protestantismo em revista

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Revista eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo da Escola Superior de Teologia Volume 06 (ano 04, n. 01) – janeiro-abril de 2005 São Leopoldo – RS Periodicidade Quadrimestral - ISSN 1678-6408 http://www3.est.edu.br/nepp Foto: Divulgação

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Revista eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo da Escola Superior de Teologia

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Page 1: Protestantismo em revista

����������������� ����Revista eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo da Escola Superior de Teologia

Volume 06 (ano 04, n. 01) – janeiro-abril de 2005 São Leopoldo – RS

Periodicidade Quadrimestral - ISSN 1678-6408

http://www3.est.edu.br/nepp

Foto: Divulgação

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����������������� ����Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP) da Escola Superior de Teologia

Volume 06, jan.-abr. de 2005 – ISSN 1678 6408

Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 2

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Coordenador Geral Prof. Dr. Oneide Bobsin

Conselho Editorial Berge Furre - Universidade de Oslo Emil A. Sobottka – PUCRS Adriane Luísa Rodolpho – Escola Superior de Teologia Ricardo W. Rieth – Escola Superior de Teologia/ULBRA Edla Eggert – Unisinos

ISSN: 1678-6408

Responsável por esta edição Oneide Bobsin

Capa desta edição Iuri Andréas Reblin

Revisão Rogério Sávio Link, Adriane Luísa Rodolpho, Mary Rute Gomes Esperandio, Oneide Bobsin e Iuri Andréas Reblin

Editoração Eletrônica da edição em HTML Rogério Sávio Link

Editoração Eletrônica da edição em PDF Iuri Andréas Reblin

Esta versão em PDF é uma edição revista da edição original.

Link Desta Edição: http://www3.est.edu.br/nepp/revista/006/ano04n1.pdf

Protestantismo em Revista é um órgão do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP), que visa ser um canal de socialização de pesquisas de docentes e discentes da área de Teologia, Ciências das Religiões, abrangendo o espectro das Ciências Humanas e das Ciências Sociais Aplicadas, tanto de integrantes da Escola Superior de Teologia (EST) quanto de outras instituições. Protestantismo em Revista está sob a coordenação do Prof. Dr. Oneide Bobsin, titular da Cadeira de Ciências das Religiões da EST.

A revista eletrônica Protestantismo em Revista é uma ������������ ��������� (jan.-abr.; mai.-ago., set.-dez.), sendo que as três edições do ano são tradicionalmente planejadas em duas edições temáticas e uma edição livre. Comumente, a equipe de redação ������� ����� até o ����� do ����� ���� do quadrimestre e a �������� acontece normalmente na segunda quinzena do �������� ��� do quadrimestre, salvo exceções. Confira a data estipulada na grade do tópico “edições anteriores” no site da revista.

Os trabalhos deverão ser ����� ����������������������� do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo: [email protected]. Consulte as normas no site da revista. Demais informações e edições anteriores, acesse o site (http://www3.est.edu.br/nepp)

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Sumário

Editorial..................................................................................................................................................4

Textos:

Max Weber: algumas referências biográficas ....................................................................................7

Por Adriane Luísa Rodolpho

Luteranos na Ética Protestante ..........................................................................................................10

Por Oneide Bobsin

A Identidade Batista e o “espírito” da Modernidade.....................................................................15

Por Mary Rute Gomes Esperandio

Da ética protestante à ética “iurdiana”: O “espírito” do capitalismo .........................................29

Por Mary Rute Gomes Esperandio

Weber, la ética pentecostal y el espíritu neoliberal entre los pobres...........................................45

Por Pedro Acosta Leyva Resenhas, Leituras e Prefácios de Obras: Prefácio do livro “O que é o Islã? – Perguntas e Respostas”.........................................................52

Por Oneide Bobsin Como citar esta revista.......................................................................................................................55

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Editorial

É com prazer que trazemos a público esta edição da Protestantismo em Revista.

Esse número compreende alguns artigos de pesquisadores do NEPP a respeito da

Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, obra do sociólogo alemão Max Weber, que

está completando cem anos de publicação no biênio 2004/2005. Estamos nos

referindo ao segundo semestre de 2004 passado, quando analisamos a obra de Weber

do ponto de vista das confissões protestantes nela representadas. Solicitamos a

membros do Núcleo ou professores da EST que abordassem o trabalho de Weber a

partir de seu olhar confessional. Ao reformado, pedimos um texto sobre Calvino na

referida obra. De semelhante forma, solicitamos a contribuição de um luterano,

batista, metodista, pentecostal. Também discutimos o assunto do ponto de vista do

pietismo. Lamentamos que nem todas as apresentações se transformaram em textos.

Abrimos a revista com uma breve bibliografia sobre Max Weber, feita pela

Dra. Adriane Luiza Rodolpho, professora de antropologia cultural e da religião da

Escola Superior de Teologia.

Coube a mim analisar a compreensão de Weber a respeito do conceito de

vocação em Lutero. Minha análise procura transcender as colocações feitas por

Weber no capítulo que trata especificamente da contribuição luterana ao “espírito”

do capitalismo. Em síntese, Weber não considera relevante o novo sentido dado à

palavra Beruf na configuração do “espírito” do capitalismo. Para Max Weber, o

luteranismo não traz impulsos para uma ação “revolucionária”. Ele foi

demasiadamente tradicionalista, ou seja, manteve-se muito próximo do catolicismo

medieval, não obstante sua ética intramundana.

A doutoranda Mary Ruth Esperandio apresenta dois instigantes textos. Em A

identidade batista e o espírito da Modernidade, está em análise o ethos batista brasileiro.

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Tendo em vista a tipologia weberiana, pergunta-se pela identidade protestante dos

batistas brasileiros. A autora percebe entre os batistas elementos do que Weber

denominou “espírito” do capitalismo. Entre outros aspectos, realça que “a fé

individual leva a um estilo de vida que se traduz na conformação racional de toda a

existência”. Em relação ao que denomina religiosidade contemporânea, que se

caracteriza pela aposta no presente, ressalva que os batistas dela se distanciam. Para

os batistas brasileiros, a certeza de salvação no futuro continua a ser um traço

identitário.

O segundo artigo de Esperandio faz instigantes comparações entre as

concepções de trabalho em Weber e na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a

qual expressa os traços básicos de uma religiosidade contemporânea. Enquanto no

calvinismo o trabalho relaciona-se com uma vida ascética, que leva à poupança, na

compreensão expressa pela IURD, o gozo do presente está em evidência. Em termos

não usados pela autora, diria que a “gastança” tomou lugar da poupança. Em vez de

uma ética puritana, temos agora o hedonismo da sociedade de consumo.

Acrescentaria por minha conta que o Deus distante do calvinismo weberiano

transformou-se numa divindade próxima e serviçal, comandada magicamente por

quem solicita as bênçãos. Em contrapartida, poderíamos nos perguntar se a bênção

material, como sinal externo, não seria um ponto em comum entre o calvinismo na

compreensão de Weber e o modo iurdiano de viver a religião. Começa-se, então, a

classificar a “teologia da prosperidade” da IURD e tendências afins como um

neoprotestantismo. Estaríamos diante de um neoprotestantismo à brasileira? Como

disse acima, essas colocações decorrem da leitura instigante da doutoranda a respeito

da IURD enquanto um modo de subjetivação contemporâneo.

Teólogo afro-descendente cubano e mestre em Teologia pelo IEPG, Pedro

Acosta Leyva resgata o valor da obra de Weber para o seu país, onde uma forte

tradição marxista “vulgarizou” perspectivas de análise a partir da antropologia e da

psicologia. Na mesma perspectiva, o doutorando busca em Weber uma chave de

leitura para entender o “espírito do capitalismo” em práticas religiosas pentecostais e

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neopentecostais, evitando o risco tão comum de reduzi-las ao economicismo. Sob

minha responsabilidade acrescentaria que a análise de Weber sobre a burocracia,

empresarial e/ou estatal, poderia ter ajudado aos partidos de esquerda a

continuarem tencionando entre o espírito revolucionário e as pesadas estruturas

burocráticas que vieram em seu lugar.

Entre outras lacunas deste número da Protestantismo em Revista, destaco

alguns aspectos que merecem aprofundamento na Ética Protestante e o Espírito do

Capitalismo. Primeiro, Weber conhecia profundamente o pensamento teológico das

tendências protestantes nascidas na Reforma do século XVI. Segundo, ele não faz

afirmações categóricas, pois conhece como essas “verdades” teológicas orientam a

vida prática das pessoas. Alguém da antropologia, já disse que a etnografia está em

gérmen nesta obra clássica da sociologia da religião. Em terceiro lugar, há a

compreensão weberiana de que os reformadores do século XVI não tiveram como

propósitos as implicações decorrentes de suas mensagens. Weber relembra que o

homem de seu tempo tem dificuldade em compreender o mundo religioso do século

XVI. Com isso, afirma que o cerne da teologia dos reformadores explicita-se na

pergunta pela salvação. Logo, as implicações sociais, políticas e econômicas decorrem

de uma resposta à pergunta pela salvação religiosa. Em outras palavras, Lutero,

Calvino e outros reformadores não estavam preocupados com o desenvolvimento do

“espírito do capitalismo”.

Por fim, incorporamos a este número o prefácio por mim elaborado do livro

O que é o Islã? de Melanie Miehl. É uma obra traduzida do alemão, que visa

responder a uma série de perguntas sobre o islamismo. Foi publicado recentemente

pela Editora Sinodal, São Leopoldo. É um texto didático. Logo, extremamente

acessível.

São Leopoldo, julho de 2005.

Prof. Dr. Oneide Bobsin

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Max Weber: algumas referências biográficas

Por Adriane Luísa Rodolpho*

Max Weber nasceu em Erfurt (na Thuringe) em 1864 e faleceu de pneumonia

em 1920, em Munique, à idade de 56 anos. Seu pai era um jurista de formação, tendo

sido eleito deputado nacional-liberal junto à Dieta da Prússia e do Reichtag em 1869.

Segundo alguns autores, o pai de Max Weber pertencia a um círculo de amizades

formado por intelectuais (ele conhece W. Dilthey e T. Mommsen) e homens políticos,

como será o caso, mais tarde, do próprio Max. Este recebe de sua mãe uma educação

marcada pelo rigor calvinista (Galey e Lenclud, 2000). Outros autores nos dão mais

detalhes dessa típica família protestante da burguesia alemã: enquanto o pai

pertencia à burguesia afortunada, a mãe, mulher de grande cultura (sic), era de

origem huguenote (Hervieu-Léger e Willaime, 2001). Se, do ponto de vista cultural,

os pais de Weber estavam em sintonia, seu ambiente familiar contrastava, do ponto

de vista religioso, entre a figura do pai – indiferente à religião – e a da mãe

fortemente ligada a ela.

Weber realiza sua formação secundária em várias cidades como Berlin,

Heidelberg, Strasburg e Göttingen. Seus estudos foram em filosofia, teologia, direito,

história e economia política. Aos vinte e cinco anos, conclui seu doutorado sobre

história das sociedades comerciais na Idade Média, em 1889. Advogado desde 1886,

Weber é nomeado assistente de direito em Berlim em 1891, cidade onde inicia sua

carreira como professor e pesquisador. Em 1892, apresenta como habilitação para

ingresso na Universidade de Berlin o trabalho sobre história agrária romana,

tornando-se assim Privatdozent. Em seguida, em 1894, Weber transfere-se para a * Bolsista Prodoc/Capes junto à Escola Superior de Teologia. Doutora em Antropologia Social e

Etnologia pela Ecole des Hautes Etudes em Sciences Sociales (EHESS-Paris) e Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAS/UFRGS).

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universidade de Fribourg-em-Brisgau, aos trinta anos. Dois anos após, Weber

trabalha em Heidelberg onde, em 1903, irá interromper sua curta carreira docente.

Aos trinta e oito anos e sofrendo de depressão nervosa, ele renuncia ao magistério,

mas não à pesquisa. No mesmo ano, 1903, Weber inicia junto com Edgar Jaffé e

Werner Sombart o projeto de uma revista de ciências sociais, os arquivos de história

social e sócio-política (Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik). Nesta revista,

Weber publicará sob forma de longos artigos, o essencial de uma obra reagrupada

em publicações póstumas, assim como nas revistas Die Christiche Welt e Frankfurter

Zeitung.

Weber viaja aos Estados Unidos com Ernst Troeltsch durante os meses de

agosto a dezembro de 1904. Grande amigo de Max, Troeltsch (1865-1923) chegou a

morar na casa dos Webers, onde circulavam nomes como Georg Simmel, Karl

Jaspers, Georg Lukàs e o já citado Sombart. Com Simmel e Ferdinand Tönnies, Weber

funda, em 1909, a Sociedade Alemã de Sociologia, da qual ele demissionará em 1912

em função de divergências sobre a questão da “neutralidade axiológica nas ciências

sociológicas e econômicas” (título de um de seus artigos, de 1917). As amizades de

Max Weber contavam igualmente com alguns teólogos como Friedrich Naumann

(1860-1919) e Martin Rade, editor da revista Die Christiche Welt. Naumann foi o

primeiro presidente do partido democrata alemão, do qual Weber era membro, e um

dos fundadores da República de Weimar. Weber igualmente participa dos trabalhos

da comissão encarregada de elaborar a constituição desta República.

O envolvimento de Weber na ação política e social inicia cedo, aos vinte e

quatro anos, quando torna-se membro da Associação para a Política Social (Verein für

Sozialpolitik). Para essa Associação, Weber produz, em 1892, um extenso estudo de

900 páginas sobre “as relações dos operários agrícolas na Alemanha ao leste do

Elba”, um estudo sobre os conflitos no seio dos camponeses da Prússia oriental.

Weber freqüenta também o Congresso Social Protestante (Evangelish-soziale Kongress),

fundado em 1890 por sociólogos, economistas e teólogos. Segundo Hervieu-Léger e

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Willaime, Max Weber era um típico protestante liberal de sua época, um protestante

sem igreja (sic), independente do ponto de vista religioso como político (p. 62). Suas

duas últimas conferências na Universidade de Munique, em 1917 e 1919

respectivamente, têm como títulos: ‘A ciência como trabalho e vocação’ (Wissenschaft

als Beruf) e ‘A política como trabalho e vocação’ (Politik als Beruf).

Referências

GALEY, J . C.; LENCLUD, G. Verbete Max Weber. In: Bonte-Izard. Dictionnaire de l’ethnologie et de l’anthropologie. Quadrige/Presses Universitaires de France, 2000, pp 742-744.

HERVIEU-LÉGER, D.; WILLAIME, J-P. Sociologies et religion. Approches classiques. Presses Universitaires de France, 2001, pp 59-109.

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Luteranos na Ética Protestante

Por Oneide Bobsin*

Resumo: Max Weber apresenta um novo sentido dado ao termo Beruf – vocação – por parte de Lutero. Viver o chamado divino no exercício profissional foi considerado por Weber como um dos elementos – ao lado da predestinação - que provocaram o processo de racionalização ou desencantamento (Entzauberung) do mundo. Situado nesta problemática, o texto faz uma comparação entre o pensamento de Lutero e Calvino, graça e “espírito do capitalismo”, respectivamente. Palavras-chave: Beruf/vocação; “espírito” do capitalismo; graça e trabalho.

Não é possível restringir a compreensão que Max Weber tem das implicações

da obra de Lutero ao capítulo da Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo que

apresenta o conceito de vocação. Outros aspectos correlatos a esse tema da teologia

de Lutero estão presentes no todo da obra centenária de Weber.

Também deve ser destacado que a referência básica da obra em análise é o

conceito de Predestinação de Calvino e não o de Beruf, de Lutero. Para Weber, a

contribuição de Lutero na configuração do Espírito do Capitalismo é insuficiente, pois

Beruf, como realização da vontade divina no mundo secular, não promove impulsos

em direção ao capitalismo. Weber vê Lutero como alguém mais próximo do

tradicionalismo católico e distante de Calvino. Como a graça permite um renovar

diário depois da queda e do perdão dos pecados, a motivação religiosa não gera

impulsos “revolucionários” afins ao capitalismo na sua fase primitiva, comercial.

* Bobsin é doutor em Ciencias Sociais/ Sociologia Política pela PUC-SP e professor titular da cadeira

de Ciências da Religião da Escola Superior de Teologia.

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Assim, não se pode colocar na pena de Lutero o que vale para Calvino.

Vejam o que disse Weber a respeito da posição luterana de sua época: “Os próprios

círculos eclesiásticos que hoje costumam com todo o zelo exaltar o ‘feito’ da Reforma

em geral não são nada amigos do capitalismo, seja lá em que sentido for”1. Logo após

essa tese, Weber continua sua avaliação de Lutero com as seguintes palavras: “Mas

com tanto mais razão o próprio Lutero com certeza teria rejeitado rispidamente

qualquer parentesco com uma disposição como a que vem à luz em Franklin”2.

Como sustentação de tal idéia, Weber destaca as declarações de Lutero contra a

usura e a cobrança de juros.

Weber demonstrou que, no decorrer dos anos, Lutero reforçou o

tradicionalismo, distanciando-se ainda mais dos impulsos calvinistas em prol do

“espírito do capitalismo”. Sua definição de vocação em Lutero, já se avizinhando da

influência da ortodoxia, assim foi formulada: “A vocação é aquilo que o ser humano

tem de aceitar como desígnio divino, ao qual tem de ‘se dobrar’ – essa nuance eclipsa

a outra idéia também presente de que o trabalho profissional seria uma missão, ou

melhor, a missão dada por Deus” 3. Mesmo assim, Weber destaca que o luteranismo

suplantou os deveres monásticos em favor do exercício da profissão como uma ética

intramundana (innerweltlich). Em outras palavras, a vida monástica perdeu espaço e

foi superada por esta ética intramundana. Marx já havia formulado algo parecido

quando avaliou que a reforma luterana havia suprimido o sacerdote da religiosidade

externa em favor de uma religiosidade interna, convertendo os seculares em curas4.

1 Max WEBER, A Ética Protestante, p. 74. 2 Idem, Ibidem, p. 74. Weber caracteriza o “espírito do capitalismo” do século XVI, afim ao

calvinismo, com as máximas atribuídas a Benjamim Franklin: tempo é dinheiro, crédito é dinheiro, dinheiro é procriador por natureza e fértil, um bom pagador é senhor da bolsa alheia, etc. Max WEBER, A Ética Protestante, p. 42-44.

3 Idem, p. 77. 4 Ao avaliar a contribuição da Reforma para o atraso da revolução alemã, já que Marx tinha no

horizonte os avanços socialistas na França, ele afirmou: Lutero, admitámoslo, venció a la servidumbre por la devoción, porque la substituyó por la servidumbre em la convicción. Quebro la fé em la autoridad porque restableció la autoridade de la fe. Convertió a los curas en seglares, porque convertió a los seglares en curas. Liberó al hombre de la religiosidad externa porque fizo de la religiosidad el hombre interior. Emancipó de las cadenas al corpo porque cargó de cadenas el

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Embora Weber se vale do novo sentido da tradição da palavra Beruf,

conforme o deslocamento feito por Lutero do espaço sagrado (Bíblia) para as

profissões do mundo secular, poderíamos buscar em outros textos do reformador

eclesiástico a compreensão segundo a qual o tradicionalismo se justifica pelo

exercício profissão secular como forma de ser prestativo aos outros. Pela profissão

secular cada pessoa contribui para a comunidade. Um texto escrito por Lutero à

nobreza alemã nos ajuda a confirmar, por outra via, a tese de Weber sobre o

tradicionalismo de Lutero:

Da mesma forma como aqueles que agora são chamados clérigos ou sacerdotes, bispos ou papas, não são mais dignos ou distintos do que outros cristãos, se não pelo fato de deverem cuidar da palavra de Deus e dos sacramentos – esta é sua a ocupação e seu ofício –, também a autoridade secular tem a espada e o açoite na mão, para com eles punir os maus e proteger os retos. Um sapateiro, um ferreiro, lavrador, cada um tem o ofício e a ocupação próprios de seu trabalho. Mesmo assim todos são ordenados sacerdotes e bispos de igual modo, e cada qual deve ser útil e prestativo aos outros com seu ofício ou ocupação, de forma que múltiplas ocupações estão todas voltadas para uma comunidade, para promover corpo e alma, da mesma forma com que os membros do corpo servem todos um ao outro.5

No capítulo subseqüente, onde são tratados os fundamentos religiosos da

ascese intramundana, Weber demonstra que entre Lutero e Calvino há uma outra

diferença muito grande. Ao passo que em Lutero as múltiplas profissões confluíam

no amor ao próximo, no calvinismo o homem existia para a glória de Deus; logo, o

trabalho não se voltava à criatura6.

Embora não seja um teólogo, Weber demonstra um conhecimento muito

profundo das sutilizes teológicas entre as diversas concepções dos reformadores do

século XVI. Além disso, Weber traz exemplos do cotidiano como decorrência das

coración. Pero si el protestantismo no fue la verdadera solución, fue al menos el verdadero planteamento del problema. Karl MARX, Contribución a la crítica de la filosofia del direcho de Hegel, p. 101.

5 Martinho LUTERO, À Nobreza Cristã da Nação Alemã, p. 81. 6 Idem, p. 99.

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diversas concepções entre os reformadores. Ao apresentar o ditado popular Deus

ajuda a quem se ajuda, mostra que isto confrontaria a justificação pela fé dos luteranos

ao dogma calvinista. Contudo, o calvinista não poderia ser acusado de ter uma

recaída medieval como se estivesse acumulando méritos, mas antes permanecia a

alternativa introspectiva: “eleito ou condenado”?7

Outro contraste destacado por Weber mostra que a santificação da vida

cotidiana nos marcos do calvinismo levava a um estilo metódico, como numa

empresa. ( Weber, 2004, p. 13). Os luteranos, por sua vez, não seguiam por este

caminho. “A grassia amissibilis luterana, que a todo instante podia ser recuperada

pelo arrependimento, não continha em si, obviamente, nenhum estímulo àquilo que

aqui nos importa como produto do protestantismo ascético: uma sistemática

conformação racional da vida ética em seu conjunto”8. Em outras palavras, “faltava

ao luteranismo, justamente por conta de sua doutrina da graça, o estímulo

psicológico para sistematização da conduta de vida, sua racionalização metódica”9.

A influência da visão luterana sobre o pietismo em solo alemão também

subtrai deste parte dos impulsos para uma afinidade com o “espírito do

capitalismo”. Na busca luterana da salvação, a santificação prática não está em

evidência. Sob o impacto do perdão dos pecados, o pietismo alemão dá um passo

tímido em direção à conformação do “espírito capitalista”, tal como se fez presente

no calvinismo10.

Portanto, se para Weber a ascese saiu dos mosteiros para a vida cotidiana,

imprimindo uma vida metódica afeita ao mundo racional das empresas, da mesma

forma ele reconheceu que o “ capitalismo vitorioso, em todo o caso, desde quando se

apóia em bases mecânicas, não precisa mais desse arrimo. Também a rósea galhardia

de sua risonha herdeira, a Ilustração, parece definitivamente fadada a empalidecer, e

7 Idem, p. 105. 8 Hoennicke, Troeltsch apud Max WEBER, A Ética Protestante, p. 115 e 225-227. 9 Max WEBER, A Ética Protestante, p. 116. 10 Idem, p. 125.

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a idéia do ‘dever profissional’ ronda a nossa vida com um fantasma de crenças

religiosas de outrora”11.

Por fim, Weber continua sendo uma referência explicativa na atualidade? No

que tange à sua análise, há uma pergunta aberta quando se pensa no lugar do

luteranismo hoje. Ele continua sendo um caminho do meio entre o tradicional

catolicismo medieval e o calvinismo impresso num cotidiano em que a vida metódica

dispensa os impulsos religiosos? Independente de uma possível resposta, a vivência

da vocação no mundo secular continua uma idéia fora de lugar e um fantasma que

não consegue se transformar em corpo. Por quê? Provavelmente, porque a graça não

encontra correlato em nossa sociedade urbana, pós-industrial e capitalista, com forte

pluralismo religioso.

Referências

LUTERO, Martinho. À Nobreza Cristã de Nação Alemã, acerca do Melhoramento doEstado Cristão. In: Pelo Evangelho de Cristo. Porto Alegre/São Leopoldo: Concórdia Editora Ltda./ Editora Sinodal, 1984, p. 75-152.

MARX, Karl. Contribuición a la crítica de la filosofía del derecho de Hegel (1844). In: ASSMAN, Hugo e MATE, Reyes (ORGs.): Sobre la Religión – Karl Marx-Friedrich Engels. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1979, p. 93-106.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Edição de Antônio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

11 Id., p. 165.

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A Identidade Batista e o “espírito” da Modernidade

Por Mary Rute Gomes Esperandio*

Resumo: A partir do estudo de Weber sobre “a ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo”, apresento uma reflexão a respeito da construção do ethos batista no Brasil. Interessa-me salientar os elementos mais relevantes na composição da identidade batista, contribuindo, dessa forma, com o trabalho de colocar em evidência a diversidade presente no protestantismo brasileiro. Palavras-chave: Batistas, identidade, ética, produção de subjetividade, Modernidade.

Palavras iniciais...

Os batistas são ou não protestantes? Ao falar sobre a formação do

pensamento batista brasileiro, Azevedo observa que os batistas integram uma

denominação1. Entretanto, afirma, também, que “os batistas são protestantes”2.

Embora, para a própria denominação batista essa afirmação seja um tanto

questionável, “não há como considerá-los exceto como parte deste movimento

religioso moderno”3. Qual foi o contexto em que os batistas se estabeleceram no

Brasil? Qual sua relação com a Modernidade e o Liberalismo? É possível concordar

* Psicóloga. Doutoranda em Teologia Prática no Instituto Ecumênico de Pós-graduação - Escola

Superior de Teologia. São Leopoldo. 1 “A seita do século 17 inglês torna-se a partir do século 19 norte-americano uma denominação, que

pode ser caracterizada pela tomada de posse dos valores cristãos como se lhes fossem exclusivos. Assim, no interior do cristianismo, as denominações podem ser vistas como conjuntos de tradições seguidas por igrejas. [...] Os batistas integram uma denominação”. Israel Belo de AZEVEDO. A celebração do indivíduo: A formação do pensamento batista brasileiro. Piracicaba-SP: Unimep. 1996. (p. 18).

2 Op. Cit. p. 23. 3 Idem, p. 23.

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com Weber, reconhecendo os batistas como grupo religioso que integra a ascese

protestante que favoreceu o estabelecimento do espírito moderno? Será que a

interpretação weberiana acerca dos batistas do século XVI e XVII poderia se aplicar

aos batistas brasileiros? Bobsin pontua que “a transposição imediata de categorias

sociológicas de Weber ou de outros, e de suas conclusões a respeito do

protestantismo do século XVI, da Europa, não facilita a análise sociológica do

protestantismo que aqui se configurou”4. As perguntas levantadas serão

problematizadas ao longo desse texto.

A perspectiva weberiana da ética protestante e o espírito do capitalismo

Intrigado pela constatação do “caráter predominantemente protestante5 dos

proprietários do capital e empresários, assim como das camadas superiores da mão-

de-obra qualificada, notadamente do pessoal de mais alta qualificação técnica ou

comercial das empresas modernas”, Weber busca compreender as razões para o que

ele percebe como sendo “afinidades eletivas” entre o capitalismo e a ética

protestante, especificamente em relação à concepção de trabalho como vocação e a

ascese intramundana. No esforço de apresentar os elementos que configuram tais

afinidades, Weber não apenas define o “ethos protestante” como, também, explicita

os pontos nos quais a concepção puritana de vocação profissional e exigência de uma

conduta de vida ascética haveriam de influenciar diretamente o desenvolvimento do

estilo de vida capitalista.

Sobre o Calvinismo, o autor observa que foi a fé em torno da qual se

moveram as grandes lutas políticas e culturais dos séculos XVI e XVII nos países

capitalistas mais desenvolvidos - os Países Baixos, a Inglaterra, a França. Um dos

4 Oneide BOBSIN. Protestantismo e transformação social. Estudos Teológicos, 27 (3): 119-137, 1987 (p.

131). 5 Weber identifica quatro elementos constituintes do protestantismo ascético: o calvinismo, o

pietismo, o metodismo e as seitas nascidas do movimento anabatista.

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dogmas do Calvinismo é a predestinação. Essa diz respeito à salvação e ao modo

como a mesma é alcançada. Os “predestinados para a salvação” são aqueles aos

quais Deus, de antemão, predestinou uns para a salvação, outros para a perdição.

Nesse sentido, a salvação não é algo a ser buscada pelo ser humano, uma vez que ela

advém da decisão livre de Deus, sem que haja qualquer participação humana nesse

processo. É uma decisão divinamente arbitrária. O ser humano é nada. Deus é tudo e

é ele quem decide a salvação ou danação do ser humano. O ser humano é, no mundo,

apenas uma “ferramenta de Deus”, instrumento de uso divino para aumento de sua

glória.

Weber pontua que um dos efeitos da crença nesse dogma foi o que ele chama

de recusa a uma “cultura dos sentidos”. Uma vez que a salvação é uma decisão

divina arbitrária, nenhum esforço humano para alcançá-la deve ter lugar. Nenhum

meio mágico, ou qualquer outro meio poderia proporcionar a graça divina àqueles a

quem Deus houvesse decidido negá-la. Assim, nenhuma ilusão de sentimento

quanto à possibilidade de salvação por um esforço próprio ou por algum meio

supersticioso deveria ser fomentada. Isto levou ao isolamento íntimo do ser humano

e produziu uma recusa a “cultura dos sentidos”, configurando um individualismo

desiludido e de coloração pessimista. Um outro efeito relaciona-se a modelagem de

uma vida moralmente regrada, um modo de existência que pudesse “comprovar”,

pelas atitudes éticas, a condição de “eleito”. Ao lado do Calvinismo6, em termos de

importância por causa dos efeitos que se fizeram produzir em razão de seu

desenvolvimento histórico nos séculos XVI e XVII, estão os anabatistas e os batistas.

6 Por questão de espaço e enfoque desse estudo, será deixada de lado a exposição de Weber a

respeito do pietismo e metodismo. Contudo, faz-se relevante notar que o Metodismo, além dos elementos que integram o protestantismo com afinidades eletivas com o capitalismo observados por Weber, apresenta, também, e merecendo destaque, outros traços que “atenuam” alguns efeitos daquele capitalismo que já começara a se estabelecer. Bonino chama a atenção para o fato de que a análise de Wesley “da crise social de seu país o leva a ver o desemprego como a raiz da miséria. Por isso desenvolve uma série de projetos destinados a criar fontes de trabalho e inclusive a capacitar as pessoas para melhor se desempenharem nele” (Bonino, 1983, p. 9). Recomendo, para aprofundamento dessa questão, o livro de José Miguez BONINO. Metodismo: releitura latino-americana. Piracicaba-SP, 1983.

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Enquanto que no Calvinismo a fé tinha o sentido de reconhecimento da

doutrina da Igreja (sobretudo acerca da predestinação) e também no sentido de

obtenção da penitente graça divina, no grupo anabatista e batista ela passa a ter um

outro sentido. Nesses grupos, a fé consistia na apropriação interior e individual da

obra de redenção, mediante a ação do Espírito Santo. O Espírito Santo funcionava,

aqui, como uma potência “atuante na vida diária do crente falando diretamente ao

indivíduo que quiser ouvir”7. Assim, o testemunho interior passou a ter significação

decisiva da atuação do Espírito na razão e na consciência. Dessa forma, a doutrina da

salvação deixou de ser realizada por via eclesiástica, através dos sacramentos por ela

ministrados, e provocou assim, o que Weber chama de “desencantamento religioso

do mundo”.

Ao mesmo tempo, essa prática, caracterizando o distanciamento da Igreja

como instituição que ministra salvação, possibilitou a organização de “seitas”. Weber

caracteriza como seitas, a “associação voluntária de indivíduos religiosamente

qualificados”. Esse distanciamento da disciplina eclesiástica para alcançar a salvação

colocou ênfase na apropriação subjetiva da religiosidade ascética por parte de

indivíduo, levando-o a uma conduta específica de vida. A adesão às seitas

pressupunha uma submissão voluntária motivada pela busca de um “estado de

graça”. Esse estado de graça, por sua vez, só pode ser garantido através da

“comprovação em uma conduta de tipo específico, inequivocamente distinta do

estilo de vida do homem ‘natural’”. Ele não vem por meio mágico-sacramental, nem

pela descarga da confissão, nem pela realização de boas obras. De acordo com

Weber, para os anabatistas e as seitas daí decorrentes, o estado de graça é

comprovado com um estilo de vida que se traduz na conformação racional de toda a

existência, orientada pela vontade de Deus.

De que modo, então, essa comprovação (em qualquer dos quatro grupos)

poderia ser notada? Weber observa que o trabalho profissional bem sucedido veio a 7 Max WEBER. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

(p. 133).

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se constituir como meio de comprovação do estado de graça. Ao mesmo tempo,

entretanto, um cuidado permanente contra a ambição e apego a bens temporais seria

necessário, a fim de que tais atitudes não viessem a subverter o coração do ser

humano, tornando-o preso aos interesses do mundo, ao invés de buscar as coisas de

Deus e daquilo que concerne à vida eterna. Trabalhar para ficar rico, se isto fosse

“para Deus” e não simplesmente para fins da concupiscência da carne e do pecado,

seria permitido. A riqueza “é reprovável precisamente e somente como tentação de

abandonar-se ao ócio, à preguiça e ao pecaminoso gozo da vida [...]. Quando porém

ela advém enquanto desempenho do dever vocacional ela não só é moralmente lícita,

mas até mesmo um mandamento”8.

Em síntese, Weber concluiu que a ascese racional protestante leva os sujeitos

a investir apenas naquelas condutas que fossem para a glória de Deus. Todo o tipo

de comportamento que não visa a glória de Deus devia ser evitado. Resulta daí, uma

poderosa tendência para a uniformização do estilo de vida. Em outras palavras, a

construção de uma identidade.

O contexto brasileiro e a chegada dos batistas no Brasil

A entrada e estabelecimento da denominação batista no Brasil está

intimamente ligada com as possibilidades que se lhe abriram, na época, em razão da

conjuntura político-ideológica, e também religiosa. Os batistas chegaram no Brasil

depois dos presbiterianos, dos congregacionais e dos metodistas. Em 1882, quando

oficialmente foi fundada a primeira igreja batista na Bahia, o trabalho batista já

contava com pelo menos 20 anos de ação efetiva9.

8 Idem. p. 148. 9 Marli G. TEIXEIRA. Valores Morais e Liberalismo no Protestantismo da Bahia no Século XIX.

Estudos Teológicos, 27 (3): 269-279, 1987 (p. 269).

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Sobre o contexto da época, é preciso ter em mente que a declaração de

independência do Brasil, em 1822, não marca uma rutpura com o país colonizador,

nem significa independência de fato. Sem entrar nos pormenores históricos, vale

lembrar, pelo menos, três elementos que destacam esse período, como favoráveis ao

estabelecimento do protestantismo. São eles: o liberalismo do II Império, a crise do

padroado e a liberdade de consciência10. Na opinião de Mendonça, fora deste

contexto liberal, dificilmente o protestantismo teria se estabelecido no Brasil11.

A historiografia brasileira observa que a elite responsável pela organização

do Estado Monárquico Brasileiro tinha como ideário, o liberalismo modelado pelos

anglo-saxões. Mendonça pontua que

o comércio inglês, a agricultura germânica e, até mesmo uma possível contribuição norte-americana através de imigrantes confederados, constituiram componentes do desejado surto de modernização e progresso. [...] Desejava-se assimilar as idéias e práticas que tinham transformado os anglo-saxões em líderes do mundo. [...] Este ideário e o espaço religioso pelo afastamento entre o Estado monárquico liberal e a Igreja, constituíram fatores muito favoráveis à penetração protestante no Brasil.12

O liberalismo brasileiro, contudo, convivia “com a grande propriedade, com

a escravidão, com as eleições censitárias, com o Estado Unitário, com o Senado

vitalício e muitas outras instituições compatíveis com seus fundamentos

históricos”13. A luta dos liberais, muitos deles pertencentes à Maçonaria, consistia em

questões em torno da liberdade. Assim, o catolicismo, antes religião oficial, entrou

em conflito com o Império, em razão das divergências no padroado em relação ao

poder exercido pela Maçonaria. A solução do conflito veio enfraquecer o Império e

10 Esta idéia é desenvolvida por TEIXEIRA. Op. cit. p. 270. 11 Mendonça observa que “ao perdurarem as condições históricas do período colonial e os padrões

galicanos da monarquia independente, a presença protestante não passaria de esporádica e circunstancial”. Antonio Gouvêa MENDONÇA. Inserção dos protestantismos e “Questão Religiosa” no Brasil, Século XIX (Reflexões e hipóteses). Estudos Teológicos, 27 (3): 219-237, 1987 (p. 235).

12 A. G. MENDONÇA. Op. cit. p. 230. 13 Marli TEIXEIRA, Op. cit. p. 270.

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resultou no rompimento do catolicismo como religião oficial14. O protestantismo,

com a bandeira de separação entre igreja e estado, trazida dos seus países de origem,

servia de modelo ideal quanto ao relacionamento igreja-estado. Eram, desse modo,

portadores do ideal liberal da época, e encontraram apoio daqueles que viam na

influência da igreja católica sobre o Estado, um entrave para o progresso

fundamentado nos ideais de liberdade. Da mesma forma, o sistema educativo do

protestantismo15, mais de acordo com esse ideário, volta-se para a ciência e a técnica

e marca um diferencial na educação tradicional vigente. Por essa razão, a educação

oferecida pelas escolas protestantes alcançou a elite brasileira, embora esta

continuasse, em sua maioria, impermeável à mensagem evangélica.

Diferentemente do protestantismo de imigração, cujos limites de atuação

permanecia no território dos imigrantes que trouxeram sua própria religião, o

protestanismo de missão, como é o caso dos batistas, empreendeu esforços para se

constituir e estabelecer-se como denominação, aproveitando o contexto favorável da

época. Sua teologia conversionista, embora pudesse parecer agressiva a outros

grupos e à sociedade em geral, por sua ênfase na liberdade de consciência do

indivíduo e na responsabilidade individual perante Deus, talvez justamente por isso,

encontrou espaço na sociedade brasileira. Contraditoriamente, são esses mesmos

componentes que fazem limites ao seu campo de expansão.

O ethos batista brasileiro: suas origens e configuração no Brasil

Precisar a origem dos batistas é, segundo Hewitt, uma tarefa um tanto

complexa. Isto porque, além de ser um grupo que começou a se espalhar

geograficamente desde o início de sua existência, criando ramos independentes, os

fundamentos da prática religiosa batista foram sendo constituídos sob a influência de

dois grupos distintos: os separatistas do continente europeu e os anabatistas da 14 Esse conflito ficou conhecido na história como a “questão religiosa”. 15 A. G. MENDONÇA. Op. cit. p. 231.

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Inglaterra, durante a segunda metade do século XVI (embora já houvesse existência

de separatistas desde o século XIV)16. Hewitt pontua que “esse aspecto das origens se

torna importante em qualquer discussão sobre o posicionamento batista em séculos

subsequentes, uma vez que os separatistas e anabatistas possuíam posições

teológicas muito diferentes”17, mas é dessa infusão separatista/anabatista que os

batistas se formam na Holanda e na Inglaterra.

Assim, os grupos batistas estavam sujeitos a três influências teológicas

distintas: O Calvinismo, o Arminianismo e o Anabatismo. Os Anabatistas rejeitavam

a doutrina da predestinação de Calvino, mas herdaram dele a ênfase na tarefa

educacional da igreja para a transmissão das doutrinas, firmadas na “lei da verdade -

a Bíblia”, bem como a ênfase na disciplina. Os Anabatistas

rejeitando o batismo infantil, como contrário às escrituras, acreditavam ser válido somente aquele batismo que se administrava a crentes conscientes. Foi-lhes dado o apelido de Anabatistas, ou seja, os batizados pela segunda vez, porém para eles a denominação era falsa, pois eles não aceitavam o batismo infantil como verdadeiro. [...] Os Anabatistas mantiveram um ideal alto de moral. Com efeito, seu impulso era tanto ético como religioso.18

Do Arminianismo herdou a ênfase na conversão individual, no “ensino de

que Cristo morreu por todos os homens, que a salvação se dá somente pela fé, que os

que crêem são salvos, que os que rejeitam a graça se perdem, e que Deus não escolhe

indivíduos particulares nem para uma coisa nem outra”19. As três influências

teológicas que constituíram o grupo batista davam uma grande ênfase ao estudo

bíblico, com a intencionalidade clara de descobrir, através de seu estudo, a

“verdadeira doutrina”.

16 Martin D. HEWITT. Raízes da Tradição Batista. IEPG. 1993. (p. 10). 17 Idem. p. 10. 18 Kenneth Scot LATOURETTE. Historia del Cristianismo. Argentina: Casa Bautista de Publicaciones,

1977. (p. 130). 19 Idem. p. 115.

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Originada, então, inicialmente na Holanda e Inglaterra, a doutrina batista foi

levada para os Estados Unidos, em 1631, por um inglês chamado Roger Williams que

se exilou por causa de opiniões separatistas e dissensão com a Igreja Anglicana. E,

assim, em 1635, foi fundada a primeira Igreja Batista nas Américas. Hewitt afirma

que por causa da distância e da situação religiosa na Inglaterra, estas primeiras

igrejas batistas começaram a divergir em questões de prática doutrinária.

Enquanto os dois grupos de igrejas batistas (geral e particular - arminianos e calvinistas) na Inglaterra conseguiram se unir em 1813, formando a ‘General Union’, [...] as igrejas batistas dos Estados Unidos aos poucos iam se dividindo em várias convenções, ficando cada vez mais separadas umas das outras em alguns aspectos de prática e doutrina.20

No Brasil, os batistas chegaram entre 1871-1881, através dos missionários

norte-americanos que vieram do Sul dos Estados Unidos21. Os primeiros

missionários chegaram em 1881 com a tendência teológica dos “landmarkist”, que

enfatizavam a conversão individual e faziam uso de uma hermenêutica

fundamentalista22. Teixeira observa a estreita ligação entre as doutrinas batistas e

princípios liberais na época de seu estabelecimento no Brasil. Para ela, a prática

batista brasileira é “nitidamente norte-americana” e caracteriza-se por ser uma

doutrina a-histórica, acultural e sectária23.

20 Martin D. HEWITT. Op. Cit. p. 11. 21 Há algumas divergências a respeito da origem de determinadas características dos batistas

brasileiros. José dos Reis Pereira (Breve história dos Batistas. Rio de Janeiro: JUERP, 1979) trata essa questão como se pudesse estabelecer uma linha direta dos batistas de hoje, para os primeiros cristãos do Novo Testamento. Nesse caso, a Igreja Batista seria compreendida não como uma entre outras, mas como A Igreja que porta a verdade divina a ser anunciada ao mundo. Israel Belo de AZEVEDO (Op. Cit.), em contrapartida, apresenta um estudo ligando os princípios de liberdade individual e a separação entre igreja e estado como tendo origem no pensamento liberal inglês. Ele salienta, ainda, que na passagem pelos EUA, ao vir para o Brasil, os batistas reafirmaram o caráter subjetivo da fé, reforçando ainda mais essa ênfase no valor do indivíduo, bem de acordo com o liberalismo brasileiro nascente, da época. Martin D. HEWITT (Op. Cit.), por sua vez, preocupa-se em apresentar as raízes da tradição batista fazendo questão de mencionar que a configuração dos batistas no Brasil traz influências de alguns grupos específicos, como os landmarkists, por exemplo.

22 Idem. p. 20. 23 Marli TEIXEIRA, Op. cit. p. 273-274.

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Na tentativa de explicar a razão apontada por Teixeira sobre a prática

sectária dos batistas, Hewitt, anteriormente missionário batista britânico no Brasil,

acredita que o princípio de “liberdade exige pensamento. A sociedade brasileira na

qual a igreja batista se formou era uma sociedade em que o sistema político-

educacional não encorajava as pessoas a desenvolver o pensamento. [Assim], a Igreja

Batista conseguiu entrar no país num período de abertura liberal. Porém o contexto

do povo em geral foi hostil aos princípios batistas e, através dos tempos, os tem

deformado”24. Contudo, desde Weber, é possível perceber que o modo batista de ser

e pensar parece um tanto impermeável às influências da cultura, talvez por efeito da

radicalização do seu princípio de separação-diferenciação do mundo.

De acordo com a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, os

princípios batistas são assim resumidos: 1) aceitação das escrituras sagradas como

única regra de fé e conduta, 2) O conceito de igreja como uma comunidade local

democrática e autônoma, formada de pessoas regeneradas e biblicamente batizadas,

3) separação entre igreja e Estado, 4) absoluta liberdade de consciência, 5)

responsabilidade individual diante de Deus, e 6) autenticidade e apostolicidade das

igrejas25.

É importante observar que as cisões nas igrejas batistas, motivadas por

divergências de interpretação bíblica, estão presentes desde sua origem e acompanha

todo o desenvolvimento de sua história, parecendo representar, desse modo, mais do

que um traço que caracteriza esse grupo. A tendência às cisões estabelece-se como

elemento que lhe é constitutivo. A “bibliocracia”, aliada ao “livre exame das

escrituras”, e a forma de governo não hierarquizada, mas de congregações

autônomas, possibilita com relativa facilidade e com grandes prejuízos à

denominação, as incontáveis divisões advindas do exercício do livre exame das

escrituras. Divisões estas, presentes, desde sempre, em seu processo histórico.

24 Hewitt. Op. Cit. p. 20. 25 Convenção Batista Brasileira - CBB. Declaração Doutrinária da CBB. Rio de Janeiro: JUERP, 1986 (p.

4).

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Weber já demonstrou de forma suficiente o quanto o contexto da

Modernidade moldou a subjetividade do sujeito identificado com o protestantismo.

O novo modo de pensar do Iluminismo, com ênfase na razão, fez-se terreno fértil

para a modelização de uma subjetividade que não abdicou da religiosidade. Bastava

que esta fosse buscada e sustentada numa racionalidade que desse sentido à

existência. O (des)encantamento religioso do mundo transvestiu-se de uma

racionalidade que colocou ênfase na apropriação subjetiva e sobretudo, pessoal, da

religiosidade ascética intramundana por parte do indivíduo. Na denominação

batista, isto se expressa através de uma modelização específica na conduta de vida. A

fé - individual, condição para salvação, levou/leva a um estilo de vida que se traduz

na conformação racional de toda a existência, orientada pela vontade de Deus. A

despeito de parecer uma caricatura, a produção subjetiva que se dá na/pela

denominação batista pode ser definida em um ethos bastante particular que se

delineia a partir de seus dogmas. A ética batista evidencia-se nas várias faces de seu

corpo doutrinário:

1. O biblicismo leva os batistas a pautarem suas decisões e escolhas éticas na

Bíblia. A bíblia é o aferidor externo. Tomada como único manual de conduta e fé, o

crente batista parece encontrar na bíblia explicações, respostas e justificativas para

toda e qualquer situação. O real construído por vontade humana é percebido de

forma espiritualizada, como se fosse o espaço de configuração da luta espiritual que

se dá no campo do invisível entre as forças do bem e do mal.

2. A ética é de caráter individualista, porquanto nasce da ênfase na decisão

(conversão) individual. É do indivíduo a responsabilidade por seu destino. Cada

indivíduo, no exercício de sua racionalidade, é livre para decidir sobre sua própria

vida à luz das verdades eternas, sem a coação dos princípios disciplinares impostos

pelo Estado. Ao Estado cabe lidar com os poderes terrestres/mundanos, enquanto a

igreja lida com os poderes celestes/espirituais. Se por um lado, a responsabilidade

individual pelas escolhas pessoais é reapropriada pelo sujeito, pois desvincula-a do

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paternalismo do Estado, por outro lado, o coletivo, representado pela congregação

do qual é parte, funciona como confirmação da própria crença pessoal. A

comunidade serve como doadora de uma identidade, produtora de um modo

singular de ser e pensar. Simultânea e paradoxalmente, a produção de uma

identidade permite aos seus integrantes um sentimento de vínculo social, de relações

de fraternidade, de potencialidade para a auto-organização e sentido existencial.

Contudo, não há mobilização desse coletivo para a construção conjunta de uma

realidade social que seja comum a todos.

3. Esta ética individual, sustentada no aferidor externo que é a bíblia, possui

também um aferidor interno: a consciência. Esta última é norteada pelo Espírito

Santo que habita aquele que aceita, pela fé, a salvação em Cristo. É o Espírito Santo

“quem convence o homem do pecado, da justiça e do juízo”.

4. A fé para salvação, é o chão onde a ética se constitui. Ela é condição para a

modelização da subjetividade. É possível verificar aquele que tem, ou não, fé, através

de, pelo menos, três elementos: 1) pela certeza subjetiva do próprio crente. Esta pode

ser adquirida mediante contínuo exercício de submissão da vontade pessoal à

vontade divina. A vida passa a ser regida pela busca de submissão à vontade divina

em cada detalhe da vida cotidiana, sobretudo, no exercício da vocação profissional;

2) através das obras, pois, “pelos frutos os conhecereis”. Se o indivíduo leva uma

vida disciplinada, moralmente regrada, “diferente do mundo”, pois norteia-se pela

vontade de Deus, comprovará, por esse comportamento ético que é possuidor da fé

para salvação; 3) pela pertença em uma congregação de salvos. A freqüência e

pertencimento a uma congregação (na qualidade de membro, pela via do batismo

por imersão) faz parte do processo de santificação que tem início na conversão,

através da fé em Jesus. As desistências de alguns, no processo de santificação, é

explicada com o versículo: “Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem

de nós, ficariam conosco: mas isto é para que se manifestasse que não são todos de

nós” (I João 2. 19).

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Concluindo...

A denominação batista no Brasil conta, atualmente, com cerca de um milhão

de fiéis. Marcada por constantes cisões, encontra dificuldade, hoje, para manter esse

mesmo número de membros. Os batistas reconhecem que nas primeiras décadas de

sua existência sua mensagem encontrava uma resposta diversa da que encontra hoje

na sociedade. De caráter essencialmente identitário, os batistas encontraram eco

numa sociedade brasileira com anseios de modernidade e desejo de uma sociedade

liberal. A liberdade de consciência, na autonomia do indivíduo em seu poder de

decisão sobre seu destino espiritual, na diferenciação e separação do mundo,

constituíram-se elementos essenciais na formação da identidade batista. “Naquela

época, o povo brasileiro precisava conhecer o Evangelho, hoje reconhecemos que

precisamos, não apenas da segurança futura, mas tornar o Evangelho relevante no

cotidiano e na vida pessoal. Então, de soteriocêntrica, a nossa compreensão teológica,

deve ser teo e cristocêntrica”26. Essa preocupação com a necessidade de mudança,

parece restringir-se, talvez, apenas na ênfase. Percebe-se a dificuldade, própria dos

batistas, em pensar teologicamente sobre si.

A dinâmica da sociedade, hoje, leva à produção de subjetividades mais

porosas, abertas, com menos necessidade de certeza quanto a um futuro além da

vida, e com maior carência de ferramentas para lidar com o sofrimento cotidiano,

imediato, próprio da pós-modernidade. Se em seus primórdios, as pessoas se

aproximavam da igreja por acreditar em seus dogmas, aceitando-os como sistemas

para uma busca racionalizada da vida, hoje, as pessoas que se aproximam desse

grupo, o fazem, muitas vezes, por causa da comunidade em si, da relação fraterna e

de apoio mútuo que se estabelece nesse coletivo.

Contudo, o que se observa na contemporaneidade, é que a grande maioria

das pessoas busca um outro tipo de religiosidade: mais voltado às sensações e

26 http://www.batistas.org/ Acesso em 01.10.04.

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promessas de sucesso e felicidade para o aqui-agora. A racionalidade batista27 levou

a construção de uma identidade específica. O uso dessa mesma racionalidade tem

servido de critério para ajuizar questões morais e teológicas. O efeito disso, é que o

seu uso, de modo sempre radicalizado, engolfa o princípio da liberdade individual,

configurando-se, de certo modo, uma tirania da racionalidade. Sem espaço, por um

lado, para as emoções e sensações, como parte legítima da experiência religiosa, e por

outro lado, com um espaço bastante restrito e restritivo quanto à elaboração da

experimentação empírica da fé, abre-se um vácuo nesse modo de religiosidade,

permitindo, por essa brecha, a entrada e estabelecimento do modo vivido e

divulgado pelo pentecostalismo, movimentos carismáticos, neopentecostalismo, e

outras religiões dessa natureza. Esse novo panorama religioso contemporâneo, por si

só, coloca em questão o futuro e lugar do tipo de evangelização identitário e da

própria denominação batista.

27 Tomo aqui como “racionalidade batista” um modo único e homogêneo, sistematizado, de

compreender a fé vivida na experiência religiosa. Grosso modo seria, em essência, um modo de pensar “filtrado” pelos princípios doutrinários uma vez erigidos. Uma das conseqüências lógicas dessa racionalidade está na construção de uma identidade específica e com pouca mobilidade, mais rígida e menos aberta à mudanças. Por isso mesmo, o seu caráter “identitário”. As desestabilizações que afetam o caráter identitário e poderiam apontar mudanças são vistas com desconfiança e devem ser logo afastadas.

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Da ética protestante à ética “iurdiana”: O “espírito” do capitalismo

Por Mary Rute Gomes Esperandio*

Resumo: A reflexão aqui apresentada pretende colocar em questão, a partir do estudo de Weber sobre “a ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo”, a concepção de trabalho profissional que vigora na contemporaneidade e sua possível relação com a emergência da Igreja Universal do Reino de Deus. Neste sentido, as idéias de Weber são aqui utilizadas como pano de fundo e ponto de partida que sustenta e inspira o estudo ora desenvolvido. Busca-se, portanto, evidenciar as transformações que vieram se configurando, desde a Modernidade, no que diz respeito à ascese protestante intramundana e a nova concepção de trabalho que emerge dessa última. Seria possível pensar que a ética produ zida pela IURD se delineia como uma radicalização da ética protestante e de seu modo de compreender o trabalho profissional? Palavras-chave: Igreja Universal do Reino de Deus, Capitalismo, ética, subjetividade, trabalho.

Duas imagens distintas:

Primeira: Entrada de um templo religioso no domingo à noite. Duas pessoas

à porta dão boas-vindas aos que chegam para o culto. Todos são identificados: seja

pelo próprio nome, reconhecidos como integrantes dessa comunidade de quase 600

pessoas, ou então, como visitantes - estes, em geral, trazidos por algum de seus

membros.

Segunda: Entrada de outro templo religioso numa segunda-feira. Dois

rapazes à porta, vestidos em terno e gravata, recolhem em grandes sacos de plástico,

* Psicóloga. Doutoranda em Teologia Prática no Instituto Ecumênico de Pós-graduação - Escola

Superior de Teologia. São Leopoldo.

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as rosas secas e/ou murchas trazidas pelas quase 6.000 pessoas que vêm para a

reunião.

As diferenças, pelo menos as superficiais, saltam à vista de qualquer

observador/a. Um século de distância marca o nascimento desses dois grupos

religiosos no Brasil: Igreja Batista e Igreja Universal do Reino de Deus. A primeira

nasce da matriz do protestantismo inglês, em passagem pelos Estados Unidos da

América e trazida para o Brasil por missionários americanos. A segunda, uma

expressão religiosa autóctone que alguns autores classificam como neopentecostal.

Embora os dois grupos tenham sido colocados lado a lado, compará-los,

focalizando diferenças e aproximações, não é objetivo do presente estudo. O que se

pretende aqui é refletir sobre a ética que nasce da atitude da prática religiosa e a

mutação que acontece na concepção de trabalho e vocação. O esforço de Weber em “a

ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo” lançou luzes sobre as implicações e as

relações entre a atitude religiosa, trabalho, vocação e capitalismo. As imagens acima

descritas representam distintas concepções dos temas referidos. E se a primeira

configura um exemplo do que Weber aponta sobre a relação entre a ética protestante

e o espírito do capitalismo na Modernidade, a segunda, por sua vez, permite-nos

levantar algumas questões a partir ainda, desse mesmo estudo de Weber.

A análise, portanto, é pontual: focaliza, precisamente, a passagem que se dá

na concepção de trabalho e vocação, e a ética que emerge de uma configuração

religiosa específica, representada, na Contemporaneidade, pela Igreja Universal do

Reino de Deus.

Religiosidade e Modernidade: passagens e mutações no campo da Ética e

do Trabalho

a) Pressupostos básicos

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Weber observa que na Modernidade a ética protestante associa-se (ou

apresenta “afinidades eletivas”) ao espírito do capitalismo. Contudo, faz uma

ressalva:

Se, portanto, para a análise das relações entre a ética do antigo

protestantismo e o desenvolvimento do espírito capitalista partimos das criações de

Calvino, do calvinismo e das seitas “puritanas”, isso, entretanto não deve ser

compreendido como se esperássemos que algum dos fundadores ou representantes

dessas comunidades religiosas tivesse como objetivo de seu trabalho na vida, seja em

que sentido for, o despertar daquilo que aqui chamamos de “espírito capitalista”1.

Weber faz questão de deixar bem claro que os reformadores “não foram

fundadores de sociedades de ‘cultura ética’ nem representantes de anseios

humanitários por reformas sociais e culturais”. Ao contrário, “a salvação da alma, e

somente ela, foi o eixo de sua vida e ação” - as conseqüências advindas daí, foram

efeitos de "motivos puramente religiosos”. Afirma ele: “Impossível acreditar que a

ambição por bens terrenos, pensada como um fim em si, possa ter tido para algum

deles um valor ético”2.

Se por um lado, o pressuposto básico da ética protestante assenta-se,

segundo Weber, na salvação da alma, o pressuposto básico onde se assenta o espírito

do capitalismo, por outro lado, reside na ‘vocação’ de ganhar dinheiro. Weber

esclarece que a ambição esteve sempre presente na humanidade, mas na sociedade

capitalista essa ambição tomou a forma de ambição pelo lucro. E, se antes do

capitalismo, o ganho era buscado em função do ser humano, no capitalismo isso se

processa de modo contrário: “o ser humano em função do ganho como finalidade da

1 Max WEBER. A ética protestante e o 'espírito' do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras,

2004 (p. 81). 2 Idem. p. 81.

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vida, não mais o ganho em função do ser humano como meio destinado a satisfazer

suas necessidades materiais”3. E esse é o leitmotiv do capitalismo.

b) Passagens e mutações na concepção de Vocação, Trabalho e Lucro

A análise weberiana a respeito da ética protestante e sua estreita vinculação

ao espírito do capitalismo indica uma opção consciente de seguir uma metodologia

que prima pelo viés da “ideologia” e não da superestrutura de situações econômicas

ou mesmo das Instituições. Weber ocupa-se em captar um certo “modo de ver” que

perpassa e define indivíduos, grupos, a sociedade, a estrutura sócio-econômica.

Interessa-lhe “rastrear aqueles estímulos psicológicos criados pela fé religiosa e pela

prática de um viver religioso que davam a direção da conduta de vida e mantinham

o indivíduo ligado nela”4. Assim, ele observa que foi a partir das idéias de Lutero a

respeito de vocação que uma nova concepção de ascese começou a emergir.

Consequentemente, os efeitos advindos daí permitiram a formação do que ele veio

chamar de “ascese intramundana” - o chão que possibilitou o desenvolvimento do

“espírito” do capitalismo. Weber, contudo, faz questão de deixar claro que “não tem

cabimento atribuir a Lutero parentesco íntimo com o ‘espírito capitalista’”5. Até

porque, segundo Weber, Lutero continuou com uma forma “tradicional” de pensar,

podendo mesmo ser considerada ‘retrógada’ de um ponto de vista capitalista.

Na perspectiva weberiana, ao redimensionar o conceito de vocação (Beruf),

retirando a ascese do mosteiro para uma ascese intramundana, Lutero plantou o

gérmem que estabeleceria as bases para uma nova visão do racionalismo. A vocação

devia ser exercida nas atividades cotidianas, na posição do indivíduo no mundo,

através da sua profissão: “Cada um fique na vocação em que foi chamado”, veio a

significar “cada um exerça, através de sua atividade profissional, o trabalho que

cabe/deve a cada um”. Neste sentido, a contribuição de Lutero limita-se à

3 Idem. p. 46. 4 Idem. p. 89. 5 Idem. p. 74.

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racionalização do trabalho. Cabe ao Calvinismo, através do princípio teológico de

predestinação, a radicalização do racionalismo iniciado em Lutero.

O Calvinismo favoreceu, assim, o desenvolvimento do capitalismo, por esse

viés da vocação profissional como meio de alcançar a certeza de ser um eleito da

graça divina. No sucesso profissional encontrava-se, ou melhor, criava-se a certeza

de ser eleito.

Essa passagem em relação ao modo como o ser humano passou a se

relacionar com o ganho, com o lucro, marca, ao mesmo tempo, uma mutação na

concepção de trabalho. No primeiro caso (o ganho em função do ser humano) o

trabalho era tido como meio de satisfação das necessidades básicas. No segundo

caso, o ser humano em função do ganho, ele já toma o aspecto do “dever”. “Deve-se”

ser um profissional (que gere lucros) dentro do sistema econômico do qual todos

fazemos parte.

A todos, sem distinção, a Providência divina pôs à disposição uma vocação (calling) que cada qual deverá reconhecer e na qual deverá trabalhar, e essa vocação não é, como no luteranismo, um destino no qual ele deverá se encaixar e com o qual vai ter que se resignar, mas uma ordem dada por Deus ao indivíduo a fim de que seja operante por sua glória. Essa nuance aparentemente sutil teve conseqüências psicológicas de largo alcance, engatando-se aí, a seguir, uma re-elaboração daquela interpretação providencialista do cosmos econômico que já era corrente na escolástica.6

Weber, então, conclui que o modo de organização capitalista racional do

trabalho “só quem a viu nascer foi a passagem da Idade Média para os tempos

modernos”7. Porém, “atualmente a ordem econômica capitalista é um imenso cosmos

em que o indivíduo já nasce dentro e que para ele, ao menos enquanto indivíduo, se

dá como um fato, uma crosta que ele não pode alterar e dentro do qual tem que

viver. Esse cosmos impõe ao indivíduo preso nas redes do mercado, as normas de

6 Max WEBER. Op. cit. p. 145. 7 Idem. p. 181.

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ação econômica”8. Neste sentido, o sentimento de “dever-ser profissional” já não se

vincula mais a qualquer pressuposto religioso ou de qualquer outra ordem. Antes,

ele é tomado como dado, como “natural”.

Implicações éticas decorrentes da mutação na concepção de Trabalho

Este estudo de Weber permite-nos compreender que o estabelecimento do

capitalismo se viabiliza na Modernidade em razão de uma importante mudança que

se dá na forma como o ser humano se relaciona com o trabalho. Esta relação com o

trabalho é mediada pela prática da religiosidade, sobretudo, pela prática do

protestantismo ascético9.

Enquanto o catolicismo defendia uma forma mais tradicional de trabalho,

qual seja, aquele que acontece no espaço familiar, e poderia ser definido como sendo

“da mão à boca”, o protestantismo ascético foi se configurando de modo a conceber o

trabalho como “vocação divina”.

Weber observa que a ascese lutou ao lado da produção da riqueza privada,

mas não como fim em si mesma. A riqueza, como fruto do trabalho em uma

profissão seria uma prova da bênção de Deus.

Dessa forma aconteceu uma “valorização religiosa do trabalho profissional

mundano, sem descanso, continuado, sistemático, como o meio ascético

simplesmente supremo e a um só tempo comprovação o mais segura e visível da

regeneração de um ser humano e da autenticidade da sua fé”10. Essa foi a alavanca

mais poderosa do que pode ser chamado “espírito do capitalismo”. Ao mesmo

tempo, o estrangulamento do consumo ao lado da desobstrução da ambição do lucro

8 Idem. p. 48. 9 Weber afirma: "um dos elementos componentes do espírito capitalista [moderno], e não só deste,

mas da própria cultura moderna: a conduta de vida racional fundada na idéia de profissão como vocação nasceu (...) do espírito da ascese cristã" (p. 164).

10 Max WEBER. Op. cit. p. 157.

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resultou em acumulação de capital mediante coerção ascética à poupança. Isso

favoreceu o investimento de capital.

O trabalho, concebido, então, como vocação profissional, como meio ótimo

para certificar-se do estado de graça, foi o estímulo psicológico para a eficácia do

capitalismo. “O trabalho como vocação profissional tornou-se tão característico para

o trabalhador moderno, como para o empresário, a correspondente vocação para o

lucro”11.

Pode-se depreender desse estudo de Weber, que a transformação na forma

de conceber o trabalho fez toda a diferença para o estabelecimento do capitalismo. O

estilo de vida puritano centrado na idéia de trabalho como vocação, como um modo

de agradar a Deus e buscar fazer a sua vontade, mais do que favorecer a acumulação

de capital, favoreceu o desenvolvimento de uma vida econômica racional e burguesa,

“fez a cama para o homo oeconomicus” moderno12. A busca por comprovação da

eleição, ou mesmo da prática de “aumentar a glória de Deus”, “realizar a sua

vontade”, pela ética do trabalho, deu lugar a secularidade utilitária, fazendo surgir

uma ética profissional burguesa em seu lugar.

A ética iurdiana: a radicalização do espírito do capitalismo na

Contemporaneidade

Para além da contribuição explícita que Weber disponibiliza com seu estudo

a respeito da ética protestante e sua relação com espírito do capitalismo, ele nos

possibilita perceber a estreita ligação da religião e das idéias religiosas com o

contexto sócio-econômico-político e cultural onde as formas religiosas nascem e se

estabelecem. Tendo isso em mente, o esforço para compreender a emergência e

11 Idem. p. 163. 12 Idem. p. 158.

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estabelecimento do modo de ser iurdiano na contemporaneidade, parecerá um

exercício menos complicado - mas nem por isso menos complexo.

Montes13 observa que ao longo do século XX, as congregações tradicionais do

chamado protestantismo histórico (anglicanos, luteranos, metodistas, presbiterianos,

batistas) implantaram-se pacificamente, mas sem um crescimento que pudesse

inquietar a igreja católica, sempre maioria no Brasil. Mas após a segunda guerra, com

a chegada de um reavivamento espiritual, carismático, o quadro religioso brasileiro

começa a se transformar. Nesse período, a Igreja Pentecostal Assembléia de Deus já

estava bem estruturada e em amplo crescimento. Mas começa a surgir a partir da

década de 1950, o Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo, e em 1960, a Igreja

Deus é amor. Todas essas igrejas foram conhecidas como igrejas de “cura divina”.

Ao final da década de 1970, surge no cenário religioso, a Igreja Universal do

Reino de Deus. Ela se estabelece com o discurso da Teologia da Prosperidade, com

exorcismos e cura. Para além da “cura divina”, tal como as igrejas pentecostais

anteriores, a Teologia da Prosperidade oferece mais do que saúde e bem-estar. Ela

promete o sucesso econômico e financeiro. Além disso, sua prática sincrética, abriga

crenças diversas, presentes no imaginário religioso popular. Neste sentido, é a IURD

que mais desestabiliza não apenas a Igreja Católica, mas o próprio cenário religioso

brasileiro.

No que se refere ao trabalho como ocupação profissional, a Teologia da

Prosperidade dá visibilidade a uma importante mudança que vinha sendo

fomentada silenciosamente. Uma mudança que se evidencia em diversos e distintos

grupos religiosos: desde o Catolicismo, Protestantismo, Pentecostalismo e mesmo no

Espiritismo.

13 Maria Lúcia MONTES. As figuras do sagrado: entre o público e o privado. In: NOVAIS. Fernando

A. e SCHWARCZ, Lilia Moritz (coord. e org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (p. 63-170).

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O contexto sócio-econômico-político em que essa teologia emerge é o da

migração para as cidades, rebaixamento do salário mínimo, desemprego, produção

de grupos sem teto, sem terra, sem trabalho. A migração urbana favoreceu o apego à

religião que oferecesse práticas mais conhecidas às praticadas no contexto de origem.

“A miséria rural é, por assim dizer, exportada para a cidade - quase 31 milhões entre

1960 e 1980 - pressionou constantemente a base do mercado de trabalho urbano”14.

Houve aí, o achatamento do salário mínimo e empobrecimento geral da população.

A religiosidade popular - católica - experimentadas nas festas - tinha uma

força integrativa do povo brasileiro, tanto em relação às diferenças sociais quanto

religiosas. Com a migração urbana, as festas se escasseiam. Além disso, uma parte da

igreja católica engaja-se na Teologia da Libertação. Pelo viés da Teologia da

Libertação, pode-se pensar que o catolicismo se protestantiza, uma vez que faz apelo

à consciência do indivíduo ainda que para engajá-lo na recriação dos rumos da

história15.

Na visão desse novo catolicismo romanizado e das ‘elites modernizadoras’,

era necessário eliminar práticas que fossem consideradas mágicas, não Modernas.

Montes observa que a partir do abandono dessa clientela popular, foi que se abriu a

brecha para a emergência de outras religiões, “disputando com o catolicismo, mas

dentro de seus próprios referenciais”16.

Assim, essa nova forma de religiosidade (ou espiritualidade) encontra amplo espaço a ser preenchido. A Teologia da Prosperidade, oferecida por vários grupos que poderiam ser caracterizados como neopentecostais (Sara Nossa Terra, Comunidades, Renascer, entre outros), e também pela IURD, surgem como a resposta mais favorável a uma subjetividade sem esperança no capitalismo tardio. E

14 João Manuel Cardoso de MELLO e Fernando A. NOVAIS. Capitalismo Tardio e Sociabilidade

Moderna. In: NOVAIS. Fernando A. e SCHWARCZ, Lilia Moritz (coord. e org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (p. 559-658). p. 620.

15 Maria Lúcia MONTES. Op. cit. p. 118. 16 Idem. p. 116.

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provoca cisões em grupos mais tradicionais, em outros, uma reorientação prática, como no Espiritismo, por exemplo.17

Na Teologia da Prosperidade, todos os fiéis que se convertem, tornam-se

“filhos de Deus”. Deus, como criador do universo e dono de todas as coisas e de toda

a riqueza do mundo, coloca toda essa riqueza ao dispor de seus filhos - os que o

aceitam pela fé. Nesse contexto, a fé toma um novo sentido. Ela já não é mais a fé

para salvação, como na versão protestante. Ela é instrumento para tomar posse de

bens materiais. Como implicação direta, o trabalho profissional assume outro

sentido. De necessário para a manutenção da vida do indivíduo e da coletividade,

atravessa a fase em que se constitui como meio para obtenção de lucro, de acúmulo

de capital, para chegar aqui, no capitalismo tardio, e confundir-se com a própria

vida, esta reduzida, muitas vezes, ao homo-oeconomicus. O tempo de trabalho engolfa

toda a subjetividade, estabelecendo-se quase como sinônimo, o Ser com o trabalho

profissional exercido, não só pela identidade que se afirma pelo ser-fazer

profissional, como também o tempo de trabalho que se estende para a casa, para o

tempo de descanso e lazer.

Na IURD, o ideal já não é mais ter um trabalho, uma profissão para exercer a

vontade de Deus. Mas, sim, ter o próprio negócio. Ser empresário parece ser o

caminho ideal para obtenção de lucro. Mas, diferentemente do Calvinismo em que o

lucro deveria ser poupado, aqui o lucro é para ser gozado. Ganhar para gastar.

Participar da sociedade de consumo que tudo quer possuir. Também Deus é para ser

“possuído”. “Se ele é a fonte da bênção, da riqueza, por que buscar bênçãos nessa

fonte e não se tornar possuidor da própria fonte”, como pregava o bispo Macedo

num de seus programas de rádio?

Se no Protestantismo ascético havia uma recusa à divinização da criatura,

aqui, este é o ideal a ser buscado. “Eu posso”, “Eu vou conseguir”, “Eu determino a

vitória”. Basta exorcisar o mal, tomar posse de Deus e crer na palavra criadora, na 17 Como não será possível tratar aqui essa questão, remeto o leitor ao trabalho de Sandra J. Stoll:

Espiritismo à brasileira. São Paulo: edusp, 2003.

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“Confissão Positiva”18 que traz o inexistente à existência. Referindo-se ao

Calvinismo, Weber comenta que só quem é eleito possui a verdadeira fides efficax. Os

cristãos calvinistas mantinham um diário íntimo no qual anotavam os pecados e os

progressos feitos na graça, ou seja, o indivíduo controlava o seu estado de graça,

como uma “contabilidade moral”: “a santificação da vida quase chegava assim a

assumir um caráter de administração de empresa”19. Essa atitude desenvolveu-se em

direção a um controle do próprio comportamento de Deus. Via-se nos mínimos

detalhes da vida, a atuação de Deus e podia-se saber porque Deus agia de

determinada maneira ou não. É possível encontrar semelhante modo de pensar nas

pregações de Edir Macedo. Ele assim afirma:

É preciso que cada pessoa avalie a sua vida, examine através dos frutos se está ou não na fé. Reflita: “Será que eu sou de Deus? A minha família está liberta? Meu marido, minha esposa, meu filho estão abençoados? Não me falta nada? Sou uma pessoa tranqüila? Tenho paz, vida e posso falar de Jesus para as outras pessoas?”. [quando a pessoa não alcança essas coisas] o erro não está em Deus e muito menos na Sua Santa Palavra, mas sim na qualidade de crença que se tem n'Ele e em Suas promessas.20

Na IURD o controle sobre o comportamento de Deus é levado ao extremo.

Faz-se sacrifícios a Deus com objetivo de controlar sua vontade. “Determina-se” a

vontade de Deus. Enquanto no protestantismo ascético, a busca era a supressão da

vontade própria para descobrir a vontade de Deus, na IURD a vontade de Deus é

realizar os desejos do indivíduo. E a “fé eficaz” é aquela que mostra a prosperidade

como prova dela.

“Mas, afinal, o que é determinação? A determinação é uma decisão firme,

definitiva e irrevogável de um projeto, um objetivo ou um sonho que se persegue até

18 A Confissão Positiva diz respeito à crença de que ao declarar como realidade aqueles desejos (de

riqueza, saúde , poder, etc) que ainda não o são, estes passam a ser reais. Por exemplo, “determina-se”, pela palavra, curas físicas, sucesso financeiro, etc. Os porta-vozes dessa teoria são: Kenneth Hagin, E. W. Kenyon, Benny Hinn, Paul Yonggi Cho, entre outros.

19 Max WEBER. Op. cit. p. 113. 20 Sermão do bispo Edir MACEDO: "As razões do fracasso II". http://www.bispomacedo.com.br/ -

acesso em 22.11.02.

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a sua conquista final. Significa dizer que enquanto a pessoa não realizar aquele sonho

ou não tomar posse daquela visão, ela não sossega! A determinação é a mais pura

manifestação de fé viva”.21

“Provocações”...

O referencial weberiano possibilita muito mais do que aqui está sendo

apresentado. Seleciono algumas provocações para fomentar a continuidade da

reflexão que não deve se encerrar aqui.

1. A ética protestante engatou-se com o estabelecimento do capitalismo na

Modernidade, promovendo a racionalização da vida. Tal racionalidade carregava os

traços de uma conduta de vida sóbria, sistemática, de “sujeito culpado”. O trabalho,

meio para a realização da vontade de Deus e aumento de sua glória, favoreceu e

legitimou a busca do lucro, embora sem o gozo deste lucro. No capitalismo tardio

observa-se o nascimento de uma valorização da sensibilidade, das sensações22, dos

prazereres diversos, da busca do gozo. O “trabalho ideal” é aquele que oferece maior

poder de compra, maior possibilidade de investir no gozo de si. A IURD valoriza a

sensação, “autoriza” o uso dos prazeres, minimiza a culpa (os demônios são

responsáveis por todo o mal no mundo) e constrói uma racionalidade muito própria

do universo iurdiano23, mas que encontra ancoragem social, no âmbito da cultura,

das crenças populares, da própria diversidade religiosa, no modo dominante de

produção de subjetividade. Além disso, trata-se de uma experimentação religiosa

cujo compromisso de fidelidade não é com uma comunidade, mas com a dinâmica 21 Sermão do Bispo Edir MACEDO: "A determinação dos vitoriosos".

http://www.bispomacedo.com.br/ - acesso em 22.11.02. 22 Esta é uma tendência que se percebe em várias instâncias. Apenas a título de exemplo, vejamos o

que acontece também no domínio da arte: as "instalações" parecem buscar isto - provocar sensações. Através delas, cada sujeito, na sua experimentação individual, constrói um sentido único e particular e se "sente" mais sujeito à medida em que suas sensações são valorizadas no processo de construção de sentido (do mundo, da vida, de si mesmo).

23 Em entrevista com o bispo Marcelo Crivella ele afirmou: "A IURD faz sucesso porque ela trabalha com as emoções".

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religiosa. Ao contrário da Modernidade, onde os valores religiosos definiram um

novo modo de se relacionar com o trabalho, a IURD evidencia-se como a

configuração de uma religiosidade necessária para atender a essa nova relação que se

estabeleu com o trabalho, na pós-modernidade. Poderíamos deduzir então, que um

dos efeitos dessa nova relação com o trabalho demandou um outro tipo de

religiosidade? Nesse novo tipo de religiosidade não há lugar para a pobreza e

sofrimento. Estes são considerados inaceitáveis e suas causas devem ser exorcizadas.

Estaríamos, então, diante da construção, talvez de uma tendência a uma “nova”

forma (comparada às imediatamente anteriores, dentro do universo cristão,

evangélico) de experimentação religiosa?

2. Enquanto o Luteranismo distancia-se da possibilidade de favorecer o

espírito do capitalismo em função do modo de compreender a fé e também por sua

concepção de trabalho, o Calvinismo o favorece pelo efeito produzido pela fides

efficax. A IURD dá ênfase a um sujeito que “pode”, que é empoderado através dos

seus rituais (experiências de sensação). Ela “educa” o sujeito ensinando-o a colocar a

fé em ação24, não para salvação da alma, mas como instrumento para alcançar o

sucesso material - que torna-se sinal da bênção divina e prova de uma fé eficaz. Neste

sentido, radicaliza-se o efeito psicológico produzido pela concepção de eleição em

Calvino. Ao mesmo tempo em que a IURD distancia-se da concepção calvinista da

eleição, dele se aproxima em termos da radicalização dos seus efeitos psicológicos

configurados na comprovação da bênção divina pela fides efficax. Seria, então, a IURD

uma igreja neoprotestante, ao contrário de neopentecostalismo como vários autores a

caracterizam?

3. O papel do Espírito Santo perde a centralidade que o mesmo parece ter nos

grupos neopentecostais. Na IURD, o Espírito Santo participa como coadjuvante no

processo de fortalecimento e empoderamento do indivíduo. A ética do “não mais eu,

mas Cristo vive em mim” próprio do protestantismo e do pentecostalismo, deixa 24 "Todos possuem fé, mas é preciso agir a fé" - essa é uma frase recorrente nos sermões dos bispos e

pastores.

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lugar, na IURD para a centralidade e o reinado do indivíduo como tal. Seria, então,

ela, uma igreja pós-pentecostal?

4. O protesto da IURD distancia-se do protesto dos então chamados

“protestantes”. Se o início do que caracterizou o protestantismo se deu em razão da

necessidade de proclamar “sola fide, sola gracia, sola scriptura”, esses três princípios

adquirem um sentido bastante diverso na IURD. A fé é condição para o sucesso

material nesse mundo, a graça de Cristo não é suficiente - os sacrifícios (feitos em

dinheiro) são necessários/devidos e a escritura é usada de forma muito seletiva para

provar as idéias a respeito da fé e da insuficiência da graça. Essas considerações

parecem antagônicas à possibilidade de considerar a IURD como neoprotestante. E

embora o slogan “Jesus Cristo é o Senhor” esteja presente nos templos, e os

exorcismos e as vitórias sejam “determinados” “em nome de Jesus”, o sacrifício de

Cristo, por si só, não é suficiente para uma vida próspera. Neste sentido, não estaria

sendo o nome de Jesus utilizado apenas como um fetiche? Além disso, a máxima

ético-existencial de Jesus era o amor - noção rara na estilística iurdiana. Seria então, a

IURD, uma igreja pós-cristã?

5. A IURD, com seu discurso bem engatado às demandas do sujeito

contemporâneo, dá ênfase menos à salvação da alma e na vida em um outro mundo,

e mais à incrementação de uma técnica para trabalhar com os sofrimentos próprios

da contemporaneidade (depressão, ansiedade, problemas familiares, emocionais,

financeiros, etc.). Ela utiliza-se de passagens bíblicas selecionadas para legitimar sua

tecnologia que molda a subjetividade visando o bem-estar do sujeito (de olho nesta

vida). Não há dúvida de que, para milhares de pessoas, a técnica iurdiana para lidar

com o sofrimento promove melhor qualidade de vida, sobretudo, porque ela trabalha

diretamente com a promoção da auto-estima. Seus locais de reunião distanciam-se da

forma de templo religioso, e exibem a chamada “Centro de Ajuda Espiritual”, ou, em

outros lugares: “Centro de Ajuda Coletiva”. Estaria, então a IURD, mais próxima de

uma “agência coletiva de auto-ajuda”, uma espécie de terapia alternativa que utiliza-

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se de elementos mágico-religiosos no processo de “cura”, e mais distante do que o

senso comum costuma chamar de igreja?

Para terminar...

Bobsin observa que “o próprio desenvolvimento econômico do capitalismo

prescindiu da religião por mais afinidade que pudesse ter havido em alguns

momentos. [...] Parece que o protestantismo brasileiro, com alguns momentos de

exceção, não foi além da legitimação da ordem constituída. Mesmo o pentecostalismo

[...] não foi além da legitimação”25. Já com a IURD, poderíamos afirmar que esta

lógica se reverte. É ela quem ganha legitimidade do capitalismo. Se no contexto de

seu estabelecimento, o capitalismo se beneficiou dos efeitos dos valores religiosos

ancorados na vida além desta, fazendo com que os sujeitos trabalhassem visando o

lucro sem usufruir do mesmo, o Capitalismo tardio, na pós modernidade, imprime

um modo de subjetivação que não apenas faz o sujeito trabalhar pelo lucro (ainda

que o lucro não seja em benefício próprio diretamente), mas o faz desejar usufruir

desse lucro (consumismo). Neste sentido, a IURD se estabelece justamente por

atender as necessidades religiosas produzidas na pós modernidade: ambição de

riqueza; desejo de consumo; evitação de todo e qualquer tipo de sofrimento.

Capitalismo e IURD reforçam-se mutuamente. Sincrética, híbrida e ao mesmo tempo

antropofágica, ela funciona também como apoiadora do self num tempo em que o

modo de existência narcísico, próprio da contemporaneidade demanda essa forma de

religiosidade.

Retomando as imagens descritas no início desse trabalho, não é sem razão

que a segunda acolhe maior número de pessoas, e na mistura de tradicional e

moderno, sensação e racionalidade, identidade e subjetividade, é ela quem parece

atender com mais acerto a determinadas demandas nascidas da nova concepção de 25 Oneide BOBSIN, Protestantismo e transformação social. Estudos Teológicos. São Leopoldo. EST, 27

(3) p.132, 1987.

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trabalho do capitalismo da pós-modernidade. O protestantismo forjou uma nova

ética com um pé num mundo para além deste. A IURD fortalece e engancha-se na

ética mundana, já sem necessidade de ascese. Sua motivação ética está no aqui-agora,

e na oferta de uma técnica para lidar com o sofrimento produzido pelo mesmo

capitalismo. É grande o número de pessoas que busca uma religiosidade que ofereça

sensações - sobretudo, sensações de bem-estar, ainda que se tenha de pagar um alto

preço por elas.

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Weber, la ética pentecostal y el espíritu neoliberal entre los pobres

Por Pedro Acosta Leyva*

Resumen: El presente artículo plantea un entendimiento de la dinámica neoliberal entre los pobres, que se concentran en la iglesia pentecostal, a través del paradigma weberiano. En el mismo, se identifican las categorías del ascetismo y la vocación como aspectos constituyentes de la ética pentecostal. Estas dos categorías son el presupuesto para el emprendimiento y la adecuación del neoliberalismo entre los pentecostales. Palabras claves: Weber, pentecostal, neoliberalismo.

Con este artículo me lanzo en un vacío lleno de mi mismo. Un vacío porque

fui educado en Cuba, donde Max Weber queda relegado y subordinado al raciocinio

vulgar marxista, que considera la ética y a las demás producciones simbólicas como

decurrentes de la base económica. Cualquier cubano, a priori, lo resumiría en una

frase “las relaciones de producción obligan a formular una ética coherente con el

sistema donde se desarrollan”.

Ya Max Weber realiza un camino deferente, al decir:

Cada tentativa de explicação deve, reconhecendo a importância fundamental do fator económico, levar em consideração, acima de tudo, as condições económicas. Mas, ao mesmo tempo, não se deve deixar de considerar a correlação oposta. E isso porque o

* Pedro Acosta Leyva, es teólogo afrodescendiente cubano. Obtuvo la licenciatura en sagrada

teología en el Seminario Evangélico de Teología de Matanzas/Cuba y el grado de Mestre em Teologia en el Instituto Ecumênico de Pós-Graduação (IEPG) en São Leopoldo/Brasil. Es miembro del grupo Identidade! y actualmente realiza el doctorado en el IEPG.

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desenvolvimento do racionalismo económico é parcialmente dependente da técnica e do direito racionais, mas é ao mesmo tempo determinado pela habilidade e disposição do homem em adotar certos tipos de conduta racional prática. Quando tais tipos de conduta têm sido obstruídos por obstáculos espirituais, o desenvolvimento da conduta económica racional encontrou também pesada resistência interna. As forças mágicas e religiosas e as ideias éticas de dever nelas baseadas têm estado sempre, no passado, entre as mais importantes influências formativas da conduta. Nos estudos aqui cole-tados nos ocuparemos de tais forças.1

En esta formulación Weber no se detiene a preguntar ¿es primero? la ética

que prepara psicológicamente para la acumulación del capital, o, es la acumulación

del capital que elabora una ética como instrumento psicológico para expresar su

existencia. Él asume la viabilidad del multilateralismo, para explicar la realidad

histórica-social, que no parte de un único aspecto, sino que se articula en una

diversidad de elementos culturales y económicos. Entre los elementos culturales que

configuran la manera occidental del capitalismo, Weber, se percató que la ética

protestante era un factor de marcada relevancia en la orientación de la conducta que

lleva implícito el espíritu del capitalismo. Ésta ética protestante es el principal

incentivo del capitalismo, cuyo distintivo se resume en la organización racional del

capital y del trabajo2.

Weber al ir en busca de las doctrinas y presupuestos teológicos que sustenta

la ética protestante señala el ascetismo y la vocación, especialmente, predicada por los

calvinistas, metodistas, bautistas y puritanos como la base determinante para la

conducta vigente en el capitalismo moderno occidental.

El ascetismo, otrora monacal y lejos del mundo, ahora estipula un vivir dentro

de la sociedad mundana, pero con un comportamiento de rechazo a los placeres del

mundo. En la práctica esto significa repudiar el lujo, trabajar honestamente y

cualquier obtención de riqueza no deber ser tomada como un fin en sí mismo, sino

un motivo para la gloria de Dios. En ese sentido, la conducta ascética, según el

1 Max WEBER. A ética protestante e o espírito do capitalismo, p.32. 2 Max WEBER. A ética protestante e o espírito do capitalismo, p.124.

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modelo protestante, prepara la disposición de las clases subalternas para asumir su

papel dentro del sistema y lo condiciona ideológicamente a contentarse con la

humildad de una vida sin la ambición del lujo y el ocio. Del mismo modo, reviste a la

burguesía con la fuerza de la inversión de su capital, es decir, el dinero acumulado se

transfiere de forma urgente en proyecto de trabajo, pues, al contrario caería en el

pecado de atesorar aquello que “Dios le concedió” para ser multiplicado. Tanto el

pobre obrero cuanto el rico burgués están obligado por la misma ética al constante

trabajo. El lujo de construir un palacio es pecado, por eso el burgués instaura una

nueva fábrica. El ocio es pecado, por eso todo tiempo debe ser empleado en trabajar

honestamente.

La vocación como elemento de base en la ética protestante, en otros tiempos

solamente dirreccionada para los servicios netamente religiosos, ahora se transfiere

para la vida cotidiana y secular. La vocación cristiana es, el llamado a la realización

de una labor –cualquiera-como supremo instrumento para acceder y preservar la

gracia que le fue concedida. La persona cristiana se concibe elegida para la salvación,

se siente viviendo un estado de gracia que debe ser conservado y perfeccionado en el

ejercicio de una profesión. Cuanto mayor es el éxito en esa profesión mayor es la

convicción de su vocación divina para ejercerla. Así la práctica de una labor

cualquiera recibe el incentivo de la vocación para racionalmente especializarse y de

esta forma manifestar la gloria de Dios.

Entonces, resumiendo en una frase en lenguaje popular, Weber comprobó

que la vocación cristiana protestante que estipula el llamado a una profesión secular

como un ejercicio de preservación del estado de gracia, y, el ascetismo a nivel de

consagración y de sentimiento de “elección divina” son, en síntesis, la columna

vertebral del espíritu del capitalismo.

Después de este sumario vulgar de la tesis de Weber, con respecto a la

influencia de la ética protestante como elemento básico del espíritu del capitalismo

occidental, nos proponemos hacer algunos apuntes que señalan la ética pentecostal

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como uno de los elementos que sustenta el espíritu neoliberal entre los pobres. No

estoy proponiendo ni afirmando que la ética neoliberal germinara a partir de la ética

pentecostal. Más bien, me aproximo bajo la perspectiva de Weber, esto es, veo la

sociedad como una confluencia de elementos económicos y culturales, dentro de la

cual el pentecostalismo constituye un elemento que configura la conducta de los

pobres.

La primera idea, en este sentido, es de orden histórico. Los pentecostales

proceden de las denominaciones que Weber identificó como productora de la ética

del capitalismo3. El pentecostalismo nació en los Estados Unidos, la mayor potencia

capitalista, donde pareció de forma cruda y agresiva la exportación del

neoliberalismo actual.

La segunda idea tiene que ver con la herencia del ascetismo observado por

Weber en el protestantismo, y que, según Angela Hoekstra, en su estudio del

pentecostalismo rural en Pernambuco (Brasil), continúa siendo un eje inevitable en el

pentecostalismo.

La ideología pentecostal pone fuertes restricciones a la conducta personal, en el sentido de que prohíbe los “placeres mundanos”, y toda conducta hedonista en general. También aquí se habla de una ruptura. Los juegos de azar, el baile, el fumar y la prostitución, son terrenos proscriptos.4

La vocación, segundo elemento de la ética en la tesis de Weber, se entiende en

el pentecostalismo a partir del drama de la conversión. Toda persona pentecostal pasa

por un momento de encuentro con la divinidad, y, esto ocurre de forma eventual y

marcante.

A conversão, o momento em que se “aceitou Jesus”, é um dos núcleos dramáticos da narrativa dos “crentes”. Principalmente no caso dos

3 Obsérvese que el pentecostalismo brasileño fue introducido, en Belem de Pará (1910), por Gunnar

Vingren y Daniel Berg, dos obreros suecos bautistas. Cf. Oneide BOBSIN. Pentecostalismo – A orden do Caos. São Leopoldo: GTMR, Fascículo N.6, [sin fecha], p.2s.

4 Angela HOEKSTRA. Pentecostalismo rural em Pernambuco (Brasil), p. 48.

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novos convertidos, tal processo jamais é visto como algo totalmente racional, embora seja encarado como uma “escolha pessoal”. Mas é uma escolha motivada por acontecimentos e carregada de simbolismos. Por mais que os próprios convertidos aleguem também razões utilitárias para abraçar a religião evangélica, a conversão é vista como algo que surge repentinamente, a despeito de ser parte de “um plano divino” anteriormente traçado para aquele indivíduo e que se revela como um raio num céu azul, de forma ao mesmo tempo inesperada, marcante, inelutável e poderosa.5

El drama de la conversión posee una doble ambigüedad. Por un lado, es un

evento de elección mutua entre la divinidad y el sujeto. Nunca se sabe quién escogió

a quién. Esto remite a una doble herencia reformada-calvinista que, entiende la

elección como una prerrogativa exclusivamente de Dios; y, bautista-metodista-

arminiana, donde el sujeto humano tiene la responsabilidad de aceptar o rechazar la

oferta de la salvación. El otro lado de la ambigüedad, consiste en la explicación

pretendidamente racional que se da del evento y al mismo tiempo la carga de

símbolos evocados que tiende para una situación mágico-divino-irracional.

De modo, que la vocación dentro del pentecostalismo es un acto, un evento,

que esta marcado por la lógica de la paradoja. Una vocación lógica-racional que

predica el ejercicio de cualquier trabajo honesto como manifestación del don

recibido. Mas al mismo tiempo, una vocación que reclama el ejercicio “espiritual”

como menta alcanzable y plenitud del don. En el orden práctico esto significa: sirva a

Dios en cualquier trabajo honrado, pero sepa que cualquier oportunidad de un

trabajo que le permita un mayor espacio de tiempo para el ejercicio espiritual es una

providencia de Dios para usted. El testimonio de agradecimiento a Dios en una

iglesia pentecostal, en Porto Alegre, lo deja evidente.

Aleluya, quiero dar gracias al Señor porque él es bueno y para siempre es su

misericordia-como dice la Biblia. Hoy tengo muchos motivos para agradecer a Dios.

Porque yo estaba perdido, en el suelo; el Diablo me tenía prisionero en el vicio, en la

mentira; lo poco que recibía lo consumía con cigarro, en juego, con falsos amigos.

5 Marcos ALVITO. As cores de Acor, p.166.

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Pero, ¡gloria a Dios! ¡Aleluya! El Espíritu Santo tomó el control de mi vida, tomó la

guía de mi corazón y vine temblando a los pies de Cristo. Ahora soy hijo de Dios, del

Rey, Soy un príncipe hijo del Gran Rey. Y, por ser hijo del todopoderoso no puedo

estar mendigando, en el suelo, triste y derrotado. Por el contrario, Dios levanto mi

vida espiritual e me hizo prosperar. Antes de conocer al Señor tenía que trabajar en la

panadería de un mundano, y casi no conseguía asistir a los cultos de oración los

lunes por la mañana. El mes pasado empecé hacer pan en el horno de mi propia casa,

y la bendición de Dios se esta manifestando. Tengo más tiempo para dedicarlo a él,

tengo más tranquilidad y más prosperidad.

De este testimonio, que es común escucharlo en cualquier iglesia pentecostal,

se desprenden claramente dos aspectos:

1) Si en el capitalismo el tiempo se define con la expresión “tiempo es

dinero”, en el neoliberalismo el tempo se caracteriza por ser un bien sujeto a

privatización. Cada individuo puede establecer su propio tiempo. Ser cristiano

implica la autoestima -“hijo del Rey”- necesaria para el emprendimiento de un

negocio propio que permita administrar el tiempo. No es la ambición o el lujo por ser

rico y gozar de los placeres del mundo, por el contrario, es la autonomía económica-

temporal para el ejercicio espiritual lo que los impulsa. El ejercicio espiritual requiere

de un tiempo y ese tiempo sólo es posible en un emprendimiento económico

autónomo.

2) La conciencia de “hijo del Rey” condiciona psicológicamente para la

ruptura, mucha veces irracional y poco calculada, con la labor tradicional bajo las

órdenes de un patrón “empresario mundano” y comenzar una micro-empresa.

Bastian refiriéndose a los evangélicos–pentecostales apuntó que, “grupos étnicos

pueden adoptar nuevas creencias con la finalidad de construir su autonomía y salir

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de las relaciones de subordinación económico y simbólico frente a los sectores

mestizos”6.

Desde el titulo de este articulo, entendemos, que la ética pentecostal asegura,

prepara y condiciona a los pobres para la convivencia con el sistema neoliberal. Si en

el plano macro (trasnacionales) el neoliberalismo plantea la libertad del mercado

como organizador de la actividad económica, equilibrando la demanda y la oferta7;

en el orden micro, el pentecostalismo entre los pobres plantea la autonomía (mini-

empresas)8 que le permita “depender exclusivamente de Dios”. En ambos casos el

móvil ético lo constituye la ruptura con el orden socio-económico, la implantación de

la libertad de emprendimiento empresarial y el dominio/control del tiempo.

Referencias

ABUGATTÁS, Juan. Ética y neoliberalismo. In: CEPS (org). Iglesia y realidad social en el Perú. Lima: CEPS, 1995.

ALVITO, Marcos. As cores de Acori. Uma favela carioca. Río de Janeiro: Editora FGV, 2001.

BASTIAN, Jean-Pierre. La mutación religiosa de América Latina. Para una sociología del cambio social en la modernidad periférica. México: Fondo de cultura económica, 1997

HOEKSTRA, Angela. Pentecostalismo rural em Pernambuco (Brasil). Algo más que uma protesta simbólica. In: Barbara, BOUDEWIJNSE, André, DROOGERS, Frans, KAMSTEEG (Eds). Algo más que opio. Una lectura antropológica del pentecostalismo latinoamericano y caribeño. San José: DEI, 1991.

SCHAPER, Valério Guilherme. Max Weber: Protestantismo e Capitalismo. São Leopoldo: Série Ensaios e Monografías/IEPG. 1998.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2003.

____. Conceitos básicos de sociología. São Paulo: Morales LTDA, 1987.

6 Jean-Pierre BASTIAN. La mutación religiosa de América Latina, p.122. 7 Cf. Juan ABUGATTÁS. Ética y neoliberalismo, p.83-98. 8 En una pesquisa de campo entre las Iglesias pentecostales, en São Leopoldo (Julio 2004),

descubrimos que de 10 pastores, 2 son medianos empresarios, 4 son mini-empresarios, e los demás realizaban trabajos artesanales con gran autonomía, tales como: albañiles e mecánicos.

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Prefácio do livro “O que é o Islã? – Perguntas e Respostas”*

Por Oneide Bobsin��

Cruzar fronteiras religiosas, culturais, sociais e políticas que nos separam,

requer, entre outras ações, uma troca de lentes que possibilita ver nas pessoas

diferentes, iguais. E para que este novo olhar nos mova em direção ao outro e à

outra, estranhos cada vez mais próximos, a diversidade precisa fundamentar-se na

solidariedade, que não se desvincula da superação das contradições econômicas.

Sobre essa premissa podemos construir um caminho de superação da visão

caricatural e preconceituosa imposta pela mídia ocidental e a própria tradição cristã a

respeito dos povos islâmicos (muçulmanos). Tal caricatura, eivada de interesses não

revelados de quem a promove, impede-nos de ver para além das máscaras que

criamos sobre a fé do outro e da outra.

Nossas percepções sobre esse mundo tão distante, distinto e próximo podem

estar implícitas nas perguntas que fomos induzidos a formular. Destaquemos

algumas. O Islã foi difundido a ferro e a fogo? Sua natureza espiritual seria, neste

caso, intrinsecamente belicista? Quem não pertence ao povo de Alá deve ser

submetido violentamente às regras dos povos muçulmanos? É verdade que a

expansão muçulmana se utiliza do Estado para formar uma teocracia?

Nossas máscaras não param por aí. Todo palestino muçulmano é um homem

bomba, que carrega um cinturão de explosivos prestes a levar para os ares os

inimigos da sua fé e para um céu cheio de mulheres quem se submete a tal sacrifício?

* Este livro é de autoria de Melanie Miehl e foi publicado pela editora Sinodal em 2005. ** Bobsin é doutor em Ciencias Sociais/ Sociologia Política pela PUC-SP e professor titular da cadeira

de Ciências da Religião da Escola Superior de Teologia.

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E as mulheres? Pobres delas! Suas vaginas, ainda na infância, passam pela excisão e

são costuradas para não sentir o prazer sexual.

Assim, poderíamos elencar muitas outras perguntas, frutos de uma

construção de que nós ocidentais somos o ápice da humanidade. As perguntas da

alemã Melaine Miehl, especialista em islamismo, ajudam- nos a reorientar nossas

perguntas e fazer tantas outras.

Contudo, a religião simbolizada pela meia-lua e que se baseia em cinco

pilares traz generosas respostas às nossas perguntas. O jihad ou “guerra santa”, como

a conhecemos, por exemplo, também diz respeito a um grande esforço de cada

islamita para proteger os seus e o seu espaço. Outro exemplo é o fundamentalismo.

Esse não é uma invenção muçulmana, diz a autora deste livro; ele é elaboração de

protestantes dos Estados Unidos da América do Norte nos primórdios do século

passado.

De igual forma, a poligamia, hoje igualmente questionada por setores

islâmicos, nos primórdios da religião pouco tinha a ver com nossas concepções, mas

com uma certa proteção das mulheres. E libertação das mulheres muçulmanas é fruto

exclusivo da expansão de nossos direitos humanos? Não. Também é obra das

próprias mulheres que crêem em Alá. E quanto à vida econômica, o que diz o

Alcorão? Apresenta Deus impedindo a acumulação e os juros, ao mesmo tempo em

que promove a justiça social.

Portanto, nesta obra da especialista alemã temos muitas respostas que nos

ajudam a ver por trás das máscaras que criamos a respeito do povo que tem como pai

na fé Abraão, pai comum de judeus, cristãos e islamitas, uma diversidade muito

grande de tendências no Islã, que se estende desde os mais ortodoxos e

conservadores, passam pelos extremistas, místicos e a apocalípticos, chegando aos

esotéricos e modernistas. Como em todas as religiões, a pluralidade é intensa e tensa.

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Assim, reconhecer a diversidade permite-nos dar passos solidários para que

a diferença não se transforme em desigualdade. Da mesma forma não somos

instigados a abrir mão do que nos diferencia e nos identifica. É, pois, na riqueza das

diferenças que veremos a pluralidade de possibilidades de um outro mundo

possível.

Por fim, mas não o menos importante: ao perguntarmos, nos abrimos para

novos olhares e novos mundos; porém, quando respondemos perguntas não-feitas,

fechamos-nos em nosso pequeno mundo. Portanto, ao ler este livro, estaremos vendo

outras formas de viver, ver e crer.

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Como citar esta revista

Como citar esta revista:

Protestantismo em Revista. São Leopoldo, v. 06, jan.-abr. 2005. ISSN 1678 6408 Disponível em:

<http://www3.est.edu.br/nepp/revista/006/ano04n1.pdf> Acesso em: 30/11/2008

Como citar um artigo desta revista:

(Exemplo)

BOBSIN, Oneide. Luteranos na Ética Protestante. Protestantismo em Revista. São Leopoldo, v. 06, jan.-

abr. 2005, p. 10-14. ISSN 1678 6408. Disponível em:

<http://www3.est.edu.br/nepp/revista/006/ano04n1.pdf> Acesso em: 30/11/2008.