sobrevivÊncia de adultos e estimativa …
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE BIOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA
GUILHERME SANTOS TOLEDO DE LIMA
SOBREVIVÊNCIA DE ADULTOS E ESTIMATIVA POPULACIONAL DA GUARACAVA-DE-
TOPETE-UNIFORME Elaenia cristata (AVES: TYRANNIDAE) EM FRAGMENTO DE
MATA ATLÂNTICA NO NORDESTE DO BRASIL
NATAL/RN
2013
GUILHERME SANTOS TOLEDO DE LIMA
SOBREVIVÊNCIA DE ADULTOS E ESTIMATIVA POPULACIONAL DA GUARACAVA-DE-
TOPETE-UNIFORME Elaenia cristata (AVES: TYRANNIDAE) EM FRAGMENTO DE
MATA ATLÂNTICA NO NORDESTE DO BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ecologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como um dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em Ecologia.
Orientador: Prof. Dr. Mauro Pichorim
Co-orientador: Prof. Dr. Leonardo F. França
NATAL/RN
2013
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha querida família, em especial aos meus pais Eduardo e Josilma, meu irmão
Eduardinho e à minha mais nova irmã, Mônica, pelo apoio incondicional, e que, apesar da
saudade, foram os grandes incentivadores da minha vinda à Natal.
À minha amiga, namorada e fiel companheira Phoeve Macario, por estar sempre ao meu lado
nesses tempos e ser tão importante na realização deste trabalho.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Mauro Pichorim, pelo convite, confiança, por todos
ensinamentos que me proporcionou e pelo exemplo de pessoa e profissional que é. Ao meu co-
orientador, Prof. Dr. Leonardo França, pela paciência, aprendizado, amizade e cordialidade
durante a análise dos dados.
Ao saudoso Prof. Gabriel Omar Skuk Sugliano (in memorian), querido “Gabo”, mais um
incentivador da minha vinda à Natal.
Aos professores Gabriel Costa, Márcio Zikán e Alan Ribeiro pelas contribuições ao presente
manuscrito, e aos professores do programa de Pós-graduação em Ecologia da UFRN, pelos
ensinamentos, conselhos e discussões enriquecedores, tão importantes na minha formação
durante os últimos dois anos. Agradeço aos coordenadores José Luiz Attayde e André Megali, e
também ao secretário do programa, Jair Soares, sempre atenciosos e dispostos a ajudar.
Agradeço aos amigos Tonny Marques, Damião de Oliveira e Thanyria França, que junto com
Phoeve e eu, vêm tocando este projeto de pesquisa com toda a dedicação possível.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelas bolsas de
mestrado concedidas ao programa. Aos administradores do Centro de Lançamento da Barreira
do Inferno (CLBI) por permitirem a realização deste trabalho na área.
Por fim, sou grato a todos os amigos e colegas que colaboraram nas numerosas e cansativas
atividades de campo na Barreira do Inferno: Annara Moura, Bruno França, Cleyton Oliveira,
Clarisse de Oliveira, Diogo Raposo, Elaine Bandeira, Ismael de Queiroz, Goiamir Segurado,
Honara da Silva, João Paulo Tavares, João Lucas de Sousa, José Victor, Julia Albuquerque,
Juliana Araújo, Karol Lyncoln Bezerra, Leonardo Vieira, Liana Cavalcanti, Marcelo Câmara,
Marcelo Silva, Marília Gomes, Matheus Meira, Nicolas Ruiz, Paulo Fernandes, Pedro Teófilo,
Priscila de Castro, Priscilla Sabino, Rauny Moura, Ricardo Duarte e Shirley Nascimento.
SUMÁRIO
Lista de Figuras............................................................................................................................... vi
Lista de Tabelas.............................................................................................................................. vii
Resumo.......................................................................................................................................... 01
Abstract..................................................................................................................... ..................... 02
1. Introdução................................................................................................................................. 03
2. Metodologia.............................................................................................................................. 06
2.1. Área de estudo............................................................................................................. 06
2.2. Intervalo de amostragem, captura e marcação das aves............................................. 08
2.3. Análise dos dados......................................................................................................... 11
2.3.1. Modelos de Desenho Robusto........................................................................ 11
2.3.2. Desenvolvendo os modelos e testes............................................................... 12
3. Resultados.................................................................................................................................. 16
3.1. Estimativas de captura e recaptura.............................................................................. 17
3.2. Estimativas de emigração ou dispersão temporária..................................................... 17
3.3. Estimativas de sobrevivência aparente........................................................................ 17
3.4. Parâmetros estimados pelo melhor modelo................................................................ 20
4. Discussão................................................................................................................................... 22
5. Referências bibliográficas.......................................................................................................... 27
vi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Área de estudo, constituída por um remanescente de floresta de restinga e de tabuleiro
no município de Parnamirim, Rio Grande do Norte. Em destaque, os pontos de amostragem do
estudo. Fontes: Ribeiro et al. (2009), S.O.S Mata Atlântica (2012) e Google Earth (2012).......... 07
Figura 2 - Desenho esquemático da área de amostragem utilizada para monitorar a população da
guaracava-de-topete-uniforme. As intersecções formadas pelas linhas e colunas constituem os
pontos de captura por rede-de-neblina. As regiões em vermelho e azul determinam os pontos de
amostragem por dia de campanha............................................................................................... 08
Figura 3 - Representação das oito sessões e 32 ocasiões secundárias para a amostragem da
população de Elaenia cristata na área de estudo. Baseado em Cooch & White (2012)............... 09
Figura 4 - Espécie estudada, Elaenia cristata ou guaracava-de-topete-uniforme. Assim como os
outros exemplares capturados, este foi marcado com uma anilha metálica disponibilizada pelo
CEMAVE/ICMBio, e posteriormente liberado na área de estudo. Centro de Lançamento da
Barreira do Inferno, maio de 2011. Foto: Guilherme S. T. de Lima............................................. 10
Figura 5 - Históricos de alguns exemplares da população estudada à semelhança do arquivo de
entrada no MARK. Entre barras e asteriscos se encontra o número da anilha de cada indivíduo, e
em seguida, o histórico de captura-recaptura correspondente. Cada histórico é formado por 32
termos, resultado do produto entre as oito sessões e as quatro ocasiões secundárias. O indivíduo
de anilha “94229” foi considerado transitório e excluído das análises...................................... 13
Figura 6 - Estimativas populacionais de E. cristata entre o final de 2010 e meados de 2012, em
uma área de cerca de 12 ha de mata de restinga no extremo norte de distribuição da Mata
Atlântica, Parnamirim, RN. As barras representam os intervalos de confiança de
95%................................................................................................................................................ 21
Figura 7 - Probabilidades de captura e recaptura de E. cristata em função da precipitação
acumulada entre sessões. As barras associadas às estimativas de captura e recaptura
representam os intervalos de confiança de 95%........................................................................... 21
vii
LISTA DE TABELAS
Tabela I - Parâmetros demográficos estimáveis pelos modelos de Desenho Robusto Fechado.
Baseado em Kendall et al. (1997) e Cooch & White (2012)........................................................... 12
Tabela II - Conjunto de modelos candidatos utilizados para estimar a sobrevivência aparente de
adultos e o tamanho populacional de E. cristata, no extremo norte de distribuição da Mata
Atlântica. Os modelos foram gerados com base na captura-marcação-recaptura de 43 indivíduos
entre novembro de 2010 e agosto de 2012................................................................................. 19
Tabela III - Parâmetros populacionais de E. cristata estimados de acordo com o melhor modelo
(φ(.) γ(.)(ef) p=c(pluvi) N(t)), dentre os apresentados na tabela II......................................................... 20
1
RESUMO
A sobrevivência de adultos é um parâmetro chave nos estudos de história natural e de
demografia das aves. No entanto, apenas cerca de 4% das espécies de aves neotropicais
residentes têm suas taxas de sobrevivência estimadas. Além disso, pouco se conhece da
influência de fatores ambientais e sazonais sobre este parâmetro. Este é um dos primeiros
estudos de demografia de aves realizados na Mata Atlântica nordestina, onde se pretende
estimar as taxas de sobrevivência anual e intra-anual de adultos, e o tamanho populacional de
Elaenia cristata (Aves: Tyrannidae), bem como possíveis variações em curto prazo nesses
parâmetros. Entre novembro de 2010 e agosto de 2012, capturamos, marcamos e
recapturamos 43 indivíduos adultos em um fragmento de mata de restinga e de tabuleiro, no
município de Parnamirim, RN. A partir dos históricos de captura-recaptura destes indivíduos,
utilizamos os modelos de Desenho Robusto, com auxílio do programa MARK 6.2, para estimar
taxas de sobrevivência e números populacionais. Geramos modelos testando a influência das
covariáveis tempo, ciclo reprodutivo e pluviosidade acumulada entre sessões de captura sobre
os parâmetros de probabilidade de captura (p), recaptura (c), emigração ou dispersão
temporária (γ' e γ'') e sobrevivência (φ). Dentre os 18 modelos gerados, o melhor ajustado
considerou a sobrevivência aparente como constante ao longo das sessões (φ(.)), as
probabilidades de dispersão temporária também como constantes e em movimento even flow
(γ(.) (ef)), as probabilidades de captura e recaptura iguais entre si e variando com a pluviosidade
(p=c(pluvi)), e o tamanho populacional variando entre sessões de captura (N(t)). A sobrevivência
entre sessões alcançou um valor de 0,94 ± 0,03 (SE), que corresponde a uma probabilidade de
sobrevivência anual de 78%. O tamanho populacional entre sessões foi modelado apenas em
função do tempo e, de acordo com o mesmo modelo, variou de 24 indivíduos em novembro
de 2010, a 15 em fevereiro de 2011. O modelo que atribuiu a influência da pluviosidade sobre
a sobrevivência também forneceu suporte ao conjunto de dados, porém este efeito não teve
significado biológico. Nossa estimativa de sobrevivência anual para E. cristata está entre as
maiores registradas dentre aves tropicais, e contribui com a observação geral de que a
sobrevivência anual de adultos é maior em regiões tropicais e subtropicais, do que em áreas
temperadas do hemisfério Norte. Embora os intervalos de confiança associados às estimativas
populacionais tenham apresentado grande sobreposição, a tendência populacional diferiu
entre os anos de 2011 e 2012. É provável que os baixos níveis de precipitação no início de 2012
quando comparados aos dos anos anteriores, tenham diminuído a oferta de alimento,
provocando uma dispersão de adultos da área de estudo e influenciando o sucesso
reprodutivo da espécie. Adicionalmente, a presença de Elaenia chilensis, uma espécie migrante
originária do sul do continente, pode também ter influenciado a dinâmica populacional de E.
cristata na Barreira do Inferno.
Palavras-chave: Sobrevivência anual, Elaenia cristata, demografia, desenho robusto, MARK.
2
ABSTRACT
Adult survival rates are key parameters to demography and life history studies on birds.
However, survival probabilities are known to only about 4% of resident bird species in
Neotropical realm. Additionally, our knowledge regarding variations on these survival rates as
a consequence of seasonal and environmental conditions is scarce. This is among the first bird
demography studies conducted in the Atlantic rainforest of northeastern Brazil. We focused on
estimates of adult survival rates and population size of a Neotropical passerine, Elaenia
cristata (Aves: Tyrannidae), as well as possible sources of variation on these parameters. From
November 2010 to August 2012, we mark-recaptured 43 adult birds in a tropical
semideciduous lowland forest, located in Parnamirim Municipality, RN. To obtain population
parameters we generated a set of individual capture histories and ran Robust Design models
using program MARK 6.2. We fitted models testing time, breeding seasonality and rainfall
influences on capture and recapture probabilities (p, c), temporary emigration (γ' e γ'') and
survival (φ). The best fitted model among our 18 candidate models assumed constant survival
between trapping sessions (φ(.)), temporary emigration was also constant and in even flow
movement (γ(.) (ef)), an effect of rainfall on detection probabilities (p=c(pluvi)), and time
fluctuation in population size during the study period (N(t)). The adult survival rate between
sessions was 0,94 ± 0,03 (SE), corresponding to an annual survival rate of 78%. Population size
was only modeled varying across sessions and, according to the best fitted model, it fluctuated
between 24 individuals in November 2010 and 15 in February 2011. The model which
incorporated rainfall effect on survival was also supported by the data, although this effect did
not have biological significance. Our E. cristata annual survival rate is among the highest that
have been recorded for tropical birds so far, contributing to the view that these birds have
higher survival probabilities than northern temperate species. Although confidence intervals of
population estimates overlapped, average values showed different trends between 2011 and
2012 years. It is possible that lower rainfall in early 2012 compared to previous two years, had
decreased the food supply, hence causing a dispersion of adult birds and decreasing their
reproductive success in the study area. Moreover, the presence of an austral migrant species,
Elaenia chilensis, may also have influenced E. cristata population dynamics in Barreira do
Inferno.
Key words: annual survival, Elaenia cristata, demography, robust design, MARK.
3
1. INTRODUÇÃO
As características de história de vida das espécies são um tema constante de estudo há
mais de meio século (e.g. Moreau 1944; Lack 1947, 1966; Skutch 1949, 1985; Newton 1998;
Saether & Bakke 2000; Wilson & Martin 2011). Elas são determinadas pelo conjunto de
adaptações que incrementam a relação entre um organismo e seu ambiente, influenciando
seu fitness e, consequentemente, a população à qual o organismo pertence (Stearns 1992,
Robinson et al. 2010).
Longevidade, tamanho da prole, maturidade sexual e duração do ciclo reprodutivo são
alguns exemplos, sendo as aves conhecidas por possuírem grande diversidade interespecífica e
intraespecífica destes atributos (Newton 1998, Ricklefs 2008). Frequentemente, a variação em
um desses aspectos está ligada à variação de outros, resultando em trade-offs, por exemplo,
entre investimento reprodutivo anual e longevidade. Essas estratégias de vida podem ser
organizadas ao longo de um “continuum lento-rápido” onde espécies com altas taxas de
sobrevivência e baixa fecundidade se encontram no “extremo lento”, enquanto que espécies
com baixas expectativas de vida e investimento reprodutivo intenso ocupam o “extremo
rápido” (Promislow & Harvey 1990, Ricklefs 2008, Gill 2007).
A adoção de estratégias contrastantes dentro desse continuum já é bem conhecida
entre espécies de aves de tamanhos discrepantes (Brawn et al. 1995, Newton 1998, Ricklefs
2000). Alguns estudos também revelaram como essas diferenças podem ser perceptíveis ao
longo de um gradiente altitudinal, onde as diferentes forças de seleção em baixas e elevadas
altitudes atuam para diversificar as histórias de vida de espécies filogeneticamente próximas,
ou mesmo de populações isoladas de uma única espécie (e.g. Badyaev 1997, Badyaev &
Ghalambor 2001, Bears et al. 2009, Martin et al. 2009).
Os primeiros estudos acerca da variação de estratégias de vida das aves já apontavam a
existência de outro gradiente, o latitudinal, que até o presente tem sido amplamente
4
explorado na literatura (Blake & Loiselle 2008, Robinson et al. 2010, Wilson & Martin 2011).
Nesse contexto, aves de zonas temperadas do hemisfério norte ocupam a “posição rápida” do
continuum, caracterizadas pela alta produtividade e baixa sobrevivência anual. Em contraste,
espécies tropicais e do hemisfério sul ocupam a “posição lenta”, apresentando baixas
fecundidades e altas taxas de sobrevivência anual (Martin 1996, Ricklefs 2008, Tarwater et al.
2011). Estas diferenças são atribuídas principalmente à adaptação que as últimas têm à menor
sazonalidade climática, ao suprimento mais estável de recursos ao longo do ano e às altas
taxas de predação de ninhos, características das regiões tropicais e do hemisfério sul (Martin
1996, Sandercock et al. 2000, Stutchbury & Morton 2001).
Reforçando esta hipótese, os primeiros estudos de marcação-recaptura/reavistamento
na região tropical revelaram altos valores de sobrevivência anual de adultos para várias
espécies (e.g. Snow 1962, Willis 1974, McDonald 1993, Faaborg & Arendt 1995) quando
comparados aos estimados para espécies da Europa e América do Norte (e.g. Clobert et al.
1988, Karr et al. 1990, Thomson et al. 1997). No entanto, com o desenvolvimento de análises
mais sofisticadas e com uso de dados mais representativos, novas estimativas têm mostrado
grande sobreposição de valores entre espécies tropicais, temperadas do sul e norte. Os valores
médios estimados para aves tropicais e temperadas do hemisfério sul superam em apenas ~
10% a média de sobrevivência anual de adultos de espécies do hemisfério norte (Ricklefs &
Shea 2007, Robinson et al. 2010).
Apesar destes avanços metodológicos terem viabilizado a expansão de estudos de
monitoramento populacional nos trópicos, apenas ~ 4% das espécies de aves neotropicais
residentes têm suas taxas de sobrevivência anual conhecidas e, mesmo assim, com estimativas
ainda restritas a poucas localidades (Blake & Loiselle 2008, Robinson et al. 2010, Ruiz-Gutiérrez
et al. 2012). No Brasil, estes estudos ainda são raros e recentes, a exemplo de Lima & Roper
(2009), Pichorim & Monteiro-Filho (2010), França & Marini (2010) e Silva et al. (2012).
5
A sobrevivência anual de adultos é um parâmetro chave nos estudos de história natural
das aves, e compreender porque esse atributo é tão variável representa uma questão central
dentro da teoria de história de vida (Brawn et al. 1995, Martin 1996, Ricklefs et al. 2011).
Apesar de estimada em escala anual, como na grande maioria dos estudos, a sobrevivência
pode variar em intervalos menores, como, por exemplo, entre períodos reprodutivo e não
reprodutivo de uma população. Essa variação está associada à maior demanda energética e
vulnerabilidade à predação experimentada durante a reprodução, quando comparado à
estação não reprodutiva (Cody 1966, Slagsvold & Dale 1996, Sankamethawee et al. 2011).
Além de importantes do ponto de vista evolutivo, estudos de demografia das espécies
tropicais e da sua relação com fatores ambientais também são necessários para uma melhor
compreensão dos mecanismos de persistência de suas populações (Schaefer et al. 2006, Ruiz-
Gutiérrez et al. 2012). De forma geral, estas populações estão sujeitas a flutuações temporais
em seus números, muitas vezes decorrentes da influência de fatores climáticos sobre seus
parâmetros, principalmente sobre a sobrevivência e produtividade (Grant et al. 2000,
Robinson et al. 2007, Ricklefs 2008). Na região tropical, a pluviosidade representa um fator
importante para a dinâmica das populações de aves residentes, pois está diretamente
relacionada à disponibilidade de recursos e à presença de espécies migrantes e
potencialmente competidoras (Faaborg et al. 1984, Loiselle & Blake 1992, Lloyd 1999). No
entanto, estudos que explorem os efeitos diretos e indiretos da precipitação sobre populações
tropicais são ainda pouco conhecidos (e.g. Faaborg et al. 1984, Grant et al. 2000, Schaefer et
al. 2006).
O objetivo deste estudo foi estimar parâmetros demográficos da guaracava-de-topete-
uniforme (Elaenia cristata Pelzeln, 1868), um pequeno Passeriforme neotropical para o qual
estimativas de sobrevivência aparente e de tamanho populacional são desconhecidas. A
espécie é onívora, com cerca de 15 cm de comprimento total e 18 g de massa corpórea
6
(Fitzpatrick 2004, Dunning 2008). Pode ser encontrada nas Guianas, Venezuela, Brasil, Bolívia,
Colômbia e Peru. No Brasil, distribui-se nas regiões Nordeste, Centro-oeste e Norte, mas não
se estendendo à porção central e oeste da Bacia Amazônica. Habita preferencialmente
ambientes abertos e semiabertos ricos em arbustos e árvores de pequeno porte, como matas
de restinga e cerrados até 1.500 m de altitude (Fitzpatrick 2004, Ridgely & Tudor 2009).
Neste estudo estimamos números populacionais e taxas de sobrevivência de adultos de
E. cristata, testando as seguintes hipóteses referentes à sobrevivência: (1) a sobrevivência é
constante ao longo do estudo, (2) varia com o tempo, (3) é influenciada pela pluviosidade ou
(4) pelo ciclo reprodutivo da população. Fornecemos aqui os primeiros dados acerca da
demografia de E. cristata e um dos primeiros estudos populacionais desenvolvidos no
extremo norte de distribuição da Mata Atlântica.
2. METODOLOGIA
2.1. Área de estudo
O estudo foi realizado em uma área militar da Aeronáutica, denominada Centro de
Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), situada no município de Parnamirim, Rio Grande do
Norte (05°54’S e 35°10’W) (Figura 1). A área total é de aproximadamente 1.800 ha, com a
vegetação constituída por florestas de restinga e de tabuleiro, sendo esta última classificada
como Floresta Estacional Semidecidual de Terras Baixas (IBGE 1992, Cestaro 2002).
O clima na região é definido como quente semiúmido, com período seco entre quatro e
cinco meses durante o verão e chuvas concentradas nos meses de abril, maio e junho (Nimer
1972). De acordo com a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte
(EMPARN), durante o período de execução do projeto, as temperaturas médias nos meses de
amostragem variaram entre 24-26C e a precipitação anual média registrada foi de 1.399,5
mm.
7
Por apresentar acesso restrito, devido à segurança de responsabilidade da Aeronáutica,
a região mostra poucos indícios ou quase ausência de queimadas, exploração madeireira ou da
presença de caçadores.
A área definida para o monitoramento da espécie foi constituída por um quadrante de
350 m x 350 m, totalizando cerca de 12 ha. Nessa área foram demarcados 49 pontos de
captura distantes 50 m entre si, formados por uma matriz de sete linhas e colunas (Figura 2). A
Figura 1 - Área de estudo, constituída por um remanescente de floresta de restinga e de tabuleiro no
município de Parnamirim, Rio Grande do Norte. Em destaque, os pontos de amostragem do estudo.
Fontes: Ribeiro et al. (2009), INPE/SOS Mata Atlântica (2012) e Google Earth (2013).
8
vegetação dessa porção é bastante heterogênea e cresce sobre um terreno irregular de solo
predominantemente arenoso (Figura 1).
2.2. Intervalo de amostragem, captura e marcação das aves
A coleta de dados iniciou-se em novembro de 2010 e foi encerrada em agosto de 2012,
num total de dois anos de captura-marcação-recaptura dos indivíduos. O esforço de captura
foi calculado de acordo com Straube & Bianconi (2002). A frequência de amostragem foi
trimestral, com sessões de captura nos meses de fevereiro, maio, agosto e novembro. Dentro
de cada um desses meses, tivemos quatro ocasiões secundárias, cada uma formada por dois
dias consecutivos de captura (Figura 3).
Figura 2 - Desenho esquemático da área de amostragem utilizada para monitorar a população da
guaracava-de-topete-uniforme. As intersecções formadas pelas linhas e colunas constituem os pontos
de captura por rede-de-neblina. As regiões em vermelho e azul determinam os pontos de amostragem
por dia de campanha.
9
Durante o intervalo de dois meses entre as sessões de captura a população foi
considerada “aberta”, ou seja, sujeita a ganho ou perda de indivíduos através de migrações,
nascimentos e mortes. As amostras secundárias realizadas dentro de cada sessão foram
separadas por intervalos de cinco dias, o que diminuiu consideravelmente a possibilidade de
ganhos ou perdas pela população. Dessa forma, nos intervalos entre as ocasiões secundárias a
população pôde ser considerada “fechada” (Pollock 1982, Kendall et al. 1997).
No primeiro dia de cada ocasião secundária, 25 redes eram montadas na área destacada
em vermelho (Figura 2), enquanto que no segundo dia as capturas eram realizadas nos 24
pontos restantes, delimitados em azul (Figura 2). As aves foram capturadas com auxílio de
redes-de-neblina ECOTONE® de 18 m de comprimento por 3 m de altura (cinco bolsas e 19 mm
de malha), sustentadas por estacas de alumínio e cordas de polipropileno. O esforço de
captura diário foi de 5 horas, com as redes sendo abertas entre 05h00min e 05h15min,
revisadas em intervalos de 60 minutos, e finalmente fechadas entre as 10h00min e 10h15min.
Figura 3 - Representação das oito sessões e 32 ocasiões secundárias para a amostragem da
população de Elaenia cristata na área de estudo. Baseado em Cooch & White (2012).
10
As aves capturadas eram cuidadosamente retiradas das redes, acondicionadas em sacos
de algodão identificados com o código referente ao ponto de captura, e levadas para o
acampamento para coleta de dados. Os indivíduos foram marcados no tarso esquerdo com
anilhas metálicas cedidas pelo CEMAVE/ICMBio (Figura 4). As anilhas utilizadas continham uma
combinação única de números, permitindo a identificação precisa do indivíduo em ocasiões
subsequentes de recaptura. Além de anilhadas, as aves foram pesadas com dinamômetros do
tipo Pesola® de capacidade de 50 g e precisão 0,5 g. Outros dados bionômicos foram
coletados, como presença de mudas de pena nas asas, cauda e corpo, presença de placa de
incubação (no caso das fêmeas) e infestação por ectoparasitos (ácaros de pena, malófagos,
Figura 4 - Espécie estudada, Elaenia cristata ou guaracava-de-topete-uniforme. Assim como os
outros exemplares capturados, este foi marcado com uma anilha metálica disponibilizada pelo
CEMAVE/ICMBio, e posteriormente liberado na área de estudo. Centro de Lançamento da
Barreira do Inferno, maio de 2011. Foto: Guilherme S. T. de Lima.
11
micuins e carrapatos). Ao final do processo, as aves foram liberadas no mesmo ponto em que
foram capturadas.
Em algumas ocasiões, as atividades de captura foram interrompidas por más condições
do tempo, principalmente por chuvas, nos meses de maio de 2011 e 2012. Nesse caso,
realizamos capturas complementares, no máximo dois ou três dias após o ocorrido, na
tentativa de compensar o esforço perdido e não comprometer o desenho amostral.
2.3. Análise dos dados
2.3.1. Modelos de Desenho Robusto
Para a análise dos dados utilizamos modelos de Desenho Robusto Fechado (Pollock
1982, Kendall et al. 1997). O desenho robusto combina dados de captura-recaptura de
múltiplas sessões, dentro das quais as amostragens são consecutivas e em pequenos intervalos
de tempo. Estas amostras são denominadas ocasiões secundárias, e os intervalos entre elas
devem ser suficientemente curtos a ponto de minimizar as chances de perdas ou ganhos (i.e.
nascimentos, mortes e dispersão) de indivíduos na população. Cada conjunto de ocasiões
secundárias constitui uma sessão de amostragem. Estas sessões de captura são separadas por
intervalos de tempo maiores, permitindo que a população esteja aberta para entrada e saída
de indivíduos entre os intervalos de captura (Pollock 1982, Kendall et al. 1997). Os parâmetros
que podem ser estimados pelos modelos de desenho robusto estão descritos na tabela I.
Os dois níveis de amostragem incorporados nos modelos de Desenho Robusto podem
ser interpretados como uma combinação do clássico modelo de população aberta Cormack-
Jolly-Seber (Cormack 1964, Jolly 1965, Seber 1965) com os modelos de população fechada, e.g.
Otis et al. (1978) e Huggins (1989). Esta combinação torna possível a estimativa de parâmetros
de emigração ou dispersão temporária (γ' e γ''), que são capazes de estimar a chance de um
indivíduo marcado na área de amostragem, estar “disponível” para ser recapturado nas
demais sessões (Cooch & White 2012).
12
Tabela I - Parâmetros demográficos estimáveis pelos modelos de Desenho Robusto Fechado. Baseado
em Kendall et al. (1997) e Cooch & White (2012).
Parâmetro Símbolo Descrição Estimativa
Sobrevivência aparente φ Probabilidade de um indivíduo sobreviver entre sessões.
Utiliza os intervalos entre sessões de captura das amostras primárias.
Emigração ou dispersão temporária
γ'
Probabilidade de um indivíduo marcado sobreviver a uma sessão i, mas estar fora da área de estudo durante esta sessão, dado que também estava fora na sessão i - 1.
Utiliza os intervalos entre sessões de captura das amostras primárias.
γ''
Probabilidade de um indivíduo marcado sobreviver a uma sessão i, mas estar fora da área de estudo durante esta sessão, dado que estava presente na sessão i - 1.
Usa os intervalos entre sessões de captura das amostras primárias.
Probabilidade de captura p Chance de um indivíduo ser capturado pela primeira vez.
Estimado a cada ocasião secundária.
Probabilidade de recaptura c Chance de um indivíduo marcado ser recapturado.
Estimado a cada ocasião secundária.
Tamanho populacional ou abundância
N Número estimado de indivíduos em cada sessão.
Estimado para cada sessão de captura das amostras primárias.
2.3.2. Desenvolvendo os modelos e testes
Para a análise dos dados utilizamos o programa MARK 6.2 (Cooch & White 2012),
atualmente um dos mais utilizados para gerar estimativas de parâmetros demográficos a partir
de dados de captura-marcação-recaptura. O MARK ordena os modelos gerados de acordo com
o nível de ajuste destes modelos aos dados. Os modelos são então classificados em ordem
crescente de valor do AICc (Akaike Information Criterion), onde os de menor AICc são os que
mais dão suporte as variações observadas no conjunto de dados.
O arquivo de entrada para modelos de desenho robusto no MARK é formado pelo
conjunto de históricos de encontro dos indivíduos da população. O histórico de um indivíduo
foi elaborado com base na sua presença/ausência durante as 32 ocasiões secundárias, onde
“0” significa ausência e “1” indica presença na amostra (Figura 5). Nosso conjunto de dados foi
formado pelos históricos de 43 adultos de E. cristata. Excluímos das análises os indivíduos
jovens, pela dificuldade de distingui-los dos de outras espécies de Elaenia também
13
encontradas na área. Também foram excluídos os transitórios, i.e. adultos não territoriais com
grande poder de dispersão (Winker 1998, Penteriani et al. 2011), capturados em apenas uma
ocasião secundária durante todo o estudo. Essas medidas visaram melhorar as estimativas dos
parâmetros, principalmente da sobrevivência (Johnston et al. 1997, Mcgregor et al. 2007,
Sankamethawee et al. 2011).
Geramos os modelos testando a influência de três covariáveis sobre os parâmetros de
probabilidade de captura (p), recaptura (c), emigração temporária (γ' e γ'') e sobrevivência (φ).
As covariáveis testadas foram o tempo, ciclo reprodutivo e pluviosidade acumulada entre
sessões de captura. Para testar a influência do ciclo reprodutivo em nossos modelos,
determinamos os intervalos entre fevereiro e maio de 2011 e novembro de 2011 e fevereiro
de 2012, como os de período reprodutivo da espécie, já que nesses intervalos capturamos
fêmeas com placas de incubação bem desenvolvidas. A pluviosidade foi testada como uma
variável contínua, tendo sido considerada como a precipitação acumulada entre a metade de
Figura 5 - Históricos de alguns exemplares da população estudada à semelhança do arquivo de entrada
no MARK. Entre barras e asteriscos se encontra o número da anilha de cada indivíduo, e em seguida, o
histórico de captura-recaptura correspondente. Cada histórico é formado por 32 termos, resultado do
produto entre as oito sessões e as quatro ocasiões secundárias. O indivíduo de anilha “94229” foi
considerado transitório e excluído das análises.
14
uma sessão i até a metade da sessão i + 1. Os dados de precipitação foram disponibilizados
pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN). Adicionalmente, a
dispersão temporária pôde ser modelada de quatro formas distintas: movimentos Markoviano,
aleatório, nulo e even flow. No primeiro, a probabilidade de estar disponível ou não para
captura entre as sessões i e i + 1 depende do estado de disponibilidade do indivíduo na sessão
i – 1. No movimento aleatório, a probabilidade de estar disponível entre as sessões i e i + 1
independe da condição anterior do indivíduo. O modelo de não dispersão ou nulo assume que
não há movimento entre as sessões, i.e. γ' = γ'' = 0; enquanto que no even flow, as
probabilidades de passar do estado disponível para não disponível entre sessões (γ'') e passar
do estado não disponível para disponível no mesmo intervalo (1 – γ'), são iguais (Kendall et al.
1997).
Inicialmente foi desenvolvido o seguinte modelo geral: φ(t) γ' γ''(Markoviano) p=c(t) N(t),
onde todos os parâmetros variaram com o tempo. De início, já igualamos as probabilidades de
captura (p) e recaptura (c), assumindo, assim, que não há resposta comportamental dos
indivíduos à captura. A partir desse modelo geral impomos restrições, primeiramente aos
parâmetros p e c, modelados em função da pluviosidade, do ciclo reprodutivo e como
invariantes no tempo. Dentre esses modelos iniciais foi escolhido o de menor valor de AICc, o
qual foi restringido com alterações nos parâmetros γ de emigração ou dispersão temporária
para os movimentos randômico, even flow e nulo, além das mesmas covariáveis testadas em p
e c. Finalmente, o modelo de melhor desempenho dentre os testados foi então submetido às
diferentes influências sobre a sobrevivência, a fim de se encontrar o modelo final mais bem
ajustado e, consequentemente, com parâmetros melhor estimados. A abundância ou tamanho
populacional foi modelado apenas como dependente do tempo, já que se trata de um
parâmetro derivado.
15
Antes de gerar os vários modelos explicados anteriormente, submetemos nosso modelo
geral ao Goodness of fit test (GOF) ou teste de aderência. Este procedimento inicial visa testar
a sobredispersão dos dados, sendo uma importante ferramenta na seleção do modelo inicial
mais geral que se pretende considerar para modelagem dos parâmetros (Cooch & White
2012). A partir dele, pode ser obtido um valor que representa a variação ou “sobredispersão”
dos dados em relação ao modelo global. Esse valor é conhecido como variance inflation factor
(ĉ), onde valores muito próximos a 1 indicam ausência de sobredispersão no conjunto de
dados. Esse valor estimado pode ser utilizado para corrigir o valor do AICc quando é registrado
certo nível de sobredispersão. Para este teste foi necessário modificar o conjunto de
históricos, inicialmente no formato de Desenho Robusto, para um de modelo de população
aberta Cormack-Jolly-Seber (Karanth et al. 2006). Dessa forma, as quatro ocasiões secundárias
de cada sessão foram condensadas em apenas um evento de captura, sendo então o modelo
global testado: φ(t) p(t).
Para testar o pressuposto de população fechada entre as ocasiões secundárias de cada
mês, utilizamos o programa CLOSETEST 3.0 (Stanley & Burnham 1999). Este teste é baseado
numa distribuição de χ2, e fornece componentes estatísticos que podem ser interpretados
para determinar se houve, ou não, entradas ou saídas de indivíduos na população (Stanley &
Burnham 1999). Os históricos foram mais uma vez modificados, sendo cada um dos oito
conjuntos de ocasiões secundárias avaliados separadamente.
Dentre os modelos candidatos definidos a priori, selecionamos os melhores com base no
Quasi-Akaike Information Criterion (QAICc), ajustado para pequenas amostras e que leva em
conta a sobredispersão dos dados (Burnham & Anderson 2002). Segundo este método, o
modelo melhor ajustado é o que apresenta o menor valor de QAICc. Outros componentes
importantes apresentados pelo MARK e também utilizados na escolha dos melhores modelos
foram o wQAICc, o ΔQAICc e o teste de “tamanho do efeito”. O primeiro representa o “peso”
16
proporcional de cada modelo em relação aos demais modelos candidatos, e o ΔQAICc
corresponde à diferença entre o QAICc de determinado modelo e o melhor modelo do
conjunto (Cooch & White 2012). Os modelos que apresentam ΔQAICc ≤ 2 são considerados
como tendo suporte substancial para explicar a variação nos dados (Burnham & Anderson
2002). O teste de “tamanho do efeito”, ao contrário dos critérios anteriores que comparam
modelos, é útil para estimar a magnitude do efeito de determinada covariável em um
parâmetro dentro de um único modelo (e.g. sobrevivência no período mais chuvoso vs.
período menos chuvoso). Esta diferença, chamada efeito médio da covariável, está associada a
um intervalo de confiança de 95% que representa a incerteza do efeito. Quando o intervalo de
confiança inclui o “0”, conclui-se que o efeito da covariável sobre o parâmetro não é
biologicamente válido (Cooch & White 2012).
Para obtermos o valor de sobrevivência anual, multiplicamos as estimativas de
sobrevivência aparente entre as sessões de captura dentro de um ano.
3. RESULTADOS
Entre novembro de 2010 e agosto de 2012, totalizando 423.360 h.m2 de esforço de
captura por redes-de-neblina, foram capturados e marcados 143 espécimes de Elaenia
cristata. Destes, selecionamos 43 adultos para a estimativa dos parâmetros populacionais. Os
demais corresponderam a jovens e/ou indivíduos considerados transitórios.
O teste de população fechada entre ocasiões secundárias não revelou nenhuma entrada
ou saída de indivíduos da população nas oito sessões do estudo (p = 0,43 ± 0,23; média ± DP, n
= 8). Com este resultado, concluímos que a configuração de capturas utilizada dentro de cada
sessão e as ocasiões adicionais realizadas por motivo de más condições do tempo, não
violaram o pressuposto de população fechada entre amostras secundárias. O resultado do
17
teste de aderência indicou baixa sobredispersão dos dados ao modelo global, com um valor de
ĉ = 1,082, utilizado para ajustar os AICc dos modelos candidatos.
3.1. Estimativas de captura e recaptura
Os primeiros modelos gerados a partir do modelo global foram restringidos apenas com
modificações nos parâmetros de captura e recaptura (p e c) (modelos 2 - 7, tabela II, pág. 19).
Os dois melhores modelos desse bloco (modelos 6 e 7) levaram em conta o efeito da
pluviosidade acumulada sobre a probabilidade de captura-recaptura. O modelo 7, de menor
valor de QAICc, considerou as probabilidades de captura e recaptura iguais entre si e variando
em função dos diferentes níveis de precipitação. Este foi selecionado para desenvolver os
modelos referentes aos outros parâmetros.
3.2. Estimativas de emigração ou dispersão temporária
Os dois melhores modelos dentre os testados para os parâmetros γ’ e γ’’ consideraram
esses dois componentes como constantes entre as sessões de captura, ou seja, não
influenciados pelas covariáveis tempo, pluviosidade e ciclo reprodutivo. No entanto, os
modelos 13 e 14 (Tabela II) diferiram pelo fato de que o último, e melhor ajustado, assumiu a
existência de movimento do tipo even flow. De acordo com esse tipo de movimento, as
probabilidades de passar do estado disponível para não disponível entre sessões e passar do
estado não disponível para disponível no mesmo intervalo, são iguais (γ'' = 1 – γ').
3.3. Estimativas de sobrevivência aparente
Por fim, fizemos as últimas alterações no modelo 14, já ajustado quanto aos parâmetros
de captura, recaptura e dispersão temporária. Estas alterações visaram restringi-lo quanto à
probabilidade de sobrevivência (φ).
O modelo melhor ajustado (modelo 18, tabela II) considerou a sobrevivência aparente
como constante ao longo das sessões (φ(.)). O modelo 17 alcançou um valor de ΔQAICc < 2,
18
indicando que também fornece suporte ao conjunto de dados. A diferença entre ele e o
modelo 18 está no fato de que a sobrevivência varia em função da pluviosidade, e não se
mantém constante. Juntos, os dois modelos somaram um wQAICc de 0,76, ou seja, dentre
todos modelos testados eles explicaram 76% da variação dos dados.
No entanto, ao testar o efeito da covariável pluviosidade no modelo 17, obtivemos uma
diferença média de sobrevivência entre os períodos de maior e de menor pluviosidade de
apenas 5,7%, sendo esta diferença pouco importante, dado que seu intervalo de confiança
cruzou o zero (IC 95% = - 0,13 a 0,24). A partir desses resultados, concluímos que o efeito da
pluviosidade teve pouca significância biológica e adotamos, então, o modelo 18 como o mais
apropriado para análise dos parâmetros de interesse (Tabela III, pág. 20).
O modelo que testou a influência do ciclo reprodutivo sobre a sobrevivência aparente
foi removido do conjunto de candidatos. Antes de ser excluído, ele alcançou um QAICc = 446,2
e ΔQAICc = 0,74, sendo o segundo melhor modelo em ajustamento. Porém, ele não foi capaz
de calcular corretamente as sobrevivências durante os intervalos de período reprodutivo,
estimando probabilidades muito altas (= 100%), e com seus intervalos de confiança
extrapolando o limite de 1,0. Portanto, decidimos ignorar esses parâmetros e remover o
modelo do conjunto de candidatos.
19
Tabela II - Conjunto de modelos candidatos utilizados para estimar a sobrevivência aparente de adultos e o tamanho populacional de E. cristata, no extremo norte de distribuição da Mata Atlântica.
Os modelos foram gerados com base na captura-marcação-recaptura de 43 indivíduos entre novembro de 2010 e agosto de 2012.
Modelos QAICc ΔQAICc wQAICc Nº Par. Descrição do modelo
1 φ(t) γ(m) p=c(t) N(t) 525.30 79.83 – 58 Modelo global - Sobrevivência varia com intervalo de captura, movimento Markoviano, probabilidades de captura e recaptura iguais e variando com intervalo de captura, população varia com intervalo de captura.
Modelando a probabilidade de captura (p) e recaptura (c)
2 φ(t) γ(m) p(.) c(.) N(t) 496.35 50.88 – 42 Prob. de captura e recaptura distintas e constantes.
3 φ(t) γ(m) p=c(.) N(t) 483.18 37.72 – 34 Prob. de captura e recaptura iguais e constantes.
4 φ(t) γ(m) p(ciclo) c(ciclo) N(t) 482.76 37.29 – 30 Prob. de captura e recaptura distintas e variando com ciclo reprodutivo.
5 φ(t) γ(m) p=c(ciclo) N(t) 479.10 33.64 – 28 Prob. de captura e recaptura iguais e variando com ciclo reprodutivo.
6 φ(t) γ(m) p(pluvi) c(pluvi) N(t) 475.32 29.85 – 30 Prob. de captura e recaptura distintas e variando com pluviosidade.
7 φ(t) γ(m) p=c(pluvi) N(t) 471.34 25.87 – 28 Prob. de captura e recaptura iguais e variando com pluviosidade.
Modelando a probabilidade de dispersão temporária (γ)
8 φ(t) γ(n) p=c(pluvi) N(t) 482.18 36.72 – 18 Movimento nulo.
9 φ(t) γ(r) p=c(pluvi) N(t) 469.33 23.87 – 23 Movimento aleatório.
10 φ(t) γ(ef) p=c(pluvi) N(t) 464.27 18.81 – 23 Movimento even flow.
11 φ(t) γ(pluvi) p=c(pluvi) N(t) 462.68 17.21 – 21 Dispersão temporária varia com pluviosidade.
12 φ(t) γ(ciclo) p=c(pluvi) N(t) 461.20 15.73 – 21 Dispersão temporária varia com ciclo reprodutivo.
13 φ(t) γ(.) p=c(pluvi) N(t) 458.19 12.72 – 19 Dispersão temporária constante.
14 φ(t) γ(.)(ef) p=c(pluvi) N(t) 456.03 10.56 – 18 Dispersão temporária constante com movimento even flow.
Modelando a probabilidade de sobrevivência aparente (φ)
15 φ(pluvi*ciclo) γ(.)(ef) p=c(pluvi) N(t) 450.04 4.58 0.06 15 Sobrevivência varia com pluviosidade e ciclo reprodutivo de forma interativa.
16 φ(pluvi+ciclo) γ(.)(ef) p=c(pluvi) N(t) 447.74 2.27 0.18 14 Sobrevivência varia com pluviosidade e ciclo reprodutivo de forma aditiva.
17 φ(pluvi) γ(.)(ef) p=c(pluvi) N(t) 447.39 1.92 0.21 13 Sobrevivência varia com pluviosidade.
18 φ(.) γ(.)(ef) p=c(pluvi) N(t) 445.47 0.00 0.55 12 Sobrevivência constante.
Nota: As covariáveis e categorias de movimento foram codificadas da seguinte forma: (t) tempo ou intervalo de captura, (pluvi) pluviosidade, (ciclo) ciclo reprodutivo, (.) constante; movimentos (m)
Markoviano, (r) aleatório, (n) nulo e (ef) even flow.
20
Tabela III - Parâmetros populacionais de E. cristata estimados de acordo com o
melhor modelo (φ(.) γ(.)(ef) p=c(pluvi) N(t)), dentre os apresentados na tabela II.
Parâmetro Estimativa Erro padrão Intervalo de confiança (95%)
Máx. Mín.
φ 0.94 0.03 0.98 0.85
γ' 0.69 0.06 0.80 0.56
γ'' 0.31 0.06 0.44 0.20
p=c(pluvi) 1 0.44 0.04 0.52 0.36
p=c(pluvi) 2 0.37 0.03 0.42 0.31
p=c(pluvi) 3 0.27 0.04 0.36 0.20
p=c(pluvi) 4 0.26 0.04 0.36 0.19
p=c(pluvi) 5 0.42 0.03 0.49 0.35
p=c(pluvi) 6 0.43 0.04 0.51 0.36
p=c(pluvi) 7 0.39 0.03 0.45 0.33
p=c(pluvi) 8 0.28 0.04 0.37 0.21
N(t1) 23.90 1.87 27.56 20.24
N(t2) 15.00 1.89 18.69 11.30
N(t3) 16.09 3.00 21.97 10.22
N(t4) 22.09 3.85 29.64 14.54
N(t5) 22.06 1.91 25.80 18.32
N(t6) 19.57 1.71 22.93 16.22
N(t7) 16.92 1.84 20.54 13.31
N(t8) 15.79 2.83 21.33 10.25
Nota: Com exceção dos parâmetros de sobrevivência (φ) e dispersão
temporária (γ’ e γ’’) que foram estimados como constantes nesse modelo, as
probabilidades de captura e recaptura (p e c) e o tamanho da população (N), estão
ordenados de 1 a 8, já que variaram com a pluviosidade acumulada e com as
sessões, respectivamente.
3.4. Parâmetros estimados pelo melhor modelo
A sobrevivência entre sessões foi de 94%, que corresponde a uma probabilidade de
sobrevivência anual de 78% (0,944 = 0,78).
As estimativas populacionais foram modeladas apenas em função do tempo, variando
de 24 ± 1,87 (SE) indivíduos em novembro de 2010, a 15 ± 1,89 (SE) em fevereiro de 2011. A
abundância decresceu de forma marcante logo após a primeira sessão de captura, entre
novembro/10 e fevereiro/11, recuperando-se quase que ao valor inicial até agosto/11. Uma
21
estabilização foi observada até novembro do mesmo ano, quando novamente, declinou até a
última sessão de captura (Figura 6).
Figura 6 - Estimativas populacionais de E. cristata entre o final de 2010 e meados de 2012, em uma área
de cerca de 12 ha de mata de restinga no extremo norte de distribuição da Mata Atlântica, Parnamirim,
RN. As barras representam os intervalos de confiança de 95%.
Figura 7 - Probabilidades de captura e recaptura de E. cristata em função da precipitação acumulada
entre sessões. As barras associadas às estimativas de captura e recaptura representam os intervalos de
confiança de 95%.
22
Também de acordo com o melhor modelo, os parâmetros de captura e recaptura
variaram em função da pluviosidade acumulada entre as sessões, não ultrapassando 50%.
Quando estas estimativas são apresentadas junto aos respectivos valores de precipitação,
nota-se uma tendência de aumento nas probabilidades com a diminuição dos valores de
precipitação (Figura 7).
4. DISCUSSÃO
De acordo com o primeiro modelo em ajustamento a sobrevivência aparente
permaneceu constante ao longo do estudo. O segundo melhor modelo considerou a
pluviosidade como uma covariável influente, embora o teste de tamanho do efeito não tenha
atribuído um significado biológico desta covariável sobre a sobrevivência (Cooch & White
2012). Resultados semelhantes foram encontrados por Schaefer et al. (2006) que, durante dois
anos, testaram a influência da pluviosidade sobre a sobrevivência mensal de Sylvia boehmi e S.
lugens na África Subsaariana. Para as duas espécies, os melhores modelos apontaram uma
influência da pluviosidade sobre a sobrevivência, porém de forma sutil e sem significância
biológica (e.g. variação de apenas 3% entre as estimativas para S. lugens).
Monitoramentos de curto prazo como este e o citado acima podem gerar modelos
relativamente simples, cujas estimativas de sobrevivência permanecem constantes no tempo
(Lebreton et al. 1992, Parker et al. 2006, Ruiz-Gutiérrez et al. 2012). No entanto, na região
tropical a sobrevivência também pareceu não variar em estudos de maior duração. Por
exemplo, Karr et al. (1990), em oito anos de monitoramento, estimaram sobrevivência
constante para 21 de 25 espécies estudadas, assim como Faaborg & Arendt (1995), que
relataram resultados semelhantes para sete de nove espécies residentes, num intervalo de 18
anos. O mesmo foi observado no Equador, quando quatro de cinco espécies estudadas por seis
anos, apresentaram sobrevivências constantes de acordo com o melhor modelo (Parker et al.
23
2006). Também no Equador, Blake & Loiselle (2008) em sete anos de monitoramento
encontraram sobrevivência constante para 27 de 31 espécies. Atualmente, até mesmo o
monitoramento de maior duração conhecido para a região neotropical, com 20 anos de
captura-marcação-recaptura no México, revelou estimativas constantes para as seis espécies
residentes avaliadas (Ruiz-Gutiérrez et al. 2012).
Os resultados observados nesses estudos podem indicar que a maior estabilidade de
alguns ecossistemas tropicais pode favorecer não apenas altas probabilidades de
sobrevivência de adultos, mas também, permitir que essas taxas se mantenham
temporalmente estáveis (Martin 1996, Sankamethawee et al. 2011). Em contraste, alguns
estudos realizados na América do Norte indicam que a sobrevivência pode variar anualmente
em decorrência da severidade e sazonalidade de queimadas, inundações e mudanças na
temperatura (Thomson et al. 1997, Perkins & Vickery 2001, Santisteban et al. 2012). Apenas
uma revisão de literatura mais aprofundada, de preferência comparando estudos semelhantes
quanto ao tempo de monitoramento e aos modelos utilizados, testaria a hipótese de que
espécies tropicais estão menos suscetíveis a variações na sobrevivência anual do que as
residentes em ambientes temperados do Norte.
Embora os intervalos de confiança associados às estimativas populacionais tenham
apresentado grande sobreposição, a tendência populacional de E. cristata diferiu entre os anos
de 2011 e 2012 (figura 6, pág. 21). Em 2011, os valores médios aumentaram de fevereiro a
agosto, quase alcançando o valor inicial registrado em novembro/2010. No ano seguinte, a
população parece ter declinado até a última sessão de amostragem em agosto/2012. É
provável que os baixos níveis de precipitação deste ano, quando comparados aos dos anos
anteriores, tenham diminuído a oferta de alimento, provocando uma dispersão de adultos da
área de estudo e influenciando o sucesso reprodutivo da espécie.
24
A presença de espécies migratórias na Barreira do Inferno, particularmente Elaenia
chilensis, pode também ter influenciado a dinâmica populacional de E. cristata. A E. chilensis é
uma espécie onívora e potencialmente compete por recursos alimentares semelhantes aos da
espécie estudada (Fitzpatrick 2004). No ano de 2011 foram capturados 80 indivíduos de E.
chilensis que estiveram presentes na área entre abril e junho. Em 2012, o número de
indivíduos anilhados subiu para 202, capturados entre fevereiro e junho. A chegada sazonal de
migrantes latitudinais pode provocar variações nos números populacionais de aves tropicais
residentes. A intensidade dessa migração, i.e. o número de indivíduos migrantes que se
estabelecem numa determinada área, pode variar bastante de um ano para outro, exercendo
diferentes pressões sobre as populações residentes (Loiselle & Blake 1992, Newton 2008).
Dessa forma, é possível que o declínio populacional de E. cristata observado do início até
meados de 2012 seja consequência tanto da menor disponibilidade de recursos, diretamente
relacionada à menor pluviosidade, quanto do aumento da competição interespecífica com E.
chilensis, presente na área de estudo em maior abundância quando comparado a 2011.
As probabilidades de detecção (captura-recaptura) de E. cristata atingiram os maiores
valores durante as sessões com os menores níveis de pluviosidade acumulada. Em contraste,
as chances de captura-recaptura diminuíram nas sessões mais chuvosas (figura 7, pág. 21).
Sabemos que em períodos chuvosos do ano há maior abundância de presas artrópodes em
áreas tropicais (Wolda 1978, Pinheiro et al. 2002, Jahn et al. 2010). Acreditamos que este fator
tenha diminuído o deslocamento de E. cristata em busca de presas, o que também influenciou
as probabilidades de detecção nesses períodos. Por outro lado, a diminuição na
disponibilidade de presas durante as sessões mais secas, pode ter alterado o comportamento
alimentar da espécie, onde o tempo de procura e o deslocamento em busca de presas
aumentaram. Dessa forma, E. cristata tornou-se mais propensa à captura durante estes
intervalos.
25
Nossa estimativa de sobrevivência anual para E. cristata (78%) está entre as maiores
registradas dentre aves tropicais e subtropicais (e.g. Ricklefs 1997: 67% - 84%, Woodworth et
al. 1999: 74%, Covas et al. 2004: 66%, Rangel-Salazar et al. 2008: 79%, Allcorn et al. 2012: 60 –
76%), superando em 13 pontos a sobrevivência média estimada por Robinson et al. (2010)
para espécies desta região (~ 65%). Quando comparada à probabilidade de sobrevivência
média estimada pelos mesmos autores para espécies temperadas do hemisfério Norte, de ~
55% (e.g. Thomson et al. 1997: 45%, Perkins & Vickery 2001: 48% e 53%, Wilson & Martin
2009: 35 - 59%), nossa estimativa a supera em 23 pontos.
Embora não tenham sido encontrados estudos acerca da sobrevivência aparente de
Elaenia cristata, outros tiranídeos, inclusive um congênere, tiveram suas sobrevivências
estimadas em outros estudos conduzidos na região tropical. Utilizando-se de modelos
Cormack-Jolly-Seber, Faaborg & Arendt (1995), encontraram sobrevivência de 0,72 para E.
martinica e 0,79 para Myiarchus antillarum, em Porto Rico. França & Marini (2010) estimaram
a probabilidade de sobrevivência anual para adultos reprodutores de Suiriri islerorum em 77%,
num estudo de captura-marcação-reavistamento realizado no Cerrado. Todos esses valores
são próximos ao encontrado no presente estudo e, juntos, apoiam a observação geral de que a
sobrevivência anual de adultos é maior em regiões tropicais e subtropicais do que em áreas
temperadas do hemisfério Norte.
Os resultados apresentados aqui sustentam a idéia de que a taxa de sobrevivência de
adultos na região tropical é relativamente alta e tende a não variar com o tempo, pluviosidade
e ciclo reprodutivo. No entanto, nossas estimativas devem ser interpretadas com cautela, já
que são baseadas num monitoramento de apenas dois anos e num pequeno número de
indivíduos marcados. Estimativas mais precisas de sobrevivência para a região tropical podem
ser obtidas de estudos em longo prazo, acomodando o efeito das baixas taxas de recaptura e
26
do grande poder de dispersão, características de muitas aves tropicais residentes (Parker et al.
2006, Ruiz-Gutiérrez et al. 2012).
Nossas estimativas de tamanho populacional flutuaram de forma sutil entre as sessões e
estiveram associadas a intervalos de confiança com grande sobreposição entre si. Apesar
destas estimativas corresponderem à abundância de adultos residentes, acreditamos que eles
representem uma parcela significativa da população e que, gerem estimativas próximas à do
tamanho populacional esperado na área. Da mesma forma que a sobrevivência aparente, os
números populacionais podem alcançar valores mais precisos com a continuidade da coleta de
dados, permitindo que se avalie melhor a influência de espécies competidoras e da
disponibilidade de recursos sobre seus valores.
Por fim, é importante ressaltar que trabalhos acerca da demografia de aves são pouco
numerosos no Brasil (e.g. Pichorim & Monteiro-Filho 2010 e França & Marini 2010) e até o
momento, desconhecidos para a região nordeste. A expansão destes estudos no Brasil é
crucial para um maior conhecimento das taxas de sobrevivência e da dinâmica das populações
naturais. Os resultados alcançados representariam um importante avanço na compreensão da
evolução dos atributos de história de vida das aves tropicais, e na adoção de medidas para seu
manejo e conservação.
27
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Allcorn, R. I., Hilton, G. M., Fenton, C., Atkinson, P. W., Bowden, C. G. R., Gray, G. A. L., Hulme,
M., Madden, J., Mackley, E. K. & Oppel, S. 2012. Demography and breeding ecology of
the critically endangered Montserrat Oriole. The Condor, 114(1): 227–235.
Badyaev, A. V. 1997. Avian life history variation along altitudinal gradients: an example with
Cardueline finches. Oecologia, 111: 357–364.
Badyaev, A. V. & Ghalambor, C. K. 2001. Evolution of life histories along elevational gradients:
trade-off between parental care and fecundity. Ecology, 82(10): 2948–2960.
Bears, H., Martin, K. & White, G. C. 2009. Breeding in high-elevation habitat results in shift to
slower life-history strategy within a single species. Journal of Animal Ecology, 78: 365–
375.
Blake, J. G. & Loiselle, B. A. 2008. Estimates of apparent survival rates for forest birds in
eastern Ecuador. Biotropica, 40(4): 485–493.
Brawn, J. D., Karr, J. R. & Nichols, J. D. 1995. Demography of Birds in a Neotropical Forest:
effects of Allometry, Taxonomy, and Ecology. Ecology, 76(1): 41–51.
Burnham, K. P. & Anderson, D. R. 2002. Model selection and inference: a practical information-
theoretic approach. Springer-Verlag, New York, USA.
Cestaro, L. A. 2002. Fragmentos de Florestas Atlânticas no Rio Grande do Norte: Relações
estruturais, florísticas e fitogeográficas. Tese de Doutorado. Universidade Federal de São
Carlos. São Carlos – SP. 149p.
28
Clobert, J., Perrins, C. M., McCleery, R. H. & Gosler, A. G. 1988. Survival rate in the Great Tit
Parus major in relation to sex, age, and immigration status. Journal of Animal Ecology,
57: 287–306.
Cody, M. L. 1966. A general theory of clutch size. Evolution, 20(2): 174–184.
Cooch, E. & White, G. 2012. Program MARK: A Gentle Introduction.
Cormack, R. M. 1964. Estimates of survival from the sighting of marked animals. Biometrika,
51(3): 429–438.
Covas, R., Brown, C. R., Anderson, M. D. & Brown, M. B. 2004. Juvenile and adult survival in the
Sociable Weaver (Philetairus socius), a southern temperate colonial cooperative breeder
in Africa. Auk, 121: 1199–1207.
Dunning, J. B. Jr. 2008. CRC Handbook of Avian Body Masses. CRC Press Taylor & Francis
Group, Boca Raton, USA.
Faaborg, J., Arendt, W. J. & Kaiser, M. S. 1984. Rainfall correlates of bird population
fluctuations in a Puerto Rican dry forest: a nine year study. The Wilson Bulletin, 96(4):
575–593.
Faaborg, J. & Arendt, W. J. 1995. Survival rates of Puerto Rican birds: are islands really that
different? The Auk, 112(2): 503–507.
Fitzpatrick, J. W. 2004. Family Tyrannidae (Tyrant-Flycatchers). Pp. 170–462 in: del Hoyo, J.,
Elliott, A. & Christie, D. A. Eds. Handbook of the Birds of the World. Vol. 9. Cotingas to
Pipits and Wagtails. Lynx Edicions, Barcelona, Spain.
29
França, L. F. & Marini, M. Â. 2010. Negative population trend for Chapada Flycatchers (Suiriri
islerorum) despite high apparent annual survival. Journal of Field Ornithology, 81(3):
227–236.
Gill, F. B. 2007. Ornithology. W. H. Freeman and Company, New York, USA.
Grant, P. R., Grant, B. R., Keller, L. F. & Petren, K. 2000. Effects of El Ninõ events on Darwin’s
Finch productivity. Ecology, 81(9): 2442–2457.
Huggins, R. M. 1989. On the statistical analysis of capture experiments. Biometrika, 76: 133–
140.
IBGE. 1992. Manual técnico da vegetação brasileira. Série Manuais Técnicos de Geociências nº
1. DEDIT/CDDI, Rio de Janeiro, Brasil.
Jahn, A. E., Levey, D. J., Mamani, A. M., Saldias, M., Alcoba, A., Ledezma, M. J., Flores, B., Vidoz,
J. Q. & Hilarion, F. 2010. Seasonal differences in rainfall, food availability, and the
foraging behavior of Tropical Kingbirds in the southern Amazon basin. Journal of Field
Ornithology, 81(4): 340–348.
Jolly, G. M. 1965. Explicit estimates from capture-recapture data with both death and
immigration-stochastic model. Biometrika, 52(1): 225–247.
Johnston, J. P., Peach, W. J., Gregory, R. D. & White, S. A. 1997. Survival rates of tropical and
temperate passerines: a Trinidadian perspective. The American Naturalist, 150(6): 771–
789.
Karanth, K. U., Nichols, J. D., Kumar, N. S. & Hines, J. E. 2006. Assessing tiger population
dynamics using photographic capture–recapture sampling. Ecology, 87(11): 2925–2937.
30
Karr, J. R., Nichols, J. D., Klimkiewicz, M. K. & Brawn, J. D. 1990. Survival rates of birds tropical
and temperate forests: Will the dogma survive? The American Naturalist, 136: 277–291.
Kendall, W. L., Nichols, J. D. & Hines J. E. 1997. Estimating temporary emigration using
capture–recapture data with Pollock’s Robust Design. Ecology, 78(2): 563–578.
Lack, D. 1947. The significance of clutch-size. Ibis, 89: 302–352.
Lack, D. 1966. Population Studies of Birds. Oxford University Press, London, UK.
Lebreton, J. D., Burnham, K. P., Clobert, J. & Anderson, D. R. 1992. Modeling survival and
testing biological hypotheses using marked animals: a unified approach with case
studies. Ecological Monographs, 62(1): 67–118.
Lima, A. M. X. de & Roper, J. J. 2009. Population dynamics of the black-cheeked gnateater
(Conopophaga melanops, Conopophagidae) in southern Brazil. Journal of Tropical
Ecology, 25: 605–613.
Lloyd, P. 1999. Rainfall as a breeding stimulus and clutch size determinant in South African
arid-zone birds. Ibis, 141: 637–643.
Loiselle, B. A. & Blake, J. G. 1992. Population variation in tropical bird community –
Implications for conservation. BioScience, 42(11): 838–845.
Martin, E. T. 1996. Life history evolution in tropical and south temperate birds: What do we
really know? Journal of Avian Biology, 27(4): 263–278.
Martin, M., Camfield, A. F. & Martin, K. 2009. Demography of an alpine population of
Savannah Sparrows. Journal of Field Ornithology, 80(3): 253–264.
31
McDonald, D. B. 1993. Demographic consequences of sexual selection in the long-tailed
manakin. Behavioral Ecology, 4: 297–309.
McGregor, R., Whittingham, M. J. & Cresswell, W. 2007. Survival rates of tropical birds in
Nigeria, west Africa. Ibis, 149: 615–618.
Moreau, R. E. 1944. Clutch-size: A comparative study, with special reference to African birds.
Ibis, 86: 286–347.
Newton, I. 1998. Population Limitation in Birds. Academic Press, San Diego, USA.
Newton, I. 2008. The Migration Ecology of Birds. Academic Press, London, UK.
Nimer, E. 1972. Climatologia da região Nordeste do Brasil: Introdução à climatologia dinâmica.
Revista Brasileira de Geografia, 34(1): 3–51.
Otis, D. L., Burnham, K. P., White, G. C. & Anderson, D. R. 1978. Statistical inference from
capture data on closed animal populations. Wildlife Monographs, 62: 3–135.
Parker, T. H., Becker, C. D., Sandercock, B. K. & Agreda, A. E. 2006. Apparent survival estimates
for five species of tropical birds in an endangered forest habitat in Western Ecuador.
Biotropica, 38(6): 764–769.
Penteriani, V., Ferrer, M. & Delgado, M. M. 2011. Floater strategies and dynamics in birds, and
their importance in conservation biology: towards an understanding of nonbreeders in
avian populations. Animal Conservation, 14: 233–241.
Perkins, D. W. & Vickery, P. D. 2001. Annual survival of an endangered passerine, the Florida
Grasshopper Sparrow. Wilson Bulletin, 113(2): 211–216.
32
Pichorim, M. & Monteiro-Filho, E. L. A. 2010. Population size, survival, longevity, and
movements of the Biscutate Swift in Southern Brazil. Annales Zoologici Fennici, 47: 123–
132.
Pinheiro, F., Diniz, I. R., Coelho, D. & Bandeira, M. P. S. 2002. Seasonal pattern of insect
abundance in the Brazilian Cerrado. Austral Ecology, 27: 132–136.
Pollock, K. H. 1982. A capture–recapture design robust to unequal probability of capture.
Journal of Wildlife Management, 46: 757–760.
Promislow, D. E. L. & Harvey, P. H. 1990. Living fast and dying young: a comparative analysis of
life history variation in mammals. Journal of Zoology, 220: 417–437.
Rangel-Salazar, J. L., Martin, K., Marshall, P. & Elner, R. W. 2008. Population dynamics of the
ruddy-capped nightingale thrush (Catharus frantzii) in Chiapas, Mexico: influences of
density, productivity and survival. Journal of Tropical Ecology, 24: 583–593.
Ribeiro, M. C., Metzger, J. P., Martensen, A. C., Ponzoni, F. J., Hirota, M. M. 2009. The Brazilian
Atlantic Forest: How much is left, and how is the remaining forest distributed?
Implications for conservation. Biological Conservation, 142: 1141–1153.
Ricklefs, R. E. 1997. Comparative demography of new world populations of thrushes (Turdus
spp.). Ecological Monographs, 67(1): 23–43.
Ricklefs, R. E. 2000. Density dependence, evolutionary optimization, and the diversification of
avian life histories. The Condor, 102: 9–22.
Ricklefs, R. E. 2008. The Economy of Nature. W. H. Freeman and Company, New York, USA.
33
Ricklefs, R. E. & Shea, R. E. 2007. Estimating annual survival in sexually dimorphic species from
proportions of first-year birds. Ecology, 88(6): 1408–1419.
Ricklefs, R. E., Toshi, T. & Shea, R. E. 2011. Annual adult survival in several new world passerine
birds based on age ratios in museum collections. Journal of Ornithology, 152: 481–495.
Ridgely, R. S. & Tudor, G. 2009. Birds of South America - Passerines. Christopher Helm, London,
UK.
Robinson, R. A., Baillie, S. R. & Crick, H. Q. P. 2007. Weather-dependent survival: implications
of climate change for passerine population processes. Ibis, 149: 357–364.
Robinson, W. D., Hau, M., Klasing, K. C., Wikelski, M., Brawn, J. D., Austin, S. H., Tarwater, C. E.
& Ricklefs, R. E. 2010. Diversification of life histories in New World birds. The Auk,
127(2): 253–262.
Ruiz-Gutiérrez, V., Doherty Jr., P. F., Santana, E. C., Martínez, S. C., Schondube, J., Munguía, H.
V. & Iñigo-Elias, E. 2012. Survival of resident neotropical birds: considerations for
sampling and analysis based on 20 years of bird-banding efforts in Mexico. The Auk,
129(3): 500−509.
Saether, B. E. & Bakke, O. 2000. Avian life history variation and contribution of demographic
traits to the population growth rate. Ecology, 81(3): 642–653.
Sandercock, B. K., Beissinger, S. R., Stoleson, S. H., Melland, R. R. & Hughes, C. R. 2000. Survival
rates of a neotropical parrot: Implications for latitudinal comparisons of avian
demography. Ecology, 81(5): 1351–1370.
34
Sankamethawee, W., Pierce, A. J., Hardesty, B. D. & Gale, G. A. 2011. Seasonal variability in
survivorship of a cooperatively breeding tropical passerine. Ecological Research, 26(2):
429–436.
Santisteban, L., Benkman, C. W., Fetz, T. & Smith, J. W. 2012. Survival and population size of a
resident bird species are declining as temperature increases. Journal of Animal Ecology,
81: 352–363.
Schaefer, H. C., Eshiamwata, G. W., Munyekenye, F. B., Griebeler, E. M. & Böhning-Gaese, K.
2006. Monthly survival of African Sylvia Warblers in a seasonally arid tropical
environment. Ibis, 148: 411–424.
Seber, G. A. F. 1965. A note on the multiple-recapture census. Biometrika, 52(1): 249–259.
Silva, J. V. C. e, Conceição, B. S. da & Anciães, M. 2012. Uso de florestas secundárias por aves
de sub-bosque em uma paisagem fragmentada na Amazônia central. Acta Amazonica,
42(1): 73–80.
Skutch, A. F. 1949. Do tropical birds rear as many young as they can nourish? Ibis, 91: 430–455.
Skutch, A. F. 1985. Clutch size, nesting success, and predation on nests of Neotropical birds,
reviewed. Ornithological Monographs, 36: 575–594.
Slagsvold, T. & Dale, S. 1996. Disappearance of female Pied Flycatchers in relation to breeding
stage and experimentally reduced molt. Ecology, 77: 461–471.
Snow, D. W. 1962. A field study of the Black and White Manakin, Manacus manacus, in
Trinidad. Zoologica, 47: 65–104.
35
Stanley, T. R. & Burnham, K. P. 1999. A closure test for time-specific capture-recapture data.
Environmental and Ecological Statistics, 6: 197–209.
Stearns, S. C. 1992. The evolution of life histories. Oxford University Press, Oxford, UK.
Straube, F. C. & Bianconi, G. V. 2002. Sobre a grandeza e a unidade utilizada para estimar o
esforço de captura com utilização de redes-de-neblina. Chiroptera Neotropical, 8(1-2):
150–152.
Stutchbury, B. J. M. & Morton, E. S. 2001. Behavioral ecology of tropical birds. Academic Press,
London, UK.
Tarwater, C. E., Ricklefs, R. E., Maddox, J. D. & Brawn, J. D. 2011. Pre-reproductive survival in a
tropical bird and its implications for avian life histories. Ecology, 92(6): 1271–1281.
Thomson, D. L., Baillie, S. R. & Peach, W. J. 1997. The demography and age-specific annual
survival of a song thrushes during periods of population stability and decline. Journal of
Animal Ecology, 66: 414–424.
Willis, E. O. 1974. Populations and local extinctions of birds on Barro Colorado Island, Panama.
Ecological Monographs, 44: 153–169.
Wilson, S. & Martin, K. 2011. Life-history and demographic variation in an alpine specialist at
the latitudinal extremes of the range. Population Ecology, 53: 459–471.
Winker, K. 1998. The concept of floater. Ornitologia Neotropical, 9(2): 111–119.
Wolda, H. 1978. Seasonal fluctuations in rainfall, food and abundance of tropical insects.
Journal of Animal Ecology, 47(2): 369–381.