sociologia do protestantismo

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Waldo Cesar PARA UMA SOCIOLOGIA DO PROTESTANTISMO BRASILEIRO 1

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Waldo Cesar

PARA UMA SOCIOLOGIA

DO PROTESTANTISMO

BRASILEIRO

1

INTRODUÇÃO

Solicitado pelo ISET - Instituto Superior de Estudos Teológicos1, o

presente trabalho tem objetivos limitados. Pretende documentar e em parte

criticar obras e pesquisas relevantes para um estudo sobre o protestantismo

brasileiro. Trata-se, portanto, inicialmente, mais de uma sociografia – que, no

entanto utiliza o abundante material existente para sugerir um marco teórico e

algumas hipóteses que nos parecem abarcar relações fundamentais, do ponto de

vista sociológico (e teológico), para um estudo mais global do fenômeno religioso

representado pelo protestantismo brasileiro. Embora em relação a outros países

da América Latina o Brasil já tenha uma tradição consistente relativamente à

sociologia da religião, o protestantismo tem sido pouco investigado frente à

freqüência dos estudos do catolicismo e dos cultos africanos entre nós.

O plano de estudo do ISET era mais elaborado e mais sistematizado

do que os resultados apresentados neste trabalho. Cada pesquisa existente ou

em realização deveria ser abordada através de questionário que incluía autoria da

pesquisa, patrocinador, origem, objetivos, teorias, hipóteses, técnicas, resultados,

fora uma avaliação crítica.

Tal estrutura, se bem que aceitável num levantamento bibliográfico,

mostrou-se difícil na prática, dada a falta de informações disponíveis e a falta de

respostas às consultas enviadas a alguns dos nossos sociólogos que no

momento trabalham em pesquisas sobre o protestantismo. Assim, as referências

a essas pesquisas não obedecem a um critério uniforme e talvez nem sempre

correspondam exatamente ao seu objetivo – o que não deixa de seu um dado

significativo no levantamento em questão.

1

? O ISET realizou encontro em São Paulo, de 27 a 29 de julho de 1972, entre

sociólogos e teólogos, com o objetivo de examinar as bases sociológicas do

catolicismo romano, do protestantismo e dos cultos africanos no Brasil. Por

motivos de força maior, não foi possível estudar estes últimos. O ISET pretende

dar continuidade aos debates, agora estimulando temas específicos de pesquisa

no campo religioso e registrando informações gerais sobre trabalhos em

execução.

2

Adotou-se, desta forma, a metodologia possível. Partindo das

informações disponíveis sobre as pesquisas sociológicas, ao lado de uma

bibliografia selecionada, a tentativa de análise dessas duas fontes foi de um lado

cronológica e de outro temática, esta última obedecendo a sua natural evolução

dentro do curto espaço de tempo do trabalho mais científico existente nesse

campo. As pesquisas propriamente e as obras de significação sociológica

examinadas, ou apenas registradas, não chegam a uma centena; e as fichas

bibliográficas de referências estão ao redor de 600. São números provisórios, que

deverão crescer à medida que prossiga o trabalho de documentação. Por ora, em

relação à bibliografia, a documentação se imitou a cinco grupos de referência:

protestantismo em geral, batistas, congregacionais, metodistas e presbiterianos

(incluindo os presbiterianos - independentes). A vasta bibliografia pentecostal não

foi examinada especificamente2; mas sendo o grupo sociologicamente mais

estudado, dedicamos a ele uma parte do presente trabalho.

O quadro geral de referência que serviu de base para o levantamento

foi a relação igreja-sociedade. Estabelecemos um critério histórico-sociológico na

análise da bibliografia referida, classificando-a de acordo com temas históricos e

teologicamente significativos. O período histórico abrange principalmente a época

de implantação do protestantismo no Brasil – que corresponde também à

introdução de várias outras correntes religiosas – e coincide com as grandes

crises políticas e ideológicas no país. Como a teologia protestante enfrentou essa

época? Aqui tomamos a falta de confronto ou de preocupação como igualmente

significativos. E os temas levantados se referem a uma tríplice relação: o

protestantismo consigo mesmo (dissensões internas), o protestantismo frente a

outros movimentos religiosos ou de contestação social e/ ou religiosa (catolicismo,

positivismo e maçonaria) e o protestantismo frente à sociedade global (realidade

social em geral e escravatura).3

Evidentemente – e esta é uma última e necessária referência

introdutória – o presente trabalho não explora todas as conseqüências de um

esquema como este. Serve ele de marco metodológico ao levantamento sócio-

gráfico proposto e de indicação de hipóteses para um próximo estudo mais

profundo sobre o protestantismo brasileiro.

3

I. ROTEIRO BIBLIOGRÁFICO: DA POLÊMICA À INVESTIGAÇÃO

SOCIOLÓGICA

A pesquisa sociológica do protestantismo brasileiro está no começo.

Apenas recentemente começou a interessar a um número maior de sociólogos e

antropólogos. Aqueles obstáculos que Florestan Fernandes mencionava como

entraves ao desenvolvimento da sociologia no Brasil – impossibilidade da livre

exploração do pensamento racional e resistências culturais do meio4 – eram

verdadeiros, sobretudo para a religião, uma vez que a sociedade era pautada

“pelas tradições, por interesses conservadores e por valores religiosos”.5 Expor

esse comportamento “à análise racional chocava a mentalidade dominante e

suscitava desconfianças”. Embora todo o sistema religioso dominante estivesse

submetido a duras críticas e às provas da “invasão” de outras religiões a partir de

meados do século XIX, a tentativa de uma análise científica parecia um desafio

inaceitável. Por outro lado, havia o condicionamento de uma sociologia teórica

importada, principalmente européia, que não favorecia a descoberta de teoria e

metodologia apropriadas à nossa realidade.

No caso do protestantismo temos um caminho semelhante. Pioneiros

em sociologia – como Oliveira Viana (1920), Alceu Amoroso Lima (1931), Gilberto

Freyre (1933) – ou não se referem ao protestantismo ou o fazem, como o último,

mais de maneira folclórica.6 Recentemente, no entanto, comentando o papel do

protestantismo na sociedade brasileira, numa palestra feita numa conferência

protestante de estudos (1962), Gilberto Freyre afirmou que a influência

protestante nas letras ou em qualquer das artes nacionais foi nula ou, quando

4

muito (o que considera uma limitação), manifestou-se no campo menos criador da

gramática e da filosofia.7 Em 1943, quando Fernando de Azevedo publica A

cultura brasileira (1.ª edição, I. B. G. E., 1943), os protestantes sentem certa

euforia com as referências ao seu crescimento e ao papel que exercem na

educação através das escolas fundadas pelas missões. Trabalhos anteriores,

clássicos, também servem de orgulho à minoria protestante, citada na obra de

José Carlos Rodrigues (Religiões acatólicas, 1901) e nas reportagens de João de

Rio (Paulo Barreto, As religiões do Rio, 1904), nas quais descreve os cultos de

vários ramos protestantes. Entre as obras gerais deve entrar o tão citado Brasil e

os brasileiros, dos missionários Daniel P. Kidder e James C. Fletcher, publicado

nos Estados Unidos em 1845 (Sketches of residence and travels in Brazil, 2 vols.)

e em 1857 (Brazil and the brazilians) que somente aparece em português em

1941 (Cia. Ed. Nacional, trad. de Elias Dolianiti).8 Trata-se, porém, mais de obra

descritiva sobre o país e seus costumes do que um livro sobre o protestantismo.

Da mesma forma, estudos históricos sobre as expedições de luteranos no início

de nossa história (Hans Staden e outros, 1549), as invasões: francesa

(huguenotes, 1557) e holandesa (reformados holandeses, 1624 e 1630) não

oferecem maior contribuição para a perspectiva deste trabalho.

Até 1930, portanto, religião no Brasil não é objeto de investigação

sociológica. A própria sociedade brasileira só é tema de estudos científicos na

medida em que uma sociologia em gestação na Europa sai da mera fase de

“novidade intelectual” para se expressar em correlações entre direito e sociedade,

literatura e contexto social, etc.9

Como primeira tentativa para examinar a evolução dos estudos

sociológicos do protestantismo, sugerimos três períodos. O primeiro – 1930–1940

– representa a passagem da polemica para a obra histórica, se bem que esta seja

utilizada mais em favor daquela. A principal exceção desse período, como

veremos, o livro de Erasmo Braga e Kenneth Grubb, acaba gerando novas e

ardorosas polêmicas. A segunda fase, que vai de 1940 a 1955, marca o

aparecimento das primeiras obras e pesquisas sociológicas. A última, a partir de

1955, representa uma etapa na qual as divisões tradicionais do protestantismo,

embora prevaleçam e até se acentuem, adquirem importância secundária frente

5

ao aprofundamento do foco Igreja-sociedade – que leva as denominações

protestantes a aprofundarem a divisão ideológica que vinha se acentuando à

medida que a crise social também se desenvolvia. Neste período, também como

fruto dessa crise, o pentecostalismo surge como um campo de interesse especial

para a pesquisa sociológica.

De toda maneira, como será mencionado mais adiante, são

estrangeiros os primeiros sociólogos a encontrarem no protestantismo motivações

para pesquisas. O estudo do protestantismo, mesmo atualmente, parece limitado

a protestantes que se tornaram sociólogos – o que não seria difícil de explicar.

6

1. Polêmica e história: a história como elemento polêmico (1930-1940)

A primeira obra de significação para uma pesquisa histórica sobre

protestantismo brasileiro é o livro do pastor Erasmo Braga e de Kenneth G.

Grubb, The Republic of Brazil – A survey of the religious situation, editado em

Londres, em 1932, ilustrado com mapas, gráficos e fotografias, e nunca traduzido

para o português. Trata-se de um estudo minucioso e documentado sobre o

crescimento do protestantismo no contexto social e cultural do país e do impacto

que exerceu através da divulgação da Bíblia10, das escolas, obras sociais, e dos

comerciantes e cientistas que vieram com os vários grupos protestantes europeus

e norte-americanos.

O livro de Erasmo Braga marcou uma fase nova nos estudos e obras

sobre o protestantismo no Brasil.11 Três tipos de trabalhos decorreram dessa

obra. O primeiro, embora o livro não fosse polêmico (e neste sentido destoava

das publicações protestantes), deu-se justamente neste campo, com o famoso

trabalho de Pe. Agnelo Rossi, Diretório protestante no Brasil (Campinas, 1938).

Os outros dois tipos manifestaram-se no campo protestante. De um lado o

estímulo às correntes confessionais para escreverem suas histórias particulares,

de outro a elaboração de teses de doutorado de missionários no exterior, mas

ainda com ênfase denominacional.12

O livro de Agnelo Rossi merece alguns comentários. Baseado em

Erasmo Braga e no Diretório protestantes de la América Latina, do Pe. Camilo

Crivelli (Roma, 1933) – duas obras editadas no exterior – é o primeiro “grito de

alarme”, no dizer do então bispo diocesano de Campinas, que se publica em

português contra o protestantismo. O livro certamente justificou os polemistas

7

protestantes; e a linha ecumênica e liberal de Erasmo Braga pareceu a alguns

uma traição ao esforço missionário e um desafio à luta dos vários ramos

protestantes contra o ultramontanismo. (A, “besta do Apocalipse”, a melhor

imagem, para muitos protestantes, do caráter do catolicismo brasileiro). Como

reação à permanente publicação de folhetos de ataque ao papado e às doutrinas

católicas (a imprensa evangélica era forte e agressiva), não admira que o bispo

de Campinas, na apresentação das 211 páginas do livro do Pe Rossi, mencione

“o seu jovem autor” como líder de “um grito de alarme patriótico e cheio de amor

pelo triunfo de sua Fé, que é também a nossa, patenteando uma séria e perigosa

infiltração protestante no Brasil”. Refere-se ainda ao “vírus de uma influência

estrangeira” do espírito protestante e ao estrago do Dollar e à impertinência dos

sectários protestantes.13

A polêmica era o forte dos protestantes, antes e depois de Erasmo

Braga.14 De certa maneira este pastor presbiteriano de larga visão, criador da

Comissão Brasileira de Cooperação (1916), órgão pioneiro na promoção de maior

intercâmbio entre alguns ramos protestantes no Brasil, interrompia a corrente

polêmica para apontar um novo caminho e um novo estilo. O alvo da obra de

Erasmo Braga era muito mais a pátria, a sociedade do que a igreja fechada em si

mesma. Em outro trabalho (Pan-americanismo: aspecto religioso, 1916, editado

em português em Nova York) esta idéia manifesta-se claramente. Apóia a

expansão protestante pela via missionária norte-americana, embora proclame e

lidere uma organização nacional para o protestantismo brasileiro. Sob muitos

aspectos a tensão entre organizações missionárias e instituições nacionais, muito

agudas no início do século, principalmente entre os presbiterianos, encontrava na

obra de Erasmo Braga e de seus companheiros um certo equilíbrio.15 Não havia

reivindicações nacionalistas. As missões – as igrejas-mães – e suas expressões

no Brasil – as várias “denominações”16 - eram unânimes no esforço de

evangelizar um país considerado por eles católico-romano, mas não cristão.17

O livro de Agnelo Rossi inscreve-se na corrente polêmica, portanto,

com uma nova face – a dos dados numéricos. Não se trata mais do debate

doutrinário, vago e amplo demais para localizar o “perigo”. Agora é uma religião

competitiva cujas expressões institucionais e métodos são vistos no seu conjunto

8

e identificados pelo seu nome. Muitos protestantes se surpreenderam com a sua

própria força desconhecida no todo por causa das suas divisões internas, mas

então reveladas também como um perigo não parecia existir ou ser notado. O Pe.

Desidério Deschant, analisando a situação religiosa do país18, menciona quatro

perigos: a separação da Igreja e do Estado (ocorrida com a Constituição de

1891), o ensino leigo, o positivismo e a maçonaria. O protestantismo não é

referido nenhuma vez nesse outro brado de alarma, então contra o “ateísmo

oficial que se alastrava pelo país”. Já Agnelo Rossi não somente relacionava

cerca de cinqüenta organizações protestantes que operavam no Brasil,

transcrevendo a lista das “estações” (localidade) onde “as seitas protestantes

desenvolvem alguma atividade”, como alerta para a existência de quatro livrarias

2 Limitamos a pesquisa bibliográfica às maiores igrejas “históricas”, de origem

missionária – a batista, a congregacional, a metodista e a presbiteriana –,

deixando a luterana, considerada “igreja de imigração”.

3 Como o protestantismo brasileiro em geral não se envolvia com problemas

sociais, tomamos um campo definido, – a libertação dos escravos – motivo de

grandes polêmicas na época, e outro bem geral, a fim de não se perderem

quaisquer manifestações significativas.

4 Florestan Fernandes, A etnologia e a sociedade no Brasil. Ed. Anhembi, São

Paulo, 1958, p. 188.

5 Id., p. 192.

6 V. Guia histórico e sentimental do Recife, por exemplo.

7 Em Ordem e Progresso (Ed. José Olympio, Rio, 1959, 2 vols.) Gilberto Freyre,

ao lado de referências à predominância de gramáticos entre os protestantes

cultos da época (vol. 1, LXI – Introdução, e p. 194), cita polêmicas do pastor

presbiteriano Álvaro Reis com o espiritismo (1916), na qual o referido pastor

afirma que o cristianismo evangélico favorecia a ascensão intelectual e social.

Refere-se ainda à conversão de toda uma rural ao protestantismo (batistas,

1890), descrita em História das religiões no Piauí, Teresina, 1924 (LXXX); ao livro

de Miguel Vieira Ferreira (Liberdade de Consciência. O Cristo no júri, Rio, 1891),

líder de um dos movimentos de autonomia do protestantismo brasileiro (LXXXI); e

a campanha da A. C. M. sobre “pureza sexual”. (CXLII).

9

e editoras (duas no Rio e duas em São Paulo) com 24 revistas e 17 periódicos e

uma distribuição eficiente através de “autos e lanchas bíblicas” (p. 42) que

serviam de bibliotecas e de livrarias ambulantes, as lanchas no Amazonas. E

alerta: “Cogita-se também de adquirir um hidroavião bíblico”.

As várias obras históricas que surgem nesse mesmo período sobre o

protestantismo são fortemente denominacionais e tentam justificar a sua

existência e as divisões de origem estrangeira ou as que se deram dentro das

8 A obra de Kidder e Fletcher é a principal fonte de Gilberto Freyre, citada inúmera

vezes em Ordem e Progresso, inclusive em relação a observações gerais dos

autores sobre nossa cultura e costumes. Ambos são mencionados igualmente em

sobrados e Mocambos (1936). Também Arthur Ramos, embora sem nenhuma

referência ai protestantismo, cita Kidder e Fletcher na sua Introdução à

Antropologia Brasileira (1943).

9 Florestan Fernandes, op. cit., p. 190. Octavio Ianni (Sociologia da sociologia

latino-americana, Ed. Civ. Brasileira, Rio, 1971) aborda ligeiramente o assunto (p.

130. Guerreiro Ramos discute em várias obras “o processo da sociologia no

Brasil”, citando como pioneiros autênticos Oliveira Viana (Populações meridionais

do Brasil, 1920) e Pontes de Miranda (Introdução à sociologia geral, (1926). O 1.º

Congresso Afro-Brasileiro (Recife, 1934), já organizado por Gilberto Freyre,

representa uma abordagem mais sistemática, embora predomine o caráter

acadêmico e descritivo, principalmente nos temas referentes às religiões

africanas.

10 A divulgação da Bíblia, tarefa primordial na evangelização protestante, foi

motivo de inúmeras obras dos missionários como Hugh C. Tucker (The Bible in

Brasil, New York, 1902), Frendrik C. Glass (Through the heart of Brazil – a

comporteur’s experience, Londres).

11 O texto da obra de Braga e Grubb foi ampliado e complementado com o estudo

do missionário J. Merle Davis, How the Church grows in Brazil. A study of the

economic and social basis of the evangelical church in Brazil (New York e

Londres, 1943).

12 Essas teses – e várias obras de exaltação do trabalho missionário – alcançam

praticamente todas as denominações e se estendem por um largo período de

10

fronteiras nacionais. Usam a história, em geral, como novo argumento polêmico.

E desta forma expressam também a sua reação contra o incipiente movimento

ecumênico inspirado por Erasmo Braga.19 Os congregacionais publicam o seu

“Esboço histórico da Escola Dominical da Igreja Evangélica Fluminense” (Rio,

1932), os presbiterianos (Vicente Themudo Lessa) os Annaes da primeira Egreja

Presbyteriana de São Paulo (São Paulo, 1938), os batistas (Antônio N. de

Mesquita) História dos Batistas no Brasil (Rio, 1937-1940, 2 vols.).

tempo. Entre esses trabalhos: History of the Brazil mission, 1859-1936 (man.,

New York, s/d), de William A. Waddell; History of the West Brazil Mission (man.,

Campinas, 1944), de Edward Lane; Women’s work in Brazil of the Methodist

Episcopal Church, south. (M. A. thesis. Nashiville. Tenn., 1939), de Jannie Marie

Moore; Factors influencing doctrinal developments among brazilian baptists. (Th.

D. thesis, Texas, 1957), de Lester Carl bell; The contribution of the baptists to the

life of Brazil. Th. D. thesis, Louisville, 1945. (Em 1965, Jerry S. Key apresenta a

tese The rise and development of baptist theological education in Brazil, 1881-

1963: a historical and interpretative survely). De caráter geral (nao confessional),

Robert Eugene Lodwick apresentou a tese The significance of the church-state

relationship to an evangelical Program in Brazil) Oberlin, Ohio, 1945).

13 Op. cit., p. 3

14 O problema religioso da América Latina, do pastor Eduardo Carlos Pereira

(Empresa Editora Brasileira, S. Paulo, 1920), por exemplo, provocou obra de 544

páginas do Pe. Leonel Franca S. J. (Livraria Católica, Rio, 2.ª ed., 1928). Álvaro

Reis, Lysâneas de Cerqueira Leite e outros pastores protestantes mantiveram

polêmicas públicas (Carlos de Laet e outros) e a história religiosa assinala

perseguições e lutas principalmente no interior do país.

15 Dois livros de Epaminondas Melo do Amaral, que sucedeu a Erasmo Braga

após a sua morte (1932) e fundou a Confederação Evangélica do Brasil, devem

ser mencionados como expressivos dessa política e como exemplos de um

ecumenismo ainda precoce: O magno problema (Rio, 1934) e Apreciação e

diretrizes (Rio, 1937).

16 Neologismo vigente até hoje entre os protestantes, originário do termo inglês

denomination, para indicar os seus vários ramos ou confissões do protestantismo.

11

Como se vê, o período é marcado por obras de defesa ou de exaltação

do protestantismo e de suas correntes, mesmo quando tinham o caráter objetivo

do livro do livro de Erasmo Braga ou o de Themudo Lessa. De toda maneira tais

obras tornam-se fontes indispensáveis para os sociólogos mais tarde iriam

aprofundar-se em aspectos mais sociais do que eclesiais do protestantismo

brasileiro.20

2. Primeiras obras e pesquisas sociológicas (1940 – 1955)

17 A Conferência Missionária de Edinburgo (1910), que reuniu várias missões

protestantes, reconhece o continente latino-americano como cristão e fora,

portanto, de sua alçada. Os Boards norte-americanos, porém, assim não

entenderam e intensificaram o trabalho iniciado em meados do século XIX em

vários paises da América Latina.

18 A situação atual da religião no Brasil, H. Garnier, Rio, 1941.

19 Duas pequenas publicações indicam as linhas e os alvos da cooperação

intereclesiástica da época: A ação cristã na América Latina, 1923, e Congresso

Regional da obra cristã na América Latina, 1917.

20 Os aspectos sociais e eclesiais não podem ser separados na sociologia

religiosa. Roger Mehl (Traité de sociologie du protestantisme) discute este

aspecto ao confrontar o lado visível e institucional da igreja com a realidade

espiritual. Esta dimensão influi sobre aquela e, no fundo, os dois aspectos têm

expressões que, separadas, podem destorcer a realidade que se pesquisa.

12

Dentro de uma certa cronologia chegamos à segunda etapa. O terreno

é aqui sociologicamente mais sólido. Devemo-lo, contudo principalmente ao

trabalho de sociólogos estrangeiros.

Emílio Willems, sociólogo e antropólogo que marca uma etapa na

sociologia brasileira com a sua permanência de 14 anos entre nós (1936-1949),

combinam nas suas pesquisas o trabalho prático com a “reconstrução histórica”.21

Nessa perspectiva estão incluídas as situações nas quais o protestantismo é

estudado. Inicialmente analisa a aculturação dos alemães (luteranos) no sul, em

dois trabalhos: Assimilação e populações marginais no Brasil. Estudo sociológico

dos imigrantes germânicos no Brasil e seus descendentes (1940) e Aculturação

dos alemães no Brasil. Estudo antropológico dos imigrantes alemães e seus

descendentes no Brasil (1946).

Em 1947, num estudo sobre um grupo rural, examina o comportamento

de alguns núcleos metodistas (Cunha, tradição e transição de uma cultura rural no

Brasil, Secretaria de Agricultura, São Paulo). Vários outros artigos e pesquisas,

como O protestantismo como fator de mudança cultural no Brasil (1955),

desenvolvem-se mais plenamente no seu Followers of the New Faith – Cultural

Change and the rise of Protestantism in Brazil and Chile. (Vanderbilt University

Press, 19966). Neste último livro estuda o fenômeno de crescimento do

pentecostalismo nos dois países. Emilio Willems tenta ver nos grupos

pentecostais um elo da transição rural-urbana, uma passagem do tradicional para

o moderno. A ideologia e a estrutura do sistema pentecostal seriam opostas à

estrutura e à ideologia tradicional.22

Outros sociólogos, ainda estrangeiros, tocam em outros aspectos do

protestantismo, ao mesmo tempo em que lecionam e fazem pesquisas em vários

campos sociais pouco explorados. Roger Bastide, contemporâneo de Willems no

Brasil (1937-1954), na sua longa investigação sobre as religiões africanas23

22 Para outros sociólogos (V. por ex. Christian Lalive D’Epinay, O refúgio das

massas, cap. VI), há muito mais continuidade do que oposição nas formas e

expressões das comunidades pentecostais, em relação ao seu passado rural e

tradicional.

13

dedica um capítulo (cap. 7, vol. II) à situação do negro católico ou protestante.

Segundo sua interpretação, tanto um como outro não assimilam a nova religião,

apenas “reinterpretam o cristianismo em termos de religiões africanas”, mas

condicionados pelas situações sociais nas quais nasceram. Em outra obra24,

Bastide refere-se aos dois protestantismos, um nacional, recrutado na população

brasileira (metodista, batista, etc.) e outro de estrangeiros ou seus descendentes

(anglicanos, luteranos).

Outro contemporâneo, embora por um período mais curto (1948-1950),

foi Émile G. Leonard, a quem devemos uma das mais importantes obras de

eclesiologia e história social do protestantismo brasileiro.25 Para Leonard,

professor de História Moderna e Contemporânea, o estudo do protestantismo

brasileiro, com um século de existência, com ambiente muito semelhante ao da

Europa no século XVI, era uma possibilidade para compreender melhor o

protestantismo francês e europeu. Na sua busca interessou-se profundamente por

todos os movimentos e expressões marginais e não oficiais do protestantismo.

Dois trabalhos seus marcaram essa preocupação: L’Énglise Presbyrerienne du

Brésil et sés dans um protestantisme de constitution recente (Brésil) (1953). Neste

último examinam as manifestações do protestantismo brasileiro nascente,

principalmente a Igreja Evangélica Brasileira, fundada por Miguel Vieira Ferreira, e

o movimento pentecostal, do seu início até o ano de 1950.

Estes trabalhos não chegaram a despertar maior desafio aos novos

sociólogos no sentido de uma continuidade na exploração das pistas que abriram

no campo da sociologia religiosa. Muito menos entre os protestantes, onde os

sociólogos eram raros e onde os historiadores deviam se dedicar a pesquisas que

os centenários de duas igrejas exigiam como testemunho de sua presença no

cenário brasileiro (congregacionais 1855, presbiterianos 1859).26 Também a

música evangélica está sendo pesquisada nesse período pela Profa. Henriqueta

Rosa Fernandes Braga, e o resultado são uma obra minuciosa e admiravelmente

documentada, inclusive em relação às origens históricas de cada igreja no

Brasil.27

Durante esse período uma série de acontecimentos no campo

protestante acumula rapidamente riquíssimo material para futuros estudos

14

sociológicos, tanto em relação à estrutura interna dos vários ramos ou igrejas

como o protestantismo frente às rápidas mudanças sociais e políticas que se

operam no país. Um desses fenômenos é a crescente divisão do protestantismo

depois de tantos esforços para a sua maior união ou cooperação. Outro é o

violento crescimento do movimento pentecostal, já assinalado, desconcertante

para as igrejas tradicionais. E ainda, como expressão nova, que trouxe imensa

euforia e novas formas de competição aos arraiais evangélicos, a eleição de

vários protestantes para Câmaras Estadual e Federal (os “deputados

evangélicos”).28 O movimento que essas candidaturas provocaram chegou a ser

esboçado pelo menos num pequeno trabalho de sociologia política (A. S.

Machado Neto, Os valores políticos de uma elite provinciana, Livraria Progresso

Editora, 48 p., Salvador, 1958), no qual o autor diz que “dos grupos religiosos na

Bahia, o único que tem, se não expressão ideológico-politica, é o protestante”. Em

três legislaturas seguidas, assinala, os protestantes elegeram os seus deputados

(e numa delas mais de um). Sua característica maior, embora a lei exigisse sua

filiação e eleição por um partido político, era a de ser um “representante

protestante”. Diz ainda que “via de regra as tendências dos protestantes baianos

poderiam ser enquadradas numa esquerda udenista”.29

A influência protestante na política, para João Camilo de Oliveira

Torres30, foi nula e “extremamente reduzida em outras áreas”. E continua: “Parece

que isto se prende a uma espécie de absenteísmo político deliberado ou

involuntário dos adeptos das diferentes confissões reformadas, e parece que há

fortes motivos para isto. Dois motivos justificam certo silêncio protestante na vida

nacional: a condição minoritária das igrejas reformadas, o que inspira naturais

sentimentos de prudência, e a situação já referida de confissões ligadas a

comunidades de origem estrangeira”, de toda maneira aqui está um campo

desafiador. Alguns dados, como a criação em São Paulo de um Movimento Cívico

Evangélico, mais tarde outro no Paraná, indicam uma nova face do proselitismo

no protestante – a de uma política confessional atuante.

Algumas teses – como quase todas, inacessíveis – continuam a

doutorar missionários nos Estados Unidos. Como em geral as teses de doutorado

versam sobre altas questões doutrinárias, torna-se interessante assinalar temas

15

outros colhidos no levantamento bibliográfico. Uma estudava as atividades e os

resultados do movimento missionário estrangeiro entre os protestantes do Brasil;

outra a Igreja e o Parlamento no Brasil durante o primeiro império; uma terceira a

organização social de uma Congregação Protestante da Guanabara.31 Apenas em

relação à última há informação sobre a sua hipótese: “o quanto se trata de um

grupo fechado em virtude dos valores positivos e negativos que comandam o

comportamento dos crentes e monopolizam seu tempo”.

A sociologia de pequenos grupos protestantes parece despertar o

interesse de estudiosos em vários Estados. Eduardo Otávio da Costa analisa O

Protestantismo em Sertão Novo, comunidade rústica do interior pernambucano

(manuscrito s/d, citado por E. Willems em Followers of the New Faith, p. 278).

Maria Isaura Pereira de Queiroz dedica dez páginas de O Messianismo no Brasil

e no Mundo aos “santarrões” (Editora da Universidade de São Paulo, 1955, pp.

220-230).

Os mesmos muckers são ainda pesquisados pelo Pe. Ambrósio

Schupp (Os muckers, Selbach e Mayer, R. G. do Sul, e pelo luterano Leopoldo

Petry, O Episódio de Ferrabraz, os muckers. Ed. Rotermund, São Leopoldo, RS,

2.ª ed., 200 p., 1966). Trata-se do episódio dos fanáticos alemães de São

Leopoldo, em 1874. Maria Isaura Pereira de Queiroz, juntamente com Ebe Martha

Urbano, também publica Estudo Sociológico de um grupo protestante do

município de Itapecerica da Serra (São Paulo, s/d).

16

3. Igreja e sociedade: confronto e divisão ideológica (a partir de 1955)

O período de 1955-1964 assinala uma etapa de iniciativa protestante

oficial em estudos que relacionavam especificamente a Igreja com a sociedade

brasileira. Trata-se de um programa do Departamento de Estudos da

Confederação evangélica do Brasil – O Setor de Responsabilidade Social da

Igreja – que pela primeira vez promove encontro de pastores, leigos e teólogos

protestantes com cientistas sociais. Três áreas foram objeto de estudos mais

diretos da responsabilidade da Igreja na sociedade brasileira: o setor cultural, o

político e o rural. Surge uma nova linha de publicações, nas quais nomes de

pastores protestantes (Curt Kleeman, Sebastião Moreira, João Dias de Araújo,

Edmundo K. Sherrill, Joaquim Beato, Almir dos Santos) aparecem ao lado de

sociólogos e economistas (Celso Furtado, Gilberto Freyre, Paulo Singer, Juarez

Rubem Lopes).32 Tal período não foi tranqüilo e provocou muitos debates. A

controvérsia teológica modernismo-fundamentalismo, que nunca fora um

elemento perturbador na relação entre as igrejas, assume dimensões críticas. O

ângulo era novo: a Igreja procurava estudar a sociedade a partir de uma teologia

do engajamento cristão.

Na década de 60 também começam a se delinear novas áreas de

preferências de sociólogos da religião relativamente ao protestantismo. Este fato

certamente tem a ver com as novas dimensões que as relações Igrejas-Estados

assumem no Brasil e a conseqüente radicalização de posições dentro das

estruturas eclesiásticas tradicionais, enquanto a religiosidade popular continua a

sua vertiginosa ascensão. Os movimentos de juventude decrescem no interior das

várias igrejas, o pentecostalismo começa a atingir também a setores da classe

média protestante, o ecumenismo com a Igreja Católica se revela incipiente, mas

viável. Estas novas manifestações indicam uma crise e definem alguns campos

de estudo. Acresce que maior número de protestantes se interessam pela

17

sociologia e, conseqüentemente, transformam o seu próprio mundo em teorias e

hipóteses de investigação sociológica. O que era uma expressão e não raras

vezes um problema da vida prática – para lembrar o ditado mencionado por

Mannheim na sua sociologia do conhecimento – torna-se agora intelectualmente

um problema.

Por outro lado, há estímulos de dentro e de fora do país para tais

estudos. Entre os últimos deve-se mencionar o trabalho do sociólogo suíço

Christian Lalive D’Epinay, encarregado pelo Conselho Mundial de Igrejas

(Genebra) de elaborar uma sociografia do protestantismo latino-americano.

Durante três anos e meio (1964-1967), através de ESCEAL (Estudos Sociólogos

do Cristianismo Evangélico Latino-Americano), foram aplicados questionários e

feitos levantamentos em vários países inclusive no Brasil, onde numerosos

entraves não permitiram um resultado satisfatório.33 A pesquisa de Lalive sobre o

pentecostalismo chileno, cujas hipóteses e conclusões sob muitos aspectos

podem ser aplicados ao Brasil, foi traduzida para o português e publicada por uma

editora não religiosa.34

Em São Paulo foi criado, por inspiração da ASTE (Associação dos

Seminários Teológicos Evangélicos), o Instituto Evangélico de Pesquisa (I. E. P.),

sob a direção do teólogo e historiador Julio Andrade Ferreira. O boletim n.º 4

(setembro de 1966) é dedicado a um levantamento das pesquisas sobre religião,

inclusive sobre o protestantismo. Algumas pesquisas de iniciativa do I.E.P., todas

de 1968, mostram a originalidade de seus estudos, infelizmente interrompidos:

1) Pesquisa sobre literatura cristã no Brasil (relatório final, 1968, 62

p. mim.), que incluía 17 editoras católicas e 26 evangélicas, e

analisava o conteúdo de seus livros (5.780 obras editadas entre

1940 e 1967), o público ledor, linguagem, apresentação, e forma

de cooperação existente.

2) Temas sociais em meio século de educação cristã no Brasil

(Pesquisa histórica, 1904-1968), na qual se examinavam as várias

séries de lições para as Escolas Dominicais, seus temas e

autores.

18

3) Formas de ministério em área metropolitana (Boletim n.º 10,

março 1968).

4) Consulta sobre missão urbano-industrial (Boletim n.º 12, julho

1968).

O ecumenismo no Brasil foi outra pesquisa de vulto nacional realizada

pelo CERIS (Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais) e I.E.P. em

cooperação com o Centro Ecumênico do Rio de Janeiro e com o Centro

Ecumênico de Curitiba, sob o patrocínio da Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil, incluindo católicos, protestantes e ortodoxos. Abrangendo um período de

trabalho de três anos (1967-1969), tinha como objetivo tornar conhecidos os

problemas dominantes do ecumenismo no Brasil, situar os pontos de

estrangulamento e apresentar perspectivas para a pastoral ecumênica. Estes

pontos incluíam questões a respeito da relação entre as funções sociais que

desempenham na sociedade brasileira, assim como a relação entre as Igrejas e a

sociedade global. O Secretariado de Teologia (Setor Ecumenismo) da C.N.B.B.

também patrocinou um breve estudo sobre O Proselitismo dos protestantes no

Brasil (1965, 16 p. mim.), realizado pelo Pe. Suitberto Mooy. Sua finalidade era

mostrar que o crescimento do protestantismo no Brasil deveu-se em parte ao seu

proselitismo no passado e que este tende a diminuir nas Igrejas onde o “espírito

ecumênico” já penetrou.

Com poucas exceções, os estudos e pesquisas deste período revelam

preocupação social e ecumênica. Esta dupla orientação era fruto de uma teologia

voltada para o mundo – o que significou uma nova e mais profunda divisão entre

os protestantes. Muito mais em termos ideológicos do que confessionais. A

polêmica era outra. E embora não houvesse uma resposta da minoria

considerada liberal, era ainda polêmica. Menos atualizada e menos capaz, porém,

de confronto num terreno onde a “teologia dialética” não era o forte da corrente

fundamentalista e conservadora.

Com todos os rompimentos protestantes, este também se revela

intransponível. De um lado e de outro as instituições ou se fortalecem ou se

improvisam a fim de dar continuidade às formas que esse novo mundo de

19

convicções exige de cada um. A influencia das estruturas da sociedade sobre a

religião está agora mais clara e mais definida. Mesmo as correntes que negam

qualquer tipo de compromisso com o secular, ao justificarem as suas posições,

não podem deixar de utilizar esta referência. A formulação igreja-sociedade, de

certo modo predomina numa primeira parte deste período como tomada de

posição de dentro para fora. Num segundo momento, os estudos sociológicos e

mesmo teológicos partem da sociedade para a igreja, de fora para dentro. A

relação, entretanto, continua a existir.

20

4. O pentecostalismo: de um parêntesis a capítulo de interesse especial

É neste mesmo sentido que o pentecostalismo – manifestação

protestante popular marcada pelo emocionalismo e pela espontaneidade – se

transforma num caso de interesse especial dos sociólogos da religião. Frente à

sociedade urbana, onde se desenvolve principalmente à custa do crescente

movimento migratório e da marginalização das massas populares, o

pentecostalismo se refugia em algumas ênfases doutrinárias e numa forte

expressão comunitária. Possivelmente esta é a sua resposta ao processo do

secularismo e do mundanismo, fora do alcance de uma camada humana formada

em grande parte pelas classes sociais mais baixas.35

Refugiando-se fanaticamente no fervor religioso, o pentecostalismo se

transforma, assim, num caso extremo de exemplificação da relação igreja-

sociedade-igreja e, conseqüentemente num laboratório para estudos e pesquisas.

A partir dos dois primeiros núcleos chegados ao Brasil, em 1910

(Congregação Cristão do Brasil, no Paraná) e em 1911 (Assembléia de Deus, no

Pará), os pentecostais não pararam de crescer. Vinte anos depois, já

representavam cerca de 10% dos protestantes brasileiros. Em 1964, cerca de

60%. Estas porcentagens incluem os vários grupos protestantes existentes,

exceto os luteranos. Os dados são de William Read, que reproduz gráficos de E.

Braga e K. Grubb. (Fermento religioso nas massas do Brasil. Imprensa Metodista,

São Paulo, 1967).

O fenômeno pentecostal torna-se, então, motivo de constantes

comparações e de inquietações das igrejas tradicionais, sobretudo com a

“conversão” de adeptos praticamente em todas elas. O já citado livro do

missionário presbiteriano William R. Read desenvolve-se nesta perspectiva.

Compara o crescimento do pentecostalismo (“crescimento acelerado”) com a

21

queda ou a estagnação das igrejas tradicionais (“crescimento tradicional”). O

objetivo da obra, descritiva e estatística, é o de despertamento das igrejas para a

época em que vivem, na qual os índices de desenvolvimento em geral devem

oferecer bases para considerações mais amplas.36

O Espírito Santo e o movimento pentecostal (ASTE, São Paulo, 1966)

foi o tema do terceiro simpósio da ASTE, em 1965, quando pastores, teólogos

católicos e protestantes, líderes pentecostais e sociólogos reuniram-se para

debater aspectos doutrinários, sociais e institucionais de vários ramos do

pentecostalismo.37 Um volume mimeografado de 93 páginas reúne a colaboração

de 15 preletores e oferecem material básico para os estudiosos do fenômeno,

motivo de numerosos outros estudos de sociólogos. Como o do ver. Walter J.

Hollenweger, diretor do Departamento de Evangelização do Conselho Mundial de

Igrejas, cuja tese de doutorado versou sobre o desenvolvimento pentecostal no

mundo, havendo um capítulo da imensa obra (3 vols.) sobre o pentecostalismo no

Brasil.38

Entre os sociólogos, merecem referências os conhecidos trabalhos de

Cândido Procópio Ferreira de Camargo39 e a tese de doutorado de Beatriz Muniz

de Souza sobre as funções psicossociais do protestantismo pentecostal em São

Paulo.40 Os estudos de Cândido Procópio de Camargo, sobre o que denomina o

gradiente espiritismo-umbanda, se aplicam ao pentecostalismo, pesquisado

diretamente por Beatriz Muniz de Souza. Utilizando os pólos seita e igreja como

extremos de um gradiente, considera “a tipologia das igrejas e a estratificação

social dos seus componentes de acordo com sua participação na vida religiosa e

comportamento na vida profana” (p. 18). O pentecostalismo contribui para adaptar

os indivíduos à sociedade urbana tornando possível o seu ingresso na sociedade

(conduta e atitudes práticas) em função de seus valores religiosos.41

Com ênfase do pentecostalismo o sociólogo francês Jean Pierre

Bombart pesquisou os cultos protestantes na favela de Jacarezinho, no Rio42,

examinando a sua evolução segundo: 1) as diferenças existentes entre vários

cultos, 2) suas transformações, 3) seu crescimento diferencial. Suas observações

sugeriram uma tipologia dos cultos protestantes em tradicionais, de transição,

originários do exterior, de oposição e isolados. Para o autor o protestantismo

22

representa, em relação aos outros cultos, uma promoção social para os

favelados.

Outra tentativa43 está num exame mais direto da relação entre as

ênfases doutrinárias pentecostais e a realidade urbana na qual ingressou

expressiva camada rural da população ou população urbana das classes baixas.

Isto significa tomar certas caracterizações marcantes do mundo urbano e

compara-las com as respostas doutrinárias do pentecostalismo: a santificação (e

o batismo) representaria uma oposição direta ao mundanismo (secularização); os

dons do Espírito (o falar línguas estranhas) uma superação cultural e social da

ascensão individual nas várias camadas sociais do mundo da tecnologia e da

comunicação, cujas expressões são interditas aos cultos pentecostais (uso de

medicamentos, televisão, cinema, etc.); a segunda vinda de Cristo se opõe à

urbanização como um processo complexo e global para o qual a “resposta” só

poderia ser total e catastrófica. Haveria então uma relação causal entre fé e

mundo – e nesta oposição consciente e espiritual estaria inserida uma

dependência inconsciente e material das fascinantes expressões de

modernização.

À medida que o grupo religioso ascende na vida social, de acordo com

a hipótese, as ênfases doutrinárias decaem. Este último aspecto pode ser medido

em comunidades tradicionais de classe média, como a pesquisa realizada entre

os membros da Igreja Presbiteriana de Ipanema.44 Também a pesquisa que ora

se inicia a pedido do Sínodo (presbiteriano) Espírito-Santense abrangendo todo o

Estado do Espírito Santo e parte de Minas Gerais e Estado do Rio, de certa

maneira também se prende à problemática do esvaziamento do presbiterianismo

(e das demais igrejas “históricas”) enquanto crescem os cultos populares. A

pesquisa vai examinar o desenvolvimento da Igreja nos últimos dez anos, em

áreas rurais e urbanas, ao lado de acontecimentos sociais, econômicos e culturais

que influíram sobre os crentes e sobre as instituições presbiterianas.45

O Pentecostalismo como fenômeno religioso popular no Brasil foi o

tema também de pesquisa de Abdaziz de Moura.46 O autor tem como objetivo

oferecer “colaboração para todos os que buscam maneiras dos pobres se

evangelizarem”. Sua análise abrange as mudanças que se processam hoje no

23

pentecostalismo, em busca de um “status eclesiástico” segundo o conceito

sociológico da evolução de seita para igreja.47

O movimento pentecostal, que parecia um parêntesis sem muita

importância no desenvolvimento do protestantismo, transformou-se num capítulo

de interesse especial para as instituições eclesiásticas, para a teologia e para a

sociologia da religião no Brasil.

24

5. Uma nova “constelação” de temas

Entre novos candidatos ao doutorado dois dedicam suas teses a um

grupo protestante muito pouco estudado – os Adventistas do Sétimo Dia.48 O

tema do sociólogo José Jeremias Oliveira Filho é Organização burocrática e

ideologia – Estudo de uma sociedade em desenvolvimento: A Igreja Adventista do

Sétimo Dia; e o antropólogo Wagner Neves Rocha, Religiões de conversão numa

sociedade em mudança: Umbanda e Igreja Adventista do Sétimo Dia. Elter Maciel

dedica sua tese ao exame do protestantismo como ideologia. Esdras Borges

Costa, um dos primeiros sociólogos de formação evangélica a estudar

cientificamente o protestantismo, termina o seu doutorado nos Estados Unidos.

Rubem A. Alves, ao lado de vários trabalhos de interpretação teológica e

sociológica do protestantismo, trabalha agora numa pesquisa sobre “a linguagem

protestante”, através da qual tenta compreender os símbolos protestantes. O

dualismo protestante é totalmente, por exemplo, explicaria “porque a linguagem

protestante é totalmente vazia de esperança em relação ao futuro histórico”. A

solução protestante não é transformar o mundo, mas sair dele. E como “o

universo protestante depende de uma linguagem revelada, que se completou no

passado, não há como fugir ao absolutismo”.

Para usar um termo empregado por Mannheim, – embora sem as

ramificações e implicações que ele sugere –, temos uma “constelação” de novos

temas. Possíveis, aliás, pela conjugação de múltiplos fatores e pela interação de

elementos históricos e pela “emergência de um novo sistema de referencia, o da

esfera social”.49 De uma fase de absolutismo histórico e de certeza ditatorial da

polêmica – cujo limite temático é evidente – temos uma variedade de situações

menores, mais válidas porém como partes de um sistema global de idéias e de

teorias.

25

E este novo fator de análise e de ponto de partida – a sociedade global

como centro de referência – serve de base não apenas para os sociólogos, mas

também para os teólogos brasileiros. Primeiros têm uma experiência frustrada,

mas que abalou os recém-lançados alicerces da obra missionária – algumas

tentativas, como veremos, de racionalização do protestantismo. Depois, mais

recentemente, um novo esforço, agora com ênfase no campo teológico, de

indigenização das doutrinas e das formas de culto. Entre os trabalhos publicados

os mais significativos50 parecem ser o dos pastores João Dias de Araújo

(presbiteriano), Teologia para o Brasil51; o de Aharon Sapsezian (evangélico

armênio), Em busca de um ministério caboclo52; e o Jacy Maraschim (episcopal),

Por uma teologia brasileira, apresentado num seminário da ASTE e comentado

por Joaquim Beato.53

A esfera social como referência tem levado os próprios pastores e

teólogos (e ate leigos mais comprometidos com a obra da Igreja) a temas ainda

mais amplos. Subdesenvolvimento e educação religiosa54 foi um dos capítulos da

tese de doutorado do pastor batista Werner Kaschel. Rubem Alves publicou O

protestantismo latino-americano: sua função ideológica e suas possibilidades

utópicas.55 Dois trabalhos anteriores tomam ainda a situação geral para chegarem

a aspectos específicos da situação e do trabalho pastoral: A realidade brasileira

como desafio ao evangelismo brasileiro, de Júlio Andrade Ferreira

(presbiteriano)56 e Implicações na mudança do status sócio-econômico do pastor:

adequação dos cursos de formação de ministros evangélicos ao sistema de

ensino universitário brasileiro, de José Novaes Paternostro (leigo batista).57

Aqui devemos registrar as análises de Jovelino Pereira Ramos

(Protestantismo brasileiro: visão panorâmica) e a de Pierre Furter (Qual será o

futuro do cristianismo na América Latina?), ambas publicadas no número 6 da

revista Paz e Terra (abril 1968), dedicada ao tema O cristianismo em questão. O

primeiro depois de mencionar as características do protestantismo, sua

contribuição específica e as alternativas que se esboçam para o futuro, sugerem

que a renovação da igreja empreendida por uma minoria continuará sendo uma

alternativa real e válida contra o denominacionalismo, puritanismo, moralismo,

biblicismo, anti-romantismo, conservantismo. À pergunta feita a Pierre Furter é

26

respondida de maneira seca e radical: “Não há futuro para o cristianismo na

América Latina, pois o ‘cristianismo’ á um projeto continental que jamais

conseguiu implantar-se, senão, talvez, no espírito de uma elite enferma”. Sugere

também, a partir de breve comentário do trabalho de dois sociólogos (Lalive

D’Epinay e Ivan Vallier) – cujos estudos considera necessariamente limitados pelo

método estritamente científico – que o futuro do cristianismo e das igrejas “será o

que a fé dos cristãos souber ou não modelar” a partir do confronto da religião

como comportamento fundamental do homem (a instituição da crença) e o

advento da fé (a determinação utópica da militância).

Não se trata de discutir nenhuma destas colocações, evidentemente

prejudicadas pela mera citação num contexto mais descritivo do que analítico.

Mas a partir desse rico e controvertido universo onde nem sempre se pode

discernir onde fala a fé, a instituição ou a ciência, buscar novos caminhos e

estímulos para uma compreensão do lugar da religião na construção de um

mundo humanamente significativo.58

27

II. PARA UMA SOCIOLOGIA DO PROTESTANTISMO BRASILEIRO

Esta rápida visão das pesquisas no campo do protestantismo levanta

algumas perguntas e sugestões: o rompimento – parcial ou total – de protestantes

com suas instituições eclesiásticas constitui para eles um elemento de estímulo

ao estudo cientifico das estruturas e funções da sua religião? Uma sociologia da

sociologia religiosa no Brasil poderia indicar alguns elementos de valor para

reflexão neste campo. Às obras doutrinárias e polêmicas sucedem-se as

históricas – não raro triunfalistas – para depois surgirem as análises científicas.

Estas, incorporando dimensões em geral desconhecidas ou desprezadas pelos

militantes, estimulam instituições e indivíduos à pesquisa sociológica no campo

religioso (e uma relação desses organismos e pessoas é uma necessidade

urgente) e certamente criaram condições para o trabalho da nova geração de

sociólogos da religião no Brasil. É preciso lembrar que são compreensíveis as

dificuldades criadas por parte das instituições religiosas tradicionais e dos

próprios fiéis protestantes à pesquisa sociológica, reação que existe também na

Europa. Roger Mehl, citando Émile G. Léonard (Les conditions de la sociologie

protestant em France), afirma haver “na piedade protestante um pudor que se

irrita com a indiscrição do sociólogo”.59 Por outro lado, a contribuição dos

cientistas sociais e dos órgãos brasileiros de pesquisa no campo da religião é

muito recente. Não temos sequer uma revista ou um boletim periódico que

simplesmente registre informações na área da sociologia da religião – o que

também poderia transformar-se num projeto mais ou menos urgente.

Que sugestão nos pode oferecer o levantamento apresentado, apesar

de incompleto sob muitos aspectos? De cerca de cinqüenta pesquisas anotadas,

apesar das limitações de algumas sob o ponto de vista sociológico, poderíamos

sugerir agrupamentos muito ilustrativos se as reuníssemos por temas e objetivos,

autores (brasileiros ou estrangeiros, protestantes ou não), universo

28

(protestantismo em geral ou denominações), área geográfica abrangida e período

histórico. Nem todos estes aspectos podem ser apresentados, dados os limites e

a falta de uniformidade das informações, principalmente sobre as pesquisas mais

recentes.

Parece-nos mais importante no momento, contudo, sugerir algumas

possibilidades na exploração do quadro teórico de referência indicado – um

estudo do protestantismo baseado na sua relação com a sociedade brasileira.

Sem um marco conceitual que abarque a diversidade de expressões religiosas,

sociais e culturais do protestantismo corre-se o risco do limite a uma “sociologia

de paróquia”, sem que se chegue à tentativa da macro-sociologia do sistema

protestante dentro da realidade brasileira. Mas para definir esse marco, devemos

considerar alguns níveis da relação do protestantismo com a sociedade brasileira.

Esses níveis se referem à história (a época histórica da entrada do protestantismo

no Brasil), ao pluralismo religioso (o protestantismo e as outras religiões) e à

sociedade brasileira propriamente (expressões particulares da realidade

brasileira). Estas indicações são apresentadas esquematicamente a seguir.

29

1. O momento histórico – o protestantismo importado

O protestantismo brasileiro foi um movimento forâneo introduzido no

país por estrangeiros – primeiro comerciantes e técnicos, em seguida pastores e

missionários. Sua penetração está ligada a interesses e a ideologias exógenas à

nossa realidade social e cultural. Nem mesmo se pode dizer que temos um

protestantismo que chega ao Brasil – e à América Latina – já é resultado de

situações sociológicas e teológicas que não nos diziam respeito seja sob que

aspecto ou pretexto. Neste sentido a história do protestantismo no Brasil – uma

história inserida na sociedade global – torna-se um primeiro elemento

fundamental para determinar os contornos de um quadro de referência

apropriado.60

A história também nos esclarece sobre a época religiosa na qual o

protestantismo penetrou no Brasil. Trata-se de um período em que dezenas de

novas crenças aqui se estabelecem. Como as ondas de sincretismo de que nos

fala Visser’t Hooft61 ou a multiplicação simultânea de movimentos messiânicos em

certos momentos de crise e de anomia62, a invasão de religiões das mais diversas

doutrinas e origens no Brasil não era apenas uma coincidência. Ainda mais se

tomamos em conta a existência, durante três séculos, do regime de cristandade

estabelecido pelo catolicismo romano. Movimentos como a maçonaria (1801) e o

positivismo (1881 como igreja); o anglicanismo (1810); ramos protestantes como

o luterano (1823), metodista (1835); congregacional (1855), presbiteriano (1859),

batista (1882), episcopal (1890); religiões cientificistas como o espiritismo (1865)

e o esoterismo (1909) – são alguns dos grupos provenientes do exterior que

rapidamente multiplicam o número de seus adeptos no Brasil. A hegemonia

católica é então abalada nos seus fundamentos. A sua origem igualmente

30

estrangeira (sendo o catolicismo brasileiro originário do espírito da contra-reforma

do Concilio de Trento não teria gerado uma série de símbolos e de situações

ambíguas – uma inviabilidade histórica também?). Como em toda a América

Latina, esse pluralismo religioso se estabelece em plena fase de efervescência

dos movimentos de Independência.

A partir da Proclamação da República, um novo ciclo se estabelece.

Agora são as religiões de massa – pentecostalismo, umbanda, etc. – cujo

crescimento supera rapidamente o das religiões de “elite”. Em 1930, quando

várias igrejas protestantes tradicionais caminhavam para o seu centenário, os

pentecostais, estabelecidos 20 anos antes, representavam 9,5% do número total

de protestantes no Brasil. Em 1964 chegam a 62,6% desse total.

Pode-se falar de uma quarta fase ou época no desenvolvimento das

religiões no Brasil, na qual surgem novas e variadas formas de sincretismos

(entre as religiões de massa) e de ecumenismos (entre as religiões burguesas).

21 V. Florestan Fernandes, op. cit., p. 202.

23 As religiões africanas no Brasil. Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, S.

Paulo, 1971 (2 vols., 567 pp.).

24 Brasil, terra de contrastes. Difusão Européia do Livro, S. Paulo, 1959, p. 173.

25 O protestantismo brasileiro. Ed. Da ASTE, S. Paulo, 1963. Publicado

inicialmente em oito números da Revista de História (USP), de janeiro de 1951 a

dezembro de 1952.

26 Sobre os presbiterianos destacam-se duas obras: Domingos Ribeiro, História da

Igreja Cristã Presbiteriana do Brasil (Est. Gráfico Apollo, Rio, 1940) e Julio

Andrade Ferreira, História da Igreja Presbiteriana no Brasil (Casa Ed.

Presbiteriana, 2 vols., S. Paulo, 1959). Os congregacionais têm duas obras

também indispensáveis do ponto de vista histórico: João Gomes Rocha,

Lembranças do passado (Centro Brasileiro de Publicidade, 3 vols. Rio, 1941, 44,

46) e Ismael da Silva Jr., Notas Históricas sobre a missão evangelizadora do

Brasil e Portugal (Ed. do Autor, 2 vols., Rio, 1960-61).

27 Música sacra evangélica no Brasil (contribuição à sua história). Livr. Kosmos

Ed., Rio, 1961, 448 pp.

31

Utilizando um esquema de Henri Desroche63 as caracterizações dos

três primeiros períodos históricos – colônia, independência, república64 -

corresponderiam ao cristianismo estabelecido (catolicismo), às diferenciações

burguesas (religiões de classe alta e de classe média) e às diferenciações

populares (religiões de massa). Esses períodos têm correspondência bastante

precisa com épocas históricas universais (relação entre o mundo desenvolvido e a

América Latina): a unidade do Império hispânico e português (1492-1808), a

28 A atuação dos “deputados evangélicos” era marcada por certas ênfases muito

protestantes, como a preocupação de combater pretensões da Igreja Católica. A

Casa Publicadora Batista editou, em 1948, um opúsculo (48 p.). A imagem de

Cristo nas Assembléias, reunindo nove discursos de seis deputados contra a

entronização da imagem de Cristo em Assembléias estaduais.

29 Manoel T. Berlinck sugere que os representantes protestantes, até 1964,

constituíam “um grupo de pressão política” como “porta-vozes dos interesses do

grupo que representavam junto ao governo”. Este grupo pertenceria, segundo o

mesmo autor, ao protestantismo do tipo de “assimilação tradicional”,

predominante entre os membros da classe média alta a alta média. (Os outros

tipos eram o protestantismo de imigração ou acomodação e sectário ou

reavivalista). Algumas considerações sociológicas sobre as religiões no Brasil,

trabalho mimeografado, de caráter provisório, 27 pp.).

30 História das idéias religiosas no Brasil. Editorial Grijalbo, São Paulo, 1968. a

referência é parte do cap. VI e intitula-se Um tema ecumênico: protestantes no

Brasil. As três páginas dedicadas ao protestantismo, como de resto toda a obra,

não merecem o titulo que o A. deu ao livro. Como foi dito numa critica, de certa

forma o livro cai no esquema triunfalista, mais preocupado em justificar o lugar da

Igreja Católica na história do que em analisar objetivamente o papel das idéias

religiosas na sociedade brasileira. (Waldo A. César, “Religiões no Brasil”, Correio

da Manhã, Rio, 11-8-1968).

31 Robert M. Faria, Protestantism in Brazil; ETAOINTAOINHRD and result of the

protestant foreign missionary movement in the U. S. Brazil, University of

Nebraska, Lincoln, 1960. Bede A. Dauphine, Church and parliament in Brazil

during the first Empire: 1823-1831. Georgetown, University, Washington, 1965.

32

dispersão da Independência (1808-1831), restauração e secularização (Concílio

Vaticano I, 1869-1870, e expansão do liberalismo).65

Roger Bastide insiste em que uma história social e sociológica deve

examinar a interpretação das civilizações “numa concepção unitária e orgânica da

dialética da sociedade total no processo de desenvolvimento...” “Esses processos

históricos se desenvolvem no interior de certas situações como a escravidão, a

colonização ou os auxílios aos países subdesenvolvidos”.66

john Saunders, The social Organization of a Protestant congregation in the

Federal District, Brazil. Vanderbilt University, Tennessee.

32 Cristo e o processo revolucionário brasileiro (Ed. Loqui, Rio, 1962). O título foi o

tema geral da IV Reunião de estudos do Setor de Responsabilidade Social,

realizada no Recife, em 1962. As reuniões anteriores, de caráter nacional, tiveram

os seguintes temas gerais: A responsabilidade social da Igreja (1955), A Igreja e

as rápidas transformações sociais do Brasil (1957). Presença da Igreja na

evolução da nacionalidade (1960).

33 Coordenação a cargo de Waldo César.

34 O refúgio das massas. Ed. Paz e Terra, Rio, 1970. Trad. de Waldo César.

35 O crescente interesse de elementos da classe média protestante

(principalmente presbiterianos, metodistas, congregacionais) pelo movimento

pentecostal – o que se manifesta também em outros países como Suécia e

Estados Unidos –, parece originar-se de outro nível de insatisfação, mais de

ordem moral e intelectual do que econômica e social. São diferentes formas de

anomia, ambas respondendo ao processo de secularização. O protestante de

classe média, pondo em dúvida suas convicções cognitivas e não encontrando na

sua igreja uma resposta interior e espiritual capaz de enfrentar a natureza

totalitária do sistema sócio-cultural que o domina, refugia-se no emocionalismo e

no pietismo, rejeitando assim qualquer esforço de reformulação ou de

reconstrução do seu perdido. De toda maneira, as igrejas pentecostais da classe

média em organização no Brasil procuram manter um certo padrão de conforto e

uma determinada ordem de culto. (Na umbanda, pelo contrario, a classe média –

e alta – aceitam as formas populares de culto submetem-se à direção dos

iniciados, sempre homens e mulheres de baixo nível social e cultural). Émile

33

Este primeiro nível da relação do protestantismo brasileiro com a

sociedade – o seu tempo histórico – projeta-se em todo o processo do seu

desenvolvimento. As relações mais especificam com as outras religiões e com a

sociedade global, que se esboça a seguir, somente podem ser compreendidas à

luz dessa encruzilhada social e religiosa.

Leonard – O protestantismo brasileiro – menciona outro aspecto do problema. Lê-

se menos, medita-se menos numa civilização mecânica – diz ele. Daí o clima

favorável ao iluminismo religioso “o verdadeiro problema do protestantismo neste

país” (p. 338). O problema existe também na Igreja Católica. Sob os títulos

Católicos pentecostais e outros carismáticos nos Estados Unidos, o Pe. Antônio

Abreu acaba de publicar um estudo sobre o que chama “um fenômeno de

ressacralização na sociedade industrial avançada”. (V. Atualização, Belo

Horizonte, agosto 1972. N.º 32, pp. 341-361.)

36 Em colaboração com Victor Monterroso e Harmon Johnson, também

missionários, W. Read publicou Latin American church growth, 1969, trad. Para o

português por João Marques Bentes sob o título O crescimento da igreja na

América Latina. Ed. Mundo Cristão, s/d, São Paulo, 473 p.

37 Os pentecostais brasileiros estão divididos em cerca de 70 grupos. Uma

Confederação Pentecostal do Brasil coordena o trabalho de alguns desses

grupos.

38 O movimento pentecostal no Brasil. Simpósio, revista da ASTE, São Paulo,

junho de 1969, pp. 5-35.

39 V. artigo em São Paulo – espírito, povo, instituições. Livr. Pioneira Ed., São

Paulo, 1968, pp. 367-380. Id. Kardecismo e umbanda, Livr. Pioneira Ed., São

Paulo, 1961.

40 A experiência da salvação. Duas Cidades, São Paulo, 1969.

41 A mesma socióloga trabalha agora, em colaboração com o CEBRAP (Centro

Brasileiro de Análise e Planejamento) e a cadeira de antropologia da PUC, São

Paulo, numa pesquisa sobre Mudanças de funções do catolicismo e do

protestantismo em São Paulo com o objetivo de avaliar as funções do catolicismo

34

2. O pluralismo religioso – o protestantismo e as outras religiões

Das religiões que penetram no Brasil três correntes têm maior

significação: a maçonaria, o protestantismo e o positivismo.67 Expressam elas, sob

formas institucionais variáveis, o iluminismo, o liberalismo e o racionalismo que

empolgavam intelectuais e políticos europeus e norte-americanos. Estes novos e

variados estímulos, que ao mesmo tempo conservavam os valores religiosos da

e do protestantismo no processo de mudança social brasileiro, especialmente nas

duas últimas décadas.

42 Lês cultes protestantes dans une favela de Rio de Janeiro. América Latina, Rio,

ano 12, n.º 3, jul-set., de 1969, pp. 137-158.

43 Waldo A. César, Urbanização e religiosidade popular, Rio, 1970, (manuscrito).

44 Waldo A. César, Atitudes e manifestações religiosas dos membros da Igreja

Presbiteriana de Ipanema, Rio, 1970 (Man.).

45 A pesquisa foi solicitada pelo Sínodo e será coordenada pelos sociólogos Jether

P. Ramalho e Waldo A. César.

46 Revista Eclesiástica Brasileira, n.º 121, 1971, pp. 78-94.

47 A Editora Vozes publicou Assembléias de Deus e outras Igrejas Pentecostais,

de L. Rumble.

48 Para alguns, os adventistas, como as Testemunhas de Jeová, que se

organizaram em meados do séc. XIX representam manifestas distorções do

modelo protestante tradicional, não podendo ser considerados como tais.

49 K. Mannheim, O problema de uma sociologia do conhecimento. (Sociologia do

conhecimento, Zahar Ed., Rio, 1967.)

50 Dilson Glenio Vergara dos Santos também acaba de abordar o tema em

“Indigenização” – será possível? (Simpósio, ASTE, Ano V. n.º 8, Julho 1972).

51 Revista teológica, Seminário Presbiteriano de Campinas. N.º 27, julho 1961, pp.

38-43.

52 Simpósio (publ. da ASTE) n.º 5, junho 1970, pp. 37-48.

53 A ASTE informa, bol. N.º 3, março 1972.

54 Baptist ministry and undervelopment in Brazil. Louisville, Kentucky, E. Unidos. O

cap. Referido foi publicado em Simpósio (ASTE) n.º 7, dezembro 1971, pp. 5-24.

35

sociedade brasileira, foram imediatamente motivo de comparação com os

quadros rígidos do catolicismo. Os novos movimentos têm a atração irresistível do

remendo novo em pano velho – única possibilidade para os que não queriam

romper de todo com a ordem estabelecida. (É evidente que as “ideologias

materialistas” também chegam ao país como opção não-religiosa a minorias

intelectuais descrentes de uma solução dentro dos quadros vigentes). Mas o

pluralismo religioso, sobretudo o denominacionalismo protestante, não é senão

uma expressão “religiosa” da competição do mundo liberal e competitivo68 – o que

explica a tendência da época histórica assinalada e da sua sobrevivência num

continuum ainda não examinado em profundidade e nem na prática de suas

divergências e de suas alianças classistas (o ecumenismo vigente não

representaria aqui a réplica ou a sanção religiosa de uma associação de

classes?).

Se tomarmos o positivismo e a maçonaria como expressões também

religiosas, um movimento de protesto contra uma situação na qual Igreja e Estado

se confundem – e o catolicismo foi religião oficial entre 1824 e 1891 –, como se

situou o protestantismo entre estas duas incontestáveis forças do pluralismo e do

55 Forma revisada (mim.) de um cap. Do livro We claim our future, Jorge Lara

Braud (ed.), Friendship Presse, E. U., 1970.

56 Revista Teológica, Seminário Presbiteriano de Campinas, Julho 1963, p. 118.

57 São Paulo, 1964 (mim.).

58 A expressão é de Peter Berger, op. Cit., p. 49.

59 Roger Mehl. Traité de sociologie du protestantisme. Delachaux & Niestlé,

Neuchâtel, 1965 (p. 41).

60 E para a elaboração de uma tipologia básica. Christian Lalive D’Épinay, partindo

das etapas de penetração protestante na América Latina, sugere um modelo

tipológico a partir da situação nos países de origem. V. Los protestantismos latino-

americanos: um modelo tipológico. (Fichas de ISAL, ao III, vol. 3, n.º 24.)

61 W. A. Visser’t Hooft, Cristianismo e outras religiões. Ed. Paz e Terra, Rio, 1968.

62 Maria Isaura Pereira de Queiroz, O Messianismo no Brasil e no Mundo. Ed. Da

Universidade de São Paulo, 1965. Idem. Vittorio Lanternari, The religions of the

opressed. Mentor Book, N. York, 1965.

36

proselitismo da época? Se o proselitismo constante e mais rigoroso dos

protestantes era contra a religião da maioria, nem por isto deixou de se confrontar

com a maçonaria e com o positivismo. Ivan Lins69 menciona a polêmica entre Luiz

Pereira Barreto, positivista, e George Nash Norton, missionário presbiteriano.

João Cruz Costa70 registra observações de Teixeira Mendes no seu exame da

transição brasileira, quando diz que o Brasil “teve a ventura de ficar preservado do

protestantismo”, o que atribui ao sentimento feminino: ... “se porventura o

sentimento não preservasse a mentalidade brasileira da aridez protestante,

agravada ainda pelo espírito exclusivamente mercantil das relações britânicas”.

(Referia-se ao tratado de 1810, entre Portugal e Inglaterra. Cruz Costa contesta,

logo a seguir, a colocação de Teixeira Mendes).71 A maçonaria, por sua vez, foi

motiva de violentas polêmicas internas que terminaram contribuindo na divisão,

em 190,3, da Igreja Presbiteriana. Muitos pastores e leigos de renome eram

maçons – o que uma facção protestante considerava uma traição à lealdade

exclusiva que se devia ao Evangelho. O protestantismo também usou o púlpito e

a imprensa contra o espiritismo, que chegou a interessar e a converter muitos

evangélicos.

Um estudo comparativo dos três movimentos, mas principalmente do

protestantismo e do positivismo, poderia indicar aspectos muito significativos

sobre a dinâmica interna desses movimentos e a sua dialética frente à sociedade.

Embora a maçaria e o positivismo fosse tão importado quanto os protestantismos,

tinham a vantagem de contar com dirigentes brasileiros. Os primeiros positivistas

eram intelectuais brasileiros que foram à Europa, e estudaram com Augusto

Comte. Nenhum estrangeiro veio aqui implantar a “religião da humanidade”. Os

protestantes, apesar de uma liderança nacional que se formou rapidamente,

mantinham-se dependentes econômica e ideologicamente dos boards de

missões. Os dados que William Read72 transcreve do Missionary Information

Bureau, com sede no Rio de Janeiro, indicam, ainda agora, a existência de mais

de 2.600 missionários no Brasil, dos quais 79% provenientes da América do Norte

e 21% da Europa. Só a cidade de São Paulo conta com 328 missionários. 60%

dos missionários se ocupam principalmente da evangelização e 25% dedicam-se

à educação.73

37

Esta situação – objeto de inúmeros debates dentro e fora do

protestantismo, praticamente desde a sua origem –, constitui outro campo de

desfio para sociólogos e teólogos. Havia certa ironia na acusação de que o

protestantismo, que vinha para evangelizar um país cujas dificuldades e atraso as

missões atribuíam ao catolicismo, não era mais do que uma expressão do

“papado protestante norte-americano”.74 Ou então, simplesmente, que os

protestantes representavam o imperialismo norte-americano. Em 1901 um

missionário batista chegou a fundar em Maceió um jornal, O Christão brasileiro,

para combater a propaganda de que os missionários eram espiões do

imperialismo ianque.75 Em 1929, em São Paulo, outro missionário (Philippe

Landes, presbiteriano) refuta a conferência de D. Aquino sobre imperialismo e

protestantismo.76

Uma das bases mais sugestivas para uma pesquisa no campo deste

confronto do protestantismo com outras religiões está nos movimentos

nacionalistas que surgiram nas origens do trabalho missionário, nos meados do

século passado, e depois, no início do século XX. Primeiramente as tentativas de

José Manoel da Conceição, o primeiro padre convertido ao protestantismo (1845);

depois o sincretismo místico (protestantismo, catolicismo, positivismo e

espiritismo) do engenheiro e ex-oficial Miguel Vieira Ferreira, fundador da Igreja

Evangélica Brasileira (1879), ainda existente em São Paulo.77 Já o movimento que

termina com a cisma de 1903, entre os presbiterianos, tem bases mais firmes e

suas conseqüências institucionais e teológicas são mais profundas. Eduardo

Carlos Pereira, o líder do movimento, propugnava por uma igreja menos sujeita às

decisões e aos recursos das missões, tanto na área eclesiástica quanto na

educativa.

38

63 O marxismo e as religiões. Ed. Paz e Terra, Rio, 1968. Entre parêntesis

sugerimos a correspondência na situação brasileira.

64 Hélio Jaguaribe (Political Strategies of National Development of Brazil, vol. III

n.o. 2, 1967-68, Washington University) sugere três períodos: colonial (1500-

1850), semicolonial (1850-1930) e de transição (a partir de 1930).

65 A. Methol Ferre (Vispera, julho 1968) explora sugestivamente os resultados

desta correspondência Igreja-épocas históricas para a América Latina.

66 As religiões africanas no Brasil. Livr. Pioneira Ed., São Paulo, 1971 (Vol. I, p.

28).

67 A maçonaria funciona como religião para os seus adeptos. Seu ritual, a

fidelidade que exige, etc., tem inevitável conotação religiosa para o espírito

brasileiro. O positivismo, por sua vez, toma forma decididamente religiosa; e a

partir de então sua influência social e política decaem sensivelmente. Os filiados à

Igreja e Apostolado Positivista do Brasil são proibidos de “aceitar cargos políticos;

exercer funções nos estabelecimentos oficiais de ensino superior e secundário;

fazer parte de associações científicas, literárias, ou políticas; interferir no

jornalismo, diário ou não, quer como redatores ou simples colaboradores...” (Ivan

Lins, História do positivismo brasileiro. Cia. Ed. Nacional, São Paulo, 1964, p.

403).

68 V. Peter Berger, Para una Teoría sociológica de la religión. Ed. Kairós,

Barcelona, 1971.

69 Op. Cit., p. 58. Os debates, publicados na Província, foram reunidos num

opúsculo sob o título Positivismo e Theologia (São Paulo, 1880). Vicente

Themudo Lessa (Anaes da Primeira Igreja...) menciona o fato (p. 184).

70 Contribuição à História das idéias no Brasil. José Olympio Ed. Rio, 1956, p. 197.

39

3. O protestantismo e a sociedade brasileira

O aparecimento de religiões não-católicas e não-cristãs coincide,

portanto, com um período de grandes acontecimentos sociais e políticos no Brasil.

De que forma o positivismo e o protestantismo, para tomar apenas duas dessas

religiões, se manifestaram e agiram frente a problemas como a “questão

71 O teólogo norte-americano Richard Shaull escreveu interessante monografia

(mimeografada), comparando as atitudes do protestantismo e do positivismo

frente à situação social da época e como ambos perderam, por motivos

diferentes, a sua oportunidade histórica.

72 O crescimento da Igreja na América Latina. Ed. Mundo Cristão, São Paulo, s/d.

73 Em relação à América Latina, W. Stanley Rycoft (A factual study of Latin

América, N. York, 1963) indica a existência de 35 sociedades missionárias em

1900, 60 em 1916, 150 denominações em 1961. De 1.875 missionários

protestantes em 1916, temos 7.565 em 1961 (p. 221). O Missionary Information

Bureau também publicou A tentative bibliography of a history of Christian and

Missionary work in Brazil (Mim., 14 p., 1966).

74 Émile Léonard, op. cit., p. 67.

75 A. R. Crabtree, História dos batistas do Brasil. Casa Publicadora Batista, Rio,

1937, 2 vols. (vol. I p. 236).

76 E. Léonard, op. cit., p. 108. Vianna Moog (Bandeirantes e pioneiros, Paralelo

entre duas culturas. Ed. Globo, Porto Alegre, 3.ª ed., 1956) suscita o problema da

“crise do protestantismo” e o das relações entre este o capitalismo, comparando o

desenvolvimento norte-americano e o brasileiro.

77 E. Léonard considera José Manoel da Conceição e Miguel Vieira Ferreira os

precursores de uma reforma protestante puramente brasileira – que não se

realizou nem aqui nem no sonho do padre Feijó. (O protestantismo brasileiro, pp.

40 e 71). Outra expressão de uma igreja nacional, mais sofisticada e menos

brasileira, aparece com o bispo Salomão Ferraz, pastor presbiteriano e depois

episcopal, que fundou em 1936 a Igreja Católica Livre. (V. A Fé Nacional – Sobre

uma cisma autonomista, 1932).

40

religiosa”, a libertação da escravatura, a Proclamação da República? A origem

estrangeira dos dois movimentos minoritários, e as suas doutrinas, tiveram algum

significado para uma atuação política direta dos positivistas (antes de se

instituírem como Igreja) e a timidez dos protestantes? Em outras partes do mundo

a doutrina cristã – e para o próprio catolicismo no Brasil – era antes motivação ou

pelo menos não era obstáculo à ação social e política.

A existência de duas correntes no protestantismo brasileiro deveria

servir de base para um estudo sobre a sua relação com a sociedade. Como

hipótese pode afirmar-se que a divisão existente era devida à sua posição frente

aos problemas sociais. (E aqui havia divisão real e não apenas teológica ou

orgânica entre os protestantes).

Assim, o silencio protestante sobre a problemática social não era total

nem unânime. Discutia-se desde o imperialismo dos missionários (tema que se

agravou na medida em que se desenvolvia uma liderança d nacional autêntica)

até a luta pela libertação da escravatura e as eleições. Em relação aos escravos

parecia haver também duas atitudes, conforme o grupo que enfrentasse o

problema: a preocupação em converte-los (sempre com a permissão dos patrões,

quando estes não eram protestantes) ou a de examinar a questão política e

socialmente. Entre esses assuntos “menores”, colhidos na bibliografia dos

congregacionais (1909, 1910) encontram-se: carta a um prefeito contra as

publicações pornográficas; enumeração dos sofrimentos da população de Passa

Três devido a obras da Light; artigo sobre os acontecimentos políticos de 1893

“nos quais nenhum crente morreu ou foi ferido”; campanha para abolir as eleições

aos domingos.

A questão é mais aguda: até que ponto pronunciamentos sociais

oriundos de afirmações de fé, de indivíduos ou de grupos religiosos, teria

favorecido mudanças na sociedade ou no interior do próprio grupo? Segundo

Peter Berger “idéias religiosas”, mesmo muito abstratas, “levam a mudanças

empiricamente apreciáveis da estrutura social”78, assim como mudanças

estruturais podem afetar “o nível de consciência e a ideação religiosa” – o que

exige uma compreensão dialética das relações entre a religião e a sociedade.

41

A “questão missionária”, que reaparece com freqüência como um dos

temas da corrente protestante mais liberal, está de certa forma atrás dessa

marginalização ou alienação. Erasmo Braga e Keneth Grubb indicam os pontos

de estrangulamento da falta de aculturação do protestantismo na América Latina.

De certa maneira assumem as críticas do passado e oferecem bases para os

futuros movimentos ao mencionarem as formas anglo-saxônicas de culto e de

pensamento protestante, seu estilo literário exótico e cheio de barbarismos, a sua

pobreza material litúrgica e artística, a falta de cultura literária neolatina – o que

somente podia afastar o protestantismo do intelectual brasileiro e da vida social

em geral.79 Sergio Buarque de Holanda, ao comentar a diferença da colonização

holandesa e portuguesa entre os índios, menciona a dificuldade já então

existente, interpretando-a como uma impossibilidade mental e do próprio estilo de

vida protestante.80 Citando Thomas Ewbank, um dos viajantes estrangeiros de

meados do século passado, parece concordar com ele sobre a inviabilidade do

culto protestante no Brasil: “É que o clima não favorece a severidade das seitas

nórdicas. O austero metodismo ou o puritanismo jamais florescerá nos trópicos”.81

Estas observações, ao lado dos fracassos dos esforços por um

protestantismo brasileiro, levam a perguntar se haveria alguma plausibilidade

(para usar um termo ainda de Peter Berger) numa expressão nacional de fé

protestante importada. Seria isto plausível ou seria outra religião? Na verdade, os

movimentos nacionalistas tentados logo no início do trabalho missionário e mais

78 Op. Cit., p. 185.

79 The Republic of Brazil, op. cit., p. 133 ss. A crítica, forte, continua válida até

hoje: “The Gospel as ordinarily presented in Brazil, as well as throughout all Latin

América, oes not generally appela to the fastidious intellectual classes”. …”an

exotic literay style, full of barbarisms even in some of the current version version of

the Bible, and the lack of artistic elements in the liturgical forms and hymns, are

repellent to intellectuals steeped in agnostic prejudices against the Bible and

supernatural religion.” Etc.

80 Raízes do Brasil. Livr. José Olympio. Ed., Rio, 3.ª ed., 1965, pp. 74, 75, 219

81 Life in Brazil or a journal of a visit to the land of the cocoa and the palm. N. York,

1856.

42

tarde com Eduardo Carlos Pereira desapontou e irritou os missionários – e não

foram adiante principalmente por causa de sua dependência do exterior. Um

estudo que levasse em conta a dependência não só econômica, mas também

cultural poderia oferecer elementos para melhor conhecimento do lugar e da

plausibilidade da nova tentativa de indigenização, agora com ênfase numa

“teologia brasileira”.

No mesmo campo da relação do protestantismo com a sociedade

brasileira, a estratificação social tem sido raramente enfrentada pelos nossos

sociólogos. Se lembrarmos que as diversas denominações contêm matizes de

expressões das diferentes classes sociais, teríamos um modelo para investigar

não só essas expressões como as suas manifestações típicas. A estrutura de

classes no protestantismo não explicaria melhor a sua ação na sociedade do que

a herança teológica? Assim haveria um nascimento (neoconversos, grupos

pentecostais), esplendor (presbiterianos, metodistas, luteranos, etc.?) e morte ou

transformação (grupos ecumênicos? De ação política?) da religião em função da

classe social do praticante.

43

CONCLUSÃO

Uma sociografia do protestantismo brasileiro, base necessária para

uma visão de conjunto e ponto de partida para pesquisas, deve ser estimulada.

Aqui não temos senão indicações gerais. Se bem que muitas das pesquisas

examinadas tenham caráter descritivo, mesmo no campo da sociografia há muitas

áreas não pesquisadas. O número de fiéis nas várias religiões e nas

denominações protestantes, por exemplo, torna-se cada vez mais difícil de ser

seguramente avaliado. Não existe um órgão protestante que se encarregue de

atualizar as estatísticas, dificuldade que aumenta com as suas divisões e com

recusa da maioria dos grupos pentecostais em contar o número de seus adeptos

(interdição baseada em textos bíblicos do Pentateuco).

Por outro lado, o censo demográfico nunca sistematizou o quesito da

religião. O censo de 1872 (o primeiro), registrou apenas católicos e acatólicos; o

de 1890 dividiu a população brasileira em cinco grupos religiosos: católicos

(romanos e ortodoxos), protestantes (evangélicos, presbiterianos e outras seitas),

islamitas, positivistas e sem culto; a eles em 1900, foram acrescentadas israelitas

outras religiões e religiões ignoradas; o censo de 1920 ignorou o item religião, que

reaparece no de ano 1940 e nos seguintes com acréscimos: budistas, xintoístas,

espíritas (incluindo aqui os cultos de umbanda), outras religiões e sem religião. O

Serviço de Estatística Demográfica, Moral e Política, que publica anualmente

minuciosa estatística dos cultos católicos, espírita e protestante, esta bastante

atrasada e matem nomenclatura, pelo menos para o movimento protestante,

insuficiente ou ultrapassada.

Na realidade dos números e de outros setores mais descritivos, – como

na elaboração de uma tipologia das religiões no Brasil, no exame de

correspondência entre religiões e classes sociais, na microssociologia de grupos

44

religiosos e na macrossociologia dos sistemas religiosos –, existe uma tarefa

grande que somente pode ser empreendida através de maior e mais permanente

cooperação entre órgãos de pesquisa e entre cientistas sociais.

REFERÊNCIAS

45