sociologia da educação albertotosi rodrigues

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Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues Coleção [o que você precisa saber sobre...] COORDENAÇÃO Paulo Ghiraldclli Jr. c Nadja Hcrmau Esta coleção c unia iniciativa do GT- Fiiosofin da Educação cia Anpcd na gestão dc Paulo Ghiraldclli Jr. e Nadja Hcrnvan [o que você precisa saber sobre...]

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Page 1: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociologia da Educação

AlbertoTosi Rodrigues

Coleção

[o que você precisa saber

sobre...] COORDENAÇÃO

Paulo Ghiraldclli Jr. c Nadja Hcrmau

Esta coleção c unia iniciativa do GT-Fiiosofin da Educação

cia Anpcd na gestão dc Paulo Ghiraldclli Jr. e Nadja

Hcrnvan

[o que você precisa saber sobre...]

Page 2: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Revisão dc provas Paulo

Tcílcs Ferreira Andréa

Carvalho

Projeto gráfico e diagramação

Maria Gabncla Delgado

Capa Rodrigo Murtinho

Sociologia da Educação

Alberto Tosi Rodrigues

Page 3: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

CIP-BRASIL. Catalogação-iia-fonte Sindicato

Nacionai dos Editores dc Livros, RJ

Page 4: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

I\Ó lis 5 a ed i ção

Page 5: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Rodrigues, Alberto Tosi

Sociologia da Educação / Alberto Tosí Rodrigues. — Rio dc Janeiro: DP&A, 200-1, 5. cd.

- — (O que você precisa saber sobre)1 4 x 2 1 cm

160 p.

Inclui bibliografia ISBN:

S5-7490-2S9-6

1. Sociologia educacional. 1. Título. II. Série.

1 CDD370.I9CDU .37.0 \5 A

edito r«-j_

PASTA N°-TEXTÇfJSL.

Page 6: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

C A P Í T U L O I I

Sociedade, educação e vida moral

1- ~. *\

O homem faz a soc i edade ou a soc i edade f az o homem?

NUM o i : shus SAMBAS, PAU UNI 10 n . - \ VIOLA na r r a a i r a j e i o r i a de

um ma land ro do mor ro , Ch i co Br i t o . Na canção , e l e é ma l and ro ,

s im , v ive no c r ime e é p r e so a coda ho ra . Pau l i nho , po rém, não

a t r i bu i sua cond i ção a uma f a lha de ca r á t e r . Ch i co e r a , em

p r inc íp io , t ão bom como qua lque r ou t r a pe s soa , mas "o s i s t ema"

não l he de ixa ra ou t r a opo r tun idade de sob rev ivênc i a que não a

ma rg ina l i dade . O ú l t imo ve r so d i z t udo : " a cu lpa é da soc i edade

que o t r ans fo rmou" , j á em ou t r a c anção , bem ma i s conhec ida ,

Ge ra ldo Vandré dá um r ecado com sen t i do opos to : "quem sabe f az a

ho ra , não e spe ra a con t ece r " .

Somos nós que f azemos a ho ra? Ou a ho ra j á vem marcada , pe l a

soc i edade em que v ivemos? O que , a f i na l , o " s i s t ema" nos ob r iga a

f a ze r em nos sa v ida? Qua l a nos sa ma rgem de manobra? Qua l o

t amanho da nos sa l i be rdade?

Da ta dos p r ime i ro s e s fo r ços dos fundado re s da soc io log i a como

d i s c ip l i na com p re t ensões c i en t í f i c a s a d i f i cu ldade em l i da r com

e s sa t en são ex i s t en t e en t r e , de un i l ado , a pos s ib i l i dade de ve r a

soc i edade como uma e s t ru tu r a com pode r de coe rção e de

de t e rminação sob re a s a ções i nd iv idua i s e , de ou t ro , a de ve r o

i nd iv íduo como agen t e c r i ado r e t r ans fo rmador da v ida co l e t i va .

D ian t e da nece s s idade de demarca r um e spaço p róp r io den t ro

do campo c i en t í f i co pa r a e s t a nova d i s c ip l i na a cadêmica , a l guns s e

empenha ram em demons t r a r a ex i s t ênc i a p l ena de uma v ida co l e t i va

com a lma p róp r i a , a c ima e t o r a da s men t e s dos i nd iv íduos .

Page 7: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Buscava m com i s so de l im i t a r um campo de

Page 8: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E VIDA MORAI

i nve s t i gação que e s t i ve s se fo r a da a l ç ada da p s i co log i a (que j á

l i dava com a men t e do i nd iv íduo ) ou de ou t r a c i ênc i a humana

qua lque r . Ou t ro s pensa ram em t r a t a r a a ção i nd iv idua l como o

pon to de pa r t i da pa r a o en t end imen to da r e a l i dade soc i a l e ,

embora t ambém fug i s s em do "ps i co log i smo" , co loca ram a ên fa se

não no pe so da co l e t i v idade sob re o s homens , mas na capac idadedos homens de fo r j a r a soc i edade a pa r t i r de sua s r e l a ções uns tcom os ou t ro s .

E p rováve l que t odos t i ve s sem r azão . Os homens c r i am o

muhc fò soc i a l em que v ivem — de onde ma i s e l e v i r i a ? — c ao

mesmo t e inpp e s se mundo c r i ado sob rev ive ao t empo de v ida de

cada i nd iv íduo , i n f l uenc i ando o s modos de v ida da s ge r ações

s egu in t e s . Como pensa r a h i s t ó r i a humana s em r e sga t a r a b iog ra f i a

dos homens? Como e sc r eve r uma b iog ra f i a s em cons ide ra r a

soc i edade e o momen to h i s t ó r i co em que o b iog ra f ado v iveu?

Po r t an to , a soc i edade f az o homem na mesma med ida"em que o

homem faz a soc i edade . P r e f e r i r uma pa r t e do p rob l ema em

de t r imen to da ou t r a é apenas uma ques t ão de ên fa se .

No en t an to , e s s a ên fa se é impor t an t e quando cons ide ramos a

concepção que cada um dos p r i nc ipa i s au to r e s da soc io log i a t i nha

sob re a educação . Ou , pe lo menos , a concepção de educação que

podemos deduz i r de s eus e s c r i t o s soc io lóg i cos .

Durkhe im e o pensamen to soc io lóg i co

Educa r c conse rva r? Ou r evo luc iona r? Educa r c t i r a r a venda

dos o lhos ou imped i r que o exce s so de l uz nos de ixe cegos? Educa r

é p r epa ra r pa r a a v ida? Se fo r a s s im , pa r a qua l v ida?

Com a pa l av ra , e s s e s i nqu i e to s s enho re s , o s fo rmu lado re s da

t eo r i a soc io lóg i ca . E comecemos l ogo po r aque l e que fo i e con t i nua

s endo um dos ma i s i n f l uen t e s pensado re s da soc io log i a c da

soc io log i a da educação .

Fo r t emen te i n f l uenc i ado pe lo c i en t i f i c i smo do s écu lo XIX,

p r i nc ipa lmen t e pe l a b io log i a , e ex t r emamen te p r eocupado com uma

de l im i t ação c l a r a do ob j e to c do mé todo da soc io log i a , o f r ancê s

Emi l e Durkhe im (1S58-1917) v i s l umbrou cm sua ob ra a ex i s t ênc i a

de um " r e ino soc i a l " , que s e r i a d i s t i n to do mine ra l c do vege t a l .

Não po r co inc idênc i a , e l e chamava e s t e r e i no soc i a l , à s veze s ,

de " r e ino mora l " . O r e ino mora l s e r i a o l uga r onde s e p roce s sa r i am

ju s t amen te o s " f enômenos mora i s " , c s e r i a compos to po r amb ien t e s

cons t i t u ídos pe l a s - " i dé i a s " ou pe lo s " i dea i s " co l e t i vos . Poda v ida

soc i a l s e dá , pa r a Durkhe im , ne s se "me io mora l " , que e s t á pa r a a s

consc i ênc i a s i nd iv idua i s a s s im como os me ios f í s i cos e s t ão pa r a o s

o rgan i smos v ivos .

En t ende r que e s t a d imensão de f a to ex i s t a , que t a l me io co l e t i vo

s e j a r e a l c de t e rminan t e na v ido da s pe s soas , não é a l go ev iden t e po r

s i mesmo , c não é t a r e f a pa r a qua lque r um, a chava Durkhe im . O

soc i t í l ogo é o ún i co c i en t i s t a p r epa rado pa ra de t ec t a r e s s e s e s t ados

co l e t i vos . Pa r a t an to , e l e deve r i a en f r en t a r sua aven tu ra i n t e l e c tua l

com a mesma pos tu r a dos dema i s c i en t i s t a s , co locando - se num

e s t ado de e sp í r i t o s eme lhan t e ao dos f í s i cos , qu ímicos ou b ió logos

cm seus l abo ra tó r i o s . Se a l e i da g r av idade ou a da i né r c i a s ão l e i s

da na tu r eza — não s e pode ques t i oná - l a s , não s e pode mudá - l a s , e só

nos r e s t a conhecê - l a s pa r a me lho r v ive r —, do mesmo modo a

soc i edade , a v ida co l e t i va , deve t e r sua s l e i s p róp r i a s , i ndependen t e s

da von t ade humana , que p r ec i s am se r conhec ida s . A f í s i c a

newton i ana de scob r iu a s l e i s da g r av idade e da i né r c i a dos co rpos .

Cabe à soc io log i a , na v i s ão de Durkhe im , de scob r i r a s l e i s da v ida

soc i a l .

Sua p r e t ensão é ap re sen t a r a soc io log i a como uma c i ênc i a

pos i t i va , como um e s tudo me tód i co . Segu indo o s mé todos ce r t o s ,

po r t an to , o soc ió logo pode rá de scob r i r a s l e i s soc i a i s . Durkhe im

compreend i a " l e i " ( l e i c i en t í f i c a , ne s t e c a so ) como uma " r e l ação

20. Sociologia da EducaÇÃO8

Page 9: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

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SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃOSOCICDADC, EDUCAÇÃO l VIDA MORAL 23

Page 10: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

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neces sá r i a , como a de scobe r t a da l óg i ca i n sc r i t a no p róp r io r e a l c

ap re sen t ada na fo rma de um enunc i ado pe lo c i en t i s t a F s . s e ■

pos i t i v i smo é , pa i a c i e , a ún i ca pos i ção cogn i t i va pos s íve l Na

exp l i c ação que e l e p ropo rc iona , o " f a to r soc i a l " c s empre o

de t e rminan t e . Em t a l un ive r so i n t e l e c tua l , a ve rdade i r a C i ênc i a so

apa rece quando oco r r e a pe r f e i t a s epa ração en t r e t eo r i a e p r a t i c a . O

me io mora l que s e rve de en to rno aos i nd iv íduos d -v - s e i t d inado

como um dado b ru to à obse rvação do i nves t i < r ado r que não deve em

momen to a lgum a s sumi r o s va lo r e s ne l e con t i dos . - ,Durkhe im

e sc r eve que o s p r i nc ipa i s f enômenos soc i a r como a r e l i g i ão , a

mora l , o d i r e i t o , a e conomia ou a e c luca rn

são na vorrlirl " l i '- t ' \f-<iu,

t e rc i ac i e s i s t emas de va lo r e s . Sc e s t i ve rmos con t aminados com os va lo r e s que e s se s f enômenos exp re s sam não t e r emos a i s enção nece s sá r i a pa r a en t endê - lo s

A soc io log i a , enunc i a Durkhe im , é o e s t udo dos f a t o s soc i a i sE f a to s soc i a i s s ão j u s t amen te aque l e s modos r\c » > m r r , , , . - , „sob . . j . , - 1 muuos uc agu que exe rcem

u íncnv i c iuo uma coerção exterior

ex i s t ênc i a p róp r i a , i ndependen t e da s man i f e s t a ções i nd iv idua i s que

pos sam t e r . Os f a to s soc i a i s , em suma , devem se r cons ide rado - como

coisas. Duikhc im no t a que na v ida co t i d i ana t emos um 1 e i a vaga e

con fusa dos l a t o s soc i a i s — como o Es t ado a l i be idade , ou o que que r

que s e j a — ju s t amen te po rque s endo e e s uma r ea l i dade v iv ida , t emos

a i l u são de conhece Io~ s enso comum, a s mane i r a s hab i t ua i s de pensa r

s ão po r t an to

con t r a r i a s ao e s tudo c i en t í f i co dos f enômenos soc i a i s À mane i r a a

l óg i ca c a r t e s i ana , e l e a cha nece s sá r i o de scon f i a r s empre da s

p r ime i r a s impre s sões . Da í a nece s s idade de t r a t a r o s f a t o s soc i a i scomo co i s a s , pa r a l i v r a r - s e da s p r e -noções dos

p reconce i t o s i ~

c i en t í f i co s . I a r a conhecê - lo s c i en t i f i c amen te o fundamen ta l é

e s a rmos convenc idos de que e l e s não s ão i n t e l i n fv » í

imed i a t amen te . ; " & U i

a s cu idado a í com ' a s pa l av ra s , c a ro l e i t o r Ve j a l á que

conc lu sões va i t i i a r de l a^ . Durkhe im não a f i rmou que o s f a t o s soc i a i s

s ão de f a to co i s a s ma t e r i a i s , mas apenas que devem se r t r a t ados como

se fo s sem co i s a s l a i s como II.S co i s a s ma t e r i a i s . Co i s a pa r a e l e é t odo

ob j e to de conhec imen to que a i n t e l i gênc i a humana não pene t r a de

modo imed i a to , nece s s i t ando o aux í l i o da c i ênc i a . T ra t a r o s f a t o s

soc i a i s como co i s a s , po r t an to , é uma pos tu r a i n t e l e c tua l , uma

a t i t ude men t a l .

Po r ou t ro l ado , é pos s íve l r e conhece r o f enômeno soc i a l po rque

e l e s e impõe aos i nd iv íduos , ou s e j a , o s f a t o s soc i a i s exe rcem

coe rção sob re o s compor t amen tos i nd iv idua i s , como o demons t r am

a moda , o c a samen to , a s co r r en t e s de op in i ão . Um c r ime , po r

exemplo , é r e conhec ido como- t a l po rque é de conhec imen to

co l e t i vo que l odo c r ime susc i t a uma s anção , que deve s e r pun ido

pe l a s r eg ra s que a soc i edade e s t abe l ece (no ca so , pe l a s l e i s

j u r í d i ca s ) . A l e i e s t abe l ece pun i ção po rque o c r ime f e r e a

consc i ênc i a co l e t i va , con t r ad i z a s conv i cções ma i s v iva s e

p ro fundamen te compa r t i l hadas . No en t an to , o c r ime não é uma

abe r r ação . Sc ex i s t em r eg ra s soc i a i s que p r evêem o qne s c r a e o

que não s e r á c r ime é po rque o c r ime é a l go no rma l . O c r ime ,

po r t an to , é um l a to soc i a l , a s s im como a l e i que p r evê sua pun i ção .

São f a to s soc i a i s não só po rque s ão no rma i s , mas po rque s ao

pe rceb idos como f a to s soc i a i s pe lo s membros da soc i edade ; c

po rque exe rcem a lguma p re s são sob re o s i nd iv íduos , a l guma

coe rção , a l guma ob r iga to r i edade .

OLI s e j a , o r e cado de Durkhe im , com e s sa conve r sa t oda sob re

como de f in i r co r r e t amen te o s l a t o s soc i a i s , é que não ad i an t a

s imp le smen te d i ze r que o homem é um se r i n se r i do na soc i edade ,

c e r cado de l a t o s soc i a i s po r t odos o s l ados . I s so não d i r i a nada . A

co i s a é ma i s compl i cada . O r ecado c o s egu in t e : a sociedade está na

cabeça dos homens e das mulheres, de todos e de cada um. Po i s s e i ex i s t e

um modo de conhece r o s l a t o s que e s t ão à nos sa vo l t a , s e j am e l e s

ped ra s , paus , c a sa s , av iõe s , emoções , l e i s , de l i t o s , pneus , r oupas ,

peça s de t e a t ro , r e l i g iõe s ou s e i l á o quê . E c r i ando em nos sa men t e

uma idéia do que s e j am ou um ideal que d iga r e spe i t o ao modo como

deve r i am se r Em ou t r a s pa l av ra s , é ge r ando uma representação

menta l uma e spéc i e de chave i n t e rp r e t a t i va que cons t ru ímos pa ra

l i da r com aqu i l o que a p r i nc íp io não conhecemos .

A sociedade na cabeça de cada u m

Page 11: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

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L^c a í que a soc io log i a de Durkhe im t em g raça . Pa ra e l e a s

r ep re sen t ações podem se r i nd iv idua i s ( pe s soa i s ) ou co l e t i va s

( compa r t i l hadas ) . As r ep re sen t ações sob re o s f a t o s soc i a i s s ão

i ep i e sén t açõcs co l e t i va s , s ão pe r ceb ida s em co l e t i vo . F como se

houves se do i s de nós den t ro de nós mesmos : um se r i nd iv idua l em cu j a

c abeça ex i s t em e s t ados men t a i s r e f e r en t e s nos sa pe s soa , a nos sa v ida

como ind iv íduos , c , ao mesmo t empo um se r soc i a l . Na cabeça de s se

s e r soc i a l que hab i t a em nós não t r a f egam apenas e s t ados men t a i s

pe s soa i s , mas um con jun to de c r enças , de háb i t o s , de va lo r e s , o s q t i a i s

não r eve l am co i s a s que pensamos com nos sa p róp r i a c abeça" ( s e é que

t a l co i s a pode r i a ex i s t a , na v i s ão de Durkhe im) . Ta i s c r enças c va lo r e s

não r eve l am uma supos t a pe r sona l i dade p r i vada . Reve l am s i m o quan to

há dos ou t ro s em nós . De t odos o s ou t ro s ! Das pe s soas que v ivem

conosco na soc i edade em que v ivemos e da s pe s soas que nem

conhecemos , e i nc lu s ive da s que não v ivem ma i s que j á mo i r e r am,

t a l vez há mu i to s anos . A soc i edade v ive na cabeça de cada um e , a s s im

como o Cr i s t o b íb l i co , onde do i s ou ma i s e s t i ve r em r eun idos em seu

nome e l a e s t a r á no me io de l e s Ma i s do que i s so a t é , po i s s e

de s t aca rmos um ún i co i nd iv íduo da soc i edade onde e l e v ive e o

l eva rmos pa ra ou t r a soc i edade ou mesmo pa ra uma i l ha de se r t a , e l e

l eva rá um pouco da soc i edade cons igo , den t ro de sua cabeça .

Lembram-se do modo CT O CD Rob i son Crusoé sob rev iveu após o

nau f r ág io? Po i s é , f o i " r aça s à soc i edade e s eus s abe re s , que v iv i am

den t ro de sua cabeça apesa r da ausênc i a f í s i c a da s dema i s pe s soas .

Po r t an to , não apenas o i nd iv íduo f az pa r t e da soc i edade ; uma pa r t e da

soc i edade f a 7 p a r t e de l e . Ao mesmo t empo , po r ou t ro l ado , a soc i edade

só ex i s t e em sua p l en i t ude s e t omarmos o con jun to , po rque e l a não

cabe t oda , comple t a , na c abeça de cada um.

As r ep re sen t ações co l e t i va s , a s s im , s ão ex t e r i o r e s à s consc i ênc i a s

i nd iv idua i s ; e l a s não de r i vam dos i nd iv íduos cons ide rados

i so l adamen te , mas de sua cooperação. Na cons t rução do r e su l t ado

comum des sa co l abo ração , d i z Durkhe im , c ada um en t r a com sua

quo t a -pa r t e ; mas o s s en t imen tos p r i vados s é ) s e t o rnam soc i a i s quando

s e combinam en t r e s i , s ão compa r t i l hados e ge r am, em deco r r ênc i a ,

a l go novo . Po r c ausa da s combinações e da s mu tações que so f r em ao

s e combina rem, o s s en t imen tos i nd iv idua i s se transformam em outra

coisa. E como uma s í n t e se qu ímica . O h id rogên io e o ox igên io s ão do i s

ga se s d i f e r en t e s , mas s e combinados em ce r t a

p ropo rção . de t e rminada c sob ce r t a s cond i ções f í s i c a s e spec í f i c a s ,

t r an s fo rmam-se em a lgo comple t amen te d i f e r en t e : água . Se

t omarmos a s pa r t e s que compõem a água , não en t ende remos a água

j ama i s , po i s que sua s pa r t e s cons t i t u t i va s s ão ga se s . Do mesmo

modo , s e t omarmos o s i nd iv íduos , não en t ende remos a soc i edade

j ama i s , po i s s e é ve rdade que e l a ex i s t e em cada um, cm cada um só

ex i s t e um f r agmen to de l a . O t odo , pa r a Durkhe im , t em p recedênc i a

sob re a s pa r t e s . A soc i edade t em von t ade p róp r i a . E l a pensa , s en t e ,

de se j a , embora não pos sa pensa r , s en t i r , de se j a r c p r i nc ipa lmen t e

ag i r s enão a t r avé s dos i nd iv íduos . A consc i ênc i a co l e t i va ex i s t e

a t r avé s da s consc i ênc i a s pa r t i cu l a r e s . Cada uma não é nada s em a

ou t r a .

Ta lvez a e s t a a l t u r a , c a ro l e i t o r , você j á e s t e j a um pouco

ans io so . Ta lvez j á e s t e j a s e pe rgun t ando : bem, mas o que t em tudo

i s so a ve r com educação? Em que Durkhe im nos a juda , a f i na l , a

pensa r a educação?

Ca lma , c a lma . Vamos chega r l á ago ra .

D i s so que acabe i de d i ze r , r e t enha do i s r a c ioc ín io s

fundamen ta i s . P r ime i ro , a consc i ênc i a co l e t i va , e s t a soc i edade v iva

na cabeça de cada i nd iv íduo e ao mesmo t empo ex t e r i o r a cada

pes soa c que a ob r iga a compor t a r - s e con fo rme o de se jo c i a

soc i edade , não ex i s t e i nd iv idua lmen t e , mas somen te pe l a cooperação

en t r e o s i nd iv íduos . Segundo , e s s a ex i s t ênc i a soc i a l e s s a v ida

co l e t i va , é ob ra não apenas dos i nd iv íduos que coope ram en t t e s i

num dado momen to da v ida da soc i edade mas t ambém das ge r ações

pa s sadas , que a juda ram i c r i a r i s i c renças , o s va lo r e s e a s r eg ra s

que a inda ho j e e s t ão p r e sen t e s e que nos ob r iga r a de ce r t o modo a

nos compor t a rmos de aco rdo com -.-a-, vo l i t ade da soc i edade" .

A diferenciação da sociedade

Ora , s e ag imos s egundo a von t ade da soc i edade é po rque a s s im

aprendemos. Porque fomos educados pa ra i s so Es sa educação ,

na tu r a lmen t e , não s e f a z no vácuo . E l a t em con t eúdos Ta i s

con t eúdos s ão dados pe lo me io mora l que compa r t i l hamos que r

d i ze i , pó r e s t e ma r de c r enças , va lo r e s c r eg ra s p roduz idos pe l a s

ge r ações de i nd iv íduos pa s sadas e p r e sen t e s da soc i edade e r a que

Page 12: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

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v ivemos . Ex i s t e um número quase i n f i n i t o de r c r a s soc i a i s que , de t ão

comuns , a t é e squecemos que ex i s t em mas da s qua i s imed i a t amen te nos

l embramos s e co locados d i an t e de ima s i t uação que a s ex i j a : é

p ro ib ido ma ta r s e r e s humanos é p ro ib ido f aze r s exo com o i rmãoz inho

ou a i rmõ - inKi

eomenc i ave l que o homem env i e f l o r e s à m u l h e r -um \ o na t a s e da

conqu i s t a , c l a ro ) , é pouco educado pe rpe t r a r um sono ro a r ro to du ran t e

a s r e f e i çõe s e t c . I s so pa r ece óbv io dema i s? En t ão ve j a e s t a s ou t r a s

duas r eg ra s soc i a i s : é gen t i l a r ro t a r du ran t a r e f e i ção , po i s s i gn i f i c a

que e s t amos gos t ando da comida ' e gen t i l o f e r ece r sua e sposa pa r a

uma no i t e de s exo com os homens v i s i t an t e s . Bem, e s s a s j á pa r ecem

ma i s exó t i c a s pa r a nós , pe lo menos a lguns de nos , mas a p r ime i r a va l e

pa r a c e r t a s cu l t u r a s de povos á r abes , e a s egunda va l e pa r a a cu l t u r a

e squ imó . Há ou t r a s r eg ra s de "boa educação" que caem cm desuso ,

obv i amen te po rque a soc i edade e t ambém a s cond i ções e conômicas

mudam. Pe rgun t e a s eu pa i ou avô ( s e e l e f o i um homem bem educado"

da p r ime i r a me t ade do s écu lo XX) o que s e dev i a f a ze r ao c ruza r , na

c a l çada , com uma pe s soa ma i s ve lha . A r e spos t a é : o f e r ece r o l ado de

den t ro da ca l çada , f i c ando você com o l ado c i a rua . P r a quê? Não

e squeça que a ma io r i a da s rua s e r a de t e r r a , e o r i s co de en l amea r o

l e rno de ca sc in i r a b r anca e r a bem ma io r pa r a o s que f i c a s sem pe r to da

rua nos d i a s de chuva . Com a u rban i zação c o de senvo lv imen to

econômico , a í eg ra c aducou . A lém d i s so , o status dos ma i s ve lho s e r a

d i f e r en t e do que ex i s t e ho j e . Es se s exemplos t omam apenas pequenos

f r agmen tos da t e i a de no rma l i z ações o f e r ec ida s pe l a soc i edade , mas

s ão pa r t e i n t eg ran t e de um de t e rminado me io ■mora l que

compa r t i l hamos .

Es t e me io mora l , nos d i z Durkhe im , é p roduz ido pe l a

coope ração en t r e o s i nd iv íduos , a t r avé s de um p roces so c i e

in t e r ação que chamou de d iv i s ão do t r aba lho soc i a l . D i t o de

ou t i o modo : con fo rme o t i po de d iv i s ão c io t r aba lho soc i a l que

p redomina na v ida co l e t i va numa de t e rminada época , t emos

um t i po d i f e r en t e de coope ração en t r e o s i nd iv íduos . E e s t e t i po

d i f e r en t e c i e coope ração , po r sua vez , dá o r i gem vida

mora l d i f e r en t e . V ic i a mora l que s e r á a ba se c io s con t eúdos

t r ansmi t i dos na fo rma de c r enças , va lo r e s e no rmas de ge r ação pa i a

ge r ação . E que cada nova ge ração , ao na sce r , r e cebe p ron t a na

fo rma de educação .

Não e s tou f a l ando apenas de educação e sco l a r , no t e bem. Es tou

f a l ando de ap rende r a v ive r . Es tou f a l ando do modo como somos

ens inados a s e r membros da soc i edade da qua l f a zemos pa r t e . Co i s a

que , você j á deve t e r r epa rado , n inguém nasce s abendo . A l i á s ,

a l guns j ama i s ap rendem.

Como j á v imos , ao r e f l e t i r sob re como , a f i na i , um s imp le s

con jun to de i nd iv íduos pode cons t i t u i r uma soc i edade Durkhe im

obse rva que uma cond i ção fundamen ta l pa r a que a

soc i edade pos sa ex i s t i r é a p r e sença dc um consenso. Po i s s em

consenso não há coope ração en t r e o s i nd iv íduos e , po r t an to , não há

v ida soc i a l .

Quando o s homens pos suem pouca d iv i s ão do t r aba lho em , sua

v ida em 1 comum, ex i s t e en t r e e l e s um t i po de so l i da r i edade ba seado

na s eme lhança en t r e a s pe s soas . Numa t r i bo dc í nd io s , po r exemplo ,

t odas a s pe s soas f a zem p ra t i c amen te a s mesmas t a r e f j n s : c açam,

pe scam, f a zem ce s to s de v ime , pa r t i c i pam de r i t ua i s r e l i g io sos e t c .

A ún i ca d iv i s ão que ge ra lmen t e ex i s t e — a l ém d jnp re sença de

i nd iv íduos de s t acados , como o che fe ou o cu rande i ro — é a d iv i s ão

s exua l de t a r e f a s en t r e homens e mu lhe re s . (D t i po de so l i da r i edade

que s e e s t abe l ece en t r e e s s a s pe s soas é o que Durkhe im chama dc

so l i da r i edade mecân i ca . As pe s soas e s t ão j un t a s po rque f azem

jun t a s a s mesmas co i s a s . Mas no ca so r ad i ca lmen t e opos to . , ou

s e j a , na mode rna soc i edade i ndus t r i a l , a s t a r e f a s s ão ex t r emamen te

d iv id ida s . Com a d iv i s ão do t r aba lho soc i a l , c ada vez ma i s , o s

i nd iv íduos de sempenham funções d i f e r en t e s umas da s ou t r a s . Ta l

p roce s so s e r ad i ca l i zou com o cap i t a l i smo , que l evou a uma

supe re spec i a l i z ação da s t a r e f a s . Na f áb r i c a mode rna , há um homem

pa ra ape r t a r o pa r a fu so , ou t ro pa r a enca ixa r a s peça s , ou t ro pa r a

p in t a r o s enca ixe s e t c . A l ém des se s , que s ão t odos ope rá r i o s , há

ou t ro s t i pos de p ro f i s s i ona i s supe re spec i a l i z ados : o méd i co , o

p ro fe s so r , o den t i s t a , o c a r t e i ro , o f e r r e i ro , o a çougue i ro , o

con t ado r e t c .

Imag ine o que d i r i a o ve lho Durkhe im se v ive s se nos d i a s de

ho j e , r odeado po r t é cn i cos em in fo rmá t i c a , consu l t o r e s de

Page 13: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

13

marke t i ng , p i l o to s ' de co r r i da , ana l i s t a s de s i s t emas , videoma.ke.rs

a s t ronau t a s . . . Ta lvez nem se e span t a s se . Ta lvez con f i rmasse com

um so r r i s i nho nos l áb io s que t udo o que s e f e z de sde o i n í c io do

sécu lo XIX fo i o i nc r emen to de uma diferenciação soc i a l c ada

vez ma io r . •

O t i po de so l i da r i edade que s e . e s t abe l ece en t r e o s i nd iv íduos com

e s t e e l evado g r au de d iv i s ão do t r aba lho não pode s e r a mesma

so l i da r i edade dos í nd io s na t r i bo . Na soc i edade i ndus t r i a l mode rna há

uma so l i da r i edade po r d i f e r ença e não ma i s po r s eme lhança . E o que

Durkhe im chama dc solidariedade orgânica. As pes soas não e s t ão j un t a s

po rque f azem jun t a s a s mesmas co i s a s , mas o con t r á r i o : e s t ão j un t a s

po rque f azem co i s a s d i f e r en t e s c , po r t an to , pa r a v ive r ( i nc lu s ive pa r a

come i ; bebe r c ve s t i r ) dependem das ou t r a s , que i a zem co i s a s que e l a s

não que rem ou não s ão ma i s c apazes de l a ze r . Como o a l f a i a t e comer i a

e como o coz inhe i ro s e ve s t i r i a s e não fo s se a ex i s t ênc i a do rn i ím . Sc

uma t r i bo fo s se devas t ada po r um a t aque i n imigo e só r e s t a s s e uma

pe s soa , e l a pode r i a a i nda sob rev ive r na ma t a c açando ou pe scando ou

comendo f ru to s da s á rvo re s , embora v ive i " s em o g rupo t a l vez não

f i z e s se ma i s s en t i do pa ra e l a , t ão l i gada ao co l e t i vo e l a é . Mas o que

você f a r i a , c a ro l e i t o r , s e uma exped i ção de marc i anos cap tu r a s se t oda

a popu l ação da t e r r a pa r a expe r i ênc i a s e só e squeces se você po r aqu i ?

Como comer i a? C l a ro , você pode a s sa l t a r o ba l cão f r i go r í f i co do

supe rmercado . Mas quan to t empo a ene rg i a e l é t r i c a du ra r i a s em a

manu t enção do pe s soa l da companh i a de t o r ça c l uz? Quem paga r i a s eu

s a l á r i o? Quem l ava r i a sua s cueca s ou ca l c inhas? E p r a que u sa r cueca s

ou ca l c inhas s e não há ma i s e s c r i t ó r i o pa r a t r aba lha r ou au l a pa r a

a s s i s t i r , n em n inguém pa ra ve r você pe l ado ou pe l ada? Quem lhe

ens ina r i a soc io log i a da educação na un ive r s i dade? Quem pas sa r i a

aque l e f i lme român t i co de s ábado â no i t e ?

Lamen to i n fo rmar , mas você depende dos ou t ro s . Sua r e l a ção com

os ou t ro s t odos que e s t ão à sua vo l t a , mesmo com aque l e s que você

ode i a , sua r e l a ção com seu pa t r ão ou com sua sog ra , c uma r e l ação dc

so l i da r i edade . De so l i da r i edade o rgân i ca .

A d i f e r enc i ação soc i a l , i s t o é , a pa s sagem da so l i da r i edade

mecân i ca pa r a a o rgân i ca , é s im i l a r à l u t a pe l a sob rev ivênc i a no r e ino

an ima l . A d iv i s ão do t r aba lho , pa r a Durkhe im , é a so lução pac í f i c a da

l u t a pe l a v ida . Em vez de ma t a r uns aos ou t ro s po r c ausa da

compe t i ç ão que s e r i am ob r igados a empreende r com seus

s eme lhan t e s na l u t a pe l a sob rev ivênc i a , o s s e r e s humanos

d i f e r enc i am-se . Nas soc i edades humanas é pos s íve l a um número

ma io r de pe s soas sob rev ive r , d i f e r cnc i ando - se umas da s ou t r a s

f a zendo co i s a s que a s ou t r a s não f azem pa ra t o rna r - s e pa r t e da

soc i edade , e po r consegu in t e subs t i t u indo a so l i da r i edade ba seada

na s eme lhança pe l a so l i da r i edade ba seada na d i f e r ença .

Mas há ou t ro pon to impor t an t e . Durkhe im a s s ina l a que quando

há pouca d iv i s ão do t r aba lho e , em deco r r ênc i a so l i da r i edade

mecân i ca , a consc i ênc i a co l e t i va é ma i s f o r t e e ex t ens iva a um

número ma io r de pe s soas . I s so oco r r e po rque de sempenhando

funções soc i a i s mu i to s eme lhan t e s , o s i nd iv íduos pensam com a

mesma cabeça" , po r a s s im d i ze r . Quando , ao con t r á r i o , há mu i t a

d iv i s ão do t r aba lho e , em deco r r ênc i a so l i da r i edade o rgân i ca , c ada

pe s soa , em d ive r s a s c i r cuns t ânc i a s da v ida , t em uma margem ma io r

de l i be rdade , pa r a pensa r e ag i r po r con t a p róp r i a . Há , po r t an to , um

en f r aquec imen to r e l a t i vo d^a consc i ênc i a co l e t i va na s soc i edades

complexas há um en f r aquec imen to da s r e ações da co l e t i v idade

con t r a a queb ra da s r eg ra s e s t abe l ec ida s e há uma margem n i a io r

pa r a a i n t e rp r e t ação pe s soa l ou g rupa i de s sa s r eg ra s .

Ass im , o s me ios mora i s , na s soc i edades com pouca e na s com

mui t a d iv i s ão do t r aba lho - , s ão ba s t an t e d i s t i n to s . Os va lo r e s a s

c r enças e a s no rmas compa r t i l hados no s e io de u rna cu l t u r a pe lo s

i nd iv íduos s ão mu i to ma i s impe ra t i vos , ob r iga tó r i o s e

homogeneamen te t r ansmi t i dos de ge r ação pa ra ge r ação nu ma

soc i edade pouco d i f e r enc i ada , enquan to que , pe lo con t r á r i o so f r em

in t e r f e r ênc i a s de g rupo , de statits e de c l a s s e numa soc i edade mu i to

d i f e r enc i ada , como a soc i edade i ndus t r i a l mode rna . Quando t odos

s ão r i g idamen te ens inados a obedece r a s mesmas no rmas , a

compa r t i l ha r a s mesmas c r enças e o s mesmos va lo r e s , a t endênc i a ,

pensa Durkhe im , é o consenso Quando cada i nd iv íduo , em função

da d iv i s ão do t r aba lho e da e spec i a l i z ação , a s sume va lo r e s , c r ença s

e no rmas d i f e r enc i adas

con fo rme o g rupo ao qua l s e v incu l a na v ida p ro f i s s i ona l , a s r eg ra s

ge r a i s f i c am r e l a t i v i zadas , f i c am ma i s f r a ca s . Pode - se da r

i n t e rp r e t ações d i f e r en t e s a e l a s con fo rme o l uga r de onde s ão

v i s t a s . E quando há fo r t e d i f e r enc i ação soc i a l há mu i to s l uga re s

Page 14: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

14

d i f e r en t e s de onde s e o lha r a s r eg ra s . A t endênc i a s e r á , en t ão , o

con f l i t o , deco r r en t e da compe t i ç ão impos t a pe l a d i f e r enc i ação . Os

i nd iv íduos pa s sam ;i gu i a r - s e pe l a IHISCII da s a l i . - * f açao de i n t e r e s se s

que s ão cada vez ma i s pe s soa i s e c ada vez menos co l e t i vos , na l u t a

pe l a sob rev ivênc i a que ap rendem na soc i edade complexa cm que

na scem. E a s s im que Durkhe im vê um f enômeno ex t r emamen te

d i s s eminado nos d i a s de ho j e : o_ i nd iv idua l i smo .

É a d iv i s ão do t r aba lho e a d i f e r enc i ação soc i a l que pos s ib i l i t am o

su rg imen to e l a l i be rdade mode rna . S i ) numa soc i edade complexa e

d i f e r enc i ada é que s e t o rna pos s íve l d iminu i r a r i g idez da s r eg ra s

soc i a i s , sua va l i dade ge ra l e i nd i s t i n t a , e só a s s im o i nd iv íduo pode

t e r c e r t a l i be rdade de j u lgamen to c de ação . Mas quan to ma i s

l i be rdade i nd iv idua l , ma i s i nd iv idua l i smo , en t end ido como a pe rda dos

s en t imen tos g r egá r io s e de r e spe i t o à s no rmas ge r a i s da soc i edade .

Educação pa ra a v ida

Chamo en t ão S L i a a t enção pa ra a s egu in t e ques t ão : quan to ma i s

i nd iv idua l i s t a em t e rmos de c r enças e va lo r e s é uma soc i edade ,

ma i s impor t an t e s e t o rna r e so lve r o p rob l ema de como p re se rva r

uma pa r t e da consc i ênc i a co l e t i va , que e r a quase t o t a l na s

soc i edades pouco d i f e r enc i adas . Po i s quan to ma i s o i nd iv idua l i smo

c r e sce , ma i s a consc i ênc i a co l e t i va d iminu i . E no en t an to ,

pa r adoxa lmen te , s em consc i ênc i a co l e t i va , s em uma mora l co l e t i va ,

a soc i edade não pode sob rev ive r . A so l i da r i edade é o c imen to que

dá l i ga à soc i edade . Se fo s se de ixada pa ra s egu i r s eu rumo sem

con t ro l e , a so l i da r i edade o rgân i ca (ba seada na d i f e r ença )

p rovoca r i a a de s in t eg ração da soc i edade , p rovoca r i a o que

Durkhe im chamou de cincmiut, i s t o é ,

Page 15: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

15 SOCIOLOGIA OA EDUCAÇÃO

a ausênc i a de r eg ra s , o c aos . Se i s so não oco r r e po r comple to é

po rque a consc i ênc i a co l e t i va a inda s e man t ém de a lguma fo rma .

Num me io mora l em que o i nd iv idua l i smo pos s ib i l i t ado pe l a

d i f e r enc i ação soc i a l compe t e com a consc i ênc i a co l e t i va p róp r i a a

t oda v ida soc i a l , a educação a s sume o s i gn i f i c ado de educação

mora l . As sume a cond i ção de ped ra fundamen ta l de p r e se rvação da

coesão soc i a l .

Ass im , a educação , pa r a Émi l e Durkhe im , é e s s enc i a lmen t e o

p roce s so pe lo qua l ap rendemos a s e r membros da soc i edade .

Edueação ' é soc i a l i z ação .

"É uma i l u são ac r ed i t a r que podemos educa r nos sos f i l hos como

que remos" , s en t enc i a Durkhe im no s eu l i v ro Educação c sociologia.

Exi s t em ce r t o s cos tumes , c e r t a s r eg ra s , que devem se r

ob r iga to r i amen te t r ansmi t i dos no p roce s so educac iona l , gos t emos

de l e s ou não . Se não f i z e rmos i s so , a soc i edade s e v inga rá de

nos sos f i l hos , po i s não e s t a r ão cm cond i ções de v ive r en> me io

aos ' ou t ro s quando adu l t o s . A cada momen to h i s t ó r i co , a c r ed i t a

Durkhe im , ex i s t e um t i po adequado de educação a s e r t r ansmi t i da .

I dé i a s educac iona i s mu i to u l t r apa s sadas ou mu i to à f r en t e de s eu

t empo , d i z nos so soc ió logo , não s ão boas po rque não pe rmi t em que

o i nd iv íduo educado t enha uma v ida no rma l , ha rmôn ica com seus

con t emporâneos .

Mas s e , como d i s s emos an t e s , a s soc i edades mode rnas s ão mu i to

d i f e r enc i adas , dev ido à d iv i s ão do t r aba lho soc i a l , como se r i a

pos s íve l um ún i co t i po adequado c i e educação pa ra t odos? Ora , não

s e r i a pos s íve l . Pa r a Durkhe im , a educação adequada é a educação

p róp r i a ao me io mora l que cada um compar t i l ha . Nas soc i edades

complexas ex i s t em mu i to s me ios mora i s , con fo rme ' a d iv i s ão em

c l a s se s , em ca s t a s , em g rupos , em p ro f i s sõe s e t c . Ass im , não ex i s t e

uma educação ún i ca pa r a que t odos ap rendam a s e r membros da

soc i edade . . Você ap rende a s e r um membro de sua c l a s s e , de s eu

g rupo , de sua ca s t a , de sua p ro f i s s ão , en f im , de s eu me io mora l . E ( j - e s t e é o modo

e spec í f i co , pa r t i cu l a r ,SOCIEDADE, EDUCAÇÃO t VIDA MOKAI 3 3 - ■ ',

pe lo qua l você s e t o rna membro da soc i edade . Es t a não é a l go que

e s t e j a d i spon íve l em sua ab rangênc i a l o t a i pa i a i odas a s pe s soas .

Soc i a l i z a r - s e é ap rende r a s e r membro c i a soc i edade , e ap rende r a

s e r membro da soc i edade é ap rende r o s eu dev ido l uga r ne l a . Sé )

a s s im é pos s íve l p r e se rva r a soc i edade . P r e se rvá - l a i nc lu s ive de s im

p róp r i a d i f e r enc i a r ão .

Aprende r a s e r um engenhe i ro , pa i a Durkhe im , não é

s imp le smen te ap rende r a l a ze r p l an t a s ou ca l cu l a r vo lumes de

conc re to . Ass im como ap rende r a s e r méd i co não s e l im i t a a

ap rende r a co r t a r ba r r i ga s ou s e r r a r o s sos . Aprende r a s e r méd i co

ou engenhe i ro s i gn i f i c a ap rende r a ag i r na v ida como méd ico ou

engenhe i ro , a r e l a c iona r - s e com os ou t ro s a pa r t i r de s t a ou daque l a

p ro f i s s ão . S ign i f i c a ap rende r a ag i r como a soc i edade e spe ra que

um méd ico ou um engenhe i ro a j am . S ign i f i c a en t r a r num me io

mora l , a t r avé s da aqu i s i ç ão de uma mora l p ro f i s s i ona l . Po r i s so , o s

s i s t emas educac iona i s con t emporâneos não s ão homogêneos .

Educação homogênea , a l i á s , só s e vo l t á s s emos à p r é -h i s t ó r i a , em

soc i edades s em d i f e r enc i ação .

No en t an to , po r ma i s e spec í f i cos que s e j am os me ios mora i s

pa ra o s qua i s somos educados , s empre ex i s t i r ão c r enças e va lo r e s

bás i cos que devem se r comuns a t odos . A educação do

engenhe i ro pode s e r mu i to d i f e r en t e da do méd i co , ou do l i t e r a to ,

mas an t e s de s e r em educados pa r a e s s a s a t i v idades p ro f i s s i ona i s ,

pa s sa r am po r uma educação fundamen ta l , no ge r a l

compa r t i l hada com toc lo s . Mesmo numa soc i edade r i g idamen te

d iv id ida cm ca s t a s , como na í nd i a , onde a s pe s soas na scem e

Page 16: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

16 SOCIOLOGIA OA EDUCAÇÃO

mor rem, ge r ação após ge r ação , s em chance de pa s sa r de uma

cas t a pa r a ou t r a , ex i s t em a lguns va lo r e s comuns a t odos ; po r <

exemplo , uma r e l i g i ão comum. Ass im , mesmo que

nem toc lo s nós fumemos um de t e rminado c iga r ro ,

" a lguma co i s a a gen t e t em que t e r em comum" . Não s e r i a pos s íve l

ex i s t i r soc i edade s em i s so . E fundamen ta l que ha j a c e r t a

homogene idade , e a educação deve pe rpe tuá - l a e r e fo r çá - l a na a lma

t i a c r i ança que

Page 17: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

/

é educada , i n s i s t i u o soc ió logo f r ancê s . Ass im como é fundamen ta l

pa r a e l e que , a pa r t i r de c e r t o pon to , a educação s e d i f e r enc i e , pa r a

adequa r a s c r i ança s a s eus me ios e spec í f i cos de v ida .

Pa ra r e sumi r c i t a i dé i a , pe rmi t a -me c i t a r a de f i n i ção que o

p róp r io Durkhe im dá pa ru educação ;

A«ducação é a a ção exe rc ida pe l a s ge rnçc j e s adu l t a s sob re a s

ge r ações que não s c encon t r am a inda p r epa radas pa r a a v ida

s o c i a l ; t em p o r ob j e t eususc i t a r e de senvo lve r , na c r i ança , c e r t o

número de e s t ados f í s i cos , i n t e l e c tua i s c mora i s , r e c l amados

pe l a soc i edade po l í t i c a , no ' s eu con jun to , e pe lo me io mora l a

que a c r i ança , pa r t i cu l a rmen te , s e de s t i ne [Educação c

sociologia, [),

É i s so que nos pe rmi t e v ive r cm soc i edade , é i s so que pe rmi t e

que a soc i edade v iva em nós e é ' i s so que pe rmi t e à soc i edade

con t i nua r v iva : s e rmos i gua i s e d i f e r en t e s ao mesmo t empo . Sé ) a

educação pe l a q i i a l pa s samos é c apaz de nos l a ze r a s s im . E é po r

i s so que a educação é um p roces so soc i a l .C A P í T U t O i i 1

Sociedade, educação e emancipação

ESTÁ BEM, A SOCIEDADE NOS MOLDA. A educação que r ecebemos

t em po r ob j e t i vo nos enquad ra r à s expec t a t i va s do me io soc i a l em

que v ivemos — nos sa c l a s s e , nos sa p ro f i s s ão , nos so me io mora l .

Cada ge ração t r ansmi t e a s egu in t e , a t r avé s da educação , o s

e l emen tos fundamen ta i s pa r a a manu t enção J a e s t ab i l i dade t i a s

co l e t i v idades humanas . Es se s a chados de Durkhe im sem dúv ida

devem se r cons ide rados como un i impor t an t e pon to de pa r t i da da

soc io log i a , e t ambém da soc io log i a da educação .

Mas nos ques t i onemos um pouco ago ra sob re o l i xo que ex i s t e

nos po rões da soc i edade . O que ex i s t e po r i r á s t i a s apa rênc i a s de s sa

nova , ma rav i l hosa e t e r r í ve l r e a l i dade pa r i da a i ó r ccps pe l a

mode rna o rdem indus t r i a l c ap i t a l i s t a ? Qua i s o s mecan i smos de

enquad ramen to sob re o s i nd iv íduos e a que i n t e r e s se s e l e s de f a t o

s e rvem? Que fo r ça s soc i a i s emergen t e s ne s t e novo momen to

h i s t ó r i co s ão capazes de con t ro l a r a s consc i ênc i a s dos homens?

Ma i s que i s so : d i an t e do acúmulo da s maze l a s soc i a i s j á de sde o

be r ço c i a soc i edade cap i t a l i s t a , como t r ans fo rmar e s t a r e a l i dade?

Como imped i r que o s mu i to s que e s t ão po r ba ixo s e j am e smagados

pe lo s poucos que e s t ão po r c ima? Se rá que o a to de educa r poc l e

s e r a l go ma i s do que um mecan i smo c i e manu t enção da o rdem? Se rá

pos s íve l educa r pa r a a emanc ipação do homem, pa r a i i v r á - l o de

t oda a op re s são que 0 e smaga?

Marx e o pensamen to soc io lóg i co

A ob ra do a l emão Ka r l P i e in r i ch Marx (181S-1SS3) ma rcou

como um co r t e de nava lha o pensamen to oc iden t a l do s écu lo XIX.

3 4

Page 18: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO E EMANCIPAÇÃO . 18

..^■y-frl-L-...

Seu ob j e to de pe squ i s a fundamen ta l , pa t a não d i ze r o ún i co , f o i a

soc i edade cap i t a l i s t a de s eu t empo . E l e o lhou à sua vo l t a e pe r cebeu

que ; pa r a a l em dos s i na i s apa ren t e s de mi sé r i a e so f r imen to da s

c l a s s e s t r aba lhado ra s — es se s qua lque r um que caminhas se pe l a s

rua s da s g r andes c idades i ndus t r i a i s pod i a ve r — hav i a um p roces so

h i s t ó r i co em cu r so que , enquan to l evava a bu rgues i a à cond i ção dc

c l a s s e dominan t e , uxp rop r iuvn dos t r aba lhado re s manua i s s eus

i n s t rumen tos dc p rodução e s eus s abe re s , t r ansmi t i dos com ze lo de

ge r ação pa ra ge r ação a t r avé s dos s écu lo s , ao t empo da ve lha o rdem

f euda l . Pe r cebe r e s t e pon to t a l vez s e j a o g r ande d i f e r enc i a l da

soc io log i a de Marx .

Mas devo adve r t i do de sde l ogo , c a ro l e i t o r , que o pensamen to de

Ka r l Marx não s e adap t a f a c i lmen t e ao ró tu lo dc " soc io log i a " . Po i s a

soc io log i a é uma d i s c ip l i na c i en t í f i c a c emp í r i c a , de c a r á t e r

ana l í t i co . E ' Marx combinou em seu pensamen to duas pe r spec t i va s

d i f e r en t e s , do i s modos d ive r sos de enca ra r a r e a l i dade . Po r um l ado

s eu pensamen to é ana l í t i co , i s t o é , _ ■ p r e t ende ve r a r e a l i dade como

e l a é , d i s s ecando -a . . . e r e co r i s t r u indo - a conce i t ua lmcn t e pa r a

en t endê - l a . Nes se s en t i do , e l e f o i um p ra t i c an t e da s c i ênc i a s soc i a i s

( a soc io log i a , a h i s t ó r i a e a e conomia po l í t i c a ) . Po r ou t ro l ado , s eu

pensamen to é no rma t ivo , i s t o é , p r e t ende v i s l umbra r como a

r e a l i dade deve r i a s e r , cons t ru indo uma u top i a em nome da qua l s e r i a

nece s sá r i o ag i r pa r a t r ans fo rmar e s t a r e a l i dade , va lo r a t i vamen te

c a r ac t e r i z ada po r e l e como in íqua . Nes se s en t i do , e l e f a z i a f i l o so f i a .

A l i á s , Marx não e r a apenas um p ensado r . E i a t ambém um m i l i t an t e

po l í t i co , que p r e t end i a co loca r sua s . i dé i a s , em p rá t i c a a t r avé s de um

pa r t i do po l í t i co . Mas não s e con fo rmava em p ropo r o soc i a l i smo

como uma opção en t r e t an t a s ou t r a s . Seu soc i a l i smo e r a " c i en t í f i co" ,

e sua c i ênc i a l he d i z i a que o soc i a l i smo e s t ava f adado a t r i un fa r .

Pa ra e l e não hav i a con t r ad i ção en t r e t eo r i a e p r á t i c a , nem

en t r e o modo como a s co i s a s s ão e o modo como devem se r . I r

Pe lo con t r á r i o , s e a soc i edade ve rdade i r amen te humana "deve

se r " um d i a uma soc i edade s em exp lo ração e op re s são , é po rque

es t a pos s ib i l i dade e s t á dada j á ago ra , no modo mesmo como a

soc i edade p r e sen t e " é " . A^con t r ad i çãc> pa ra Marx não é uma

fa 1 ha do r a c ioc ín io l óg i cq ,_ç o modo pe lo qua l a r e a l i d j i d_e_se_

exp re s sa , e o fu tu ro de se j ado e s t á con t i do no p r e sen t e od io so ,

i a c o n f u s o ? (_______a lma , e u e x p l i c o .

Pa ra chega r ao en t end imen to da soc i edade cap i t a l i s t a , Marx

ju lgou nece s sá r i o de scob r i r como a h i s t ó r i a humana func iona ,

de sde o s p r imórd io s da c iv i l i z ação a t é s eus d i a s . Nada menos

que i s so . E ac r ed i t ou dc f a to have r de scobe r to e s t e mecan i smo .

Como d i s s e e pa r ce i ro i n t e l e c tua l b r i éd r i ch Enge l s ( 1820 -

1S95) , num d i s cu r so p ro fe r i do no en t e r ro de Marx , a s s im como

Darwin hav i a de scobe r to a s l e i s da evo lução da s e spéc i e s , Marx

hav i a de scobe r to a s l e i s da h i s t ó r i a . Nes se s en t i do , a p r e t ensão de

Marx s e a s s eme lha mu i to à de Durkhe im: o fundamen ta l pa r a a s

c i ênc i a s soc i a i s é que s e j am capazes de enunc i a r l e i s que t enham

t an t a va l i dade ge ra l quan to a s l e i s t i a f í s i c a o t i da b io log i a .

Bem, mas que "de scobe r t a " e r a e s s a? O enunc i ado da l e i da

h i s t ó r i a , s egundo Marx , s e r i a a l go como o s egu in t e : "o que move a

h i s t ó r i a é a l u t a en t r e a s c l a s s e s soc i a i s " . Compreendendo e s t a

chave , o i nves t i gado r ( e , p r i nc ipa lmen t e , o t r ans fo rmador ) soc i a l

compreende r i a a na tu r eza da soc i edade cap i t a l i s t a c a d i r e ção na

qua l e l a e s t a r i a s e t r ans fo rmando , g r aça s a sua s con t r ad i ções

i n t e rna s . Como a l u t a en t r e a s c l a s s e s chegou en t ão a cons t i t u i r - s e

em mo to r da mudança h i s t ó r i c a?

As l e i s da h i s t ó r i a

Marx e En ge l s e s c r eve ram que a h i s t ó r i a humana é a h i s t ó r i a da

r e l a ção dos homens com.a na tu r eza e dos homcns . . çn t r e s i . Nes se s

do i s t i pos de r e l a ção apa rece como in t e rmed i á r i o um e l emen to

e s senc i a l : o t r aba lho humano .

36 5OCIOLOCIA DA EDUCAÇÃo

Page 19: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO 3933

Page 20: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

É a t r avés do t r aba l ho que o homem muda a na tu r eza , co loca ndo -

a a s e L I J í c rv i çc j ^EjejTJama, co lhe , c aca , pe sca - en f im , v ive a t r avé s

de s eu t r aba l h o . Na med ida em que o s e r l i uma no s e r ep roduz ,

a t r av é s da s r e l a ções s exua i s en t r e homem e mu lhe r e s s e p roce s s o

s e expand e pe l o aumen t o nau i r a [ d a popu l aç ã o . Ao mesmo

t empo , pa r a me lho r de sencumhi r - s c de sua t a r e f a de p rodução da

vida mate r i a l o h o m e m desenvo lveu i n s t rumen tos de t r aba lho , que

cada vez ma i s f o r am func ionando como ex t ensões c como aumen to

da s c apac idades do co rpo huma- rva . 'Em vez de co r t a r ou queb ra r

com a s p róp r i a s mãos i nven tou , a -machad inha de ped ra , depo i s de

me t a l co r t an t e etc. Domcs t i cou an ima i s pa r a f a ze r o t r aba lho ma i s

pesado desenvo lveu t é cn i ca s de cu l t i vo ( como i r r i gação ou e sco lha

de t e r r enos ) pa r a po t enc i a l i z a r o s r e su l t ados de s eus e s fo r ços . Com

seu gên io , com a capac idade de r ac ioc ina r que f a l t a aos ou t ro s

an ima i s , o homem foi cada vez mai s s endo capaz de a . umen ta r c

melho ra r o s r e su l t ados ob t i dos pe lo t r aba lho que r e a l i z ava com o

suo r de s eu ro s to . Nes se p roce s so , t r aba lho manua l e r e f l exão

i n t e l e c tua l j ama i s s e s epa ra r am, embora - como apon t a r e i ma i s

aba ixo — o p r edomín io de ce r t o s g rupos de homens sob re ou t ro s ao

l ongo da h i s t ó r i a t enha ge rado uma d i s t o r ção no modo pe lo qua l o s

homens t omam consc i ênc i a da r e l a ção en t r e o mundo ma te r i a l e o

mundo da s i dé i a s . O s e r humano , a s s im , de senvo lveu ao longo da

h i s t ó r i a , cada vez mai s , aqu i l o a que Marx e Enge l s de r am o nome de

" fo r ça s , p rodu t i va s " . O de senvo lv imen to da s fo r ca s p rodu t i va s fo i

o , r e sponsáve l pe lo i nc r emen to da p rodu t i v idade e pe lo aumen to do

domín io do homem sob re a na tu r eza , bem como pe lo con fo r to e pe l a

r i queza ma t e r i a l deco r r en t e s , que a s soc i edades a cumula r am ao

longo da h i s t ó r i a . E , no t e bem, fo r ça s p rodu t i va s não ' s ão apenas

machad inhas e a r ados , mas também a s t e cno log i a s de senvo lv ida s

pe l a c apac idade r e f l ex iva do homem.ti'

Mas não apenas i s so . Ao mesmo t empo em que o t r aba lho é o

i n t e rmed i á r i o da r e l a ção do homem com a na tu r eza , e l e é , t ambém,

o i n t e rmed i á r i o da r e l a ção dos homens uns com os ou t ro s . Po rque o

t r aba lho que s ão ob r igados a de senvo lve r pa r a sob rev ive r d i t a o

modo pe lo qua l a s soc i edades humanas s e e s t ru tu r am. Pa ra aumen ta r

:i produ i i v idade si>c i a 1 , pa r a de senvo lv e r a s f o r ça s p rodu t i va s , o

luMncmtambém lo i o rgan i z and o _ a p rodução j un to com seus

s eme lhan t e s , d i s t r i bu indo t a r e f a s c bene f í c i o s en t r e o s membros da

soc i edade , bo i e s t e o pon to de pa r t i da do p roce s so de d iv i s ão do

t r aba lho . P r ime i ro , a d iv i s ão sexual, en t r e o t r aba lho de homens e

mu lhe re s . Depo i s , a d iv i s ão en t r e a ag r i cu l t u r a e a c r i a ção de

an ima i s . E , a s s im po r d i an t e , f o i s e dando a divisão en t r e o c ampo e a

c i dade , entre a p rodução ag r í co l a e a i ndus t r i a l , en t r e e s t a e o

comérc io e t c . Nes se s en t i do , como e s t a o rgan i zação da p rodução

advém da capac idade humana c i e r a c iona l i z a r t a r e f a s no s en t i do do

aumen to da p rodu t i v idade soc i a l , a d iv i s ão do t r aba lho é t ambém

pa r t e do con jun to da s fo r ça s p rodu t i va s . Ambas , d iv i s ão do t r aba lho

e fo r ça s p rodu t i va s , ao mesmo t empo de t e rminam-se e s ão

de t e rminadas uma ne l a ou t r a .

Mas a d iv i s ão soc i a l do t r aba lho não é uma s imp le s d iv i s ão de

t a r e f a s : f u l ano f az i s so , be l t r ano aqu i l o . Não . E l a é t ambém a

exp re s são da ex i s t ênc i a de d i f e r en t e s fo rmas de p rop r i edade no s e io

de uma dada soc i edade num dado t empo h i s t ó r i co . As r e l a ções de

p rop r i edade , po r sua vez , d i zem r e spe i t o aos t i pos de r e l a ções

soc i a i s p r edominan t e s numa soc i edade a pa r t i r dos t i pos de

p rop r i edade v igen t e s . Do pon to d e v i s t a de Marx , e l a s i i pp j ^c jvm

numa sepa ração bá s i ca :_e_n t r e o s i n s t rumen tos ou me ios u t i l i z ados

pa r a o t r aba lho , de um l ado , c o p róp r io t r aba lho , de ou t roMsso

s i gn i f i c a que no p roce s so de d iv i s ão do t r aba lho .nem_sempre . . o s

home n s que_ pos suem os me ios pa r a r e a l i z a r o t r aba lho t r ab a lham e

nem sempre o s que t r aba lham pos suem e s se s me ios . As r e l a ções de

p rop r i edade , po r t an to , s ão a ba se da s de s igua ldades soc i a i s , na

med ida em que a d iv i s ão do t r aba lho pos s ib i l i t ou a ex i s t ênc i a de

homens que t r aba lham pa ra o s ou t ro s , po rque o f a zem com os me ios

de ou t ro s ; c de homens que não t r aba lham po rque t êm me ios e podem

f aze r com que ou t ro s t r aba lhem pa ra s i . A e s se s modos e spec í f i cos

de o rgan i zação do t r aba lho e da p rop r i edade Marx c Enge l s de r am o

nome de " r e l ações s o c i a i s de p rodução" .

33

Page 21: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

. Cada época h i s t ó r i c a pos su i um con jun to de fo r ça s p rodu t i va s

de senvo lv ida s , sob o con t ro l e dos homens que ne s t a época v ivem e ,

ao mesmo t empo , um con jun to i n s t i t u ído de r e l a ções soc i a i s de

p rodução , que s ão o modo pe lo qua l o s homens a s sumem o con t ro l e

sob re a s f o r ça s p rodu t i va s , i s t o é , a s r e l a ções de p rop r i edade . A

e s t e con jun to t o t a l Marx e Enge l s chamaram "modo de p rodução" .

Ass im , a s g r andes t r ans fo rmações pe l a s qua i s pa s sou a h i s t ó r i a

da human idade fo r am a s t r ans fo rmações de um modo de p rodução a

ou t ro . S imp l i f i c adamcn tc , podemos d i ze r que nos sos au to r e s

de sc r evem t r ê s d i f e r en t e s modos de p rodução ao l ongo da h i s t ó r i a : o

modo de p rodução e sc r av i s t a an t i go (Gréc i a e Roma an t i ga s , onde o

t r aba lho e r a r e a l i z ado po r e s c r avos ) , o modo de p rodução f euda l

( v igen t e no mundo med ieva l ) e o modo de p rodução cap i t a l i s t a . A

cada un i de s se s modos de p rodução co r r e spondem d i f e r en t e s

e s t ág io s de de senvo lv imen to da s fo r ça s p rodu t i va s ma t e r i a i s e

d i f e r en t e s fo rmas de o rgan i zação da p rop r i edade (ou r e l a ções

soc i a i s de p rodução ) . No p r ime i ro , a r e l a ção soc i a l bá s i ca é a

e s c r av idão , que opõe e sc r avos e s enho re s de e s c r avos ; no s egundo ,

a r e l a ção soc i a l bá s i ca é a de s e rv idão , que opõe s e rvos de g l eba e

s enho re s f euda i s ; e no t e r ce i ro , a r e l a ção soc i a l f undamen ta l é a de

a s s a l a r i amen to , que opõe cap i t a l i s t a s e ope rá r i o s , i s t o é , bu rguese s

e p ro l e t á r i o s . Des sa s d i f e r en t e s r e l a ções de p rop r i edade , ou me lho r ,

da pos i ção dos homens com r e l ação à s fo rmas de p rop r i edade

v igen t e s num dado modo de p rodução^ ' é que su rgem a s c l a s s e s

soc i a i s .

A t r ans fo rmação de uma fo rma a ou t r a , de um modo de p rodução a

ou t ro , s e dá pe lo s con f l i t o s abe r t o s po r c ausa da l u t a en t r e a c l a s s e

dominada e a c l a s s e dominan t e em cada época . Marx d i z que a s

r e l a ções soc i a i s de p rodução , i s t o é , a s f o rmas de p rop r i edade ,

quando s e e s t abe l ecem, func ionam como uma fo rma de

de senvo lv imen to da s fo r ça s p rodu t i va s , mas chega um (o rca s p r o d u i

desenvo lve r sob a v igênc i a daque l a s r e l a ções de p rop r i edade . Abre -

s e en t ão um pe r íodo e l e convu l s ão soc i a l , no qua l a s r e l a ções de

p rop r i edade v igen t e s s ão con t e s t ada s . A c l a s s e op r imida , po l í t i c a

e / ou economicamen te dominada , s e i n su rge con t r a o p r edomín io da

c l a s s e dominan t e . E po r i s so que nos sos a t i t o r e s a f i rmam que aqu i l o

que move a h i s t ó r i a é a l u t a en t r e a s c l a s s e s .

As fo rmas de consc i ênc i a

Nessa exp l i c ação gené r i c a da t eo r i a da h i s t ó r i a de Marx eu s é )

l he expus , a t é aqu i , o a spec to r e l a c ionado com a s fo rmas de

p rodução ma te r i a l e de o rgan i zação da e s t ru tu r a soc i a l de l a s

deco r r en t e s . Mas como o t r aba lho e a r e f l exão do homem, como j á

sub l i nhe i , s ão l a ce s da mesma moeda ao l ongo da h i s t ó r i a , a t eo r i a

de Marx s e p ropõe t ambém a exp l i c a r de que modo o mundo da s

i dé i a s , do conhec imen to , da s c r enças c t i a s op in iõe s s e r e l a c iona

com e s t e mundo ma te r i a l , da p rodução , do t r aba lho . Marx e Enge l s

s e vêem en t ão d i an t e da s egu in t e pe rgun t a : como exp l i c a r a

consc i ênc i a q t i e o s homens t êm ou de ixam de t e r a r e spe i t o de s eu

p róp r io modo de v ida , da p rodução ma te r i a l de sua soc i edade c da s

r c l a çê i c s de c l a s s e , s e j am e l a s e conômicas ou po l í t i c a s?

A consc i ênc i a e s t á l i gada à s cond i ções ma t e r i a i s de v ida , ao

i n t e r câmbio econômico en t r e o s homens , como j á v imos . Mas a

consc i ênc i a que o s homens t em des sa s r e l a ções , a f i rmam nos sos

au to r e s , não cond i z com a s r e l a ções ma t e r i a i s r e a i s que de f a to

33

Page 22: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO

v ivem. As i dé i a s , a s concepções sob re como func iona o mundo s ão

r ep re sen t ações que o s homens f azem a r e spe i t o de sua s v ida s do

modo como a s r e l a ções aparecem na sua expe r i ênc i a co t i d i ana . Es sa s

r ep re sen t ações s ão , po r t an to , apa rênc i a . Pa r a Marx e s sa s

r ep re sen t ações imp l i cam, num p r ime i ro momen to numa falsa

consciência, numa consciência invertida, po i s s e p r endem à apa rênc i a c

nao s ão capazes de cap t a r a e s s ênc i a t i a s r e l a ções à s qua f t o s

homens e s t ão de f a to subme t idos .

Se e s t i ve r mu i to compl i cado , não de san ime ago ra . Vou l he da r

un rcxémplo p r á t i co c c l a ro de s sa f a l s a consc i ênc i a que acabe i de

menc iona r no pa rág ra fo ac ima . Quando s e e s t abe l ece na h i s t ó r i a

uma de t e rminada fo rma de d iv i s ão do t r aba lho , quando e l a s e t o rna

dominan t e e gene ra l i z ada den t ro de uma soc i edade e l a e s t abe l ece o

l uga r de cada um den t ro do p roce s so p rodu t i vo . Ass im , a s r e l a ções

de p rop r i edade v igen t e s , o pode r po l í t i co de ce r t o s g rupos sob re

ou t ro s e a s f o rmas de exp lo ração do t r aba lho que uma de t e rminada

c l a s s e soc i a l consegue imp lan t a r numa de t e rminada época h i s t ó r i c a ,

e s t abe l ecem c de t e rminam o que cada i nd iv íduo e s t á ob r igado a

f a ze r , o modo como e s t á ob r igado a t r aba lha r e v ive r . No

cap i t a l i smo , d i z Marx , ex i s t em os p rop r i e t á r i o s dos me ios de

p rodução ( a s f áb r i c a s , a s máqu ina s e a p róp r i a fo r ça de t r aba lho do

t r aba lhado r ) . Es t e s s ão obv i amen te o s bu rguese s . E ex i s t em aque l e s

a quem não r e s t a ou t r a a l t e rna t i va de v ida a não s e r vende r o ún i co

bem de que d i spõem: sua fo r ça de t r aba lho , em t roca do pagamen to

de um sa l á r i o . No en t an to , na c abeça dos homens que v ivem sob

e s t e s i s t ema , i s so é pe r ceb ido , no , p l ano da s i dé i a s , como a lgo

no rma l , na tu r a l . Ao t r aba lhado r l he pa r ece na tu r a l que ce r t a s

pe s soas t enham que t r aba lha r em t roca de um sa l á r i o pa r a v ive r ,

como se i s so s empre houves se ex i s t i do e , ma i s a i nda , como se

t i ve s se que con t i nua r ex i s t i ndo pa ra s empre . Es se i nd iv íduo não vê

a soc i edade cap i t a l i s t a como uma soc i edade h i s t o r i c amen te

cons t ru ída pe l a l u t a en t r e uma c l a s s e com in t enção de s e r a

c l a s s e dominan t e ( a bu rgues i a ) e ou t r a s c l a s s e s , que acaba ram sendo

subme t ida s a e s t a c l a s s e dominan t e , l . r an s lo rma i ldo - se em

p ro l e t a r i ado . Não . A med ida que o t empo pa s sa c a soc i edade

cap i t a l i s t a s e e s t ab i l i z a , e l a é pe r ceb ida pe l a s pe s soas , na v ida

co t i d i ana , como a ún i ca soc i edade pos s íve l . As s im como em ou t ro s

t empos , a soc i edade f euda l , p o r exemplo , f o i pe rceb ida pe lo s homens

como a ún i ca soc i edade pos s íve l ( du ran t e s écu lo s , num in t e rva lo de

t empo , a l i á s , bem ma io r do que a du ração do cap i t a l i smo) .

Repa re aqu i uma d i f e r ença fundamen ta l en t r e Durkhe im e Marx .

Durkhe im nos mos t r a o pe so da soc i edade sob re o s i nd iv íduos ,

apon t a que a consc i ênc i a i nd iv idua l é dada pe l a p r eponde rânc i a de

uma consc i ênc i a co l e t i va , que o s i nd iv íduos não pensam com sua

p róp r i a c abeça . Marx , po r sua vez , mos t r a que i s so não é a s s im

s imp le smen te po rque qua lque r soc i edade de homens deve

nece s sa r i amen te s e r ex t e r i o r c coe rc i t i va sob re o s i nd iv íduos . E l e

mos t r a que o c a r á t e r coe rc i t i vo , dominado r , não s e man i f e s t a

i gua lmen t e po r pa r t e "da soc i edade em ge ra l " sob re t odos o s homens

i nd i s t i n t amen te , mas s im de un i a pa r t e da soc i edade sob re ou t r a , ou

me lho r , c i e uma c l a s s e soc i a l que a s sume o pape l de dominan t e

sob re a s ou t r a s , que s e t o rnam dominadas . E que e s t a s i t uação não

e s t á a l i de sde que o mundo é mundo , mas que e l a f o i c r i ada pe l a l u t a

h i s t ó r i c a en t r e a s c l a s s e s soc i a i s . Marx a f i rma que s e a s r e l a ções de

dominação ex i s t em cm toda e qua lque r soc i edade é po rque e l a s s ão

soc i a lmen t e cons t ru ída s . E , po r t an to , não p r ec i s am ex i s t i r pa r a

s empre , po i s o homem pode cons t ru i r ou t ro s t i pos de r e l a ções , s em a

dominação de uma c l a s se sob re ou t r a . Mas pe r cebe , no en t an to , que

o s homens , no s eu un ive r so co t i d i ano , den t ro do qua l e s t ão

subme t idos a e s t e p roce s so de dominação , não t êm uma consc i ênc i a

r e a l da dominação c i e que s ão ob j e to .

Pensemos no p roce s so de pa s sagem c io modo de p rodução f euda l

pa r a o modo de p rodução cap i t a l i s t a , pa r a que não r e s t e

22 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 4 3

Page 23: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO E EMANCIPAÇÃO

dúv ida s sob re i s so . A fo rma de p rodução de mercado r i a s no mundo

f euda l e r a o a r t e s ana to . Como r e su l t ado de uma eno rme gama de

t r ans fo rmações oco r r i da s en t r e o s s écu lo s XVI e XIX , o a r t e s ana to

s e t r ans fo rmou cm g rande i ndús t r i a . Como i s so s e deu , do pon to

de ,v i s t a da s r e l a ções de p rop r i edade? No a r t e s ana to , o Mes t r e de

Of í c io — po r exemplo , um sapa t e i ro — rea l i z ava t odas a s e t apa s da

p rodução de s eu p rodu to . O Mes t r e Sapa t e i ro cu r t i a o cou ro dos

an ima i s , co r t ava , t i ng i a , cons t ru í a a s f ô rmas de made i r a pa r a a

f ab r i c ação dos s apa to s , co s tu r ava -os , p r egávamos ' ' s o l ados , f a z i a o

a cabamen to c , a i nda , o s vend i a em seu e s t abe l ec imen to . E c l a ro

que e s t e e r a um p roces so l en to , e um número r eduz ido de pa r e s de

s apa to s e r a p roduz ido . Mas o Mes t r e Sapa t e i ro t i nha o con t ro l e de

cada de t a lhe . E l e , como pes soa , sabia fazer s apa to s e e r a e s t e s abe r

( somado aos me ios ma t e r i a i s nece s sá r i o s pa r a a f ab r i c ação de

s apa to s ) que de t e rminava o l uga r que e s t e homem ocupava no

mundo c sua s r e l a ções com seus con t emporâneos . E de onde ve io

e s t e s abe r? E l e ap rendeu de um ou t ro Mes t r e , mu i t a s veze s s eu pa i ,

com o qua l exe rc i t ou o o f í c i o de sde c r i ança , na cond i ção de

ap rend i z . Do mesmo modo e l e ens ina r i a , depo i s de Mes t r e fo rmado ,

o o f í c i o a s eus ap rend i ze s , . mu i t a s veze s s eus f i l hos .

Com o de senvo lv imen to do comérc io , no en t an to , uma na scen t e

c l a s s e de comerc i an t e s começou a t e r p r e s sa . Quan to ma i s s apa to s

vend idos , ma i s l uc ro . Os comerc i an t e s pa s sa r am en t ão a con t r a t a r

f ab r i c an t e s de s apa to s e r eun i - l o s em ga lpões onde pudes sem

f i s ca l i z a r a p rodução e cob ra r a ag i l i dade nece s sá r i a . Ao f aze r em

i s so , começa ram a en t ende r o p roce s so de f ab r i c ação do s apa to e

pe r cebe ram que s e r i a pos s íve l ag i l i z a r a p rodução s e a s t a r e f a s

fo s sem d iv id ida s en t r e o s t r aba lhado re s . Cada um f a r i a apenas uma

e t apa , po i s s e r i a bem ma i s ág i l apenas co r t a r o cou ro , ou apenas

cos tu r a r , r epe t i da s veze s , em vez de t odos r e a l i z a r em todas a á

e t apa s e pa s sa r em de uma t a r e f a a ou t r a . E s e r i a bem ma i s s imp le s ,

t ambém, que o s novos

'5; t r aba lhado re s que i am sendo con t r a t ados t i ve s sem que ap rende r uma

só t a r e f a , cm vez de ap rende r o p roce s se ; i odo . Jun tou - se a e s t a

mudança um ou t ro dado fundamen ta l . Com o de senvo lv imen to

t e cno lóg i co daque l e s s écu lo s , o XVI I I e o XIX p r inc ipa lmen t e ,

f o r am c r i ada s máqu ina s novas pa r a aumen ta r a p rodução . A p r i nc íp io

e s s a s máqu ina s depend i am c io u so que o t r aba lhado r f a z i a de l a s . ,

mas com seu ape r f e i çoamen to , a s máqu ina s começa ram a d i t a r o

r i tmo da p rodução , s endo o t r aba lhado r ob r igado a ope ra r no r i tmo

c i a máqu ina , e não a máqu ina ao r i tmo do t r aba lhado r .

Agora pense o que acon t eceu , não só com os s apa t e i ro s do

exemplo , mas com todos o s r amos da p rodução ma te r i a l , en t r e o

t empo do a r t e s ana to e o da g r ande i ndús t r i a . O que acon t eceu , pa r a

Marx , é que o s t r aba lhado re s fo r am dup l amen te apropriados pe lo s

c ap i t a l i s t a s , i s t o é , de l e s fo r am sub t r a ída s duas co i s a s : o s me ios de

produção c i a v ida ma t e r i a l . c o saber do qua l depend i a a f ab r i c ação de

um p rodu to e a p róp r i a pos i ção soc i a l do a r t e s ão . E l e s e r am au to -

su f i c i en t e s e pa s sa r am a s e t o rna r dependen t e s dos c ap i t a l i s t a s .

P r ime i ro , po rque não t i nham ma i s o s me ios ma t e r i a i s de v ida , c

f o r am ob r igados a vende r sua fo r ça de t r aba lho cm t roca de um

sa l á r i o . E depo i s , po rque não s abe r i am ma i s como p roduz i r po r

con t a p róp r i a s e t i ve s sem e s se s me ios ma t e r i a i s , j á que fo r am

ob r igados a r eduz i r sua capac idade de t r aba lho a t a r e f a s s imp le s e

pa r c i a i s . Es t e s abe r f o i ap rop r i ado e con t ro l ado pe lo cap i t a l i s t a , que

o de senvo lveu e r a c iona l i zou . A t r avés da maqu ina r i a i ndus t r i a l

mode rna e de pos se de s se s abe r , o c ap i t a l i s t a r eduz iu o t r aba lhado r à

execução c i a s t a r e f a s s imp l i f i c adas , pa r c i a i s e r epe t i t i va s na l i nha

de p rodução da f áb r i c a . Ass im , a s f o r ça s p rodu t i va s fo r am

eno rmemen te de senvo lv ida s , mas a t r avé s de um p roces so soc i a l de

expropriação de bens ma t e r i a i s e de s abe re s .

Exp l i c ado a s s im , numa pe r spec t i va h i s t ó r i c a , poc l c a t é pa r ece r

conv incen t e , mas a pe r cepção de s sa exp rop r i ação e o en t end imen to

12344

-SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

Page 24: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO E EMANCIPAÇÃO

de sua s conseqüênc i a s pa r a c ada um f i c a b loqueada pe lo modo como

o i nd iv íduo adqu i r e consc i ênc i a do mundo soc i a l em q L i c nasce e no

qua l c r e sce e mor r e . E l e só ap rende que deve t r aba lha r pa r a

r e cebe r , o s a l á r i o e v ive r , po i s e s t a é a pe r cepção que t em da

r ea l i dade na v ida co t i d i ana . Ex i s t em a s f áb r i c a s e s eus donos . E ao

t r aba lhado r , que não é dono dc co i s a a l guma , c abe t r aba lha r ne l a s e

pon to - f i na l . Po r c ausa do s a l á r i o pago , o t r aba lho , que é ob ra de

cada s e r humano , é compreend ido como a lgo que não pe r t ence a

e s t e s e r humano . O t r aba lho , qu e s em p r e ' f o i o me io pe l o qua l o

homem re l ac ionou - se com a na tu r eza_e_ com o s ou t ro s homens , é

i nd iv i dua 1 men t e pe r ceb ido como a lgo sob re o qua l _ Q -

t r aba lhado x_não t em con t ro l e . O t r aba lhado r fo i s epa rado , pe lo

c ap i t a l i smo , do con t ro l e au tônomo que exe rc i a sob re s eu t r aba lho c

t ambém do f ru to de s t e t r aba lho . O t r aba lho é en t ão pe r ceb ido pe lo

t r aba lhado r como a lgo fo r a de s i , que pe r t ence a ou t ro s . A i s so ,

Marx dá o nome-de alienação. Po r c ausa do t r aba lho a l i enado a que

e s t ão subme t idos , o s homen s adq u i r em um a c o n s e i ç n c i a_

f a 1 s a_d o mundo em que v ivem, vêem o t r aba lho a l i enado

c j i _d_on i i nação de uma c l a s s e s oc i a l sob re o t i t r a . co j r i o

f a t o s . . na tu r r j _ i s__e pa s sam, po r t an to , a compa r t i l ha r uma

concepção de mundo den t ro da qua l s _ó t êm ace s so à s apa rênc i a s ,

s em s e r c apaz e s de co i rm xe£ i i d £rL -C L.pr" i i c e s so h i s t ó r i co r ea l . A i s so

Marx dá o nome de ideologia. A i deo log i a , po r t an to , c aque l e s i s t ema

o rdenado de i dé i a s , de concepções , de no rmas c de r eg ra s ( com base

no qua l a s l e i s j u r í d i ca s s ão f e i t a s ) que ob r iga o s homens a

compor t a r em-se s egundo a von t ade "do s i s t ema" , mas — e i s so e

impor t an t e — como s e e s t i ve s sem se comportando segundo sua própria

vontade. Es t a coe rção "do s i s t ema" sob re o s i nd iv íduos r eve l a Marx ,

na ve rdade é a coe rção da c l a s s e dominan t e sob re a s c l a s s e s

dominadas . Po r i s so Marx a f i rma que a i deo log i a dominan t e numa

dada época h i s t ó r i c a é a i deo log i a da c l a s s e dominan t e ne s^sa

época .

Exp l o r ação econômica e op r e s s ão p o l í t i c a d o ho mem pe lo

bnm_e j i \ _gg . i i \ p r e ...houve em todas a s soc i edad es : só q ue ,no

cap i t a l i smo há uma d i f e r ença . Em todas a s ou t r a s l o rmas_d_c

dominação h i s t ó r i c a a j ne r i oxes , . o do j i unado s ab i a que e r a

dp .mjnado_ç s ab i a .quem. . e r a s eu dominado r . O e sc r avo s ab i a q ue

s eu s enho r o man t i nha em ca t i ve i ro e o ob r igava a t r ab a l ha r pa r a s i

à f o r ca , o s e rvo s ab i a que o dono LIO f eudo l he a r r ancava a ma i o r

pa r t e do que p l an t ava e co l h i a . No cap i t a l i s mo , a o con t r á r i o , o

t r aba lhado r a cha que c j u s to q t i e c i e s e j a s epa rado do f ru to de SCLI

t r aba lho med i an t e o pagamen to do s a l á r i o . O máx imo dc

j n ju s t i ç acon t r a a qua l < i r r aha l had i i r_n i i r n í a 1 men . t c s e r evo l t a d i z

r e spe i t o aos s a l á r i o s ha i . _xos . . c_à s ; . ço_nd i . ç õ e s_ . r i i i n s de t r aba lho

( j o rnadas l ongas dema i s , Jn sa lub rk l ade_e t c ) . Marx d i z , po rém, que o

s a l á r i o não r emune ra , t odo o t r aba lho r ea l i z ado , mas ap e na s uma

pa r t e de l e . A ou t r a pa r t e é ap rop r i ada pe lo ca p i t a l i s t a e s e

t r an s fo rm a em lu c ro . Em r e sumo , a t eo r i a de Marx e Enge l s a f i rma

que qua lque r s a l á r i o é i n ju s to po rque a r e l a ção de a s s a l a r i amen to é

i n ju s t a em s i . É i n ju s t a po rque s epa ra o t r aba lhado r do r e su l t ado de

s eu t r aba lho , e i s so o a l i ena e o de sca rac t e r i z a como se r humano . E

ma i s a i nda : e s s a i n ju s t i ç a não pode s e r pe r ceb ida pe lo t r aba lhado r

( com base em sua p róp r i a expe r i ênc i a na v ida co t i d i ana ) po r c ausa

da i deo log i a , que é uma concepção de mundo ge rada pe l a c l a s s e

dominan t e c a s sumida pe l a c l a s s e dominada como se fo s se sua . A

sup rema i ron i a do cap i t a l i sm o é q ue o dominado

pensa com a c abeça do__dominado r , c e s sa _c a ___________lo r ma d e

dominação_m.a j s_v i s ce r a l . NxLxap. i x a J i sü iQ 4 _os_x r . ab . a lhado re s

do rm e m com o i n i m ig o , con fo r t ave lmen t c i n s t a l ado em sua p róp r i a

men t e , t odos o s d i a s s em sabe r . E quase como sc_ houves se e m seu

cé r eb ro um c / u /> pe rve r so de compu tado r , de s se s dc f i lme de f i c ção

c i en t í f i c a , que o ob r iga s se a l evan t a r no ou t ro d i a e l eva r sua v ida

da m e sma í o rma que no_d i a an t e r i o r .

47•16•/■SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

Page 25: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO E EMANCIPAÇÃO

Mas Marx e Enge l s não f az i am f i c ção c i en t í f i c a . E l e s , ao mesmo

t empo , t i nham f é na c i ênc i a e a l imen t avam uma u top i a . Po r ob ra da

c i ênc i a , a c r ed i t a r am have r de scobe r to a s l e i s da h i s t ó r i a . Es sa s l e i s

l he s d i z i am que chega r i a um momen to em que o de senvo lv imen to

da s fo r ça s p rodu t i va s p ropo rc ionado pe lo cap i t a l i smo

inev i t ave lmen t e en t r a r i a em con t r ad i ção com a s fo rmas cap i t a l i s t a s

de p rop r i edade e que , quando e s se momen to chegas se , s e ab r i r i a uma

época de r evo lução soc i a l e po l í t i c a . E a í en t r a sua u top i a :

a c r ed i t avam que e s t a r evo lução — à qua l s e s egu i r i a uma f a se de

t r ans i ção em que o s r e squ í c io s da soc i edade cap i t a l i s t a s e r i am

des t ru ídos ( a f a s e do soc i a l i smo) — da r i a o r i gem a uma nova

soc i edade , s em exp lo rado re s nem exp lo rados , s em a l i enação e s em

ideo log i a , s em c l a s se s soc i a i s e s em Es t ado (po rque o Es t ado pa ra

e l e s é uma man i f e s t a ção da s r e l a ções de c l a s s e , e de ixa r i a de ex i s t i r

quando a s c l a s s e s não ex i s t i s s em ma i s ) . Nes sa nova soc i edade , a

soc i edade comun i s t a , s em dúv ida a ma i s be l a u top i a do s écu lo XIX,

o homem se r e encon t r a r i a cons igo mesmo , s e r i a um se r au tônomo ,

au tocen t r ado e au toconsc i en t e , t r aba lhado r manua l e i n t e l e c tua l ao

mesmo t empo . Da r i a à soc i edade , po r sua p róp r i a von t ade , t odo o

e s fo r ço e t r aba lho que pudes se , e r e cebe r i a de l a t udo o que

p r ec i s a s se , g r aça s ao de senvo lv imen to ma t e r i a l p rop i c i ado pe lo

cap i t a l i smo . Os homens e a s mu lhe re s s e r i am , en f im , s e r e s humanos

i n t e i ro s comple to s . E , c c l a ro , s e r i am f e l i z e s pa r a s empre .

Educa r no mundo i ndus t r i a l

Bem, é de s e e spe ra r que a e s s a a l t u r a você j á e s t e j a de novo

minhocando sob re o que t oda e s sa conve r sa de exp lo ração ,

dominação , a l i enação , i deo log i a c comun i smo t em a ve r com

educação . Po i s vou l he d i ze r o que eu acho d i s so .

Acho que Marx e Enge l s v i am a educação com os mesmos o lhos

com que v i am o cap i t a l i smo . Po r um l ado , f a zendo uma aná l i s e

emp í r i c a

( a i nda

eme

pouco

ap ro fund

ada ) da

s i t uação

-

I

a

48 25SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

Page 26: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO E EMANCIPAÇÃO

educac iona l dos f i l hos dos ope rá r i o s do na scen t e s i s t ema f ab r i l ,

i den t i f i c a r am na educação uma da s ma i s impor t an t e s fo rmas de

pe rpe tuação da exp lo ração de uma c l a s se sob re ou t r a , u t i l i z ada pe lo

cap i t a l i s t a pa r a d i s s emina r a i deo log i a dominan t e , pa r a i ncu l ca r no

t r aba lhado r o modo bu rguês de ve r o mundo . Po r ou t ro l ado ,

pensando a educação como pa r t e de sua u top i a r evo luc ioná r i a ,

i den t i f i c a r am ne l a uma a rma va l i o sa a s e r empregada em f avo r da

emanc ipação do s e r humano , de sua l i be r t a ção da exp lo ração e do

j ugo do cap i t a l . Ou s e j a , pa r a Marx e Enge l s não ex i s t e " educação"

em ge ra l . Conforme o conteúdo de classe ao aiuã e s t i ve r exposta, ela pode

ser uma educação para a alienação ou uma educação para a emancipação.

Em seu l i v ro ma i s conhec ido , O Capital (de 1867 ) , Marx f az uma

aná l i s e da s cond i ções de v ida dos t r aba lhado re s i ng l e se s na época

da s r áp ida s t r ans fo rmações econômicas e po l í t i c a s p rovocadas pe l a

Revo lução Indus t r i a l , j u s t amen te a ( a s e de a f i rmação do cap i t a l i smo

indus t r i

a l

mode rno

. Ao

comen ta

r a

l eg i s l a çã

o

t r aba lh i s

t a da

época ,

e l e no t a

que a l e i

i ng l e sa

an t e r i o r

a 1844

pe rmi t i a a con t r a t a ção de c r i ança s pa r a t r aba lha r na s f áb r i c a s , com a

cond i ção de que o s pa t rõe s ap re sen t a s sem um a t e s t ado de que o s

men inos f r eqüen t avam a e sco l a . O lhando ma i s de pe r t o , po rém,

Marx conc lu iu que 0 t i po de educação dado à s c r i ança s ope rá r i a s e r a

t ão p r ecá r i o , que só pode r i a s e rv i r pa r a pe rpe tua r a s r e l a ções de

op re s são à s qua i s e s s a s c r i ança s e s eus pa i s ope rá r i o s e s t avam

su j e i t o s . O de sca so e r a t an to que qua lque r um que t i ve s se uma ca sa

e a l ega s se s e r a l i uma e sco l a pode r i a f o rnece r o s " a t e s t ados de

f r eqüênc i a à s au l a s " de que a s f áb r i c a s p r ec i s avam pa ra l i v r a r - s e da

f i s ca l i z ação . Segundo r e l a to de um in spe to r do t r aba lho da época ,

c i t ado po r Marx em seu l i v ro , numa de s sa s " e sco l a s " que v i s i t ou

a s a l a de au l a t i nha 15 pé s de compr imen to po r 10 pé s c i e

l a rgu ra c con t i nha 75 c r i ança s que g runh inm a lgo i n in t e l i g íve l .

( . . . ) A l ém d i s so , o mob i l i á r i o e s co l a r é pob re , há f a l i a de

l i v ro s e de ma t e r i a l de ens ino e

48 26SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

Page 27: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO I EMANCIPAÇÃO 51

Lima a tmos fe r a v i c i ada c f é t i da exe rce e f e i t o dep r imen t e sob re

a s i n f e l i z e s c r i ança s . Es t i ve em mu i t a s de s sa s e s co l a s c ne l a s

v i f i l a s i n t e i r a s dc c r i ança s que não f az i am abso lu t amen te

nada , e a i s t o s e dá o a t e s t ado dc f r eqüênc i a e s co l a r ; e e s s e s

men inos f i gu ram na ca t ego r i a de i n s t ru ídos de nos sa s

e s t a t í s t i c a s o f i c i a i s (O Capital, cap . XI I I , i t em 9 ) .

A l eg i s l a ção i ng l e sa de 1344 mudou a s r eg ra s . A pa r t i r de en t ão

só pode r i am se r con t r a t ada s pa r a a s f áb r i c a s "c r i ança s que j á

t i ve s sem pe lo menos a i n s t rução p r imá r i a , c que j á t i ve s sem

ap rend ido a s p r ime i r a s l e t r a s e números . Marx cons ide rava i s so um

avançç ) impor t an t e , po i s a c r ed i t ava que t odas a s c r i ança s deve r i am

combina r , em sua fo rmação como pes soa , a educação fo rma l e s co l a r

e o t r aba lho manua l na s f áb r i c a s . Não nos e squeçamos de que Marx

e r a um en tu s i a s t a dos avanços do cap i t a l i smo . E l e l embrou em

vá r io s de s eus t ex to s que o c ap i t a l i smo hav i a me lho rado o . n íve l

ma t e r i a l de v ida da soc i edade humana , em menos de cem anos ,

mu i t a s veze s ma i s do que o s i s t ema an t e r i o r hav i a f e i t o em ma i s de

mi l . A c r í t i c a de Marx ao cap i t a l i smo d i r i g i a - s e con t r a a

ap rop r i ação p r i vada do l uc ro , e não con t r a a ex i s t ênc i a da

c iv i l i z ação i ndus t r i a l , t e l o con t r a r i o , sua u top i a comun i s t a s e r i a

imposs íve l s em o de senvo lv imen to p rop i c i ado pe lo cap i t a l i smo . Seu

i dea l e r a o de que , no comun i smo , t odos d iv id i s s em o t r aba lho

manua l na s f áb r i c a s com o t r aba lho i n t e l e c tua l e com o l a ze r .

Ass im , t odos s e r i am homens comple to s . Nes se s en t i do , Marx

f e s t e j ou a l eg i s l a ção i ng l e sa dc 1844 , po i s e l a pe rmi t i a combina r , na

fo rmação da c r i ança , a educação e sco l a r e o t r aba lho na f áb r i c a .

Marx a f i rma , i nc lu s ive , que a e s co l a em t empo i n t eg ra l é pouco

p rodu t i va , po rque , não s endo combinada com o t r aba lho man ua i

t o rna o d i a da c r i ança en fadonho , o t r aba lho do p ro fe s so r ma i s du ro

e o r end imen to e sco l a r menor . "As c r i ança s com e sco l a de me io

pe r í odo e t r aba lho no ou t ro pe r í odo ap rendem t an to ou ma i s que a s

c r i ança s que f i c am na e sco l a o d i a t odo" e sc r eveu Ma ix . Pa ra e l e ,

uma vez con jugados o t r aba lho e a e s co l a uma a t i v idade func iona r i a

como descanso pa ra a ou t r a . Mas o fundamen ta l é que , a t r avé s de s sa

con jugação , s e r i a pos s íve l na v i s ão de Marx rompe r , na formação das

futuras gerações, com a separação en t r e trabalho manual c intelectual, c

t ambém com a pa r c i a l i z ação da s t a r e f a s impos t a s pe l a d iv i s ão do

t r aba lho na f áb r i c a mode rna . E rompe r com e s sa s epa ração é uma

deco r r ênc i a fundamen ta l t i a s aná l i s e s LIC Marx e Enge l s , po rque é

de l a que b ro t am a a l i enação e a i deo log i a .

Ta lvez o que vou d i ze r ago ra pos sa choca r a l guns de nos , que

v ivemos à be i r a do s écu lo XXI , mas s egundo a concepção dc Marx ,

que e r a um homem do s écu lo XIX, o t r aba lho i n f an t i l é de se j áve l ,

de sde que o Es t ado ga ran t a aos t i l hos dos ope rá r i o s t ima e sco l a de

me io pe r í odo que não s e j a um mero depós i t o dc c r i ança s c de sde que

a SL ipe rcxp lo ração do t r aba lho i n f an t i l s e j a con t ro l ada pe l a

l eg i s l a ção . E é de se j áve l s imp le smen te po rque Marx não ac r ed i t ava

que um homem novo , com um novo ca r á t e r , pudes se s e r f o r j ado

apenas com uma educação e sco l a r l o rma l . Pa r a e l e , a s mãos su j a s de

g r axa e o suo r do ro s to s e r i am tão educa t i vos , do pon to de v i s t a

mora l , quan to o s l i v r e i s , o s c ade rnos e o s - l áp i s . Sc é a t r avé s do

t r aba lho que o homem p roduz pa ra v ive r , co locando a na tu r eza a s eu

s e rv i ço e ao mesmo t empo r e l ac ionando- sc com seu s eme lhan t e , o

t r aba lho manua l e l eve s e r exe rc i t ado po r t oc lo s , c o s r e su l t ados dos

e s fo r ços co l e t i vos devem se r compa r t i l hados con fo rme a s

nece s s idades c i e c ada um. Pa ra que não r e s t e dúv ida sob re e s t e

pon to , ve j amos o que d i z Marx num t ex to i n t i t u l ado Instrução aos

delegados do Conselho Geral da í n t en i c /cioTiaí Comunista (de 1S66) . D iz

e l e :

Cons ide ramos que c p rog re s s i s t a , s ã e l eg í t ima a t endênc i a c i a

i ndús t r i a mode rna de i nco rpo ra r a s c r i ança s e o s j ovens pa r a

que coope rem no g r ande t r aba lho da p rodução soc i a l , embora

s o b o r eg ime cap i t a l i s t a e l a t enha s i do de fo rmada a t é chega r a

un i a abominação . Em todo r eg ime soc i a l r a zoáve l , qua lque r

27SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

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Sociedade, educaÇÃO I EMANCIPAÇÃO 51

c r i ança de 9 anos de i dade deve s e r um t r aba lhado r p rodu t i vo , do mesmo modo que t odo adu l t o ap to pa r a o

28SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

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. 52 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO 53

Page 31: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

t r aba lho deve obedece r à l e i ge r a l da na tu r eza , a s abe r :

t r aba lha r pa r a pode r comer , e t r aba lha r não só com a cabeça ,

mas com a s mãos .

No s en t i do de r eg ra r a supc rexp lo ração da f áb r i c a c ap i t a l i s t a ,

Marx p ropõe que .o s .m i l i t an t e s de s eu pa r t i do , o Pa r t i do Comun i s t a ,

l u t em pa ra q t i e a l e i e s t abe l eça um t r a t amen to d i f e r enc i ado

con fo rme a f a i xa e t á r i a , p r evendo j o rnadas de t r aba lho com du ração

d i f e r enc i ada pa r a c r i ança s c j ovens : de 9 a 1 .2 anos , e l e s deve r i am

t r aba lha r 2 ho ra s po r d i a ; de 13 a 15 anos , 4 ho ra s ; e a s de 16 e 17

anos , 6 ho ra s . Sem uma l eg i s l a ção de s se t i po , d i z Marx , não

have r i a f r e i o s pa r a a ganânc i a bu rguesa e o s pa i s ope rá r i o s ,

p r emidos pe l a pob reza , s e r i am ob r igados a t r ans fo rmar - s e em

agenc i ado re s da e s c r av idão f ab r i l dos p róp r io s f i l hos ,

comprome tendo s eu fu tu ro . E conc lu i : "não s e deve pe rmi t i r em

nenhum ca so aos pa i s e pa t rõe s o emprego do t r aba lho da s c r i ança s

e j ovens s e e s t e emprego não e s t i ve r con jugado com a educação" .

E que educação c e s s a? De que con t eúdos deve ocupa r - s e? Bem,

Marx dá poucas i nd i cações sob re i s so , mas o que s e pode conc lu i r

de s eus apon t amen tos é que a p r eocupação da educação deve r i a s e r ,

f undamen ta lmen t e , a de rompe r com a a l i enação do t r aba lho ,

p rovocada pe l a d iv i s ão do t r aba lho na f áb r i c a c ap i t a l i s t a . Po i s e s t e

s e r i a , em sua v i s ão , o pon to de pa r t i da pa r a rompe r com a

pa s s iv idade do t r aba lhado r f r en t e à i deo log i a da c l a s s e dominan t e .

Pa r a t an to , o c aminho que Marx v i s l umbrava con t ava com a

con t r i bu i ção do p roce s so educac iona l , e s e r i a po r a s s im d i ze r

i nve r so ao caminho da exp rop r i ação dos s abe re s p rodu t i vos da s

c l a s s e s t r aba lhado ra s , da qua l s e rv iu - s e o c ap i t a l i s t a i ndus t r i a l pa r a

cons t i t u i r sua f áb r i c a . Não s e t r a t ava de ens ina r ao f i l ho do

ope rá r i o que e l e e r a uma v í t ima da exp lo ração bu rguesa , i r i a s s im

ens iná - l o a ope ra r a s f áb r i c a s bu rguesa s . Não a t r avé s de uma

ope ração c i r cunsc r i t a à s t a r e f a s pa r c i a i s , como oco r r i a , mas de um

p roces so educac iona l que l he devo lve s se , t an to quan to pos s íve l , a

pe r cepção do con jun to

I%

E

I

do p roce s so p rodu t i vo mode rno . I s so , pa r a Marx , e r a ob j e t i vamen te

pos s íve l , po rque e l e a c r ed i t ava que a mesma d iv i s ão do t r aba lho e o

mesmo avanço t e cno lóg i co q t i e t r ans fo rmavam o t r aba lhado r num

t r aba lhado r pa r c i a l simplificavam a s t a r e f a s p rodu t i va s e , po r t an to ,

t o rnavam e s sa s t a r e f a s a ce s s íve i s a qua lque r um. Es se novo s abe r

s e r i a o fundamen te i dc sua rup tu r a com a a l i enação do t r aba lho c ,

po r t an to , uma da s chaves de sua emanc ipação como se r humano . Em

ou t r a s pa l av ra s , nenhum con t eúdo educac iona l dou t r i ná r i o muda r i a a

v i s ão de mundo dos f i l hos dos ope rá r i o s s e a educação nao l he s

de s se me ios pa r a supe ra r sua cond i ção de t r aba lhado r pa r c i a l , c apaz

de execu t a r uma ún i ca t a r e f a s imp l i f i c ada , d i t ada pe l a s ex igênc i a s

do cap i t a l .

É po r i s so que Marx d i z que o s con t eúdos educac iona i s devem

con t emp la r t r ê s d imensões : uma educação men t a l , uma educação

f í s i c a e uma educação t e cno lóg i ca . E l e não exp l i c i t a , no t ex to c i t ado

ac ima , o que s e r i a e s s a educação men t a l , mas pode - se deduz i r do

con t ex to que s e r i a uma educação e l emen ta r pa r a o t r aba lho

i n t e l e c tua l . A educação f í s i c a s e r i a a educação do co rpo t a l como

o fe r ec ida nos g iná s io s e spo r t i vos e no t r e i namen to mi l i t a r . E ,

f i na lmen t e , a educação t e cno lóg i ca s e r i a a i n i c i a ção da s c r i ança s e

j ovens no mane jo dos i n s t rumen tos c da s máqu ina s dos d i f e r en t e s

r amos da i ndús t r i a , t a r e f a que deve r i a oco r r e r em concomi t ânc i a com

o t r aba lho da s " c r i ança s " na f áb r i c a , dos 9 aos 17 anos . Com t a l

f o rmação , pensava , o s f i l hos de ope rá r i o s pode r i am e s t a r cm n íve l

mu i to supe r io r ao dos bu rguese s c a r i s t oc r a t a s , uma vez que e s t e s

ú l t imos t ambém j ama i s s e r i am homens comple to s , a menos que

rompes sem com a s epa ração en t r e t r aba lho i n t e l e c tua l e manua l . Em

sua v i s ão , po r t an to , é p r ec i so subs t i t u i r o i nd iv íduo pa rc i a l , "mero

f r agmen to humano que r epe t e s empre uma ope ração pa rc i a l , pe lo

i nd iv íduo i n t eg ra lmen t e de senvo lv ido , pa r a o qua l a s d i f e r en t e s

funções soc i a i s não pa s sa r i am de fo rmas d i f e r en t e s c suce s s iva s de

sua a t i v idade" [instruções..., op. cii.). Den t ro de

Page 32: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO

é

t a l concepção , a s e s co l a s po l i t é cn i ca s e a s e s co l a s ag ronômicas

e r am cons ide i adas a l i ada s impor t an t e s do p roce s so de

t r ans fo rmação , a s s im como a s e s co l a s p ro f i s s i ona i s da época que

davam a lgum ens ino t e cno lóg i co aos f i l hos de ope rá r i o s e na s qua i s

e r am in i c i ados ' no mane jo p r á t i co de d i f e r en t e s i n s t rumen tos de

p rodução .

A l eg i s l a ção de 1844 hav i a a r r ancado do cap i t a l na v i s ão de Marx ,

uma p r ime i r a , mas mu i to i n su f i c i en t e , conces são na med ida em que

ob r igava o cap i t a l i s t a a pe rmi t i r que s e con jugas sem o t r aba lho e o

ens ino pa ra o s f i l hos de ope rá r i o s No en t an to , depo i s da i nev i t áve l

conqu i s t a do pode r po l í t i co pe lo s ope rá i i o s comun i s t a s , o que Marx

an t ev i a e r a a adoção do ens ino t e cno lóg i co , t eó r i co e p r á t i co na s

e s co l a s dos t r aba lhado re s . No t e bem: "na s e s co l a s dos t r aba lhado re s "

po i s no comun i smo não have r i a ma i s bu rguese s . Todos ,

i nd i s t i n t amen te s e r i am t r aba lhado re s . O ens ino , en t ão , s e r i a púb l i co e

i gua l pa r a t odos , mas i s so f az i a pa r t e da u top i a de Marx de s eu

p ro j e to pa r a o fu tu ro . E l e não e r a , ao con t r á r i o do que s e pos sa pensa r

um en tu s i a s t a do ens ino o f e r ec ido pe lo Es t ado cap i t a l i s t a S im po rque

o Es t ado cap i t a l i s t a , como o nome j á d i z e r a em sua concepção uma

fo rma po l í t i c a de pe rpe tua r a exp lo ração econômica de uma c l a s se

sob re ou t r a . Po r e s t a r a zão r echaçava p ropos t a s gené r i c a s de adoção

de um ens ino púb l i co e " r a tu i t o pa r a t odos e o f e r ec ido pe lo Es t ado .

Pa ra e l e , não f a r i a s en t i d ■ ' s e o Es t ado é um Es t ado de c l a s s e e s e a

c l a s s e dominan t e p i ec i s a d i s s emina r ao máx imo sua i deo log i a pa r a

man t e r sua dominação , a e l e pa r ec i a óbv io que um ens ino o f e r ec ido

po r e s t e Es t ado bu rguês só pode r i a ens ina r o s f i l hos dos ope rá r i o s a

mo lda rem-se à dominação . Deba t endo com seus adve r sá r i o s i n t e rnos

do Pa r t i do Comun i s t a , e l e de ixou e s sa v i s ão bem c l a r a Num t ex to

chamado Crítica do Programa de Gotha de 1875 e sc r eveu . I s so de uma

educação popu l a r a c a rgo do 'Es t ado ' é abso lu t amen te i nadmis s íve l .

( . . . ) É p r ec i so l i v r a r a e s co l a de t oda i n f l uênc i a po r pa r t e do gove rno

e da Ig r e j a . ( . . . ) E , ao con t r á r i o , o Es t ado que nece s s i t a r e cebe r do

povo uma educação mu i to s eve ra " .

A t í t u lo de i l u s t r a ção , po rém, é p r ec i so a s s ina l a r que Marx e

Enge l s , quando e sc r eve ram sepa radamen te sob re o a s sun to , de ixa r am

ind i cações con t r ad i t ó r i a s . Num t ex to chamado Princípios do comunismo,

de 1847 , quase t r i n t a anos an t e s da pa s sagem de Marx que acabe i de

c i t a r , Enge l s hav i a e s c r i t o que uma da s r e i v ind i cações da c l a s s e

ope rá r i a a i nda du ran t e o c ap i t a l i smo deve r i a s e r a " educação de

t odas a s c r i ança s em - e s t abe l ec imen tos e s t a t a i s e a c a rgo do Es t ado ,

a pa r t i r do momen to em que pos sam p re sc ind i r do cu idado da mãe" .

Bem mas e s se s s ão de t a lhe s , que s e rvem apenas pa r a l embra r -nos

como c t a complexo , mesmo pa ra e s s e s soc ió logos - f i kxso ío s -

economis t a s -mi l i t an t c s , o t r aba lho c i e a r t i cu l a r p ropos t a s

educac iona i s p r á t i c a s que t i ve s sem um ca rá t e r l i be r t á r i o .

Kcs t a s abe r en t ão , pa r a ence r r a rmos e s t e pon to , o que s e r i a c i a

educação púb l i c a depo i s que o Es t ado r ecebes se dos ope rá r i o s

a rmados , no momen to da r evo lução comun i s t a , sua de r r ade i r a l i ç ão .

Como se r i a a educação no comun i smo? Como Marx c Enge l s v i am,

ne s t a nova soc i edade que de fend i am um p roces so educac iona l que

con t r i bu í s s e e f e t i vamen te pa r a emanc ipa r o s e r humano?

Acho que aqu i há duas ques tõe s impor t an t e s , ambas r e l a c ionadas

ao pe r f i l c i o "novo homem" que o comun i smo deve r i a ge r a r .

A p r ime i r a é que , a l ém de muda r a f o rma de exp lo ração

econômica , e l e s a c r ed i t avam se r p r ec i so muda r a f o rma de

o igan i zação soc i a l , pa i a que uma nova educação pudes se s e

de senvo lve r . Nes se a spec to é c en t r a l a c r í t i c a de Marx e Enge l s à

f amí l i a . No cé l eb re Manifesto comunista, de 184S , l embram que a

f amí l i a bu rguesa s e apo i a no cap i t a l e no l uc ro p r i vado e que sua

ex i s t ênc i a apa ren t emen te v i r t uosa su s t en t a - s e na sup re s são da

f amí l i a p ro l e t á r i a , me rgu lhada na de sag regação causada pe l a m i sé r i a ,

pe lo v í c io e pe l a p ro s t i t u i ç ão . A f amí l i a é o l uga r po r exce l ênc i a da

d i fu são e do en ra i zamen to dos va lo r e s c ap i t a l i s t a s e bu rguese s , é o

e spaço soc i a l onde a s c r i ança s ap rendem desde a t en ra i dade a pensa r

com a cabeça da c l a s s e dominan t e , a chavam. É o l uga r onde oco r r e a

exp lo ração dos f i l hos pe lo s pa i s , r ep roduz indo a exp lo ração dos

ope rá r i o s pe lo s pa t rõe s /Razão pe l a qua l a f amí l i a , nos mo ldes que

conhecemos , deve r i a s e r r ad i ca lmen t e sup r imida , na p ropos t a

po l í t i c a de Marx e Enge l s . . A . f o rma de i nve r t e r o con t eúdo de

c l a s s e da educação bu rguesa , po r t an to , s e r i a substituir uma educação

doméstica por uma educação de caráter social, na qua l o s va lo r e s da nova

soc i edade so l i dá r i a pudes sem desenvo lve r - s e s em a i n f l uenc i a

"de l e t é r i a da e s t r e i t e za do e spaço p r i vado r ep re sen t ado pe l a f amí l i a .

A s egunda ques t ão impor t an t e é que , com o comun i smo ,

con fo rme j á v imos , t e rmina r i am a d iv i s ão da soc i edade em c l a s se s e

54SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 32

Page 33: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO

a fo rma cap i t a l i s t a de d iv i s ão do t r aba lho . Na v i s ão de nos sos au to r e s

não ba s t ava ao comun i smo , po r t an to , ap rove i t a r - s e do p rog re s so

ma t e r i a l p ropo rc ionado pe lo de senvo lv imen to do cap i t a l i smo . Se r i a

p r ec i so ed t i c a r o "novo homem" comun i s t a dè t a l modo que e l e

pudes se de f a to supe ra r a d iv i s ão do t r aba lho que o a l i enava sob o

cap i t a l i smo . Não s e r i a su f i c i en t e a r evo lução po l í t i c a , e o con t ro l e do

pode r do Es t ado pe lo s ope rá r i o s deco r r en t e de l a , pa r a soc i a l i z a r o s

me ios de p rodução , pensavam Marx e Enge l s . Se r i a nece s sá r i o que , ao

soc i a l i z a r o s me ios de p rodução , a nova fo rma de o rgan i zação

i ndus t r i a l encon t r a s se um homem p repa rado pa ra de sempenha r um

t r aba lho que não fo s se a l i enado , pa r c i a l , r e s t r i t i vo de sua s

po t enc i a l i dades . Se r i a p r ec i so , po i s , uma mudança de a t i t ude f r en t e à

p rodução , pa r a v i ab i l i z a r o con t ro l e co l e t i vo de s eus bene f í c i o s . No j á

c i t ado Princípios do comunismo, Enge l s exp l i c i t a de modo ba s t an t e c l a ro

o que e spe ravam a f i na l da , nova educação . D iz e l e :

A educação da rá aos j ovens a pos s ib i l i dade de a s s im i l a r

r ap idamen te nn p r á t i c a t odo o s i s t ema de p rodução e l he s pe rmi t i r á

passar suce s s ivamen te de um ranio de p rodução a ou t ro , s egundo a s

nece s s idades da soc i edade ou sua s p róp r i a s i nc l i nações . Po r

consegu in t e , a educação nos l i be r t a r a de s t e c a r á t e r un i l a t e r a l que a

d iv i s ão a tua l do t r aba lho impõe a c ada i nd iv íduo . Ass im , a

soc i edade o rgan i zada sob re ba se s comun i s t a s da r á a seus 1

ncm liros a pt>NNÍ1M1 idade ile empregai I ■ 111 UHH>N OS aspei los suas

f a cu ldades de senvo lv ida s un ive r s a lmen t e .

Bas t a o lha rmos , nos d i a s que co r r em, pa r a o pe r f i l c i o " t r aba lhado r

po l i va l en t e " ex ig ido pe l a s i ndús t r i a s con t emporâneas - em função da

r ee s t ru tu r ação p rodu t i va que oco r r e na e s t e i r a da chamada Te rce i r a

Revo lução Indus t r i a l - pa r a compreende rmos s e r i a bem ma i s

compl i cada c io que fnz c r e r e s t e e spe f s i i i ço so pa rámafo e sc r i t o

em 1S47 . Eo i o p róp r io c ap i t a l ( e não nenhuma r evo lução comun i s t a )

que r evo luc ionem a d iv i s ão c io t r aba lho na l i nha de p rodução . Ho je ,

o de senvo lv imen to t e cno lóg i co , com o adven to da robó t i c a c da

i n fo rmá t i c a , pe rmi t e ao cap i t a l i s t a r e a l i z a r a mesma p rodução que

an t e s o ob r igava a emprega r m i lha r e s de ope rá r i o s , ago ra com apenas

a lgumas dezenas de t r aba lhado re s supc rqua l i f i c ados c , po r t an to ,

educados . Educados , mas nem po r i s so emanc ipados . V ivemos ho j e

o s d i a s da " soc i edade da i n fo rmação" , da " soc i edade do

conhec imen to" , mas o fo s so soc i a l que s epa ra a s c l a s s e s con t i nua a

aumen ta r . Ta lvez po r i s so mesmo os i n s t rumen tos da r e f l exão

soc io lóg i ca sob re a educação s e j am cada vez ma i s impor t an t e s .

54SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 33

Page 34: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

C A P í T U L O I V

'—| Sociedade, educação e desencantamento

I

As pa r t i r am da i dé i a

de que só é pos s íve l compreende r a s r e l a ções en t r e o s homens s e

compreende rmos a soc i edade que o s ob r iga , em n íve i s e cm med idas

d ive r s a s , a ag i r de a co rdo com fo rça s e s t r anhas a sua s von t ades

i nd iv idua i s , e impos i t i va s com r e l ação a e l a s . Pa r a o p r ime i ro , a

educação é o mecan i smo pe lo qua l o i nd iv íduo t o rna - s e membro da

soc i edade , s e " soc i a l i z a " ; pa r a o s egundo , e l a é um mecan i smo que ,

con fo rme s eu con t eúdo de c l a s s e , [ i ode s e r u t i l i z ado pa ra op r imi r

ou pa ra emanc ipa i ' o homem.

Mas há ou t ro pon to de pa r t i da pos s íve l . A soc io log i a do a l emão

Max Webe r (1S64-1920) t em como p remi s sa a i dé i a de que a

soc i edade não é apenas uma "co i s a " ex t e r i o r e coe rc i t i va que

de t e rmina o compor t amen to dos i nd iv íduos , mas s im o r e su l t ado de

uma eno rme e i ne sgo t áve l nuvem de i n t e r ações i n t e r i nd iv idua i s . A

soc i edade pa ra Webe r não é aqu i l o que pesa sobre os i nd iv íduos , mas

aqu i l o que se veicula entre e l e s . As conseqüênc i a s de s sa v i s ão pa ra a

soc io log i a da educação , é c l a ro , s e r ão ba s t an t e s i gn i f i c a t i va s .

Mas an t e s de con t i nua r , de ixe -me da r - l he um av i so . Os

r ac ioc ín io s que Webe r de senvo lve não s ão mu i to s imp le s à p r ime i r a

v i s t a . E podem pa rece r um pouco i n t r i ncados . E quando você fo r da r

uma o lhada num t ex to e sc r i t o pe lo p róp r io Webe r , ve r á que e l e não

é mu i to " f l uen t e " , d igamos a s s im . No en t an to , embora o s t ex to s

pa r eçam um pouco t runcados , a s i dé i a s va l em mu i to a pena . Webe r é

um au to r e l e uma eno rme o r i g ina l i dade e sua t eo r i a soc io lóg i ca , que

é mu i to pouco d i s cu t i da na á r ea da educação , t em con t r i bu i ções

Page 35: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

impor t an t í s s imas a da r .

Page 36: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO E DESENCANTAMENTO

Então , vamos - l á . Resp i r e fundo , r egu l e o s eu g r au de a t enção e

p r epa re - s e pa r a en t r a r num mundo bem d i f e r en t e do de Durkhe im e

Marx . O que vou t en t a r f a ze r a s egu i r é i n t roduz i - l o aos rud imen tos

ma i s e l emen ta r e s da soc io log i a de Webe r e em segu ida , d i s cu t i r um

pouco sua t eo r i a da h i s t ó r i a , que t em pon tos de con t a toe

d i s t anc i amen to com a de Marx , pa r a f i na lmen t e l evan t a r a l gumas

imp l i cações que e s t e " mode lo t em pa ra a e -ducação .

Weber e q pensamento sociológico

O pon to de .pa r t i da de t oda soc io log i a webe r i ana r e s ide no

conce i t o de ação soc i a l " e no pos tu l ado de que a soc io lo a i a é uma

c i ênc i a " compreens iva" .

Tan to o mundo na tu r a l quan to a r e a l i dade da v ida soc i a l s ão

conceb idos po r Webe r como üm con jun to i ne sgo t áve l de

a con t ec imen tos . Ao con t r á r i o de Durkhe im , e l e pos tu l a que ,

d i f e r en t emen te da s c i ênc i a s na tu r a i s , pa r a a s qua i s o s

a con t ec imen tos s ão r e l a t i vamen te i ndependen t e s do c i en t i s t a que o s

ana l i s a , na s c i ênc i a s soc i a i s — en t end ida s po r e l e como aque l a s que

d i zem r e spe i t o à v ida cu l t u r a l — os acon t ec imen tos dependem

fundamen ta lmen t e da pos tu r a e da p róp r i a a ção do i nves t i gado r . A

r ea l i dade não é uma co i s a em s i . E l a ganha um de t e rminado ro s to

con fo rme o o lha r que você l ança sob re e l a . As ações soc i a i s

p r a t i c adas pe lo c i en t i s t a soc i a l em seu t r aba lho de i nves t i gação , que

s ão de mesma na tu r eza da s a ções p r a t i c adas po r qua lque r homem ou

g rupo de homens po r e l e i nves t i gado , s ão , po r t an to , f undamen ta i s .

J á de s a ída r e cusa t r a t a r o s " f a to s " soc i a i s como se fo s sem co i s a s .

Pa r a e l e , i s so s imp le smen te não é pos s íve l , po rque a s co i s a s que eu

ve jo podem se r d i f e r en t e s da s " co i s a s " que você vê , embora v ivamos

na mesma soc i edade na mesma época . h i s t ó r i c a . A l i á s , pode s e r qüe

a s " co i s a s " que eu ve jo nem se j am co i s a s p r a voce . ü . po r q U j é .

Porque o s homens vêem o mundo

que o s c e r ca a pa r t i r de s eus va lo r e s . Os va lo r e s s ão compa r t i l hados ,

é c l a ro , mas s ão i ncu l cados , i n t ro j e t ados ( s ão subjetivados) de modos

d i s t i n to s , con fo rme o p roce s so de i n t e r ação em que o i nd iv íduo e s t á

i n se r i do . Um mesmo me io cu l t u r a l pode a s sumi r s i gn i f i c ados

d i f e r en t e s pa r a o s d i f e r en t e s i nd iv íduos ne l e ime r sos e , no momen to

da ação , oca s iona r d i f e r enças de compor t amen to con fo rme o modo

de a s s im i l ação de s sa cu l t u r a , e sob re tudo conjorme os diferentes tipos

de racionalidade empregados pelos indivíduos.

A rea l i dade é conceb ida po r Webe r , en t ão , como o encon t ro

en t r e o s homens c o s valores aos qua i s e l e s s e v incu l am e o s qua i s

a r t i cu l am de modos d i s t i n to s no p l ano sub j e t i vo . As c i ênc i a s soc i a i s

( que e l e p r e f e r e chamar de c i ênc i a s da cu l t u r a ) s ão v i s t a s como a

pos s ib i l i dade de cap t ação da i n t e r ação en t r e homens e va lo r e s no

s e io da v ida cu l t u r a l , i s t o é , a c ap t ação da ação soc i a l . Como a

r e a l i dade é i n f i n i t a , apenas um f r agmen to de cada vez pode s e r

ob j e to de conhec imen to . O " todo" ( a soc i edade ) que supos t amen te

pe sa r i a sob re a s pa r t e s ( o s i nd iv íduos ) , pa r a Webe r , é l i t e r a lmen t e

i ncompreens íve l s e fo r t r a t ado como um todo , como uma co i s a . Pe l a

s imp le s r a zão de que este todo reside na interação entre as partes e não

é pos s íve l conhece r t odas e l a s ao mesmo t empo , po rque s ão mu i t a s

e po rque s e r enovam a cada d i a . F luxos da mudança e c r i s t a l i z ações

da pe rmanênc i a s e combinam na v ida soc i a l . A sociedade, para Weber,

não é um bloco, c uma teia. K'a s e l eção do f r agmen to a s e r i nves t i gado

e s t a r ão p r e sen t e s o s va lo r e s do i nves t i gado r , que f az pa r t e de s sa

soc i edade ou de a lguma ou t r a . T ra t a - s e de um p roces so sub j e t i vo , o

que , no en t an to , não comprome te a ob j e t i v idade do conhec imen to ,

de sde que o i nves t i gado r l eve em con t a , na i n t e rp r e t ação da s a ções

e r e l a ções , o s va lo r e s que e l e a t r i bu i ao p róp r io a t o r soc i a l , i s t o é ,

aque l e que p r a t i c a a a ção , e não o s s eus p róp r io s va lo r e s (do

i nves t i gado r ) .

60 36SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

Page 37: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

S O C I E D A D E , E D U C A Ç Ã O t D E S L N C A N T A M I N I O

s im como Durkhe im , Webc r de s t aca o pape i de desvendamento

do r ea l de sempenhado pe lo pensamen to c i en t í f i co que s egundo e l e

f a z aqu i l o que é ev iden t e po r convenção s e r v i s t o como um

p rob l ema . O t r aba lho c i en t í f i co é a s s im ine sgo t áve l , po rque o" r e a l o

é , bem como f r agmen tá r i o c e spec i a l i z ado . A p rodução c i en t í f i c a

t ende a d i s s emina r - s e pe l a soc i edade a t r avé s da educação , c você j á

pode i r m inbocando de sde j á ^qua i s s e r i am na v i s ão de Webc r a s

r e l a ções en t r e a educação e a v ida soc i a l .

Mas nap^vou co loca r o c a r ro ad i an t e dos bo i s . Tudo O C"| LI e l he

d igo po r enquan to é que o ob j e to da s c i ênc i a s da cu l t u r a s e i á a

dec i f r ação ' da s i gn i f i c ação (o s en t i do ) da ação soc i a l ( a s condu t a s

humanas ) . E a ún i ca mane i r a de e s tuda r e s s e ob j e to e a compiccnsão ,

que você j á va i s abe r o que é . E d i r e i t ambém que Webe r e r a um

pes s imi s t a i nve t e r ado : e l e a chava que o t i po de v ida impos to à s

pe s soas no mundo mode rno f az i a com que a educação de ixa s se de

formar o homem, pa r a s imp le smen te p i epa rá - l o pa r a de sempenha r

t a r e f a s na v ida

Mas t en t e a companha r ago ra a l i nha de a rgumen tação bá s i ca

de senvo lv ida po r Webe r na de f i n i ção de sua soc io log i a

compreens iva .

Pon to de pa r t i da : O que é ação social7. Pa ra Webe r , e l a oco r r e

quando um ind iv íduo l eva o s OLITROS em cons ide ração no momen to

de t omar uma a t i t ude , de p r a t i c a r uma ação

An te s de l he exp l i c a r em de t a lhe vou r ep roduz i r uma pa s sagem

de um t ex to chamado Sobre cdçumas categorias da sociologia

compreensiva (de 1913 ) , onde Webe r de f i ne ação e o t i po de ação que

i n t e r e s sa à sua soc io log i a . D iz e l e que

po r a ção ( i nc lu indo a omi s são e a t o l e r ânc i a ) en t endemos s empre

um compor t amen to compreens íve l com r e l ação a "ob j e to s " i s t o é

um compor t amen to e spec i f i c ado ou ca r ac t e r i z ado po r u i n s en t i do

( sub j e t i vo ) r e a l ou "men ta l " , mesmo que e l e não s e j a quase

ms.

pe rceb ido . ( . . . ) A ação que e spec i f i c amen te t em impor t ânc i a

pa r a a soc io log i a compreens iva é , e m pa r t i cu l a r , i i MI

comportamento ouci 1 . está relacionado ao sentido subjetivo pensado

daquele c [ i i e a t r e com r e f e r ênc i a ao compor t amen to de ou t ro s ;

2 . e s t á co -de t e rminado no s eu decu r so po r e s t a r e f e r ênc i a

s i gn i f i c a t i va e , po r t an to , 3 . pode s e r exp l i c ado pe l a

compreensão a pa r t i r de s t e s en t i do men t a l ( sub j e t i vamen te ) .

D i f í c i l . ' Ve j amos .

Quando você va i à e s co l a , i s t o é uma ação soc i a l . Não apenas

po rque a l i você encon t r a s eus p ro fe s so re s , s eus co l egas , s eu g rupo .

Es t a r j un to com ou t r a s pe s soas , apenas , não f az de você um an ima l

soc i a l . I r à e s co l a é uma ação soc i a l po rque ag indo a s s im você e s t á

calculando (mesmo que não pense n i s so consc i en t emen te t odos o s

d i a s ) o s cus to s e o s bene f í c i o s que você t e r á , i ndo ou , no ca so

i nve r so , de ixando de i r . Ao i r à e s co l a você emprega sua

racionalidade e l eva em cons ide ração a r a c iona l i dade dos ou t ro s e o

modo como e l a i n t e r f e r e ou pode v i r a i n t e r f e r i r sob re s eu p róp r io

compor t amen to . S e você fo s se pu ramen te r a c iona l , pode r i a d i ze r :

"minha f i na l i dade na v ida é t e r d inhe i ro , mu lhe re s (ou homens ) à

d i spos i ção e c a r ro s do ano , mas pa r a i s so p r ec i so e sco lhe r a

p ro l i s s ão que me dê ma i s r enda o ma i s r áp ido pos s íve l ; e o me io

ma i s adequado pa ra a t i ng i r e s t e f im é i r à e s co l a " .

Mas não p r ec i s a s e r um cá l cu lo que v i s e me ramen te s eus

i n t e r e s se s pe s soa i s " ego í s t a s " , sua s f i na l i dades " exc lu s ivamen te

i nd iv idua i s . Você pode ca l cu l a r t ambém com base , po r exemplo ,

no va lo r que sua f amí l i a dá à educação . Se em sua ca sa t odos

p i cza r cm uma boa educação ac ima de t udo , s e r á mu i to d i f í c i l p r a

você de ixa r de i r à e s co l a , c e r t o? Se um d i a você cog i t a r abandona r

o s e s t udos , a p r ime i r a co i s a que va i pensa r s e r á : o que o pe s soa l l á

em ca sa va i d i ze r d i s so?" A l i á s t a l vez você nem cog i t e abandona r a

e s co l a , po rque fo i en s inado em ca sa de sde c r i ança que e s tuda r ou

que fo rmar - s e e r a a l go impor t an t e . Leva r i s so em cons ide ração

t ambém é uma fo rma de cá l cu lo .

3 7SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 6 i

Page 38: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E OESENCANTAMENTO .

Mas você pode ca l cu l a r t ambém com base , po r exemplo , na

s a t i s f ação ou no con fo r to pe s soa l que s en t e em i r à e s co l a , mesmo

que e s sa s a t i s f ação não e s t e j a l i gada d i r e t amen te a sua s a t i v idades

e s t udan t i s . Você pode gos t a r da e s co l a po rque t em amizade com

p ro fe s so re s e co l egas , ou po rque a r r an jou uma namorada ou

namorado l á .

Ar^ i r cm soc i edade , po r t an to , imp l i c a em a lgum g rau de

racionalidade ( i nc lu s ive a t o t a l i r r a c iona l i dade ) po r pa r t e de quem

age , e imp l i c a no f a to de que e s t a r a c iona l i dade de cada i nd iv í c luo

s empre e s t á r e f e r i da aos ou t ro s i nd iv íduos que o s c e r cam. Isso

é . f undamen ta l pa r a en t ende r Webe r .

Pa r t i ndo do exemplo ac ima , quando você va i à e s co l a pensando

em se fo rmar e ganha r d inhe i ro , e s t á p r a t i c ando o que Webe r chama

de ação social racional com relação a fins. Um compor t amen to r ac iona l

com r e l ação a f i n s é aque l e que s e o r i en t a po r me ios t i dos como

adequados ( sub j e t i vamen te ) pa r a ob t e r f i n s de t e rminados , f i n s e s t e s

t i dos po r você como ind i s cu t í ve i s ( sub j e t i vamen te ) . J á s e você fo r à

e s co l a po rque sua fo rmação f ami l i a r deu mu i t a impor t ânc i a aos

e s t udos , en t ão e s t á p r a t i c ando uma ação social racional com relação a

valores. No ca so , t r a t a - s e dos va lo r e s de sua f amí l i a , ou en t ão do

modo como você o s i nco rpo rou à sua p róp r i a h i e r a rqu i a de va lo r e s .

F ina lmen t e , s e você va i à e s co l a apenas po r c ausa dos amigos , dos

p ro fe s so re s ou da namorada ou namorado , pa r a Webe r você p r a t i c a

uma ação social afetiva. Nes t e t i po de compor t amen to , você e s t a r i a

s endo irracional, po i s o que Webe r chama de " r ac iona l i dade

pe r f e i t a " é a adequação en t r e o s me ios de que você s e va l e pa r a ag i r

e o s f i n s que você ob j e t i va a l c ança r com e s t a a ção . Na ação a f e t i va ,

você não l eva em cons ide ração ob j e t i vos a s e r em a l cançados nem

busca u t i l i z a r - s e dos me lho re s me ios pa r a i s so e , po r t an to , e s t á

s endo i r r a c iona l . Suponha , f i na lmen t e , que você fo s se à e s co l a

apenas po rque t odo mundo va i , e f i c a r i a cha to p r a você , den t ro do

s eu c í r cu lo de amizades , d i z e r que não f r eqüen t a a e s co l a . Nes se

ca so você vo l t a a s e r r a c iona l , p r a t i c ando uma ação social racional

com relação ao regular. Você e s t a r i a c a l cu l ando com r e l ação à med i a

de compor t amen tos a ce i t o s em seu g rupo e spec í f i co .

Repa re que Webe r gos t a de e s t abe l ece r tipos de ação . Só no

pa rág ra fo ac ima eu c i t e i qua t ro t i pos d i f e r en t e s de ação soc i a l ,

s endo t r ê s r a c iona i s e um i r r a c iona l . Mas , r epa re t ambém que no

d i a - a -d i a e s s e s t i pos não apa recem sepa radamen te . N inguém, na

p r á t i c a , va i à e s co l a émica e cxch i s i vamcn tc pa r a namora r , nem

mesmo só pa r a ganha r o d ip loma e ganha r d inhe i ro . Es sa s co i s a s

t odas s e con fundem, s e enca ixam Limas à s ou t r a s . É mu i to pos s íve l

que você vá à e s co l a po r t odas ou quase t odas e s s a s r a zões que eu

c i t e i no exemplo . As r azões s e m i s tu r am. No en t an to , é

abso lu t amen te fundamen ta l i so l a r e s s e s t i pos "pu ros " de

compor t amen to . A l i á s , e s t e é o mé todo de Webe r . E l e s abe

pe r f e i t amen te que na p r á t i c a emp í r i c a o s t i pos pu ros não ex i s t em

mas o s cons t ró i pa r a que s i rvam de r e f e r ênc i a .

E i , a l eg re - s e ! Você e s t á s endo ap re sen t ado a um dos ma i s

impor t an t e s mé todos dc i nves t i gação da s c i ênc i a s soc i a i s . A r ece i t a

me todo lóg i ca , pa s so a pa s so , é a s egu in t e : l u . Cons t rua um tipo ideal

"pu ro" (Webe r cons t ru í a vá r i o s : t i pos de ação soc i a l , t i pos dc

dominação po l í t i c a e t c ) . O t i po é t ima cons t rução men t a l , , f e i t a na

c abeça do i nves t i gado r , a pa r t i r de vá r i o s exemplos h i s t ó r i cos . E l e é

um exage ro dc pe r f e i ção , que j ama i s s e r á encon t r ado na v ida

p r á t i c a . 2 L . O / f i e o mundo soc i a l que o c e r ca , e s t a t e i a i ne sgo t áve l

dc even to s e p roce s sos , e s e l e c ione de l e o a spec to a s e r i nves t i gado

(não dá p r a s e r t udo , t em que s e r uma co i s a de cada vez ) .

3 ' - ' . Compare o mundo soc i a l emp í r i co com o t i po i dea l que você

cons t ru iu . Mas no t e bem: " i dea l " aqu i não s i gn i f i c a "de se j ado" ,

não s i gn i f i c a i dea l i z ado" , como po r exemplo i dea l i z a r o que

se r i a uma " soc i edade pe r f e i t a " . S ign i f i c a apenas que você e sco lhe

a s c a r ac t e r í s t i c a s ma i s "pu ra s " dos t i pos , e Webe r a chava que o s

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO64 38

Page 39: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E OESENCANTAMENTO .

t i pos de condu t a ma i s pu ros s ão o s ma i s r a c iona i s , no s en t i do de

adequação en t r e me ios e f i n s .

4 U - À med ida que você de sc r eve o quan to a r e a l i dade s e aproxima ou

s e distancia do t i po "pu ro" que você cons t ru iu , e s s a r e a l i dade s e

ap re sen t a a você , s e r eve l a em seu ca r á t e r ma i s complexo ; • o s

compor t amen tos vêm à l uz r eve l ando a r a c iona l i dade e a

i r r a c iona l i dade que o s t o rnou pos s íve i s .

É a s s im que a a ção soc i a l r a c iona l com r e l ação a f i n s ( aque l e

c a so h ipo t é t i co em que o i nd iv íduo r ea l i z a r i a um cá l cu lo

pe r f e i t amen te r a c iona l ) s e rve exa t amen te pa r a que s e pos sa ava l i a r

o a l c ance , na p r á t i c a , daqu i l o que é i r r a c iona l com r e l ação aos f i n s

a que s e p ropõe aque l e que p r a t i c a a a ção . Res sa l t o novamen te :

quando f a l amos de um compor t amen to subjetivo, no con t ex to da

soc io log i a de Webe r , não e s t amos f a l ando r í um compor t amen to

exc lu s ivamen te psíquico. Compor t amen to sub j e t i vo é o

compor t amen to do sujeito da ação , e nenhuma ação é soc i a l s e não s e

r e f e r i r ao compor t amen to dos ou t ro s su j e i t o s c dos obs t ácu lo s que

t odos en f r en t am pa ra l eva r sua s a ções a t é a s ú l t imas conseqüênc i a s .

Aqu i l o que e men t a l , exc lu s ivamen te p s íqu i co , pa r a Webe r é

incompreensível do pon to de v i s t a da soc io log i a .

Da í chegamos a um en t end imen to me lho r do que s e j a a

soc io log i a que e l e chama de compreensiva: t r a t a - s e daque l a que s e

r e f e r e à aná l i s e dos compor t amen tos mov idos pe l a r a c iona l i dade

dos su j e i t o s com r e l ação aos ou t ro s .

Pa ra Webe r , o s compor t amen tos dos a to r e s s ão i n t e rp r e t ados

como sendo do t ados de i n t enc iona l i dade e , a s s im , como sendo ações

prop r i amen te d i t a s ; embora ce r t o s e l emen tos de s sa s a ções ( a

e s t ru tu r ação do s i s t ema de p r e f e r ênc i a s , a e s co lha dos me ios pa r a

ob t e r o s f i n s de se j ados , a hab i l i dade de cada i nd iv íduo na

u t i l i z ação dos me ios e t<4 \ ) s e j am de t e rminados po r e l emen tos

an t c i i o t c s a p róp r i a a ção . O mé todo de Webe r é i nd iv idua l i s t a não

po rque e l e p r e f i r a o i nd iv íduo , nem mui to menos a p s i co log i a

i nd iv idua l , em de t r imen to da soc i edade , mas po rque pa ra e l e o

indivíduo constitui o ún i co portador de um comportamento provido de

sentido, de intencionalidade. Em conseqüênc i a , conce i t o s como Es t ado ,

c ap i t a l i smo ou Ig r e j a , pa r a sua soc io log i a , r eduzem-se i c a t ego r i a s

que s e r e f e r em a de t e rminados modos de n henncm agh em soc i edade .

A t a r e f a da soc io log i a é i n t e rp r e t a r e s t e ag i r de modo que e l e s e

t o rne um ag i r compreens íve l , e i s t o s i gn i f i c a , s em exceção , um ag i r

c i e homens que s e r e l a c ionam uns com os ou t r o s .

O i nd iv íduo e a s i n s t i t u i çõe s soc i a i s

Mas s e r i a um g rande e r ro pensa r que Durkhe im é o homem que

acha que a soc i edade ob r iga o i nd iv íduo a ag i r e Webe r pe lo

con t r á r i o , é o homem que acha que o i nd iv íduo a 1 ' e c c ) m o que r .

Não é nada d i s so . O i nd iv íduo , pa r a Webe r l eva em cons ide ração ,

no momen to de ag i r , o compor t amen to dos ou t r o s c é i s so que f az

de sua ação uma ação soc i a l . Mas não s é ) : e l e é ob i i gadc ) a

r e l a c iona r - s e t ambém com a s no rmas soc i a i s conso l i dadas ,

i n s t i t uc iona l i z adas , que t êm in f l uênc i a sob re s eu ag i i . Ou , me lho r

d i zendo , e s s a s no rmas influenciam o avir do indivíduo na mesma medida

em que são resultado do agir dos próprios indivíduos ao longo do tempo.

Quc i en t ende i " como i s so func iona? En t ão ve j a como Webe r

d i s t i ngue o s conce i t o s de " comun idade" e " soc i edade" Eu vou

s imp l i f i c a r ba s t an t e a de f i n i ção do nos so au to r , que é de t a lhada so

pa r a que pos samos en t ende r e s t a v i a de mão dup l c abeça de Webe r ,

l i ga o i nd iv íduo à se s t ru tu r a s soc i a i s e e s t a s

ao i nd iv íduo .

E l e d i z , ba s i camen te , que o agir em comunidade é aque l e agu que

s e ba se i a na s expec t a t i va s que t emos com r e l ação ao compor t amen to

dos ou t ro s . Se d i zemos "bom-d i a " no cnc o i i 11 ' i r

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO64 39

Page 40: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SoCItDAOE, E D U C A Ç Ã O C D l S f l M C A N T A M E N Í O

:3t

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO4067

Page 41: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E DCSENCANTAMENTO

de t e rminada pe s soa é po rque e spe ramos que e l a r e sponda "bom-d i a "

t ambém. Se o compor t amen to dos ou t ro s fo s se t o t a lmen t e

imprev i s í ve l pa r a nós , s e r i a d i f í c i l v i ve r . O ag i r em comun idade

exp l i c a - s e pe l a ex i s t ênc i a ob j e t i va de uma ma io r ou menor

p robab i l i dade dc que t a i s expec t a t i va s s e j am fundamen tadas ( a l go

que Wcbc r chama dc " j u í zo de pos s ib i l i dade ob j e t i va " ) . Quando

ag imos r ac iona lmen t e , e spe ramos que o s ou t ro s t ambém a j am

a s s im , pa r a que pos samos ca l cu l a r a s pos s ib i l i dades r e a i s de

l eva rmos nos sos ob j e t i vos a t é o f im . E , a s s im como no ca so dos

t i poS~de ação comen tados ac ima , e s s a r a c iona l i dade não p r ec i s a

s e r ape r t a s com r e l ação aos f i n s do a to r . O ag i r em comun idade

t ambém pode s e fundamen ta r na expec t a t i va dc que o s ou t ro s dêem

de t e rminado pe so a c e r t o s va lo r e s e c r enças , ou en t ão na

expec t a t i va de que o s ou t ro s s c compor t em de um modo r egu l a r , na

méd i a dos compor t amen tos ge r a lmen t e u sados pa r a aque l a s i t uação .

Ou , a i nda , de que s e compor t em c i e modo emo t ivo , k r ac iona l . Em

r e sumo: ag i r em comun idade é compor t a r - s e com base na

expec t a t i va de que o s ou t ro s t ambém se , compor t em dc um

de t e rminado modo .

J á o agir em sociedade é um conce i t o ma i s e spec í f i co . O ag i r em

soc i edade é um ag i r em comun idade no qua l a s expectativas se

baseiam nos regulamentos soc i a i s v igen t e s . Eu ac r ed i t o que você não

va i ma t a r sua mãe , não apenas po rque imag ino que você gos t a de l a ,

mas po rque t enho ce r t e za de que você s abe que o s a s s a s s inos s ão

condenados c p r e sos pe lo s i s t ema l ega l v igen t e . A lém dc pouco

a f e t i vo , p r a t i c a r e s t e a t o s e r i a ba s t an t e i r r a c iona l . No ag i r em

soc i edade , a l ém do i nd iv íduo o r i en t a r - s e po r e s t e t i po de

expec t a t i va ba seada nos r egu l amen tos , supõe - se que t a i s

r egu l amen tos t enham s ido f e i t o s j u s t amen te com o ob j e t i vo de que

o s homens a j am segundo sua s de t e rminações , e não de ou t r a

mane i r a . Se você que é homem p ra t i c a r s exo com uma menor de 14

anos , ' n ão apenas pode rá s e r ma lv i s t o na v i z inhança , mas pode s e£

p r e so , po rq t i e f o i f e i t a uma l e i pa r a

Ê■2-; Íp:

m • I

I É! W-Ir

or i en t a r s eu compor t amen to de t a l modo que você não p r a t i que e s t e

a t o .

Po i s bem. A l e i p ro íbe e você ev i t a de sobedecê - l a pa r a não

so f r e r a s conseqüênc i a s . Mas quando o i nd iv íduo ca l cu l a que é

me lho r ag i r com base na s r eg ra s t ambém pontue o . s outros igualmente

agem segundo as regras, e l e e s t á ag indo em soc i edade . Ve j a bem: não

e s tou d i zendo que na soc i edade t odos obedecem à l e i . O p róp r io

c r im inoso , quando foge ou s c e s conde , e s t á s e o r i en t ando con fo rme

os r egu l amen tos , po rque s abe que s e fo r c ap tu r ado , s e r á pun ido .

Es t á , po r t an to , ag indo em soc i edade , de a co tdo com um cá l cu lo que

t em po r ba se a s r eg ra s .

As r eg ra s , po r t an to , f unc ionam como uma e spéc i e dc

" condensação dc expec t a t i va s r e c íp roca s " c , cm conseqüênc i a d i s so ,

t o rnam o un ive r so soc i a l o rgan i zado c i n t e l i g íve l pe lo s a t o r e s

i nd iv idua i s . Quando i s so oco r r e , Wcbc r d i z que ex i s t e uma ordem

social. Mas a va l i dade da no rma não s e ba se i a apenas na s

expec t a t i va s r e c íp roca s . Quan to ma i s d i s s eminada soc i a lmen t e

e s t i ve r a conv i cção dc cada um dc que a s r eg ra s s ão obrigatórias

pa ra e l e s , me lho r fundamen tadas s e r ão a s expec t a t i va s de uns com

r e l ação ao compor t amen to dos ou t ro s . Es t a é a d i f e r ença en t r e a

Convenção — onde o r egu l amen to é ga r an t i do apenas med i an t e uma

"desap rovação soc i a l " com r e l ação aos i n f r a to r e s — c o Direito —

em que a va l i dade do r egu l amen to é ga r an t i da po r um apa ra to

coe rc i t i vo e pun i t i vo . Sc você s e ve s t i r com uma roupa mu i to fo r a

de moda , pode s e r que t enha d i f i cu ldade de a r r an j a r namorada ou

namorado , po rque e s t á convencionado un i de t e rminado t i po de roupa

da moda . Mas d i an t e da dec l a r ação anua l do impos to de r enda , você

não pode e sco lhe r s c que r paga r ou não ( a menos que s e j a um

banque i ro ou um g rande empre i t e i ro e more no Bra s i l , é c l a ro ) :

você e s t á obrigado a paga r , po rque a l e i a s s im o de t e rmina pa ra

t odos c , s e você de scumpr i r , s abe que e s t á su j e i t o à s s anções

co r r e sponden t e s .

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO68 41

Page 42: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E DLSLNCANTAMINIO

Ass im , em busca de s eus ob j e t i vos e l evando cm cons ide ração a

ex i s t ênc i a da s no rmas — se j am e s sa s no rmas en t end ida s como a

condensação de expec t a t i va s r e c íp roca s ( convenção ) ou

como . impos i ções med i an t e s anção (d i r e i t o ) — o a to r soc i a l pode

de l i be r adamen te f a ze r pa r t e dc uma co l e t i v idade o r i en t ada de modo

comum po r e s t e s r e f e r enc i a i s . A e s t a co l e t i v idade Webe r dá o nome

de associação com fins. Os p róp r io s membros da a s soc i ação e s t i pu l am

os "ó rgãos" , o s " f i n s " , o s " e s t a tu to s " e o " apa ra to de coação" da

a s soc i ação . 'Com i s so , c ada " sóc io" con f i a que o s dema i s s e

compor t a r ão ( ap rox imadamen te ) con fo rme a s no rmas , e e s t a

expec t a t i va é l evada em cons ide ração na o r i en t ação de sua p róp r i a

condu t a . Se você fo r sóc io de um c lube " soc i a l " , de s se s com sauna

c p i s c ina cu jo s " f i n s " s ão a r e c r eação c o en t r e t en imen to , c s e você

i n s i s t i r cm en t r a r na água an t e s de t r a t a r aque l a s f r i e i r a s

ho r ro rosa s que i n f ec t am os dedos dos s eus pé s , a l ém dc s en t i r - s e

c i i l pado ou cu lpada po r con t amina r aque l a s men ina s t ão bon i t i nhas

OLI aque l e s r apaze s cha rmosos que nadam a l i , você e s t á su j e i t o à

su spensão e l e sua ca r t e i r i nha de sóc io . Nes sa s i t uação , a

p r e s supos i ção de cada um de que a não -obse rvânc i a da s no rmas

pode s e r pun ida com coações f í s i c a s ou p s íqu i ca s , r e fo r ça a c e r t e za

de que a con f i ança mú tua não s e r á decepc ionada .

Ocor r e , po rém, que uma a s soc i ação com f i n s , de f i n ida pe l a

ex i s t ênc i a de r eg ra s ge r a i s e de ó rgãos p róp r io s , quando

p l enamen te de senvo lv ida , não é uma fo rmação soc i a l e f êmera , ou

s e j a , mesmo r enóvando- se o s sóc io s a a s soc i ação pe rmanece , na

med ida em que a s r eg ra s e o s ó rgãos pe rmaneçam. Quando i s so

oco r r e , Webe r d i z que a s a s soc i ações humanas s e institucionalizam.

São i n s t i t u i çõe s soc i a i s , po r exemplo , a s f o rmas de comun idade

r e l i g io sa à s qua i s chamamos Ig r e j a ou a s fo rmas ma i s e s t ru tu r a i s

da v ida po l í t i c a en t r e o s homens , à s qua i s cos tumamos chamar

Es t aco .

A v ida comum em a s soc i ação pe rmi t e que s e j amos capazes de

p r eve r qua i s s e r ão o s pa s sos ma i s p rováve i s e l a s ou t r a s pe s soas ; e l a

t o rna o mundo que nos ce r ca , como j á comen te i , i n t e l i g íve l pa r a

nós . Quan to ma i s a s pe s soas a s s im i l am sub j e t i vamen te a

ob r iga to r i edade da s r eg ra s , ma i s a p r ev i s i b i l i dade aumen ta . E é só

quando a s pe s soas a ce i t am e s t e quad ro no rma t ivo que a

i n s t i t uc iona l i z ação s e comple t a .

De um c lube de a s soc i ados com sauna e p i s c ina você pode

e sco lhe r s a i r a qua lque r momen to , vende r s e t i t í t u l o de sóc io ou

s imp le smen te não f r eqüen t a r . Sé ) e s t á subme t ido à s r eg ra s na

med ida em q t i e op tou po r s e r sóc io . Po rém: , no ca se i e l a a s soc i ação

po l í t i c a ma i s ab rangen t e de t odas , que c o Es t ado , a s co i s a s s ão

d i f e r en t e s . A du rab i l i dade de s sa a s soc i ação a t r avé s da s ge r ações de

i nd iv íduos c a nece s s idade e l e e s t abe l ece r uma r egu l amen tação que

r ecob ra t oda a v ida soc i a l l a z com que o pe r t enc imen to a e l a não

s e j a vo lun t á r i o . Voce não e sco lhe s e r membro c io Es t ado b r a s i l e i ro ,

po r exemple i . Ch i co Bua rque , em Punido alio can t a : Deus é un i c a r a

gozado r , ado ra b r i ncade i r a , po i s p r a me bo t a r no mundo t i nha o

mundo i n t e i ro . Mas achou mu i to eng raçado me bo t a r c ab re i ro . Na

ba r r i ga c i a m i sé r i a , na sc i b r a s i l e i ro " . Sc a d iv ina p rov idênc i a o f e z

na sce r aqu i , meu amigo , não há e sco lha s : você pe r t ence ao Es t ado

b r a s i l e i ro , que r que i r a c ]uc r nãc~> , e e s t á au toma t i camen te su j e i t o

a t odas a s sua s r eg ra s , s em t e r s eque r o d i r e i t o de a l ega r i gno rânc i a

de l a s .

O bon i t o d i s so , o pon to impor t an t e que a soc io log i a c i e Webe r

nos pe rmi t e pensa r é que , embora a s co i s a s j á e s t i ve s sem p ron t a s

quando você na sceu e embora e s t e j a ob r igado a ag i r con fo rme e s t e

paco t e dc r eg ra s c ] i i e r egu l am a sua v ida , é p r ec i so cons ide ra r que

e s sa s r eg ra s fo r am c r i ada s po r i nd iv íduos ccamo vc^ce em t empos

pa s sados , c con t i nuam a s e r c r i ada s ; e t ambém que e l a s e s t ão a í

pa r a s e r em mudadas , e po r t an to , você t ambém pa r t i c i pa d i s so . Ve j a ,

não e s tou f a l ando sc'> c i a s l e i s , e l o s dec re to s , c l e s s e t i po dc r eg ra s .

Es tou f a l ando dc t odas a s r eg ra s . O Bra s i l f o i um

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO427 1

Page 43: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO E DESENCANTAMENIO

pa í s e s c r avoc ra t a a t é ou t ro d i a . Neg ros po r aqu i e r am va lo r i z ados

apenas enquan to i nves t imen to p r i vado de compra e venda , ou

enquan to i n sumo ag r í co l a . Ho j e , s e você chamar sua empregada de

"neg r inha" e mandá - l a en t r a r no p r éd io pe lo e l evado r de s e rv i ço

pode s e r ' p r e so com base na l e i que p ro íbe d i s c r im inação de r aça .

Es t e é um exemplo de ex t r ao rd iná r i a t r ans fo rmação , num cu r t í s s imo

l apso de t empo , não apenas na l e i , mas no modo como a soc i edade

vê a s r e l a ções en t r e a s r a ça s . A l i á s , a l e i ge r a lmen t e s e fundamen ta

num consenso soc i a l sob re e s s e s pon tos de v i s t a Compar t i l hados . E

embora t odos s a ibamos que o s neg ros con t i nuam a So f r e r

d i s c r im inação e con t i nuam a padece r po r con t a da exc lu são soc i a l

que o s s eg rega na marg ina l i dade econômica , é p r ec i so r econhece r

que a expec t a t i va de um t r a t amen to ma i s i gua l i t á r i o en t r e a s

pe s soas pa s sou a f i gu ra r nos c á l cu lo s dos a to r e s soc i a i s c a o r i en t a r

c r e scen t emen te sua condu t a , de c em anos pa t a c á .

H i s to r i c amen te , d i z Webe r , a s a s soc i ações po l í t i c a s humanas , e

o Es t ado em pa r t i cu l a r , pa s sa r am po r um p roces so de

i n s t i t uc iona l i z ação . Nes se p roce s so , a s r eg ra s fo r am se t o rnando

cada vez mais racionais, i s t o é , f o r am sendo f e i t a s com v i s t a s a f i n s

e spec í f i cos ( como a r eg ra s egundo a qua l o s neg ros não devem se r

d i s c r im inados apenas pe l a co r de sua pe l e ) e e s t abe l ecendo o s

me ios ma i s adequados pa r a l evá - l o s a c abo ( como a s pun i ções que

vão de mu l t a s em d inhe i ro a mese s de r e c lu são , que a l e i an t i -

r a c i smo p revê ) .

Ou s e j a , e s t a a s soc i ação ma i s ab rangen t e que é o Es t ado de t ém

um pode r de impos i ção . Ta l pode r s e ba se i a numa in f l uênc i a

e spec í f i c a — que Webe r chama de dominação — de homens

conc re to s sob re a " ação em a s soc i ação" de ou t ro s homens . Ta l

i n f l uênc i a , t a l * dominação , s e ba se i a , po r sua vez , en t r e ou t r a s

co i s a s , na pos s ib i l i dade de ap l i c ação dc uma coação ( f í s i c a ou

p s íqu i ca ) . Ag i r s egundo e s se s f i n s da a s soc i ação , que s ão

ga ran t i d

os pe l a

ap l i c a r ã

o da

coação ,

é ag i r

s egundo

um

i

4372 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

Page 44: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO E DESENCANTAMENIO

"consenso" . As pos s ib i l i dades de que e s se consenso s e j a de f a t o

pos to em prática na v ida soc i a l s e r ão t an to ma io re s quan to ma i s s e

pude r e spe ra r que o s i nd iv íduos que obedecem aos r egu l amen tos o

f a çam porque consideram obrigatória, t ambém sub j e t i vamen te , a

r e l a ção de dominação . Que r d i ze r , quando a s pe s soas obedecem à s

r eg ra s não apenas po rque t emem a pun i ção , c c i m bc n i po r e j u c

e s t ão convenc ida s da nece s s idade de obedece r , po rque

" i n t ro j e t a r am" a no rma , Webe r d i z que a dominação ba se i a - s e no

consenso da legitimidade.

O fundamen ta l aqu i , em suma , nao é o f a t o dos homens s e r em

coa° idos , mas s im o t a t o c i e ag i r em r ac iona lmen t e , c dc que e s t a

r a c iona l i dade o s f a z consen t i r em com a dominação a qua l e s t ão

su j e i t o s , pa r a que pos sam com i s so ganha r cond i ções dc

p r ev i s i b i l i dade com r e l ação à a ção c io s ou t ro s homens que e s t ão

t ambém su j e i t o s à mesma r e l ação de dominação e , cm deco r r ênc i a ,

pos sam

v ive r em

soc i edad

e . -

Ufa !

. . .

Tenho

que

r econhec

e r . Es se

c amarad

a , Max

Webe r ,

pensa

d i f í c i l . Mas cá en t r e nós , mesmo que você t enha que l e i ma i s uma

vez , não p r ec i s a de s i s t i r . Tenho ce r t e za de que o s en t i do ge ra l você é

c apaz de cap t a r . Segu re a s pon t a s só ma i s um pouco . Daqu i a a l guns

pa r ág ra fos , ga r an to que va i compensa r o i nves t imen to .

Desencan t a r o mundo

O e s t abe l ec imen to de uma o rdem soc i a l " com r e l ação a f i n s (que r

d i ze r , r a c iona l ) va i s e t o rnando en t ão cada vez ma i s amp lo . O

consenso a í cons t ru ído é ob t i do med i an t e r eg ra s e med i an t e coação , c

uma c r e scen t e t r ans fo rmação c i a s a s soc i ações em in s t i t u i çõe s

o rgan i zadas de mane i r a r a c iona l com r e l ação a f i n s s e ope ra na

soc i edade .

É e s t e o s en t i do h i s t ó r i co do p roce s so que Webe r chama de

racionalização.

4472 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

Page 45: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO E DESENCAN T AMI NIO 75-

A h i s t ó r i a humana , s egundo e l e , é um p roce s so de c r e scen t e

r a c iona l i z ação da v ida , de abandono da s concepções mág i ca s e

t r ad i c iona i s como ju s t i f i c a t i va s pa r a o compor t amen to dos homens

e pa r a a admin i s t r a ção soc i a l . Pode - se compreende r aqu i o s en t i do

de uma ou t r a t i po log i a mu i to conhec ida de Webe r , a da s formas de

dominação legítuna. Pa ra Webe r há t r ê s t i pos pu ros de dominação

l eg í t ima : a dominação tradicional, cu j a l eg i t im idade s e ba se i a na

t r ad i ção , a dominação carismática, cu j a l eg i t im idade s e ba se i a no

ca r i sma do l í de r , e a dominação racional-legal, cú j ã l eg i t im idade s c

ba se i a na l e i e na r a c iona l i dade ( adequação en t r e me ios c f i n s ) que

e s t á po r t r á s da l e i . Se a a s soc i ação e s t a t a l pa s sa po r um p roces so

de r a c iona l i z ação ( e t ambém de bu roc ra t i z ação , po rque pa ra f a ze r

cumpr i r a s r eg ra s r a c iona i s é nece s sá r i a uma bu roc rac i a c ada vez

ma i s complexa ) , a s f onv i a s de dominação no Oc iden t e c aminham,

t endenc i a lmen t e , pa r a o t i po r ac iona l - l cga l .

Pe" rmi t a -me r ecap i t u l a r o que fo i d i t o a t e aqu i , pa r a que você

en t enda me lho r a i dé i a dc r a c iona l i z ação c sua s imp l i cações pa r a a

soc io log i a da educação webe r i ana . D i f e r en t emen te da concepção

o rgan i c i s t a de Durkhe im e da concepção ma te r i a l i s t a de Marx , a

soc io log i a h i s t ó r i c a ' de Max Webe r pa r t e da ação e da interação dos

i nd iv íduos — na ba se da s qua i s e s t ão t ambém con jun to s de va lo r e s

compa r t i l hados — como cons t i t u t i va s da soc i edade . Quan to ma i s

complexas a s soc i edades , i s t o é , quan to ma io r sua racionalização,

a rgumen ta Webe r , ma io r o número de r egu l amen tos soc i a i s a s e r em

obedec idos . Quan to ma i s complexa a soc i edade , ma i s conflitiva

t ende a s e r a i n t e r ação en t r e o s i nd iv íduos e g rupos , uma vez que

ma io re s s e r ão a s " cons t e l ações de i n t e r e s se s " que s e con t r apõem e

ma io r t ambém a nece s s idade de r egu l amen tá - l o s . Ass im como em

Durkhe im , em Webe r a complex i f i c ação ge ra con f l i t o , o que po r

sua vez ge r a a nece s s idade da r eg ra . A r egu l amen tação ma i s

de senvo lv ida da s l u t a s em soc i edade apa / ece cm Webe r como um

apa ra to e spec i a l i z ado dc domín io , que é o Es t ado Mode rno . O

i ng re s so

dos i nd iv íduos ne s t a g r ande a s soc i ação , na qua l e s t ão ob r igados

a subme te r - s e ao pode r j á i n s t i t u ído , não é vo lun t á r i o , e a s r eg ra s

são f e i t a s , d i z e l e , po r me io da força, da impos i ção da von t ade

dc a lguns i nd iv íduos c g rupos sob re ou t ro s i nd iv íduos c g rupos .

Pa ra r e sumi r em poucas pa l av ra s : uns mandam, ou t ro s obedecem

e a e s s e p roce s so Webe r dc ( l o í i i / i i i i ç f fo . Pa i a l eg i t ima r - s e ,

i s t o c , pa r a ga r an t i r a a ce i t a ção dos comandados , a dominação s e

ba se i a ou na tradição, ou no carisma do l í de r ou na fo r ça do direito

racional. No ca so da t r ad i ção e do ca r i sma , a dominação s c exe rce

pe lo domín io dos l í de r e s sob re o s dominados , que obedecem po rque

fo r am educados (ou s e j a , compa r t i l ha r am de uma t r ad i ção ) ou po rc |

ue j u lgam que o l í de r t enha do t e s sob rena tu r a i s ( que Webe r chama

dc ca r i sma) . Mas no ú l t imo ca so , que é o da s soc i edades mode rnas

c complexas , a obed i ênc i a não é dev ida à f i gu ra do l í de r , mas à

pos i ção -que e l e ocupa no apa ra to dc dominação , dev idamen te

ga r an t i da po r uma legislação de ca r á t e r racional. O exe rc í c io da

au to r i dade r ac iona l depende dc um quad ro admin i s t r a t i vo

h i e r a rqu i zado e p ro f i s s i ona l , que s e c a r ac t e r i z a pe l a ex i s t ênc i a de

uma bu roc rac i a . E e s t e o s en t i do h i s t ó r i co do p roce s so que Webe r

chama e l e racionalização das soc i edades : uma c r e scen t e

t r ans fo rmação dos modos i n fo rma i s e t r ad i c iona i s de ex t r ação c l c

obed i ênc i a em in s t i t u i çõe s o rgan i zadas r a c iona lmen t e ,

impes soa lmen t e c l ega lmen t e pa r a a ob t enção de s t a obed i ênc i a .

Bem, aqu i vou l he da r a p r ime i r a d i ca a r e spe i t o da s

imp l i cações da pe r spec t i va de Webe r pa r a a soc io log i a da educação .

A educação pa ra Webe r , ao que me pa rece , é o modo pe lo q t i a l o s

homens — ou de t e rminados t i pos de homens em e spec i a l — sao

p r epa rados pa r a exe rce r a s f unções que a t r ans fo rmação causada

pe l a r a c iona l i z ação t i a v ida l he s co locou à d i spos i ção . Eu s e i que

e s tou d i zendo Lima co i s a mu i to gené r i c a . Mas você va i en t ende r .

A l óg i ca da r a c iona l i dade , da obed i ênc i a à l e i c do t r e i namen to

da s pe s soas pa r a admin i s t r a r a s t a r e f a s bu roc rá t i c a s do Es t ado fo i

ao s poucos s e d i s s eminando . Na fo rmação do Es t ado mode rno e do

45SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

Page 46: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO E DESENCAN T AMI NIO 75-

cap i t a l i smo mode rno , que s ão i n sepa ráve i s um do ou t ro , Webe r dá

e spec i a l a t enção a do i s a spec to s : de um l ado , a cons t i t u i ç ão de um

direito racional, um dos p i l a r e s do p roce s so de r a c iona l i z ação da

v ida , e de ou t ro , a cons t i t u i ç ão de un i a administração racional em

moldes burocráticos. O d i r e i t o r a c iona l o f e r ece a s ga r an t i a s

con t r a tua i s e a cod i f i c ação bá s i ca da s r e l a ções de t r oca -econômica

e t r oca po l í t i c a que su s t en t am o cap i t a l i smo e o Es t ado mode rnos ,

enquan to que o de senvo lv imen to da empre sa cap i t a l i s t a mode rna

o f e r ece o mode lo pa r a a cons t i t u i ç ão da empre sa de dominação

po l í t i c a p róp r i a do cap i t a l i smo , o Es t ado bu roc rá t i co .

E aqu i é que s e t o rna ma i s c l a ro o modo como Webe r pensa a

educação . A educação s i s t emá t i c a , ana l i s a e l e , pa s sou a s e r um

paco t e " de con t eúdos e de d i spos i ções vo l t ados pa r a o t r e i namen to

de i nd iv íduos que t i ve s sem de f a to cond i ções de ope ra r e s s a s novas

funções , de "p i l o t a r " o Es t ado , a s empre sa s e a p róp r i a po l í t i c a , de

um modo " r ac iona l " . Um dos e l emen tos e s s enc i a i s na cons t i t u i ç ão

do Es t ado mode rno c a f o rmação de uma admin i s t r a ção bu roc rá t i c a

em mo ldes r a c iona i s . Ta l p roce s so só oco r r eu de modo comple to no

Oc iden t e , onde houve a subs t i t u i ç ão pau l a t i na de um func iona l i smo

não e spec i a l i z ado e r eg ido po r o r i en t ações ma i s ou menos

d i s c r i c i oná r i a s ( não ba seadas em r eg ra s ) po r um func iona l i smo

e spec i f i c amen te t r e i nado e po l i t i c amen te o r i en t ado com base em

r egu l amen tos r a c iona i s .

Na expos i ção de Webe r , o Or i en t e apa rece como p ro tó t i po da

admin i s t r a ção i r r a c iona l . A Ch ina an t i ga apa rece de sc r i t a como um

mode lo de admin i s t r a ção em que hav i a , a c ima da camada da s

f amí l i a s , dos g r êmios e da s co rpo rações , uma pequena camada de

func ioná r io s , p s manda r in s . E l e s e r am l i t e r a to s de fo rmação

human í s t i c a i nd i cados pa r a o pos to , mas s em p repa ração e spec í f i c a

pa r a a admin i s t r a ção c s em conhec imen to da j u r i sp rudênc i a . Uma

vez que não davam impor t ânc i a à s r e a l i z ações po l í t i c a s , não

admin i s t r avam de f a to , f i c ando a ge s t ão e f e t i va em mãos de

aux i l i a r e s . Os manda r in s e r am t r ans f e r i dos de um luga r pa r a ou t ro ,

nunca a tuando em sua p rov ínc i a na t a l , e mu i t a s veze s

de sconhecendo o d i a l e to da l oca l i dade em c | ue a tuavam. Não

man t inham, po r t an to , con t a to com a popu l ação . Na p r á t i c a , t a i s

f unc ioná r io s não gove rnavam, apenas i n t e rv inham em ca so de

ag i t a ção ou i nc iden t e s de sag radáve i s . Na r ea l i dade , ne s se t i po de

admin i s t r a ção t udo r epousa na" concepção mág i ca de que a v i r t ude

do Impe rado r e dos func ioná r io s , ou s e j a , de que sua supe r io r i dade

cm ma té r i a l i t e r á r i a , ba s t a pa r a gove rna r . A co i s a é mu i to d i s t i n t a

no Es t ado r ac iona l , o ún i co cm que pode p rospe ra r o c ap i t a l i smo

mode rno . E l e s e funda na bu roc rac i a p ro f i s s i ona l e no d i r e i t o

r a c iona l .

O que i s t o t em a ve r com educação? Vou l he d i ze r ago ra .

T re ina r , em vez dc cu l t i va r o i n t e l e c to

Chegamos ao pon to : a r a c iona l i z ação c a bu roc ra t i z ação

a l t e r a r am r ad i ca lmen t e o s modos de educa r . E a l t e r a r am t ambém o

st atlisi o r econhec imen to c o a ce s so a bens ma t e r i a i s po r pa r t e dos

i nd iv íduos que s e subme tem à . educação s i s t emá t i c a . Educa r no

s en t i do da r ac iona l i z ação pa s sou a s e r f undamen ta l pa r a o Es t ado ,

po rque e l e p r ec i s a de um d i r e i t o r a c iona l e de uma bu roc rac i a

mon tada cm mo ldes r a c iona i s . Educa r no s en t i do da r ac iona l i z ação

t ambém pas sou a s e r f undamen ta l pa r a a empre sa cap i t a l i s t a , po i s

e l a s e pau t a pe l a l óg i ca do l uc ro , do cá l cu lo dc cus to s e bene f í c i o s ,

c p r ec i s a de p ro f i s s i ona i s t r e i nados pa r a i s so . Ma i s que

p ro f i s s i ona i s da empre sa ou da admin i s t r a ção púb l i c a , o

c ap i t a l i smo e o Es t ado cap i t a l i s t a f o r j a r am um novo homem: um

homem rac iona l , t endenc i a lmen t c l i v r e de concepções mág i ca s , pa r a

o qua l não ex i s t e ma i s l uga r r e s e rvado à obed i ênc i a

46SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

Page 47: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Sociedade, educaÇÃO E DESENCANTA MENTO

que não s e j a a obed i ênc i a ao d i r e i t o r a c iona l . Pa r a e s t e homem, o

mundo pe rdeu o encan t amen to . Não é ma i s o mundo do sob rena tu r a l

e dos de s ígn io s dc Deus ou dos Impe rado re s . É o mundo do impé r io

da l e i e da r a zão . Educa r num mundo a s s im , c e r t amen te não é o

mesmo que educa r an t e s de s sa g r ande t r ans fo rmação , p rovocada

pe lo adven to do cap i t a l i smo mode rno .

A educação , pa r a Webe r , não é ma i s , en t ão , a p r epa ração pa ra

que o membro do t odo o rgân i co ap renda sua pa r t e no

compor t amen to ha rmôn ico do o rgan i smo soc i a l , como p ropôs

Durkhe im . Nem é t ampouco v i s t a como pos s ib i l i dade de

emanc ipação com base na rup tu r a com a a l i enação , como p ropôs

Marx . E l a pa s sa a s e r , na med ida em que a soc i edade s e

r a c iona l i z a , h i s t o r i c amen te , um f a to r de e s t r a t i f i c ação soc i a l , um

me io de d i s t i nção , de ob t enção de hon ra s , de p r ebendas , de pode r c

dc d inhe i ro .

E aqu i chegamos ao ce rne da soc io log i a da educação de Webe r .

No mode lo i dea l webe r i ano a educação é , con fo rme o ca so ,

soc i a lmen t e d i r i g ida a t r ê s t i pos (dc novo o s t i pos ! ) de f i na l i dades :

despertar o ca r i sma , p r epa ra r o a l uno pa ra uma conduta de vida c

t r ansmi t i r conhecimento especializado.

O p r ime i ro t i po não cons t i t u i p rop r i amen te uma pedagog i a ,

uma vez que não s e ap l i c a a pe s soas no rma i s , comuns , mas apenas

àque l a s c apazes de r eve l a r qua l i dades mág i ca s ou dons he ró i cos .

Webe r r e f e r e - s e aqu i ao a sce t i smo mág ico an t i go e aos he ró i s

gue r r e i ro s da An t igü idade e do mundo med ieva l , que e r am

educados pa r a adqu i r i r uma "nova a lma" , no s en t i do an imi s t a ,

e po r t an to " r enasce r " . Num t ex to chamado Os letrados chineses,

Weber e s c r eve que o mago ou o he ró i v i s avam despe r t a r no

nov i ço sua capac idade cons ide rada i na t a , "um dom e l a g r aça

exc lu s ivamen te pe s soa l , ' po i s não s e pode ens ina r nem p repa ra r

pa ra o c a r i sma . Ou e l e çx i s t e in nuce ou é i n f i l t r ado a t r avé s de

um mi l ag re de r ena sc imen to mág i co — de ou t r a fo rma é imposs íve l

a l cançá - lo " . ^

, 1

Ao segundo t i po Webe r chama pedagogia do cultivo. Ela p rocu ra

fo rmar um t i po e l e homem que s e j a culto, onde o i dea l dc cu l t u r a

depende da camada soc i a l pa r a a qua l o i nd iv íduo e s t á s endo

p repa rado , e que imp l i ca em p repa rá - l o pa r a c e r t o s t i pos de

compor t amen to interior (ou s e j a , pa r a a r e f l ex iv i c l ade ) c exterior (ou

s e j a , um de t e rminado t i po de compor t amen to soc i a l ) . Ta l p rocesso

educac iona l a s sumia o a spec to de uma

"qua l i f i c ação cu l t u r a l " , no s en t i do de uma ed t i c ação ge ra l , e

de s t i nava - se , ao mesmo t empo , à compos i ção c i e de t e rminado g rupo

de status ( s ace rdo t e s , c ava l e i ro s , l e t r ados , i n t e l e c tua i s human i s t a s

e t c . ) c à compos i ção e lo apa ra to admin i s t r a t i vo t í p i co da s fo rmas

t r ad i c iona i s dc dominação po l í t i c a . E o c a so da Ch ina An t iga , onde

o s c and ida to s a ocupa r pos to s admin i s t r a t i vos e r am r ec ru t ados ,

como eu j á f r i s e i , po r sua s hab i l i dades human í s t i c a s , a t r avé s de

exames à s veze s m in i s t r ados pe lo p róp r io Impe rado r em pes soa .

Esc r eve Webe r , no mesmo t ex to c i t ado ac ima :

Os ch ine se s não comprovavam hab i l i t a ções e spec i a i s , como os

nos sos mode rnos c r a c iona i s exames bu roc rá t i cos pa r a j u r i s t a s ,

méd i cos , t é cn i cos . Nem comprovavam ( . . . ) a pos se e l e c a r i sma .

( . . . ) Os exames da Ch ina comprovavam sc a men t e e l o c and ida to

e s t ava embeb i e l a e l e l i t e r a tu r a e s e c i e pos su í a ou não o s modos

de pensa r adce ]ii; i e l o s a um homem cu l t o e r e su l t an t e s e l o

conhec imen to e l a l i t e r a tu r a .

Na Ch ina , a s s im q t i e ap rovado , o c and ida to , mesmo an t e s c i e s e r

empregado , pa s sava a l a ze r pa r t e e l e um e s t amen to p r i v i l eg i ado , um

g rupo dc pe s soas com d i r e i t o s e spec i a i s sob re a s ou t r a s , cu j a s

p r i nc ipa i s r ega l i a s e r am a i s enção no pagamen to dc impos to s , a

imun idade em r e l ação a pun i ções co rpo ra i s à s qua i s o homem

comum es t ava su j e i t o e a pe r cepção e l e uma r emune ração mone t á r i a .

F ina lmen t e , ao t e r ce i ro t i po e l e educação Webe r chama

pedagogia do treinamento. Com a r ac iona l i z ação c i a v ida soc i a l c a

c r e scen t e bu roc ra t i z ação c io apa ra to púb l i co c i e dominação

4778 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

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Sociedade, educaÇÃO E DESENCANTA MENTO

ífc ....■

4878 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃo

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SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E DESENCANTAMCNTO

í: 'SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO49 81

Page 50: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E DESENCANTAMCNTO

po l í t i c a e dos apa ra to s p róp r io s à s g r andes co rpo rações c ap i t a l i s t a s

p r i vadas , a educação de ixa pau l a t i namen te de t e r como me ta a

"qua l i dade da pos i ção do homem na v ida" — e no t e - s e que , pa r a

Webe r , e s t e . é o s en t i do p róp r io do t e rmo "educação" , enquan to

ba se dos s i s t emas de status — e to rna - s e c ada vez ma i s um preparo

especializado com o ob j e t i vo de t o rna r o i nd iv íduo um pe r i t o .

T ranspa rece no t ex to de Webe r sob re o s rumos e l a educação

uma ce r t a me l anco l i a , o mesmo t i po de c l ep re s são i n t e l e c tua l que

e l e exp r ime com r e l ação aos de scaminhos da l i be rdade humana - . s eb

o s de s ígn io s da e spec i a l i z ação , da bu roc ra t i z ação e da

r a c iona l i z ação da v ida . A inda ma i s que , a l ém de min imiza r uma

fo rmação human í s t i c a de ca r á t e r ma i s i n t eg ra l , a educação po r

a s s im d i ze r " r ac iona l i z ada" , que é a pedagog i a do t r e i namen to ,

con t i nua a s e r u sada como mecan i smo de a scensão soc i a l e de

ob t enção de status pr ivado .

Com o pe rdão da l onga c i t a ção , a cho impor t an t e r ep roduz i r

aqu i o -que Webe r d i z , num t ex to do i n í c io do s écu lo XX chamado

Burocracia, sob re o r e cuo da educação enquan to fo rmação do

homem, em f avo r de uma educação enquan to t r e i namen to

e spec i a l i z ado e pa r c i a l i z ado pa ra hab i l i t a r o i nd iv íduo a

de sempenha r c e r t a s t a r e f a s . Pe s s imi s t a que e r a , dc s eu pon to de

v i s t a o c ap i t a l i smo r eduz i a t udo , i nc lu s ive a educação , à me ra

busca po r r i queza ma t e r i a l c status.

O desenvo lv imen to do d ip loma un ive r s i t á r i o da s e s co l a s de

comerc io c engenha r i a , e o c l amor un ive r s a l pe l a c r i a ção dos

ce r t i f i c ados educac iona i s em todos o s c ampos l evam à

fo rmação dc uma camada p r i v i l eg i ada nos e s c r i t ó r i o s e

r epa r t i çõe s . Es se s c e r t i f i c ados apo i am a s p r e t ensões de s eus

po r t ado re s dc i n t e rma t r imôn ios com f amí l i a s no t áve i s ( nos

e s c r i t ó r i o s comerc i a i s a s pe s soas e spe ram na tu r a lmen t e a

p r e f e r enc i a em r e l ação à f i l ha do che fe ) , a s p r e t ensões dc

s e r em admi t i dos civt c í r cu lo s que s eguem "cód igos de hon ra " ,

p r e t ensões dc r emune ração " r e spe i t áve l " em vez da

r emune ração pe lo t r aba lho r ea l i z ado , p r e t ensões de p rog re s so

ga r an t i do G^ ,de pensões na ve lh i ce c , a c ima de t t i c l o ,

p r e t ensões de monopo l i z a i " c a rgos soc i a l e e conomicamen te

van t a jo sos . Quando ouv imos , de t odos o s l ados , a ex igênc i a de

uma adoção dc cu r r í cu lo s r eg t i l a r e s c exames e spec i a i s , a r a zão

pa ra i s so é , dece r t o , não uma " sede dc educação" su rg ida

sub i t amen te , mas o de se jo dc r e s t r i ng i r a o f e r t a de s sa s pos i ções

c dc sua monopo l i z ação pe lo s donos dos t í t u lo s educac iona i s .

Como a educação nece s sá r i a à aqu i s i ç ão do t í t u lo ex ige

de spesa s cons ide ráve i s e um pe r íodo de e spe ra de r emune ração

p l ena , c .S.SCI ÍIÍLD significa um recuo jktrci o talento (CILRISILIÍÍ) em

javor ila riqueza, po i s o s cus to s " i n t e l e c tua i s " dos c e r t i f i c ados de

educação s ão s empre ba ixos , c com o c r e scen t e vo lume de s se s

c e r t i f i c ados o s cus to s i n t e l e c tua i s não aumen tam, mas

dcc rc scem. ( . . . ) Po r t r á s de t odas a s d i s cus sões a t t i n i s sob re a s

ba se s do s i s t ema educac iona l , s e ocu l t a em a lgum a spec to ma i s

dec i s i vo a l u t a dos " e spec i a l i s t a s " con t r a -o t i po ma i s an t i go de

"homem cu l t o " . Es sa l u t a é de t e rminada pe l a expansão

i r r e s i s t í ve l da bu roc ra t i z ação de t odas a s r e l a ções púb l i c a s e

p r i vadas de au to r i dade e pe l a c r e scen t e impor t ânc i a dos pe r i t o s

e do conhec imen to e spec i a l i z ado . Es sa l u t a e s t á p r e sen t e cm

todas a s ques tõe s cu l t u r a i s í n t imas ( WEBER, Burocracia).

A d i f e r ença en t r e a pedagog i a do cu l t i vo c a pedagog i a do

t r e i namen to é pa r a Webe r a mesma d i f e r ença que ex i s t e en t r e a s

l o rmas t r ad i c iona i s e a s r a c iona i s - I ega i s de dominação , en t r e a s

f o rmas p r é - cap i t a l i s t a s e a s c ap i t a l i s t a s de economia .

Marx v i a no cap i t a l i smo a e s c r av i zaçao do s e r humano po r me io

da a l i enação do t r aba lho , e na educação a pos s ib i l i dade de rompe r

com e l a . Webe r v i a na pedagog i a do t r e i namen to , impos t a pe l a

r a c iona l i z ação da v ida , o f im da pos s ib i l i dade dc de senvo lve r o

t a l en to do s e r humano , cm nome da p r epa ração pa ra a ob t enção de

pode r c d inhe i ro . A r ac iona l i z ação c i nexo ráve l , i nvenc íve l , e a

educação e spec i a l i z ada , a l óg i ca c io t r e i namen to , pa r a Webe r ,

t ambém é . Pa ra e l e , não há nada que s e pos sa f a ze r a r e spe i t o .

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO50 81

Page 51: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

84 SOCIOLOGIA

OA EDUCAÇÃO jC A P Í T U L O V

Três visões sobre o processo educacional no século

XX

CREIO QUE VIMOS ACIMA OS FUNDAMENTOS mai s bá s i cos da t eo r i a

soc io lóg i ca c o modo pe lo qua l e l e s r e su l t a r am cm concepções

ana l í t i c a s d i f e r en t e s a p ropós i t o do p roce s so educac iona l , ou , a i nda ,

r e su l t a r am em p ropos i ções a r e spe i t o ' de como t a l p roce s so deve r i a

s e r , con fo rme a s f i na l i dades a que o s au to r e s s e p ropunham.

Nes t e b r eve cap í t u lo , gos t a r i a dc menc iona r , a i nda que de fo rma

mu i to r e sumida , t r ê s con t r i bu i ções impor t an t e s do s écu lo XX à

aná l i s e soc io lóg i ca em ge ra l c à soc io log i a da educação cm

pa r t i cu l a r .

A p r ime i r a c a do soc ió logo f r ancê s P i e r r e Bourd i eu , que r e toma

o pon to de v i s t a du rkhe imiano e o mesc l a a ou t r a s ve r t en t e s

i n t e l e c tua i s com o ob j e t i vo dc demons t r a r o pe so do " s i s t ema" sob re

a s p r á t i c a s educac iona i s . A s egunda é a do l í de r comun i s t a e

i n t e l e c tua l i t a l i ano An tôn io Gramsc i , que , a pa r t i r do marx i smo , nos

a j uda a pensa r a s c a r ac t e r í s t i c a s da l u t a pe lo pode r na s soc i edades

con t emporâneas e , t ambém, o quan to a educação e s t á r e l a c ionada a

e s s a l u t a . E f i na lmen t e a do soc ió logo húnga ro Ka r l Mar inhe i r a , que

aqu i menc iona remos apenas pe lo v i é s de sua r e tomada da aná l i s e

webe r i ana e da p ropos t a de um mode lo educac iona l que i nco rpo re a s

d i f e r en t e s pedagog i a s que Webe r i den t i f i c a .

Bourdieu c os esquemas reprodutores

Page 52: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

O pensamen to de Durkhe im se rv iu de ba se e o f e r eceu o s mé todos

fundamen ta i s pa r a a cons t rução de uma soc io log i a da

Page 53: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

84 SOCIOLOGIA OA EDUCAÇÃO j

educação mu i to i n f l uen t e ao l ongo do s écu lo XX. Um dos ma i s

impor t an t e s soc ió logos a ana l i s a r a educação con t emporânea J

sob a i n f l uênc i a do mode lo de Durkhe im é o t ambém f r ancês

P i e r r e Bourd i eu . * . . . .

Pa r a l eva r a c abo a amb ição de Durkhe im de un i f i c a r a s

c i ênc i a s humanas em to rno da soc io log i a , Bourd i eu i n t roduz iu

uma s ín t e se t eó r i c a en t r e o mode lo du rkhc imiano e o estruturalismo.

O es t ru tu r a l i smo s e conec t a à soc io log i a dc Durkhe im na med ida

em que p r e t ende de svenda r j u s t amen te o pe so da s e s t ru tu r a s

soc i a i s po r t r á s da s a ções dos su j e i t o s . Na ve rdade , t r a t a - s e aqu i

de uma ve r s ão ma i s r ad i ca l do mode lo de Durkhe im , que l eva j

à s ú l t imas conseqüênc i a s o pon to de pa r t i da s egundo o qua l o s

i nd iv íduos e s t ão subme t idos ao con t ro l e da s e s t ru tu r a s da

soc i edade .

Pa ra o e s t ru tu r a l i smo em ge ra l , e t ambém o de Bourd i eu na

p r ime i r a f a s e de sua p rodução , pub l i c ada po r vo l t a da década

de 19~60 , o s su j e i t o s soc i a i s s ão v i s t o s — pa ra s imp l i f i c a r a ques t ão . ' ;

— como uma e spéc i e de mar ione t e s da s e s t ru tu r a s dominan t e s .

Pa ra o soc ió logo f r ancê s , a t eo r i a du rkhe imiana e o e s t ru tu r a l i smo

pe rmi t em demons t r a r como os i nd iv íduos , em sua ação , apenas

reproduzem a s o r i en t ações de t e rminadas pe l a e s t ru tu r a soc i a l

v igen t e .

Segundo e l e , o s agen t e s soc i a i s , mesmo aque l e s que pensam

es t a r l i be r ados da s de t e rminações soc i a i s , s ão na ve rdade

mov idos po r , d igamos a s s im , fo r ça s ocu l t a s , que o s e s t imu lam a

ag i r , mesmo que não t enham consc i ênc i a d i s so . São e s sa s

"cond i ções ob j e t i va s " que o i nves t i gado r deve de svenda r , po i s

ne l a s é que r e s idem a s exp l i c ações . Os su j e i t o s da ação e s t ão

ausen t e s daque l e n íve l da soc i edade em que s ão ob j e t i vamen te

de t e rminadas a s sua s a ções . O su j e i t o de f a t o não ex i s t e . O que

chamamos de ação , pa r a Bourd i eu , é na verdade o processo pelo

qual as estruturas se reproduzem. O su j e i t o e s t á s imp le smen te

subme t ido aos de s ígn io s c i a soc i edade , f a z o que sua s e s t ru tu r a s T;

TRES VISÕES SOBRE O PROCESSO EDUCACIONAL NO SÍCULO X X • 85

de t e rminam, não s abe d i s so c a i nda é i l ud ido pe lo s d i s cu r sos

dominan t e s , que o f a zem pensa r que sua ação é r e su l t an t e dc

von t ade p róp r i a .

Em 1964 , Bourd i eu pub l i cou um l i v ro , em co l abo ração com

Jean -C laude Pas se ron , que p r e t end i a comba t e r uma i dé i a mu i to

comum na b r anca da época , s egundo a qua l o s e s t udan t e s e o me io

e s tudan t i l s e r i am uma c l a s se soc i a l à pa r t e na soc i edade . E s e r i am

r e sponsáve i s , em r azão dc sua j uven tude e de sua d i spos i ção pa ra a

a ção , pe l a l i de r ança da t r ans fo rmação soc i a l . Apenas qua t ro anos

depo i s , no cé l eb re mês de ma io de 1968 em Pa r i s , o s e s t udan t e s dc

f a t o s a i r i am à s rua s , cu lminando um p roces so de mob i l i z ação que

t e r i a um a l cance bem ma io r do que a c ap i t a l f r ance sa . Mas pa ra

Bourd i eu , em seu l i v ro , a exp l i c ação dos p roce s sos educac iona i s

r e a lmen t e impor t an t e s r e s i de cm ou t r a pa r t e . Nas e s t ru tu r a s , é

c l a ro . A i ron i a é q t i e o l i v ro s e rv iu como combus t í ve l , po r s eu

a spec to c r í t i co à s ba se s do s i s t ema de ens ino , pa r a e s s a s mesmas

r evo l t a s e s t udan t i s .

Nes t e l i v ro , chamado Os herdeiros, o s au to r e s a t a cam o d i s cu r so

dominan t e s egundo o qua l a conqu i s t a de uma "e sco l a pa r a t odos" ,

dc c a r á t e r i gua l i t á r i o , t o rna r i a pos s íve l a r e a l i z ação da s

po t enc i a l i dades humanas . E o f a zem co locando cm ev idênc i a o que a

i n s t i t u i ç ão e sco l a r d i s s imu la po r t r á s dc sua apa ren t e neu t r a l i dade ,

ou s e j a , j u s t amen te a r ep rodução da s r e l a ções soc i a i s e de pode r

v igen t e s . Encobe r to s sob a s apa rênc i a s de c r i t é r i o s pu ramen te

Page 54: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

e sco l a r e s , e s t ão c r i t é r i o s soc i a i s de t r i agem c dc s e l eção dos

i nd iv íduos pa r a ocupa r de t e rminados pos to s na v ida .

Ao mesmo t empo em q t i e expõem a l a ce ocu l t a do s i s t ema i

de ens ino , Bourd i eu e Pa s se ron negam qua lque r pos s ib i l i dade dc

rompe r com a s e s t ru tu r a s dc r ep rodução c a f i rmam que a s t eo r i a s

pedagóg i ca s na ve rdade s ão uma co r t i na de fumaça que p rocu ra

ocu l t a r o pode r r ep rodu to r do s i s t ema que e s t á na s mãos dos

educado re s . S imp le smen te não há s a ída : o s i s t ema de ens ino

Page 55: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

86 SoCIOLOClA DA

EDUCAÇÃCTUFS VISÕES SOIIRE O PROCLS.SO EDUCACIONAL NO SÍCUIO X X ■87

Page 56: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

UZ

f i l t r a o s a l unos s em que e l e s s e dêem con t a e , com i s so , r ep rodu a s

r e l a ções v igen t e s . Não há pos s ib i l i dade de mudança . A p róp r i a

r evo l t a e s t udan t i l , p a r a e l e s , não f az ma i s que r e fo r ça r o s i s t ema .

Po i s . e l a é abso rv ida e s e rve como ap rend i zado pa ra a s e s t ru tu r a s

me lho r s e compor t a r em no s en t i do de r ep roduz i r a s r e l a ções . A

r evo l t a con t r a a s no rmas v igen t e s c ap re sen t ada po r e l e s como um

r e fo rço da i n t e r i o r i z ação da p róp r i a no rma .

Em 1970, os au to r e s r e f i na r am suas i dé i a s , i nco rpo rando ma i s

s i s t ema t i c amen te a s con t r i bu i ções dc Marx c Webe r , a l ém dc

Durkhe ih í , e pub l i c a r am um novo l i v ro : A reprodução: Elementos para

uma teoria' do sistema de ensino: Sua t e s e c en t r a l ne s t a ob ra é a de que

toda ação pedagógica é, objetivamente, uma violência simbólica. O

conce i t o de "v io l ênc i a s imbó l i c a " de s igna pa r a e l e s uma impos i ção

a rb i t r á r i a que , no en t an to , é ap re sen t ada àque l e que so f r e a

v io l ênc i a de modo d i s s imu lado , que ocu l t a a s r e l a ções de fo r ça que

e s t ão na ba se de s eu pode r . A ação pedagóg i ca , po r t an to , é uma

v io l ênc i a s imbó l i c a po rque impõe , po r um pode r a rb i t r á r i o , um

de t e rminado arbitrário cultural. Di to de modo s imp l i f i c ado , e s s e

a rb i t r á r i o cu l t u r a l nada ma i s é do C] LI C íl concepção cu l t u r a l dos

g rupos c c l a s s e s dominan t e s , que é impos t a a t oda a soc i edade

a t r avé s do s i s t ema de ens ino . Es t a impos i ção , po rém, não apa rece

j ama i s em sua ve rdade i n t e i r a e a pedagog i a nunca s e r e a l i z a

enquan to pedagog i a , po i s l im i t a - s e à i ncu l cação de va lo r e s e

no rmas . Da í s e r p r ec i so , pa r a que a a ção pedagóg i ca s e e f e t i ve , uma

autoridade pedagógica, por pa r t e da s i n s t i t u i çõe s de ens ino . E l a é

nece s sá r i a pa r a que a i ncu l cação pos sa oco r r e r , sob a f a chada

d i s s imu lada de uma a l egada pedagog i a .

Enquan to impos i ção a rb i t r á r i a da cu l t u r a da s c l a s s e s e g rupos

dominan t e s , e na med ida em que p r e s supõe uma au to r i dade

pedagóg i ca , a a ção pedagóg i ca imp l i ca em a lgo que Bourd i eu e

Pa s se ron chamam de " t r aba lho pedagóg i co" , i s t o é , um t r aba lho de

i ncu l cação daque l e r e f e r i do " a rb i t r á r i o " que deve du ra

i r a r o ba s t an te pa r a que o educando "na tu r al i z e " s eu con t eúdo , enca re -o como na tu r a l , como ev iden temen te co r r e io em s i mesmo , obas t an te pa r a p roduz ir uma " fo rmação du ráve l" . Na med ida cmque o educando i n t e r i o ri z a o s p r i nc ípio s cu l t u r a is que l he s ãoimpos to s pe lo s i s t ema dc ens ino — de t a l modo que , mesmo

Page 57: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

84 SOCIOLOGIA OA EDUCAÇÃO jdepo i sdc t e rminada sua f a s e dc fo rmação e sco l a r, e l e o s t enhainco rpo rado aos seus p róp r io s va lo r e s e seja capaz LU: r ep roduz i -losna v ida e t r ansmi t i - l o s aos ou t ro s - Bourd ieu d i z que e l e adqu i reum habitus. Uma vez que o a rb i t r ár i o cu l t u r al a s e r impos to éinco rpo rado ao hab i t u s do p ro fe s so r , o t r aba lh

o pedagóg i co t endea r ep roduz i r a s mesmas cond i ções soc i a i s ( dc dominação dede t e rminados g rupos sob re ou t ro s ) que de r am o r igem àque l e sva lo r e s dominan t e s .' v " / •>

Ass im , t odo s i s t ema dc ens ino i n s t i t uc iona l i z ado v i s a em a lguma

med ida r ea l i z a r de modo o rgan i zado e s i s t emá t i co a i ncu l cação dos

va lo r e s dominan t e s c r ep roduz i r a s cond i ções dc dominação soc i a l

que e s t ão po r t r á s de sua ação pedagóg i ca . I s so exp l i c a a

de s igua ldade que e s t á na ba se do p roce s so de s e l eção e sco l a r . Os

au to r e s , va l endo - se de dados emp í r i cos , demons t r am que a s

" cond i ções c i e c l a s s e de o r i gem" dos a lunos que en t r am no s i s t ema

de ens ino f r ancê s de t e rminam t an to a p robab i l i dade de s t i c e s so de s se

a l uno quan to a p robab i l i dade de pa s sagem ao n íve l e s co l a r s egu in t e ,

quan to , a i nda , o t i po de e s t abe l ec imen to de ens ino ao qua l e l e t em

ace s so ( s e de me lho r OLI p io r qua l i dade ) . Ta l s i t uação s e r ep roduz , do

ens ino bá s i co ao méd io e ao supe r io r c de t e rmina t ambém, no f i na i

da s con t a s , a " cond i ção de c l a s s e dc chegada" de s t e a l uno , i s t o é , o

t i po de habitus que adqu i r i u , o " cap i t a l cu l t u r a l " ao qua l t eve ace s so

e , em e spec i a l , a pos i ção na h i e r a rqu i a e conômica e soc i a l a que

chegou .

Page 58: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

Bem, mas t a l vez s e j a o momen to de r e tomar a ques t ão que

co loque i no p r i nc íp io de s t e l i v ro : Se rá que a ba r r e i r a da dominação

soc i a l é i n t r anspon íve l ? Se rá que e s t amos condenados

Page 59: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

88 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

a r ep roduz i r as e s t ru tu r a s i nde f in idamen te? Gramsc i , do pon to de

v i s t a do marx i smo , e Mannhe im , do pon to de v i s t a da democ rac i a

l i be r a l , a chavam que não .

Gramsci e a reforma intelectual e moral

O comun i s t a i t a l i ano An tôn io Gramsc i (1891-1917) nunca

pub l i cpu um l i v ro em v ida . No en t an to , sua mi l i t ânc i a po l í t i c a

de sde a j uven tude de ixou como l egado vá r i o s a r t i gos em pe r iód i cos

de pa r t i dos po l í t i co s e na imprensa . De ixou t ambém, c i s so é o ma i s

impor t an t e , vá r i o s c ade rnos de no t a s manusc r i t a s du ran t e o pe r íodo

em que e s t eve p r e so , sob a gua rda do Es t ado f a sc i s t a i t a l i ano , à

época de Musso l i n i . Conhec idos como Cadernos do cárcere, e s se s

e s c r i t o s fo r am pub l i c ados após sua mor t e e r ep re sen t am, a t é ho j e ,

uma fon t e dc r e f l exão f i l o só f i c a , soc io lóg i ca e po l í t i c a ímpa r .

A impor t ânc i a da s i dé i a s de Gramsc i e s t á cm sua capac idade de

a tua l i z a r o pensamen to de i n sp i r ação marx i s t a , de modo a adequá - lo

à s c a r ac t e r í s t i c a s da s soc i edades cu topé i a s de ' c ap i t a l i smo

avançado da p r ime i r a me t ade do s écu lo XX. Seus conce i t o s

i novado re s vão no s en t i do de demons t r a r que a s concepções de

Marx r e f e r i am-se a soc i edades do s écu lo XIX e a s de Lên in , o

r evo luc ioná r io ru s so , a soc i edades ag rá r i a s , a t r a s adas e com

cap i t a l i smo pouco de senvo lv ido .

Sua p r ime i r a d i s t i nção po l í t i c a impor t an t e é en t r e Or i en t e e

Oc iden t e . E não s e t r a t a apenas de uma d i s t i nção geog rá f i c a en t r e

l e s t e e oe s t e . E l e en t ende po r Or i en t e aque l e s pa í s e s onde o Es t ado ,

a s e s t ru tu r a s po l í t i c a s , concen t r am todo o pode r e onde a soc i edade

c iv i l é f r a ca , pouco o rgan i zada , s em capac idade de con t r apo r - s e a

t a l pode r concen t r ado no Es t ado . O ún i co modo de l u t a r pe lo pode r

em t a l s i t uação é i nves t i r con t r a o Es t ado . No ca so dos comun i s t a s ,

t en t a r uma r evo lução a rmada , que de sa lo j a s se o s pode rosos e de s se

o pode r aos ope rá r i o s . Fo i i s so que Lên in f ez na Revolução Russa

dc 1917. Por Oc iden t e , ao con t r á r i o , e l e en t ende aque l e s pa í s e s cm

que a soc i edade c iv i l t em e s t ru tu r a , é mú l t i p l a , v i t a l , o rgan i zada c

t em cond i ções dc d iv id i r com o Es t ado c a s e s t ru tu r a s po l í t i c a s

i n s t i t uc iona i s a admin i s t r a ção da v ida soc i a l . Es sa s s ão a s

soc i edades de cap i t a l i smo ma i s avançado , com um mercado i n t e rno

fo r t e e com uma v ida po l í t i c a p lu r a l . Nes sa s cond i ções , e l e no t a que

o pode r não s e concen t r a t odo no Es t ado , COMO nas soc i edades ma i s

a t r a s adas . E l e e s t á d i l u ído en t r e o Es t ado e a soc i edade c iv i l . Não

e s t á num luga r só , e s t á cm mu i to s l uga re s ao mesmo t empo . Es t á no

gove rno , mas t ambém e s t á na s empre sa s , nos c l ubes , no mercado ,

nos pa r t i dos , na cu l t u r a , na s concepções de mundo que a s pe s soas

ve i cu l am.

Es t a pe r cepção pe rmi t e a Gramsc i uma v i s ão bem ma i s coe ren t e

e p r ec i s a da l u t a po l í t i c a no cap i t a l i smo con t emporâneo . De l a , e l e é

c apaz de conc lu i r q t i e , pa r a ob t e r pode r , a s c l a s s e s ou g rupos

po l í t i co s r evo luc ioná r io s não podem faze r LIMA po l í t i c a apenas de

i n su r r e i ção ou dc l u t a go lp i s t a con t r a o Es t ado . É preciso uma

revolução no cotidiano. E e s t a l i ç ão não s e l im i t a aos que p r e t endem

r evo luc iona r a soc i edade . E uma l i ç ão sob re a po l í t i c a c a soc i edade

em ge ra l . A po l í t i c a t em que s e r f e i t a na sociedade, deve r e f e r i r - s e a

t odos o s e spaços de pode r d i spon íve i s . A l u t a po l í t i c a não pode

l im i t a r - s e apenas a uma l u t a de pu ra fo r ça f í s i c a OLI dc pu ro pode r

e conômico . O Es t ado é fo r ça , coe rção , dominação , mas a soc i edade é

o e spaço do consenso, é o l uga r onde o s homens con f l i t am seus

i n t e r e s se s a t r avé s da persuasão. Não bas t a fo r ça , po r t an to . E p r ec i so

conqu i s t a r a consc i ênc i a da s pe s soas . Quem qu i s e r d i spu t a r o pode r

ne s sa soc i edade oc iden t a l , mode rna , complexa , t em que , no d i ze r de

Gramsc i , "ganha r a ba t a lha da s i dé i a s " .

Se é t ão impor t an t e a s s im o convenc imen to da s pe s soas na

soc i edade , den t ro da l u t a po l í t i c a , não ba s t a apenas e l im ina r a

exp lo ração econômica de uma c l a s se sob re ou t r a , e l im ina r a

ap rop r i ação p r i vada dos me ios de p rodução da r i queza ,

TRÊS VISÕES SOBRE O PROCESSO EDUCACIONAL NO SÉCULO X X 89

Page 60: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

88 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

TRÊS VISÕES SOBRE O PROCESSO EDUCACIONAL NO SÉCULO X X 89

Page 61: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

90 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO TKÍS VISÕES SOBRE O PROCESSO EDUCACIONAL NO SÉCULO X X 91

Page 62: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

como demons t r a r a Marx no s écu lo an t e r i o r . É p r ec i so t ambém lu t a r

con t r a a apropriação privada, ou elitista, do saber e da cultura. Com i s so ,

d i z e l e , a me t a s e r i a a caba r com a d iv i s ão en t r e i n t e l e c tua i s e '

p e s soas s imp le s " . E i s so é fundamen ta l po rque apenas aque l e que é

t i do como in t e l e c tua l ocupa o s pos to s da admin i s t r a ção do Es t ado ,

da v ida po l í t i c a c soc i a l em ge ra l , e po r t an to concen t r a ma i s pode r .

A e s t e p roce s so l en to e complexo de l u t a pe lo pode r po l í t i co

na s soc i edades complexas , Gramsc i chama de d i spu t a pe l a

hegemonia: Pa ra chega r ao pode r não ba s t a ganha r a e l e i ç ão ou da r

um go lpe dc Es t ado , d i z e l e . E p r ec i so , r ep i t o , ganha r a ba t a lha do

convenc imen to , ob t e r um consenso soc i a l em to rno de sua s

concepções . O pensado r f l o r en t i no N ico lo Maqu iave l l i no s écu lo

XVI, j á hav i a ens inado , cm sua cé l eb re ob ra chamada O príncipe, que

quando o sobe rano ob t ém seu pode r ma i s pe lo amor que o povo t em

a c i e do que pe lo medo que t em de sua fo r ça , a conqu i s t a é ma i s

du radou ra . E me lho r s e r amado que t emido , ens inou Maqu iave l l i . É

p r ec i so ma i s convenc imen to do que fo r ça , c p r ec i so s e r hegemônico,

con f i rma Gramsc i .

Ora , s e pa r a conqu i s t a r a hegemon ia po l í t i c a e i deo lóg i ca é

nece s sá r i o ganha r a ba t a lha da s i dé i a s " , ev iden t emen te o s

i n t e l e c tua i s de sempenham um pape l - chavc ne s se p roce s so . Po i s o s

i n t e l e c tua i s organizam a cultura. Ele s de f i nem os pa r âme t ro s pe lo s

qua i s o s homens concebem o mundo em que v ivem, vêem a d iv i s ão

de pode r e de r i queza de sua soc i edade , e t ambém de f inem se o s

homens pe r cebem como ju s t a ou INJLISTA e s sa s i t uação . E po r e s t a

r a zão que o p roce s so de e l im inação de t oda de s igua ldade e de t oda

i n ju s t i ç a , s egundo Gramsc i , pa s sa po r uma r e fo rma i n t e l e c tua l e

mora l " . Ao p róp r io pa r t i do po l í t i co mode rno , que é um dos . a t o r e s

p r i nc ipa i s de s sa l u t a , e l e chama de i n t e l e c tua l co l e t i vo" aque l e que

a tua no s en t i do dc r e fo rmar a s men t a l i dades , a s concepções de

mundo , e po r t an to , no s en t i do da conqu i s t a da hegemon ia .

Mas , no t e bem, na l u t a pe l a hegemon ia , i s t o é , na h i t a pe lo pode r ,

há obv i amen te o s que de se j am man te r a hegemon ia a tua l e o s que

de se j am uma nova hegemon ia . Es se s g rupos r ep re sen t am, é c l a ro , a s

d i f e r en t e s c l a s s e s c f r a ções de c l a s s e s soc i a i s em d i spu t a pe lo pode r

na soc i edade . Nos momen tos de d i spu t a ma i s a c i r r ada , t ende a oco r r e r

uma po l a r i z ação en t r e o s i n t e r e s se s dos que que rem conse rva r e os d l is

q u e q u e r e m m u d a r . Os do i s g rupos t r a çam a l i ança s i n t e rna s , c ada um de

um l ado do campo de ba t a lha . A cada um des se s ag rupamen tos de

c l a s s e s e f r a ções de c l a s s e em to rno dc i n t e r e s se s h i s t ó r i cos

de t e rminados Gramsc i chama dc b loco ou "b loco h i s t ó r i co" . Repa re

que no cap í t u lo 7 , que você va i l e r ma i s â f r en t e , o soc ió logo Michae l

App l e , au to r do cap í t u lo , u t i l i z a e s s e s conce i t o s de Gramsc i pa r a

ana l i s a r a educação a tua l . Va l e a pena , en t ão , c ap t a r e s s e s conce i t o s

ago ra , pa r a depo i s vê - l o s ope rando na aná l i s e .

Em suma , na l u t a pe l a hegemon ia , t an to a s c l a s s e s dominan t e s

quan to a s dominadas s e o rgan i zam em b locos , e c ada uma de l a s con t a

com seus p róp r io s i n t e l e c tua i s , cu j a s i dé i a s compe t em en t r e s i na

t en t a t i va dc o rgan i za r a cu l t u r a de LIMA dada época con fo rme s eus

i n t e r e s se s . Na ve rdade , Gramsc i cons t ró i uma t i po log i a dos

i n t e l e c tua i s . Pa r a e l e , há do i s t i pos p r i nc ipa i s . O p r ime i ro é o

intelectual orgânico, que su rge em l i gação d i r e t a com os i n t e r e s se s da

c l a s s e que a scende ao pode r . Su rge exa t amen te pa r a da r

homogene idade e coe rênc i a i n t e rna a concepção de mundo que

i n t e r e s sa a e s s a c l a s s e , ou s e j a , su rge pa r a da r consc i ênc i a a e l a . Á

bu rgues i a , a s c l a s s e s dominan t e s em ge ra l , pos suem seus i n t e l e c tua i s

o rgân i cos , c t i j a f unção é f a ze r com que t odos pensem com a cabeça

da c l a s s e dominan t e , i nc lu s ive e p r i nc ipa lmen t e o s dominados . Es t a é

a f on t e da pe r sua são , do convenc imen to , en f im , da hegemon ia da

c l a s s e bu rguesa . Do mesmo modo , o s dominados , a c l a s s e

t r aba lhado ra , pos suem seus i n t e l e c tua i s , cu jo ob j e t i vo 6 de senvo lve r

a concepção de uma contra-liegemonia. O segundo t i po de

Page 63: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

92 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO TRÊS VISÕES SOBRE O PROCESSO EDUCACIONAL NO SÉCUIO X X 93

Page 64: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

I i n t e l e c tua l c o intelectual tradicional, OU SCjcl, U111 £1

c l a s se de

in t e l e c tua i s que , em épocas pa s sadas , f o r am in t e l e c tua i s o rgân i cos

da s c l a s s e s que e r am en t ão dominan t e s . O exemplo c l á s s i co de s t e

t i po é o c l e ro , po i s o s pad t e s de r am coe rênc i a e . o rgan i c idade à

dominação da nob reza a r i s t oc r á t i c a , na época do f euda l i smo . Mas

a tua lmen t e , depo i s do de sapa rec imen to da c l a s s e a que e s t ava

l i gado , e s s e t i po t r ad i c iona l ' de i n t e l e c tua l con t i nua ag indo

po l i t i c amen te , dc modo i ndependen t e , numa d i r eção conse rvado ra ,

podendo v i r a t r a ça r a l i ança s com a s c l a s s e s dominan t e s no p r e sen t e .

A função dos do i s t i pos de i n t e l e c tua l , po r t an to , é a de s e r um

in s t rumen to de cons t rução e conso l i dação -de uma von t ade co l e t i va ,

dc un i consenso soc i a l em to rno da s i dé i a s po r e l e s ve i cu l adas , da s

concepções de mundo do b loco h i s t ó r i co ao qua l e s t ão l i gados , na

l u t a pe l a hegemon ia . Mas de onde vêm os i n t e l e c tua i s ?

Ganhou um p i ru l i t o quem d i s s e "da e sco l a " . S im , é c l a ro , o

i n t c l e c tua j é f o rmado na e sco l a . Que r d i ze r , pa r a v i r a s e r um d i a um

in t e l e c tua l o rgân i co ou um in t e l e c tua l t r ad i c iona l , c de sempenha r

funções de o rgan i zação da cu l t u r a , o i nd iv íduo p r ec i s a pa s sa r po r

uma fo rmação e sco l a r que l he dê un i a ce s so e spec i a l a e s t a cu l t u r a .

Da í que Gramse i t enha s e p r eocupado com a s c a r ac t e r í s t i c a s do

s i s t ema e sco l a r de s eu t empo .

Ao ana l i s a r o s i s t ema e sco l a r i t a l i ano de sua época , Gramse i

no t a uma ca r ac t e r í s t i c a mu i to pa r ec ida com a pe r ceb ida po r Webe r

na A lemanha , c que o hav i a l evado a uma d i s t i nção en t r e a

pedagog i a do cu l t i vo e a pedagog i a do t r e i namen to menc ionadas

a c ima . Gramse i obse rva que na soc i edade mode rna a c i ênc i a

m i s tu rou - se à v ida co t i d i ana de um modo nunca v i s t o an t e s — o que

d i r i a e l e s e v ive s se ho j e? — e a s a t i v idades p r á t i c a s ( a cons t rução

de ca sa s , a cu ra da s pe s soas , a admin i s t r a ção púb l i c a , e a t é mesmo

a s a r t e s ) t o rna ram-se a t i v idades complexas e e spec i a l i z adas . Em

v i s t a d i s so , e l e e s c r eve num dos cade rnos de no t a s do cá r ce r e ,

pub l i c ado com o t í t u lo de Os intelectuais e a organização da cultura, que

" t oda a t i v idade p r á t i c a t ende a c r i a r uma e sco l a pa r a o s p róp r io s

d i r i gen t e s e e spec i a l i s t a s c , conseqüen t emen te , t ende a c r i a r um

g rupo de i n t e l e c tua i s e spec i a l i s t a s de n íve l ma i s e l evado , que

ens inam nes sa s e s co l a s " . I s so ge r a um s i s t ema educac iona l h íb r i do .

Dc um l ado um t i po e e s co l a human i s t a , que da uma fo rmação

c l á s s i c a , de s t i nada a de senvo lve r em cada i nd iv íduo uma cu l i i i r n

ge r a l , de s t i nada a da r a c ada um, na s pa l av ra s de Gramse i , "o pode r

fundamen ta l de pensa r e de s abe r s e o r i en t a r na v ida" . Dc ou t ro l ado ,

su rg i r am a s d ive r s a s e s co l a s e spec i a l i z adas , vo l t ada s pa r a a

f o rmação e spec í f i c a dos d i f e r en t e s r amos p ro f i s s i ona i s , ou ba seadas

na nece s s idade dc ope rac iona l i z a r o s con t eúdos c i en t í f i co s . Sc você

pe rgun t a r a s eus pa i s ou avós sob re a e s t ru tu r a da e s co l a b r a s i l e i r a

no t empo de l e s , ve r á que e r a exa t amen te a mesma l óg i ca que p r e s id i a

a d iv i s ão en t r e o " c l á s s i co" e o " c i en t í f i co" , bem como a s epa ração

en t r e a e s co l a "no rma l " ( fo rmação pa ra o mag i s t é r i o ) , a e s co l a "de

comérc io" e a e s co l a " i ndus t r i a l " ( fo rmação t é cn i ca

p ro f i s s i ona l i z an t e ) . E i s so a inda no ens ino que ho j e co r r e sponde r i a

ao Ens ino Méd io , s em con t a r na tu r a lmen t e com o su rg imen to do

Ens ino Supe r io r no Bra s i l , cu j a s ba se s s e e s t ru tu r a r am a pa r t i r da

fundação da USP cm 1936 c s e d ive r s i f i c a r am com a eno rme

expansão do Ens ino Supe r io r p r i vado du ran t e o r eg ime mi l i t a r , na

década de 1970 . Bem, mas e s sa é uma ou t r a h i s t ó r i a .

O fundamen ta l em pe rcebe r e s s a d i s t i nção , pa r a Gramse i , é no t a r

que e l a t em um con t eúdo de c l a s s e . A fo rmação ge ra l que f acu l t a ao

i nd iv íduo fo rmar - s e em con t a to com a cu l t u r a human i s t a a cumulada

ao l ongo dos s écu lo s , f o rmar - s e como um ind iv íduo comple to , é

r e s e rvada aos f i l hos da s c l a s s e s dominan t e s e , po r t an to , à f o rmação

de s eus p róp r io s i n t e l e c tua i s o rgân i cos . Mas i s so não é t udo . O

p róp r io pe r f i l da fo rmação de s t e i n t e l e c tua l o rgân i co da s c l a s s e s

dominan t e s mudou , na med ida cm que o de senvo lv imen to i ndus t r i a l c

a u rban i zação o ex ig i r am.

Desenvo lveu - sc ao l ado da e sco l a c l á s s i c a (ba seada nos va lo r e s da

cu l t u r a g r eco - ronaana ) uma e sco l a t é cn i ca (p ro f i s s i ona l , mas não

manua l ) , que acabou po r sup l an t a r a c l á s s i c a , na med ida em que e r a

ma i s adequada à fo rmação dos i n t e l e c tua i s o rgân i cos da s c l a s s e s

dominan t e s .

Page 65: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

No mesmo t ex to c i t ado ac ima , Gramsc i a f i rma que

a t í ndênc i a ho j e é a de abo l i r qua lque r t i po de " e sco l a

de s in t e r e s sada" ■ (não imed i a t amen te i n t e r e s sada ) e

" fo rma t iva" , ou conse rva r de l a s t ão - somen te um r eduz ido

exempla r de s t i nado a uma pequena e l i t e de s enho re s c dc

mu lhe re s que não devem pensa r cm se p r epa ra r pa r a um fu tu ro

p ro f i s s i ona l , bem como a de d i fund i r c ada vez ma i s a s e s co l a s

p ro f i s s i ona i s e spec i a l i z adas , na s qua i s o de s t i no do a luno e sua

fu tu r a a t i v idade s ão p r ede t e rminados .

Gramsc i vê n i s so , a l ém do e l i t i smo e da exc lu são da s c l a s s e s

t r aba lhado ra s de uma fo rmação de qua l i dade , um ind í c io de ] que a

expansão do ens ino — neces sá r i a pa r a da r con t a da s novas

t e cno log i a s c dos avanços da c i ênc i a c da r a c iona l i dade — es t ava s e

dando dc um modo caó t i co , pouco o rgan i zado , s em que fo s sem

t r açadas po l í t i c a s o r i en t ado ra s . Nes se s en t i do , e l e t i nha sua p róp r i a

p ropos t a de po l í t i c a educac iona l , t i nha uma v i s ão ba s t an t e p r ec i s a de

como a nova e sco l a deve r i a s e r .

Pa ra e l e , r e cupe rando a pe r cepção de Marx d i s cu t i da ac ima e

amp l i ando -a , a nova e sco l a deve r i a s e r o rgan i zada do s egu in t e modo .

Em p r ime i ro l uga r , uma escola unitária, que co r r e sponde r i a aos n íve i s

do Ens ino Fundamen ta l e do Méd io , que t e r i a um ca rá t e r f o rma t ivo e

ob j e t i va r i a equ i l i b r a r de fo rma equân ime o de senvo lv imen to da

capac idade de t r aba lha r manua lmen te e o de senvo lv imen to da s

c apac idades do t r aba lho i n t e l e c tua l . A pa r t i r de s sa e s co l a ún i ca , e

i n t e rmed i ado po r uma o r i en t ação p ro f i s s i ona l , o a l uno pa s sa r i a a

uma e sco l a e spec i a l i z ada vo l t ada pa r a o t r aba lho p rodu t i vo^

Ta l e s co l a dc qua l i dade deve r i a s e r f undamen ta lmen t e púb l i c a ,

pa r a que fo s se ga r an t i do o ace s so de t odas a s c l a s s e s a e l a e pa r a

que o s i n t e r e s se s e conômicos imed i a to s não i n t e r f e r i s s em, s endo a

e s co l a p r i vada , na fo rmação dos a lunos .

F i ca c l a ro que a p r eocupação de Gramsc i é ab r i r a t odas a s

c l a s s e s , c não apenas à s dominan t e s , a c apac idade de formar s e i í . s

próprios mlclccliutis, po i s s e m i s s o a l u l a pe lo pode i í i e a ex t r emamen te

de sequ i l i b r ada na s soc i edades complexas . Se t odos não t i ve r em

ace s so a uma e sco l a que l he s pe rmi t a uma fo rmação cu l t u r a l bá s i ca ,

que pos sa s e r even tua lmen t e expand ida em segu ida , a "ba t a lha da s

i dé i a s " va i s e r s empre ganha pe l a s c l a s s e s dominan t e s .

Mannheim e a luz no fim do túnel

Fechemos en t ão o cap í t u lo com um comen tá r i o sob re um

pensado r do s écu lo XX, p r eocupado com a soc io log i a da educação ,

QLIC r e t oma a fo rmu lação de Webe r sob re o s t i pos de cck i cação ( a s

pedagog i a s do cu l t i vo c do t r e i namen to ) c dá a e l a a pe r spec t i va de

um p rog rama pa ra a mudança da educação .

O f i l ó so fo e soc ió logo l u inga ro -gc rmân ico -b r i t ân i co Ka r l

Mannhe im (1893 -1947) , f ug indo de ce r t o modo ao pe s s imi smo

webe r i ano , p ropõe que a soc io log i a s i r va de embasamen to t e cadeo

pa ra educado re s e educandos no ob j e t i vo de compreende rem a

s i t uação educac iona l mode rna . Mannhe im achava que o pensamen to

soc i a l não pode explicar a v i c i a humana , apenas expressá-la. O pape l

da t eo r i a , em sua op in i ão , é o de compreende r o que a s pe s soas

pensam sob re a soc i edade e não o c i e p ropo r exp l i c ações h ipo t é t i c a s

sob re e l a . No p l ano da s sua s p róp r i a s conv i cções pe s soa i s , e l e

de f end i a uma soc i edade que fo s se e s s enc i a lmen t e democ rá t i c a , un i a

democ rac i a c i e bem-es t a r soc i a l d i r i g ida pe lo p l ane j amen to r ac iona l

e , ve j a você , gove rnada po r c i en t i s t a s . Es t e de t a lhe pode a t é pa r ece r

exó t i co , mas a juda a en t ende rmos sua soc io log i a da educação .

Pa ra e l e , s e é ve rdade que a r a c iona l i z ação da v ida l evou a um

dec l í n io da educação vo l t ada pa r a a f o rmação do homem in t eg ra l ,

t ambém é ve rdade que -o a r e j amen to p romov ido pe l a democ ra t i z ação

da s r e l a ções soc i a i s pe rmi t i u o su rg imen to dc novas e spe ranças .

Embora o c ap i t a l i smo t enha ge rado de s igua ldades soc i a i s , o i n t e r e s se

dos j ovens da s c l a s s e s i n f e r i o r e s cm a scende r soc i a lmen t e à e l i t e , em

sua v i s ão , t r a z ao p roce s so educac iona l a s con t r i bu i ções cu l t u r a i s

da s d i f e r en t e s c amadas soc i a i s e a i n t e r comun icação en t r e e l a s .

Mannhe im pe rcebeu o s egu in t e : a soc io log i a f a z i a - s e c ada vez

ma i s impor t an t e , na mode rn idade , pa r a o e s t udo dos f enômenos

educac iona i s , j u s t amen te po rque a v ida ba seada na t r ad i ção e s t ava s e

e sgo t ando . Nas épocas h i s t ó r i c a s dominadas pe l a t r ad i ção (p r é -

cap i t a l i s t a ) a educação r e sumia - s e a a j uda r a c r i ança a a j u s t a r - s e à

o rdem soc i a l t r ad i c iona lmen t e e s t abe l ec ida . Va l endo - se da i n f l uênc i a

Page 66: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

da p s i caná l i s e , e l e obse rva que . t a l p roce s so e r a apenas dc

a s s im i l ação " i nconsc i en t e " , pe l a c r i ança , do mode lo da o rdem

v igen t e . Mas quan to ma i s a t r ad i ção ,'VAI s endo subs t i t u ída p ' é | a

r a c iona l i z ação da v ida , p rovocada pe l a conso l i dação da soc i edade

i ndus t r i a l , ma i s o s con t eúdos educac iona i s devem se r t r ansmi t i dos

num p roces so " consc i en t e " , cm que o educando s e ape rceba do me io

soc i a l em que v ive e da s mudanças pe l a s qua i s pa s sa .

Po r t an to , pa r a e s t e au to r , nem os ob j e t i vos do p roce s so

educac iona l nem a s me t a s que e l e v i s a podem se r conceb idos s em a

cons ide ração do con t ex to soc i a l , po i s e l e s s ão soc i a lmen t e

o r i en t ados . As pe rgun t a s que a soc io log i a ob r iga a f a ze r , l embra e l e ,

s ão po r t an to : Quem ens ina quem? ; Pa ra qua l soc i edade? ; Quando e

como ens ina?

Como não conco rdava com a i dé i a de que a t eo r i a pode ex i s t i r

apenas pe l a t eo r i a , apenas como t en t a t i va de ^exp l i c ação ,

Mannhe im ' achava que a soc io log i a pode r i a s e rv i r de ba se pa r a o

aprimorarnento da educação . Num de s eus ensa io s , chamado "O

fu tu ro" , pub l i c ado em sua Introdução à sociologia da educação, e l e

a f i rma : "Que remos compreende r nos so t empo , a s d i f i cu ldades de s t a

E ra c como a educação s ad i a pode con t r i bu i r pa r a a r egene ração da

soc i edade e do homem" . Regene ra r de quê? E o que s e r i a e s s a

" educação s ad i a "?

A r e spos t a à p r ime i r a ques t ão é : r egene ra r a soc i edade e o

homem dos e f e i t o s pe rve r sos que vêm embu t idos no p roce s so de

r a c iona l i z ação de t ec t ado po r Webe r . Mannhe im vê como luz no f im

do t úne l a pos s ib i l i dade de va l e r - s e da compreensão dos d i f e r en t e s

t i pos h i s t ó r i cos de educação , cons t ru ídos po r Webe r , pa r a a

mon tagem de uma pedagog i a que dê con t a de educa r o homem

mode rno s em a r r anca r - l he a s pos s ib i l i dades o f e r ec ida s po r uma

fo rmação ma i s i n t eg ra l .

Pa ra Mannhe im não há po r que pensa r que a pedagog i a do

cu l t i vo e s t á condenada à mor t e . E l e r e conhece que o s modos de v ida

i ncu t i dos po r e s t a educação , vo l t ada pa r a a cu l t u r a e a e rud i ção ,

e s t avam a s soc i ados ao pode r de ce r t a s c l a s s e s p r i v i l eg i adas "que

d i spunham de l a ze r e de ene rg i a exceden t e s pa r a cu l t i vá - l a " ; , e q t t c

t a i s c l a s s e s en t r a r am em dec l í n io com o LLESENVOLVIMENTO do

cap i t a l i smo c a a s censão da c l a s s e bu rguesa . E conco rda t ambém que

a educação e spec i a l i z ada de s in t eg ra a pe r sona l i dade c a c apac idade

de compreende r de modo ma i s comple to o mundo cm que s c v ive .

Mas a rgumen ta que a g r ande ques t ão educac iona l daque l a p r ime i r a

me t ade do s écu lo XX e ra j u s t amen te s abe r s e o s va lo r e s ve i cu l ados

po r e s t e t i po dc fo rmação s ão exc lu s iv idade de s sa s c l a s s e s oc io sa s

o t i s e podem se r t r ans f e r i dos em a lguma med ida à s c l a s s e s méd i a s c

aos t r aba lhado re s .

O e l emen to h i s t ó r i co dec i s i vo na abe r t u r a da s pos s ib i l i dades

dadas na soc i edade a tua l , na v i s ão de Mannhe im , é po l í t i co , ou s e j a ,

o advento da democracia moderna. E i s so r e sponde à s egunda ques t ão , a

r e spe i t o do que s e r i a e s s a soc i edade " s ad i a " .

Pa ra e l e ex i s t em t endênc i a s no s en t i do dc c r i a r pad rões me lho re s

de v ida . E l e apon t a o s mov imen tos da j uven tude como

Page 67: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

TKES VISÒLS SOBRE O 1 'ROCESSO rUUCACIONAI NO SÉCULO X X

■!

r e sponsáve i s pe lo de senvo lv imen to de um idea l de homem " s ince ro" ,

i n t e r e s sado numa r e l ação ma i s au t ên t i c a com a na tu r eza e com Os

ou t ro s ; apon t a a p s i caná l i s e como r e sponsáve l po r um novo pad rão de

v ida , com saúde men t a l , c apaz de de ixa r o homem l i v r e da s

r ep re s sões adqu i r i da s na fo rmação ; apon t a a t é mesmo o "novo

homem" fo r j ado na Ré i s s i a comun i s t a como um p ro tó t i po c i e

en tu s i a smo e L!C ded i cação à va l a comun i t á r i a . En f imr* pa ra

Mannhe im , a mode rn idade não t em apenas cus to s , ou ameaças à

l i be rdade . A mode rn idade t r a z t ambém e spe ranças e va lo r e s ^ soc i a i s

so l i dá r i o s , abe r t o s .

A p r i nc ipa l con t r i bu i ção de 1 t oda s a s que a mode rna democ rac i a é

c apaz de o f e r ece r é a pos s ib i l i dade de que t odas l ' à s c an i ádà / s

soc i a i s ' , ^ én f t á i f í J&fcór i í r i bü i r 1 eólia O proces so educac iona l . E a

soc io log i a é a d i s c ip l i na , cm sua v i s ão , c apaz de f a ze r a síntese des sa s

con t r i bu i ções . Po r i s so é t ão impor t an t e , pa r a e l e , que a soc io log i a

s i r va dc ba se à pedagog i a .

E l e exp l i c a t a l p roce s so do s egu in t e modo , no mesmo t ex to j á

c i t ado ac ima :

Em pe r íodos de e l evada cu l t u r a , hav i a equ i l í b r i o , cm pa r t e

consc i en t e , cm pa r t e i nconsc i en t e , en t r e a s con t r i bu i ções

p r e s t ada s pe lo s d i f e r en t e s g rupos à educação . Es se equ i l í b r i o

ba seava - se à s veze s na i dé i a de Lima h i e r a rqu i a de e s t amen tos

ou ca s t a s s epa radas , c ada uma da s qua i s ap re sen t ava sua

con t r i bu i ção cu l t u r a l p róp r i a em n íve i s d i f e r en t e s . ( . . . ) A

concepção democ rá t i c a a j un t a à i dé i a de s í n t e se a l i v r e

i n t e r comun icação en t r e a s c amadas soc i a i s c sua s con t r i bu i ções

cu l t u r a i s . Seu i n t e r e s se p r i nc ipa l r e s i de no ace s so , à s e l i t e s ,

dos membros t a l en to sos da s c l a s s e s i n f e r i o r e s , na i nvenção dc

mé todos adequados de seleção soc i a l , c no imped i r que a

soc i edade s e de t e r i o r e , conve r t i da em massa s não

d i f e r enc i adas .

Em suma , Mannhe im e r a um homem de s eu t empo , em busca de um

p rog rama de e s tudos cm soc io log i a da educação que pos s ib i l i t a s s e a

f o rmu lação de p ro j e to s educac iona i s que . amp l i a s s em o ho r i zon t e

do homem, que supe ra s se a s d iv i sõe s cm

b locos po l í t i co s c i deo lóg i cos , que não o s a t i s f az i am. E l e v iveu o

t e r r í ve l momen to da c r i s e e conômica dc 1929 , quando o cap i t a l i smo

da " l i v r e conco r r ênc i a " (o liiissez'jahe) en t rou em co l apso , e

v ivenc iou em segu ida a a s censão do naz i smo de E l i t l e r e sua s

conseqüênc i a s po l í t i c a s e mora i s na Segunda Gue r r a Mund ia l ( s a iu

da A lemanha e fo i pa r a a I ng l a t e r r a fug indo do naz i smo) . Ep i só i l i o s

d r amá t i cos da b i s t i a i a do .século X X que Webe r não chegou a

p r e senc i a r . Pa r a Webe r , a a s censão do mundo ba seado na r azão c na

l e i r a c iona l e r a um p roces so i ncon t ro l ávc l , mas pa r a Mannhe im a

expe r i ênc i a do naz i smo s ign i f i cou a vo l t a da i r r a c iona l i dade , c i a

c l e suman idac l e , da ba rbá r i e . So a democ rac i a pode r i a f a ze r su rg i r a

l uz no f im do t úne l . Pa r a e l e , a supe ração da s fo rmas a t r a s adas e

t r ad i c iona i s de educação pod i a s e r f on t e dc o t im i smo , s e t r a t ada a

pa r t i r da v i s ão democ rá t i c a que o mundo v iu na sce r no s egundo pós -

gue r r a , com a de r ro t a do naz i - í a s c i smo .

Es t amos v ivendo numa e r a de p l ane j amen to - e s c r eveu e l e no

t e x t o c i t ado ac ima - de s t i nada a encon t r a r nova fo rma de

coo rdenação , e s t amos v ivendo numa e r a e m que a s fo r ça s não só

da t r ad i ção , mas t ambém do i l umin i smo , s e de s in t eg ram,

e s t amos v ivendo numa e r a que ■ pa s sa c i o e s t ág io do p r edomín io

da s e l i t e s l im i t adas pa r a a democ rac i a de massa s , e s t amos

v ivendo numa e r a cu j a s fo r ça s não con t ro l adas p rovocam a

c l e suman ização e a de s in t eg ração da pe r sona l i dade . F ina lmen t e ,

a educação t e r á de s e r conceb ida como uma nova fo rma de

con t ro l e soc i a l , que não é nem a i ncu l ca do f a sc i smo nem a

comple t a ana rqu i a de uma po l í t i c a de t e r i o r ada do laissez-faire.

A ju lga r pe lo s de sdob ramen tos c i o c ap i t a l i smo mund ia l , depo i s

c i e 1945 e a t é o s anos 1970 , Mannhe im e s t ava ce r t o . A c r i s e

c ap i t a l i s t a dos anos 1970 , po rém, p rovocou o r e to rno da i deo log i a do

l i v r e -mercado , a s soc i ada a um pe r íodo c i e dec l í n io c i a l i be rdade e

da s e spe ranças , no qua l v ivemos ho j e . Ar r i squemos ago ra conhece r

9998 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Page 68: Sociologia da Educação AlbertoTosi Rodrigues

TKES VISÒLS SOBRE O 1 'ROCESSO rUUCACIONAI NO SÉCULO X X

um

pouco

ma i s

sob re a

educaçã

o no

d i a s que

co r r em.

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