sociedade mass media e direito penal

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REVISTA DA ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA Ano 4 - Número 1 - Janeiro/Junho - 2003

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Page 1: Sociedade Mass Media e Direito Penal

REVISTA DA

ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA

Ano 4 - Número 1 - Janeiro/Junho - 2003

Page 2: Sociedade Mass Media e Direito Penal

DiretorDESEMBARGADOR HÉLIO QUAGLIA BARBOSA

Vice-DiretorDESEMBARGADOR CARLOS AUGUSTO GUIMARÃES E SOUZA JÚNIOR

Comissão Editorial e Executiva da Revista JurídicaDESEMBARGADOR ANTONIO CARLOS MALHEIROS

DESEMBARGADOR CAIO EDUARDO CANGUÇU DE ALMEIDADESEMBARGADOR SIDNEI BENETI

DESEMBARGADOR ALBERTO SILVA FRANCODESEMBARGADOR FRANCISCO DE ASSIS VASCONCELOS PEREIRA DA SILVA

JUIZ KIOITSI CHICUTAJUIZ AROLDO MENDES VIOTTI

JUIZ ITAMAR GAINOJUÍZA CLÁUDIA GRIECO TABOSA PESSOA

JUIZ CARLOS DIAS MOTTAJUIZ FÁBIO GUIDI TABOSA PESSOA

DESEMBARGADOR SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBOex-coordenador da Revista - (in memorian)

Imprensa Oficial do EstadoDiretor-Presidente

HUBERT ALQUÉRES

Diretor Vice-PresidenteLUIZ CARLOS FRIGERIO

Diretor IndustrialTEIJI TOMIOKA

Diretor Financeiro e AdministrativoRICHARD VAINBERG

Page 3: Sociedade Mass Media e Direito Penal

REVISTA DAESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA

Revista da Escola Paulista da Magistratura, ano 4, nº 1, p. 1-208, janeiro/junho - 2003

Page 4: Sociedade Mass Media e Direito Penal

Revista da Escola Paulista da Magistratura / Escola Paulista da Magistratura.Ano I, (1993). São Paulo, SP: Escola Paulista da Magistratura: Imprensa Oficial do Estado

Semestral2001, v. 2 (1-2)2002, v. 3 (1- 2)2003, v. 4 (1-

1. Direito. I. Escola Paulista da Magistratura. II. Imprensa Oficial do Estado

Escola Paulista da MagistraturaRua da Consolação, 1.483

1º, 2º e 3ºandares01301-100 - São Paulo - SP

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SAC 0800-123 401

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Sumário

Apresentação......................................................................................................... 7

Pronúncia in dubio pro societateSérgio Marcos de Moraes Pitombo ........................................................ 9

Tributo a Sérgio Marcos de Moraes PitomboMaria Thereza Rocha de Assis Moura ................................................ 25

O direito de propriedade e o novo Código CivilVenicio Antonio de Paula Salles ......................................................... 37

Os reflexos do tempo no Direito Processual CivilFernando da Fonseca Gajardoni ........................................................ 59

Entraves jurídicos à realização da JustiçaNilson Naves .................................................................................... 81

O nome civil das pessoas naturaiscomo direito de personalidade

Wanderley José Federighi .................................................................... 93

Sociedade, mass media e Direito Penal: uma reflexãoVinicius de Toledo Piza Peluso ......................................................... 107

Responsabilidade civil do advogadoÊnio Santarelli Zuliani .................................................................. 123

Enunciados aprovados na Jornada de Direito CivilRuy Rosado .................................................................................... 177

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bre-se esta edição com um magnífico trabalho,de autoria do desembargador Sérgio Marcos deMoraes Pitombo, originariamente publicado na

revista Direito Criminal, volume 4 da Coleção Jus Ae-ternum. Republicando-o, por sua atualidade e certeza deque bem retrata o espírito inovador do seu notável autor,a Revista da Escola Paulista da Magistratura, fugindo,embora, de sua orientação, no sentido de publicar ape-nas trabalhos inéditos, ao mesmo tempo em que leva aseus leitores mais uma evidência da inteligência, da cul-tura e da sabedoria dele, está prestando, também, como-vida homenagem àquele grande magistrado e jurista deescol, recentemente falecido, e que, para orgulho de seuscolegas, integrantes da Comissão Editorial e Executiva,foi, com incomum eficiência, insuperável dedicação e ex-traordinário propósito de bem servir, seu admirávelcoordenador-geral.

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Apresentação

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Pronúnciain dubio pro societate

Sérgio Marcos de Moraes Pitombo

SUMÁRIO: 1. Objetivação do tema - 2. In dubio pro reo- 3. Suposta dúvida - 4. Falta de prova - 5. In dubio prosocietate - 6. Descabimento de o adágio in dubio prosocietate servir de base à decisão de pronúncia - 7. Con-fusão desnecessária entre suspeita e indício - 8. Tendênciados julgados - 9. Necessidade de repensar o tema.

1- Objetivação do tema

tema é mero aforismo — não um princípio de direito1 — in dubio prosocietate, como eventual fundamento da decisão interlocutória de pronún-cia, emergente no procedimento especial de Júri (art. 408, caput, do CPP).

Interessa, contudo, examinar o adágio in dubio pro reo, de início e por

1 A maioria dos autores considera que se trata de princípio o seu oposto: in dubio pro reo. Jorge de FigueiredoDias, por exemplo, entende que seja “um princípio geral do processo penal, pelo que a sua violação conformaautêntica questão-de-direito que cabe, como tal, na cognição do Supremo Tribunal de Justiça” (DireitoProcessual Penal, Coimbra: Coimbra Editora, 1974, v. 1, § 6º, princípio da prova, pp. 217-218). Ainda exempli-ficando, Luigi Ferrajoli diz: “E a atividade jurisdicional, na medida em que não é garantista, no sentido que sevem indicando, resulta, politicamente, ilegítima e se configura como resíduo de absolutismo. Para a carênciadeste tipo de legitimação, não cabem formas de integração, podendo se conceber, em suma, alguns corretivos,como a referência aos valores constitucionais, dos princípios de liberdade a de tutela dos sujeitos mais débeis;o princípio do favor rei e seu corolário in dubio pro reo; a exposição de todas as atividades jurisdicionais aocontrole público, por meio da máxima publicidade e o constante exercício, em sede científica e política, da críticaaos desvios judiciais” (Derecho y Razón: Teoría del Garantismo Penal, Madri: Editorial Trotta, 1995, p. 547).

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duplo motivo. Primeiro, deu ele origem a diversos ditos semelhantes, porexemplo: in dubio contra fiscum — ou in dubio pro fiscum —, in dubio prodisciplina, in dubio pro minoris, in dubio pro operario, in dubio pro matrimonio,in dubio pro debitores e outros. Segundo, os julgadores costumam contrapô-loao rifão in dubio pro societate.

2 - In dubio pro reo

In dubio pro reo significa, “na dúvida, a favor do réu”, ou “na dúvida,soluciona-se em favor do acusado”. Menciona-se, ainda, o “benefício da dúvi-da”, ao tratar-se de questão de fato. Benefício é favor, mercê, ou graça. O juiznão distribui favores, mas justiça. Emerge dição pouco feliz.

No Direito Romano, encontram-se expressões análogas: in dubio quodminimum est sequimur (D., XXVII, IV, 3), “na dúvida seguimos aquilo que émínimo”, e semper in dubiis benigniora proeferenda sunt (D., L, XVII, 56), “emcaso de dúvida sempre se deve preferir o mais benigno”. Não se acha, porém,a frase em comento nas fontes romanas clássicas.

Assegura-se que aparece no Baixo Império Romano e por influência docristianismo, mediante tardia interpolação em sentença de Paulo.2 Note-se quea cláusula se lançou em matéria referente à manumissão do escravo comum. Apassagem para o processo penal, possivelmente, sucedeu no século XIX.3

2 Ver M. Antonio de Dominicis, “Brev. Pauli Sententiarum IV, 12, § 5 e L’origine Romano-Cristiana del Principio InDubiis pro Reo; in Tema di Reforma della Formula Dubitativa”, em Archivio Penale 18, fasc. XI e XII, pp. 3-9,Roma, novembro-dezembro de 1962.

3 Assegurou Jorge de Figueiredo Dias: “O princípio, na formulação latina utilizada, foi cunhado por Stübel; mas eleconstitui um produto generalizado dos ‘processos reformados’ do séc. XIX...”. Anota que referido autor publicou“Das Criminalverfahren in den Deutschen Gerichten III”, em 1811 (Direito Processual..., cit., p. 213 e nota 72).Ao cuidar da prova, no processo criminal, Joaquim José Caetano Pereira e Sousa, aludindo à certeza moral,certificava: “é fundada na evidência moral. Tal é a que temos de um fato, que muitas testemunhas fidedignasatestam terem presenciado. Os tribunais criminais contentam-se com a certeza moral para imporem a penaordinária. Ela pode definir-se o estado do nosso ânimo seguro da verdade de uma proposição, que respeita àexistência de um fato, que não vimos. Essa certeza moral só pode provir da prova perfeita; isto é, aquela queexclui a possibilidade da inocência do réu (Brissot, ‘Theorie des Lois Criminelles’, tom. 2, p. 91). Sem certezamoral (diz Filangieri, ‘Scienza della Legislazione’, 1.3, p. 2, c. 12), a condenação será sempre uma injustiça, aexecução, uma violência” (Primeiras Linhas sobre o Processo Criminal, 4ª ed., Lisboa: Impr. Régia, 1831, nº 301,p. 120). José Antonio Pimenta Bueno, seguindo a mesma linha, afirma: “A prova é o ato ou atos, ou antes omeio jurídico ou moral pelo qual se certificam ou convencem os juízes da veracidade dos fatos: é uma parte muitoessencial do processo, e especialmente do crime, porque a presunção natural é a da inocência (Per. e Sz. nºs301 a 303); e tanto que na colisão de provas ou na dúvida a absolvição deve por certo prevalecer: ‘in’ AmbiguisHumaniorem Sentatiam, Non Minus Justius est Quam Tutius” (Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasilei-ro, 2ª ed., Rio de Janeiro: Empr. Nac. do Diário, 1857, § 239, p. 147).

SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO

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O aforismo in dubio pro reo guarda por destinatário o juiz e situa-se nateoria processual da prova.4

Recorde-se: objeto da prova judicial — em regra — são os fatos e suascircunstâncias, e que tocam à imputação objetiva e subjetiva. Assim, só ospertinentes e os relevantes importam evidenciar, na instrução criminal.

Anote-se, julgados conflitantes jamais mostram dúvida, tão-só entendi-mentos diversos. Vacilação, quanto à interpretação, ou à aplicação da lei, nãose resolve com a parêmia in dubio pro reo.5

3 - Suposta dúvida

A dúvida que se analisa não surge como método de procura da verdadeprocessual atingível ou possível. Menos, também, como ponto de partidapara a pesquisa processual espontânea, ou atividade do juiz, supletiva da inér-cia, da acusação ou da defesa, quanto à iniciativa da prova. É — o suposto —estado de irresolução transitório, em que se encontra o magistrado, quantoaos fatos: thema probandi.

A dúvida há de emergir insuperável e respeitante ao fato ou circunstân-cias relevantes, bem como a autoria, co-autoria e participação. A incerteza —ou pretensa hesitação — desponta qual resultado das provas, que se contradi-zem, em qualidade e quantidade.

O que se soluciona mediante o senso comum não produz dúvida ponde-rável.6

4 Assertou Julio B. J. Meir que é máxima principal de valoração da prova (Derecho Procesal Penal Argentino,Buenos Aires: E. Hammurabi, 1989, t. 1, v. a, § 2, p. 118).

5 Observou Manuel Gonçalves Cavaleiro Ferreira: “O princípio — in dubio pro reo — respeita ao direito probatório.A presunção de inocência do argüido implica que, sendo incerta a prova, se não use de um critério formal comoo resultante do ônus legal da prova para decidir da condenação do réu, a qual terá sempre de assentar na certezados fatos probandos. Mas não há que interpretar as leis em sentido favorável ao réu. Trata-se de mero equívocoestender um princípio relativo à prova, à matéria de interpretação. O Código Penal bavário de 1813 continha umadisposição que permitia a punição pelo crime menos grave, quando se não provava qualquer dos crimes que emalternativa se pudesse assegurar que o réu cometera, embora não se obtivesse a prova de todos os elementosconstitutivos essenciais de qualquer dos crimes em alternativa. Tal disposição veio a ser renovada pela legislaçãoalemã de 1946 e o problema, sob a influência da doutrina alemã, veio a ser discutido noutros países. A questãonão respeita também à matéria de interpretação, mas somente ao direito probatório. Na Alemanha, a disposiçãolegal que fomentou a discussão encontra-se revogada. Entre nós, e quanto ao Código bávaro, pronunciara-sejá Silva Ferrão, condenando a disposição desse Código e considerando-o contrário à doutrina do Direito português.A opinião de Silva Ferrão é de manter. Só a prova de todos os elementos constitutivos essenciais de uma infraçãopermite a sua punição. Mas é esse um problema de direito probatório em processo penal, e não uma regra deinterpretação da lei penal” (Direito Penal Português: Parte Geral, 2ª ed., Lisboa: E. Verbo, 1982, v. I, § 48, p. 111).

6 Daí a assertiva: “§ 220. O homem sensato não tem certas dúvidas” (WITTGENSTEIN, Ludwig. Da Certeza, ed.bilíngüe, Lisboa: Ed. 70, 1998, p. 69).

PRONÚNCIA IN DUBIO PRO SOCIETADE

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4 - Falta de prova

A persuasão racional, na apreciação da prova — o juiz deve decidir con-forme o alegado e provado: secundum allegata et probata partinum —, mostrao engano do aforismo.

Se irrompem provas equivalentes, em sentido contrário; se, por isso, nãoconvencem, inexiste dúvida, mas certeza da falta de prova. Vale assentar: se oselementos de convicção falham, ao surgirem antitéticos, a acusação, assim,não suportou o ônus respectivo. Cabe, então, absolver o acusado.

Repita-se: ele termina absolvido não por motivo de dúvida, porém, emrazão da falta de provas para condenar.7 A indeterminação do fato e/ou daautoria exibe o fracasso da pesquisa da verdade possível, ou atingível.

Em resumo: in dubio pro reo consiste em falsa parêmia,8 ou deve acabarentendida como simples fenômeno, nascente no racional convencimento, deapuração, ou verificação, de falta de prova. Admissão judicial, pois, de que nãorestou demonstrado o fato, em que se fundou a acusação formal, ou sua autoria,gerando a absolvição. Não se ostenta como princípio, tirante a idéia — a sermelhor debatida — de que se cuide de princípio político. Daí porque se assente,no Código Tipo de Processo Penal, para a América Latina: “A dúvida favorece oimputado” (Livro I, Disposições Gerais, Título I, Princípios básicos, nº 3, in fine).

7 Santiago Sentís Melendo afirmou: “Mas não se trata de dúvida, senão de outro fenômeno: falta de provas.Quando se diz in dubio pro reo, se está dizendo que, à falta de provas, há que se absolver o réu; e isso parecenão necessitar justificação. O juiz não duvida, quando absolve. Está, firmemente, seguro; tem a plena certeza.De quê? De que lhe faltam provas para condenar. Se é no sumário, tão pouco duvida: acha-se seguro de quelhe faltam os elementos probatórios exigidos, para processar, ou para encarcerar. Não se trata de favor,somente, de justiça” (In Dubio Pro Reo, Buenos Aires: EJEA, 1971, pp. 158-159).

8 Ponderou Roberto de Ruggiero: “1) Na escolástica antiga e na prática do povo, foi-se formando um pouco noar uma série de brocardos ou aforismos jurídicos, que são repetidos pelos práticos a todo momento e retidoscomo expressões de regras fixas e princípios absolutos. Toda a teoria da interpretação se resume assim, paraalguns, no uso dessas máximas, arrancadas freqüentemente à lógica e a maior parte das vezes adotadasabsolutamente fora de propósito. Soam como outros tantos provérbios da sapiência jurídica (por exemplo: ‘ubieadem legis ratio, ibi eadem dispositio’, ‘cessante ratione legis cessat et ipsa lex’, ‘ubi lex non distinguit, necnos distinguere debemus’, ‘inclusio unius exclusio alterius’, ‘in eo quod plus est semper inest et minus’ etc.), esão por vezes o mais perigoso instrumento nas mãos do juiz, desde que seja pouco experimentado na difícil artede interpretar. Têm, na verdade, a aparência de princípios gerais e absolutos e, pelo contrário, não há um únicoque não seja falso como máxima geral: parecem as mais das vezes contraditórios e antitéticos, visto que em facede um, que afirma dada regra, é sempre possível encontrar um segundo que contenha regra oposta; têm cadaum deles um campo de aplicação com limites próprios, fora dos quais vigora a regra oposta, mas não exprimemquais sejam esses limites. Ora, um grande número de erros cometidos na aplicação dos textos da lei tem a suacausa direta e imediata no abuso que todos os dias os juízes e advogados fazem destes aforismos que, comofoi dito, são todos eles falsos na sua generalidade” (Instituições de Direito Civil: Introdução e Parte Geral, trad.Ary dos Santos, 3ª ed. revista e adaptada por Antonio Chaves e Fábio Maria de Mattia, São Paulo: Saraiva,1971, v. I, § 17, pp. 119-120).

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5 - In dubio pro societate

É fácil, na seqüência, perceber que a expressão in dubio pro societate nãoexibe o menor sentido técnico. Em tema de direito probatório, afirmar-se “nadúvida, em favor da sociedade” consiste em absurdo lógico-jurídico. Veja-se:em face da contingente dúvida, sem remédio, no tocante à prova — ou me-lhor, imaginada incerteza — decide-se em prol da sociedade. Dizendo deoutro modo: se o acusador não conseguiu comprovar o fato, constitutivo dodireito afirmado, posto que conflitante despontou a prova, então se solucionaa seu favor, por absurdo. Ainda porque não provou ele o alegado, em face doacusado, deve decidir-se contra o último. Ao talante, por mercê judicial ovencido vence, a pretexto de que se favorece a sociedade: in dubio contra reum.9

Só o exagerado positivismo jurídico — quase desaparecido — pode tole-rar o sério mal-entendido. O fenômeno processual mantém-se: a acusaçãonão suportou o onus probandi.

Subjacente à assertiva in dubio pro societate acha-se o vedado procedimen-to de ofício e a quebra da denominada presunção de inocência (arts. 5 º, inc.LVII, e 129, inc I, da Constituição da República).

6 - Descabimento de o adágio in dubio pro societate6 - servir de base à decisão de pronúncia

Sem prova suficiente, não se há de decretar prisão cautelar, em princípio(arts. 311 e 312, do CPP). Sem prova bastante, não se pode acusar, de modoformal (arts. 43 e 648, inc. I, do CPP). Sem prova da existência material, decrime doloso contra a vida — praticado ou tentado (art. 5º, inc. XXXVIII) daConstituição da república e art. 83 da Constituição do Estado de São Paulo c/c art. 78, § 1º, do CPP) —, mais indícios de que o imputado seja o seu autore algum elemento, dizente com a culpabilidade, não se profere ato decisóriode pronúncia (art. 408, caput, do CPP).

9 Cristina Líbano Monteiro, analisando a expressão in dubio pro societate, observou: “Outra solução valorativa,teoricamente possível, traduz-se em resolver a dúvida insanável sobre os fatos num sentido contra reum ou prosocietate: na incerteza sobre a culpa real do argüido, dever-se-iam privilegiar os interesses de defesa social,sacrificando ao bem coletivo a eventual inocência de singular. O in dubio pro reo enfermaria de individualismoà outrance, com o qual não pactuaram doutrina como a nacional-socialista, sistemas de corte soviético ou, antesde qualquer deles, escolas como a positivista italiana” (Perigosidade de Inimputáveis e “in Dubio pro Reo”,Coimbra: Universidade de Coimbra, Studia Juridica, Coimbra Editora, 1997, p. 47).

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PRONÚNCIA IN DUBIO PRO SOCIETADE

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No procedimento especial do Júri, a fase do sumário de culpa, tambémdenominada juízo de acusação, finda com a decisão interlocutória de pronún-cia (art. 408 do CPP), sentença terminativa de impronúncia (art. 409 doCPP) e sentença definitiva de absolvição sumária (art. 411 do CPP). Semesquecer a divisão interlocutória de desclassificação, com declinação da com-petência (art. 410 do CPP).

No ato decisório de pronúncia, admite-se a acusação formal. Assim,permitindo a abertura da segunda fase do procedimento: juízo da causa.Ele acaba em sentença de mérito, após o julgamento em plenário (arts. 492e 493 do CPP).10

O juiz, para pronunciar, necessita “se convencer — por via dos meios deprova — da existência do crime e de indícios de que o réu seja seu autor”, e apon-tando “os motivos de seu convencimento” (art. 408, caput, do CPP).

Se os meios de prova, ao término da formação da culpa, despontam con-flitantes, a acusação mal suportou o ônus de demonstrar que: (a) o fato con-creto exibe-se ilícito e típico; (b) estão presentes, ao menos, indícios veemen-tes11 de autoria — indícios, pois, acrescidos no juízo de acusação —; e (c)

10 Ao se aceitar que a ação penal de conhecimento, de natureza condenatória, se ostenta como o escudo, oanteparo, a proteção do acusado, contra eventual arbítrio estatal, na imposição da pena, ou da medida desegurança, melhor o entendimento de Vicente Greco Filho. Ponderou: “É comum dizer-se que a função dapronúncia é a de remeter o réu a Júri. Mas rejeitamos, terminantemente, essa impostação. A função da fase depronúncia é, exatamente, a contrária. Em outras palavras, a função do juiz togado, na fase de pronúncia, é ade evitar que alguém que não mereça ser condenado possa sê-lo em virtude do julgamento soberano, emdecisão, quiçá, de vingança pessoal ou social. Ou seja, cabe ao juiz na fase de pronúncia excluir do julgamentopopular aquele que não deva sofrer a repressão penal. Usando expressões populares, pode-se dizer quecompete ao juiz evitar que um inocente seja jogado ‘às feras’, correndo o risco de ser condenado, ou que o Júripode fazer uma injustiça absolvendo, não podendo fazer uma injustiça ao condenar. A pronúncia, portanto, atuacomo uma garantia da liberdade, evitando que alguém seja condenado e não o mereça” (“Questões polêmicassobre a pronúncia”, Tribunal do Júri: Estudos sobre a mais Democrática Instituição Jurídica Brasileira, In: TUCCI,Rogério Lauria (coord.), São Paulo: RT, 1999, pp. 118-119).

11 Lemos Brito, anotando o artigo 14, caput, do Decreto-lei nº 167, de 5 de janeiro de 1938, advertiu: “Para queautorizem a pronúncia de um cidadão, os indícios devem ser, para aproveitar a lição do Código francês, graves,preciosos e concordantes. A lei brasileira exigia que esses indícios fossem veementes, isto é, que fizesseminduzir de modo claro a que alguém foi o autor de um ato incriminado. Conferir ao juiz o poder de pronunciaralguém por leves indícios, com os vexames de ordem material e moral que a pronúncia acarreta, lançando-lheo nome no rol dos culpados e expondo-o a execração pública, seria conferir-lhe um poder ditatorial, e a pior dasditaduras, escreveu Rui Barbosa, seria a Judiciária, porque é proibido discutir os arestos dos juízes e tribunaise porque os atos mais arbitrários teriam a presunção de legalidade. (...) Indícios veementes, pois, e não simplesindícios, porque isto constituiria a entrega de uma arma perigosíssima ao juiz e faria continuadamente pericli-tantes a liberdade e a honra do cidadão. Se conjecturas arriscadas, a dúvida, a suspeita, a possibilidade, nãobastam para a pronúncia, ensina Bento de Faria, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, pronúncia quesó é decretada, embora, por indícios veementes, porém quando a existência do crime e o conhecimento dodelito estejam plenamente provados, com a maior razão tais presunções ou indícios não bastam para acondenação, que somente em provas, irrefragáveis, deve assentar” (“Arbítrio judicial e pronúncia”, RevistaForense, Rio de Janeiro, v. LXXVI, fasc. 424, pp. 156-157, out. 1938, grifo nosso). No mesmo sentido, opinou

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irrompe alguma prova — conforme a razão — da culpabilidade do imputa-do. Ficou-se, portanto, no que, tão-só, bastava para acusar, incoando o proce-dimento especial.

Ora, a única solução técnico-jurídica cabente acha-se na impronúncia,que abriga os casos de não-convencimento, por motivo das provas obtidas ouproduzidas (art. 409 do CPP). Vale renitir: aflorando provas em sentido con-trário – uma não desmentindo, ou infirmando a outra, inobstante opostas - ,tal sucesso implica falta de prova, causando hipótese de impronúncia. Jamaisseria, pois, de pronunciar-se o acusado, em base do adágio in dubio pro socie-tate, mais fictício de que seu inverso, ou adverso, porque fora de toda razão eproporção.

7 - Confusão desnecessária entre suspeita e indício

Desnecessária confusão tem-se feito, ainda, entre os conceitos de suspei-ta e indício, nos julgados.

O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, julgando o HabeasCorpus nº 686.061/130, de São Paulo, a 18 de junho de 1991, relator min.Celso de Melo, decidiu: “Ementa – Habeas corpus – Júri – Pronúncia – Limitesa que juízes e tribunais estão sujeitos – Excesso configurado – Ordem deferida. Osjuízes e tribunais devem submeter-se, quando praticam o ato culminante do ‘judiciumaccusationis’ (pronúncia), à dupla exigência de sobriedade e de comedimento no usoda linguagem, sob pena de ilegítima influência sobre o ânimo e a vontade dosmembros integrantes do Conselho de Sentença. Age ‘ultra vires’, e excede os limitesde sua competência legal, o órgão judiciário que, caracterizando a natureza dasentença de pronúncia, converte-a, de um mero juízo fundado de suspeita, em uminadmissível juízo de certeza.” No correr do acórdão, assertou-se: “A leitura doacórdão ora questionado evidencia o tribunal apontado como coator descaracterizoua pronúncia, convertendo-a, de um mero juízo fundado de suspeita, em um inad-missível juízo de certeza. Daí, o correto pronunciamento desta Corte (RT 523/486,rel. min. Leitão de Abreu), no sentido de que à sentença de pronúncia, como decisão

Margatinos Torres (Processo Penal do Júri no Brasil, Rio de Janeiro: Jacintho, 1939, pp. 187-197). Hoje ensinaRogério Lauria Tucci: “É de ser observado, a respeito, que, diferentemente da legislação nacional precedente,mencionado dispositivo — art. 408, caput — refere-se, tão-só, a indícios, sem qualquer adjetivação. Todavia,eles não podem deixar de ser veementes, como anota Ary Azevedo Franco, reportando-se à ensinança deLemos Brito...” (“Tribunal do Júri: origem, evolução, características e perspectivas”, Tribunal do Júri, cit., p. 40).

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PRONÚNCIA IN DUBIO PRO SOCIETADE

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sobre admissibilidade da acusação, constitui juízo fundado de suspeita, não o juízode certeza que se exige para a condenação.”

Tal compreensão levou a que se afirmasse vigorar, na fase da pronúncia, orefrão in dubio pro societate, porque irrompe mero juízo de suspeita e jamais decerteza.

Suspeita desponta na investigação e na instrução preliminar, ou prepara-tória, seja inquérito policial, seja outra qualquer forma aceita no direito brasi-leiro. É raro emergir suspeita, na fase judicial, da persecutio criminis. Exsurgin-do, porém, não a escora, ou ampara, em nada.

O suspeito, sobre o qual se reuniu prova da autoria da infração, tem queser indiciado. Já aquele que, contra si, possui frágeis indícios, ou outro meiode provas esgarçado, não pode ser indiciado. Mantém-se ele como é: suspeito.

A mera suspeita não vai além da conjetura, fundada em entendimentodesfavorável a respeito de alguém. As suspeitas, por si sós, não são mais quesombras, não possuem estrutura para dar corpo à prova da autoria. Nadaaproveitam para a instrução criminal, apenas importam à simples investiga-ção policial.

Suspeita-se de pessoas, de coisas, de fatos. Suspeita-se com vistas às cir-cunstâncias. O suspeitador olha do alto, conjetura, desconfia, possui leveopinião subjetiva a respeito do objeto. Suspeitar é, supondo, tachar de duvi-dosa a pessoa, a coisa, ou o fato.

Diferem as figuras do suspeito e do indiciado. Existem dois juízos, quan-to à autoria, na fase procedimental da persecutio criminis, a saber: do possível edo provável.

Juízo possível consiste naquele que, logicamente, não é contraditório —entenda-se, não auto-contraditório. Inexistem motivos fortes pró ou contra.Emerge neutral, assim: é possível que o homem seja homicida, mas é possívelque não seja. Aflora como suspeito.

Juízo provável é o verossímil. Aproxima-se da verdade, sem, necessaria-mente, ser verdadeiro. Parte de razões robustas, porém ainda não decisivas.Não bastante suficientes, senão para imputar. Surge aneutral, assim: é prová-vel que o homem seja homicida, por causa dos meios de prova colhidos ouproduzidos, mas talvez não seja. Deve, portanto, ser indiciado.

Indiciado, assim, é aquele sobre quem recaiam, no correr do inquéritopolicial, os indícios, ou outros meios de prova, bastantes para acusá-lo em

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Juízo, de haver perpetrado infração penal, cuja existência se acha, suficien-temente, evidenciada.

Há graus diferentes de incriminação: suspeito, indiciado, acusado, pro-nunciado e condenado. Ostentam estágios evolutivos de aproximação — quese compreendem teoréticos — da verdade processual, ou atingível.12

Os indícios, que se mostraram suficientes para basear a denúncia e aqueixa subsidiária, precisam crescer, no juízo de acusação — salvo se aflora-ram veementes, de logo —, para ensejar ato decisório de pronúncia.

A ninguém deve levar-se a julgamento em base de simples suspeita deautoria, co-autoria ou participação. A decisão de pronúncia nunca poderiaarrimar-se em suspeita (art. 408, caput, do CPP). Não tem pertinência comessa categoria jurídica.

8 - Tendência dos julgados

A tendência dos julgados merece surgir apontada. Em muito contrariaao que se vem asserindo.

A Primeira Turma, do Supremo Tribunal Federal, em 23 de abril de1996, ao julgar o Habeas Corpus nº 73.512-6, do Rio de Janeiro, sendorelator min. Ilmar Galvão, assentou: “Ementa: Habeas corpus. Pronúncia. Mo-tivação. Alegada falta de justa causa para submissão do paciente ao Tribunal doJúri. O acórdão atacado, ao submeter o paciente ao seu juiz natural, descreveuconduta típica. Mas não seria de exigir-se, notadamente em face do que dispõe oart. 408 do Código de Processo Penal, o primado do in dubio pro societate e aprópria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a pronún-cia deve evitar converter um mero juízo fundado de suspeita, que a caracteriza,num inadmissível juízo de certeza, onde haveria inquestionável prejuízo à compe-tência constitucional do Tribunal do Júri para apreciar a questão de mérito (HC68.606, rel. min. Celso de Mello).” Notável o passo do venerando aresto: “Ésabido que qualquer dúvida que paire quanto à autoria do crime deve ser resolvidapelo Tribunal do Júri.”

12 Ver, sobre a regra da verdade material, nosso: “O juiz penal e a pesquisa da verdade material”, Processo Penale Constituição Federal, in: PORTO, Hermínio Alberto Marques; SILVA, Marco Antônio Marques da (coords.), SãoPaulo: Acadêmica, 1993, pp. 72-77.

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No Habeas Corpus nº 8.292, de Goiás (REG 98.94051-0), relator min.Vicente Leal, julgado em 15 de abril de 1999, decidiu-se: “Processual Penal.Habeas corpus. Pronúncia. Juízo de Admissibilidade. Qualificadoras. CPP, art.408. Exclusão. Hipótese. Excesso de prazo. Conclusão do Sumário. Súmula nº 52/STJ. Segundo a moldura legal do art. 408, do Código de Processo Penal, asentença de pronúncia consubstancia mero juízo de admissibilidade da acusação,em que se exige apenas o convencimento da prova material do crime e da presençade indícios de autoria. Se a denúncia imputa ao réu crime de homicídio qualifi-cado, na sentença de pronúncia o juiz monocrático somente pode excluir circuns-tância qualificante se esta, a luz da prova condensada no sumário, for manifes-tamente improcedente, pois havendo incerteza sobre a situação de fato, deve o temaser reservado ao Tribunal do Júri, que é o juiz natural competente para o julga-mento dos crimes dolosos contra a vida, ex vi do art. 5º, XXXVIII, da Constitui-ção. Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação e constrangimentopor excesso de prazo (Súmula 52/STJ). Habeas corpus denegado.” No veneran-do acórdão, pode-se ler: “Havendo, no entanto, dúvida sobre a situação de fatoque consubstancia a qualificante, deve prevalecer o princípio do in dubio prosocietate. O enfrentamento da questão deve ser realizado pelo Tribunal do Júri,que é o Juiz natural competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida,ex vi do art. 5º, XXXVIII, da Constituição.” Assim, substituindo o convenci-mento racional pelo julgamento de consciência, o jurado decide segundo suaíntima convicção, como sabem todos (art. 464 do CPP).

No Recurso Especial nº 192.049, do Distrito Federal (98.0076411-9),julgado em 16 de março de 1999, a Quinta Turma, relator min. Félix Fischer,dentre outras questões, solucionou: “Penal e Processual Penal. Recurso Espe-cial. Tempestividade. Prequestionamento. Súmula nº 400/STF. Júri. Homicídioqualificado e lesão corporal seguida de morte. Pronúncia. Desclassificação. Reva-lorização e Reexame do Material cognitivo. IV – A decisão, na fase da pronúncia,aprecia a admissibilidade, ou não, da acusação, não se confundindo com odenominado iudicium causae.VI – Na fase da pronúncia (iudiciumaccusationis), reconhecida a materialidade do delito, qualquer questionamentoou ambigüidade faz incidir a regra do brocardo in dubio pro societate.”

Ainda no Recurso Especial nº 152. 988, de Goiás (REG 97/0076218-1), julgado em 24 de novembro de 1998, a Sexta Turma, relator min. An-selmo Santiago, decidiu: “Resp. Pronúncia que admite o homicídio qualificado,tal como disposto na denúncia. Tribunal que excluiu uma delas, quebra do prin-cípio do in dubio pro societate, aplicável nessa fase. 1. Na fase da pronúncia

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segundo a doutrina e jurisprudência, havendo dúvida, resolve-se a mesma peloprincípio in dubio pro societate. 2. Só mesmo em casos especialíssimos, quandoa qualificadora ficar claramente afastada, posto que sem qualquer apoio nosautos, é que se deve subtraí-la do seu juízo natural, o Tribunal Popular, circuns-tância inobservada no caso em tela. 3. Recurso conhecido e provido.” Nota-se nojulgado: “Ora, nas circunstâncias em que os fatos ocorreram, onde a vítima foiencontrada carbonizada dentro de seu veículo, não se pode subtrair ao TribunalPopular a decisão sobre se o óbito decorreu de emprego de fogo, ou não. A questão deveser solvida pelo velho aforismo latino — in dubio pro societate — consoante adoutrina e jurisprudência...”.

No Recurso Especial nº 115.601, do Rio Grande do Sul (96.0076756-4), julgado em 10 de março de 1998, a Sexta Turma, sendo relator min.Anselmo Santiago, ementou: “Recurso Especial. Réu pronunciado por homicí-dio qualificado. Tribunal local que o despronuncia, baseado na dúvida de que oóbito da vítima teria ou não resultado de um crime. Basta, contudo, mero juízode probabilidade. Aplicação, nessa fase, do provérbio in dubio pro societate. I– Para a pronúncia, basta o mero juízo de probabilidade de que tenha havidoum crime, à vista dos indícios de autoria e materialidade. Desnecessária a certe-za de sua ocorrência, o que se reserva para a decisão definitiva do Júri. II –Nessa fase, há de se aplicar o provérbio in dubio pro societate e não in dubiopro reo, para que não se abstraia o acusado de seu juízo natural: o TribunalPopular. Precedentes do STF e STJ. III – Recurso conhecido, restabelecida adecisão de primeiro grau.”

No Recurso Especial nº 115.324, do Paraná (REG 96.0076299-6),julgado em 9 de junho de 1997, a Sexta Turma, relator min. Vicente Leal,exsurgiu a seguinte ementa: “Processual Penal. Pronúncia. Juízo de admissibi-lidade de acusação: existência material do fato criminoso e indícios de autoria.Inexigência de certeza quanto à autoria. In dubio pro societate. Segundo amoldura legal do art. 408, do Código de Processo Penal, a sentença de pronúnciaconsubstancia mero juízo de admissibilidade da acusação, em que se exige apenaso convencimento da prova material do crime e da presença de indícios de autoria,sendo descabido que se demonstre, nesse édito judicial, de modo incontroverso,quem seja o autor do delito. Nos crimes dolosos contra a vida, o juízo de certezasobre a autoria, imprescindível apenas para a condenação, é da competênciaexclusiva do Tribunal do Júri, seu juízo natural, sendo vedado ao juízo singular,ao proferir a sentença de pronúncia, fazer longas incursões sobre a prova deautoria, susceptíveis de influenciar o corpo de jurados, sendo certo que, nessa fase

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do processo, despreza-se a clássica idéia do in dubio pro reo, sobrelevando oprincípio do in dubio pro societate. Recurso especial conhecido e provido.” E dizo venerando acórdão: “Ora, em tema de pronúncia, despreza-se a clássica idéiado in dubio pro reo, sobrelevando o princípio do in dubio pro societate.”

Nos Tribunais de Justiça das unidades federativas, conserva-se a mesmaorientação:13

1 – “A decisão de pronúncia é de mera admissibilidade do Juízo, em queimpera o princípio do in dubio pro societate, ou seja, que, em caso dedúvida, esta deve ser dirimida pelo Conselho de Sentença, juiz naturalda causa” (TJSP, Rec., rel. Linneu Carvalho, RT 729/545).

2 – “Homicídio. O despacho de pronúncia, sendo meramente declarató-rio, faz ocorrer inversão da regra procedimental do in dubio pro reopara in dubio pro societate, em razão de que somente diante de provainequívoca é que deve o réu ser subtraído de seu juiz natural: o Júri”(TJSP, Rec., rel. Reynaldo Alves, RT 619/340).

3 – “Na pronúncia, há inversão da regra procedimental in dubio proreo para a in dubio pro societate, de sorte que somente diante de provainequívoca pode o réu ser subtraído do julgamento de seu juiz natural,que é o Júri” (TJSP, rel. Nélson Schiavi, RT 605/304).

4 – “Não há como sustentar uma impronúncia fundamentada no bro-cardo in dubio pro reo. É que nessa fase processual há inversão daquelaregra procedimental para a do in dubio pro societate em razão de quesomente diante de prova inequívoca é que deve o réu ser subtraído aojulgamento pelo Júri, seu juízo natural” (TJSP, Rec., rel. DiwaldoSampaio, RT 587/296).

5 – “A dubiedade de prova não beneficia a réu na fase de pronúncia”(TJRJ, Rec., rel. Décio Itabaiana, RT 583/422).

13 Todos os arestos, em seguida referidos, extraíram-se de FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (coords.), Códigode Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, São Paulo: RT, 1999, v.2, p. 2.466. Outros arestosencontram-se colecionados por PEREIRA, José Ruy Borges, Tribunal do Júri: Crimes Dolosos Contra a Vida, SãoPaulo: Saraiva, 1993, na seqüência ao artigo 408, nºs 050/20, 30, 80, 87, 95, 117, 126 e 052/101, pp. 203-215e 233.

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6 – “A sentença de pronúncia, como decisão sobre a admissibilidade daacusação, constitui Juízo fundado de suspeita,, não o juízo de certeza quese exige para a condenação. Daí a incompatibilidade do provérbio indubio pro reo com ela. É a favor da sociedade que nela se resolvem aseventuais incertezas propiciadas pela prova” (TJSP, Rec., rel. Dirceude Mello, RT 583/352).

7 – “O brocardo in dubio pro reo é incompatível com o juízo de pro-núncia. Se dúvida existe, cabe a Júri dirimi-la, pois é ele o juízo consti-tucional dos processos por crimes contra a vida, competindo-lhe reconhe-cer ou não a culpabilidade do acusado” (TJSP, Rec., rel. Goulart So-brinho, RT 575/367).

8 – “O in dubio pro reo é incompatível com o Juízo de pronúncia. Sedúvida existe, cabe ao Júri dirimi-la. É ele o juízo constitucional dosprocessos por crimes contra a vida, competindo-lhe reconhecer ou não a cul-pabilidade do acusado” (TJSP, Rec., rel. Hoeppner Dutra, RT 522/36).

9 – “No despacho de pronúncia, sendo meramente declaratório, há in-versão da regra procedimental do in dubio pro reo para in dubio prosocietate, em razão do que somente diante de prova inequívoca é quedeve o réu ser subtraído de seu juiz natural” (TJPR, Rec., rel. MinistroLemos Filho, RT 465/339).

Desponta, também, outro fundamento para ensejar a invocação doaforismo criticado. Cuida-se da falácia — no sentido de silogismo sofista— de, achando-se débeis os meios de prova produzidos, enviar-se o acusa-do a julgamento, pelo Tribunal do Júri, a pretexto de não se dever violar asoberania dos veredictos (art. 5º, inc. XXXVIII, letra c, da Constituiçãoda República). Ora, o procedimento especial de júri, antes de ser formaprocedimental inserta no CPP, viu-se reconhecer como garantia de direitoindividual (art. 5º, inc. XXXVIII, da Constituição da República). Assim,não se há de fazer operar a instituição, em prejuízo dos acusados.14

14 Eis as observações lançadas por Guilherme de Souza Nucci: “Não se pode olvidar que o legislador, no art. 408do CPP, estipulou ir somente a júri o réu que responde por um delito cuja existência está cristalinamente provadae que, em matéria de autoria, as provas dos autos acusem indícios suficientes de autoria. Por que essa cautela?Trata-se de medida salutar e faz parte do controle judiciário sobre os processos que devem ser julgados pelo Júri.

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9 - Necessidade de repensar o tema

O tema precisa reexaminar-se. A máxima in dubio pro reo é enganosa. Aprova imprescindível, tanto que inexistente, conduz o juiz a estado de certezae, por tal motivo, absolve. Até os que aceitam a idéia de dúvida15 não supor-tariam o rifão in dubio pro societate, patente a sua absurdidade, posto quecontrário a qualquer sistema probatório.

Além disso, no procedimento especial de Júri, se conflitantes as provasde autoria, descabido substituir, na apreciação ou valoração da prova obtidaou produzida, no juízo de acusação, a persuasão racional — que provocaria aimpronúncia — por íntima convicção dos jurados (art. 464 do CPP) — emrazão da pronúncia desfuncionalizada.

E mais que isso: a aplicação de determinado preceito jurídico — art. 408,caput, do CPP — é constitutiva da própria norma. A aplicação, que se protraiviciosa ou equivocada sobre a realidade — diga-se probatória, na análise aqui

Não há qualquer afetação à soberania dos veredictos, pois já se disse anteriormente que soberania, de fato,não é sinônimo de onipotência, nem de puro arbítrio. Soberania quer dizer que o júri, quando for o caso, assimapontado por decisão judiciária de órgão togado, terá a última palavra sobre um crime doloso contra a vida. Deque vale mandar a julgamento pelo tribunal popular alguém que não seja culpado ou contra quem não haja indíciosrazoáveis de autoria? Seria um passo certo para provocar uma eventual decisão condenatória do tribunal populare, depois, em sede de apelação, mandar a novo júri, porque o veredicto foi manifestamente contrário à provados autos. Ou pior: seria o arremesso da eventual decisão condenatória do júri à sede da revisão criminal, quandoo tribunal togado iria absolver o réu porque o veredicto afrontou a evidência dos autos. Enfim, se o magistrado,por ocasião da pronúncia, percebe que não há provas suficientes para envolver o réu na prática do homicídioou de outro delito contra a vida, deve impronunciá-lo e nessa postura não existe qualquer arranhão à soberaniado júri. Entretanto, observa-se, na prática, que a magistratura togada é contraditória nas suas análises, no contextodo processo do júri. São em flagrante menor número as decisões dos Tribunais Superiores mantendo as decisõesde impronúncia do que aquelas que as reformam, mandando os réus a julgamento pelo colegiado popular. Oargumento é quase sempre o mesmo; havendo indícios de autoria, mesmo que mínimos, deve-se enviar o casoa julgamento pelo Tribunal do Júri, sob pena de ofensa à competência constitucional do tribunal popular parajulgar os crimes dolosos contra a vida. Sendo a decisão de pronúncia de mera admissibilidade da acusação, paranão ferir a soberania dos veredictos, deve-se pronunciar o réu. Ora, o controle judiciário deveria ser exercido comfirmeza nessa fase. Se existem provas suficientes para condenar, o juiz envia o caso ao júri. Não havendo provasmínimas para sustentar uma condenação, por que mandar o réu a julgamento pelo tribunal popular? Somentepara, em caráter formal cumprir os pretensos ‘mandamentos constitucionais’ (soberania dos veredictos ecompetência para apreciar crimes dolosos contra a vida)? Verifica-se que, ao remeter um caso à apreciação dojúri, está o tribunal togado acatando a possibilidade de haver condenação, ou seja, de ficar comprovada, de algummodo, a autoria. O que não pode acontecer é, a pretexto de garantir a supremacia do veredicto popular, o juiztogado pronunciar qualquer caso, mesmo com indícios mínimos de autoria para, depois, o tribunal togado (emapelação ou em revisão) contrariar eventual condenação dos jurados” (Júri: Princípios Constitucionais, São Paulo:Juarez de Oliveira, 1999, § 20.4.3, pp. 94-95).

15 Certificou Luigi Ferrajoli: “A incerteza do fato depende da igual plausibilidade probabilística das várias hipótesesexplicativas possíveis do material probatório recolhido (...). Quando não resultam rebatidas, desmentidas, nema hipótese acusatória, nem as hipóteses opostas a ela, a dúvida resolve-se conforme o princípio in dubio pro reo,contra a primeira (...). q) a absolvição livre não só ‘quando falta’ a prova da culpabilidade, mas também umavez suprimida a fórmula da dúvida, quando é ‘insuficiente ou contraditória’ (art. 530)”, (Derecho y Razón..., cit.,pp. 109, 151 e 737 resp.).

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ultimada —, leva, em conseqüência, à desconstituição da regra jurídica. É oresultado da vindicação ou reafirmação defectiva da norma processual.

Sem esquecer de que suspeita importa mais à Polícia judiciária — ou aoutro órgão encarregado da investigação e instrução preliminar —, não aojuiz, ao ensejo de decidir sobre a admissibilidade da acusação, ou sobre omérito de ação penal condenatória.

A repetição de julgados, como os apontados, mostra a imprescindibilida-de de renovada reflexão sobre o tema.16

16 Palestra proferida no “III Encontro dos Juízes do Júri, de São Paulo”. Notem-se os resultados das votações sobreo tema, após o debate: “1. O adágio in dubio pro societate não pode servir de base à pronúncia. A - Juízes deVaras do Júri: aprovado por maioria; B - Outros juízes: rejeitado por maioria. 2. Em matéria de pronúncia não tempertinência a mera suspeita. A - Juízes de Varas do Júri: aprovado por unanimidade; B - Outros juízes: aprovadopor maioria. 3. Prova de inquérito sem ressonância na instrução criminal autoriza a pronúncia. A - Juízes de Varasdo Júri: rejeitado por unanimidade; B - Outros juízes: rejeitado por maioria”. Publicado no DOE, Poder Judiciário,12 de março de 2001, cad. 1, p. 4, parte 1.

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Maria Thereza Rocha de Assis MouraPROFESSORA DOUTORA DE DIREITO PROCESSUAL PENAL

DA FACULDADE DE DIREITO DA USP E ADVOGADA.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. O professor e suaslições - 3. O jurista e suas idéias. 4 - O magistrado - 5.O homem e sua lembrança - 6. Bibliografia

“Quem contempla um amigo verdadeiro contempla como que uma ima-gem de si mesmo. Eis por que os ausentes se fazem presentes, os pobres setornam ricos, os fracos ganham robustez e, o que é mais difícil de dizer,os mortos recobram a vida: de tanto inspirarem estima, recordação esaudade a seus amigos.”

(Cícero)

1. Introdução

onheci o professor Sérgio Marcos de Moraes Pitombo nos idos de1978, como aluna do quarto ano de Direito, no Largo de São Francis-co. Impressionou-me aquele professor, que fumava sem parar e era, a

um só tempo, rigoroso e preocupado em despertar no aluno o raciocínio crítico.Suas provas eram difíceis e trabalhosas, mas, em contrapartida, ele estavasempre disponível para aulas extras antes do horário da primeira aula, com ointuito de reforçar o aprendizado da matéria. Foi assim que comecei a meinteressar pelo Direito Processual Penal, sem, contudo, imaginar a importânciaque, mais tarde, o professor Pitombo exerceria em minha vida acadêmica.

Tributo a Sérgio Marcosde Moraes Pitombo

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Mais do que homenagear o mestre e suas lições, vinte e cinco anos apóster sido sua aluna, e ser hoje professora de Direito Processual Penal na velha esempre nova Academia, coube-me a honra de trazer à memória, no instanteem que deixa o convívio dos amigos, a figura do homem e do jurista e as idéiaspor ele transmitidas aos que tiveram o privilégio de conhecê-lo.

2. O professor e suas lições

Como professor, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo deixa vários legados:o amor à faculdade, o respeito ao aluno, a preocupação com a justiça e a artede educar.

Lecionar dava-lhe alegria. Aliás, orgulhava-se da Escola, que para ele eraa Faculdade do Largo de São Francisco.1 Não era preciso dar-lhe qualquer outroqualificativo. Jamais deixou os alunos sem aula, ou sem satisfação, até o últimodia em que se fez presente à Academia. Assim que me tornei professora deDireito Processual Penal na Faculdade aconselhou-me: “nunca falte às aulas; senão puder comparecer, avise antes os alunos, pois eles merecem respeito”. Conselhoque ele praticou até o fim, com muita persistência. Aliás, não concebia a idéiade deixar de ministrar aulas, tendo se tornado célebre sua tentativa de abrir aporta de uma das salas, que se achava fechada por ocasião de uma greve nafaculdade, no ano 2001. Não conseguiu, mas permaneceu no interior da escolaaté o término do horário letivo, esperançoso de que conseguiria seu intento.

Conhecia como poucos a história de cada canto das Arcadas e pode-sedizer que, após trinta e cinco anos de magistério, passou a constituir ele mes-mo parte dessa história, com seu jeito peculiar de ser.

A figura austera, que incutia muitas vezes temor reverencial nos alunos,tinha por trás uma pessoa crítica e exigente, acima de tudo consigo mesma.Nunca escreveu sua tese de livre-docência, nem publicou uma segunda ediçãode sua tese de doutorado,2 porque sempre achava que o trabalho poderia ficarmelhor. Seu perfeccionismo podia ser notado, ainda, no cuidado e no zelo comque preparava as aulas; no rigor técnico em usar as palavras; na preocupação demandar encadernar o Código que utilizava, e no cuidado com que manuseava

1 V., a propósito, o Prefácio à obra de Rogério Lauria Tucci, Teoria do Direito Processual Penal, São Paulo: RT,2002.

2 Do Seqüestro no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1973.

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MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA

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os livros antigos — uma de suas paixões — em sua biblioteca particular.

A exigência que tinha consigo mesmo era praticamente igual à que recla-mava dos alunos, principalmente os da pós-graduação. Conseguia perceber olimite de seus orientandos, ou daqueles que simplesmente lhe pediam umconselho, de modo que o grau de exigência para com o aluno era na exatamedida do nível que este poderia alcançar. Não exigia mais, mas também nãoadmitia empenho menor. Era rigoroso na orientação, mas também participa-tivo, franqueando sua biblioteca particular e provocando no aluno novas idéiasa serem desenvolvidas. Não raro presenteava seus alunos, na véspera da defesaoral da dissertação ou tese, com um livro recém-publicado, para que pudes-sem se preparar melhor. Lembro-me, quando aluna do curso de mestrado, nofinal da década de 80, de ter passado, por insistência do professor Pitombo,mais de um mês vasculhando a biblioteca da faculdade, à procura do inteiroteor da Lex Carolina, obra de Hans von Schartzenberg e fonte do Direitogermânico, promulgada em 1532 por Carlos V. Tida como a legislação maisimportante acerca de indícios no século XVI, ela era fundamental para amelhor compreensão histórica do tema que então eu desenvolvia. Encontrei-a, finalmente, em uma das enciclopédias italianas antigas, em linguagem ar-caica, e foi de grande utilidade para meu trabalho.

Sua aparência séria e o modo de tratar, formal e solene, porém nuncaconstituíram empecilho para seu relacionamento com alunos e ex-alunos,dentro e fora da sala de aula, tanto que foi inúmeras vezes paraninfo, a últimadelas em 2002. Professor em tempo integral, ninguém deixava sua companhiasem levar nova lição. Não impunha suas idéias, mas argumentava de formaque seu interlocutor refletisse melhor antes de voltar ao diálogo.

Suas aulas nunca foram mera repetição dos textos legais e passavam longedo que dizem os manuais. Procurava sempre trazer um enfoque inédito aostemas tratados, instigando os alunos a pensarem e a não aceitarem fórmulasprontas, dogmas jurídicos e verdades aparentes. A propósito, criticava, deforma ardente, o entendimento, em geral não questionado, de que, na primeirafase do procedimento do júri, o juiz deve, na dúvida, decidir pro societate.3 Omagistrado, dizia ele, deve estar convencido de que há prova da existênciamaterial do crime e indícios suficientes de autoria, para proferir decisão de

3 V., a propósito, “Pronúncia e o in dubio pro societate”, Direito Criminal, coord. José Henrique Pierangeli. BeloHorizonte: Del Rey, 2002, v. 4, pp. 53-81 (Coleção Jus Aeternum).

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TRIBUTO A SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO

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pronúncia. Não há qualquer possibilidade de, na dúvida, decidir em favor dasociedade. Ocorrendo a hipótese, o juiz deve impronunciar o acusado.

Transmitiu aos alunos a idéia de que é preciso buscar a Justiça, acima doque é legal; que é necessário ter raciocínio crítico, e que cada um tem suaparcela de responsabilidade em tentar tornar o Brasil um país melhor. Eracostume rebelar-se contra injustiças de modo contundente e o fazia de formairônica, por vezes sarcástica, quase sempre acompanhada do gesto de torcer obigode, uma de suas características marcantes. As frases de efeito, que regis-travam seu inconformismo, eram divertidas e sutis, fazendo com isso desapa-recer aquela aparência austera.

3. O jurista e suas idéias

Sérgio Marcos de Moraes Pitombo distinguiu-se no meio acadêmico porsuas idéias, quase sempre contrárias à doutrina dominante, mas em relação àsquais era intransigente. Sofreu profunda influência do professor Joaquim Ca-nuto Mendes de Almeida, com quem trabalhou e de quem recebeu inúmeraslições, tornando-se um de seus discípulos. Sustentou os ensinamentos de seumestre e lançou outros, em companhia do também discípulo de Canuto, oprofessor Rogério Lauria Tucci, por mais de três décadas, nas aulas do cursode Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Dentre seus principais ensinamentos, trazidos de Joaquim Canuto Men-des de Almeida,4 destaca-se a idéia de que o processo penal consiste em ins-trumento de preservação da liberdade jurídica do acusado, não de mera libe-ração da coação estatal: “Tutela, pois, a liberdade jurídica dos inculpados todos;sem esquecer dos condenados. Aqui, se cuida de liberdade protegida; não de simplespermissão. Ao titular de direito fundamental dá-se, por isso, tutela jurídico-proces-sual positiva, ou negativa em face do Estado (R. Alexy)”.5

Preocupado com o processo justo, destacava que o processo penal não sepresta, porém, apenas para a tutela da liberdade jurídica do acusado, nãopodendo ser olvidada a “proteção do direito à reparação do dano, nascente na

4 V., dentre outras obras deste autor, A Liberdade Jurídica no Direito e no Processo: Estudos Jurídicos emHomenagem a Vicente Rao. São Paulo: RT, 1975; Princípios Fundamentais do Processo Penal. São Paulo: RT,1973 e Processo Penal, Ação e Jurisdição. São Paulo: RT, 1975.

5 Prefácio à obra de Rogério Lauria Tucci, Teoria..., cit., p. 8.

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infração penal; e o amparo coadjuvante à manutenção ou recuperação da pazpública. É por isso que a todos importa a decisão justa; não só a derradeira, oufinal”.6 Essa a tríade de valores que emerge no processo.

Era ardoroso defensor do inquérito policial, cuja história e prática conhe-cia profundamente, dando sempre destaque à importância da persecução penalextrajudicial. Publicou, a propósito do tema, importantes escritos, como “In-quérito policial: novas tendências”;7 “Mais de cento e vinte e seis anos de inquéritopolicial — perspectivas para o futuro”;8 “Breves notas sobre o anteprojeto de lei, queobjetiva modificar o Código de Processo Penal, no atinente à investigação policial”;9

“Inquérito policial: exercício do direito de defesa”;10 “Supressão parcial do inquéritopolicial — breves notas ao art. 69 e parágrafo único, da Lei 9.099/95”;11 “A políciajudiciária e as regras orientadoras do processo”;12 “O indiciamento como ato dePolícia Judiciária”;13 “Arquivamento do inquérito policial, sua força e efeito”.14

Sempre lembrava que o inquérito policial não deve ser visto como peçameramente informativa, destinada a fornecer elementos para a formação dachamada opinio delicti. O inquérito, ensinava, tanto serve para que o Ministé-rio Público formule a denúncia como para pedir o arquivamento. E concei-tuava: o “inquérito policial é o procedimento administrativo, cautelar, tendente àapuração preliminar de fato que se desenha (parece) infração penal e ao menosindícios de autoria, co-autoria e participação, em tutela a direitos individuais”.15

6 Cf. Processo Penal Justo. Prefácio ao livro Justa Causa para a Ação Penal – Doutrina e Jurisprudência, São Paulo:RT, 2001, da autora deste escrito.

7 Belém: CEJUP, 1986.8 Revista ADPESP, ano 19, nº 25, março 1998, pp. 9-19.9 “Estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva”, organizador: Sérgio Salomão Shecaria, São Paulo:

Método, 2001, pl. 337-351. O artigo foi também publicado no Jornal do Advogado, São Paulo, no nº 239, jul.2000, pp. 24-7.

10 Boletim IBCCRIM – edição especial, ano 7, nº 83, out. 1999, p. 14.11 Em Juizados Especiais Criminais: Interpretação e Crítica. São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 71-96.12 Em A Polícia à Luz do Direito. São Paulo Revista dos Tribunais, 1990, pp. 39-40.13 Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, 577-313-6, nov. 1983.14 Revista do Advogado, São Paulo, Associação dos Advogados de São Paulo- AASP, 11:9-15, 1983.15 Cf. Benedito Roberto Garcia Pozzer, “Uma, dentre muitas, lição do Professor Pitombo”, Boletim IBCCRIM, ano 11,

nº 125, abril de 2003, p. 3. A explicação do conceito, transmitido em sala de aula da Faculdade do Largo de SãoFrancisco, aos alunos do 3º ano de graduação, período matutino, no ano 2000, e transcrita na nota 1 domencionado artigo, é: “Procedimento, pela inexistência do contraditório em toda completude do processojudicial, embora preservado o direito de defesa; administrativo, na forma e órgão responsável pela feitura,apesar da finalidade judiciária; por ser obra da polícia civil (judiciária), instituição da administração pública;cautelar,por preservar provas que não poderiam ser repetidas durante o processo criminal; tendente à apuraçãopreliminar de fato que se desenha (parece) infração penal e ao menos indícios de autoria, co-autoria eparticipação, porque não tem por finalidade última (absoluta) provar a existência desse fato e autoria, pois, aocontrário, poderá revelar a inexistência ou impossibilidade de atribuição da autoria; e, em tutela a direitosfundamentais, porque no inquérito policial se divisam interesses do acusado, vítima e sociedade”.

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Portanto, no inquérito policial, encontra-se conjunto de atos de instrução:transitórios uns, de relativo efeito probatório, e definitivos outros, de efeitojudiciário absoluto.16

Preocupava-se, de modo especial, com a execução da pena, sendo um dosmaiores estudiosos do assunto. Integrou a Comissão Ministerial de elabora-ção do Anteprojeto de Lei de Execução Penal, posteriormente transformadona Lei nº 7.210/84, e a Comissão Especial, designada no ano 2000, peloMinistro da Justiça para propor Anteprojeto de lei, modificativo da Lei deExecução Penal,17 tendo, ainda, presidido grupo de trabalho que, na Secreta-ria de Estado da Administração Penitenciária de São Paulo, elaborou, no ano1997, Anteprojeto de Lei que dispôs sobre a disciplina na execução das penasprivativas de liberdade e restritivas de direitos. Atuou como conselheiro noConselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em diversos manda-tos, o que lhe permitiu ter visão humanística da execução, sem perder o rigorque sempre entendeu deva existir na disciplina, porém continuamente sob aégide da legalidade.

Em sede de execução penal, interessou-se, em particular, por temas comodisciplina, individualização da pena, mérito na progressão de regime e unifi-cação, tendo publicado vários trabalhos na área, como: “Conceito de mérito, noandamento dos regimes prisionais”;18 “O regime disciplinar especial dos condena-dos”;19 “Execução penal”;20 “Da nomenclatura na dinâmica de execução das pe-nas privativas de liberdade”;21 “Ainda o exame criminológico”;22 “A disciplina naexecução penal”;23 “Das penas e das medidas de segurança”;24 “Breves notas sobrea novíssima execução penal”;25 “Os regimes de cumprimento de pena e o examecriminológico”.26

Entendia a unificação de penas como forma de desconstituição da coisa

16 Cf. Inquérito Policial: Novas Tendências,..., cit., p. 22.17 A Comissão, designada pela Portaria de 7 de junho de 2000, apresentou Anteprojeto, que se transformou no

Projeto 5.075/01, em tramitação na Câmara dos Deputados.18 Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, 27: 149-58, jul./set. 1999.19 MP – órgão oficial do Ministério Público do Paraná, 11:123-8, 1987 e Jornal do Advogado, São Paulo, nº 130,

abr. 1986, p. 14.20 Revista dos Tribunais, São Paulo, 623:257-63, set. 1987.21 Jornal do Advogado, São Paulo, nº 128, fev. 1986, p. 7.22 Jornal do Advogado, São Paulo, jul. 1985.23 Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, Procuradoria Geral do Estado – Centro de Estudos,

23:101-109, 1985.24 Em Reforma Penal. São Paulo: Saraiva, 1985, pp. 133-40.25 Em Reforma Penal. São Paulo: Saraiva, 1985, pp. 125-32.26 Revista dos Tribunais, São Paulo, 583: 312-315, maio 1984.

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julgada penal, criticando aqueles que vêem no habeas corpus e na revisão cri-minal os únicos modos de a desconstituir. Como observou, “na revisão, ocondenado propõe a ruptura da coisa julgada, mas em razão de erro pretérito, semdivisar fatos futuros”.27 Esta maneira de ver a unificação o impelia a considerarque, em sede de execução penal, o recurso cabível da decisão que defere ouindefere pedido de unificação é a apelação e não o agravo, sugestão esta aco-lhida pela Comissão que elaborou o Anteprojeto de reforma da Lei de Execu-ção Penal, em 2001.

Em companhia do professor Rogério Lauria Tucci divulgou idéias, taiscomo a inexistência de uma teoria geral do processo, a irrelevância de lide noprocesso penal e a coisa julgada sui generis. O pensamento, desenvolvido apartir da convicção acerca da impossibilidade de se transferir para o processopenal o conceito de lide enunciado por Carnelutti, conduz à conclusão deque: i) não há como se cogitar, no processo penal, de partes em sentido mate-rial, mas tão-somente em sentido processual; ii) o contraditório, no processopenal, deve ser real e indisponível; iii) na realidade do processo penal tem-sea verificação de duas situações distintas, em relação à coisa julgada: “quandose tratar de sentença absolutória, ou de extinção da punibilidade, por jamaispoder ser modificado o seu conteúdo, com a preclusão dos prazos para recur-sos, forma-se a coisa julgada de autoridade absoluta; porém, se a sentença forcondenatória — mutável, como visto, por natureza e destinação, em qualquertempo e em diversas circunstâncias —, ver-se-á tutelada, apenas, pela coisajulgada de natureza relativa”.28

4. O magistrado

A preocupação de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo com o pensamentocientífico fez-se também presente em sua atividade profissional no Poder Ju-diciário Paulista, que integrou representando, de forma impecável, o QuintoConstitucional dos Advogados, primeiro como juiz do Tribunal de AlçadaCriminal e, depois, como desembargador.

No Tribunal de Justiça, coordenou o curso de Pós-Graduação lato sensu –

27 V., a propósito, prefácio à obra de Sérgio de Oliveira Médici, Revisão Criminal, 2ª ed., São Paulo: RT, 2000.28 Cf. Rogério Lauria Tucci, Teoria do Direito Processual Penal..., cit., p. 37 e segs. Sobre o fenômeno da coisa

julgada penal, v., também, prefácio à obra de Sérgio de Oliveira Médici, Revisão Criminal, já citada.

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Especialização em Direito Processual Penal – da Escola Paulista da Magistra-tura e integrou a comissão editorial e executiva da Revista Jurídica desta escola,tendo como preocupação maior manter a excelência e a qualidade das aulas edos trabalhos publicados.

No Tribunal de Alçada Criminal, integrou a Comissão de Jurisprudên-cia, responsável pela publicação da Revista de Julgados e Doutrina do Tribunalde Alçada Criminal do Estado de São Paulo (RJDTACRIM); as comissões en-carregadas de preparar e rever o Projeto de Reforma da Parte Especial doCódigo Penal; e a Comissão de elaboração do Anteprojeto de Lei sobre acriminalização do porte e uso de arma.

Como membro da Décima Câmara do Tribunal de Alçada Criminal e,mais tarde, da Sétima Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça,esmerou-se na elaboração dos votos, costumeiramente longos e queconsubstanciavam verdadeiras aulas. Vários de seus acórdãos proferidos noTACRIM, pelo viés constitucional de seu conteúdo, acham-se publicados.29

No Tribunal de Justiça, atuando em Câmara Cível, defendeu, com firmeza,dentre outras teses jurídicas, a impossibilidade da prisão do depositário infi-el, em face do que dispõe a Convenção Americana de Direitos Humanos, porentender que este instrumento internacional integra o ordenamento jurídicobrasileiro em nível constitucional; a necessidade de reparação, pelo Estado,do dano decorrente de prisão cautelar injusta; a condenação da Fazenda doEstado como litigante de má-fé no caso de interposição de recurso protelató-rio; a responsabilidade civil do Estado pelo assassinato de pessoas presas nosistema carcerário.

5. O homem e sua lembrança

Sérgio Marcos de Moraes Pitombo engrandeceu todas as classes a quepertenceu: delegado de Polícia, juiz auditor, advogado e, finalmente, magis-trado. Marcou pela independência e franqueza, ainda que pudesse desagra-dar a quem quer que fosse. Marcou pela busca incessante por justiça; pelavisão crítica da realidade da vida e do Direito. Transmitiu valores que sãoimprescindíveis ao homem de bem: Justiça, Ética, Dignidade, Honradez,

29 V., a propósito, FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. SãoPaulo: RT, 1999, em especial , v. 1, livro 1, “Princípios e garantias constitucionais”.

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Honestidade, Solidariedade, Coragem e Sabedoria, esta última que “sabe ecompreende todas as coisas”.

Na vida privada, não foi diferente. Aqueles que tiveram o privilégio deconviver com ele são testemunhas de sua doação incondicional ao próximo, dacaridade feita no anonimato, da solidariedade, de sua fé em Deus. Aliás, é difícilseparar a figura do professor, que ensinava tempo integral, do homem, queviveu e praticou os valores que transmitiu. Foi um homem de razão e de fé.

Santo Tomás de Aquino, em sua doutrina, bem soube traçar a harmoniaque existe entre a razão e a fé. A fé não teme a razão, mas a solicita e confia nela.Assim como a graça supõe a natureza e a leva à perfeição, assim também a fésupõe e aperfeiçoa a razão.30 Aliás, como ressaltado pelo papa João Paulo II, naencíclica Fé e Razão, a perfeição buscada pelo homem não se reduz apenas àaquisição do conhecimento abstrato da verdade, mas consiste, também, numarelação viva de doação e fidelidade ao outro. Nesta fidelidade que leva à doação, ohomem encontra plena certeza e segurança. Presente a necessidade de jamais aban-donar a caridade, que se ostenta no entendimento fraterno dos erros humanos.

Sérgio Marcos de Moraes Pitombo será sempre lembrado por seus fami-liares, amigos e admiradores, não só pelo que pensou, mas principalmentepelo que viveu e praticou.

Para além de professor, foi um verdadeiro educador. Ser professor é pro-fissão; ser educador é vocação. Educou milhares de alunos, hoje bacharéis emDireito. Mas sua herança maior são as lições de vida que transmitiu, não sóaos alunos, mas a todos que mais perto privaram de sua amizade.

Para além de jurista, foi o pensador, o humanista. Profundo conhecedorde História, Arte e Filosofia, soube transformar o conhecimento abstrato emconcretude.

Acima de tudo, o homem que sempre teve esperança em um mundomelhor e que soube compreender o próximo e doar-se, sem buscar reconheci-mento. Como dizia Cícero, “se alguém ama a si mesmo não é para tirar de si arecompensa dessa afeição, mas porque cada qual é caro a si próprio”.31

O amor à vida, o respeito ao próximo, a dedicação ao direito, o inconfor-mismo diante da injustiça são lições que permanecerão sempre presentes,

30 Cf. Summa Contra Gentiles, I, VII, mencionada na Encíclica Fé e Razão. São Paulo: Paulus, 1998, p. 47.31 Marco Tulio Cícero, Da Amizade, trad. Gilson Cesar Cardoso de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 94.

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principalmente em seus familiares mais próximos — esposa, filho, nora eneta. Aos amigos e a seus eternos alunos, Sérgio Marcos de Moraes Pitombodeixa muita estima, recordação, saudade, e a lembrança dos bons momentosvividos em sua companhia.

6. Bibliografia

- CÍCERO, Marco Tulio. Da Amizade, trad. Gilson Cesar Cardoso de Souza.São Paulo: Martins Fontes, 2001.

- FRANCO, Alberto Silva et al. Código de Processo Penal e sua InterpretaçãoJurisprudencial, São Paulo: RT, 1999, 2 v.

- JOÃO PAULO II. Encíclica Fé e Razão, São Paulo: Paulus, 1998.

- MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Revisão Criminal, 2ª ed., São Paulo: RT, 2000.

- MENDES DE ALMEIDA, Joaquim Canuto. Princípios Fundamentais doProcesso Penal, São Paulo: RT, 1973.

- ————. Processo Penal, Ação e Jurisdição, São Paulo: RT, 1975.

- ————. A Liberdade Jurídica no Direito e no Processo: Estudos Jurídicos emHomenagem a Vicente Ráo, São Paulo: Resenha Universitária, 1976.

- MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa Causa para a Ação Penal:Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: RT, 2001.

- PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Do Seqüestro no Processo Penal Bra-sileiro, São Paulo: José Bushatsky, 1973.

- ————. “Arquivamento do inquérito policial, sua força e efeito”, Revista doAdvogado, São Paulo, Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, nº 11,1983, pp. 9-15.

- PITOMBO, Sérgio Marcos. “O indiciamento como ato de Polícia Judiciária”,Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 577, nov. 1983, pp. 313-316.

- ————. “Os regimes de cumprimento de pena e o exame criminológico”,Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 583: 312-315, maio 1984.

- ————. “Das penas e das medidas de segurança”, em Reforma penal. SãoPaulo: Saraiva, 1985, pp. 133-40.

- ————. “A disciplina na execução penal”, Revista da Procuradoria Geral doEstado de São Paulo, Procuradoria Geral do Estado – Centro de Estudos,23:101-109, 1985.

- ————. “Ainda o exame criminológico”, Jornal do Advogado, São Paulo, jul.1985.

- ————. “Breves notas sobre a novíssima execução penal”, em Reforma penal.São Paulo: Saraiva, 1985, pp. 125-32.

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- ————. “O regime disciplinar especial dos condenados”, Jornal do Advogado,São Paulo, nº 130, abr. 1986, pp. 8-9.

- ————. “Da nomenclatura na dinâmica de execução das penas privativas deliberdade”, Jornal do Advogado, São Paulo, nº 128, fev. 1986, p. 7.

- ————. Inquérito Policial: Novas Tendências. Belém: CEJUP, 1986.

- ————. “O regime disciplinar especial dos condenado”, MP – órgão oficialdo Ministério Público do Paraná, 11:123-8, 1987.

- PITOMBO, Sérgio Marcos. “Execução Penal”, Revista dos Tribunais, SãoPaulo, v. 623, set. 1987, pp. 257-63.

- ————. “A polícia judiciária e as regras orientadoras do processo penal”, em APolícia à Luz do Direito, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, pp. 39-40.

- ————. “Supressão parcial do inquérito policial – breves notas ao art. 69 eparágrafo único, da Lei 9.099/95”, em Juizados Especiais Criminais: Interpreta-ção e Crítica, São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 71-96.

- ————. “Mais de cento e vinte e seis anos de inquérito policial – perspectivaspara o futuro”, Revista ADPESP, ano 19, nº 25, março 1998, pp. 9-19.

- ————. “Inquérito policial: exercício do direito de defesa”, Boletim IBCCRIM– edição especial, ano 7, nº 83, out. 1999, p. 14.

- ————. “Conceito de mérito, no andamento dos regimes prisionais”, RevistaBrasileira de Ciências Criminais, São Paulo, 27: 149-58, jul./set. 1999.

- ————. “Breves notas sobre o anteprojeto de lei, que objetiva modificar oCódigo de Processo Penal, no atinente à investigação policial”, em SHECAIRA,Sérgio Salomão, org. Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins eSilva. São Paulo: Método, 2001, pp. 337-351.

- ————. “Pronúncia e o in dubio pro societate”, em PIERANGELI, JoséHenrique, coord. Direito Criminal, Belo Horizonte: Del Rey, 2002, v. 4, pp.53-81.

- POZZER, Benedito Roberto Garcia. “Uma, dentre muitas, lição do ProfessorPitombo”, Boletim IBCCRIM, ano 11, nº 125, abr. 2003, p. 3.

- TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal, São Paulo: RT,2002.

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SUMÁRIO: 1. Direito de propriedade, análise histó-rica; a propriedade privada como fator influente nadefinição de sistemas políticos; intervencionismo doEstado como forma de limitação às liberdades relati-vas ao exercício da propriedade privada - 2. Direito depropriedade na Constituição brasileira; função socialda propriedade; competência conferida à legislaçãofederal e municipal na fixação do conteúdo da funçãosocial da propriedade - 3. Direito de propriedade frenteao novo Código Civil; finalidades sociais e prevalênciado interesse coletivo - 4. Novas previsões sobre a pro-priedade privada empregadas pelo novo Código Civil- 4.1. Uso indevido da propriedade - 4.2. Desapro-priação judicial - posse/trabalho - 4.3. Desapropria-ção - momento da perda da propriedade - 4.4. Arreca-ção de bens abandonados - 5. Propriedade desdobra-da - direito de superfície; direito à superfície no N.C.C.;direito de superfície frente ao Estatuto da Cidade;diferenças - 6. Bibliografia

1. Direito de propriedade, análise histórica;a propriedade privada como fator influentena definição de sistemas políticos;intervencionismo do Estado como formade limitação às liberdades relativasao exercício da propriedade privada

O direito de propriedadee o novo Código Civil

Venicio Antonio de Paula SallesJUIZ DE DIREITO NO ESTADO DE SÃO PAULO E SUBCOORDENADOR DO

CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”, EM DIREITO PÚBLICO, JUNTO À EPM.

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direito de propriedade, ou, mais precisamente, a extensão comoeste é e foi reconhecido ou consagrado, se reveste de extrema im-portância e de capital interesse, não só para as Ciências Jurídicas,

como também para as Ciências Sociais e Políticas, na medida em que taldefinição sempre atuou e representou verdadeiro “pano de fundo” ou baseestrutural na formação e definição dos regimes políticos/sociais das naçõesque compõem o mundo civilizado.

Não se constitui exagero dizer que a grande disputa pela “propriedade”foi travada não só nos campos, como também junto às Cortes, às Casas doParlamento, bem como frente aos tribunais, tendo a contenda orbitado emredor da definição, o conteúdo e o alcance deste direito. Essas discussõesalavancaram insurreições, revoluções e mesmo guerras. Foram suficientes paradeterminar dominações e submissões.

O direito de propriedade cumpriu importante papel tanto frente aosregimes que ostentavam convicções liberais puras, como nos regimes que pro-clamavam convicções diametralmente opostas, comungando a crença de que apropriedade deveria se submeter unicamente aos anseios e ao domínio público.

Portanto, o conceito e a extensão do “direito de propriedade” variou detamanho, de forma ou de padrão, mas nunca deixou de ser o ponto de relevoem todos os sistemas políticos das sociedades organizadas.

A experiência histórica transmitiu muitas lições sobre este importantetema; no entanto, ainda não sinalizou, como creio que não irá sinalizar, nosentido de indicar a forma ideal, correta e adequada para o exato dimensiona-mento do direito de propriedade.

Entretanto, se as experiências passadas não nos forneceram um respostaúnica ou algumas possíveis sobre a correta ou adequada extensão da proclama-ção do “direito de propriedade”, é certo, ao menos, que tais experiências nosindicam as fórmulas que não podem ou não devem ser repetidas ou reeditadas.

Trata-se de informação ou de conclusão de conteúdo “negativo”, quecorresponde à idéia, cognominada pelo professor Celso Antônio Bandeirade Mello, de campo de “certezas negativas”, que indicam, não o modelo aser observado, mas os exemplos e experiências que devem ser descartados edesprezados.

Os regimes liberais fracassaram, pois se apoiaram na errônea, ou falhacrença, de que os mecanismos de concorrência e de competição, sem qualquer

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nível de interferência ou participação estatal, não são suficientes e aptos agerar sociedades equilibradas e justas, quanto a oportunidades e condições.

A experiência liberal, portanto, demonstrou que os objetivos de umasociedade sadia e mais próspera resultaram frustrados, na medida em que severificou que tais sociedades “livres” de intervencionismo se mostraram, aoreverso das expectativas, injustas e desiguais.

Estudos e análises mostraram que uma certa reserva ou uma certa parti-cipação estatal, até mesmo nas relações negociais, se mostram necessárias paraque os extremos de desigualdade sejam evitados. A experiência histórica, des-tarte, revelou a necessidade insuperável de um certo nível de “intervencionis-mo” estatal sobre a órbita de “liberdades individuais”, como condição demanutenção dessas mesmas “liberdades”.

Assim, como decorrência do estrondoso colapso das convicções liberais,também resultaram contaminadas todas as bases e estruturas em que tal regimese apoiava, entre elas a proclamação de um direito de propriedade absoluto eirrestrito, longe de qualquer controle, intervenção e participação do Estado.

De outro lado, também os regimes de feição “socialista”, que levaram aoextremo o chamado Estado social, não revelaram maior eficiência em termosda construção de uma sociedade justa, equilibrada e próspera.

A falência ou inoperância das convicções sociais puras, que negaram im-portância e reconhecimento à propriedade privada, determinaram, como um“campo de certeza negativo”, que a propriedade não cumpre sequer sua fun-ção social, quando entregue à exclusiva administração do Estado.

O marco histórico que ostenta ou representa o fracasso das convicçõessocialistas, pois impregnado de simbolismo, foi a queda do muro de Berlim,que fez desabar a Cortina de Ferro erguida ao redor do império da chamadaUnião das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Estes dois sistemas políticos opostos, o “liberalismo” e o “socialismo”, depositivo revelaram apenas a ineficiência, a inoperância, a inviabilidade dasfórmulas empregadas. Aos observadores, restou a certeza — identificada comocampo de “certezas negativas” — de que o direito de propriedade, utilizandotais experiências, deve receber tratamento equilibrado, submetido a fórmulaque mescle os interesses envolvidos, em respeito ao direito individual, ligadoàs “liberdades”, e acatamento, concomitante, aos interesses coletivos, opera-cionalizados como uma forma conferida e reservada ao Poder Estatal.

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O DIREITO DE PROPRIEDADE E O NOVO CÓDIGO CIVIL

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A funcionalidade desta mescla entre o interesse individual e o coletivo,motivou o professor Orlando Gomes a visualizar, no direito de propriedadeduas estruturas diversas, uma revelando um “conteúdo positivo” e outra o seu“conteúdo negativo”. O ilustre civilista se referia, no primeiro caso (conteúdopositivo), ao direito individual privado, apresentado como expressão das “li-berdades”. Por “conteúdo negativo” do direito de propriedade, localizava evisualizava as restrições e limitações coletivas ao exercício pleno deste direito(Direitos Reais, Orlando Gomes, Forense, 7ª ed., p. 87).

Relevante, neste passo, apresentar o aviso ou a observação do professorCelso Antônio Bandeira de Mello, que anota que “a este propósito, convémdesde logo observar que não se deve confundir liberdade e propriedade com ‘direitode liberdade’ e ‘direito de propriedade’. Estes últimos são as expressões daquelas,porém tal como admitidas em um dado sistema normativo. Por isso, rigorosamentefalando, não há limitações administrativas ao direito de liberdade e ao direito depropriedade — é a brilhante observação de Alessi —, uma vez que estas simples-mente integram o desenho do próprio perfil do direito. São elas, na verdade, afisionomia normativa dele. Há, isto sim, limitações à liberdade e à propriedade”(Curso de Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello, p. 684).

Feitas essas observações, é de frisar que o grande desafio lançado àsCasas Legislativas, no que afeta à descrição e composição do direito de pro-priedade, consiste na necessidade de se cumprir, de forma absolutamenteequilibrada, sensata e justa, essa mescla entre os interesses privados e osinteresses coletivos, sem permitir a exacerbação ou prevalência de qualquerdas forças envolvidas.

2. Direito de propriedade na Constituição Brasileira;função social da propriedade; competência conferidaà legislação federal e municipal na fixação doconteúdo da função social da propriedade

No Brasil, a legislação acusa grande amadurecimento neste sentido, poisnosso ordenamento vem, paulatinamente, melhor definindo o campo de in-terferência e de participação do Estado nos rumos e no sentido do direito depropriedade individual.

Estamos, nesta parte, alinhados às grandes nações, ao adotarmos modeloque prestigia o patrimônio privado, como uma das formas mais importantes

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de respeito às liberdades individuais, mas que, concomitantemente, vinculaparte do exercício deste direito, a padrões e conceitos coletivos, submetendo elimitando, em certa medida, o interesse individual privado, ao interesse pú-blico ou coletivo.

Em termos de construção constitucional, nossa Carta Maior estampoutoda uma série de mudanças, apresentando padrões precisos para o melhordirecionamento do “equilíbrio” entre o direito individual e o coletivo. Exigiu,em certa parte, a submissão do interesse privado aos desígnios coletivos, ten-do sido extremamente prudente o legislador constituinte, ao conferir conteú-do certo e determinado à vontade coletiva, visando, com isso, prevenir abu-sos, descaminhos ou exageros por parte das autoridades constituídas.

Nossos textos constitucionais, de há muito, vêm exigindo que a proprie-dade, pública ou privada, cumpra sua função social. De forma mais nítida,tal preocupação passou a constar do texto da Constituição de 1946, ocupan-do espaços nas Cartas de 1967, e Emenda Constitucional nº 01/69. Contu-do, foi na Constituição cidadã, promulgada em 1988, que tal orientação foifirmemente traçada e apresentada.

Em dispositivos distintos, a Carta Política de 1988, consagra junto aoCapítulo dos “Direitos e Garantias Individuais e Coletivas”, o direito à pro-priedade privada (art. 5º, inciso XXII), e exige que a propriedade individualcumpra sua função social (art. 5º, inciso XXIII).

Destaque-se que não foi aleatória a forma escolhida pelo legislador cons-tituinte, ao tratar destes dois vetores da propriedade privada em incisos dis-tintos e separados. Essa técnica legislativa e a ordem que foi observada (pri-meiro o direito de propriedade individual e depois a limitação ao exercíciodesse direito) conferem bem a idéia da extensão do direito à liberdade que éassegurado no exercício da propriedade privada, em confronto ao “direitocoletivo”, materializado pelo respeito e submissão aos padrões e ao conteúdoda função social.

A propriedade privada, portanto, desde que reconhecida, exige respeitoilimitado, salvo quando o seu exercício ou “uso” venha a se revelar inconveni-ente ou contrário aos interesses coletivos e sociais.

A expressão função social, que foi utilizada pelo constituinte em cincopassagens distintas do texto maior, não possui um conteúdo aberto ao sabordas ideologias e vontades políticas. Pelo contrário, o seu sentido jurídico é

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objetivamente apresentado nos Capítulos da Política “Urbana” e Política “Ru-ral”, sendo que, no primeiro caso, o conceito tem pertinência à melhor“ordenação” das cidades, voltado para o coletivo interesse de propiciar eassegurar o bem-estar de seus habitantes, e, no segundo, tem pertinência àprodutividade rural.

Portanto, a função social prestigia o caráter “social”, ou seja, aquilo que érelativo às “sociedades” ou, mais estritamente, às “cidades”. Neste diapasão, oart. 182 da Carta Maior, revela a preocupação do legislador constituinte ematrelar a função social, a políticas e mecanismos voltados para o melhor equa-cionamento dos problemas urbanos, exigindo o emprego dos melhores cami-nhos para o crescimento organizado das urbes, considerando a infra-estruturainstalada ou projetada, e, nesse sentido, prevendo as formas para que os “equi-pamentos públicos” melhor atendam às populações de cada região. Em síntese,função social, a nível urbano, diz respeito às soluções de ajuste entre a infra-estrutura pública e o adensamento populacional das várias regiões da cidade.

Neste sentido, são extremamente elucidativas as sanções previstas no textosupremo, previstas para as hipóteses de descumprimento da função social dapropriedade. A Constituição permite que o Poder Público puna o proprietárioprivado que venha a descumprir a orientação sinalizada pelo “função social dapropriedade”, em primeiro lugar, com a compulsória obrigação de parcelar oufracionando sua gleba, ou, ao reverso, com a determinação para a edificaçãocompulsória (nos casos em que se mostra inconveniente a manutenção degrandes áreas e glebas brutas e locais dotados de boa infra-estrutura pública subutilizada). Patenteia o Texto Supremo que a função social diz respeito precipua-mente ao melhor e mais perfeito desenvolvimento das cidades, em atenção aomelhor e mais eficiente uso de seus equipamentos públicos e infra-estrutura(vias, transportes, escolas, hospitais, creches, água, luz etc.).

Também o art. 184 possui este conteúdo, na medida em que permite a“desapropriação” para fins de reforma agrária de glebas que não acusem ade-quada produtividade.

Portanto, o exato conteúdo da função social, que somente pode ser dire-cionado para a melhor ordenação das cidades, foi reservado pela Constituição,em uma plano genérico, como normas gerais, à legislação federal, desideratoque foi cumprido com a edição do Estatuto da Cidade.

Especificamente foi outorgado ao Plano Diretor Municipal, ou à legisla-ção ordinária local, a tarefa e criar e conceber o plexo de normas capazes e

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necessárias para melhor direcionar o crescimento, desenvolvimento e funcio-namento das cidades.

Esse foi o padrão constitucional, que, salutarmente, em respeito às dife-renças regionais e locais, incumbiu, em última análise, ao legislador munici-pal, a importante tarefa de buscar estabelecer o melhor equilíbrio entre aliberdade no exercício do Direito de Propriedade e o direito Coletivo, voltadoà melhor e mais saudável ordenação das cidades.

3. Direito de propriedade frente ao novo Código Civil;finalidades sociais e prevalência do interesse coletivo

Este longo percurso constitucional se mostrou necessário para podermosaquilatar e avaliar os termos e o conteúdo, neste particular, do novo CódigoCivil, lembrando que seu texto, no que invade o campo do Direito Público,deve se submeter de forma integral e cabal aos padrões constitucionais.

Destaque-se que a propriedade privada nasce sob a forma de DireitoPúblico, na medida em que é garantida e assegurada constitucionalmente,contudo se desenvolve ou se exercita como Direito Privado, pois submetidaao império da vontade de seu titular.

De outra parte, todas as restrições, limitações e interferências determina-das pelo Poder Público, ou decorrentes da chamada “vontade coletiva”, queinvade e limita “o uso” da propriedade privada, possuem sabor e conteúdo denormas de Direito Público, pois calcadas em comandos de sentido cogente,ou seja, regras impositivas e imperativas, que se lançam fora do alcance davontade das partes.

Assim, a concomitante participação de normas de direito privado e nor-mas de direito público, na estruturação do direito de propriedade, exige rígi-da harmonização, entrosamento e adequação entre a Lei Fundamental e todasas normas que venham a disciplinar este segmento do Direito, quer estejaminseridas no Código Civil, quer sejam normas que versem sobre o conteúdoda “função social”, ou relativas às restrições urbanísticas ou ambientais.

No que afeta ao novo Código Civil, este se mostrou sensível à dicçãoconstitucional, consagrando o direito à propriedade privada, como uma fa-culdade, e submetendo-o às “suas finalidades econômicas e sociais”.

Neste sentido, dispõe o parágrafo único do art. 1.229:

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“§ 1º - O direito de propriedade deve ser exercido em consonância comsuas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados,de conformidade com o estabelecimento em lei especial, a flora, a fauna,as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e ar-tístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”

O Código não repetiu, com seria útil e aproveitável, a consagrada expres-são constitucional — função social —, optando por utilizar o termo “finalida-de econômica e social” e “questões de preservação ambiental e cultural”.

Não se deve antagonizar o texto do novo Código Civil com os ditamesda Constituição Federal apenas em razão de um pequeno desajuste ou emface da ausência de sintonia terminológica, até porque não poderia o Códi-go Civil inovar neste particular, estando preso umbilicalmente ao textomaior. Desta forma, a melhor ou a única leitura do § 1º do art. 1229 donovo Código, deve revelar que a expressão finalidades econômicas e sociaisencerra o mesmo conteúdo e o mesmo alcance do termo função social em-pregado no texto maior.

Este texto do Código Civil, de outro lado, elucida que função social, oufinalidades econômicas e sociais, não se encontram direta e imediatamenteligadas a questões de preservação ambiental. São questões estruturalmenteinterligadas, mas não coincidentes, tendo a função social esteio no art. 5º,inciso XXIII, ao passo que as questões ambientais se encontram especifica-mente tratadas pelo art. 225 da Carta Maior.

Portanto, é certo que as questões pertinentes ao ecossistema e sua preser-vação podem interferir indiretamente na elaboração das normas de ordenaçãodas cidades, mas não se constituem ou materializam a preocupação primeiradeste vetor normativo. Neste sentido, o § primeiro do art. 1229, expressa-mente dispõe que a propriedade privada deve observar as “finalidades econô-micas e sociais” “e” de “preservação ambiental”. Tratando como situações dis-tintas, regradas em normas separadas, ordenadas por prioridades não necessa-riamente coincidentes, procedeu corretamente o novo Código, ao apartar asrestrições decorrentes da função social daquelas provenientes de “restriçõesambientais” ou ligadas à preservação cultural.

Procedeu corretamente, porque as restrições ao direito de propriedaderepresentam comandos imperativos de ordem pública, de forma que somentevalem, conquistam eficácia, ou impõem obrigações, quando “expressos” nesse

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sentido. Assim, como comandos normativos, as restrições ou limitações aodireito de propriedade devem ser claras, precisas e objetivas, e, para que talpropósito seja alcançado, necessário se apartar, quando possível, os comandosrelativos à preservação ambiental ou de manutenção do ecossistema das restri-ções decorrentes da solução ligada ao melhor aproveitamento da infra-estru-tura urbana (função social ou finalidades econômicas e sociais).

Isso significa que deve o Plano Diretor apresentar padrões objetivos sobrea “função social”, assim como a eventual legislação que versar sobre a “preser-vação ambiental”. Por integrarem o campo do Direito Público, estas restri-ções não comportam, sob pena de grave subversão da ordem constitucional,interpretações extensivas ou ampliativas. Não há como, sob a órbita do “inte-resse coletivo”, se restringir o uso e fruição da propriedade privada, sem queexista previsão normativa expressa e de consistência objetiva.

O direito à liberdade, ou o direito de propriedade, sempre prevalece,salvo previsão expressa e objetiva em sentido contrário. As restrições somenteexcepcionam o direito de propriedade, quando enunciadas em normas pró-prias e específicas, relativas à melhor ordenação das cidades, bem como volta-das à preservação ambiental ou da cultura histórica ou artística.

Assim, retornando aos termos utilizados pelo professor Orlando Gomes,certo é que o “conteúdo positivo” do direito de propriedade, que confere aotitular a “faculdade” de usar, gozar e dispor livremente do bem corpóreo, porter consistência de comando de Direito Privado, não experimenta qualquertipo de contenção de conteúdo (onde tudo é permitido, se não for expressa-mente proibido). Em sentido contrário, as “restrições e limitações” de uso,que compõe o chamado “conteúdo negativo” do direito de propriedade, de-vem ser enunciadas de forma objetiva e precisa, não comportando extensõesou ampliação de seus termos, por integrarem ramo do Direito Público (ondetudo é proibido, se não for expressamente permitido).

Trata-se de orientação segura ao aplicador do Direito que deve analisarcom o cuidado indispensável o conteúdo do direito de propriedade, no quediz respeito às liberdades, e como devem ser interpretadas e analisadas asrestrições a esse direito. Esse alerta se presta também para a análise e o estudodas demais “restrições” que atingem o direito de propriedade, como aquelasde cunho urbanístico, invariavelmente ligadas ao parcelamento do solo urba-no, ou às limitações de sentido meramente convencional, pactuadas e ajusta-das entre particulares.

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De alguma forma, o Código Civil veio a facilitar essa análise, apresen-tando texto que, de certa forma, reafirma as determinações constitucionais,permitindo um maior equilíbrio de forças, para que as “paixões” impulsio-nadas por ideologias simplistas não aniquilem o direito de propriedade,bem como não impeçam, de outro lado, que os reais interesses coletivosprevaleçam.

Deve estar sempre presente a idéia de que as normas de cunho socialrepresentam uma forma de “exceção” ao padrão constitucionalmente adota-do, que impõe tratamento equânime entre os direitos e entre os titulares dosdireitos, como decorrência do princípio da isonomia. Os comandos de senti-do social, como, por exemplo, as alíquotas progressivas o IR e do IPTU, des-nivelam os titulares de direitos (contribuintes) acima do desnível que osten-tam, ou seja, não se inspiram no princípio da igualdade.

Portanto, as preocupações “sociais” se voltam à erradicação das diferençassociais e financeiras, não se atendo, por óbvio, aos padrões igualitários, namedida em que representam uma forma excepcional ou anômala no enuncia-do do direito.

Assim, não há “função social”, não há “restrição social”, ou “restriçãopatrimonial” que não seja, expressa, objetiva e diretamente, prevista em nor-ma com status e aptidão para inovar o mundo jurídico.

Portanto, diversos são os argumentos que indicam, sinalizam e exigemque as restrições ao direito de propriedade sejam enunciadas de forma clara,objetiva e direta, assim como diversos são os argumentos que indicam que tais“restrições” não comportam interpretações extensivas ou ampliativas ou qual-quer outra forma de leitura que venha alargar o conteúdo de tais normas.

O Código Civil facilitou essa visão do direito de propriedade, mormentequando se consegue harmonizar o seu conteúdo com o conteúdo que lheconfere fundamento de validade, que é a Constituição Federal.

4.Novas previsões sobre a propriedade privadaempregadas pelo novo Código Civil

4.1 Uso indevido da propriedade

“Art. 1.229, §2º:

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§ 2º - São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer como-didade ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.”

Uma das inovações do novo Código, a qual exige análise e estudo, dizrespeito ao parágrafo transcrito, que estampa proibição, dirigida ao proprietá-rio, para que este não desenvolva atos motivados e voltados a provocar prejuízoa outrem, sem qualquer efeito positivo para o uso de sua propriedade.

Esta hipótese não tem qualquer liame ou vinculação com as restriçõesdeterminadas pelo interesse coletivo, bem como foi lançada fora do capí-tulo relativo ao direito de vizinhança, refletindo uma forma peculiar de“restrição de uso”, impulsionada por “interesse privado”, ou, mais precisa-mente, daquele(s) que venha(m) a ser prejudicado(s) pela conduta indevi-da ou perniciosa.

A propriedade privada, em atenção a este dispositivo, não pode ser utili-zada com o propósito único de espezinhar, aborrecer ou prejudicar vizinho ouproprietários ou possuidores de imóveis do entorno. A prática de tais atosdeve viabilizar ações indenizatórias ou ações cominatórias, ou, ainda, deman-das demolitórias.

A dificuldade reside na indefinição do que sejam atos prejudiciais, pois,em tese, não poderiam abarcar atos comportamentais, mas apenas atos de usoou fruição da propriedade. No entanto, tal questão, como tantas outras maté-rias duvidosas, deverão ser esmiuçadas por nossos tribunais.

4.2 Desapropriação judicial - Posse/Trabalho

“Art. 1.229, §§ 3º, 4º e 5º:§ 3º - O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapro-priação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bemcomo no de requisição, em caso de perigo público iminente.§ 4º - O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvelreinvindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 (cinco) anos, de considerável número de pessoas, e estasnela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviçosconsiderados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.§ 5º - No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização

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devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título parao registro do imóvel em nome dos possuidores.”

O Código Civil apresentou, no § 3º transcrito acima, todas as formasexpropriatórias concebidas pela Constituição, declarando que “o proprietáriopode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação por necessidade ouutilidade pública ou interesse social, tudo em perfeito compasso com os arti-gos 5º, XXIV, 182 e 184 da Carta Maior.

Portanto, a lei civil, neste particular, nada acrescentou àquilo que, deforma imperativa, constava da Constituição. É certo que os dispositivos cons-titucionais anotados não são dotados de auto-eficácia, dependendo de normaintegradora, contudo, não foi o Código Civil que conferiu tais efeitos, massim a legislação pretérita recepcionada pela Carta Política, bem como as leisespecíficas que regulamentaram as demais formas expropriatórias, como oEstatuto da Cidade.

A grande inovação, nesta parte, foi insculpida nos §§ 4º e 5º, que admi-tiram uma forma peculiar de desapropriação, que pode ser denominada de“desapropriação judicial”, pois deflagrada no curso de ação reinvindicatória,declarada, não pelo Poder Executivo, mas sim pelo Poder Judiciário.

O Código admitiu que, nas ações petitórias, especificamente as reinvin-dicatórias em que o objeto seja “extensa área”, ocupada de boa-fé, por umgrande número de pessoas que tenham erguido equipamentos urbanos ouedificações para moradia (obras e serviços), poderá o juiz reconhecer e decla-rar o interesse social, fixando o valor de indenização justa.

O parágrafo subseqüente estabelece que, pago o preço, o título se presta-rá para registro.

A primeira grande questão deste instituto é desvendar quem deve res-ponder pelo pagamento da indenização ou do justo preço da área, se a popu-lação que ocupou a área e lá reside há mais de cinco anos, ou se o PoderPúblico local.

O dispositivo não apresenta qualquer resposta direta nesse sentido, suge-rindo, em uma primeira leitura, que o pagamento deve ser feito pelos própriosocupantes. Neste sentido, se pronunciaram o professor Walter Ceneviva e oprofessor Ricardo Pereira Lira, em palestras proferidas na Escola Paulista daMagistratura.

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Entretanto, não nos parece ser esta a melhor dicção do dispositivosub examine, até porque se torna imperativo que sua leitura seja feita deforma sistemática, em confronto com os demais parágrafos que compõemo mesmo artigo.

Como visto, o § 3º alude às formas de desapropriação, reportando-se atéà motivada pela declaração e reconhecimento do interesse social. Em seguida,no próprio § 4º, o Código confere a prerrogativa, atribuída ao juiz de Direito,de proclamar e declarar o interesse social. Por fim, o § 5º alude a justa inde-nização, empregando termos consagrados pelas disposições constitucionaisrelativas ao instituto da desapropriação.

Portanto, a estruturação do artigo 1.228, que apresenta peculiar constru-ção legislativa, revela a existência de recíprocas interferências entre seus coman-dos, denunciadas também, pelo emprego de “termos” e “expressões” própriosdo instituto da desapropriação (“interesse social” e “justa indenização”). Des-tarte, indicam e sinalizam no sentido de que a hipótese revela uma forma dedesapropriação judicial, exigindo que a indenização fixada deva ser saldada peloPoder Público Municipal, em atenção à sistemática de precatórios.

Ademais, seria de todo incongruente que, proclamado o “interesse so-cial” relativo aos ocupantes da grande gleba, reconhecendo por essa via que setrata de pessoas hipossuficiententes financeira e economicamente, ou pobresna acepção jurídica do termo, a esses fosse imposta a obrigação de pagamentoda área. Seria uma insuperável contradição.

Relevante é destacar que ao juiz não é conferido poder para fixar um valormódico para a área expropriada, pautado em padrões “sociais”, pois deve seater ao justo preço, o que reafirma a necessidade do valor ser assumido peloPoder Municipal local.

Neste ponto, vale o alerta de que não se pode admitir a existência de umdispositivo ou um comando legal sem utilidade prática ou com diminutaaplicabilidade, de forma que toda interpretação que venha atingir um con-teúdo que aniquile a “utilidade” da imposição, certamente, não estará reve-lando o seu melhor e mais correto sentido e alcance.

Este é exatamente o caso em exame, pois não se pode exigir pagamentode quem reconhecidamente não possui condições para pagar.

O professor Miguel Reale, que empresta o seu inegável prestígio pessoalao novo Código, realça que a norma cria efetivamente uma “desapropriação

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judicial”. Considera-a uma inovação “do mais alto alcance, inspirada no sentidosocial do direito de propriedade, implicando não só novo conceito desta, mas tam-bém novo conceito de posse, que se poderia qualificar com sendo de possse-trabalho”(Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, Nelson Nery Junior eRosa Maria de Andrade Nery, atualizado até 15.03.02, p. 419).

Os caminhos para a implementação da desapropriação judicial poderãoser apresentadas e enunciados em novas normas, sendo que, na ausência dessas,competirá ao Judiciário indicar o percurso processual que deve ser observado.

Quanto ao título de domínio que decorre desta forma anômala dedesapropriação, esse poderá se guiar pelos modelos admitidos nas legisla-ções urbanísticas, como o Estatuto da Cidade, contemplando “frações in-dividualizadas”, acessos e vias, como também poderá contemplar o todo dagleba, fracionando-a em partes ideais iguais ou proporcionais à ocupação decada segmento familiar.

Evidente que o direito de cidadania que a legislação contemporânea visaresgatar não pode se contentar em conferir um título em “partes ideais” iguaisou proporcionais aos ocupantes, pelas dificuldades de utilização desse direito,na medida que seu exercício depende de uma organização condominial. É dese entender, portanto, que, somente em último caso, a formação dos condo-mínios pro indiviso deve ser concebida e aceita.

A falta de definição do Código obrigará o Judiciário a formular as melho-res e mais sensatas soluções em cada caso.

4.3 Desapropriação - Momento da perda da propriedade

“Art. 1.275 - Além das causas consideradas neste Código, perde-se a proprie-dade:

I. - por alienação;II. - por renúncia;III. - por abandono;IV. - por perecimento da coisa;V. - por desapropriação;Parágrafo único: - Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda dapropriedade imóvel será subordinados ao registro do título transmissivoou do ato renunciativo no Registro de Imóveis.”

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O art. 1.275 estabelece as causas da perda da propriedade, a exemplo doque fazia o art. 589 do Código de 1916, tendo ampliando o elenco, com ainserção da desapropriação.

Repetindo o dispositivo do Código superado, o novo estatuto afirma quea propriedade se transfere em caso de alienação ou renúncia, no momento doregistro imobiliário, deixando de lado as demais hipóteses.

Permite o novo texto que se conclua, com segurança, que, nos casos dedesapropriação, não será o registro imobiliário que marcará, temporalmente,perda da propriedade. Portanto, o Novo Código se mostrou sensível à correntejurisprudencial que se estruturou a partir das Varas das fazendas Públicas deSão Paulo, por ocasião da edição da Carta Constitucional de 1988, entendi-mento este que passou a considerar o apossamento ou a imissão como o termode passagem da propriedade privada para o domínio público.

O Código sedimenta esse entendimento de nossos Tribunais Estaduais edo E. Superior Tribunal de Justiça (ainda não referendado pela mais AltaCorte de Justiça do País), acarretando, como conseqüência, a necessidade de oPoder Público ter que efetivar o depósito do valor do imóvel, antes da expedi-ção da imissão na posse, ou seja, antes da perda da posse, que, no caso, signi-fica perda da propriedade.

Trata-se da posição que melhor se ajusta aos padrões constitucionais quesempre exigiram indenização prévia e justa, sendo que o termo “prévia” éligado à perda da propriedade, que, agora, em termos de “moralização” admi-nistrativa, recebe um aliado de peso, que é o novo Estatuto Civil.

4.4 Arrecadação de bens abandonados

“Art. 1276 - O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com aintenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não en-contrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, epassar, 3 (três) anos depois, à propriedade do Município ou à do DistritoFederal, se se achar nas respectivas circunscrições:§ 1º - O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesma cir-cunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, 3 (três)anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize;§ 2º - Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere esteartigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfa-zer os ônus fiscais.”

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O novo Código permite a arrecadação de bens imóveis urbanos e rurais,abandonados por seus titulares, desde que não estejam submetidos a posse deoutra pessoa.

O dispositivo presume, de forma absoluta, ou seja, de forma irrefutável,que a ausência de recolhimento dos tributos incidentes sobre o imóveis deter-mina e configura este estado de abandono.

O Código não mais declina prazos para a arrecadação imobiliária, deforma que, em existindo executivos fiscais relativos ao IPTU de exercíciossucessivos, tal situação pode autorizar o Poder Municipal a estancar e suspen-der a cobrança nos executivos fiscais, para reclamar a arrecadação do bemimóvel. Contudo, a efetiva passagem para o domínio público somente poderáse materializar após o transcurso de 3 (três) anos da arrecadação.

O legislador foi conciso e objetivo nessa previsão, não tendo declinadoqualquer prazo para a postulação da arrecadação. Portanto, transcorrido maisde um ano de inadimplemento fiscal, poderá o Poder Público iniciar o proce-dimento de arrecadação se o imóvel não estiver em uso ou posse de terceiros.

Surge uma dúvida acerca dos imóveis envolvidos em procedimentos fali-mentares ou em inventários. A posse indireta dos responsáveis afastaria a arre-cadação?

A resposta parece ser negativa, pois é incumbência do síndico, do inven-tariante ou dos herdeiros, promover os atos de administração, atuando paraque os tributos sejam recolhidos. A omissão de tal incumbência legal propi-ciará a presunção de abandono, e autorizará a arrecadação pública do bem.

Esse parece o entendimento que melhor se coaduna com o sentido donovo dispositivo.

5. Propriedade desdobrada - Direito de superfície;direito à superfície no N.C.C.;direito de superfície frente ao Estatuto da Cidade;diferenças

Direito à superfície

Art. 1.369 e seguintes:

“Art. 1.369 - O proprietário pode conceder a outrem o direito de

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construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, me-diante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Re-gistro de Imóveis.Art. 1.370 - A concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se one-rosa, estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez ouparceladamente.Art. 1.371 - O superficiário responderá pelos encargos e tributos queincidirem sobre o imóvel.Art. 1.372 - O direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, pormorte do superficiário, aos seus herdeiros;§ único - Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título,qualquer pagamento pela transferência.Art. 1.373 - Em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície,o superfeciário ou o proprietário tem direito de preferência em igualdadede condições;Art. 1.374 - Antes do termo final, resolver-se-á a concessão se o superfi-ciário der ao terreno destinação diversa daquela para que foi concedida;Art. 1.375 - Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a proprie-dade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemen-te de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário.Art. 1.376 - No caso de extinção do direito de superfície em conseqüên-cia de desapropriação, a indenização cabe ao proprietário e ao superfi-ciário, no valor correspondente ao direito real de cada um.Art. 1.377 - O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica dedireito público interno, rege-se por este Código, no que não for diversa-mente disciplinado em lei especial.”

O novo diploma restaurou e modernizou o instituto relativo ao direito desuperfície (que, previsto nas Ordenações Filipinas, sempre compôs a tradiçãoda legislação portuguesa), possibilitando a cessão, gratuita ou onerosa, dasuperfície imobiliária. Trata-se de um direito que se materializa como uma formade divisão ou segregação de realidades que compõe a propriedade imobiliária.

Concebeu, por esta via, uma bipartição no direito de propriedade, fra-cionando-o em direito inerente ao solo e direito à superfície. Com tal inova-ção, o novo Código veio a possibilitar um melhor regramento deste direito,“propiciando ao proprietário a possibilidade de fazer acordos com grandes empre-sas para que a sua propriedade seja usada; ele cede o uso da superfície para que seja

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construído, por exemplo, um conjunto que, passados anos, reverterá ao seu patri-mônio (professor Miguel Reale, O Estado de S.Paulo, 26.11.1983).

O direito de superfície, quando destacado do solo, deve ser formalizado einstrumentalizado por escritura pública, merecendo o devido registro imobi-liário. A Lei nº 6.015/73 já mereceu adequada alteração, determinada pelo“Estatuto da Cidade”, prevendo o registro da escritura formalizadora do di-reito de superfície.

Destaque-se que o direito de superfície denuncia, por sua estrutura econsistência, o seu caráter temporário, podendo ser ajustado de forma gratui-ta ou onerosa. Em todos os casos, o direito de superfície transfere ao superfi-ciário os encargos fiscais que oneram e incidem sobre o imóvel (art. 1371),contudo, a nível tributário-fiscal, é de se admitir a responsabilidade solidáriaentre o proprietário do solo e o superficiário, conquanto, nestes casos, será oimóvel como um todo (solo e superfície) que responderá pelas dívidas.

Alerta o professor Ricardo Pereira Lira, da Universidade Federal do Riode Janeiro, que instituição do “direito de superfície”, por se fazer através deconcessão, e não por cisão, afasta a idéia de instituição desse direito sobreprédios já construídos ou plantações já implantadas e desenvolvidas.

Em sentido contrário, manifestou-se o prof. Silvio Venosa, em seu cursosobre Direito Civil, volume V - Direitos Reais, no qual anota que “o Código de2002 se refere apenas ao direito de o superficiário construir ou plantar, não men-cionando o direito correlato, mencionado pelo Código português, qual seja, o demanter no local as plantações ou construções já existentes”. Conclui ser “inafastá-vel também essa possibilidade em nosso direito, por ser da natureza do instituto,não havendo razão para a restrição” (obra citada, ed. Atlas, 2ª ed., pag. 383).

Ao que parece, razão assiste ao professor Silvio Venosa, pois a palavraconcessão não tem conteúdo restritivo, propiciando a concessão para novaobra ou para obra já edificada, até porque, a esta pode ser incorporado aobrigação de manter, reformar ou ampliar. Ademais, tratando-se de direitoprivado por excelência, as restrições ou vedações devem vir estruturadas emnormas precisas, com conteúdos certos, e não por meras ilações e conclusõesinterpretativas.

Outra questão que deverá ocupar espaço nos estudos dos operadores doDireito diz respeito à possibilidade de incidência dos demais direitos reaissobre o “direito de superfície”, tais como o usufruto, o uso ou a hipoteca.

Certamente existirão posições discordantes; no entanto, em se tratando

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de um direito real por excelência, factível, em princípio, a sua oneração, desdeque o gravame se guie pelas regras de tempo e de forma previstas e pactuadasna escritura instituidora do direito de superfície.

É intuitivo que o direito de superfície seja mais empregado para efeitoseconômicos do que para qualquer outro propósito, e teme-se que possa serutilizado com propósitos não muito saudáveis do ponto de vista jurídico,como, por exemplo, para o esgotamento patrimonial de empresa ou pessoafísica com dificuldades financeiras, efetivado com a transferência patrimonial,através da concessão de direito de superfície com prazo dilatado e com opagamento representado pela própria construção futura. É uma mera hipóte-se, mas que vai aguçar muito aqueles que vasculham fórmulas novas paravelhos golpes.

Direito de superfície frente ao Estatuto da Cidade; diferenças

Precedentemente ao Código Civil, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), em seus artigos 21 a 24, já havia previsto e instituído o direito de super-fície, em padrões muito próximos, mas não coincidentes.

A primeira questão que se coloca é saber se a norma subseqüente superou,por revogação tácita, a norma antecedente, que no caso é a Lei nº 10.257/01.

A resposta a essa indagação não se apresenta simples e direita, mas é certoque tal revogação não se materializou, pois as duas leis cumprem propósitosdistintos e programas diversos.

O Código Civil se presta a disciplinar e regrar todas as relações entreparticulares, estabelecendo os padrões, as formas e prazos da vida civil.

De forma diversa, o Estatuto da Cidade se prende a propósitos e deside-ratos ligados aos objetivos fundamentais da república, anotados e elencadosno art. 3º, da Carta Federal, voltada para “construir uma sociedade livre, justae solidária”, “garantindo o desenvolvimento nacional”, “erradicando a pobre-za a marginalidade e os desníveis sociais”, visando sempre ao “bem-estar detodos, sem preconceitos de raça, sexo, cor, idade ou qualquer outras formas dediscriminação”.

Esses padrões, que podem ser sintetizados como a busca a uma “melhorqualidade de vida coletiva”, materializam-se através de normas voltadas àsquestões urbanísticas (melhor funcionamento das cidades); questões sociais

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(redução das desigualdades); e questões ambientais (preservação e manuten-ção da vida). Esse tripé de propósitos programáticos do estado é que inspi-raram e motivaram a confecção e edição do Estatuto da Cidade.

Assim, cumprem, o Código Civil e o Estatuto da Cidade, missões distin-tas, de forma que seus comandos não se antagonizam, mas se completam,prevalecendo, para as relações civis, o estatuído no novo Código e, para asrelações de cunho urbanístico, social ou ambiental, o Estatuto da Cidade.

Aliás, os textos não possuem grande distância ou discrepâncias. O Es-tatuto da Cidade admite, o que é negado pelo Código Civil, que o direitode superfície possa ser exercido também no subsolo e no espaço aéreo. Tra-ta-se de uma ampliação no direito, que pode dar maior fluidez e largueza aoinstituto, permitindo a sua utilização para uma gama maior de casos ehipóteses.

Também o Estatuto da Cidade admite que o prazo da concessão dodireito possa ser indeterminado, ao passo que o Código Civil apenas admiteprazo certo. Também neste particular, o Estatuto, para os seus propósitos,confere uma maior abrangência ao instituto.

Assim, em que pese as diferenças, os direitos previstos em normas distin-tas, coexistem por terem metas não necessariamente coincidentes, contudona “dúvida” sobre qual diploma legal deve ser empregado, o direito de super-fície deve ser admitido em sua maior extensão.

Por fim, é de se admitir que muitas questões sobre a forma de registroserão certamente suscitadas, posto que o direito de superfície poderá serexercitado de muitas maneiras, envolvendo situações simples de cessão paraum novo plantio ou para uma construção única, bem como, envolvendosituações complexas, em que a edificação envolva grande plano de incorpo-ração condominial.

Estas questões registrais deverão se melhor adequadas e convenientemen-te regulamentadas, para que o devido controle escritural seja feito a contento.

6. Bibliografia:

- GOMES, Orlando. Direitos Reais, 7ª ed., Forense, p. 86).

- BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo,14ª ed., Malheiros Editores, p. 684 ).

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- CENEVIVA, Walter. Extraído de palestras proferidas na Escola Paulista daMagistratura, no curso sobre o Novo Código Civil.

- LIMA, Ricardo Pereira. Extraído de palestras proferidas na Escola Paulistada Magistratura, no curso sobre o Novo Código Civil.

- REALE, Miguel. Citado no Novo Código Civil e Legislação Extravagante Ano-tados, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, atualizado até15.03.02, p. 419).

- REALE, Miguel. O Estado de S.Paulo, 26.11.1983.

- VENOSA, Silvio. Curso sobre Direito Civil - Direitos Reais , v. V, 2ª ed., Atlas,p. 383).

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SUMÁRIO: 1. O tempo no Direito Processual Civil -2. O dilema entre celeridade e segurança - 3. A celeridadecomo pressuposto de um processo justo - 4. A garantiada tutela jurisdicional tempestiva - 5.O conceito detutela jurisdicional tempestiva - 6. Bibliografia

1. O tempo no Direito Processual Civil

par de assuntos eminentemente processuais, como prazos, preclusão,prescrição, e, sob o fundamento de não se tratar de um tema propriamen-te jurídico, grande parcela da doutrina brasileira sempre encarou a ques-

tão do tempo no processo — a sua duração — como algo de menor importância.

Contudo, o estudioso que imagina que a questão da duração do processoé irrelevante e não tem importância científica não é só alheio ao mundo em quevive, como também não tem a capacidade de perceber que o tempo do processoé fundamento dogmático de vários importantes temas do processo contempo-râneo (tutela antecipada, ação monitória, Juizados Especiais, entre outros).1

Os reflexos do tempono Direito Processual Civil(uma breve análise da qualidade temporaldo processo civil brasileiro e do europeu)

Fernando da Fonseca GajardoniJUIZ DE DIREITO NO ESTADO DE SÃO PAULO E MESTRE EM DIREITO

PROCESSUAL CIVIL PELA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.

1 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado e Execução Imediata da Sentença, 4ªed., São Paulo: RT, 2000, p. 19.

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A necessidade de aprofundamento dos estudos sobre o tempo do proces-so diz respeito, sobretudo, ao processo civil e trabalhista, vítimas principaisdesse fator. Infelizmente, o que se tem registrado até agora é a “mais desoladoraindiferença por parte da doutrina, que, ainda, inacreditavelmente, encara os pro-blemas relacionados ao custo e à duração dos processos como algo — se não pro-priamente irrelevante e incidente — de pelo menos importância marcadamentesecundária, por não serem propriamente ‘científicos’”.2

É chegado o momento do tempo do processo “tomar o seu efetivo lugardentro da ciência processual, pois este não pode deixar de influir sobre a elaboraçãodogmática preocupada com a construção do processo justo ou com aquele destinadoa realizar concretamente os valores e os princípios contidos na Constituição daRepública”.3

Por isso, o fator tempo no processo — ao lado do seu custo — devecondicionar não somente a condução do processo, mas também a própriaatividade legislativa4. O legislador infraconstitucional está obrigado a cons-truir procedimentos que tutelem, de forma efetiva, adequada e tempestiva, osdireitos, e a prever tutelas que, atuando internamente no procedimento, per-mitam uma racional distribuição do tempo do processo5. Nesse sentido, bas-ta ver as reformas do Código de Processo Civil brasileiro do final do séculopassado (tutela antecipada, ação monitória), bem como a edição da Lei dosJuizados Especiais Federais (Lei nº 10.259/2001), todas inspiradas pelo pro-pósito acelerador.

2. O dilema entre celeridade e segurança

O processo é um instituto essencialmente dinâmico e, até mesmo poruma exigência lógica, não exaure o seu ciclo vital em um único momento,sendo destinado a desenvolver-se no tempo. O tempo constitui elementonão só necessário, mas imprescindível, em todo processo. Embora os atos

2 Nesse sentido, Vincenzo Vigoriti, para quem “a razão principal deste posicionamento é de natureza cultural.Uma análise profunda do custo e da duração dos processos impõe o estudo e o emprego de metodologia depesquisa de natureza econômica e estatística bastante complexas e, portanto, estranha à cultura jurídica”(“Notas sobre o curso e a duração do processo civil na Itália”, tradução de Teresa Celina de Arruda Alvim, Revistade Processo, São Paulo, v. 11, nº 43, jul./set. 1986, p. 142).

3 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Antecipatória..., cit., p. 16.4 Vincenzo Vigoriti, “Costo e durata de processo civile: spunti per uma riflessione”, Rivista di Diritto Civile, Padova,

Cedam, 1996, pp. 320-325.5 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Antecipatória..., cit., p. 18.

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processuais tenham uma certa ocasião para ser realizados, normalmentenão se perfazem de modo instantâneo, mas sim desenrolam-se em váriasetapas ou fases.6

O processo, como instrumento destinado à atuação do direito material,não prescinde da aferição das reais circunstâncias da lesão ocorrida para orestabelecimento das coisas em seu status quo ante, até em homenagem a umelementar postulado de segurança jurídica. Em razão disso, impossível quepropicie prontamente tutela definitiva. O processo dura; não se pode fazertudo de uma única vez. “É indispensável se ter paciência. Semeia-se, como faz ocamponês; e é preciso esperar para se colher (...). O slogan da justiça rápida e segura,que anda na boca dos políticos inexperientes, contém, lamentavelmente, uma con-tradição in adjecto: se a justiça é segura não é rápida, se é rápida, não é segura”.7

Por outro lado, a excessiva demora do processo, mesmo que se tenha, aofinal, uma decisão segura8 — com a entrega do bem da vida perseguido aquem de direito — gera nas partes litigantes, principalmente no vencedor dademanda, independentemente de fatores de compensação (juros e correçãomonetária), inconteste dano marginal.9 Trata-se de um fator depreciativo, defaceta emocional e material,10 do objeto que deveria ser prontamente tuteladopelo processo.

Certamente, o grande desafio do processo civil contemporâneo reside noequacionamento desses dois valores: tempo e segurança.11 A decisão judicialtem que compor o litígio no menor tempo possível. Mas deve respeitar tam-bém as garantias da defesa (due process of law), sem as quais não haverá decisão

6 Cf. Adolfo Gelsi Bidart, “El tiempo y el proceso”, Revista de Processo, São Paulo, v. 6, nº 23, jul./set. 1981, p.110 e “Conciliación e proceso”, in Cândido Rangel Dinamarco; Ada Pellegrini Grinover; Kazuo Watanabe,Participação e Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, pp. 253-254.

7 Francesco Carnelutti, Diritto Processo, Napoles: Morano, 1958 (tradução nossa), p. 154.8 Não é possível esquecer-se de que a demora pode afetar a qualidade do serviço do juiz, já que as possibilidades

de erro se multiplicam consideravelmente, na medida em que transcorre o tempo entre a ocorrência do fato aser investigado em juízo e a sua declaração através da sentença. Nesse sentido, ver José Roberto dos SantosBedaque, em seu discurso de posse como desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“Odesabafo de um juiz paulista”, DOE, Poder Judiciário, Parte I, Cad. 1, 23 out. 2001, p. 2).

9 Na conhecida expressão talhada por Ítalo Andolina (Cognizione ed Ezecuzione Forzata nel Sistema della TutelaGiurisdizionale, Milano: Giufrrè, 1982, p. 20).

10 Observa Luiz Guilherme Marinoni que “se o tempo é a dimensão fundamental da vida humana e se o bemperseguido no processo interfere na felicidade do litigante que o reivindica, é certo que a demora no processogera, no mínimo, infelicidade pessoal e angústia e reduz as expectativas de uma vida mais feliz (ou menosinfeliz)” (Tutela Antecipatória..., cit., p. 17.)

11 Para Egas Dirceu Moniz de Aragão, “entre dois ideais, o de rapidez e o de certeza, oscila o processo”(Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1976, v. 2, p. 100). Cf., também,Cândido Rangel Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 232.

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segura.12 Celeridade não pode ser confundida com precipitação.13 Segurança nãopode ser confundida com eternização.

Já se colocou que o valor do tempo no processo é imenso e, em grandeparte, desconhecido. “Não seria arriscado comparar o tempo a um inimigo,contra o qual o juiz luta sem descanso”.14 Contudo, não podemos olvidar que aúnica arma que possui o juiz nessa guerra é o processo, e que sua bandeira é aaplicação correta da vontade concreta da lei, impossível de ser defendida, sema competente elucidação dos fatos.

Brevidade e segurança são forças antagônicas que têm de conviver. Comooperadores do direito, o nosso papel é mediar esse constante conflito, fazercom que essas forças se conciliem, da melhor maneira possível.

Mas a humanidade está perdendo essa batalha. Não há relatos, até apresente data, de um só sistema15 que tenha conciliado tão bem essas forças(celeridade x segurança), a ponto de satisfazer plenamente os jurisdiciona-dos.16 Segundo dados constantes do relatório sobre administração da Justiça,no ano de 1998, na Itália, entre 1991 a 1997, girava em torno de 4 anos aduração média dos processos em primeiro grau de jurisdição (órgãos de com-petência comum). No Japão, antes da entrada em vigor do novo código, em1998, não era raro que um feito civil se arrastasse por alguns anos, e levasse

12 Celso Agrícola Barbi aponta que “o aumento da intensidade nas medidas para alcançar um desses objetivosimplica, quase sempre, o distanciamento do outro; a um processo muito rápido corresponde geralmente arestrição na defesa do direito por parte do réu; e a uma garantia muito desenvolvida dessa defesa correspondeum processo moroso. As sucessivas reformas processuais têm sempre o objetivo de encontrar o ponto deequilíbrio, em que a celeridade desejável não provoque o enfraquecimento de defesa do direito de cada um”(Comentários ao Código de Processo Civil, 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. 1, p. 515). “Nem o valorceleridade deve primar, pura e simplesmente, sobre o valor verdade, nem este sobrepor-se, em quaisquercircunstâncias, àquele” (José Carlos Barbosa Moreira, “Efetividade do processo e técnica processual”, in Temasde Direito Processual, 6ª série, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 22).

13 Ensina-nos Hélio Tornaghi que o órgão judicial é responsável pela celeridade do processo, “mas semprecuidando que não se mutilem as garantias, quer de observância do direito objetivo, quer de respeito aos direitossubjetivos das partes ou de terceiros. O acerto da decisão prima sobre a sua presteza. É preciso que a ligeirezanão se converta em leviandade, que a pressa não acarrete a irreflexão. O juiz deve buscar a rápida solução dolitígio, mas tem de evitar o açodamento, o afogadilho, a sofreguidão. Deve ser destro, sem ser pior que ovagaroso. A observância rigorosa das formas e prazos legais é a melhor receita para conciliar rapidez esegurança” (Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, v. 1, p. 382).

14 Francesco Carnelutti, Diritto Processo, Nápoles: Morano, 1958, p. 354.15 Cf. Norberto Bobbio, Diário de um Século, São Paulo: Campos, 1998, p. 243.16 Donaldo Armelin ensina-nos que “o direito processual europeu, apesar de portentosa produção científica que

apresenta, não produziu, ainda, um sistema jurídico processual plenamente eficaz em termos do equacionamentoda almejada harmonização entre segurança, rapidez e eficácia. Talvez o vezo cartesiano de partir de princípiospara se chegar às soluções adequadas à praxis seja um dos responsáveis por essa situação. O certo, porém, éque o sistema processual anglo-americano, muito mais marcado pelo empirismo, apresenta melhores soluçõesnesse sentido, a despeito de não contar com a produção científica do direito europeu” (“Tutela jurisdicionalcautelar”, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, nº 23, jun. 1985, p. 126).

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mais de dez anos, até decisão da Corte Suprema. Na Inglaterra, o desconten-tamento com a morosidade da Justiça civil é tamanha que, em abril de 1999,rompeu-se a multissecular tradição da common law, adotando-se um Códigode Processo Civil, em vários traços assemelhados ao modelo continental euro-peu, com prazos bem fixados (e bem descumpridos). Nos Estados Unidos, hárelatos de que, em muitos lugares, um feito de itinerário completo (até otrial) chega a durar, em média, na primeira instância, de três a cinco anos.Talvez por isso é que nesse país o fenômeno da alternative dispute resolution(ADR) tenha encontrado “máxima florescência”.17 E, na França, para os casoscíveis, o procedimento médio, perante um tribunal de primeira instância,chega a 9 meses, ultrapassando os 15 meses, em grau de apelação. No mesmopaís, há, ainda, tribunais mais lentos, que levam, em média, 21 meses parajulgar em primeira instância (Pointe-à-Pitre), e outros, 20 meses para a apela-ção (Aix-en-Provence).18

No Brasil, não haveria de ser diferente.

Na justiça federal, seguramente a mais lenta do país, a lentidão dosprocessos é algo manifesto. No Tribunal Regional Federal da 2ª Região,mesmo excluindo-se o tempo do processo em 1º grau, uma causa simples(previdenciária, por exemplo) leva de 2 a 4 anos para ser julgada. Causasmais complexas chegam a levar 10 anos, só em 2º grau.19 Na 3ª Região,apesar da inexistência de dados oficiais, identificamos um verdadeiro caos,quando se fala em tempo do processo, na segunda instância. Da análise de7 processos recebidos desse Tribunal na Comarca de Patrocínio Paulista/SP(art. 109, § 3º, da Constituição Federal), no período compreendido entre1998 e 2002, notamos que cada um deles, apesar de tratarem do mesmoassunto (previdenciário), tem duração absolutamente díspar. Há feitos quedemoram cerca de 3 anos e 8 meses para receber julgamento em segundograu, enquanto outros, em menos de ano, são julgados. Tomando-se emconsideração 10 processos, constatou-se que o tempo médio de trâmite dofeito, em segunda instância, na 3ª Região — da remessa até o recebimento

17 Cf. José Carlos Barbosa Moreira, “O futuro da justiça: alguns mitos”, Revista da Escola Paulista da Magistratura,v. 2, ano 1, São Paulo, p. 73.

18 Cf. Jehanne Collard, “Victimes: les oubliés de la justice”, Paris: 1997, p. 141 e segs., apud José Rogério Cruze Tucci, Tempo e Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 91. Nessa obra, o autor faz uminteressante relato de casos ocorridos perante os tribunais franceses, onde os jurisdicionados sentiram na peleo amargor da lentidão judicial.

19 Fonte: Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

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em primeiro grau — é de aproximadamente 601 dias, mais ou menos 1 anoe 8 meses. A experiência prática está a demonstrar, ainda, que feitos denatureza tributária têm levado mais de 4 anos, para serem apreciados.

O quadro não é distinto na Justiça estadual. Em trabalho desbravador,posto inexistir, na época, registros obrigatórios no Tribunal de Justiça do Es-tado de São Paulo, os professores Kazuo Watanabe e Ada Pellegrini Grinover20

levantaram os dados referentes à duração média do processo civil em SãoPaulo, no período compreendido entre junho de 1986 e maio de 1989 (antesda Constituição Federal de 1988, portanto). Os dados da capital revelaramque, em 1986, a duração média do processo civil (excluída infância e juventu-de) era de 1 ano e 3 meses; em 1987, 2 anos e 20 dias; em 1988, 1 ano, 9meses e 20 dias; e em 1989, 2 anos e 1 mês. No Interior, o processo era umpouco mais rápido: em 1986, sua duração média era de 1 ano, 2 meses e 20dias; em 1987, 1 ano, 5 meses e 23 dias; em 1988, 1 ano, 6 meses e 7 dias;e, finalmente, em 1989, 1 ano, 8 meses e 29 dias.21

A impressão inicial de justiça célere à época não passa aos olhos maisatentos. Quando se fala em duração média, deve se lembrar que há processosextintos inicialmente ou irrecorridos (de duração menor), bem como outrosque chegam até as instâncias extraordinárias (de duração maior). Todos essesprocessos foram considerados, de modo que qualquer valor médio superior aum ano já é demasiado.

Atualmente, o quadro de lentidão na Justiça Estadual paulista é mais graveainda. Salvo as exceções legais e regimentais, uma apelação cível no Tribunal deJustiça do Estado de São Paulo aguarda de 2 a 3 anos só para ser distribuída.22

Supondo-se que não haja recursos excepcionais (extraordinário e especial) eacrescentando-se o tempo em primeiro grau, numa análise otimista, parece-nos seguro que uma causa com recurso para o Tribunal de Justiça não se resolve,em São Paulo, em menos de 3 anos, isso sem sequer imaginarmos, nas açõescondenatórias, que depois se dará início, ainda, a um processo de execução.

20 Ada Pellegrini Grinover; Kazuo Watanabe, Durata Media dei Processi di Giurisdizione Ordinaria nello Stato di SanPaolo del Brasile, Separata Legalità e Giustizia, Edizioni Scientifiche Italiane, nº 2-3, 1992, pp. 329-338.

21 Projeto semelhante foi desenvolvido em 1988, pelos então desembargadores fluminenses José Carlos BarbosaMoreira e Felipe Augusto Miranda Rosa, que investigaram a duração dos processos na Comarca do Rio deJaneiro-RJ. Revelou-se que, em 2º grau, um feito levava, do recebimento no Tribunal, até publicação do acórdão,em média, 184 dias, se sumaríssimo (atual sumário), e 247, se ordinário. Numa análise do tempo total doprocesso — ajuizamento até julgamento em 2º grau — levantou-se que um feito de rito ordinário durava 757dias, enquanto um de rito sumário, em média, 705 dias (DOE do Rio de Janeiro, 20 nov. 1990).

22 Fonte: DEPRO – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

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Somente na Justiça do Trabalho brasileira é que podemos encontrar al-guns exemplos de processos que são solucionados rapidamente. No TribunalRegional do Trabalho da 7ª Região (Ceará), em 2001, a duração média doprocesso em segunda instância — da entrada até o julgamento — ficava emtorno de 60 dias. Na 9ª Região (Paraná), 115 dias. Na 12ª Região (SantaCatarina), 163 dias, 56 dias para os procedimentos sumaríssimos. Na 13ªRegião (Paraíba), 46 dias. Na 14ª Região (Rondônia), 121 dias e, na 20ª(Sergipe), 39 dias. Na 10ª Região (Distrito Federal), do ajuizamento emprimeira instância até o julgamento em segunda, o prazo médio, em 2001,era de 150 dias (rito ordinário e sumaríssimo). Na 18ª Região (Goiás), otempo total do processo, em 2001, sem contar o trânsito, era de 116 dias. Na19ª (Alagoas), 367 dias, no total.

Essa falsa impressão de celeridade na Justiça laboral, contudo, não passapor uma análise mais atenta. A fase executiva do processo do trabalho, talvezpor tomar emprestado o regime executivo do Código de Processo Civil, éextremamente lenta. E os Tribunais Regionais do Trabalho supracitados, emsua maioria, são de Estados com baixa população e de pequeno desenvolvi-mento industrial, motivo pelo qual baixa a incidência, também, de reclama-ções. Se analisarmos os Estados com maior conflituosidade laboral, e até ou-tros nem tão populosos assim, veremos que a morosidade também assola aJustiça do Trabalho. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SãoPaulo) informa que uma reclamação trabalhista, do ajuizamento ao julga-mento em segunda instância, leva, em média, 3,5 anos (2001). Na 4ª Região(Rio Grande do Sul), da autuação até julgamento, um recurso ordinário dura,em média, 468 dias (2001). Na 15ª Região (interior de SP), o prazo médioem segundo grau, da entrada até a lavratura do acórdão, em 2000, era de 335dias, 279 em 2001. Na 17ª Região (Espírito Santo), 286 (ago. 2001). Na21ª Região (Rio Grande do Norte), só em segundo grau, um feito trabalhistalevava, em média, 476 dias para ser julgado.23

A lentidão dos processo judiciais, portanto, é uma característica inelimi-nável da Justiça estatal contemporânea. Em alguns lugares, talvez porque falteuma vontade política de atenuar essa excessiva demora. Em outros, talvez,porque o Estado vem perdendo ou já perdeu essa batalha.

23 Fonte: Os próprios tribunais declinados. Há relatos de que, excepcionando este quadro, apenas o TRT da 3ªRegião (Minas Gerais), que, apesar de atender a uma grande população, oferece tutela de boa qualidadetemporal.

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Pesquisa realizada recentemente pela CNT, em conjunto com a Vox Po-puli, revela que 89% das pessoas entrevistadas no Brasil consideram a justiçalenta.24 No mesmo sentido, pesquisa realizada pelo jornal O Estado de S.Paulo,para que 92% dos brasileiros consideram a lentidão o principal problema dajustiça nacional.25

Em pesquisas setorizadas, índices maiores ainda são encontrados. Entreos empresários do País, 90,8% deles qualificam como ruim o Judiciário nacio-nal, no concernente à agilidade.26 E 99,12% dos juízes federais brasileiros,em pesquisa realizada pelo Conselho de Justiça Federal, vêem no atributolentidão o principal problema do Judiciário brasileiro.

Tudo está a evidenciar, portanto, que o dilema de ontem, entre seguran-ça e a celeridade, hoje, deve ser repensado. Segurança, sem dúvida, é indispen-sável. Mas, em benefício da rapidez das decisões, da prioridade que deve ser dada àceleridade dos processos, nada impede que algumas garantias sejam arranhadas.27

3. A celeridade como pressuposto de um processo justo

O escopo primordial do processo, analisado como instrumento de paci-ficação social, é a satisfação dos interesses das partes, a qual não é obtida se ele,como instituição, se prolonga demasiadamente no tempo. Para que o proces-so cumpra com eficácia o fim social para que concebido, propiciando não sósatisfação jurídica, mas também efetiva, é preciso que se desenvolva em umperíodo razoável.28

Com efeito, ao lado da efetividade do resultado, imperioso é tambémque a decisão do processo seja tempestiva. É inegável “que, quanto mais distan-te da ocasião tecnicamente propícia for proferida a sentença, a respectiva eficáciaserá proporcionalmente mais fraca e ilusória”, pois “um julgamento tardio iráperdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que se postergue omomento do reconhecimento judicial dos direito; e, transcorrido o tempo razoável

24 Fonte: O Globo, Rio de Janeiro, de 7 abr. 1999. A pesquisa ainda revelou que 67% da população acredita quea Justiça só favorece os ricos, e 58% nela não confiam.

25 Fonte: O Estado de S.Paulo, 24 mar. 1999.26 Fonte: IDESP.27 Cf. Paulo César Pinheiro Carneiro, Acesso à justiça - Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública, 2ª ed., Rio

de Janeiro: Forense, 2000, p. 81.28 Cf. Cristina Riba Trepat, La Eficacia Temporal del Proceso: El Juicio sin Dilaciones Indebidas, Barcelona: Bosch,

1997, pp. 16-17.

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para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável, injusta, pormaior que seja o mérito científico do conteúdo da decisão”.29 Conforme se assinaladiuturnamente, para que a justiça seja injusta, não é necessário que atue equi-vocadamente. Basta que não julgue quando deva.

No que se refere às partes, a intempestividade da tutela jurisdicionalpropicia indiscutível desigualdade social, pois a lentidão beneficia, no maisdas vezes, a parte mais forte (rica), que pode esperar longos anos pela decisão.Um processo lento pode se tornar uma perigosa arma na mão dos mais ricos,os quais, em posse de bens e rendas alheias, podem oferecer, em troca dapronta cessão, apenas parcela do indevidamente apropriado.

Como se isso já não fosse o bastante, a demora na obtenção da tutelasempre beneficia o réu que não tem razão. A manutenção do direito deman-dado, no longo decorrer do processo, em poder daquele que está errado (emdetrimento do verdadeiro tutelado pelo direito), representa, seguramente, omaior contra-senso do sistema. O réu que não tem razão lucra com a demorapois, além de permanecer indevidamente em poder da coisa, lhe colhe osfrutos. Por isso, não poucos jurisdicionados buscam outros meios para a solu-ção de seus litígios (heterocomposição extrajudicial), quando não renunciamaos seus próprios direitos, tudo a fim de evitar o dano maior que terão (mate-rial e emocional) com os longos anos de espera por uma decisão.30

Já no aspecto econômico, quanto mais lento o processo, maiores as incer-tezas. E quanto maiores as dúvidas, menores os investimentos no país. Sabidoque organismos internacionais (Banco Mundicial, BID) mensalmente divul-gam índices de risco dos mais diversos países do mundo, principalmente osda América Latina. No cálculo desses índices, primordial é o “fator Judiciá-rio”, analisado tanto sob o prisma da coerência das decisões, quanto sob o datempestividade da tutela.31

Até no aspecto antagônico à celeridade, a segurança da decisão, o fatortempo é preponderante. Quanto mais tempo se passa entre o fato a serapurado e a data do julgamento, menos condições tem o órgão julgador de

29 José Rogério Cruz e Tucci, “Garantia do processo sem dilações indevidas”, in José Rogério Cruz e Tucci (org.),Garantias Constitucionais do Processo Civil, homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988, SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1998, pp. 235-236.

30 Cf. Italo Andolina; Giuseppe Vignera, Il Modelo Constituzionale del Processo Civile Italiano, Turim: Giappichelli,1990, p. 88.

31 Cf. “A babel da justiça”, Diálogos & Debates da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, v. 3, nº 1, set.2002, p. 29.

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solucionar com segurança e justiça o litígio. As circunstâncias do caso que seconsomem, as modificações fáticas e jurídicas (conflito de leis no tempo) dacontrovérsia, tudo contribui para um menor grau de qualidade da tutelaprestada intempestivamente.

Além disso, aquele que não vê reconhecido o seu direito em decorrênciade um provimento injusto — e injusto considera-se, também, o provimentooferecido a destempo — passa a não crer mais na justiça. E, “na medida emque essas frustrações se repetem, aumenta a tensão social, o que, evidentemente, nãointeressa ao Estado”.32

4. A garantia da tutela jurisdicional tempestiva

Além de compreendida, para boa parte da doutrina internacional, entreos denominados direitos humanos, a garantia da tutela jurisdicional tempes-tiva encontra suporte, explícita ou implicitamente, dentro de um amplo con-ceito constitucional de acesso à justiça.33

De fato, tutela jurisdicional a destempo, ineficaz, portanto, implica de-negação da própria jurisdição, a qual constitui direito fundamental do ho-mem, corolário do próprio Estado Democrático de Direito.34

Parece-nos pertinente afirmar que a garantia constitucional de tutela ju-risdicional é portadora, também, do direito à celeridade do processo,35 demodo que, ofertando-se tutela intempestiva, se estará atentando contra o pró-prio conceito de jurisdição.

Seja como for, o fato é que diversos países, seja em seus ordenamentosinternos, seja através de tratados internacionais, vêm assimilando que aprópria proteção jurídica do direito é direito inalienável do ser humano.E, sendo direito humano, não pode ser mitigado através de uma proteção

32 José Roberto dos Santos Bedaque, Poderes Instrutórios do Juiz, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001,p. 72.

33 Lúcida é a observação de Luiz Guilherme Marinoni, para quem “o direito à defesa, assim como o direito àtempestividade da tutela jurisdicional, são direitos constitucionalmente tutelados. Todos sabem, de fato, que odireito de acesso à justiça, garantido pelo artigo 5º, XXXV, da Constituição da República, não quer dizer apenasque todos têm direito de ir a juízo, mas também quer significar que todos têm direito à adequada tutelajurisdicional ou à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva” (Tutela Antecipada..., cit., p. 18).

34 Cf. Clarissa Sampaio Silva, “A efetividade do processo como um direito fundamental: o papel das tutelascautelar e antecipatória”, in Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais, São Paulo: Livraria dos Advoga-dos, 1997, pp. 185-188.

35 Italo Andolina; Giuseppe Vignera, Il Modelo Constituzionale del Processo Civile Italiano, cit., p. 90.

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jurídica (prestação jurisdicional) imperfeita (ineficaz e/ou intempestiva).36

De acordo com o artigo 6º, 1, da Convenção Européia para Salvaguar-da dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita emRoma, em 4.11.1950, e, posteriormente, ratificada por quase todos ospaíses da Europa,37 “toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinadaequitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independen-te e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civisou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra eladirigida (...)” (grifo nosso).

Referido dispositivo, a par de mera disposição programática, pressupõe ocompromisso de todos os Estados contratantes de adotar posturas políticas nosentido de que seus processos se desenvolvam dentro de uma margem temporaladequada.38 Por isso, até os tempos atuais, se nota uma incisiva ação legislativadesses Estados, orientada a fixar os limites temporais das diversas atividadesjudiciais, ora tornando peremptórios os prazos processuais, ora estabelecendocritérios que devem presidir as decisões relativas ao tempo da demanda.39

A fim de garantir eficácia temporal ao processo — entre outras garantiascontempladas na Convenção de Roma — foi criada uma jurisdição especial, oTribunal Europeu dos Direitos Humanos,40 órgão competente para o ofereci-mento de tutela jurisdicional supranacional aos direitos humanos.41

Tal Corte, na análise dos casos a ela submetidos, pode perfeitamentedeclarar violada a Convenção Européia dos Direitos Humanos, fixando, in-clusive, reparação pecuniária ao ofendido, sob responsabilidade do Estadoofensor. Nesse sentido, basta mencionar que o artigo 41 da Convenção prevêque “se o tribunal declara que houve violação da Convenção ou dos seus protocolose se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamen-te obviar as conseqüências de tal violação, o tribunal atribuirá à parte lesada umareparação razoável, se necessário”.

36 Em relação ao processo penal, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de Nova Iorque, aprovado pelaAssembléia Geral da ONU em 19.12.1966, estabelece, em seu artigo 9.3, que “toda pessoa detida ou presa emrazão de uma infração penal será levada sem demora a um juiz ou funcionário autorizado pela lei a exercerfunções judiciais, e terá que ser julgada dentro de um prazo razoável ou que ser posta em liberdade”.

37 Não ratificaram a referida convenção somente o Azerbaijão e a Armênia.38 Cf. J. V. Gimeno Sendra, El Derecho a un Proceso Sin Dilaciones Indebidas, Madrid: Justicia, 1986, p. 395.39 Cf. Cristina Riba Trepat, La Eficacia Temporal del Proceso: El Juicio sin Dilaciones Indebidas, cit., p. 53.40 “Artigo 19 - A fim de assegurar o respeito dos compromisso que resultam para as Altas Partes Contratantes da

presente convenção e dos seus protocolos é criado um Tribunal Europeu de Direitos Humanos (...).”41 Para um levantamento completo da jurisprudências desta Corte: Cristina Riba Trepat, op. cit., pp. 60-75.

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Dados da própria Corte Européia revelam que o direito humano maisviolado, conseqüentemente o mais tutelado, é o constante do artigo 6.1 daConvenção de Roma, ou seja, o direito a uma tempestiva tutela jurisdicional.Só para termos uma idéia, em 1999, dos 177 casos apreciados pela Corte,137 reclamavam de violação à referida garantia (77%). Desses 137, foi cons-tatada violação em 83 deles (61%), sendo que, em outros 32 processos (23%),o Estado ofensor e o jurisdicionado se compuseram amigavelmente, sem opor-tunidade para que o Tribunal supranacional declarasse, ou não, violado odireito. Em apenas 7 casos apreciados (5%), decidiu a Corte não ter havidoviolação ao artigo 6.1 da Convenção, tendo-se, nos demais 15 processos ana-lisados no período (11%), declarado sem jurisdição, ou admitido ter sidoapresentada a reclamação intempestivamente.42

Aliás, esses mesmos dados são capazes de revelar, ainda, como anda osistema judiciário — e, conseqüentemente, o processo — nos diversos orde-namentos jurídicos europeus.

O campeão em reclamações por violação à garantia humana de tempes-tividade da tutela jurisdicional é o Estado italiano.43 Dos 137 processosapreciados em 1999, 70 (51%) tinham no pólo passivo a Itália. Desses 70,em 46 deles (66%), foi constatada a violação, enquanto que, em outros 23(33%), foi celebrado acordo com o jurisdicionado. Em nenhum caso apre-ciado foi constatada, pela Corte, a ausência de violação ao artigo 6.1 daConvenção.

Em segundo lugar, como violador da garantia de tempestividade da tute-la jurisdicional, encontra-se a França, com 14 reclamações (10%), 11 acolhi-das, uma encerrada através de acordo, uma desacolhida, e uma não apreciada.

Em terceiro lugar, a Turquia, com 8 reclamações julgadas (6%), em to-das constatada a violação, seguida de Portugal, com 12 reclamações (9%),embora apenas 7 acolhidas, tendo as outras 5 sido solucionadas através deacordo. Na seqüência, ainda, se encontram reclamações contra o Reino Unido(7 reclamações, 5 acolhidas), Áustria (3 violações), Bélgica (2 reclamações,uma acolhida), Eslováquia (2 reclamações, uma acolhida), Romênia (umaviolação), Alemanha (com 3 reclamações, 2 desacolhidas e uma arquivada),

42 Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.43 Lamentando a lentidão do processo civil italiano, cf. Mauro Cappelletti, Proceso, Ideologias, Sociedad, tradução

de Santiago Sentis Mellendo y Tomás e A. Banzhaf, Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, s. d., pp.549-550.

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Espanha (com 2 reclamações, uma desacolhida e outra resolvida amigavel-mente), entre outros.44

O que sobreleva notar desses dados é que o número de reclamações pe-rante a Corte Européia de Direitos Humanos, por violação ao disposto noartigo 6.1 da Convenção, é diretamente proporcional à importância que oEstado dá ao seu sistema judicial e à tutela do tempo do processo.

Veja-se, por exemplo, no topo da lista, a Itália. Detentora de um siste-ma legal (constitucional) que não tutela adequadamente o tempo no proces-so — prazos abertos, admissão de retorno a fases já superadas, regime depreclusões bastante tênue, rico sistema recursal — esse país, há mais de 10anos, sofre seguidas condenações na Corte Européia, por violação ao direito àtutela jurisdicional em prazo razoável.45 Só para se ter uma idéia, em julga-mento ocorrido em 25.6.1987, foi aberto importante precedente no âmbitoeuropeu, condenando-se exatamente o Estado italiano, a indenizar um ju-risdicionado seu (8.000 liras), em razão do dano moral sofrido pela indevi-da duração de seu processo.46

Por outro lado, na rabeira da lista, tem-se a Espanha, país cuja legislaçãointerna e os tribunais locais tutelam adequadamente o tempo do processo.

De acordo com o artigo 24.2 da Constituição espanhola, de 1978, “todostêm direito ao juiz ordinário previamente determinado por lei, à defesa e à assis-tência de advogado, a serem informados da acusação contra si deduzida, a umprocesso público sem dilação indevida e com todas as garantias” (grifo nosso).47

Interpretando referido dispositivo, o Tribunal Constitucional da Espanha,

44 Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.45 Seguramente, em resposta a essas seguidas condenações por ofensa ao disposto no artigo 6º, 1, da Convenção

de Roma, a última reforma do Código de Processo Civil italiano introduziu um sistema rígido de preclusões, tudocom vistas a abreviar o tempo do processo (José Rogério Cruz e Tucci, “Atuais reformas do processo civil italianoe brasileiro: contrastes e confrontos”, in Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.), Reforma do Código de ProcessoCivil, São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 841-868). Até a Constituição italiana, inspirada pelo propósito acelerador,a partir de 1999 passou a ter o seu art. 111 com a seguinte redação: “A jurisdição atua mediante um processojusto e regulado pela lei. Cada processo se desenvolve através do contraditório entre as partes, em condição deigualdade, perante um juízo estranho e imparcial. A lei lhe assegurará uma duração razoável“ (tradução e grifosnossos). Além disso, o governo italiano tem buscado, cada vez mais, informatizar a prática processual no país,fazendo com que o processo se torne cada vez mais célere (Decreto do Ministério de Justiça, nº 123, de 13.2.2001).

46 Para acompanhar a tradução na íntegra do referido acórdão, ver José Rogério Cruz e Tucci, “Dano moraldecorrente da excessiva duração do processo”, in Temas Polêmicos de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1990,pp. 96-103.

47 O artigo 96.1 da Constituição Espanhola, de 27.12.1978, incorpora ao ordenamento jurídico interno a Conven-ção Européia dos Direitos Humanos, de modo que a tutela do tempo do processo não necessitava merecerprevisão expressa na Carta Constitucional.

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por diversas vezes, deixou assentado que a norma reconhece todo um elenco dedireitos fundamentais que configuram as garantias básicas do processo judiciale administrativo, razão pela qual a violação desses preceitos implica incontesteviolação da própria Constituição.

Talvez por isso a referida Corte seja sensível aos reclamos por tempestivi-dade na tutela jurisdicional. De 1981 a 1995, oito sentenças foram anuladaspelo Tribunal Constitucional, por contrárias ao artigo 24.2 da ConstituiçãoEspanhola, em que pese em nenhum deles ter sido fixada indenização parareparar economicamente o jurisdicionado lesado,48 que, pelo entendimentoda Corte, deve buscar autonomamente compensação.49

De qualquer forma, o impacto moral do reconhecimento, pela mais altaCorte espanhola, de uma tutela constitucional do tempo no processo, geraindiscutíveis reflexos práticos na ordem jurídica, pois a iniciação de um pro-cesso de amparo (semelhante a um mandado de segurança) por atraso judicialtem, no mínimo, o condão de alertar o órgão jurisdicional letárgico e, emconseqüência, conseguir a tutela esperada.

Outros ordenamentos europeus tutelam, ainda que em nível infraconsti-tucional, o tempo no processo. O Código de Processo Civil português, porexemplo, prevê, expressamente (art. 2-1) que “a protecção jurídica através dostribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial queaprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo,bem como a possibilidade de a fazer executar” (grifo nosso).

No nosso sistema não há, outrossim, um dispositivo expresso a protegero direito à tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável. Apesar da Cons-tituição Federal brasileira elencar como garantia fundamental o devido proces-so legal e a inafastabilidade do controle judicial dos atos em geral, inexiste noordenamento jurídico interno garantia de um processo sem dilações indevidas.50

Entretanto, apesar de silenciar nesse sentido, o artigo 5º, § 2º, da

48 Cf. Cristina Riba Trepat, op. cit., p. 158, que lamenta, ainda, ser pacífico na jurisprudência espanhola incumbirao prejudicado a prova do dano sofrido pela intempestiva tutela jurisdicional (Idem, pp. 178-179).

49 Nesse sentido, basta a invocação do artigo 121 da Constituição espanhola, a prever que “os danos causadospor erros judiciais, assim como aqueles que sejam conseqüência do funcionamento anormal da Administraçãoda Justiça, darão direito a uma indenização, a cargo do Estado, conforme a lei”.

50 O que pode durar pouco. Projeto de emenda constitucional já aprovado pela comissão de Constituição e Justiçado Senado Federal (PEC 29/2000) pretende acrescentar ao art. 5o da Constituição Federal um inciso de númeroLXXVIII com a seguinte redação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duraçãodo processo, como direito público subjetivo, e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, sendoassegurado à Fazenda Pública, ao Ministério Público e à Defensoria Pública prazos especiais, na forma da lei”.

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Constituição Federal é claro ao prever que “os direitos e garantias expressosnesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por elaadotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa doBrasil seja parte” (grifo nosso).

O Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana dos DireitoHumanos, de 22.11.1969), por sua vez, integrado à ordem jurídica brasileiradesde a edição do Decreto nº 678, de 06.11.1992, inclui entre as garantiasjudiciais a de um julgamento em prazo razoável. O artigo 8º, 1, preceitua que“toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de umprazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial,instituído por lei anterior, na defesa de qualquer acusação penal contra ele formu-lada, ou para a determinação de seu direitos e obrigações de ordem civil, trabalhis-ta fiscal ou de qualquer outra natureza (...)”.51

Logo, não há mais dúvida de que, desde 6.11.1992, a garantia da tem-pestividade da tutela jurisdicional incorporou-se ao ordenamento jurídicobrasileiro, razão pela qual a duração excessiva de um processo configura ofensa àprópria Constituição Federal (art. 5o, § 1º e 2º).

Em vista disso, não nos custa lembrar mais uma vez, principalmenteaos legisladores e operadores jurídicos de um modo geral, que a garantiaconstitucional do processo sem dilações indevidas não é uma mera declara-ção de intenções dirigida ao Judiciário, mas sim uma autêntica norma pro-gramática, cujo mandamento deve ser cumprido por todos os Poderes doEstado. Ao Poder Legislativo, é exigida uma especial atenção ao elementotemporal, no momento de elaborar a legislação processual aplicável. AoPoder Executivo, a tarefa de articular a estrutura orgânica e material neces-sária para a função jurisdicional e de dar apoio completo na execução dosjulgados. E, finalmente, ao Poder Judiciário incumbe utilizar, de formaeficiente, os meios postos à sua disposição, bem como cumprir rigorosa-mente os prazos processuais.52

O Brasil, até o presente momento, não formalizou reconhecimento àjurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de modo que a

51 No sentido da incorporação do Pacto de São José da Costa Rica ao ordenamento jurídico brasileiro, vejam-se osseguintes julgados: TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 88.736-5/São Paulo, 7ª Câmara de Direito Público, rel.Sérgio Pitombo, 8.2.1999, v.u.; e STF, RT 748/152.

52 Cf. Francisco Ramos Mendez, Derecho Procesal Civil, 5º ed., Barcelona: Bosch, 1992, v. 1, pp. 344 e segs.; LuizGuilherme Marinoni, Tutela Antecipatória..., cit., p. 18.

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proteção à garantia de tutela jurisdicional em prazo razoável deve ser buscadana ordem interna.

Diversamente da Espanha, contudo, a jurisprudência é omissa a respeitodo tema. Não encontramos registros nas Cortes brasileiras de sequer umademanda em que abordada a violação ao artigo 8º, I, da Convenção America-na de Direito Humanos, quanto mais de casos em que concedida reparação aojurisdicionado lesado pela lentidão no julgamento da causa. Como se a prer-rogativa da independência da magistratura fosse escudo para eventual baixaprodução, e sob o seu imaginário pretexto, recusam-se as Cortes brasileirasem reconhecer tanto a possibilidade de avocação, pelo Tribunal, dos autosindevidamente retidos (art. 198, CPC), quanto a responsabilidade civil doEstado pela tutela jurisdicional intempestiva (art. 37, § 6º, CF).53

Seja como for, o direito à tempestividade da tutela jurisdicional é garantiaconstitucional (art. 5º, § 1º e 2º, CF). Por conseguinte, a violação de talgarantia, por ofender direito líquido e certo do jurisdicionado, dá ensejo àimpetração de mandado de segurança contra a omissão judicial (art. 5º, LXIX, CF).

Infelizmente, a experiência prática nos mostra que tal tese nunca foi leva-da adiante.

5. O conceito de tutela jurisdicional tempestiva

Não parece ser estranho a ninguém que a crise do Judiciário e do proces-so tem como um de seus fundamentos a já demonstrada lentidão dos proces-sos. Como parece ser presente a todos, também, que, tanto no Brasil, quantoem vários outros sistemas, há previsão, explícita ou implícita, constitucionalou não, do direito a uma tutela jurisdicional tempestiva (célere).

Contudo, até o presente momento não foi fixado, em nenhum dos orde-namentos jurídicos mencionados, um prazo razoável para a duração do pro-cesso, um lapso temporal que possa ser considerado ideal para que o procedi-mento transite, do começo ao fim, sem dilações indevidas.

53 Cf. Francisco Fernandes de Araújo, Responsabilidade Objetiva do Estado Pela Morosidade da Justiça, Campinas:Copola, 1999; Joel Dias Figueira Júnior, Responsabilidade Civil do Estado-Juiz: Estado e Juízes ConstitucionalmenteResponsáveis, Curitiba: Juruá. 1995; Luis Soares Antonio Hentz, Indenização do Erro Judiciário e Danos em GeralDecorrentes do Serviço Judiciário, São Paulo: Leud, 1995; Nicòlo Trocker, “La responsabilitá del giudice”, RivistaTrimestrale di Diritto e Procedura Civile, v. 34, nº 4, p. 1.283, 1982; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “Responsabilidadedo Estado por atos jurisdicionais”, Revista de Direito Administrativo, nº 198, 1994, p. 85.

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A American Bar Association publicou, em época relativamente recente, eembasada em critérios aleatórios, o tempo tolerável de duração dos processosnos tribunais ordinários da justiça norte-americana. De acordo com a tabelade referida associação:

a) casos cíveis em geral: 90% devem ser iniciados, processados e concluí-dos dentro de 12 meses, sendo que os 10% restantes, decorrência de circuns-tâncias excepcionais, dentro de 24 meses;

b) casos cíveis sumários: processados perante juizados de pequenas cau-sas (small claims), devendo ser finalizados em 30 dias;

c) relações domésticas: 90% das pendências devem ser iniciadas e julga-das, ou encerradas de outro modo, no prazo de 30 dias; 98%, dentro de 6meses e 100%, em um ano. 54

Já o conceito de prazo razoável para a Corte Européia dos Direitos Hu-manos foi criado pela jurisprudência internacional, à margem das regulaçõesprocessuais de cada país. Trata-se de critério autônomo, abstrato, não prefixa-do, de modo que a violação deve ser analisada segundo as circunstâncias docaso em concreto. Quatro critérios devem nortear tal análise:

a) a complexidade do assunto (complex litigation);b) o comportamento dos litigantes e de seu procuradores;c) o comportamento do órgão jurisdicional;d) a importância do objeto do processo para o recorrente (este, mais

como critério de fixação do quantum indenizatório).55

No mesmo sentido caminha a doutrina constitucional espanhola56 que,de maneira constante e uniforme, vem assinalando que não existe um direitoconstitucional a prazo certo (concepto juridico indeterminado), devendo, para aapreciação de eventual violação à garantia constitucional de um processo emtempo razoável (art. 24.2), ser analisadas, também, questões exógenas à pró-pria demanda.57

Seja como for, parece-nos que fixar o lapso temporal aceitável do processo

54 José Rogério Cruz e Tucci, Garantia do Processo sem Dilações Indevidas, cit., p. 249.55 Cf. Cristina Riba Trepat, op. cit., pp. 76-90.56 A Corte Constitucional espanhola se utiliza dos critérios do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para aferição

da violação do direito à tutela jurisdicional tempestiva.57 O artigo 10.2 da Constituição espanhola converte as decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos em

vetor interpretativo principal nas decisões nacionais sobre o mesmo assunto.

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civil brasileiro, ou de qualquer outro país, exige, antes de tudo, a consciênciade que, tanto quanto uma árvore para dar frutos, cada demanda tem seutempo. Exatamente por isso que, nessa análise, fatores internos e externos acada processo devem ser apreciados.

Em primeiro lugar, é necessário que a série de atos concatenados entre sique compõem o procedimento venha ordenada temporalmente, isto é, quehaja prazos preestabelecidos, adequados para que cada um dos atos possa serealizar em consonância com os princípios constitucionais do contraditório eda ampla defesa. Quando se fala em prefixação de prazos, deve-se lembrar quetalvez a maior garantia de que um processo seja solucionado em tempo razoá-vel é exatamente o cumprimento desses prazos, os quais, por óbvio, não devemser fixados em tempo maior nem menor do que o necessário.58

Em segundo lugar, indispensável que o procedimento transite de umafase para outra, seja através de impulso oficial, seja por impulso das partes. Deacordo com o artigo 262 do Código de Processo Civil brasileiro, “o processocivil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial”. Infe-lizmente, nosso sistema é extremamente rigoroso em relação aos prazos refe-rentes às partes e soberbamente permissivo em relação aos prazos que se refe-rem ao órgão judicial (prazos impróprios), como se o culpado pelas delongasdo processo, no mais das vezes, fossem as partes — sujeitas a rigoroso regimede preclusões —, e não o órgão judicial.59

Finalmente, necessário que a estrutura temporal do processo determineuma duração razoável, em função da tutela que em cada caso se pretende, ouseja, que os atos a serem praticados e os seus prazos sejam fixados em vista dascircunstâncias do direito a ser protegido. Há classes de litígios que, em razãode sua especialidade, ou da prova pré-constituída de uma das partes, exigemuma tutela mais célere, enquanto outras classes, por ausentes esses atributos,admitem uma resposta em lapso temporal mais prolongado.

Apesar de este não ser um conceito absolutamente seguro, a nosso ver, em

58 Em importante passagem de sua obra, Cristina Riba Trepat assevera que “não se pode permitir a obsolescênciados prazos fixados nas leis processuais, nem tampouco sua utilização meramente formalista, mas sim se deveexigir uma constante atenção à evolução jurídico-social, de modo que não resulte escandalosa a margem dediferença entre o tempo processual e o tempo real” (La Eficacia Temporal del Proceso: El Juicio sin DilacionesIndebidas, cit., p. 168 - tradução nossa).

59 Apesar disso, acreditamos que a estrutura judiciária brasileira ainda não permite a fixação de prazos peremp-tórios para o órgão judicial, cujo descumprimento levaria a sanções de ordem civil e/ou administrativa. As razõessão inúmeras: falta de estrutura material do Judiciário, diminuição do número de interessados nos cargos dejuízes, entre outras.

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sistemas processuais preclusivos e de prazos majoritariamente peremptórioscomo o nosso, o tempo ideal do processo é aquele resultante da somatória dosprazos fixados no Código de Processo Civil para o cumprimento de todos os atosque compõem o procedimento, mais o tempo de trânsito dos autos.60 Eventu-ais razões que levem a uma duração que exceda o prazo fixado previamente pelolegislador, com base no direito a ser protegido, deve se fundar em um interessejurídico superior, que permita justificar o quebramento da previsão contida nanorma processual,61 no qual não se inclui a alegação de excesso de demandas.

Enfim, é tempestiva a tutela jurisdicional quando os prazos legalmente prefi-xados para o trâmite e instrução do processo, concebidos em vista das circunstânciasde fato da demanda, do direito a ser protegido, do contraditório e da ampla defesa,são cumpridos pelas partes e pelo órgão jurisdicional.

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uando me foi feito o convite pelo presidente da Academia, eu medispus, em conversa com o professor Arnoldo Wald, a falar, hoje,sobre as minhas inquietudes a propósito do papel do Superior na

organização do Judiciário, mas creio que exprimo, neste momento, os senti-mentos de todo o Tribunal — de um Tribunal que, infelizmente, ainda nãoteve bem definidas as suas competências (isto é, posto que o devesse, até opresente não se converteu no Tribunal de todo o direito ordinário, e de modoque as suas decisões, nesse campo, façam-se irrecorríveis).

O meu sentimento é antigo, amplamente conhecido, pois data do iníciodas atividades do Superior, e foi por mim lembrado, apresentando sugestões,quando do processo de revisão constitucional, sob a relatoria do então depu-tado e hoje ministro do Supremo Nelson Jobim. Aliás, a própria criação doSuperior, por ocasião dos trabalhos constituintes de 1987 e 1988, deveu-semuito à atuação de S. Exª.

Vou me valer aqui um pouco mais da história; afinal, todos dependemosdo que já foi criado antes. Já se disse: “Se quereis ver o futuro, vede as histórias eolhai para o passado.” Pois bem: (I) pontuarei o curso das minhas palavrasmostrando que hoje o quadro do nosso Judiciário não é especificamente aquele

Entraves jurídicosà realização da justiça*

Nilson NavesMINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Q

* Conferência proferida durante o Congresso “O Direito Brasileiro e os Desafios da Economia Globalizada”, SãoPaulo – SP, 25.6.2002.

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proveniente do modelo norte-americano, por nós, em boa dimensão, adotadoem 1891, ou seja, o quadro de uma corte superior e tantos outros tribunais deinferior categoria, ou, consoante aquele nosso texto constitucional (art. 55), de“um Supremo Tribunal Federal... e tantos juízes e tribunais federais, distribuídospelo país, quantos o Congresso criar”; (II) falarei de duas ou três preocupações doSuperior (concernentes à distribuição das competências constitucionais); (III)ao falar dessas preocupações, estar-lhes-ei falando da inquietação de todos nós:a necessidade de se tornar a Justiça mais eficiente e mais válida, a prestaçãojurisdicional mais rápida, pronta e acabada, enfim, estarei falando dos entravesjurídicos — tema deste quinto painel.

Na última década do século dezenove, quando entre nós se fez a primeiraConstituição republicana, promulgada em 24.2.1891, é sabido e ressabidoque os seus autores (destaque para a Comissão presidida por Saldanha Marinhoe composta por Almeida Melo, Santos Werneck, Rangel Pestana e MagalhãesCastro e para o trabalho de revisão de Rui Barbosa), na organização das nossasinstituições, filiaram-se ao modelo norte-americano. Confiram-se, entre ou-tros, Carlos Maximiliano, neste tópico: “Este (Rui) e a Comissão foram profun-damente influenciados pelo exemplo norte-americano” (Comentários..., 1923, p.80); e Nelson Saldanha, nesta passagem: “Deste modo, a marca norte-americanana elaboração da Constituição de 1891, apesar de freqüentemente exagerada,correspondeu a uma tendência antiga” (Formação..., 1ª ed., Forense, p. 194). Deigual modo, Afonso Arinos, Algumas Instituições..., 1ª ed., Forense.

Vejam que, semelhantemente ao texto que nos serviria de norma padrão,o nosso Judiciário também seria exercido por uma Suprema Corte e tantosjuízes e tribunais federais quantos o Congresso criasse e vejam ainda queentre nós se adotaria, na mesma oportunidade, a dualidade da Justiça: federale estadual. (“O sistema republicano-federal é, de sua essência, dualista. Há acompetência federal e a competência estadual...”, conforme o tão festejado Bar-balho, Constituição..., ed. fac-similar, Senado, p. 223.)

Aliás, não era mesmo de se estranhar nada, porquanto as idéias ali aco-lhidas saíram, em boa medida, da incansável pena revisora/criadora ou cria-dora/revisora de Rui, de quem admirava como ninguém as instituiçõesestadunidenses (embora não fosse, precedentemente, invejável e históricopresidencialista, Rui era, no entanto, declarado federalista, conforme PauloBrossard, conferência de 1985, Fundação, in “Rui...”). Confiram-se, entreoutros, Américo Lacombe: “Forçoso é concluir, portanto, que a influência de RuiBarbosa foi decisiva e incontrastável” (“Rui...”, Fundação..., 1985); Alfredo

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Buzaid: “Os autores do projeto de Constituição, como observou Felisbelo Freire,procuraram organizar o Poder Judiciário, sob os moldes americanos, deixando delado todos os elementos da nossa antiga organização judiciária” (Estudos..., 1972,Saraiva, p. 138); e Lenine Nequete: “para a configuração do Poder Judiciário daRepública – com a criação do Supremo Tribunal Federal nos moldes da SupremaCorte americana...” (O Poder Judiciário no Brasil..., Supremo, 2000, p. 16).Na ordem de precedência, haveria até de vir antes a pêlo a histórica exposiçãode motivos do Decreto nº 848, de 1890, de autoria de Campos Salles, naqual, ao ver de Afonso Arinos, o ministro da Justiça e futuro presidente daRepública relatava, ali, como moldara o Judiciário, “tendo em vista as institui-ções norte-americanas” (Algumas..., p. 152).

Adotado, assim, esse modelo de organização, sucedeu, porém, que não seconferiu, nesses atos, ao nosso Supremo a denominada jurisdição discricioná-ria, cujo exercício ainda lá nos Estados Unidos se faz by certiorari. De mais amais, entre nós, à denominada jurisdição obrigatória também se cometeria aincumbência de “julgar, em grau de recurso, as questões resolvidas pelos juízes etribunais federais...” (ou “... as questões excedentes da alçada legal resolvidas pelosjuízes e tribunais federais”, segundo a Emenda de 1926). Isto é, o nosso Supre-mo, a teor de tal cláusula, exercia, também, competência de segundo grau emrelação a uma série de causas, sobretudo aquelas em que havia interesse dogoverno da União (em seu Regimento, ao emendá-lo em 1920, o Supremo seproclamava “o único Tribunal de recurso, na justiça federal, compatível com aConstituição”, o que haveria de provocar críticas veiculadas pela imprensa; apropósito do assunto, ver Lenine Nequete, O Poder..., p. 33).

Ora, no início do século passado (cerca dos anos vinte), já falava CarlosMaximiliano da necessidade de aliviar o Supremo “do excesso de trabalho, deque não dá conta”, e acrescentava, em seus Comentários...: “O que se faz neces-sário é a divisão do trabalho total entre a Corte Suprema e outras de inferiorcategoria. Assim se procedeu na América do Norte...; assim se deve fazer no Brasil”(2ª ed., 1923, p. 536).

Como a proposta de Maximiliano e de outros conceituados juristasdaquela época (Beviláqua, Lacerda de Almeida, Levi Carneiro, entre outros)era a de se criarem tribunais inferiores, reparem aí, por conseguinte, que aintenção de todos era a de não se afastarem do modelo norte-americano, noqual o Judiciário achava-se, e se acha até hoje, investido “em uma SupremaCorte e nos tribunais inferiores que” seriam “oportunamente estabelecidos pordeterminação do Congresso...” (... “shall be vested in one Supreme Court, and

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in such inferior courts as the Congress may from time to time ordain and esta-blish...”. (Entende-se que a expressão “tribunais inferiores” referia-se igual-mente a tribunais regionais, a saber, o sentido era o de que a expressão diziarespeito tanto à primeira quanto à segunda instância, consoante Maximilia-no, pp. 538/545.) Outra não fora a iniciativa oriunda do Decreto Legisla-tivo nº 4.381, de 5.12.1921, autorizando o Executivo “a criar três tribunaisregionais no território nacional”, sediados no Recife (desde o Acre até a Ba-hia), na capital da República (Espírito Santo, Rio de Janeiro e DistritoFederal) e em São Paulo (demais Estados da União); entretanto não foramcriados, porque o Executivo não se utilizou de tal autorização. Aliás, quan-do da Emenda de 1926, a mensagem que encaminhara a proposta ao Con-gresso vaticinava, em relação à competência atribuída ao Supremo, que,“sem essa criação (dos regionais), é impossível aliviar o pesado encargo desseTribunal (do Supremo), isto é, permitir o mais rápido andamento e a maispronta decisão dos feitos” (ver João Barbalho, Constituição..., 2ª ed., p. XIII).

Foi esse o modelo que esteve em vigor por quase um século; veja-se quevigeu entre 1890 e 1988 (o Superior Tribunal de Justiça e os TribunaisRegionais Federais foram instalados no ano de 1989), não obstante o que sedenominou de crise do Supremo Tribunal, ou de crise do recurso extraordi-nário. Em 1918, como se viu, do excesso de trabalho comentava Maximilia-no (ocupou uma das cadeiras no Supremo entre 1936 e 1941), e o mesmoiria acontecer com Pires e Albuquerque, em 1930, e com Philadelpho deAzevedo, em 1943, que também ocuparam cadeiras do Supremo entre 1917e 1931 e 1942 e 1946.

Em palestra de 1964, em Belo Horizonte, dizia Victor Nunes (esteve noSupremo de 1960 a 1969), comparando dados dos anos de 1950 e 1962(3.511 e 7.437 processos): “Quando um Tribunal se vê a braços com esse fardoasfixiante, há de meditar, corajosamente, sobre o seu próprio destino” (Proble-mas..., Ministério da Justiça, 1998, p. 37). Já naquele momento, Victor de-fendia a adoção no Supremo da jurisdição discricionária, aquela que, no mo-delo norte-americano, é exercida by certiorari, a saber, via writ of certiorari.

Todas as vezes em que se mexia na organização do Judiciário — mais noplano constitucional que no infraconstitucional, tentava-se alterar, ou atéalteraram mesmo, as coisas da denominada instância de superposição —, apreocupação maior dizia respeito, como bem se disse por ocasião da refor-ma constitucional de 1926, à “morosidade na distribuição da justiça”: “Urge,em tal sentido, uma providência, a fim de que a grande morosidade na decisão

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dos processos judiciais não assuma entre nós uma feição de denegação de justiça”(Mensagem..., in Barbalho, p. XIII).

Comparem-se medidas então aconselhadas (umas sem maior resultadoquanto ao fim a que se propunham, outras com um resultado melhor — ocritério da relevância, por exemplo), entre as quais: (I) em 1946, criou-se oTribunal Federal de Recursos com a precípua incumbência de órgão de se-gundo grau das causas de interesse da União, mas a ele foram cometidas, aolongo do tempo, duas ou três das competências originárias do Supremo Tri-bunal (reparem que, não obstante o recebimento de tais competências origi-nárias, o Federal de Recursos sempre foi tribunal inferior, porque as suasdecisões sempre foram recorríveis; sabe-se que, à época, competia ao Supremozelar tanto pela guarda da Constituição quanto pela dos tratados ou leis fede-rais); (II) em 1958, exigiu-se que fosse fundamentado na origem o despachode admissão ou de denegação do recurso extraordinário (nunca se pretendeuuma terceira instância; era necessário se marcasse melhor a distinção entrerecursos ordinários e recurso extraordinário); (III) em 1963, o Supremo apro-vava os primeiros enunciados da sua Súmula; (IV) em 1965, era instituída afigura do controle concentrado de constitucionalidade (já se observou que seacreditava possível, com esse controle, diminuir a carga de processos no Su-premo; “a atenção dos reformadores tem-se detido enfaticamente na sobrecargaimposta ao Supremo Tribunal e ao Tribunal de Recursos”, conforme a exposiçãode motivos); (V) em 1970, o Supremo restringiu o cabimento do extraordi-nário em decorrência do que dispusera a Emenda Constitucional nº 1, de1969, no § 1º do art. 119 (“... atenderá à sua natureza, espécie e valor pecuniá-rio”); e (VI) em 1975, o Supremo adotaria o critério da relevância da questãofederal, ao qual veio aludir a Emenda Constitucional nº 7, de 1977 (era ajurisdição discricionária, do modelo norte-americano, exercida by certiorari).

O que se constata é que, em todo o tempo, procurou-se, ao ver das apon-tadas medidas, aliviar o Supremo do excesso de trabalho — daqueles proces-sos que lhe chegavam às braçadas — sem, contudo, alterar-se o velho modelo(caso se tenha pensado em adotar outro modelo, tal não teria ocorrido entreaqueles que tomavam decisões), oriundo da Constituição de 1891, a saber, ode uma corte suprema e tantas outras necessárias — na expressão de Maximi-liano, cortes de inferior categoria —, qual era e continua sendo o sistemanorte-americano.

Ora, nos idos de 1986 e 1987, quando a Assembléia Constituinte avizi-nhava-se dos dias de sua instalação, duas ordens de idéias encontravam-se,

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nos nossos meios acadêmicos e forenses, em debate: uma, datada dos anossessenta (é até possível dar-lhe data anterior, mas os meus guardados regis-tram ter sido em 1960 que se falou pela primeira vez dessa idéia), consistentena criação de um tribunal de cassação ou de revisão, ou de revisão e cassação(“... com função exclusiva de cassação...”, dizia Buzaid); a outra idéia, de datamais recente — mas que evidentemente não deixava de remontar àquela detribunais inferiores —, relativa à criação de um tribunal federal, denominadoTribunal Superior Federal, com competência para julgar recursos especiaiscontra acórdão de tribunais regionais federais (que também seriam criados),“em temas envolventes da Constituição Federal, de tratado ou lei federal, ouem caso de divergência de julgados, sempre nos limites da Justiça Federal esem prejuízo da competência do Supremo Tribunal Federal”.

A segunda daquelas idéias — a de um tribunal federal — foi a que fezparte das sugestões apresentadas pelo Supremo à Comissão Provisória de Es-tudos Constitucionais, sob a presidência de Afonso Arinos, e era também asugestão do Tribunal Federal de Recursos, consoante, aliás, o ofício que oextinto Tribunal remetera ao presidente da Subcomissão do Poder Judiciárioem 14.4.1987: “Em linhas gerais, o que o Tribunal Federal de Recursos propõe éa instituição de Tribunais Regionais Federais de 2º grau, com a simultânea trans-formação do Tribunal Federal de Recursos em instância de recurso especial, nãoordinário, segundo o modelo das jurisdições eleitoral e trabalhista (TREs e TSE;TRTs e TST)”. Foi a idéia acolhida pela Subcomissão; dessa forma, tornar-se-iam, se vingasse a proposta, órgãos da Justiça Federal o Tribunal SuperiorFederal, os Tribunais Regionais Federais e os Juízes Federais. Porque a criaçãodo Tribunal Superior Federal, como foi visto linhas atrás, far-se-ia sem prejuí-zo da competência do Supremo Tribunal, verifica-se, assim, seriam admitidosquatro graus quanto aos feitos federais.

Em suas sugestões à Comissão Afonso Arinos, datadas de 1986, o Supre-mo desaprovava, de modo expresso, a idéia da criação de um Tribunal Supe-rior de Justiça, bem como não aceitava a de ser transformado em Corte Cons-titucional. Confiram-se: (a) “II. 11 – Desaprova, por outro lado, a Corte a idéiade se criar um Tribunal Superior de Justiça (abaixo do Supremo Tribunal Federal),com competência para julgar recursos extraordinários oriundos de todos os Tribu-nais Estaduais do País...”; (b) “II. 12 – Considerou, ainda, o Supremo TribunalFederal injustificável sua transformação em Corte Constitucional, de competêncialimitada, estritamente, a temas dessa ordem, sem o tratamento das relevantes ques-tões de direito federal. É importante que um Tribunal, de caráter nacional, com

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jurisdição em todo o País, continue exercendo competência sobre as questões federaisde maior repercussão na ordem jurídica...”.

Das idéias em discussão quando instalada a Constituinte, prevaleceu, ali,a primeira delas — aquela a que em 1960 se referira Buzaid, advogando acriação de novo Tribunal, com competência para “julgar os casos de recursos,com fundamento no art. 101, III, da Constuituição Federal” (de 1946) —, e oSuperior Tribunal de Justiça foi criado, bem mais com função de revisão quede cassação, competindo-lhe, a teor do art. 105, III, da Constituição de 1988,julgar as causas em que a decisão recorrida contraria tratado ou lei federal, ounega-lhes vigência. Comparando-se, logo, os atuais arts. 102, III, e 105, III,verifica-se que os constituintes de 1987 e 1988 dividiram o velho recursoextraordinário, de forma que, por intermédio do novo recurso extraordinário,o Supremo falasse apenas sobre o direito constitucional, e o Superior, pormeio do recurso especial, falasse por último (a saber, definitivamente) sobre odireito infraconstitucional. Decerto foram ainda cometidas ao Superior duasoutras competências — originária, prevista no inciso I, e ordinária, previstano inciso II, ambos do mesmo art. 105. Nessas duas, o Superior desfruta deambos os contenciosos — constitucional e infraconstitucional —, porém, nacompetência do inciso III, de regra, desfruta tão-só do contencioso infracons-titucional e, excepcionalmente, do constitucional. Com o Superior, nascia,assim, observem bem, no cenário jurídico-constitucional brasileiro o Tribu-nal do direito infraconstitucional.

Porque, evidentemente, não se estava criando tribunal inferior — tanto éverdade verdadeira que se dispôs competir ao Supremo, precipuamente, aguarda da Constituição; ao revés, a guarda da lei federal competiria ao Supe-rior, de modo exclusivo e definitivo (por certo o Supremo, em alguns casos,como quando processa e julga, originariamente, o Presidente da República,há de também lidar com lei federal) —; tal criação implicava, pois, adoção demodelo diferente do que, desde 1891, vinha disciplinando o nosso Judiciário;então, a partir daí, deixaria de nos servir de padrão apenas o modelo norte-americano e, em conseqüência, estaríamos nos aproximando do modelo euro-peu — o de corte constitucional.

Isso não se realizou plenamente: era de implicar a adoção de modelodiferente, mas, no contexto geral, não implicou. Talvez tenham faltado aosconstituintes melhores definições do papel orgânico-constitucional do Supe-rior, porquanto, na concepção da filosofia que se adotou na Constituição de1988, ou que abertamente se pretendeu adotar, decerto o Superior é ou há de

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ser mais que um tribunal superior (se nos ativermos ao significado corrente detal cláusula constitucional). Na verdade, para o Superior só há um destino —sob pena de se tornar, em importantes casos, inoperante, de pouca importân-cia, simples via de passagem: o de ser, devendo sem dúvida sê-lo, o Tribunal daderradeira palavra acerca da interpretação do direito infraconstitucional. Poressa razão, parece a todos que o modo de sentir e perceber as coisas que onteme hoje vêm acontecendo no Judiciário tem trazido inquietações ao Superior.

Na denominada instância de superposição, no que tange ao Supremo e aoSuperior, os entraves atuais encontram-se na distribuição das competênciasconstitucionais a eles cometidas, que hão, por conseguinte, de melhor serdefinidas. O complicador é de tal monta, que o atual quadro, pasmem todos,anda propiciando que tenhamos, em determinados casos, quatro graus dejurisdição (vimos que aos juristas do início da República não agradava o terceirograu — “a Constituinte não poderia querer terceira instância...”). O habeas corpusé o exemplo mais emblemático e, por igual, a relação recurso especial/recursoextraordinário. Se não houver mudança de textos (penso seja possível dar-lhesinterpretação diferente, porém isso se me afigura não-realizável), imprescindí-vel e urgente, de modo que o Superior assuma o seu real papel, seria preferível,ao que cuido eu, voltarmos ao precedente modelo, deixando, destarte, sob aresponsabilidade de um único e mesmo tribunal, os dois contenciosos, tal qualo modelo que nos veio da Constituição de 1891 — aquele de uma cortesuprema e tribunais inferiores, cabendo ao Supremo zelar tanto pela guarda daConstituição quanto pela dos tratados e leis federais.

A propósito desses complicadores — verdadeiros entraves à realização deuma justiça mais expedita, correta e sã —, confiram-se os exemplos que seseguem. Antes, porém, urge se leiam advertências contidas em Maximiliano,quando escrevia, em 1918, seus Comentários..., sobre a criação de outros tri-bunais (como se sabe, as cláusulas “tribunais inferiores”, norte-americana, e“tantos juízes e tribunais federais”, brasileira, deram muito pano para mangas,pois acarretaram infindáveis discussões quanto a saber se se impunha ou nãoa criação de tribunais de segundo grau). Eis as advertências: (I) “Maneiracuriosa de argumentar: a Constituinte não poderia querer terceira instância, por-que esta é condenada”; (II) “Pode-se evitar a terceira instância.”

De fato, não se poderia mesmo querê-la, como sempre a melhor dasfilosofias não a quis; por isso haveria mesmo de ser evitada. A instânciaextraordinária se distingue substancialmente da instância ordinária, já quelhe cabem apenas questões jurídicas, a fim de assegurar a superioridade da

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Constituição e do direito federal. Distinguem-se, em conseqüência, os re-cursos de feição extraordinária e os de índole ordinária. Há, todavia, quantoaos graus, uma exceção, de há muito cultivada, respeitante ao processo dohabeas corpus: a de lhe serem garantidos três graus de jurisdição, quandodenegatória a decisão. Na ordem constitucional anterior, o terceiro grau eraexercido pelo Supremo; hoje, pelo Superior, competindo-lhe, a teor do art.105, II, a, julgar, em recurso ordinário, “os habeas corpus decididos em únicaou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dosEstados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória”.Note-se que aqui se conservou a simetria: já que o Superior era o Tribunaldas questões infraconstitucionais, tornar-se-ia o órgão competente para jul-gar, em recurso ordinário, esses habeas corpus. Cumpria-se, assim, revelhatradição do direito brasileiro – a de se assegurar mais um grau de jurisdição.Ora, em tal caso, se quem fala por último é o Superior, haveria então defalar definitivamente.

Sucede, entretanto, que, de acordo com o art. 102, I, i da Constituição,compete ao Supremo processar e julgar, originariamente, habeas corpus. Doponto de vista da redação primitiva, “quando o coator ou o paciente for tribu-nal...”, mas, consoante a redação da Emenda nº 22, de 1999, “quando ocoator for Tribunal Superior...” . No primeiro caso, ao contrário do entendi-mento defendido pelo Superior (HC-17, DJ de 26.6.1989, por exemplo),deduziu o Supremo que era de sua competência o habeas corpus quando re-querido contra tribunal, ou seja, contra ato colegiado (ainda quando pendes-se de julgamento no Superior recurso especial interposto na mesma ação pe-nal, caso em que o especial poderia ficar prejudicado, como se pode constatarno HC-67.263, DJ de 5.5.1989). Em suma, o recurso especial estaria sendojulgado fora das salas do Superior, ao qual incumbiria o habeas corpus nomesmo processo, se o ato fosse de membro do tribunal, isto é, ato monocráti-co. Enorme já foi aqui o imbróglio, ocasionando interpretações diferentessobre assuntos idênticos ou assemelhados. E o pior: oriundos de um mesmoprocesso. Com a redação dada pela Emenda nº 22, a complicação não aca-bou; ao contrário, agravou-se. Se, antes, a freqüência era a dos três graus(malgrado o apontado imbróglio) — juiz, tribunal estadual ou federal e Su-premo ou Superior (verificar-se-iam também hipóteses de quatro graus) —,nos dias correntes, decerto são quatro os graus — juiz, tribunal estadual oufederal, Superior e Supremo (no quarto grau, o habeas corpus previsto na alu-dida letra i). À míngua de interpretação que evite o quarto grau (concebo-a

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possível, à vista da competência constitucional do Supremo — essencialmen-te, a guarda da Constituição), o Superior propõe se dê à letra i esta redação: “ohabeas corpus, quando impetrado com fundamento constitucional, contra ato deTribunal Superior...”.

Justifica-se a proposta a teor das pretensões dos constituintes de deixa-rem a cargo do Supremo exclusivamente a matéria constitucional. A respeito,leia-se o que dispõe o tão mencionado art.102, caput. O Superior foi criadopara ter nas suas mãos a matéria infraconstitucional, tornando-se, nesse pon-to, irrecorríveis as suas decisões. Por conseguinte, não se justifica que o Supre-mo Tribunal venha a conhecer, pelo habeas corpus, da matéria ordinária. So-mente é lícito que o Supremo conheça de matérias por meio de recurso extra-ordinário, podendo, no entanto, delas conhecer mediante habeas corpus, des-de que também se trate de matérias de cunho constitucional. Virá em bommomento a alteração que se propõe, evitando ainda a criação de uma quartainstância para a matéria infraconstitucional, assim: juiz, tribunal de segundograu, Superior e Supremo. Com isso, evitar-se-ia e se corrigiria grave engano –o do rejulgamento do recurso especial fora das salas do Superior, pois o habeascorpus vem sendo utilizado para essa finalidade: a de levar ao Supremo asquestões comuns — de direito ordinário (HCs 70.707 e 73.124, DJ de6.10.1995 e de 19.4.1996, entre vários outros).

Pelo que disse linhas atrás, iria eu além, visto que se me afigurainterpretativamente admissível, mesmo em tais casos, apenas o recurso extra-ordinário, à vista do disposto no inciso III do art. 102 (quem sabe se não seriamais recomendável se suprimisse toda a letra i, ou ao menos se suprimisse acláusula “quando o coator for Tribunal Superior” ?).

É por essa boa razão que o Superior também sugere seja suprimido oinciso II do art. 102 ou, não sendo isso recomendável, que se lhe dê a seguinteredação: “julgar, em recurso ordinário fundado em matéria constitucional...”.No primeiro caso, a sensação que se tem é idêntica à da citada letra i: tambémse propõe seja simplesmente abolido o inciso II. Com essa operação, reafir-mar-se-iam, de um lado, a natureza e o caráter de corte infraconstitucionaldo Superior (o que se requer sem mais delongas, sob pena de...); de outrolado, destacar-se-ia o papel do recurso extraordinário previsto no inciso III,com o que a parte não ficaria a descoberto, no caso de contrariedade adispositivo da Constituição. No segundo caso, não sendo possível acolher oanterior, explicita-se que o recurso ordinário deve ter por fundamento ma-téria constitucional. Ora, uma vez que incumbe ao Supremo, precipuamen-

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te, a guarda da Constituição, há de caber ao Superior, essencialmente, aguarda das leis federais. Há dois contenciosos: um da Constituição e outrodas leis federais; aquele, pertencente ao Supremo e este, aos Tribunais Supe-riores (mormente ao Superior Tribunal de Justiça — a corte do direito co-mum, ordinário, das causas infraconstitucionais). Não é razoável que o Su-premo, a par de velar pelo primado da Constituição, também possa fazê-loa respeito das leis federais. Em conseqüência, o crime político (previsto naletra b do aludido inciso II), numa e noutra hipótese, entraria na competên-cia do Superior Tribunal de Justiça.

Por derradeiro, a relação entre recursos extraordinário e especial há de serrevista e meditada com maior profundidade, levando-se em conta que o Su-perior, ao julgar, em recurso especial, as causas decididas em única ou últimainstância, não desfruta do contencioso constitucional, salvo em raríssimashipóteses (a declaração de inconstitucionalidade, por exemplo, mesmo assimsempre em desfavor do recorrente); em princípio, faltaria cabimento ao recur-so extraordinário. Com isso, o que se quer sustentar é que se nos apresentainadmissível o conhecimento do extraordinário, a pretexto de contrariedade adispositivo da Constituição, verificando-se, no entanto, o julgamento da cau-sa com base no direito infraconstitucional (REsp. nº 159.979, DJ de19.12.1994 e 202.668, DJ de 18.5.2001, entre vários outros). É de se re-conhecer que, em casos que tais, sempre ocorrerá o rejulgamento do recursoespecial, pura e simplesmente, daí o tão falado quarto grau de jurisdição. Afim de evitá-lo, exige-se que o recurso extraordinário só tenha cabimento nascausas em que as partes hajam fundado a ação e a defesa em disposições daConstituição, caso em que o feito não transitaria pelo Superior.

Senhoras e senhores, são esses alguns dos entraves à realização da justiça,dos quais desejava eu falar em momento tão auspicioso, quando a Academiase dispõe a discutir, neste significativo evento, tema de alta relevância para odireito em tempos de economia globalizada.

Ao que cuidamos, a missão foi, é e será sempre a de ultrapassar os entra-ves e as dificuldades, os riscos e os preconceitos de uma Justiça, se tarda eainda frágil, ampliada, constante e que vem tendendo dia a dia a se robuste-cer, graças ao trabalho seminal de abnegadas pessoas, dentre as quais, permi-tam-me, incluo as que compõem o Superior Tribunal de Justiça.

Obrigado a todos!

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O nome civil das pessoasnaturais como direitoda personalidade

Wanderley José FederighiJUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU NO ESTADO DE SÃO PAULO E MESTRE

EM DIREITO CIVIL PELA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.

SUMÁRIO: 1. Conceito de nome - 2. Histórico dodireito ao nome - a) As sociedades rudimentares - b)Os povos antigos; hebreus e gregos; c) Os romanos; d)Os bárbaros; e) A Idade Média e os tempos modernos.A comunidade luso-brasileiro - 3. A natureza jurídicado direito ao nome - 4. Conclusões - 5. Bibliografia

1. Conceito de nome

ulgarmente, “nome” é a “palavra que designa pessoa, coisa ou ani-mal; qualificação; reputação; apelido; ou alcunha” (Aurélio Buar-que de Hollanda Ferreira, Pequeno Dicionário da Língua Portu-

guesa, p. 850).Para a ciência do Direito, nome é a “designação patronímica da pessoa; a

referência à família” (Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Dicionário Jurí-dico, p. 377).

Trata-se, portanto, de designação das pessoas; da forma como elas sãodesignadas, chamadas, identificadas, entre seus pares e mesmo entre os seusfamiliares.

O pranteado Antonio Chaves lembra que “entre os meios através dos quaiso homem pode afirmar-se não somente como pessoa, mas também como uma certapessoa evitando por essa forma a confusão com outras — assinala Adriano de

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Cupis — ocupa lugar proeminente o nome, sinal verbal, que lembra imediata-mente e com perfeita clareza o sujeito ao qual se refere.

Certamente o nome é um meio geral que serve para designar qualquer entida-de ou objeto que se possa imaginar. Mas adquire particular importância jurídica esocial no que diz respeito à indicação das pessoas, a ponto de se constituir, muitasvezes, em símbolo das mais elevadas qualificações ou virtudes de uma pessoa, deanseios, de sentimentos os mais variados, desde os mais elevados, aos menos dignos”(Lições de Direito Civil, Parte Geral, vol. III, pp. 177/178).

A propósito de sua lição, lembra o autor a respeito de nomes que, deimediato, expressam um conjunto de defeitos ou de qualidades: Jesus Cristo,Átila, Churchill, De Gaulle, Hitler, Tiradentes, Judas e outros que tais.

Washington de Barros Monteiro aduz que o nome pode ser definido“como o sinal exterior pelo qual se designa, se identifica e se reconhece a pessoa noseio da família e da comunidade. É a expressão mais característica da personalida-de, o elemento inalienável e imprescritível da individualidade da pessoa. Não seconcebe, na vida social, ser humano que não traga um nome” (Curso de DireitoCivil, Parte Geral, p. 86).

Silvio de Salvo Venosa afirma que o nome é, “portanto, uma forma deindividualização do homem na sociedade, mesmo após sua morte” (...) “O nome,afinal, é o substantivo que distingue as coisas que nos cercam, e o nome da pessoa adistingue das demais; juntamente com outros atributos da personalidade, dentroda sociedade” (Direito Civil - Teoria Geral, vol. 1, p. 152).

Carlos Roberto Gonçalves afirma que é o “sinal exterior (ou a designação)pelo qual a pessoa se identifica no seio da família e da sociedade” (Direito Civil -Parte Geral, p. 51).

Serpa Lopes lembra que o nome “surge como um dos elementos de identifi-cação de pessoa. Constitui, por isso, um dos direitos mais essenciais da personalida-de” (Curso de Direito Civil, Introdução e Parte Geral, vol. I, p. 235).

Por fim, R. Limongi França preleciona que “nome, no sentido o mais geral,é a expressão pela qual se identifica e distingue uma pessoa, animal ou coisa. É ogênero, do qual o nome de pessoa, conceituado por Cícero, é uma espécie” (“ONome Civil das Pessoas Naturais, p. 21).

Vê-se, portanto, que os elementos comuns desses nomes são a identifica-ção, a designação das pessoas, como individualizador das mesmas entre osseus pares.

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2. Histórico do direito ao nome

Ainda que, nos tempos atuais, haja relativa sofisticação no que toca aonome civil das pessoas, é por demais evidente que nem sempre foi assim, eque, em tempos mais antigos, inexistia tal refinamento.

Assim, é fácil imaginar-se, por exemplo, nas sociedades primitivas, aspessoas dirigiam-se, umas às outras, com grunhidos ou interjeições.

Com o passar do tempo e a sofisticação da linguagem, também passa ahaver maior aprimoramento no que diz respeito à atribuição de nomes àspessoas.

R. Limonge França lembra, aliás, reportando-se às lições de Spencer Vam-pré, que “povos de cultura a mais rudimentar como os hotentotes, os iroqueses, osnossos bakairis, os habitantes das Austrália do Norte, os da Ilha de Kingsmill, adespeito da diversidade do sistema utilizado para a imposição da designação perso-nativa, possuem a instituição do nome, aliás com um significado por vezes maisimportante que o encontrado em povos mais desenvolvidos” (O Nome..., p. 25). Elembra, ainda, de um único povo da África, do qual dão notícia Heródoto ePlínio; ou seja, os atlantes, que não usavam nome próprio individual.

Na Antiguidade, para efeito de nosso estudo, outrossim, merecem desta-que três povos: os hebreus, os gregos e os romanos.

a) Entre os hebreus, inicialmente, usava-se um único nome: Esther, Ra-chel, Jacob, David e outros. Era dado aos meninos no oitavo dia, após a cir-cuncisão.

Havia, contudo, costume de acrescentar-se um segundo nome a esse pri-meiro, como, no Velho Testamento, se vê “Ruth Moabita”, apelido alusivo à suaorigem.

No Novo Testamento, “em meio à enumeração dos apóstolos, a um dos Tiagoschama-se ‘Jacobus Zebedaei’, Tiago de Zebedeu, filho de Zebedeu, e a outro ‘JacobusAlphaei’, Tiago de Alfeu. A Mateus se chama Matheus Publicannus, numa alusãoà sua antiga profissão” (R. Limongi França, O Nome..., p. 28).

Na própria inscrição da Cruz, vê-se Jesus identificado como “Jesus Nazare-nus”, ou Jesus de Nazaré.

Washington de Barros Monteiro acrescenta que, entre os hebreus, o nomeera único, “mas, com o tempo, quando as tribos se multiplicaram, os indivíduos

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passaram a ser individualizados pelo seu nome, ligado ao do genitor (José Bar-Jacó- José, filho de Jacó). Como observa Cunha Gonçalves, o nome do apóstolo Barto-lomeu e do bandido Barrarás indicavam apenas a filiação (Bartolomeu, filho deTolomeu - Barrabás, filho de Abás), mas não o da própria personagem, que seperdeu naturalmente na noite dos tempos.

“Acrescenta o mesmo civilista que tal sistema predomina ainda entre os árabes(Ali Ben Mustafá - Ali, filho de Mustafá). Aliás, desde a denominação maometa-na, alguns judeus passaram a adotar, igualmente, a desinência Ben (Bensabat,Belonei)” (Curso..., p. 87).

Também havia, ao que parece, a possibilidade de aquisição de nome pormeio de adoção, como lembra R. Limongi França (O nome..., p. 28).

b) Quanto aos gregos, tinha tal povo da Antiguidade, inicialmente, umúnico nome. Lembra Washington de Barros Monteiro que, entre os gregos, onome “era único e individual (Sócrates, Platão, Aristóteles). Cada pessoa tinha opróprio nome e não transmitia aos descendentes” (Curso..., p. 87).

Silvio de Salvo Venosa lembra que, posteriormente, “com a maior com-plexidade das sociedades, passaram a deter três nomes, desde que pertencessem afamília antiga e regularmente constituída: um era o nome particular, outro onome do pai e o terceiro o nome de toga a gens. Como lembra Limongi França,o primeiro nome equivalia ao nosso prenome, o segundo era o nome de família eo terceiro era o gentílico, a exemplo de Roma, que não possuímos atualmente”(Direito Civil, pp. 153/154).

Assim, R. Limongi França lembra a obra de Fustel de Coulanges, ACidade Antiga, onde esclarece que “todo grego tinha três nomes, desde quepertencesse a uma família antiga e regularmente constituída. Um deles era-lheparticular; um outro era de seu pai e, como estes dois nomes se revezavam ordina-riamente entre si, o conjunto dos dois nomes equivalia ao ‘cognomen’ hereditário,que, em Roma, designava um ramo da gens, ou genós. Assim, dizia-se:Milcíades, filho de Cimon, Sakiadas, e, na geração seguinte, Cimon, filho deMilcíades, Sakiadas” (O Nome..., p. 29).

c) No que toca aos romanos, R. Limongi França, citando o padre JoãoRavizza, aduz que tinham eles três nomes próprios para distingui-los: o pre-nome, o nome e o cognome. Às vezes, acrescentavam um quarto: o agnome.

O primeiro precedia a todos e servia para distinguir entre si os diversosmembros da mesma família (corresponde ao nosso nome de batismo).

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Exemplos: Aulus, Sextus, Appius etc. Já o nome (nomen) servia para desig-nar a gens a que pertencia o indivíduo, cuidando-se de nomes propriamen-te adjetivos (por exemplo: Cornelius, pertencente à gens Cornelia; Fabius,pertencente à gens Fabia etc.).

Já o cognome (cognomen quia nomini conjugitur) “distinguia as diversas fa-mílias de uma mesma gens. Punha-se em terceiro lugar, por exemplo: ‘PubliusCornelius Scipio’ designava um indivíduo da gente Cornelia, da família dos Cipiões,chamado Públio...” (R. Limongi França, O Nome..., pp. 30/31).

Por fim, o agnome (quasi accidens nomen) “exprimia apelido tomado dealgum sucesso ou circunstância especial, por exemplo: ‘Publius Cornelius ScipioAfricanus’, porque se celebrizou por seus feitos na África...” (R. Limongi França,O Nome..., p. 31).

Washington de Barros Monteiro afirma que, em Roma, “o nome era bas-tante complexo. Os elementos que entravam em sua composição eram: a) o gentí-lico, usado por todos os membros da mesma gens; b) o prenome, ou nome própriode cada pessoa.

Posteriormente, terceiro elemento apareceu, o cognome, devido ao grande de-senvolvimento das gens e às complicações provenientes das alianças. Inicialmente,o cognome era individual, depois se tornou hereditário. Mas, era próprio dos ho-mens, as mulheres não o usavam” (Curso..., pp. 87/88).

Também lembra Washington que os nomes com três elementos erampeculiares ao patriciado; nomes “de um só, no máximo de dois elementos, erampróprios da plebe (Espártaco)” (Curso..., p. 88).

No mesmo sentido, afirma Silvio de Salvo Venosa: “Os nomes únicos oucom dois elementos no máximo eram próprios da plebe. Os escravos tinham umnome, com o acréscimo, geralmente, do prenome do dono” (Direito Civil, p. 154).

d) O tempo foi passando; conquistadas as Gálias e a Lusitânia, passaramestas a adotar o sistema romano. Contudo, lembra Washington, com a inva-são dos bárbaros, na Idade Média, retornou-se ao sistema “do nome único,entre eles vigorante. Paulatinamente, no entanto, os nomes bárbaros foram substi-tuídos pelos do calendário cristão. Tornando-se cada vez mais densa a população,começou a surgir confusão entre pessoas com o mesmo nome e pertencentes a famí-lias diversas.

Para distingui-las, recorreu-se ao emprego de um sobrenome, ora tirado dequalidade ou sinal pessoal (Bravo, Valente, Branco), ora da profissão (Monteiro),

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ora do lugar do nascimento (Portugal), ora de algum animal, planta ou objeto(Coelho, Carvalho, Leite). Mas, com maior freqüência, recorria-se ao nome pater-no, em genitivo (Afonso Henriques - Afonso, filho de Henrique; Lourenço Marques- Lourenço, filho de Marco).

Esse sobrenome, a princípio, era individual e não se transmitia hereditaria-mente. Depois, todavia, começou a passar de pai para filho. Esse o seu caráter naatualidade” (Curso..., p. 88).

No mesmo sentido é a lição de Silvio de Salvo Venosa (Direito Civil, p.154). Tal autor acrescenta, outrossim, que, na Idade Média, “o nome duplosurge entre pessoas de alta condição, nos séculos VIII e IV, mas só se torna geral noséculo XIII” (ob. e loc. cits.).

R. Limongi França, por seu turno, lembra que foi na Idade Média quelançou as suas raízes mais profundas o moderno nome de família, de cunhohereditário, “em grande parte ligado à imposição primitiva de uma simples alcu-nha. Com efeito, a grande maioria dos atuais patronímicos tanto em Portugal,como na França, na Itália etc., tem origem em apelidos e epítetos da mais variadasignificação, relacionados, por exemplo, com a profissão: ‘Ferreiro’, ‘Carreiro’ etc.;com as funções e a condição social: ‘Abade’, ‘Conde’ etc.; com uma qualidade físicaou moral: ‘Gordo’, ‘Feio’, ‘Fortes’ etc.; com o país de origem: ‘Bretão’, ‘Normando’etc. etc.; com o lugar de habitação: ‘da Ponte’, ‘do Monte’, ‘do Lago’, ‘do Vale’ etc.; eassim por diante” (O Nome..., p. 34).

e) Entre os povos modernos (francês, alemão, italiano, espanhol etc.), demodo geral, “predomina um traço que consiste em adotarem fundamentalmenteuma dupla denominação, composta do nome individual, seguido do nome defamília. Entretanto, outros elementos secundários do nome, ou mesmo substitutivosdeste, podem surgir, tais como: as alcunhas, os pseudônimos, os títulos, a partículaetc.” (R. Limongi França, O Nome..., p. 35). Tais elementos persistem nacomunidade luso-brasileira, ainda que não exista uniformidade no modo deencarar e denominar esses elementos.

3. A natureza jurídica do direito ao nome

Muito se discute a respeito da natureza jurídica do direito ao nome.

Arnoldo Wald lembra, a propósito, que, “para alguns, é um instituto deDireito Público, um dever do indivíduo em relação ao Estado, enquanto, para

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outros, representa um verdadeiro direito subjetivo do indivíduo. Houve até quemvisse no nome uma forma de propriedade sui generis” (Curso..., p. 124).

Muitas são as teorias a respeito da matéria.

Assim, na Alemanha, verifica-se a chamada teoria negativista, com Savig-ny e Ihering, que negam o direito ao nome.

Nos países de língua francesa, desenvolveram-se diversas teorias. Encon-tra-se a teoria da propriedade ao nome, que se divide em teoria radical da proprie-dade, teoria da propriedade “sui generis” e teoria da propriedade imaterial, deBonnecase. Também houve a teoria da polícia civil ou teoria negativista, dePlaniol, Colin e Capitant, bem como Roguin, desenvolveram a teoria pluralista.

Na Itália, Venzi desenvolveu, quanto ao nome, a teoria do direito sobrecoisa imaterial. Vivante e Sraffa estudaram a teoria sobre a defesa da “função” donome. Pacchioni e Stolfi desenvolveram a teoria do direito privado “sui generis”.

Nos países de língua espanhola, Spota e Semon criaram a teoria dodireito subjetivo extrapatrimonial. Por fim, nos países de língua portuguesa,verifica-se a teoria negativista, de Bevilácqua; a teoria do direito de proprieda-de, de Fábio Leal e Cunha Gonçalves; e a teoria do direito privado “sui gene-ris”, de Serpa Lopes.

Contudo, muitos juristas, em vários países, entenderam que o direito aonome tem a natureza jurídica de direito da personalidade.

Esta é a posição, na França e noutros países de língua francesa, de Hum-blet, Sudre, Perreau, Rossel e Mentha, Maccario, Planiol, Ripert e Savatier,Josserand, De Page, Laborde-Lacoste, Henri, Léon e Jean Mazeaud.

Quanto aos autores de língua alemã, assim pensavam Gareis e Kohler.No que toca aos de língua italiana, Fadda e Bensa; Chironi; Ferrara; Barassi,Dusi, Stolfi e Venzi; Nicola e Francesco Stolfi, Bonini, Trabucchi e Casati eRusso; Gangi, Messineo e De Cupis.

Também nos países de língua castelhana, entendem ser o nome um di-reito da personalidade Salvat, Cejas e Bliss; Borrell y Soler e o acatado JoséCastán Tobeñas.

Nos países de língua portuguesa, defendem ser o nome um direito dapersonalidade Spencer Vampré, Tedesco Júnior, Orlando Gomes e Souza Netto,entre outros.

Aliás, a respeito dessa celeuma, é interessante verificar-se a posição de

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Serpa Lopes. Após analisar a concepção absoluta, o direito ao nome como direitode propriedade e a teoria da polícia civil, o referido autor fixa-se na teoria do direitoprivado “sui generis”, de Pacchioni e N. Stolfi, aduzindo que, inquestionavel-mente, “o aspecto jurídico do nome não pode ter mais pronunciadamente o caráterde obrigação do que o de direito, como pretende Planiol. É um misto de direito e deobrigação. Como um direito, representa um dos atributos da própria personalidade,razão pela qual não pode ser superado pelo interesse social, pelo elemento passivo daidéia de obrigação. Mas, por outro lado, não se desconhece que, com o ser um elementoidentificador do indivíduo na sociedade, há um interesse social na sua existência enos seus elementos integrantes, insusceptíveis de alterações arbitrárias ou de compo-sições fora da realidade das bases que o devem compor. O novo Código Civil italiano(art. 6º) atribui ao nome o caráter de um direito pessoal, e, embora reconhecendo-lhe um espectro absoluto, contudo não deixa de o revestir de um cunho publicístico,tutelando-o como tal” (Curso..., pp. 237/238).

Contudo, atualmente, o que efetivamente prevalece é o reconhecimento,por parte da doutrina, de que o direito ao nome é mesmo um dos direitos dapersonalidade, catalogado como um dos direitos à integridade moral, como afir-ma Orlando Gomes (“Direitos da “personalidade”, artigo in Revista Forense,vol. 216, pp. 8/9).

Bem sintetiza a matéria Antonio Chaves, a respeito da natureza jurídicado nome, enumerando as teorias prevalentes, da seguinte forma:

“Existe muita controvérsia a respeito. Entre as teorias que procuramexplicá-la podem ser lembradas, como mais importantes, as seguintes:1ª. É uma instituição de polícia: seria de boa política que cada indiví-duo tivesse um nome, o que o impediria de furtar-se às suas obrigaçõesmilitares, fiscais, políticas etc. O nome não passaria de um número dematrícula, dado por ocasião do nascimento. A teoria não corresponde àrealidade.2ª. É um D de propriedade, cujo titular seria a família, ou o própriointeressado. Também não corresponde à verdadeira natureza do D, mes-mo porque pode pertencer a várias famílias.3ª. É um atributo da personalidade, teoria sustentada por Pacchioni epor N. Stolfi.4ª. É um D que visa proteger o bem inerente à identidade — sustentaAdriano de Cupis, p. 25 — considerado na sua mais importanteforma de atuação; constitui, portanto, pelo próprio caráter do seu objeto,

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um D da personalidade, ao qual cabe o atributo da não-patrimo-nialidade” (Lições..., pp. 180/181).

Arnoldo Wald, sobre o tema, afirma: “Entendemos que não há por quefalar em propriedade, conceito de direito real inaplicável no campo dos direitos dapersonalidade. O próprio Planiol, na sua obra revista por Ripert, considera que ajurisprudência francesa tem definido o nome como uma instituição das pessoas, aomesmo tempo que constitui um direito da personalidade, em virtude do qual ointeressado usa o seu nome e impede a utilização do mesmo por outrem sem suaautorização prévia, ressalvada a situação dos homônimos, que não pode, todavia,ensejar abusos de direito” (...) “A melhor doutrina na matéria é, pois, a eclética querealiza a fusão do dever social como direito subjetivo, estabelecendo a obrigação deusar, conservar e manter o nome como dever em relação à sociedade e reconhecendoo direito subjetivo do titular, protegido pelo Direito Civil, de impedir o uso indevidodo nome por terceiros” (Curso..., pp. 124/125).

Observa-se, assim, que tal autor preconiza uma solução mista, em quereconhece as vantagens de cá e de lá.

Mas não se pode deixar de anotar que o referido autor também destaca aimportância do caráter de direito subjetivo do direito ao nome, e da sua proteção.

Mais ainda: o mencionado jurista afirma, também, que o direito ao nomeindividual “é extrapatrimonial, distinguindo-se dos direitos de propriedade imate-rial, exteriores à personalidade do titular, como, por exemplo, o nome comercial e amarca de fábrica ou de comércio, que têm conteúdo econômico e são transferíveis,sendo elementos integrantes do fundo de comércio,.

O direito ao nome civil é inalienável e imutável” (Curso..., p. 125).

Dessa maneira, o que se vê é que o acatado jurista efetivamente apresentacaracteres do direito ao nome que são típicos dos direitos da personalidade.

Sílvio de Salvo Venosa também entende que o nome “é um atributo dapersonalidade, é um direito que visa proteger a própria identidade da pessoa,com o atributo da não-patrimonialidade. Note-se que estamos tratando do nomecivil; o nome artístico tem conteúdo mercantil e, portanto, patrimonial” (Direi-to Civil, p. 155).

Também Washington de Barros Monteiro, citando a lição de Josse-rand, afirma ser o direito ao nome um “sinal distintivo revelador da persona-lidade” (Curso..., p. 87).

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Carlos Alberto Bittar dividia os direitos da personalidade em direitos físi-cos (referentes a componentes materiais da estrutura humana), direitos psíqui-cos (relativos a elementos intrínsecos à personalidade) e direitos morais (respei-tantes a atributivos valorativos, ou virtudes, da pessoa na sociedade), enume-rando, entre outros, nestes últimos, o direito à identidade, que por certo com-preende o direito ao nome.

No Direito estrangeiro contemporâneo, vê-se, exemplificativamente,que dois países de língua latina, de orientação jurídica próxima à nossa,albergam o direito ao nome como sendo direito de personalidade; ou seja, aItália e Portugal.

Na Itália, o Código Civile traz, logo de início, disposições a respeito dodiritto al nome, em seus artigos 6 e seguintes.

Alberto Trabucchi disserta sobre esse direito, incluído no ponto referenteaos Diritti della Personalità: “L’individuo è l’unità fondamentale, cellulare, dellavita giuridica; si comprende quindi l’importanza di distinguere gli uomini fra lorocon un segno, cioè con il nome.

La tutela del nome è diretta alla cura di un interesse individuale, ma è stabilitaanche nell’interesse dela società; avere un nome è un diritto essenziale della persona(art. 6 c. civ.), cui è commesso un dovere. Ci sono infatti norme penali (art. 494ss. E 651 c. pe.) e di polizia che impongono come obbligatoria la dicchiarazionedelle proprie generalità” (Instituzioni de Diritto Civile, pp. 92/93).

Em Portugal, o Código Civil trata, nos arts. 70º e 81º, especificamente,dos direitos da personalidade.

Entre eles, encontra-se enumerado o direito ao nome, conferindo-se-lheso status de direito da personalidade.

A Constituição da República Portuguesa traz, nos artigos 25º e 26º,disposições a respeito de diversos direitos, entre eles o direito à identidadepessoal, que, como observado alhures, é um dos direitos da personalidade, eabrange o direito ao nome; aliás, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira colo-cam tais direitos como sendo típicos direitos da personalidade (vide Consti-tuição da República Portuguesa Anotada, pp. 176 a 179).

Tais direitos são, ainda pelo que se vê no Direito português, ligados àcapacidade, eis que a personalidade jurídica se entende iniciada com o nasci-mento completo e com vida e encerrada com a morte (vide, a propósito, Piresde Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pp. 101/103).

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As características mais comuns dos direitos da personalidade são as se-guintes:

I. São inatos — ou originários; são direitos que pertencem ao Homemdesde o seu nascimento.

II. São extrapatrimoniais — ou pessoais; não têm cunho patrimonialalgum.

III. São irrenunciáveis — não se pode renunciar aos mesmos. Pertencemà própria vida.

IV. São imprescritíveis — duram enquanto durar a personalidade humana.

V. São intransmissíveis — não se pode, por exemplo, transmitir o direitoà honra, à integridade física, à intimidade etc.

O direito ao nome, à parte a última característica, preenche todas as outras.

É ele transmissível; aos filhos, por exemplo. Contudo, não é o próprionome, ou prenome, mas o de família.

Assim, vê-se que o direito ao nome é mesmo típico direito da personalidade.

No Código Civil brasileiro de 1916, existem poucas referências ao direi-to ao nome, estando mais concentradas nos arts. 12, inciso I, e 240.

A matéria, na verdade, é mais esmiuçada na Lei dos Registros Públicos(Lei nº 6.015/73), em seus arts. 54 a 66; na Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77), nos arts. 17 e 25, parágrafo único; no Estatuto dos Estrangeiros (Lei nº6.815/80), em seus arts. 31 a 43; e, finalmente, na recente Lei de Proteção aVítimas e Testemunhas (Lei nº 9.807/99), em seu artigo 1º.

Tudo isto, contudo, sem que se chegue a considerações maiores sobre anatureza desse direito.

Entretanto, agora, com a entrada em vigor do novo Código Civil, a ques-tão parece superada, pois esse inclui um capítulo — o Capítulo II do Livro I,Título I, de sua Parte Geral, consagrado aos direitos da personalidade.

Contendo aspectos extremamente polêmicos, com um sistema um tantoconfuso, o novo Código, contudo, tem a virtude de reconhecer a existênciadesses direitos, ao menos, sem esgotar, contudo, a sua enumeração, tal qual alegislação civil que o precede.

E, nos artigos 16 a 18, cuida-se especificamente do direito ao nome, ou, aomenos, de algumas de suas facetas.

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O art. 19, por seu turno, cuida do direito ao pseudônimo, reconhecidotambém como um dos direitos da personalidade, tratando-se de desdobra-mento do direito ao nome.

Ou seja; reconhece-se a existência dos direitos da personalidade, em nos-sa lei civil maior, e, entre eles, o direito ao nome, pondo-se fim à polêmicaquanto à sua natureza jurídica.]

4. Conclusões

Em face do que até aqui foi exposto, pode-se concluir que: a) o nomecivil das pessoas naturais é o sinal ou a expressão que identifica, designa edistingue uma pessoa das outras; b) os elementos comuns das várias definiçõessão a identificação, a distinção, a designação das pessoas, como individualiza-dor das mesmas entre os seus pares; c) a evolução histórica da utilização denomes como distinção, designação e identificação das pessoas é lenta, desdeos tempos antigos, em que se utilizava um único nome, até o século XIII,quando se torna comum a utilização do nome duplo, nas suas feições maisatuais; d) apesar das diversas teorias a respeito da matéria, a que prevalece é aque entende ser o direito ao nome um típico direito da personalidade, ligadoà proteção da identidade pessoal, tendo, efetivamente, todas as característicasdesse tipo de direitos, dentro do que expõe a doutrina mais autorizada arespeito da matéria.

5. Bibliografia

- ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS JURÍDICAS. Dicionário Jurídico,idealizado e organizado por J. M. Othon Sidou, Rio de Janeiro/São Paulo:Editora Forense Universitária, 1990.

- BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade, 4ª ed., (revista eatualizada por Eduardo Carlos Bianca Bittar), Rio de Janeiro/São Paulo:Editora Forense Universitária, 2000.

- CANOTILHO, J.J. Gomes; e MOREIRA, Vital. Constituição da RepúblicaPortuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, 1992.

- CHAVES, Antonio. Lições de Direito Civil, Parte Geral, vol. III, SP: JoséBushatsky Editor e Editora da Universidade de São Paulo, 1972.

- FRANÇA, Rubens Limongi; O Nome Civil das Pessoas Naturais, São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 1958.

- GOGLIANO, Daisy. Direitos Privados da Personalidade, dissertação de

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mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de SãoPaulo, São Paulo, 1982.

- GOMES, Orlando. “Direitos da personalidade”, in Revista Forense, vol. 216,dezembro de 1996, Rio de Janeiro, pp. 5/10.

- LIMA, Pires de; e VARELA, Antunes. Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I,Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 1987.

- LOPES, Serpa. Curso de Direito Civil - Introdução e Parte Geral, Rio deJaneiro/São Paulo: Editora Freitas Bastos, 1953.

- MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Parte Geral, 19ªed., São Paulo: Edição Saraiva, 1979.

- OLIVEIRA, Juarez de; e MACHADO, Antonio Cláudio da Costa, NovoCódigo Civil, São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1998.

- SILVA, Edson Ferreira da. Direito à Intimidade, São Paulo: Editora OliveiraMendes, 1998.

- TRABUCCHI, Alberto. Instituzioni di Diritto Civile, trentesima terza edizione,aggiornata con le riforme e con la giurisprudenza, Padova: Casa EditriceDott, Antonio Milani, 1992.

- VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil - Teoria Geral, São Paulo: EditoraAtlas, 1987.

- WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro - Introdução e Parte Geral, 8ªed. (com a colaboração de Álvaro Villaça Azevedo), São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 1995.

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SUMÁRIO: I - Introdução. II - A Sociedade. III - OsMeios de Comunicação de Massa (Mass Media). IV -O Direito Penal. V - Bibliografia

“...só sei voar dentro de mim,neste sonho de abraçar,

o céu sem fim, o mar a terra inteira !E trago o mar dentro de mim,

Com o céu vivo a sonhar e vou sonhar até o fim,até não mais acordar...”

(Trecho da música “Garça Perdida”, com letra de Leonardo Amuedo)

I – Introdução

presente texto não tem a intenção de ser um estudo completo edefinitivo sobre a problemática que envolve as complexas relaçõesexistentes entre esses três elementos, por se tratar de uma proble-

mática poliédrica, extremamente complexa, que exige uma abordagem inves-tigatória inter e multidisciplinar. Muito mais do que um trabalho científico

Sociedade, mass media eDireito Penal: uma reflexão*

Vinicius de Toledo Piza PelusoJUIZ DE DIREITO NO ESTADO DE SÃO PAULO E MEMBRO

DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITO PENAL.

O* O presente artigo foi publicado originalmente na revista argentina: ZETTEL – Artes y Ciencias Sociales,

publicação da Universidad de Buenos Aires, ano III, nº 3, p. 25.

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— no exato sentido do termo —, este artigo deve ser visto, e compreendido,como uma pequena reflexão sobre o tema, entre as inúmeras outras aborda-gens e possibilidades que o assunto permite enfocar, sendo colocados emrelevo, ainda, apenas pequenos e específicos aspectos de cada elemento estu-dado, ou, se preferem alguns, trata-se de uma divagação em voz alta oumesmo de um litlle brain storm.

Tal trabalho tem, como finalidade, fazer brotar uma semente plantadapela professora Ana Maria Messuti de Zabala em seu curso “HermenêuticaFilosófica Aplicada ao Direito Penal”, ministrado no mês de setembro/2001,na Escola Paulista da Magistratura, concretizando, dessa forma, o esforço nademolição das pirâmides hermenêuticas que enclausuram o conhecimentojurídico-penal, possibilitando, assim, uma abertura de janelas e, conseqüen-temente, a criação de novos caminhos com uma nova visão e compreensão dosproblemas penais atuais, já que “hay en todas las disciplinas ciertas esferas defranca contigüidad com otras disciplinas. Esferas en las que si procede ignorandoesa contigüidad corre uno el riesgo de asfixiar la propria disciplina, de cerrarle unaválvula de comunicación que no sólo la enriquecería, sino que le aportaría laperspectiva necesaria para comprenderse a sí mesma” 1. Ademais, “La preguntasobre el derecho y la pregunta sobre el hombre se alimentan recíprocamente; ningunade las dos se formula sin la outra. El derecho implica al hombre y el hombreimplica al derecho. La pregunta sobre el derecho y la pregunta sobre el hombre sonuna parte fundamental de la pregunta filosófica.” 2.

II - A Sociedade

A visão da sociedade moderna, também chamada pós-industrial, aquiapresentada de maneira muito simples, partiu essencialmente das constru-ções de Ortega Y Gasset, Moscovici, Ulrich Beck, Giddens, Luhmann, Bergere Luckmann, entre outros, sendo que algumas características por eles apre-sentadas são as que mais importam para o desenvolvimento da tese ora desen-volvida.

A primeira delas é que a sociedade do século XX deve ser consideradacomo uma “Sociedade de Massa”. Gasset considera a massa como um grupo

1 MESSUTI, Ana. El Tiempo Como Pena, Buenos Aires: Compomanes Libros, 2001, p. 13.2 Op. cit., p. 97.

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de pessoas não especialmente qualificadas, formada por homens médios (ho-mem-massa) que não se valoram individualmente, pois se sentem como “todomundo”, sendo que ela impõe as suas aspirações e gostos por meio de pres-sões, desrespeitando as minorias, engolindo o individual, onde o fato de serdiferente é considerado indecente e quem não pensa como a massa é social-mente eliminado. O homem-massa ter-se-ia desenvolvido isento de impedi-mentos, eis que as revoluções ocorridas no século XIX colocaram a massasocial em condições de vida radicalmente opostas às que anteriormente existi-am, possibilitando uma livre expansão de seus desejos vitais, não existindo,assim, qualquer limite para a sua existência. Tudo estava permitido e nin-guém estava obrigado a nada. O homem moderno instalou-se em um mundode possibilidades superabundantes, conquistadas por seus antepassados, massem as angústias que aqueles sofreram. Nesse período e contexto, florescerama democracia liberal, o desenvolvimento científico e a industrialização. Gassetdescreve o homem-massa, ainda, como a “criança mimada da história”,3 al-guém que se preocupa apenas com o seu bem-estar, não sendo solidário eexigindo somente os seus direitos.4 Ele vive à deriva dos acontecimentos, care-cendo de projetos construtivos. Por outro lado, ele é intelectualmente hermé-tico já que tem as suas próprias idéias, achando-as completas, contentando-secom as mesmas, achando-se pleno, e, em conseqüência, encontra uma sensa-ção de domínio e triunfo, gostando, assim, de exercer o predomínio, atuandocomo se apenas ele e seus comuns existissem no mundo.

A essa visão soma-se a construção do sociólogo alemão Ulrich Beck, paraquem a sociedade moderna é a “Sociedade do Risco”.5 Tal sociedade designaum estado da modernidade em que, com o desenvolvimento tecnológico dasociedade industrial até nossos dias (alta tecnologia atômica, química, genéti-ca, médica, armamentista etc.), as ameaças provocadas pelos avanços ocupamum lugar predominante, o seu surgimento é, portanto, o reverso da deteriora-ção do processo autônomo de inovação da modernidade, designando umafase de desenvolvimento que, através de mudanças na produção de riscos po-líticos, ecológicos, econômicos e individuais, escapa, cada vez mais, às insti-tuições de controle e proteção da sociedade industrial. Constata-se que as

3 In ORTEGA Y GASSET, José. La Rebelión de las Massas, Madrid: Clásicos Castalia, 1999.4 Ressalte-se que aqui se fala em direitos passivos, ou seja, aqueles que as pessoas adquirem independentemen-

te de qualquer esforço ou obrigação decorrente; eles são inerentes à própria natureza humana. São os direitosda personalidade que se adquirem com o só fato de nascer.

5 In BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo, Barcelona: Paidós, 1998.

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SOCIEDADE, MASS MEDIA E DIREITO PENAL: UMA REFLEXÃO

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instituições, públicas e privadas, se transformam em focos de produção elegitimação de perigos incontroláveis sobre a base de rígidas relações de pro-priedade e poder. Beck observa que tal sociedade não é uma escolha, umaopção eleita ou afastada politicamente, mas surge automaticamente dos pro-cessos de modernização que são alheios às conseqüências perigosas que desen-cadeiam. Nessa sociedade, os conflitos de distribuição dos bens sociais (em-pregos, saúde, educação, segurança pública etc.) são superpostos pelos confli-tos de distribuição dos danos coletivamente produzidos. Ademais, os indiví-duos, ante a elevada complexidade dessa modernidade, não podem encontrarrazão na inevitabilidade das decisões, nem considerar-se responsáveis por suaspossíveis conseqüências. Os homens devem entender a sua vida, desde agora,como estando submetida aos mais variados tipos de riscos, os quais têm umalcance pessoal e global. A temática social passa a ser a incerteza e a incontro-labilidade dos acontecimentos, tema que é politicamente explosivo, porqueaqueles que detêm a responsabilidade da proteção social se convertem emautênticas ameaças para o sistema jurídico, a prosperidade e a liberdade. As-sim, o reconhecimento da incalculabilidade dos perigos desencadeados pelaevolução técnico-industrial obriga a sociedade a efetuar uma auto-reflexãosobre os fundamentos do contexto social e uma revisão das convenções vigen-tes e das estruturas básicas de racionalidade. Ela se converte em tema e pro-blema para si mesma. Ressalte-se, ainda, que, com os riscos, o horizonte escu-rece, já que os mesmos proclamam o que não se deve fazer, mas não o que háque se fazer. Com isso, dominam os imperativos da evitação e quem projeta omundo como risco se mostra, em último caso, incapacitado para a ação. Porfim, a complexidade própria desse modelo causa uma profunda inter-relaçãodas esferas de organização social, aumentando a iteração por necessidades decooperação e divisão funcional, sendo que tais contatos podem redundar emmais conseqüências lesivas.

Outra característica importante da sociedade pós-industrial é a crise doparadigma do “Estado do Bem Estar Social” (Welfare State). O modelo doWelfare State gerou uma sociedade de sujeitos passivos, destinatários de pres-tações públicas, que são pensionistas, consumidores, desempregados, pessoase entidades subvencionadas pelo dinheiro público, que, por sua vez, são elei-tores. Assim o homem-massa moderno não só vive no Estado, como tambémdele, o que faz com que a sociedade já não seja mais criadora, empreendedora,dinâmica, mas, ao contrário, a liberdade de ação cedeu à passividade, à neces-sidade de segurança. Por outro lado, a crise deste modelo se manifesta na

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diminuição, ou mesmo extinção, da intervenção estatal nas esferas sociais comoa saúde, educação, economia, entre outras, resultando uma sociedade de de-semprego, geralmente juvenil, de migrações e emigrações, com os conseqüen-tes choques de cultura decorrentes, além de outros efeitos sociais patológicosque geram episódios violentos, em que a própria convivência aparece comofonte de conflitos interindividuais, ocorrendo que o “outro” mostra-se, mui-tas vezes, como acima mencionado, um risco.

Não se deve esquecer, por outro lado, a maneira como a sociedade modernaconhece a realidade. Aqui adota-se a “teoria da construção social da realidade” 6

dos sociólogos Berger e Luckmann, em que o ser humano é o único ser quecarece de um ambiente específico de sua espécie, já que vive imerso em umambiente social, em uma realidade criada intersubjetivamente. Dessa forma,todo conhecimento que ele tem do mundo real está mediado pela forma queo conhece e, na atual sociedade de massa, a principal forma de conhecer omundo exterior é através dos meios de comunicação, que, assim, cumprem afunção mediadora e conformadora de sua realidade. Portanto, a realidade queo indivíduo percebe depende da informação que os meios lhe passam.

A somatória de todas essa características gera o que os sociólogos chamamde “sensação social de insegurança”. Tal sensação é uma dimensão subjetiva domodelo de sociedade pós-industrial, podendo-se dizer que caracteriza, mes-mo, uma marca significativa deste modelo. Como nesse modelo a sociedade épassiva, as pessoas não se vêem atuando e a liberdade de ação cedeu à necessi-dade de segurança, a sociedade é dependente do Estado, transferindo a ele asua necessidade de segurança e a própria garantia de sua existência, as pessoasacabam se identificando com as vítimas — já que são passivas —, e não como autor dos fatos arriscados — dinâmico, empreendedor —, ante a imagina-ção de serem vítimas em potencial. Entretanto, na realidade, a vivência subje-tiva dos riscos é claramente superior à própria existência concreta e objetivados mesmos (sensibilidade do risco), inclusive porque os novos riscos geradospela modernidade são compensados pela radical diminuição dos riscos natu-rais, tais como doenças, catástrofes etc. Essa problemática foi identificadapelo sociólogo Xaver Kaufmann:7 “Se é certo que os homens nunca haviam vivi-do tanto, tão bem e seguros como agora, o certo é que o medo e a insegurança se hãoconvertido no tema central do séc. XX”.

6 In LUCKMANN, Thomas / BERGER, Peter L. A Construção Social da Realidade, Petrópolis: Editora Vozes, 2000.7 Citado por SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La Expansión del Derecho Penal, Madrid: Cuadernos Civitas, 1999.

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Finalmente, a mencionada sensação social de insegurança é reforçada,ainda, pela revolução das comunicações que deu lugar a uma vertigem deriva-da da falta de domínio do curso dos acontecimentos, que gera uma falsasensação de impotência e, conseqüentemente, mais insegurança, e, ainda,como acima visto, pela própria forma como essa sociedade conhece a suarealidade, mediante os meios de comunicação.

Essa sensação coletiva se converte em pretensão social, a que se supõe queo Direito Penal deva dar uma resposta.

III – Os Meios de Comunicação de Massa (Mass Media)

A atual época se caracteriza como a era da informação global, em queocorrem os monopólios das empresas de comunicação (CNN, Ag. Reuters,Rede Globo), concretizando, assim, as profecias de G. Orwell (1984) e Al-dous Huxley (Admirável Mundo Novo) de um mundo de falso progresso, ad-ministrado por uma polícia do pensamento. Essa era da informação tem comopano de fundo a sociedade acima descrita. Entretanto, neste contexto, a in-formação é tratada como uma mercadoria que, como as demais coisas, é regi-da pelas leis do mercado.

Informar, portanto, passa a ser um verdadeiro negócio empresarial, emque, em um mercado extremamente competitivo, a mercadoria mais preciosaé o “furo jornalístico”, já que o índice de audiência ou o aumento das tiragensse tornaram o juízo final do jornalismo.

Na sociedade obcecada pelo medo e pela segurança cresce a motivaçãopara o aumento das notícias sobre delitos e/ou eventos violentos. Entretanto,como observou Francesc Barata,8 o interesse pela narração do delito se perdena história da humanidade, sendo que as primeiras manifestações dessa cul-tura, chamada popular ou vulgar, aconteceram nas cidades européias duranteo séc. XVII, que foram reforçadas, ainda, pela curiosidade e a atração socialpelo castigo público — resposta ao delito — que, então, era praticado, con-forme analisado na obra de Michel Foucault (Vigiar e Punir).

Na atualidade, a curiosidade pela narração do crime e seu castigo continua

8 BARATA, Francesc. “De Ripper al pederasta: un recorrido por las noticias, sus rotinas y los pánicos morales”, inRevista Catalana de Seguretat Pública, Barcelona, junio/1999, nº 4, pp. 45-57.

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presente na sociedade; entretanto, emergiu com uma força enorme no seio dosmeios de comunicação de massa, também porque nos encontramos ante umacrise de credibilidade da política, que se transfere para os meios de comunica-ção, pois quanto mais decresce o interesse pelas notícias políticas, mais aimprensa procura outras categorias informativas para traduzir o interesse dasociedade — geralmente notícias violentas —, o que, por outro lado, ampliaa fronteira entre informação séria e informação trivial, que adquire um maiorgrau de aceitabilidade. Essa trivialização das notícias causa uma nova culturade violência, em que essa aparece como um fato normal, corriqueiro, que fazparte do cotidiano, na verdade um objeto de consumo, gerando uma insensi-bilização à violência real e alterando as representações em torno da segurançae, ainda, uma funcionalização dos atos violentos, que passam a ser tidos comomeios legítimos para alcançar determinados fins.

Ainda que não haja possibilidade de se reconhecerem com a certeza neces-sária a relação e influência dos meios de comunicação na opinião pública, antea falta de estudos sérios que as confirmem, como anotado pela maioria dosestudiosos, o fato é que existe uma influência mútua entre o discurso sobre ocrime — atos violentos — e o imaginário que a sociedade tem dele, e, comoanota Barata,9 apesar das dificuldades para se estabelecer uma relação absolutade causa/efeito entre as notícias e o medo do delito, pode-se sustentar que existeuma relação sólida entre as ondas de informação e a sensação de insegurança.

Na relação entre meios de comunicação e delito ocorre, no momento dacriação da notícia, o que Barata denominou “pequeñas dictaduras del sistemainformativo”.10 Isso acontece, pois os meios têm a necessidade e a obrigaçãode preencher todos os dias o mesmo espaço informativo, ainda que a reali-dade esteja pobre em acontecimentos noticiosos; afinal, “los telenoticias siem-pre tendrán la misma duración y los periódicos el mismo número de páginas...”.Por outro lado, em relação aos fatos criminais, existe uma grande escassez defontes de informação, o que obriga o jornalista a procurar as fontes institu-cionais, geralmente a Polícia ou o Ministério Público, que, por sua vez, nãosão fontes neutras e, portanto, transmitem a sua maneira de ver o crime, nãosendo questionadas por aquele que necessita da informação para preencheros espaços. Finalmente, o jornalista deve adequar o seu trabalho ao tempomediático que, geralmente, não coincide com o tempo dos acontecimentos

9 BARATA, Francesc. Op. cit.10 BARATA, Francesc. Op. cit.

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— o processo é lento —, o que impede o aprofundamento da notícia. Outrapequena ditadura é a chamada “corrida pela notícia”: o ambiente de com-petitividade gera a imediatez da informação que se sobrepõe ao necessáriorigor profissional, causando, também, prejuízos à profundidade da notícia.O autor deixa anotado, ainda, que estas pequenas ditaduras do sistemainformativo não possuem intencionalidade ideológica, afastando, portanto,as apocalípticas teorias da conspiração, mas deixa assentado que essas dita-duras efetivamente acabam marcando a visão diária que os meios oferecemsobre os desvios sociais, e, nesse sistema, as visões que penetram através dasfontes institucionais do controle penal se acoplam facilmente às necessida-des informativas, privilegiando a sua maneira de ver o cenário delitivo, queos meios aceitam sem questionar.

Dentro dessa realidade é inegável que a televisão é o meio de comunicaçãomais importante, comparando-se com as rádios, jornais e revistas, e, por estarazão, a presente análise se centrará mais em seus elementos, e, dentre osprogramas televisivos, serão enfocados, com mais demora, os telejornais.

No presente século, a televisão se tornou um eletrodoméstico indispen-sável em qualquer lar, ocupando e presidindo os espaços comunitários —sala de visitas ou de jantar —, e a existência de um aparelho em plenofuncionamento é sintoma de normalidade, conforme afirmado porMontserrat Quesada.

Antigamente, informar era proporcionar não só a descrição precisa dosfatos, mas também apontar o conjunto de parâmetros contextuais que permi-tiam ao leitor compreender o seu significado global; entretanto, na moderni-dade, essa situação não mais ocorre, sendo que informar é fazer “assistir” —especialmente ao vivo — o acontecimento e a imagem passa a ser suficientepara dar o significado do fato. Assim, preferimos ver o que acontece ao invésde ler, mesmo que essa preferência implique deixar de lado informações fun-damentais que nos aclarariam os antecedentes e as conseqüências do fato no-ticiado. A televisão, portanto, na sociedade moderna, se torna o meio de in-formação preferido, ante a fascinação pela imagem, pois, afinal de contas,“uma imagem vale mais do que mil palavras” e não necessita o esforço de aten-ção e concentração exigidos pela leitura.

Dessa forma, ver é compreender, mas esquecem-se que o Iluminismodemonstrou que isso não é verdadeiro, pois se compreende pela razão, coma inteligência e não com os olhos e os sentimentos. As pessoas, na socieda-de moderna, inclusive porque são passivas, acham que, confortavelmente

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sentados em seus sofás, olhando para a TV, com imagens fortes, estão seinformando com seriedade, mas informar-se sem esforço é uma ilusão.

A fascinação pelas imagens, especialmente pelas ao vivo, cria a ilusão deque todo acontecimento deve ter uma imagem e que fatos sem imagens nãosão importantes. Assim, o que não for filmado não é importante. Sem ima-gem, não há notícia. Entretanto, mais grave do que a falta de notícias é o fatode que, na maioria das vezes, nos mostram imagens que não representamnenhum fato jornalístico noticiável, apenas imagens espetaculares, ricas emvisual, atrativas e tecnicamente impecáveis. A informação torna-se um espetá-culo, um divertimento.

As notícias, diga-se imagens, se produzem quase que simultaneamentecom o fato, mudando o conceito de atualidade e, ainda, descontextualizando-o.

A televisão cria, por outro lado, a hiperemoção do espectador, pois aemoção que você sente assistindo às imagens é verdadeira, o que automatica-mente faz a informação também ser verdadeira. Cria-se uma confusão entreemoção e realidade, pois a fascinação emocional impede a análise racional erealista do fato, até porque o telespectador/receptor, que não possui plenocontrole de seu próprio campo de visão, que está estruturado pelos meios —escolha das cenas, reportagem, edição etc. — , não pode olhar em uma ououtra direção e enfocar diferentes indivíduos ou objetos. Ante a hipersensibi-lização, a sociedade, que é uma sociedade insegura e por isso mais suscetívelemocionalmente, não necessita mais sofrer o mal, pois ela o vê. O problemada violência passa a ser comunicacional e não mais experimental.

Ressalte-se, ainda, que, como informar é um negócio, a concorrênciaentre os meios gera o efeito patológico da “informação circular” (ou bola deneve), homogeneizando a informação jornalística, pois, para saber o que se vainoticiar, é preciso saber o que os outros estão noticiando, para não ficar atrás.Assim, um mesmo assunto passa a ser veiculado por quase todos os meios, quenão querem perder seus clientes. Os meios, portanto, autoestimulam-se, ex-citam-se uns aos outros. Veja-se, como exemplo, o Caso Monica Lewinsky,que foi noticiado por um longo período por todos os meios de comunicaçãodo globo terrestre.

Portanto, se a televisão hoje emite uma informação e a imprensa escrita eo rádio a retomam, o que acontece por causa da informação circular, já se temo suficiente para tê-la como verdadeira. O fato é verdadeiro simplesmenteporque os outros meios o repetem, confirmando-o. Ademais, que outras formas

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possui a sociedade para averiguar a veracidade, ou não, se não se pode compararuns meios de comunicação com os outros, pois, se todos dizem a mesma coisa,não há possibilidades de se descobrir o que realmente se passa, ante uma totalausência de critérios de apreciação? A realidade, assim, é facilmente reconstruí-da, ou mesmo construída, de acordo com a vontade dos meios, que impõema sua visão do mundo, a sua problemática, o seu ponto de vista, enfim, o queconsideram importante. Tal fato pode causar falsas idéias e representações darealidade nos receptores, inclusive podendo estar carregada de implicaçõespolíticas, que, somadas à hipersensibilidade, podem causar medos, fobias efantasias na sociedade receptora.

Quanto aos programas televisivos, sem a menor dúvida, os mais impor-tantes e que mais fazem sucesso são os telejornais,11 que podem ser conside-rados os “reis” da programação, já que milhões de pessoas os assistem todasas noites, tendo-os como fonte única de informação, o que os transformaem um monopólio da formação de cabeças. Tal situação é de sabença porparte dos políticos que fazem de tudo para ocupar parte desse espaço, porser pólo de atração de eleitores, tanto que vulgarmente esse espaço é conhe-cido como “palanque eletrônico”. Eles são, como já mencionado, verdadei-ros shows hollywoodianos. Os telejornais têm como características básicasserem feitos para distrair e não informar, são curtos, eis que o telespectadordeve assisti-los por inteiro, sendo que as notícias são fragmentadas, paradistrair o receptor, e descontextualizadas, dando-se prioridade, como sesabe, às imagens violentas. Os fatos noticiados são impostos ao telespecta-dor, eis que são impostos aos produtores, que, por sua vez, são impostospela lei de mercado, ante a existência da concorrência dos demais canais emeios de informação (rádio, jornais, revistas). Dentro de sua estrutura, exis-tem os chamados “âncoras”12 (bustos parlantes), que são as estrelas do show,já que o público confia neles: o que eles dizem é verdade, pois ele é meuamigo — está dentro do meu lar —, além do que, eles dizem exatamente oque eu quero ouvir, fazendo com que as imagens ganhem dimensão huma-na. Eles, de vez em quando, emitem algumas curtas opiniões. Não pode-mos nos esquecer, ainda, de uma figura ainda mais pitoresca, os Fast Thin-kers13, ou comentaristas, que são pseudo-pensadores que, supostamente,

11 Veja-se, como exemplo, o Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, que se encontra no ar há 20 (vinte) anos.12 Outro exemplo é o “belo” e “harmonioso” casal que apresenta o Jornal Nacional, bem como o incisivo Bóris

Casoy no Jornal da Rede Record.13 Como exemplo, também no Jornal Nacional, o intelectual Arnaldo Jabor.

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pensam em velocidade acelerada — o programa é curto —, apresentandoidéias feitas, banais, comuns, convencionais, que são facilmente aceitas einteriorizadas por todos os receptores, fazendo com que a comunicação sejainstantânea, mas sem conteúdo, e que, por sua banalidade, são comuns aosreceptores e ao emissor. Afinal, a própria televisão lhes dá “autoridade” —se está no ar, ele deve ser importante, um “figurão” — e não a vida real. Porfim, é inegável que suas opiniões criam e influenciam a opinião pública.

Dessa forma, tendo em vista todos os fatos até agora já mencionados, nasociedade atual, insegura e passiva, os meios de comunicação de massa, espe-cialmente a televisão, manipulam as informações por razões de mercado oumesmo ideológicas e, portanto, a própria realidade, já que o homem modernoa conhece por intermédio desses meios, especialmente através de notícias eimagens violentas — que são as que mais vendem —, causando e aumentan-do o medo nas pessoas/espectadores, que, por sua vez, não têm condições deanalisar criticamente os fatos que lhes são impostos pela ótica mediática, ocor-rendo que os políticos têm plena consciência de tal sistemática e a utilizampara imposições de ideologias que, magicamente, iriam resolver as ansiedadese medos da população — eleitores em potencial. Por outro lado, os própriosmeios de comunicação, sabendo disso, de sua força motora, influenciam ospolíticos a tomarem medidas para resolverem os problemas que são aponta-dos pela sua programação, que, por fim, concretizaria a teoria da profecia quese auto-realiza, ou seja, eu mostro algo como um problema e o Estado reage aele; portanto, o problema é verdadeiro. A profecia se realizou.

IV – O Direito Penal

Como visto, os fatos violentos — que geralmente significam condutascriminosas — são as melhores mercadorias colocadas à venda pelos meios decomunicação de massa, especialmente a televisão, por intermédio dos telejor-nais, pois, em uma sociedade insegura por natureza, os delitos violentos são asformas delitivas que mais fascinam as pessoas e as que valem a pena veicular einformar. A mídia, portanto, apresenta o “problema” e a sociedade, por suavez, quer a resolução.

Tal fato, inegavelmente, muda a realidade da criminalidade, influindona criação ou vigência fática de uma norma penal, pois, quando se pensa emsegurança, imediatamente vem à cabeça das pessoas comuns a imagem do

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Direito Penal, que é o direito por excelência. É ele que vai resolver todos osproblemas sociais envolvidos com a insegurança coletiva, criando-se, assim,uma falsa ilusão de eficácia do sistema penal. Sem qualquer dúvida, ante essesfatos, ocorre a expansão desse sistema como forma de solução dos conflitossociais geradores de risco e insegurança — sociedade do risco — e tal expan-são causa efeitos patológicos no Direito Penal.

Dentre os vários efeitos patológicos, encontra-se a funcionalização dosistema penal. O Direito Penal e todo o seu instrumental repressor passama ser utilizados para a consecução de fins políticos, que acabam se tornandoum dos fins centrais do mesmo, justificando-se na opinião pública e na suademanda por segurança, provocada pelos meios de comunicação. Essa fun-cionalização geralmente opera mediante a eliminação e redução das tradicio-nais garantias materiais e processuais do acusado, já que elas podem pertur-bar os fins políticos almejados, bem como, entre outras, no abuso da cons-trução de tipos penais como crimes de perigo abstrato, aumento no sistemade interesses preventivos, utilização de legislação simbólica, antecipação demomentos consumativos clássicos, penalização de condutas irrelevantes,alargamento e agravamento das penas, maior punibilidade para o desvalorda conduta em detrimento do desvalor do resultado etc. Todas essas atitu-des levam a que o Direito Penal passe a ser utilizado pelo Estado não comoúltima ratio, mas, sim, como prima ratio, desvirtuando a sua real finalidadee aplicabilidade.

Por sua vez, além das questões acima mencionadas, a funcionalizaçãoocorre por meio da utilização da função simbólica e da função promocional.14

A função simbólica é utilizada pelo legislador como um efeito mera-mente psicológico sobre a sociedade, não tendo lugar na realidade exterior,pois a opinião pública tem a falsa impressão tranqüilizadora de um legisla-dor atento aos problemas e decidido, satisfazendo a todos, e de que o pro-blema está sob controle. Da mesma forma, o legislador tem a impressão deter, realmente, feito algo útil. Assim, ele cria novos tipos penais e incremen-ta desnecessariamente as penalidades existentes, derrogando, ainda, garan-tias materiais e processuais dos acusados. Utiliza o Direito Penal para produ-zir impacto psicossocial, e não para proteger os bens jurídicos fundamentais

14 V. GARCIA-PABLOS, Antonio. Derecho Penal – Introduccion, Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 1995;FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos, São Paulo: Ed. RT, 2000.

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para a convivência social, pervertendo o sistema punitivo, que passa a teruma conotação educativa ou ético-social. Geralmente esse subterfúgio le-gislativo é utilizado em momentos de crise econômica, social e política, jáque estes geram maiores sentimentos de insegurança, que podem ser mani-pulados politicamente por uma política criminal hipócrita, inútil e despro-porcional. Como essas medidas foram criadas para satisfazer meras expecta-tivas por parte da sociedade insegura, é claro que não funcionarão e nãoresolverão os problemas que as geraram, tornando-se inúteis, o que, a mé-dio prazo, desacredita o próprio sistema penal.

Já a função promocional do Direito Penal é utilizada para que este atuecomo um poderoso instrumento de mudança e transformação social, nãobastando que, apenas, se limite a consolidar o status quo, passando a ser ummotor em pleno funcionamento que dinamize a ordem social, promovendoas mudanças estruturais necessárias. Assim, ocorre a neocriminalização devários setores sociais que, antes, estavam ausente do núcleo de proteção dasnormas penais (exemplo: crimes contra a ecologia, contra minorias e mu-lheres, crimes econômicos etc.), que demonstram a precavida atitude deum legislador atento, ante as necessidades do momento sociocultural. Essafunção, como se sabe, também perverte o princípio da intervenção mínima,já que não cabe ao Direito Penal resolver as tensões experimentadas portoda a sociedade entre as forças do status quo e as que promovem a mudança,pois o mesmo deve apenas proteger bens jurídicos fundamentais indispen-sáveis à convivência social e que são, portanto, objetos de um amplo con-senso ocorrido nas relações dessa sociedade. Não pode o Direito Penal im-por esse consenso, mas, apenas, protegê-lo. Desnecessário, por fim, men-cionar que essa função também é ineficaz, desacreditando todo o sistemarepressivo.

Assim colocadas as coisas, verifica-se que, como essas funções são inefica-zes, não funcionam, já que exigem do sistema penal fins que este não poderealizar, o próprio sistema fica desacreditado perante a sociedade, causandouma maior sensação de insegurança em uma sociedade já insegura por natu-reza, acarretando um verdadeiro círculo vicioso, já que toda a problemáticaaqui desenvolvida irá se repetir, ou seja, a sociedade amedrontada será mani-pulada pelos meios de comunicação de massa, com a conseqüente utilizaçãoerrônea do Direito Penal por meio dos legisladores, que, por sua vez, nãofuncionará, acarretando uma maior insegurança que irá influenciar uma so-ciedade já insegura que...ad infinitum...

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“O direito que se denega, a lei que se vilipendia, a justiçaque se ultraja, têm no advogado o instrumento de sua restauração”

(Carvalho Neto – Advogados)

SUMÁRIO: 1. Assume dever de diligência, e não deresultado - 2. Razões de questionamento sobre suasatividades e nenhuma influência da inversão do ônusda prova prevista no artigo 6º, VIII, da Lei 8.078/90- 3. Abuso do direito de o cliente denunciar advoga-dos e jurisprudência censória - Perda de uma chance ea sistemática do agravo de instrumento - 4. Danomoral - 5. Responsabilidade objetiva da sociedade deadvogados - 6. Execução impossível - 7. Risco da exe-cução de títulos de créditos emitidos para retribuiçãodos serviços - 8. Imunidade judiciária - 9. Atuação naJustiça Criminal e em situações de prisão civil porinadimplência de dívida alimentícia pretérita - 10.Prescrição - 11. Sugestão de dispensa da atuação emcausa própria - 12. Bibliografia

1. Assume dever de diligência, e não de resultado

onsta que o primeiro advogado a obter licença para atuar na vila deSão Paulo foi Antônio Camacho, empossado por provisão assinadapor d. Francisco de Souza, de 22 de fevereiro de 1651, pela qual

Responsabilidade civildo advogado

Ênio Santarelli ZulianiJUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU NO ESTADO DE SÃO PAULO

E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE PAULISTA (UNIP) – CAMPUS RIBEIRÃO PRETO

CRevista da Escola Paulista da Magistratura, ano 4, nº 1, p. 123-176, janeiro/junho - 2003

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foram outorgados amplos poderes de defesa, no cível e no crime, “guardandoem tudo o serviço de Deus e de Sua Majestade e às partes seu direito”.1 Os advoga-dos, que estavam presente na fundação de nossa organização judiciária, assu-miram o dever de resguardar o direito das partes. A responsabilidade profis-sional, portanto, é fato congênito.

O novo Código Civil estabelece, em seu artigo 951, o dever de reparardanos provocados por ilícito da atividade profissional, uma nova versão dosubstituído artigo 1545, selecionando como destinatários os médicos, cirur-giões, farmacêuticos e dentistas. Embora não referidos em artigo específico,os advogados recepcionam o conteúdo dessa mensagem normativa, porque,da mesma maneira com o que ocorre com esses profissionais da área de saúde,ficam vinculados ao cliente, em face dos serviços que prestam. Carvalho deMendonça incluiu, quando analisou a hipótese de responsabilidade de médi-cos e outros, por danos decorrentes de negligência ou imperícia profissional,“o advogado que por maus conselhos ou incapacidade comprometa direitos de seuconstituinte”. 2

Esse paralelo que se faz da atividade do médico e do advogado proporcio-nou o seguinte comentário de Herotides da Silva Lima:3 “se a imperícia, aimprudência e a negligência do médico podem ocasionar ao indivíduo a perdaparcial ou total da personalidade física, no advogado geram danos ainda maiores,que se traduzem no despejo do patrimônio, da liberdade e da honra, sem as quaisa vida física é socialmente insustentável; é até insustentável”.

O advogado não assume, salvo em particulares tarefas, obrigação de re-sultado,4 mas, sim, de diligência; “un obbligo di diligenza e non di resultato”,afirmou Eduardo Bonasi Benucci.5 Cumpre ao advogado defender as partes edar conselhos profissionais, obedecendo aos deveres do mandato, como esta-belece o art. 692, do Código Civil de 2002: “o mandato judicial fica subordi-nado às normas que lhe dizem respeito, constantes da legislação processual, e,supletivamente, às estabelecidas neste Código”.

Portanto, quando o advogado, sem mandato judicial, for encarregado,

1 MARTINS FERREIRA, Waldemar. História do Direito Brasileiro, p. 307.2 MENDONÇA, Carvalho de (M.I.). Doutrina e Prática das Obrigações, p. 486.3 LIMA, Herotides da Silva. O Ministério da Advocacia, p. 108.4 Jorge Mosset ITURRASPE cita, como exemplo de obrigação de resultado que o advogado assume, a situação em

que “se obliga a redactar un contrato de sociedade anônima” (Responsabilidad por Daños, p. 157).5 BENUCCI, Eduardo Bonasi. La Responsabilità Civile, p. 218

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por exemplo, de preparar os documentos necessários para obter um visto desaída do país, serviço encomendado por um cliente que se prepara para umaviagem ao exterior, o profissional que aceita tal incumbência deverá resolver osentraves burocráticos e conseguir a licença da embaixada respectiva até a datado embarque, sob pena de responder por perdas e danos do inadimplementodessa relação contratual, na forma do art. 389, do CC. Em obtendo mandatopara atuação judicial ou para assessoramento jurídico, o advogado deve, se-gundo o ilustre desembargador da Terceira Câmara de Direito Privado doTribunal de Justiça de São Paulo, Carlos Roberto Gonçalves:6 “ser diligente eatento, não deixando perecer o direito do cliente por falta de medidas ou omissão deprovidências acauteladoras, como o protesto de títulos, a notificação judicial, ahabilitação em falência, o atendimento de privilégios e a preferência de créditos.Deve, inclusive, ser responsabilizado quando dá causa à responsabilidade do clien-te e provoca a imposição de sanção contra este, na hipótese dos artigos 16 a 18, doCódigo de Processo Civil”.

Os velhos processualistas reservam capítulos, em seus livros, para comen-tários sobre a atividade dos advogados e, de forma unânime, reconhecem ocabimento da indenização por prejuízos da atividade (dolo e culpa) e, apro-veitando-se da doutrina incipiente, como verdadeiros formadores de concei-tos, exigiam deles certos predicamentos, como a probidade, não requereremcontra lei expressa ou reterem os autos além do prazo permitido,7 abstendo-sede ações que possam “prostituir sua honrosa profissão”.8 Nessa última obra,explica-se o porquê da expressão “patrono”, ainda em moda para designar osadvogados; “porque tomavam debaixo de sua proteção a seus clientes, e se consa-gravam à defesa de seus interesses e da sua honra, vida e liberdade”.9

Joaquim Ignácio Ramalho, o Barão de Ramalho, que atuou na defesade Mauá, até 1875, em ação relacionada com a Estrada Santos a Jundiaí,10

escreveu, primeiro, o livro Practica Civil e Commercial (1861), anotandoque “a advocacia é uma indústria”.11 Na Praxe Brasileira, editada oito anosdepois, corrigiu o texto para “a advocacia é uma profissão”.12 Contudo, nas

6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 383.7 MONTEIRO, João. Programa do Curso de Processo Civil, I/289, § 60.8 PINTO, José Maria Frederico de Souza. Primeiras Linhas sobre o Processo Civil Brasileiro, I/54, § 115.9 PINTO, José Maria Frederico de Souza. Op. cit., p. 50, § 50.10 MAUÁ, Visconde. Autobiografia – Exposição aos Credores, p. 264, nota 252.11 RAMALHO, Joaquim Ignácio. Practica Civil e Commercial, p. 16.12 RAMALHO, Joaquim Ignácio. Praxe Brasileira, p. 75.

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duas oportunidades, repetiu que o advogado deve indenizar o prejuízo quecausar à parte, por dolo, culpa ou ignorância, advertindo que é obrigado arequerer conforme as leis, “abstendo-se de interpretações frívolas e sofísticas”.Em se admitindo, como argumenta Frederico Marques, que o citado pro-fessor da Faculdade de Direito de São Paulo foi responsável pela ruptura dasubserviência jurídica às Ordenações do Reino de Portugal, que ditavam ocaminho dos nossos processos,13 não se tem dúvida de que a advocacia sur-giu no Brasil independente com regras deontológicas claras e expressamen-te definidas.14

Um notável advogado que, por sua reconhecida autoridade, faz insuspei-to o seu texto, escreveu o seguinte:15 “Não se pode contar nem entender a histó-ria de um país sem destacar o papel desempenhado pelos advogados. Se não elesque, necessariamente, criam todas as técnicas de controle social, cabe-lhes semprefazer com que tais técnicas funcionem no interesse social. Assim, as idéias geraislançadas pelos filósofos ou pelos políticos só se transformam em realidades concretasem virtude do trabalho do advogado em prol dos interesses individuais ou coletivos”.

Realmente. O advogado detém a capacidade postulatória (art. 36, doCPC e 133, da CF). No Juizado Especial (Lei nº 9.099/95), as partes pode-rão dispensar advogados em ações até vinte salários mínimos (art. 9º), demodo que, acima desse teto e para interpor recursos, a presença do advogadoé obrigatória (art. 41, § 2º). Quando o Tribunal de Justiça de São Paulo, emacórdão que relatei, concedeu mandado de segurança para que advogado nãosofresse restrições de acesso aos autos (ainda que com os serventuários alegan-do que necessitavam manusear o processo para preparar a audiência designa-da para data próxima), assinalei (MS nº 173.075-4, in JTJ-Lex 232/276 eBoletim AASP 2226, p. 1.941):

13 MARQUES, José Frederico. O Direito Processual em São Paulo, p. 57.14 Os advogados brasileiros não se deixaram influenciar por um começo de vida profissional nada gratificante e,

cientes de que o primeiro advogado a “pisar em nossa terra” viera cumprir pena de degredo (conforme informaHerotides da Silva Lima, op. cit., p. 79), conseguiram reverter a péssima primeira formação, constituindo, comtrabalho digno, uma classe profissional que conquistou respeito nacional. O que constava das Ordenações — eque reproduzo por curiosidade — permaneceu em um passado que não nos desonra: “E se algum advogado ouProcurador tiver recebido de alguma parte dinheiro, ou outra coisa para advogar ou procurar sem feito edemanda, ou depois que for feito Procurador, e o aceitou, posto que ainda tenha dinheiro recebido, tendo jásabido os segredos da causa, depois advogar, procurar ou aconselhar, público ou secreto de outra parte; e bemassim o que receber cousa alguma da parte, contra quem procurar, além de ter havido por falso, será degredadopara sempre para o Brasil, e nunca mais usará do ofício – Fontes: Ordenações Manuelinas, do Livro 5º, título 55,e Extravagante n. 9, titulo 22, 4ª parte” (Ordenações Filipinas – texto preparado por Fernando H. Mendes deAlmeida, p. 230).

15 WALD, Arnoldo. “A advocacia de empresa”, in: Estudos e pareceres de Direito Comercial, p. 390

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“Consta do ensaio de João Mendes Júnior 16 que ‘Cícero denomina militiaurbana a classe dos advogados, tabeliães ou notários, escrivães e mais auxiliares dajustiça; e, quanto aos advogados, essa denominação ficou consagrada pelos impera-dores Leão e Anthemius na L. 14 do Cód., livr. II, ti. VII, de advocatis diversorjudic.’, os quais, demonstrando que os advogados não são menos úteis à sociedadedo que os que combatem em defesa da pátria, lhes deram privilégios de militaresque até hoje não foram revogados.

É o advogado, afirma Manuel Alceu Affonso Ferreira (‘advocacia, essa esque-cida’, in: Revista do Advogado, AASP 56/84) ‘quem atende ao cliente, quem oacompanha no processo, quem com ele vive as delícias da vitória e sofre as agrurasda derrota. É o advogado quem, impotentemente, o ouve reclamar do valor dascustas, ou da demora no julgamento. É o advogado quem se vê constrangido atentar explicar-lhe que, à fase processual do conhecimento, seguir-se-á a da execu-ção, com os incidentes e as delongas que tornarão saudoso o período anterior’”.

Com absoluta razão, o preclaro dr. Ruy Celso Reali Fragoso,17 defensor dasprerrogativas legítimas dos advogados, quando afirma que a consciência desseprofissional é o código que regula sua responsabilidade: “nós nunca nos compro-metemos ao vencimento de causa, damos aos nossos clientes o nosso juízo, com nossoconselho, a nossa convicção. Os limites e contornos da atuação do advogado encon-tram-se, assim, sob a égide da honra e do ônus: advogar é viver sob tais ditames”.

Dentro desse contexto, serão examinadas algumas situações em que otrabalho do advogado enseja questionamentos. Cumpre registrar que a res-ponsabilidade civil do advogado é de natureza contratual, como enfatiza An-tônio Chaves,18 com uma distinção interessante: os erros de fato, ainda quenão graves, vinculam o advogado; enquanto os erros de direito com semelhan-te efeito seriam unicamente os graves, “pois evidenciam ser desidioso, relapso,descuidado, desatento, desinteressado no estudo da causa ou do direito a ser aplica-do, ou mesmo ignorante da lei aplicável, ou dando-lhe interpretação absurda, fatoinadmissível, porque, como qualquer profissional, o advogado deve conhecer asregras elementares de seu ofício”.

A maioria maciça da advocacia é composta de bacharéis competentes,

16 MENDES JÚNIOR, João. “As formas da Praxe Forense”, in: Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, XII/53.17 FRAGOSO, Ruy Celso Reali. A Advocacia à Luz da Constituição Federal de 1988, apud Constituição Federal de

1988, p. 507.18 CHAVES, Antonio. Tratado de Direito Civil, vol. III, p. 325.

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habilidosos, estudiosos e, principalmente, honestos. Este texto não é redigidopara os juristas e, muito menos, para a minoria que desgasta a classe, mas,sim, para investigar, a partir de fenômenos jurídicos isolados, aspectos legaisdessa profissão cada vez mais emergente e sobre a qual a intensa publicidadedos julgados repercute na avaliação do desempenho. Cada site de jurispru-dência que se inaugura na rede de computadores (internet) compromete acredibilidade da versão que os profissionais despreparados usam como descul-pa do mau desempenho (ignorância da evolução jurisprudencial), frente àinadequação da escusa diante do amplo acesso aos julgados recentes e antigos.O computador facilitou a vida do advogado e aumentou o peso de sua res-ponsabilidade para o bom termo da diligência assumida. Afinal, é obrigaçãodo advogado “agir com o maior zelo na defesa das causas confiadas ao seu patro-cínio. Cumpre-lhe utilizar todos os recursos da experiência, saber e atividade, paraconseguir que ao cliente se faça inteira justiça”.19

A ordem jurídica é manipulável através do método cognitivo. O melhoruso das leis se faz pelo conhecimento articulado. O advogado é habilitado aatuar em defesa de direitos porque obtém apuro técnico (bacharelato) paraesse mister. Existe o lado “teórico” e o aspecto “prático”. Os cientistas dodireito são os responsáveis pela constante transformação da norma jurídica,fazendo-a acompanhar os anseios das exigências sociais, enquanto que os ope-radores do direito se encarregam da sua aplicação, observando a lógica dosjulgados.20 Antigamente, quando saia do prelo um repertório de jurisprudên-cia, festejava-se o acontecimento como uma obra inédita. Hoje as revistas sãomensais, semanais e existem boletins diários, abastecendo o profissional detodas as novidades possíveis e imagináveis declaradas pelos tribunais. Emdeterminados pontos da prática forense, a intensidade dos julgados cria mo-delos de atuação prática e, mesmo que os enunciados que deles decorrem nãomereçam súmula, a incidência reiterada lhes elevam o sentido a algo próximode imperativo categórico.21 O advogado manipula a jurisprudência de acordocom os interesses do seu cliente; é, portanto, um mecanismo de apuro técnicoe de domínio indispensável ao profissional responsável.

19 LIMA, Herotides da Silva. O Ministério da Advocacia, op. cit., p. 115.20 Pietro COGLIOLO afirmou que o “trabalho da jurisprudência se torna em máxima parte lógico“ (Philosophia do

Direito Privado, p. 166).21 PIERO CALAMANDREI afirmou que “las máximas de jurisprudencia adquirien de hecho autoridad similar a las de

las leyes“ e, finalizou: “máximas consolidadas; nadie, ni abogados ni jueces, se atreven ya a apartase de ellas“(Estudios Sobre el Proceso Civil, p. 232).

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Depois de admitir que a jurisprudência cria um modelo social com fun-ção de estrutura jurídica, integrando o esquema de interpretação construtivada norma legal, Miguel Reale lembrou que a sua influência repercute nosdomínios da pesquisa científica a cargo do advogado, encarregado de equacio-nar, na petição inicial, “a solução normativa correspondente ao campo de interesseque ele representa na ação”.22

Poder-se-ia objetar que a jurisprudência não possui o poder da obrigato-riedade, o que não deixa de ser verdadeiro. Contudo, a própria norma jurídicanão ostenta esse título, embora de ordem pública. Os julgados não são nor-mas cogentes na acepção pura desse vocábulo, mas, nem mesmo por isso,deixam de cumprir a missão que deles se espera, qual seja, a de unificação daordem jurídica. Os juízes observam a jurisprudência e, com base nela, elabo-ram o direito vigente; para os advogados tornou-se questão de prudênciaobservá-la. O insuperável Alvino Lima23 encerrou uma polêmica que assumiuem defesa da jurisprudência, anotando: “Perscrutar, pois, a vida; sondar os dita-mes da consciência coletiva; conhecer as necessidades sociais e econômicas; sentir aefluência destas normas fatais impostas pela própria organização social num dadomomento é dever do juiz para poder aplicar a norma jurídica, dando-lhe vigor,restringindo-a, ampliando-a, adaptando-a, modificando-a”.

Se a jurisprudência alumia e inspira o jurista, afastando-o da incertezapara guiá-lo “à trilha certa da verdade”,24 perde crédito o advogado que igno-ra a evolução dos julgados. No discurso que proferiu no dia 11 de agosto de1940, Antão de Moraes afirmou que “jurista que não lê jurisprudência é comomédico que cura pelos livros sem freqüentar hospitais”.25 Manteve-se atual a ad-vertência de Eduardo Couture: “O Direito está em constante transformação. Senão o acompanhas, serás cada menos advogado”.26

Seguindo a técnica de ilustrar o pensamento com exemplo, aproveita-se acontrovérsia da legalidade de cláusula, de seguro ou plano de saúde (Lei nº9.656/98 e artigo 757, do Código Civil de 2002), que limita tempo de inter-nação na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Apesar de Cláudia Lima Marquesinformar divergência jurisprudencial a esse respeito,27 é inquestionável, no

22 REALE, Miguel. “Jurisprudência e doutrina”, in: Questões de Direito, p. 21.23 LIMA, Alvino. “A jurisprudência – fonte do direito”, in: Estudos de Direito Civil, p. 63.24 MONTEIRO, W. de Barros. “Da jurisprudência”, in: Revista Forense, 202, p. 374.25 MORAIS, Antão de. “A má redação de nossas leis – juristas e jurisprudência“, RT 762/781.26 COUTURE, Eduardo. Os Mandamentos do Advogado, p. 21.27 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 470.

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entanto, que os tribunais não aprovam essa limitação (o TJ-SP, por acórdãospublicados na RT 723/346 e 726/248 e, em edição especial, “Seleções JurídicasADV”, da COAD, setembro-outubro de 2000, p. 29 e o STJ, por intermédiode acórdãos publicados na Revista do Superior Tribunal de Justiça 121/289, 148/443), no Boletim da AASP, nº 2257, p. 2.183 e na Revista Síntese de Direito Civile Processual Civil nº 16, p. 79, verbete nº 1670. Portanto, a cláusula emreferência é tida como abusiva, na forma do art. 51, IV, da Lei nº 8.078/90,conforme anotou o ministro Ruy Rosado de Aguiar, referindo-se a julgado doTJ-SP, de 1994, no excelente ensaio que reproduz palestra realizada em BuenosAires, no IV Congresso Internacional sobre Danos.28

Vamos supor que os parentes do doente internado na UTI (sem recursospróprios para suportar as despesas da internação), necessitando de estímulopara agirem em juízo diante da recusa da seguradora em cobrir as despesasdepois de vencido o prazo estabelecido contratualmente, procuram um advo-gado para as providências legais que a urgência do caso reclama. Pensem nahipótese de o advogado, por não conhecer a proteção legal outorgada pelajurisprudência, garantir aos parentes que o contrato é lei entre as partes (pactasunt servanda) e que a regra escrita (de quinze dias) deve ser respeitada, inclu-sive pelo Poder Judiciário, arrematando que nenhuma providência é cabívelem favor da recuperação do doente. Os parentes saem, desolados, do consul-tório do advogado e, por falta de recursos, autorizam a interrupção do trata-mento intensivo. O doente morre e, no enterro dele, uma pessoa bem infor-mada afirma que o morto teria direito de cobertura na UTI, por intermédiode medidas cautelar e ou provimentos emergenciais. Os parentes, indigna-dos, cogitam de exigir do advogado a indenização, associando a falha do asses-soramento jurídico ao evento morte.

Essa é uma causa de prognóstico difícil. A questão do nexo causal é com-plexa e controvertida, envolvendo uma complicada prova da causa adequadaou idônea do dano. Porém, como, em termos de responsabilidade civil, acausalidade adequada também se forma devido a “una omisión de la acción queel obrigado a indemnizar estaba juridicamente obligado a realizar”,29 é forçosoadmitir que o dever jurídico do advogado se vincula ao patrimônio da vítimade forma mais ostensiva e, com isso, o rigor da análise do elemento “culpa”tende a se arrefecer, para que a justiça da reparação de danos encontre um

28 AGUIAR JR, Ruy Rosado de. “Responsabilidade civil do médico”, in: Direito & Medicina, p. 167.29 KARL LARENZ. Derecho de Obrigaciones, I/203.

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culpado, sem o que não se materializa. Os juristas conservadores certamentenão admitem esse vínculo e, por certo, vão argumentar que, em se admitindoa responsabilidade do advogado em casos semelhantes, o exercício da profis-são passaria a conter um risco exagerado.30

O assunto é árido e angustiante. O advogado se tornou refém da pesqui-sa jurídica e do mecanismo da teoria do risco criado, apropriada para vencer odano. O insuperável Alvino Lima afirmou que é preciso avançar “sem desman-telar e desencorajar as atividades úteis” e, para “tal conseguir não devemos nosencastelar dentro de princípios abstratos, ou de preceitos envelhecidos para a nossaépoca, só por amor à lógica dos homens, à vaidade das concepções, ou à intransi-gência de moralistas de gabinetes”.31 O erro do advogado, nesse setor de meto-dologia de informação jurisprudencial, poderá ser conceituado como de di-reito e grave,32 sugerindo o dever de indenizar. Sem dúvida de que o trabalhodo advogado do futuro, já estressante, constitui um desafio diante da instabi-lidade dos julgados, de modo que a obrigação de se atualizar deixou de sermotivo de captação de clientela; virou seguro de responsabilidade civil.

2. Razões de questionameto sobre suas atividadese nenhuma influência da inversão do ônus da provaprevista no artigo 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90

Os advogados, tal como os médicos e demais profissionais liberais, estãono epicentro da reação comportamental dos clientes insatisfeitos com a pres-tação dos serviços. As reclamações são, na maioria, frutos da ignorância dosleigos com as dificuldades da tramitação dos processos. O advogado não é oresponsável pela defasagem do bem de vida objeto do litígio, e que, durante alonga trajetória até o final do processo, vê esvair a sua vantagem econômicaprimitiva ou arrefecer o sentimento de estimação. Essa causa não é considerada

30 CUNHA GONÇALVES afirma que o conselho que o advogado emite, de boa-fé, exprimindo sua convicção, nãogera responsabilidade do advogado pelo mau resultado e argumenta: “O conselho não é necessariamentedeterminante da resolução do cliente, que, em casos melindrosos, deve ter a cautela de ouvir mais algumasopiniões, e, em todo o caso, tem a liberdade de seguir, ou não, o conselho que lhe foi dado” (Tratado de DireitoCivil, São Paulo: Max Limonad, vol. XII, tomo II, p. 977). Forçoso convir que a situação que simulei não configura“simples conselho”; ademais, pela urgência, não era possível exigir que os parentes consultassem outro advogado.

31 ALVINO LIMA. “Da culpa ao risco”, RT, 1938, p. 227.32 Para que a culpa contratual proporcione dever de indenizar necessita de ser grave (ou lata), definida como

“quella che deriva dall´omissione di quela diligenza che neppur l´uomo ordinariamente trascurato dimenticherebbedi osservare” (CHIRONI, Elementi di Diritto Civile, p. 100).

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no momento de lamentar o resultado, que não foi alcançado em sua plenitu-de. Contudo, há, como em todas as dimensões econômicas, erros gravíssimosque comprometem a função dos serviços de advocacia, de forma a transformaro profissional, encarregado de proteger ou recuperar direitos do cliente, emagente responsável pela concretização do dano.

Em determinadas situações,33 o cliente tem razão em reclamar. Pontesde Miranda34 admitiu a responsabilidade do advogado pelo dano que cau-sar à parte por mau desempenho profissional, afirmando que perder prazo édolo (omissão); requerer contra o interesse da parte é dolo (ação) e, comoexemplo de ignorância, cita o “deixar de agravar, porque não sabe que dodespacho pode agravar”.

Na monografia que se tornou clássica (O Advogado), Mário Guimarãesa eSouza afirmava que “o advogado tem muitos deveres e poucos direitos” (p. 249). Esseenunciado ganha relevo na atualidade, conforme asseverou o Tribunal de Al-çada de Minas Gerais (Ap. nº 327.025-7, in: Informativo Semanal ADV, daCOAD, nº 51/2001, p. 833), servindo de fundamento para a condenação deadvogado que, atuando em defesa do credor de título extrajudicial, não impug-nou um recibo de quitação falso que o devedor apresentou, o que motivou oacolhimento dos embargos à execução. Para o egrégio tribunal mineiro, deveriao advogado avistar-se com o cliente e indagar dele a veracidade da assinatura,pois, se cumprisse esse ritual simples, teria a resposta adequada para invalidaro documento. Não encontrei argumentos para contradizer o julgado.

E as ações de responsabilidade civil em face dos advogados estão se mul-tiplicando. Essa onda de questionamentos não chegou por acaso; decorre daprópria mercantilização da atividade e da péssima qualidade do ensino jurídi-co, que, obviamente, termina refletindo no exercício forense. Os advogadosatuam como empresas prestadoras de serviço, e o cliente, sentindo o trata-mento impessoal, anima-se a exigir resultados favoráveis (e não os prováveis)e, mais politizado pelo complexo de direitos sociais propagados e disponíveis,não titubeia em exigir, no Judiciário, a reparação civil quando sente ou ouveconselhos (não faltam críticas) de falha ou prestação defeituosa do serviço

33 Para se ter certeza, cumpre conferir ementa de acórdão do TJ-DF (Ap. 53.162/99), des. JOÃO MARIOSA, in:Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, nº 5, p. 113, verbete 506): “Age com negligência o profissionalque, em sede de reclamação trabalhista, apresenta defesa trocada, não se exime do erro e nem comparece àaudiência de conciliação, ensejando a revelia e a conseqüente condenação da parte que o contratou“.

34 MIRANDA, Pontes de. Manual do Código Civil Brasileiro, vol. XVI, 3ª parte, tomo I, p. 100.

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contratado. O dr. Carlos Miguel Aidar, presidente da Seccional Paulista daOAB, escreveu para o jornal Folha de S.Paulo, edição de 4 de julho de 2002,A-3, o artigo “O ensino jurídico brasileiro”, cuja parte final convém transcrever:“Grande parte das instituições de ensino jurídico, hoje, não forma, não pesquisa,não tem compromissos sociais e profissionais. E, desde já, podemos detectar os pre-juízos que os maus profissionais do direito causam em sua atuação, a despeito detodos os “filtros”. Tornam-se advogados sem a devida qualificação, podendo imporsignificativos danos a seus clientes”.

O resultado do Provão, critério de classificação das faculdades que se fazanualmente por avaliação dos alunos, lastimavelmente, confirma a verdade dodiscurso, pois “os números do Provão/99 atestam que os 229 cursos jurídicos e os41.963 graduandos obtiveram, numa escala de 0 a 10, uma nota 4,24 comomédia, isto é, bem distante de um patamar desejável. Por oportuno, cabe registrarque, em 1996, a média foi de 5,62, em 1997, de 4,10 e, em 1998, de 3,59”.35

O pior é quando o advogado recém-formado encara uma missão para aqual não foi corretamente preparado, qual seja, a de integrar elemento daempresa. A sociedade empresária moderna amplia seus meios de produção einclui, entre os novos departamentos, o jurídico, contratando profissionaisque são encarregados de dirigir o contencioso, com atuação em diversasáreas do direito. Rubens Requião36 advertiu para a necessidade de urgenterevisão de currículos acadêmicos, sem o que não se atende essa demanda.Contudo, a política educacional não está preocupada com esse tipo de pro-blema, mas, sim, com a redução da carga de ensino,37 o que ensombra aperspectiva de melhoria.

A tendência, portanto, é a de que o despreparo comprometa a eficiênciada prestação do serviço, engrossando o coro dos descontentes, com uma agra-vante: o empresário (no caso, novo cliente), quando insatisfeito, possui voca-ção natural para exigir a reparação civil, exatamente em virtude da análiseesquematizada das perdas e danos, o que o obriga a encontrar saídas para arecuperação do prejuízo da sociedade comercial que controla. Essa postura

35 MELO FILHO, Álvaro. Juspedagogia: Ensinar direito o direito - OAB Ensino Jurídico, p. 38.36 REQUIÃO, Rubens. “A advocacia e o mercado de trabalho”, apud Aspectos modernos de Direito Comercial,

Saraiva, 2º volume, p. 151.37 No jornal da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB-Informa, de 6-10-2002, nº 26, p. 9), constou que o

STJ, por liminar deferida pelo digno ministro Franciulli Netto, no mandado de segurança impetrado peloConselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, suspendeu os efeitos do parecer 146/2002, do Ministérioda Educação, que possibilitava a redução do currículo do curso de Direito, de cinco para três anos.

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de questionamento empresarial vai contribuir para agitar a jurisprudência enovas figuras de erro de fato e de direito dos advogados serão contextua-lizadas. Não se põe dúvida de que se trata de efetivo controle ao desempenhoprofissional do advogado.

O advogado, profissional liberal que é, integra a classe dos operadoresque se submetem a uma obrigação de meios.38 Não é possível exigir ou espe-rar do advogado garantia de êxito de uma ação judicial. Sucede isso com omédico,39 impossibilitado de garantir a sobrevida do enfermo aos seus cuida-dos. Contudo, no exercício de suas funções, torna-se responsável pelos atosque praticar com dolo ou culpa (art. 32, da Lei nº 8.906/1994).

Há quem sustente o cabimento da inversão do ônus da prova (expressa-mente previsto no art. 6, VIII, da Lei nº 8.078/90), porque o advogado nãogoza de privilégio diante de um resultado. O consumidor, sim, é que nãomerece ser prejudicado na investigação do possível erro profissional40. Consi-dero esse assunto, nessa área, irrelevante, dada a especialidade natural do juizque será o encarregado de decidir o litígio (art. 5º, XXXV, da CF).

A inversão do ônus da prova é assunto de direito processual;41 o juiz,sentindo a vulnerabilidade da parte e intuindo que essa sua inferioridadeterminará prejudicando suas expectativas processuais (como a de conseguira prova do fato constitutivo de seu direito, tal como disciplinado no art.333, do CPC), altera as regras do embate probatório, transferindo para oréu a iniciativa, os encargos e a obrigação de demonstrar um fato jurídicodo seu interesse e da própria causa. A inversão é um expediente de inegávelvantagem para favorecer o consumidor nas ações em que se discute, porexemplo, o valor das prestações em financiamentos bancários e hipotecários(casa própria), dada a complexidade de se provar a exatidão dos cálculos dereajustamento das parcelas. Nessa situação e até em algumas hipóteses deerro médico, a inversão constitui a única alternativa para que o processo

38 ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Responsabilidade Civil do Advogado, RT 697/31.39 No caso de médico que presta serviço de cirurgia plástica estética ou embelezadora, a obrigação, ao contrário,

passa a ter a natureza jurídica de resultado, dada a sua finalidade, conforme afirmam SILVIO RODRIGUES (DireitoCivil, p. 252), ORLANDO GOMES (Questões de Direito Civil, p. 452) , ANTÔNIO CHAVES (apud Uma Vida Dedicadaao Direito, p. 157) e ROMANO CRISTIANO (RT 554/35). O STJ afirma que o médico que realiza cirurgia plásticaembelezadora assume obrigação de resultado (REsp. 81.101 PR, min. Waldemar Zveiter, DJU de 31.05.1999, in:RSTJ 119/290 e REsp. 326.014 RJ, DJU de 29-10.2001, min. Ruy Rosado de Aguiar, in: Informativo de jurispru-dência ADV, da COAD, nº 03/2002, p. 43, verbete nº 100222).

40 LÔBO, Paulo Luiz Netto. “Responsabilidade civil do advogado”, in: Revista do Direito do Consumidor, nº 34, p. 133.41 A digna advogada, dra. Sandra Aparecida Sá dos SANTOS, afirma que “a finalidade da inversão é de facilitar

a defesa dos direitos do consumidor em juízo” (A Inversão do Ônus da Prova, p. 69).

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civil consiga atingir a sua função de revelar ao juiz a realidade fática (provajusta) que permitirá a expedição de sentença qualitativa.

O juiz, no entanto, por ser um técnico em assunto jurídico, para julgaruma ação em que se discute a responsabilidade civil dos advogados, dispensao serviço de auxiliares (peritos), para que possa compreender, analisar e julgaros imbróglios forenses que caracterizam esses processos. Um juiz prudente nãose impressiona com o velho costume que culpa os advogados pelas injustiças doprocesso e, para bem formar sua convicção, deverá mentalizar a sábia advertên-cia que Corrêa Telles fez ao § 7º da famosa Lei da Boa Razão (de 18 de agostode 1769), pela qual se buscou censurar as defesas deduzidas contra as Orde-nações do Reino, quando frívolas e sofisticas: “para o advogado desempenhar bemo seu dever, deve considerar-se no lugar do cliente, e possuir-se da mesma aflição queo atribula, em modo que pareça advogar a sua própria causa”.42

O sistema da inversão do ônus da prova não é, pois, o maior aliado dojuiz encarregado de julgar a ação em que se pede ressarcimento de danos porerro do advogado.

3. Abuso do direito de o cliente denunciaradvogados e jurisprudência censória— Perda de uma chance ea sistemática do agravo de instrumento

O novo Código Civil (art. 187) situa o abuso de direito como ato ilícito.Suportando o advogado uma denúncia leviana, precipitada, temerária, docliente insatisfeito e, desde que esse expediente provoque uma mudança deestado (para pior) no patrimônio do profissional, poderá ele reagir e exigir repa-ração desses danos. E isso tanto se verifica em ações judiciais, como emdenúncias que são apresentadas aos Conselhos de Ética da OAB, porque, tantouma como a outra situação são potencialmente aptas a prejudicar a reputação ea personalidade íntima do advogado que se prejudica com esse tipo de ilicitude.

Importante analisar que o abuso de direito não se exaure nos procedi-mentos judiciais (lides temerárias). A doutrina refere-se ao abuso maliciosodo processo como sugestão de um tipo,43 sem exclusão do procedimento

42 CORRÊA TELLES, José Homem. “Comentário Crítico à Lei da Boa Razão”, in: Revista de Direito Civil, 3/355.43 LIMA, Alvino. “Abuso de Direito”, in: Revista Forense, 166/47.

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administrativo que, às vezes, poderá gerar um impacto destrutivo seme-lhante ou mais grave para a honra da pessoa injustamente acusada. Caberáao juiz analisar, afirmou Pontes de Miranda:44 “a opinião do que exerce odireito ou do que se diz prejudicado nenhuma significação tem. A extensão dosdireitos é apreciada pelo juiz. Cabe ação de perdas e danos, ou a ação paraimpedir que se causem danos”.

Determinado advogado foi demandado para reparar os prejuízos da su-cumbência que uma pessoa experimentou na condição de empregadora (re-clamada), por considerar que o resultado decorreu da deficiência dos serviçosadvocatícios; provou-se, no entanto, que a reclamação foi acolhida pela con-fissão, exatamente pela ausência da parte (autora da ação de ressarcimento dedano promovida ao advogado) na audiência designada pela Junta Trabalhista.A infundada ação foi rejeitada no TJ-RS (Ap. nº 70.002.877.728, in: Infor-mativo Semanal ADV, nº 10/2002, da COAD, p. 171).

Não se tem notícia de ter o advogado, do caso examinado, promovidoação para exigir do cliente a reparação dos danos pela lide temerária intenta-da. Porém, não foi essa a conduta de um advogado da capital paulista, que,prontamente, ajuizou ação de reparação de danos em face do cliente que lhedirigiu uma representação no Conselho de Ética da Ordem dos Advogados,sem razão e com ofensas de ordem moral; obteve indenização igual a 70 salá-rios mínimos (TJ-SP, Ap. nº 118.710.4/0, des. J. Roberto Bedran, j.15.05.2001, in: Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, vol. 19, p. 183).

Nessas hipóteses, o advogado poderá, para defesa de sua honra ou repu-tação, romper o dever de sigilo que o une ao cliente, como se estivesse agindo emlegítima defesa.45 O advogado une-se ao cliente por vínculo de confiança, o que erauma identidade jurídica confirmada pelos limites do mandato, de modo que, emsituações normais, não poderá o advogado, mesmo depois de findo o contratode trabalho, prestar depoimento revelando situações que possam comprometerseu cliente.46 A exceção, na hipótese de exercer um direito legítimo diante dodolo ou má-fé do ex-cliente, rompe a barreira da fidelidade aos segredos pro-fissionais, de sorte que, desde que as informações inéditas sejam conexas como objeto litigioso, poderá o advogado utilizá-las para fundamento da reparaçãode danos, sem receio de ofensa ao art. 5º. LVI, da CF.

44 MIRANDA, Pontes de. Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro, p. 163.45 CENEVIVA, Walter. Segredos Profissionais, p. 60.46 LESSONA, Carlos. Teoria General de la Prueba en Derecho Civil, IV/43.

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O advogado zeloso e prudente não sonega informações de seu cliente;recomenda-se mantê-lo atualizado sobre as fases processuais, emitindo-se se-guidas comunicações. Suponha-se, por exemplo, que os autos se extraviem e oadvogado não providencie a restauração e muito menos informe ao seu clienteo sucedido. Muito tempo depois, o cliente descobre e, com o direito prescri-to, nenhuma utilidade terá a restauração dos autos desaparecidos. Esse clien-te poderá imputar culpa ao advogado por perda da chance de ver sua preten-são examinada pelo tribunal. O exemplo é real, e o TJ-RS, pelo hoje ministroRuy Rosado de Aguiar, do colendo STJ, condenou o advogado (apud, FábioSiebneichler, “Responsabilidade civil do advogado”, RT 697/26).

Perda de uma chance é uma expressão feliz que simboliza o critério deliquidação do dano provocado pela conduta culposa do advogado. Quando oadvogado perde prazo, não promove a ação, celebra acordos pífios, o cliente,na verdade, perdeu a oportunidade de obter, no Judiciário, o reconhecimentoe a satisfação integral ou completa de seus direitos (art. 5º, XXXV, da CF).Não perdeu uma causa certa; perdeu um jogo sem que se lhe permitissedisputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso. Portanto, na ação de respon-sabilidade ajuizada por esse prejuízo provocado pelo profissional do direito, ojuiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chan-ce, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja,auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance.

Resulta que, em se confirmando que a ação não examinada (por erro doadvogado) era fadada ao insucesso, se fosse conhecida e julgada, o advogado,mesmo errando no antecedente, não responde pela conseqüência. Isso porqueequivale a afirmar que a obrigação, mesmo mal desempenhada, terminouproduzindo, por vias oblíquas, o único resultado que dela se esperava, ou seja,absolutamente nada. No entanto, concorrendo um mínimo de probabilidadede êxito (jurisprudência favorável ao direito do cliente, embora não uniformi-zada), o juiz deverá considerar essa possibilidade, dentro de critério jurídicorazoável, e, com isso, fixar o quantum (art. 944, do CC).47

47 Foi exatamente esse o princípio que conduziu o egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil, quando do julgamentoda Ap. Cível 680.655-1, relator o eminente magistrado José Araldo da Costa Telles (ementa publicada noBoletim AASP 2285, mês outubro de 2002, p. 613), a arbitrar, por perda da chance de julgamento de reclamaçãotrabalhista devido ao fato de a advogada não ingressar com o pedido no prazo de dois anos (prescrição), aindenização em 50 (cinqüenta) salários mínimos. Consta do voto do relator que o fato de não existir sentençafavorável da Justiça Trabalhista, prefixando o quantum devido ao trabalhador, não poderia obstaculizar adefinição do quantum debeatur, concluindo que tal dimensão financeira “revela-se suficiente para reparar o malexperimentado pelo autor e concitar a ré a atuar com mais diligência em sua atividade profissional“.

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Esse princípio jurídico estrutura a lógica da responsabilidade civil doadvogado, pois, se a falha do advogado não produzir o dano (perda de umachance), é impróprio impor o dever de indenizar. A não-apresentação dascontra-razões, peça importante para que o advogado defenda a sentençaemitida no interesse de seu cliente, não implica a certeza, em caso de pro-vimento do recurso não contra-arrazoado, que a inversão do resultado deu-se por falta dessa manifestação do advogado. Isso porque a contrariedade éparte do projeto de devolutividade ampla e, por isso, não vincula o julga-mento que será realizado em segundo grau de jurisdição. Não contra-arra-zoar um recurso poderá ser um descuido; nunca a causa do desfecho daação. Da mesma forma, a não-apresentação de um parecer de assistentetécnico, para criticar um laudo com conclusão desfavorável às pretensõesdo cliente; portanto, nessas duas situações e em outras relacionadas com osmistérios da cognição, a decisão será sempre expressão de convencimentodo juiz diante das provas produzidas, e não das conseqüências da omissãodo advogado.

O único parâmetro confiável para o arbitramento da indenização, porperda de uma chance, continua sendo a prudência do juiz.48 Não se podeexigir rigor demasiado na aferição do prognóstico da ação perdida (dano zero),porque isso representaria a frustração do direito do cliente de ser reparadocom eqüidade e, tampouco, se permitirá larga expectativa favorável, porque agraduação excessiva da possibilidade da chance poderá conduzir à criação deum dano não comprovado, hipotético ou inexistente.

A hipótese de culpa do advogado que, por omissão, não ingressa comação rescisória no prazo decadencial (art. 495, do CPC) não produz, deimediato ou de forma automática, o fato “perda de uma chance”, porquantoa probabilidade de sucesso de uma ação rescisória é sempre menor, porenvolver o requisito “vício” de julgamento ou “erro de fato ou de direito”,pressupostos difíceis de serem reunidos para apresentação. Nessa hipótese,

48 Peço vênia para transcrever uma parte do comunicado que o jurista português, João de Matos Antunes VARELA,fez à Assembléia Nacional de seu país, da prudência dos juízes na aplicação do novo Código Civil, por ser deinteira pertinência para o cenário jurídico brasileiro (Do projecto ao Código Civil, Imprensa Nacional de Lisboa,1967, p. 36): “Por outro lado, com todas as virtudes e defeitos inerentes às instituições humanas, a magistraturaportuguesa foi sempre justamente apontada como um corpo de homens prudentes, criteriosos, dotados de bomsenso, ressalvadas as raras exceções que pouco representam no quadro geral da profissão. Se algum reparomerece pelo uso dos poderes que a lei já agora lhe confere, pode asseverar-se que peca mais por defeito quepor excesso, no desempenho do papel que a ordem jurídica pretende confiar à jurisprudência. Por essa razão,se os meus colegas do foro me não levassem a mal, eu diria que os critérios flexíveis do novo direito civil fazemrecear mais os excessos da má advocacia que temer os abusos da má-judicatura”.

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a simples divergência jurisprudencial49 atua contra os interesses do autor(Súmula 343, do STF, aplicada no STJ, in: RT 733/154), situação jurídicanotória que, nessa área, faz decrescer o grau da probabilidade “da chanceperdida” e, conseqüentemente, da verificação do dano ressarcível.

O art. 267, § 1º, do CPC, autoriza o juiz a extinguir o processo diantedo abandono ou desídia do autor, desde que esse, intimado pessoalmente,não promova o regular desenvolvimento no prazo de 48 horas. O STJ acres-centou, para que isso ocorra, mais uma condição: o requerimento do réu(Súmula 240 – “A extinção do processo, por abandono da causa pelo autor,depende de requerimento do réu” – DJU de 6.9.2000, p. 215). Poderá, noentanto, ser iniciativa do advogado (incumbência processual) a providência(impulso) que não foi tomada e que está emperrando a marcha do processo,como substituir um perito que recusa a nomeação ou indicar testemunhasno lugar das que não foram localizadas para intimação. Suponhamos que oréu, nessas situações, peça a extinção, e o autor, mesmo intimado, nadapromova, porque não lhe cabe a tarefa. Resultado: o processo é extinto porculpa do advogado.

Em casos assim e não sendo permitido renovar a ação extinta (prescrição,por exemplo, ou dilapidação do patrimônio do réu no período), parece eviden-te que o advogado poderá ser responsabilizado civilmente por perda de umachance (não conduzir o processo de forma natural ao julgamento de mérito).

Propor ação inadequada,50 no entanto, não foi caracterizado como causa

49 A professora Ada Pellegrini GRINOVER escreveu um ensaio específico sobre essa temática (“Ação rescisória edivergência de interpretação jurisprudencial em matéria constitucional”, in: Estudos de Direito Processual Civilem memória de Luiz Machado Guimarães, Forense, 1997) quando, depois de reafirmar a excepcionalidade dadesconstituição da coisa julgada prevista no art. 5º, XXXVI, da CF, em benefício da própria coisa julgada, concluiuque, mesmo na hipótese de reviravolta da jurisprudência, não será permitido rescindir a sentença motivada eminterpretação vencida, salvo se o “Supremo declarar a inconstitucionalidade da lei, com efeito erga omnes e extunc” (p. 16). Fica bem definida a posição da ilustre professora, que, aliás, é coincidente com a idéia dominantesobre as dificuldades legais para rescindir sentença em que se adotou fundamentação ultrapassada; esseestado de quase absoluta inadmissibilidade da rescisória funciona como uma espécie de cláusula de exoneraçãode responsabilidade do advogado que deixa o direito de seu cliente decair.

50 O volver da jurisprudência, nessa hipótese, não possui o mesmo grau informativo da culpa que se caracterizapela inobservância de uma regra processual ou de imperativo prático, de observância obrigatória porque osjulgados não se cansam de orientar para que seja praticada de uma determinada maneira, sob pena de prejuízodo litigante. A escolha da ação pelo advogado envolve uma atividade soberana e que se deve respeitar comoestímulo da inteligência que alimenta a constante valorização da ordem jurídica. O advogado deve ser livre paraagir, porque é dessa liberdade que nascem as idéias revolucionárias que aperfeiçoam a justiça. O insuperávelJorge GIORGI examinou esse aspecto do erro profissional e afirmou: “el cual, no solamente no responde de lapérdida de la causa, porque litis habent sua sidera, sino que por constantísima jurisprudencia no respondetampoco de su consejo, aun cuando la perspicácia más sabia de nuevos consultores haya demonstrado queseguiendo otros derroteros, habria podido conseguirse la victoria” (Teoria de las Obrigaciones, V;240).

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de responsabilidade civil do advogado, declarou o des. Luiz de Azevedo, doTJ-SP (Ap. nº 113.443-1, in: RJTJESP-Lex 125/177). Pelo que se infere dotexto desse memorável acórdão, o advogado ingressou com ação de liquidaçãode sociedade, de forma absolutamente equivocada, tanto que o autor foi de-clarado carecedor da ação, diante da inépcia da inicial. Destacam-se, pelapertinência, os seguintes trechos do voto condutor: “Desde longa data têm asleis responsabilizado o advogado quando este, em razão de dolo, culpa ou ignorân-cia, acaba causando prejuízo ao seu patrocinado (Código de Justiniano, 4, 35,13; Ordenações Afonsinas, 1, 13, §§ 3º e 7º; Ordenações Manoelinas, 1, 318,§§ 29 e 35; Ordenações Filipinas, 1, 48, §§ 10 e 7º)”

...

Nesse caso concreto, a ação que foi então ajuizada pelo réu, na condição deadvogado dos autores da presente ação, mostrava-se inteiramente inadequada, tantoque sequer passou do juízo de admissibilidade: os autores foram julgados carecedo-res da ação e o processo foi julgado extinto, sem exame do mérito.

Mas, tão-só esta circunstância não proporcionaria, automaticamente, o direi-to a eventual ressarcimento pelos danos sofridos. Na verdade, adotar critério de talmodo draconiano, seria coartar o próprio exercício da profissão e atingir a caracte-rística mais marcante do advogado, qual seja a sua independência. Só para que setenha uma idéia das conseqüências que traria uma interpretação de tal monta,basta atentar para o último índice da Revista dos Tribunais, na palavra ‘processo’:há, ali, pelo menos uma centena de casos em que outros autores também foramjulgados carecedores da ação, por impossibilidade jurídica do pedido, por inexis-tência de outras condições da ação, ou por ausência de determinados pressupostosprocessuais. Todos os advogados que subscritaram as correspondentes petições inici-ais desses processos estariam sujeitos a responder a ações de indenização propostaspelos seus clientes? Certamente que não.” 51

E, da mesma forma com que a obrigação dos médicos é analisada nodireito material, não se admite a inversão do ônus da prova para penalizar,civilmente, os advogados que cometem erros durante o exercício do mandato,

51 O acerto desse julgado é indiscutível. O insigne Arruda ALVIM escreveu “A argüição de relevância no recursoextraordinário” (RT, 1988, p. 15), obra em que analisou a “flexibilidade” do Direito, uma necessidade parapreenchimento dos conceitos vagos, quando considera que o interessado em justiça, diante da discricionarieda-de delegada aos juízes na interpretação da norma, vê-se obrigado a “confiar”, em larga medida, no aplicadorda lei. Devo dizer, em função dessa certeza jurídica, não ser o advogado culpado quando o processo quepatrocina é julgado por um tribunal avesso à versão jurídica que escolheu por parecer como a mais ajustada àhipótese do seu cliente.

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conforme expõe, com a clareza de sempre, o ilustre Rui Stoco:52 “Conseqüen-temente, não há falar-se em presunção de culpa do advogado nem, portanto, eminversão do ônus da prova, de modo que este somente poderá ser responsabilizado secomprovado que atuou, na defesa da causa para a qual foi contratado, com dolo ouculpa, e que de sua ação ou omissão decorreu efetivo dano para seu cliente”.

O erro que não se perdoa do advogado é aquele decorrente da inobservân-cia de prazos processuais e materiais, porque a omissão representa preclusão eprescrição (prejuízo certo para a causa e, conseqüentemente, para o cliente);não realizar o preparo de recursos ou cumprir as diligências importantes.Faculta-se opção pela disponibilidade recursal, porque não se poderá obrigaro advogado a recorrer contra sua consciência; não deve, no entanto, deixar derecorrer quando a matéria é controvertida ou contra a vontade do cliente.53

Em Ribeirão Preto, comarca em que tive a honra de ser juiz e vivenciar ahonradez de seus advogados, ocorreu o seguinte: uma advogada, representandoo credor, celebrou um acordo na execução da sentença (nas vésperas do leilãodo bem penhorado), que importou em renúncia de 60% de seu crédito. O TJ-SP considerou que, nesse caso e porque não existia o pressuposto de urgênciaa sugerir precipitação ou combinações extravagantes, a mandatária agiu emdesconformidade com a vontade do mandante, atuando de forma prejudicialaos direitos dele e, em conseqüência, condenou-a ao pagamento da parteexcluída na transação (Ap. nº 260.895-2, des. Ruiter Oliva, in: JTJ-Lex 172/9).

Aguiar Dias54 afirmava que a “desobediência às instruções do constituinte,seja variando das que foram traçadas, seja excedendo os poderes ou utilizando osconcedidos em sentido prejudicial ao cliente, é outra fonte da responsabilidade doadvogado”. Aproveito para transmitir o “lembrete para advogados” redigidopor Ernesto Lippmann:55

“Repito o que recomendei anteriormente, por ser muito importante. Antesde fechar um acordo, solicite autorização prévia e por escrito do cliente,com menção ao valor do acordo. Se ainda estiver negociando, a autori-zação assinada pelo cliente deve mencionar o valor mínimo a ser aceito.Essa cautela deve ser redobrada nos maus acordos feitos por insistência de

52 STOCO, Rui. “Responsabilidade civil do advogado à luz das recentes alterações legislativas”, RT 797/66.53 CAVALIERI, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, p. 287.54 DIAS, Aguiar. Da Responsabilidade Civil , I/333.55 LIPPMANN, Ernesto. Defenda Direito seus Direitos – Como Escolher um Bom Advogado, p. 179.

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clientes que têm pressa em receber dinheiro (em geral, por estarem empéssima situação financeira). Já houve casos em que pedi ao cliente queescrevesse: ‘Eu, fulano de tal, autorizo meu advogado a fazer acordo naação que movo contra sicrano, pelo valor de R$ (número e por extenso)mesmo tendo sido desaconselhado por meu advogado’”.

O advogado, no juízo civil, deve redobrar a atenção no ato de interporrecurso de agravo de instrumento (art. 522, do CPC), porque, pelo novomodelo ou petição direta no tribunal, passou a ser sua a função de preparar oinstrumental adequado que permite o reexame da decisão interlocutória (art.5º, LV, da CF).56 Segundo o ministro Sydney Sanches, do STF, “é pacífico oentendimento desta Corte no sentido de que a parte tem o dever de vigilância naformação do instrumento de agravo” (AG-AI nº 215.866-2/RJ, DJU de 10-8-2001, in: Informativo ADV, da COAD, nº 45/2001, p. 718, verbete nº99.314). Do mesmo teor (Ag.In. nº 265.905/PR, ministro Celso de Mello,in: R.T.J. 176/1.401): “Incumbe à parte agravante o dever processual de provi-denciar, entre outras peças reputadas indispensáveis à adequada formação do tras-lado, a cópia da procuração outorgada ao advogado da parte agravada. Na hipó-tese de inexistência dessa procuração, cumpre ao agravante comprovar, mediantecertidão fornecida pela Secretaria do Tribunal a quo, que tal peça não consta dosautos principais, sob pena de, em não o fazendo, expor-se ao não-conhecimento doagravo por ele interposto (CPC, art. 544, § 1º). Precedentes”.

Convém registrar que o agravo, por ser recurso com sistemática excepcio-nal e de julgamento célere, não admite conversão em diligência ou prazocomplementar para que o advogado emende os erros, conforme admitiu, pormaioria, o colendo STJ (AgReg nº 253.684/RJ, DJU de 27.8.2001, in: RSTJ148/17): “Uma vez se encontrando o recurso de agravo de instrumento (art. 544,§ 1º, do CPC) na superior instância, não produz efeito a juntada de peças faltan-tes no traslado, hipótese equivalente à complementação de peças.

É que às partes compete o dever de vigilância na formação do instrumento,sendo de sua exclusiva responsabilidade a composição daqueles autos. O eventual

56 Na sistemática dos recursos vigora o princípio da exigência da praticabilidade (grifei pela importância daexpressão), indispensável para o bom funcionamento ou para o dinamismo do processo, pelo que “é mister queo público saiba como se desenvolve, precisamente, o processo, ao que também se têm de adstringir nosdiferentes graus de jurisdição, os juízes; donde outro princípio, que o da tendência à conservação da técnicaprocessual, intimamente ligado ao formalismo do processo” (MIRANDA, Pontes de. Embargos, Prejulgado eRevista no Direito Processual Civil, p. 74).

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impedimento de acesso aos autos não interfere, principalmente diante da Lei nº8.906 – art. 7º, XV, que corrobora a letra do art. 40, inc. I, do CPC.” 57

A lista dos documentos xerocopiados (as peças obrigatórias do art. 525,I, do CPC e as essenciais, como cópia da petição inicial, por exemplo) deve-rá passar por meticulosa revisão, porque a falha nesse quesito é fatal, acarre-tando, por deficiência na formação do recurso, o seu não-conhecimento. Enão é somente na indicação das peças a serem trasladadas que se requercautela. O advogado precisa atuar com rigor no exame da legibilidade dasxerocópias (não é preciso autenticá-las), porque, em ocorrendo má impres-são da cópia, se prejudica, por impedimento da leitura da data do carimboda protocolização, a aferição do fator “tempestividade” do agravo, enca-minhando-o ao não-conhecimento.

Nesse sentido, a posição do STF (AgReg. no AgIn. nº 278.291-2/SP,ministro Celso de Mello, DJU de 09.02.2001, in: RT 789/169): “Não sepresume a tempestividade dos recursos em geral, pois incumbe a quem recorre oônus processual de produzir, com bases em dados oficiais inequívocos, elementosque demonstrem que a petição recursal foi efetivamente protocolada em tempooportuno. O conteúdo absolutamente ilegível dos elementos de ordem temporalconstantes da autenticação mecânica lançada na petição recursal, especialmentedaquele que concerne à data de interposição do recurso extraordinário, impede aaferição da tempestividade do apelo extremo, equivalendo, por isso mesmo, paraos fins a que alude a Súmula 288/STF, à própria ausência, no traslado, de dadoobjetivo relevante, imprescindível ao controle jurisdicional desse específico pres-suposto recursal.”

Nesse contexto, não poderá ser esquecido o art. 526, do CPC, obrigandoa parte que interpôs agravo a juntar, no processo, cópia do recurso, para que ojuízo a quo tenha conhecimento da situação processual. Essa providência éum ônus e sua inobservância poderá “acarretar o não-conhecimento do agra-vo”.58 Seria, pois, um erro de diligência não comunicar a interposição, pois, seo agravado provar a omissão, o agravo prejudica-se pelo não-conhecimento(parágrafo único, do art. 526, do CPC).

57 Não se admite, inclusive, a juntada posterior do documento que faltou para regularizar o instrumental, conformeanotado pela ministra Nancy Andrighi (Agrav. 436.345-SP, DJU de 01.07.2001, in: Revista Nacional de Direitoe Jurisprudência, vol. 33/124): “A tardia juntada de peça de traslado obrigatório não supre a sua exigência,porque operada a preclusão consumativa com o ato da interposição do recurso”.

58 RODRIGUES, Luiz, e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves Comentários à 2ª Fase da Reforma do Código deProcesso Civil, p. 114.

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Ora, perdendo o cliente a expectativa de ter um agravo conhecido (detutela antecipada, por exemplo, prevista no art. 273, do CPC), por erro doadvogado (que não providenciou as xerocópias corretas), abre-se caminho parao pedido de indenização por perda de uma chance. Isso porque obter a tutelaantecipada representa, na prática, conseguir “o mesmo conteúdo do dispositivoda sentença que concede a definitiva e a sua concessão, equivale, mutatis mutan-dis, à procedência da demanda inicial — com a diferença fundamental represen-tada pela provisoriedade”.59

É bem verdade que não há, com o rigor da acepção do vocábulo, preclu-são consumativa do “indeferimento” da tutela antecipatória, porque ocorremoutras situações de perigo que não aquela já examinada e indeferida, semreexame por erro do advogado. Portanto, em não ocorrendo algo novo quejustifique pedido de tutela antecipada, com fundamentação diferente, fechou-se a porta da imediata execução, o que acarreta, sem dúvida alguma, perda deuma chance de desfrute imediato do bem de vida. O episódio poderásugestionar questionamentos sobre a atuação do advogado.60

Importante registrar que a tutela antecipada também poderá ser pleitea-da diante do abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatóriodo réu (art. 273, II, do CPC), de modo que, nessa situação, o advogadodeverá pleitear a antecipação na primeira oportunidade; retardando a postu-lação, ocorre a preclusão.61 Não se está pretendendo afirmar que o advogado,diante do modelo processual instaurado para abreviar resultados óbvios, agecom culpa quando não obtém a tutela antecipada, até porque a antecipação éuma sentença e, como tal, não escapa do campo da imprevisibilidade. É for-çoso convir que a omissão em postular uma tutela antecipada constitui, sob oponto de vista da moderna concepção de efetividade do processo civil, umerro de diligência que poderá ser inexplicável diante do princípio “perda deuma chance” como pressuposto do dever de indenizar.

Sujeita-se a esse tipo de especulação o advogado que interpõe recursoinadequado (cujo erro, inescusável, sequer permite o aproveitamento diante

59 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil, p. 140.60 A preclusão está prevista no art. 473, do CPC: “É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já

decididas a cujo respeito se operou a preclusão”. Para CHIOVENDA, a preclusão “no curso do processo, tem porfim tornar possível o ordenado desenvolvimento do processo com a progressiva e definitiva eliminação dosobstáculos“ (Instituições de Direito Processual Civil, tradução de J. Guimarães Menegale, Livraria Acadêmica/Saraiva, 1942, I/525).

61 LOPES, João Batista. Tutela Antecipada, p. 80.

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do princípio da fungibilidade).62 Um exemplo: o art. 17 da Lei nº 1.060/50prevê recurso de apelação para reexame de decisões sobre assistência judiciá-ria, quando processadas em apenso. No caso de o advogado ingressar comagravo (art. 522, do CPC), em vez de apelação, corre o risco de cometer errogrosseiro (porque o tipo de recurso está previsto na legislação e, como é prin-cípio comezinho, não se pode ignorar a lei alegando-se desconhecimento).Ora, o não-conhecimento poderá prejudicar a chance de a parte obter a gra-tuidade judiciária, sugerindo-se a responsabilidade do advogado.

Nessa área específica, convém alertar para a preclusão que o pedido de“reconsideração” do despacho agravado acarreta. Essa manifestação do advo-gado (pedido de reconsideração), diante de uma decisão interlocutória desfa-vorável aos interesses processuais do cliente, por não possuir forma ou figuralegal (não está prevista no CPC), é considerado ato inexistente e, como atoinexistente que é, não suspende ou interrompe o prazo para interposição deagravo de instrumento (art. 522, do CPC). A doutrina é incisiva a esse respei-to63 e a jurisprudência não perdoa (TJ-SP, AgIn. nº 216.577-5, in: JTJ-Lex243/269). Convém que o advogado não formule reconsideração para nãoincidir em preclusão, optando, em caso conveniente, por dirigir-se ao juizsem prejuízo do agravo de instrumento cujo prazo não se interrompe oususpende, para que o cliente, depois, não o culpe pelo insucesso da demanda,como que supervalorizando o não conhecimento de agravo.

Não seria possível omitir a questão do protocolo integrado. Nos Tribu-nais Estaduais, o sistema de protocolo racionaliza o serviço do advogado,facilitando o “dia-a-dia do advogado, evitando a locomoção desnecessária atédeterminado juízo ou tribunal simplesmente para cumprir seus prazos”.64 Oprotocolo é uno, de modo que o advogado do interior não precisa se dirigirà capital para entregar peças do processo de que lá participa e vice-versa.Contudo e apesar da nova redação do art. 547, parágrafo único, do CPC,legalizando esse mecanismo, há uma súmula do STJ (nº 256) do seguinte

62 O ilustre jurista mineiro, Humberto THEODORO JÚNIOR, explica que o princípio da fungibilidade (previsto noartigo 810 do CPC de 1939) permite, ainda no atual sistema, que o tribunal aproveite o recurso inadequadointerposto e conheça da matéria posta, desde que exista uma dúvida objetiva e fundada sobre o tipo de recursoa ser manejado; que não tenha a parte incorrido em erro grosseiro e, por fim, que o recurso errado atenda, pelomenos, o pressuposto “tempestividade”, isto é, tenha sido protocolizado no prazo do recurso correto (“Teoriageral dos recursos civis”, in: O Processo Civil Brasileiro no Limiar do Novo Século, Forense, 1999, p. 168).

63 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos, p. 273 e SALLES, José Carlos deMoraes. Recurso de Agravo, p. 202.

64 Cruz e TUCCI, José Rogério. Lineamentos da Nova Reforma do CPC, p. 131.

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teor: “O sistema de protocolo integrado não se aplica aos recursos dirigidos aoSuperior Tribunal de Justiça”.

Perder prazo do recurso (não aqueles que são processados no tribunal aquo) por não o protocolizar em Brasília (encaminhar pelo protocolo integradocontra os dizeres de uma súmula) pode caracterizar erro inescusável e, conse-qüentemente, permitir questionamento de indenizabilidade por perda de umachance ou da chance de exame do recurso de embargos no Superior Tribunalde Justiça. No AgReg. do AgIn. nº 408.094/RJ, DJU de 02.09.2002, p.264, o ministro Paulo Galotti, do STJ, anotou o seguinte (in: Revista Nacio-nal de Direito e Jurisprudência, nº 35, p. 127): “A tempestividade de recursointerposto neste Tribunal é aferida pelo registro no protocolo da secretaria, e nãopela data da postagem em agência dos Correios”.

Outra situação embaraçosa e inexplicável para o advogado é o não-conhe-cimento de recurso por falta de preparo financeiro (art. 511, do CPC). Salvoa hipótese em que o cliente não fornece o numerário indispensável para orecolhimento da guia (porque, nesse caso, não é jurídico obrigar o advogado acustear as despesas do processo e preparar, com seu dinheiro, recursos dointeresse das partes), a omissão, no cumprimento do dever processual, confi-gura culpa. Isso abre ensejo para que o cliente especule acerca da indenizaçãopor perda da chance (provável julgamento favorável, se o tribunal conhecesseo recurso que não teve seguimento, por deserção). Convém que o advogadodocumente todos os incidentes (contatos, avisos) mantidos com o cliente, nafase recursal, para acautelar-se dos riscos de má-fé do que é desinteressadocom a sorte de seu processo.

Imaginem, por exemplo, o caso de uma pessoa contratar um advogadopara ingressar com ação de despejo, diante da mora financeira do locatário.Apesar do adiantamento de valores que o locador fez ao advogado, o ajuiza-mento não acontece e, posteriormente, descobre-se que o referido profissionalestá com a licença suspensa pela OAB (falta de recolhimento das contribui-ções). Nesse caso, incide o art. 667, do CC (prejuízo pela omissão no exercí-cio do mandato), e a reparação deverá abranger a restituição das quantiasadiantadas e mais os honorários do advogado encarregado da propositura daação. Em se constatando a inadimplência do inquilino, o advogado omissopoderá ser obrigado a recompor esse déficit do proprietário (probabilidade defruição de aluguel no período pós-despejo).

O egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo

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referendou sentença que condenou advogado a reparar os danos suportadospor empregado, pela prescrição de seus direitos trabalhistas, pela demora noajuizamento da reclamação (Ap. nº 972.773.3, julgado em 18.12.2000, juizAntonio Marson, in: Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, vol. 17/209).Em outra situação, quando a prescrição deveria ser argüida pelo empregador(e não o foi), a empresa ganhou do advogado contratado e do substabelecido(que recebeu o substabelecimento sem autorização do mandante) os valoresque foram pagos, apesar da prescrição (REsp. nº 259.832/SP, ministro AriPargendler, DJU de 15.10.2001, in: RSTJ 153/261): “O advogado que, semautorização, substalece os poderes que lhe foram conferidos, responde, perante ooutorgante, pela atuação do procurador substabelecido”.

Alterações ocorreram nesse quadro com o novo Código Civil. De acordocom o § 2º, do art. 667, o procurador substabelecente somente será respon-sável pelos atos do substabelecido (quando autorizado o substabelecimento),“se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dada a ele”.Existindo proibição de substabelecimento, nada muda na relação entre osadvogados, mas, sim, para o mandante (que não se obriga pelos atos do advo-gado substabelecido - § 3º, do art. 667). Contudo, sendo omisso o mandatoquanto ao substabelecimento, o substabelecente será responsável junto com osubstabelecido, quando este proceder de forma culposa (§ 4º, do art. 667, doCC). A nova redação não muda a responsabilidade dos dois advogados cita-dos no caso analisado pelo STJ e que, curiosamente, envolve advogados deRibeirão Preto, porquanto o erro do substabelecido (inescusável, diga-se, apesarde sua notória especialização, com livros publicados sobre Direito de Traba-lho) contamina a conduta do substabelecente (culpa in eligendo).

O notável juiz Laudo de Camargo emitiu sentença pela qual fixou oentendimento de que o advogado substabelecido é, com ou sem reservas,mandatário e, por isso, obrigou o mandante a pagar os honorários ao advoga-do substabelecido, embora o representado alegasse, na defesa, quitação doshonorários feita ao advogado substabelecente.65

É oportuno fechar esse capítulo com as palavras do professor e advogadocriminalista emérito, Paulo José da Costa Júnior, pelo caráter pitoresco doestímulo ao estudo do processo:

65 LAUDO DE CAMARGO. “Mandato – advogado substabelecido cobrando honorários do mandante. Notas de umJuiz”, p. 185.

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“Nunca se estuda suficientemente uma causa. Processo, alguém já dis-se, é como mulher bonita: quanto mais se observa, quanto mais se exa-mina, tanto novas perspectivas surgem aos olhos extasiados do admira-dor. É preciso lê-lo e relê-lo. Numerosas vezes. De início, com penetraçãoe argúcia. Depois, com frieza, com lógica, com equilíbrio. Por derradei-ro, com denodo, arrebatamento e ardor. Somente após conhecer os me-andros do processo, a alma de seus protagonistas, as intrincadas questõesde direito, após dominados os pontos fundamentais, dissipadas as dúvi-das, iluminados os ângulos obscuros é que o advogado, como senhor ab-soluto da verdade conquistada, estará em condições de poder sustentá-ladiante dos julgadores”.66

O texto foi escolhido pela sua originalidade e, principalmente, pelo seuconteúdo finalístico. Não é, todavia, um discurso machista. As mulheres ad-vogadas são formadoras de opiniões e ninguém desconhece que, dia a dia, asvantagens da influência afetiva da personalidade feminina na área jurídica sãovalorizadas, como se poderá verificar da obra de Lídia Reis de Almeida Pra-do.67 Não obstante a psicologia considere existir uma justiça masculina e umajustiça feminina (o que de certa forma colocaria a metáfora empregada naberlinda), inegável que, independentemente disso, a mensagem do ilustreprofessor continua valendo como um bom conselho.

4. Dano moral

O advogado responderá por danos morais que o cliente afirma ter supor-tado pelo não-cumprimento de deveres de diligência? A indenização por danomoral, como se sabe, é uma realidade (artigos 5º, V e X, da CF e 186 do novoCódigo Civil) digna de intensa reflexão no âmbito da prestação de serviços emadvocacia.

Antes de responder a essa indagação, é preciso escrever que a inexecu-ção de uma obrigação ou falha contratual poderá resultar em prejuízosmateriais e morais. O que particulariza o prejuízo não é a relação de direitosubjetivo que se rompeu, mas, sim, o efeito da lesão. O próprio STJ, pela

66 COSTA JR, Paulo José. A Missão do Advogado, p.19.67 O Juiz e a Emoção, p. 127.

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Súmula 37, admite a cumulação dos danos materiais e os morais, oriundosdo mesmo fato.68

A responsabilidade civil constitui um microssistema jurídico que preten-de ganhar autonomia para se impor como ícone de uma política de controlede condutas e, na medida em que a sociedade reclama maior segurança eproteção diante dos perigos da vida agitada e atribulada do mundo globaliza-do, esse microssistema adapta-se, aperfeiçoa-se e engrandece-se, criando mo-delos e figuras para eliminar a impunidade civil. Foi esse movimento que fezsurgir a teoria do risco (e, agora, da responsabilidade objetiva) em substitui-ção ao velho e tradicional pressuposto da culpa (teoria subjetiva) como funda-mento do dever de indenizar.

Dentro desse contexto receptivo da política de dano zero, quer patrimo-nial, quer simplesmente moral, a indenização por dano moral floresceu edesenvolveu-se com uma vitalidade assustadora. As indenizações pecuniáriasprometem resgate da auto-estima do lesado, pela pressuposição de que a con-cretude das expectativas de consumo previstas pelo poder monetário minimizamos efeitos nocivos da lesão de personalidade que a ilicitude alheia provocou. Osrepertórios de jurisprudência indicam a incidência do dano moral em todas asvariantes do cotidiano das pessoas, como já consignei:69 “O progresso é ótimopara a ciência e muito bom para o direito, e a força do tempo modificou, para melhor,muitos princípios processuais, como a eficácia da sentença, que deixou de ser proprie-dade particular dos litigantes, para se transformar em um tipo de coisa pública oufarol luminoso que sai dos gabinetes dos juízes, vagueando em busca de consciênciasvazias, com o propósito de preenchê-las com lições de cidadania”.

A execução de contrato de advogado não é uma exceção.

Consta da Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (Porto Alegre,nº 12 – julho-agosto de 2001, p. 122, verbete nº 1.269) ementa de Acórdãodo TJ-DF (Ap. nº 1999.01.1.033288-6) do seguinte teor: “Responsabilidadecivil. Ausência do patrono em audiência. Não tendo o advogado comparecido à

68 Portanto, dependendo da repercussão da falha contratual, poderá ocorrer dano psicológico a ser composto,independentemente de se obrigar, também, ao cumprimento compulsório da obrigação. A Terceira Câmara doTribunal de Justiça de São Paulo aplicou esses enunciados em dois julgamentos que relatei: o primeiro (Ap.085.852-4/4, in RT 770/239) visou compensar a lesão de personalidade do comprador que sofreu com irrespon-sabilidade contratual de uma construtora de apartamentos, e o outro, de aspecto social mais significativo,censurou abominável comportamento preconceituoso de uma seguradora, discriminando uma senhora de cornegra, no momento de liberar a indenização do seguro (Ap. 72.692-4, in JTJ-Lex 218/105).

69 ZULIANI, Ênio Santarelli. “A era da jurisprudência“, apud, “Grandes temas da atualidade – Dano moral“, p. 205.

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audiência, causando desamparo e insegurança ao cliente, configurado, restaram osdanos morais a serem ressarcidos”.

Faltar a uma audiência configura um erro de conduta praticamenteindesculpável. É certo que o art. 183, § 1º, do CPC, permite que se justifiquea falta a uma audiência na qual a parte deveria contestar a ação, o que encami-nhou o TJ-SP, com indiscutível prudência, a relevar a ausência de uma advo-gada que, por invencível congestionamento de trânsito na região central dacapital paulista, em dia de inundação, não chegou ao fórum no horário agen-dado (AgIn. nº 114.481-4, des. Cezar Peluso, in: JTJ-Lex 229/220).

Abstraindo do fato as conseqüências do processo civil (que o advogadofaltoso poderá reverter, praticando, depois, o ato judicial que não realizou), oseu não-comparecimento poderá potencializar um efeito no fator confiança,nutriente personalíssimo do vínculo contratual. Nessa situação e não existin-do um motivo que explique a falha ao sentido de assiduidade, poderá o clien-te sentir-se traído e órfão da assistência que buscava obter com a presençafísica do advogado, sem dúvida, fonte de uma perturbação.

É preciso avançar com rigor na aferição do dano moral. O simples des-conforto, incômodo, desassossego, que a ausência do advogado provoca, im-plica, na maioria das vezes, amargor que se absorve pela má escolha do profis-sional (culpa exclusiva da vítima). Paga-se um preço por selecionar advogadopelo valor dos honorários. Portanto, é preciso que o juiz, quando examina afalta do advogado, estude as razões da definição do advogado, sem o que nãose apura a previsibilidade da ocorrência. Trata-se de pressuposto valoroso nes-se segmento (art. 945, do Código Civil).

Em se tratando de uma contratação cautelosa, definida pelos critériosrazoáveis do mercado, a ausência do advogado poderá materializar um quadrofático diferente, com cenário sem espaço reservado para ser preenchido pelaculpa do cliente. Nessa hipótese, continua o juiz subordinado a um segundoraciocínio, qual seja, a conferência da efetiva situação de constrangimentosocial, em virtude das aptidões pessoais da vítima.

Quando o advogado deixa na mão, pela falta, um cliente do tipo empre-sário bem articulado e que, mesmo indefeso, consegue, de alguma maneira,manter-se com frieza na audiência, procedendo de forma a não comprometera estratégia da defesa no ato a que comparece sozinho (uma tentativa de con-ciliação, por exemplo, quando o empresário recusa, categoricamente, a possi-bilidade de acordo), não se caracteriza a situação de dano ressarcível. Isso

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porque o processo e a parte sobrevivem ao fim do ato, sem traumas, apesar daausência do advogado. Evidente que, nessa hipótese, não se poderá cogitar delesão de um direito íntimo (sentimento de humilhação, desamparo, vergonhaetc), por absoluta falta de confirmação do dano indenizável.

Diferente será, contudo, no caso de o advogado desamparar, com suaausência, uma mulher na audiência final de uma ação de separação judiciallitigiosa. O juiz, como se sabe, deverá iniciar a audiência, se não se provar oimpedimento do advogado em comparecer até a abertura (§ 1º do art. 453,do CPC). Em se verificando que a parte sofreu um desgaste emocional pro-fundo, por presenciar testemunhas falseando a verdade de fatos da vida con-jugal (que não poderia contraditar por falta de advogado), essa etapa do pro-cesso poderá se transformar em um episódio insuportável, capaz de gerar umcolapso nervoso (incontinência urinária, crise de choro, desmaio etc), umgolpe para atributo de personalidade da pessoa (honra, reputação, saúde psí-quica). É possível estabelecer a causa do dano a desassistência jurídica imoti-vada, justificando a indenização para ressarcir a dor da vergonha e da humi-lhação desnecessárias.70

Portanto, a indenização por danos morais, fundada na ausência do advo-gado à audiência, embora possível, não é, assim, uma conseqüência automáti-ca ou de ordem objetiva; para que se produza uma sentença justa desse teor,ou adequada à obrigação do contrato, o juiz deverá filtrar aspectos subjetivos(perfil da vítima diante do processo e seu comportamento pré-contratual),para, a partir desse quadro, avaliar a lesão diante da natureza do processo e daimportância da audiência.

Outra variante do serviço profissional do advogado, diretamente relacio-nada com o dano moral, poderá ser extraída da experiência do processamentodas ações que buscam estabelecer a verdade biológica das pessoas (investigaçãode paternidade prevista no art. 1.606, do Código Civil). A prova da filiação,como é indiscutivelmente reconhecido, foi facilitada pelo exame DNA, a siglaque designa o ácido desoxirribonucléico, portador de nucleotídeos ou substân-cias que provam a transferência hereditária pelos cromossomos, responsáveispelo mapeamento genético da pessoa, os quais provam o vínculo da filiação.71

70 Nunca é demasiado recordar a lição do insuperável AGUIAR DIAS sobre o conceito de dano moral (Responsabi-lidade Civil em Debate, p. 161): “Dano moral é a reação psíquica, é a dor que o homem experimenta em faceda lesão, é o desdobramento imaterial da lesão, a sua repercussão sobre a honra, sobre o sentimento”.

71 AMARAL, Francisco. “A prova genética e os direitos humanos”, in: Grandes Temas da Atualidade, p. 106.

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Passou a ser obrigatório o exame pericial nessas ações, tanto que, emjulgamento da Terceira Câmara de Direito Privado, por mim relatado, foianulada sentença emitida em ação de investigação de paternidade, sem perí-cia, para que se produzisse a prova, por constituir a omissão ofensa ao art. 5º,LV, da Constituição Federal, que obriga formar o processo justo (Ap. nº189.691.4/7, in: Revista Brasileira de Direito de Família, Síntese & Ibdfam,vol. 10, p. 130, verbete nº 1.094). O novo Código Civil inovou na regula-mentação da prova e, pelo art. 231, estimula uma presunção de confissão dapaternidade diante da recusa do investigando em comparecer ao exame.

Ora, se a prova pericial (DNA) identifica a paternidade, não mais sejustifica utilizar com veemência da exceptio plurium concubentium (má condu-ta notória da mãe do investigante – Arnoldo Medeiros da Fonseca72). É de seaguardar, com prudência, o resultado da perícia, que, pela sua força probató-ria, no caso de exclusão da paternidade, atesta, oficialmente, a multiplicidadede parceiros ou vida desregrada da mulher, na época da concepção que funda-mentou o pedido. Se não fosse assim, como se justificaria o ataque à honra deuma mulher honesta, a pretexto de defender o cliente (inegavelmente pai dacriança), diante do resultado positivo do DNA?

O resultado do DNA, nesse caso, chega com função dúplice: confirma afiliação que foi indevidamente rejeitada e, por outro lado, desestrutura a lógi-ca da imputação de conduta desonrosa da mulher. Poderá resultar, daí, res-ponsabilidade civil do advogado?

Quanto ao direito de o autor da ação investigar a paternidade, sendo elevítima da rejeição paterna, o ilustre advogado gaúcho, Rolf Madaleno,73 afir-ma que o pai deverá ser condenado a compor danos morais: “É altamentereprovável e moralmente danosa a recusa voluntária ao reconhecimento da filiaçãoextra-matrimonial e certamente, a intensidade desse agravo cresce na medida emque o pai posterga o registro de filho que sabidamente é seu, criando, em juízo e foradele, todos os obstáculos possíveis ao protelamento do registro de paternidade, que,ao final, termina por ser judicialmente declarada”. 74

O acerto dessa doutrina é indiscutível. A rejeição é, por si só, causa de

72 FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Investigação de Paternidade, p. 345.73 MADALENO, Rolf. “O dano moral na investigação de paternidade”, in: Direito de Família, p. 149.74 O cabimento do pedido de indenização pelo “não reconhecimento voluntário da paternidade” foi, igualmente,

sustentando pelo saudoso Carlos Alberto BITTAR (Responsabilidade Civil – Teoria & Prática, Forense Universitá-ria, Rio de Janeiro, 2001, p. 24).

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dano psíquico ao rejeitado. Contudo, embora se deva assimilá-la por consti-tuir coisa do destino (ter a filiação que nos foi outorgada), quando a rejeição éimposta por um sentimento ruim, com um egoísmo que extrapola a razoabi-lidade, o propósito de se recusar a paternidade, sem a prudência da sensibili-dade que se admite até mesmo em casos em que se deve ou pode negar afiliação não desejada, passa a ser ilícito, porque produz o dano íntimo capazde informar crise de identidade e de personalidade. A indenização teria odom de resgatar a auto-estima do lesado.

E os direitos da mãe do investigando, diante do libelo redigido comanimus diffamandi?75 Cunha Gonçalves76 escreveu, ao versar o tema respon-sabilidade civil do advogado, que “difamação será, porém, a alegação de fatosofensivos do bom nome ou reputação da parte adversa, que sejam estranhos à causae inteiramente desnecessários (grifei) para a boa decisão dela, e, por tal fato, serádevida indenização, nos termos do Código Civil”.

Com o exame de DNA confirmando a paternidade, sem que se façaprova da má conduta argüida, não ocorreu ofensa à honra e reputação damulher? Não se hesita em declarar que, na forma dos artigos 186 e 953, doCódigo Civil, é possível responsabilizar o cliente e o próprio advogado peladefesa ofensiva à reputação e dignidade da mulher.77 A responsabilidade docliente decorre da imprudência em denunciar, publicamente, fatos deson-rosos à mãe de seu filho, enquanto o advogado responderá por culpa profis-sional, por deduzir defesa incompatível com a natureza da cognição, umavez que, como operador do direito, está com a consciência repleta de conhe-cimento da desnecessidade de defesa ofensiva à honra da mulher, dada aauto-suficiência da prova pericial. Poderá o advogado negar o coitoconceptivo e suscitar dúvida da identidade do fertilizador, porque essa defe-sa é tecnicamente possível e consentânea com a fundamentação do pedidoda prova pericial. Não é preciso, contudo, denominar a mãe do investigan-do de prostituta, mulher de vida promíscua e coisas do gênero, sem ter

75 Difamação, pelo conceito do direito penal e que serve a boa doutrina, “consiste na imputação a alguém de fatonão criminoso, mas lesivo à sua reputação (bom nome), mesmo que tal fato seja verdadeiro” (AMARANTE,Aparecida. Responsabilidade Civil por Dano à Honra, p. 107). Importante consignar que o art. 953, do novoCódigo Civil, incluiu a difamação (o revogado 1547 era reservado à indenização por injúria e calúnia), permitindoarbitramento por equidade (parágrafo único).

76 GONÇALVES, Cunha. Tratado de Direito Civil, XII, tomo II, p. 976.77 Nunca é demasiado repetir que os casos de indenização à mulher agravada em sua honra não são limitados

às hipóteses de defloramento ou rompimento de noivado. Em casos de calúnia, injúria etc., é cabível,também, a indenização por dano moral à mulher (AGOSTINHO ALVIM, Da Inexecução das Obrigações e suasConseqüências, p. 203).

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munição para confirmar, na fase probatória, a vulgaridade feminina. O erro,aqui, por ser imperdoável, passa a ser de ordem voluntária, o que atrai aresponsabilidade direta do advogado. É mister atuar com atenção para asconseqüências do DNA.

Poder-se-ia argumentar que o que se passa em ação de investigação depaternidade, por ter trâmite velado ou em segredo de justiça (art. 155, II,do CPC), não produz efeito social, o que excluiria a idéia de ilicitude. Essaé uma verdade processual relativa, porque, na prática, os fatos compromete-dores da intimidade dos personagens dos processos, mesmo sob guarda dosigilo, ultrapassam, de forma inexplicável, os umbrais dos cartórios e espa-lham-se pela comunidade, para desespero dos interessados.78 Mas, aindaque fosse o processo engavetado com a vigilância de um diligente escreven-te, a honra subjetiva (conceito de si próprio ou auto-estima)79 termina ul-trajada, sugerindo a indenização que promete curar o sofrimento de umprocesso carregado de inverdades. Recorde-se que o dinheiro que se mandapagar não cura a dor, embora apresente “função meramente satisfatória, pro-curando, tão-somente, suavizar certos males, não por sua natureza, mas pelasvantagens que o dinheiro poderá proporcionar, compensando até certo ponto odano que foi injustamente causado”.80

É importante observar que também não exclui a responsabilidade doadvogado que introduz um libelo ofensivo à honra da mulher a alegação deque agiu no exercício regular de um direito, qual seja, o de defesa do réu(art. 188, I, do Código Civil de 2002). Não importa as informações ouinstruções transmitidas pelo cliente sobre a conduta da mãe do investigan-do, que, repita-se, não é parte no processo. Eduardo Espínola já afirmavaque o “advogado não obedece à orientação do cliente, mas empreende um serviçoautônomo, exerce sua profissão de acordo com os seus conhecimentos técnicos”.81

78 O arguto advogado fluminense, dr. Sérgio PORTO, não deixou de observar, ao redigir artigo doutrinário “Afrontaà família“ (publicado em “Novo Código Civil”, edição COAD, p. 26; Revista Síntese de Direito Civil e ProcessualCivil, nº 16, p. 135 e Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, 33, p. 63) que “não venha com o argumentode correrem os feitos em “segredo de justiça”, pois isso não é verdade. As vísceras do amor perdido são lançadasaos olhares dos curiosos, e, quando as partes em litígio têm notoriedade, cresce ainda mais o estrépito judicial“.

79 O jurista Miguel REALE distingue bem as duas espécies de dano moral, ao afirmar que o “o dano moral objetivo(aquele que atinge a dimensão moral da pessoa no meio social em que vive, envolvendo o de sua imagem) eo dano moral subjetivo que se correlaciona com o mal sofrido pela pessoa em sua subjetividade, em suaintimidade psíquica, sujeita a dor ou sofrimentos intransferíveis porque ligados a valores de seu ser subjetivo,que o ato ilícito veio penosamente subverter, exigindo inequívoca reparação” (“O dano moral no direitobrasileiro”, in: Temas de Direito Positivo, RT, 1992, p. 23).

80 DINIZ, Maria Helena. “A responsabilidade civil por dano moral“, in: Revista Literária de Direito, nº 9, p. 8.81 ESPÍNOLA, Eduardo. Questões Jurídicas e Pareceres, p. 250.

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Ora, se é desnecessário desafiar a reputação da mulher (principalmente ahonesta), pela auto-suficiência do exame DNA, cumpre ao advogado aban-donar essa estratégia de defesa, mesmo que a gosto do cliente, porque po-tencialmente comprometedora no aspecto profissional e, eventualmente,suscetível de gerar o dever de reparar o dano moral.

Como o direito de família está intimamente relacionado com o fatordignidade humana (artigo 1º, III, da CF), o processo que o serve procurameios para reconstruir planos de vida. Portanto, na medida em que o uso doprocesso de ações de família ganha em dignidade, maior importância alcançano seu papel de representante da cultura da sociedade. Sem dúvida que essecaminho, aberto para ser trilhado, elimina de seu campo de atuação a agres-são inútil que em nada contribui para que os personagens, que quase criaramuma família, se aproximem para uma convivência saudável. Golpes de papelserão severamente censurados por intermédio da responsabilidade civil.

5. Responsabilidade objetiva da sociedade de advogados

O preceito do artigo 14, § 4º, da Lei nº 8.078/90 (responsabilidadesubjetiva do profissional liberal), aplica-se ao advogado que trabalha indivi-dualmente. Quando o serviço jurídico é prestado por sociedades de advoga-dos, a responsabilidade deixa de ser subjetiva (dependente de culpa) e regula-se pela objetiva, ou seja, independente da prova da culpa.82 Evidente que nãose outorga procuração a uma sociedade de advogados; contudo, mesmo emi-tindo-se mandato para determinados sócios, a sociedade de advogados res-ponderá de forma objetiva e, depois, poderá exercer o direito de regresso emface do profissional culpado. No caso de o dano ser provocado por advogadoempregado de uma empresa, a sociedade empregadora responderá e, da mes-ma forma, poderá exercer o direito de regresso ao culpado.83

Os advogados unem-se para trabalho conjunto (sociedade de advogados)por vários motivos. O hoje juiz, Américo Izidoro Angélico,84 anotou pelomenos três razões: agrupar para intercâmbio de idéias jurídicas; economizarcustos da instalação do escritório e impulso empresarial, uma necessidade no

82 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 385.83 VASCONCELOS, Fernando Antonio de. “A responsabilidade do advogado à luz do Código de Defesa do

Consumidor”, in: Revista de Direito do Consumidor, RT 30/96.84 ANGÉLICO, Américo Izidoro. Sociedade de Advogados. RT 585/166.

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mundo competitivo contemporâneo. Orlando Gomes85 considera as socieda-des de advogados como sociedades civis que, por isso, se subordinam ao regi-me jurídico das sociedades mercantis. A solidariedade, subsidiária e ilimita-da, como prevista na Lei nº 8.906/94, não ofende ao sentido do novo CódigoCivil (art. 1.016, que inscreve a responsabilidade solidária dos administrado-res da sociedade simples perante terceiros).

Em seu mais recente trabalho doutrinário, o professor Luiz Antônio Soa-res Hentz,86 da Unesp-Franca, reafirma que o novo Código Civil não inclui asociedade de advogados (ou outros profissionais liberais) entre as pessoas jurí-dicas de direito privado, exatamente porque não assume tal entidade respon-sabilidade obrigacional distinta da pessoa de seus membros (que é condiçãosine qua non da pessoa jurídica regular), de modo que “não há, na sociedade deadvogados, separação patrimonial para efeitos de proteção patrimonial dos sócioscontra execuções por dívidas da sociedade”.

O art. 17, da Lei nº 8.906/94, estabelece que o sócio de uma socieda-de de advogados, responde, “subsidiária e ilimitadamente”, pelos danoscausados aos clientes. Protestos existem em torno desse preceito, o que éinadequado, pois “a regra, no direito societário brasileiro, é da subsidiariedadeda responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais. Apenas na sociedade emcomum o sócio que atuar como representante legal responde diretamente”.87

Nada obsta que, entre os advogados sócios se estabeleça, paralelamente,um segundo liame de responsabilidade solidária (interna), o que legalizalimitação “de responsabilidade de algum dos sócios perante os demais nas suasrelações internas”.88 Essa opção de um segundo vértice contratual entre osadvogados associados está prevista e autorizada no art. 2º, X, do Provimen-to nº 92, da OAB.

A sociedade de advogados constitui-se sob o estímulo da affectio societatis,como as demais sociedades. Contudo, é fundada com o objetivo deintercambiar a cooperação profissional, uma aliança que recrudesce a recipro-cidade na prestação de serviços. Essa fusão de propósitos encaminhou o dr.Ruy de Azevedo Sodré a garantir que, quando a sociedade atua com o uso da

85 GOMES, Orlando. Questões de Direito Civil, p. 395.86 HENTZ, Luiz Antônio Soares. Direito de Empresa no Código Civil de 2002, p. 167.87 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2, p. 27.88 SILVA, Walter Guerra. “Sociedade de advogados: conceito, característica e livre exercício no Mercosul”, in:

Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil,vol. 18, p. 48.

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razão social, “não são os sócios individualmente que praticam o ato incriminado,e, sim, a totalidade deles, integrante da sociedade”.89 Daí o acerto do reconheci-mento da solidariedade que a Lei nº 8.906/94, art. 17, estabeleceu e que seconfirma no novo Código Civil (art. 265).

6. Execução impossível

O direito das obrigações estrutura-se na dicotomia “prestação” (manifes-tação de vontade) e “responsabilidade”, essa última autorizando a intervençãojudicial para, por intermédio da execução forçada, expropriar bens do deve-dor visando satisfazer, com a venda deles em leilão, o direito do credor. Esse éo sentido da obrigação perfeita do devedor e que corresponde a “pretensão eação do credor”.90 A execução é dirigida ao patrimônio do devedor, quando ainadimplência dá o seu sinal marcante (art. 580, do CPC), tanto em se tra-tando de créditos materializados em títulos extrajudiciais, quanto para osjudiciais. Transcreve-se, para ilustrar, trecho da obra de Trabucchi:91 “En todocaso, tanto en el cumplimiento en forma específica como en el resarcimiento dedaño, existe un princípio general en cuya virtude el debedor responde delcumplimiento de sus obrigaciones con todos sus bienes presentes y futuros. Ello por-que, como se dice, el patrimonio representa, en cierto modo, la proyección de laresponsabilidad del deudor, y porque el valor de las obrigaciones puede merdirse enrelación a la situación patrimonial del obligado; o sea, el numero y calidad de susbienes. Por tanto, el buen nombre y crédito del deudor no vendrá dado únicamentepor sua conducta correcta en el cumplimiento de sus obrigaciones (correttezza),sino también en atención al valor económico de sua propiedad.”

Um dos maiores desafios da efetividade da justiça (art. 5º, XXXV, da CF)reside justamente na vulnerabilidade da execução forçada, tanto que o próximopasso do movimento reformista do estatuto processual reserva novidades paraque o resultado satisfatório possa ser obtido. Todavia, não se poderá ignorar queo maior entrave para a pronta eficácia da execução decorre “da dificuldade delocalização dos bens do devedor”.92 Quando não se localizam bens para que serealize a penhora (art. 659, do CPC), ou são os existentes insuficientes para a

89 SODRÉ, Ruy de Azevedo. Sociedade de Advogados, RT, 1975, p. 34.90 SILVA, Clóvis V. do Couto e. A Obrigação Como Processo, p. 101.91 TRABUCCHI, Alberto. Instituciones de Derecho Civil. II/40.92 GRECO, Leonardo. “A crise no processo de execução”, in: Temas Atuais de Direito Processual Civil, p. 216.

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sua finalidade, torna-se “impossível” conseguir a execução, “denunciando situa-ção de absoluta impotência da organização jurídica da sociedade”.93

Alberto dos Reis anotou que aquele que contrai uma obrigação assume aresponsabilidade civil de satisfazer a dívida, sujeitando-se à responsabilidadeexecutiva; porém, “se não tiver bens alguns, ou se todos os seus forem impenhoráveis,ou se os seus bens penhoráveis forem insuficientes para assegurar o pagamento aocredor, a responsabilidade executiva não funciona” (grifei).94

Não há, evidentemente, responsabilidade do advogado do credor, dianteda execução impossível ou que não funciona. A conseqüência do insucessoexecutório é, na maioria das vezes, resposta da falta de critério do credor quandoda constituição do vínculo obrigacional (falta de diligência em apurar a poten-cialidade econômica do devedor) ou até de imposição legal, como a Lei nº8.009/90 (que tratou da impenhorabilidade do bem de família). Porém, emuma situação especial, poderá o advogado sentir o peso da imputação de culpapela execução impossível, qual seja, quando, na execução de uma sentençacondenatória, evidenciar-se que o devedor alienou, no curso da lide, todo o seupatrimônio para terceiros (provavelmente de boa-fé), esvaziando, sem censura,a garantia da execução, porque não se tomou uma providência legal.

Deriva isso de uma política jurisprudencial vitoriosa, aberta para priorizaro direito do terceiro comprador (desde que de boa-fé) diante do credor que nãoconsegue penhorar bens do devedor, depois de percorrida uma longa e exaus-tiva trajetória para criar o título que lhe garantiu a execução de seu direito. Essaposição firme do STJ, no trato da matéria de fraude de execução (art. 593, II,do CPC), surgiu da interpretação do art. 659, §§ 4º e 5º, do CPC, quedisciplina a inscrição, no registro imobiliário, tanto de penhoras (artigo 167,I, e 5º, da Lei nº 6.015/73) quanto das citações de ações reais ou pessoaisreipersecutórias relativas a imóveis (artigo 167, I, 21, da Lei nº 6.015/73).

Não resta dúvida de que a inscrição da penhora passou a ser fundamentalcomo mecanismo de controle de fraude de execução. O credor que a registragarante a sua eficácia contra terceiros, porque o registro confere publicidadegeral, excluindo-se a possibilidade de o terceiro que adquire o imóvel penhoradoalegar boa-fé. Embora o renomado Cândido Rangel Dinamarco95 observe que

93 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução, p. 33.94 REIS, José Alberto dos. Processo de Execução, I/313.95 DINAMARCO, Candido Rangel. Op. cit., p. 148.

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o registro devesse ser complemento da penhora (recaindo ao exeqüente o deverde satisfazer os custos do registro) para que a norma cumpra a sua finalidade,o fato é que, na prática, isso não se verifica. É comum esquecer-se do registrodepois da penhora.96

Conclusão: na disputa pelo bem penhorado, a tendência é admitir aeficácia da compra e venda de imóvel cuja matrícula não acusava penhora,salvo em se confirmando que o comprador possuía conhecimento da penhoranão registrada (prova difícil de ser produzida): “sem o registro da penhora não secaracteriza a fraude à execução, salvo prova de que o adquirente tinha conheci-mento da ação” (Resp. nº 245.064/MG, min. Ari Pargendler, DJU 4.9.2000,in: Informativo ADV, da COAD nº 04/2001, p. 62, verbete nº 95.696).97

Efetivar o registro da penhora passou a ser diligência obrigatória, porquede sua efetividade depende o êxito ou satisfação completa da execução (pre-sunção absoluta de conhecimento de terceiros, impedindo a sustentação dealienações em fraude de execução). Pergunto: se o advogado não providencia oregistro da penhora de imóvel que é, depois, alienado pelo devedor e, porconta disso, se reconhece a predominância da boa-fé do terceiro adquirente, épossível responsabilizar o advogado por ter o cliente perdido a chance de levaro imóvel do devedor à arrematação?

Parece evidente a afirmativa. O sistema processual foi remodelado paraproteger o instituto da penhora e, por isso, facilitou-se o registro do ato paraque terceiros não disputem o domínio do bem do devedor que será alienadoem juízo para pagar os credores. É erro de conduta, de técnica, não providen-ciar o registro da penhora. Portanto, falhando o advogado com esse deverprimário, ciente da jurisprudência que reprime tal omissão, com conseqüên-cias gravíssimas para o credor, confirma-se o nexo de causalidade, ou seja, acerteza de que o prejuízo do cliente (com a execução impossível) decorreu dadesídia de seu advogado. Não encontrei causa que exonere o profissional da

96 Não obstante abalizados comentários de que o registro seria a última etapa do aperfeiçoamento da penhora(devendo ser providenciado de ofício pelo escrivão do feito), essa doutrina não encontrou receptividade. Agora,na forma da nova redação do art. 659, § 4º, do CPC (alterado por força da Lei 10.044, de 7.5.2002), o credorpoderá obter o registro da penhora exibindo, no serviço predial, “certidão de inteiro teor” do auto ou termo depenhora, o que dispensa o mandado judicial que antes se exigia para inscrever a penhora.

97 No mesmo sentido: Resp. 131.587-RJ, DJU de 07.08.2000, min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in RT 783/249;Resp. 243.497 MS, DJU de 26.06.2001, min. Aldir Passarinho Júnior, in RT 795/172; Resp. 234.148 SP, DJU de27.05.2002, min. Aldir Passarinho Júnior, in Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, vol. 31, p. 106; REsp.131.871 MG, DJU de 17.04.2000, min. Nilson Naves, in RSTJ 138/292 e REsp. 112.024 SP, DJU de 01.07.2002,min. Aldir Passarinho Júnior, in Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, vol. 33, p. 101.

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responsabilidade civil, salvo se houver culpa exclusiva do cliente (não recolheras custas do registro da penhora).

Muda-se o enfoque em caso de ocorrer a descapitalização imobiliária dodevedor, no curso da ação de conhecimento. Elaboro outro quesito em con-seqüência disso: “deve o advogado providenciar, sempre que ajuizar ação de res-sarcimento de danos, o registro da citação para garantir a execução futura, sobpena de responder, se não o fizer, pela ‘execução impossível’ que se verifica quandonão se consegue penhorar os bens do devedor, porque adquiridos por terceiros deboa-fé no curso do processo?”.

Essa situação não é típica de responsabilidade objetiva que a falha doregistro da penhora cria, porque, aqui, não existe obrigação legal da providên-cia (registro da citação/distribuição da ação) e, na forma do art. 5º, II, da CF,poderá o advogado recorrer ao elemento dúvida jurídica legítima, para exone-rar-se da obrigação de reembolsar o cliente que, depois de obter a condenaçãodo réu, não consegue penhorar bens do devedor.

É importante assinalar que o advogado Ernesto Antunes de Carvalho98

apontou três razões para dispensar o registro da citação ou distribuição daação: não-obrigatoriedade do ato, ao contrário do que ocorre com a penhora;alto custo financeiro do registro (onerando, ainda mais, o autor) e falta deespecificidade do bem a ser penhorado no futuro. Acrescento mais uma a esseexcelente estudo: o risco de ter o autor que providencia um registro dessaordem e que, naturalmente, restringe a expectativa do réu, como proprietá-rio, de dispor de seus bens, de responder, em caso de improcedência da ação,por prejuízos que essa restrição provocou, inclusive não patrimoniais. Todoesse debate mostra que a matéria é polêmica, sem unanimidade jurispruden-cial, o que, em termos de obrigação de diligência, não vincula o advogado.

7. Risco de execução de títulos de créditosemitidos para retribuição dos serviços

O exercício da advocacia impõe ao advogado certos deveres de condutapessoal que vão desde a forma de se trajar (com sobriedade), passando pela

98 CARVALHO, Ernesto Antunes de. “Reflexões sobre a configuração da fraude de execução segundo a atualjurisprudência do STJ”, in: Processo de Execução, p. 335.

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maneira como organiza sua carteira de clientes (proibição de anúncios publi-citários espalhafatosos e do conhecido garimpo — infiltração de agentes emambientes de fábricas e outros setores, com o propósito de incentivar a aber-tura de litígios e arregimentar clientes), culminando com os limites para aexigibilidade de seus honorários.

A Lei nº 8.906/94, em seu artigo 22, assegura o direito aos honorários eo artigo 23, para complementar, assegura que a verba honorária decorrente dasucumbência pertence ao advogado, que, inclusive, está legitimado a, emnome próprio, executar a sentença, conforme admitiu decisão do STJ (REsp.nº 191.378/MG, DJU de 20.11.2000, ministro Barros Monteiro, in: RSTJ151/414). Apesar desses mecanismos de proteção ao sagrado direito de retri-buição profissional, continua o advogado sendo alvo da ingratidão dos clien-tes (que depois do êxito da ação se esquecem de valorizar o serviço prestado) esofrem com a inadimplência. Carvalho Neto chegou a afirmar as desculpaspara isso não várias e pitorescas, até o de provar a inteligência “dando calote nopróprio advogado”.99

O artigo 42 do Código de Ética e Disciplina da OAB veda a emissão detítulos de créditos para cobrança de honorários (exceto a fatura de serviçosprestados, por conveniência do cliente), “vedada a tiragem de protesto”. Oobjetivo da proibição é manter o advogado afastado das disputas econômicas,como que buscando preservá-lo desses julgamentos. Maurice Garçon100 es-creveu o seguinte a esse respeito: “Advogados houve que se mostraram credoresimplacáveis e se sujeitaram, no decurso dos debates, a ver contestada a importânciados serviços prestados. Discutia-se não só o princípio do direito aos honorários, masa quantia pedida, e os tribunais viam-se na necessidade de avaliar e taxar o preçodas consultas e das defesas orais. Sórdidos debates que deslustravam a profissão,mesmo quando o advogado vencia a demanda.

Em tais circunstâncias, a Ordem dos Advogados, árbitro das regras do exercí-cio da profissão, tomou, nos fins do século XVII, a deliberação de proibir tais ações.Se a lei facultava ao advogado o meio de pedir por via judicial o pagamento doshonorários, os advogados não o utilizavam; para dele se servirem tinham de re-nunciar à profissão.

Esta situação manteve-se até aos tempos de hoje”.

99 CARVALHO Neto. Advogados, p. 94.100 GARÇON, Maurice. O Advogado e a Moral, p.149.

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Ao advogado cabe exercer o seu sagrado direito de cobrança na formaprevista em lei, com execução do contrato de trabalho, evitando-se as ativida-des que são apropriadas para o comércio em geral. Portanto, e na eventualida-de de o advogado protestar um título de crédito para forçar o pagamento dehonorários que estão sendo questionados pelo cliente, poderá esse seu proce-der configurar não só um desrespeito das normas deontológicas, como umilícito suscetível de fundamentar pedido de indenização por danos morais(abalo de crédito), tal como se sucede com inscrição indevida do sujeito nalista de devedores inadimplentes.

8. Imunidade judiciária

O advogado conta com imunidade no exercício de sua função (art. 7º, §2º, da Lei nº 8.906/94). Fábio Konder Comparato101 considera que o advo-gado se equipara ao parlamentar no que concerne à imunidade prevista noart. 142, I, do CP, porque “assim como o parlamentar deve atuar com totalliberdade de palavra, iniciativa e opinião na fiscalização dos demais Poderes, coma mesma liberdade e independência deve o advogado agir em juízo, sem receio dever sua atuação coartada pelo temor de ofensa à honra alheia”. Como a atividadedepende de materialização de arrazoados forenses, pode ocorrer que, no augeda fundamentação, o profissional exceda os limites da recatada prudência queimprime sobriedade na linguagem dos processos. O TJ-SP não admitiu acondenação de advogado, por danos morais, pelo emprego de expressões “can-dentes” e que feriram a suscetibilidade da parte adversa (Ap. nº 085.813-4/7,des. Paulo Menezes, in: RT 774/240).

O processo é um amontoado de papéis que conta uma história de vida.Exatamente por sua finalidade, poderá não só ser instrumento da realização dodireito material, como se transformar em veículo de ofensas à dignidade huma-na dos seus personagens (artigos 1º, III e 5º, V e X, da Constituição Federal).Contudo, porque os juízes são acostumados a interpretar os ânimos dos con-tendores, sabem que o processo se forma com mensagens duras, verdadeira-mente contundentes. Esse conhecimento dos magistrados é uma garantiacontra a censura das manifestações pesadas que são necessárias para revelar averdade de um fato ou de uma ação tendenciosa e o exemplo do que se diz está

101 COMPARATO, Fábio Konder. “A função do advogado na administração da justiça”, RT 694/47.

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no julgamento da Ap. Cível nº 57.605-4, do TJ-SP (JTJ-Lex 217/79), peloqual um advogado estava sob acusação de ter ofendido a parte adversa, comexpressões pessoais como “frívolo, não quer trabalhar e que o dinheiro da desejadaindenização não lhe servirá para nada, salvo de pretender permanecer na vadia-gem”. O digno desembargador Laerte Nordi, declarando voto vencedor, con-siderou que as frases empregadas pelo advogado são apropriadas para a contro-vérsia sobre pedido de dano moral e livrou o profissional da indenização queo Juízo de Primeiro Grau havia declarado (vinte salários mínimos).

A imunidade não é um privilégio corporativista; é uma bandeira erguidapara defesa da soberania da função, sem o que o profissional não se encoraja naluta pela preservação da liberdade e dos demais direitos alheios. Tal como ospolíticos que são escalados para “combater os abusos” e que contam com ainviolabilidade em suas opiniões para que não fiquem “sujeitos a incômodos,perseguições e reações”,102 deverá o advogado merecer, igualmente, essa proteção.Nesse sentido a mensagem do ministro Sydney Sanches, do STF, emitidaquando do IV Seminário de valorização profissional do Advogado: “E exercido(advocacia) com a segurança necessária, para que o advogado não se atemorizediante dos poderosos, dos truculentos e dos arbitrários, pois esse temor enfraquece adefesa do direito de seu constituinte e repercute na obtenção da verdadeira Justiça”.103

Porém, o excesso foi censurado com indenização por danos morais peloSTJ (REsp. nº 151.840/MG, DJU de 23.09.1999, ministro Sálvio de Fi-gueiredo Teixeira, in: RSTJ 124/361). O processo em epígrafe revela querealmente o advogado ultrapassou os limites ao analisar a atuação do advoga-do da parte adversa, imputando-lhe, sem provas, uma série de atividadesilícitas, o que, sem dúvida, caracterizou ofensa à honra. Constou da ementa:“A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo novo Estatuto da Advoca-cia e da OAB não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta àhonra de qualquer das pessoas envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, omembro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária.Segundo firme jurisprudência da Corte, a imunidade conferida ao advogado noexercício da sua bela e árdua profissão não constitui um bill of indemnity”.

O excesso verbal não se compraz com a importância do trabalho do advo-gado. Miguel Reale104 escreveu que a “linguagem é o solo da cultura” e daí

102 PIMENTA BUENO. Direito Público Brasileiro, p. 118.103 SIDNEY SANCHES. “O Advogado e o Poder Judiciário”, RT 648/249.104 REALE, Miguel. “Cultura e linguagem“. Jornal o Estado de S.Paulo, 14.09.2002, A-2.

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“poder-se dizer que o ser do homem é o seu dever-ser consubstanciado na linguagemque o tornou capaz de realizar-se como pode e deve fazê-lo. Parece-me essencial essadupla compreensão do ser humano em seu dever-ser através da linguagem”. Con-vém registrar que o STJ não admite a exclusão da ilicitude (estrito cumprimen-to do dever legal – art. 23, III, do CP) no crime de calúnia, mas tão-somentea injúria e a difamação (RO em HC nº 11.324 SP, DJU de 12.11.2001,ministro José Arnaldo da Fonseca, in: RT 798/559): “Não está acobertado pelascausas de exclusão da ilicitude do estrito cumprimento do dever legal ou exercícioregular do direito, nos termos do art. 23, III, do CP, o advogado que, através depetição, assaca ofensas caluniosas contra o magistrado da causa, pois os poderes docausídico na sua esfera de atuação profissional não são absolutos e incontestáveis,devendo ser puníveis os eventuais excessos e abusos cometidos pelo profissional”.

Portanto, é por meio da linguagem lançada nas peças do processo que oadvogado revela o seu dever-ser na organização jurídica, que, por certo, nãoserá desrespeitoso, ofensivo, ultrajante. O processo, não obstante um meca-nismo (meio) de fazer o direito material, na verdade se transforma em corpo ealma da justiça no caso concreto, com sentido público, de modo que passa aser inconveniente a falta de recato na linguagem a ser empregada nos atosformadores do processo justo (art. 5º, LV, da CF), ainda que o ressentimentoque mova o impulso ou a reação violenta possa ser explicado, quer pela teme-ridade da lide, quer pelo abuso de direito de defesa da parte adversa e, inclu-sive, pela morosidade da justiça. Os expedientes próprios para debelar essesincidentes de percurso existem e, entre eles, não está situada, como legítima,a ofensa verbal aos demais protagonistas do processo. O desabafo com ofensasimplica a responsabilidade do advogado por lesões de ordem moral aos desti-natários de suas mensagens, porque a atuação descomedida, no uso das pala-vras e gestos, consubstancia ato personalíssimo ou de culpa profissional.

Em recente sessão de conferência de votos, o desembargador AlfredoMiglione, da Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça deSão Paulo (Ap. nº 172.666-4/4), apresentou proposta (que foi recepcionadasem dissenso dos demais membros da Turma Julgadora) de representar à OAB,na forma do art. 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/94, para que a Comissão de Éticae Disciplina examine (e, eventualmente, censure) a postura do advogado daapelante, por ter qualificado a sentença apelada como “desprezível e execrável”,além de “abjudicável e desprezável”, termos absolutamente impróprios, des-necessários e incompatíveis com o dever de recorrer e comprovar o acerto datese de inconformismo.

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O advogado não é censurado somente quando dirige impropérios aosjuízes. Em processo de concordata, o advogado de um dos credores assinoupetição, com as seguintes expressões em face do ex adverso: “engendrar umachicana”; “expedientes obscuros e escusos”; “safadeza” e “desonestidade”, “pa-trocinado uma das maiores desonestidades que a Justiça capixaba tinha noti-cias”. O advogado destinatário dessas ofensas ingressou com ação de ressarci-mento de danos e obteve sentença favorável (o TJ-ES, no entanto, determi-nou que se fixasse o quantum em liquidação). O advogado réu, em causaprópria, foi ao STJ, que não conheceu do recurso especial (REsp. nº 163.221ES, DJU de 05.08.2002, in: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil,nº 19, p. 97, ementa nº 1.925), com a seguinte observação do relator, minis-tro Sálvio de Figueiredo Teixeira: “O advogado, assim como qualquer outro pro-fissional, é responsável pelos danos que causar no exercício de sua profissão. Casocontrário, jamais seria ele punido por seus excessos, ficando a responsabilidadesempre para a parte que representa, o que não tem respaldo em nosso ordenamentojurídico, inclusive no próprio Estatuto da Ordem”.

9. Atuação na Justiça Criminal- Prisão pelo não-pagamento de dívida alimentícia pretérita

Importante consignar, tal como enfatizado por Ernesto Lippmann105,que a culpa do advogado, no juízo criminal, é bem mais grave em termos dereparação de danos, por eventual sacrifício da liberdade do cliente (o quenotabiliza o dano indenizável), além da repercussão destrutiva da condena-ção injusta (imposta por uma falha do advogado, por exemplo), justifican-do a indenização por dano moral (artigos 5º, V e X, da CF e 186, doCódigo Civil de 2002).

O exame DNA é valioso para a apuração da autoria de crimes que dei-xam vestígios e permite a identificação positiva em favor da segurança dajustiça.106 Na hipótese de o DNA confirmar que uma condenação foi emiti-da em virtude de erro judiciário (o exame que se realizou no pedido derevisão criminal excluiu a autoria imputada ao réu), a atuação do advogado,na defesa desse processo que permitiu uma sentença injusta, será investigada,

105 LIPPMAN, Ernesto. “A responsabilidade civil do advogado vista pelos tribunais”, in Informações Jurídicas eEmpresariais ADCOAS, nº 6, p. 172.

106 AMAR, Ayush Morad, e AMAR, Marcelo J. Ayush. Aplicações Médico-Legais do DNA, p. 19.

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para aferição da culpa. É permitido afirmar, contudo, que não só ao Estado(Poder Público) recai o peso da prisão indevida; o advogado, a quem cabiarequerer a perícia que faltou para livrar o réu da culpa, poderá suportar aresponsabilidade civil pela negligente atuação.

A prisão indevida do cliente poderá estar conectada com a falta de dili-gência do advogado e, uma vez estabelecido esse nexo de causalidade, respon-derá pelos prejuízos patrimoniais e morais, seguindo a liquidação do dano amesma diretriz utilizada para compor o prejuízo que se atribui ao Estado(Poder Público) por erro judiciário, ou seja, restituindo o que a vítima perdeuem termos salariais no período de custódia e de dano moral, por ser inegávelo constrangimento social que daí deflui. No caso, ainda, de se confirmar quea custódia indevida comprometeu a carreira da vítima do erro profissional(normalmente isso ocorre, porque, mesmo depois de alforriado, o encarcera-do não consegue recuperar o antigo status empregatício, uma conseqüência doestigma da prisão, justa ou injusta), é devido um pensionamento que com-pense a diferença salarial prejudicada pela submissão a sub-empregos comrenda depreciada.107

Convém abrir um parágrafo para analisar os efeitos da atuação de ad-vogado diante de uma outra verdade inscrita na ordem jurídica por meioda jurisprudência: prisão por dívidas alimentícias consideradas pretéritas.Não custa relembrar: “nascido da jurisprudência, o direito vive pela jurispru-dência, e é pela jurisprudência que vemos muitas vezes o direito evoluir sob umalegislação imóvel”.108

A Constituição Federal permite a prisão civil pelo não-pagamento dedívidas alimentícias (art. 5º, LXVII), desde que se observe o processo justopara esse fim (art. 733, parágrafo único, do CPC). Não obstante conside-rada como obrigação sagrada a merecer cumprimento à custa dos maisdolorosos sacrifícios109, o fato é que ocorre, lastimavelmente, uma incrívelresistência e, não raro, os juízes priorizam, com o decreto de prisão, odireito de subsistência digna dos alimentandos (art. 1º, III, da CF). So-mente sentindo ameaçada a liberdade, certos devedores concordam em

107 Em sua mais recente obra jurídica, o des. Carlos Roberto GONÇALVES anota que o art. 950, do CC de 2002,admite a pensão para compensar prejuízo decorrente da inabilitação para o trabalho, quer igual à “importânciado trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu, sem prejuízo da reparação de eventualdano moral” (Principais inovações no Código Civil de 2002, p. 55).

108 CRUET, Jean. A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis, p. 22.109 RIPERT, Georges. A Regra Moral nas Obrigações Civis, p. 365.

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depositar as prestações que são essenciais para o sustento dos filhos meno-res. O próprio STF declarou que a prisão civil “funciona, na verdade, comomeio de forçar o cumprimento da obrigação de garantir a sobrevivência dosalimentandos” (HC nº 68.724/RJ, ministro Carlos Velloso, in: R.T.J. 175/950). Essa realidade sofreu uma profunda alteração, no que se refere aexecução de dívidas acumuladas, e advogado que se preze não pode ignorara interpretação contemporânea que livra os devedores da prisão pelo não-pagamento de dívidas pretéritas (assim consideradas as que não se referi-rem às três últimas).

As prestações que não são exigidas e que se acumulam, por desídia docredor, perdem, segundo o novo entendimento, o caráter alimentar e se trans-formam em dívidas de dinheiro. Como os valores não são essenciais para asubsistência do alimentando, não se justifica prender o devedor que não ospaga, competindo ao credor perseguir a satisfação do crédito na forma con-vencional, isto é, por intermédio da execução com penhora de bens (art. 732,do CPC). O acórdão que inspirou essa forma de interpretar é do STF (HC nº75.180/MG, julgado em 10.06.1997, relator o ministro Moreira Alves), sem-pre citado na obra que é indispensável aos operadores do direito e da autoriade advogado exemplar (dr. Theotonio Negrão)110. Logo o STJ aderiu (REsp.nº 175.003/MG, DJU de 1.8.2000, ministro Waldemar Zveiter, in: RSTJ138/301): “Nos termos da jurisprudência que veio a firmar-se nesta Corte, emprincípio apenas na execução de dívida alimentar atual, quando necessária àpreservação da sobrevivência do alimentando, se mostra recomendável a comina-ção de pena de prisão ao devedor. Em outras palavras, a dívida pretérita, semcapacidade de assegurar no presente a subsistência do alimentando, é insusceptívelde embasar decreto de prisão”.

O TJ-SP não agiu de forma diferente. Em julgado de 05.08.1999, odesembargador Mohamed Amaro (HC nº 118473.4/8, in: Revista Nacionalde Direito e Jurisprudência, nº 0, p. 219) afirmou que “a prisão civil por dívida,máxime de natureza alimentar, constitui medida excepcional de coerção do ali-mentante a fim de que honre a obrigação. Logo, não se trata de pena e, tampouco,destina-se a punir o alimentante. Custódia que deve restringir ao não-pagamentodas três últimas mensalidades vencidas”. Nesse mesmo sentido, assinei acórdão(HC nº 082.282-4/0, julgado em 12.05.1998, in: RT 756/227) e o STJ

110 NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, p. 796.

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reafirma (RO em HC nº 9.228/RJ, DJU de 13.11.2000, ministro Aldir Pas-sarinho Júnior, in: RT 787/184).111

É importante anotar que somente as dívidas vencidas no trimestre an-tecedente ao pedido é que são havidas como pretéritas; as que se vencem nodecorrer do processamento da execução são atuais, ainda que demore a so-lução, pois, se assim não se entendesse, valeria o ditado de “não pago dívidasvelhas, porque pretéritas; quanto às novas, espero que envelheçam, para quetambém não as pague”. Há oposição radical112e flexível,113 sem força de arre-fecer o enunciado da jurisprudência que, a cada sessão de julgamento, seengrandece (HC nº 19.195/RJ, DJU de 27.05.2002, p. 174, ministroBarros Monteiro, in: Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, 31/98 eRO-HC nº 11.717 SP, j. 19.11.2001, ministro Cesar Asfor Rocha, in: In-formativo ADV, da COAD, nº 13/2002, p. 205, verbete nº 101.046). Ano-tei no julgamento de 26.03.2002 (HC nº 226.990.4/0, in: Revista Nacio-nal de Direito e Jurisprudência, 32/178): “Habeas corpus. Prisão civil pordívida de alimentos (arts. 733 do CPC e 5º, LXVII, da CF). Diante da juris-prudência vitoriosa que não admite prisão pelo não-pagamento de dívidas preté-ritas, fica caracterizado o constrangimento ilegal da prisão por dívidas acumu-ladas desde julho de 1997. Ordem concedida”.114

Resulta que, se o advogado contratado para atuar na defesa do devedorde alimentos, convocado para quitar dívidas acumuladas, sob pena de pri-são civil (art. 733, do CPC), não usar do benefício da jurisprudência quedesautoriza prisão civil por dívidas pretéritas, estará, com essa omissão, per-mitindo que o Estado-juiz comprometa a liberdade de seu cliente contra

111 Hoje é indiscutível o não-cabimento da prisão civil do alimentante que não paga dívidas pretéritas. Os tribunaisestão emitindo julgados em série nesse sentido, ora acolhendo pedidos de habeas corpus (consideramconstrangimento ilegal submeter o alimentante a uma prisão por dívidas que perderam o caráter alimentar), oureafirmando legalidade da prisão civil pelo não pagamento de dívidas atuais. Desse teor, recente pronuncia-mento do STF (HC 81.391-7 SP, min. Sydney Sanches, DJU de 01.03.2002, in RT 801/141) e do STJ (HC 18.885RJ, DJU de 04.03.2002, ministra Nancy Andrighi, in Revista Brasileira de Direito de Família (Síntese), nº 13, p.124, verbete n. 1350). Vivemos, pois, o clímax da consagração dessa jurisprudência, a ponto de o STJ, por v.Acórdão relatado pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar, admitir que o juiz, de ofício, proceda a cisão daexecução, permitindo a reserva do art. 733, do CPC, apenas à cobrança das três últimas prestações vencidasantes da propositura da ação (REsp. 291.367 SP, DJU de 02.04.2001, in RT 791/200).

112 ASSIS, Araken de. Da Execução de Alimentos e Prisão do Devedor, p. 114.113 GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta, p. 233.114 Outra acórdão que relatei foi sintetizado no verbete nº 103467, p. 686 do Informativo ADV, da COAD, nº 43/

2002, AgIn. 236.186-4/9, julgado em 4-6-2002): “Considerando que não existem prestações atuais na execu-ção de alimentos que o filho maior promove em face do pai — parte do ano de 1999 e do primeiro trimestrede 2000 —, com um saldo acumulado de quase vinte mil reais, não se justifica proceder ns gotms fo styiho 733,do CPC — com prisão civil, mas, sim, pelo sistema do art. 732, do CPC”.

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um direito garantido por uma jurisprudência consolidada. Volta-se a afirmarque a jurisprudência constitui “um bom guia” para os aplicadores do Direi-to, notadamente para os que “contam poucos anos de prática” e que nãoconquistaram, pela experiência, o tirocínio profissional.115

Ora, limitando-se o advogado ao argumento inglório da justa recusa dopagamento, o juiz certamente, sem se convencer, baixará decisão decretando aprisão civil do alimentante (de 30 a 60 dias). Supondo que o advogado, mes-mo com o cliente preso, continue a não usar da jurisprudência para impetrarhabeas corpus, não resta dúvida de que incidiu em erro grosseiro. Poderá, porconseguinte, ser responsabilizado por danos decorrentes dessa prisão civil,graças ao desempenho profissional abaixo da crítica.

Poder-se-ia argumentar que a prisão do devedor, em situações do gêne-ro, não é ilegal ou inconstitucional, o que excluiria a responsabilidade doadvogado que, mesmo contratado para obter salvo-conduto o devedor, nãoconsegue o intento. Concorda-se com essa objeção, desde que o advogado,na defesa, explorasse o ponto de vista jurídico favorável ao cliente, ou ainadequação da custódia por se cuidar de dívida pretérita. A prisão, nessecaso, não seria ilegal, por representar vontade do Estado-juiz. Porém, para arelação que se forma entre o advogado e o cliente, a omissão da versão libe-ratória funciona como culpa profissional, até porque não está o juiz obriga-do a liberar o devedor da prisão se ele próprio não invoca a versão da juris-prudência que não se aplica de ofício. Excluir do devedor a chance de selivrar da prisão que poderia ser evitada, significa, por via oblíqua, ofensadireta ao direito de permanecer em liberdade, sugerindo o dever de indeni-zar (artigo 620, do CPC; 1º, III, da CF e 954, parágrafo único, III, doCódigo Civil de 2002).

Cabe registrar que o artigo 1552 do CC de 1916 (que restringia atitularidade passiva da obrigação de indenizar, no caso de prisão ilegal, daautoridade que ordenou a prisão) não foi transferido para o novo estatuto,de modo que se abriu espaço para que se conclua pela inexistência de óbicelegal sobre a interligação da atividade negligente ou imprudente do advo-gado à responsabilidade que se busca instituir para reparar prejuízos deuma prisão que poderia ser evitada (e que, portanto, não deixa de ser inde-vida ou ilegal, para a vítima).

115 BORGES DA ROSA, Inocêncio. Questões Essenciais do Direito e Nulidades Processuais, p. 275.

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Embora típica a culpa no ato de ignorar a jurisprudência, esse enuncian-do não é, ainda, vitorioso como fundamento da responsabilidade civil doadvogado pelo serviço jurídico que, com tal falha, é concluído com prejuízoao cliente, justamente por ressentir-se do abono da interpretação judicial.Contudo, quando essa tese for explorada no confronto entre o direito da víti-ma e a prerrogativa do advogado desatualizado, não se tem dúvida de que ointérprete vai priorizar o primeiro, para que não se perpetue a injustiça danão-reparação de dano injusto.

João Batista Lopes escreveu, quando juiz de Direito da Capital, um exce-lente ensaio sobre as perspectivas da responsabilidade civil e testemunhou oseguinte: “em nossa experiência profissional, já nos deparamos com o seguintecaso: em razão do rompimento da barra de direção, o veículo, desgovernado, ga-nhou o passeio público e atropelou o pedestre”. Em seguida, o depois desembar-gador e processualista respeitável afirmou que o caso não poderia ser resolvidosomente em função da teoria da culpa (exoneração de responsabilidade pelocaso fortuito ou de força maior), exatamente pela força das palavras simples davítima em depoimento pessoal: “eu sei que o motorista não teve culpa. Mas, se elenão teve, eu tive menos ainda”.116

Em se aplicando o mesmo raciocínio para analisar a culpa de maior pesona situação do devedor de alimentos que é preso porque seu advogado nãoaproveita a jurisprudência contemporânea que versa a ilegalidade da prisãopor dívidas pretéritas, a posição do advogado se inferioriza. Se o advogado nãoacompanha a evolução dos julgados, que culpa tem o cliente? A censura quedaí decorre é inexorável.

10. Prescrição

O novo Código Civil estabeleceu que prescreve, em três anos, a pretensãode reparação civil (art. 206, § 3º, V). Contudo, continua a prevalecer, em açõesde responsabilidade civil em face do advogado, o prazo prescricional previsto noart. 27, da Lei nº 8.078/90 (CODECOM). É que a interpretação, no conflitode normas, deve ser pró-consumidor (artigos 47, 7º e 1º, da lei consumerista),porque, mais dilatado, é o que predomina em benefício dos consumidores.

116 LOPES, João Batista. “Perspectivas atuais da responsabilidade civil no Direito brasileiro”, RJTJESP 57/20.

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11. Sugestão de dispensa da atuação em causa própria

O advogado defende os direitos alheios e os próprios. Não há proibiçãoalguma de que funcione em causa própria, mesmo quando necessite cobrardo cliente os seus honorários.117

No entanto, mesmo diante da necessidade de responder a uma ação dereparação de danos, totalmente infundada, que um ex-cliente promove deforma temerária, recomenda-se a dispensa da prerrogativa da defesa em causaprópria. É melhor que um colega, livre da emoção do profissional traído pelaingratidão e deslealdade do representado, possa, com a técnica que somenteum espírito livre permite alcançar, elaborar a estratégia apropriada para rejei-ção da afronta pessoal e profissional sem comprometimento do juramentovocacional. Além da garantia de uma defesa concentrada somente no aspectojurídico, a sugestão de renúncia da defesa em causa própria, em se realizando,notabiliza o profissional nesse ato final do contrato de trabalho, como quetraduzindo uma espécie de penitência anônima que se está cumprindo, comestilo, para que toda a classe se valorize.

Afinal, como afirmou Louis Josserand em conferência pronunciada emCoimbra, “a história da responsabilidade civil é a história do triunfo da jurispru-dência e, também, de alguma forma, da doutrina; é, mais geralmente, o triunfo doespírito do senso jurídico”.118

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117 SOUZA, Mário Guimarães. O Advogado, p. 237.118 JOSSERAND, Louis. “Evolução da responsabilidade civil”, in: Revista Forense, 86/559.

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Enunciados aprovadosna Jornada de Direito Civil

Parte Geral

1 - Art. 2º: a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimortono que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem esepultura.

2 - Art. 2º: sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, oart. 2º do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes dareprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio.

3 - Art. 5º: A redução do limite etário para a definição da capacidade civil aos18 anos não altera o disposto no art. 16, I, da Lei nº 8.213/91, que regulaespecífica situação de dependência econômica para fins previdenciários eoutras situações similares de proteção, previstas em legislação especial,

4 - Art. 11: O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitaçãovoluntária, desde que não seja permanente nem geral.

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Promovida pelo Centro de EstudosJudiciários do Conselho da JustiçaFederal no período de11 a 13 de setembro de 2002,sob a coordenação científica doministro Ruy Rosado, do STJ

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5 - Arts. 12 e 20: 1) as disposições do art. 12 têm caráter geral e aplicam-se inclusive às situações previstas no art. 20, excepcionados os casosexpressos de legitimidade para requerer as medidas nele estabeleci-das; 2) as disposições do art. 20 do novo Código Civil têm a finali-dade específica de regrar a projeção dos bens personalíssimos nassituações nele enumeradas. Com exceção dos casos expressos de legi-timação que se conformem com a tipificação preconizada nessa nor-ma, a ela podem ser aplicadas subsidiariamente as regras instituídasno art. 12.

6 - Art. 13: a expressão “exigência médica”, contida no art. 13, refere-se tantoao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente.

7 - Art. 50: só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quandohouver a prática de ato irregular, e limitadamente, aos administradores ousócios que nela hajam incorrido.

8 - Art. 62, parágrafo único: a constituição de fundação para fins científicos,educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida noCC, art. 62, parágrafo único.

9 - Art. 62, parágrafo único: o art. 62, parágrafo único, deve ser interpretadode modo a excluir apenas as fundações de fins lucrativos.

10 - Art. 66, § 1º: em face do princípio da especialidade, o art. 66, § 1º,deve ser interpretado em sintonia com os arts. 70 e 178 da LC nº75/83.

11 - Art. 79: não persiste no novo sistema legislativo a categoria dos bensimóveis por acessão intelectual, não obstante a expressão “tudo quanto selhe incorporar natural ou artificialmente”, constante da parte final do art.79 do CC.

12 - Art. 138: Na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável oerro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança.

13 - Art. 170: o aspecto objetivo da convenção requer a existência do suportefático no negócio a converter-se.

14 - Art. 189: 1) o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento dapretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art.189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após aviolação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer.

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Comissão - Parte Geral

Em 12/09/2002: Presidente: Humberto Theodoro Jr.Relator: Nelson Nery Jr.

Em 13/09/2002: Presidente: João Baptista VillelaRelator: Renan Lotufo

Membros: Carlos GhersiCarlos Augusto Pires BrandãoCelso Jerônimo de SouzaÉrika SchmitzHumberto Theodoro Jr.Ivori da Silva SchefferJoão Baptista VillelaJoão Baptista LazzariJorge Américo Pereira de LimaKennedy Josué Greca de MattosLuiz César MedeirosLuiz Paulo Vieira de CarvalhoMairan MaiaMaria Paula Gouvêa GalhardoMárcia Maria Nunes de BarrosMaria Alice Paim LyardNelson Nery JúniorNilza Maria Costa dos ReisOtávio de Souza GomesPaulo Eduardo RazukPaulo Roberto Moglia Thompson FloresRaymundo Amorim CantuáriaRegina Helena Afonso de Oliveira PortesRegis Fichtner PereiraRenan LotufoRoberto Schaan FerreiraRogério de Meneses Fialho Moreira

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ENUNCIADOS APROVADOS NA JORNADA DE DIREITO CIVIL...

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Direito das Obrigações

15 - Art. 240: as disposições do art. 236 do novo Código Civil também sãoaplicáveis à hipótese do art. 240, in fine.

16 - Art. 299: o art. 299 do Código Civil não exclui a possibilidade da assun-ção cumulativa da dívida quando dois ou mais devedores se tornam res-ponsáveis pelo débito com a concordância do credor.

17 - Art. 317: a interpretação da expressão “motivos imprevisíveis”, constantedo art. 317 do novo Código Civil, deve abarcar tanto causas de despro-porção não previsíveis como também causas previsíveis, mas de resulta-dos imprevisíveis.

18 - Art. 319: a “quitação regular”, referida no art. 319 do novo Código Ci-vil, engloba a quitação dada por meios eletrônicos ou por quaisquer for-mas de “comunicação à distância, assim entendida aquela que permiteajustar negócios jurídicos e praticar atos jurídicos sem a presença corpó-rea simultânea das partes ou de seus representantes.

19 - Art. 374: a matéria da compensação, no que concerne às dívidas fiscais eparafiscais de Estados, do Distrito Federal e de Municípios, não é regidapelo art. 374 do Código Civil.

20 - Art. 406: a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art.161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento)ao mês.

A utilização da SELIC como índice de apuração dos juros legais não éjuridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros;não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularemsomente juros ou somente correção monetária; é incompatível com aregra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitaliza-ção anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, daConstituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (dozepor cento) ao ano.

21 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Códi-go Civil, constitui cláusula geral, a impor a revisão do princípio da rela-tividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando atutela externa do crédito.

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22 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Códi-go Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio da conservaçãodo contrato, assegurando trocas úteis e justas.

23 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Códi-go civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenuaou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metain-dividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

24 - Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 donovo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie deinadimplemento, independentemente de culpa.

25 - Art. 422: o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelojulgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual.

26 - Art. 422: a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civilimpõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contra-to segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comporta-mento leal dos contratantes.

27 - Art. 422: na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar emconta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outrosestatutos normativos e fatores metajurídicos.

28 - Art. 455 (§§ 1º e 2º): o disposto no art. 445, §§ 1º e 2º, do CódigoCivil reflete a consagração da doutrina e da jurisprudência quanto à na-tureza decadencial das ações edilícias.

29 - Art. 456: a interpretação do art. 456 do novo Código Civil permite aoevicto a denunciação direta de qualquer dos responsáveis pelo vício.

30 - Art. 463: a disposição do parágrafo único do art. 463 do novo CódigoCivil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros.

31 - Art. 475: as perdas e danos mencionados no art. 475 do novo CódigoCivil dependem da imputabilidade da causa da possível resolução.

32 - Art. 534: no contrato estimatório (art. 534), o consignante transfere aoconsignatário, temporariamente, o poder de alienação da coisa consigna-da com opção de pagamento do preço de estima ou sua restituição aofinal do prazo ajustado.

33 - Art. 557: o novo Código Civil estabeleceu um novo sistema para a revo-gação da doação por ingratidão, pois o rol legal previsto no art. 557

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ENUNCIADOS APROVADOS NA JORNADA DE DIREITO CIVIL...

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deixou de ser taxativo, admitindo, excepcionalmente, outras hipóteses.

34 - Art. 591: no novo Código Civil, quaisquer contratos de mútuo destina-dos a fins econômicos presumem-se onerosos (art. 591), ficando a taxade juros compensatórios limitada ao disposto no art. 406, com capitali-zação anual.

35 - Art. 884: a expressão “se enriquecer à custa de outrem” do art. 884 do novoCódigo Civil não significa, necessariamente, que deverá haver empobre-cimento.

36 - Art. 886: o art. 886 do novo Código Civil não exclui o direito à restitui-ção do que foi objeto de enriquecimento sem causa nos casos em que osmeios alternativos conferidos ao lesado encontram obstáculos de fato.

Comissão - Direito das Obrigações

Em 12/09/2002: Presidente: Paulo Távora (manhã) / Antônio Junqueira Aze-vedo (tarde)Relatores: Claudia Lima Marques / Antônio Junqueira Aze-vedo (relator no auditório do STJ)

Em 13/09/2002: Presidente: Paulo TávoraRelatores: Claudia Lima Marques / Wanderlei de PaulaBarreto

Membros: Ana Rita Vieira de Albuquerque

Antônio Junqueira de Azevedo

Artur César de Souza

Benedito Gonçalves

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Claudia Lima Marques

Claudio Fortunato Michelon Júnior

Fabrício Fontoura Bezerra

Francisco José Moesch

Jorge Cesar Ferreira da Silva

José Francisco da Silva Neto

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José Trindade dos Santos

Leda de Oliveira Pinho

Luís Renato Ferreira da Silva

Marcelo De Nardi

Marcos Mairton da Silva

Nelson Nery da Costa

Paulo Cezar Alves Sodré

Paulo Eduardo Razuk

Paulo Távora

Véra Maria Jacob de Fradera

Wanderlei de Paula Barreto

Responsabilidade Civil

37 - Art. 187: a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito inde-pende de culpa, e fundamenta-se no critério objetivo-finalístico.

38 - Art. 927: a responsabilidade fundada no risco da atividade, como previs-ta na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo CódigoCivil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida peloautor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aosdemais membros da coletividade.

39 - Art. 928: a impossibilidade de privação do necessário à pessoa, previstano art. 928, traduz um dever de indenização eqüitativa, informado peloprincípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana. Comoconseqüência, também os pais, tutores e curadores serão beneficiadospelo limite humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagemao patrimônio do incapaz se dará não quando esgotados todos os recur-sos do responsável, mas se reduzidos estes ao montante necessário à ma-nutenção de sua dignidade.

40 - Art. 928: o incapaz responde pelos prejuízos que causar de maneira sub-sidiária ou excepcionalmente, como devedor principal, na hipótese doressarcimento devido pelos adolescentes que praticarem atos infracionais,

Revista da Escola Paulista da Magistratura, ano 4, nº 1, p. 177-203, janeiro/junho - 2003

ENUNCIADOS APROVADOS NA JORNADA DE DIREITO CIVIL...

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nos termos do art. 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente, noâmbito das medidas socioeducativas ali previstas.

41 - Art. 928: a única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidá-ria do menor de 18 anos com seus pais é ter ele sido emancipado nostermos do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil.

42 - Art. 931: o art. 931 amplia o conceito de fato do produto existente noart. 12 do Código de Defesa do Consumidor, imputando responsabili-dade civil à empresa e aos empresários individuais vinculados à circula-ção dos produtos.

43 - Art. 931: a responsabilidade civil pelo fato do produto, prevista no art.931 do novo Código Civil, também inclui os riscos do desenvolvimento.

44 - Art. 934: na hipótese do art. 934, o empregador e o comitente somentepoderão agir regressivamente contra o empregado ou preposto se essestiverem causado dano com dolo ou culpa.

45 - Art. 935: no caso do art. 935, não mais se poderá questionar sobre aexistência do fato ou sobre quem seja o seu autor se essas questões seacharem categoricamente decididas no juízo criminal.

46 - Art. 944: a possibilidade de redução do montante da indenização emface do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art.944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, porrepresentar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano, nãose aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva.

47 - Art. 945: o art. 945 do Código Civil, que não encontra correspondenteno Código Civil de 1916, não exclui a aplicação da teoria da causalidadeadequada.

48 - Art. 950, parágrafo único: o parágrafo único do art. 950 do novo Códi-go Civil institui direito potestativo do lesado de exigir pagamento daindenização de uma só vez, mediante arbitramento do valor pelo juiz,atendidos os arts. 944 e 945 e a possibilidade econômica do ofensor.

49 - Art. 1.228, § 2º: a regra do art. 1.228, § 2º, do novo Código Civilinterpreta-se restritivamente, em harmonia com o princípio da funçãosocial da propriedade e com o disposto no art. 187.

50 - Art. 2.028: a partir da vigência do novo Código Civil, o prazo prescricio-nal das ações de reparação de danos que não houver atingido a metade

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do tempo previsto no Código Civil de 1916 fluirá por inteiro, nos ter-mos da nova lei (art. 206).

MOÇÃO:

No que tange à responsabilidade civil, o novo Código representa, emgeral, notável avanço, com progressos indiscutíveis, entendendo a Comissãoque não há necessidade de prorrogação da vacatio legis.

Comissão - Responsabilidade Civil

Em 12/09/2002: Presidente: Roberto Rosas / Irineu Antonio PedrottiRelator: Adalberto Pasqualotto

Em 13/09/2002: Presidente: Iran Velasco NascimentoRelator: Adalberto Pasqualoto

Membros: Adalberto Pasqualotto

Antônio Ernesto Amoras Collares

Antonio José Silveira Paulilo

Antonio Marson

Claudio Antonio Soares Levada

Eugênio Facchini Neto

Fernando Boani Paulucci Júnior

Iran Velasco Nascimento

Irineu Antonio Pedrotti

João Maria Lós

Jorge Mosset Iturraspe

Juliana dos Santos Pinheiro

Lindoval Marques de Brito

Lyssandro Norton Siqueira

Maria Lúcia Lencastre Ursaia

Mário Sérgio de Albuquerque Schirmer

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ENUNCIADOS APROVADOS NA JORNADA DE DIREITO CIVIL...

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Paulo de Tarso Vieira Mandarino

Ricardo César Mandarino

Roberto Rosas

Zilan da Costa e Silva

Direito da Empresa

51 - Art. 50: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica — disregarddoctrine — fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetrosexistentes nos microsistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.

52 - Art. 903: por força da regra do art. 903 do Código Civil, as disposiçõesrelativas aos títulos de crédito não se aplicam aos já existentes.

53 - Art. 966: deve-se levar em consideração o princípio da função social nainterpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de refe-rência expressa.

54 - Art. 966: é caracterizador do elemento empresa a declaração da ativida-de-fim, assim como a prática de atos empresariais.

55 - Arts. 968, 969 e 1.150: o domicílio da pessoa jurídica empresarial regu-lar é o estatutário ou o contratual, em que indicada a sede da empresa,na forma dos arts. 968, IV, e 969, combinado com o art. 1.150, todosdo Código Civil.

56 - Art. 970: o Código Civil não definiu o conceito de pequeno empresário;a lei que o definir deverá exigir a adoção do livro-diário.

57 - Art. 983: a opção pelo tipo empresarial não afasta a natureza simples dasociedade.

58 - Art. 986 e seguintes: a sociedade em comum compreende as figurasdoutrinárias da sociedade de fato e da irregular.

59 - Arts. 990, 1.009, 1.016, 1.017 e 1.091: os sócios-gestores e os admi-nistradores das empresas são responsáveis subsidiária e ilimitadamentepelos atos ilícitos praticados, de má gestão ou contrários ao previsto nocontrato social ou estatuto, consoante estabelecem os arts. 990, 1.009,1.016, 1.017 e 1.091, todos do Código Civil.

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60 - Art. 1.011, § 1º: as expressões de peita ou suborno do § 1º do art.1.011 do novo Código Civil devem ser entendidas como corrupção, ati-va ou passiva.

61 - Art. 1.023: o termo “subsidiariamente”, constante do inc. 8º do art.997 do Código Civil, deverá ser substituído por “solidariamente” a fimde compatibilizar esse dispositivo com o art. 1.023 do mesmo Código.

62 - Art. 1.031: com a exclusão do sócio remisso, a forma de reembolso dassuas quotas, em regra, deve-se dar com base em balanço especial, realiza-do na data da exclusão.

63 - Art. 1.043: suprimir o art. 1.043 ou interpretá-lo no sentido de que sóserá aplicado às sociedades ajustadas por prazo determinado.

64 - Art. 1.0148: a alienação do estabelecimento empresarial importa, comoregra, na manutenção do contrato de locação em que o alienante figuravacomo locatário.

65 - Art. 1.052: a expressão “sociedade limitada”, tratada no art. 1.052 eseguintes do novo Código Civil, deve ser interpretada stricto sensu, como“sociedade por quotas de responsabilidade limitada”.

66 - Art. 1.062: a teor do § 2º do art. 1.062 do Código Civil, o administra-dor só pode ser pessoa natural.

67 - Arts. 1.085, 1.030 e 1.033, III: a quebra do “affectio societatis” não écausa para a exclusão do sócio minoritário, mas apenas para dissolução(parcial) da sociedade.

68 - Arts. 1.088 e 1.089: suprimir os arts. 1.088 e 1.089 do novo CódigoCivil em razão de estar a matéria regulamentada em lei especial.

69 - Art. 1.093: as sociedades cooperativas são sociedades simples sujeitas ainscrição nas juntas comerciais.

70 - Art. 1.116: as disposições sobre incorporação, fusão e cisão previstas noCódigo Civil não se aplicam às sociedades anônimas. As disposições daLei nº 6.404/76 sobre essa matéria aplicam-se por analogia às demaissociedades naquilo em que o Código Civil for omisso.

71 - Arts. 1.158 e 1.160: suprimir o artigo 1.160 do Código Civil por estara matéria regulada mais adequadamente no art. 3º da Lei nº 6.404/76(disciplinadora das S.A.) e dar nova redação ao § 2º do art. 1.158, demodo a retirar a exigência da designação do objeto da sociedade.

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72 - Art. 1.164: suprimir o art. 1.164 do novo Código Civil.

73 - Art. 2.031: não havendo a revogação do art. 1.160 do Código Civil,nem a modificação do § 2º do art. 1.158 do mesmo diploma, é deinterpretar-se este dispositivo no sentido de não aplicá-lo à denomina-ção das sociedades anônimas e sociedades Ltdas., já existentes, em razãode se tratar de direito inerente à sua personalidade.

74 - Art. 2.045: apesar da falta de menção expressa, como exigido pelas LCs95/98 e 107/2001, estão revogadas as disposições de leis especiais quecontiverem matéria regulada inteiramente no novo Código Civil, como,v.g., as disposições da Lei nº 6.404/76, referente à sociedade comanditapor ações, e do Decreto nº 3.708/1919, sobre sociedade de responsabi-lidade limitada.

75 - Art. 2.045: a disciplina de matéria mercantil no novo Código Civil nãoafeta a autonomia do Direito Comercial.

Comissão - Direito da Empresa

Em 12/09/2002: Presidente: Alfredo de Assis Gonçalves NetoRelator: Newton De Lucca

Em 13/09/2002: Presidente: Alfredo de Assis Gonçalves NetoRelator: Jorge Luiz Lopes do Canto

Membros: Alfredo de Assis Gonçalves Neto

Ana Beatriz do Amaral Cid Ornelas

André José Kozlowski

André Ricardo Cruz Fontes

André Vicente Pires Rosa

Carison Venicius Manfio

César Pontes Clark

Douglas Alencar Rodrigues

Francisco Willo Borges Cabral

Jorge Luiz Lopes do Canto

Luiz Henrique Marques da Rocha

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Marcelo Andrade Féres

Márcio Souza Guimarães

Newton De Lucca

Paulo Henrique Blair de Oliveira

Paulo Roberto Stöberl

Rodolfo Pinheiro de Morais

Rubens Curado Silveira

Direito das Coisas

76 - Art. 1.197: O possuidor direto tem direito de defender a sua posse contrao indireto, e este contra aquele (art. 1.197, in fine, do novo Código Civil).

77 - Art. 1.205: A posse das coisas móveis e imóveis também pode ser trans-mitida pelo constituto possessório.

78 - Art. 1.210: Tendo em vista a não-recepção, pelo novo Código Civil, daexceptio proprietatis (art. 1.210, § 2º), em caso de ausência de prova sufi-ciente para embasar decisão liminar ou sentença final ancorada exclusiva-mente no ius possessionis, deverá o pedido ser deferido e julgado improce-dente, não obstante eventual alegação e demonstração de direito real sobreo bem litigioso.

79 - Art. 1.210: A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações posses-sórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu aabsoluta separação entre os juízos possessório e petitório.

80 - Art. 1.212: É inadmissível o direcionamento de demanda possessória ouressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passivailegítima, diante do disposto no art. 1.212 do novo Código Civil. Contrao terceiro de boa-fé cabe tão-somente a propositura de demanda de na-tureza real.

81 - Art. 1.219: O direito de retenção previsto no art. 1.219 do CC, decor-rente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica àsacessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.

82 - Art. 1.228: É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade

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imóvel previstas nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil.

83 - Art. 1.228: Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, nãosão aplicáveis as disposições constantes dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 donovo Código Civil.

84 - Art. 1.228: A defesa fundada no direito de aquisição com base no interessesocial (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser argüida pelosréus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento daindenização.

85 - Art. 1.240: Para efeitos do art. 1.240, caput, do novo Código Civil, en-tende-se por “área urbana” o imóvel edificado ou não, inclusive unidadesautônomas vinculadas a condomínios edilícios.

86 - Art. 1.242: A expressão “justo título”, contida nos arts. 1.242 e 1.260 doCC, abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir apropriedade, independentemente de registro.

87 - Art. 1.245: Considera-se também título translativo, para fins do art.1.245 do novo Código Civil, a promessa de compra e venda devidamentequitada (arts. 1.417 e 1.418 do CC e § 6º do art. 26 da Lei nº 6.766/79).

88 - Art. 1.285: O direito de passagem forçada, previsto no art. 1.285 do CC,também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficienteou inadequado, consideradas inclusive as necessidades de exploração eco-nômica.

89 - Art. 1.331: O disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civilaplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como lotea-mentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo.

90 - Art. 1.331: Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínioedilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar inte-resse.

91 - Art. 1.331: A convenção de condomínio, ou a assembléia geral, podemvedar a locação de área de garagem ou abrigo para veículos a estranhos aocondomínio.

92 - Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem seraplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo.

93 - Art. 1.369: As normas previstas no Código Civil sobre direito de super-fície não revogam as relativas a direito de superfície constantes do Estatuto

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da Cidade (Lei nº 10.257/2001) por ser instrumento de política dedesenvolvimento urbano.

94 - Art. 1.371: As partes têm plena liberdade para deliberar, no contratorespectivo, sobre o rateio dos encargos e tributos que incidirão sobre a áreaobjeto da concessão do direito de superfície.

95 - Art. 1.418: O direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do novoCódigo Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, não secondiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório deregistro imobiliário (Súmula nº 239 do STJ).

ENUNCIADOS PROPOSITIVOS DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA:

96 - Alteração do § 1º do art. 1.336 do CC, relativo a multas por inadimple-mento no pagamento da contribuição condominial, para o qual se sugerea seguinte redação:

“Art. 1.336 - ...§ 1º - O condômino que não pagar sua contribuição ficará sujeito aosjuros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, de um por centoao mês, e multa de até 10% sobre o eventual risco de emendas sucessivasque venham a desnaturá-lo ou mesmo inibir a sua entrada em vigor.”

Não obstante, entendeu a Comissão da importância de aprimoramentodo texto legislativo, que poderá, perfeitamente, ser efetuado durante avigência do próprio Código, o que ocorreu, por exemplo, com o diplomade 1916, com a grande reforma verificada em 1919.

Comissão - Direito das Coisas

Presidente: Munir KaramRelator: Joel Dias Figueira Jr.

Membros: Adroaldo Furtado Frabrício

Alvaro Manoel Rosindo Bourguignon

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ENUNCIADOS APROVADOS NA JORNADA DE DIREITO CIVIL...

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Denise Henriques Sant’Anna

Edilson Pereira Nobre Júnior

Eduardo Kraemer

Erik Gramstrup

Heriberto Roos Maciel

Joel Dias Figueira Júnior

José Osório de Azevedo Júnior

Luiz Fernando Tomasi Keppen

Marcelo Ferro

Marco Aurélio Bezerra de Melo

Munir Karam

Paulo Cerqueira Campos

Ricardo César Pereira Lira

Sérgio José Porto

Sílvio de Salvo Venosa

Sônia Regina Maul Moreira Alves Mury

Direito de Família e Sucessões

97 - Art. 25: no que tange à tutela especial da família, as regras do Código Civilque se referem apenas ao cônjuge devem ser estendidas à situação jurídicaque envolve o companheirismo, como, por exemplo, na hipótese de no-meação de curador de bens do ausente (art. 25 do Código Civil).

98 - Art. 1.521, IV: o inc. IV do art. 1.521 do novo Código Civil deve serinterpretado à luz do Decreto-lei nº 3.200/41 no que se refere à possibi-lidade de casamento entre colaterais de 3º grau.

99 - Art. 1.565, § 2º: o art. 1.565, § 2º, do Código Civil não é norma desti-nada apenas às pessoas casadas, mas também aos casais que vivem emcompanheirismo, nos termos do art. 226, caput, §§ 3º e 7º, da Consti-tuição Federal de 1988, e não revogou o disposto na Lei nº 9.263/96.

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100 - Art. 1.572: na separação, recomenda-se apreciação objetiva de fatosque tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

100 - Art. 1.583: sem prejuízo dos deveres que compõem a esfera do poderfamiliar, a expressão “guarda de filhos”, à luz do art. 1.583, pode com-preender tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada, em atendi-mento ao princípio do melhor interesse da criança.

101 - Art. 1.584: a expressão “melhores condições” no exercício da guarda, nahipótese do art. 1.584, significa atender ao melhor interesse da criança.

102 - Art. 1.593: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies deparentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim,a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental prove-niente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamen-te ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, querda paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho.

104 - Art. 1.597: no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendoo emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático darelação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo riscoda situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerandopresunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao maridoda mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa(ou implícita) da vontade no curso do casamento.

105 - Art. 1.597: as expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial”e “inseminação artificial” constantes, respectivamente, dos incs. III, IVe V do art. 1.597, deverão ser interpretadas como “técnica de reprodu-ção assistida”.

106 - Art. 1.597, inc. III: para que seja presumida a paternidade do maridofalecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicasde reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na con-dição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita domarido para que se utilize seu material genético após sua morte.

107 - Art. 1.597, inc. IV: finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571,a regra do inc. IV somente poderá ser aplicada se houver autorizaçãoprévia, por escrito, dos ex-cônjuges, para a utilização dos embriões ex-cedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento deimplantação desses embriões.

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108 - Art. 1.603: no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603,compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consangüí-nea e também a socioafetiva.

109 - Art. 1.605: a restrição da coisa julgada oriunda de demandas reputa-das improcedentes por insuficiência de prova não deve prevalecer parainibir a busca da identidade genética pelo investigado.

110 - Art. 1.626: a adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem acondição de filho ao adotado e à criança resultante de técnica concep-tiva heretóloga; porém, enquanto, na adoção, haverá o desligamentodos vínculos entre o adotado e seus parentes consangüíneos, na repro-dução assistida heretóloga, sequer será estabelecido o vínculo de paren-tesco entre a criança e o doador do material fecundante.

111 - Art. 1.626: a adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem acondição de filho ao adotado e à criança resultante de técnica concep-tiva heretóloga; porém, enquanto, na adoção, haverá o desligamentodos vínculos entre o adotado e seus parentes consagüíneos, na reprodu-ção assistida heretóloga, sequer será estabelecido o vínculo de parentes-co entre a criança e o doador do material fecundante.

112 - Art. 1.630: em acordos celebrados antes do advento do novo Código,ainda que expressamente convencionado que os alimentos cessarão coma maioridade, o juiz deve ouvir os interessados, apreciar as circunstân-cias do caso concreto e obedecer ao princípio rebus sic stantibus.

113 - Art. 1.639: é admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges,quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos oscônjuges, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitosde terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistên-cia de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade.

114 - Art. 1.647: o aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, demodo que o inc. III do art. 1.647 apenas caracteriza a inoponibilidadedo título ao cônjuge que não assentiu.

115 - Art. 1.725: há presunção de comunhão de aqüestos na constância daunião extramatrimonial mantida entre os companheiros, sendo desne-cessária a prova do esforço comum para se verificar a comunhão dos bens.

116 - Art. 1.815: o Ministério Público, por força do art. 1.815 do novoCódigo Civil, desde que presente o interesse público, tem legitimidade

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para promover ação visando à declaração da indignidade de herdeiroou legatário.

117 - Art. 1.831: o direito real de habitação deve ser estendido ao compa-nheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei nº 9.278/96,seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado peloart. 6º, caput, da CF/88.

118 - Art. 1.967, caput, e § 1º: o testamento anterior à vigência do novoCódigo Civil se submeterá à redução prevista no § 1º do art. 1.967naquilo que atingir a porção reservada ao cônjuge sobrevivente, elevadoque foi à condição de herdeiro necessário.

119 - Art. 2.004: para evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efe-tuada com base no valor da época da doação, nos termos do caput doart. 2.004, exclusivamente na hipótese em que o bem doado não maispertença ao patrimônio do donatário. Se, ao contrário, o bem aindaintegrar seu patrimônio, a colação se fará com base no valor do bem naépoca da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.014 do CPC, demodo a preservar a quantia que efetivamente integrará a legítima quan-do esta se constituiu, ou seja, na data do óbito (resultado da interpre-tação sistemática do art. 2.004 e seus parágrafos, juntamente com osarts. 1.832 e 884 do Código Civil.).

PROPOSTAS DE MODIFICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL:

120 - Proposição sobre o art. 1.526:

Proposta: deverá ser suprimida a expressão “será homologada pelo juiz”no art. 1.526, o qual passará a dispor: “Art. 1.526. A habilitação decasamento será feita perante o oficial do Registro Civil e ouvido o MinistérioPúblico.”Justificativa: Desde há muito que as habilitações de casamento são fis-calizadas e homologadas pelos órgãos de execução do Ministério Públi-co, sem que se tenha quaisquer notícias de problemas como, por exem-plo, fraudes em relação à matéria.A judicialização da habilitação de casamento não trará ao cidadão nenhu-ma vantagem ou garantia adicional, não havendo razão para mudar oprocedimento que extrajudicialmente funciona de forma segura e ágil.

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121 - Proposição sobre o art. 1.571, § 2º:

Proposta: dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conver-são, no que diz respeito ao sobrenome dos cônjuges, aplica-se o dispos-to no art. 1.578.

122 - Proposição sobre o art. 1.572, caput:

Proposta: dar ao art. 1.572, caput, a seguinte redação: “Qualquer doscônjuges poderá propor a ação de separação judicial, com fundamento naimpossibilidade da vida em comum.”

123 - Proposição sobre o art. 1.573:

Proposta: revogar o art. 1.573.

124 - Proposição sobre o art. 1.578:

Proposta: alterar o dispositivo para: “Dissolvida a sociedade conjugal, ocônjuge perde o direito à utilização do sobrenome do outro, salvo se a altera-ção acarretar:

I - evidente prejuízo para a sua identificação;

II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos daunião dissolvida;

III - dano grave reconhecido na decisão judicial.”

E, por via de conseqüência, estariam revogados os § 1º e 2º do mesmoartigo.

125 - Proposição sobre o art. 1.641, inc. II:

Redação atual: “da pessoa maior de sessenta anos”.

Proposta: revogar o dispositivo.

Justificativa: “A norma que torna obrigatório o regime da separação abso-luta de bens em razão da idade dos nubentes não leva em consideração aalteração da expectativa de vida, com qualidade, que se tem alterado dras-ticamente nos últimos anos. Também mantém um preconceito quanto àspessoas idosas que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado pata-mar etário, passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade paraalguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhorconsultar seus interesses”.

126 - Proposição sobre o art. 1.597, incs. III, IV e V:

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Proposta: alterar as expressões “fecundação artificial”, “concepção arti-ficial” e “inseminação artificial” constantes, respectivamente, dos incs.III, IV e V do art. 1.597 para “técnica de reprodução assistida”.

Justificativa: as técnicas de reprodução assistida são basicamente deduas ordens: aquelas pelas quais a fecundação ocorre in vivo, ou seja, nopróprio organismo feminino, e aquelas pelas quais a fecundação ocorrein vitro, ou seja, fora do organismo feminino, mais precisamente emlaboratório, após o recolhimento dos gametas masculino e feminino.

As expressões “fecundação artificial” e “concepção artificial” utilizadasnos incs. III e IV são impróprias, até porque a fecundação ou a concep-ção obtida por meio das técnicas de reprodução assistida é natural,com o auxílio técnico, é verdade, mas jamais artificial.

Além disso, houve ainda imprecisão terminológica no inc. V quandotrata da inseminação artificial heteróloga, uma vez que a inseminaçãoartificial é apenas uma das técnicas de reprodução in vivo; para fins doinciso em comento, melhor seria a utilização da expressão “técnica dereprodução assistida”, incluídas aí todas as variantes das técnicas dereprodução in vivo e in vitro.

127 - Proposição sobre o art. 1.597, inc. III:

Proposta: alterar o inc. III para constar “havidos por fecundação artifi-cial homóloga”.

Justificativa: para observar os princípios da paternidade responsável edignidade da pessoa humana, porque não é aceitável o nascimento deuma criança já sem pai.

128 - Proposição sobre o art. 1.597, inc. IV:

Proposta: revogar o dispositivo.

Justificativa: o fim de uma sociedade conjugal, em especial quandoocorre pela anulação ou nulidade do casamento, pela separação judicialou pelo divórcio, é, em regra, processo de tal ordem traumático para osenvolvidos que a autorização de utilização de embriões excedentáriosserá fonte de desnecessários litígios.

Além do mais, a questão necessita de análise sob o enfoque constitucio-nal.

Da forma posta e, não havendo qualquer dispositivo no novo Código

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Civil que autorize o reconhecimento da maternidade em tais casos,somente a mulher poderá se valer dos embriões excedentários, ferindode morte o princípio da igualdade esculpido no caput e no inciso I doartigo 5º da Constituição da República.

A título de exemplo, se a mulher ficar viúva, poderá, “a qualquer tem-po”, gestar o embrião excedentário, assegurado o reconhecimento dapaternidade, com as conseqüências legais pertinentes; porém, o mari-do não poderá valer-se dos mesmos embriões, para cuja formação con-tribuiu com o seu material genético, e gestá-lo em útero sub-rogado.

Como o dispositivo é vago e diz respeito apenas ao estabelecimento dapaternidade, sendo o novo Código Civil omisso quanto à maternidade,poder-se-ia indagar: se esse embrião vier a germinar em um ser huma-no, após a morte da mãe, ele terá a paternidade estabelecida e não amaternidade? Caso se pretenda afirmar que a maternidade será estabe-lecida pelo nascimento, como ocorre atualmente, a mãe será aquela quedará à luz, porém, neste caso, tampouco a paternidade poderá ser esta-belecida, uma vez que a reprodução não seria homóloga.

Caso a justificativa para a manutenção do inciso seja evitar a destruiçãodos embriões crioconservados, destaca-se que legislação posterior po-derá autorizar que venham a ser adotados por casais inférteis.

Assim, prudente seria que o inciso em análise fosse suprimido.

Porém, se a supressão não for possível, solução alternativa seria deter-minar que os embriões excedentários somente poderão ser utilizados sehouver prévia autorização escrita de ambos os cônjuges, evitando-se,com isso, mais uma lide nas varas de família.

129 - Proposição para inclusão de um art. no final do Cap. II, Subtítulo II,.Cap. XI, Título I, do Livro IV, com a seguinte redação:

“Art. 1.597, A. A maternidade será presumida pela gestação.Parágrafo único: Nos casos de utilização das técnicas de reprodução as-sistida, a maternidade será estabelecida em favor daquela que forneceu omaterial genético, ou que, tendo planejado a gestação, valeu-se da técni-ca de reprodução assistida heteróloga.”

Justificativa: no momento em que o artigo 1.597 autoriza que o

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homem infértil ou estéril se valha das técnicas de reprodução assisti-da para suplantar sua deficiência reprodutiva, não poderá o CódigoCivil deixar de prever idêntico tratamento às mulheres.

O dispositivo dará guarida às mulheres que podem gestar, abrangendoquase todas as situações imagináveis, como as técnicas de reproduçãoassistida homólogas e heterólogas, nas quais a gestação será levada aefeito pela mulher, que será a mãe socioevolutiva da criança que vier anascer.

Pretende-se, também, assegurar à mulher que reproduz seus óvulosregularmente, mas não pode levar a termo uma gestação, o direito àmaternidade, uma vez que apenas a gestação caberá à mãe sub-rogada.

Contempla-se, igualmente, a mulher estéril e que não pode levar atermo uma gestação. Essa mulher terá declarada sua maternidade emrelação à criança nascida de gestação sub-rogada na qual o materialgenético feminino não provém de seu corpo.

Importante destacar que, em hipótese alguma, poderá ser permitido ofim lucrativo por parte da mãe sub-rogada.

130 - Proposição sobre o art. 1.601:

Redação atual: “Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dosfilhos nascidos de uma mulher, sendo tal ação imprescritível.

Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têmdireito de prosseguir na ação.”

Redação proposta: “Cabe ao marido o direito de contestar a paternidadedos filhos nascidos de uma mulher, sendo tal ação imprescritível.

§ 1º. Não se constituirá a paternidade caso fique caracterizada a posse doestado de filho.

§ 2º. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito deprosseguir na ação.”

131 - Proposição sobre o art. 1.639, § 2º:

Proposta: a seguinte redação ao § 2º do mencionado art. 1.639: “Éinadmissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, salvo nas hipó-teses específicas definidas no artigo 1.641, quando então o pedido, devida-mente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto de autorizaçãojudicial, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos

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de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência dedívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade.”

132 - Proposição sobre o art. 1.647, inc. II, do novo Código Civil:

Ourtoga conjugal em aval. Suprimir as expressões “ou aval” do inc. IIIdo art. 1.647 do novo Código Civil.

Justificativa: Exigir anuência do cônjuge para a outorga de aval é afron-tar a Lei Uniforme de Genebra e descaracterizar o instituto. Ademais, aceleridade indispensável para a circulação dos títulos de crédito é in-compatível com essa exigência, pois não se pode esperar que, na cele-bração de um negócio corriqueiro, lastreado em cambial ou duplicata,seja necessário, para a obtenção de um aval, ir à busca do cônjuge e dacertidão de seu casamento, determinadora do respectivo regime de bens.

133 - Proposição sobre o art. 1.702:

Proposta: Alterar o dispositivo para: “Na separação judicial, sendo umdos cônjuges desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro pensão alimentícianos termos do que houverem acordado ou que vier a ser fixado judicialmen-te, obedecidos os critérios do art. 1.694.”

134 - Proposição sobre o art. 1.704, caput:

Proposta: Altera o dispositivo para: “Se um dos cônjuges separados judici-almente vier a necessitar de alimentos e não tiver parentes em condições deprestá-los, nem aptidão para o trabalho, o ex-cônjuge será obrigado a prestá-los, mediante pensão a ser fixada pelo juiz, em valor indispensável à sobre-vivência.”

Revoga-se, por conseqüência, o parágrafo único do art. 1.704.

§ 2º. “Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito deprosseguir na ação.”

135 - Proposição sobre o art. 1.726:

Proposta: a união estável poderá converter-se em casamento mediantepedido dos companheiros perante o oficial do Registro Civil, ouvido oMinistério Público.

136 - Proposição sobre o art. 1.736, inc. I:

Proposta: revogar o dispositivo.

Justificativa: não há qualquer justificativa de ordem legal a legitimar

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que mulheres casadas, apenas por essa condição, possam se escusar datutelar.

137 - Proposição sobre o art. 2.044:

Proposta: alteração do art. 2.044 para que o prazo da vacatio legis sejaalterado de 1 (um) para 2 (dois) anos.

Justificativa: Impende apreender e aperfeiçoar o Código Civil brasilei-ro instituído por meio da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002,tanto porque apresenta significativas alterações estruturais nas relaçõesjurídicas interprivadas, quanto porque ainda revela necessidade demelhoria em numerosos dispositivos.

Propõe-se, por conseguinte, a ampliação do prazo contido no art. 2.044,a fim de que tais intentos sejam adequadamente levados a efeito. Far-se-á, com o lapso temporal bienal proposto, hermenêutica construtivaque, por certo, não apenas aprimorará o texto sancionado, como tam-bém propiciará à comunidade jurídica brasileira e aos destinatários danorma em geral o razoável conhecimento do novo Código, imprescin-dível para sua plena eficácia jurídica e social.

Atesta o imperativo de refinamento a existência do projeto de lei deautoria do sr. relator geral do Código Civil na Câmara dos Deputados,reconhecendo a necessidade de alterar numerosos dispositivos.

Demais disso, é cabível remarcar que diplomas legais de relevo apre-sentam lapso temporal alargado de vacatio legis.

Sob o tempo útil proposto, restará ainda mais valorizado o papel deci-sivo da jurisprudência, evidenciando-se que, a rigor, um Código nãonasce pronto, a norma se faz Código em processo de construção.

TEMAS OBJETO DE CONSIDERAÇÃO PELA COMISSÃO:

A Comissão conheceu do tema suscitado quanto à indicada violação doprincípio da bicameralidade, durante a tramitação do projeto do Códi-go Civil em sua etapa final na Câmara dos Deputados, em face do art.65 da Constituição Federal de 1988, tendo assentado que a matériadesborda, nesse momento, do exame específico levado a efeito.Pronunciamento: a Comissão subscreve o entendimento segundo o

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qual impende apreender e aperfeiçoar o Código Civil brasileiro insti-tuído por meio da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, tantoporque apresenta alterações estruturais nas relações jurídicas inter-privadas, quanto porque ainda revela necessidade de melhoria emnumerosos dispositivos.Manifesta preocupação com o prazo contido no art. 2.044, a fim de quetais intentos sejam adequadamente levados a efeito. Deve-se proceder auma hermenêutica construtiva que, por certo, não apenas aprimorará otexto sancionado, como também propiciará à comunidade jurídica bra-sileira e aos destinatários da norma geral um razoável conhecimento donovo Código, imprescindível para sua plena eficácia jurídica e social.Demais disso, é cabível remarcar que diplomas legais de relevo apre-sentam lapso temporal alargado de vacatio legis.A preocupação com a exigüidade da vacatio valoriza o papel decisivo dajurisprudência, evidenciando-se, a rigor, que um Código não nasce pron-to, a norma se faz Código em contínuo processo de construção.

Comissão - Direito de Família e Sucessões

Em 12/09/2002: Presidente: Gustavo TepedinoRelator: Luiz Edson Fachin

Em 13/09/2002: Presidente: Regina Helena Afonso PontesRelator: Adriana da Silva Ribeiro

Membros: Ana Luiza Nevares

Adriana da Silva Ribeiro

Acáccio Cambi

Alfredo Abinagem

Anderson Schreiber

Bruno Lewicki

Claudia Regina Bastos Fernandes

Cláudio José Coelho Costa

Danilo Doneda

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Erika Moura Freire

Flávio Roberto de Souza

Francisco Auricélio Pontes

Francisco Roberto Machado

Giovanna Teixeira de Souza

Guilherme Calmon Nogueira da Gama

Guilherme Couto de Castro

Gustavo Tepedino

Luiz Edson Facchin

Marcia Helena Abinagem

Maria Cristina Barongeno Cukierkorn

Marianne Júdice de Mattos Farina

Regina Helena Afonso Portes

Rosana Amara Girardi Fachin

Rose Vencelau

Teresa Negreiros

Tycho Brahe Fernandes

Vivaldo Otávio Pinheiro

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Escola Paulista da Magistratura

Normas para publicação de artigos na “Revista”

1. Os trabalhos devem estar acompanhados de disquete e respectiva impres-são, com indicação de unitermos, ou palavras-chave.1.1 É recomendável o uso do processador Microsoft Word. Se, no entan-

to, for empregado outro processador, os arquivos deverão estar grava-dos no formato RTF (Rich Text Format), de leitura comum a todos osprocessadores de texto.

1.2 Recomenda-se o uso, como fonte, do Time New Roman, corpo 12,com espaço de 1.5.

1.3 Os trabalhos hão de ser precedidos de folha onde constem o título dotrabalho, o nome do autor (ou autores), endereço, telefone, fax e e-mail, bem como situação acadêmica, títulos, instituições a que per-tença e principal atividade exercida.

1.4 A bibliografia final deve obedecer às normas técnicas em vigor.

2. Não serão publicados trabalhos:2.1 com menos de quinze, ou com mais de quarenta páginas impressas;2.2 em língua estrangeira, exclusivamente; salvo a língua espanhola;2.3 já publicados em periódicos de grande circulação no meio jurídico;2.4 relativos a sentenças, acórdãos ou votos, desacompanhados de comen-

tários;2.5 que sejam meras reproduções de pareceres ou discursos;2.6 em que o autor se sirva de pseudômino.

3. Não se publicará também mais de um trabalho do mesmo autor, no mes-mo número.

4. Ao destinar o trabalho a publicação, o autor cede e transfere todo direitopatrimonial ou de utilização econômica à Escola Paulista da Magistratura.

5. Não é devida nenhuma remuneração pela cessão e publicação de traba-lhos.5.1 O autor receberá, de modo gratuito, dois exemplares da “Revista” em

cujo número seu trabalho tiver sido publicado.

6. O trabalho, recebido para seleção, não será devolvido.

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Coordenação GeralDes. Antonio Carlos Malheiros

CapaEscola Paulista da Magistratura

DiagramaçãoAmeruso Artes Gráficas

RevisãoOnélia Salum Andrade

Formato Fechado150 x 210 mm

TipologiaAGaramond, Frutiger

PapelCapa: Cartão Revestido 250g/m2

Miolo: Offset Branco 90g/m2

AcabamentoCadernos de 16pp.

costurados e colados - brochura

Tiragem3.500 exemplares

ImpressãoImprensa Oficial do Estado

Junho de 2003

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