a questa o do protestantismo

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A Questão do Protestantismo Frithjof Schuon O Cristianismo está dividido em três grandes denominações: Catolicismo, Ortodoxia e Protestantismo, para não mencionar os coptas e outros grupos antigos próximos à Ortodoxia. Esta classificação pode surpreender alguns de nossos leitores, na medida em que parece colocar o Protestantismo no mesmo nível das antigas igrejas; ora, o que temos em vista aqui não é o Protestantismo liberal ou alguma seita, mas o Evangelismo luterano, o qual manifesta incontestavelmente uma possibilidade cristã, limitada sem dúvida, e completamente excessiva em algumas de suas características, mas não intrinsecamente ilegítima, e, consequentemente, representativa de 1

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Escritos de Frithjof Schuon sobre o Protestantismo.

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A Questo do Evangelhismo

A Questo do Protestantismo

Frithjof Schuon

O Cristianismo est dividido em trs grandes denominaes: Catolicismo, Ortodoxia e Protestantismo, para no mencionar os coptas e outros grupos antigos prximos Ortodoxia. Esta classificao pode surpreender alguns de nossos leitores, na medida em que parece colocar o Protestantismo no mesmo nvel das antigas igrejas; ora, o que temos em vista aqui no o Protestantismo liberal ou alguma seita, mas o Evangelismo luterano, o qual manifesta incontestavelmente uma possibilidade crist, limitada sem dvida, e completamente excessiva em algumas de suas caractersticas, mas no intrinsecamente ilegtima, e, consequentemente, representativa de certos valores teolgicos, morais e mesmo msticos. Se o Evangelismo - para usar o termo favorito de Lutero - estivesse situado num mundo como o do Hindusmo, ele apareceria nesse particular como uma via possvel, o que quer dizer que seria, sem dvida, um darshana secundrio entre outros; no Budismo, no seria mais heterodoxo do que o Amidismo ou a escola de Nichiren, sendo que estes dois, contudo, so bastante independentes em relao tradio principal que os envolve.

Para entender nosso ponto de vista, deve-se compreender que as religies so determinadas por arqutipos que representam diversas possibilidades espirituais: por um lado, toda religio manifesta a priori um arqutipo, mas, por outro lado, qualquer arqutipo pode manifestar-se a posteriori no interior de toda religio. assim que o Xismo, por exemplo, evidentemente no resulta de uma influncia crist, mas constitui uma manifestao, no interior do Isl, da possibilidade religiosa ou do arqutipo espiritual que se afirmou de forma direta e plena no Cristianismo; e esta mesma possibilidade deu lugar, no Budismo, mstica amidista, acentuando aqui outra dimenso do arqutipo, a saber, o prodgio csmico da misericrdia, a qual requer, e ao mesmo tempo confere, o quase-carisma da f salvfica; ao passo que, no caso do Xismo, a nfase recai sobre o homem praticamente divinizado que abre o Cu terra.

Poder-se-ia dizer analogicamente que a alma germnica - tratada por Roma de uma maneira demasiadamente latina, mas esta outra questo - que esta alma, que no grega, nem romana, sentia a necessidade de um arqutipo religioso mais simples e mais interior, um arqutipo menos formalista, portanto, e mais popular no melhor sentido da palavra; este em certos aspectos o arqutipo religioso do Isl, uma religio baseada num Livro e conferindo o sacerdcio a todo fiel. Ao mesmo tempo, e de outro ponto de vista, a alma germnica sentia nostalgia por uma perspectiva que integrasse o natural ao sobrenatural, isto , uma perspectiva tendendo a Deus sem ser contra a natureza; uma piedade no-monstica, todavia acessvel a todo homem de boa vontade no meio das preocupaes terrenas; uma via fundada na Graa e na confiana, e no na Justia e nas obras; e esta via tem incontestavelmente suas premissas no prprio Evangelho.

* * *

Aqui uma vez mais apropriado -- pois o fizemos em outras ocasies -- definir a diferena entre uma heresia extrnseca, consequentemente relativa a uma dada ortodoxia, e outra que intrnseca, consequentemente falsa em si mesma, como tambm com respeito a toda ortodoxia ou Verdade em si. Para simplificar o assunto, limitar-nos-emos a observar que o primeiro tipo de heresia manifesta um arqutipo espiritual -- de maneira limitada, sem dvida, mas no obstante eficaz --, enquanto a segunda meramente obra humana e, em conseqncia, baseada somente em suas prprias produes ; e isto decide toda a questo. Reivindicar que um esprita piedoso tem a salvao assegurada carece de sentido, pois em heresias totais no h elemento que possa garantir a beatitude pstuma, ainda que - parte toda questo de crena - um homem possa sempre ser salvo por razes que nos escapam; mas ele certamente no salvo por sua heresia.

Sobre o tema do Arianismo, que foi uma heresia particularmente invasiva, a seguinte observao deve ser feita: ele inquestionavelmente heterodoxo pelo fato de que v em Jesus meramente uma criatura; esta idia pode ter um significado na perspectiva do Isl, mas incompatvel com o Cristianismo. Contudo, a expanso relmpago do Arianismo mostra que ele respondia a uma necessidade espiritual - correspondendo ao arqutipo do qual o Isl a manifestao mais caracterstica - e precisamente a esta necessidade ou a esta expectativa que o Protestantismo finalmente respondeu, no humanizando Cristo, claro, mas simplificando a religio e germanizando-a de certo modo. Outra heresia bem conhecida foi o Nestorianismo, a qual separou rigorosamente as duas naturezas de Cristo, a divina e a humana, e por conseqncia via em Maria a me de Cristo, mas no de Deus; esta perspectiva corresponde a um possvel ponto de vista teolgico, e, portanto, uma questo de heresia extrnseca, no total.

Rigorosamente falando, todo exoterismo religioso uma heresia extrnseca, evidentemente com respeito a outras religies, mas tambm, e sobretudo, com respeito Sophia Perennis; esta sabedoria perene, precisamente, constitui o esoterismo quando se combina com um simbolismo religioso. Uma heresia extrnseca uma verdade parcial ou relativa - em sua articulao formal - que se apresenta como total ou absoluta, seja ela uma questo de religies ou, dentro destas, de denominaes; mas o ponto de partida sempre uma verdade, por conseguinte tambm um arqutipo espiritual. Totalmente diferente o caso da heresia intrnseca: seu ponto de partida , ou um erro objetivo, ou uma iluso subjetiva; no primeiro caso, a heresia reside mais na doutrina e, no segundo, ela est a priori na pretenso do falso profeta; mas, quase desnecessrio diz-lo, ambos os tipos podem se combinar, e mesmo o fazem necessariamente no segundo caso. Embora no haja erro possvel sem uma partcula de verdade, a heresia intrnseca no pode ter qualquer valor doutrinal ou metdico, e no se pode sustentar em seu benefcio qualquer circunstncia atenuante, precisamente porque ela no projeta nenhum modelo celestial.

* * *

No difcil argumentar, contra a Reforma, que impossvel que as autoridades tradicionais e os conclios, por definio inspirados pelo Esprito Santo, estivessem todos enganados; isto verdade, mas no exclui paradoxos que mitigam esta quase-evidncia. Em primeiro lugar -- e isto que deu asas aos refomadores, a comear de Wycliff e Huss --, o prprio Cristo desafiou vrios elementos tradicionais apoiados pelas autoridades, denominando-os prescries de homens; assim, os excessos do papismo no tempo de Lutero e bem antes dele, provam que se, em si mesmo, o Papado no ilegtimo, ele ao menos inclui excessos os quais a Igreja Bizantina foi a primeira a notar e a estigmatizar. O que queremos dizer que o Papa, em vez de ser primus inter pares como So Pedro havia sido, tem o privilgio exorbitante de ser a uma s vez profeta e imperador: como profeta, ele coloca-se acima dos conclios e, como imperador, possui um poder temporal que ultrapassa o de todos os prncipes, incluindo o prprio imperador; e so precisamente estas prerrogativas sem precedentes que permitiram, em nosso tempo, a entrada do modernismo na Igreja, como um cavalo de tria, e a despeito das advertncias dos papas precedentes; que papas possam ter sido pessoalmente santos no enfraquece em absoluto os argumentos vlidos da Igreja Oriental. Numa palavra, se a Igreja Ocidental tivesse sido tal que pudesse ter evitado lanar a Igreja Oriental nas trevas exteriores - e com tais manifestaes de barbarismo - ela no teria tido de sofrer o contragolpe da Reforma.

Ademais, dizer que a Igreja Romana intrinsecamente ortodoxa e integralmente tradicional no significa que ela transmite de um modo direto, convincente e exaustivo todos os aspectos do mundo do Evangelho, mesmo se necessariamente os contenha e os manifeste ocasional ou esporadicamente; pois o mundo do Evangelho era oriental e semita, e imerso num clima de santa pobreza, enquanto o mundo do Catolicismo europeu, romano, imperial; isto quer dizer que a religio foi romanizada no sentido de que traos caractersticos da mentalidade romana determinaram sua elaborao formal. suficiente mencionar a este respeito seu jurisdicismo e seu esprito administrativo e mesmo militar; traos que so manifestados, entre outros, pela complicao desproporcionada das rubricas, a prolixidade do missal, a complexidade dispersante da economia sacramental, a manipulao pedante das indulgncias; em seguida por certa centralizao administrativa - e mesmo militarizao - da espiritualidade monstica, sem esquecer, no nvel das formas - o qual est longe de ser negligencivel - o titanismo pago da Renascena e o pesadelo da arte barroca. Ainda do ponto de vista da exterioridade formal, a seguinte observao poderia ser feita: no mundo catlico, j pelo fim da Idade Mdia, a diferena entre o vesturio religioso e o laico era freqentemente abrupta at ao ponto da incompatibilidade; quando os enfeites essencialmente mundanos e vos, e mesmo erticos, dos princpes so comparados com os trajes majestticos dos sacerdotes, difcil acreditar que os primeiros so to cristos como os ltimos, enquanto nas civilizaes orientais o estilo das roupas em geral homogneo. No Isl, nem mesmo existe uma linha dividindo personagens religiosos e o resto da sociedade; ao nvel das aparncias, no h sociedade laica oposta a uma sacerdotal. Isto dito, fechemos este parntesis, no qual queramos simplesmente mostrar que o mundo catlico apresenta traos - em sua superfcie bem como em sua profundidade que certamente no expressam o clima dos Evangelhos.

Tem-se argumentado saciedade que so as instituies sagradas que contam, e no os acidentes humanos que as desfiguram; isto bvio, todavia o grau mesmo dessas desfiguraes indica que nas prprias instituies parte das imperfeies so devidas a algum zelo humano. Dante e Savonarola viram isto claramente sua prpria maneira, e o fenmeno mesmo da Renascena o prova. Se nos disserem que o papado, tal como se portou ao longo dos sculos, representa a nica soluo possvel para o Ocidente, ns concordamos, mas ento os riscos que esta adaptao inevitvel fatalmente incluiu deveriam ter sido previstos, e tudo deveria ter sido feito para diminu-los, e no aument-los; se uma hierarquia fortemente marcada era indispensvel, dever-se-ia ter insistido ainda mais no aspecto sacerdotal de todo cristo.

Seja como for, o que permitiu a Lutero separar-se de Roma foi sua conscincia do princpio da decadncia ortodoxa, que a possibilidade de decadncia dentro da moldura imutvel de uma ortodoxia tradicional, uma conscincia inspirada pelo exemplo dos escribas e fariseus do Evangelho, com suas prescries de homens - o que quer dizer, objetivamente, que as especificaes, os desenvolvimentos, elaboraes, clarificaes e estilizaes podem ser requeridos por um temperamento particular, mas no por outro.

Outra associao de idias til a Lutero e ao Protestantismo em geral foi a oposio agostiniana entre uma civitas dei e uma civitas terrena ou diaboli: o testemunho das desordens da Igreja romana facilmente o levou a identificar Roma com a cidade terrena de Santo Agostinho. H tambm, e fundamentalmente, uma tendncia no Evangelho que responde com particular fora s necessidades da alma germnica: a saber, a tendncia para a simplicidade e a interioridade e, portanto, contrria s complicaes teolgicas e litrgicas, ao formalismo, disperso da adorao, tirania demasiado freqente e inconsequente do clero. De outro ponto de vista, os alemes eram sensveis ao carter nobre e robustamente popular da Bblia; o que no tem relao com democracia, pois Lutero apoiava um regime teocrtico sustentado pelo imperador e pelos prncipes.

Sem nenhuma dvida, a perspectiva do Evangelismo tipicamente paulina; ela se funda no dualismo gnstico, por assim dizer, dos seguintes elementos: a carne e o esprito, a vida e a morte, a servido e a liberdade, a Lei e a graa, a justia pelas obras e a justia pela f, Ado e Cristo. De outro ponto de vista, o Protestantismo se funda, como o Cristianismo como tal, sobre a idia paulina da universalidade da salvao que responde universalidade do pecado ou do estado do pecador; apenas a morte redentora de Cristo pode libertar o homem desta maldio; pela Redeno, Cristo tornou-se o cabea luminoso de toda a humanidade. Mas a acentuao tipicamente paulina da mensagem a doutrina da justificao pela f, da qual Lutero fez o pilar de sua religio, ou, mais precisamente, de sua mstica.

Aps o fracasso de Wycliff e Huss de quem teria sido adequado reter, se no toda a doutrina, ao menos algumas de suas tendncias os papas contriburam para a exploso luterana por sua impenitncia; aps o fracasso dentro do prprio arcabouo da ortodoxia catlica -- de Dante, Savonarola e outros admoestadores, Lutero causou a renovao catlica pela natureza virulenta de sua denncia; quis a Providncia ambos os resultados, a Igreja Evanglica e a Igreja Tridentina. Idealmente falando: aps o conclio de Trento, o Catolicismo deveria ter assimilado -- sem negar a si mesmo -- a essncia da mensagem do Protestantismo, assim como este deveria ter redescoberto a essncia da realidade catlica; ao invs disso, os dois lados endureceram suas respectivas posies e, de fato, no poderia ter sido de outro modo, ao menos pela mesma razo pela qual so diversas as religies; isto quer dizer que necessrio para as perspectivas espirituais, antes de ser qualificadas, tornarem-se inteiramente elas mesmas, ainda mais quando sua auto-acentuao responde a necessidades raciais ou tnicas.

Cada denominao manifesta o Evangelho de certa maneira; ora, esta manifestao nos parece ser a mais direta, a mais ampla e a mais realista possvel na Igreja Ortodoxa, e isto j pode ser visto em suas formas exteriores, enquanto a Igreja Catlica oferece uma imagem mais romana, menos oriental, em um certo sentido at mais mundana desde a Renascena e a poca barroca, como dissemos acima. O civilizacionismo latino no tem nenhuma relao com o mundo e o esprito do Evangelho; no fim das contas, contudo, o Ocidente romano cristo e, em conseqncia, o Cristianismo tem o direito de ser romano. Quanto Igreja protestante, a questo de suas formas de culto no se coloca, j que a este respeito ela participa da cultura catlica, com a diferena, contudo, de que introduz nesta cultura um princpio de sobriedade iconoclasta, com a vantagem de no aceitar a Renascena e seus prolongamentos; isto quer dizer que o Protestantismo reteve as formas da Idade Mdia, artisticamente falando e segundo a inteno de Lutero, ao mesmo tempo que as simplifica, e, portanto, escapou daquela aberrao inexprimvel da arte barroca. Do ponto de vista espiritual, o Protestantismo retm do Evangelho o esprito de simplicidade e interioridade, acentuando o mistrio da f, e apresenta estes aspectos com um vigor cujo valor moral e mstico no pode ser negado; esta acentuao era necessria no Ocidente e, desde que Roma no tomou a tarefa para si, foi Wittenberg quem o fez.

Em conexo com o quase iconoclasmo protestante, lembremos que So Bernardo tambm desejava capelas vazias, despojadas e sbrias, em resumo, que as consolaes sensveis fossem reduzidas ao mnimo; mas ele desejava isto para os mosteiros e no para as catedrais; o senso do sagrado, neste caso, estava concentrado no essencial dos ritos. Ns encontramos este ponto de vista no Zen e tambm no Isl, e sobretudo o encontramos vrias vezes no Cristo, de modo que seria injusto negar qualquer precedente atitude luterana na Escritura; Cristo queria que se adorasse a Deus em esprito e em verdade e que na orao no se usassem vs repeties, como fazem os pagos; esta a nfase na f, com a primazia da sinceridade e da intensidade.

O celibato dos padres, imposto por Gregrio VII aps mil anos de prtica contrria prtica que foi sempre mantida pela Igreja Oriental -- apresenta vrias desvantagens srias: ele repete desnecessariamente o celibato monacal e separa mais radicalmente os sacerdotes da sociedade, a qual desta maneira se torna ainda mais laica; isto , esta medida refora entre os leigos o sentimento de dependncia e de um valor moral mais baixo, o casamento sendo na prtica depreciado por ainda outro ucasse. Ademais, quando o celibato imposto a um nmero enorme de sacerdotes pois a sociedade tem mais necessidade de padres na medida em que numerosa, e o Cristianismo abrange todo o Ocidente -- este celibato, ento, imposto sobre uma grande coletividade, engendra necessariamente desordens morais e contribui para um afrouxamento da moral, ao passo que teria sido melhor contar com bons sacerdotes casados do que com maus padres celibatrios; a menos que o nmero de sacerdotes fosse reduzido, o que impossvel pois a sociedade grande e tem necessidade deles. Finalmente, o celibato clerical impede a procriao de homens de vocao religiosa e, assim, empobrece a sociedade; se apenas homens sem vocao religiosa tm filhos, a sociedade se torna cada vez mais mundana e horizontal, e cada vez menos espiritual e vertical.

Seja como for, Lutero, por sua vez, carecia de realismo: ele ficou surpreso quando, durante uma ausncia sua de Wittemberg -- este foi o ano de Wartburg --, os promotores da Reforma tivessem se entregado a todo tipo de excesso; ao fim de sua vida, ele chegou mesmo a lamentar que as massas de medocres no tivessem permanecido sob a vara do Papa. Pouco interessado em psicologia coletiva, ele acreditava que o simples princpio da piedade poderia substituir os apoios materiais que contriburam to poderosamente para regular o comportamento das massas; isto no apenas manteria este comportamento em equilbrio no espao, mas tambm o estabilizaria no tempo. Em seu subjetivismo mstico, ele no percebeu que uma religio precisa de simbolismo para subsistir; que o interior no pode viver na conscincia coletiva sem sinais exteriores; mas, profeta da interioridade, ele mal teve escolha.

Ao Ocidente latino muito frequentemente faltava realismo e medida, enquanto a Igreja Grega, como o Oriente em geral, sabia melhor como reconciliar as demandas do idealismo espiritual com aquelas do mundo humano de todo dia. Adotando um ponto de vista particular, gostaramos de fazer a seguinte observao: muito improvvel que o Cristo, que lavou os ps de seus discpulos e os ensinou que os ltimos sero os primeiros, tivesse apreciado a pompa imperial da corte vaticana: o beijo dos ps, a tripla coroa, o flabelli, a sedia gestatoria; por outro lado, no h razo para pensar que Ele teria desaprovado as cerimnias -- de estilo sacerdotal e no imperial que cercam o patriarca ortodoxo; ele teria sem dvida desaprovado o cardinalato, que favorece ainda mais o trono principesco do papa e constitui uma dignidade que no sacerdotal e mais mundana que religiosa.

Falamos acima do celibato dos padres imposto por Gregrio VII e devemos acrescentar uma palavra a respeito dos conclios evanglicos e dos votos monsticos. Quando se l, no Evangelho, que no h homem que tenha deixado casa, ou irmos, ou irms, ou pai, ou me, ou esposa, ou crianas, ou terras, por minha causa e do Evangelho, e ele receber cem vezes mais, pensa-se imediatamente em monges e freiras; ora, Lutero pensava que esta era apenas uma questo de perseguies, no sentido deste dito do Sermo da Montanha: Bem-aventurados os perseguidos por causa da justia, pois deles o Reino dos Cus; e ele est ainda mais certo em sua interpretao pois no havia eremitas nem monges antes do sculo IV.

* * *

Considerado em sua totalidade, o Protestantismo tem algo de ambguo, devido ao fato de que, por um lado, ele inspirado sincera e concretamente pela Bblia, mas, por outro lado, est associado ao humanismo e Renascena. Lutero encarna o primeiro tipo: sua perspectiva medieval e por assim dizer retrospectiva, e d lugar a um pietismo conservador, tendendo por vezes ao esoterismo. Em Calvino, ao contrrio, so as tendncias do humanismo, portanto da Renascena, que, se no determinam o movimento, ao menos se misturam com ele fortemente; sem dvida, Calvino muito inspirado em sua doutrina por Lutero e pelos reformadores suos, mas ele um republicano a seu prprio modo -- em uma base teocrtica certamente e no um monarquista como o reformador alemo; e se pode dizer no geral que ele de certa maneira se opunha mais ao Catolicismo do que Lutero.

Por algum tempo, as idias fundamentais da Reforma tinham estado no ar, mas foi Lutero quem as viveu e fez delas um drama pessoal. Seu Evangelismo -- como outras perspectivas particulares encerradas em uma perspectiva geral uma frao hiper-acentuada, por assim dizer, mas suficiente e eficaz, portanto no-ilegtima.

No se pode estudar o problema do Protestantismo sem levar em considerao a personalidade poderosa de seu fundador real, ou ao menos o mais notvel. Em primeiro lugar, e isto segue o que acabamos de dizer, nada permite afirmar que Lutero tenha sido um modernista frente de seu tempo, pois ele no era em absoluto mundano e no queria agradar ningum; suas inovaes foram seguramente do tipo mais audacioso, para dizer o mnimo, mas eram crists e no outra coisa; no deviam nada a qualquer filosofia ou cientismo.

Ele no rejeitou Roma por ser demasiadamente espiritual mas, ao contrrio, porque ela lhe parecia demasiado mundana; demasiadamente segundo a carne e no segundo o esprito, de seu particular ponto de vista.

O mstico de Wittemberg foi um alemo semitizado pelo Cristianismo, e ele foi representativo em ambos os aspectos: fundamentalmente alemo, amava o que sincero e interior, no engenhoso e formalista; semita em esprito, ele admitia apenas a revelao e a f, e no queria saber de Aristteles ou dos escolsticos.

Por um lado, havia em sua natureza algo robusto e poderoso (gewaltig), com um complemento de poesia e delicadeza (innigkeit); por outro lado, ele foi um voluntarista e um individualista que no esperava nada da intelectualidade e da metafsica. Inquestionavelmente, seu gnio impetuoso era capaz de rudeza -- o mnimo que se pode dizer --, mas no lhe faltavam pacincia, nem generosidade; ele podia ser veemente, mas no mais do que um So Jernimo ou outros santos que insultavam seus adversrios, devorados que eram pelo zelo da casa do Senhor; e ningum pode contestar que eles encontravam precedentes para isto em ambos os Testamentos.

A mensagem de Lutero se expressa essencialmente em dois legados, que atestam a personalidade do autor e em relao aos quais impossvel negar grandeza e eficcia: a Bblia alem e os hinos. Sua traduo das Escrituras, ainda que condicionada em certos trechos por sua perspectiva doutrinal, uma jia tanto em termos de linguagem como de piedade; quanto aos hinos -- a maioria dos quais no de sua autoria, embora ele tenha composto seus modelos e, portanto, dado o impulso para seu florescimento -- tornaram-se um elemento fundamental de culto e foram um poderoso fator de expanso do Protestantismo.

A prpria Igreja Catlica no poderia resistir a esta mgica; ela terminou por adotar vrios hinos luteranos, que se tornaram to populares a ponto de se imporem como o ar que se respira. Em resumo, toda a personalidade de Lutero est em sua traduo dos Salmos e em seu famoso hino Nosso Deus uma poderosa fortaleza (Ein fest Burg ist unser Gott), que se tornou a cano de guerra (Trutzlied) do Protestantismo, e cujas qualidades de poder e grandeza no podem ser negadas. Mas, mais suavemente, esta personalidade est tambm em seu comentrio do Magnificat, que atesta uma adorao interior da Santa Virgem, a quem Lutero nunca rejeitou; o papa Leo X, tendo lido este comentrio, sem saber quem era seu autor, fez esta observao: Abenoadas sejam as mos que escreveram isto! Sem dvida, o reformador alemo no era capaz de manter o culto pblico da Virgem, mas isto devido reao geral contra a disperso do sentimento religioso e, portanto, em favor da adorao concentrada apenas em Cristo, que tinha se tornado absoluta e, consequentemente, exclusiva, como a adorao de Allh para os muulmanos. Ademais, as Escrituras tratam a Virgem com surpreendente parcimnia fato que jogou certo papel aqui --, apesar de haver tambm as declaraes cruciais e doutrinariamente inexaurveis de que Maria cheia de graa e todas as geraes me chamaro bem-aventurada.

O reformador alemo foi um mstico no sentido de que sua via foi puramente experimental e no conceitual; as demonstraes pertinentes de um Staupitz no foram de ajuda para ele. Para descobrir a eficcia da misericrdia, ele precisou primeiro do evento da torre; tendo meditado em vo sobre a Justia de Deus, ele teve a graa de compreender num relance que esta justia misericordiosa e que nos libera na e pela f.

* * *

Os grandes temas de Lutero so as Escrituras, o Cristo, o Interior, a F; os dois primeiros elementos pertencem ao lado divino, e os dois ltimos ao lado humano. Ao enfatizar as Escrituras -- a expensas da Tradio --, o Protestantismo se aproxima do Isl, onde o Coro tudo; ao enfatizar o Cristo -- a expensas do papa, da hierarquia, do clero ele lembra o Budismo devocional, que coloca tudo nas mos de Amitabha; a adorao e expresso ritual desta primazia do Cristo sendo a Comunho, que para Lutero to real e importante como para os catlicos. A tendncia luterana para o interior, para o corao se se quiser, incontestavelmente fundada na perspectiva do Cristo; e igualmente a nfase na f, que ademais evoca - ns repetimos a mstica amidista, bem como a piedade muulmana. Ns no sonharamos em fazer estas comparaes, primeira vista desnecessrias, se elas no servissem para ilustrar o princpio dos arqutipos do qual falamos acima e que de importncia crucial.

Com relao a Cristo se fazer tangvel na Comunho, no verdade que Lutero reduziu o rito da Eucaristia a uma simples cerimnia de lembrana, como fez seu adversrio Zunglio; bem ao contrrio, ele admitia a Presena Real, mas no a transubstanciao -- que os gregos tambm no aceitam como tal, embora tenham por fim aceitado o termo --, nem a renovao incruenta do sacrifcio histrico; no obstante, estas realidades sacramentais como percebidas pelos catlicos esto implicadas na definio luterana da Eucaristia objetivamente, mas no subjetivamente --, de modo que se pode dizer, mesmo de um ponto de vista catlico, que a definio de Lutero aceitvel, desde que se esteja consciente desta implicao. Para os catlicos, esta implicao constitui a prpria definio do mistrio, o que talvez desproporcional se se leva em conta o uso de certa maneira dispersante e casual que o Catolicismo faz da missa; certos fatores psicolgicos -- a natureza humana sendo o que exigiriam sem dvida que o mistrio fosse apresentado de um modo mais velado e manejado com mais discrio. Certamente, a Comunho luterana no equivalente Comunho catlica, mas ns temos razes para acreditar -- dado seu contexto geral -- que ela no obstante comunica em um grau suficiente as graas que Lutero dela esperava,

o que pressupe que a inteno da mudana ritual tenha sido fundamentalmente crist e isenta de toda motivao ulterior de um tipo racionalista, sem falar de motivao poltica -- como foi de fato o caso.

Se a Comunho luterana no o equivalente da Comunho catlica porque ela no inclui virtualidades espirituais to extensas como as da ltima; mas, precisamente, estas virtualidades iniciticas so demasiado sublimes para o homem mdio, e imp-las exp-lo ao sacrilgio. De outro ponto de vista, se a missa fosse sempre igual ao Sacrifcio histrico do Cristo, teria se tornado sacrilgio em razo de sua profanao pela maneira mais ou menos trivial de seu uso: missas ordinrias apressadas, missas atribudas a isto ou aquilo, incluindo as motivaes mais contingentes e profanas. Certamente, a missa coincide potencialmente com o evento do Glgota, e esta potencialidade, ou esta virtualidade, pode sempre gerar uma coincidncia efetiva; mas se a prpria missa tivesse o carter de seu prottipo sangrento, em cada missa a terra tremeria e seria coberta pelas trevas.

Um dos mais aberrantes argumentos com os quais Zunglio, Karlstadt, Oekolampad e outros se opunham Igreja Catlica e a Lutero, era o seguinte: se o po realmente o Corpo de Cristo, no comeramos carne humana ao comungar?

A isto h quatro respostas, e elas so as seguintes. Primeiro, Cristo disse o que disse, pegar ou largar; no h nada a mudar nisto, a menos que se deseje abandonar a religio crist. Segundo, Cristo de fato no oferece carne nem sangue, mas po e vinho, ento por qu a reclamao? Terceiro, o ponto crucial a questo de saber o que significa este corpo que se tem de comer e este sangue que se tem de beber; ora, este significado, ou este contedo, a remisso dos pecados, a Redeno, a restituio da natureza humana gloriosa, a inocncia tanto primordial como celestial; o homem come e bebe o que ele deve se tornar porque isto o que ele em sua essncia imortal; e comer tornar-se unido. Quarto: que o po no a carne, que o vinho no o sangue, podemos ver sem dificuldade; por que ento questionar de que maneira o po o corpo e o vinho o sangue? Isto no diz respeito a ns, isto no tem interesse para ns; isto diz respeito a Deus. O que importante para ns a virtude transformante e deificante do sacramento; sua capacidade de nos conceder a impecabilidade salvfica, a do Cristo.

* * *

A doutrina luterana est fundada essencialmente no pessimismo antropolgico e na doutrina da predestinao de Santo Agostinho: o homem fundamentalmente um pecador, e totalmente determinado pela vontade de Deus.

Qual, ento, o significado, em Santo Agostinho, da idia de que o homem irremediavelmente um pecador, de que impotente na medida em que se confina sua prpria fora? Significa que a queda tem o efeito de destruir o equilbrio entre o interior e o exterior, o vertical ou ascendente e o horizontal ou terreno; que as tendncias exteriorizantes e mundanas prevalecem sobre as tendncias interiorizantes e espirituais, e, quando tomada isoladamente, a tendncia horizontal leva ipso facto tendncia descendente. Ora, as obras no bastam para retificar a situao; apenas a f pode realizar este prodgio, o que no significa que a f pode dispensar as obras, que ela poderia, portanto, ser perfeitamente ela mesma na ausncia delas.

Como no Amidismo, a primeira condio de salvao, de acordo com Lutero, a conscincia do pecado insondvel e invencvel, e da a impossibilidade de vencer o pecado com nossas prprias foras. Para Lutero, e para o Cristianismo em geral, o homem praticamente o pecado; da parte de Deus, h a graa - que Lutero identifica com a Justia de Deus redentor e, entre estes dois extremos, h a f, onde pecador e graa se encontram. Lutero diz em um comentrio sobre as Epstolas aos Romanos que Cristo fez sua justia minha e meu pecado, seu; e acrescenta: Para aquele que se lana, em corpo e alma, rumo vontade de Deus, impossvel permanecer fora de Deus. Igualmente, ele diz, ao falar da justia, que a f eleva o corao humano to alto, que ele se torna um esprito com Deus (dass er ein Geist mit Gott wird) e adquire a prpria justia de Deus.

A mstica atormentada de Lutero ainda assim vitoriosa sua prpria maneira em ltima anlise evoca toda a tenso entre conhecer e crer, ou entre conhecimento e f. Para Lutero, no h nada seno a f; no obstante, ele no poderia negar que a f unida com a graa ao ponto de ser um esprito com Deus, um modo de conhecer Deus atravs de Deus, ou, em outras palavras, que o Conhecimento Divino em ns; pois toda certeza conhecimento, e no h f sem certeza. Negar isto seria negar o Esprito Santo e, junto com ele, nossa deiformidade.

Bem-aventurados os que acreditam sem ver: esta a prpria definio de f; a f a chave - ou a antecipao - do conhecimento; um tipo de simpatia mgica em relao a realidades transcendentes. Mas a f tambm pode ser vista de outro modo: quando o ponto de partida a certeza metafsica, ou a inteleco e este um mistrio naturalmente supernatural -- a f ser a vida do conhecimento, no sentido de que ela far o conhecimento penetrar em todo o nosso ser; pois necessrio amar a Deus com toda nossa fora, e da com tudo o que somos.

Um aspecto muito importante do problema da f -- j fizemos aluso a isto -- a relao entre f e obras: para Lutero, as obras no contribuem para a salvao; acreditar que elas contribuem seria negar a Redeno, seria imaginar que nossas aes -- intrinsecamente pecaminosas -- poderiam tomar o lugar da obra salvfica do Cristo, ou que elas poderiam acrescentar alguma coisa a esta obra. Consequentemente, somente a f que salva, e isto aceitvel se ns especificarmos -- e Melancthon no omite isto -- que as obras prolongam a f, que elas so uma parte integral da f em proporo sua sinceridade; em sntese, que elas provam a f. Sem obras, a f no seria exatamente a f, e sem f, as obras seriam escatologicamente inoperantes.

Se Lutero, que a despeito de sua violncia ocasional era um homem virtuoso, subestimou o papel das obras, isto pode ter sido tambm porque ele inclua as obras na virtude e a virtude na f; a virtude est, de fato, situada entre estes dois plos, ela uma dimenso da f sincera e, ao mesmo tempo, se expressa pelas obras; mas a virtude independente das obras e, desnecessrio dizer, melhor ser virtuoso sem obras do que realizar obras sem virtude. Alm disso, adequado distinguir entre obras que so obrigatrias e aquelas que so opcionais, e, obviamente, o homem de pouca virtude deve insistir ainda mais nas aes meritrias, por um lado a fim de compensar sua indigncia moral e, por outro, para remediar esta indigncia progressivamente.

Para Lutero, a f enobrece mesmo aes insignificantes, exceto os pecados, claro; a f, de acordo com ele, um tipo de santidade, e mesmo o nico tipo de santidade possvel. Mas o que esta subjetividade mstica no parece ser capaz de realizar, pelo menos no a priori, que este mistrio da f no poderia constituir uma regra de vida para as massas; nisto, o reformador alemo era to irrealista quanto os papas que desejavam impor um tipo de perfeio monstica sobre o clero, ou mesmo, praticamente -- embora num grau menor -- a toda a Cristandade.

Isto tudo nos leva questo crucial do ascetismo e nos permite inserir algumas observaes sobre o tema. H um ascetismo que consiste simplesmente na sobriedade, e suficiente para o homem naturalmente espiritual; e h outro tipo que consiste em combater as paixes, o grau desta ascese dependendo das exigncias da natureza individual; finalmente, h a ascese daqueles que enganosamente acreditam possuir todos os pecados, ou que se identificam com o pecado atravs do subjetivismo mstico, sem esquecer de mencionar aqueles que praticam um ascetismo extremo a fim de expiar as faltas de outros, ou mesmo simplesmente a fim de dar um bom exemplo num mundo que tem necessidade disso. Destes modos de ascetismo, o Evangelismo retm apenas o primeiro, e por duas razes: primeiro, porque a f que salva, e no as obras; segundo - e esta razo coincide inteiramente com a primeira - porque no cabe a ns acrescentar nossos mritos insignificantes aos mritos infinitos do Cristo.

Em resumo: de acordo com Lutero, a graa obtida pela e na f regenera a alma e permite que ela se torne unida com a Vida Divina; ela propicia ao homem resistir e combater o mal, e exercitar a caridade com o prximo. As obras so teis quando no as consideramos meritrias; neste caso elas se tornam integradas na f.

* * *

Na perspectiva luterana a conscincia de ser um pecador tudo, j que a fora da f depende desta conscincia; de acordo com Lutero, melhor pecar e ser consciente da nossa misria, do que no pecar e no ter conscincia disso.

Mas, com relao idia crucial de pecado, h tambm o temor da danao e o escrpulo de no se sobrecarregar com outro pecado ao se permitir ceder imprudentemente certeza contrria. As tenses e deformaes que so resultado desta atitude so bem tpicas do individualismo voluntarista e sentimental, ausente em outras formas de piedade; mas um fato que com os semitas esta atitude determina toda a perspectiva. Seja como for, a soluo do problema a seguinte, e o esoterismo que a fornece, desde que ele sempre considera a simples natureza das coisas: verdade que o sentimento individualista de ser salvo pode facilmente -- embora no necessariamente -- dar lugar a uma satisfao quase narcisista e moralmente paralisante, que propensa a comprometer a tenso para com Deus e, acima de tudo, a virtude do temor; ora, a atitude sadia aqui -- a virtude da esperana, se se prefere -- consiste numa certeza condicional e quase inarticulada, a saber, que a certeza da salvao est includa na certeza de Deus, de modo eminente e suficiente. Dever-se-ia dizer: Graas ao amor e ao temor de Deus, no temo a danao; e no: Graas s boas obras, certa a salvao; pois esta ltima convico, por sua prpria natureza ou, antes, em razo do mecanismo da alma humana, corre o risco de nos afastar de Deus na medida mesma em que se torna enraizada na prpria conscincia; ela afasta de Deus pelo fato de que praticamente toma o lugar de Deus.

Em conseqncia, tudo isto significa que os terrores e desesperos de Lutero eram logicamente desnecessrios, embora misticamente frutferos e necessrios de fato; se as Escrituras tm de conter ameaas sobre o Inferno, porque a maioria dos homens so animais selvagens, e consideraes sutis sobre a relao entre causa e efeito seriam ineficazes, para dizer o mnimo. Por um lado, grande nmero de almas tm sido salvas graas imagem do sofrimento eterno; por outro lado, esta imagem no suficiente para impedir inumerveis crimes; se desejamos nos apiedar dos homens, tenhamos tambm piedade das Escrituras.

Com relao aos escrpulos que mencionamos acima, apropriado acrescentar as seguintes precises: quando nosso ponto de partida a certeza intelectual da realidade absoluta e suas dimenses hipostticas, ns diremos que esta certeza tem como conseqncia -- e tambm de certa maneira como sua condio -- primeiramente, que nos abstenhamos de tudo que nos separa da Realidade Suprema em princpio ou de fato, e, segundo, que pratiquemos o que nos aproxima ou nos leva a ela; estas duas conseqncias so parte integral da certeza metafsica, na medida em que ela realmente nossa. na certeza do Sumo Bem, e no em outro lugar, que temos certeza da salvao -- da salvao como tal, e no da nossa prpria salvao apenas --, e ns a possumos na medida mesma em que a segunda certeza absorvida na primeira.

Gnosticamente falando, h os psquicos que podem encontrar a salvao ou a danao; os pneumticos, que por sua natureza no podem seno ser salvos; e, finalmente, h os hlicos, que no podem seno encontrarem a danao. Ora, Lutero, na prtica, concebia somente esta terceira categoria, e, teoricamente -- com reservas e condies a categoria dos psquicos, mas de nenhuma forma a dos pneumticos, da todo o carter atormentado de sua doutrina. Na realidade, em cada homem so encontradas as trs possibilidades, a do pneumtico, do psquico e do hlico; cabe ver qual delas predomina. Na prtica, basta saber que dizer sim a Deus, abstendo-nos ao mesmo tempo do que separa Dele e realizando o que nos aproxima Dele, pertence natureza pneumtica e assegura a salvao, toda questo de pecado original e predestinao parte; assim, na prtica, no h problema, salvo o que concebemos e impomos sobre ns mesmos.

O pneumtico o homem que, por assim dizer, encarna a f que salva, e, deste modo, encarna seu contedo, a graa do Cristo; estritamente falando, ele no pode pecar -- exceto talvez ao nvel das aparncias -- porque, sendo sua substncia feita de f e, portanto, de justia pela f, tudo o que ele toca vira ouro. Esta possibilidade extremamente rara, sendo avatrica acima de tudo, mas ainda assim ela existe, e no pode deixar de existir.

Seja como for, Lutero parece no saber o que fazer com a boa conscincia, aquela que os catlicos obtm pela confisso e pelas obras; ele a confunde com auto-satisfao e preguia, ao passo que ela a base normal e sadia para as exigncias do amor de Deus e do prximo. Ora, o essencial aqui no o fato desta confuso, mas as conseqncias que Lutero dela extrai e os estmulos que obtm dela.

A questo de saber se somos bons ou maus pode ser perguntada de forma aproximada, pois possumos inteligncia, mas no pode ser feita de forma estrita, pois no dispomos das medidas de Deus; ora, dizer que no podemos responder uma questo significa que no temos necessidade de pergunt-la.

* * *

Sobre o tema da f e das obras, insiramos aqui as seguintes observaes. Assim como Lutero coloca a f no lugar das obras morais, tambm Shinran, bem antes dele e do outro lado do globo, colocou a f no lugar dos meios espirituais: no preciso invocar Amida para alcanar o nascimento na Terra Pura pois isto seria basear-se no poder de si mesmo, em detrimento do poder do outro --, mas necessrio faz-lo por gratido a Amida, que nos salvou a priori concedendo-nos a f. Shinran tinha uma preocupao, evitar ou circumambular a idia de que nos salvamos por nossos prprios mritos. A noo de gratido aqui um eufemismo que pretende velar o fato de que impossvel nos privar de uma iniciativa realizatria; em qualquer caso, se a f no nossa, de quem , e se de Amida, que prova h de que ela nos pertence, ou de que nos beneficiamos dela? De duas coisas, uma: ou o ato de gratido opcional, caso em que se pode passar sem ele, sendo suficiente acreditar em vez de invocar Amida; ou ento o ato de gratido obrigatrio, em cujo caso j no h questo de gratido, e o argumento meramente uma artimanha para mascarar o poder de si mesmo, que determina cada ato e do qual ns, como criaturas livres e responsveis, no podemos escapar.

Nem Lutero, nem Shinran podem mudar a natureza do homem, que, precisamente, acarreta certa liberdade e, da, uma possibilidade de poder de si mesmo, portanto, de mrito: mas, como o mstico japons, o reformador alemo estava apaixonado pela experincia da f, e pelas Escrituras que a alimentam; e que perea todo o resto. H tambm em Lutero uma parcela de Asharismo: como o telogo rabe, Lutero sacrifica a inteligncia pela f, e a liberdade Prescincia e Onipotncia de Deus. E se um Ashari e um Shinran so ortodoxos a seu prprio modo, como suas respectivas tradies reconhecem, ns no vemos porque no podemos garantir a Lutero as mesmas circunstncias atenuantes, ou as mesmas valoraes aprovativas, mutatis mutandis.

Lutero acreditava, como Shinran, que, ao colocar a f no lugar das obras, ele trazia certa consolao e liberao; mas esta apenas uma questo de temperamento espiritual. Para alguns homens, muito mais tranqilizador basear-se nas obras, que so algo objetivo, concreto, tangvel e definvel, ao passo que sempre possvel se atormentar com a questo de saber se se possui realmente f, ou se se compreendeu o que a f de fato.

Seja como for, no pensamento de Lutero, como no de Shinran -- e isto se segue de algumas de nossas demonstraes precedentes -- h argumentos compensatrios que restabelecem o equilbrio de tal maneira que nossa objeo tem importncia meramente relativa, exceto para mentes que abusam das formulaes em questo. Uma coisa certa, e o elemento essencial aqui: a f s vezes salva na ausncia de obras exteriores, mas as obras nunca salvam sem a f.

O homem no pode escapar da responsabilidade de fazer o bem, e mesmo impossvel sob condies normais no fazer o bem; mas o que importa que ele saiba que Deus quem age. Uma obra meritria pertence a Deus, a despeito de participarmos nela; nossas obras so boas -- ou melhores -- na medida em que somos penetrados por esta conscincia.

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Quanto predestinao, to importante no pensamento agostiniano e depois no luterano, ela no no fundo seno uma necessidade ontolgica na medida em que se refere a uma determinada possibilidade. Ora, Deus pode deslocar ou mudar o modo de uma possibilidade, mas Ele no pode fazer uma possibilidade tornar-se impossvel.

A predestinao como tal est situada na Relatividade -- em My, se se prefere -- dado que ela diz respeito ao relativo ou ao contingente; mas sua raiz no Absoluto redutvel Necessidade. O Ser Absoluto compreende tanto a Necessidade como a Liberdade; e o mesmo, portanto, vale para o Ser relativo ou contingente, o mundo; deste modo, falso negar a possibilidade de liberdade no mundo, assim como falso negar a predestinao. Uma obra livremente realizada pelo homem sempre contm a predestinao, como uma dimenso diferente; mas, com uma mudana de nfase, tambm se pode dizer que uma obra livremente realizada est situada no campo da predestinao, como em um molde invisvel que pertence precisamente a outra dimenso; a diferena como aquela entre espao e tempo, no sentido de que o tempo totalmente diferente das trs dimenses espaciais e, entretanto, est sempre presente. O espao, ento, corresponde necessidade, no sentido de que as coisas nele so o que so, e so encontradas aonde so encontradas, enquanto o tempo corresponde liberdade, no sentido de que as coisas podem mudar ou se mover; tudo isto uma analogia puramente simblica, da indireta e parcial, pois, na realidade, necessidade e liberdade so encontradas em toda parte.

Seja como for, segue-se de tudo o que dissemos que um erro reduzir as obras predestinao, negando assim sua liberdade, e no menos um erro negar toda predestinao nas obras, concedendo a elas, portanto, uma liberdade absoluta que pertence somente a Deus. Pois o princpio este: a liberdade como tal sempre liberdade, e a necessidade como tal sempre necessidade, mas, enquanto a Necessidade e a Liberdade so absolutas em Deus, elas so relativas no mundo, no sentido de que no h necessidade manifestada que no compreenda um elemento de liberdade, por conta da contingncia, no mais do que h uma liberdade manifestada que no compreende um elemento de necessidade, em razo da predestinao. Reduzir nossas aes predestinao atribuir absolutez a elas; acreditar que elas so livres em relao ao Absoluto atribuir a Liberdade do Absoluto a elas. Ontologicamente, nossas aes so predestinadas, e devemos saber disso a fim de no acreditar que somos to soberanos quanto Deus, e que poderamos nos situar fora de Sua Vontade; mas, na prtica, nossas aes so livres, portanto meritrias, e devemos saber disso para sermos capazes de agir e ter mrito.

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16/6/2009 18:46

Na teologia, contudo, no h somente oposio entre predestinao e liberdade, h tambm oposio entre f e conhecimento; e, assim como alguns acreditam que a liberdade deve ser negada em nome da predestinao, ou inversamente, do mesmo modo outros acreditam que o conhecimento deve ser rejeitado em nome da f, ou, ao contrrio, como o caso entre os racionalistas, que a f deve ser rejeitada em nome do que eles acreditam ser o conhecimento. Na realidade, no h incompatibilidade aqui, assim como no h entre a liberdade e a predestinao; pois se esses dois princpios so as dimenses complementares de uma e mesma possibilidade de manifestao, o mesmo permanece verdadeiro para o conhecimento e a f, no sentido de que no h f sem algum conhecimento, nem conhecimento sem alguma f. Mas o conhecimento que tem a preferncia: a f um modo indireto e volitivo de conhecimento, mas o conhecimento suficiente por si mesmo, e no um modo de f; no obstante, quando situado na Relatividade, o conhecimento requer um elemento de f na medida em que ele a priori intelectual e no existencial, mental e no cardaco, parcial e no total; de outro modo toda compreenso metafsica implicaria a santidade ipso facto. Seja como for, toda certeza transcendente tem algo de divino em torno de si, apesar de como certeza apenas, e no necessariamente como a aquisio de um homem particular.

Em outras palavras: em clima semita, muito se fala da incompatibilidade entre conhecimento e f, e da preeminncia desta ltima a ponto de desprezar o primeiro e esquecendo que, na Relatividade, as duas vo juntas. O conhecimento a percepo adequada do real, e a f a conformidade da vontade e do sentimento a uma verdade imperfeitamente percebida pela inteligncia; se a percepo fosse perfeita, seria impossvel para o crente perder sua f.

J o conhecimento terico, mesmo perfeito e, portanto, inabalvel, sempre requer um elemento volitivo que contribui para o processo de assimilao ou integrao, pois devemos nos tornar o que somos; e este elemento operativo, ou este elemento de santidade, deriva da f. Inversamente, na f religiosa h sempre um elemento de conhecimento que a determina, pois, para acreditar, necessrio saber no que se deve acreditar; alm disso, na f plena h um elemento de certeza, que no volitivo e cuja presena no podemos impedir, quaisquer que sejam nossos esforos para refutar todo conhecimento a fim de beneficiar-se do obscuro mrito da f.

Apenas em Deus o conhecimento dispensado de um elemento de intensidade realizatria ou de vontade totalizante; quanto f, seu prottipo in divinis a Vida ou o Amor; e em Deus apenas a Vida e o Amor so independentes de qualquer motivo justificador ou que os determine ab extra. por participao neste mistrio que So Bernardo podia dizer: Eu amo porque eu amo, que como uma parfrase do dito da Sara Ardente: Eu sou aquele que sou; O que .

o conhecimento, ou o elemento verdade, que d f todo o seu valor, se no fosse assim, poderamos acreditar em qualquer coisa, desde que acreditssemos; somente como uma funo da verdade que a intensidade de nossa f tem significado. E, bastante paradoxalmente, a predestinao que nos faz escolher livremente a verdade e o bem; sem liberdade, no h escolha. Em ltima anlise, Predestinao tudo o que somos.

Mas a Liberdade divina requer uma predestinao que paradoxalmente relativa e que se relaciona a modos e graus, juntamente com a Predestinao que absoluta. Do mesmo modo, a Necessidade divina requer uma liberdade relativa juntamente com a Liberdade que, enquanto tal, absoluta; esta liberdade relativa a nossa, e mesmo no podendo ser outra coisa que liberdade, ela no obstante cai dentro da moldura de uma necessidade que a supera.

* * *

Assim como as igrejas antigas concebiam uma hierarquia que coloca monges e sacerdotes acima dos laicos e dos mundanos, do mesmo modo Lutero -- que no tinha nada de revolucionrio, e nem mesmo de democrata -- concebia uma hierarquia que coloca aqueles que vivem verdadeiramente pela f acima daqueles que ainda no alcanaram este ponto, ou que simplesmente no so capazes disto. Ele tencionava apelar queles que fazem de boa vontade aquilo que sabem e so capazes de agir com f firme na benevolncia e favor de Deus, e aqueles que outros devem emular; mas no aqueles que fazem mau uso desta liberdade e imprudentemente acreditam nela, de modo que devem ser governados por leis, ensinamentos e advertncias; e outras descries do tipo. Tudo isso significa que sua inteno incluia um tipo de esoterismo, ao menos na prtica: A f no basta -- ele declara --, exceto a f que se abriga sob asas do Cristo; ora, Cristo amor.

Ainda que eu falasse a lngua dos homens e dos anjos ... ainda que eu tivesse f, que eu pudesse remover montanhas, se no tivesse amor (charitas, agape), eu nada seria ... E abideth f, esperana, amor, estas trs; mas a maior o amor. Esta passagem crucial da primeira Epstola aos Corntios parece contradizer tudo o que o apstolo pensava sobre a justificao pela f em sua Epstola aos Romanos; como explicar este paradoxo? A resposta , por um lado, que o amor a coisa maior desde que Deus amor e desde que o mais nobre mandamento o amor de Deus e do prximo; mas, por outro lado, a f tem primazia, desde que ela a chave para tudo e a f que salva. O mstico de Wittemberg poderia mesmo dizer que na prtica -- no em princpio -- a f maior, porque o amor, sendo to grande, impraticvel e no pode ser conquistado exceto por e em Cristo e atravs da f. Que o amor to grande segue-se precisamente da passagem da Epstola aos Corntios, de onde o apstolo considera ser necessrio invocar a intercesso da lngua dos anjos, o dom da profecia, a compreenso de todos os mistrios e todo conhecimento e a f que remove montanhas. Lutero, no irrazoavelmente -- e baseando-se na doutrina da Epstola aos Romanos -- deduz que o amor realizvel apenas indiretamente ou virtualmente pela e na f, exceto pelo nvel que acessvel a ns naturalmente, a saber, a caridade para com nosso prximo. Numa palavra, afirmar que o amor a maior coisa no o mesmo que dizer que o mais imediatamente essencial; geralmente necessrio interpretar uma passagem em particular das Escrituras luz de outra determinada passagem, a qual, mesmo parecendo contradiz-la, na realidade a define e a torna concreta.

H, ademais, nesta famosa passagem aos Corntios, um elemento de estilizao semtica, no sentido de que o exagero, levado ao ponto da absurdez, serve para indicar a grandeza da coisa da qual se est falando; a lgica henotesta, por assim dizer, uma lgica que empresta um carter absoluto coisa cuja excelncia se quer demonstrar, em detrimento da outra coisa, tambm apresentada numa luz quase absoluta, em outro momento. Tomada literalmente, contudo, claramente absurdo sustentar que aquela f que pode remover montanhas, et cetera, no nada se no se tem amor, pois a uma f de tal fora nada poderia faltar, ou ento no seria to poderosa, precisamente; isto Lutero notou corretamente sua prpria maneira.

25/6/2009

Poderamos tambm dizer que o apstolo deslizou de uma perspectiva para outra, a saber, da f para o amor; ou, antes, que ambos os pontos de vista se foraram sobre sua mente sucessivamente, independentemente um do outro. Ora, uma escolha tem de ser feita: o Catolicismo e a Ortodoxia unidos por mais de mil anos -- estavam de acordo quanto preeminncia do amor, enquanto o Evangelismo queria enfatizar a f; amor com f no primeiro caso, f com amor no segundo. Com toda justia, ambas as acentuaes deveriam sempre ter coexistido e, de fato, foi assim frequentemente antes da Reforma; mas, de fato, a idia abramica e algo quietista da f que salva ficou em repouso durante aquele perodo de herosmo mstico e abuso supersticioso que chamamos de Idade Mdia.

A prova da primazia do amor que o mandamento supremo o amor de Deus e do prximo; e a prova da primazia da f que o credo na prtica mais essencial que a caridade, j que melhor acreditar em Deus sem caridade do que exercitar a caridade sem crer em Deus. O Catolicismo parte da idia do primado do amor e do fato de nossa liberdade, e requer zelo asctico; o Protestantismo, por seu turno, parte da primazia da f e do fato de nossa fraqueza, e requer firmeza na confiana.

Poderamos tambm mencionar uma analogia que nos leva de volta s nossas consideraes sobre os arqutipos religiosos: o vishinusmo distingue entre bhakti, amor propriamente dito, e herico se necessrio, e prapatti, o abandono confiante divina misericrdia; estas so as duas vias propostas ao fiel. Ora, a via do amor corresponde analogicamente perspectiva sacerdotal e monstica da cristandade antiga e patrstica, enquanto a via da confiana ou f encontrada no Evangelismo; analogia no identidade, mas em ltima anlise as atitudes fundamentais e os arqutipos celestiais dos quais eles derivam so os mesmo em ambos os lados.

O amor , por um lado, nossa tendncia para Deus -- a tendncia do acidente para a substncia e, por outro, nossa conscincia do eu no outro, e do outro em ns mesmos; tambm o senso da beleza, acima de ns e ao redor de ns e em nossa prpria alma. A f dizer sim verdade de Deus e da imortalidade -- esta verdade que carregamos nas profundezas de nosso corao --, e ver concretamente o que aparece como abstrato; , para falar em termos islmicos, servir a Deus como se o vssemos, pois, mesmo que no O vejamos, Ele no obstante sempre nos v; e tambm o senso da bondade de Deus e de confiana na misericrdia. Aquele que tem f, tem bondade; e aquele que tem amor, tem beleza; mas, ao mesmo tempo, cada um dos plos contm o outro. Ns somos os acidentes, e a Substncia Beleza, Bondade e Beatitude.

Amor e f: um e outro so uma porta para o conhecimento; e o conhecimento, por seu turno, d origem tanto f como ao amor. O amor se abre para a gnosis porque tende unio; a f se abre para ela porque fundada na verdade; amar querer estar unido, e crer reconhecer o que verdadeiro e se tornar o que se conhece.

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Ao debulharem as espigas de milho, os apstolos violaram o Sabbath; mas o Sabbath interior que conta e tem primazia sobre o exterior. So Paulo suprimiu a circunciso da carne em nome da circunciso do esprito; mestre Eckhart ensina que se soubssemos que Deus est em todas as partes, receberamos a Comunho mesmo comendo po comum. Tudo isto se torna claro luz deste princpio: meios exteriores so necessrios apenas porque -- ou na medida em que -- perdemos acesso a seus arqutipos interiores; um sacramento a exteriorizao de uma fonte de graa imanente -- a gua viva do Cristo --, exatamente como a Revelao uma manifestao exterior e macro-csmica da Inteleco. Lutero certamente no era consciente deste princpio ou mistrio; no obstante, seu recurso exclusivo f, sua tendncia de interiorizar tudo em nome do esprito, e contra a carne, portanto tambm sua reduo dos sacramentos com respeito forma e nmero, tudo se refere logicamente e misticamente ao princpio da interioridade ou imanncia do qual acabamos de falar.

O Coro d mais de um exemplo do princpio da ab-rogao (naskh): h versos que anulam outros e, na maioria dos casos, o significado de um -- seja o verso nulificado (nsikh) ou o anulado (manskh) -- mais universal do que do outro. O significado profundo deste fenmeno que toda forma pode ser ab-rogada por uma forma mais essencial e, com ainda mais razo, por sua essncia comum; uma forma nunca um puro absoluto, embora possa ser relativamente absoluta, como precisamente o caso das formas sagradas. Em clima hindu e budista, esta passagem -- gradual ou abrupta -- do formal ao essencial uma possibilidade reconhecida, enquanto no Ocidente semita ela excluda; a noo de heresia no admite reservas relativizantes, ou mesmo justificantes; este o esprito do alternativismo, que em muitos casos justificado -- no Oriente bem como no Ocidente --, mas no em todos os casos. Quanto ao princpio da ab-rogao, tivemos que mencion-lo no contexto das audcias de Lutero, a fim de demonstrar, indiretamente ao menos, que se uma perspectiva espiritual de fato possvel, ela pode bem sacar concluses que excedem o que normalmente se esperaria, ou que solapem as bases usuais de uma determinada criteriologia tradicional.

Se Lutero rejeita tudo o que o Catolicismo entende por tradio, em razo de uma associao de idias relacionadas com as prescries de homens mencionadas no Evangelho, como j assinalamos anteriormente; ele permite que apenas a Escritura permanea, e isto se torna tudo; a bibliolatria o piv de sua religio, como tambm o caso no Judasmo e no Isl.

* * *

A teologia escolstica ensina que o homem pode e, consequentemente, deve obter a graa no apenas atravs de um dom supranatural de Deus, mas tambm por meios naturais, como as virtudes e as obras. Lutero era bem consciente de que no podemos produzir a graa de Deus e, ademais, ningum havia dito o contrrio --, mas ele parece no ter tido conscincia de que podemos remover os obstculos que nos separam da graa, assim como o bastante abrir uma persiana para deixar a luz do sol entrar; no se atrai luz por mgica, menos ainda se a cria, mas se remove o que a torna invisvel.

O mstico de Wittenberg mais catlico que o Papa quando sente que pretenso da parte do homem acreditar na virtude quase tergica de certas aes: acreditar que um bom ato pode ipso facto conferir uma graa concordante, como se o homem tivesse o poder de determinar a vontade divina; e este sentimento fornece a Lutero uma razo, talvez a principal, para rejeitar a Missa. Na realidade, acreditar que podemos determinar a Vontade divina por nosso comportamento -- Deo juvante -- no de maneira nenhuma pretensioso, dado que Deus nos criou para isto; o efeito normal ou sobrenaturalmente natural de nosso teomorfismo; portanto, no h dano na idia de que nossas aes possam ser meritrias ante Deus; e ningum nos obriga a nos tornar orgulhosos delas. Uma boa conscincia um fenmeno normal; o clima normal dentro do qual o homem se move para Deus; no h nada na boa conscincia que nos atraia para o mundo, sendo perfeitamente neutra a este respeito, a menos que sejamos hipcritas. Ao contrrio, ela nos atrai para o Cu, j que por sua prpria natureza um antegosto do Cu.

O que constitui fundamentalmente a mensagem luterana a acentuao da f dentro da conscincia de nossa misria; ou por esta prpria conscincia, mas tambm a despeito dela. Todas as limitaes deste ponto de partida tem indiretamente a funo de chave ou smbolo e so compensadas, alm das palavras, pela inefvel resposta da Misericrdia; o tormento inicial resolvido em ltima anlise na experincia quase-mstica da f que apazigua, vivifica e libera.

* * *

A idia de que nenhuma obra pode ser justa ante Deus porque toda obra humana maculada pelo pecado -- primeiramente pela concupiscncia e depois pelo orgulho como resultado do pecado de Ado e Eva -- tem sua base lgica na limitao do Eu humano em face do Si divino, e na impossibilidade do Eu libertar-se sem a decisiva conformidade do Si. Certamente, analogia no identidade, e a teologia no a metafsica, a despeito dos pontos onde elas se encontram; mas l onde h analogia, pode sempre haver identidade, por exceo e em certo grau, como a centelha pode sempre surgir da pedra. As denominaes crists enquanto tais nunca poderiam ser da mesma ordem da gnosis, mais do que qualquer outro exoterismo poderia; e ainda que um mestre Eckhart e um Jacob Boehme manifestem esta perspectiva a seu prprio modo, o primeiro no arcabouo do Catolicismo e o segundo do Protestantismo. Ambos viam a transcendncia imanente do intelecto puro: Eckhart ao reconhecer o carter increatus et increabilis do ncleo da inteligncia humana, e Boehme ao se referir s iluminaes interiores (innere Erleuchtungen) de uma natureza sapiencial, e portanto intelectiva. Similarmente, cada um foi capaz de levar em conta My, o princpio da relatividade universal: Eckhart ao estabelecer a distino entre diferenciao hiposttica e Profundidade inefvel (der Ungrund), e Boehme ao posicionar o princpio de oposio ou contrastes, enraizado em Deus e operando no mundo a fim de fazer Deus conhecvel num modo objetivo e distintivo.

Reconhecem-se em Lutero tendncias bem similares quelas dos amigos de Deus (die Gottesfreunde), sociedade mstica que floresceu no sculo 14 no Rhineland, na Subia e Sua, e cujos representantes mais eminentes foram Tauler e o bem-aventurado Suso. O primeiro -- conhecido de Lutero -- fez a si mesmo o porta voz da doutrina eckhartiana da quietude (gelassenheit) e lutou contra a justia pela obras (Werkgerechtigkeit) e contra a religiosidade exterior.

Segundo Tersteegen -- um dos santos homens da Igreja Protestante -- os verdadeiros tesofos, de quem sabemos muito pouco depois do tempo dos Apstolos, foram todos msticos, mas est muito longe de ser o caso que todos os msticos sejam tesofos; nem um entre milhares. Os tesofos so aqueles cujo esprito (no a razo) explorou as profundezas da Divindade sob guiamento divino e cujo esprito conheceu tais maravilhas graas a uma viso infalvel.

O que o exoterismo no diz e no pode dizer nem o catlico, nem o ortodoxo, tanto quanto o protestante que o mistrio paulino ou bblico da f no outro em sua raiz do que o mistrio da gnose: isto significa dizer que a gnose o prottipo e a essncia subjacente da f. Se a f pode salvar, porque o conhecimento intelectivo liberta um conhecimento que imanente mesmo sendo transcendente, e inversamente. Os tesofos luteranos foram gnsticos dentro do arcabouo da f e os sufis mais metafsicos acentuaram a f sob a base do conhecimento; sem dvida h uma f sem gnose, mas no h gnose sem f. A alma pode ir a Deus sem assistncia direta do puro Intelecto, mas o Intelecto no pode se manifestar sem dar paz e vida alma, e sem exigir dela toda a f de que capaz.26/6/2009

Como o mormonismo, o bahasmo, o ahmadismo de Kadyan, e todas as novas religies e outras pseudo-espiritualidades que proliferam no mundo de hoje.

rio de Alexandria no era um alemo, mas sua doutrina ia ao encontro de uma aspirao da mentalidade alem, donde o seu sucesso entre os visigodos, os ostrogodos, os vndalos, os burgundianos e os longobardos.

Para um Joseph de Maistre, cuja inteligncia tinha, por outro lado, grandes mritos, os reformadores no eram seno ninguns que ousaram colocar suas opinies pessoais contra as certezas tradicionais e unnimes da Igreja Catlica; ele estava longe de suspeitar que estes ninguns falavam sob o peso de uma perspectiva arquetpica que, como tal, no podia seno manifestar-se em circunstncias apropriadas. O mesmo autor acusou o Protestantismo de ter feito um imenso mal ao dividir a Cristandade, mas ele prontamente perde de vista o fato de que o Catolicismo fez muito mais ao, imprudentemente, excomungar todos os patriarcas do Oriente; sem esquecer a Renascena, cujo mal foi, para dizer o mnimo, to imenso quanto o daqueles efeitos polticos e outros da Reforma.

Ele se separou da Igreja Romana somente aps sua condenao, queimando a bula de excomunho; ademais, no se deve perder de vista o fato de que, ao tempo da Reforma, no havia unanimidade sobre a questo do papa e dos conclios, e mesmo a questo da origem divina da autoridade papal no era isenta de toda controvrsia.

Tambm o Hindusmo, sem mencionar os paganismos mediterrneos, fornece um exemplo deste tipo, com o pedantismo pesado e interminvel dos brmanes, ao qual, contudo, no difcil escapar, dada a plasticidade do esprito hindu e a flexibilidade de suas instituies correspondentes.

Isto algo que, no campo catlico, o cardeal Newman e outros reconheceram.

Dito isto, no devemos perder de vista o fato de que os alemes do sul - os alamanis (alemes de Baden, os alsacianos, os suos alemes, os subios) e os bvaros (incluindo os austracos) tm um temperamento diferente dos alemes do norte, e que em todos os lugares h misturas; as fronteiras raciais e tnicas na Europa so em qualquer caso bastante flutuantes. No queremos dizer que todo alemo foi feito para o Evangelismo, pois tendncias germnicas podem obviamente se manifestar no Catolicismo, assim como, inversamente, o Protestantismo calvinista manifesta sobretudo uma possibilidade latina.

Termo de origem russa, significando um decreto ou dito de natureza imperial. N. do t.

isto, seja dito de passagem, que foi esquecido at mesmo pelos gurus mais impecveis da ndia contempornea, a comear de Ramakrishna.

Mateus 23: 8 e 10: Vs, porm, no queirais ser chamados Rabi, pois um s o vosso mestre, o Cristo, e todos vs sois irmos. (...) Nem vos chameis mestres, pois ele um s, o Cristo.

Ele diz isto numa nota marginal de sua traduo: Todo aquele que cr, deve sofrer perseguio e correr riscos (alles dram setzen). E ele repete isto em sua cano Ein festi Burg ist unser Gott: Mesmo se eles (os perseguidores) lhe tomarem corpo, bens, honra, filhos e esposa, deixe-os ir (lass fahren dahim); eles no recebero nenhum benefcio; o Reino (de Deus) ser nosso (das Reich muss uns doch bleiben).

Quanto ao liberalismo protestante, Lutero, aps breve lapso, previu seus abusos e, em qualquer caso, teria se horrorizado ao ver este liberalismo como se apresenta em nosso tempo; ele no poderia tolerar nem a mediocridade auto-suficiente, nem o fanatismo iconoclasta.

O Evangelismo propriamente falando, que est nos antpodas do Protestantismo liberal, foi perpetuado no pietismo, cujo pai foi De Labadie, um mstico convertido Reforma no sculo 17, e cujos mais notveis representantes foram sem dvida Spener e Tersteegen; este pietismo, ou esta piedade, existe sempre em vrios lugares, seja numa forma diminuda ou bastante honrada.

Como , ao contrrio, o caso do modernismo catlico. O fato de que este modernismo aberto no apenas ao Protestantismo, mas tambm ao Isl e a outras religies, no nos leva a lugar nenhum, j que o modernismo aberto a qualquer coisa a tudo, menos Tradio.

Pois ele foi um mstico, mais do que um telogo, o que explica muitas coisas.

Pode-se objetar que os semitas adotaram os filsofos gregos, mas esta no a questo, pois tal adoo foi diversa e desigual, para no mencionar as muitas reticncias. Ademais, Lutero - um homem cultivado - foi tambm um lgico e no poderia ser diferente; em certos aspectos, ele foi latinizado por necessidade - como um Alberto Magno ou um Eckhart - mas isso apenas na superfcie.

Quando os reformadores dizem que a missa papista uma abominao, isto nos faz pensar no bonze [monge] Nichiren que dizia ser suficiente invocar Amida uma nica vez para ser lanado no inferno; para no mencionar o Buda, que rejeitou o Veda, as castas e os deuses.

Entre os compositores de hinos, destacam-se o pastor Johann Valentin Andrea, autor de O matrimnio qumico dos rosa-cruzes cristos, Paul Gerhardt, Tersteegen e Novalis, cujos hinos esto entre as jias da poesia alem; e acrescentemos que a msica religiosa de Bach d testemunho do mesmo esprito de poderosa piedade.

Como diz Dante: Senhora, s to grande e possuis tamanho poder que quem deseja a graa, e no recorre a vs, como se desejasse voar sem ter asas (Paraso, XXXIII, 13-15).

Cuja tese foi mantida pelo Protestantismo liberal; Calvino tentou restaurar mais ou menos ao que era a posio de Lutero. A idia de um rito comemorativo puro e simples intrinsecamente hertica, desde que fazei isto em memria de sem sentido do ponto de vista da eficcia sacramental.

Pois no se deve lanar prolas aos porcos, nem dar as coisas santas aos ces. Para os ortodoxos, a missa o centro que tem os sacerdotes sua disposio, enquanto se pode dizer que, para os catlicos, o sacerdote que, na prtica, o centro que dispe das missas.

O mesmo pode ser admitido, talvez com certas reservas que so difceis de precisar aqui, para as comunhes calvinista e anglicana, mas no para aquelas dos zuinglianos e dos protestantes liberais, nem e isto pode parecer paradoxal primeira vista - para as missas conciliares ou ps-conciliares, que no so cobertas por um arqutipo vlido e, com suas intenes ambguas, so meramente o resultado de arbitrariedades humanas.

E isto independente da eficcia intrnseca do sacramento, apesar desta eficcia ser realizada apenas em proporo santidade, e portanto a receptividade, do comungante.

Supe-se que este argumento nos permita concluir que o po significa e portanto no -- o corpo de Cristo; a fraqueza do argumento est ao nvel da sua inteno.

Nos mistrio de Eleusis, tambm, po e vinho eram usados eucaristicamente e comunicam um poder divino.

De modo anlogo, o Isl v cada homem como um escravo, e o Asharismo praticamente conclui disto que cada homem capaz apenas de temor e obedincia -- que ele intelectualmente um vilo, ou um shdra como diriam os hindus.

No obstante, nem todos seus argumentos so conclusivos. Notemos neste ponto que em todas as controvrsias inter-confessionais encontramos argumentos puramente funcionais, que so inadequados em si mesmos; por exemplo, a Epstola aos Romanos atribui todos os vcios aos pagos, mas eles no podem ser atribudos ao melhor dos esticos ou neoplatnicos. Alguns argumentos pretendem limpar o terreno, e no servir verdade como tal -- e estes so necessariamente de dois gumes.

Se esta perspectiva, que no poderia deixar de se manifestar num dado momento do ciclo cristo, fosse intrinsecamente falsa e intil, como explicar que um esoterista como Jacob Boehme pudesse florescer em tal clima, para no mencionar outros rosa-cruzes e teosofistas hermticos luteranos. Ademais, sabido que o braso de Lutero apresenta uma rosa com um corao e uma cruz no centro, o que talvez seja mais do que uma casualidade. Mencionemos tambm neste contexto esoteristas anglicanos como John Smith, o platonista, e Willian Law, o telogo mstico, sem esquecer da mstica isolada da primeira metade do sculo 20 que foi a autora annima (Lilian Stavely) de The Golden Fountain, The Prodigal Returns e The Romance of the Soul.

verdade que certas convices de Boehme se desviaram da ortodoxia luterana -- ou ps-luterana -- mas ainda assim ele no se tornou um catlico; ele viveu e morreu na Igreja evanglica, e sua morte foi como a de um santo. Poderamos tambm mencionar Paracelso - por quem Boehme foi ademais inspirado --, que por sua vez foi teosofista rosicruciano, mstico e mdico, e a quem se deve a medicina espagrica, isto , ligada ao Hermetismo e baseada no solve et coagula dos alquimistas. Seria inexplicvel que uma mente to eminente escolhesse o Protestantismo se este fosse intrinsecamente hertico. Quanto a Boehme, notemos de passagem que sua antropologia, como a de certos Padres da Igreja, no est imune a um angelismo antissexual e moralizante, que v a queda original na forma do corpo, e no apenas na matria, enquanto a doutrina hindu, por exemplo, leva seriamente em conta o aspecto sexual do teomorfismo humano.

Em teologia, o intelecto puro prefigurado pela noo objetivizante do Esprito Santo, e My pela noo temporalizante da predestinao; o Esprito Santo ilumina, fortalece e inflama, e a predestinao faz as criaturas e as coisas serem o que so, e o que elas no podem deixar de ser.

Em uma epstola intitulada Kurzer Bericht von der mystik.

O tesofo ngelo Silsio talvez no tivesse deixado a Igreja Luterana se no tivesse sido expulso por seu esoterismo; em todo caso, a mstica bernardina parecia corresponder melhor sua vocao espiritual. Isto nos faz pensar em Shri Chaitanya que como um advaitino jogou fora todos os seus livros para pensar apenas em Krishna; e notemos neste ponto que este bhakta, aceito como orotodoxo, rejeitou o ritual dos brmanes e as castas a fim de colocar todo a nfase na f e no amor, no nas obras.