história econômica do ocidente medieval

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 H IS T O R IA  E C O N O M I C A   D O O C I D E N T E  M E D I E V A L LUG AR DA HIS TÓRI A  

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  • 7/22/2019 Histria Econmica do Ocidente Medieval

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    H I S T O R I A

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    L U G A R D A H I S T R I A

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    Ttulo original: H is to ire conomique de l Occid ent m dival

    Librairie Armand Colin

    Tradujo de Fernanda Barao

    Capa do Departamento Grfico de Edigoes 70

    Depsito legal n. 110857/97

    ISBN 972-44-0364-5

    Direitos reservados para todos os pases de lngua portuguesapor Edifoes 70, Lda.

    EDI?ES 70, Lda.Ra Luciano Cordeiro, 123 - 2. Esq. - 1050 Lisboa/Portugal

    Telefs. (01) 3158752 - 3158753Fax: (01) 3158429

    Esta obra est protegida pela lei. Nao pode ser reproduzida,no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,

    incluindo fotocpia e xerocopia, sem prvia autorizado do Editor.Qualquer transgressao a Lei dos Direitos de Autor ser passvel

    de procedimento judicial.

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    BUY M RQDIN

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    Fabricadorde instrumentos de trabalho,

    de habitagoes,de culturas e sociedades,

    o homem tambmagente transformador

    da histria.Mas qual ser o lugardo homem na histria

    e o da histria na vidado homem?

    A

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    SLUGAR DA HISTRIA

    1 A NOVA HISTRIA, lacques Le Goff, Le Roy Ladurie, Georges Duby e outros2 PARA UMA HISTORIA ANTROPOLGICA, W. G. L, Randles, Nathan Wachtel e outros3 A CO NCE P^O MARXISTA DA HISTRIA, Helmut Fleischer4 SENHORIO E FEUDALIDADE NA IDADE MDIA, Guy Fourquin5 EXPLICAR O FASCISMO, Renzo de Felice6 A SOCIEDADE FEUDAL, Marc Bloch7 0 FIM DO MUNDO ANTIGO E O PRINCPIO DA IDADE MDIA, Ferdinand Lot8 O ANO MIL, Georges Duby

    9 ZAPATA E A REV OL Uf O MEXICANA, Jonh Womarck Jr.10 HISTRIA DO CRISTIANISMO, Ambrogio Donini11 A IGREJA E A EXPANSO IBRICA, C. R. Boxer12 H ISTRIA ECONMICA DO OCIDENTE MEDIEVAL, Guy Fourquin13 GUIA DE HISTRIA UNIVERSAL, Jacques Hermn15_ INTRODUC O ARQUEOLOGIA, Carl-Axel Moberg16 A DECADENCIA DO IMPRIO DA PIMENTA, A. R. Disney17 0 FEUDALISMO, UM HORIZONTE TERICO, Alain Guerreau18 A NDIA PORTUGUESA EM MEADOS DO SC. XVII, C. R. Boxer19 REFLEXES SOBRE A HISTORIA, Jacques Le Goff20 CO MO SE ESCREVE A HISTRIA, Paul Veyne

    21 HISTORIA ECONMICA DA EUROPA PR-INDUSTRIAL, Cario Cipolla22 MONTAILLOU, Cataros e Catlicos numa Aldeia Francesa (1294-1324), E. Le Roy Ladurie23 OS GREGOS ANTIGOS, M. I. Finley24 0 MARAVILHOSO E O QUOTIDIANO NO OCIDENTE MEDIEVAL, Jacques Le Goff25 IN S T IT U Y E S GREGAS, Claude Moss26 A REFO RMA NA IDADE M DIA, Brenda Bolton27 ECONOMIA E SOCIEDADE NA GRECIA ANTIGA, Michel Austin e Pierre Vidal Naquet28 0 TEATRO ANTIGO, PietTe Grimal29 A RE V O LU T O INDUSTRIAL NA EUROPA DO SCULO XIX, Tom Kemp30 0 MUNDO HELENSTICO, Pierre Lvque31 _ ACREDITARAM OS GREGOS NOS SEUS MITOS?, Paul Veyne

    32 ECONOMIA RURAL E VIDA NO CAMPO NO OCIDENTE MEDIEVAL (Vol. I), Georges Duby33_ OUTONO DA IDADE MDIA, OU PRIMAVERA DOS NOVOS TEMPOS?, Philippe Wolff34 A (1V II I/.ACAO ROMANA, Pierre Grimal35 ECONOMIA RURALE VIDA NO CAMPO NO OCIDENTE MEDIEVAL (Vol. 11), Georges Duby36 PENSAR A REV OLU fO FRANCESA, Franijois Furet37 A GRECIA ARCAICA DE HOMERO A ESQUILO (Sculos VIII-VI a.C.), Claude Moss38 ENSAIOS DE EGO-HISTRIA, Pierre Nora, Maurice Agulhon, Pierre Chaunu, George Duby,

    Raoul Girardet, Jacques Le Goff, Michel Perrot, Ren Remond39 ASPECTOS DA ANTIGUIDADE, Moses I. Finley40 A CRISTANDADE NO OCIDENTE 1400-1700, John Bossy41 _ AS PRIMEIRAS C IV IL IZA LE S - 1 OS IMPERIOS DO BRONZE, Pierre Lvque

    42 AS PRIMEIRAS CIVILIZACES - IIA M ESOPOTM IA/OS HITITAS, Pierre Lvque43_ AS PRIMEIRAS CIVILIZAQES - III OS INDO-EUROPEUS E OS SEMITAS, Pierre Lvque44 O FRU TO PROIBIDO, M arcel Bemos, Charles de la Ronclre, Jean Guyon, Philipe Lcrivain45 AS MQUINAS DO TEMPO, Cario M. Cipolla46 HISTRIA DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 1914-1918, Marc Ferro47 A GRCIA ANTIGA, Jos R ibeiro Ferreira48 A SOCIEDADE ROMANA, Paul Veyne49 0 TEMPO DAS REFORMAS (1250-1550) - Vol. I, Pierre Chaunu50 O TEMPO DAS REFORMAS (1250-1550) - VOL. II, Pierre Chaunu51 INTRODU CO AO ESTUD O DA HISTRIA ECONMICA, Cario M. Cipolla52 POLTICA NO MUNDO ANTIGO, M. I. Finley,

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    GUY FOURQUIIV

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    PREFACIO TERCEIRA EDIQO FRANCESA

    Seria necessrio ter o talento de um Pirenne para escrever emduzentas pginas uma histria econmica e social da Idade Mdia.Em consequncia dos grandes progressos realizados desde h vriosdecnios pela histria econmica do Ocidente medieval, nao pude-mos ser to concisos, apesar dos cortes, e ainda que muitos problemas apenas tenham sido aflorados (Ocidente e mundos exteriores;

    relagoes entre o econmico, o social, o poltico, etc.}, ou mesmoforgosamente escamoteados (economia e mentalidades, economia evida cultural, etc.).

    Este livro foi publicado em 1969. Distinguido pela Academia Francesa, beneficiou de uma segunda edigao a partir de 1971. Esta a terceira que a Librairie Armand Colin, apesar das dificuldades econmicas do momento, tem a coragem e a gentileza de publicar.Por motivos de edigao, as correcgoes e adiges foram limitadas e suprimidos os documentos anteriormente publicados. Em todo o

    caso, esta supressao permitir, assim o esperamos, uma mais cmodaleitura seguida deste trabalho, o qual constitu um todo. possvel que a obra no tenha alcangado o seu objectivo, que

    era o de aplicarpela primeira vezpelo menos uma parte dosmtodos da actual ciencia econmica histria econmica medieval,para que esta nao se encerre num gueto, e que nos apercebamosmelhor da ntida continuidade entre a vida econmica medievale a das eras posteriores, tal como a descrevemos no ano de 1969.

    Um livro tem sempre a marca do seu tempo. O mundo de 1969

    viva numa atmosfera econmica em que o crescimento parecanormal, destinado a prolongar-se quase indefinidamente na mesmacadncia. Talvez tenha sido este ambiente que levou esta HistriaEconmica a acentuar esta ideia de crescimento (outrora ligada ideia de arranque), aplicando-a sem hesitagoes, e pela primeira vez,aos ltimos cinco sculos medievais. Porm, a utilizago desta nogo,

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    relativamente Idade Mdia, assim como de outros conceitos pre-zados pelos economistas actuais, no parece ter passado desaper-cebida aos olhos de medievalistas que, com a melhor das intenges,tendem por vezes a esquecer que tipo de obra pretenda o autor.

    Ver que um dos seus trabalhos se tornou, de certa forma, do dominio pblico, algo bastante agradvel para um autor.

    Junho 1979

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    Primeira Parte

    A ECONOMIADOS TEMPOS OBSCUROS

    (DO SCULO V AO SCULO X)

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    Capitulo 1

    VISO DE CONJUNTOA ELABORACO DE UM NOVO ESPADO ECONMICO

    NO OCIDENTE

    Fim do mundo antigo

    Todas as civilizares do mundo antigo nasceram volta doMediterrneo, que estabelecia a relago entre urnas e outras. Estemar interior fora o veculo das suas ideias e do seu comrcio,depois inteiramente englobado pelo Imprio Romano: era para eleque converga a actividade de todas as suas provincias, da Bretanhaao Eufrates (H. Pirenne). Mais do que qualquer outro Estado da

    Antiguidade, o Imprio foi um dom do Mediterrneo (R.-S. Lpez). O clima bastante uniforme e as comunicages relativamentefceis entre as regies mais prximas das suas margens e maiscedo romanizadas deviam-se ao Mediterrneo. Rios e estradas poreles construidas permitiam que, partindo dele, os Romanos avan-gassem para o interior das trras, chegando a atingir as costas doAtlntico, da Mancha, do mar do Norte. Mas, longe do Mediterrneo, os Romanos deram frequentemente provas de uma audciae de uma capacidade organizativa inferiores e as suas vitrias

    nestes pontos foram menos brilhantes. Fora portanto o Mediterrneo que, em grande parte, permitir que povos to numerosos eto diversos se mantivessem reunidos sob a direcgo de Roma.

    No entanto, a despeito dos imensos sucessos da romanizago,as diversidades das ragas, das lnguas, das religides, dos sistemaseconmicos e sociais mantinham-se subjacentes e iriam ressurgir,com maior ou menor nitidez, quando o Imprio se aproximava dofim; algumas provincias, como a Bretanha, menos romanizada do

    que a Espanha ou mesmo a Glia, chegariam a abandonar todaa sua roupagem romana.Por outro lado, a romanizago no obtivera no Leste o mesmo

    sucesso que no Oeste, visto que no Oriente a lngua e o modode vida gregos quase tinham vencido os seus vencedores romanos.Apesar de as pessoas cultas e muitos administradores das provincias

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    se terem de bom grado tornado bilinges, fora o grego e no olatim que, a um nivel inferior, fizera recuar ou desaparecer dialectos e lnguas indgenas. Na verdade, havia desde o inicio dois im-prios romanos: o latino, no Mediterrneo Ocidental, e o grego noMediterrneo Oriental. E, muito antes das grandes invasoes dosanos 400 d. C., estas duas metades haviam comegado, insensvelmas inexoravelmente, a afastar-se uma da outra, acentuando as suasdiferengas. Estas diferengas, novas ou ressuscitadas das brumas deum passado distante, fizeram portanto da partilha oficial do Imprioem dois muito mais do que uma medida de circunstncia, destinadaa governar melhor e mais de perto os individuos (286).

    Esta partilha verificava-se depois da grave crise de 235 a 268:as lutas entre os generis romanos, a anarqua, tinham levado osBrbaros a introduzir-se no Imprio, numa espcie de ensaio geraldas grandes migrages. Os Baleas tinham sido pilhadas pelos Godos,enquanto os Francos e os Alamanos haviam avanzado at Espanhae Itlia, depois de terem varrido a Glia. A salvago provi-sria deveu-se a alguns grandes homens de guerra ilrios e, pelomenos aparentemente, o Imprio vencer estas provas.

    Na realidade, as duas metades do Imprio tornaram-se entomais diferentes do que nunca, principalmente no dominio econ

    mico. Enquanto, no Oriente, a vida urbana, artesanal e comercialconserva uma grande parte das suas forjas, no Ocidente, tudo se

    passa de maneira diferente. Aqui, a economia no recuperara daanarqua, das incursoes brbaras, das devastares, e o medo doamanh ira persistir. Diversas cidades, e muitas vezes as maiores,grandemente enfraquecidas, fecham-se no interior de muralhasconstruidas pressa. Isto acontece tanto em Itlia como na Gliae em Espanha. Se a justo ttulo se considerar a civilizado

    romana como uma civilizado sobretudo urbana (foi o caso de todasas civiliza goes mediterrnicas), poder-se- dizer que a sua pocaj passou. Mesmo na longnqua Bretanha, a indstria, to flores-cente no comego do sculo III na maior parte das regides, declinacada vez mais: parte alguns centros que se mantm activos, oartesanato j s fabrica produtos mediocres, destinados ao consumolocal ou, quando muito, regional. Isto justifica a anemia profundaem que cai o comrcio, outrora to florescente.

    A consequncia clara: j antes do fim do sculo III serexacto dizer que, no Ocidente, a trra tudo (G. Duby), ou,pelo menos, quase tudo. A fonte quase nica de riqueza j aagricultura, situado que se manter durante muito tempo, poisesta caracterstica do Ocidente no se atenuar antes do sculo XI.

    A partir dos anos 400, verificam-se as grandes invasSes quevo alargar ainda mais os lagos com o Oriente, enquanto o Ocidenteromano v os seus contornos modificarem-se. A partir de agora,

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    deve falar-se de fractura entre o Ocidente e o Oriente. O basileus(*)tinha conseguido afastar para oeste os Brbaros que tinham atra-vessado o baixo Danbio. Portanto, o Imprio do Ocidente sub-merso. Cedo ou tarde, godos, burgndios, francos, vndalos, anglos,saxes... ocuparam no apenas toda a parte continental da Europa

    Ocidental, mas tambm, a norte, quase toda a Bretanha, e, a sul,a frica Setentrional. O Ocidente barbariza-se (H. Pirenne).Esta amlgama de povos ainda que possa no ter sido to

    brutal como se imagina as regies setentrionais, onde os Brbarosse estabeleceram em maior nmero provocou de imediato umnovo recuo em todos os dominios. Embora particularmente notorionos dominios poltico, administrativo, social ou cultural, este recuo tambm claro no dominio econmico: a vida agrcola foi pertur

    bada pelas espoliages e pelas partilhas de trras, a vida artesanal,ou o que dla restava, pela degradado do gosto e das necessidadesrefinadas.

    No sculo VI, Justiniano procura reconquistar o Ocidente paravoltar a fazer do Mediterrneo um lago romano. Para Procpio,historiador das vitrias do basileus, a viso do mundo ordena-seainda volta deste mar: era preciso remediar a diviso do mundoem dois, diviso de que os Brbaros se tinham tomado culpadosTratava-se no entanto de pura viso e no de compreenso da

    realidade. Os sucessos de Justiniano foram apenas parciais (nema Glia, nem a maior parte da Espanha foram reconquistadas) epouco duradoiros, excepto em Itlia, onde Bizncio manteria durantemuito tempo pontos de apoio. E uma das razes da fragilidadeda obra do basileus foi precisamente o facto de Oriente e Ocidentej no se compreenderem, nem no plano da lingua ou da cultura,nem no da religio (o Ocidente brbaro do sculo VI quaseinteiramente cristo mas reconhece Roma e ignora o patriarca deConstantinopla), nem no da vida econmica (o Ocidente gros-

    seiro e campons, o Oriente continua a ser uma regio de cidadesde gostos delicados). A separado das duas metades do mundoantigo j no como anteriormente um fenmeno apenas cultural.

    Ter havido no sculo V uma ruptura norte-sul, acompanhandoa fractura leste-oeste? Por outras palavras, estariam as costas dafrica do Norte, separadas, desde esta poca, das costas da EuropaOcidental, e a parte ocidental do Mediterrneo seria j uma bar-reira? Apesar de, durante algum tempo, a ocupado do Magrebe

    pelos Vndalos te r constituido uma amea?a para a navegago navegado alis em dech'nio ainda antes das invases, esseperigo fora bastante Tapidamente conjurado, e Cassiodoro, as

    (*) Basileus: titulo oficial do rei da Prsia at conquista rabe, depoisda qual ficou a pertencer ao imperador bizantino. (N. do E.)

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    cartas que dirigiu a Teodorico, rei dos Ostrogodos, conquistadoresda Itlia, testemunha que a pennsula continuava a receber, sobretudo atravs de Ostia, cereais da frica do Norte, como no tempodos Romanos. No entanto, estas exportagSes para Itlia, princi

    palmente para Roma, eram j demoradas e continuariam a s-loaps a reconquista provisria da frica do Norte aos Vndalospor Justiniano. Isto no impede que, no fim do sculo VI e mesmomais tarde, as margens norte e sul do Mediterrneo Ocidental conti-nuassem a estar ligadas por navios de comrcio, e que, tanto urnascomo outras, contmuassem a pertencer ao Ocidente.

    A ruptura, particularmente trgica, ocorreu mais tarde, quandoda conquista rabe. Partindo ao assalto do mundo cristo, depoisde terem submetido a maior parte do Mdio Oriente grego, os

    rabes no se contentaram com todas as possessdes africanas deBizncio. Em 698, caira a cidade crista de Cartago. Mas, trezeanos mais tarde, depois de uma nica batalha, era ocupada amaior parte da Pennsula Ibrica. Depois, foi atingida a Glia:foi aqui que, entre 720 e 737, o duque de Aquitnia e depoisCarlos Martel detiveram a invaso musulmana que, na generalidade,recuou para o outro lado dos Pirenus. Apesar de a Glia tersido salva, o mesmo no aconteceu com a Itlia: a partir de 827,a Sicilia iria cair as mos dos Sarracenos; depois, em 870, foia vez de Malta e das outras ilhas, ficando o prprio continenteameagado.

    A partir daqui, a Europa Ocidental ficava cortada das costasafricanas, perda as ilhas anteriormente dependentes da Itlia ouda Espanha, e, durante sculos, os cristos se acreditarmosnum escritor rabe dos anos 700 no puderam fazer flutuaruma simples prancha no Mediterrneo. Aim disso, durante s-culos, no bastou que o Mediterrneo Ocidental tivesse deixado

    de ser seguro, tornando-se mesmo interdito, mas aconteceu aindaque, devido s razias dos Sarracenos, as costas da Catalunha(recuperada pelos primeiros Carolngios), da Septimnia, da Provenga e da Itlia junto ao mar Tirreno passaram a viver na inse-guranga, que iria marcar profundamente estas regiSes, at no seuprprio habitat. A fractura norte-sul do espago do antigo ImperioRomano do Ocidente teve consequncias profundas.

    Menos profundas, no entanto, do que pensa Henri Pirenne. Paraele, o corte principal na histria do Ocidente no teria sido ainvaso dos Brbaros do comego do sculo V, mas a dos Sarracenos,e a Idade Mdia teria nascido da morte do Mediterrneo Ocidentalcristo. Para Pirenne, o comrcio ocidental ter-se-ia mantido bastante activo at aos anos 700, o mesmo acontecendo com as relagSeseconmicas entre Oriente e Ocidente. Em suma, at irrupgo dosrabes, o Ocidente teria conservado, como nos belos tempos doImprio, um carcter fundamentalmente mediterrnico, no sentido

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    em que as regies meridionais teriam mantido, tanto na economacomo, por exemplo, na culiura, a sua preponderancia de outrorasobre as regies setentrionais.

    Henri Pirenne foi seguido at ao exagero por muitos historiadores. Presentemente, de bom tom rejeitar essa tese em bloco.

    No entanto, ela fizera ressaltar um fenmeno de primeira grandeza:a passagem da supremaca, tanto econmica como cultural ou poltica, das provincias meridionais para as do Norte. Na verdade, estadeslocago do centro de gravidade do Ocidente nao decorreu daconquista musulmana: os seus germes existiam desde os sculos anteriores s grandes migra(es. Devido ao facto de muitas vezes serreduzido o nmero de brbaros que se instalavam no Sul, nosculo V, o artesanato e comrcio tinham ainda centros activos nestaregio. O mesmo aconteca com a vida religiosa, mais viva no Sul

    do que no Norte. Foi no sculo VI que a corrente se inverteu deforma evidente no dominio poltico: isto visvel principalmentena Glia, onde todas as capitais merovngias se situavam entreo Loire e o Reno. Depois, no sculo VII, o Norte da Glia comegaa tornar-se econmicamente mais activo do que o Sul.

    Por volta de 700, antes portanto de o fluxo sarraceno ter vindobater contra as costas da Europa Ocidental, as regies entre o Loiree o Reno so j, e durante muito tempo, o centro de gravidade doOcidente. A perda do Mediterrneo e de uma parte do seu circuitoocidental apenas veio reforjar esse centro, ao mesmo tempo queas regies do Sul ficavam votadas a uma semiparalisia devida pirataria musulmana e, pouco depois, normanda.

    Primeira reconstrug&o

    Ter o Ocidente assumido contornos duradoiros depois da bata-

    lha de Poitiers? No Mediterrneo, o Ocidente continua a recuar es em fins do sculo IX os lmites fluidos que separam cristos emugulmanos se estabilizam por mais de um sculo. No Leste, osBalcs quase no tm relages com o Ocidente, que termina noAdritico. Poder-se- dizer que toda a Itlia pertence ao Ocidente?

    Nao h dvida de que a Itlia da Alta Idade Mdia teve uma sorteparticularmente funesta. A partir de 568, ou seja, somente cincoanos depois da capitulado dos ltimos ostrogodos, os Lombardoscomegaram a transpor os Alpes e a ocupar uma Itlia do Norte

    esgotada. Depois, tentaram espalhar-se pelo resto do pas. Por alturas de 600, Bizncio ainda controlava a Liguria, a Vencia e aIstria, o exarcado de Ravena, que abrangia a Itlia Central, algunsenclaves a sul (Npoles, a Calbria, a Aplia) e as tres grandesilhas. A despeito de algumas contra-ofensivas, estas possesses cede-ram perante o invasor. Mas a Vencia, a Istria e uma parte da

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    Itlia do Sul manter-se-iam bizantinas at ao sculo XI. Fracturadecisiva do Ocidente: o curso inferior do P e a Itlia meridionaltinham-se voltado para Oriente.

    as regides setentrionais da Europa (Noroeste, Norte, Nor

    deste), pelo contrrio, desde a primeira Idade Mdia, o Ocidentenao parou de se dilatar, agravando durante algum tempo o desequilibrio entre Norte e Sul.

    Clvis prepara o protectorado franco sobre o Oeste da Germnia, mas esse protectorado s se tomou efectivo no tempo dosseus filhos e netos, atingindo o seu apogeu em 560. A maior parteda Germnia, outrora ndependente, at uma linha aproximativaHalle Duisburgo montes da Bomia mdio Danbio, portanto principalmente a Turngia, a Alemnia, a Baviera e a Pannia

    (aquetas parcialmente romanizadas) era franca. Mais a norte,os Merovngios tinham sido derrotados em Saxe. Todava, o factode os sucessos merovngios terem sido apenas parciais e bastantefrgeis, nao impediu que estes representassem um dos grandes acon-tecimentos da histria europeia. Pela primeira vez, a Germnia erasubmetida a uma dominado cuja sede ficava a oeste do Reno(L. Musset).

    O segundo passo em frente deveu-se a Carlos Magno, e talveztenha sido com ele que nasceu a Europa romana, ou o Ocidentecristo. Entre a foz do Reno e o esturio do Weser viviam os Fri-s5es, pagaos e ciosos da sua independencia. Os primeiros progressosda causa franca e da causa crista reunidas tinham ocorrido notempo de Carlos Martel e de Pepino o Breve, mas apenas tinhamtido consequncias duradoiras no Sul da regio. Depois de ter destrocado, em 784, um levantamento conjunto de frisoes e saxes,Carlos Magno conseguiu, no ano seguinte, vencer definitivamenteos Frisoes do continente e do arquiplago. Sabe-se que teve muito

    mais dificuldades em vencer a resistencia saxnica. At submissodefinitiva (797-804), alternaram-se as expedi?5es, conquistas e levan-tamentos. Acrescentemos que, na Pannia, Carlos Magno destruiutambm os vares (796). A partir de ento, as fronteiras do Imp-rio tinham alcanzado o curso inferior do Elba e o Saale, que, ainda

    por alturas do ano 1000, marcavam o limite oriental do Ocidente.Esta nova configurado do Ocidente no ira ser modificada de

    forma sensvel pelos ltimos assaltos de invasores, os Hngaros,na Europa Central, e os Normandos (Noruegueses ou principalmente Dinamarqueses), na Europa do Norte e do Noroeste (emesmo no Mediterrneo). A mensa maioria dos pases invadidosmanteve com efeito a sua autonoma (L. Musset). Mas asconsequncias econmicas destas ltimas invases foram bastanteconsiderveis.

    Os Vikings merecem um lugar parte. necessrio colocar nose activo a unidade econmica futura do espado do Norte da Eu

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    ropa: apesar de esta s ser bem visvel a partir de meados dosculo X, a verdade que desde meados do sculo anterior osdirhems de prata do Iro e do Turquesto afluam Escandinvia,ao mesmo tempo que as moedas do Ocidente eram redistribuidas

    pela estrada do Norte at Rssia, onde traficavam os Vikings.

    Apesar de no ter havido um mercado nico que se estendesse doAtlntico ao Turquesto, houve, pelo menos, uma srie de mercados que se anastomosavam uns aos outros sem solugo de conti-nuidade (L. Musset). Enquanto os Dinamarqueses pilhavam e depois colonizavam diversas regies da Inglaterra e da Francia, osSuecos ou Varegues abriam o caminho do Norte e do Leste, em-

    brenhando-se atravs das estepes russas at s margens do marNegro, desembocando s portas de Bizncio e de Bagdade. Estaestrada, assinalada por emporia, como Novgorod, e reforjada poruma verdadeira colonizago, declinar e desaparecer quando ascruzadas restabelecerem o papel do Mediterrneo como principalintermedirio entre o Oriente e o Ocidente. Por seu tumo, os Norue-gueses, ultrapassando as suas zonas de acgo situadas principalmente na Esccia e na Irlanda, tinham-se dirigido, no sculo IX,a partir das Shetland, para as Faro e depois para a Islndia, antesde, no sculo X, chegarem Groenlndia e talvez Amrica (cf.mapa p. 123.

    Os Carolingios e a moral econmica

    Escreveu-se muitas vezes, com algum exagero, que o reinado doprimeiro imperador carolngio assinala a data do nascimento daEuropa. Se este termo vago for entendido como sinnimo de Ocidente cristo, esta tese defensvel: o imprio carolngio foi o queesteve mais perto de coincidir com os limites da cristandade ro

    mana. Ao sul dos Pirenus, a Marca de Espanha (que vai apenasat ao Ebro) carolngia e o pequeo reino das Astrias, que esca-pou avangada rabe, reconhece a superioridade do imperador. Anordeste, o Elba e o Saale separam os Saxes, em vias de cristia-nizago, dos Eslavos pagos. Existe uma nica excepgo importante:enquanto os pequeos reis anglo-saxnicos sofreram a influnciafranca, o poderoso rei de Mrcia trata de igual para igual comAix-la-Chapelle.

    Neste vasto imprio, a ideia, ressuscitada dos tempos romanos,

    de uma unidade poltico-religiosa, e portanto de uma Respublicachristiana, constituiu uma forga de consolidago mais poderosa doque a forga conquistadora. O imperador o guardio da paz universal, tem de garantir a ordem terrestre, que deve reflectir aordem divina. Deve conduzir a cidade terrestre para a cidade deDeus. Em teoria e por vezes na' prtica, o Ocidente conheceu a

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    unidade poltico-religiosa. Mas ter essa unidade correspondido acaractersticas econmicas comuns? H uma caracterstica da vidaeconmica comum a todo o Ocidente que chama a atengo por seter prolongado atravs dos sculos, subsistindo ainda, embora bas

    tante enfraquecida, nos fins da Idade Mdia. Por vontade de CarlosMagno, ou daqueles que pensavam por ele, a economia ocidentalpassou a apresentar, a partir de ento, aspectos de economia subordinada a normas religiosas e moris (A. Piettre).

    Existia na Igreja uma tradigo hostil usura, ou seja, aoemprstimo a juros, declarado nocivo no seu principio e fosse qualfosse a taxa.

    Esta doutrina da usura baseava-se em diversos textos,

    dos quais apresentamos os mais importantes:Se emprestares dinheiro a algum do meu povo... nao' lhe

    exigirs juros (xodo).No exigirs do teu irmo qualquer juro, nem por dinheiro,

    nem por vveres, nem por qualquer coisa que se emprestea juros (Deuteronmio).

    Emprestai sem nada esperar em troca e a vossa recompensaser grande (S. Lucas>

    Concilios e papas da Antiguidade haviam dito o mesmo: por volta de 300, o c&none 20 do Concilio de Elvire

    probe aos clrigos de Espanha o emprstimo a juros; em 325, o cnone 17 do Concilio Ecumnico de Ni-

    ceia expulsa do clero quem quer que empreste a juros;

    no que diz respeito aos laicos, os principis textos queformulam a proibigo so do papa S. Leo; por exem

    plo: fenus pecuniae, funus est animae (o proveitoda usura a morte da alma).

    Todas estas citagoes teriam grande sucesso at ao fim da IdadeMdia. Mas, no tempo dos Merovngios, estas proibiges parecemter se mantido como letra-morta. Gregorio de Tours conta que obispo de Verdun, ao solicitar ao duque de Austrsia um emprstimode 7000 soldos de ouro a favor da sua cidade, lhe prometeu devol-ver-lhe esse capital cum usuris legitimis (com os juros jurdicamente devidos). Foram os Carolngios, e sobretudo Carlos Magno,que, em virtude da concepgo sacerdotal do seu poder e sob ainfluncia dos seus conselheiros eclesisticos, alargaram aos laicos,sem concessdes, a proibigo que em principio atingia sobretudo osmembros da Igreja, e que atriburam a essa proibigo generalizadaa sango da legislago civil:

    Em 789, a capitular qualificada de Admonitio generalis,referente aos textos citados supra, probe a usura a todos.Em 806, a capitular de Nimgue, promulgada num perodo

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    de grande fome, declara que usurae avareza so um mesmomal, semelhante especulado desonesta (so assim visadosos emprstimos agrcolas em gneros, portanto, os emprstimos de consumo). Em 809, ano de privages, uma novacapitular vem proibir todos os adiantamentos em gneros ouem dinheiro antes das colheitas, seguidos, no dia do reem

    bolso, de uma exigencia de pagamento do dobro ou do tr iplo do valor emprestado. Para alm das penas previstas pelaIgreja, Carlos Magno, numa capitular no datada, imps aotransgressor a multa devida por viola?ao de vassalagem,sendo a mais pesada no valor de 60 soldos. E os sucessoresde Carlos Magno iriam agravar ainda mais as proibiges esanges.

    Numa poca em que a vida econmica se baseava sobretudo naagricultura, eram portanto visados os emprstimos de consumo agr

    cola aparentemente os nicos a serem praticados em grande escala. De facto, as suas consequncias podiam ser graves: no pretendeua capitular de Thionville (805) proteger os homens livres pobres,obrigados a vender os seus bens para pagar as dividas? Foi Igrejae tradido carolngia que se deveu o facto de o mundo medieval,ao contrrio do mundo antigo, no ter sido minado pelo problemadas dividas, apesar de as proibiges terem sido muitas vezes torneadas ou violadas.

    Mas a Igreja influiu, de uma forma mais vasta ainda, sobre avida econmica do Ocidente e, desse ponto de vista, mesmo asregies no submetidas aos Carolngios. Depois das grandes invases, a Igreja agiu antes de influenciar (A. Piettre): perante ascarencias daquilo que restava dos poderes pblicos, a Igreja assumiuimportantes servigos materiais e sociais. Transformada numa grandepotencia temporal pelas suas imensas possesses rurais, a Igrejainculcou em todo o Ocidente o principio do primado do consumo.Com um sucesso afinal mitigado, os concilios do Ocidente tentaramordenar essa riqueza ao servigo da sociedade, essencialmente dos

    pobres. Tratava-se de um esbogo bastante imperfeito de redistri-buigo das riquezas. Em principio, pelo menos, a economia dosmosteiros era ordenada de modo a produzir no para ganhar, maspara dar... e a produzir com vista a prover ao consumo (J. Le-clercq). Longe de ser nociva produgo, esta relativa subordina-go da economia serviu-a e representou um exemplo da rendibi-lidade do gratuito. A partir da Alta Idade Mdia, a abadia umcentro de reabastecimento, de produgo, de comrcio, de crdito,

    de povoamento, de arroteamento, e tanto os mosteiros como ascatedrais actuam igualmente sobre a vida material atravs das pere-grinages e das grandes obras. Tratava-se de uma poltica do imprevisto que acabou por ser produtiva. Porque, como dizia Keynes,todas as despesas com as grandes obras eram, no futuro, multiplicadores de lucros.

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    O principio do primado da proibigo ajuda a compreender omotivo por que a Igreja foi, desde os tempos carolngios, to intransigente no plano da proibigo do juro. Alis, ela obtivera o apoiodos Carolngios num outro dominio, onde o sucesso foi menos n

    tido: referimo-nos ao comrcio de escravos. A Igreja nao o inter-ditara, mas, depois de Gregrio Magno, proibia, pelo menos, avenda de escravos cristos a compradores pagos. Foi ainda CarlosMagno quem deu uma forma mais clara e mais imperativa s pres-criges da Igreja, proibindo, alm disso, qualquer venda fora doslimites do seu imprio (*).

    Deste modo, apesar de o poder civil nem sempre ter apoiado aIgreja de uma maneira eficaz ou regular, indiscutvel que o seumuito frequente apoio permitiu dar uma colorago moral e religiosa

    vida econmica do Ocidente. Se o primado da agricultura aprimeira caracterstica comum a toda a economia ocidental, a segunda caracterstica de facto o esforgo de moralizago das relagdeseconmicas. Estas duas caractersticas enfraquecero pouco a poucoao longo dos tempos, mas persistirao mais ou menos at ao limiardos tempos modernos.

    0) Nao se tratava j, a partir desta altura, de comrcio de escravos cristos, ainda que os Judeus, no tempo de Lus o Pi. tivessem abastecido de cristosos mercados sarracenos de Espanha e do Orlente. Tratava-se agora de escravospagSos (cada vez mais eslavos, donde a palavra escravo).

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    Captulo 2

    FRAQUEZA E DISPERSODOS RECURSOS ECONMICOS

    Quando se fala dos tempos obscuros, devemos recordar-nos deque eles o so devido raridade ou disperso dos documentos detodo o tipo. Entretanto, se as teorias sao to numerosas como con-traditrias, a razo a mesma: quando faltam os documentos,florescem as teorias (Ph. Wolff).

    Durante muito tempo, tudo se limitou praticamente ao estudodos escritos. Ora, estes so pouco numerosos, particularmente emrelago aos sculos que antecedem e se seguem ao renascimentocarolngio que foi, sobretudo, um renascimento passageiro do usoda escrita. Alm disso, no que se refere actividade de negcio,os textos, mais raros e mais duvidosos do que os que respeitam vida rural, adaptam-se mal anlise. Trata-se de textos sobretudonarrativos, cujos dados incompletos e frequentemente inexactos

    preciso interpretar; nenhum serviudirectamente

    (para as) trocas(Y. Renouard). certo que, desde h bastante tempo, se adquirira o hbito de

    usar outras categoras de fontes, de estudar as moe'das, os cemit-rios ou a toponimia. Mas foi depois da ltima guerra mundial quea utilizago das fontes no escritas fez grandes progressos.

    As fontes escritas

    Estas correspondem principalmente vida agrcola, emboraquase nicamente dos pases francos. A provvel minimizago daimportncia do artesanato e do negcio pode explicar-se em partepor esta orientago dos escritos para o campo.

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    Os escritos e a vida rural

    No que se refere poca merovngia, dispomos de pouca coisa:alguns captulos de leis brbaras (as dos Bvaros e as dos Alamanos

    que se inspiraram em ditos promulgados por reis e anteriores a639), os ditos de historiadores da poca (Gregrio de Tours e Fre-degrio relativamente Glia franca, Cassiodoro relativamente Itlia, etc.) e as vidas dos santos que fornecem incidentalmente indicares preciosas.

    Para a poca carolngia, o caso diferente. Dispomos de documentos que serviram directamente para a actividade rural. E, emparticular, da capitular De villis, no datada, mas estabelecida semdvida entre 770 e 800 ou entre 794 e 813. De alcance geral, visto

    que se refere a todas as villae exploradas em proveito directo dorei, nada tem de original ou de inovador. Faz aluso a um sistemapreexistente, limitando-se a chamar os agentes reais (judices) aocumprimento das regras antigas e no precisando quais os melhora-mentos tcnicos a introduzir nos dominios reais. Trata-se apenasde uma instrugo que... se contenta em estimular o zelo dos agentes dos dominios reais e em tomar precauges contra as usurparesdesses mesmos agentes. No entanto, apesar de no ter sido o ponto

    de partida para transformages econmicas profundas, tanto na Alemanha como em Franga, a capitular no deixa por isso de ser umacto de importncia capital, visto que, gragas aos seus 70 pargrafos, nos faz penetrar no pormenor da administrago dos dominiosreais no comego do sculo IX (Ch.-E. Perrin).

    O texto desta capitular e tres modelos de inventrios encon-tram-se contidos num manuscrito de Wolfenbttel (primeiro tergodo sculo IX). Estes inventrios eram outrora formulrios dirigidos chancelaria a fim de ajudar as igrejas a estabelecer o inventrio

    dos seus bens que Carlos Magno reclamara: so os Brevium Exem-pla ad describendas res ecclesiasticas et fiscales.

    Trata-se na realidade de uma compilago privada, masque conservou inventrios efectivos de bens reais situadosno Norte da Glia, nomeadamente em Annapes, e talvez,no caso de um dos cinco fiscos assim inventariados, na regio de Paris; estes constituem o Breve n. 3. Simplesmente,o compilador, monge da abadia de Reichenau, substituiuos nomes dos locis e das quantidades por ille, tantas,

    etc., do que resultou um enorme trabalho de identificagoem que os historiadores se empenharam com sucesso. OBreve n.s 2, muito menos importante, apenas o extractodo catlogo das precrias e beneficios concedidos pela abadia de Wissembourg. O Breve n.a 1, mutilado, apenas oextracto de um polptico do bispado de Augsbourg.

    Os polpticos representam uma fonte bastante mais rica, tantodo ponto de vista quantitativo como do ponto de vista qualitativo.

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    Trata-se de uma categora de inventrios que as igrejas carolngiaspodiam ser obrigadas a fazer.

    Esta prtica remonta, no entanto, a muito mais atrs nopassado: no sculo VII, vemos dois clrigos fazerem, por

    conta do bispo de Nevers, a descriptio de um dominio doQuercy que pertencia a este ltimo. E o termo encontra-sej no Baixo Imprio: era assim que se chamava o registoque o prprio proprietrio estabelecia do seu fundus comvista ao langamento dos impostos. interessante verificarque o plano seguido para o registo romano o mesmo queo dos polpticos mais antigos. Independentemente destesantecedentes longnquos, os polyptyca da poca carolngiasao listas de todas as villae que pertencem ao proprietrio,e apresentam para cada villa a enumerado das partes queconstituem a reserva, as diversas tenures (com a lista de

    rendas e servigos devidos por cada uma). Deste modo, podeconhecer-se, na melhor das hipteses, a riqueza fundiriatotal (com excepgo das precrias e dos beneficios) do do-minus e os seus rendimentos fixos (faltam apenas os rendi-mentos variveis, portanto, os da reserva), bem como osseus rendimentos extradomnio, como as dzimas.

    Apesar de o mais antigo polptico conhecido ser aquele de queo Breve n.9 1 transmitiu algumas passagens, o mais clebre pelasua antiguidade e pela sua amplitude o que foi redigido por ordem

    de Irminon, abade de Saint-Germain-des-Prs, entre 806 e 829. Adespeito de, neste polptico, faltarem os inventrios de quatro oucinco villae, o essencial no deixou de chegar at ns, sob a suaforma original, ou seja, o inventrio de vinte e cinco dominios.

    Em suma, o polptico de Irminon inaugura a lista bastante longados polpticos cujo texto nos foi legado de uma maneira ou deoutra. A sua relativa abundancia, no que se refere ao sculo IX,deriva provavelmente e ao mesmo tempo de diversas causas: poss-

    veis exigncias dos Carolngios junto das igrejas, s quais pediamque inventariassem os seus bens; reforma monstica de 817 (qual-quer reforma deste gnero acompanhada de medidas que tm emvista a conservado do temporal); invases normandas, um poucomais tarde (depois de uma incurso importante, devia proceder-sea um balango e salvaguardar os antigos direitos). Na Francia occi-dentalis, os mais clebres so os das abadias de Montirender (poucoantes de 845), de Saint-Bertin (entre 844 e 858) e de Saint-Remi deReims (por volta de 861). Na Francia media ou Lotarngia, dispo

    mos sobretudo dos mosteiros de Lobbes (por volta de 868) e dePrm, no Eifel (893, um ano depois de uma grande invaso normanda). A Francia orientalis pobre em polpticos do sculo IX e,na maior parte dos casos, apenas foram conservados fragmentoscomo o que figura no Breve n. 1, ou como o referente abadia deWerden.

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    No entanto, como o uso de tais inventrios se prolongouat ao sculo XII inclusive, uma anlise bastante concisade um polptico dos sculos XI ou XII permite descobrir

    nele intercalada uma parte de um inventrio maisantigo. A procura dos polpticos alemes dos sculos IX e X

    continua, portanto, aberta. Mas, apesar de nao ser favorecida no que diz respeito aos popticos, a Alemanha dispdede outras fontes escritas, tais como os livros de tradigSo,que conservam o registo de doafes feitas s igrejas, cujodesenvolvimento no sentido do temporal a partir dos s-culos IX e X, principalmente na Baviera, se pode seguir.

    importante notar que, tanto em relado Franja como Germnia, os documentos dizem principalmente respeito s fortunasdos clrigos. No que se refere aos grandes laicos, no existe quase

    nada, excepto o registo das doa?oes por eles feitas em proveito dasigrejas. Quanto aos soberanos, dispomos de mais documentado doque para os laicos, mas menos do que para os temporais eclesisticos: existem poucos polpticos, alm do capitular De villis e de umdos Breves-, citamos apenas dois no caso da Germnia, um datandode 830-850 e referente a cinco dominios da regio de Worms, eoutro redigido pouco antes de 831 e referente aos bens reais nosGrisons. Esta vantagem documental, apresentada pelos bens dasigrejas sobre todas as outras categoras, ira prolongar-se por longos sculos, de tal modo que os campos do Ocidente so, em demasiados casos e por for?a das circunstncias, vistos atravs da Igreja.

    Outra caracterstica da documentado escrita, que tambm pas-sar a fronteira do ano 1000: esta mais restrita em Itlia, onde,sobretudo, foi menos explorada. Os escritos referentes Itlia doSul, Sicilia e Sardenha so rarssimos. Deste ponto de vista, aItlia do Norte tem apenas alguns distritos favorecidos, nomeada-mente o de Luca: aqui, so muito menos raros os fragmentos de

    polpticos e, mais tarde, de forais. Ora, s na Lombardia, as dife-rengas regionais so tao grandes que vm agravar a desigualdadegeogrfica das fontes: impossvel fazer extrapolages, mesmo dentro dos limites do razovel.

    Para alm da insuficiencia do quadriculado geogrficoqu eles permitem, mesmo na Glia, todos os documentosde que temos falado tm ainda o inconveniente de fornecerum esclarecimento demasiado administrativo e, no fundo,referente apenas aos dominios melhor administrados dasregides mais ricas (Ph. Wolff): encontramos neles poucoselementos sobre as tcnicas e nenhuns sobre as culturas.Mas estas carncias no podem ser preenchidas por textosde outro tipo, pouco numerosos e muito pouco explcitos.Estes documentos de apoio (diplomas, cartulrios, etc.)referem-se geralmente apenas constituido dos dominiostemporais eclesisticos e no vida que neles se leva. E,embora abundem os textos hagiogrficos, estes nem sempresao muito seguros para o estudo da vida nos campos.

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    Os escritos e a actividade de trocas

    Os documentos escritos referentes ao artesanato e ao comrcioso muito mais raros e o seu valor muitas vezes duvidoso. Exceptono caso dos textos sobre a villa, que esclarecem um pouco o que

    se refere ao artesanato, tendo por quadro no uma cidade mas ogrande dominio. Excepto tambm no caso das regras monsticas,muitas vezes teis porque o mosteiro se sita sempre no campo e,em principio, deve bastar-se a si prprio, tanto em gneros agrcolascomo em produtos artesanais.

    Existem de facto alguns textos regulamentares: algumas prescri-foes as leis brbaras e, sobretudo, as capitulares carolngias. Masem que medida eram aplicadas estas decisdes?

    No frequente encontrar-se as vidas dos santos anotagoesbem claras. Como excepfo, a Vida de Santo Eli, o ourives dotempo de Dagoberto I, uma fonte verdaderamente segura. Citemos, mas apenas para recordar, os escritos dos gegrafos rabesaos quais outrora se dava o maior crdito (M. Lombard). As suasinformales so tanto mais fluidas na medida em que os seusautores se copiavam frequentemente uns aos outros.

    Outros tipos de fontes econmicas

    Existem duas categorias destes documentos que so utilizadosde h longa data, embora beneficiando sempre de novos progressose de novas descobertas. Trata-se em primeiro lugar da toponimia,que tenta datar o aparecimento dos locis habitados, principalmenteno campo, mas cujos dados devem ser confrontados com os que ostextos podem fornecer (tanto no referente s datas de nascimentodas parquias urbanas como rurais).

    A segunda a numismtica, em grande progresso e objecto denumerosos trabalhos recentes. Os seus dados so infelizmente deinterpretado difcil.

    M. Lombard, por exemplo, estabelecera uma carta dasestradas terrestres e martimas entre os sculos VIII eXI, a partir dos achados monetrios; a partir do sculo VIII,as grandes correntes teriam contornado, pelos lados oci-dental e oriental, a massa continental da Europa. Para oafirmar, o autor baseava-se na ausencia de qualquer achado

    de dirhems (moedas rabes). Mas esta ausencia pode expli-car-se de uma maneira completamente diferente: os reisfrancos (que os soberanos feudais imitariam) proibiam acirculago de moedas estrangeiras nos seus dominios, peloque essas moedas tinham de ser levadas s oficinas monetrias, onde eram refundidas. Devido ao seu sistema mone-trio mais evoludo, a Europa Ocidental conservou menos

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    vestigios das suas actividades comerciis do que as regidesmais atrasadas da Rssia e da Escandinvia (E. Perroy).O historiador da economia dos tempos obscuros constantemente ameagado por um perigo: preencher a insuficinciados dados textuais e de cada uma das outras categoras de

    documentos atravs de uma acumulado de todos essesdados, recolhidos para um perodo vrias vezes secular, oque conduz a uma montagem fotogrfica (E. Perroy).

    No que respeita a uma outra fonte muito importante, a arqueologa, a crtica e a filtragem das fontes tambm no est aindaacabada. H j muito tempo que a arqueologa urbana veio emsocorro da histria econmica. Mas no se trata apenas de descobriro tragado dos antigos recintos urbanos ou de examinar o que resta

    das grandes construgoes desaparecidas. Com efeito, a arqueologiaurbana realiza actualmente grandes progressos, nomeadamente nospases da Europa Central, como a Polonia, onde se chega mesmo adistinguir um centro rural de um pequeo centro urbano, procurando os mnimos vestigios de oficinas artesanais e de estabele-cimentos comerciis. Na Polnia, como na Flandres (nomeadamenteem Gand), tenta-se agora arrancar os seus segredos a todo o solourbano, de maneira a descobrir a localizago das ras e das pragas,dos edificios privados ou pblicos. A estratificago das camadas per

    mite que se tente a datago e, nos casos mais favorveis, que setenha uma ideia global das condigoes econmicas de cada poca.

    A arqueologia rural, particularmente a arqueologia agrria (destinada histria dos campos), um dos ramos mais jovens daarqueologia. Comegou a ser praticada em Inglaterra, a partir de1920, depois nos Pases Baixos e na Dinamarca, antes de ser langadana Alemanha e em Itlia, a partir de 1945. Deste ponto de vista,a Franga encontra-se atrasada. de notar que a arqueologia area,

    bastante recente, apenas um dos ramos da arqueologia rural,embora de importancia capital para o estudo dos habitats ruraisdesaparecidos e dos campos (cf. por exemplo R. Agache relativamente Picarda).

    Perante a extrema insuficincia das fontes escritas quanto estrutura e morfologa dos campos no decorrer da primeira Idade Mdia, e mesmo relativamente ao perodo posterior, utilizou-se durante muito tempo uma documentago(A. Dlage, no que se refere Borgonha, por exemplo)que remontava apenas aos sculos XVII a XIX (registo dosbens senhoriais, planos cadastrais, etc.) e usava-se o mtodoregressivo. Mas isto no permita responder a todas as ques-t5es e a imagem da organizago do solo continuava a serabstracta.

    Agora, pode esperar-se que a arqueologia rural venha a fornecerbons elementos de resposta sobre a ocupago e a explorago do

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    solo, as transformares dos produtos do solo e, at, pensa-se, sobrea vida quotidiana nos campos.

    Os muito recentes progressos da arqueologa urbana e rural naoestimulam tanto a imaginagao como os realizados, tambm recen-temente, pela arqueologa das tcnicas (rurais ou urbanas) com aajuda de objectos descobertos nos cemitrios e praticamente datados(E. Salin). Pode demonstrar-se deste modo que uma das caractersticas mais notveis da poca merovngia foi a renovago das tcnicas do trabalho dos metis: as pegas de armamento encontradas nostmulos provam que os Germanos tinham introduzido no Ocidente e esta foi durante um primeiro perodo um das causas dos seussucessos militares tcnicas muito superiores s da antiguidaderomana. A escola de Nancy (E. Salin) procedeu ao seu estudo,usando os processos fsicos, qumicos..., mais modernos. Destemodo, reconstituiu-se uma verdadeira ruptura na histria dastcnicas europeias (E. Salin): o recozimento tinha substituido atempera e alguns dos agos brbaros eram mesmo comparveis aosnossos actuais agos especiis.

    No entanto, quais as conclusoes que, para alm das queincidem sobre a histria das tcnicas, se podem tirar, porexemplo, da arqueologia das tcnicas? H quem discuta,com pleno direito, as de E. Salin sobre as trocas e as gran

    des correntes de circulagao na Glia merovngia.

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    Captulo 3

    OS FACTORES DA PRODUGONO DECORRER DA PRIMEIRA IDAD MDIA

    O pouco conhecimento que se tem da vida econmica dos tempos obscuros, deve-se, por um lado, ao facto de as fontes que selhe referem serem parcas e no adaptadas investigado econmica,e, por outro, ao facto de o seu estudo ter sido durante demasiadotempo obscurecido por diversas teoras que desviaram o espirito doshistoriadores. Uma dessas teoras, em especial, faz ainda sentir osseus maus efeitos: os economistas alemes do sculo XIX pensavamque o desenvolvimento histrico da economia se processava por eta

    pas (Stufen) regulares. Esta teora das etapas visava principalmentedois nveis sucessivos da economia. O mais baixo e o mais antigoseria o da economia natural, ou economia de subsistncia, ou economia fechada, quase sem comrcio e sem moeda. O segundo estdioseria o da economia monetria ou urbana, que se atinga somentecom um certo grau de prosperidade que permita aos homens pro-duzir mais do que o necessrio para a satisfafo das suas prprias

    necessidades ('). Posteriormente, fez-se sentir a necessidade de reajustar e matizar, ao mesmo tempo, esta teoria. Afirmou-se, por exemplo, que estes dois nveis econmicos podiam ter coexistido namesma poca, numa mesma regio, vivendo o campo em economiafechada e as cidades em economia monetria. Disse-se que no tinham sido raros os retrocessos para a primeira etapa. E fez-se notarque pode haver comrcio sem utilizado de signos monetrios (ostecidos e as caberas de gado na Frsia, noutras provincias as especiaras, foram sucedneos da moeda).

    Mesmo reajustada, a Stuferttheorie perigosa. Vale mais encarara realidade de frente e abandonar de uma vez para sempre todasestas expressSes, que embora sem valor so coriceas. Para se saber

    O O tercelro estdio seria o da Kreditw irtschaft, no qual o crdito desem-penharia um papel primordial.

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    se houve ou no comrcio com um raio de acgo reduzido oumdio, se cada dominio rural vivia verdaderamente fechado sobresi mesmo e tinha ou no a obrigago de suprir as necessidades detodos os seus habitantes, se existiu apenas um comrcio distante e

    incidindo somente sobre os objectos de luxo, vale mais apelar paraos processos de raciocinio conjuntos da histria e da economia poltica.

    No seu conjunto, a vida econmica resume-se aos termos complementares da produgo e do consumo, do investimento e da pou-panga. O mais importante conhecer a produgo e esta que asfontes pem melhor em destaque. Ora, a produgo sempre foi oresultado de tres factores: a natureza, o capital, o trabalho, ou seja,o homem, que essencial.

    O factor natural e a conquista do meio

    O dominio das condicoes naturais

    O clima

    Em todas as pocas, o meio natural apresenta linhas de resistn-cia. O que varia de uma poca para outra o nivel das tcnicasutilizadas, que corresponde ao nmero de sucessos ou de derrotasdo homem em luta para vencer uma ou outra dessas linhas de resis-tncia.

    A primeira a vencer talvez tenha sido a do clima. Mas poder--se- transportar para o passado os dados actuais sobre os climasda Europa Ocidental? Trata-se de um processo muito pouco seguro,conforme provam os recentes estudos sobre a histria dos climas a

    partir de 1500. No dispomos, contudo, relativamente a toda a IdadeMdia, de algo que possa atenuar a ausencia de qualquer observagosria. As crnicas no podem ser muito utilizadas, a despeito daatengo que dedicam aos reveses da natureza (inundages, secas,Invernos longos e rudes, etc.). Assim, procurou-se o contributo deoutros dados, tais como as fases de contracgo e expanso dos glaciares (Alpes, Escandinvia, Islndia, Groenlandia, Alasca), as va-riages do nivel dos mares e dos lagos, a espessura dos crculos

    anuais das rvores e das vigas antigas.Os diagramas polnicos podem por vezes revelar-se preciosos. Porisso se investigou, nos jazigos de turfa de Roten Moor, na Alemanha, a variago dos polns das diversas espcies vegetis ao longodos sculos. Os diagramas que daqui se deduziram assinalam a alternancia da seca e da humidade. Mas nao existe acord sobre adatago das alterages do clima. no entanto bastante provvelque o perodo de 180 a 550 tenha sido hmido e o que vai

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    de 650 at ao ano 1000 tenha sido quente e seco, comefandouma nova fase chuvosa no sculo XI ou XII, que se prolongaraat ao fim da Idade Mdia. Mas estes trs perodos longos devemter sido cortados por fases curtas (houve provavelmente uma pe-quena fase hmida no sculo IX) (SI. Van Bath).

    As datas aproximativas das inundafes sobre o litoralfriso seriam tambm interessantes. Mas tambm quantoa elas no existe acordo. A segunda inundado dunquer-quiana ter-se-ia verificado quer por volta de 300 quer prximo de 400. A terceira ter-se-ia provavelmente produzidoentre 800 e o ano 1000, ou ter-se-ia dividido em duas (1014--1042 e 1127-1163).

    A vegetafo

    O trabalho de quem pretende reproduzir as paisagens da primeiraIdade Mdia logo partida perturbado pela enorme parte do soloainda coberta por florestas (cf. mapa p. 33. A seguir s grandesinvasoes, as florestas conquistaram um campo notvel em detrimento das trras cultivadas e no dispomos de garantas de queposteriormente tenham sofrido um novo recuo srio antes do fimdo sculo X. Este retrocesso ofensivo tem causas histricas (declniodo Baixo Imprio, invasdes brbaras, devastares mais tardas, taiscomo as dos Saxdes no Baixo Sena) e tambm causas climticas.Trata-se da fase quente, provvel no seio da Alta Idade Mdia. Nestaaltura, a floresta ocenica conheceu o mximo de extenso tantoem latitude como em altitude: a Groenlandia e a Islndia ficaramcobertas de btulas. E o facto de se ter verificado, nos Alpes e nosPirenus, uma degradado das florestas mais elevadas a partir dosculo XII, deveu-se provavelmente menos acfo dos animais e

    dos homens do que ao retorno a uma nova fase fria perto do ano1000.

    A floresta na Glia e na Germnia

    Desde o tempo da independencia cltica, as florestas gaulesastinham passado a ocupar muito menos espado e, depois de Csar,a regio apresentava uma verdadeira diversidade. Na parte Norte,

    os povos gauleses estavam separados pelos grandes macizos e pornumerosas florestas que se prolongavam pelas planicies, e o druidismo, religio das florestas, estabelecera ali os seus principis ali-cerces. No Oeste, a floresta ainda no tinha sido sacrificada a outrasformas de paisagem como o bosque. Entretanto, na Glia meridional, os arroteamentos, a transumncia e as queimadas destruam

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    pouco a pouco florestas mais frgeis do que as do resto da regio.Ora, a conquista romana no teve por efeito eliminar esta diferengaentre o Norte e o Sul. Mais numerosos no Sul, os Romanos exploraran! aqui as florestas para as suas necessidades industriis. as

    regies setentrionais, mesmo durante o Baixo Imprio, pelo contrrio, a civilizago por exemplo na futura regio parisiense (era) ainda, em grande parte, uma civilizago da floresta e a caga,as colheitas e a criago de gado contavam muito mais do que asculturas que, na maior parte dos casos, se mantinham seminmadas.No entanto, as estradas romanas permitiram a abertura dos grandesmacigos florestais. Daqui resultou um espagamento da florestaem todas as regies. Deste ponto de vista, no fim da Antiguidade,a Glia apresentava um grande contraste com a Germnia inde-

    pendente: tinha-se tomado uma presa mais fcil para os invasores,numa poca em que o manto florestal representava ainda um obstculo real para os exrcitos (M. Devze).

    Com efeito, a Germnia dos anos 400 continuava a apresentaruma vegetago muito mais cerrada do que a da Glia. Por voltade 400, todas as regies montanhosas e o conjunto do Leste conti-nuavam inteiramente revestidas por um manto florestal. Apenas astrras alagadigas do sul da grande planicie nrdica, os Pr-Alpes e

    alguns vales (Baixo Reno, Neckar, Main) estavam arroteados.Em que medida a primeira Idade Mdia foi testemunha de arro

    teamentos as regies francas?A fundago de mosteiros no Norte e no Leste foi seguramente

    causa de arroteamentos, visto que as abadas foram criadas muitasvezes em plena zona arborizada. As numerosas criages as duasvertentes dos Vosgos (sobretudo Marmoutier de um lado e Luxeuildo outro) abriram evidentemente brechas no manto florestal. Mas

    ter havido outros agentes de desarborizago alm dos monges?Analisando as crnicas, os diplomas, os polpticos ou a capitularDe villis, onde por vezes se fala de trras ganhas ou a ganhar,podemos pelo menos supor que, a partir do sculo VII e sobretudodo VIII, as florestas foram atacadas, tanto por laicos como porclrigos.

    Na Germnia, devemos destacar resumidamente duas fases. Atao sculo VI inclusive, por vezes at ao tempo de Carlos Magno,

    os baldos continuaram a ganhar terreno, devido s migrages deuma parte dos povos germnicos para o oeste do Reno e, depois, emconsequncia das guerras entre francos e alamanos e das conquistas de Carlos Magno. A segunda fase, ofensiva limitada do homemcontra a floresta, deve ter comegado no sculo VII nalguns locis,ou apenas no sculo IX noutros: a Alta Baviera, as pequeas planicies da Alemanha Central, a Turngia e os vales do macigo xistosorenano foram a pouco e pouco abertos s culturas.

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    EXTENSAO MNIMA DAS FLORESTAS DO OCIDENTEDO SCULO V AO ANO 1000

    1. Principis maricos florestais. Maricos florestais em relaco aosquais subsistem dvidas quanto aos seus limites e densidade. 3. Maricosflorestais correspondentes s mais antigas referencias conhecidas a foresta. 4. Limites do inqurito.

    Este ndice apresenta os nomes ou a localizado geogrfica dos principis maricos florestais da Alta Idade Mdia. sendo referidas, consoante os casos,as essncias conhecidas.

    1. Weald (carvalho. btula)2. Hampshire3. Essex4. Suffolk5. Norfolk6. Bruneswald7. Forest of Dean8. Wyre, Morfe, Arden9. S. Lancashire

    10. S. Lincolshire11. N. Riding12. Elmet13. Selwood14. Somerset15. Alpes bvaros16. Vorland bvaro (faia, carvalho)17. Sylvae maximae et copiosae18. Hvozd silva19. Provincia silvana20. Floresta da Bomia (carvalho,faia)21. Bayrischer Wald22. Thringer Wald23. Buchonia (faia)24. Basse-Hesse25. Harz26. Waldeck27. Scharzwald28. Vosgos29. Hardt30. Odenwald31. Spessart32. Taunus

    33. Westerwald34. Sauerland35. Eifel36. Hochwald37. Schwaben Alb38. Franken Alb-Nordgau39. Ingelheim40. Dreieich Forst (carvalho. faia.

    carpa)41. Floresta de Haguenau42. Hart43. Floresta de Nimega44. Veluwe45. Silva Boceis

    46. Mnsterland47. Planaltos da Baixa Saxnia48. Diephoiz (carvalho. btula)49. luneburger Heide50. Sachsenwald Heide51. lsarnho52. Mecklemburgo53. Luscia (ulmo, carpa)54. Vorland silesiano55. Floresta de Charbonnires56. Florestas flamengas57. Ardenas (faia)58. Thirache

    59.60.61.62.63.64.65.66.67.68.

    69.70.71.72.73.74.75.76.

    77.78.79.80.81.82.83.

    84.85.86.

    87.88.

    89.90.91.92.93.94.95.96.97.98.99.100.101.102.

    103.104.105.106.107.108.

    109.110.111112 .

    113.

    ArrouaiseWoevreArgonaPerthoisDerFloresta de Othe (carvalho. faia)Brie

    Nem us RigetusMaricos de Saint-Gobain-CoucyFlorestas de Compigne et deLaigueFloresta de RetzFlorestas de Halatte-ChantillyYvelineBivrePercheSylva LongaFloresta dos Loges, GtinaisFlorestas de Evrecin (carvalho.faia, bordo)BrayPays de CauxFlorestas do Baixo SenaFlorestas do MaineSologne (carvalho. btula)Planaltos de TourainePlanalto de Langres (carvalho.carpa, faia)ChtillonaisMorvanFlorestas da depresso do SonaFlorestas da Serre-Am-ChauxBresse

    Florestas de Grosne e SonaJura (pinheiro, abeto, epcea)Marca de BretanhaBrocliandeFloresta de NantesVendeiaAuvergneLimousinArgenconSantonae sylvaAngoumoisPrigordRegio do bosque de BelvsSouto cantalense

    GrsigneAgreFloresta do Mas dAgenaisEntre-deux-MersFloresta dos Graves (carvalho)Floresta do Mdoc (carvalho, D inheiro)BouconneSoubestreFrente pirenaicaPr-Alpes da Sabia e do Delfi-nadoChambaran

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    (des antigas tinham sido grandes destruidoras de bosques paraas necessidades de aquecimento e da marinha e tambm devido aonomadismo pastoral. A partir do fim do sculo VII, a instalagodos Mugulmanos as costas meridionais do Mediterrneo duplicou

    as necessidades do Magrebe, ao mesmo tempo que as margenssetentrionais ficavam frequentemente entregues a uma exploragodesordenada e submetidas s idas e vindas de guerreiros devastadores. Na Septimnia e na Marca de Espanha, os anos de combatesentre francos e sarracenos, no decorrer do sculo VIII e nocomego do sculo seguinte, transformaran! em muitos casos definitivamente muitos bosques e at trras de cultivo em baldosdesertos. Entretanto, no limite sudeste da Glia, a urbanizago defensiva que aqui se estabeleceu foi um factor de desarborizago,

    na medida em que as cidades tiveram de explorar a fundo os bosquese as trras das suas vizinhangas mediatas.

    Mas os recursos florestais da Espanha pareciam ter resistidomelhor. O Sudoeste e o Algarve continuavam a ser um imensopinhal, enquanto a oeste das cadeias andaluzas se encontravam aindabosques de castanheiros e sobreiros.

    Em Itlia, os diversos senhores do pas, mesmo os Lombardos,tinham tentado em vo impedir as populages de abusar dos bos

    ques e das pastagens. No entanto, alguns documentos dos sculos XIe XII mencionam florestas hoje desaparecidas; assim, o Piemontecontinuava a ser arborizado, tal como os Alpes, cujas duas verten-tes se estendiam sob um espesso manto florestal, e os Apeninos.

    Considerada no seu conjunto, a Europa Ocidental da primeiraIdade Mdia era ainda um mundo da floresta (Ch. Higounet).O que chama a atengo a oposigo climtica e vegetal que emgeral corresponda diviso das civilizagoes: a Europa da florestadegradada era a mais romanizada. Sem dvida que, na queda das

    forgas vivas do continente, o futuro imediato no pertencia aomundo da floresta ocenica, que, atravs dla, conservava uma dasfontes essenciais sua vida material. (Ch. Higounet). De qualquermodo, para conhecer as suas linhas gerais a economia florestaldos sculos obscuros, devemos voltar-nos preferencialmente para aGermnia e para a parte setentrional da antiga Glia.

    A economia florestalOs documentos escritos (leis brbaras, alguns diplomas, polpti

    cos) so raros, mas no deixam de demonstrar que, para os invasores, a floresta essencialmente um ramo da economia rural,e um ramo de primeira ordem.

    As regies francas distinguem a floresta prxima ( = colonizada)e a floresta distante ( = que se mantm no estado selvagem). Sobre

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    esta ltima, limitamo-nos a dizer que compreendia os imensos macizos florestais numerosos sobretudo na Germnia e que apenasservia para a caga. Em algumas florestas prximas, em particularas montanhas da Germnia, muito tempo depois dos anos 400,ainda subsista a economia pr-histrica do arroteamento e da cultura

    na floresta (Waldfeldbau): as rvores sao cortadas, as folhas e aservas so dadas aos animais; eventualmente, fabrica-se carvao de madeira, mas o mais frequente queimar os ramos e misturar as cinzascom a trra. Depois destes preparativos, procede-se sementeira e aocultivo durante dois ou trs anos. Era esta a situago as regiescolonizadas das Ardenas, da Floresta Negra, do Bhmerwald eem diversas planicies alemas.

    As restantes florestas prximas, na Germnia e sobretudo naGlia, eram objecto de uma explorago menos atrasada. A sua principal utilizago demonstrada claramente pelo facto de, por nose saber medir uma extenso arborizada, ainda que mdia, se

    proceder sua medigo em fungo do nmero de porcos que estapodia engordar. Sabia-se ordenar os cortes de bosques, exploradosa curto prazo, em matas de corte simples (concidae) incluidas nosdominios agrcolas, e que constituam uma fonte de lucro para oproprietrio que venda aquilo que no queimava aos habitantesdas proximidades: a lenha e a madeira tm, nesta civilizago da

    floresta, uma importncia que s difcilmente podemos imaginar.Mas o facto de se medir uma floresta segundo o nmero de porcosque para ela podem ser enviados prova que, para os contemporneos, o papel da floresta como terreno de pastagem era primordial.

    Os direitos de utilizago florestal, que iriam desempenhar umpapel muito importante na economia ru ral at aos tempos modernos,desenvolveram-se portanto depois das invases brbaras. Geralmente,os grandes senhores dividiam as suas florestas acessveis em duassecges: a reserva em explorago directa e o manse tributrio, sendo

    este ltimo afectado, mediante pagamento de rendas, ao direito deutilizago dos foreiros. A lei slica e a lei dos Burgndios refe-rem-se claramente a estes direitos, quando a primeira precisa emque condiges cada um poder cortar madeira e quando a segundaindica quais so as espcies a proteger. Neste ltimo caso, faz-sealuso a todas as rvores que produzem frutos prprios para alimentar o gado (carvalhos, faias...) e os homens (rvores frutferasselvagens que, alm disso, serviam para enxertos e povoamento dospomares).

    Culturas e rendimentos

    A agricultura da Alta Idade Mdia uma agricultura de clareirasnaturais ou artificiis. O Ocidente um ocano de terrenos incul

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    tos juncado de pequeas ilhas cultivadas (Ph. Wolff), muitas vezesafastadas uma das outras. Mesmo as regiSes de solo rico, os bosques e as charnecas circundavam as trras cultivadas, estendendo-sepor superficies muito maiores do que as exigidas pelas necessidadesdo senhor e dos habitantes. Mesmo nos dominios densamente po-voados para a poca da abadia de Saint-Germain-des-Prs, nosarredores de Paris, a presenta da rvore era quase oprimente.

    A utensilagem, geralmente em madeira, mantm-se mediocremente adaptada maior parte das regiSes no mediterrneas. No raro que o homem abra ainda com a enxada buracos onde depSea semente. No entanto, a prtica da lavra , como na Antiguidade,o processo normal.

    Lavrar sempre referido nos textos como arare; oinstrumento portanto um instrumento de tracso, designado pelos termos aratrum ou carruca (esta ltima palavrasignifica apenas que o instrumento puxado por animais).Trata-se do arado de relha, sem dvida em madeira (masos foreiros lombardos deviam ao dominus relhas metlicas).O trabalho deste arado, bem conhecido dos Romanos, umtrabalho simtrico que corta a trra mas no a vira. Fcilde manejar e exigindo apenas uma atrelagem reduzida, oarado parece ter conhecido, no melhor dos casos, no tempo

    dos Carolngios, um aperfeipoamento correspondente ao em-prego de um jogo de rodas dianteiro que permita abrirregos menos superficiais. Mas, com aperfeipoamento ouno, o arado mediterrnico pela sua origem: adequadopara os solos leves e com pequeos saibros que basta arra-nhar; muito menos adequado para as planicies muitas vezes argilosas da Europa do Noroeste, onde preciso abrira trra.

    P5e-se a questo de saber se, entre o sculo VIII e o fim do

    sculo IX, o nivel tcnico no teria melhorado. A documentado particularmente indigente e a arqueologia agrria est ainda poucoavanzada as regioes carolingias, as nicas em relaso s quaisdispomos de textos escritos grabas ao primeiro renascimento cultural da Idade Mdia. Mas o desenvolvimento dos campos depois doano 1000 seria absolutamente incompreensvel se no decorresse deum sucesso agrcola (F. Braudel), que por certo se sita entre osculo VIII e o ano 1000.

    As regras monsticas demonstram que o po era o alimento fundamental dos monges, sendo o uso da carne muitolimitado. Mas trata-se de um meio ritualizado e os em-preendimentos agrcolas da Igreja deviam contrastar comos dos laicos, pois, nos grandes dominios destes ltimos,a parte dos recursos que se esperavam da floresta e das

    pastagens era mais forte: a capitular De villis ordena aosagentes dos fisci que defendam os animais e as madeirascomo extenso das culturas (cometo do sculo IX), e o

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    fisco carolngio de Annapes sobretudo uma exploragopastoral (as reservas de carne de porco fumada e de queijosocupam um lugar maior do que os stocks de cereais). Daquipode deduzir-se que os grandes laicos comiam mais produtosda criago de gado do que produtos cerealferos. E os camponeses? Parece que a sua alim entado consista, por um

    lado, em legumes, fornecidos pelas suas hortas, e em frutos(frutos selvagens da floresta prxima e frutos das rvoresenxertadas, plantadas nos quintis contiguos s suas casas)e, por outro lado, em trigos, ou seja, em diversos cereais.Durante o perodo brbaro, os rurais comiam principalmentepapas, pois cultivavam sobretudo cereais inferiores, que emalguns casos no serviam para fazer pao (centeio, espeltaas regioes do Norte; cardo, sorgo as do Sul). Os progressos tcnicos alcanzados entre os sculos VIII e X, nomeadamente uma certa difuso do moinho de gua as regioesricas, acompanharam o desenvolvimento das culturas de ce

    reais superiores e utilizveis para fazer pao, como o trigo.No parece, no entanto, que o uso do po se tenha difundido nos meios rurais mais humildes antes do sculo XI.No que se refere carne, em geral impossvel saber queparte da alim entado camponesa de ento ela satisfazia.

    A arqueologia revela a existencia de contrastes geogrficos entreos terrenos de cultivo. as regies primitivas (Pases Baixos eAlemanha do Noroeste), a alimentado carnvora era importante

    porque o espago ocupado pela cultura era muito reduzido: vivia-se

    sobretudo do que se apanhava, da caga e da criado de gado. Noutros locis, pelo contrrio, o espago cultivado era menos reduzido;mesmo as regies onde, desde o fim do Imprio Romano, se verificara uma certa redudo das culturas (G. Duby) e onde os campos de pequeas dimenses se disseminavam por um vasto espagoinculto. Na Provenga, por exemplo, onde o habitat rural se tinhaaglomerado, porque a actividade pastoral se desenvolva em detrimento das culturas; por melhores razoes ainda, em algumas regies

    privilegiadas (Mconnais, Ile-de-France...), constituidas por vastasclareiras agrcolas, onde a rea cultivada era ntidamente superior das extenses incultas.

    De qualquer modo, em toda a parte a criago de gado tinha oseu lugar na explorago, em toda a parte se cultivavam cereais(G. Duby) e, quase em toda a parte, havia campos permanentesque obrigavam a que se renovasse peridicamente a fertilidade dosolo: atravs da rotago das culturas, do recurso ao estrume e dalavoura.

    A rotando trienal parece progredir, as regies ricas, desde otempo das Carolngios. Pelo menos na reserva dos grandes dominios,as sementeiras da Primavera (sobretudo, aveia, cevada, por vezesleguminosas) sucediam-se s de Invern (trigo, centeio, espelta,aveia) e precediam o pousio.

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    Mas as superficies s sao apresentadas no inventrio dosdominios da abadia de Saint-Amand: a trra indominicataera dividida em trs partes iguais, pelo que indiscutvelaqui a rotado trienal clssica (ficando improdutivo emcada ano apenas um ter?o das trras arveis). Esta parece

    tambm certa nos dominios do rico centro da Bacia Parisiense: as corveias exigidas aos foreiros organizavam-se emfundo de duas esta?6es equilibradas, uma de hivernage, aoutra de trmois. Mas, noutros locis, o pousio estendia-senormalmente a mais de um ter?o das trras: no segundoano, apenas se semeava de trigo de Primavera uma partedas trras anteriormente ocupadas com trigo de Invern.E podia mesmo acontecer que o pousio se estendesse a doistergos dos campos: as possesses da abadia flamenga deSaint-Pierre-au-Mont-Blandain, as trras s eram semeadasuma vez em cada trs anos.

    Fica, portanto, provado que a maior parte dos agricultoresdaquele tempo sentia a necessidade de conceder longos repousos trra enquanto a fome os acossava (G. Duby).

    No que diz respeito jertilizago do solo, p5e-se a questo desaber se, durante os perodos de repouso da trra, os campos fica-vam destinados apenas pastagem do gado, concorrendo este paraque o solo recuperasse a fertilidade. A resposta s afirmativa noque se refere parte setentrional da Europa carolngia.

    De qualquer modo, o gado grosso existia ento em nmeroreduzido. Os textos deixam entrever que as quantidades de estrumeutilizadas nos campos eram irrisorias. Os campos de feno eramreduzidos, a palha era curta, pelo que a estabulado era muitolimitada. A maior parte das insuficiencias da agricultura provinhamda fraqueza da fertilizado.

    No que diz respeito lavra, eram sem dvida raros os dominiosque, como os das grandes abadias da Bacia Parisiense, praticavameste acto regenerador trs vezes por ano: duas lavras para pre

    parar as sementeiras de Invern depois do pousio, outra antes dassementeiras da Primavera. E, como o arado nao um instrumentosatisfatrio para as trras pesadas, era preciso reforjar a lavrarecorrendo peridicamente a trabalhadores munidos de ferramentasmanuais: os da abadia de Werden cavavam todos os anos umadeterminada extenso dos campos da reserva antes da passagemdo arado. Os trabalhos manuais pesados impostos aos foreiros caro-lngios eram quase sempre aplicados aos campos. A lavra muito

    pouco eficaz era completada por uma verdadeira jardinagem.A agricultura dos sculos obscuros era, portanto, uma agricultura muito extensiva, mal equipada, mal associada criado degado, tambm ela numricamente insuficiente. Exigia, ao mesmotempo, uma mo-de-obra superabundante e vastos espatos livrespara o pousio. Finalmente, os seus rendimentos eram incrivelmentebaixos.

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    No que respeita Idade Mdia, impossvel calcular a colheitapor unidade de superficie. Pode conhecer-se o rendimento (yiedrati), comparando, num mesmo documento, a colheita e o clculodas sementes para a prxima, ou, melhor anda, mas este caso mais raro, a colheita e a quantidade de graos semeados ante

    riormente para a obter. , alis, este o processo seguido pelosautores clssicos para apresentar as taxas de rendimento: estasvariam muito de um autor para outro, no que se refere a cereais

    panificveis (4 graos para 1 para Columelle, enquanto outros indicamtaxas que vo de 8, 10, 15 a 100 para 1). Os nicos dados que

    podem esclarecer o problema dos rendimentos no decorrer da AltaIdade Mdia provm de um documento de 810-820, os BreviumExempla, que descrevem quatro fiscos reais do Norte: Annapes,Cysoing, Somain e Vitry-en-Artois.

    Os stocks de cereais (incluindo, por vezes, o remanes-cente do ano anterior) so indicados, bem como o que foiposto de lado para semente e o que pertence ao rei. Osclculos so delicados e no h perfeito acordo entre oshistoriadores sobre o seu significado (G. Duby, Slicher VanBath...). Eis os resultados provveis para o fisco de Annapes:

    espelta: 1,8 para 1,trigo: 1,7 para 1,

    cevada: 1,6 (mas, em Somain: 2,2),centeio: 1 (mas, em Cysoing: 1,6),aveia: 1 para 1 (?).

    Mdia geral: 1,6 para 1.Este rendimento mdio to baixo provir de uma colheita

    particularmente m, de uma inexactido do documento(Slicher Van Bath) ou ser realmente a expresso da reali-dade de ento (G. Duby)? certo que as taxas de 1,6 a1,8 para 1, que se encontram em Annapes, esto de acordocom alguns outros ndices, um quase contemporneo (emMaisons, dependncia de Saint-Germain-des-Prs, os monges

    descontavam em cereais um rendimento lquido prximo de1,6 para 1), outro posterior (em 905-906, um dominiodependente de Santa-Giulia de Brescia obteve um rendimento de 1,7 para 1).

    Esta fraqussima produtividade da trra explica a obsessao dacaresta, caracterstica principal da mentalidade econmica da poca.

    A vinha

    A vinha, que no tempo dos Romanos conquistara vastos sectoresdo Ocidente no mediterrnico, foi objecto de todos os cuidadospossveis, nomeadamente na regio franca.

    As vinhas da antiga Glia so agora admiravelmente conhecidas.R. Dion demonstrou que a viticultura de prestigio (sobreviveu)

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    ruina do mundo antigo. O respeito quase religioso que a vinhainspirava aos antigos manteve-se. Nascida da irradiado do comrcio romano, a delicada viticultura das regies extramediterrnicasda Glia no sogobrou com o Imprio como outras indstrias de

    luxo, por exemplo a cermica fina, sua contempornea em territorio gauls, para a qual era tambm necessria a proximidade dasvias navegveis e a seguranga dos transportes de grande distncia...Na poca em que os grandes edificios das cidades greco-romanasse transformaram em ruinas que no voltaram a ser reconstruidas,as vinhas, as suas proximidades, continuaram a vi ver. Assimaconteceu em Trves, em Metz, em Reims, em Paris, em Bordus...

    Nestes casos, tratava-se de cidades episcopais. O bispo no setinha tornado apenas o protector e guia dos habitantes da cidade;

    perante a demasiado frequente ausencia de poder civil, este torna-ra-se tambm primeiro viticultor: a vinha continua a ser umornamento necessrio a qualquer existencia de alta linhagem e, porisso mesmo, uma das expresses sensveis de toda a dignidade social.Existem diversos textos, dispersos entre os sculos V e XV, querepresentam o bispo, em todas as regies ou quase, fiel ao costumeromano, plantando vinhas, dirigindo ele prprio a sua exploragoe tirando partido do produto. Havia, portanto, desde os sculos

    obscuros, uma viticultura episcopal e a acgo dos bispos reforgoue fixou durante sculos esta ntima associago da cidade e davinha, que j se manifestava em volta das metrpoles do BaixoImprio, e que se tornara uma das caractersticas originis da paisagem humanizada da antiga Franga (R. Dion).

    Houve, no entanto, outros conservadores da viticultura delite, outros elementos do clero e tambm laicos de grande linhagem, que mantiveram ou criaram mesmo vinhas, cujos produtoslhes eram destinados, assim como aos que os rodeavam e tambm,

    ou talvez sobretudo, aos seus visitantes ilustres. Estes conservadores chegaram mesmo a desafiar as proibiges do clima, plantando vides as provincias setentrionais. Houve, por exemplo, aviticultura monstica: mais ainda do que no caso dos bispos, eraimportante que os monges no tivessem falta de vinho e que estefosse de boa qualidade. A regra autorizava-os a beber uma certaquantidade de vinho e, sobretudo, impunha-lhes uma fungo social,a hospitalitas, encargo pesado mas que podia atrair sobre o mosteiroas doages dos ricos e os favores dos poderosos. Por isso, desde ostempos carolngios, as abadias nrdicas, sobretudo flamengas e bra-bantinas, tinham adquirido possesses as vinhas do Laonnais, doSoissonais ou ainda dos vales do Moselle, do Reno e do Ahr.Apesar disto, e devido s dificuldades de circulago, ou mesmo aosseus perigos sempre possveis, as abadias setentrionais tentavam,como as das regies mais favorecidas, cultivar a vinha o mais

    perto possvel dos seus limites, para poderem dispor de um mnimo

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    de vinho, ainda que muito mediocre, verificando-se tal caso naPicardia, na Flandres e at mesmo na Bretanha do Norte e emInglaterra. A viticultura principesca, cujo papel foi importante desdea Alta Idade Mdia, seguiu o exemplo dado pela Igreja: at aosculo XVII, a vinha manteve-se ligada ao castelo e a todas as

    moradas dos grandes, to longe quanto possvel em direcgo aonorte (').

    O dominio do espago

    As estradas terrestres

    costume afirmar-se que, entre o sculo V e o sculo X, asestradas terrestres foram deixadas num estado lamentvel, que fica-ram fora de uso (em todos os sentidos da expresso) e at quemuitas dlas desapareceram. No entanto, isto nao certo e seriaarriscado pintar demasiado negro o quadro destas estradas, que sepode deduzir de alguns testemunhos.

    Evidentemente que para Cassiodoro, que escrevia em 535, nofim do belo perodo da Itlia ostrogoda, a via Flaminienne estsulcada pelos riachos que a atravessam; juntai as margens opostas

    que ficaram separadas pelas quedas abundantes das pontes; libertaios limites das pragas das altas florestas.

    Alguns textos apresentam um tom anlogo no que respeita Glia. Assim, a Crnica de Lambert de Ardresassinala a descoberta,a norte de Saint-Omer, por volta de 1050, de uma calcada antigaconstruida em pedras duras e sobre a qual tudo estava esquecido,inclusive a sua prpria existncia (*).

    Seria vo procurar as provas de criago de estradas pelos con

    quistadores brbaros. O facto de, entre 350 e 470, se terem verificado grandes modificagoes do tragado das estradas numa dassafdas de Lio para leste, s pode ser explicado atravs do abandonoda antiga Lugdunum (privada de gua devido destruigo dosaquedutos) em proveito de um lugar num vale. Por conseguinte,a criago da nova encruzilhada de estradas de Lio uma conse-quncia da crise que assinalou o fim dos tempos antigos e noum sinal do gnio brbaro.

    (') Existia tambm uma viticultura camponesa, conforme demonstrado,por exemplo, atravs da leitura do polptico de Irminon.

    () Ser isto uma prova do abandono das estradas romanas depois dasgrandes invasoes? Esta calcada nao devia ter sido abandonada senao pouco mais de um sculo antes, depois das incursoes normandas, caso contrrio nao teria bastado a passagem de um arado para a descobrir.

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    No , no entanto, certo que as vias romanas tenham sidoabandonadas no tempo dos Merovngios. Apesar de alguns marcosmilenrios terem sido utilizados como sarcfagos, nada prova queas autoridades locis no tivessem garantido pelo menos uma

    manutengo sumria: h dois textos de lei que impem a manutengo das pontes e estradas segundo os antigos costumes, devendoser suprimidas as taxas de carga e as portagens sempre que nofossem justificadas por trabalhos regulares. Letra-morta, pergun-tar-se-, como a maior parte da legislago franca? No certo,visto que a distribuido dos aderemos prova que, nos sculos VIe VII, a circulago fora mantida ao longo das estradas romanas.Isto acontece com as fivelas de estilo aquitnio, com as argolas

    de ferro embutido das oficinas do Nordeste...E aquilo que se sabe sobre o Nordeste da Franga no tempo dos

    Carolngios demonstra que, aqui, a rede das vias antigas foi mantida;mais tarde ainda, no tempo das pilhagens normandas, os aglomeradose abadias que foram fortificados situavam-se geralmente ao longoda rede dessas estradas. Apesar da desorganizago relativa dos servigos pblicos, que se seguiu s invases normandas, emfins do sculo X, a rede mantinha-se num estado razovel. Em

    991, o monge Richer, que de si mesmo diz ser cavaleiro inexpe-riente e pouco habituado a viagens, podia fazer etapas dirias de50 ou mesmo 70 quilmetros. No mesmo perodo, Sigerico, arce-

    bispo da Canturia, atravessava a Franga sem incidentes, seguindoos tragados romanos. Deste modo, portanto, a via antiga mante-ve-se, mesmo depois do ano 1000, uma realidade viva em muitasregies. Uma realidade cuja posse era de tal modo preciosa que,

    pouco depois de 1015, vemos Eudes, conde de Blois, avangar a

    fronteira ocidental das suas possesses da regio de Champagneum pouco para alm da velha via Sens-Meaux, a fim de constituiruma marca contra os Capetos.

    Por volta de 1030, era ainda perigoso para os carrosabandonar as vias romanas por estreitos caminhos que eramfeitos apenas para pees e cavaleiros. Nesta data, comefeito, a abadia de Saint-Martial de Limoges desejava comprar uma mesa de altar em mrmore esculpido, orgulho da

    produgo de Narbonne. Mas no havia qualquer estrada antiga que ligasse mais ou menos directamente Narbonne a Limoges e o carreteiro dos monges tentou encurtar caminho,abandonando a velha estrada Lio-Bordus, perto de Ro-dez. Encontrou-se bloqueado em Capdenac e foi preciso queo senhor da regio abatesse um pedago de muralha, porquea nica estrada atravessava o castrum sob uma porta demasiado estreita. Mais adiante, a viatura caiu num precipicio.Felizmente, um milagre de So Marcial arrancou dele aviatura e o seu contedo (J. Hubert).

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    Os transportes por estrada no beneficiaram de melhoramentossensveis no decorrer da Alta Idade Mdia. O carro de bois (cf. aanedota to gasta sobre as viagens dos reis preguifosos!) pareceser o mais usado, mas a sua capacidade era varivel visto que podiaser puxado por um nico boi, por uma parelha ou por mais. O

    termo carraca, que vago e pode designar ao mesmo tempo a parelha e a viatura, parece referir-se tanto aos carros de bois comos carrosas puxadas por cavalos.

    De qualquer modo, os processos de tracgo antiga mantm-seem uso. Para os bovinos, os antigos tinham legado a canga decemelha: os dois animais ficavam unidos sob o pescogo alturadas espduas. Esta canga de cernelha, a nica ainda utilizada notempo dos Carolngios, continuou em uso at ao sculo XI ousculo XII. Para o cavalo, a atrelagem antiga era ainda mais incmoda: uma correia flexvel que rodeava o pescofo do animal;quando queria puxar, este era obrigado, para evitar o estrangula-mento, a atirar a cabera para a frente e a abaular a garupa. Almdisso, ignorava-se a atrelagem em flecha e colocavam-se os cavaloslateralmente (na quadriga, por exemplo): os cavalos puxavam delado e a sua forga era portanto mal utilizada. Estes processos nopermitiam deslocar cargas pesadas O.

    O homem da primeira Idade Mdia prefera, portanto, quando

    transportava pouca carga, utilizar o animal de carga.

    As pontes

    Sidnio Apolinrio afirma que, no seu tempo, se suspirava perante a recordafo das pontes em arco, obras dos antigos. E,para Gregrio de Tours, as pontes ainda utilizveis no sculo VIteriam sido feitas de vigas mal unidas, que s vezes eram substitui

    das por pontes de barcos muito instveis quando soprava o vento.Parece ser certo que, no tempo dos Merovngios e de outros reisbrbaros, as pontes romanas desapareceram, o que obrigou a quese recorresse sobretudo ao uso de vaus e barcadas. Mas continuarapor demonstrar que os soberanos francos, por exemplo, tivessemsido completamente insensveis degrada?ao do patrimonio pblico:citmos j dois actos legislativos que recordavam a necessidade deconservar as estradas e as pontes.

    Tambm uma capitular de Carlos Magno ordena que, se as doze

    pontes que existem sobre o Sena tiverem um dia de ser reconstruidas, devero s-lo nos mesmos locis. Diversas pontes da bacia

    () Na maior parte dos casos, apenas algumas centenas de quilos e istoexplica tambm que os homens dos sculos obscuros tenham sido mais sensiveis do que seria de esperar ao mau estado das vias e aos atoleiros.

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    do Sena, nomeadamente as de Anturpia, de Charenton, de Paris (nototal de duas, uma lanzada sobre cada brago do rio), de Pitre