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Anthony Giddens Sociologia 6. a Edição Tradução de Alexandra Figueiredo Ana Patrícia Duarte Baltazar Catarina Lorga da Silva Patrícia Matos Vasco Gil Coordenação e revisão científica de José Manuel Sobral FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN Serviço de Educação e Bolsas

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Anthony Giddens

Sociologia 6.a Edição

Tradução de

Alexandra Figueiredo Ana Patrícia Duarte Baltazar

Catarina Lorga da Silva Patrícia Matos

Vasco Gil

Coordenação e revisão científica de

José Manuel Sobral

F U N D A Ç Ã O CALOUSTE GULBENKIAN Serviço de Educação e Bolsas

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Capítulo 10: Classe, Estratificação e Desigualdade

Os sociólogos falam em estratificação social para descrever as desigualdades que existem entre indiví* duos e grupos nas sociedades humanas. Pensamos frequentemente em estratificação em termos de riqueza ou propriedade, mas esta também pode ocor-rer com base noutros atributos como o género, a idade, a filiação religiosa ou a patente militar.

Os indivíduos e grupos gozam de um acesso dife-rente (desigual) às recompensas, de acordo com a sua posição no esquema de estratificação. Assim, a forma mais simples de definir a estratificação consiste em vê-la como um sistema de desigualdades estruturadas entre diferentes agrupamentos de pessoas. Pode ser útil pensar-se na estratificação como uma sobreposi-ção geológica de camadas de pedra sobre a superfície da terra. As sociedades podem ser vistas como cons-tituindo "estratos" hierarquizados, com os mais favo-recidos no topo e os menos privilegiados perto do fundo.

Historicamente, existem quatro sistemas básicos de estratificação nas sociedades humanas: a escravatura, as castas, os estados e as classes. A escravatura é uma forma de desigualdade extrema, na qual alguns indiví-duos são literalmente possuídos por outros como sua propriedade. Enquanto instituição formal, a escravatu-ra foi sendo gradualmente erradicada, tendo hoje em dia desaparecido quase por completo. A casta está associada, acima de tudo, às culturas do subcontinente indiano e à crença Hindu no renascimento. Acredita-se que os indivíduos que não pautam o seu viver pelos deveres e rituais da sua casta renascerão numa posição inferior na próxima encarnação. O sistema de castas estmtura o tipo de contacto que pode ocoiTer entre membros de diferentes posições. Os estados faziam parte de muitas civilizações tradicionais, incluindo o feudalismo europeu. Os estados feudais consistiam em estratos, cada qual com diferentes obrigações e direi-tos. Na Europa, o estado mais elevado era composto pela aristocracia e pela pequena nobreza rural. O clero formava outro estado, os homens do povo (servos, mercadores e artesãos) formavam o chamado "terceiro estado". As classes diferem em muitos aspectos da escravatura, castas ou estados.

Podemos definir a classe como um grupo grande de pessoas que partilham recursos económicos comuns, que influenciam fortemente o seu estilo de vida. A riqueza e a ocupação profissional constitutem as principais bases das diferenças entre as classes. As classes diferem das anteriores formas de estratifica-ção de várias formas:

• Ao contrário dos outros tipos de estratificação, as classes não são estabelecidas por disposições legais ou religiosas; a posição de classe não assen-ta numa posição herdada, determinada pela lei ou pelo costume. Os sistemas de classes são tipica-mente mais fluidos do que os outros tipos de estra-tificação e as fronteiras entre as classes nunca são precisas. Não existem restrições formais ao casa-mento entre pessoas de classes diferentes.

• A posição de classe de um indivíduo é, pelo menos em parte, alcançada e não simplesmente dada à nascença, como é comum em outros tipos de sistemas de estratificação. A mobilidade social - movimento de ascensão e descida na estrutura de classes - é muito mais comum do que noutros tipos de estratificação. (No sistema de castas, a mobilidade individual de uma casta para outra não é possível.)

• As classes dependem de diferenças económicas entre grupos de indivíduos - desigualdades na posse e no controlo de recursos materiais. Nou-tros tipos de sistemas de estratificação, os factores não económicos - como a influência da religião no sistema de castas indiano - são geralmente mais importantes.

• Nos outros tipos de sistema de estratificação, as desigualdades são primordialmente expressas em relações pessoais de dever ou de obrigação - entre servo e senhor, escravo e dono, ou indivíduos de casta inferior e superior. O sistema de classes, pelo contrário, opera principalmente através de conexões em larga escala de tipo impessoal. Uma das maiores bases das diferenças entre classes, por exemplo, reside nas desigualdades em termos de remuneração e de condições de trabalho; estas

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Estes trabalhadores de uma fábrica de tijolos no estado de Bihar, na índia, nasceram na casta dos Intocáveis e cumprem as tarefas "sujas" que lhes foram adjudicadas, sem as oportunidades de mobilidade que mesmo um sistema de classes oferece.

afectam todas as pessoas em categorias profissio-nais específicas, em resultado de circunstâncias económicas prevalecentes na economia global.

Teorias sobre as classes e a estratificação

As ideias desenvolvidas por Karl Marx e Max Weber formam a base da maioria das análises sociológicas das classes e da estratificação. Os académicos que trabalham no âmbito da tradição Marxista desenvol-veram as ideias que Marx lançou; outros tentaram elaborar os conceitos de Weber. Começaremos por examinar as teorias propostas por Marx e Weber antes de analisar a abordagem neomarxista proposta por Erik Ol in Wright.

A teor ia de K a r l M a r x

A maior parte dos trabalhos de Marx relacionam-se com a estratificação, e acima de tudo, com as classes

sociais, mesmo que, surpreendentemente, ele não tenha fornecido uma análise sistemática do conceito de classe. O manuscrito em que Marx trabalhava por alturas da sua morte (publicado postumamente como parte da sua obra mais importante, O Capital) acaba precisamente no ponto em que coloca a questão " O que constitui uma classe?". O conceito de classe de Marx teve, por isso, de ser reconstruído a partir do conjunto dos seus escritos. Em virtude de as várias passagens em que discute a questão das classes não serem inteiramente consistentes, tSm existido muitas discussões entre os estudiosos acerca "do que Marx realmente queria dizer". Contudo, as linhas gerais da sua perspectiva são bastante claras.

A natureza das classes

Para Marx, uma classe é um grupo de pessoas com uma posição comum face aos meios de produção -os meios pelos quais ganham o seu sustento. Antes do aparecimento da indústria moderna, os meios de pro-

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Os trabalhadores industriais, como estes mineiros, estiveram no cerne das teorias do capitaJismo, pauperizaçâo e expio-ração de Mane.

dução consistiam essencialmente na terra e nos ins-trumentos utilizados para a actividade agrícola e na pastorícia. Por conseguinte, nas sociedades pré--industrializadas as duas principais classes eram constituídas por aqueles que possuíam a terra (aristo-cratas, pequena nobreza rural ou donos de planta* ções) e pelos que estavam activamente envolvidos no cultivo das mesmas (servos, escravos e camponeses livres). Nas sociedades industriais modernas, as fábricas, os escritórios, a maquinaria e a riqueza ou capital necessário para as adquirir tomaram-se mais importantes. As duas principais classes são constituí-das por aqueles que possuem estes novos meios de produção - industriais ou capital istas* e aqueles que ganham a vida vendendo a sua força de trabalho aos primeiros * a classe trabalhadora, ou no termo actual-mente algo arcaico de Marx, o "proletariado".

De acordo com Marx, a relação entre as classes é uma relação de exploração. Nas sociedades feudais, a exploração assumia frequentemente a forma de uma

transferência directa de produtos do campesinato para a aristocracia. Os servos eram obrigados a ceder uma determinada parcela da sua produção aos seus senhores aristocratas, ou tinham de trabalhar durante um certo número de dias por mês nos campos dos senhores, para produzir colheitas consumidas por estes e pelo seu séquito. Nas sociedades capitalistas actuais, a fonte de exploração é menos óbvia, e Marx devotou muita da sua atenção a tentar clarificar a sua natureza. Marx argumentou que, no decurso do dia de trabalho, os tra-balhadores produzem mais do que é realmente neces-sário aos patrões para que estes reponham os custos de os contratar. Esta mais valia é a fonte do lucro que os capitalistas usam em seu próprio proveito. U m grupo de trabalhadores numa fábrica de confecções, por exemplo, pode produzir cerca de cem fatos por dia. A venda de 75% destes fatos produz o rendimento sufi-ciente para o industrial pagar o salário dos trabalhado-res, o custo da fábrica e do equipamento. O rendimen-to resultante da venda dos restantes fatos é apropriado.

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Marx ficou perplexo com as desigualdades criadas pelo sistema capitalista. Embora em tempos anterio-res os aristocratas levassem uma vida de luxo, total* mente diferente da do campesinato, as sociedades agrárias eram relativamente pobres. Mesmo que não houvesse aristocracia, os níveis de vida teriam sido, indubitavelmente, baixos. Contudo, embora com o desenvolvimento da indústria moderna a riqueza fosse produzida a uma escala nunca antes vista, os trabalhadores tinham pouco acesso à riqueza gerada pelo seu trabalho. Permanecem relativamente pobres, enquanto a riqueza acumulada pela classe proprietá-ria cresce. Marx usou o termo pauperização para descrever o processo peio qual a classe trabalhadora se torna cada vez mais empobrecida em relação à classe capitalista. Mesmo que os trabalhadores se tor-nem mais prósperos, em termos absolutos, o fosso que os separa da classe capitalista continuará a aumentar. Estas desigualdades entre as classes capi-talista e trabalhadora não são apenas de natureza estritamente económica. Marx fez notar como o desenvolvimento das fábricas modernas e a mecani-zação da produção significa que o trabalho se torna frequentemente monótono e, no extremo, opressivo. O trabalho que é a fonte da nossa riqueza é, muitas vezes, fisicamente desgastante e mentalmente ente-diante - como no caso do operário de fábrica cujo tra-balho consiste em tarefas rotineiras levadas a cabo, dia após dia, num ambiente imutável.

A teor ia de M a x W e b e r

A abordagem de Weber sobre a estratificação baseou-•se na análise desenvolvida por Marx , que o autor modificou e desenvolveu noutras direcções. Como Marx, Weber considerava que a sociedade se caracte-rizava por conflitos pelo poder e pelos recursos. Porém, enquanto Marx considerava que no centro de todos os conflitos sociais se encontravam as relações entre classes polarizadas e as questões económicas, Weber desenvolveu uma visão mais complexa e mui-tidimensional da sociedade. De acordo com Weber, a estratificação social não é simplesmente uma questão de classes, mas é modelada por dois outros aspectos: o status e o partido. Estes três elementos da estratifi-cação produzem um enorme número de possíveis posições na sociedade, ao contrário do modelo bipo-lar proposto por Marx, que é mais rígido.

Apesar de Weber aceitar o ponto de vista de Marx de que as classes se baseiam em condições económi-cas objectivas, concebeu uma maior variedade de factores económicos importantes para a formação das classes do que aqueles que Marx reconhecera. De acordo com Weber, a divisão em classes deriva não só do controlo ou falta de controlo dos meios de pro-dução, mas também de diferenças económicas que não têm directamente a ver com a propriedade. Tais recursos incluem especialmente os saberes e creden-ciais ou qualificações que afectam os tipos de traba-lho que as pessoas são capazes de obter. Weber acre-ditava que a posição dos indivíduos no mercado influencia fortemente as suas "oportunidades de vida". Por exemplo, os que têm cargos de gestão ou ocupações técnicas ganham mais e possuem condi-ções de trabalho mais favoráveis do que os trabalha-dores manuais. As qualificações que possuem, como os graus académicos e diplomas, e as competências que adquiriram, tornam-nos mais "comercializáveis** do que aqueles que não têm essas qualificações. A um nível inferior, entre os trabalhadores manuais, os tra-balhadores especializados são capazes de assegurar melhores ordenados do que os semiespecializados ou aqueles que não têm qualquer especialização.

Na teoria de Weber, entende-se por status as dife-renças entre grupos sociais em matéria da honra ou prestígio social que lhes são conferidos. Nas socieda-des tradicionais, o status era frequentemente determi-nado com base no conhecimento directo da pessoa, conhecimento esse ganho através de múltiplas inte-racções em diferentes contextos ao longo de anos. Porém, à medida que as sociedades se tornaram mais complexas, tomou-se impossível conferir status sem-pre desta forma. E m vez disso, e de acordo com Weber, o status passou a expressar-se através dos estilos de vida das pessoas. As marcas e símbolos de status - como os alojamentos, o vestuário, a maneira de falar e a ocupação - ajudam a moldar o posiciona-mento social dos indivíduos aos olhos dos outros. As pessoas que partilham o mesmo status formam uma comunidade na qual existe um sentido de identidade partilhada.

Enquanto Marx acreditava que as diferenças de status são o resultado das divisões de classe nas sociedades, Weber argumentou que o status varia fre-quentemente de forma independente das divisões da classe. A posse de riqueza material tende normal-

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mente a conferir um status elevado, mas existem muitas excepções. O termo "pobreza elegante" refe-re-se a uma delas. Na Grã-Bretanha, os indivíduos de famílias aristocráticas continuam a usufruir de consi-derável estima social mesmo quando as suas fortunas já desapareceram. Pelo contrário, os "novos ricos" são geralmente vistos com algum desprezo pelos ricos bem instalados.

Weber salienta que, nas sociedades modernas, a formação de partidos é um aspecto importante do poder, e pode influenciar a estratificação independen-temente da classe e do status. Por part ido entende-se um grupo de indivíduos que unem os seus esforços na medida em que têm origens, objectivos ou interesses comuns. Na maior parte das vezes, um partido traba-lha de forma organizada com vista a alcançar um objectivo específico que é do interesse dos seus membros. Marx tendia a explicar tanto as diferenças de status social como a organização de partidos em termos de classes. Weber argumentou que, na verda-de, nenhum destes factos pode ser reduzido a divi-sões de classe, ainda que cada um seja influenciado por estas; ambos podem, por sua vez, influenciar as condições económicas dos indivíduos e grupos e, por conseguinte, afectar as classes. Os partidos podem fazer apelo a preocupações transversais às diferenças de classe; por exemplo, os partidos podem basear-se na filiação religiosa ou em ideais nacionalistas. U m marxista pode tentar explicar os conflitos entre Cató-licos e Protestantes na Irlanda do Norte em termos de classe, j á que existem mais Católicos do que Protes-tantes na classe trabalhadora. U m seguidor de Weber argumentaria que tal explicação é ineficaz, na medi-da em que muitos Protestantes também provêm da classe trabalhadora. Os partidos em que as pessoas estão filiadas expressam tanto diferenças religiosas como de ciasse.

Os escritos de Weber sobre a estratificação são importantes, pois mostram que outras dimensões da estratificação, para além das classes, influenciam for-temente a vida das pessoas. Enquanto Marx procurou reduzir a estratificação apenas às divisões de classe, Weber deu atenção à relação complexa existente entre classe, sfarus e partido, enquanto aspectos sepa-rados da estratificação social. A maioria dos sociólo-gos defende que a teorização de Weber oferece uma base mais flexível e sofisticada para a análise da estratificação do que a fornecida por Marx.

A teor ia de classes de E r i k O l i n W r i g h t

0 sociólogo americano Erik Ol in Wright desenvol-veu uma influente teoria de classes que combina aspectos das abordagens de Marx e de Weber (Wright, 1978, 1985, 1997). De acordo com Wright, existem três dimensões de controlo sobre os recursos económicos na produção capitalista moderna, que permitem identificar as principais classes existentes:

1 Controlo sobre os investimentos ou capital mone-tário.

2 Controlo sobre os meios físicos de produção (ter-ras ou fábricas e escritórios).

3 Controlo sobre a força de trabalho.

Os que pertencem à classe capitalista têm contro-lo sobre cada uma destas dimensões do sistema de produção. Os membros da classe trabalhadora não têm controlo sobre nenhuma delas. No meio destas duas classes principais, existem, contudo, grupos cuja posição é mais ambígua - os gestores e traba-lhadores de colarinho branco anteriormente mencio-nados. Estas pessoas situam-se no que Wright desig-na como localizações contraditórias de classe, por-que são capazes de influenciar alguns aspectos da produção, mas é-lhes negado o controlo de outros. Os trabalhadores de colarinho branco e os técnicos, por exemplo, têm de vender a sua força de trabalho aos empregadores para poderem ganhar a vida, da mesma forma que os trabalhadores manuais o fazem. Porém, têm ao mesmo tempo um maior grau de controlo sobre o seu trabalho do que a maioria das pessoas com profissões manuais. Wright designa a posição de classe deste tipo de trabalhadores de "contraditória" porque eles nem são capitalistas nem são operários, embora tenham características comuns a cada um deles.

U m grande segmento da população - de 85 a 90% de acordo com Wright (1997) - pertence à categoria dos que são forçados a vender a sua força de trabalho porque não controlam os meios de produção. Porém, dentro desta população existe uma grande diversida-de, que vai desde a classe trabalhadora tradicional aos trabalhadores de colarinho branco. De forma a diferenciar as posições de classe dentro desta grande população, Wright toma em consideração dois facto-res: a relação com a autoridade e a posse de compe-tências ou perícia. Wright argumenta, em primeiro

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lugar, que muitos trabalhadores da classe média, como os gestores e supervisores, usufruem de rela-ções com a autoridade mais privilegiadas do que os indivíduos da classe trabalhadora. São chamados pelos capitalistas a dar assistência no controlo da classe trabalhadora - controlando o trabalho dos empregados, por exemplo, ou conduzindo avaliações de desempenho dos mesmos - e são recompensados pela sua "lealdade" com maiores salários e promo-ções regulares. Todavia, ao mesmo tempo, estes indi-víduos permanecem sobre o controlo dos capitalistas. Por outras palavras, são simultaneamente explorado-res e explorados.

O segundo factor que diferencia as localizações de classe dentro das classes médias é a posse de compe-tências e de perícia. De acordo com Wright, os empre-gados da classe média que possuem competências necessárias no mercado de trabalho são capazes de exercer uma forma específica de poder sobre o sistema capitalista. Dado existirem poucas pessoas com a sua perícia, são capazes de ganhar um salário superior. As posições lucrativas acessíveis aos especialistas em tec-nologias da informação, na emergente economia do conhecimento, são um dado que ilustra este ponto. Além disso, Wright argumenta que, na medida em que os empregados com conhecimentos e competências são mais difíceis de monitorizar e controlar, os empre-gadores são obrigados a assegurar a sua lealdade e cooperação, recompensando-os em conformidade.

A medição das c lasses

Estudos teóricos e empíricos investigaram a relação existente entre a posição de classe e outras dimensões da vida social, como os padrões de votação, o desem-penho académico e a saúde física. Porém, como vimos anteriormente, o conceito de classe está longe de estar bem definido. Quer nos circuitos académicos quer no uso quotidiano, o termo classe é compreendido e usado numa ampla variedade de formas. Assim sendo, como é possível aos sociólogos e investigadores medir um conceito impreciso como o de classe, tendo em vista a realização de estudos empíricos?

Quando num estudo, um conceito abstracto, como o de classe, é transformado numa variável passível de medição dizemos que o conceito foi operacionaliza-do. Isto significa que ele foi definido de forma sufi-cientemente clara e concreta para ser testado através

da pesquisa empírica. Os sociólogos operacionaliza-ram as classes recorrendo a vários esquemas que ten-tam cartografar a estrutura de classes de uma socie-dade. Estes esquemas fornecem enquadramentos teó-ricos que permitem distribuir os indivíduos por clas-ses sociais.

U m a característica comum da maior parte dos esquemas de classes reside no facto de serem cons-truídos com base na estrutura ocupacional. Os soció-logos têm equacionado as divisões de classe como algo que corresponde, de forma geral, a desigualda-des materiais e sociais relacionadas com tipos de emprego. O desenvolvimento do capitalismo e do industrialismo tem sido marcado por uma divisão crescente do trabalho e por uma complexificação crescente da estrutura ocupacional. Embora não tanto como em outros tempos, a ocupação é um dos facto-res mais críticos no posicionamento social, oportuni-dades de vida e nível de conforto material dos indiví-duos. Os cientistas sociais têm usado extensivamente a ocupação como um indicador da classe social por acreditarem que indivíduos da mesma ocupação ten-dem a experienciar níveis semelhantes de vantagem ou desvantagem social, a manter estilos de vida com-paráveis e a partilhar oportunidades de vida igual-mente semelhantes.

Os esquemas de classes baseados na estrutura ocu-pacional assumem um certo número de formas dife-rentes. Alguns esquemas são em grande medida de natureza descritiva - reflectem a forma da estrutura ocupacional e de classes na sociedade sem se ocupa-rem das relações entre classes sociais. Este tipo de modelos têm sido favorecidos por académicos que não vêem a estratificação como problemática, conce-bendo-a como parte da ordem social natural, como é o caso dos que trabalham no âmbito da tradição fun-cionalista. Outros esquemas são mais informados teoricamente - muitas das vezes baseando-se nas ideias de Marx ou de Weber - e preocupam-se com a explicação das relações entre classes na sociedade. Os esquemas de classes "relacionais" tendem a ser favorecidos por sociólogos que trabalham no âmbito de paradigmas do conflito, de forma a demonstrar as divisões e tensões existentes na sociedade. O mapa de classes de Erik Olin Wright (ver acima) é um exemplo de um esquema de classes relacional, pois procura descrever os processos de exploração de classes a partir de uma perspectiva marxista.

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O Registrar GeneraVs Social Class (RGSC) é usado na Grã-Bretanha pelos estatísticos do governo como uma de duas classificações oficiais das ocupa-ções. É um exemplo de um esquema de classe "des-critivo", não um esquema teoricamente derivado. O RGSC consiste numa hierarquia de seis categorias de ocupação: técnicas, intermediárias (predominante-mente não manuais), especializadas não manuais, especializadas manuais, parcialmente especializadas e não especializadas. Estas categorias são pensadas para reflectir as noções amplamente partilhadas de vantagem e desvantagem ocupacional na sociedade britânica. No âmbito do esquema R G S C , a classe social do indivíduo é determinada em estreito acordo com a sua ocupação. Estão listadas mais de 500 ocu-pações na Classificação das Ocupações oficial, cada uma atribuída a uma das seis categorias. O R G S C está actualmente sobre exame no seguimento do recenseamento de 2001. Espera-se que o esquema continue a ser usado para fins de política social, mas poderá sofrer modificações.

J o h n G o l d t h o r p e : classe e ocupação

Alguns sociólogos têm mostrado insatisfação face a esquemas descritivos de classe como o do R G S C , argumentando que estes reflectem meramente desi-gualdades sociais e materiais entre classes, em vez de procurarem explicar os processos de classes que lhes dão vida. Com esta preocupação em mente, o soció-logo John Goldthorpe criou um esquema para ser usado na pesquisa empírica sobre a mobilidade social. O Esquema de classes Goldthorpe foi dese-nhado não como uma hierarquia, mas antes como uma representação da natureza "relacional" da estru-tura de classes contemporânea.

Embora actualmente Goldthorpe minimize qual-quer influência teórica explícita sobre o seu esquema (Eriksson e Goldthorpe, 1993), os sociólogos têm apontado muitas vezes a classificação de Goldthorpe como um exemplo de um esquema de classes neo-weberiano. Tal deve-se ao facto de o esquema origi-nal de Goldthorpe ter identificado as localizações de classe com base em dois factores principais: a situa-ção no mercado e a situação no trabalho. A situação no mercado de um indivíduo diz respeito ao seu nível salarial, segurança do trabalho e perspectivas de pro-gresso; enfatiza as recompensas materiais e as "opor-

tunidades de vida" gerais. A situação no trabalhoy

pelo contrário, refere-se a questões de controlo, poder e autoridade na ocupação. A situação no trabalho de um indivíduo prende-se com o seu grau de autonomia no contexto de trabalho e com as relações gerais de controlo que afectam um empregado.

Goldthorpe construiu este esquema avaliando as ocupações com base nas suas situações relativas no mercado e no trabalho. A classificação resultante é apresentada no quadro 1 0 . 1 . 0 esquema de Goldthor-pe que incluiu onze localizações de classes é mais detalhado do que muitos outros. Porém, no seu uso comum, as localizações de classe são comprimidas em três níveis principais de classes: uma "classe de serviços" (Classes I e I I ) , uma "classe intermédia" (Classes I I I e I V ) e uma "classe trabalhadora" (Clas-ses V, V I , V I I ) . Goldthorpe reconhece também a pre-sença de uma classe de elite no topo do esquema constituída por detentores de propriedade, mas argu-menta que se trata de um segmento tão pequeno da sociedade que não é significativo enquanto categoria em estudos empíricos.

Nos seus escritos recentes, Goldthorpe tem enfati-zado as relações de emprego dentro deste esquema, em vez da noção de situação no trabalho acima des-crita (Goldthorpe e Marshall, 1992). Desta forma, Goldthorpe chama a atenção para os diferentes tipos de contratos de trabalho. U m contrato de trabalho supõe uma troca de salários e de esforço que é espe-cificamente definida e delimitada, enquanto um con-trato de prestação de serviços tem um elemento "prospectivo" como a possibilidade de aumento do salário ou de promoção. De acordo com Goldthorpe, a classe trabalhadora é caracterizada por contratos de trabalho e a classe de serviços por contratos de pres-tação de serviços. Como se depreende, as localiza-ções na classe intermédia experienciam tipos inter-médios de relações de emprego.

Ava l i ação dos esquemas de classes

Quer o esquema de classes do RGSC quer o de Gold-thorpe têm sido amplamente usados na pesquisa empírica. T ê m sido úteis na revelação de desigualda-des da classe, como as relacionadas com a saúde e a educação, bem como na revelação de dimensões da classe em aspectos como os padrões de votação, o posicionamento político e as atitudes sociais. Porém,

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Quadro 10.1 Esquema de classes de Goldthorpe

C i r n e

Serviço

Intermédia

Trabalhadora

I Profissionais especializados, administradores e íuncionários de nível elevado. Grandes gestores e proprietários.

II Profissionais especializados, administradores e funcionários de menor nivet. Pequenos gestores e proprietários.

III Empregados não manuais de rotina na administração ou comér-cio (em grande medida administrativos).

lilb Empregados não manuais de rotina, de grau menor que os ante-riores (a maior parte dos empregados do sector dos serviços).

IV Pequenos empresários e artesãos.

IVb Pequenos empresários e artesãos sem trabalhadores.

IVc Agricultores e pequenos proprietários, outras pessoas com em-prego próprio na agricultura.

V Técnicos de menor grau, supervisores de trabalhadores manuais.

VI Trabalhadores manuais especializados.

VII Trabalhadores semi-especíalizados ou não especializados.

VIIb Trabalhadores agrícolas.

Relação de Emprego

Empregador ou relação de serviço.

Reiação de serviço.

Intermédia.

Intermédia (homens), contrato de trabalho (mulheres).

Empregador.

Trabalhador por conta própria.

Empregador ou trabalhador por conta própria.

Intermédia.

Contrato de trabalho.

Contrato de trabalho.

Contrato de trabalho.

fiwte: Adaptado de R. Crompton. Ctass and Siratificatíon, 2.' edição, Polity, 1998, p. 67.

é importante salientar a existência de várias limita-ções significativas neste tipo de esquemas, que nos devem precaver contra a utilização indiscriminada.

Os esquemas das classes ocupacionais são difíceis de aplicar aos indivíduos economicamente inactivos, como os desempregados, estudantes, pensionistas e crianças. Os indivíduos desempregados e os aposen-tados são muitas vezes classificados com base na sua anterior actividade profissional, embora tal possa ser problemático no caso de desempregados de longa duração ou de pessoas com histórias profissionais esporádicas. Os estudantes podem, por vezes, ser classificados de acordo com a sua área de formação, mas é mais provável que esta prática tenha sucesso em casos em que o campo de estudo se correlacione de forma próxima com uma ocupação específica (tal como a engenharia ou medicina).

Os esquemas de ciasses baseados nas distinções ocupacionais são também incapazes de reflectir a importância da posse de propriedade e de riqueza material para a classe social. Por si só, os títulos ocu-pacionais não constituem indicadores suficientes da riqueza e dos bens em geral que o indivíduo possui.

Tal é particularmente verídico no que respeita aos membros mais ricos da sociedade, incluindo empre-sários, financiadores e "velhos ricos", cujos títulos ocupacionais de "director" ou "executivo" os colo-cam na mesma categoria de muitos profissionais de recursos muito mais limitados. Por outras palavras, os esquemas de classes derivados das categorias pro-fissionais não reflectem com exactidão a enorme con-centração de riqueza entre a "elite económica". Ao classificar estes indivíduos junto de outros profissio-nais de elevado nível, os esquemas de classes ocupa-cionais diluem o peso relativo das relações de pro-priedade na estratificação social.

John Westergaard é um sociólogo que desafiou a ideia - defendida, por exemplo, por Goldthorpe - de os ricos poderem ser excluídos dos esquemas que descrevem a estrutura de classes por serem tão pou-cos em número. Como argumenta Westergaard, "é a intensa concentração de poder e privilégios em tão poucas mãos que faz destas pessoas o topo. O seu peso socioestrutural total, imensamente despropor-cional para o seu reduzido número, faz da sociedade em que constituem o topo uma sociedade de classes,

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quaisquer que sejam os padrões de divisão abaixo deles" <1995, p. 127).

Como vimos anteriormente, há muitas questões complexas envolvidas na elaboração de esquemas de classes que possam cartografar de modo fiável a estrutura de classes da sociedade. Mesmo no âmbito de uma estrutura ocupacional relativamente "está-vel", a medição e cartografia das classes sociais está repleta de dificuldades. Porém, as rápidas transfor-mações económicas que ocorrem nas sociedades industriais tornaram a medição das classes ainda mais problemática, e conduziram algumas pessoas a ques-tionar a utilidade do conceito de classe. Estão a emer-gir novas categorias ocupacionais, ocorreu uma mudança geral da produção industrial para os servi-ços e a economia do conhecimento, e um número enorme de mulheres entrou na força de trabalho em décadas recentes. Os esquemas de classes ocupacio-nais baseados na ocupação não estão necessariamen-te bem adequados para capturar os processos dinâmi-cos da formação de classes, da mobilidade e da mudança provocadas por tais transformações sociais.

As divisões de classe nas sociedades ocidentais da actualidade

A questão d a classe a l t a

Quem está certo, Westergaard ou Goldthorpe? Existe ainda uma classe alta distinta, fundada na posse de riqueza e propriedade? Ou devemos falar de uma classe de serviços mais ampla, como sugere Gold-thorpe? U m a forma de abordai estas questões é observar até que ponto a riqueza e o rendimento estão concentrados nas mãos de poucos.

É difícil obter informação fiável sobre a distribui-ção de riqueza. Alguns países mantêm estatísticas mais precisas do que outros, mas existe sempre um grau considerável de suposição envolvido. Normal-mente, os ricos não tornam público o leque total dos seus bens; tem sido várias vezes salientado que se sabe muito mais sobre os pobres do que sobre os ricos. O certo é a riqueza estar de facto concentrada nas mãos de uma pequena minoria. Na Grã-Bretanha, 1% da população possui 19% de toda a riqueza pes-soal ( a riqueza que é possuída por indivíduos e n lo por organizações). Os 10% mais ricos da população

possuem cerca de metade da riqueza pessoal total do país, enquanto a metade da população menos rica possui apenas 8 % da mesma (ver quadro 10.2).

A posse de acções e títulos é mais desigual do que a posse de riqueza no seu todo. U m por cento da população do Reino Unido possui cerca de 7 5 % das acções das empresas detidas por particulares; 5 % possui cerca de 9 0 % da sua totalidade. Mas tem havi-do mudanças neste aspecto. Cerca de 25% da popu-lação possui acções, quando em 1986 essa percenta-gem era de 14%. Muitas pessoas compraram acções pela primeira vez durante o programa de privatiza-ções do govemo do Partido Conservador. O aumento é ainda mais dramático quando observado no contex-to de um período mais longo, pois em 1979 apenas 5 % da população detinha acções. A maior parte des-tas carteiras de acções é pequena (com valores infe-riores a 1000 libras, a preços de 1991), e a posse ins-titucional de acções - acções detidas por companhias em outras firmas - está a crescer mais rapidamente do que a posse individual de acções.

Os "ricos" não são um grupo homogéneo, nem formam uma categoria estática. Os indivíduos seguem trajectórias diferentes "para dentro e para fora" da esfera da riqueza. Algumas pessoas ricas nasceram em famílias de "dinheiro velho" - uma expressão que se refere à riqueza duradoura transmi-tida ao longo de gerações. Outros indivíduos ricos fizeram-se a si próprios tendo construído com suces-so a sua riqueza a partir de raízes humildes. Os perfis dos membros mais ricos da sociedade variam grande-mente. Ao lado de membros de famílias influentes de longa data encontram-se músicos e celebridades, atletas e representantes da "nova elite" que fizeram milhões através do desenvolvimento e promoção de computadores, das telecomunicações e da Internet. Tal como a pobreza, a riqueza deve ser vista no con-texto dos ciclos de vida. Alguns indivíduos tornam-se ricos rapidamente, mas perdem muita ou parte da sua fortuna; outros podem passar por um crescimento ou declínio gradual dos bens ao longo do tempo.

Embora seja difícil recolher informação precisa sobre os bens e as vidas dos ricos, é possível traçar amplas mudanças na composição do segmento mais rico da sociedade. Algumas tendências dignas de registo têm aparecido na Grã-Bretanha nos últimos anos. Primeiro, os "milionários que se fizeram a si próprios" parecem estar a constituir uma grande pro-

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Quadro 10.2 Repartição da riqueza no Reino Unido

Riqueza comercializável Percentagem de riqueza detida por:

1% dos mais ricos 5% dos mais ricos

10% dos mais ricos 25% dos mais ricos 50% dos mais ricos

Total da riqueza comercializável (em biliões de libras)

1976 1981 1966 1991 1994 1995

21 16 18 17 19 19 36 36 36 35 39 38 50 50 50 47 52 50 71 73 73 71 74 73 92 92 90 92 93 92

250 565 955 1711 1950 2033

Riqueza comercializável menos o valor das residências Percentagem de riqueza detida por:

1% dos mais ricos 29 26 25 29 29 27

5% dos mais ricos 47 45 46 51 53 51

10% dos mais ricos 57 56 56 64 66 64

25% dos mais ricos 73 74 75 80 63 81

50% dos mais ricos 86 67 89 93 94 93

ftfll»; InJand Revenue. Extraído de Social Trenós, 29 (1999). p. 100.

porção dos indivíduos mais ricos. E m 2000, mais de 70% dos 1000 britânicos mais ricos tinham construí* do a sua própria riqueza, em vez de a ter herdado. Alguns destes milionários fizeram a sua fortuna na "nova economia" - software, media, Internet e tele-comunicações. Segundo, um número crescente de mulheres está a entrar nas fileiras dos mais ricos. E m 1989, apenas seis mulheres se encontravam entre os britânicos mais ricos. Em 2000, o número crescera mais de 10 vezes para 64. Terceiro, muitos dos mem-bros mais ricos da sociedade são bastante jovens -estão na casa dos 20/30 anos. Em 2000 ,17 britânicos com menos de 30 anos possuíam mais de 30 milhões de libras. Finalmente, as minorias étnicas, principal-mente as de origem asiática, estão a aumentar a sua presença entre os super ricos (Lista dos Ricos 2000, Sunday Times). A riqueza combinada dos 200 bntâni» cos mais ricos de origem asiática aumentou 40% em 1999-2000.

Embora a composição dos ricos esteja certamente a mudar, a ideia de que já não existe uma classe alta distinta é questionável. John Scott (1991) argumen-tou que a classe alta actualmente mudou de configu-

ração, mas mantém a sua posição distinta. Apontou três grupos distintos que no seu conjunto formam uma constelação de interesses no controlo - e obten-ção de lucros - de grandes negócios. Os executivos seniores das grandes corporações podem não ser pro-prietários das suas companhias, mas são muitas vezes capazes de acumular carteiras de acções, o que os liga aos empresários industriais à moda antiga e aos "capitalistas financeiros*1. Os capitalistas financeiros, uma categoria que inclui as pessoas que gerem as companhias de seguros, bancos, fundos de investi-mento e outras organizações que são grandes accio-nistas institucionais, estão, na perspectiva de Scott, no centro da classe alta dos nossos dias.

As políticas de incentivo à iniciativa empresarial durante os anos 80 e o boom das tecnologias da infor-mação nos anos 90 conduziram a uma nova vaga de entradas na classe alta, de pessoas que fizeram fortu-na nos negócios e nos avanços tecnológicos. Ao mesmo tempo, o crescimento da posse de acções por parte de famílias da classe média alargou o perfil dos accionistas. Porém, a concentração de riqueza e de poder na classe alta permanece intacta. Embora o

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Riqueza estimada Fonte da riqueza

£4.0 biliões Empacotamento de comida

£3.75 biliões Propriedade

£2.4 biliões Viagens» vendas a retalho, telefones móveis

£2.2 biliões Comida

£2.2 biliões Aço

£2.0 biliões Finanças e Internet

£2.0 biliões Corridas de fõrmuia 1

£1.96 biliões Comércio e indústria

£1.5 biliões Banca

£1.5 biliões Serviços de recrutamento

Quadro 10.3 0$ dez indivíduos mais ricos da Grã-Bretanha

Posição Nome

1 Hans Rausing

2 Duke de Westminster

3 Srr Richard Branson

4 Lord Satnsbury e família

= Lakshmí Míttal

6 Joseph Lewis

s Bernie e Slavica Ecclestone

8 Sri e Gopi Hinduja

9 Bruno Schroder e família

= Phipille Foriet-Destezet

Fonte: Lista dos Ricos 2000, Sunday Times.

padrão de posse de acções possa ser mais difuso do que anteriormente, ainda só uma pequena minoria beneficia substancialmente da posse de acções.

Podemos concluir que precisamos simultaneamen-te dos conceitos de classe alta e de classe de serviços. A classe alta consiste numa pequena minoria de indi-víduos que têm riqueza e poder, e que são capazes de transmitir os seus privilégios aos seus filhos. A clas-se alta pode ser rudemente identificada como o 1% dos possuidores de riqueza. Abaixo desta classe exis-te a classe de serviços, constituída, como afirma

Goldthorpe, por técnicos, gestores e administradores de topo. Estes constituem cerca de 5% da população. Aqueles a quem Goldthorpe chama de "classe inter-média1' são, porventura, mais simplesmente apelida-dos de classe média. Olhemos mais detalhadamente para esta classe.

A classe média

O termo classe média cobre um largo espectro de pessoas que trabalham em ocupações muito diferen-

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tes, desde empregados na indústria de serviços a pro-fessores e profissionais da medicina. Alguns autores preferem falar de "classes médias" para chamar a atenção para a diversidade de ocupações, situações de siatus e de classe, e de oportunidades de vida que caracterizam os seus membros. De acordo com a maioria dos observadores, a classe média engloba actualmente a maioria da população da Grã-Bretanha e a maioria da população dos outros países industria-lizados. Isto deve-se ao facto de a proporção de pos-tos de trabalho de colarinho branco ter aumentado acentuadamente em relação aos empregos manuais ao longo do século (Ver Capítulo 13).

Os membros da classe média, por mérito das suas qualificações técnicas ou títulos académicos, ocupam posições que lhes fornecem maiores vantagens mate-riais e culturais do que as usufruídas pelos trabalha-dores manuais. Ao contrário da classe trabalhadora, os membros da classe média podem vender a sua capacidade de trabalho intelectual e física para ganhar a vida. Embora esta distinção seja útil para formar uma divisão grosseira entre as classes traba-lhadora e média, a natureza dinâmica da estrutura ocupacional e a possibilidade de mobilidade ascen-dente e descendente toma difícil definir as fronteiras da classe média com grande precisão.

A classe média não é internamente coesa e é pouco provável que se torne assim, dada a diversidade dos seus membros e os seus diferentes interesses (Butler e Savage, 1995). É verdade que a classe média não é tão homogénea como a classe trabalhadora; os seus membros não partilham as mesmas origens sociais ou culturais, como acontece frequentemente com as camadas superiores da classe alta. A composição "solta** da classe média, todavia, não é um fenómeno novo; tem sido uma característica duradoura da clas-se média desde a sua emergência no início do século XIX.

As ocupações técnicas, de gestão e administrativas encontram-se entre os sectores de crescimento mais rápido da classe média. Existem várias razões para tal. A primeira está relacionada com a importância das organizações de larga escala nas sociedades modernas (Ver Capítulo 12). A disseminação das burocracias criou oportunidades e uma procura de trabalhadores para trabalhar em contextos institucio-nais. Indivíduos como os médicos e os advogados que podiam ter sido empregados por conta própria

anteriormente, tendem agora a trabalhar em ambien-tes institucionais. Em segundo lugar, o crescimento de profissionais técnicos é um reflexo da expansão do número de pessoas que trabalham em sectores da economia onde o governo desempenha um papel importante. A criação do estado de previdência social levou a um enorme crescimento no número dos pro-fissionais envolvidos na execução das suas funções, como os trabalhadores sociais, os professores e os profissionais dos cuidados de saúde. Finalmente, com o aprofundamento do desenvolvimento da eco-nomia e da indústria, tem havido um aumento cons-tante da procura dos serviços de peritos nos campos da justiça, finanças, contabilidade, tecnologia e siste-mas de informação. Neste sentido, os técnicos podem ser vistos simultaneamente como um produto da era moderna e como um contributo central para a sua evolução e expansão.

Os técnicos, gestores e administradores de nível superior ganham a sua posição em grande medida devido à posse de credenciais - graus académicos, diplomas e outras qualificações. No seu conjunto, usufruem de carreiras relativamente seguras e bem remuneradas, e a sua separação das pessoas em empregos não manuais rotineiros tornou-se provavel-mente mais acentuada nos últimos anos. Alguns auto-res viram neles e em outros grupos de topo um con-junto que viria a formar uma classe específica - a "classe gestora e técnica" (Ehrenreich e Ehrenreich, 1979). Todavia, o grau de divisão entre estes e os tra-balhadores de colarinho branco em geral não parece ser suficientemente nítido ou profundo para tornar tal perspectiva defensável.

Outros autores têm examinado as formas pelas quais os profissionais de colarinho branco se juntam para maximizar os seus interesses e assegurar níveis mais elevados de recompensas materiais e de prestí-gio. O caso da classe médica ilustra este ponto com clareza (Parry e Pany, 1976). A classe médica orga-nizou-se com sucesso de forma a proteger a sua posi-ção na sociedade e a assegurar elevados níveis de recompensas materiais. Houve três dimensões de profissionalismo a permitir que tal acontecesse: a entrada para a profissão é restringida aos que satisfa-zem um conjunto apertado de critérios (qualifica-ções); uma associação profissional regula e discipli-na a conduta e desempenho dos seus membros; e é geralmente aceite que apenas os membros desta pro-

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O crescimento dos "trabalhadores contratados"

A globalização, os avanços na tecnologia de infor-mação e as mudanças na natureza do trabalho estão no seu conjunto a gerar um novo tipo de eco-nomia, muitas vezes designada como economia do conhecimento (ver Capitulo 13). Os sectores mais dinâmicos desta nova economia - computadores, finanças, software, telecomunicações - são secto-res que estão dependentes de "trabalhadores do conhecimento": trabalhadores de colarinho branco que trabalham com e produzem informação. em vez de o fazerem com bens físicos.

Um dos sectores da classe média com maior crescimento é constituído por pessoas que traba-lham no sector das tecnologias da Informação. Estes chamados "trabalhadores contratados" estão empregados num largo espectro de posições» como desenhadores de páginas de internet, trabalhado-res de comércio electrónico, publicitários e especia-listas em marketing on tine, analistas de dados, criadores de software, desenhadores gráficos e consultores financeiros. Apesar da diversidade de ocupações, os trabalhadores contratados estão uni-dos por uma série de características comuns. Ten-

dem a passar a maior parte dos seus dias atrás de computadores, trabalhando em cenários não hierár-quicos. Em vez de realizarem tarefas repetitivas, os trabalhadores contratados envolvem-se em activi-dades dinâmicas de resolução de problemas. É difí-cil estimar o número de trabalhadores contratados com alguma precisão, mas alguns autores estima-ram que esse número corresponde a um terço da força de trabalho dos países da UE, sendo ligeira-mente superior nos Estados Unidos. Em todo o caso, a economia do conhecimento encontra-se ainda na sua fase de emergência; parece certo que a população de trabafhadores contratados irá aumentar.

Os "trabalhadores contratados" estão entre aqueles na dianteira da adopção de uma nova cul-tura política que está a transcender as políticas tra-dicionais de "esquerda-direita". Nesta nova ordem, as posições políticas baseiam-se menos nas ques-tões tradicionais de classe, como a política fiscal e a provisão de riqueza estatal, e mais em questões de "estilo de vida" que reflectem preocupações e valores pessoais (Clark e Hoffman-Martinot, 1996).

fissão estão qualificados para praticar medicina. Através de tais canais, as associações profissionais autogeridas são capazes de excluir da profissão indi-víduos indesejáveis e incrementar a posição dos seus próprios membros no mercado.

A mudança de natureza da classe trabalhadora

Marx acreditava que a classe trabalhadora - pessoas que trabalham na indústria como trabalhadores manuais - tomar-se-ia progressivamente maior. Esta crença era a base da sua visão de que a classe traba-lhadora iria criar as condições para uma transformação revolucionária da sociedade. Na verdade, a classe tra-balhadora tornou-se cada vez mais pequena. Apenas há um quarto de século, 40% da população trabalha-dora estava em empregos manuais. Agora, no Reino

Unido, apenas 18% da mesma se encontra nestes, e a proporção encontra-se ainda a descer. Para além disso, as condições em que a classe trabalhadora vive, e os estilos de vida que segue, estão a alterar-se.

A sociedade britânica, tal como a da maioria dos países industrializados, tem um número considerável de pessoas pobres. Todavia, a maioria dos indivíduos que trabalham em ocupações manuais já não vivem na pobreza. Tal como foi mencionado anteriormente, o rendimento dos trabalhadores manuais aumentou consideravelmente desde a viragem do século. Este aumento do nível de vida exprime-se no aumento da capacidade de consumo de bens por todas as classes. Actualmente, cerca de 50% dos trabalhadores manuais são proprietários das casas em que habitam. Uma grande proporção das famílias possui carros, máquinas de lavar, televisões e telefones.

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O fenómeno da prosperidade da classe trabalhado* ra sugere, porém, outra via possível em direcção a uma sociedade mais de "ciasse média". Será que os trabalhadores manuais, à medida que ficam mais abastados, se tornam mais classe média? Esta ideia, com o gosto característico dos sociólogos por nomes embaraçosos, tornou-se conhecida como a tese do aburguesamento. Aburguesamento significa "tornar-•se mais burguês", um termo de estilo marxista para significar "tomar-se mais classe média". Nos anos 50, quando a tese foi pela primeira vez avançada, os seus apoiantes argumentaram que muitos dos traba-lhadores manuais que ganhavam salários de classe média iriam também adoptar os valores, a aparência e os estilos de vida desta. Havia a crença amplamen-te partilhada de que o progresso na sociedade indus-trial estava a ter um forte efeito na configuração da estratificação social.

Nos anos 60, John Goldthorpe e os seus colegas efectuaram aquilo que veio a ser um estudo muito conhecido sobre a hipótese do aburguesamento. Ao conduzir o estudo, os autores argumentaram que, se a tese do aburguesamento fosse verdadeira, os empre-gados manuais abastados deveriam ser virtualmente indistinguíveis dos trabalhadores de colarinho branco em termos das suas atitudes face ao trabalho, estilo de vida e posicionamento político. Com base em entrevistas a trabalhadores das indústrias automóvel e química da zona de Luton, a pesquisa foi publicada em três volumes. É muitas vezes identificada como o estudo do Trabalhador Abastado* (Goldthorpe etal.t 1968-9). Foram estudados, no total, 229 trabalhado-res manuais junto com 54 trabalhadores de colarinho branco para fins de comparação. Muitos dos traba-lhadores manuais tinham migrado para a zona à pro-cura de trabalho bem pago; em comparação com a maioria dos outros trabalhadores manuais eram de facto bem pagos, ganhando mais do que a maior parte dos trabalhadores de colarinho branco de baixo nível.

Goldthorpe e colegas debruçaram-se sobre três dimensões das atitudes da classe trabalhadora e encontraram muito pouco apoio para a tese de abur-guesamento. Em termos de perspectiva económica e de atitudes face ao trabalho, os autores concordaram

* No ta d o revisor c ient í f ico: a obra d e Go ld tho rpe e seus cola-boradores int i tula-se Tke Affluent Worker in lhe Class Structure (ver b ib l iograf ia) .

que muitos dos trabalhadores tinham adquirido um nível de vida de classe média com base nos seus ren-dimentos e na propriedade de bens de consumo. Porém, esta relativa prosperidade foi obtida através de posições caracterizadas por benefícios pobres, poucas oportunidades de promoção e baixa satisfação no trabalho. Os autores do estudo constataram que os trabalhadores abastados tinham uma orientação ins-trumental face ao seu trabalho: viam-no como um meio para um fim, o de ganhar bons salários. O seu trabalho era, essencialmente, repetitivo e desinteres-sante, e tinham pouco compromisso directo com o mesmo.

Apesar dos níveis de prosperidade comparáveis aos dos trabalhadores de colarinho branco, os traba-lhadores deste estudo não se associavam aos mesmos nos seus tempos de lazer, nem aspiravam a subir na escala de classe. Goldthorpe e colegas verificaram que a maioria da socialização tinha lugar em casa com membros directos da família, ou com os vizi-nhos da classe trabalhadora. Existiam poucos indica-dores de que estes trabalhadores se estavam a mover no sentido dos valores e normas da classe média. Em termos de posicionamento político, os autores cons-tataram que havia uma correlação negativa entre a prosperidade da classe trabalhadora e o apoio ao Par-tido Conservador. Os apoiantes da tese do aburguesa-mento tinham previsto que o crescimento da prospe-ridade entre a classe trabalhadora iria enfraquecer o seu apoio tradicional ao Partido Trabalhista.

Aos olhos dos seus autores, os resultados deste estudo eram esclarecedores: a tese do aburguesamen-to era falsa. Estes trabalhadores não estavam em vias de se tornarem da classe média. Todavia, Goldthorpe e seus colegas conceberam a possibilidade de exis-tência de alguma convergência em alguns pontos entre a classe média baixa e o escalão mais alto da ciasse trabalhadora. Os trabalhadores abastados par-tilhavam com os seus colegas de colarinho branco padrões semelhantes de consumo económico, uma visão do mundo centrada na família, e um apoio ao colectivismo instrumental no local de trabalho (a acção colectiva através de sindicatos para melhorar salários e condições de vida).

Não foi feita desde então qualquer pesquisa com-parável e, por isso, não está claro até que ponto as conclusões de Goldthorpe e seus colegas, ainda que válidas na altura, continuam a ser verdadeiras hoje

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em dia. Aceita-se, de uma forma geral, que as velhas comunidades tradicionais da classe trabalhadora ten-deram a fragmentar-se ou, pura e simplesmente, a desintegrar-se com o declínio da indústria e o impac-to do consumismo. Contudo, o alcance dessa frag-mentação permanece aberto à discussão.

Classe e estilo de vida

Ao analisar a posição de classe, os sociólogos têm tradicionalmente confiado em indicadores conven-cionais da posição de classe, como a posição no mer-cado, as relações com os meios de produção e a ocu-pação. Mais recentemente, alguns autores argumenta-ram que devíamos avaliar a posição de classe dos indivíduos não só, ou mesmo não principalmente, em termos económicos e de emprego, mas também em relação com factores culturais como o estilo de vida e os padrões de consumo. De acordo com esta abor-dagem, a nossa era é uma era em que os "símbolos" e os marcadores relacionados com o consumo estão a jogar um papel ainda maior na vida diária. As identi-dades pessoais dos indivíduos são estruturadas, numa grande extensão, em torno de escolhas de estilo de vida - como vestir-se, o que comer, como cuidar do corpo e onde relaxar - e menos em torno de indica-dores de classe mais tradicionais, como o emprego.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu vê os grupos de classes como identificáveis de acordo com os seus diferentes níveis de capitol cultural e económico (1986). Os indivíduos distinguem-se cada vez mais uns dos outros não de acordo com factores económi-cos ou ocupacionais, mas com base nos seus gostos culturais e de lazer. São ajudados neste processo peta proliferação de "comerciantes de necessidades", o número crescente de pessoas envolvidas na apresen-tação e representação de bens e serviços - simbólicos ou reais - de consumo no sistema capitalista. Publi-citários, técnicos de marketing, estilistas de moda, consultores de estilo, desenhadores de interiores, trei-nadores pessoais, terapeutas e criadores de páginas de internet, apenas para nomear alguns, todos influenciam os gostos culturais e a promoção de escolhas de estilos de vida numa comunidade de con-sumidores em crescimento constante.

Outros académicos concordaram com a assevera-ção de Bourdieu de que a divisão de classes pode

ligar-se com estilos de vida e padrões de consumo distintos. Assim, falando de agrupamentos no interior da classe média, Savage et al. (1992) identificaram três sectores a partir dos seus "bens" e gostos cultu-rais. Os profissionais nos serviços públicos, que pos-suem "capital cultural1* elevado e baixo "capital eco-nómico", tendem a seguir estilos de vida activos e saudáveis que envolvem exercício, baixo consumo de álcool e participação em actividades comunitárias e culturais. Os gestores e burocratas, pelo contrário, possuem tipicamente padrões "indistintos" de consu-mo que envolvem níveis médios ou baixos de exercí-cio, pouca participação em actividades culturais e uma preferência por estilos tradicionais na moda e nas mobílias da habitação. O terceiro agrupamento, os "pós-modernos", seguem um estilo de vida a que falta qualquer princípio definidor e que pode conter elementos que tradicionalmente não se encontram associados. Assim, o interesse por andar a cavalo e o interesse pela literatura clássica podem ser acompa-nhados por uma fascinação por desportos radicais como a escalada e o gosto por raves e pelo Ecstasy.

No essencial, seria difícil questionar a ideia de que a estratificação no seio das classes, bem como entre as classes, acaba por depender não só de diferenças em termos de ocupações, mas também de diferenças ao nível do consumo e dos estilos de vida. Basta aten-tar nas tendências apresentadas globalmente na sociedade. Nas sociedades industrializadas, por exemplo, a rápida expansão da economia de serviços e da indústria do entretenimento e do lazer reflectem uma ênfase crescente no consumo. As sociedades modernas tornaram-se sociedades de consumo, vira-das para a aquisição de bens materiais. Sob certos pontos de vista, uma sociedade de consumo é uma "sociedade de massas", onde as diferenças de classe são, em certo grau, postas de lado. No entanto, as diferenças de classe podem igualmente ser intensifi-cadas através de variações nos estilos de vida e nos "gostos" (Bourdieu, 1986).

Contudo, embora mantendo estas mudanças em mente, é impossível ignorar o papel crucial desempe-nhado pelos factores económicos na reprodução das desigualdades sociais. Para a maior parte dos autores, os indivíduos que suportam privações extremas em termos sociais e materiais não estão a fa2ê-lo como parte de uma escolha de estilo de vida. Pelo contrá-rio, as suas circunstâncias de vida são constrangidas

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Uma educarão enriquecida, que se apoia no capital cultural, tem sido vista por muitos como o caminho para minar a estratificação de classes imposta pelas desigualdades económicas.

por factores relacionados com a estrutura ocupacio-nal e económica (Crompton, 1998).

A subclasse

O termo "subclasse" é usado muitas vezes para des-crever o segmento da população localizado no fundo da estrutura de classes. Os membros da subclasse têm níveis de vida significativamente mais baixos do que a maioria das pessoas na sociedade. É um grupo caracterizado por múltiplas desvantagens. Muitos são desempregados de longa duração, ou transitam de emprego em emprego. Alguns são sem abrigo, ou não têm um sítio permanente onde viver. Os membros da subclasse podem permanecer dependentes, por Ion-gos períodos de tempo, dos benefícios da segurança social. A subclasse é frequentemente descrita como

"marginalizada" ou "excluída" da forma de vida mantida pela maioria da população.

A subclasse é frequentemente associada aos grupos étnicos minoritários menos privilegiados. Muito do debate acerca da subclasse teve origem nos EUA, onde a preponderância de negros pobres que vivem em áreas do interior das cidades despoletou o debate acerca de uma "subclasse negra" (W. J. Wilson, 1978; Murray, 1984,1990). Contudo, não se trata apenas de um fenó-meno norte-americano. Na Grã-Bretanha, os negros e asiáticos estão desproporcionalmente representados na subclasse. Em alguns países europeus, os trabalhadores imigrantes que obtiveram emprego em tempos de maior prosperidade, há cerca de vinte anos, constituem agora uma grande parte deste sector. É o que acontece, por exemplo, com os imigrantes Argelinos em França e com os imigrantes Turcos na Alemanha.

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A natureza - e a própria existência - de uma sub* classe é debatida de forma calorosa em Sociologia. Iremos analisar o tópico da subclasse com maior detalhe no Capítulo 11.

Género e estratificação

Os estudos sobre a estratificação foram durante mui-tos anos "cegos em relação ao género" - foram escri-tos como se as mulheres não existissem, ou como se não tivessem importância ou interesse quando se ana-lisavam divisões de poder, de riqueza e de prestígio. Contudo, o próprio género é um dos exemplos mais profundos de estratificação. Não existe nenhuma sociedade em que os homens não tenham, em certos aspectos da vida social, mais riqueza, maior estatuto e influência do que as mulheres.

Um dos principais problemas colocados pelo estu-do do género e da estratificação nas sociedades modernas parece simples, mas acaba por ser de difí-cil resolução. É a questão de se saber até que ponto poderemos entender as desigualdades de género nos tempos modernos em termos principalmente da divi-são de classes. As desigualdades de género estão his-toricamente mais enraizadas do que o sistema de classes; os homens detêm uma posição superior às mulheres mesmo nas sociedades de caça e recolecção onde não existem classes. Porém, as divisões de clas-se são tão fortes nas sociedades modernas, que não existem dúvidas de que se sobrepõem substancial-mente às desigualdades de género. A posição material da maioria das mulheres tende a reflectir a dos seus pais ou maridos; por isso, pode-se argumentar que devemos explicar as desigualdades de género princi-palmente em termos de classe.

A determinação da posição de classe da mulheres

A ideia de que as desigualdades de classe governam em grande medida a estratificação de género foi, até muito recentemente, uma assunção não assumida. Todavia, as críticas feministas e as mudanças inegá-veis no papel económico das mulheres em muitas sociedades ocidentais tornaram este assunto aberto ao debate.

A "posição convencional" na análise de classes é a de que o trabalho remunerado das mulheres é relati-

vamente insignificante em comparação com o dos homens, e que, por isso, as mulheres podem ser con-sideradas como pertencendo à mesma classe social que os seus maridos (Goldthorpe, 1983). De acordo com Goldthorpe, cujo esquema de classes dependeu originalmente deste pressuposto, não se trata de uma visão baseada numa ideologia sexista. Pelo contrário, ela reconhece a posição subordinada em que se encontra a maioria das mulheres na força de trabalho. É mais provável que as mulheres tenham empregos a tempo parcial do que os homens, e tendam a ter uma maior experiência de emprego intermitente, pois podem retirar-se por longos períodos para dar à luz e cuidar das suas crianças (ver Capítulo 13). Dado a maioria das mulheres ter tradicionalmente uma posi-ção de dependência económica em relação aos mari-dos, conclui-se que a sua posição de classe é deter-minada na maior parte dos casos pela posição de clas-se do marido.

A argumentação de Goldthorpe tem sido criticada de variadas formas. Em primeiro lugar, numa propor-ção substancial de agregados familiares o rendimen-to das mulheres é essencial para manter a posição económica e o estilo de vida da família. Nestas cir-cunstâncias, o emprego remunerado da mulher deter-mina em parte a posição de classe de toda a família. Em segundo lugar, o emprego de uma esposa pode, por vezes, determinar a posição da família como um todo. Mesmo quando uma mulher trabalhadora ganha menos do que o marido, a posição profissional dela pode ser o factor-chave que influencia a classe do marido. Isto pode acontecer, por exemplo, no caso de o marido ser um trabalhador manual especializado ou semiespecializado, e a sua mulher ser gerente de uma loja.

Em terceiros lugar, em situações em que existem agregados familiares de "classe mista" - nos quais o trabalho do marido pertence a uma categoria diferen-te do da esposa - poderão existir certos objectivos para os quais será mais realista tratar os homens e mulheres, ainda que pertençam ao mesmo agregado familiar, como tendo posições de classe diferentes. Em quarto lugar, a proporção de famílias em que a mulher é a única fonte de sustento está a aumentar. O número crescente de mães solteiras e de mulheres trabalhadoras celibatárias sem filhos constitui um testemunho deste facto. Este tipo de mulheres tem por definição uma influência determinante sobre a

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"O aparecimento de mulheres trabalhadoras de sucesso e de mandos que cuidam da casa desarranjou as classifica* ções de classe tradicionais baseadas no homem como fonte de sustento de um agregado tamiliar dependente".

posição de classe dos seus agregados familiares, excepto no caso em que o usufruto de uma pensão de alimentos coloca a mulher no mesmo nfvel económi-co do ex-marido (Sanworth, 1984; Walby, 1986).

Goldthorpe e outros autores têm defendido a posi-ção convencional, contudo foram incorporadas no seu esquema algumas modificações importantes. Para fins de pesquisa, o parceiro de classe mais ele-vada pode ser usado para classificar o agregado fami-liar, quer essa pessoa seja um homem ou uma mulher. Em vez da classificação baseada "ganha-pão mascu-lino", a classificação do agregado é agora determina-da pelo "ganha-pão dominante". Para além disso, a classe III do esquema de Goldthorpe foi dividida em duas subcategorias de forma a reflectir a preponde-rância das mulheres em trabalhos de colarinho bran-co de nível inferior. Quando o esquema é aplicado a

mulheres, a classe IIIB (trabalhadores não manuais nos serviços e vendas) é tratada como a classe VII. Isto é visto como uma representação mais precisa da posição das mulheres não especializadas ou semies-pecializadas no mercado de trabalho.

Para além do agregado familiar?

Desenvolvendo o debate acerca da atribuição de posi-ções de classe, alguns autores sugeriram que a posi-ção de classe de um indivíduo deveria ser determina-da sem referência ao agregado familiar. Por outras palavras, a classe social deveria ser avaliada a partir da ocupação, de forma independente para cada indi-víduo, sem referências específicas às suas circunstân-cias domésticas. Esta abordagem foi assumida, por exemplo, no trabalho de Gordon Marshall e seus colegas num estudo sobre o sistema de classes no Reino Unido (Marshall et ai, 1988).

Contudo, tal perspectiva possui também as suas dificuldades. Deixa de parte aqueles que não têm emprego remunerado, incluindo não só donas de casa a tempo inteiro, mas também pessoas reformadas e desempregadas. Os dois últimos grupos podem ser classificados de acordo com as últimas ocupações que tiveram, o que pode ser problemático se já não trabalharem há algum tempo. Além disso, parece potencialmente erróneo ignorar por inteiro o agrega-do familiar. O facto de os indivíduos estarem sós ou integrados num agregado doméstico pode acarretar grandes diferenças em termos das oportunidades de que dispõem.

O impacto do emprego das mulheres nas divisões de ciasse

A entrada das mulheres no mundo do emprego assa-lariado teve um impacto significativo no rendimento dos agregados familiares. Todavia, este impacto tem sido sentido de forma desigual e pode estar a condu-zir a uma acentuação das divisões de classe entre agregados familiares. Um número crescente de mulheres está a movesse em direcção a posições téc-nicas e de gestão e a ganhar salários elevados. Isto está a contribuir para a polarização, por um lado, entre "agregados com dois ganhadores" de rendimen-to elevado e, por outro, agregados "com um único ganhador" ou "sem qualquer ganhador" (ver Capítu-lo 13).

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A pesquisa demonstrou que as mulheres com salá-rios elevados tendem a ler parceiros com ordenados elevados, e também que as esposas de homens com profissões técnicas ou de gestão têm salários mais altos do que as outras mulheres empregadas. O casa-mento tende a produzir associações em que ambos os indivíduos são relativamente privilegiados ou despri-vilegiados em termos do seu estatuto profissional (Bonney, 1992).

O impacto da associação entre dois parceiros que trabalham é ampliado pelo facto de a idade média para se ter filhos estar a aumentar, particularmente entre as mulheres profissionais. O número crescente de casais sem filhos, em que ambos trabalham, está a ajudar a aumentar o fosso entre os agregados com maior e menor remuneração.

Mobilidade social

Ao estudar a estratificação temos de ter em conside-ração não apenas as diferenças entre posições econó-micas ou profissões, mas também o que acontece aos indivíduos que as ocupam. O termo mobilidade social refere-se ao movimento de indivíduos e grupos entre diferentes posições socioeconómicas. Por mobilidade vertical entende-se o movimento ascen-dente ou descendente na escala socioeconómica. Diz--se que aqueles que ganham em termos de proprieda-de, rendimento ou status têm uma mobilidade ascen-dente, enquanto os que se movem na direcção oposta possuem uma mobilidade descendente. Nas socieda-des modernas existe também bastante mobilidade lateral, que se refere à movimentação geográfica entre bairros, cidades ou regiões. A mobilidade verti-

cal e a lateral estão muitas vezes associadas. Por exemplo, um indivíduo que trabalhe numa empresa numa determinada cidade pode ser promovido a uma posição mais alta numa sucursal da firma localizada noutra cidade ou mesmo noutro país.

Existem duas formas de estudar a mobilidade social. Em primeiro lugar, podem observar-se as pró-prias carreiras dos indivíduos - detectar até que ponto ascenderam ou desceram na escala social no decurso das suas vidas profissionais. Chama-se a isto normal-mente mobilidade intrageracional. Alternativamen-te, pode-se analisar até que ponto os filhos estão no mesmo tipo de ocupações dos seus pais ou avós. A mobilidade através das gerações é designada como mobilidade intergeracional.

Estudos c o m p a r a t i v o s sobre a m o b i l i d a d e

A quantidade de mobilidade vertical numa sociedade é um indicador maior do seu grau de "abertura", reve-lando até onde podem subir na escala socioeconómi-ca os indivíduos talentosos de origem humilde. Neste sentido, a mobilidade social é um assunto político importante, particularmente em estados comprometi-dos com a visão liberal de igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Até que ponto os países indus-trializados são "abertos" em termos de mobilidade social? Existe uma maior igualdade de oportunidades na Grã-Bretanha do que noutros países?

Durante um período de mais de cinquenta anos foram conduzidos estudos acerca da mobilidade social, englobando frequentemente comparações internacionais. Um estudo importante foi conduzido por Peter Blau e Otis Dudley Duncan nos anos 60 (Blau e Duncan, 1967). A sua investigação continua a ser o estudo mais detalhado da mobilidade social até agora conduzido em qualquer país. (Por muito vasto que tenha sido, e como a maioria dos estudos sobre mobilidade, está sujeito às críticas anteriormente enumeradas - todas as pessoas estudadas eram do sexo masculino.) Blau e Duncan recolheram dados a partir de uma amostra nacional de 20 000 homens. Concluíram que existe bastante mobilidade vertical nos Estados Unidos, mas quase sempre entre posi-ções profissionais muito próximas umas das outras. A mobilidade de "largo alcance" é rara. Embora o movimento descendente ocorra, tanto ao nível das carreiras dos indivíduos como a nível intergeracional.

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é muito níenos comum do que a mobilidade ascen-dente. A razão para tal é o facto de os empregos de colarinho branco e técnicos terem aumentado muito mais rapidamente do que os manuais, uma mudança que criou oportunidades para os filhos de trabalhado-res manuais se moverem para posições de colarinho branco. Blau e Duncan enfatizam a importância da educação e da formação para as hipóteses de sucesso dos indivíduos. Na sua opinião, a mobilidade ascen-dente é, de uma forma geral, característica das socie-dades industriais e contribui para a estabilidade e a integração social.

O estudo internacional sobre a mobilidade mais elaborado talvez seja o efectuado por Seymour Mar-tin Lipset e Reinhard Bendix (1959). Os autores ana-lisaram dados de nove sociedades industrializadas -Grã-Bretanha, França, Alemanha Ocidental, Suécia, Suíça, Japão, Itália e Estados Unidos da América concentrando-se na mobilidade de homens abrangen-do desde os trabalhadores manuais aos trabalhadores de colarinho branco. Contrariamente às suas expecta-tivas, não encontraram provas no sentido dos EUA serem mais abertos do que as sociedades europeias. A mobilidade vertical total entre as posições manuais e as de colarinho branco era de 30% nos EUA e nas outras sociedades variava entre 27 e 31%. Lipset e Bendix concluíram que todos os países, no que res-peita à expansão de empregos de colarinho branco, estavam a passar por mudanças semelhantes. Tal levou a um "surto de mobilidade ascendente" de dimensões comparáveis em todas elas. Outros auto-res têm questionado os seus resultados, argumentan-do que se teriam encontrado diferenças significativas entre os países se tivesse sido prestada maior atenção à mobilidade descendente, e se a mobilidade de longo alcance tivesse sido considerada (Heath, 1981; Grusky e Hauser, 1984).

A maioria dos estudos sobre a mobilidade social, tal como os aqui descritos, centram-se em dimensões "objectivas" da mobilidade - isto é, quanta mobilida-de parece existir, em que direcções, e para que partes da população. Gordon Marshall e David Firth (1999) assumiram uma abordagem diferente no seu estudo comparativo da mobilidade; investigaram os senti-mentos "subjectivos" das pessoas acerca da mudança de posição de classe. Os autores realizaram a sua pes-quisa em resposta ao que designaram como "especu-lação não consubstanciada" entre sociólogos acerca

dos efeitos prováveis da mobilidade sobre o sentido de bem-estar dos indivíduos. Enquanto alguns auto-res têm argumentado que a mobilidade social produz um certo sentido de desequilíbrio, isolamento e desenraizamento, outros têm assumido uma visão mais optimista, sugerindo que acaba por ocorrer ine-vitavelmente um processo gradual de adaptação à nova classe.

Usando dados empíricos de dez países - Bulgária, a antiga Checoslováquia, Estónia, Alemanha, Poló-nia, Rússia, Eslovénia, Estados Unidos e Reino Unido - Marshall e Firth examinaram se a mobilida-de de classe estava relacionada com um maior senti-do de satisfação ou insatisfação com aspectos da vida quotidiana como a família, a comunidade, o trabalho, o rendimento e a política. No geral, os autores encon-traram poucas evidências para a existência de uma associação entre as experiências de classe dos indiví-duos e a sua satisfação com a vida em geral. Este resultado verificava-se quer entre os indivíduos que se tinham movido a partir de origens de classe traba-lhadora para posições de classe média, quer entre aqueles que se tinham movido de forma descendente.

Mobilidade descendente

Embora a mobilidade descendente seja menos comum do que a ascendente, é ainda assim um fenómeno bas-tante difundido. A mobilidade descendente intragera-cional é também comum. Este tipo de mobilidade está muitas vezes associado a problemas psicológicos e a ansiedades, dado os indivíduos deixarem de ser capa-zes de manter o estilo de vida a que estavam habitua-dos. A falta de trabalho é outra das principais causas de mobilidade descendente. Por exemplo, as pessoas de meia idade, que perdem os seus empregos, sentem dificuldades em encontrar novo emprego ou só conse-guem arranjar trabalho com um nível de rendimento mais baixo que o anterior.

Até agora foram realizados poucos estudos sobre a mobilidade descendente no Reino Unido. É provável, contudo, que a mobilidade descendente, inter e intra-geracional, esteja a aumentar na Grã-Bretanha, como acontece nos Estados Unidos da América. Nos Esta-dos Unidos tem havido recentemente bastantes estu-dos acerca do fenómeno. Durante os anos 80 e prin-cípios de 90, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, deu-se uma descida global do rendi-

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mento real médio (rendimentos após o ajustamento da inflação) dos norte-americanos com ocupações de colarinho branco de nível médio. Assim, mesmo que este tipo de empregos continue a expandir-se em rela* ção aos outros, podem não sustentar as aspirações de estilo de vida de outrora.

A reestruturação das empresas e o emagrecimento são os principais motivos que levam a estas mudan-ças. Face à crescente competição global, muitas empresas reduziram as suas forças de trabalho. Foram extinctos empregos de colarinho branco e azul a tempo inteiro - e substituídos por ocupações mal pagas a tempo parcial.

Actualmente, a mobilidade descendente nos Esta-dos Unidos é particularmente comum entre mulheres divorciadas ou separadas com filhos. Mulheres que usufruíam de um estilo de vida moderadamente con-fortável e de classe média, quando eram casadas, encontram-se frequentemente a viver de forma precá-ria e ao nível da subsistência depois de divorciadas. Em muitos casos, a pensão de alimentos é pequena ou inexistente; as mulheres que tentam conjugar o trabalho, a educação dos filhos e as responsabilidades domésticas consideram difícil atingir os seus objecti-vos (Schwarz e Volgy, 1992).

Mobilidade social na Grã-Bretanha

Os níveis gerais de mobilidade foram estudados extensivamente na Grã-Bretanha, no período pós--guerra - embora uma vez mais virtualmente toda a pesquisa se tenha concentrado sobre os homens. Um primeiro estudo foi dirigido por David Glass (1954). O trabalho de Glass analisou a mobilidade inteigera-cional durante um longo período de tempo até aos anos 50. Os seus resultados correspondem aos ante-riormente salientados no que respeita a dados interna-cionais (cerca de 30% de mobilidade de funções manuais para funções de colarinho branco). A pesqui-sa de Glass serviu em grande medida de suporte aos autores que procederam a comparações internacio-nais. No conjunto, Glass concluiu que a Grã-Bretanha não era uma sociedade particularmente "aberta". Embora existisse uma boa percentagem de mobilida-de, a maior parte desta era de pequeno alcance. A mo-bilidade ascendente era muito mais comum do que a descendente, e estava sobretudo concentrada nos níveis médios da estrutura de classes. As pessoas no

fim da escala tendiam a permanecer aí; quase 50% dos filhos de trabalhadores em profissões técnicas e pro-fissionais de nível elevado ou de gestão estavam em ocupações semelhantes às dos seus pais. Glass tam-bém encontrou um elevado grau deste tipo de "auto--recrutamento" nas posições de elite na sociedade.

Outra importante pesquisa, conhecida como o Estu-do de Mobilidade de Oxford, foi conduzida por John Goldthorpe e colegas, com base em achados de um inquérito de 1972 (Goldthorpe, Llewellyn e Payne, 1980). Os autores procuraram investigar até que ponto os padrões de mobilidade social se tinham alterado desde os tempos do estudo de Glass, concluindo que o nível geral de mobilidade dos homens era de facto mais elevado do que no período anterior e tinha uma maior amplitude. A principal razão para tal, contudo, não residia no facto do sistema ocupacional se ter tor-nado mais igualitário. Pelo contrário, a origem das mudanças encontrava-se na aceleração contínua do crescimento do número de empregos de colarinho branco em relação aos postos manuais. Os investiga-dores descobriram que dois terços dos filhos dos tra-balhadores manuais não especializados ou semiespe-cializados tinham eles próprios também ocupações manuais. Cerca de 30% dos técnicos e quadros supe-riores provinham da classe trabalhadora, enquanto 4% dos homens com funções manuais eram oriundos de meios "técnicos" ou de quadros directivos.

Apesar de encontrar provas da existência de maio-res taxas de mobilidade social absoluta, o Estudo de Mobilidade de Oxford concluiu que as hipóteses rela-tivas de mobilidade entre segmentos diferentes da população na Grã-Bretanha permaneciam altamente desiguais, e que as desigualdades de oportunidades permaneciam largamente enraizadas na estrutura de classes.

O Estudo de Mobilidade de Oxford foi actualiza-do com base em novo material recolhido cerca de dez anos depois (Goldthorpe e Payne, 1986). Os princi-pais achados do trabalho anterior foram corrobora-dos, mas foram encontrados novos desenvolvimen-tos. Por exemplo, as hipóteses de rapazes oriundos de famílias de trabalhadores manuais obterem um emprego técnico ou de gestão tinham aumentado. Uma vez rodis* t&J devia-se às mudâriçBs nu estruture ocupacional, que produziram uma diminuição de empregos manuais relativamente a um maior número de empregos de colarinho branco.

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A Grã-Bretanha será uma meritocracia?

Peter Saunders (1990,1996) tem sido um dos críti-cos mais vorazes da tradição de pesquisa britânica sobre mobilidade social que inclui estudos como os de Glass e de Goldthorpe. De acordo com Saun-ders, a Grã-Bretanha é uma verdadeira meritocra-cia porque as recompensas vão naturalmente para aqueles que têm melhor desempenho e capacidade para alcançar objectivos. Na sua perspectiva, a capacidade e o esforço são os factores-chave do sucesso ocupacional, e nâo os antecedentes de classe. Saunders usou dados empíricos obtidos a partir do Estudo Nacional sobre o Desenvolvimento Infantil para demonstrar que as crianças que são inteligentes e trabalhadoras irão obter sucesso independentemente das vantagens ou desvanta-gens sociais que possam experienciar. Nesta pers-pectiva, a Grã-Bretanha pode ser uma sociedade desigual, mas é uma sociedade justa.

Em resposta a este ponto de vista, Richard Breen

e John Goldthorpe criticam Saunders tanto em ter-mos teóricos como metodológicos (1999). Acusam Saunders de introduzir enviesamentos na sua aná-lise dos dados provenientes do inquérito, como sucede com a exclusão de participantes desempre-gados. Breen e Goldthorpe fornecem uma análise alternativa dos mesmos dados usados por Saun-ders e produzem resultados radicalmente diferentes que consubstanciam a crença de ambos na impor-tância das barreiras de classe para a mobilidade social. Os autores concluem que o mérito individual é com toda a certeza um factor que contribui para a determinação da posição de classe dos indivíduos, mas que a "classe de origem" continua a ser uma influência poderosa. De acordo com Breen e Gold-thorpe, as crianças de antecedentes/origens menos privilegiadas têm que mostrar mais mérito do que aqueles que são privilegiados para alcançar posi-ções de classe semelhantes.

Marshall-e colegas obtiveram resultados nos anos 80 que corroboram em grade medida os encontrados por Goldthorpe e outros. No Estudo de Mobilidade de Essex, os autores descobriram que cerca de um terço das pessoas em cargos elevados de colarinho branco ou cargos técnicos provinha de famílias de trabalhadores manuais. Descobertas como estas demonstram a existência de uma quantidade substan-cial de fluidez na sociedade britânica: é, de facto, possível para muitas pessoas subir na hierarquia social, tanto em termos de mobilidade intrageracional como intergeracional. Porém, as proporções encon-tram-se ainda enviesadas contra as mulheres cujas hipóteses de mobilidade estão limitadas pela sua excessiva representação em trabalhos rotineiros não manuais. O carácter fluido da sociedade moderna deriva principalmente da sua propensão para elevar ocupações. Marshall e os seus colegas concluem: "a existência de mais espaço no topo não tem sido acompanhada por uma maior igualdade de oportuni-dades para aí chegar" (Marshall et al., 1988, p.138). Contudo, deve ter-se em mente algo que já foi salien-

tado anteriormente: a mobilidade é um processo a longo termo e, se a sociedade se está a tornar mais "aberta", os efeitos integrais de tal processo não serão visíveis antes de passar uma geração.

Género e mobilidade social

Embora a maior parte da pesquisa sobre mobilidade social se centre nos homens, nos últimos anos come-çou a ser prestada maior atenção aos padrões de mobilidade entre as mulheres. Numa altura em que as raparigas estão a superar o rendimento dos rapazes nas escolas e as mulheres estão em maior número que os homens no ensino superior, é tentador concluir-se que as desigualdades entre os géneros podem estar a diminuir na sociedade. Ter-se-á a estrutura ocupacio-nal tornado mais "aberta" para as mulheres ou serão ainda as suas oportunidades de mobilidade guiadas em grande medida pela sua origem familiar e social?

Um estudo de coortes recente realizado pelo Con-selho de Pesquisa Económica e Social, Vinte e poucos anos nos anos 90, acompanhou a vida de 9 000 britâ-

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nicos nascidos durante a mesma semana nos anos 70. No inquérito mais recente aos participantes, aos vinte e seis anos de idade, descobriu-se que a classe de ori-gem e os antecedentes familiares continuam a ser influências poderosas tanto para os homens como para as mulheres. O estudo concluiu que os jovens que estão a lidar melhor com a transição para a idade adulta são os que obtiveram uma melhor educação, adiaram o casamento e os filhos, e têm pais em ocu-pações técnicas ou profissionais de nível elevado. Os indivíduos com origens menos privilegiadas têm uma maior tendência para aí permanecer.

No seu conjunto, o estudo constatou que as mulhe-res de hoje estão a encontrar oportunidades muito maiores do que as suas congéneres da geração ante-rior. As mulheres da classe média foram as principais beneficiárias da maioria das mudanças referidas ante-riormente: é tão provável que entrem na universidade e se movam para cargos bem pagos como os seus pares do sexo masculino. Esta tendência no sentido de uma maior igualdade encontra-se também reflecti-da no aumento de confiança e de sentido de auto-esti-ma das mulheres, quando comparadas com uma coor-te de mulheres nascidas doze anos antes.

As hipóteses das mulheres desenvolverem uma boa carreira estão a aumentar, mas permanecem dois grandes obstáculos. Os gestores e empregadores do sexo masculino ainda discriminam as candidatas mulheres. Fazem-no, pelo menos em parte, devido à sua crença de que "as mulheres não estão verdadei-ramente interessadas em carreiras", e de que é pro-vável que abandonem o seu emprego quando inicia-rem uma família. O facto de terem filhos tem, de facto, um efeito substancial sobre as hipóteses de carreira das mulheres. Isto não acontece por não estarem interessadas em construir carreiras, mas por-que são de facto forçadas a escolher entre a progres-são na carreira e a maternidade. Os homens rara-mente se prestam a partilhar todas as responsabilida-des do trabalho doméstico e da educação dos filhos. Embora hoje em dia muitas mais mulheres estejam a

organizar as suas vidas domésticas de forma a pros-seguirem uma carreira, existem ainda grandes obstá-culos no seu caminho.

Conclusão

Embora nas sociedade modernas, a influência tradi-cional da classe esteja em certa medida a enfraquecer, particularmente em termos das identidades das pes-soas, as divisões de classe permanecem no centro das desigualdades económicas. As classes continuam a exercer uma grande influência nas nossas vidas, e a pertença de classe está associada a uma série de desi-gualdades, desde desigualdades nas expectativas de vida e na saúde física em geral a desigualdades no acesso à educação e a empregos bem remunerados.

As desigualdades entre os pobres e os mais afortu-nados cresceram, nos últimos vinte anos, na Grã-Bre-tanha. Será o crescimento da desigualdade entre clas-ses o preço a pagar para assegurar o desenvolvimen-to económico? Este pressuposto foi particularmente proeminente durante o período do governo Thatcher. O argumento era o de que a busca da riqueza cria o desenvolvimento económico, porque constitui uma força motivadora que encoraja à inovação e à acção. Muitos autores argumentam que, actualmente, a glo-balização e a não regulação dos mercados económi-cos estão a conduzir a um alargamento do fosso entre os ricos e os pobres e a "acentuar" as desigualdades entre as classes.

Porém, é importante relembrar que as nossas acti-vidades nunca são completamente determinadas pelas divisões de classes: muitas pessoas experien-ciam, de facto, mobilidade social. A expansão do ensino superior, a acessibilidade crescente a qualifi-cações técnico-profissionais, e a emergência da Inter-net e da "nova economia" constituem importantes e novos canais para a mobilidade ascendente. Tais desenvolvimentos estão a desgastar cada vez mais os velhos padrões de classe e de estratificação e a con-tribuir para uma ordem mais fluida e meritocrática.

Entende-se por estratificação social a divisão da sociedade em camadas ou estra-tos. Quando falamos em estratificação social, chamamos a atenção para as posi-ções desiguais ocupadas pelos diversos indivíduos na sociedade. A estratificação baseada no género e na idade existe em todas as sociedades. Nas grandes socie-