populao carne no inspeccionada. Com o dinheiro da multa construiu-se uma capela a Laverna no templo da deusa Terra. Steven Saylor, autor de numerosos e excelentes romances policiais passados na Antiga Roma, centrados na personagem de Gordiano, O Descobridor, descreve, ccionalmente, no seu conto A Mulher do Cnsul19 , um episdio centrado na leitura das Actas Diurnas: Francamente murmurou Lcio Cludio, com o nariz enterrado num rolo de pergaminho quem lesse os relatos das Actas do Dia julgaria que Sertrio um mido traquinas e que a rebelio que organizou em Espanha no passa de uma partidinha inocente. (...) -Queres ler um bocadinho das Actas? J acabei de ler as notcias desportivas Lcio acenou com a cabea na direco de uma srie de rolos de pergaminho que estavam espalhados sobre a mesa que tinha a seu lado. Dizem que os Brancos conseguiram nalmente organizar uma equipa para esta poca. Tm carros novos, cavalos novos. Vo car frente dos Vermelhos na corrida de amanh. Dei uma gargalhada.Steven Saylor (2006). A Mulher do Cnsul, in Um Gladiador S Morre Uma Vez, Lisboa: Quetzal Editores, pp. 13-18.19

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Que vida a tua, Lcio Cludio. Levantas-te ao meiodia, ds um passeio pelo jardim a ler um exemplar s teu das Actas do Dia. Lcio ergueu uma sobrancelha. Pura sensatez (...). Que jeito tem acotovelar uma multido no Frum, a esforar os olhos e a espreitar por cima das cabeas de desconhecidos para ler as Actas axadas nos quadros? Ou pior, ouvir um palhao qualquer a l-las em voz alta, inserindo pelo meio comentrios engraados. Mas para isso mesmo que servem as Actas argumentei eu. Trata-se de uma actividade social. Interrompemse os afazeres e as idas e vindas no Frum, as pessoas renem-se volta dos quadros, e discutem os assuntos que mais lhes interessam, notcias da guerra, casamentos e nascimentos, corridas de carros, augrios curiosos. Espreitar as Actas e discutir poltica, ou cavalos, com os seus concidados o ponto alto do dia de muita gente. (...) Lcio estremeceu. No, muito obrigado! minha maneira melhor. Mando um par de escravos ao Frum uma hora antes da hora marcada para a axao. Logo que as Actas chegam, um deles l-as em voz alta do princpio ao m e o outro escreve-as em tabuinhas de cera com um estilete. Depois correm para casa [e] transcrevem as palavras para um pedao de pergaminho (...). Isso vem tudo nas Actas do Dia? perguntei. Claro que no! resmungou Lcio. S vem a interpretao ocial do governo (...). As Actas so um rgo do Estado (...). O mais provvel ser o [cnsul] a ditar, palavra por palavra, as notcias sobre a guerra. (...) Passei os olhos pelos ttulos. O lho de A est noivo da lha de B... C recebeu D na sua villa de frias... E revela a sua famosa receita de creme de ovo (...). Gordiano, quem achas que escreve e edita as Actas do Dia?www.bocc.ubi.pt

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Encolhi os ombros. Nunca pensei nisso. Ento vou dizer-te. So os prprios cnsules que ditam as notcias relativas poltica interna e externa, favorecendo o seu ponto de vista, que a posio ocial. As partes menos importantes, os nmeros relativos ao comrcio, s contagens de gado, e outros do gnero, so compiladas pelos funcionrios do gabinete do censor. As notcias do desporto so fornecidas pelos magistrados encarregados da gesto do Circo Mximo. Os ugures so a fonte das histrias acerca dos relmpagos, dos cometas, de legumes com formatos curiosos e de outros pressgios bizarros. Mas quem que pensas que controla as notcias da sociedade, os anncios de casamentos e nascimentos, as reunies sociais, as comunicaes annimas (...)? (...) A mulher do cnsul (...). Em sntese, entre as caractersticas que equiparam as Actas Diurnas aos jornais contemporneos contam-se as seguintes: 1. Periodicidade mais ou menos regular, presumivelmente quotidiana em algumas fases; 2. Frequncia da publicao; 3. Contedos multifacetados de carcter noticioso (a notcia o ncleo da informao); 4. Corpo de escribas (os diurnarii ou actuarii, primeiros jornalistas) destinado exclusivamente redaco das Actas (o Cdigo de Teodsio faz-lhes referncia e procura regular a sua funo, sendo a primeira manifestao de controlo jurdico dos prossionais da informao); 5. Difuso pblica da informao; 6. Difuso distncia e, dentro das circunstncias, massiva;

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7. Uso de diferentes suportes para a mesma mensagem (jornal de parede e jornal manuscrito, presumivelmente em papiro); 8. Iniciativa editorial do estado e tambm de particulares (abertura da publicao de actas iniciativa privada, como se de uma empresa jornalstica se tratasse20 ). As Actas Diurnas, tornadas possveis graas ao bom grau de alfabetizao das elites e mesmo do povo e cuja difuso por todo o Imprio era facilitada pela excelente rede de vias de comunicao romanas, acabaram quando a sede imperial foi transferida para Constantinopla pelo Imperador Constantino, em 330 d. C., aps um percurso ininterrupto de quase quatrocentos anos ao servio do Senado, do Imperador e do Povo de Roma, tendo, certamente, contribudo para suprir as enormes necessidades de informao no colossal territrio dominado por Roma e para criar sentimentos de identidade e lealdade entre os cidados romanos e demais habitantes do Imprio: atravs da informao que circula pelas zonas colonizadas que o poder se arma. Da mesma forma com a supresso da informao (entre outras causas, nomeadamente no plano da organizao militar), que o Imprio entra em declnio. (...) Mas, no fundo, as actas foram um verdadeiro instrumento de poder dos imperadores romanos, e apesar da sua utilidade e da sua divulgao em Roma, nem sempre eram aceites de nimo leve, nomeadamente por lsofos e escritores. (Cdima, 1996: 8021 ). Com a queda de Roma s mos dos brbaros e com a Igreja Catlica a ver crescer a sua obscurantista importncia, o que lhe permitiu impor a20 possvel que a publicao de actas por editores privados tenha contribudo para a transformao dos contedos. Plnio, certamente, no teria lido sobre o afogamento de um co no Tibre numa acta sobre actos administrativos editada pelo Estado Romano, nem Sneca se referiria s mulheres que ostentavam os seus divrcios nessas folhas linguarudas. 21 Francisco Rui Cdima refere Seltman, citado por McLuhan.

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Jorge Pedro Sousa

toda a Europa Ocidental regim