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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO RITA DE CÁSSIA SANTANA DE OLIVEIRA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: macro/micropolíticas e etnométodos para permanência estudantil na Educação Básica Salvador 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

RITA DE CÁSSIA SANTANA DE OLIVEIRA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:

macro/micropolíticas e etnométodos para permanência

estudantil na Educação Básica

Salvador

2019

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RITA DE CÁSSIA SANTANA DE OLIVEIRA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:

macro/micropolíticas e etnométodos para permanência

estudantil na Educação Básica

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia, como pré-requisito para aprovação no doutorado. Linha de pesquisa: Currículo e (In) Formação Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo

Salvador

2019

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Ficha catalográfica elaborada por: Eliana Caralho / CRB -5/1100

O48 Oliveira, Rita de Cássia Santana de. Educação de Jovens e Adultos: macro/micropolíticas e etnométodos para permanência estudantil na Educação Básica / Rita de Cássia Santana de Oliveira. – Salvador, 2019. 184f. Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Fede ral da Bahia, Faculdade de Educação/Programa de Pós- Graduação em Educação, 2019. 1. Educação de Jovens e Adultos. 2. Etnométodos. 3. Macro/micropolíticas. 4. Políticas de Permanência Estu- dantil. 5. Educação Básica. I. Título. II. Macedo, Roberto Sidnei (Orientadora). III. Universidade Federal da Bahia.

CDD 374

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RITA DE CÁSSIA SANTANA DE OLIVEIRA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:

macro/micropolíticas e etnométodos para permanência

estudantil na Educação Básica

Tese apresentada ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação,

Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obte-

ção do grau de Doutora em Educação.

Salvador 14 de março de 2019.

Roberto Sidnei Macedo – Orientador ______________________________________

Pós-Doutor em Teoria de Currículo pela Universidade do Minho, Portugal

Universidade Federal da Bahia

Denise Moura de Jesus Guerra __________________________________________

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil

Universidade Federal da Bahia

Maria Ornélia Marques da Silveira ________________________________________

Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo, Brasil

Universidade Federal da Bahia

Moema Ferreira Soares ________________________________________________

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil

Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia

Silvia Michele Lopes Macedo de Sá ______________________________________

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Tânia Regina Dantas __________________________________________________

Doutora em Educação pela Uniersitat Autònoma de Barcelona, Espanha

Universidade do Estado da Bahia

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À Marcony, meu esposo e companheiro, que,

com seu afeto e parceria contribuiu para a

realização deste trabalho se tornasse mais leve.

Ao meu filho José Neto, expressão de vida e

inspiração para me tornar um pouco melhor a cada dia.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente, a Deus e à Espiritualidade, pela condição de acesso

e permanência nessa etapa de estudo que ainda se constitui um espaço para pou-

cos (as), assim como força para a concretização desse trabalho;

Aos meus pais Marizete e Antônio (in memoriam), de cujas histórias lembrei-

me, durante muitos momentos da escrita – histórias de superação na luta pela reali-

zação de seus sonhos, e que nos tornaram mais fortes. Sempre presentes!

Às minhas irmãs Ana, Kátia e ao meu irmão Mário, pelas palavras e ações ca-

rinhosas de amparo e força, nesse e em vários momentos da minha vida. Sem a

ajuda de vocês, essa caminhada seria muito mais difícil!

Ao meu orientador, Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo, que, de forma ética, cui-

dadosa e competente, orientou-me durante todo o processo de doutoramento, o que

tornou essa produção muito mais leve e possível. Minha gratidão!

As professoras convid\adas da banca

A Eli, trabalhadora/estudante que, na fase adulta, após dezesseis anos, con-

seguiu concluir a Educação Básica, sempre driblando os desafios para conciliar vida

pessoal, trabalho e estudo. Amizade construída e regada com risos e muita parceria,

principalmente nos momentos mais difíceis de minha vida. Sempre grata!

A Zete, Isa, Berna Chele e Dene: amigas-irmãs, presentes que a Vida me

deu... Obrigada pelas orações, sabedorias, risos e sisos. Feliz encontro!

Aos amigos e às amigas de longas datas que tive a grata satisfação de en-

contrar na vida, meu muito obrigada!

Aos (Às) colegas do FORMACCE/UFBA, pelas parcerias e aprendizagens nas

itinerâncias formativas;

Às colegas da PROGRAD/UNEB, que, apesar do volume e densidade das

nossas ações, externavam sempre a alegria e o riso largo;

Aos (Às) colegas do DEDC XI/ UNEB, pelas ricas tessituras profissionais du-

rante meu ingresso na UNEB. Obrigada pelo carinho e respeito!

Aos colegas DEDC I/ UNEB, pelo acolhimento respeitoso, bem como pelas ri-

cas parcerias que estão sendo tecidas;

Aos (Às) colegas da Escola Municipal Comunitária da Histarte, pelas trocas

de saberes e parcerias!

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Aos (às) estudantes, professores (as), gestores (as) e demais profissionais

das escolas investigadas que me acolheram tão bem e que de forma aguerrida

lutaram para que as suas portas não fechassem. A luta não foi em vão, vamos (re)

existir de outras formas e em outras condições.

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RESUMO

A presente tese apresenta como centralidade a compreensão das ma-cro/micropolíticas e etnométodos para a permanência de jovens e adultos (as) na Educação Básica. No plano teórico, orienta-se pelos conceitos de etnométodos e macro/micropolíticas e, no plano metodológico, pelas práticas de pesquisas do tipo etnográficas, por meio da Etnopesquisa Contrastiva. Assim, tomando como ponto de partida dois estudos de caso, apresenta como objetivos: 1) compreender a perspec-tiva dos diversos segmentos que compõem a EJA no que diz respeito à formação nesta modalidade de educação e às políticas de permanência estudantil; 2) compre-ender como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na vivência dos (as) jovens e adultos (as) da EJA, bem como os tempos de sobrevivência e traba-lho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza; 3) descrever os etnométodos que são construídos pelos (as) jovens e adultos (as) ao longo de sua formação no con-texto da EJA, a fim de permanecer e concluir este processo formativo; e, 4) reco-nhecer, nas ações dos diferentes segmentos que compõem esta modalidade de en-sino, indicadores para a formulação de políticas de permanência estudantil na EJA. A pesquisa foi realizada em duas escolas da rede estadual de ensino localizadas no município de Salvador, que se constituíram em casos a partir dos quais a pesquisa foi desenvolvida; uma delas ofertava cursos de EJA nos turnos diurno e noturno, en-quanto a outra funcionava exclusivamente no noturno e foi criada para ofertar cursos da Educação Básica para jovens e adultos (as) trabalhadores (as). Por meio da pes-quisa contrastiva, buscou-se identificar relacionalmente e, portanto, entre os casos, singularidades e contrastes, onde foi possível perceber nas narrativas dos (as) ato-res (atrizes) sociais maneiras peculiares para lidar com a permanência estudantil na Educação Básica. A compreensão dos etnométodos produzidos pelos (as) atores (atrizes) sociais, assim como as micropolíticas produzidas pelas escolas investiga-das em prol da permanência de estudantes jovens e adultos (as) para a conclusão dos estudos na Educação Básica constituem o caminho trilhado para esta análise, que resultou na construção das categorias compreensivas. Dentre outros aspectos, percebeu-se que as condições pelas quais os (as) estudantes trabalhadores (as) dão continuidade aos estudos na Educação Básica ainda requer um esforço indivi-dual tamanho, o qual, em muitos casos, gera reincidência na desistência dos estu-dos. Assim, muitos etnométodos produzidos pelos (as) estudantes trabalhadores (as) para driblar esses desafios precisam ser identificados, compreendidos e con-templados tanto nas micropolíticas das escolas quanto nas macropolíticas, no âmbi-to do Estado. Eles funcionam como um índice, apontando não apenas para a criati-vidade e a capacidade de resistência e luta dos (as) atores e atrizes sociais, mas também para as ausências no campo das políticas públicas. Um exemplo disso é quando os (as) estudantes trabalhadores (as) reportam-se ao deslocamento entre casa/trabalho/escola, pois aí estão a falar de etnométodos produzidos para dar con-ta dessa mobilidade urbana, bem como tocam em questões intimamente relaciona-das, como o quantitativo de escolas que ofertam cursos de EJA nessas localidades, assim como remetem à oferta de cursos de EJA em diversos turnos de funciona-mento da escola, além da manutenção de linhas de ônibus em horários compatíveis com os horários de estudo, denunciando as ausências no campo das políticas de mobilidade. No âmbito das micropolíticas produzidas pelas escolas, por sua vez, no-ta-se, a partir dos relatos dos etnométodos, a importância de incluir o estudo sobre o processo de escuta enquanto pauta para formação de professores (as) e gestores (as) que atuam na Educação de Jovens e Adultos, condição fundante para a

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compreensão das condições de vida e de estudo desses (as) atores (atrizes) sociais curriculantes, bem como para promover a permanência. Os resultados indicam, pois, que é na potência do inexistente que residem as micropolíticas, ou seja, a produção das micropolíticas dos (as) jovens e adultos trabalhadores (as) que re(existem), ten-sionando a criação de políticas públicas de permanência estudantil na Educação Básica que se aproximem de suas necessidades.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Etnométodos. Ma-

cro/micropolíticas. Políticas de Permanência Estudantil. Educação Básica.

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ABSTRACT

The present thesis takes as its core the understanding of macro / micropolitics and ethnomethods for permanence of young people and adults in Basic Education. At the theoretical level, it is guided by the concepts of ethno-methods and macro / mi-cropolitics and, at the methodological level, by ethnographic research practices, through Contrastive Ethnopooking. Taking as its starting point two case studies, the objectives of the study are as follows: 1) to understand the perspective of the various segments that make up the EJA with regard to training in this type of education and student permanence policies; 2) to understand how life and school trajectories are interwoven in the experience of the youth and adults of the EJA, as well as the sur-vival and work times, so typical of youth and adult life in poverty; 3) describe the eth-nomethods that are built by the young people and adults throughout their formation in the context of the EJA in order to stay and conclude their educational process; and 4) to recognize, in the actions of the different segments that make up this modality of education, indicators for the formulation of student stay policies in the EJA. The re-search was carried out in two schools of the state education network, which are lo-cated in the city of Salvador, and were taken as cases from which the research was developed; one of them offered EJA courses in the day and night shifts, while the other worked exclusively at night and was created to offer Basic Education courses for youth and adult workers. Through contrastive research, it was sought to identify relationally and, therefore, among the cases, singularities and contrasts, where it was possible to perceive in the narratives of the social actors (actresses) peculiar ways to deal with student permanence in Basic Education. The understanding of the ethno-methods produced by the social actors, as well as the micropolitics produced by the schools investigated in favor of the stay of young students and adults for the comple-tion of the studies in Basic Education, are the path taken for this analysis, which re-sulted in the construction of comprehensive categories. Among other aspects, it was noticed that the conditions by which the student workers continue their studies in Basic Education still requires an individual effort, which, in many cases, leads to re-currence in the dropping out os school. Thus, many ethnomethods produced by working students to overcome these challenges need to be identified, understood, and contemplated in both the school micropolitics and macro policies within the state. They act as an index, pointing not only to the creativity and resilience and struggle of social actors and actresses, but also to absences from public policies. An example of this is when the student workers report the displacement between home / work / school, because they are talking about ethnomethods produced to deal with this ur-ban mobility, as well as touching on issues related to them , such as the number of schools that offer EJA courses in these localities, as well as refer to the EJA courses offered in various shifts of the school, as well as the maintenance of bus lines sched-uling compatible with study routines, denouncing absences in the field of mobility pol-icies. In the context of the micropolitics produced by the schools, in turn, it can be noticed, from the reports of the ethnomethods, the importance of including the study on the listening process as well as the teacher training and managers who work in youth and adult education, a fundamental condition for understanding the living con-ditions and the study of these social actors, as well as to promote permanence. Re-sults suggest, therefore, that micropolitics, that is, the production of micropolitics by working youths and adults that re (exist), should lead to the creation of public policies of permanence in basic education that are close to their needs.

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Keywords: Youth and Adult Education. Ethnomethods. Macro/micropolitics. Student

Permanence Policies. Basic education.

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RESUMEN

En esta tesis se presenta como centralidad la compreensión de las ma-cro/micropolítcas y etnométodos para la permanencia de jovens y adultos (as) en la Educación Básica. En el plano teórico orienta se pelos conceptos de etnométodos y macro/micro políticas y, en el plano metodológico, por las práticas de investigaciones del tipo etnográficas, través de la Etnoinvestigación Contrastiva. Así, pues, en se tomando como puento de partida dos estudios de caso, presenta como objetivos : 1) la comprensión de la perspetiva de los diversos artejos que componen la EJA, en lo que diz respeto a la formación en esta modalidad de educación y a las políticas de permanencia de los estudiantes ; 2) la comprensión de como se entrelaçan trayeto-rias de vida y trayetorias de escuela en la vivencia de los (las) jovens y de los (las) adultos (as) de la EJA, bién como el tiempo de supervivencia y trabajo, muy típico de la vida joven y adulta en la pobreza ; 3) la descrición de los etnométodos constru-ídos por los (las) jovens y adultos (as) en el longo processo de su formación en la EJA, con la finalidad de permanencia y conclusión en este processo de formación ; y, 4) el reconocimiento, en las aciones de los diversos artejos que componen esta modalidad de ensinãnza, de los indicadores para la formulación de políticas de per-manencia de los (las) estudiantes en la EJA. La investigación ha sido hecha en dos escuelas estaduales de la ciudad de Salvador, que se constituiran en casos a partir de los cuales esta investigación ha tenido su desarrollo ; en una, eran ofrecidos cur-sos en el dia y en la noche ,en la otra solamente habian cursos en la noche y habia sido criada para en ella se ofreceren cursos de la Educación Básica para jovens y adultos (as) trabajadores (as). Través de la investigación contrastiva se ha buscado, con racionalidad, y, pues, entre los casos, la identificación de singularidades y con-trastes, cuando se fué possible percebir , en las narraciones de actores y de actrizes sociales, mañeras peculiares para trabajar com la permanencia de los estudiantes en la Educación Básica. La comprensión de los etnométodos producidos por los ac-tores y por las actrizes sociales, bién como las micropolíticas producidas por las es-cuelas em investigación, en favor de la permanencia de los (las) estudiantes jovens y de adultos (as) para la conclusión de los estudios en la Educacón Básica, se cons-tituen en el caminho percorrido para esta analisis la cual ha resultado en la constru-ción de las categorias compreensivas. Dentre otros aspetos, se ha percebido que las condiciones por las cuales trabajadores (as) jovens y adultos (as) dan continuidad a sus estudios en la Educación Básica requieren de ellos y ellas un esfuerzo individual muy grande, lo cual, en muchos casos, resulta en reincidencia de la desistencia de los estudios. Así, muchos de los etnométodos producidos por los (las) estudiantes trabajadores (as) para el enfrentamiento a eses desafios precisan de identificación, de comprensión y de una mirada especial, tanto por las micropolíticas de las escue-las, sino tambiém por las macropolíticas del Estado. Esos etnométodos funcionan como norte y muestran non solamente la criatividad y la capacidad de resistencia y de lucha de los actores y de las actrizes sociales, pero también las ausencias en el campo de las políticas públicas. Uno ejemplo de eso es quando los (las) estudiantes trabajadores ( as) se repuertan a el deslocar se entre moradia/ trabajo/ escuela, cuando, entonces, hablan de etnométodos producidos para el enfrentamiento a esa mobilidade en la ciudad, bién como hablan de cuestiones muy relacionadas entre si, como la cantidad de escuelas que ofrecen cursos de EJA en ciertas localidades, así como se remeten a los turnos oferecidos por las escuelas. Además, ainda hacen referencia a la cantidad y a los horarios de lo transporte ni siempre compatibles con las horas de estúdio, con denuncia de la ausencia de las políticas públicas de

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mobilidad. En el campo de las micropolíticas producidas por las escuelas, por su vez, se ha notado que los relatos de los etnométodos producidos muestran la impor-tância de inclusión de estudios sobre el proceso de escucha como pauta para la formación de professores y gestores que actuen en la EJA, condición fundante para la comprensión de las condiciones de vida y de estudio de esos actores y de esas actrizes sociales curriculantes, bién como para garantir se la permanencia. Los resul-tados muestran, pues, que es en la potencia de lo inexistente que están fincadas las micropolíticas, o sea, la produción de las micropolíticas de los (las) jovens y adultos (as) jtrabajadores(as) que re(existen), haciendo presión para la criación de políticas públicas para la permanencia de los estudiantes en la Educación Básica que ven-gan a acercar se de sus necessidades. Palabras–clave: Educación de Jovens y Adultos. Etnométodos. Macro/micro políti-

cas. Permanencia de los estudiantes. Educación Básica.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC

Ceneb

CFESS

CJA

CONFITEA

CPA

DPAEJA

EJA

EP

ENEM

FEBA

FAC

FORMACCE

HRW

IBGE

IDEB

IFG

Incra

INEP

IPEA

MEC

MOBRAL

MOVA

ONG

OSBA

OSID

RMS

Parfor

PAIP

Atividades Complementares

Centro Noturno de Educação da Bahia

Conselho Federal de Serviço Social

Coordenação de Educação de Jovens e Adultos

Conferência Internacional de Educação de Adultos

Comissão Permanente de Avaliação

Diretoria de Políticas de Educação de Jovens e Adultos

Educação de Jovens e Adultos

Educação Profissional

Exame Nacional do Ensino Médio

Faculdade de Educação da Bahia

Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Candeias

Grupo de Pesquisa em Currículo e Formação

Human Rights Watch

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás

Instituto Nacional de Colonização e de Reforma Agrária

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais Anísio

Teixeira

Instituto de Pesquisa Econômica Avançada

Ministério da Educação

Movimento Brasileiro de Alfabetização

Movimento de Alfabetização de Adultos

Organização Não Governamental

Orquestra Sinfônica da Bahia

Obras Sociais Irmã Dulce

Região Metropolitana de Salvador

Programa Nacional de Formação de Professores da Educa-

ção Básica

Projeto de Monitoramente, Acompanhamento, Avaliação e

Intervenção Pedagógica

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Pnad

Planfor

PNAC

PNAES

PNE

PPGEduC/UNEB

PPG/FACED/UFBA

Proeja

PROJOVEM

Pronera

SEC

SECAD

SEJA I

SGE

SUPED

TIC

UNEB

USAID

Pesquisa Nacional por Mostra de Domicílios (Pnad)

Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador

Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania

Programa Nacional de Assistência Estudantil

Plano Nacional de Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação e Contempora-

neidade da Universidade do Estado da Bahia

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal da Bahia

Programa de Integração Profissional de Jovens e Adultos

Programa Nacional de Inclusão dos Jovens

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

Secretaria da Educação

Secretaria de Educação Continuada e Diversidade

Segmento da Educação de Jovens e Adultos

Sistema de Gestão Escolar

Superintendência de Políticas para a Educação Básica

Tecnologias da Informação e da Comunicação

Universidade do Estado da Bahia

United States Agency of InternationalDevelopment

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SUMÁRIO

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2.1.1

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5.2.1

INTRODUÇÃO ........................................................................................

UM APROXIMAÇÃO ÀS PRODUÇÕES NO CAMPO DA EDUCAÇÃO

DE JOVENS E ADULTOS ......................................................................

Historiando a educação de jovens e adultos no Brasil .....................

O cenário da EJA estadual na Bahia ......................................................

Políticas da EJA e políticas na EJA ....................................................

A política de EJA NA Bahia .....................................................................

A formação de jovens e adultos: o fundante na EJA ........................

ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA DA PESQUISA ..............

A etnopesquisa implicada ....................................................................

Os etnométodos como possibilidades de compreensão .........................

Os micro/macropolíticas como possibilidades de compreensão ............

A pesquisa contrastiva .........................................................................

Dispositivos de Produção de Saberes ................................................

A observação participante .......................................................................

A entrevista semi-estruturada .................................................................

Diário de campo ......................................................................................

Diálogos formativos .................................................................................

Os (as) atores (atrizes) sociais e o locus da pesquisa ....................

O Centro Noturno de Educação Joana Angélica ....................................

O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares ...........................

COMPREENDENDO AS DIFERENTES PERSPECTIVAS ....................

O pensamento multirreferencial como abordagem teórica ..............

ANÁLISE DOS CONHECIMENTOS PRODUZIDOS NO CAMPO .........

Contrastando as políticas de permanência de jovens e adultos na

Educação Básica ...................................................................................

Caso 1: o Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica ........

Caso 2: o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares ..............

O relacional e o contraste em ato: estudo de casos - Centro No-

turno de Educação da Bahia Joana Angélica e Centro Estadual de

Educação Zumbi dos Palmares ...........................................................

O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica e suas singu-

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5.2.2

5.2.3

6

laridades ..................................................................................................

Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares: singularidades

outras ......................................................................................................

Aproximações e contrastes nos casos investigados ...............................

DAS MICROPOLÍTICAS ÀS POLÍTICAS DE PERMANÊNCIA DE

JOVENS E ADULTOS (AS) NA EDUCAÇÃO BÁSICA: NOTAS IN-

CONCLUSAS .........................................................................................

REFERÊNCIAS .....................................................................................

APÊNDICES ...........................................................................................

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ..............

APÊNDICE B – Roteiro para Mediação do Diálogo Formativo com os

(as) Estudantes .......................................................................................

APÊNDICE C – Roteiro para Mediação do Diálogo Formativo com os

(as) Professores (as) ...............................................................................

APÊNDICE D – Roteiro de Entrevista dos (as) Gestores (as) ................

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16

1 INTRODUÇÃO

Conforme o dicionário Houaiss (2010), implicar é tomar parte em; envolver-se;

confundir-se; embaraçar-se. Minha implicação com o campo da educação é de lon-

gas datas: lembro-me das “escolas” montadas na varanda de nossa casa, no bairro

do Jardim Cruzeiro, na Península de Itapagipe, em Salvador. Faço aqui uma pausa

para falar da constituição desse bairro, o que marcou profundamente minha infância.

O Jardim Cruzeiro renteia com o final de linha de outro bairro – o bairro dos Alaga-

dos, cujas casas foram construídas acima do manguezal que o banhava. Filha caçu-

la de um casal de trabalhadores, deliciava-me acordar cedo aos sábados, para

acompanhar minha mãe à feirinha do Jardim Cruzeiro, como ela era conhecida. A

feirinha era simples, mas mantinha várias sessões, e minha mãe adorava passar em

todas elas, a dos peixes frescos – que, aliás, era a sua preferida; a das plantas, de

que ela gostava muito; o Camarão de Cabeceira, um senhor com traços espanhóis,

que vendia camarões secos, azeite de dendê, coco e outras iguarias necessárias à

culinária baiana. A feira beirava tão de perto o manguezal, que, ao retornar à casa

com minha mãe aos sábados, tínhamos de lavar as pernas respingadas de sua lama

preta. Ver os feirantes organizando suas barracas, a minha mãe negociando os pre-

ços com os feirantes, me fazia, mesmo aos oito anos de idade, “viver” aquele mundo

da adultez (da minha mãe e dos (das) feirantes), por que não dizer, do adulto traba-

lhador, no acontecer de sua vida cotidiana, a tecer aqui e ali seus etnométodos e

suas micropolíticas. Encantava-me a habilidade, que exibiam, de fazer tanto e ainda

organizar as coisas do seu dia-a-dia.

Na época, uma de minhas brincadeiras infantis prediletas era brincar de pro-

fessora; ensinar e entrar nesse mundo era possível quando “montava” minha escola

com pedaços de madeira para formar o quadro e pedia para minha mãe comprar giz,

elemento indispensável na vida das professoras àquela época. Outro momento de

grande aproximação que tenho com o universo da educação era quando minha mãe

trazia as atividades dos (as) estudantes para que pudesse organizar, corrigir e “dar o

visto”; adorava ajudar minha mãe, especialmente a dar o visto nas atividades, pois

considerava que estava acompanhando as atividades dos (as) estudantes.

Desse modo, posso afirmar que meu desejo pelo campo da Educação de Jo-

vens e Adultos (EJA) confunde-se com minha história de vida, desde os seus pri-

mórdios. Ao pensar sobre isso, lembro-me das narrativas de minha mãe sobre a sua

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trajetória de escolarização e formação como mulher. Ela estava com aproximada-

mente 25 anos de idade quando conseguiu concluir o secundário, atual ensino mé-

dio, no então curso de magistério. Contava com muito orgulho o esforço que fez pa-

ra concluir a Educação Básica, dividindo-se entre as atividades de confecção e co-

mercialização de flores de papel – produzidas para permitir o custeio da mensalida-

de da escola particular que frequentava – e os estudos. Referia-se também a uma

grande amiga que muito a apoiou neste intento, ensinando-lhe matemática após cui-

dar (inclusive com ajuda da amiga-aprendiz) dos afazeres domésticos. Entre histó-

rias de vida e de lutas de sobrevivência contadas com os olhos em lágrimas, minha

mãe passava a mensagem de que estudar, no Brasil, era um privilégio de poucos. A

instituição escolar era para jovens rapazes, brancos e de camadas privilegiadas. A

luta de minha mãe para estudar tinha estreita relação, agora posso ver, com sua po-

sição de mulher de camada popular, e revelava, para quem desejasse ver, seus et-

nométodos para permanecer na escola em face das insuficiências do Estado em

garantir educação para todos.

Por outro lado, ouvia as histórias de vida de meu pai, filho de trabalhador e

trabalhadora rurais do sertão baiano, no município de Tucano. Aos cinco anos de

idade, trabalhava na roça para ajudar na sobrevivência da família. Seus pais, serta-

nejos de classe popular, não alisaram os bancos escolares e resolveram, na década

de 50 do século XX, tentar a vida na capital – Salvador – cidade onde, mais tarde,

meu pai residirá e formará a nossa família. Em Salvador, dedicou-se ao trabalho,

não tendo condições físicas para estudar, pois o cansaço era grande na labuta diá-

ria, em que exercia a função de “praça”, ou, em termos atuais, motorista. Pois bem:

a luta pela sobrevivência distanciou meu pai da escola, interrompendo seus estudos

na 4ª série do antigo primário, hoje 5º ano do Ensino Fundamental. Interessante, no

entanto, é notar como o saber não está limitado ao ambiente escolar. Meu pai, ape-

sar de não ter concluído seus estudos, era conhecedor de muitas coisas. Hoje con-

sidero que ele era depositário de uma rica experiência de vida e leituras de mundo

que causavam inveja a muitos de nós, tão fartos de títulos. Essa sabedoria de vida

vivida me encantava, pois sabia que, para quase todos os assuntos, meu pai se ar-

riscava a expressar sua opinião, suas ideias, que, por sinal, eram muito bem articu-

ladas.

Por outro lado, lembro-me da minha condição de estudante da escola pública,

que em virtude de inúmeras greves de professores (as) e reformas em pleno ano

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letivo, levava-me a “sonhar” em estudar em escolas particulares para poder dar con-

tinuidade aos estudos sem interrupções. Afinal de contas, o (a) filho (a) do (a) traba-

lhador (a) que se encontra na escola pública, muitas vezes não tem opção de estu-

dar em outra escola, quer seja em virtude da distância, quer seja em virtude da vio-

lência urbana, o que muitas vezes tem impedido a mobilidade dos (as) estudantes

das escolas da rede pública na Educação Básica.

Interessante notar que, apesar de ter apenas 17 anos quando finalizei o curso

de magistério, essas questões me angustiavam muito: tanto as constantes interrup-

ções das aulas em virtude das condições físicas das escolas, quanto as condições

de trabalho dos (as) professores (as), que tinham de paralisar as aulas, por meio das

greves, para verem seus direitos minimamente assegurados.

Foi esse o cenário familiar e estudantil que me levou à Educação de Jovens e

Adultos e mobilizou, de forma mais ou menos consciente, o meu desejo de compre-

ender a luta de tantos atores (atrizes) sociais1 que vivem cotidianamente os desafios

da conciliação: tempo de estudo e tempo de trabalho.

A escolha de uma trajetória profissional não é nada fácil para um (a) jovem

que ainda não tem dimensão do mundo que o (a) espera; esse, contudo, não foi o

meu caso. Desde cedo soube o que desejava: tornar-me professora. Na condição de

adolescente, tinha muito claro que necessitava fazer uma escolha profissional, então

resolvi fazer o curso de Magistério. De toda experiência vivida nesse período, as

mais significativas estão associadas às discussões teóricas proporcionadas por al-

guns (as) professores (as), além dos laços afetivos construídos. A lembrança desse

tempo me faz pensar no poema de Paulo Freire2, particularmente do trecho em que

diz que “escola é o lugar onde se faz amigos, não se trata só de prédios, salas, qua-

dros, programas, conceitos... Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que

estuda, que se alegra, que se conhece e se estima...” Foi em especial no cenário

da(s) escola(s) que construí toda a minha trajetória, ora na condição de estudante,

ora na condição de professora, coordenadora, dentre outras funções já exercidas no

campo profissional. Dessa experiência, conservo amizades que perduram no tempo,

sempre corrido, nada tedioso, de quem decide fazer da escola – mais ainda, da edu-

1 Utilizo esse termo, a partir das leituras realizadas de Macedo (2002, 2005, 2010, 2012, 2015, 2017,

2018) ao me referir aos (às) estudantes jovens e adultos (as) e demais colaboradores (as) dessa pesquisa. Esse termo será aprofundado posteriormente no capítulo sobre metodologia.

2 A escola é – poesia do educador Paulo Freire, disponível no site do Instituto Paulo Freire (www.paulofreire.org).

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cação – a sua vida. Foi nesses trilhos, melhor ainda, nessas trilhas que, após con-

cluir o Curso de Magistério passei a lecionar em algumas instituições de ensino da

rede privada. Nessa ocasião, dei-me conta que faltava aprofundamento teórico-

metodológico para o exercício de uma docência que hoje entendo como, necessari-

amente, reflexiva.

Vivenciei nesse período sentimentos diversos, desde as alegrias das aprendi-

zagens construídas aos desânimos inevitáveis frente à realidade da educação públi-

ca brasileira. Devo dizer que, não obstante todo o meu desejo de formar e logo leci-

onar, não estive imune às interrupções de ano letivo (por greves, paralisações ou

reformas) que desde essa época faziam parte da rotina das escolas públicas de

nossa cidade/país, que há muito vem sofrendo com a precarização da educação.

Esses períodos desanimadores, oportunizaram, contudo, a leitura de obras que

marcaram a minha trajetória. Eram leituras em geral indicadas pelos (as) professores

(as), e que me davam a sensação de ainda estar na escola, estudando. Em meio às

leituras indicadas, uma marcou-me de forma particular: A importância do ato de ler

(FREIRE, 1985), indicada pela professora de Metodologia da Alfabetização. Foi meu

primeiro diálogo com o pensamento paulofreireano. Um pensamento altamente revo-

lucionário, porque marcado pelo ideário de uma prática pedagógica dialogada e poli-

tizada que, sem dúvida alterou e orientou o meu olhar em relação à docência e ao

papel relevante que a alfabetização de jovens e adultos (as) possui na formação de

cidadãos (ãs) críticos (as). Decidi, então, aprofundar essas questões no ensino su-

perior, optando por permanecer no campo da educação e cursar Pedagogia.

Na graduação experienciei o ápice do deleite em relação aos estudos. No ano

de 1991, aos dezoitos anos de idade, ingressei no curso de Licenciatura em Peda-

gogia, na Faculdade de Educação da Bahia (FEBA). O curso proporcionou reflexões

importantes para minha formação, além da construção de laços afetivos fortemente

alimentados e sedimentados, pautados nos princípios de companheirismo e lealda-

de, laços que até hoje fazem parte da minha vida. Durante os quatro anos do curso,

tive a oportunidade de conviver com colegas que possuíam diversas experiências

acadêmicas e profissionais: professores (as) das redes pública e privada, dirigentes

sindicais, militantes de movimentos sociais, enfim, pessoas como eu, trabalhadores

e estudantes de um curso noturno que via, naquele espaço, um celeiro fecundo para

o aperfeiçoamento profissional e o crescimento pessoal, um espaço formativo de-

marcado por ideais em prol de uma educação de qualidade para a população brasi-

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leira, particularmente para aquela porção desde muito excluída ou incluída de forma

perversa, como observam alguns teóricos.

O currículo do Curso foi produzido a partir das discussões fomentadas pelos

diversos componentes curriculares, que transitavam por temáticas muito enferves-

centes na época, como a discussão acalorada da pedagogia histórico-crítico social

dos conteúdos, o processo de democratização da escola pública, a influência do so-

ciointeracionismo na educação, os constructos teóricos de Ferreiro e Teberosky

(1986) sobre o processo de alfabetização, as discussões acerca da Educação de

Jovens e Adultos enquanto um direito e campo de estudo que encontrava-se em

processo de consolidação, a relevância da formação docente para a melhoria da

qualidade da educação, enfim, temáticas que acirravam discussões no cenário for-

mativo e que saltavam aos meus olhos como possibilidades de melhoria da educa-

ção.

Devo dizer que, na condição de professora da Educação Básica no diurno e

estudante da graduação no noturno, levava muitas vezes, para a sala de aula do

curso de Licenciatura em Pedagogia, saberes construídos na prática de professora

do ensino básico, ao tempo em que também alterava a minha atuação no contexto

da educação básica, graças às alterações provocadas por tudo que aprendia na

formação superior. Assim, fui tecendo minha trajetória acadêmica e profissional, ca-

da vez mais ciente dos desafios da formação docente, uma formação que nunca es-

tá acabada e que se nutre da vida vivida.

Ainda na metade do Curso de Pedagogia, fui aprovada no processo seletivo

para estagiária da Escola de Educação Infantil do Serviço Social do Comércio

(SESC), em Salvador, meses depois sendo efetivada na condição de docente dessa

instituição. Essa experiência me trouxe intensos aprendizados e aquisição de novos

conhecimentos. Criamos, nesse ambiente profissional, um grupo de estudos com

todos os profissionais que atuavam na Educação Infantil, forjando um espaço de re-

flexão da própria prática, sempre alimentado por meus aprendizados no contexto da

formação superior.

Fui me apaixonando, nesse processo, pelo Curso de Licenciatura em Peda-

gogia, apesar das discriminações que já sentia na pele em função dessa escolha.

Cada componente curricular possibilitava o aprofundamento de questões que não

haviam sido contempladas no Magistério. Tudo que pulsava vida dentro da Faculda-

de me chamava a atenção, compondo o que costumo considerar como uma geração

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desejosa de abertura política, movimentos sociais e “revoluções pedagógicas da

época” fomentadas pelo advento do “construtivismo”. Nesse período, o modelo dos

meus professores revolucionários do início dos anos 90 e minha esperança na edu-

cação pública de qualidade foram dando contorno a uma prática de ensino, sempre

pautada na crítica da prática. A possibilidade de desenvolver com estes e com meus

colegas uma relação dialógica foi fundamental, além das chances, sempre renova-

das, de travar discussões políticas e pedagógicas no interior do próprio curso e fora

dele, nas reuniões mais informais. Quero destacar que, dentre as inúmeras temáti-

cas abordadas nesse percurso, não havia nenhuma que me mobilizasse mais que

aquelas que diziam respeito à busca de uma educação pública de qualidade. Dese-

java e ainda desejo ver este sonho (para alguns ilusão) concretizado, e trabalho co-

tidianamente nesse sentido.

O perfil dos (as) professores (as), as relações dialéticas fomentadas neste

espaço, a participação em diversos cursos, congressos e seminários, além das ex-

periências significativas durante o estágio curricular, foram fundamentais para minha

reflexão/ação/reflexão na condição de docente. A proposta do Curso estava muito

bem articulada com os estágios curriculares, e um deles marcou-me muito, pois rea-

lizávamos cursos de extensão acerca de questões pedagógicas para professores de

uma comunidade de Salvador. Essa experiência possibilitou minha aproximação

com a formação continuada, e com as questões urgentes da realidade desses pro-

fessores, além da possibilidade de criar canais de diálogo importantes, que me leva-

ram a compreender o outro, do lugar de onde fala. Mas não parei aí, minha trajetória

de engajamento em cursos de aperfeiçoamento voltados à área de educação teve

continuidade, ou melhor, foi intensificada ao longo de minha profissionalização do-

cente, assim como da minha inserção no espaço da pesquisa acadêmica. Após a

conclusão do curso de Pedagogia, novas perspectivas foram sendo delineadas, de

tal sorte que percorri diversas cidades da Bahia, realizando cursos de formação de

professores, nos quais buscava, insistentemente, dialogar a respeito das novas

perspectivas para a educação. Esta experiência foi fundamental na minha formação.

A decisão sobre a primeira especialização a fazer surgiu a partir das demandas que

emergiram nesse cenário. Decidi especializar-me em Consultoria Educacional. Essa

experiência ampliou o desejo pela pesquisa e pela temática da formação de profes-

sores.

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Nesse período, já atuava como professora do Ensino Fundamental na rede

municipal de ensino de Salvador, no bairro do Uruguai, periferia de Salvador. Essa

vivência se constituiu na possibilidade de colocar em prática meus ideais de educa-

ção, aqueles amplamente produzidos no percurso da minha formação superior. De-

senvolvi um trabalho pedagógico balizado em projetos, o que permitia a implicação

dos estudantes com as temáticas desenvolvidas. Foi nessa ocasião que recebi, em

minha sala de aula, a visita de uma pesquisadora do Ministério da Educação (MEC).

Isso gerou, posteriormente, entrevistas e publicação de um artigo (escrito por esta

pesquisadora), baseado em minha experiência profissional na Educação Básica.

Graças ao fato de ter minha prática docente sido visibilizada, fui convidada pela Se-

cretaria Municipal de Educação de Salvador para assumir o cargo de Subcoordena-

dora da Coordenadoria Regional de Educação na Cidade Baixa, atuando na forma-

ção de professores e acompanhamento das escolas, assim como assessorando pro-

jetos desenvolvidos nas unidades escolares, ação que realizei durante 12 anos.

Em 1998, realizei o concurso para coordenador/a pedagógico/a da Secretaria

da Educação do Estado da Bahia e comecei a atuar na condição de coordenadora

pedagógica de uma escola também na Cidade Baixa, que ofertava o Ensino Funda-

mental. As ações desenvolvidas nesse período culminaram no convite para atuar

como Coordenadora Pedagógica de uma escola de Ensino Médio que ofertava cur-

sos de Educação de Jovens e Adultos. Foi significativo vivenciar alguns dos dilemas

vividos por este (esta) profissional de ensino, que busca a redefinição de seu papel

no contexto educacional, assim como foi importante compreender a relevância de

seu trabalho como mediador (a) em situações de reflexão da prática docente, muitas

vezes relegadas ao ativismo profissional.

Em 2002, iniciei minha trajetória como docente da educação superior, lecio-

nando em uma faculdade particular no Recôncavo Baiano, na Faculdade de Filoso-

fia, Ciência e Letras de Candeias (FAC), no curso de Licenciatura em Pedagogia.

Essa experiência permitiu-me o estabelecimento de uma articulação entre as bases

teóricas estudadas e a realidade que os acadêmicos e acadêmicas em formação

vivenciavam na escola e em outros espaços sociais, a partir de uma relação dialógi-

ca e dialética.

Mais tarde fui trabalhar como docente no cenário da educação superior públi-

ca, mais especificamente, no interior da Universidade do Estado da Bahia (UNEB),

no Programa Rede UNEB 2000, no ano de 2004, no município de Camaçari. Mais

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uma vez, a formação de professores em atuação profissional constitui objeto de mi-

nha dedicação. No trabalho realizado na Rede UNEB 2000, como professora do cur-

so de Pedagogia nos componentes curriculares Estágio Supervisionado e História

da Educação e Alfabetização, agreguei experiências importantes sobre a Universi-

dade e suas funções: ensino, pesquisa e extensão. Foram construídas relações de

amizade, companheirismo e profissionalismo com o grupo de professoras-

estudantes. Ao término do curso, fui homenageada como professora Amiga da Tur-

ma. Considero este momento como uma síntese das tessituras sociais construídas

no decorrer do curso.

Em 2005, fui aprovada na seleção de professores da Fundação Visconde de

Cairu, no curso de Pedagogia, em que leciono as disciplinas: Educação de Jovens e

Adultos, Estágio Supervisionado e Didática. Nesse mesmo ano, também fui aprova-

da no concurso público para professora efetiva da Universidade do Estado da Bahia.

Enquanto aguardava a convocação do concurso, fui aprovada em outro processo

seletivo da UNEB, na condição de professora substituta, atuando ao longo dos anos

de 2006 e 2007 no Campus de Itaberaba, nos componentes curriculares Educação

de Jovens e Adultos, Pesquisa e Estágio e Pesquisa e Prática Pedagógica. Lecionei

nesse Campus em um Curso de Extensão em Educação de Jovens e Adultos, cuja

experiência fortaleceu minha aposta nas práticas extensionistas e minha inserção

nesse campo de estudo.

Em 2007, ingressei como professora efetiva na UNEB, no campus de Serri-

nha, onde tenho atuado como professora dos componentes curriculares Estágio e

Currículo, desenvolvido cursos de extensão, além de participar como membro da

Comissão de Estágio e do Grupo de Pesquisa Formação, Currículo e Intersubjetivi-

dades (FORMACI/UNEB). Essa experiência tem contribuído para a compreensão da

importância da universidade pública na qualificação do trabalho docente no contexto

da Educação Básica, função social que se encontra intimamente relacionada com o

objetivo do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica

(Parfor), ao qual me vinculei como coordenadora regional do ano de 2010 ao ano de

2013. Esse programa tem o intuito de contribuir para a elevação da qualidade da

Educação Básica, através da formação de professores em atuação profissional.

Antes, porém, de atuar no Parfor, iniciei de forma mais incisiva minha trajetó-

ria como pesquisadora, através do ingresso na disciplina Currículo, do Programa de

Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da

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Bahia (PPGEduC/UNEB), na condição de aluna especial. Este curso provocou uma

série de inquietações acerca das questões vinculadas ao currículo e às tecnologias

da informação e da comunicação, contribuindo para a construção de um referencial

teórico que se refletiu no anteprojeto de pesquisa por mim apresentado na seleção

de mestrado da UNEB.

Já no mestrado, na condição de professora/pesquisadora, e interessada por

questões relativas à inserção das tecnologias digitais na educação, além de mobili-

zada pelo desejo de vivenciar esses novos cenários acadêmicos, iniciei minha inves-

tigação sobre a inserção das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC)

nos currículos escolares, orientada pela professora Lynn Alves. Durante esse perío-

do, matriculei-me em diversas disciplinas do Programa que, ao mesmo tempo em

que tratavam de questões relativas às TIC e ao currículo, contribuíram para o apro-

fundamento da temática, fortalecendo minha formação enquanto pesquisadora.

No percurso, foi ficando cada vez mais claro o meu desejo em seguir estu-

dando o campo da formação e, em especial, a formação de estudantes jovens e

adultos na Educação Básica, de tal sorte que, ao concluir o mestrado, decidi dar se-

guimento à minha carreira como pesquisadora no interior de um grupo especialmen-

te dedicado ao campo dos estudos sobre currículo e formação. Assim, iniciei minhas

interlocuções com o Grupo de Pesquisa em Currículo e Formação (FORMACCE).

Foi a partir de minha inserção nesse grupo de pesquisa, e dos constantes diálogos

com o Prof. Roberto e demais membros do grupo, que o projeto de pesquisa que

apresento nessa seleção, intitulado A formação de jovens e adultos e as políticas de

apoio estudantil à formação na Educação Básica foi se configurando. Neste era evi-

dente a minha ligação com esse campo apaixonante, que é o campo da formação.

A entrada no doutorado, na Linha de Pesquisa Currículo e (In) formação, sig-

nificou a possibilidade de, em diálogo com outros pesquisadores, pensar sobre esse

campo a que sempre estive vinculada, ampliando meus conhecimentos, e alterando,

como propõe Ardoino (2000), formas de atuação e produção que foram há tempo

tecidas na prática de acompanhamento de estudantes jovens e adultos em proces-

sos de formação. O alcance dessa meta, junto à rica experiência que vinha vivenci-

ando como coordenadora da Coordenação da Educação de Jovens e Adultos da

Secretaria de Educação do Estado da Bahia, traduziu-se na consolidação de um an-

seio alimentado ao longo da minha trajetória profissional-acadêmica.

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Nestas poucas linhas, em que traço as minhas primeiras aproximações com a

realidade da EJA, tento mostrar que a experiência vivida não pode ser desconside-

rada ou tratada como “epifenômeno”, como algo de menor valor. Sobre essa ques-

tão, Macedo (2015, p. 25), citando Larrosa Bondia (2013), afirma que “[...] a experi-

ência se configura através de tudo que nos passa, de tudo que nos acontece, que

produz sentido para nós, mas, também, o que nos faz viver o sem-sentido.” É a par-

tir dessa experiência que o desejo pelo campo da EJA, em especial pelas políticas

de apoio à formação na Educação Básica, toma a forma de um projeto de pesquisa,

uma experiência que se junta como um híbrido às minhas experiências profissionais

nesse campo, aproximando-me ainda mais desta realidade.

Inspirada nas contribuições de Macedo (2012), considero que a implicação,

sendo uma competência epistemológica e heurística, é justamente o ponto de parti-

da, a questão indutora que “alimenta o caráter autorizante da pesquisa”.

É nesse cenário de implicação que meu interesse em pesquisar sobre a EJA

em especial, sobre a formação de jovens e adultos e as políticas de apoio à forma-

ção na Educação Básica, foi adquirindo robustez e levou a essa tese.

A Educação de Jovens e Adultos é um campo fronteiriço, que extrapola os

processos de escolarização de jovens e adultos, pois envolve práticas formativas em

espaços e tempos de aprendizagens diversos3. A história da Educação de Jovens e

Adultos, denominada de EJA desde 1996, com o advento da Lei de Diretrizes e Ba-

ses da Educação, porém, nos mostra que a atenção dispensada a essa modalidade

de educação, inclusa no contexto da Educação Básica, ainda é deveras incipiente. O

censo de 2010, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

por exemplo, afirma que o percentual de indivíduos entre 18 e 24 anos de idade que

não concluíram a Educação Básica corresponde a 36,5%. É importante destacar que

esse percentual é ampliado na medida em que indivíduos de faixa etária superior

forem inclusos nessa pesquisa.

Esse dado aponta para a fragilidade da EJA enquanto política pública, ou se-

ja, para a ausência de políticas voltadas não somente para o acesso, como também

para a permanência de sujeitos que, na condição de jovens e adultos, ainda não fi-

nalizaram a Educação Básica. Sobre isso, quem comenta é Pereira (2007), referin-

3 Alguns trechos desse texto introdutório integram o artigo de minha autoria, intitulado “A formação de

jovens e adultos e a educação noturna: compreensões formativas de uma experiência baiana em movimento”, publicado em Educação, territorialidade e formação docente: contextualizando pesquisas.

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do-se ao fato de que, embora nossa Constituição afirme que a Educação Básica é

um direito de todos, o que se verifica, na prática, é que nem sempre o estado assu-

me as suas responsabilidades no que diz respeito à oferta e à qualidade da educa-

ção pública, especialmente para jovens e adultos trabalhadores. Ao formular políti-

cas para esta população, muitas vezes o estado negligencia suas condições de exis-

tência e suas reais necessidades, mantendo a Educação de Jovens e Adultos traba-

lhadores numa posição que, nas palavras de Rummert e Ventura (2007), é de subal-

ternidade.

Vale sublinhar que, para estes jovens e adultos brasileiros, a conclusão da

Educação Básica depende do retorno a um processo formativo que demanda não

apenas o investimento individual enquanto sujeito aprendente, mas também apoios

institucionais que frequentemente são desconsiderados pelas políticas públicas para

a Educação de Jovens e Adultos, de modo que estes apoios não se fazem ver no

cenário atual do sistema educacional brasileiro. É bom lembrar que a conclusão

dessa etapa de escolarização pode significar, para um jovem ou adulto, tanto o

acesso a educação superior como a possibilidade de encontrar melhores oportuni-

dades de emprego e viver um futuro com melhor qualidade de vida. Porém, para es-

tes jovens e adultos que ainda lutam pela elevação da sua escolaridade, não é sufi-

ciente o acesso à Educação Básica: fazem-se necessárias políticas de apoio estu-

dantil que contemplem as demandas destes atores, cuja condição de aprendizagem

tem suas particularidades.

Foi em face desse cenário que, em 2013, aceitei o convite para coordenar a

Educação de Jovens e Adultos no estado da Bahia, coordenação que, vinculada à

Superintendência de Políticas para a Educação Básica (SUPED), na Secretaria da

Educação (SEC), envolve a gestão pedagógica e administrativa da referida modali-

dade da educação, cujas origens remontam à década de 40 do século XX, após o

fim da II Guerra Mundial, quando questões relacionadas à educação básica passam

a adquirir relevância. A partir da referida experiência profissional nesta coordenação,

da qual já me desvinculei, fui movida intensamente em direção ao aprofundamento

crítico das questões que giravam em torno das políticas de apoio à formação dos

jovens e adultos que procuram as escolas públicas, motivo pelo qual pretendo inves-

tigar, através deste projeto de pesquisa: quais etnométodos e micropolíticas são

produzidas pelos (pelas) atores (atrizes) sociais da EJA, em particular pelos (as) es-

tudantes, a fim permanecer e concluir sua formação no nível da Educação Básica?

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E mais, pautando-nos nas explicitações heurísticas construídas, quais políticas de

apoio estudantil poderiam ser formuladas para esta modalidade da Educação Bási-

ca?

A partir dessas questões da pesquisa, apresento o objetivo geral: compreen-

der quais etnométodos e micropolíticas são produzidas pelos (pelas) atores (atrizes)

sociais da EJA, particularmente os (as) estudantes jovens e adultos (as), a fim de

permanecer e concluir sua formação no nível da Educação Básica. Isto posto, apre-

sento, então, os objetivos específicos: 1) compreender a perspectiva de cada seg-

mento que compõe a EJA no que diz respeito à formação nesta modalidade e às

políticas de apoio ao estudante; 2) descrever os etnométodos4 que são construídos

pelos jovens e adultos ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de per-

manecer e concluir este processo formativo; 3) reconhecer nas ações dos diferentes

segmentos que compõem esta modalidade de ensino possíveis indicadores para a

formulação de políticas de apoio estudantil na EJA; 4) compreender como se entre-

laçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na vivência dos discentes da EJA, a

fim de que a formulação de uma possível política de apoio estudantil a este segmen-

to da educação básica contemple dificuldades tais como as de articular o tempo

passado na escola, de estudo e de aprendizagem, bem como os tempos de sobrevi-

vência e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza.

Sobre esse último objetivo, vale salientar que, inspirada em Arroyo (2012), a

formação desses atores sociais, que em geral já se encontram no mundo do traba-

lho, exige pensar nestes apoios. Articular as discussões em torno da formação de

jovens e adultos com as políticas de apoio estudantil na Educação Básica supõe o

reconhecimento das diferenças dos processos econômicos, sociais e políticos a que

os (as) jovens e adultos (as) provenientes de processos de exclusão escolar e em

desvantagem do ponto de vista socioeconômico foram submetidos (as) ao longo dos

anos.

Essas inquietações surgem, de um lado, como resultante desse meu longo

processo formativo em torno da educação de jovens e adultos; de outro lado, do fato

de que a literatura sobre esta modalidade de educação carece de discussões cujo

foco esteja sobre as políticas de apoio estudantil à formação na Educação Básica, o

que já não ocorre na literatura relativa às problemáticas da Educação Superior. Inte-

4 O conceito de etnométodo é inspirado em Garfinkel (1984) e, no Brasil, é trabalhado de forma fulcral

pelo Prof. Roberto Macedo, líder do FORMACCE, da UFBA. Esse conceito será melhor aprofundado no capítulo sobre abordagem teórico-metodológica.

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ressante notar que, embora a literatura sobre as políticas públicas para a EJA apon-

te para várias questões importantes para a constituição da EJA enquanto política

pública, não responde às questões básicas relativas aos apoios institucionais que

um estudante desta modalidade de ensino requer para dar continuidade à sua for-

mação. Além disso, não apresenta investigações mais voltadas para a atuação ativa

dos atores (atrizes) sociais curriculantes na construção de saídas para as ausências

nas políticas, ou seja, para a produção de micropolíticas por parte dos sujeitos da

EJA.

Ademais, não obstante autores como Arroyo (2013) façam referência ao en-

trelaçamento entre as trajetórias de vida e as trajetórias escolares na vivência dos

(as) discentes da EJA – sugerindo que a formulação de políticas para este segmento

da educação envolve pensar sobre os impasses da formação, ou seja, sobre as difi-

culdades de articular o tempo passado na escola, de estudo e de aprendizagem, e

os tempos de família e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza –, o

fato é que as políticas públicas para esta modalidade da educação pouco têm con-

templado as políticas de permanência ao (à) estudante jovem e adulto (a) ao longo

do seu processo formativo na Educação Básica.

Em decorrência do contorno teórico-metodológico dessa investigação, dos ob-

jetivos e de minha implicação com o campo, essa pesquisa esteve inserida no cam-

po epistemológico e metodológico da fenomenologia, e desenhou-se com base na

abordagem multirreferencial de inspiração no contexto da etnopesquisa. O método

utilizado foi o da pesquisa contrastiva e dos estudos multicasos.

A presente investigação desenvolveu-se em duas escolas da rede estadual

de ensino da Bahia, localizadas no município de Salvador, tendo como atores (atri-

zes) sociais estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as) e profissionais do

Ensino Médio na modalidade da Educação de Jovens e Adultos.

Desse modo, esse trabalho incialmente aborda o campo da Educação de Jo-

vens e Adultos no Brasil, por meio de uma breve contextualização, realçando aspec-

tos históricos e políticos. A partir dessa reflexão, problematizamos o campo das polí-

ticas públicas da/na EJA no Brasil e na Bahia, na tentativa de compreender as políti-

cas de permanência de jovens e adultos (as) na Educação Básica produzidas. Com

o intento de ir ao encontro dos (as) atores (atrizes) sociais da pesquisa, objetivando

compreender os etnométodos e micropolíticas produzidas para permanência na

Educação Básica, apresentamos as inspirações teórico-metodológicas que deram

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suporte aos movimentos de investigação produzidos no/com o campo de pesquisa.

Os resultados desse diálogo, apresentamos no capítulo seguinte, em que refletimos

sobre compreensões produzidas tanto pelos atores (atrizes) sociais como pela pes-

quisadora em formação. No último capítulo realizamos uma síntese da investigação

com a apresentação de algumas notas não-conclusivas, na qual realçamos que, na

produção das micropolíticas, os (as) jovens e adultos trabalhadores (as) que

re(existem), tensiona-se a criação de políticas públicas de permanência estudantil na

Educação Básica que se aproximem de suas necessidades, na medida em que ali

se explicitam as ausências nesse campo.

Compreendo que essa pesquisa se constitui como uma possibilidade reflexiva

e formativa para pensarmos em políticas de apoio à permanência de jovens e adul-

tos (as) na Educação Básica a partir dos etnométodos e micropolíticas produzidas

por estes (as), levando em consideração seus saberes e necessidades, bem como

as condições precárias de sobrevivência. No entanto, somos cientes da incompletu-

de dos conhecimentos e da necessidade de abertura de novos caminhos que contri-

buam para a discussão da temática.

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2 UM APROXIMAÇÃO ÀS PRODUÇÕES NO CAMPO DA EDUCAÇÃO DE JO-

VENS E ADULTOS

2.1 Historiando a educação de jovens e adultos no Brasil

Conforme aponta Pereira (2007), à medida que o país buscava o crescimento

político e econômico, tornava-se fundamental a organização do sistema de ensino

público e gratuito, com propostas pedagógicas de base. Assim, no início de 1950,

deu-se início a várias campanhas de alfabetização de adultos, pois, com a moderni-

zação, tornava-se necessário o ajustamento da população, principalmente a do

campo, para o modelo econômico da época.

De acordo com Ana Freire (2006), o governo de Juscelino Kubitschek, presi-

dente da república àquela altura, estava preocupado com a miséria de seu povo.

Entre as preocupações deste governo estavam as questões educacionais, o que

tornou possível a disseminação das ideias paulofreireanas que, em suas origens,

dirigiam-se à educação de adultos. É nesse contexto que se concretiza o II Con-

gresso de Educação de Jovens e Adultos, que legitimou as efervescentes discus-

sões que corroboravam a perspectiva de se pensar a educação de jovens e adultos

para além dos métodos e técnicas de alfabetização; antes, realçando as consequên-

cias políticas e educacionais da educação popular.

A proposta altamente politizada de educação de Paulo Freire, no entanto, foi

abortada em função dos movimentos de articulação política dos militares. Segundo

Pereira (2007), em 31 de março de 1964, as forças da direita instalaram-se no país

por meio do golpe militar, assumindo o comando político da nação e controlando to-

dos os programas de alfabetização de adultos (as) desenhados conforme a proposta

paulofreireana, ou seja, elaborados com base na participação popular.

Durante os dois anos de instalação do regime militar, não se produziram pro-

postas e nem discussões acerca da alfabetização de adultos (as), estratégia utiliza-

da pelo sistema de governo da época para calar a efervescência política e pedagó-

gica dos anos anteriores, bem como para disseminar a ideia de neutralidade política

na educação. Nessa altura, a educação de adultos (as) foi entregue, junto aos de-

mais níveis de ensino, à United States Agency of InternationalDevelopment (USAID),

com o objetivo de proceder a uma ordenação do sistema de ensino conforme as exi-

gências de modernização e repressão que imperavam àquela época.

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Foi somente em 1967 que o governo lançou o Movimento Brasileiro de Alfa-

betização (MOBRAL), programa financiado pelo capital norte-americano, com o ob-

jetivo de alfabetizar jovens e adultos (as), livrando-os do fardo do analfabetismo,

problema mais que individual, na medida em que suas consequências atingem o

sistema em suas dimensões sociais e políticas. A concepção de alfabetização do

Mobral era muito diferente da defendida por Paulo Freire. Segundo Freitag (1986),

eles utilizavam as técnicas paulofreireanas para alfabetização de adultos (as), des-

vinculadas, porém, do seu contexto filosófico e político.

Apesar da intensa repressão das ideias de conscientização, a resistência

acontecia em diferentes instâncias da sociedade civil, refugiando-se em movimentos

sociais, Organização Não Governamental (ONG) ou partidos políticos clandestinos

que trabalhavam para manter a mobilização popular. Em fins dos anos 70 e início

dos anos 80, aumentam os movimentos do povo contra o custo de vida, pela anistia,

pela democracia e pela abertura política. Os movimentos populares ganham força e,

em decorrência disso, greves e manifestações políticas se espalham por todo o país.

Esse cenário tensiona o regime político da época e reacende a esperança da re-

construção de um país mais justo e mais igualitário.

Para Saviani (1995), do ponto de vista da organização do campo educacional,

a década de 80 do século XX foi uma das mais fecundas, momento em que foram

alimentadas importantes discussões em torno da educação e da escola enquanto

instância formadora de apropriação do saber por parte dos (as) trabalhadores (as),

capaz de, mais tarde, contribuir para sua participação na sociedade. Ainda nessa

década, mais especificamente em 1985, o governo federal extingue o MOBRAL,

sem realizar uma escuta pública dos quase 300 mil educadores (as). Em 1988, no

entanto, a Constituição Federal é homologada, apresentando a educação enquanto

direito de todos (as), direito que até hoje lutamos para dar concretude no plano da

prática.

Em 1989, após eleições municipais e federais, o governo Fernando Collor de

Melo cria um plano para a educação que incentiva o setor privado e desobriga o po-

der público das suas obrigações sociais e educacionais. Cria ainda, em 1990, o Pla-

no Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), que no ano seguinte é extinto

sem qualquer explicação para a sociedade civil. No âmbito municipal, Luiza Erundi-

na é eleita prefeita da cidade de São Paulo e convida o professor Paulo Freire para

assumir a Secretaria Municipal de Educação da Cidade. Freire aceita o convite e cria

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o Movimento de Alfabetização de Adultos (MOVA). A inserção de Freire na gestão

pública municipal da cidade de São Paulo contribuiu para a retomada das discus-

sões em torno da Educação de Jovens e Adultos.

Em 1990, Ano Internacional da Alfabetização, ocorre em Jontiem (Tailândia) a

Conferência Mundial sobre Educação para Todos (convocada pela organização das

Nações Unidas pela Educação, Ciência e Cultura (UNESCO)). Nesse encontro é

elaborada a Declaração Mundial de Educação para Todos, em cujo texto fica explíci-

ta a necessidade de garantia da satisfação das necessidades básicas para a apren-

dizagem. Após essa Conferência, o Brasil elabora o Plano Decenal de Educação

para Todos, cujo objetivo mais amplo é “[...] assegurar, até o ano 2000, às crianças,

jovens e adultos, conteúdos mínimos de aprendizagem que atendam necessidades

da vida contemporânea.” (BRASIL, 1993, p. 12).

É bom sublinhar que, nos finais de 1992, era flagrante a ausência de políticas

públicas para a educação de jovens e adultos. No entanto, apesar do descaso do

Governo Federal, muitos grupos de alfabetização de jovens e adultos ressurgem por

meio de sindicatos, comunidades e ONG e a experiência do MOVA atinge vários

estados e municípios. O plano Decenal de Educação para Todos, aprovado em

1993, traçou objetivos e metas para a erradicação do analfabetismo no Brasil. Esse

documento apresenta princípios democráticos que, se postos em prática, trariam

avanços significativos para a Educação de Jovens e Adultos. Tornou-se necessária,

contudo, a sistematização das discussões no campo da Educação de Jovens e Adul-

tos.

No governo de Fernando Henrique Cardoso, a Educação de Jovens e Adultos

não foi incluída no campo das prioridades governamentais. Negligenciados por este

governo, os programas de alfabetização de jovens e adultos (as) em geral aparecem

vinculados a outros Ministérios, como é o caso do Plano Nacional de Qualificação do

Trabalhador (Planfor), vinculado ao Ministério do Trabalho; Programa Nacional de

Educação na Reforma Agrária (Pronera), vinculado ao Instituto Nacional de Coloni-

zação e de Reforma Agrária (Incra), e Alfabetização Solidária e Recomeço, do Minis-

tério da Educação. A distribuição desses projetos e programas em torno da educa-

ção de jovens e adultos para outros Ministérios ou instituições governamentais, e

não para o Ministério da Educação, denotam a pouca importância dada pelo governo

vigente a essa modalidade da educação.

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É somente em 1996, após acirrados debates políticos e pedagógicos, que é

sancionada por Fernando Henrique Cardoso, então Presidente da República, a Lei

de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96, primeiro documento a apresentar a

EJA como modalidade da educação – um avanço no processo de constituição da

EJA enquanto política pública. Esta lei, porém, não consegue escapar às contradi-

ções que envolvem esta modalidade de educação desde o início de sua história. As-

sim, na seção V, artigo 27, ela apresenta a EJA, de um lado, como modalidade de

educação; de outro, na condição de suplência, caracterizada como cursos e exa-

mes. Essa fragilidade na legislação tem contribuído para a manutenção da Educa-

ção de Jovens e Adultos na condição de subalternidade, como frisa Saviani (2010),

dificultando iniciativas mais consistentes no sentido de atender às particularidades

da formação daqueles (as) que acessam esta modalidade de educação.

Rummert e Ventura (2007) consideram que, nos anos 90 do século XX, uma

“nova” identidade de EJA vai se configurando. Ela passa a apresentar-se de forma

mais ampla, embora mais fragmentada, de tal sorte que suas novas características

não alteram sua marca histórica, ou seja, “[...] ser uma educação política e pedago-

gicamente frágil, fortemente marcada pelo aligeiramento, destinada, predominante-

mente, à correção de fluxo e à redução de indicadores de baixa escolaridade e não

à efetiva socialização das bases do conhecimento.” (RUMMERT; VENTURA, 2007,

p. 5). Uma educação que se revela basicamente comprometida com a permanente

construção e manutenção da hegemonia inerente às necessidades de sociabilidade

do próprio capital, ainda muito distante do projeto de emancipação da classe traba-

lhadora, de inspiração paulofreireana.

No período que compreende 2003 a 2006, um número mais significativo de

ações voltadas para a educação de jovens e adultos passa a acontecer. No entanto,

essas ações dão ênfase aos mecanismos de certificação, ora visando à conclusão

do Ensino Fundamental, ora com vistas à formação profissional, de caráter inicial,

com pouca ênfase na conclusão do Ensino Médio. Podemos destacar, entre as

ações circunscritas a período, o Projeto Escola de Fábrica, o Programa Nacional de

Inclusão dos Jovens (PROJOVEM) e o Programa de Integração Profissional de Jo-

vens e Adultos (Proeja), além do Programa Brasil Alfabetizado e o Fazendo Escola,

esses dois últimos, implementados pela então Secretaria de Educação Continuada e

Diversidade (SECAD).

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No ano de 2009 foi realizada a Sexta Conferência Internacional de Educação

de Adultos (VI CONFITEA), sediada em Belém/PA, que se constitui um evento de

âmbito internacional na modalidade EJA e busca discutir o reconhecimento dessa

modalidade educativa da Educação Básica, bem como o processo de aprendizagem

de jovens e adultos (as) como condição fundante à educação ao longo da vida.

Em abril de 2016, no final do governo de Dilma Roussef, em meio às eferves-

cências do processo de impeachment da então presidenta da República, o MEC rea-

lizou o Seminário Internacional de Educação ao Longo da Vida e Balanço Intermedi-

ário da VI CONFITEA no Brasil, cujo objetivo político era se constituir em importante

estratégia para fortalecer as políticas de educação (escolar e não escolar) de jovens

e adultos (as) no contexto nacional. Em virtude do momento político da época, as

discussões foram constantemente entremeadas pelas pautas político-partidárias de

resistência ao impeachment de Dilma Rousseff.

No referido evento, dentre as diversas discussões em pauta, diversos dados

sobre a situação da EJA no Brasil foram divulgados, dentre eles a análise da Pes-

quisa Nacional por Mostra de Domicílios (Pnad) de 2014, que indica que cerca de

25% de pessoas que completaram 18 anos não haviam concluído o Ensino Médio e

não frequentavam a escola naquele ano. Além desses dados, o Censo da Educação

Básica realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais Anísio

Teixeira (INEP), no período compreendido entre 2007 e 2014, registra uma diminui-

ção de matrículas de Educação de Jovens e Adultos, representando uma queda em

média de 4,6% ao ano, e, consequentemente, houve um crescimento de estudantes

com 18 ou mais anos de idade que não completou a Educação Básica, bem como

os (as) adultos (as) de baixa escolaridade fora da escola aumentaram. Esses dados

sugerem que muito precisa ser reformulado na oferta de EJA em todo o país. De

acordo com Nacif, Camargo, Silva, Antunes e Queiroz (2016, p. 102),

a urgência dessa reformulação se impõe, pois a transição demográfica por que vem passando o país agrava ainda mais a situação apresentada. Verifi-ca-se na população brasileira uma maior longevidade, ao mesmo tempo que cai acentuadamente a taxa de natalidade. Isto é, a população tende a ficar mais velha, mantendo-se o número de pessoas com baixa escolaridade (que passam a viver mais). O público de potencial da EJA é maior que o público do chamado ‘regular’, enquanto a taxa de cobertura desta modali-dade é inferior a 4,5%.

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No governo de Temer, vivemos um período de retração das ações voltadas

para a Educação de Jovens e Adultos, principalmente no que tange ao financiamen-

to de políticas públicas para essa modalidade de educação, bem como no que se

refere às pautas reivindicatórias de manutenção dos direitos trabalhistas adquiridos

através de lutas históricas. Essas e outras pautas têm mobilizado a sociedade civil

brasileira, em processos intensos de resistências, inclusive os coletivos sociais que

lutam em prol do fortalecimento do campo da EJA no Brasil.

Nesse ínterim, vivemos vários momentos que fragilizaram o campo da EJA,

dentre eles, o fato ocorrido em dezembro de 2016, quando o então Ministro da Edu-

cação Mendonça Filho declarou na mídia nacional que defendia o fim do ensino no-

turno. Essa declaração se apresentou no campo da EJA como uma possibilidade de

enfraquecimento dessa modalidade da educação básica, na medida em que eviden-

cia incialmente o desconhecimento do direito de reparação social dos (as) jovens e

adultos (as) que historicamente foram alijados (as) do processo de educação; evi-

dencia também a fragilidade de políticas públicas para essa modalidade que rever-

berem em maior financiamento, política de formação de professores (as), produção

e publicização de materiais didáticos adequados à realidade e expectativas desses

(as) atores (atrizes) sociais, bem como demais ações de apoio à formação dos jo-

vens e adultos (as) na Educação Básica.

Uma análise preliminar da literatura nos mostra que pensar na formação de

jovens e adultos (as) na Educação Básica e nas políticas de apoio estudantil para

esse nível de ensino não é uma prática corrente nesse campo. De modo geral, os

estudos sobre educação de jovens e adultos (as) têm se organizado em torno das

seguintes categorias temáticas: políticas públicas para a EJA, alfabetização de jo-

vens e adultos (as), formação de professores (as) e prática pedagógica.

No âmbito das pesquisas sobre formação de jovens e adultos (as) nessa mo-

dalidade de educação, vários trabalhos têm discutido a formação de jovens e adultos

(as) na perspectiva da evasão escolar desses (as) atores (atrizes) sociais.

Lara (2011) investiga a evasão para conhecer as expectativas dos (as) estu-

dantes ao ingressarem na EJA, tendo em vista apontar as causas do elevado índice

de evasão escolar nas séries iniciais dessa modalidade de ensino.

Fonseca (2016) analisa a evasão escolar num projeto de alfabetização e pós-

alfabetização realizado com trabalhadores (as) da construção civil em João Pessoa,

a partir da identificação de fatores que determinam esta evasão, da caracterização

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destes fatores no contexto das condições de vida e de trabalho do (a) estudante, de

sua visão de mundo e identidade de trabalhador (a), e da prática pedagógica do pro-

jeto. Procura compreender como estes fatores se manifestam no âmbito da experi-

ência do projeto.

Motta (2007) apresenta estudo que visa a compreender os fatores que pro-

moveram a evasão escolar, os motivos do regresso e as perspectivas originadas

desse processo na vida de seis estudantes da EJA de uma escola pública São Pau-

lo. O autor aponta para o fato de que os fatores mais marcantes relacionados à eva-

são, ao retorno e às perspectivas futuras desses (as) atores (atrizes) estão vincula-

dos à questão do trabalho, ao resgate da autoestima e à realização pessoal e profis-

sional.

Outras pesquisas focalizam a investigação da evasão escolar no Curso Pro-

grama Nacional de Integração Profissional com a Educação Básica na Modalidade

de Educação de Jovens e Adultos, como Oliveira (2011), que, dentre as causas da

evasão investigadas, destaca a falta de identificação com a especialização profissio-

nal oferecida, a qual apresenta demanda restrita no mercado de trabalho; o despre-

paro do corpo docente para atuação nesta modalidade de ensino e as dificuldades

relativas à acessibilidade, especialmente no tocante à falta de meios de transporte.

A escola pública tem sido um dos espaços institucionais de busca pelo pro-

cesso de continuidade dos estudos para muitos jovens e adultos (as), mas que, con-

traditoriamente, não tem contribuído com eles para a conclusão da educação básica.

Pesquisas sobre escolarização de jovens e adultos (as) e evasão (ANDRADE,

2005), por exemplo, buscam compreender, do ponto de vista dos (as) estudantes e

dos (as) professores, o alto índice de evasão e repetência constantes nessa modali-

dade de ensino em município do interior de Minas Gerais, impedindo a conclusão da

educação básica.

Santos (2012) observa que, ao analisar casos de trajetórias escolares ininter-

ruptas de estudantes da EJA no Ensino Fundamental, identificou que a experiência

de cursar essa etapa ininterruptamente perpassa as relações de sociabilidades

construídas nesse ambiente, bem como pela criação de estratégias pessoais de

mudança de horário no trabalho e delegar a parentes e/ou amigos (as) o cuidado

dos (as) filhos nos horários destinados aos estudos.

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2.1.1 O cenário da EJA estadual na Bahia

Nos últimos anos, mais precisamente durante o ano de 2016, o Brasil intensi-

ficou os questionamentos sobre a qualidade do Ensino Médio ofertado e sobre a re-

formulação deste, já que não tem cumprido efetivamente seu objetivo, haja visto que

não tem contribuído para o ingresso dos (as) estudantes no ensino superior, assim

como um número ainda tímido de jovens se encontram no mundo do trabalho.

Várias pesquisas têm apontado para a falta de atratividade dos currículos es-

colares, que, associada à baixa qualidade do ensino, tem sido um dos principais fa-

tores para o alto índice de evasão e de reprovação no Ensino Médio, isso no deno-

minado Ensino Médio seriado, frequentado por estudantes jovens, verificados atra-

vés das avaliações em larga escala aplicadas no país. As dificuldades que perpas-

sam o Ensino Médio foram comprovadas a partir da divulgação do Índice de Desen-

volvimento da Educação Básica (IDEB), referente ao ano de 2015, que se mostrou,

em sua maioria, abaixo da meta prevista.

Compreendendo que muitos dos jovens e adultos (as) que acessam o Ensino

Médio o fazem em busca da conclusão dessa etapa de escolarização da Educação

Básica, principalmente para fins de ingresso ou progressão em áreas profissionais

que possam garantir maior rentabilidade e, consequentemente, qualidade de vida

para si e para sua família, considerei que investigar de que maneira esses (as) estu-

dantes conciliam tempo de vida, de estudo e de trabalho seria importante para com-

preender essa problemática.

Pensando em toda essa questão, escolhemos investigar, através da escuta

sensível (BARBIER, 2007), alguns estudantes, professores (as), gestores (as) e ato-

res (atrizes) sociais que frequentam as escolas pesquisadas como espaços sociais

que têm contribuído para as políticas de permanência de jovens e adultos (as) na

Educação Básica no estado da Bahia.

Na contramão das políticas de permanência na EJA, desde 2013, a Secretaria

de Educação do Estado da Bahia vem desenvolvendo uma política de matrícula na

rede estadual de ensino, na qual se verifica uma redução significativa da oferta dos

anos iniciais da Educação Básica, que, numa escala de conversão, corresponderia

ao Ensino Fundamental, anos iniciais e finais, tendo como discurso e amparo legal o

artigo 11 , Inciso V, da LDB nº 9.394/1996 que afirma que:

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Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de: [...] V – oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com priorida-de, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vincu-lados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensi-no. (BRASIL, 1996).

Compreendemos que gradativamente a transferência de responsabilidade da

oferta do Ensino Fundamental é necessária e legal, no entanto, ela precisa aconte-

cer considerando as condições econômicas, sociais e políticas de cada território de

identidade da Bahia, e, consequentemente, de cada município, bem como ser reali-

zada a partir de um plano de ação conjunto entre estado e municípios, tendo em vis-

ta a articulação de transferências/ações financeiras, administrativas e pedagógicas

em prol da garantia dessa oferta com qualidade. O que foi possível identificar nos

anos em que estive à frente da Coordenação Estadual da EJA (2013-2017) na

SEC/BA, foi uma transferência pouco cuidadosa dessa responsabilidade aos muni-

cípios, com parca orientação e formação para as equipes de gestores (as) munici-

pais, principalmente no que se refere à oferta do Ensino Fundamental na modalida-

de EJA.

Outro fato observado durante esse o período diz respeito ao fechamento de

turmas de Ensino Médio na modalidade EJA, principalmente nos povoados localiza-

dos no campo, onde a justificativa maior versava sobre o baixo número de estudan-

tes matriculados (as), o que, segundo os responsáveis, não justificava a manutenção

de turmas na localidade. Essas medidas provocaram transtornos na vida dos (as)

atores (atrizes) sociais da EJA, pois, para concluir a Educação Básica, os (as) estu-

dantes têm que se deslocar para a “sede” do município, o que por sua vez era deve-

ras complicado, principalmente porque teriam que depender do transporte escolar

ofertado pelo município no turno noturno.

Além do fechamento de turmas/turnos que ofertam EJA em vários municípios,

temos o agravante problema da falta de oferta de cursos de EJA em diversos muni-

cípios baianos, como veremos no quadro a seguir:

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Quadro 1 – Municípios baianos sem oferta de EJA (2016) (continua)

Nº TERRITÓRIO DE IDENTIDADE

MUNICÍPIOS SEM OFERTA DE EJA

TOTAL

01 Irecê Barra do Men-des/Cafarnaum/Itaguaçu da

Bahia/Mulungu do Morro/Uibaí

05

02 Velho Chico Malha/Sítio do Mato 02

03 Chapada Diamantina

Abaíra/Barra da Esti-va/Boninal/Ibicoara

04

04 Sisal

Barrocas/Monte San-to/Quijingue

03

05 Litoral Sul Almadina/Arataca/Aurelino Leal/

Barro Preto/Floresta Azul/Maraú/

Mascote/Itapitanga/Santa Lui-za

09

06 Baixo Sul Aratuípe/Ituberá/Jaguaripe. 03

07 Extremo Sul Caravelas/Vereda

02

08 Médio Sudoeste da Bahia

Firmino Alves/Santa Cruz da Vitória

03

09 Vale do Jiquiriçá Irajuba/Lajedo do Tabocal

03

11 Bacia do Rio Grande Angi-cal/Baianópolis/Catolândia/ Cristópolis/Formosa do Rio

Preto/Mansidão/Riachão das Neves/Santa Rita de Cássia

08

13 Sertão Produtivo

Contendas do Sincorá/ Dom Basílio /Ituaçu / Malha de Pe-

dras/ Rio Antônio/Tanhaçu.

06

15 Bacia do Jacuípe

Pintadas /São José do Jacuípe /

Várzea do Poço.

03

16 Piemonte da Diamantina Mirangaba/ Várzea Nova 02

Fonte: Elaborado pela autora, 2018

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Quadro 1 – Municípios baianos sem oferta de EJA (2016) (conclusão)

Nº TERRITÓRIO DE IDENTIDADE

MUNICÍPIOS SEM OFERTA DE EJA

TOTAL

17 Semiárido Nordeste II Adustina/Antas/ Cícero Dantas/Cipó/Coronel

João Sá/Novo Triun-fo/Paripiranga/

Pedro Alexandre/Santa Brígi-da/

Sítio do Quinto.

10

18 Litoral Norte e Agreste Baiano

Aramari/Cardeal da Silva/ Crisópolis/Esplanada/Jandaíra

/Pedrão

06

19 Portal do Sertão Água Fria/Antônio Cardoso/ Ipecaetá/Teodoro Sam-

paio/Terra Nova

05

20 Sudoeste Baiano Anagé/Aracatu/Bom Jesus da Serra/

Caetanos/ Cândio Sales/ En-cruzilhada/ Maetinga/Piripá/ Ribeirão do Largo/Tremedal

10

21 Recôncavo Salinas das Margaridas 01

22 Médio Rio de Contas Apuarema/Barra do Ro-cha/Itamari

03

23 Bacia do Rio Corrente Brejolandia/Canápolis /Cocos/Jaborandi/Santa Maria

da Vitória/Tabocas do Brejo Velho.

06

24 Itaparica Abaré/Chorrochó/Macururé 03

25 Piemonte Norte do Itapicuru

Caldeirão Grande 01

27 Costa do Descobrimento Itagimirim 01

Fonte: Elaborado pela autora, 2018

Esses dados foram levantados em 2016 pela Coordenação de Educação de

Jovens e Adultos (CJA) e revelam o grande número de jovens e adultos (as) que

não têm acesso ao Ensino Médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos no

estado da Bahia, perfazendo um total de aproximadamente 100 municípios localiza-

dos nos 27 Territórios de Identidade5 da Bahia, exceto o território de identidade Me-

5 O termo território de identidade é aqui utilizado para referir-se ao espaço físico, geograficamente

definido, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população com grupos sociais relativamente

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tropolitano de Salvador, no qual todos os municípios a ele pertencentes ofertam cur-

sos de EJA.

Com relação ao perfil dos/as estudantes da EJA, Haddad e Di Pierro (2000, p.

126-127) comentam que:

[...] emerge um segundo desafio para a educação de jovens e adultos, re-presentado pelo perfil crescentemente juvenil dos (as) estudantes em seus programas, grande parte dos quais são adolescentes excluídos da escola regular. Há uma ou duas décadas, a maioria dos (as) educandos (as) de programas de alfabetização e de escolarização de jovens e adultos (as) eram pessoas a partir de 50 anos ou idosas, de origem rural, que nunca ti-nham tido oportunidades escolares. A partir dos anos 80, os programas de escolarização de adultos (as) passaram a acolher um novo grupo social constituído por jovens de origem urbana, cuja trajetória escolar anterior foi malsucedida.

A vinda, cada vez maior, dos (as) jovens nas salas de EJA tem modificado o

ambiente escolar, pois tem sido necessária a convivência dos (as) jovens com os

(as) adultos (as) e os idosos (as), cujas expectativas escolares e de vida são diferen-

tes, além de exigir uma nova postura do (a) professor (a).

2.2 Políticas da EJA e políticas na EJA

De acordo com o dicionário de filosofia, a palavra política tem origem no gre-

go politikós, polis, que significa tudo o que diz respeito à cidade, ao que é urbano,

civil e público. Esse termo foi utilizado durante séculos para se referir às atividades

humanas vinculadas ao Estado. Hanna Arendt (2013), na obra Entre o passado e o

futuro, ao tratar do tema política, reporta-se a Aristóteles, que, na sua obra clássica

A Política, considera que a polis se constitui numa comunidade de iguais, tendo em

vista uma vida que é potencialmente a melhor.

É nas palavras de Freire (1974) que a associação entre política e educação

ganha pertinência acadêmica e política. Para esse autor, educação é um ato político,

um ato de amor, por isso, um ato de coragem, que não pode desconsiderar o deba-

te, a análise da realidade, ou seja, “[...] não pode fugir à discussão criadora, sob pe-

na de ser uma farsa [...]” (FREIRE, 1974, p. 96). A partir dessa compreensão, não

distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade, coesão social, cultural e territorial. Disponível em: http://www.seplan.ba.gov.br. Acesso em: 02 abr. 2017.

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podemos pensar na transformação da sociedade sem a compreensão do seu pro-

cesso.

Oferecendo grande contribuição para os estudos brasileiros sobre movimen-

tos sociais e emancipação do sujeito, Arroyo (2012) observa que, “[...] Na cultura

social e política ainda predomina a crença de que na medida em que as políticas

distributivas universalistas diminuam as distâncias entre pobres e ricos (as), as dis-

tâncias de raça e gênero, orientação sexual, campo, periferias serão eliminadas”

(ARROYO, 2012, p. 164). O referido autor (2012) nos convoca a refletir sobre a cen-

tralidade da cultura social e política no que se refere à ênfase nas políticas distributi-

vas, como se diminuir as diferenças entre ricos (as) e pobres, assimetricamente, fos-

se diminuir as diferenças na sociedade.

Chamando atenção para essa situação, Arroyo (2012) alerta que a crítica dos

movimentos sociais vai mais longe, pois destaca a timidez e os limites dessas políti-

cas distributivas compensatórias, como estratégias de controle e de regulação das

lutas por direitos, por igualdade social, ética, racial, de gênero, de orientação sexual,

por direito a terra, trabalho, espaço, memórias, identidades, e, principalmente, por

direito a outra educação, por outras políticas.

As reflexões provocadas por Arroyo (2012) colaboram para a compreensão

de que as respostas do Estado à emergência das pautas em que a diferença se

apresenta como centralidade denotam um viés universalista, o que vem resultando

no ocultamento das diferenças, e, nesse sentido, há uma exigência dos movimentos

sociais por políticas mais efetivas que reflitam a complexidade da situação. No cam-

po da EJA, em especial no plano governamental, essas diferenças ainda são trata-

das de forma pasteurizada, invisibilizando o fato de que ser um (a) jovem ou adulto

(a) que em pleno século XXI ainda não concluiu a Educação Básica o (a) exclui do

acesso aos bens culturais, materiais e políticos.

Desse modo, ao tratar da formação de jovens e adultos (a) na EJA, torna-se

inevitável trazer à tona o lugar da mulher, mãe e trabalhadora que se encontra na

desafiadora tarefa de trabalhar, retornar aos estudos e cuidar dos (as) filhos (as);

mães que muitas vezes têm feito a opção mais uma vez de abandonar os estudos

para cuidar da prole; há que refletir também sobre o desafio dos (as) estudantes jo-

vens e adultos (as) com necessidades especiais, que não podem frequentar as au-

las no noturno em decorrência das limitações da saúde, mas se veem na condição

de abandono dos estudos devido à pouca oferta de vagas da EJA no diurno.

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Vale lembrar que, apesar da existência histórica de uma dívida social com os

(as) jovens e adultos (as) que não puderam continuar seus estudos em nível médio,

as políticas públicas existentes em nosso país, para esse campo de estudo, pouco

tocam questões nevrálgicas da formação de jovens e adultos (as) na Educação Bá-

sica.

Nessa pesquisa optei por utilizar o termo políticas de permanência à formação

de jovens e adultos (as), por considerar que o termo política assistencial estudantil6

carrega a histórica visão de assistencialismo, doação, benesse aos (às) estudantes

jovens e adultos (as) destinatários (as) dessas políticas. Nesse viés, as desigualda-

des são reduzidas às carências, os (as) diferentes são vistos (as) como atores (atri-

zes) sociais faltantes e não diferentes, que, portanto, necessitam de políticas que

realcem as especificidades de vida, orientação sexual, trabalho, vida, dentre outras.

Como bem observa Arroyo (2012), “as raízes estruturais, políticas, econômi-

cas da produção e reprodução da diversidade de desigualdades exige políticas mais

radicais e estruturais do que os tímidos programas de diminuição de distâncias soci-

ais.” (ARROYO, 2012, p. 167). Assim, é possível afirmar que a eliminação da dívida

social histórica desse país para com os (as) jovens e adultos (as), no que se refere

às condições para que o processo formativo na Educação Básica aconteça de forma

digna, terá lugar através da elaboração de políticas públicas a partir da escuta des-

ses (as) atores (atrizes) sociais.

Para Arendt (2010), agir, em seu sentido mais geral, significa tomar iniciativa,

iniciar (como indica a palavra grega archein, “começar”, “conduzir” e, finalmente,

“governar”), imprimir movimento a alguma coisa (que é o significado original do ter-

mo latino agere). Por constituírem um initium, por serem recém-chegados e iniciado-

res em virtude do fato de terem nascido, os homens tomam iniciativas, são impelidos

a agir. [Initium] ergo ut esset, creatus est homo, ante quem mullus fuit (para que

houvesse um início, o homem foi criado, sem que antes dele ninguém o fosse), diz

Agostinho, em sua filosofia política.

6 É importante distinguir acerca dos termos assistência e assistencialismo, que de acordo com o Con-

selho Federal de Serviço Social (CFESS), a assistência social é uma política pública prevista na Constituição Federal e direito de cidadãos e cidadãs, tais como a saúde, a educação, a previdência social, dentre outras. O assistencialismo, por sua vez, se constitui em uma: forma de oferta de um serviço por meio de uma doação, favor, boa vontade ou interesse de alguém, e, não como um direito assegurado normativamente.

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[...] A crença popular de um ‘homem forte’, que, isolado dos outros, deve sua força ao fato de estar só, é ou mera superstição, baseada na ilusão de que podemos “produzir” algo no domínio dos assuntos humanos – “produzir” instituições ou leis, por exemplo, como fazemos mesas e cadeiras, ou pro-duzir homens ‘melhores’ ou ‘piores’ – ou é, então, a desesperança consci-ente de toda ação, política e não política, aliada à esperança utópica de que seja possível tratar os homens como se tratam outros ‘materiais’. (ARENDT, 2010, p. 235-236).

Esse trecho da obra de Arendt (2010) nos ajuda a refletir sobre tantas políti-

cas públicas pensadas e instituídas nos gabinetes institucionais, sem discussões

com o coletivo dos (as) atores (atrizes) sociais que serão impactados por elas. Políti-

cas que em muitas situações não levam em consideração os (as) atores (atrizes)

sociais diretamente envolvidos (as), tornando-se palavras ocas, sem eco, sem res-

sonância. É nesse sentido que pensar em políticas de permanência para jovens e

adultos (as) em processo de escolarização na Educação Básica deve, em primeira

instância, ouvir os (as) atores (atrizes) sociais envolvidos (as0: estudantes, professo-

res (as), família, órgãos colegiados, movimentos sociais, órgãos governamentais,

dentre outros (as).

Desse modo, para Arendt (2010, p. 220),

O discurso e a ação revelam essa distinção única. Por meio deles, os ho-mens podem distinguir a si próprios, ao invés de permanecerem apenas dis-tintos; a ação e discurso são os modos pelos quais os seres humanos apa-recem uns para os outros, certamente não como objetos físicos, mas qua homens. Esse aparecimento, em contraposição à mera existência corpórea, depende da iniciativa, mas trata-se de uma iniciativa da qual nenhum ser humano pode abster-se sem deixar de ser humano. Isso não ocorre com nenhuma outra atividade da vita activa [...]

Nas palavras de Arendt (2010), precisamos nos mover com o discurso e a

ação. No campo da política, essa articulação é fundamental para traduzirmos os an-

seios e necessidades de um determinado segmento da sociedade.

A formação do Estado moderno e o desenvolvimento das revoluções bur-guesas apoiam-se, justamente, em um imbricamento particular em que inte-resses privados, particulares e os públicos encontram pontos de articulação através de uma visão de mundo que foi exaustivamente analisada por auto-res como Max Weber. A eficácia dessa visão de mundo passava por sua capacidade de articular domínios diferenciados ou em processo de diferen-ciação. A modernidade está associada a uma fragmentação e/ou diferenciação de esferas da vida social e cultural. A cultura da burguesia foi capaz de, parale-lamente, diferenciar domínios como a família e o trabalho, mas, ao mesmo tempo, reorganizar suas vinculações e organicidade em outros patamares e instâncias.

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[...] Contemporaneamente, pelo menos, desde o início do século XX, há cla-ras demonstrações culturais e artísticas que trazem a marca da contradição, da fragmentação e da desintegração [...]. (VELHO, 2006, p. 86-87).

Adverte-nos Velho (2006) quanto à existência de marcas históricas de fusão

entre interesses públicos e privados desde a formação do Estado moderno e o de-

senvolvimento da revolução burguesa. Destaca ainda o autor (2006) que, se por um

lado a modernidade está associada à fragmentação nas esferas social e cultural, por

outro, ela realiza associações em outros níveis e instâncias sociais que lhes interes-

sam. Na contemporaneidade, vemos demonstrações de contradições, de desinte-

gração e fragmentação, algumas das quais no campo da articulação política da so-

ciedade, salvo alguns momentos históricos da sociedade brasileira, como nos anos

finais da década de 50 do século XX, quando movimentos de cultura popular impul-

sionaram campanhas de alfabetização de adultos (as); nos anos 90 do mesmo sécu-

lo, quando os movimentos sociais foram às ruas: movimento dos (as) sem-terra, dos

(as) sem-teto, dos (as) campesinos (as), dos homoafetivos, indígenas, das mulheres

a lutar por políticas de reparação.

A história da Educação de Jovens e Adultos nos mostra que o grande número

e a variedade de programas de alfabetização de jovens e adultos (as) descontínuos

não favoreceu o fortalecimento desse campo por meio de políticas públicas. Torna-

se necessária a mobilização dos (as) atores (atrizes) sociais em prol de políticas pú-

blicas para essa modalidade da educação básica, pois os jovens e adultos (as) da

EJA vivenciam cotidianamente a exclusão social dos seus direitos – à educação, à

moradia, à saúde, ao lazer, dentre outros.

Bonetti (2006) afirma que as políticas públicas são produzidas por agentes

definidores. De acordo com o autor (2006), um dos importantes agentes determinan-

tes de políticas públicas nacionais são as elites internacionais.

Fátima Urpia (2009), assevera que a EJA vem passando por transformações

importantes, mas que se situam na perspectiva de organismos internacionais como

a UNESCO — educação voltada para a cidadania e não para a emancipação huma-

na. Sobre essa questão, recordo-me que, durante a realização da Conferência Ge-

ral, realizada em Paris, em novembro de 2015, a UNESCO, na sua 38ª sessão, trou-

xe como pauta a Recomendação sobre a Aprendizagem de Adultos, em define ne-

cessidade de políticas públicas em vários países para essa modalidade da educa-

ção.

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Em dezembro de 2016, foi realizado o Seminário Internacional sobre Educa-

ção ao Longo da Vida – CONFITEA BRASIL + 6 e, no mesmo evento, o Seminário

Internacional de Educação ao Longo da Vida, a Reunião Técnica Brasileira de ba-

lanço Intermediário do Marco de Ação de Belém e a Reunião de Órgãos de Coope-

ração Técnica Internacionais, caracterizando-se como uma importante estratégia

para trazer a educação (formal e não formal) de jovens e adultos (as) para a agenda

nacional.

É importante destacar que o Seminário foi planejado, organizado e coordena-

do por um Grupo de Trabalho composto de representantes de órgãos governamen-

tais e diversas instituições. Assim, o evento foi composto por estudiosos (as), gesto-

res (as), profissionais da educação, lideranças da sociedade civil, atores (atrizes)

sociais de diversos segmentos educacionais e de setores sociais vinculados ao pro-

cesso de educação de jovens e adultos (as), tendo como alvo a educação popular

como forma de educação ao longo da vida.

Esse seminário possibilitou revisitar compromissos com a política brasileira de

educação de adultos (as) na perspectiva da Educação ao Longo da Vida, bem como

de lócus de avaliação das ações educacionais realizadas no território nacional no

campo da EJA. Nesse evento, foi aprovado o documento intitulado Marco de Ação

de Belém, o que gerou o compromisso, da parte do governo brasileiro, de se instalar

no país um processo de debate para a formulação de políticas públicas de educação

de jovens e adultos (as) ao longo da vida. Esse documento tem se constituído dis-

positivo político importante para se lutar em prol de ações de fortalecimento do cam-

po da EJA no Brasil.

As conferências internacionais de educação de jovens e adultos (as) realiza-

das nos últimos sessenta anos já apontavam para a indicação de políticas globais de

ensino relacionadas à Educação ao Longo da Vida, inclusive no VI CONFITEA, rea-

lizado em 2009, no município de Belém/PA.

Em fevereiro de 2017 teve lugar em Brasília a reunião para apresentação do

3º Relatório Global sobre aprendizagem de Adultos (GRALE III), promovido pela

UNESCO, cujo objetivo foi discutir o impacto da aprendizagem e da educação de

adultos (as) na saúde e no bem-estar, no emprego, no mercado de trabalho e na

vida social, cívica em comunitária.

No prefácio desse relatório, são explicitados os objetivos que o norteiam: ana-

lisar os resultados de um estudo de monitoramento dos Estados-membros da

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UNESCO e realizar um balanço sobre se os países estão cumprindo os compromis-

sos que acordaram na Conferência Nacional de Educação de Adultos (CONFITEA)

VI; fortalecer a questão da aprendizagem e a educação de adultos (as), comprovan-

do seus benefícios em saúde e bem-estar, no emprego e no mercado de trabalho,

bem como na vida social, cívica e comunitária; fornecer uma plataforma para o de-

bate e a ação, no âmbito nacional, regional e global.

De acordo com o GRALE III, no capítulo intitulado Mensagens Principais, oito

itens foram apresentados tendo em vista o monitoramento e a avaliação dos com-

promissos firmados com os membros-nações no encontro internacional realizado em

Belém, em 2009. Nesse documento, relata-se que os países-membros participantes

da UNESCO mencionam progressos em todas as áreas do Marco de Ação de Belém

de 2009:

Política: 75% dos países relataram ter melhorado suas políticas na área

de aprendizagem e educação de adultos (as) desde 2009. 70% deles

promulgaram novas políticas;

Governança: 68% dos países relataram que ocorrem consultas entre as

partes interessadas na educação de adultos (as) e a sociedade civil, no

intuito de assegurar que os programas voltados à educação de adultos

(as) estejam vinculados às necessidades deste segmento;

Financiamento: foi identificado que a aprendizagem e a educação de

adultos (as) ainda recebem apenas uma ínfima parcela do financiamento

público, cerca de 42% dos países gastam menos de 1% dos seus orça-

mentos em educação pública na aprendizagem e educação de adultos

(as) e apenas 23% dos países gastam mais de 4%;

Participação: os índices de participação aumentaram em três entre cinco

países, mas uma grande parcela dos adultos (as) ainda está excluída da

aprendizagem e da educação de adultos (as);

Qualidade: 66% dos países compilam dados sobre índices de conclusão

de curso, e 72% compilam informações sobre certificação. 81% dos paí-

ses fornecem formação preparatória e formação em serviço para educa-

dores (as) e profissionais de aprendizagem e educação de adultos (as).

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Outro aspecto destacado no 3º Relatório Global sobre aprendizagem de Adul-

tos (GRALE III) explicita que a aprendizagem e a educação de adultos (as) são

componentes-chave da aprendizagem ao longo da vida, e que poderão contribuir

para a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. No entanto, o próprio do-

cumento evidencia que os níveis de alfabetização de adultos (as) permanecem bai-

xos, assim como a desigualdade de gênero continua a ser uma preocupação.

Na avaliação geral do Relatório, considera-se que, apesar dos progressos no

monitoramento e na avaliação da aprendizagem de adultos (as) desde 2009, dados

básicos sobre a aprendizagem e a educação de adultos (as) continuam sendo ina-

dequados, e, desse modo, seus verdadeiros efeitos são pouco compreendidos. Ou-

tro aspecto importante trazido pelo Relatório é que o foco em 2030 é estimular a ca-

pacitação das pessoas para atender as demandas do futuro.

Além dos agentes internacionais, nas palavras de Bonetti (2006, p. 59), existe

ainda outra composição de forças agindo como “[...] agentes definidores das políti-

cas públicas, que são as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais

em geral, que atuam no âmbito nacional e global. ”

No século XX havia também a presença dos movimentos sociais, mas o que

diferencia esse momento atual? Para o autor (2006, p. 60), “[...] os movimentos so-

ciais hoje se apresentam como resultado de um processo de mundialização no con-

texto de suas múltiplas formas e dentro de uma trama histórica complexa, derivadas

tanto do inédito quanto do ressurgente [...]”. Desse modo, a participação dos movi-

mentos sociais constitui um importante fator para que políticas públicas sejam pen-

sadas a partir dos (as) atores (atrizes) sociais atravessados por elas.

Ao refletir sobre essas questões, lembrei-me que, durante uma videoconfe-

rência realizada no mês de maio de 2017, com a presença de gestores (as) escola-

res da rede estadual de ensino que ofertam cursos da EJA, uma fala me chamou

atenção: nessa reunião, que envolvia 16 dos 27 territórios de identidade da Bahia,

ao discutirmos sobre a oferta da EJA nos diversos turnos de funcionamento da esco-

la, uma gestora escolar afirmou que professores (as), gestores (as) e estudantes da

EJA necessitam se mobilizar para rever questões relacionadas ao campo da EJA na

Bahia, dentre elas o fechamento das escolas e turmas para esses atores (atrizes)

sociais.

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Esse pensar reflexivo sobre o cotidiano, expresso nas palavras dessa gesto-

ra, nos aponta para a retomada das ações coletivas pensadaspraticadas7 pelos (as)

atores (atrizes) sociais em prol da melhoria da oferta da educação proposta pe-

los/para os (as) jovens e adultos (as), que, em muitas situações, são afetados (as)

pelo alijamento dos seus direitos.

Macedo (2012) afirma que, quando a heterogeneidade coloca-se como condi-

ção humana, e o outro revela-se em dignidade e em conquistas igualitárias, as soci-

edades que se pautam na compreensão e na constituição social com o outro, a partir

de lutas políticas, se movimentam e se transformam, alterando-se por dentro, pois

compreendem que não existem leituras únicas do mundo, ou seja, cada um de nós

constrói identificações e, de forma articulada, produz pautas comuns, a partir de

análise e compreensões de suas realidades.

No prefácio da 49ª reimpressão do livro de Paulo Freire, Pedagogia da Auto-

nomia, o professor Ernani Maria Fiori inicia o texto falando do patrono da Educação

Brasileira; afirma que “Paulo Freire é um pensador comprometido com a vida: não

pensa ideias, pensa a existência” (FIORI, 2005, p. 7). Dito isso, posso afirmar que

Freire falava da necessidade de se pensar em formas de apoiar os (as) estudantes

trabalhadores (as) da EJA na sua vida existencial, o que implica conceber os (as)

jovens e adultos (as) com pessoas em sua totalidade.

No campo das pesquisas sobre as políticas públicas para a Educação de

Jovens e Adultos no Brasil, Pierro (2005) aborda o processo de redefinição da

identidade da Educação de Jovens e Adultos, desencadeado pelo reconhecimento

da identidade sociocultural dos (as) educandos (as), bem como pelo embate do pa-

radigma compensatório e da educação continuada ao longo da vida. Discute tam-

bém os desafios e impasses das políticas públicas para superar a posição marginal

ocupada pela EJA na reforma política realizada na segunda metade dos anos 90 do

século XX. Aponta ainda os principais desafios a serem respondidos pelas políticas

públicas no presente, tais como a articulação entre alfabetização e escolarização, as

estratégias de financiamento público e a colaboração entre as instâncias do gover-

no, assim como a formação e a profissionalização dos (as) educadores (as).

Ainda com o foco nas políticas públicas, Rummert e Ventura (2007) apontam

para o fato de que os principais programas para a educação de jovens e adultos (as)

7 O termo pensadopraticado é cunhado por Alves, ao se referir aos currículos escolares que são

criados no plano das ideias e se corporificam no cotidiano das escolas.

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trabalhadores (as) no MEC representam rearranjos na mesma lógica que sempre

presidiu as políticas para a educação de jovens e adultos (as) no Brasil, e que con-

sistiu em atender as necessidades de sociabilidade do próprio capital. As autoras

mostram que as políticas públicas de caráter aligeirado e compensatório reiteram, a

partir de reordenamentos econômicos, os quais corroboram o desemprego estrutural

e novas formulações ideológicas centradas no empreendedorismo e na empregabili-

dade, a subalternidade das propostas de educação para a classe trabalhadora.

Rummert e Ventura (2007) analisam, em especial, os programas Brasil Alfabetizado

e o Fazendo Escola no conjunto das políticas de governo para a educação, procu-

rando evidenciar o quanto esse tipo de política reafirma o caráter seletivo e exclu-

dente do sistema educacional no Brasil.

Pietro, Joia e Ribeiro (2009) apresentam a situação atual da Educação de Jo-

vens e Adultos no Brasil, realizando uma revisão histórica das políticas de EJA nas

grandes reformas educacionais deste século e analisam as possibilidades de se rea-

lizar uma educação em suplência que, de forma renovada, não acabe por reproduzir

os equívocos do passado nem escolarize demais esse nível de ensino.

Machado (2009) analisa historicamente as ações do governo federal quanto

aos seus marcos legais, operacionais e políticos, no período entre 1996 e 2009, a

fim de compreender como as ações do Estado e da sociedade civil interferiram na

consolidação ou não desse campo enquanto política pública. A autora realiza um

levantamento analítico dos programas, projetos e ações promovidas pelo governo

federal para a educação de jovens e adultos (as), avaliando a distância entre o pro-

posto e o executado pelo governo, principalmente no que tange aos impactos nos

âmbitos das políticas públicas para a EJA municipais e estaduais e sua relação com

as demandas postas pelos movimentos sociais, através dos fóruns da EJA do Brasil

e pelas agendas nacionais e internacionais que a envolvem.

Entre os teóricos deste campo, é em Maria Machado (2009) que encontro as

bases para uma reflexão que parece ausente da literatura científica sobre a Educa-

ção de Jovens e Adultos. É esta autora que, ao discutir sobre políticas públicas para

a EJA, aponta para o fato de que esta é, em si mesma, uma política, para a qual se

tem dado pouca atenção. Ao propor uma discussão sobre a possibilidade de a edu-

cação de jovens e adultos (a) constituir-se como política pública, a autora acaba por

nos colocar diante do fato de que a constituição da EJA enquanto política pública no

Brasil exige pensar em políticas para a EJA, questão que muito me interessa.

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Uma análise preliminar em torno do campo dos estudos da Educação de Jo-

vens e Adultos, em especial sobre formação de jovens e adultos (as), bem como

sobre políticas públicas na EJA, apontou pelo menos três direções: primeiro, para o

fato de que não há investimento numa discussão mais criteriosa sobre este campo,

do ponto de vista da formação dos estudantes trabalhadores (as) aos quais se desti-

na esta modalidade de ensino, apesar de essa preocupação só aparecer de forma

mais clara na proposta de Paulo Freire para a educação de jovens e adultos (as);

segundo, a ausência de uma discussão mais abrangente sobre a formação de jo-

vens e adultos (as) na EJA, capaz de oferecer uma leitura multirreferencial, sensível

às perspectivas dos diferentes atores (atrizes) sociais envolvidos no desafiador pro-

jeto de dar concretude a uma formação tão marcada pelos desafios (as) da vida co-

tidiana do (a) estudante trabalhador (a); e terceiro, que as discussões no campo da

EJA pouco têm apontado a necessidade de políticas de permanência na Educação

Básica como uma questão central na formação destes. Sob esse viés, inferimos que

os estudos sobre a permanência de jovens e adultos (as) nessa modalidade de edu-

cação nos apontam possibilidades de pensar a formação desses (as) atores (atrizes)

sociais, a partir de suas demandas existenciais; sugerem outras formas de apoio

para pensar sua formação, provocando proposições de políticas de permanência de

jovens e adultos na Educação Básica.

No campo dos estudos sobre a educação superior, ocorre o contrário. A dis-

cussão avança, saindo de uma visão assistencialista para uma visão afirmativa. A

temática da assistência hoje faz parte de uma discussão mais ampla compreendida

no cenário das políticas de ação afirmativa. Neste campo, Piva (2011) buscou in-

vestigar se as práticas de assistência estudantil alteraram-se ao longo do tempo e se

estão condizentes com a atual expansão do ensino profissionalizante em instituições

do ensino superior. Kowalski (2012) analisou de que modo a política educacional

de assistência estudantil se efetiva na garantia de direitos aos (às) estudantes que

ingressam em instituições federais de ensino superior. Silveira (2012) buscou co-

nhecer e refletir sobre as ações ligadas à política de assistência estudantil, realizan-

do uma pesquisa por meio de consulta aos sites das quatorze instituições federais

criadas ou federalizadas durante o período de 2003 a 2010. Seu objetivo era identifi-

car os serviços, projetos e programas existentes em torno da permanência. Menezes

(2012) identifica, por sua vez, de que forma a bolsa de assistên-

cia estudantil contribui para permanência do (a) estudante bolsista da UFRJ. Mariz

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(2012) analisa quais os desdobramentos do Programa Nacional

de Assistência Estudantil (PNAES) na assistência ao (à) estudante da UFPB, identi-

ficando os avanços e/ou retrocessos para a efetivação do direito de acesso e per-

manência à/na universidade.

No conjunto dos estudos sobre a permanência, identifiquei uma autora discu-

tindo a permanência de estudantes jovens e adultos (as) do Proeja vinculados aos

institutos federais de educação: trata-se de Pereira (2011), que analisa os fatores

que favorecem ou dificultam o acesso e a permanência dos (as) estudantes do Pro-

grama Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na

Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, desenvolvido no Campus Goiânia do

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG).

A questão que ora se apresenta é que as discussões acerca das políticas de

apoio estudantil têm se concentrado de certa forma no campo dos estudos sobre

educação superior, mobilizadas pelas últimas reformas no seio das universidades

públicas brasileiras. No que tange à Educação Básica, as pesquisas voltadas para

as políticas de permanência estudantil na Educação de Jovens e Adultos ainda se

apresentam em número muito reduzido. Dentre estas, destaca-se a pesquisa de

Santana (2011), que realizou uma investigação sobre o abandono e as estratégias

desenvolvidas para permanência dos (as) educandos (as) no processo de escolari-

zação no Primeiro Segmento da Educação de Jovens e Adultos (SEJA I) do municí-

pio de Salvador. Trata-se, porém, de um estudo sobre estratégias que estão cir-

cunscritas ou ao âmbito das iniciativas individuais do (a) estudante ou ao âmbito das

iniciativas grupais, sem uma ampliação para a discussão das políticas públicas de

apoio à formação do (a) estudante. Cardoso e Mendonça (2012) tratam mais direta-

mente da assistência estudantil e buscam analisar como a legislação federal trata

essa questão na Educação de Jovens e Adultos. Estas pesquisas merecem, a meu

ver, maiores investimentos, especialmente no que se refere à articulação com a dis-

cussão mais ampla da formação no âmbito da Educação de Jovens e Adultos.

Verifiquei, durante minha permanência na Coordenação da Educação de Jo-

vens e Adultos, no âmbito da Secretaria da Educação, a partir de dados do Sistema

de Gestão Escolar (SGE), que foram matriculados nas escolas estaduais da Bahia,

no ano de 2013, 78.000 estudantes no último ano do ciclo formativo da EJA8, refe-

8 Na rede estadual de ensino da Bahia, a Educação Básica na modalidade Educação de Jovens e

Adultos, desde 2008, está organizada em Tempos Formativos I, II e III (Ensinos Fundamental e

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rente ao Ensino Médio. Esse número, porém, quando comparado ao número de

concluintes desse mesmo ano, indicava a necessidade de se pensar acerca dos mo-

tivos que levavam este jovem ou adulto (a) a abandonar os estudos ou ser reprova-

do sem concluir sua formação básica, e, mais ainda, sobre as formas pelas quais se

poderia superar este atual cenário da EJA.

2.2.1 A política de EJA na Bahia

O campo da EJA é bastante vasto, mas historicamente as pessoas o associ-

am somente à alfabetização de jovens e adultos (as). No entanto, falamos dessa

modalidade de educação como aprendizagem ao longo da vida. Nessa pesquisa,

meu esforço foi investigar os (as) estudantes jovens e adultos (as) que se encontram

na etapa final da Educação Básica, mais especificamente no Ensino Médio. Na Ba-

hia, essa última etapa de escolarização da Educação Básica na rede estadual, na

modalidade EJA, está vinculada à Coordenação de Educação de Jovens e Adultos

(CJA), à Diretoria da Educação e suas Modalidades, que por sua vez é ligada à Su-

perintendência de Políticas para a Educação Básica (SUPED). Compete à Coorde-

nação de Educação de Jovens e Adultos acompanhar as ações pedagógicas desen-

volvidas nas escolas da rede estadual que possuem turmas de EJA, bem como im-

plementar ações de fortalecimento dessa modalidade de educação no âmbito das

escolas estaduais.

De acordo com a Proposta Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos no

Estado da Bahia (2008), o Ensino Médio, na modalidade EJA, é ofertado na rede

estadual de ensino a partir dos cursos Tempos Formativos e Tempo de Aprender.

O curso Tempo Formativo contempla uma matriz curricular a partir de eixos

temáticos, temas geradores e seleção de conteúdos a partir de cada área do conhe-

cimento. Esse curso dialoga com os seguintes pressupostos: o reconhecimento dos

(as) estudantes trabalhadores (as) da EJA como protagonistas pela educação, for-

mação e desenvolvimento humano, bem como considera relevante a identificação,

valorização e reconhecimento dos saberes, culturas, valores, memórias e identida-

des desses (as) atores (atrizes) sociais.

Médio). O primeiro Tempo Formativo é organizado em três Eixos Temáticos e tem a duração de 03 anos, os demais Tempos Formativos estão organizados em Eixos IV e V; VI e VII, respectivamente, com duração de dois anos cada um desses Tempos.

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Propõe por meio de processos pedagógicos o acompanhamento da formação

dos (as) estudantes trabalhadores (as), considerando a especificidade do processo

de aprendizagem dos (as) jovens e adultos (as); Sugere a problematização da reali-

dade existencial favorecendo o aprender a conhecer e o fazer fazendo; a garantia do

tempo pedagógico específico destinado ao processo de formação, de modo a garan-

tir o acesso, a permanência e a continuidade dos tempos de formação.

A organização curricular do Curso Tempos Formativo está estruturada em ei-

xos temáticos, temas geradores e áreas do conhecimento diferenciadas em função

do nível de ensino, a saber: Tempo Formativo I (Aprender a Ser), eixos temáticos

Identidade e Cultura; Cidadania e Trabalho e Saúde e Meio Ambiente, perfazendo

total de 2.400 horas/aulas e duração de três anos. O Curso Tempo Formativo II

(Aprender a Conviver) apresenta como eixos temáticos Trabalho e Sociedade; Meio

Ambiente e Movimentos Sociais, cuja carga horária é de 1.600 horas/aulas e dura-

ção de dois anos. O Tempo Formativo III (Aprender a Fazer), corresponde a etapa

do Ensino Médio, cujos Eixos Temáticos versam sobre Globalização, Cultura e Co-

nhecimento; Economia Solidária e Empreendedorismo, totalizando 1.600 ho-

ras/aulas com duração de dois anos.

Os princípios teórico-metodológicos propostos contemplam o reconhecimento

dos coletivos de educandos (as) e educadores (as) como protagonistas do processo

de desenvolvimento e formação humano; o reconhecimento e valorização do reper-

tório de vida dos (as) estudantes trabalhadores (as) da EJA; a criação de um currícu-

lo que contemple a diversidade: sexual, de gênero, raça/etnia, cultural, valores e vi-

vências específicas; utilização de metodologia adequada às condições de vida dos

(as) jovens e adultos (as) e relacionadas ao mundo do trabalho; explorar pedagogi-

camente as potencialidades formadoras do trabalho como princípio educativo;

acompanhamento do percurso formativo, com base no princípio no processo de

Desse modo, o documento intitulado Política de EJA da Rede Estadual:

aprendizagem ao longo da vida (2008) apregoa que o ensino na EJA na referida re-

de de ensino, possibilita a problematização da realidade, favorecendo o aprender a

conhecer e o fazer fazendo; a garantia do tempo pedagógico específico ao processo

de formação, tendo em vista assegurar o acesso, a permanência e a continuidade

dos tempos de formação.

Na rede estadual de ensino da Bahia também é oferecido aos (às) estudantes

trabalhadores (as) da EJA o curso Tempo de Aprender I (Ensino Fundamental) e o

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Tempo de Aprender II (Ensino Médio), que se constituem em cursos com duração de

quatro anos (dois para cada nível de ensino). O referido curso é destinado ao aten-

dimento de estudantes jovens e adultos (as), com idade acima de 18 anos.

A organização curricular do Curso Tempo de Aprender é semipresencial, com

oferta semestral modular e desenvolvimento de atividades complementares que po-

dem ser realizadas em ambientes não escolares, considerando o contexto de vida e

de trabalho dos (as) estudantes jovens e adultos (as). Apresenta metodologia espe-

cífica, que os (as) professores (as) das diversas áreas do conhecimento realizam um

diagnóstico que possibilita identificar os conhecimentos prévios dos (as) estudantes,

na perspectiva de aquisição de aprendizagem significativa de conteúdos articulados

com a realidade social. Tem como premissa, em sua práxis educativa, os fundamen-

tos da pedagogia paulofreireana, que entende como função da educação o desen-

volvimento do processo de conscientização e do senso crítico para o exercício da

cidadania.

A proposta deste Curso adotou inicialmente como dispositivos didáticos as

tecnologias audiovisuais (TV, aparelho de vídeo/dvd, programas do Telecurso 2000)

como mecanismos que contribuíam para a permanência dos (as) alunos (as), já que

os horários disponíveis para aulas presenciais na escola são flexíveis aos tempos de

trabalho e estudo dos (as) estudantes jovens e adultos (as). O (A) professor (a), por

sua vez, assume nesse Curso a função de mediador (a) da aprendizagem, à medida

que orienta também as atividades complementarem que deverão ser realizadas no

tempo fora do horário escolar.

Compreendemos a relevância do Curso Tempo de Aprender para a formação

de jovens e adultos (as) trabalhadores (as), pois, se por um lado, oportuniza a flexi-

bilização de horários para os (as) estudantes, por outro, exige dos (as) profissionais

que nele atua formação que dialogue com os princípios formativos requeridos. Du-

rante as observações realizadas no período em que estive na condição de gestora

estadual da EJA, tornou-se possível perceber que a insuficiência de formação conti-

nuada, a não apropriação da proposta pedagógica por parte de muitos (as) professo-

res (as), bem como a inadequação de material didático, se constituem entraves às

condições necessárias para a oferta de qualidade no referido curso.

Ainda referente ao cenário baiano, identificamos que a implantação do Pro-

grama de Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos - nível Mestrado Pro-

fissional (MPEJA), pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), vem impulsionan-

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do pesquisas referentes a esse campo de estudo. O referido Programa foi recomen-

dado em 2012 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(Capes), tendo iniciado suas atividades em 2013, no Departamento de Educação –

Campus I da UNEB, sob a coordenação da Profª Drª Tânia Dantas.

De acordo com Dantas (2016), o Mestrado Profissional em Educação de Jo-

vens e Adultos, em consonância com suas áreas de concentração9 vem realizando

atividades nas seguintes áreas de atuação:

[...] formação de professores e pesquisadores de EJA; realização de pesquisas empíricas e projetos de intervenção que contribuam para a transformação efetiva dos espaços de EJA no Estado da Bahia; reali-zação de cursos de formação continuada em EJA; formação de pro-fissionais do Estado e dos municípios baianos envolvidos na gestão da EJA; desenvolvimento de pesquisas que explicitem as causas dos problemas da EJA em nosso Estado, desenvolvimento de pesquisas sobre os impactos da EJA na vida dos formandos; desenvolvimento de projetos pedagógicos de intervenção na EJA; realização de Parce-rias universidade-escola; universidade/secretaria de educação. (DANTAS; HETKOWSKI, 2016, p.98)

Compreendemos que o Programa de Pós-Graduação em Educação de Jo-

vens e Adultos - nível Mestrado Profissional (MPEJA), vem possibilitando o desen-

volvimento de pesquisas no campo da EJA, contribuindo veementemente para que

os debates e ações nesse campo se robusteçam.

2.3 A formação de jovens e adultos: o fundante na EJA

Inicialmente faz-se necessário distinguir educação de formação. Quando fa-

lamos da educação de jovens e adultos (as), inserimos nesse campo a formação

desses atores (atrizes) sociais, mas a educação não se resume à formação: ela a

inclui, mas envolve outros aspectos que necessitam ser considerados, como o tem-

po, o espaço, os (as) atores (atrizes) sociais, e tantos outros elementos necessários

ao processo educacional.

Na condição de integrante do Grupo de Pesquisa FORMACCE, assim como

do Grupo de Pesquisa Formação, Currículo e Intersubjetividades (Formacci), conce-

bemos a formação como experiencial, pois começa e termina na experiência do (a)

ator (atriz) social e que, portanto, só pode ser alcançada em termos compreensivos,

9 O MPEJA apresenta três grandes áreas de concentração: educação, meio ambiente e trabalho; formação de

professores e políticas públicas; gestão educacional e tecnologias da informação e da comunicação.

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na perspectiva de quem se forma e seus etnométodos (MACEDO, 2012). É nesse

sentido que essa pesquisa apresenta relevo, na medida em que, ao tratar da forma-

ção de jovens e adultos (as), interessa-nos investigar os etnométodos produzidos

nas itinerâncias formativas desses (as) atores (atrizes) sociais.

Desse modo, Freire (2002), ao falar da formação dos homens e mulheres que

formam e se formam, diz que somos do-discentes10

É em Macedo (2010) que busco inspiração para refletir sobre a íntima relação

entre compreensão e formação. Nas palavras desse autor,

[...] existimos compreendendo para poder viver e com isso, nos formamos. Obviamente, a luta por uma melhor compreensão do mundo, de nós mes-mos, de nossa formação, de nossas invenções e dos problemas que cria-mos, deverá fazer parte do nosso trabalho do dia-a-dia, seja em termos cognitivos, políticos, éticos, estéticos e espirituais. (MACEDO, 2010, p. 41).

É a partir da indexicalidade do termo compreensão ao conceito de formação

que essa discussão se amplia e ganha relevo, pois a formação, como uma experiên-

cia irredutível do (a) ator (atriz) social que se forma, não pode ser explicada, mas

somente o (a) mesmo (a), foco dessa experiência formativa, é capaz de compreen-

dê-la na sua inteireza.

Macedo (2010) considera ainda que,

A formação do Ser não se realiza sem o Ser da formação, seus contextos de referências, seus pertencimentos e as suas diversas demandas existen-ciais. Refletir sobre essa realidade num projeto ou numa prática curricular formativa significa realçar a importância central do que seja um sujeito em formação, uma identidade social, cultural se fazendo em formação. (MACE-DO, 2010, p. 53-54).

Macedo (2010) nos faz refletir sobre a relevância da pessoa que se forma, em

toda sua complexidade11, do humano ser que carrega consigo marcas experienciais

próprias do mundo dos (as) jovens e adultos (as), as quais não podemos descartar.

O referido autor (2010) ainda fala da etnoformatividade, que se constitui em

um conjunto de experiências e condições envolvidas na formação dos (as) atores

(atrizes) sociais que vai se constituindo e incorporando seus etnométodos.

10 O conceito de do-discente é cunhado por Freire (2002), que considera a capacidade de ensinar e

aprender do docente, ou seja, ele tanto ensina quanto aprende ao ensinar. 11 O termo complexidade será tratado nesse texto de qualificação a partir da perspectiva moriniana.

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Nesse aspecto, destaco que é nesse cenário de escuta clínica, ou seja, a es-

cuta que interpreta a singularidade dos (as) atores (atrizes) sociais, que se acentua

uma importante ação educativa – a “ex-posição do (a) ator (atriz) social”, ou seja, é

quanto ele (a) põe para fora aquilo que pensa e sente sobre o fenômeno formativo, o

que muito contribuirá com as condições das formações. Penso inclusive que as di-

versas condições pelas quais o processo formativo acontece interferem sobremanei-

ra na qualidade da formação realizada.

A formação aqui em pauta afina-se com a inspiração paulofreireana, na medi-

da em que assume um caráter político e ético, em níveis de existência cidadã em

aprendizagem, que requer reflexão e explicitação ampliadas e aprofundadas, esco-

lha, compromisso, corresponsabilidade, que vai além da informação, do aprender

simplesmente, do conhecimento e da ilustração.

É inspirada em Ardoino que darei relevância, nessa pesquisa, ao conceito de

negatricidade, ao discutir sobre o processo formativo de jovens e adultos (as), cada

um dos quais, à medida que se constitui em um Ser que se coloca diante do outro

como diferença, teria, portanto, as condições de re-existir ao constrangimento de ser

transformado em um pretenso produto fabricado em série, compondo estatísticas de

produção, mediante a qual trabalham a lógica do acúmulo e da “qualidade” cultiva-

das pela mercoeducação (MACEDO, 2010, p. 56-57).

Para Macedo (2010), o conceito de formação está intrinsecamente relaciona-

do com a noção de alteração, isto é, “a transformação em face da presença de um

Ser singular na presença de outro Ser singular; a possibilidade de ser um outro. Vale

ressaltar que no processo de formação nos alteramos com o outro e sem o outro.”

(MACEDO, 2010, p. 57).

Desse modo, podemos afirmar que formar-se implica, em termos de possibili-

dades, dar sentido à vida, a partir do que somos enquanto atores (atrizes) sociais e

o que vivemos enquanto atores (atrizes) sociais aprendentes, que nos formamos. É

provocar interrogações acerca da própria existência e das experiências dos (as) ou-

tros (as). Conforme Freire (1997), é compreender o estar no/com o mundo.

Sobre alteridade em Arendt (2010, p. 220), “a alteridade é, sem dúvida, as-

pecto importante da pluralidade, a razão pela qual todas as nossas definições são

distinções, pela qual não podemos dizer o que uma coisa é sem distingui-la da outra

[...]”.

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Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa distinção e distinguir-se, e só ele é capaz de comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coi-sa – como sede, fome, afeto, hostilidade ou medo. No homem, a alteridade, que ele partilha com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se unicidade, e a pluralidade humana é paradoxal pluralidade de seres únicos. (MACEDO, 2010, p. 220).

Macedo (2010), na obra Formação, ao citar Honoré, afirma que a formação é

uma necessidade de nossa existência e quatro aspectos são fundamentais:

(i) a formação como direito do homem;

(ii) a formação como construção do desenvolvimento econômico e social;

(iii) a formação como experiência reveladora das necessidades pessoais fun-

damentais;

(iv) a formação como aspecto aplicado das ciências humanas.

O referido autor (2010) apresenta aspectos fundamentais que não podem ser

desconsiderados nas discussões sobre formação. No entanto, considero necessário

acrescentar a perspectiva da formação enquanto condição político-existencial, como

condição de sobrevivência da espécie humana. Desconsiderar essa condição é ne-

gar a capacidade inerente dos seres da formação de interpretarem o mundo, de in-

dagarem, de filtrarem e reconstruírem incessantemente suas experiências formati-

vas, que são tecidas também fora dos espaços oficialmente eleitos como formativos,

nos movimentos sociais, nos espaços de luta e de sobrevivência, de forma intuitiva,

por derivas.

É mediante as palavras de Macedo (2010) sobre a temática da formação que

nos aproximamos do dilema da formação de jovens e adultos (as), que, concebidos

como atores (atrizes) sociais, não podem ser desconsiderados em sua dimensão da

autoformação, muito presente nas discussões sobre formação de jovens e adultos

(as), e que por vezes apresenta-se denominada de autodidaxia; autoaprendizagem,

dentre outros termos.

É a condição da autoformação que impulsiona muitos (as) jovens e adultos

(as) a retornarem a seus estudos em virtude de novos rumos da vida, inclusive da

vida profissional, de novos desafios e projetos de vida, que na juventude e na fase

adulta foram se (re)definindo.

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Importante atentar para o fato de que, quando falamos sobre formação, há

uma tendência a centrar nossa atenção nas condições da formação. Compreender

que o processo formativo necessita de condições físicas para acontecer é importan-

te; no entanto, tais questões não devem ocupar a centralidade das preocupações

formativas. Macedo (2010) alerta que a formação está intimamente relacionada com

a evolução do Ser, que, desafiado pelos contextos e implicado em um projeto de

vida, deverá assumir a posição de centralidade para que as outras necessidades se

realizem. A questão que aqui se coloca, ao realçar o (a) ator (atriz) social como cen-

tro da formação, é – quais condições são necessárias para apoiá-lo nesse processo

formativo?

É nesse cenário que Macedo (2012) nos provoca com reflexões sobre aprendizagem,

que, para esse autor, implica mobilizar etnométodos em meio a uma cultura que ensina e

aprende, em que o sujeito aprende referenciado na e pela cultura. É nesses termos que “a

etnopesquisa formação pensa a formação como uma experiência intermediada e intramedi-

ada, na qual o conhecimento e as atividades aí envolvidas passam, necessariamente, pelo

crivo das implicações e pelo contexto sociocultural e político dos envolvidos.” (MACEDO,

2012, p. 93).

É desse modo que não podemos conceber a formação de atores (atrizes) so-

ciais jovens e adultos (as), que carregam consigo marcas das experiências de vida e

de trabalho, descolada desses cenários socioculturais e políticos, que são radical-

mente formativos. Tomo aqui o conceito de radicalidade a partir da concepção filosó-

fica, que considera que não podemos compreender a realidade sem ir à “raiz” das

questões.

No contexto brasileiro, autores como Freire (1974) já provocavam discussões

sobre a formação calcada em princípios democráticos da formação humana, tendo

em vista a emancipação do “sujeito que se forma e que forma ao formar-se”. Para

Freire, quanto mais experiências democráticas vivenciarmos, tanto mais conheci-

mento crítico da realidade produziremos. Nas palavras de Freire (1974, p. 95),

quanto mais crítico um grupo humano, tanto mais democrático e permeável, em regra. Tanto mais democrático, quanto mais ligado às condições de su-as circunstâncias. Tanto menos experiências democráticas que exigem dele o conhecimento crítico de sua realidade, pela participação nela, pela sua in-timidade com ela, quanto mais superposto a essa realidade e inclinado a formas ingênuas de encará-las. [...] Quanto menos criticidade em nós, tanto mais ingenuamente tratamos os problemas e discutimos superficialmente os assuntos.

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Nesse sentido, no campo da Educação de Jovens e Adultos, em espe-

cial, não cabe considerar as experiências vividas pelos (as) atores (atrizes) sociais

como conhecimento de menor valor, um epifenômeno. Desse modo, o desenvolvi-

mento de um processo formativo que realça o contexto de vida e etnométodos dos

(as) atores (atrizes) sociais ganha relevo, na medida em que respeita as trajetórias

experienciais e as contradições vividas no cotidiano como condição fundante para

uma formação emancipatória.

Na tentativa de compreender como os (as) jovens e adultos (as) constroem

seus etnométodos, criam conhecimentos implicados, ou seja, como se processam

suas aprendizagens mediadas pelas suas histórias de vida, contextos culturais, re-

corro ao conceito das etnoaprendizagens, forjado pela antropóloga Silvia Michele Sá

(2013), que nos impulsiona a compreender a possibilidade de encontrar novos cami-

nhos possíveis para a relação com os conhecimentos, construindo relações solidá-

rias de emancipação e construção sociocultural.

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3 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA DA PESQUISA

Essa sessão tem como objetivo descrever e esclarecer minhas opções epis-

temológicas, metodológicas e políticas. As reflexões que compartilho sobre minhas

itinerâncias durante essa pesquisa doutoral apresentam meu olhar enquanto pesqui-

sadora implicada no campo da EJA. Dialogo “de dentro” deste campo, e, portanto,

das minhas “dobras”, o que se constitui em um grande desafio, pois minha aproxi-

mação com esse campo, quer na condição de professora, gestora, militante ou pes-

quisadora, me ofereceram condições singulares de interpretação da realidade, tor-

nando “familiar” este meu olhar em relação ao campo, exigindo de mim um exercício

de “estranhamento” para que fosse possível compreender para além do “familiar”.

Para Velho (2006), “[...] o que sempre vemos e encontramos pode ser familiar

mas não é necessariamente conhecido e o que não vemos e encontramos pode ser

exótico mas, até certo ponto, conhecido.” (VELHO, 2006, p. 126). Foi nessa pers-

pectiva que minha inserção no campo exigiu de mim o exercício de transformar o

familiar em conhecido, na medida em que avançava na pesquisa.

Velho (2006, p. 133) considera que “[...] o processo de estranhar o familiar

torna-se possível quando somos capazes de confrontar intelectualmente, e mesmo

emocionalmente, diversas versões e interpretações a respeito de fatos, situações”.

Esse confronto intelectual e emocional das diversas versões que se apresentam a

respeito de situações no/do cotidiano exige de nós muita maturidade e ética, acima

de tudo para perceber que se trata das perspectivas dos atores sociais envolvidos

(algumas das muitas referências em que se pautam pesquisas no modelo multirrefe-

rencial), eles “falam”, expressam suas “verdades” a partir do lugar em que se encon-

tram.

Sobre essa questão, lembro-me que, no contexto da gestão estadual da EJA,

estive no lugar de vários confrontos: comigo mesma, com a legislação e com as in-

terpretações dos outros a respeito das políticas públicas estaduais, que ora conduzi-

am para o fortalecimento dessa modalidade de educação, ora fragilizavam as políti-

cas públicas já existentes, principalmente quando inúmeras turmas de EJA foram

fechadas, sob a justificativa do reduzido número de estudantes, desconsiderando-se

as especificidades desses atores (atrizes) sociais, suas condições de vida, de estu-

do e de trabalho.

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Desse modo, compreendemos que o familiar, apesar de todas as necessárias

relativizações, é um caminho importante para pesquisadores (as) preocupados (as)

em investigar não somente “grandes transformações históricas” (VELHO, 2006), mas

situações que produzem decisões cotidianas eficientes justamente porque ampara-

das nesse olhar de dentro, nem mais válido nem menos válido, porém fundamental.

Inspirada em Macedo (2012, p. 22), compreendo a pesquisa como “campo de

práxis social” e método como “pauta política, ou seja, um trabalho de opção, de es-

colha na polis”. Desse modo, percebo o trabalho de pesquisa como “implicação his-

tórico-existencial” (BARBIER, 2007, p. 120). Assim, nossas implicações com a pes-

quisa fazem parte dos nossos pertencimentos, inclusive dos grupos de pesquisas

aos quais nos vinculamos, pois contribuem veementemente para nosso processo

formativo sempre em construção. Sobre essa questão, Macedo (2012, p. 24), tam-

bém inspirado em Barbier (2007), realça que as ações em pesquisa são parte de

nossa existência, da nossa itinerância formativa, que contribui para as escolhas que

fazemos na nossa caminhada enquanto pesquisadora em formação.

No que tange ao aspecto metodológico, a etnopesquisa compreende que o

trabalho do (a) pesquisador (a) não se restringe à descrição de situações apresenta-

das durante a imersão no campo, mas também se trata de um trabalho interpretati-

vo, o que requer do (a) investigador (a) a busca constante de não apenas apresentar

as itinerâncias dos (as) atores (atrizes) sociais, mas também as cenas e os cenários

nos quais eles se configuram, realizando um esforço que exige uma aproximação da

perspectiva da subjetividade dos (as) atores (atrizes) sociais envolvidos (as) (URPIA,

2014).

Boumard (1999) considera que a investigação etnográfica dá lugar ao (à) ator

(atriz) social numa atitude nunca neutra, sempre atenta à produção de sentidos.

Hugh Mehan apud Coulon (1990) sugere o termo “tecelagem etnográfica” para des-

tacar a postura do (a) investigador (a), que consiste em levar em conta suas próprias

implicações na estratégia de investigação. Para Boumard (1999), na tecelagem et-

nográfica, o (a) investigador (a) situa as descrições no contexto estudado, sendo

assim levado a considerar as produções dos membros dos grupos estudados como

verdadeiras instruções de investigação. Assim, é a compreensão da dinâmica de

produção de sentidos dos grupos pesquisados que considero relevante para com-

preender as políticas de permanência de jovens e adultos (as) na Educação Básica.

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Boumard (1999) sinaliza que o olhar etnográfico define uma postura e não

somente uma técnica. Nessa perspectiva, a ideia foi ir a campo, registrar, escutar,

sentir de que maneira os (as) atores (atrizes) sociais produzem sentidos sobre a vi-

da, sem fazer disso “a administração da prova”, como o próprio autor indica, mas sim

elementos para que o discurso do outro faça sentido.

Assim, Boumard (1999) considera que, para compreender o sentido complexo

da situação, é preciso nela própria penetrar e apreendê-la nas interações entre os

(as) diferentes atores (atrizes), sem prejuízo das consequências para o (a) investi-

gador (a).

Desse modo, podemos dizer que essa pesquisa se constituiu em uma etno-

pesquisa de inspiração fenomenológica, já que, “[...] para a fenomenologia, a reali-

dade é o compreendido, o interpretado e o comunicado. Não havendo uma só reali-

dade, mas tantas quantas forem as interpretações e comunicações, a realidade é

perspectivas.” (MACEDO, 2010, p. 15).

Nesse lugar de provisoriedade do conhecimento em que se assenta essa

pesquisa, compreende-se o caráter de provisoriedade e transitoriedade da realidade,

que é sempre coconstruída através do olhar. O conhecimento é resultado de um

processo de significação que não é só do (a) pesquisado (a), mas também do (a)

pesquisador (a).

De acordo com Macedo (2010, p.15), uma pesquisa de orientação fenomeno-

lógica parte do princípio de que é impossível “pleitear o conhecimento fora dos âmbi-

tos existenciais”. É na existência e “(re) existência” (PAIM, 2013) dos (as) estudantes

jovens e adultos (as), no cotidiano da escola e na escuta das suas condições de vida

que essa pesquisa se robustece. Não há como pensar sobre isso fora do contexto

desses (as) atores (atrizes) sociais, e aqui é importante dizer que esse contexto se

confunde com minhas itinerâncias profissionais e acadêmicas.

3.1 A etnopesquisa implicada

Nos estudos de Macedo (2012) sobre a etnopesquisa implicada, ele nos con-

voca à condição de pesquisadora que se autoriza de forma implicada. Para o referi-

do autor (2012), a etnopesquisa é um caminho metodológico que valoriza os estudos

de campo. Assim, inspirada na etnografia, no interacionismo simbólico, nos sociólo-

gos da Escola de Chicago, a etnopesquisa implicada contribuiu para a presente in-

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vestigação, por meio da escuta sensível12 (BARBIER, 2007) dos (as) atores (atrizes)

sociais. Procura-se compreender, por meio dos etnométodos, ou seja, das maneiras

pelas quais significam e resolvem situações do cotidiano – no caso dessa pesquisa,

como os (as) estudantes (as) jovens e adultos (as) produzem maneiras particulares

para permanecerem nos estudos na Educação Básica.

Nas palavras de Macedo (2012, p. 89), “[...] o etnopesquisador caminha fun-

damentalmente entre as compreensões de compreensões.” dos (as) diversos(as)

atores(atrizes) sociais e suas formas peculiares de resolver questões do cotidiano.

Nesse sentido, através dessa investigação pretendi, no contexto da etnopesquisa,

uma abordagem multirreferencial.

No caso dessa pesquisa, a opção pela etnopesquisa implicada foi, acima de

tudo, uma opção política de quem acredita que a pesquisadora em formação e sua

trajetória de vida não podem e não devem ser desconsideradas durante o processo

de pesquisa – sua leitura compreensiva é implicada.

Nessa pesquisa, o termo implicação é concebido como um modo de criação

de saberes (KOHN, 2002; DEVEREUX, 1980). Macedo (2012) considera que o valor

vinculante significará não só o comprometimento e o compromisso, mas também,

[...] vinculação social, cultural, existencial, profissional, erótica, espiritual, vi-vida e explicitada na pesquisa, a partir de uma experiência refletida de per-tencimento, sabendo-se dos profundos motivos inconscientes e muitas ve-zes opacos que trabalham para que o conhecimento seja o que é. (MACE-DO, 2012, p. 34).

É nesse contexto que a presente pesquisa se inseriu, na investigação do te-

ma vinculado à “pauta de possibilidades emancipacionistas” (MACEDO, 2012), na

medida em que, levando em consideração as trajetórias de vida e de trabalho de

jovens e adultos (as) que historicamente sofreram o alijamento do direito à educa-

ção, investigou quais os etnométodos produzidos por esses (as) atores (atrizes) so-

ciais na tentativa de dar continuidade aos estudos na Educação Básica.

Le Breton (2004) considera que apenas a familiaridade com os (as) atores

(atrizes) sociais legitima a possibilidade de falar sobre eles (as) e o mundo social

onde se movimentam e vivem a vida de todos os dias.

Nas palavras de Macedo (2015),

12 O conceito de escuta sensível (BARBIER, 2007) será aprofundado no próximo tópico, em que

abordarei os dispositivos metodológicos da pesquisa.

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da experiência emerge o que há de mais fundamental para as pesquisas experienciais, ou seja, o ponto de vista, as definições das situações, as opi-niões. Com isso em toda a experiência surgem políticas de sentido, lutas por significados, nesse veio, a experiência vive relações de poder que impli-cam legitimações e deslegitimações, com consequências políticas importan-tes [...] (MACEDO, 2015, p. 27).

É esta noção de experiência, que valoriza as opiniões, definições e pontos de

vista, que muito me interessou nessa pesquisa, e a partir da qual realizei um esforço

de compreender as trajetórias vivenciadas pelos (as) diversos (as) atores (atrizes)

sociais, no que diz respeito às condições vividas, na tentativa de conciliar estudo,

vida profissional e pessoal durante o retorno aos estudos na Educação Básica, em

especial no Ensino Médio na modalidade EJA.

Foi durante todo o processo de escuta no campo da EJA que compreende-

mos, tal qual Macedo (2012, p. 53), os (as) atores (atrizes) sociais como “[...] teóri-

cos do seu mundo, da realidade, formuladores de pontos de vistas, definidores de

situações.”

3.1.1 Os etnométodos como possibilidades de compreensão

Macedo (2006, p. 70) destaca que, na perspectiva de Garfinkel (1984), “os

pesquisadores em ciências sociais concebem o homem em sociedade como idiota

desprovido de julgamento, um idiota cultural que produz a estabilidade da sociedade

agindo conforme as alternativas de ação preestabelecidas e legítimas fornecidas

pela cultura”. Silva, Devide, Ferraz, Peterei e Peçanha (2015) consideram que Gar-

finkel (1984) tem na teoria da ação de Talcott Parsons (1968) uma de suas fontes

principais. Parsons (1968) afirma que, para a teoria da ação, as motivações dos (as)

atores (atrizes) sociais são integradas em modelos normativos que regulam as con-

dutas e as apreciações recíprocas.

Ao criticar a referida teoria, Garfinkel (1984 apud COULON, 1995, p. 24) in-

troduz a noção de que o (a) ator (atriz) social “não é somente esse incapaz de jul-

gamento que se limitaria a reproduzir – sem ter consciência disso – as normas cultu-

rais e sociais que, previamente, teria interiorizado. ”

A partir de pesquisas capitaneadas por Garfinkel (1984), aberturas epistemo-

lógicas fundantes para as Ciências Sociais são iniciadas, provocadas pela compre-

ensão de que “o ator social não é um idiota cultural” (GARFINKEL, 1984). Ao consi-

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derar o (a) ator (atriz) social e sua capacidade de produção de saberes, Garfinkel

(1984) inaugura o conceito de etnométodos, que se constitui em seu objeto de estu-

do: “[...] os procedimentos intersubjetivamente construídos que as pessoas na sua

cotidianidade empregam para compreender e edificar suas realidades.” (MACEDO,

2006, p. 70).

Nessa pesquisa, o conceito de etnométodos apresenta relevância, conside-

rando que a compreensão dos etnométodos produzidos pelos (as) estudantes jo-

vens e adultos (as) para darem continuidade aos estudos na Educação Básica cons-

titui o cerne dessa investigação.

Para Silva, Devide, Ferraz, Peterei e Peçanha (2015), o corpus da pesquisa

etnometodológica é o conjunto dos etnométodos. Ainda de acordo com os (as) refe-

ridos (as) autores (as), o termo etnometodologia significa o estudo dos etnométodos,

que são os métodos de que todo (a) ator (atriz) social se utiliza para descrever, in-

terpretar e construir o mundo social. Desse modo, a sociologia de Garfinkel (1984)

se institui sobre o reconhecimento da capacidade reflexiva e interpretativa própria

dos (as) ator (atrizes) sociais.

Sob essa perspectiva, o conceito de etnométodos anuncia que os (as) atores

(atrizes) sociais constroem maneiras particulares para resolver os problemas dos

cotidianos. Para Macedo (2012), os etnométodos produzidos pelos (as) atores (atri-

zes) sociais nos possibilitam compreender como estes (as) constroem as realidades

em que estão envolvidos (as) /implicados (as) e marcam essas realidades com todas

as condições sob as quais foram edificadas.

Dessa maneira, Silva, Devide, Ferraz, Peterei e Peçanha (2015) destacam

que a etnometodologia interessa-se pelo papel criativo desempenhado pelos (as)

atores (atrizes) na construção de sua vida cotidiana, atribuindo relevância aos por-

menores dessa construção.

Assim, para Garfinkel (1984), num processo dialético e dialógico, os (as) ato-

res (atrizes) sociais produzem seus etnométodos, quer dizer, suas maneiras de per-

ceber para compreender e intervir propositivamente na vida, o que nos leva a perce-

ber que os etnométodos são impregnados de histórias singulares. Macedo (2015, P.

30), considera que “[...] só a narrativa dos agentes-atores-sujeitos pode, via a expe-

riência irredutível deles, descrever e atualizar esses modos de pensarfazer a vida”.

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3.1.2 Os micro/macropolíticas como possibilidades de compreensão

Os termos macro e micropolíticas são adotados nessa pesquisa a partir das

contribuições de Deleuze e Guattari (1995, 1996), que concebem que “as lutas soci-

ais são, ao mesmo tempo molares e moleculares”13. Ferreira Neto (2015), ao anali-

sar a obra Mil Platôs, considera que Deleuze e Guattari (1995, 1996) retomam a no-

ção mais ampla de política, apresentando uma formulação do processo político. Pa-

ra os referidos atores (1995, 1996), a política, apesar de operar por macrodecisões e

escolhas binárias, tem uma extensa dimensão de indecidibilidade, pois a decisão

política está imersa no mundo de indeterminações, atrações e desejos, que ela deve

pressentir ou avaliar de um outro modo. Desse modo, a política possui julgamentos

molares, mas seu acontecer é micropolítico. Sobre estes conceitos, encontramos

alguns esclarecimentos importantes em Guattari e Ronilk (2007), em Micropolíticas:

cartografias do desejo. Nesta obra, os autores consideram que, em nível analítico,

as lutas sociais se apresentam a partir da macropolítica, denominada por esses au-

tores de molar, e também da micropolítica, denominada molecular. No entanto, des-

tacam que estas “são sempre inseparáveis em seu acontecer” (GUATTARI; RO-

NILK, 2007).

Lazzarato (2011 apud FERREIRA NETO, 2015), fazendo uma leitura dos au-

tores supracitados, compreende que as contribuições de Deleuze e Guattari

(1995,1996) possuem uma “fecundidade heurística”, que escapa às análises macro-

políticas de viés exclusivamente socioeconômico. Segundo autores como Zourabi-

chvili (2000), o diferencial deleuziano está em não projetar a construção de uma con-

juntura desejável, o que implicaria acreditar em outro mundo, mas acompanhar “a

emergência de novos campos possíveis” (ZOURABICHVILI, 2000, p. 354). Trata-se

de uma política imanente de atenção ao acontecimento, que inova ao não demandar

um modelo prévio de sociedade ideal.

Para Guattari e Ronilk (2007, p. 155),

[...] a análise micropolítica se situaria exatamente no cruzamento entre es-ses diferentes modos de apreensão de uma problemática. É claro que os modos não são apenas dois: sempre haverá uma multiplicidade, pois não existe uma subjetividade de um lado, do outro, a realidade social material.

13 É importante destacar que as expressões molar e molecular, macro e micropolítica, como Guattari

declara, são suas contribuições oriundas da formação em Farmácia (GUATTARI; ROLNIK, 2007, p. 149).

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Sempre haverá “n” processos de subjetivação que flutuam constantemente segundo os dados, segundo a composição de agenciamentos que convém apreciar o que são as articulações entre os diferentes níveis de subjetivação e os diferentes níveis de relação de forças molares.

Sob essa perspectiva, Guattari e Ronilk (2007, p. 154) consideram que o pro-

blema de uma análise micropolítica é “justamente de nunca usar um só modo de

referência”. Os referidos autores ressaltam ainda que “a questão da micropolítica é a

de como reproduzimos (ou não) os modos de subjetivação dominantes.” (GUATTA-

RI; RONILK, 2007, p.155). Significa dizer, pois, que o que está em foco é a dinâmica

dos processos de subjetivação e de agenciamento da vida realizada por diferentes

sujeitos e grupos humanos, realizado no acontecer da vida de relação. São estes

processos moleculares, na sua relação com os molares, que movimentam a vida, e

que, no tempo, podem mobilizar mudanças, mais ou menos significativas.

Ferreira Neto (2015) ressalta que o princípio de que ambas as dimensões es-

tão intimamente entrelaçadas nos conduz à compreensão de que não se deve subs-

tituir a análise macropolítica pela micropolítica, mas que se deve agregar a segunda

à primeira, mais explorada. Contudo, a presença de agenciamentos complexos na

dimensão molecular entrelaçados com a molar torna seu manejo mais suscetível a

erros de avaliação tanto no nível prático quanto no nível teórico.

Deleuze e Guattari (1995) falam de uma “potência micropolítica ou molecular”

como um campo de intensidades que tende a agitar e manejar os segmentos ma-

cropolíticos. É interessante ressaltar que, para os referidos autores (1995), na pers-

pectiva micropolítica, uma sociedade não se define por suas contradições, mas por

“suas linhas de fuga […] Sempre vaza ou foge alguma coisa, que escapa às organi-

zações binárias” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 94). E esse vazamento deve-se,

justamente, a esta movimentação que se dá no plano molecular.

Para Ferreira Neto (2015), podemos considerar que a macropolítica molar e a

micropolítica molecular podem ser distinguidas no nível analítico, mas são sempre

inseparáveis em seu acontecer. Nesse sentido, nosso foco não deve ser unilateral-

mente, a micropolítica, mas as articulações entre micro e macropolítica.

Lazzarato (2011) afirma que as noções de macro e micropolítica possuem

uma fecundidade heurística ainda a ser explorada, especialmente no período em

que as análises macropolíticas revelam certo esgotamento.

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Desse modo, Ferreira Neto (2015) compreende que Deleuze e Guattari bus-

caram, incessantemente, construir um olhar sobre a política do ponto de vista da

micropolítica. Para o referido autor (2015), “[...] dado o caráter inovador desse con-

ceito forjado diretamente no núcleo em que a política ‘acontece’, isso não é pouco.”

(FERREIRA NETO, 2015, p. 405).

Guattari e Ronilk (2007, p. 157) afirmam ainda que,

a democracia talvez se expresse em nível das grandes organizações políti-cas e sociais; mas ela só se consolida, só ganha consistência, se existir no nível da subjetividade dos indivíduos e dos grupos, em todos esses níveis moleculares, novas atitudes, novas sensibilidades, novas práxis, que impe-çam a volta de velhas estruturas.

Assim, compreendemos a relevância desse termo para a presente pesquisa,

que se propôs a compreender os etnométodos e micropolíticas produzidas pelos

(as) estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as) no intuito de permanecerem

na Educação Básica.

3.2 A pesquisa contrastiva

Lembro-me do desconforto que me tomava ao investigar duas escolas muito

relevantes para essa pesquisa com singularidades visíveis e diferenças que nos sal-

tavam aos olhos. Indagava-me constantemente: como interpretar tais realidades

sem cair na tentação de realizar interpretações marcadas pela lógica do comparati-

vismo científico? Como compreender as relações existentes entre as duas escolas e

respeitar as singularidades e diferenças desses espaços formativos sem “formatá-

los” em modelos historicamente construídos?

Macedo (2018), na obra Pesquisa contrastiva e estudos multicasos: da crítica

à razão comparativa e ao método contrastivo em ciências sociais e educação, expli-

cita as bases epistemológicas e políticas da pesquisa comparativa e apresenta o

método contrastivo como alternativa, ou melhor, como uma modalidade de pesquisa

que realça a experiência, a singularidade e o movimento relacional na investigação

de realidades distintas, que, ao meu ver, traz um novo tom às pesquisas que enve-

redam por nessas searas.

Desse modo, Macedo (2018) nos leva a refletir acerca do comparativismo ci-

entífico ao considerar que

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o comparativismo científico de base evolucionista, por exemplo, inaugurou um tipo de pesquisa afeita às explicações essencialistas que, fundamental-mente, partem de modelos teóricos, empíricos e socioculturais para conhe-cer singularidades outras e seus etnométodos. Não raro, descuidam-se da perspectiva de que toda pesquisa, na sua concepção e contexto, é um ‘es-tudo de caso’ (GEERTZ, 1989), ou seja, é construída nos seus movimentos singulares e singularizantes, a partir de uma certa realidade situada, tanto temporal, quanto culturalmente, na qual habitam, desde o seu nascedouro, intenções que implicam visões de ciência, de mundo, de sociedade, de ho-mem, de mulher, de formação, com as quais as pesquisas se organizam e propõem seus dispositivos de produção de informações e compreensões. (MACEDO, 2018, p. 28).

Assim, para Macedo (2018), no comparativismo, a singularidade é tratada

como algo de menor importância, como um epifenômeno, desprezando o “movimen-

to relacional das experiências” (MACEDO, 2018).

Para o referido autor, a pesquisa contrastia “[...] possui um diálogo íntimo com

a epistemologia crítica, na medida em que se dispõe a realizar a escuta sensível da

experiência, na sua singularidade e complexos movimentos que a compõem, e

quando necessário, realizar transingularidades, como ele prefere denominar.” (MA-

CEDO, 2018, p. 31). O autor complementa, “contrastar é aproximar diferenças”.

A partir dessa perspectiva, compreendo que o estudo de casos adquire nova

relevância, na medida em que “cria relações, apreende em conjunto” (MACEDO,

2018), deixando de lado das conclusões que excluem as diferenças, pasteurizando–

as.

Penso que estamos diante de compreensões sobre o lócus de investigação

realizadas de forma mais cuidadosa com os espaços de investigação e suas singula-

ridades. Concordo com Macedo (2018), quando afirma que,

ao contextualizar o caso, fundamental é buscar compreender as relações que se estabelecem e que, de toda forma, criaram ou criam as condições para que a realidade pesquisada seja o que é. Essa é uma forma de não simplificar o caso à sua emergência reduzida a um cotidiano sem relações, como se isso pudesse existir. Se tomarmos o caso como uma construção social relacional, temos a oportunidade de compreendê-lo com e a partir das relações que ele estabelece ou estabeleceu, tendo acesso, por conseguinte, à complexidade da sua emergência. A síntese compreensiva é que o caso é uma construção social relacional. Buscar compreender essas relações sem perder os termos da sua singularidade, é sua característica única e singular. Isso significa entrar na sua rica emergência constitutiva irrepetível, feita de uma composição de experiências e acontecimentos indexicalizados às suas bacias socioculturais.

Dessa maneira, essa pesquisa pretendeu realizar um estudo de dois casos,

no intuito de perceber contrastivamente, via etnopesquisa implicada, perspectivas e

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etnométodos criados pelos (as) atores (atrizes) sociais no retorno ao processo de

escolarização, apoiando-os nesse processo. A ideia foi perceber, de forma contrasti-

va, sem desconsiderar as singularidades das experiências vividas pelos (as) atores

(atrizes) sociais; pelo contrário, considerando-as como diferenças experienciais,

através dos seus etnométodos e das micropolíticas que iam se apresentando.

Nessa perspectiva, Macedo (2006) pontua que, na pesquisa contrastiva, os

objetos estudados são tratados como únicos, mesmo sendo compreendidos como

“emergências relacionais”, ou seja, relaciona-se a uma totalidade complexa que

compõe outras realidades. Na reflexão de Macedo (2006, p. 90), “[...] os casos estu-

dados vão constituir teorias em ato, impregnadas dos aspectos inerentes à tempora-

lidade da emergência complexa das realidades estudadas.”

Desse modo, na presente investigação buscou-se dar ênfase ao fato de que a

formação de jovens e adultos (as) que historicamente foram excluídos (as) do cená-

rio da educação básica exige que se pense sobre as políticas de permanência estu-

dantil para esta formação, haja vista as suas especificidades relativas às condições

existenciais e de aprendizagem. Obviamente isso exige um tipo de abordagem teóri-

ca que responda à exigência de uma escuta atenta aos diferentes segmentos que

compõem e organizam esta formação, uma abordagem sensível a uma multiplicida-

de de perspectivas.

3.3 Dispositivos de Produção de Saberes

Inicialmente considero pertinente falar sobre minha opção pelo termo disposi-

tivo. O conceito de dispositivo tratado aqui é inspirado em Ardoino (2003, p. 80), co-

mo “[...] uma organização de meios materiais e/ou intelectuais, fazendo parte de

uma estratégia de conhecimento de um objeto.”

Trago-o aqui, inspirada em Macedo (2012), quando diz que a ideia de disposi-

tivo é tomada como práticas e criações humanas, abrindo mão da concepção aplica-

cionista. Para o autor (2012), um dispositivo é o prolongamento da capacidade hu-

mana de interferir nas realidades. É desse modo que compreendo que, ao pensar

em dispositivos de produção de informações, ou de saberes, como prefiro, encontro-

me aberta à dinâmica relacional do campo, ao inusitado, ao devir, ao que o campo

pode me proporcionar.

Para Paquay, Chahay e Ketele (2006 apud MACEDO, 2018, p. 35),

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emergem, transversalizando essa bacia epistemológica multirreferencial, o que se denomina de uma epistemologia clínica, pautada na disponibilidade para escutar sensivelmente a experiência, a singularidade e seus múltiplos, complexos e singularizantes movimentos e, quando necessário, experimen-tar ‘generalizações analíticas’.

Desse modo, a sessão seguinte tem o objetivo de apresentar os dispositivos

de produção de saberes utilizados nessa pesquisa: observação participante, entre-

vista semiestruturada, diários reflexivos e diálogos formativos.

3.3.1 A observação participante

Esse foi meu maior desafio: olhar o campo da EJA, prestar atenção com o

olhar do estrangeiro em espaços que me são familiares. Para Boumard (1999), o

etnógrafo, definido como tal em função de seu olhar, é ao mesmo tempo implicado.

Para Velho (2006, p. 123),

na Antropologia, embora sem exclusividade, tradicionalmente identificou-se com os métodos de pesquisa ditos qualitativos. A observação participante, a entrevista aberta, o contato direto pessoal, como universo investigado cons-tituem sua marca registrada. Insiste-se na ideia de que para conhecer cer-tas áreas ou dimensões de uma sociedade é necessário um contato, uma vivência durante um período de tempo razoavelmente longo, pois existem aspectos de uma cultura e de uma sociedade que não são explicitados, que não aparecem à superfície e que exigem um esforço maior, mais detalhado e aprofundado de observação e empatia.

Boumard (1999) considera que a investigação etnográfica dá lugar ao (à) ator

(atriz) social numa atitude nunca neutra, sempre atenta à produção de sentido. Se-

guindo a etnografia de Hugh Mehan, Coulon (1990), sugere o termo “tecelagem et-

nográfica” para a postura que consiste e levar em conta suas próprias implicações

na estratégia de investigação. Para Boumard (1999), na tecelagem etnográfica, o (a)

investigador (a) situa as descrições no seu próprio contexto, sendo assim levado a

considerar as produções dos membros do grupo estudado como verdadeiras instru-

ções de investigação.

Inspiro-me em Boumard (1999), quando afirma que o olhar etnográfico define

uma postura e não somente uma técnica. Nessa perspectiva, a ideia é ir a campo,

registrar, fotografar, escutar, sentir de que maneira os (as) atores (atrizes) sociais

produzem sentido sobre a vida, sem fazer disso “a administração da prova”, mas

fazer disso elementos para que o discurso do outro faça sentido.

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Para Boumard (1995, p. 234),

[...] o trabalho de campo obriga a levar em consideração e a aprender a cul-tura do grupo observado. Daí a importância da observação participante, que permite num movimento pendular metodológico entre o ponto de vista do in-vestigador e dos atores sociais, reconhecendo uma multivetorialidade da análise em cujo processo aqueles a priori do investigador são questionados da mesma maneira que os pontos de vista dos autores.

É justamente desse campo situado e dinâmico que pretendo falar, pois aten-

der ao cronograma de pesquisa determinado por um prazo acadêmico nem sempre

é tarefa fácil, considerando que estamos no campo das ciências humanas. Portanto,

adiamentos de entrevistas em virtudes de outras demandas da gestão ou remarcar

as observações porque a escola suspendeu aula em virtude de intempéries traba-

lhistas, em prol de reivindicações de seus direitos, nos impõe outro ritmo e outra

qualidade de vida na produção.

Concordo com Velho (2006, p. 127), quando ele afirma que,

[...] dispomos de um mapa que nos familiariza com os cenários e situações sociais de nosso cotidiano, dando nome, lugar e posição aos indivíduos. Is-so, no entanto, não significa que conhecemos o ponto de vista e a visão de mundo dos diferentes atores em situação social nem as regras que estão por detrás dessas interações, dando continuidade ao sistema.

Desse modo, compreendo como Velho (2006, p. 128) que “[...] o meu conhe-

cimento pode estar seriamente comprometido pela rotina, hábitos, estereótipos. Lo-

go, posso ter um mapa, mas não compreendo necessariamente princípios e meca-

nismos que o organizam.” Assim, minha aproximação do campo que para mim era

familiar, com uma postura de “estranhamento”, me possibilitou outras percepções

antes não compreendidas.

Inspirada na sociologia compreensiva, desenvolvida por Max Weber (1979),

permiti que essas ideias fossem ganhando força na presente pesquisa. Para ele, se

a compreensão e a explicação têm pontos de partida distintos, a sociologia deve re-

belar-se contra a ideia de que se trata de dois modos de pensamentos separados. O

processo compreensivo apoia-se na convicção de que os seres humanos não são

simples agentes portadores de estruturas, mas produtores (as) ativos (as) do social,

portanto depositários (as) de um saber importante que deve ser assumido do interi-

or, através do sistema de valores dos indivíduos.

Desse modo, lançarei mão da capacidade interpretativa de todos os (as) ato-

res (atrizes) sociais implicados (as) com a educação de jovens e adultos (as), atra-

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vés de alguns dispositivos de produção de saberes: entrevistas semiestruturadas,

observações participantes, diário de campo e diálogos formativos.

Para Velho (2006, p. 130), “[...] a ‘realidade’ (familiar ou exótica) sempre é fil-

trada por determinado ponto de vista do observador, ela é percebida de maneira di-

ferenciada.”

3.3.2 A entrevista semi-estruturada

Em sua obra Etnografia crítica, Etnografia Formação, Macedo (2006) nos ins-

tiga a refletir sobre a escuta do outro, impulsionando-nos a sair de nós mesmos e

nos deslocar do nosso lugar, já que

O importante é ressaltar que, para conhecer como o outro experimenta a vi-da, faz-se necessário o exercício sensivelmente difícil de sairmos de nós mesmos. Há que nos desdobrarmos, revirarmos, suspendermos preconcei-tos, criticarmo-nos, abrirmo-nos a certa violação de habitus sagrados e soli-dificados da sociedade do “eu”. Experiência intestina e radicalmente relaci-onal da intercriticidade. (MACEDO, 2006, p. 28).

É a partir desse processo de suspensão que pretendo realizar a escuta dos

(as) atores (atrizes) sociais envolvidos nessa pesquisa. Nesse processo de compre-

ensão do outro a partir de como o outro se apresenta é que, para o (a) pesquisador

(a) no campo, torna-se fundante realizar a descrição densa, na perspectiva de Gee-

rtz (2008).

Macedo (2009) observa que, no contexto das preocupações com as centrali-

dades, a qualidade do conhecimento que produzimos sobre o mundo não está sepa-

rada da qualidade antropossocial que queremos para o mundo. É convencida dessa

afirmativa que creio na necessidade de os atores (atrizes) sociais da Educação de

Jovens e Adultos pensarem e produzirem políticas públicas que apoiem a formação

dos (as) jovens e adultos (as) que se encontram na Educação Básica, mantendo-os

nos ambientes de formação escolarizados. Portanto, a presente tese pode contribuir

qualitativamente para a produção de saberes para esse campo de estudo, imbricada

com o mundo que queremos.

Macedo (2012) nos convida a compreender a relevância da narrativa quando

estamos implicados com as pesquisas político-implicacionais. Para o autor (2012),

“[...] se, precisamos do ponto de vista do ator social, da compreensão dos seus et-

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nométodos, que organiza e define situações, para sabermos da experiência vivenci-

ada e das relações instituídas, a narrativa passa a ter um status de centralidade na

pesquisa.” (MACEDO, 2012, p. 98).

Reporto-me a Lapassade (2005), que, ao se referir à entrevista etnográfica,

sustenta que a principal característica desse tipo de entrevista é o fato de ser não-

estruturada, ou seja, o fato de não ser programada de antemão. Segundo o autor

(2005), a pesquisa etnográfica pode ser descrita como “um encontro social”, o que

implica uma forma de entrevista em que o conteúdo e suas questões são elaborados

no desenrolar da situação de entrevista, quase como uma conversação “aos saltos”.

Contudo, desta última se distingue, na medida em que não é ditada pelas circuns-

tâncias e nem espontânea. Ao contrário, esta “[...] põe face a face duas pessoas cu-

jos papéis são definidos e distintos: o que conduz a entrevista e o que é convidado

para responder, a falar de si.” (LAPASSADE, 2005, p. 79).

Outro dispositivo de produção de conhecimentos que utilizei nessa pesquisa

foi o diário de campo, no qual eram registradas algumas descrições/notas de minha

experiência e reflexões a partir do contato com os (as) colaboradores (as). Nas pala-

vras de Macedo (2012), descrição reflexiva das implicações e validação intersubjeti-

va são condições irremediáveis do que se denomina etnografia constitutiva em edu-

cação e em ciências antropossociais.

Sem etnografia constitutiva não há etnopesquisa, sem etnopesquisa e seus

princípios não há etnografia constitutiva, ou seja, para haver etnopesquisa, a descri-

ção fina e densa e o trabalho interpretativo são fundamentais. Para haver etnografia

constitutiva, teremos que trabalhar com as bacias semânticas dos (as) atores (atri-

zes) sociais e seus “sítios de pertencimentos simbólicos” (ZAOUAL, 2003), isto é, o

instituinte etno (MACEDO, 2012, p. 104).

3.3.3 Diário de campo

O dispositivo diário de campo me proporcionou uma escrita ainda mais impli-

cada com a pesquisa, além de contribuir para um processo metacognitivo de minha

práxis enquanto pesquisadora, desde o início desse processo de investigação. Bar-

bier (2007) utiliza a terminologia diário de itinerância. Para esse autor, o diário de

itinerância se compõe de três fases:

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Primeira fase: o diário-rascunho – é quando o (a) pesquisador (a) implica-

do (a) com sua pesquisa escreve seu diário de itinerância cotidianamente

sob forma de um diário-rascunho no qual ele(a) escreve tudo o que tem

vontade de anotar no fervilhar da ação ou na serenidade da contempla-

ção. Trata-se da parte mais íntima do diário de itinerância: a que somente

será lida pelo (a) seu (a) autor (a) ou pelas pessoas mais próximas a ele

(a) (BARBIER, 2007, p. 138).

Segunda fase: o diário elaborado – ele vai ser constituído a partir do diá-

rio-rascunho desde o momento em que o (a) pesquisador (a) quer, por in-

termédio dele, dizer alguma coisa a alguém. O autor elabora com um tipo

de leitura flutuante o que já está escrito, deixando-se levar pela ressonân-

cia criadora, à deriva, analógica. Dessa maneira, outras reflexões, outros

fatos, vêm-me à memória, os quais registro imediatamente. (BARBIER,

2007, p. 138). Nesse momento, podem ser inseridos comentários filosófi-

cos, científicos ou poéticos encontrados em obras ou improvisados pelo

(a) próprio (a) autor (a) (BARBIER, 2007, p. 139).

Terceira fase: o diário comentado – é quando o(a) autor (a) do diário ofe-

rece para a leitura (ou expõe um fragmento ou a totalidade do diário ela-

borado) por parte do (a) leitor (a) ou grupo de leitores (as). O (A) autor (a)

fica na escuta das críticas e das ressonâncias e tenta compreender o que

se quer dizer com as críticas.

O diário, como dispositivo de pesquisa, se constitui em narrativas reflexivas

das experiências subjetivas no processo formativo do (a) ator (atriz) social, enquanto

protagonista, autor (a) da sua construção, da sua itinerância formativa.

Denise Guerra (2014) considera que a experiência das narrativas, por meio

dos diários, amplia o desejo, a iniciativa, o hábito, a habilidade, o rigor de escrever,

provoca ressonâncias permanentes nas ações cotidianas. Em se tratando de experi-

ências formativas, a referida autora (2014) o registro de narrativas por meio dos diá-

rios proporciona o compartilhamento das experiências e mudanças mais cooperati-

vas no trabalho, contribui para a perspectiva de avaliação pautada no acompanha-

mento e co-orientação na qual a negociação, a responsabilização, a autonomização

e a intercompreensão concretizam a avaliação na formação.

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Nessa pesquisa, o diário teve a função de registro de minha itinerância no

campo, constituiu-se num companheiro de jornada para guardar algumas memórias

e impressões de minhas idas a campo, sem seguir rigorosamente a formalidade re-

comendada por Barbier (2007).

3.3.4 Diálogos formativos

Minha inspiração pela produção de saberes por meio dos diálogos formativos

deu-se a partir das leituras das obras de Paulo Freire (1974, 1997, 2005), pois en-

contrei nos princípios epistemológicos do referido autor, a possibilidade de fomentar

o diálogo entre os (as) atores (atrizes) sociais colaboradores (as) dessa pesquisa,

realçando um tom de respeito aos saberes por eles (as) produzidos. Para Dalmolin,

Faria, Perão, Nunes, Meirelles e Heidemann (2016), a concepção dialógica freirea-

na, por meio de um olhar político/filosófico, demonstra que a vida humana tem um

significado, enquanto razão de ser, e está além das relações de opressão presentes

na sociedade.

Freire (1974) falava em Círculos de Cultura quando estava incentivando a

realização de encontros didático-pedagógicos ou a outras vivências culturais e edu-

cacionais, pautados no processo de ensino e de aprendizagem. Podemos considerar

que os círculos de cultura se constituem dispositivos de formação na medida em que

favorecem o diálogo, a participação, o respeito e o trabalho em grupo, em torno de

um tema especificado por um ou mais mediador (a).

Durante a presente pesquisa, desejava realizar diálogos com o grupo de co-

laboradores (as) sem a formalidade requerida pelo grupo focal, e, para tanto, consi-

derei que nomear esse momento como diálogos formativos se aproximava mais

dessa perspectiva.

Ademais, é interessante ressaltar que, mesmo conferindo um tom de informa-

lidade a esse momento da pesquisa, tornou-se necessário revisitar os objetivos, a

organização da pesquisa, o quadro teórico e as formas de interação com os (as) ato-

res (atrizes) sociais colaboradores (as), sem perder de vista o construto dessa pes-

quisa.

Nessa investigação, em que problematizo saberes e experiências dos (as) jo-

vens e adultos (as), considero os diálogos formativos como espaços fecundos para

provocar a produção de novos saberes. Essa concepção ganhou “guarida” nessa

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pesquisa e contribuiu de forma veemente para a produção de saberes a partir da

“escuta sensível” (BARBIER, 2007) dos (as) estudantes jovens e adultos (as) e dos

(as) professores (as) que atuam nessa modalidade de educação das duas escolas

investigadas.

Desse modo, considero que os diálogos formativos proporcionaram maior in-

teração e discussão acerca do tema abordado pelos (as) atores (atrizes) sociais,

permitindo uma narrativa integrada à vida cotidiana destes. Pelo clima informal esta-

belecido, o ambiente tornou-se mais acolhedor, provocando maior abertura para

questões narradas acerca das trajetórias de vida, trabalho e estudo que foram sendo

tecidas nos diálogos.

3.4 Os (as) atores (atrizes) sociais e o locus da pesquisa

Inspirada pela leitura da tese de Sá (2013), intitulada A emergência da etnoa-

prendizagem no campo antropoeducacional: uma investigação etnológica sobre a

aprendizagem como experiência sociocultural, busquei estar inserida no campo de

pesquisa sempre com a “perspectiva aberta”, sempre atenta e que minha vivência

cotidiana nele me possibilitasse as pistas dos melhores caminhos, tendo como ba-

ses as relações estabelecidas durante os anos de trabalho no campo da EJA. Quer

seja na condição de professora, militante, gestora estadual ou pesquisadora, procu-

rei identificar, encontrar ou reencontrar as pessoas que poderiam ser significativas

para meu trabalho de pesquisa de doutorado. A partir daí, nas ações que realizava

no campo da EJA, utilizei roteiros de entrevistas semiestruturados, ou até em vários

momentos da pesquisa, acionei a “escuta sensível” (BARBIER, 2007), que, nas con-

versas cotidianas, participação em reuniões, eventos e aulas revelavam significati-

vas singularidades.

Macedo (2014, p. 146), ao falar sobre o trabalho de campo, pondera que

[...] o trabalho em campo implica uma confrontação pessoal com o desco-nhecido, o confuso, o obscuro, o contraditório, o assincronismo. Ademais, além dos sustos com o inusitado sempre em devir, o campo tem uma resis-tência natural que demanda uma dose de paciência considerável face, por exemplo, às rupturas com ritmos próprios do pesquisador ou determinados prazos acadêmicos.

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Concordo com o fato de o campo muitas vezes nos pregar “várias peças”, nos

impondo um ritmo outro. Em inúmeros momentos, tive de abrir mão da agenda já

estabelecida para dar conta de acontecimentos que se apresentavam sem um pla-

nejamento prévio, mas que prometiam ser muito ricos para o escopo da pesquisa,

pelo menos na ótica de uma pesquisadora interessada em se aventurar nas discus-

sões sobre as políticas de permanência de jovens e adultos (as) na Educação Bási-

ca.

Sempre busquei nas observações participantes, nas entrevistas semiestrutu-

radas e nos diálogos formativos, numa perspectiva de cuidado com rigor, uma apro-

ximação com meus (minhas) colaboradores (as) da pesquisa.

Inspirada em Macedo (2012), optei por utilizar o conceito de atores (atrizes)

sociais, considerando que os (as) participantes da pesquisa são “[...] instituintes or-

dinários das suas realidades; são teóricos (as) e sistematizadores (as) dos seus co-

tidianos e, com isso, edificam as ordens sociais em que vivem.” (MACEDO, 2012, p.

22), são sujeitos coletivos criadores (as) e recriadores (as) de conhecimento. Desse

modo, são produtores (as) de descritibilidades, inteligibilidades e analisabilidades

relacionadas às bacias semânticas.

Assim, os (as) estudantes trabalhadores (as) da EJA, os (as) professores (as)

que atuam nessa modalidade de educação, bem como gestores (as) escolares, são

os (as) atores (atrizes) sociais centrais desta pesquisa, que na presente tese optei

em não revelar seus nomes, preservando a identidade dos (as) mesmos (as), bem

como das escolas investigadas. Desse modo, nomeei personalidades nacionais que,

em sua trajetória de vida lutaram em prol dos direitos humanos. Mas a atenção foi

destinada também às pessoas que em certa medida influenciam o campo da EJA na

Bahia, tais como: gestora estadual da EJA, coordenadora do Mestrado Profissional

de EJA, conselheira do Conselho Estadual da Bahia, bem como a coordenadora do

Fórum Estadual da EJA Bahia. Assim, o conjunto de entrevistas, diálogos formativos

e observações participantes caracterizaram-se como dispositivos de produção de

saberes sobre o campo e seus atores e suas atrizes sociais. Importante dizer que,

em face do tempo exíguo para a finalização da tese, não pude fazer uma análise

cuidadosa dos relatos destes (as) últimos (as) atores e atrizes sociais do campo da

EJA, o que será criteriosamente feito em artigo a ser publicado após a tese. Na tese,

optei por dar destaque aos etnométodos e às micropolíticas das duas instituições

escolares estudadas e, sobretudo, a seus atores e atrizes curriculantes.

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Considero também importante explicitar os motivos que me levaram a esco-

lher as duas escolas estaduais para essa pesquisa: o Centro Noturno de Educação

da Bahia Joana Angélica e o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares,

ambas as instituições localizadas em Salvador e com atuação junto ao público jovem

e adulto (a).

É interessante que, inicialmente, não havia percebido que ambas as escolas

estaduais são denominadas de centros. De acordo com o Dicionário de Português

Online (2018), centro significa “lugar onde se reúnem atividades”, definição que con-

sidero muito pertinente para identificar as duas escolas públicas investigadas. Am-

bas se constituem em espaços educacionais que desenvolvem atividades voltadas

para estudantes jovens e adultos (as), e as ações neles desenvolvidas estão inti-

mamente relacionadas com esses (as) atores (atrizes) sociais.

Vários fatores me fizeram optar pelas duas unidades escolares citadas anteri-

ormente como campos de investigação: o fato de eu ser a coordenadora estadual de

EJA na época em que iniciei a pesquisa, o que me possibilitou ter acesso às duas

instituições e aproximar-me do trabalho pedagógico que estas realizam; a diversida-

de de estudantes de EJA que as frequentam, possibilitando uma compreensão mais

ampla e diversa dos (as) atores (atrizes) sociais pesquisados (as).

Para compreender os etnométodos produzidos (as) pelos (as) estudantes da

EJA que contribuem para a permanência na Educação Básica, tornou-se necessário

compreender o perfil dos (as) estudantes colaboradores (as) da pesquisa das duas

escolas pesquisadas. Em sua grande maioria são trabalhadores (as) jovens e adul-

tos (as), sendo nove mulheres e quatro homens, sendo a maior parte deles (as) tra-

balhadores (as) do mercado informal, com faixa etária heterogênea variando de 19 a

53 anos; apresentam um percurso escolar descontínuo, com períodos de interrup-

ções marcados por ausências e retornos frequentes, devido a diversas situações

que desfavorecem a permanência nos estudos, sendo que, em média, os (as) estu-

dantes colaboradores (as) da pesquisa contam mais de dez anos sem estudar.

Isto posto, farei a seguir uma descrição das duas escolas que se constituíram

locus dessa investigação.

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3.4.1 O Centro Noturno de Educação Joana Angélica

Os Centros Noturnos de Educação da Bahia são unidades escolares que ini-

cialmente foram implantados no âmbito do Estado nos municípios de Feira de San-

tana, Senhor do Bonfim e Vitória da Conquista e, nos anos subsequentes implanta-

dos nos municípios de Salvador, Cachoeira, Jacobina, Campo Formoso, Conceição

do Coité e Itamaraju com o objetivo de reestruturar a educação noturna da rede de

ensino estadual, ao considerar as necessidades e expectativas desses sujeitos14.

É importante destacar que esse movimento de reestruturação da educação

noturna estadual perpassa também pela crise histórica instaurada no ensino médio

noturno, pois inúmeras são as críticas feitas no que tange à transposição didática do

ensino voltado para adolescentes para a educação noturna, cujas metodologias e

materiais didáticos utilizados precisam ser vinculados à realidade dos (as) jovens e

adultos (as) trabalhadores (as) que acessam a EJA e apresentam saberes construí-

dos ao longo das trajetórias de vida e de trabalho.

É oportuno salientar que, durante a implantação dos Centros Noturnos de

Educação da Bahia, tive ciência do trabalho pedagógico do Ceneb Joana Angélica

ora investigado, o que me provocou o desejo de realizar uma investigação mais cri-

teriosa acerca das ações de permanência de jovens e adultos (as) na educação no-

turna.

O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica possui em sua itine-

rância institucional vivências formativas que a constituiu em uma escola reconhecida

pelo trabalho pedagógico desenvolvido na comunidade, caracterizado pelo acolhi-

mento e sensibilidade com os (as) jovens e adultos (as) com os quais atuam.

O referido Centro Noturno foi criado em 2015, cuja proposta pedagógica tem

a intenção de aproximar-se do contexto vivido pelos (as) jovens e adultos (as), bem

como suas expectativas de estudo e de vida. Dentre os dez Ceneb criados pela Se-

cretaria de Educação, o Ceneb Joana Angélica foi escolhido em virtude de localizar-

se em Salvador, bem como pelo número crescente de estudantes trabalhadores (as)

matriculados anualmente. Importante destacar que em 2018 esse número se apro-

ximava de 800 estudantes jovens e adultos (as).

14 Esse texto constitui parte integrante do capítulo elaborado por mim, intitulado “A formação de

jovens e adultos e a educação noturna: compreensões formativas de uma experiência baiana em movimento”, integrante da obra Amorim, Silva e Castro, Educação, territorialidade e formação docente.

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O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica, que integra essa

pesquisa, é localizado na Península de Itapagipe15. Esta região da Cidade Baixa é

marcada historicamente pelo descaso dos órgãos públicos, onde a população de

bairros mais populares possui pouco acesso aos serviços de saúde, educação e se-

gurança. É uma região de intensos contrastes: em virtude da desassistência do po-

der público, nessa região atualmente encontramos, no que se refere à saúde, as

Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), que atende a população, principalmente dos di-

versos municípios do interior da Bahia. No que tange à educação, na Península de

Itapagipe encontrávamos algumas escolas que, em décadas anteriores, constituíram

espaços formativos da população jovem e adulta trabalhadora, na oferta de cursos

de formação profissional, muito expressivos nas décadas de 60 e 70 do século XX.

Em 2015 foi realizado pela Secretaria de Educação a junção de escolas, nes-

sa região, que ofertavam cursos no noturno, procedimento realizado, de acordo com

a justificativa do órgão, em decorrência do “baixo número de estudantes”, o que, se-

gundo ele não justificava a manutenção das turmas. Tal fato muito me causa incô-

modo, pois os (as) poucos (as) estudantes no noturno, para uns, torna-se número

significativo para outros (as) tantos (as), pois são vidas, jovens e adultos (as) traba-

lhadores (as) que, nesse momento de sua história, estão dispondo de condições de

continuarem os estudos.

A segurança na região é bastante precarizada, apesar de nela estar localiza-

do o 8º Batalhão da Polícia Militar da Bahia, no bairro de Dendezeiros. Essa área de

atuação direta dos órgãos públicos é atravessada por outras questões estruturais de

vida da população dessa região, como iluminação pública, saneamento básico, mo-

radia, crescimento desordenado do comércio informal na região.

Assim, o Ceneb Joana Angélica implantado com o objetivo de atender peda-

gogicamente jovens e adultos (as) trabalhadores (as) que acessam a educação no

noturno, oferta cursos de Ensino Fundamental e Ensino Médio na modalidade EJA,

Ensino Médio, bem como curso de EJA articulado com Educação Profissional.

É interessante salientar que, apesar de o município de Salvador agregar três

Centros Noturnos, a escolha por esse, em especial, deu-se pelo número crescente

de estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as) no período de 2015-2018,

15 A Península de Itapagipe é uma região localizada na Cidade Baixa, que agrega diversos bairros,

dentre eles: Bonfim, Ribeira, Uruguai, Massaranduba, Vila Rui Barbosa, Caminho de Areia, Boa Viagem, Dendezeiros, Mont Serrat, Roma, dentre outros.

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fato que me provocou inquietação e que me impeliu a investigá-lo como fenômeno

de crescimento e permanência de estudantes jovens e adultos (as) na Educação

Básica, o que contraria as estatísticas de evasão existentes nessa etapa de escola-

rização.

3.4.2 O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares

O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares é considerado pela

SEC uma escola “exclusiva de EJA”, pois atende especificamente jovens e adultos

(as) trabalhadore (as) da EJA, oferecendo projetos pedagógicos específicos para

esses (as) atores (atrizes) sociais.

A proposta inicial de criação das escolas exclusivas de EJA era ofertar cursos

de EJA nos três turnos de funcionamento, bem como oferecer exames de certifica-

ção de saberes para fins de conclusão da Educação Básica.

A ideia era formar um grupo de profissionais oriundos das diversas áreas do

conhecimento, com significativa experiência no atendimento a estudantes jovens e

adultos (as) em situação de conclusão, equivalência e regularização da vida escolar

para prosseguimento de estudos, fato que foi fragilizado ao longo dos anos em de-

corrência dos diversos interesses políticos. Assim, ao longo dos anos o número de

escolas exclusivas foi sendo reduzido e, nos últimos anos existiam na rede estadual

de ensino da Bahia somente escolas exclusivas de EJA, nos municípios de Feira de

Santana, Barreiras, Vitória da Conquista e Salvador, este último contando com duas

unidades escolares.

Assim, o meu interesse em investigar o Centro Estadual de Educação Zumbi

dos Palmares se deu pela sua história de criação e trajetória educacional nessa mo-

dalidade de educação. Outro fato que contribuiu para a escolha dessa escola foi

que, ao iniciar essa pesquisa, encontrava-me à frente da Coordenação Estadual da

Educação de Jovens e Adultos na Bahia, o que me aproximou desse lócus de inves-

tigação, compreendendo sua dinâmica de atuação e sua história intimamente vincu-

lada ao campo da EJA no Estado da Bahia.

Conforme dito anteriormente, o Centro Estadual de Educação Zumbi dos

Palmares localiza-se no município de Salvador, no bairro dos Barris, oferta turmas

de EJA no diurno e no noturno. Oferece os cursos Tempo de Aprender I e II; Tem-

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pos Formativos I, II e III, além de realizar Exames de Certificação da Educação Bási-

ca, através da Comissão Permanente de Avaliação (CPA).

A escola está localizada em uma região próxima à Estação da Lapa e em

uma área comercial do centro da cidade, o que resulta na presença de estudantes

jovens e adultos (as) que, ou trabalham na região, ou são oriundos de bairros mais

distantes, mas que circulam na referida Estação, o que facilita inclusive o acesso de

jovens e adultos (as) dos municípios da Região Metropolitana de Salvador (RMS16).

No ano de 2017, a escola deixou de ofertar o curso Tempo de Aprender I, corres-

pondente aos anos Iniciais do Ensino Fundamental, pois, de acordo com o setor de

Reordenamento da Rede da SEC, a oferta do Ensino Fundamental I ficaria sob a

responsabilidade dos municípios, o que tem produzido prejuízos para jovens e adul-

tos (as) que historicamente foram excluídos do processo de escolarização.

16 Os municípios da Bahia que fazem parte da Região Metropolitana de Salvador são: Salvador,

Camaçari, São Francisco do Conde, Lauro de Freitas, Simões Filho, Candeias, Dias d’Ávila, Mata de São João, Pojuca, São Sebastião do Passé, Vera Cruz, Madre de Deus e Itaparica, totalizando cerca de 4 milhões de habitantes. Disponível em: https://www.suapesquisa.com/geografia_do_brasil/regiao_metropolitana_salvador.htm. Acesso em: 12 fev. 2019.

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4 COMPREENDENDO AS DIFERENTES PERSPECTIVAS

4.1 O pensamento multirreferencial como abordagem teórica

A teoria que orientará o percurso desta pesquisa será a abordagem multirrefe-

rencial, respeitando a complexidade do objeto de estudo deste projeto de pesquisa –

a formação de jovens e adultos (as) e as políticas de permanência estudantil na

Educação Básica, objeto que requer uma análise plural, a partir de uma escuta dos

diferentes segmentos da EJA, e em diálogo com referenciais teóricos que são articu-

lados a fim de permitir uma maior compreensão do fenômeno.

Macedo (1998) considera que Ardoino reconhece a impossibilidade de se

pensar o conhecimento como algo acabado, completo; desse modo, o fenômeno a

ser investigado convoca uma análise que não fragmente a realidade ao decompô-la

artificialmente. É o que se propõe fazer a abordagem multirreferencial.

Ana Urpia (2014), destaca que a noção de multirreferencialidade foi desenvol-

vida por Jacques Ardoino desde os anos 50/60 do século XX, na França. Coulon

(1995), considera que a multirreferencialidade se constitui na conjuga-

ção/interlocução de várias perspectivas, com o intuito de superar “[...] o limite das

disciplinas monorreferenciais a fim de ter acesso a uma inteligibilidade mais perfeita

dos fenômenos estudados [...]” (COULON, 1995, p. 54).

Martins (2004) afirma que a multirreferencialidade pode ser considerada como

uma (entre várias) resposta às críticas que são dirigidas aos modelos científicos

concebidos a partir do racionalismo cartesiano e do positivismo comteano

Ardoino (1986) considera que a multirreferencialidade constitui uma perspec-

tiva de compreensão da realidade mediante a observação, investigação, escuta,

descrição por espectros e sistemas de referências diferentes, mas, acima de tudo,

irredutíveis uns aos outros e explicitados por linguagens diferentes.

Ardoino (1986) argumenta que a análise multirreferencial das situações, das

práticas, dos fenômenos, se propõe a uma leitura plural, sob diferentes ângulos, e

em função de sistemas de referência distintos (psicológico, sociológico, antropológi-

co), os quais não podem reduzir-se uns aos outros. Para Ardoino (1986), as relações

sociais nos convocam para uma outra análise hermenêutica e que não se mutile a

realidade que se quer interpretar/compreender/explicitar.

Nas palavras de Ardoino (1995, p. 7),

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[...] a análise multirreferencial das situações das práticas dos fenômenos e dos fatos educativos se propõe explicitamente uma leitura plural de tais ob-jetos, sob diferentes ângulos e em função de sistemas de referência distin-tos, os quais não podem reduzir-se uns aos outros. Muito mais que uma po-sição metodológica, trata-se de uma decisão epistemológica.

Desse modo, Ardoino (1995) ressalta que a multirreferencialidade como uma

abordagem investigativa pressupõe mais que uma proposição metodológica, diz

respeito a uma opção epistemológica. Propõe mais que uma justaposição de olhares

disciplinares, mas a capacidade de levar em consideração a perspectiva dos diver-

sos atores sociais envolvidos no fenômeno sob análise, bem como de articular dife-

rentes, porém não incongruentes perspectivas teóricas. O conhecimento produzido

por esta postura seria um conhecimento “[...] 'tecido' (bricolado): ele se estabelece a

partir da convergência, ou melhor, da convivência, do diálogo, trans, pluri, interdisci-

plinarmente.” (MARTINS, 1988, p. 23 apud URPIA, 2014, p. 45).

Segundo Urpia (2014), a abordagem multirreferencial de Ardoino (1986, 1998,

2000) envolve três espectros: a multirreferencilidade de compreensão, no domínio

da aproximação clínica, a partir do que se desenvolvem as demais, a saber: multirre-

ferencialidade interpretativa, exercida igualmente no interior das perspectivas e prá-

ticas dos (as) atores (atrizes), visando certo tratamento desse material; e a multirre-

ferencialidade explicativa ou de explicitação, mais pluri ou interdisciplinar e orientada

para a produção do saber, desenvolvida mediante a heterogeneidade das multirrefe-

rencialidades compreensivas e interpretativas de uma parte, ligadas à escuta, e à

multirreferencialidade explicativa, organizada com base em referenciais, irredutíveis

uns aos outros, contudo articulados a fim oferecer uma leitura plural, sob diferentes

ângulos, e em função de sistemas de referência distintos.

Para início de conversa, Macedo (2015) nos convida a compreender o signifi-

cado da palavra compreensão, que vem do latim praetenere, “nesse sentido, com-

preender é apreender em conjunto, é (re)criar relações, englobar, integrar, unir;

combinar; conjugar; (re)criar entendimentos e, com isso, qualificar a atitude atentiva

e de discernimento do que nos rodeia e de nós mesmos, para aprender o que entre-

laça elementos (MACEDO, 2015, p. 92).

Algumas pessoas, ao se referirem à Educação de Jovens e Adultos, costu-

mam afirmar que “a EJA é problemática”. Considero uma simplificação tal afirmação;

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prefiro ponderar que atuar na EJA é um campo complexo. Nesse sentido, parto da

concepção de complexidade assumida por Morin (1982, p. 221), segundo o qual,

a complexidade é uma noção cuja primeira definição não pode deixar de ser negativa: a complexidade é aquilo que não é simples. O objeto simples é o [...] que pode ser concebido como uma unidade elementar indecomponível. A noção simples é a que permite conceber este objeto de forma clara e distinta, como uma entidade isolável do seu ambiente. [...] A causalidade simples é a que pode isolar a causa e o efeito e prever o efeito da causa segundo um es-trito determinismo. O simples exclui o complicado, o incerto, o ambíguo, o contraditório. Os fenômenos simples correspondem a uma teoria simples. To-davia, pode-se aplicar a teoria simples a fenômenos complicados, ambíguos, incertos. Faz-se então simplificação. O problema da complexidade é o que é levantado por fenômenos não redutíveis aos esquemas simples do observa-dor. É certo, pois, supor que a complexidade se manifestará primeiro, para este observador, sob forma de obscuridade, de incerteza, de ambiguidade e até de paradoxo ou de contradição.

É interessante atentar que ao mesmo tempo que Morin afirma que a comple-

xidade é a negação da simplicidade, afirma que ela também não se reduz à compli-

cação. Para Morin (2011, p. 69),

não se pode compreender nenhuma realidade de modo unidimensional. A consciência da multidimensionalidade nos conduz à ideia de que toda visão unidimensional, toda visão especializada, parcelada, é pobre. É preciso que ela seja ligada a outras dimensões; daí a crença de que se pode identificar a complexidade com a completude.

Esse mesmo autor afirma ainda que “[...] estamos condenados ao pensamen-

to incerto, a um pensamento trespassado de furos, a um pensamento que não tem

nenhum fundamento absoluto de certeza.” (MORIN, 2011, p. 69).

Nas palavras de Macedo (2015, p. 91),

O encontro com os saberes da experiência se realiza quando acolhemos a experiência compreensivamente. Só acolhendo compreensivamente a expe-riência acessamos os saberes da experiência e realizamos (objetivamos) nossa experiência compreensiva, aí está a objetivação pretendida por uma pesquisa da/com a experiência, prática que a etnopesquisa se esmera em realizar como um processo de objetivação de sua caminhada heurística.

Partindo de uma linha de investigação inspirada na etnografia, adotada nesse

projeto de pesquisa, compreende-se a análise do corpus de conhecimentos (MA-

CEDO, 2010, p. 136) produzido durante todo o processo de investigação como um

movimento constante do início ao fim, que se densifica, formando um conjunto de

conhecimentos.

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Para Macedo (2012, p. 92), “[...] o saber criado emerge de uma recontextuali-

zação, de um entre-nós, de um entre-dois, da intercrítica compósita, híbrida, constru-

ída pelo etnopesquisador, fazendo esforços para evitar conclusões integrativas e

assimilacionistas.” Acreditamos, a partir dessa perspectiva formativa da pesquisa,

que o (a) ator (atriz) social não é anulado (a) pelo (a) pesquisador (a), mas é produ-

zido nesse encontro, diálogos compreensivos que potencializam tanto o (a) partici-

pante da pesquisa quanto o (a) pesquisador (a).

Creio que analisar a complexidade do campo da EJA requer uma leitura do

fenômeno a partir de diferentes perspectivas, a partir da compreensão de diferentes

sistemas de referência. Inspirada nessa perspectiva, intento nesse capítulo compre-

ender os relatos do campo a partir de uma postura de reflexividade, requerido pelo

objeto de estudo, a partir de vários referenciais. Assim, a escuta aos (às) estudantes

da Educação de jovens e Adultos de duas escolas públicas estaduais se constituí-

ram em momentos importantes da pesquisa, bem como a escuta dos (as) profissio-

nais dessas escolas, através dos diálogos formativos.

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5 ANÁLISE DOS CONHECIMENTOS PRODUZIDOS NO CAMPO

Início essa sessão com o registro que fiz em uma aula do Prof. Roberto Ma-

cedo (2015), no componente curricular Métodos e Técnicas da Pesquisa, do Pro-

grama de Pós-Graduação em Educação. Ao iniciar a aula sobre interpretação dos

conhecimentos produzidos no campo de pesquisa, o referido professor citou o poe-

ma de Eduardo Galeano (2002, p. 12), para realçar a relevância da nossa percepção

com “os achados da pesquisa”:

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadlof, levou-o para que des-cobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar!

Ao término da reconto do texto de Galeano, estava justamente sentindo-me

na condição do menino, tremendo diante da quantidade de conhecimentos produzi-

dos no campo que requeria de mim um olhar atento, cuidadoso e rigoroso. Assim,

inicio o relato do meu processo de análise dos conhecimentos produzidos pedindo

licença aos (às) colaboradores (as) dessa pesquisa para explicitar o nosso diálogo

tecido no campo de investigação, bem como aos demais (as) autores (as) que me

ajudaram a olhar com olhos mais atentos o que os (as) atores (atrizes) sociais dessa

pesquisa nos disseram. Precisamos deixá-los falar!

Macedo (2006, p. 135), considera que “[...] a prática da etnopesquisa crítica

nos mostra que, na realidade, a interpretação se dá em todo o processo de pesqui-

sa.” Essa percepção eu tive ao longo da investigação, pois, após as idas ao campo,

buscava interpretar os conhecimentos produzidos, realizando registros no meu diário

de campo. Macedo (2006) destaca que o movimento de análise dos conhecimentos

intensifica as interpretações, nos conduzindo às considerações sempre em aberto

dos conhecimentos produzidos no campo, cuja análises serão sempre transitórias.

O referido autor (2006), salienta que uma das primeiras tarefas da análise dos

conhecimentos produzidos no campo é o exame atento e extremamente detalhado

deles, realizado também a partir das questões da pesquisa, para identificar em que

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medida os conhecimentos produzidos podem responder aos questionamentos previ-

amente feitos no projeto de investigação.

Após três anos de imersão no campo durante meu doutoramento, percebi que

havia conhecimentos suficientes para sofrerem interpretação, o que me possibilitou

sua análise. No entanto, devo confessar que, mesmo me considerando satisfeita

quanto aos conhecimentos produzidos no campo de investigação, em alguns mo-

mentos me senti “tentada” a retornar ao campo para capturar aquela “azeitona” da

empada. O fato é que precisamos ter a percepção do momento de saída do campo,

para, no distanciamento necessário, continuar o processo de interpretação dos co-

nhecimentos nele produzidos.

No processo de análise dos conhecimentos produzidos foi feita inicialmente a

transcrição das entrevistas e das falas nos diálogos formativos. Essa etapa foi muito

interessante, pois, à medida que retomei as falas dos (as) atores (atrizes) sociais

colaboradores (as) da pesquisa, fui recompondo em minha mente o cenário, os ros-

tos dos (as) atores (atrizes) sociais, bem como sua expressão facial no período da

pesquisa, fato que contribuiu positivamente para a compreensão dos relatos.

A partir desse momento, realizei a releitura minuciosa das transcrições e

construí uma tabela em que especifiquei em colunas as perguntas que nortearam as

entrevistas e diálogos formativos; em uma outra coluna, incluí as respostas dos (as)

colaboradores (as) da pesquisa, onde fui destacando as palavras ou expressões que

se repetiam, para a partir daí construir as categorias de análise. A essa forma pecu-

liar de realizar a análise dos conhecimentos produzidos no campo de investigação,

Macedo (2006) denomina redução: “Aqui se determina e se seleciona as partes da

descrição que são consideradas ‘essenciais’, e aquelas que, no momento, são avali-

adas como não-significativas [...]” (MACEDO, 2006, p. 137). A partir desse momento,

as expressões que surgiram no processo foram se transformando em “síntese das

unidades significativas” (MACEDO, 2006).

Em seguida, realizei o que Martins (1992 apud MACEDO, 2006) denomina de

unidades dos significados, que, no início do processo de análise dos conhecimentos

produzidos, devem ser tomadas tal qual os (as) colaboradores (as) da pesquisa ex-

pressam. Em seguida, essas expressões foram transformadas em “síntese das uni-

dades significativas” (MACEDO, 2006), que provém dos conhecimentos produzidos

dos (as) atores (atrizes) sociais colaboradores (as) da investigação. Nesse momento

da análise dos conhecimentos produzidos no campo de investigação, pudemos re-

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correr à pluralidade, detalhamento e contextualização desses conhecimentos para

consubstanciá-los durante essa etapa de análise.

O momento seguinte, que considerei mais complexo e denso, se constituiu na

interpretação dos conhecimentos, pois exigiu uma leitura refinada dos relatos, bem

como minuciosa análise das falas dos (as) colaboradores (as) dessa pesquisa. De

acordo com Macedo (2006, p. 138), nessa etapa

[...] aparecem os significados e acontecimentos, recorrências, índices repre-sentativos de fatos observados, contradições profundas, relações estrutura-das, ambiguidades marcantes; emerge aos poucos o momento de reagrupar as informações em noções sunsoras – as denominadas categorias analíti-cas –, que irão abrigar analítica e sistematicamente os subconjuntos das in-formações, dando-lhes feição mais organizada em termos de corpus analíti-co escrito de forma clara e que se movimenta para a construção de um pat-tern compreensível e heuristicamente rico.

Macedo (2006, p. 139) destaca algumas operações cognitivas que são ne-

cessárias para a análise e interpretação dos conhecimentos:

distinção do fenômeno em elementos significativos, exame minucioso des-ses elementos; codificação dos elementos examinados; reagrupamentos dos elementos por noções subsunsoras; sistematização textual do conjunto; produção de uma metanálise ou uma nova interpretação do fenômeno estu-dado.

5.1 Contrastando as políticas de permanência de jovens e adultos na Educação

Básica

5.1.1 Caso 1: o Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica

A receptividade construída durante a pesquisa de doutorado no Centro Notur-

no de Educação da Bahia (Ceneb) Joana Angélica foi tecida desde a implantação do

colégio na rede estadual, pois, à época, encontrava-me à frente da coordenação da

Educação de Jovens e Adultos nesta rede, o que me permitiu participar das discus-

sões coletivas, com os membros da comunidade escolar, sobre questões curricula-

res, bem como compreender os dilemas de implantação de uma nova unidade esco-

lar, desprovida dos recursos financeiros necessários para o andamento da referida

proposta curricular. Houve uma acolhida solidária e respeitosa por parte dos atores

sociais, tendo se estreitado o nosso relacionamento pela convivência durante o perí-

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odo de inserção no campo, no qual realizei entrevistas com o gestor e a coordena-

dora pedagógica, bem como diálogos formativos com estudantes e professoras da

Educação de Jovens e Adultos vinculados (as) ao curso Tempo Formativo. A partir

dos dispositivos de produção de informações, e de sua posterior análise, apresento,

a seguir, algumas compreensões, com base nas categorias de análise que foram

delineadas a partir das narrativas dos atores sociais e também nos objetivos da pes-

quisa.

Micropolíticas de permanência produzidas pelos estudantes

É importante destacar que os (as) estudantes que se constituíram como cola-

boradores (as) dessa pesquisa no Ceneb eram estudantes-trabalhadores (as), em

sua grande maioria do mercado informal, o que significa dizer que não possuem car-

teira assinada e, portanto, não têm todos os seus direitos trabalhistas garantidos.

Outra marca importante a ser destacada é que muitos desses (as) jovens e adultos

(as) experimentaram sucessivas histórias de fracasso ou abandono escolar, o que

faz dessa escola um espaço privilegiado para se pensar sobre esses processos,

bem como para compreender os etnométodos envolvidos nesse retorno à escola e

ao processo de escolarização por meio da EJA, como alternativa à continuidade dos

estudos. Uma outra marca desse grupo de estudantes que participou da pesquisa é

que ele é composto em sua maioria por mulheres negras de camadas populares,

com idade entre 23 e 42 anos.

As subcategorias a seguir foram produzidas a partir das compreensões que

fui tecendo durante as análises das informações, considerando que as micropolíticas

de permanência produzidas pelos (as) estudantes foram se configurando a partir dos

desafios que estes enfrentavam no período em que a pesquisa foi se constituindo.

a. “Cabo de guerra”: Quando a sobrevivência mede forças com o estudo

Um sorriso negro, um abraço negro Traz felicidade Negro sem emprego fica sem sossego Negro é a raiz da liberdade. (SORRISO..., [19--]).

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Difícil não iniciar essa análise reafirmando que nossos (as) colaboradores (as)

eram, em sua grande maioria, mulheres e homens negros (as), oriundos(as) das

camadas populares, cujas trajetórias de vida são marcadas pela luta pela sobrevi-

vência e, como a composição de Dona Yvonne Lara expressa, “negro sem emprego,

fica sem sossego”. E é na falta dessa paz – quando as necessidades diárias “batem

à sua porta” – que muitas mulheres e homens jovens e adultos (as) criam alternati-

vas informais para sobreviver, tendo que optar pelo trabalho (que para a grande

maioria exige esforço físico diário), em detrimento dos estudos. Aqueles (as) que

conseguem conciliar trabalho e estudo para concluir a Educação Básica trazem con-

sigo marcas de superação ao longo de sua trajetória escolar.

Lembro-me de uma amiga que conheci na época em que trabalhei na SEC,

que dizia que “[...] toda vez que a escola tenta medir forças com o trabalho, ela per-

de.” (CASTRO, 2013). Isso nos faz compreender, de alguma forma, as sucessivas

tentativas malsucedidas de continuidade dos estudos que jovens e adultos (as) tive-

ram ao longo de suas vidas, nas quais a escola talvez tenha tentado medir forças

com o trabalho, sem êxito do ponto de vista da continuidade da vida escolar. Para os

jovens e adultos (as) das camadas populares, as demandas externas à escola –

que, nesse caso, podemos dizer que é o correspondem ao trabalho – competem for-

temente com a escolarização, exercendo sobre este ambiente uma força muitas ve-

zes descomunal, capaz, não raro, de retirar estes atores sociais do fluxo contínuo da

vida estudantil. Sobre a questão de sobrevivência da produção da vida material,

condição sine qua non da existência humana, Marx e Engels (2007, p. 53) diziam:

[...] somos obrigados a lembrar que o primeiro pressuposto de toda a exis-tência humana e, portanto, de toda a história é que todos os homens devem estar em condições de viver para fazer história. Mas para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter moradia, vestir-se e algumas coisas mais.

E são essas condições de viver a que Marx e Engels (2007) se referem que

funcionam como marcas identitárias dos sujeitos da EJA. Não considerá-las em seu

processo formativo é negar a sua existencialidade, sua condição de estudante-

trabalhador.

É importante salientar que, no caso dos estudantes da EJA, a entrada no

mundo do trabalho tem sido antecipada em virtude das necessidades de sobrevi-

vência. Felícia Madeira (2006), em artigo intitulado Educação e desigualdade no

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tempo de juventude, alerta para o fato de que, além de ser uma marca da transição

para a vida adulta, a antecipação da entrada do jovem no mundo do trabalho rever-

bera em outras questões:

Do ponto de vista das pessoas, a antecipação da entrada na vida adulta significa a eliminação de um importante momento de exploração e experi-mentação, tanto no campo da afetividade como na preparação e qualifica-ção para tarefas mais produtivas e mais bem remuneradas. Do ponto de vis-ta da sociedade, acarreta menos desenvolvimento, manutenção das desi-gualdades sociais e persistência da pobreza. Tem-se, aqui, mais um dos di-ferentes efeitos indiretos e perversos do déficit educacional. (MADEIRA, 2006, p. 140).

Esse déficit educacional a que se refere Madeira (2006) foi observado nas

histórias de vida dos estudantes colaboradores desta pesquisa. Na fala de Custódia

Machado, compreendemos o quanto conciliar trabalho e estudo vem se constituindo

um grande desafio, na medida em que a permanência na escola requer esforço de

driblar o cansaço e continuar sua jornada no noturno:

É um pouco complicado, porque assim, pra você manter o trabalho e a es-cola a sua mente fica cheia. Eu mesma não tenho uma casa fixa, eu moro com um casal de idosos. Aí de manhã eu acordo cedo, acordo 5 horas da manhã pra vender lanche na Baixa do Bomfim. Aí eu só chego em casa só pra tomar banho e sair pra escola. [sic] (EC Custódia Machado).

Custódia Machado é uma das estudantes colaboradoras que em seu relato

explicitam a tensão diária do “cabo de guerra”, na medida em que está envolvida se

vê enredada a fatores externos que “a puxam para fora da escola” e a fatores inter-

nos à escola que a fazem permanecer nos estudos. Sendo uma estudante que fre-

quenta a escola no turno noturno, recolhe-se tarde, sendo um grande esforço acor-

dar às cinco horas da manhã para preparar os alimentos que comercializa durante

todo o dia, e, após o trabalho físico exaustivo, retornar para casa, “só para tomar um

banho e sair logo”. Esses são etnométodos produzidos por Custódia para assegurar

sua permanência na escola: chegar em casa e sair logo. Acreditamos tratar-se de

uma maneira que Custódia encontrou para resolver seu problema de passar em ca-

sa, pois se ficar um pouco mais e comer talvez algo, o cansaço tomará conta do seu

corpo, agravando o “cabo de guerra” diário entre o cansaço de um dia de trabalho e

a continuidade dos estudos no noturno.

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Na sequência do seu relato, Custódia Machado ainda declara que, ainda que

com o cansaço inerente ao trabalho realizado, tem consciência da necessidade de

dar continuidade aos estudos, o que a faz buscar forças para ir à escola, pois, como

diz, “se eu não for para escola, quem vai se prejudicar sou eu”. Sobre a questão do

prejuízo de jovens que abandonam os estudos e sua relação com a pobreza, Madei-

ra (2006, p. 147) observa que,

[...] independentemente dos seus efeitos econômicos mais diretos, a educa-ção traz diversas outras implicações relevantes que atuam de forma indireta e colaboram para a compreensão dos mecanismos que entravam o desen-volvimento e atuam na persistência da pobreza e da desigualdade.

Vários (as) jovens e adultos (as) vivenciaram períodos longos sem estudo,

muitas vezes por motivos que não foram produzidos por eles (as), mas pelas condi-

ções familiares, sociais e de gênero, o que os (as) faz estacionar em condições de

vida subumanas.

Constatamos isso no relato da história de vida de Custódia, quando afirma:

“Eu fiquei 8 anos sem estudar, mas não porque eu não queria, e sim porque eu fui

obrigada a parar de estudar”. Ela relata que não tinha um bom relacionamento com

a tia, o que a fez sair de casa e morar em um abrigo, passando por situações cons-

trangedoras na luta pela sobrevivência, fato esse que a distanciou ainda mais da

escola.

Conciliar trabalho e estudo para Custódia Machado tem sido tarefa deveras

complicada; nas palavras da própria colaboradora, “a mente fica cheia” – cheia de

preocupações e de conteúdos a serem estudados. É importante salientar que, para

muitos (as) jovens e adultos (as) que resolvem retornar à escola, a visão que possu-

em desse espaço educacional ainda é a mesma de anos atrás. Isso nos ajuda a

compreender a “mente cheia” a que Custódia se refere. Paivandi (2012) considera

que, na Educação Básica, os (as) estudantes muitas vezes são submetidos a uma

lógica de acumulação de conhecimentos e ausência de diálogo entre os componen-

tes curriculares, sendo que “[...] os alunos têm, frequentemente, a tendência de ado-

tar uma abordagem passiva em relação à aprendizagem, fundada na memorização

ou acumulação de conhecimentos destinados a fazer com que obtenham sucesso

nos exames [...]” (PAIVANDI, 2012, p. 32).

Para alguns (as) jovens e adultos (as), apesar dos esforços empreendidos pe-

lo coletivo de profissionais que atuam na instituição escolar no intuito de desenvolver

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práticas pedagógicas que se aproximem da sua realidade, a sensação que muitos

(as) vivenciam é de que nada aprenderam se não tiverem o caderno cheio de apon-

tamentos reproduzidos a partir dos registros elaborados pelo (a) professor (a). Sobre

essa questão, Freire (1968), na obra Educação como prática de liberdade, já reali-

zava crítica à educação bancária, que apresenta uma lógica de educação para acú-

mulo de conteúdos e ausência de reflexão dos (as) estudantes.

José Machado Pais (2005), em sua obra Ganchos, tachos e biscates: jovens,

trabalho e futuro, apresenta o conceito de pontos de inflexão, que, para o referido

autor, são acontecimentos que ocorrem que “dão novos rumos à vida”. (PAIS, 2005,

p. 86). No caso de Custódia Machado, a situação incômoda de morar em uma casa

“de favor” e submeter-se às condições que lhe são dadas, inclusive de ficar sem es-

tudar para fazer companhia ao casal de idosos que lhe cederam a casa para mora-

dia, a fez ter força para ir à escola em busca de dias melhores, dando novo ruma à

sua vida. Mas é importante destacar que, no caso de Custódia, sua vida foi marcada

por novos “pontos de inflexão”, desde a saída da casa de sua tia, passando pela mo-

radia no abrigo, até a experiência atual de morar na casa de um casal de idosos,

que solicitam constantemente sua permanência, em detrimento de sua assiduidade

no ambiente escolar.

A colaboradora Zilda Arns também enfatiza em seu relato a dificuldade de

conciliar trabalho e estudo: “E conciliar o trabalho não é fácil [...]” Zilda, ao expressar

a dificuldade que enfrenta em conciliar trabalho e estudo, faz uma pausa em sua

fala, como se estivesse refletindo o que vivenciou naquele dia para estar na escola,

e continua: “[...] eu mesma, hoje, cheguei já no 2º horário [...]” (risos). O riso esboça-

do por Zilda traduz a quase impossibilidade de conciliar o horário de término do ex-

pediente de trabalho e o horário de início das aulas. Essa incompatibilidade de horá-

rios tem dificultado a permanência dos (as) estudantes nessa modalidade de educa-

ção, em especial os que frequentam a EJA no turno noturno. É importante destacar

que a grande maioria dos (as) estudantes dessa modalidade de educação, que

apresenta frequência descontinuada, tende a abandonar os estudos, principalmente

pela sobrecarga de trabalho, pela dificuldade de conciliar horário de estudo e de jor-

nada profissional, bem como pela dificuldade em compreender os conteúdos traba-

lhados em sala de aula. No caso de Zilda, podemos afirmar que se constitui um et-

nométodo produzido por ela chegar à sala de aula mesmo no segundo horário, já

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que, conclui, chegar atrasada e perder parte da aula é melhor do que deixar de

comparecer e acabar por abandonar a escola.

Apesar de a escola investigada constituir uma instituição criada para ofertar

cursos de Educação Básica para estudantes trabalhadores que estudam no turno

noturno, a proposta curricular não logrou contemplar a mudança de horário de início

das aulas para o Ensino Médio Noturno, permanecendo um horário que, na prática,

não atende às necessidades dos (as) estudantes que estudam nesse turno, ficando

sob a responsabilidade tanto destes quanto do(a) docente criar acordos tácitos que

contribuam para a permanência dos (as) estudantes-trabalhadores (as) na escola.

Na tentativa de conciliar o trabalho com os estudos, alguns (as) estudantes

produzem outros etnométodos, tal como Maria da Penha, que consegue distanciar-

se mentalmente dos afazeres domésticos por fazer e concentrar-se nas tarefas es-

colares demandadas pelos (as) professores (as); com isso, garante sua aprovação e

evita a própria evasão:

Eu mesma, eu sou dona de casa, eu não ligo pra nada. Quando o professor passa trabalho mesmo, foi ontem, passou trabalho de História. Eu acordei cedo, eu não fiz nada em casa, só fiz malmente almoçar, peguei e descan-sei um pouquinho e fiz o trabalho. Fiz 10 ou foi 12 pesquisas, tudo em um dia só. Enfim, peguei e entreguei pra ele me dar nota, odeio tomar zero! [sic] (risos gerais) (EC Maria da Penha).

Para Maria da Penha, dedicar um dia “integralmente” aos trabalhos escolares

e se “desligar” das tarefas domésticas constituem um etnométodo produzido para

evitar o “zero”, o que pode significar, para ela, evasão da escola.

É interessante destacar o quanto as mulheres são sobrecarregadas pelas ta-

refas domésticas, o que muitas vezes as distancia de ações que desejam empreen-

der, mas que, devido à sobrecarga das ações domésticas, são relegadas a segundo

plano. De acordo com dados do IBGE (2014), o tempo que os homens dedicam aos

afazeres domésticos é muito inferior ao tempo que as mulheres investem nas tarefas

do cotidiano.

Lélia Gonzalez é uma estudante colaboradora que chegou um pouco após o

início desse diálogo formativo; sentou-se na roda e, após ouvir o relato de algumas

colegas, falou o quanto para ela também se constitui um desafio conciliar trabalho e

estudo:

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Eu mesma cheguei atrasada, tentando fazer tudo rápido em casa, porque se você não vier para o colégio e ficar em casa, realmente a gente perde muitas coisas. Eu tranquei no 2º ano, eu tranquei o colégio, e eu já perdi vá-rias oportunidades de emprego porque não tenho Ensino Médio. E hoje eu me arrependo de ter largado, mas quando eu comecei agora, eu pensei: ‘poxa, quanto tempo eu perdi!’ Porque a gente abre a mente, né? Tem tan-tas coisas que a gente vê, o povo pode enrolar a gente e se a gente não ti-ver uma mente aberta... e o colégio abre a mente da gente! [sic] (EC Lélia Gonzalez).

Em seu relato, Lélia afirma que parou de estudar no 2º ano do Ensino Médio,

o que a impediu de estar trabalhando na área em que gostaria de atuar. Ao mesmo

tempo, relata que, em retornando aos estudos, percebeu o tempo que havia perdido

desde que os interrompeu. Na sua história de vida, Lélia relata que o marido tem

sido um apoiador para que conclua a Educação Básica, haja vista que ele também

não pôde concluir os estudos, mas considera que ela precisa dar-lhes continuidade.

Em sua fala, Lélia destaca o quanto o estudo “abre a mente” das pessoas e ninguém

“enrola a gente”, o que nos leva a crer que considera importante ampliar sua com-

preensão da vida, para que possa ter condições de definir o próprio destino. Lélia

nos fala sobre ampliação de conhecimentos, de liberdade de escolha, de tomada de

decisões, formação cidadã, enfim, questões fundantes para a educação emancipató-

ria, conforme preconizava Freire (1997).

O relato do único representante masculino presente ao diálogo formativo per-

tence a Mestre Moa, estudante que veio de outra experiência escolar recente17 e

desenvolve atividades profissionais como garçom. Moa confessa que não pretende

interromper os estudos e afirma que, apesar das dificuldades de conciliar trabalho e

estudo, o que acarreta muito cansaço físico, deseja seguir lutando, ou melhor, no

“cabo de guerra”. Desse modo, podemos considerar que “seguir lutando” é um et-

nométodo adotado por dele, na medida em que não desiste das adversidades, que,

nesse caso, se corporificam no cansaço físico do labor e na indisposição mental pa-

ra estudar.

Eu sigo pelo mesmo caminho dela, não pretendo parar. As dificuldades que eu tenho no trabalho são muitas, chego cansado [...] Mas não vou parar, eu vou seguir porque eu quero crescer mais um pouquinho, não quero ficar como eu tô não, quero ser maior. Aí eu tô igual a ela, lutando. [sic] (EC, Mestre Moa)

17 Mestre Moa estudava em uma escola que ofertava exclusivamente cursos e exames da EJA, mas

em 2015, frente à política de reordenamento da rede estadual, essa escola foi fechada e os estudantes transferidos para o Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica.

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É recorrente, na narrativa de Moa, que ele não vai parar de estudar, o que

pode ser compreensível, já que encetou inúmeras tentativas de dar continuidade,

sem êxito, aos estudos. É interessante destacar o esforço que ele faz para se con-

vencer de que, apesar das dificuldades, prosseguirá em seus estudos.

Em sua grande maioria, os (as) estudantes jovens e adultos (as) envolvidos

(as) em atividades profissionais que lhe consomem grande parte do tempo e cujos

conhecimentos escolares não mantêm relação com a área profissional, enfrentam

grande dificuldade em conciliar os estudos com o trabalho, haja vista que o tempo

para se dedicarem à leitura de textos e realização dos trabalhos escolares é exíguo,

o que contribui para sua infrequência ou mesmo o abandono da escola.

Retomando a questão da migração de escola, experiência vivenciada por

Mestre Moa, importa lembrar que torna-se em alguns casos prejudicial para muitos

(as) jovens e adultos (as), pois vários fatores – dentre os quais mudança de endere-

ço da escola, ruptura de laços afetivos e troca de professores (as) – podem produzir

outra interrupção nos estudos. Por sua vez, o Ceneb Joana Angélica, escola que

recebeu esses estudantes no momento da extinção do turno noturno de várias esco-

las do entorno, necessitou produzir etnométodos que favorecessem a permanência

deles, por meio de práticas de acolhimento e encantamento.

É importante salientar que esse fato fez do Ceneb Joana Angélica uma escola

que, ao longo dos anos, não enfrentou tantos problemas relativos a baixa matrícula;

pelo contrário, foi consolidando marcas de êxito no acolhimento dispensado aos (as)

estudantes e no trabalho pedagógico desenvolvido. Esses resultados positivos acar-

retaram, em vários momentos de sua existência, a criação de lista de espera de jo-

vens e adultos (as) que pretendiam estudar na referida instituição.

Outro aspecto realçado no relato de Mestre Moa é a questão de que ele tem

uma meta que o mantém firme na escola: ele quer “ser maior”; para isso, sabe que

precisa da escola, local que, pelo que podemos subentender, lhe permite esse cres-

cimento. Crescimento aqui parece rimar com conhecimento: ele quer crescer, ser

maior, mas, para tanto, precisa do saber escolar. Percebemos então que Mestre

Moa formou para si mesmo um projeto de vida atrelado à continuidade dos estudos,

o que o tem levado a continuar lutando em prol da sua permanência na escola.

Para muitos (as) estudantes jovens e adultos (as), a permanência na escola

não é somente um meio de concretização do sonho inacabado, é também uma es-

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tratégia de crescimento profissional, que lhes permitirá melhores condições de vida

para si e para seus familiares.

Vemos nos relatos dos (as) colaboradores (as) a imensa quantidade de ener-

gia pessoal e social envolvida para conciliarem estudo e trabalho, um “cabo de guer-

ra” que historicamente tem sido vencido pelas forças externas à escola, mas muitos

(as) deles (as), nesse momento de suas vidas, querem “virar esse jogo”. O fato de

que alguns (as) desses (as) estudantes não puderam contar em algum momento da

vida estudantil com o apoio familiar parece ter produzido essa condição de estudan-

te-trabalhador (a) à custa de muito esforço pessoal e de apoio de outras pessoas

mais próximas, que aqui denomino de rede de sociabilidade, tema que abordarei

mais adiante.

b. Ser mãe e ser estudante... isso e aquilo!

Outro conteúdo que emergiu na investigação sobre os etnométodos produzi-

dos pelos (as) estudantes para permanecerem na escola foi o esforço de conciliar a

função de ser mãe com o desejo de continuar os estudos.

Marielle Franco é uma estudante de 28 anos de idade bastante comunicativa

que exerce informalmente, entre o grupo de colegas da turma, a função de líder. É

dona de uma boa oratória e veio de experiências escolares anteriores, inclusive de

escolas particulares, devido à condição financeira de que a família desfrutava à épo-

ca. Após a morte de sua mãe, ainda adolescente, parou de estudar e somente qua-

se dez anos depois retornou à escola. Na sua fala, verbaliza o respeito que cultiva

pela escola à qual está vinculada como estudante, pois considera que aquela insti-

tuição desenvolve um bom trabalho na área de educação; reporta-se também de

forma muito carinhosa ao ensino ministrado pelos (as) professores (as) e à atenção

que a equipe técnica-pedagógica e docente dispensa aos (às) estudantes.

Quando a estudante colaboradora resolveu, segundo ela, “tirar o diploma”,

decidiu submeter-se ao exame de certificação na Comissão Permanente de Avalia-

ção (CPA). Não logrando êxito, sentiu a necessidade de se matricular no curso de

EJA e retornar aos estudos. Quando perguntei-lhe como consegue conciliar a vida

de mãe e estudante, ela confessou o quanto é difícil, principalmente quando não tem

quem cuide do filho:

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Tipo, ‘hoje eu não vou olhar seu filho’, vai ficar em casa? Não vai, é isso. Aí no início do ano aqui eu fiquei chateada. Fui pra casa chorando, porque aconteceu uma coisa comigo aqui [...] eu trouxe meu filho no primeiro dia de aula [...]. Eu me sentei com meu filho e falei: ‘eu não quero depender de ninguém, eu vou arrastar meu filho pro colégio comigo’ Levei o celular, car-reguei o celular todo e deixei o celular com ele jogando, ‘vai ficar aqui comi-go’. Só que me barraram logo no primeiro dia, falei: ‘Meu Deus do céu, vou desistir!’. Eu fui acabada pra casa, porque eu vim toda empolgada pra esse colégio, dizendo a mim mesma: ‘agora vai!’ [sic] (EC Marielle Franco)

Marielle explicita em seu relato uma crença: “não depender de ninguém”. A si-

tuação a fez reconsiderar sua crença, a fim de não interromper novamente os estu-

dos. Um aprendizado importante, na medida em que não há como viver sem depen-

der de ninguém em algum momento da vida. Com base no apoio de sua rede de so-

ciabilidade18, ela também constrói um etnométodo: conversar/negociar com os (as)

professores (as), deixando-os cientes de sua situação e de seus impedimentos.

Aqui, novamente, a questão de gênero também reaparece em relação aos

cuidados com os (as) filhos (as). Percebemos no relato que Marielle fala da sua an-

gústia em ter que conseguir alguém para cuidar de seu filho, sem citar em nenhum

momento o pai da criança para ajudar nessa tarefa, o que nos leva a crer que mais

uma vez a tarefa do cuidado das crianças termina sendo exclusivamente da mulher.

A fala de Marielle remete-nos à discussão sobre a impossibilidade de um

apoio via creches e educação infantil durante o turno noturno, mas, ao mesmo tem-

po, convoca-nos a pensar que outras alternativas podem ser pensadas para acolher

os (as) filhos (as) dos (as) estudantes da EJA enquanto seus pais retomam a desafi-

adora tarefa de retornar aos estudos.

Sobre essa questão, ficamos a questionar: como o Estado poderia apoiar

nesses casos em que a necessidade de estudo da mãe ou do pai se choca com a

necessidade de cuidado dos (as) filhos (as)? Quais políticas seriam possíveis? Co-

mo os sistemas de ensino poderiam viabilizar a continuidade dos estudos dos pais

sem descuidar da criança que deles depende?

Sobre essa questão, destaco que, durante o Seminário Internacional sobre

Educação ao Longo da vida – Conferência Internacional de Educação de Adultos

(CONFITEA) BRASIL+6, realizado em 2016, na cidade de Brasília/DF, foi publicado

o caderno intitulado Coletânea de Textos CONFITEA BRASIL +6, um conjunto de

18 Conforme dito anteriormente, adoto o termo rede de sociabilidade ao me referir ao sistema

recíproco de relações estabelecido entre pessoas para se apoiarem mutuamente, tanto em termos materiais quanto emocionalmente, no intuito de colaborarem para o desenvolvimento da autonomia e crescimento pessoal.

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artigos sobre o tema central e oficinas temáticas do evento, organizado pela Secre-

taria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), por

intermédio da Diretoria de Políticas de Educação de Jovens e Adultos (DPAEJA).

Dentre os diversos textos da coletânea, o artigo Educação de Jovens e Adultos na

perspectiva do Direito à Educação ao Longo da Vida: caminhos possíveis (NACIF;

CAMARGO; SILVA; ANTUNES; QUEIROZ; 2016) aponta alguns caminhos interes-

santes para fortalecermos esse campo de educação, que para os referidos autores

poderia acontecer a partir da implantação da Política Nacional de Educação de Jo-

vens e Adultos, cujo objetivo era promover a elevação da oferta de oportunidades

educacionais para jovens, adultos e idosos por meio de um sistema brasileiro de

educação ao longo da vida. Assim, versa a proposta:

[...] instalar, de maneira gradual, Centros de Educação ao Longo da Vida em municípios de acordo com critérios a serem especificados. Esses cen-tros atuarão como espaços de referência da EJA na região territorial de in-fluência do município, realizarão atividades de formação, pesquisa, produ-ção de material didático pedagógico, formação docente continuada, articu-lação com outros espaços de formação e com diversas políticas públicas disponíveis para os grupos populacionais. Além de possuírem infraestrutura de referência para a oferta adequada de cursos nessa modalidade com sa-las de aula, telecentros, biblioteca e salas de estudo, tem-se em mente que sejam também espaços com políticas de assistência e atenção à vida dos estudantes da EJA (salas de acolhimento, salas de recursos para viabilizar a inclusão de pessoas com deficiência, brinquedotecas etc.) e que possibili-tem a articulação com sindicatos patronais e de trabalhadores, Pontos de Cultura, CRAS, Universidades, Institutos Federais, extensão, turmas de EJA nos bairros, turmas de alfabetização etc. (NACIF; CAMARGO; SILVA; AN-TUNES; QUEIROZ, 2016, p. 108).

A proposta do Plano Nacional de Educação de Jovens e Adultos nos parece

interessante, ao considerar as demandas apresentadas pelos atores sociais da EJA

ao longo dos anos, sendo elaborada, de acordo com os autores, a partir da escuta

de vários gestores (as) públicos (as), pesquisadores (as) do campo e das experiên-

cias em andamento no Brasil.

Desse modo, para driblar a inexistência de políticas de apoio ao (à) estudante

com filhos (as), Marielle produziu um etnométodo para lidar com essa situação, ten-

tando levar consigo o seu filho para a escola em que ela estuda no noturno (com

todo o aparato tecnológico para concentrá-lo), sem êxito, sendo que essa forma de

resolver a situação apresentada a deixou preocupada com a possibilidade de não

poder estudar de novo: “meu Deus, vou desistir!” O desespero e a frustação de Ma-

rielle traduz a tensão vivida por muitas estudantes da EJA que pensam em retornar

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aos estudos, mas que precisam pensar também nas articulações que farão para cui-

dar da prole enquanto estudam. Desse modo, para muitos (as) jovens e adultos (as),

principalmente as mulheres, a desistência dos estudos está muito atrelada ao nas-

cimento do (a) filho (a).

Ainda sobre como conciliar a maternidade com os estudos, Mãe Stella de

Oxóssi, uma colaboradora que também é mãe e estudante, fala que quando a filha

adoeceu, mesmo dedicando-se aos cuidados da saúde dela, não faltava às aulas:

Ave Maria! No dia que eu não venho pra escola, eu fico triste, todo dia eu quero vim pra escola! Minha menina ficou no hospital, ficou dez dias, mas mesmo assim eu chegava, mesmo a aula já terminada, mas eu vinha, sem-pre presente aqui. E não gosto de professor nenhum que me dê falta. [sic] (EC Mãe Stella de Oxóssi).

Assim, a estudante colaboradora Mãe Stella de Oxóssi fala que, mesmo “a

aula já terminada”, sempre esteve presente na escola. Os sentimentos que fazem

parte da luta da permanência de que falava Mestre Moa são também diferenciados

por gênero. Essa luta é exigente, e convoca não só o pensamento, mas também o

sentimento dos atores sociais, como traduz a colaboradora: “No dia que eu não ve-

nho pra escola, eu fico triste”. Estes sentimentos e pensamentos também merecem

atenção da instituição escolar, pois constituem também um fator que pode trabalhar

contra a continuidade dos estudos. A tristeza aqui pode estar apontando para pelo

menos dois fatores: primeiro, um forte desejo de estar na escola e concluir a forma-

ção, perante o qual, em não logrando êxito, (re)aparece com força o sentimento de

“fracasso”; segundo, os desafios vividos na tentativa de dar conta da vida pesso-

al/familiar e da vida escolar.

Outro aspecto destacado na fala de Mãe Stella de Oxóssi foi a informação de

que não gosta de receber falta dos professores, do que podemos inferir que a falta,

nesse caso, pode significar a materialização da sua ausência de “capacidade” de

conciliar vida pessoal/familiar e vida escolar.

Em seguida, apresentaremos as micropolíticas de permanência produzidas

pelo Ceneb Joana Angélica, pois consideramos fundante compreender as maneiras

pelas quais a instituição investigada produz etnométodos para lidar com a questão

da permanência dos (as) estudantes jovens e adultos (as) na escola.

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Micropolíticas de permanência produzidas pela escola

Considero pertinente iniciar essa sessão descrevendo o contexto no qual a

instituição escolar investigada está inserida. O Ceneb Joana Angélica é uma institui-

ção inaugurada a partir do decreto, na etapa de ampliação dos Centros Noturnos de

Educação da Bahia.

No período de sua inauguração, a instituição funcionava em uma escola pró-

ximo à Igreja do Bonfim, no bairro do Bonfim; no entanto, em virtude da ampliação

do número de estudantes, tornou-se necessário migrar para outra escola estadual,

localizada próximo ao Largo do Papagaio. Assim, a escola mudou-se de prédio após

um ano de funcionamento, o que gerou novas expectativas, negociações de espa-

ços, enfim, tudo o que o processo de mudança acarreta.

É interessante rememorar que a proposta de implantação dos Ceneb envolvia

a concepção de gestão compartilhada do espaço físico, o que constituía um grande

desafio, pois ainda existem compreensões diferenciadas de gestão do bem público,

o que, na prática, pode reverberar sob forma de algumas tensões. O gestor do

Ceneb, por sua vez, havia assumido a gestão da escola no seu segundo ano de im-

plantação, assumindo, com isso, o desafio de transferência do espaço físico da es-

cola, bem como a gestão administrativa e pedagógica da proposta com parcos re-

cursos.

a. A escuta como etnométodo para a permanência

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), esta-

belece, no Art. 37 e no Art. 38, as bases para a educação de jovens e Adultos. O Art.

37 define o contexto e o comprometimento que o poder público deve ter com a EJA:

Art. 37. A Educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não ti-veram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e adul-tos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. § 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante cursos e exames. § 3º A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional, na forma do regulamento. (Incluído pela Lei 11.741, de 2008);

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Art. 38 – Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosse-guimento de estudos em caráter regular. [...] II – no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos (BRASIL, 1996).

Haddad e Di Pierro (2000) apontam que a EJA sempre foi compartilhada no

Brasil por instituições públicas e organizações societárias, que se constituem em

espaços formativos organizados por sindicatos, igrejas e associações de bairros.

Entretanto, foi somente a partir da Constituição Federal de 1988 que se reconheceu

o direito a uma escolarização pública que estivesse atenta às necessidades e expec-

tativas dos jovens e adultos.

Quando pergunto ao gestor do Ceneb Joana Angélica sobre as ações desen-

volvidas pela escola para contribuir com as políticas de permanência dos estudan-

tes, ele afirmou que:

A primeira delas é o acompanhamento desse estudante, a gente se encon-tra em reuniões semanais que regularmente acontecem, a gente faz o acompanhamento junto ao professor: ‘olha, os estudantes da turma na qual você está lecionando estão todos frequentando? Você notou alguma dife-rença? Notou alguma situação que tá peculiar?’. E aí a gente vai dialogar com esse estudante. [sic] (GC Ceneb Joana Angélica).

O gestor refere-se a questões fundamentais para a permanência do (a) estu-

dante na EJA: o acompanhamento pedagógico do (a) estudante e a capacidade de

escuta do outro – nesse caso, estamos falando dos (as) professores (as) e dos (as)

estudantes. O acompanhamento do (a) estudante é um processo importante na EJA,

pois colabora para o desenvolvimento do(a) educando(a) durante seu processo for-

mativo, e isso envolve percebê-lo(a) enquanto pessoa humana, com suas possibili-

dades, necessidades e desafios.

O gestor colaborador do Ceneb Joana Angélica também apresenta outro et-

nométodo importante para contribuir para a permanência dos (as) estudantes: as

reuniões com a equipe de professores (as), no intuito de compreender a participação

dos (as) estudantes nas salas de aula, assim como sua frequência à escola. Essas

reuniões se constituem como espaços formativos para os (as) docentes, pois, além

de promover a escuta dos pares, tornam-se fecundos espaços de aprendizagem so-

bre especificidades dos sujeitos da EJA, bem como sobre alternativas para os desa-

fios que se apresentam no seu cotidiano. Para isso, é fundamental, além da escuta,

a capacidade de observação de todos os envolvidos.

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Esses espaços formativos, frequentados por docentes na instituição, são es-

paços fecundos para discussão sobre “[...] conhecimentos e pedagogias fora da es-

cola, nas lutas sociais, no trabalho, nos movimentos e ações coletivas daqueles

pensados como inferiores.” (ARROYO, 2012, p. 34). Para instituições que se pro-

põem a trabalhar com/para sujeitos trabalhadores jovens e adultos, é fundamental a

abertura de pautas formativas que dialoguem com questões éticas e políticas, no

intuito de evitar o ocultamento de espaços formativos e de outras experiências soci-

ais vivenciados por esses atores sociais, reconhecendo-os como “produtores de co-

nhecimentos e de pedagogias” (ARROYO, 2012, p. 34).

A diversidade de ofertas de cursos de EJA na escola, segundo o gestor do

Ceneb, também se constitui um etnométodo produzido para contribuir com a perma-

nência dos (as) estudantes, o que tem trazido para essa instituição escolar uma ca-

pacidade de escuta e compreensão das trajetórias escolares e de vida dos (as) es-

tudantes, para, em seguida, encaminhá-los (as) para a matrícula nos cursos que

mais se aproximam de suas necessidades e expectativas:

Outra situação que a gente faz na escola é o acompanhamento dos estu-dantes pra tentar saber o que tá acontecendo, às vezes, quando estão ma-triculados no ensino médio ‘regular’19 e a gente percebe que é melhor pra ele estar na EJA (no Tempo Formativo ou no Tempo de Aprender). Então como a gente tem esses currículos diferentes aqui para poder ofertar ao aluno, então a gente pode matricular ele no que melhor satisfaz: ‘professor, não posso vir todos os dias, só posso vir três vezes à noite por causa do meu trabalho’. Então, de acordo com a situação dele, é melhor que ele se matricule no Tempo de Aprender, pois tem um projeto pedagógico diferen-ciado. Você tem que compreender que o tempo do estudante é diferente [...] [sic] (GC Ceneb Joana Angélica).

O gestor realça mais uma vez a importância do acompanhamento e da escuta

do (a) estudante para compreender o que tem levado os (as) estudantes a se dis-

tanciarem dos estudos. De acordo com a fala do gestor, podemos compreender que,

a partir da escuta dos (as) estudantes, outras possibilidades formativas são propos-

tas para que o (a) discente continue seu itinerário formativo. Assim, para o gestor, a

política do Ceneb que disponibiliza uma variedade de desenhos curriculares para

atenderem às necessidades e expectativas dos (as) estudantes-trabalhadores (as)

(Tempos Formativos e Tempo de Aprender) colaborou para a permanência nos es-

tudos. Conforme dito em capítulos anteriores, a SEC, desde 2009, implantou a polí-

19 O ensino regular a que se refere o gestor da instituição educacional é a oferta de Ensino Médio em

três anos letivos.

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tica de EJA da Bahia e, de acordo com esse documento, a oferta de EJA deve acon-

tecer a partir dos cursos Tempos Formativos e Tempo de Aprender, que visam a

atender às diversidades de sujeitos que frequentam a Educação de Jovens e Adul-

tos. O curso Tempo Formativo estrutura-se em aulas diárias e os componentes cur-

riculares organizam-se por áreas do conhecimento, cuja oferta é anual; o Tempo de

Aprender apresenta um portfólio de componentes curriculares semestrais, que po-

dem ser selecionados pelos (as) estudantes de acordo com a dinamicidade de sua

itinerância formativa no semestre em curso. Ao tratar dessa diversidade de organi-

zações curriculares, Arroyo (2006, p. 229) destaca que

temos que reconhecer que muitas experiências de EJA acumularam uma herança riquíssima na compreensão dessa pluralidade de processos, tem-pos e espaços formadores. Aprenderam metodologias que dialogam com esses outros tempos. Incorporam nos currículos dimensões humanas, sabe-res e conhecimentos que forçaram a estreiteza e a rigidez das grades curri-culares escolares.

Arroyo (2006) nos ajuda a pensar nas diversidades de propostas curriculares

desenvolvidas no campo da EJA que rompem com modelos curriculares pasteuri-

zantes, que por vezes concebem formas únicas de organização dos conhecimentos

e dos tempos e espaços de formação. Muitas delas realizam tentativas de equiva-

lência em relação ao ensino fundamental e médio que pouco colaboram para o real-

ce das especificidades da Educação de Jovens e Adultos, enquanto uma modalida-

de da Educação Básica que requer formas específicas de pensar o currículo, os

tempos e os espaços pedagógicos, haja vista que os sujeitos dessa educação são

diferentes.

O documento Política de EJA da Rede Estadual (2009) objetiva implantar uma

política de Educação de Jovens e Adultos na Bahia que esteja atenta às questões

ora apresentadas. Entretanto, ao longo dos anos, diversas “amarras” vêm dificultan-

do sua operacionalização, desde a compreensão pelo órgão gestor no que se refere

a essa modalidade de educação (em várias situações, a especificidade da EJA é

concebida como epifenômeno), até a formação de professores, os tempos pedagó-

gicos e a gestão de pessoas para atuarem nessa modalidade; sem mencionar mate-

riais didáticos, espaços físicos, articulação entre demais secretarias e instituições

educacionais, dentre outras questões.

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É importante lembrar que, no final de cada ano letivo, o fechamento de turmas

e escolas que ofertam cursos de EJA retorna como “fantasma” para muitos (as) jo-

vens e adultos (as), que têm de buscar outras instituições escolares para continuar

os estudos, as quais muitas vezes são distantes de sua residência, ou, em virtude

da violência entre os bairros, novamente precisam fazer a opção pela desistência

dos seus estudos.

No final de 2018, na Bahia, vivemos momentos de tensão com a constatação

de fechamento de muitas turmas e escolas que ofertavam cursos de EJA. Dentre

elas, escolas exclusivas dessa modalidade de educação e escolas com currículo

específico para esse fim. Interessante destacar que, apesar de os argumentos ver-

sarem sobre a necessidade de otimização dos espaços escolares e redução de cus-

tos (alegava-se que muitas escolas utilizavam prédios alugados, que, por sua vez,

oneravam o Estado), algumas escolas que contavam com trabalho específico na

EJA não estavam alocadas em prédios alugados e, sim, prédios próprios. Esse fato

nos faz pensar que se torna fundante maior compreensão dos gestores públicos

quanto à importância dessa modalidade de educação para a elevação da qualidade

de vida da população e, consequentemente, elevação do Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH) dos 417 municípios baianos.

Ainda sobre os etnométodos produzidos pela instituição escolar em prol da

permanência de jovens e adultos (a) na escola, o gestor do Ceneb Joana Angélica

informou que o diálogo telefônico com os (as) estudantes é um mecanismo adotado

pela escola para compreender o(s) motivo(s) da infrequência e, assim, ajudar os (as)

estudantes no retorno às aulas. Segundo o gestor,

[...] outra situação é quando a gente percebe que a frequência do aluno tá caindo demais, tá aquela coisa de estar há duas semanas sem vir, três se-manas sem vir, de a gente tá perguntando em sala de aula: ‘O que que tá acontecendo com teu estudante?’, então a coordenação pedagógica tem essa ação: ‘Ó, por que fulano não tá vindo mais?’. Aí liga pro estudante, perguntar se ele vai vir ou não vai vir. [sic] (CG Ceneb Joana Angélica).

Essa ação assumida pela escola é interessante, pois, além de aproximá-la

das situações vivenciadas pelos (as) educandos (as) – o que pode contribuir para a

atualização do currículo, na medida em que ele se aproxima do cotidiano dos dis-

centes –, os(as) estudantes passam a perceber a importância que eles têm para a

instituição escolar.

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Novamente a escola lança mão da escuta e do diálogo para compreender o

(s) motivo (s) que estão levando os (as) estudantes a trancarem as matrículas, ação

que traduz a coragem e a humildade presentes no cotidiano escolar, pois as falas

dos (as) estudantes podem explicitar suas dificuldades pessoais, como também in-

satisfações vinculadas ao trabalho pedagógico e/ou à gestão administrativa da insti-

tuição educacional. As palavras do gestor ilustram a situação:

[...] outra situação é quando o aluno vem solicitar o trancamento de matrícu-la, aí quando ele vem e: ‘Ó! Eu vim trancar minha matrícula, não vou estu-dar mais aqui’; ‘Por quê? O que tá acontecendo? Violência no seu bairro? O trabalho tá impedindo de você chegar aqui? Não dá tempo de você estudar? O que é que tá acontecendo pra solicitar?’. Então a gente vai tentar viabili-zar a melhor forma possível pra que ele não desista, pra que ele possa permanecer na escola conosco, então é esse o trabalho que a gente faz, um trabalho corpo-a-corpo. [sic] (GC Ceneb Joana Anagélica).

Sobre essa questão, reporto-me a Freire (1997), quando afirma que “[...] é

preciso e até urgente que a escola vá se tornando um espaço acolhedor e multipli-

cador de certos gostos democráticos como o de ouvir os outros.” (FREIRE, 1997, p.

60). Nessa perspectiva, compreendo que a escuta do (a) estudante, realizada pela

escola, no momento em que aquele decide trancar o curso, é fundamental para uma

dinâmica democrática.

Escutar e acolher ajuda no trabalho de permanência. A escuta antes de um

trancamento é muito interessante, mostra a preocupação da escola com o (a) estu-

dante, com sua possível evasão. Uma preocupação em não deixar ir sem que se

tenha certeza de que a escola não tem mais nada a fazer sobre a situação apresen-

tada pelo (a) estudante.

Quando perguntei aos (as) estudantes sobre quais ações a escola está de-

senvolvendo que têm contribuído para a permanência deles (as), a colaboradora

Marielle Franco destacou de forma veemente a realização dos projetos. Na sua fala,

ela afirmou:

Essa ideia de criação de projetos que eles [equipe gestora e professores] ti-veram está maravilhoso porque até colegas da gente que não quer saber de nada, querem somente jogar bola e pronto, eles estão com a gente, estão colados, tá todo mundo ajudando a gente pro projeto de amanhã. A minha sala tá cheia de gente, todo mundo entrou no nosso grupo, todo mundo quer saber o que tá acontecendo, querendo saber no que pode ajudar. Esse projeto está fazendo com que pessoas gostem de algumas coisas [...] está incentivando, tira a vergonha, tá unindo os alunos, unindo professores, pro-fessor tem whatsapp do aluno, se encontra com o aluno pra conversar. Isso

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faz com que a pessoa tenha vontade de ficar vindo pra cá. [sic] (EC Marielle Franco).

O projeto a que a estudante colaboradora se refere é realizado anualmente,

sob a coordenação da articuladora do Eixo do Mundo do Trabalho20 e vem mobili-

zando os (as) estudantes para pensarem a criação de produtos ou serviços para

apresentarem à comunidade escolar. A fala da estudante Marielle é reveladora do

envolvimento produzido nessa atividade. Ela ressalta que até estudantes que apa-

rentemente não se envolviam em outras atividades pedagógicas foram tocados por

esse projeto. Isso nos leva a crer que a dimensão trabalho e a EJA devem estar in-

tegradas; afinal de contas, esses sujeitos trazem essa marca identitária na sua con-

dição de jovens e adultos (as).

Além do ganho pedagógico, o que Marielle também apresenta em seu discur-

so é o fortalecimento de vínculos afetivos entre os (as) estudantes, bem como entre

os (as) estudantes e professores (as), todos envolvidos na mesma sinergia de

aprendizagem. O desenvolvimento de outras habilidades relacionais necessárias à

formação do (a) jovem e adulto (a) estão vinculadas às atividades desse tipo, que

envolvem metodologias ativas21. Desse modo, o processo de encantamento pela

escola, que mobiliza e impulsiona novas aprendizagens, reverbera no desejo de

permanecer estudando e se envolvendo nas atividades pedagógicas por ela propos-

tas.

Ainda sobre as ações que a escola realiza, Marielle afirma que as visitas téc-

nicas, bem como as atividades culturais, têm sido ações que colaboram com a per-

manência deles na escola.

Os passeios, eu adoro os passeios! E eles (professores e equipe gestora) são carinhosos com a gente, eu observo, tudo deles é do bom, eles querem dar o bom pra gente, eles querem trazer cultura, teatro, eles trazem tudo pra gente e querem que a gente adquira o bom, o gostoso da vida, a educação, coisas boas, eles querem trazer pra gente. Eles trouxeram um ator aqui, da peça 1,99, e a gente assistiu, foi legal. Eles trazem peças teatrais pra cá, le-vam a gente pro Teatro Castro Alves (TCA), passeio, é maravilhoso. [sic] (risos gerais) (EC Marielle Franco).

20 Conforme dito anteriormente, a equipe técnica de profissionais do CENEB é composta por

articuladores, vinculados a três dimensões do currículo: Mundo do Trabalho; Arte e Cultura; Ciência e Tecnologia.

21 Metodologias ativas se constituem em dispositivo metodológico de aprendizagem cuja principal característica é a inserção do (a) estudante como ator (atriz) social responsável pela sua aprendizagem, comprometendo-se com seu aprendizado.

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O relato de Marielle realça a pertinência da observação que os (as) estudan-

tes fazem em relação às ações da escola, em prol de uma formação estética. As

ações da escola voltadas para a cultura são mobilizadas pela articulação de Arte e

Cultura, que tem fomentado a realização de atividades que tanto levam os (as) estu-

dantes até o teatro, possibilitando a ambiência cultural inerente a esse ambiente

formativo, quanto tem levado peças teatrais ao colégio, contribuindo para que maior

número de estudantes da EJA tenha acesso a essa produção cultural e demais lin-

guagens artísticas. Essas ações têm aproximado estudantes jovens e adultos (as)

da linguagem artística e ampliado a sua itinerância formativa.

Esses atos de currículo produzidos na escola, por meio dos projetos didáticos,

apresentações teatrais, aulas-passeio e visitas técnicas aos quais Marielle se refere,

produzem etnométodos interessantes para a permanência desses atores sociais no

processo formativo. Mas é importante enfatizar que esses atos de currículo provo-

cam um sentido de permanência, tal qual aquele a que Santos (2009) se refere:

permanência como duração e transformação. Desse modo, o movimento pedagógi-

co, cultural, ético, político e estético, provocado pela escola, tem oportunizado a tro-

ca de experiências entre o coletivo de estudantes, professores (as) e funcionários

(as), e entre cada um deles enquanto ator social em formação. Vivenciar essas ex-

periências formativas tem reverberado no estado de encantamento de Marielle pela

escola, constituindo-se, assim, em etnométodo fundante para contribuir com a per-

manência dos (as) estudantes-trabalhadores (as) na referida instituição educacional.

A rede de sociabilidade como recurso à permanência

Essa categoria de análise emergiu durante a interpretação das informações

do campo de pesquisa, quando os (as) colaboradores (as) externaram que, em mui-

tas situações, pessoas da família ou do círculo de amizade se constituíram verdadei-

ros apoios no processo de continuidade dos estudos, o que nesta tese denomino de

rede de sociabilidade. É interessante perceber que a rede de sociabilidade vai sendo

tecida para resolver problemas imediatos que vão se apresentando no decorrer do

processo de retorno aos estudos desses (as) jovens e adultos (as), tal como as situ-

ações que se apresentam em nossas vidas, na condição de estudante ou não. No

entanto, no caso de retorno aos estudos, algumas questões se evidenciam, pois, a

depender do contexto familiar, o valor simbólico dos estudos ganha maior ou menor

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força enquanto capital cultural, haja vista que pode constituir-se como algo supérfluo

ou imensamente relevante para a qualidade da vida familiar.

Conforme dito anteriormente, adoto o termo rede de sociabilidade ao me

referir ao sistema recíproco de relações estabelecidas entre pessoas para se

apoiarem mutuamente, tanto em termos materiais quanto emocionalmente, no intuito

de colaborarem para o desenvolvimento da autonomia e do crescimento pessoal.

Assim como Pinton e Marcon (2006), considero que o apoio produzido por

meio da rede de sociabilidade pode ser caracterizado por qualquer informação ou

ajuda oferecida por pessoas ou grupos com os quais temos contato habitual. Em seu

relato, Marielle Franco explicita o quanto a rede de sociabilidade das amigas foi fun-

dante para sua permanência na escola:

Umas amigas minhas que sabem que eu estou comprometida com esse co-légio foram atrás de gente pra tomar conta de meu filho, iam juntar dinheiro pra me ajudar pra botar alguém pra tomar conta, mas graças a Deus o povo viu [...] porque assim, quando a gente está determinada, quem quer ver a sua felicidade vê que você quer e tenta te ajudar. E graças a Deus eu final-mente consegui, tem uns dias que não dá pra vim, mas como eu já conse-gui aqui, conheço quase todos os professores, então eu explico, ‘não tenho condição de vim hoje porque não tenho ninguém pra olhar meu filho’, e a maioria dos alunos aqui tem esse problema, tem essa dificuldade. [sic] (EC Marielle Franco).

Marielle visualiza nas amigas uma rede de apoio que a acolheu e se mobili-

zou para ajudá-la no momento em que não havia conseguido ninguém para olhar

seu filho. Ela faz questão de destacar seu grau de comprometimento com os estu-

dos, o que, pressupõe, foi decisivo para que a mobilização das amigas repercutisse

positivamente.

De acordo com o relato de Marielle, a mobilização das amigas desencadeou

um efeito “cascata” de solidariedade no intuito de apoiá-la para dar continuidade aos

estudos. Segundo a estudante colaboradora dessa pesquisa, “o povo viu”, sendo

que o povo a que se refere são seus familiares; e continua em seu relato, “porque

assim, quando a gente está determinada, quem quer ver a sua felicidade, vê que

você quer e tenta te ajudar.” Marielle ressalta a importância da determinação e força

pessoal, o que robustece a rede de sociabilidade, tão necessária para a realização

de projetos de vida.

É interessante destacar ainda que Marielle foi construindo outros etnométo-

dos que a ajudaram a ampliar sua rede de sociabilidade na escola, através do diálo-

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go com os (as) professores (as), pois, quando não dá para ir à escola porque não

conseguiu ninguém para cuidar do seu filho, lança mão da relação interpessoal já

estabelecida com os (as) professores (as) para explicar-lhes a situação e, desse

modo, angariar a compreensão deles (as).

No seu relato, a estudante colaboradora faz questão de destacar que essa si-

tuação não é específica dela, ou seja, vários (as) estudantes que possuem filhos

(as) passam pela dificuldade de conseguir alguém que cuide deles (as), enquanto

estuda, pois “a maioria dos alunos aqui tem esse problema, tem essa dificuldade”.

Essa questão nos impulsiona a pensar que, se grande parte dos (as) estudantes jo-

vens e adultos (as) que acessam a escola no noturno apresentam dificuldades em

deixar seus (suas) filhos (as) em casa aos cuidados de outras pessoas para estudar,

como podemos pensar em políticas de permanência que os (as) apoiem no retorno

aos estudos e não desprezem essa realidade imediata em suas vidas? E mais ain-

da: possivelmente, essas redes de apoio, apesar de contribuírem, e muito, para a

continuidade dos projetos de vida desses (as) jovens e adultos (as), provavelmente

“pesem” para outras mulheres da família ou da vizinhança, às vezes uma avó, uma

filha mais velha, ao disponibilizar uma parcela de tempo diariamente para os cuida-

dos dispensados às crianças. Novamente concluímos que os cuidados com os (as)

filhos (as) recaem sobre as mulheres, como se os pais se desobrigassem dessa res-

ponsabilidade. Destacamos, inclusive, que os pais das crianças não são citados co-

mo colaboradores na rede de sociabilidade.

Desse modo, compreendemos que a rede de sociabilidade é essencial para

mulheres que decidem retornar aos estudos na fase da juventude ou da adultez, es-

pecialmente as que se tornaram mães, pois precisam de suporte, auxílio e orienta-

ção no encaminhamento de suas atividades neste cotidiano de sobrecarga. Rodri-

gues, Mazza e Higarashi (2014, p. 467) constataram que “[...] as interações da famí-

lia com as pessoas que os cercam, bem como com os diversos segmentos da socie-

dade, facilitam a tomada de decisões, auxiliando na superação de problemas, e con-

tribuindo para uma melhor qualidade de vida para a mulher trabalhadora e sua famí-

lia.”

Craig e Winston (1989) apresentam alguns tipos de apoios sociais, que eles

denominam de apoio instrumental e emocional à pessoa, em suas diferentes neces-

sidades. Para os referidos autores,

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apoio instrumental é entendido como ajuda financeira, ajuda na divisão de responsabilidades, em geral, e informação prestada ao indivíduo. Apoio emocional, por sua vez, refere-se à afeição, aprovação, simpatia e preocu-pação com o outro e, também, a ações que levam a um sentimento de per-tencer ao grupo. (CRAIG; WINSTON, 1989, p. 221).

Algumas pesquisas (BRITO-DIAS,1994; FERREIRA, 1991) destacam que vá-

rias pessoas podem oferecer suporte à família e ao indivíduo, promovendo, desse

modo, uma melhoria na qualidade dos beneficiados. Dentre elas, os próprios mem-

bros da família, outros parentes da família extensa (avós, tios, primos), amigos (as),

companheiros (as), vizinhos (as) e profissionais, que podem auxiliar de diversas ma-

neiras, fornecendo apoio material ou financeiro; apoiando na realização das tarefas

domésticas; cuidando dos (as) filhos (as); orientando e prestando informações e ofe-

recendo suporte emocional.

A estudante colaboradora Lélia Gonzalez traz consigo uma história em que

aparece o marido como apoiador dos seus estudos. Afirma que quando sentia difi-

culdades em compreender algum conteúdo do componente curricular Física, o mari-

do a ajudava na revisão dos assuntos. A postura do marido revela o apreço pelos

estudos, o que contribui para a permanência de Lélia na escola. Quando perguntei

se apresentava dificuldade de conciliar os estudos com a vida pessoal, Lélia foi ve-

emente em informar o apoio que recebe do marido:

Não, pelo contrário, ele me incentiva a estudar, ele ficou feliz porque eu vol-tei pro colégio. Se eu perder aula ele já reclama: “Faltou hoje e já perdeu o assunto!”. Ele adora que eu estude. E aí não empata, porque ele trabalha e a gente chega no mesmo horário. Na mesma hora que eu saio daqui, ele sai do trabalho, a gente chega junto. [sic] (EC Lélia Gonzalez).

No relato de Lélia, podemos perceber que o marido assume a função de

apoiador no processo de aprendizagem, na medida em que acompanha sua fre-

quência na escola, bem como colabora na revisão de conteúdos nos quais ela apre-

senta dificuldades. Outro elemento interessante mencionado pela estudante colabo-

radora foi o fato de o marido trabalhar no mesmo turno em que ela estuda, o que,

segundo ela, facilita a dinâmica do casal, pois a ausência dela em casa coincide

com o horário em que ele também não está na residência. No entanto, isso nos faz

pensar que, nas relações conjugais em que o horário de trabalho de um dos cônju-

ges não coincide com o horário de estudo do outro, esse fato constitui fator de risco

para a não permanência na escola, sendo que essa situação tem se tornado mais

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pesarosa para as mulheres, que historicamente têm abdicado dos estudos em prol

do “bem-estar” da família.

Ainda sobre o apoio do marido aos seus estudos, Lélia afirmou que só voltou

a estudar por causa dele, que insistentemente falava que ela estava perdendo opor-

tunidades:

Olha, eu realmente só voltei porque ele ficou batendo na tecla ‘volta a estu-dar porque é importante, você tá perdendo muitas oportunidades’. Não só por isso, mas ele sempre [...] ele ama estudar, ele parou e não continuou por causa do trabalho dele, mas se fosse por ele, também continuava estu-dando. [sic] (EC Lélia Gonzalez).

Interessante destacar no relato de Lélia que ela afirma que o marido insiste

tanto para ela retornar aos estudos porque, além de considerar que ela está perden-

do oportunidades, segundo ela, “ele ama estudar”, parou os estudos porque não po-

de conciliar os horários com os estudos, mas seu desejo também era continuar es-

tudando.

Um aspecto que me chamou muito a atenção durante a roda de conversa foi

perceber a rede de sociabilidade que estava sendo tecida pelas estudantes que par-

ticipavam do diálogo formativo. Como disse anteriormente, Marielle assume o papel

de liderança nesse grupo, o que tem fortalecido várias estudantes na desafiante ta-

refa de permanecer nos estudos. Quando perguntei se elas contavam com o apoio

de alguém para permanecer na escola, Custódia Machado logo falou: “tem gente

aqui que fica nervosa se alguém desiste” e, nesse momento, Marielle prontamente

se anunciou: “É porque assim, a minha determinação é muito forte... e outra, elas

aqui [referindo-se às colegas presentes], principalmente elas que estão aqui e al-

guns lá, quando eu vejo desanimado, eu fico: ‘meu Deus’, parece que eu que tô de-

sanimando também.” [sic]

O apoio dado por Marielle aos (às) colegas tem um significado duplo, tanto

para ela quanto para suas (seus) colegas de turma. Sua fala traduz que também é

retroalimentada pela permanência dos (as) colegas na escola, ou seja, é uma rela-

ção recíproca, quando afirma que – “quando vejo que eles estão desanimando, eu

fico: ‘meu Deus’, parece que eu que tô desanimando também”. Além da possibilida-

de de não continuar a trajetória escolar, tantas vezes já iniciada e interrompida pelos

colegas e por ela mesma, Marielle se vê na condição de não desistir e não “permitir”

que os demais colegas também o façam.

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Dando continuidade ao diálogo sobre o apoio mútuo que recebem, Marielle

Franco menciona os demais colegas, referindo-se às suas histórias de vida, transpa-

recendo que sabe das “lutas e labutas” de cada um para estarem na escola:

Porque ela [referindo-se a uma colega presente], eu conhecia a história de vida, ela mesma me contou. Você [dirigindo-se a outra colega], eu já conhe-cia sua vida desde o ano passado, acabou comigo [...] Ela é o meu coração aqui dentro, adoro ela! E se eu ver que alguém vai desistir, é como se eu ti-vesse desistindo também. Não, eu fico conversando no WhatsApp: ‘Como é que é a conversa? (risos gerais). Não, pelo amor de Deus, mulher, eu vou dar na sua cara!” (risos). Se arrume logo aí, vai [...]’ [sic] (EC Marielle Fran-co).

O conhecimento e respeito sobre as histórias de vida das colegas faz de Ma-

rielle uma pessoa que une, agrega e acolhe, tecendo um vínculo de afetividade que

fortalece a permanência delas na escola, compreendendo que é uma permanência

que as tem transformado em mulheres mais fortalecidas e unidas por um único pro-

pósito: concluir a Educação Básica. Durante esse momento do diálogo formativo,

marcado pela emoção, que transbordava muita afetividade e respeito, Custódia Ma-

chado, uma das estudantes colaboradoras presentes, desabafa: “Até ano passado

eu não podia estudar e hoje eu posso vim pra escola, sentar, conversar com as me-

ninas, se eu tiver dúvidas... tem ela aí mesmo [referindo-se a Marielle] que é uma

amigona, não é porque tá na frente não ...” [sic] (EC Custódia Machado). A fala de

Custódia expressa a importância dessa rede de sociabilidade construída a partir da

escuta mútua e da empatia produzida nessa relação, o que as transformou em estu-

dantes da EJA que não permitem “nenhum (a) a menos” no processo de continuida-

de dos estudos.

No diálogo com as docentes do Ceneb, o relato da professora colaboradora

Antonieta de Barros foi muito revelador do quanto a própria instituição se constitui

em uma rede de sociabilidade para os estudantes:

Outro dia estava pensando... Já estou na “boca” de me aposentar e estava relembrando que um dia desses estava dando aula em uma turma do Eixo VI, que tem poucas mulheres e só tinha nesse dia os homens. Então, passei uma atividade de leitura e interpretação e foi interessante, pois aqueles “homenzarrões” o tempo todo me perguntando se estava certo ou não o que estavam fazendo. Concluí que a gente ainda precisa dar mais para nossos alunos, precisamos dar amparo e acolhimento, orientar, fazer eles pensa-rem no que estão dizendo para escrever, sabe... essa coisa de chegar junto. [sic] (PC Antonieta de Barros).

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O relato da professora Antonieta de Barros aponta para a reflexão sobre o

papel de mediador do docente, na medida em que os jovens e adultos veem nesse

profissional a condição de colaborar com eles para avançar na aprendizagem. Que-

rem mais e querem com qualidade na mediação. Não é qualquer intervenção que

vale, é aquela que se aproxima tanto fisicamente quanto intelectualmente das suas

necessidades. Independentemente de idade, o apoio sempre é bem-vindo. Esse

apoio é intelectual, mas também é afetivo, que acolhe, mas que também impulsiona

a ir além, buscar suas forças.

Algumas considerações...

As escutas realizadas no Ceneb Joana Angélica, de forma peculiar, nos apre-

sentou elementos significativos para compreendermos os etnométodos produzidos

tanto pelos (as) estudantes quanto pela instituição escolar para a permanência dos

(as) estudantes-trabalhadores (as) na Educação Básica. Compreender esses cami-

nhos nos ajuda a compreender o que pensam, necessitam e como (con)vivem nos-

sos (as) estudantes-trabalhadores (as) na labuta diária para conciliar vida pessoal,

trabalho e estudo.

Sobre essa questão, reporto-me a Santos (2009) em sua pesquisa sobre

permanência de negros (as) cotistas na universidade, em que apresenta o conceito

de simultaneidade de permanência. Trago esse conceito para a Educação Básica,

em especial para o estudo de jovens e adultos (as) estudantes-trabalhadores (as)

em processo de conclusão da Educação Básica, pois considero que a dimensão da

permanência simultânea é importante na medida em que vemos não só a matrícula

deles como fator relevante, mas também o papel que esses (as) jovens e adultos

(as) passam a desempenhar enquanto referência para outros (as) que (con)vivem

em situações similares.

Em certa medida, é o que vem acontecendo com esse grupo de estudantes

colaboradores (as) investigados (as), pois, ao ingressar na escola, a trajetória deles

(as) passa a ser reconhecida na sua comunidade familiar, de moradia e escolar co-

mo um caminho possível, e isso influencia positivamente outros (as) jovens e adultos

(as) a (re)ingressarem na Educação Básica para conclusão dos estudos. Para San-

tos (2009), há uma simultaneidade de permanência, uma vez que “eu existo no ou-

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tro”, havendo uma transformação do indivíduo e também do meio social em que ele

(a) circula.

Desse modo, compreendemos que o movimento produzido tanto pelos (as)

estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as), quanto pelos professores (as) e

gestor do Ceneb Joana Angélica, apontam caminhos autorizantes e emancipatórios

para uma formação qualificada, contribuindo, assim, para a permanência de jovens e

adultos (as) na Educação Básica.

5.1.2 Caso 2: o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares

Como foi dito anteriormente, essa escola é uma unidade escolar vinculada à

rede estadual de ensino que oferta cursos de EJA nos três turnos de funcionamento,

além de oferecer diversos tempos/espaços que possibilitam o trânsito dos (as) estu-

dantes nas modalidades organizativas do currículo: Tempo de Aprender, Tempo

Formativo, bem como exame para certificação de conhecimentos através da Comis-

são Permanente de Avaliação22, gerando mobilidade dos (as) estudantes para tran-

sitar entre os cursos e exames que a escola oferece. No período de realização do

diálogo formativo, alguns dos (as) estudantes colaboradores (as) estavam matricula-

dos (as) em cursos da EJA, bem como inscritos (as) na CPA. Apresento a seguir as

valiosas contribuições desses (as) autores (as) /atores dessa pesquisa.

Micropolíticas de permanência produzidas pelos (as) estudantes

O diálogo formativo com os (as) estudantes colaboradores (as) foi realizado

no pátio do colégio, aproveitando o intervalo das aulas. No momento em que me

aproximei deles (as), percebi que o grupo realizava diferentes atividades concomi-

tantemente: uma dupla conversava sobre questões familiares, outro trio revisava um

assunto da avaliação de um componente curricular, o estudante com deficiência23

dialogava com outro colega de forma interativa; enfim, os (as) estudantes estavam

juntos (as), ainda que desenvolvendo atividades diferenciadas. Pareceu-me que es-

22 As Comissões Permanentes de Avaliação foram implantadas no Estado da Bahia em 1993 com o

intuito de facilitar o acesso de candidatos aos exames supletivos, por meio de acompanhamento sistemático das avaliações.

23 A escola investigada vem se constituindo uma instituição que desenvolve a inclusão de jovens e adultos (as) com deficiências em parceria com outras instituições de atendimento especializado no município de Salvador.

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se lugar era um dos preferidos desse grupo para conversarem entre si sobre vários

assuntos que os (as) afetam nos seus cotidianos, bem como vem se instituindo co-

mo espaçotempo24 para revisarem os conhecimentos em processo de aprendizagem

e planejarem algumas ações da/na escola

O vice-diretor da escola apresentou-me aos (às) estudantes, mas confesso

que não sabia se eles (as) ficariam tão à vontade para conversar comigo, pois pode-

riam considerar que o fato de o vice-diretor me apresentar já estabeleceria uma co-

notação de oficialidade para nossa conversa. Mesmo assim, resolvi, da maneira me-

nos formal possível, apresentar-me aos (às) estudantes e socializar o propósito do

nosso diálogo.

O perfil do grupo de estudantes colaboradores (as) era de jovens e adultos

(as), com idade entre 19 e 28 anos, que frequentavam a escola no turno matutino,

sendo que alguns (as) informaram que também estavam trabalhando e conciliando

os estudos com a criação dos (as) filhos (as), enquanto outros (as) estavam estu-

dando e cuidando dos (as) filhos (as), mas em “vista” de emprego.

É importante ressaltar que o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palma-

res “nasceu” inspirado na compreensão de que o (a) estudante da EJA necessita de

espaços formativos que dialoguem com suas experiências de vida e itinerâncias

formativas, constituindo-se em uma das escolas estaduais implantadas na Bahia,

nos anos 90, com o objetivo de instituir espaçotempos, metodologias, materiais didá-

ticos, enfim, políticas para atender aos (às) jovens e adultos (as) em processo de

escolarização na Educação Básica.

Desse modo, o diálogo formativo com os (as) estudantes colaboradores (as)

aconteceu pela manhã, pois acreditava que, ao realizar a escuta com os (as) discen-

tes que acessavam a escola nesse turno, seria possível compreender os etnométo-

dos por eles (as) produzidos para conciliar estudo, trabalho e vida pessoal, conside-

rando que a oferta desse turno de estudo para jovens e adultos (as) ainda se consti-

tui raridade nesse Estado. Destaco aqui que no período em que estive na gestão

estadual da EJA na SEC/Bahia (2013-2017), fomos convidados (as) pelo Ministério

Público da Bahia (MPB), juntamente com demais secretarias municipais de educa-

ção, para dialogar sobre a ampliação da oferta da EJA no diurno. Essa iniciativa do

24 O termo espaçotempo é inspirado nos estudos de Nilda Alves (2012) nos/dos/com os cotidianos, e,

nessa pesquisa, é compreendido como o local/período em que as ações dos cotidianos acontecem, na perspectiva de suas singularidades e indissociabilidades.

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MPB deu-se em virtude do aumento da demanda de jovens e adultos (as) com defi-

ciências que retornavam ou até mesmo iniciavam seu processo de estudo na pers-

pectiva de inclusão escolar. Ter acesso a escola que oferte cursos de EJA no diurno

ainda constitui uma luta mantida pelos movimentos sociais, dentre os quais, o Fórum

de EJA Bahia25

Assim, organizei essa sessão em subcategorias de análise, em virtude dos

“achados” do campo. Percebi que no diálogo com os (as) estudantes a questão do

tempo e da mobilidade eram fatores decisivos para a permanência deles na escola.

A instituição educacional investigada, por sua vez, fica próximo à Estação da Lapa26,

que recentemente passou por uma reforma em virtude da integração com o sistema

metroviário de Salvador. O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares é lo-

calizado no bairro dos Barris, próximo à referida Estação, o que facilita a vinda de

estudantes de várias regiões da cidade, bem como dos municípios da Região Me-

tropolitana de Salvador (RMS)

a. O tempo e a mobilidade nossa de cada dia... botou o metrô? Botou, mas....

És um senhor tão bonito Quanto a cara do meu filho Tempo, Tempo, Tempo, Tempo Vou te fazer um pedido Tempo, Tempo, Tempo, Tempo Compositor de destinos Tambor de todos os ritmos Tempo, Tempo, Tempo, Tempo Entro num acordo contigo Tempo, Tempo, Tempo, Tempo. (ORAÇÃO..., 1979).

Quando iniciei o diálogo formativo e perguntei aos (às) estudantes colabora-

dores (as) qual era o maior desafio que enfrentavam para permanecer na escola,

muitas questões se apresentaram, dentre as quais a questão do tempo, da mobili-

dade urbana, do trabalho, do cuidado com os (as) filhos (as), enfim, questões do co-

tidiano que afetam diretamente os projetos de vida desses (as) estudantes-

trabalhadores (as). Caetano Veloso (1979), de forma poética, nos aproxima de uma

25 Os Fóruns de EJA no Brasil foram criados em 1996, dentre eles o Fórum EJA Bahia. Para maiores

informações: URPÍA, Fórum EJA Bahia: implicação na definição da política pública da Educação de Jovens e Adultos.

26 A Estação da Lapa é a maior estação de transbordo de Salvador, que oferta transporte coletivo inclusive para a Região Metropolitana de Salvador (RMS). Atualmente integra o sistema metroviário da cidade.

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reflexão muito interessante que diz respeito ao tempo: parece-nos que, para o refe-

rido cantor e compositor, o tempo é concebido como um Senhor que rege toda a

existência, “compositor de destinos”, “tambor de todos os ritmos”. Muitas vezes é a

ausência do tempo que nos faz adiar sonhos, embalando nossas vidas para “outras

bandas”, por meio de ritmos céleres ou serenos, dependendo da interação que reali-

zamos com ele.

Mestre Didi, estudante colaborador dessa pesquisa, foi enfático ao falar que a

questão da mobilidade urbana se constitui um desafio para sua permanência na es-

cola. Somos cônscios de que a mobilidade tem íntima relação com o tempo, pois, a

depender da minha condição de mobilidade, meu tempo “se estica” ou torna-se curto

demais para realizar determinadas ações. O tempo e sua relação com a mobilidade

pode retardar projetos durante muito, mas muito tempo mesmo! E é isso que acon-

tece na vida de muitos (as) jovens e adultos (as): são cinco, oito, dez, quinze, vinte

anos ou mais, durante os quais a conclusão da Educação Básica vai sendo adiada.

Mestre Didi, 25 anos, é negro, atualmente está trabalhando, é casado e tem um fi-

lho. Em seu relato, fala que a questão da mobilidade representa um desafio para sua

permanência na escola, pois, apesar do advento do metrô, para alguns bairros da

cidade, a situação da mobilidade ainda tem dificultado o acesso à escola:

Porque quem mora longe, entendeu? E também não tem dinheiro pra vir daquele lugar... Botou metrô? Botou, mas tem gente que tem dificuldade de pegar metrô. Eu mesmo moro em São Cristóvão, eu pego metrô? Pego sim, mas se eu fosse pra casa de minha avó, que é pro lado de Itapuã, eu tenho que pegar o metrô, pegar um ônibus, saltar lá e outro ônibus para poder su-bir, tenho que pegar três agora, antes eu pegava um só e saltava na porta. [sic] (EC Mestre Didi).

Mestre Didi revela que o fato de morar no bairro de São Cristóvão27 e a escola

estar localizada no bairro dos Barris, que compreende uma distância de 25 km de

deslocamento, é um esforço significativo para garantir sua presença diária na esco-

la, principalmente considerando os fatores tempo e recursos financeiros.

No entanto, esse esforço se torna necessário, considerando que não existe

em seu bairro, nem no entorno, uma escola que oferta curso de EJA no diurno. As-

sim, a escolha por essa instituição educacional foi pelo fato de oportunizar a conti-

nuidade dos seus estudos no turno em que ele tem disponibilidade de estudar. Essa

27 O bairro de São Cristóvão está localizado no limite entre os municípios de Salvador e Lauro de

Freitas, próximo ao Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães, sendo que a escola está situada no centro comercial de Salvador.

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questão é deveras relevante para o campo da EJA, pois comumente essa modalida-

de de ensino está associada ao turno noturno, excluindo os jovens e adultos traba-

lhadores que, por força do trabalho ou pela dinâmica da vida, só podem estudar no

diurno.

O estudante colaborador Mestre Didi reconhece que o advento do metrô trou-

xe melhorias para algumas regiões da cidade, mas quando está na escola e neces-

sita se deslocar para a casa de sua avó (pois às vezes o filho fica sob os cuidados

dela enquanto estuda), sua logística de transporte é desfavorecida, em virtude da

ampliação do número de linhas de ônibus que necessita utilizar, devido às altera-

ções no sistema de mobilidade da cidade. A casa da avó ainda se constitui para ele

um espaço de apoio para subsidiar seus estudos, conciliando-os com seu trabalho.

Em função disso, Mestre Didi afirma que os gestores públicos ainda necessitam me-

lhorar o transporte para a parcela da população que o acessa no seu cotidiano.

Então, é muita dificuldade, mas eles não olham, eles só olham mais pro la-do do turismo que vai ajudar eles, não olha nosso lado não. A gente que é um pouquinho besta, entre aspas, desculpe falar isso, que a gente cai no truque deles: “eu vou endireitar isso, vou endireitar aquilo”, a gente acaba caindo no papo deles, vota neles, porque não tem como votar em outras pessoas, vota neles e acaba perdendo nas outras coisas. [sic] (EC Mestre Didi).

O relato de Mestre Didi demonstra sua insatisfação em relação às questões

voltadas à administração pública da cidade, a qual lhe o afeta diretamente, haja vista

que disso depende sua permanência na escola. Destaca que as promessas políticas

têm ficado no papel e, quando postas em prática, têm beneficiado diretamente ou-

tras camadas sociais que não dependem diariamente dos serviços públicos essenci-

ais, a exemplo do transporte coletivo. A dificuldade de mobilidade urbana de muitos

jovens e adultos (as) trabalhadores (as) entre casa, trabalho e escola tem colabora-

do para o abandono dos estudos na Educação Básica, e compete diretamente com

as demais ações no seu cotidiano.

O estudante colaborador Mestre Didi realça sua indignação quanto às propos-

tas das campanhas políticas que muitos gestores públicos não cumprem, o que tem

prejudicado a população economicamente oriunda das camadas populares: “A gente

que é um pouquinho besta, entre aspas, desculpe falar isso, que a gente cai no tru-

que deles: ‘eu vou endireitar isso, vou endireitar aquilo’, a gente acaba caindo no

papo deles, vota neles... e acaba perdendo outras coisas”. Quando fala que a popu-

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lação “acaba perdendo outras coisas”, podemos inferir que as questões vinculadas

ao cotidiano da população menos favorecida muitas vezes não são consideradas ao

se pensar em políticas públicas e que as perdas muitas vezes têm recaído sobre

questões vitais para a formação crítica da população, como o acesso à educação.

Mestre Didi nos faz pensar que a pouca formação política da população muitas ve-

zes tem reverberado em escolhas políticas que não contribuem para a melhoria de

sua qualidade de vida.

Compreendemos o quanto o conhecimento é condição fundante para o de-

senvolvimento pessoal, profissional e coletivo. Ele é um processo, é contínuo. Como

nos alerta Freire (2000, p.121), “[...] somos ou nos tornamos educáveis porque, ao

lado da constatação de experiências negadoras da liberdade, verificamos também

ser possível a luta pela liberdade e pela autonomia contra a opressão e o arbítrio.”

Como analisado no relato anterior, o mundo do trabalho se constitui condição

fundante de sobrevivência de estudantes jovens e adultos (as), em especial, oriun-

dos das camadas populares, pois consiste em condição sine qua non para sobrevi-

vência material e, em certa medida, para sua permanência material (SANTOS, 2009)

no processo de retorno à escolarização. Desse modo, ao tratarmos da permanência

de jovens e adultos na Educação Básica, a questão do trabalho apresenta-se de

forma modo marcante. A escuta de estudantes-trabalhadores (as) do Centro Esta-

dual de Educação Zumbi dos Palmares, bem como do Centro Noturno de Educação

Joana Angélica, revelou que, apesar de sua relevância no processo de existência

humana, conciliar trabalho com estudo constitui grande desafio.

Reconhecemos no relato do estudante colaborador Mestre Didi a maneira

como os (as) estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as), afetados (as) pe-

las condições socioeconômicas, ao retornarem aos estudos buscam conciliar traba-

lho e vida escolar, produzindo etnométodos para dar conta desse desafio.

O estudante colaborador Mestre Didi resolveu retornar aos estudos logo após

sua esposa concluir a Educação Básica. Atualmente ele está concluindo o Ensino

Médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos. Em seu relato, explicita o

quanto as ações do cotidiano necessitam estar organizadas, bem planejadas, de

modo que ele consiga conciliar os estudos, o trabalho e o cuidado com o filho:

Pra poder fazer tudo isso tem que ser tudo pontual, uma hora faz uma coi-sa, outra hora faz outra, não pode fazer tudo correndo, porque senão a gen-te se atrapalha. Quando a criança cai doente mesmo, pra poder faltar no

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colégio é uma dificuldade daquelas! Tem professor que não aceita isso, se não fez a prova, não vai fazer em outro dia. É muito difícil. Minha esposa mesmo trabalha, hoje mesmo quem está com ele [o filho] sou eu. Quando os dois estão trabalhando, ele fica com minha sogra ou com minha mãe. Teve um dia mesmo, cheguei do trabalho, tive que levar o pessoal no colé-gio e fui deixar meu filho na casa da avó, quando cheguei na sala de aula, nem assisti a aula, dormi em sala! É corrido trabalhar, cuidar do filho e estu-dar. Tem gente que é sozinho, é mais difícil ainda. É muito difícil, não é fácil, não. Com tanta gente do meu lado e eu estou achando difícil, imagine as pessoas que não têm? [sic] (EC Mestre Didi).

Percebemos na fala de Mestre Didi que os etnométodos produzidos por ele

para conciliar os estudos com o trabalho e demais atividades do cotidiano envolvem

o planejamento das ações e a execução destas nos tempos previamente estabeleci-

dos. A pontualidade a que Mestre Didi se refere diz respeito à realização das ações

no tempo preestabelecido, o que produz no estudante colaborador um sentimento de

controle da situação. Bergson (2006, p. 120), em sua obra O pensamento e o mo-

vente, nos diz em relação ao tempo:

Seria o Tempo que teria estragado tudo. Os modernos colocam-se, é ver-dade, de um ponto de vista inteiramente diferente. Não tratam mais o Tem-po como um intruso, perturbador da eternidade; mas de bom grado o reduzi-ram a uma simples aparência. O temporal, então, não é mais do que a for-ma confusa do racional. O que é percebido por nós como uma sucessão de estados é concebido por nossa inteligência [...]

A vida nos presenteia com situações inesperadas, e isso Mestre Didi sabe

muito bem, como destaca em sua fala: “Quando a criança cai doente mesmo, pra

poder faltar o colégio é uma dificuldade daquelas!” O adoecimento do filho muitas

vezes se constitui um acontecimento inesperado, impondo-lhe a reestruturação de

ações planejadas previamente. Sobre a questão do acontecimento, Macedo (2016)

diz que “o acontecimento é aquilo que nos aciona a decidir por uma nova maneira de

ser, de atuar ou de atrair. Suplemento incerto, imprevisível, dissipado, apenas apa-

rece.” (MACEDO, 2016, p. 32). O acontecimento não pede licença para entrar, ele é,

existe no seu tempo, à sua maneira. Mas, como administrar o acontecimento, se

nossa formação não contemplou essa questão? Estamos diante de uma grande con-

tradição humana na medida em que desejamos a linearidade nas ações do cotidia-

no. Porém, a dinâmica da vida insiste em nos mostrar essa impossibilidade. A vida

não é linear, é marcada por rupturas, mas o que fazer quando elas aparecem? Jogar

fora todo o esforço empreendido ou ressignificar nossa caminhada? Parece que lidar

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com a imprevisibilidade é uma pauta formativa necessária para os dias atuais, haja

vista que o inesperado, o imprevisto e as incertezas estão presentes no cotidiano.

O filósofo Henri Bergson (2006, p. 105) considera que “[...] o ser vivo dura es-

sencialmente, ele dura, justamente porque elabora incessantemente algo novo e

porque não há elaboração sem procura, nem procura sem tateio. O tempo é essa

hesitação mesma, ou não é absolutamente nada”. Podemos inferir que o ser huma-

no dura porque elabora a vida a todo instante, ele está constantemente se reinven-

tando, ao tempo em que reinventa a vida. É o que muitos (as) atores (atrizes) curri-

culantes jovens e adultos (as) fazem ao manter-se no trabalho, na tentativa de conci-

liá-lo com os estudos. Eles reinventam novas formas de viver e dar andamento aos

seus projetos de vida, driblando as condições precárias de vida, nas quais são ex-

postos.

Arroyo (2017) nos fala sobre as consequências de o projeto político-

pedagógico de educação de jovens e adultos (as) reconhecê-los (as) como traba-

lhadores (as):

Uma consequência será organizar os tempos, as turmas, os horários, tendo como referente as possibilidades e limitações que lhes impõe sua condição de trabalhadores, submetidos ao não controle de seu trabalho e de seus tempos. Outra consequência será assumir suas experiências sociais e cole-tivas de trabalho como estruturantes da proposta curricular, dos conheci-mentos, dos valores, da cultura a serem trabalhados. (ARROYO, 2017, p. 45).

Outro aspecto apresentado por Mestre Didi trata da dificuldade de alguns (as)

professores (as) flexibilizarem as datas das provas quando o (a) estudante apresen-

ta dificuldade em realização de avaliação por causa de impedimentos pessoais, em

especial, em situação de adoecimento do (a) filho (a). É interessante considerar que,

apesar de alguns (as) professores (as) compreenderem a condição do (a) estudante

jovem e adulto (a) trabalhador (a), quando lidamos com a situação de avaliação es-

colar ainda tratamos as diferenças como epifenômenos e reificamos a lógica da ava-

liação como uma ação pedagógica inabalável e inadiável.

Outra questão interessante abordada por Mestre Didi diz respeito à logística

necessária para conciliar trabalho, estudo e cuidado do filho, numa tentativa de

agregar essas ações no seu cotidiano. Para isso, ele recorre à rede de sociabilida-

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de28, em especial, sua mãe e sogra, como etnométodos produzidos para apoiar nes-

sa tarefa.

Mestre Didi destaca ainda que em algumas vezes, apesar dos esforços em-

preendidos, é “nocauteado” pelo cansaço, como exemplifica: “Teve um dia mesmo,

cheguei do trabalho, tive que levar o pessoal no colégio e fui deixar meu filho na ca-

sa da avó, quando cheguei na sala de aula, nem assisti a aula, dormi em sala!”. Es-

sa experiência vivenciada por Mestre Didi nos faz lembrar que, como o estudo re-

quer esforço intelectual, foi o momento apropriado para o corpo sinalizar que “a pilha

acabou!”. Visualizamos comumente que nas salas de aula de estudantes jovens e

adultos (as) trabalhadores (as), a “pilha acaba”, em virtude da precariedade da vida

cotidiana a que esses (as) atores (atrizes) curriculantes são submetidos (as).

Heilbom e Cabral (2006) consideram que, no debate sobre a transição da vida

adulta, diferentemente dos (as) jovens dos segmentos sociais mais favorecidos, on-

de há a extensão da transição, seja pelo prolongamento dos estudos e/ou sua per-

manência na casa dos pais (BRANDÃO, 2003), os (as) jovens das camadas popula-

res, por sua vez, apresentam uma transição que denominam de “[...] transição curta

ou condensada” (HEILBOM; CABRAL, 2006, p. 233). Considerando os (as) estudan-

tes jovens e adultos (as) trabalhadores (as), essa transição condensada é ainda

mais acirrada, pois, em sua grande maioria, ainda se encontram na Educação Bási-

ca com condições vulneráveis para sua conclusão, em virtude das condições preca-

rizadas de vida.

Como afirma o estudante colaborador Mestre Didi, “É corrido trabalhar, cuidar

do filho e estudar. Tem gente que é sozinho, é mais difícil ainda. É muito difícil, não

é fácil, não” [sic]. Mestre Didi repete algumas vezes o quanto é difícil para ele conci-

liar o trabalho, o cuidado com o filho e os estudos, bem como realça mais uma vez a

importância da família na rede de sociabilidade para apoiá-lo nessa desafiante tare-

fa, arriscando-se a dizer que certamente é muito difícil “fazer tudo isso sozinho”. Ar-

royo (2017) nos leva a refletir como é articular o tempo do trabalho informal e o tem-

po de EJA:

A caracterização do desemprego e das formas de trabalho instáveis às quais são submetidos esses jovens e adultos, além de interrogar os currícu-los, interroga também, a organização da própria EJA e da escola, e a orga-nização dos seus tempos, sobretudo. Uma coisa é o tempo de um trabalha-

28 Falaremos da rede de sociabilidade enquanto categoria de análise mais adiante.

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dor que sabe a hora que entra e a hora que sai nas oito horas de trabalho, e outra coisa é o tempo de um sobrevivente em situações informais de traba-lho. Ele não tem tempo, ou melhor, ele não controla seu tempo, ou ele tem de criar o seu tempo a partir dos tempos de sobrevivência. Consequente-mente, não é um tempo que ele cria como bem quer. Esse tempo tem de ser criado em função do ganho de cada dia. O tempo dele é tão instável quanto sua forma de trabalhar. (ARROYO, 2017, p. 61).

Para a estudante colaboradora Carolina de Jesus, a transição para a vida

adulta também foi condensada, haja vista que desde cedo precisou trabalhar para

sustentar a família. Ela é uma estudante negra de 24 anos, atualmente morando

com o marido, que também tem a mesma idade, e sua mãe, sobre quem sempre se

reporta com muito carinho. Seu esposo também é negro, frequenta a mesma escola

e atualmente participa da Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA), onde estuda músi-

ca e atua profissionalmente na área. Quando perguntei-lhe como era conciliar a vida

pessoal com os estudos, respondeu:

É complicado, mas no meu caso é um pouco mais leve, graças a Deus, porque não tenho filho ainda. Ainda mais porque minha mãe mora com a gente e isso de certa forma ajuda. A vida dele [esposo] é mais corrida por-que está trabalhando, a minha nem tanto, porque não estou trabalhando fo-ra. Agora para mim está mais leve, mas antigamente era mais complicado. A gente tinha que conciliar nossa vida, educação e trabalho, pois trabalhava em salão de beleza. Às vezes não tinha tempo para nada. Ele também aju-da, lava os pratos, faz algumas coisas, não pesa tanto para mim. Mas quando trabalhava no salão, já faltei escola por causa do trabalho, mas tive professores que me ajudava muito. Conversava com os professores, eles viam que eu era uma aluna que se esforçava e compreendiam a situação. [sic] (EC Carolina de Jesus).

Carolina de Jesus fala que sua condição atual profissional torna seus horários

e sua condição de estudante mais confortável, já que atualmente não está traba-

lhando fora do domicílio e realiza afazeres domésticos, o que flexibiliza mais as

ações e os horários, mas não a deixa desobrigada do trabalho. Realça que o fato de

sua mãe morar com ela também colabora para se torne mais leve conciliar vida pes-

soal com estudos. Em seu relato, faz um destaque interessante quando se refere à

divisão de tarefas domésticas com o marido, o que contribui veementemente para

“sobrar” tempo para se dedicar aos estudos com mais afinco. Assim, dialogar com o

marido para dividir os afazeres domésticos foi um dos etnométodos produzidos por

Carolina para contribuir com sua permanência na escola.

A estudante colaboradora Carolina de Jesus destacou que anteriormente,

quando atuava profissionalmente no salão de beleza, muitas vezes se via absorvida

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pelo trabalho, o que a tornava em alguns momentos infrequente na escola, mas que

o diálogo com os (as) professores (as) para explicitar as situações ocorridas contri-

buiu para permanecer na escola conciliando os tempos de estudo e trabalho. Desse

modo, Carolina de Jesus produziu alguns etnométodos para resolver a situação das

infrequências na sala, dialogando e expondo aos professores sua condição de estu-

dante-trabalhadora, o que gerava em vários momentos a falta de controle do seu

próprio tempo de estudo e trabalho.

Micropolíticas de permanência produzidas pela instituição escolar

Para realizar a escuta dos (as) colaboradores (as) da pesquisa, conforme dito

anteriormente, realizei também o diálogo formativo com os (as) professores, coorde-

nador pedagógico e gestora da escola. O diálogo formativo realizado com os (as)

docentes e coordenador pedagógico aconteceu no turno vespertino, no espaço que

geralmente é utilizado para acolher os (as) estudantes e servir as refeições ofereci-

das na escola; a entrevista realizada como a gestora aconteceu na sala da gestão.

O grupo de professores (as) e coordenador pedagógico colaboradores dessa

pesquisa foi formado por sete docentes das áreas do conhecimento de humanas,

linguagens e ciências da natureza, com faixa etária entre 38 e 58 anos, cujo tempo

de serviço na docência variava entre 10 e 26 anos. A gestora da escola possui vasta

experiência no campo da educação de jovens e adultos, bem como na gestão dessa

instituição.

O professor colaborador André Rebouças, entretanto, só se reuniu ao grupo

após iniciada a roda, quando lhe expliquei o propósito da atividade que estava sendo

desenvolvida e perguntei se poderia contribuir sobre o assunto. Ele foi solícito e fez

questão de verbalizar:

A gente já sabe, teoricamente, que na EJA, tanto no diurno, como noturno, tem esses fatores internos e externos à escola que provocam a evasão, a desistência. Então nós temos até um estudo, um relatório escrito com os motivos das causas da evasão dos alunos adultos que perpassa por essa questão da empregabilidade, não é? A questão familiar, a acessibilidade, a mudança de endereço. Então são fatores que: ‘Ó, estou desistindo por isso’, né? A gravidez, às vezes, precoce que entra na questão familiar, né?Então são fatores externos que, às vezes, não dá muito pra a gente contornar. [sic] (PC André Rebouças).

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O professor André Rebouças participou anteriormente do Projeto de Monito-

ramente, Acompanhamento, Avaliação e Intervenção Pedagógica (PAIP)29 na rede

de educação de ensino da Secretaria Estadual de Educação da Bahia, que teve ini-

cialmente o objetivo de monitorar o desenvolvimento das ações pedagógicas das

escolas da rede de ensino. Esse Projeto possibilitou aos (às) técnicos (as) ter uma

visão ampla da rede, na medida em que estes realizavam visitas às unidades esco-

lares, tendo acesso às propostas pedagógicas destas e às propostas curriculares

dos cursos ofertados, bem como dos projetos desenvolvidos.

Na fala do professor colaborador André Rebouças, ele realça que fatores ex-

ternos e internos à escola interferem no processo de escolarização dos (as) estu-

dantes jovens e adultos (as), dentre os quais, ressalta a questão da empregabilida-

de, da acessibilidade, questões familiares e mudança de endereço residencial, como

fatores externos que muitas vezes têm impedido os (as) estudantes de permanece-

rem na escola. Destacou que os fatores externos relacionados foram identificados

após a escola realizar uma pesquisa com os estudantes jovens e adultos para identi-

ficar as causas da evasão escolar. O processo de escuta dos (as) estudantes jovens

e adultos (as) é muito importante e necessária, pois permite compreender o que sen-

tem, pensam, quais saberes experienciais foram produzidos no decorrer de sua tra-

jetória de vida no sentido de apoiá-los (as) na continuidade dos estudos.

A opção pela existência de vários cursos de EJA na escola também tem cons-

tituído etnométodos que têm contribuído para a permanência dos (as) estudantes

jovens e adultos (as) trabalhadores (as), como podemos identificar no relato da es-

tudante colaboradora Carolina de Jesus, o quanto a coexistência de curso e exame

na própria escola tem possibilitado a permanência na escola:

A escola fornece, além de aula em sala, a CPA. Então, fica mais fácil de pegar Matemática e Português no ano e as outras matérias na CPA. Então, você pode ir eliminando, como eu mesmo. A formação da escola é de dois anos, mas como eu consegui fazer a CPA e aí fiquei um ano mesmo de es-cola normal, fiz o CPA de cinco matérias e cinco matérias eu peguei em sa-la, então torna mais fácil. [sic] (EC Carolina de Jesus).

29 O PAIP foi criado através do Decreto nº 4202/2012, publicado no D.O.E em 23/04/2012, sendo um

projeto estruturante, permanente de monitoramento, acompanhamento, avalição e intervenção do trabalho pedagógico, com o objetivo de fortalecer o processo de ensino e da aprendizagem dos estudantes vinculados à rede pública de ensino da Secretaria de Educação da Bahia.

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A estudante colaboradora Carolina de Jesus destaca a existência da CPA,

que se constitui no processo de reconhecimento de saberes acumulados nas expe-

riências de vida e de trabalho pelos jovens e adultos (as), por meio da realização de

avaliações, tendo em vista a certificação dos saberes adquiridos, em muitos casos,

em ambientes não escolares. É importante salientar que, no estado da Bahia, as

CPAs foram implantadas inicialmente nas escolas exclusivas de EJA, no intuito de,

articuladas aos projetos dos cursos ofertados, permitiria que os (as) estudantes jo-

vens e adultos (as) que não lograram êxito nas avaliações, retomassem seus itinerá-

rios formativos nos cursos que apresentassem desenhos curriculares mais adequa-

dos às suas realidades de vida. Arroyo (2017, p. 47) nos ajuda a compreender que:

Parar de estudar não significou parar de se formar, de se humanizar. Não significou parar de pensar, de ler o mundo, de tentar entender-se nas rela-ções sociais, políticas. O trabalho é a vivência mais forte nesses processos de formação. Essas pessoas têm direito a esses reconhecimentos quando voltam à escola.

A fala da estudante colaboradora Carolina de Jesus aponta para uma das

questões polêmicas do texto da LDB nº 9.394/96, artigo 38, segundo a qual “os sis-

temas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base

nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter

regular” (BRASIL, 1996).

Sobre essa questão, Ventura e Rummert (2011, p. 70) consideram que

A LDB não significou uma ruptura com a diretriz predominante na EJA ao longo de sua história. Nesse sentido, em que pese o fato de terem sido alte-rados a nomenclatura e o conceito, sua existência continuava mediante a forma de ‘cursos e exames supletivos’, o que, sem dúvida, perpetua a con-cepção de suplência de compensação e correção de fluxo escolar.

Essa questão apontada por Ventura e Rummert (2011) nos ajuda na reflexão

sobre o lugar dos exames de certificação da Educação Básica no processo de retor-

no à escolarização dos jovens e adultos (as). O fato é que na Bahia houve um cres-

cimento significativo de jovens e adultos (as) inscritos na CPA na tentativa de con-

clusão do Ensino Médio, e muitos deles queriam regularizar sua vida escolar para

permanecer no trabalho ou acessar a Universidade enquanto projeto de vida. Muitos

(as) desses (as) jovens e adultos (as) têm pressa em dar andamento em sua vida e

isso envolve, muitas vezes, uma entrada antecipada no mundo do trabalho enquanto

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dispositivo de sobrevivência e concretização de projetos que têm urgência, em de-

corrência das precariedades das condições de existência, dentre outros fatores.

Outra questão vinculada aos exames que prejudicou sobremaneira a juventu-

de da classe trabalhadora foi a redução da idade mínima para realização dos exa-

mes supletivos, de dezoito para quinze anos no Ensino Fundamental e de vinte e um

para dezoito anos no Ensino Médio, o que reverberou na priorização da idade míni-

ma para a certificação em detrimento dos processos pedagógicos. Para Rummert

(2007, p. 64),

a legislação ratificou, assim, tanto a subordinação da educação dos traba-lhadores aos interesses do capital em sua atual fase de acumulação, quanto a valorização de medidas que alteram os indicadores estatísticos de baixa escolaridade da população, sem que se verifique efetivo compromisso com a oferta de educação de qualidade para a maioria da classe trabalhadora.

Lembro-me de uma palestra proferida por Miguel Arroyo em 2018, no Seminá-

rio de Direitos Humanos, na Universidade do Estado da Bahia quando falou que pre-

cisamos ter um olhar também sobre a imediatividade dos (as) jovens e adultos (as)

que buscam a escola, pois muitos deles (as) precisam resolver questões práticas de

sobrevivência. O pensamento de Arroyo nos provoca a perceber que urge pensar-

mos com os (as) estudantes-trabalhadores (as) projetos pedagógicos que proporcio-

nem itinerâncias formativas diversas, agregado a outros apoios que fortaleçam a

“permanência material” (SANTOS, 2009) para que um número maior de jovens e

adultos (as) possam enxergar nessas ações possibilidades de retorno ao processo

de escolarização na Educação Básica. Para muitos (as) jovens e adultos (as) que

acessam essa modalidade de ensino, o fato de os cursos terem uma duração que

“cabe em seus tempos”, lhes permite sonhar com novos projetos de vida. Para Arro-

yo (2006, p. 25),

não é a EJA que ficou à margem ou paralela aos ensinos nos cursos regula-res, é a condição existencial dos jovens e adultos que os condena a essa marginalidade e exclusão. O mérito dos projetos populares de EJA tem sido adequar os processos educativos à condição a que são condenados os jo-vens e adultos. Não o inverso, que eles se adaptem às estruturas escolares feitas para a infância e adolescência desocupada.

Ainda sobre a questão de possibilidades formativas, a estudante colaboradora

Hilária Batista explica a dinâmica de concluir o Ensino Médio na modalidade EJA,

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em um período de dois anos e como isso pode contribuir para a realização de seus

projetos de vida nas diversas áreas:

Como cada grupo de disciplinas são seis meses, menos matemática e por-tuguês que é um ano, então, isso ajuda, porque na escola normal não é as-sim, né? Fora que, embora sejam só seis meses, eles não querem que vo-cê saia daqui da escola sem ter conhecimento. É pouco tempo pra você aprender uma matéria, principalmente química e física que só seis meses mesmo. Eles querem que você tenha capacidade de sair daqui aprendendo algo. Não é você sair de qualquer jeito, não é porque você fez uma acelera-ção, um supletivo, que você tem que sair só com aquele assunto pequeno, não. Eles querem falar de assuntos atuais, falam com você diariamente so-bre aquilo que se estuda, você saiu daqui, mas você sabe mais sobre aqui-lo. [sic] (EC Hilária Batista).

A fala de Hilária aponta para questões muito interessantes no campo da EJA:

inicialmente ela explicita a questão do tempo pedagógico nessa modalidade de en-

sino, que para muitos ressoa como aligeiramento ou são confundidos com cursos de

aceleração da aprendizagem com foco na regularização da distorção idade-série. No

entanto, é interessante destacar que essa lógica de organização curricular parte do

princípio de que esse (a) jovem e adulto (a) traz para a escola conhecimentos e sa-

beres adquiridos ao longo de sua experiência de vida, vinculadas ao mundo do tra-

balho ou de outras experiências escolares. Assim, a carga horária destinada aos

componentes curriculares é mais reduzida, considerando essas questões. Arroyo

(2017, p. 63) considera que:

A história da escolarização da EJA assumida como nível da educação bási-ca, regulada em diretrizes, vem mostrando que é um contrassenso transferir a rigidez de tempos, horários, níveis, segmentos e avaliações da escolari-zação de crianças à educação de pessoas jovens e adultos com histórias de tempos de viver, sobreviver, de trabalhos tão desencontrados. Esses jo-vens-adultos, submetidos a trabalhos tão instáveis, não são senhores dos seus tempos; logo, submetê-los à rigidez dos tempos escolares é uma for-ma de negar-lhes o direito à educação por que tanto lutam. Lembremos que são obrigados a voltar à EJA porque desde a infância não deram conta de articular trabalho, sobrevivência e rigidez dos tempos-séries escolares.

Outra reflexão provocada pela estudante colaboradora Hilária diz respeito ao

sentido ainda hoje atribuído aos cursos de EJA, no que se refere à suplência ou ace-

leração dos estudos. Essa contradição em relação à concepção atual de EJA é

compreensível na medida em que a legislação brasileira30 durante anos se referiu à

EJA dessa maneira, o que levou a sociedade a concebê-la como tal. Assim, comu-

30 Sobre essa questão, consultar a LDB nº 5.692/1971.

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mente a EJA era concebida como etapa de escolarização destinada a jovens e adul-

tos em processo de alfabetização ou como mero exame supletivo.

Desse modo, alguns sistemas de ensino, apesar de expressarem na sua pro-

posta pedagógica que concebem a EJA como modalidade de ensino da Educação

Básica, as práticas pedagógicas desenvolvidas ainda estão arraigadas da lógica da

suplência e correção de fluxo escolar.

Ainda em seu relato, a estudante colaboradora Hilária Batista afirma que os

(as) professores (as) sempre trazem para discussão em sala de aula temas atuais:

“Eles querem falar de assuntos atuais, falam com você diariamente sobre aquilo que

se estuda”. Barbosa (2007), ao tratar das questões vinculadas à organização curri-

cular no campo da EJA, é enfática ao considerar que os conhecimentos eleitos como

formativos devem partir de outra lógica, vinculados à realidade dos (as) estudantes-

trabalhadores (as) jovens e adultos (as):

[...] saberes que contribuam para o desenvolvimento da consciência crítica e para esta capacitação, sem que isso signifique uma opção por um qualquer tipo de minimização, como foi e ainda é preconizado por alguns. Não se tra-ta de reduzir conteúdos para “facilitar”, mas de adequar conteúdos a objeti-vos mais consistentes do que o da mera repetição de supostas verdades universais desvinculadas do mundo da vida. (BARBOSA, 2007, p. 98).

Barbosa (2007) nos esclarece que vincular os conhecimentos escolares às

experiências de vida dos (as) estudantes pode contribuir para a formação da consci-

ência crítica do (a) estudante-trabalhador (a) jovem e adulto (a) e isso não significa a

minimização dos conhecimentos, pelo contrário, se constitui respeito aos saberes

produzidos pelos (as) atores (atrizes) sociais curriculantes.

Ainda sobre a organização curricular na EJA, Barbosa (2007) considera que

as aberturas curriculares são fundantes para contemplar as multiplicidades de itine-

rários formativos desses (as) atores (atrizes) sociais, contribuindo para vinculá-los ao

processo de escolarização em curso:

Quanto maiores as possibilidades abertas pelo currículo formal para dar conta dessa multiplicidade, mais ele estará inserido no cotidiano da experi-ência escolar. Quanto mais fechado e definidor se pretender o currículo formal, menos associações terá com a dinâmica cotidiana das salas de au-la. Ou seja, ao invés de prescrever o que deve ser a escola, uma proposta curricular precisa dialogar com aquilo que ela é. (BARBOSA, 2007, p. 94).

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Isso nos faz lembrar da fala da estudante colaboradora Hilária Batista, quando

se refere aos (às) professores (as) e ao esforço empreendido por eles (as). É per-

ceptível o quanto para Hilária discutir sobre temas do cotidiano a vinculou à escola,

o que contribuiu para sua permanência e conclusão dos estudos na Educação Bási-

ca. A propósito, Barbosa (2007) defende que:

Uma prática curricular consistente somente pode ser encontrada no saber dos sujeitos praticantes do currículo, sendo, portanto, sempre tecida em to-dos os momentos e escolas/classes. Nessa perspectiva, emerge uma nova compreensão de currículo. Não se fala de um produto que pode ser constru-ído seguindo modelos preestabelecidos, mas de um processo por meio do qual os praticantes do currículo ressignificam suas experiências a partir das redes de poderes, saberes e fazeres das quais participam. (BARBOSA, 2007, p. 93).

A estudante colaboradora Márcia Santana, em seu relato, informa que está

matriculada no curso Tempo de Aprender e também está inscrita na CPA, o que,

segundo ela, vem contribuindo para concluir em menor tempo a Educação Básica.

Desse modo, a referida estudante colaboradora realiza avaliações dos componentes

curriculares sobre os quais possui maiores conhecimentos; concomitantemente, está

matriculada no Curso Tempo de Aprender, cujo desenho curricular é semestral e

modular, com aulas presenciais mediadas por professores (as):

Como eu tinha dito, a escola fornece, além de aula em sala, o CPA. Então, fica mais fácil de pegar três matérias durante seis meses, como Hilária Ba-tista falou, matemática e português no ano e as outras matérias no CPA. Então, você pode ir eliminando, como eu mesmo, a formação da escola são dois anos do Tempo de Aprender, mas como eu consegui fazer o CPA e aí fiquei um ano mesmo de escola normal, fiz o CPA de cinco matérias e cinco matéria eu peguei em sala, então torna mais fácil. [sic] (EC Márcia Santa-na).

A estudante colaboradora considera que vincular-se às duas formas curricula-

res organizativas vai lhe proporcionar a conclusão da Educação Básica em um tem-

po mais rápido, o que pode facilitar a realização de outros projetos pessoais e pro-

fissionais.

Ratificando o relato de Márcia Santana, a estudante colaboradora Hilária Ba-

tista fala da importância da flexibilidade dos horários de estudo e de cursos nas es-

colas para proporcionar condições de permanência na Educação Básica, ao consi-

derar que “a gente tem um pouco esse privilégio da escola de conciliar nossos horá-

rios, mas os jovens que estão em escola regular que os ensinos são as mesmas

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coisas o ano todo, afasta você cada vez mais” [sic]. Hilária Batista nos provoca a

refletir que “a diferença faz diferença”, pois propor cursos, cujas propostas curricula-

res e tempos pedagógicos apresentam flexibilidade, contribui veementemente para a

continuidade dos estudos dos (as) estudantes-trabalhadores (as). Destaca que se

sente privilegiada em estar em uma escola diferente, que apresenta outras possibili-

dades formativas, diferentemente de outros (as) jovens matriculados (as) em “escola

regular”, os quais, segundo ela, são afastados cada vez mais da escola, já que esta

impõe currículo homogêneo, que não acolhe a diferença. Para Arroyo (2006), a per-

manência de jovens e adultos (as) na Educação Básica não é somente uma escolha

deles (as), mas está intimamente relacionada às condições materiais nas quais eles

(as) estão vinculados (as); assim, os horários de oferta dos cursos, o desenho curri-

cular, a distância da casa/trabalho/escola são condições materiais que muitas vezes

definem pelo (a) jovem a possibilidade de continuidade dos seus estudos.

Para a professora colaboradora Dandara, outra questão que merece atenção

são as ações pedagógicas que vinculam os (as) estudantes à escola, como o de-

senvolvimento de projetos didáticos. Dandara fala do projeto desenvolvido pela es-

cola há alguns anos, que está vinculado ao mundo do trabalho e que vem se consti-

tuindo uma ação formativa permanente e fundante para fortalecer o vínculo dos (as)

estudantes com a escola:

[...] a gente está estimulando participação em projeto, nós temos um projeto de arte e mundo do trabalho. Economia criativa, até para estimular eles [os estudantes] a estarem produzindo coisas, fazendo parcerias. Até para agre-gar, para ver se fortalece essa coisa da aquisição de renda acerca do traba-lho. [sic] (PC Dandara).

O projeto a que se refere a professora colaboradora Dandara é desenvolvido

em parceria com outras instituições e realizado no espaço da Estação da Lapa. Vin-

culado à temática trabalho e renda, o projeto tem se transformado em uma ação

mobilizadora dos (as) estudantes-trabalhadores (as) da escola e da comunidade do

entorno. Nesse espaço formativo não escolar, os (as) estudantes anualmente reali-

zam uma feira em parceria com os (as) comerciantes do local, com palestras, ofici-

nas e demonstração de produtos e serviços protagonizados pelos (as) estudantes-

trabalhadores (as). A questão que ora se apresenta é que o projeto tem se constituí-

do dispositivo didático interessante para atribuir sentido aos conhecimentos escola-

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res, instituindo outros conhecimentos eleitos como formativos pelos (as) atores (atri-

zes) sociais curriculantes. Macedo (2013, p. 22) considera que,

nas experiências cotidianas miúdas, nas brechas, nas frestas e fissuras, nas reexistências afirmativas, nas transgressões, nas rasuras, nas rebeldias e nas traições cotidianas, nas opacidades, na clandestinidade, nas diversas micro-ousadias, nas epifanias que irrompem, acontecem ações instituintes.

Nesse cenário, também “emergem etnométodos que se autorizam” (MACE-

DO, 2013, p. 23) à medida que autores (as) implicados produzem outros caminhos

para resolver situações do cotidiano. Na fala da professora colaboradora Dandara,

compreendemos a realização do projeto como um dos etnométodos produzidos pela

escola para colaborar com permanência dos estudantes-trabalhadores na escola,

vinculando-os cada vez mais aos processos formativos.

Como dito anteriormente, Hilária Batista é uma estudante egressa e afirmou

que o diálogo e o acompanhamento dos (as) docentes contribui para a vinculação

dos (as) estudantes ao processo de escolarização:

Uma das coisas que nos ajuda a permanecer no colégio que eu acho é que os professores, tipo, eles ajudam apoiando nos estudos diariamente, né? E como eu tava falando, muitas vezes a pessoa falta, eles fazem aquilo, pe-gam o Whatsapp da pessoa, fala com você, manda mensagem, faz grupo da sala de aula, um grupo mesmo no Whatsapp pra falar da matéria e de certos tipos de assuntos, se você está precisando de nota, eles sentam com você, passam exercícios, veem seu caderno, então, eles têm essa preocu-pação de tá ali.[sic] (EC Hilária Batista).

A fala de Hilária demonstra que a atenção dispensada pelos (as) professores

(as) aos (às) estudantes é perceptível para eles próprios, já que, quando alguma

estudante falta, estes (as) realizam ligações telefônicas para saber o motivo e

acompanhar a situação, evitando, deste modo, que o (a) estudante se sinta desmoti-

vado (a) devido à impossibilidade de frequentar a aula naquele dia.

Outra questão realçada no relato da estudante colaboradora é a produção de

etnométodos pelos (as) professores (as) utilizando dispositivos tecnológicos para

acompanharem a participação dos (as) estudantes trabalhadores, desde registro de

frequência destes (as) até esclarecimento de dúvidas dos conhecimentos socializa-

dos em sala de aula. A estudante destaca que os (as) professores (as) também ela-

boram atividades para os (as) estudantes que “perderam” a aula, contribuindo para

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abrandar a infrequência, já que os (as) estudantes que faltaram a aula por algum

motivo conseguem acompanhar as discussões realizadas em sala de aula.

A estudante colaboradora Hilária reporta-se também a um fenômeno que

ocorre comumente nas turmas de EJA, que é a descontinuidade de frequência dos

(as) estudantes trabalhadores (as) devido a motivos (pessoais, econômicos, profis-

sionais) e que podem ser minimizados através de escuta sensível (BARBIER, 2007)

e acompanhamento sistemático do (a) estudante. É importante salientar que essa

descontinuidade da frequência do (a) estudante da EJA não se constitui evasão31,

sendo denominada por Urpía (2009) de frequência intermitente, ou seja, “[...] é a fre-

quência descontínua dos educandos à sala de aula.” (URPÍA, 2009, p. 47).

A professora colaboradora Dandara também lança mão do diálogo no intuito

de aproximar os (as) estudantes dos conhecimentos formativos veiculados na esco-

la: “Através de conversas e situações em sala de aula, procuro trazer as experiên-

cias que ele tem adquirido e a partir daí, com muito jeito, boa vontade e profissiona-

lismo, vou tentando explorar isso através das atividades que a gente faz em sala de

aula”. A professora colaboradora apresenta uma sequência didática de inspiração

paulofreireana, em que o professor (a), a partir de uma postura dialógica, tem aces-

so aos conhecimentos que os (as) estudantes trabalhadores (as) possuem sobre o

tema; estes conhecimentos, por sua vez, são trabalhados posteriormente em sala de

aula. Essa prática pedagógica contribui para a aproximação dos (as) estudantes

com os conhecimentos escolares, partindo sempre dos saberes e conhecimentos

que já possuem. Esse movimento dialógico e emancipacionista produzido pela pro-

fessora colaboradora Dandara contribui para a formação de atores (atrizes) sociais

críticos (as) e conscientes de sua formação. Macedo (2013) nos alerta para o perigo

de desconsiderarmos os (as) atores (atrizes) sociais como produtores de conheci-

mentos:

É interessante compreender que o discurso e práticas elitistas têm retirado das escolas muitos jovens e adultos que não se enxergam como atores cur-riculantes “sobretudo aqueles silenciados por uma educação historicamente autocentrada e excludente, tomando como problemática a distribuição social dos conhecimentos eleitos como formativos. (MACEDO, 2013, p. 428).

31 O sentido atribuído à palavra evasão nessa tese é “a desistência do curso, incluindo os que, após

terem se matriculado, nunca se apresentaram ou se manifestaram de alguma forma para os cole-gas e mediadores do curso, em qualquer momento.” (FÁVERO, 2006, p. 02).

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Macedo (2013) destaca que são justamente as práticas autoritárias nas esco-

las que têm contribuído para que muitos (as) jovens e adultos (as) não se percebam

como atores (atrizes) curriculantes, que pensam e fazem o currículo. Muitos (as)

desses (as) atores (atrizes) sociais, devido às práticas históricas de exclusões e si-

lenciamentos, de direitos negados, ainda não compreenderam seu potencial en-

quanto definidores (as) de situações curriculares com pontos de vista diversos, pro-

duzem ambivalências e “desnudam o príncipe”32 (MACEDO, 2009).

A professora colaboradora Clementina de Jesus realça também que trabalha

com os (as) estudantes da EJA de forma que estes compreendam o sentido da área

de estudo que leciona, relacionando os conhecimentos escolares com os saberes e

conhecimento da vida dos (as) estudantes:

Então eu procuro, assim, que os assuntos trabalhados sejam os mais apra-zíveis a eles, então a gente trabalha partindo da premissa que a gente tenta fazer uma aula diferenciada, mostrando o que eles devem comer, a gente fala da questão de cuidar da sua saúde, né? A questão da alimentação rica com gordura, o que pode causar, então tudo isso eu procuro contextualizar, saber das doenças... nós temos muitos idosos aqui, então eu procuro orien-tar eles nesse sentido. Alguns dizem: ‘Ó professora! A senhora fala de coi-sas que a gente não sabia que existia, fala de coisas que a gente precisa’. Então é interessante a gente trabalhar... [sic] (PC Clementina de Jesus).

Percebemos no relato de Clementina de Jesus que ela faz um esforço peda-

gógico para aproximar os temas em estudo da realidade dos (as) estudantes traba-

lhadores (as) da EJA, o que torna a aprendizagem mais prazerosa e contextualiza-

da. A referida professora colaboradora continua seu relato explicitando as singulari-

dades do trabalho com a Educação de Jovens e Adultos em comparação com a do-

cência em turmas de jovens que frequentam o Ensino Médio:

É interessante a gente fundamentar as aulas desse jeito, porque a gente quer tornar mais atrativo, pra até facilitar a compreensão do que tá ligado à realidade deles, entendeu? Não pode ser maçante. De manhã, eu trabalho com o ensino médio, terceiro ano, já o trabalho é diferente, eu trabalho a questão do Enem... é aquela coisa, outra escola, entendeu? Aqui não, aqui é uma coisa mais ligada à realidade. É claro que lá é ligado à realidade, a gente também procura contextualizar, mas aqui é bem mais ligado à prática, né? [sic] (PC Clementina de Jesus).

32 Na obra Currículo: campo, conceito e pesquisa, Roberto Sidnei Macedo (2002) realiza uma

discussão sobre o campo do currículo, nomeando-o como “o príncipe”, onde apresenta a compreensão do currículo como um complexo e poderoso artefato educacional, organizador das formações.

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A professora colaboradora Clementina de Jesus destaca que no trabalho com

a EJA é imprescindível tornar as aulas mais atrativas, no intuito de que o (a) estu-

dante trabalhador (a), partindo de sua realidade de vida, acesse os conhecimentos

eleitos como formativos de forma compreensiva. A referida professora colaboradora

destaca a diferença, inclusive, de que na EJA o ensino não pode tornar-se mera-

mente propedêutico, preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),

mas os conhecimentos eleitos como formativos necessitam vincular-se ao projeto de

vida dos (as) estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as). Nesse aspecto, é

interessante refletirmos que não cabe à escola definir os projetos de vida dos (as)

estudantes, e, sim, prover condições para que, autores (as) de suas vidas que são,

façam as escolhas devidas de seus projetos. Desse modo, considero que cabe à

escola ampliar o leque de possibilidades formativas para que os (as) estudantes jo-

vens e adultos (as) interessados (as) em dar prosseguimento aos estudos na univer-

sidade sejam apoiados (as) para mais esse desafio na vida.

O professor colaborador André Rebouças falou sobre o esforço teórico e prá-

tico dos (as) professores (as) em romper com a disciplinarização dos conhecimen-

tos, o que fragmenta e não proporciona aos (às) estudantes da EJA uma visão mais

integrada dos mesmos:

Essa questão da formação, das novas pautas formativas, a gente tenta ter a caixa de cada disciplina, mas a gente tenta quebrar um pouco esses muros através de uns projetos interdisciplinares que tem aqui na escola, para que essa formação desse jovem-adulto, seja multirreferencial mesmo, né? A partir do olhar que ele tem das diversas ciências, né? [sic] (PC André Re-bouças).

O professor explicita o esforço de romper com as “caixas disciplinares” de-

senvolvendo projetos na escola. Sobre essa questão, Gallo (1999, p. 33) destaca

que

as propostas de uma interdisciplinaridade postas hoje sobre a mesa apon-tam, no contexto de uma perspectiva arbórea, para integrações horizontais e verticais entre as várias ciências; numa perspectiva rizomática, podemos apontar para uma transversalidade entre as várias áreas do saber, inte-grando-as, se não em sua totalidade, pelo menos de forma muito mais abrangente, possibilitando conexões inimagináveis no paradigma anterior.

Barbosa (2007) afirma que, no decorrer da história, formas alternativas de or-

ganização curricular foram desenvolvidas, desde a busca da integração entre as dis-

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ciplinas numa perspectiva interdisciplinar, passando pelos currículos organizados em

projetos ou centros de interesse, até o uso da ideia freiriana de se partir daquilo que

o (a) estudante já conhece para chegar aos conhecimentos escolarizados. Essas

buscas nos levam a compreender as tentativas de dar sentido aos conhecimentos

eleitos como formativos, principalmente no campo da EJA.

Outra questão interessante trazida pelo professor colaborador André Rebou-

ças foi a compreensão do papel da escola na oferta de curso de EJA, diferenciando-

a de cursos de educação profissional. Para o referido professor, apesar de os (as)

estudantes serem em sua maioria trabalhadores (as), o currículo atualmente em vo-

ga na EJA não propõe uma formação profissional específica, apesar de essa escola

se constituir oficialmente um centro educacional que oferta cursos de EJA, o que

justificaria a referida oferta. É interessante observar que a Meta 10 do Plano Nacio-

nal de Educação (PNE) 2014-2024 propõe a oferta de “[...] no mínimo, 25% (vinte e

cinco por cento) das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fun-

damental e médio, na forma integrada à educação profissional.” No CONFINTEA

Brasil + 6, realizado em 2016, em Brasília, com o objetivo de realizar um balanço

das ações educacionais coerentes com os compromissos declarados na VI CON-

FINTEA, especificados no Marco de Belém, a pesquisadora Maria Margarida Ma-

chado (2016) enfatizou que o Brasil não conseguiu atingir a meta nacional no que se

refere à oferta de EJA integrada à Educação Profissional (EP). O estado da Bahia

acompanha os dados nacionais, pois, apesar da ampliação do número de oferta de

Educação profissional, ainda é reduzida a oferta de cursos de EJA integrada à EP.

Ressaltamos que, no período de 2013 a 2016, na SEC/BA, houve várias articulações

internas para a ampliação de oferta de EJA e EP; no entanto, após esse período,

esse processo foi drasticamente reduzido.

Desse modo, o professor André Rebouças continua em seu relato abordando

outros etnométodos produzidos na escola para contribuir com a permanência dos

(as) jovens e adultos (as) trabalhadores (as) na escola:

A escolha das pautas formativas pra manter e assegurar a permanência desse aluno perpassa por essa visão diferenciada da vida. Nós não somos um curso profissionalizante, nós não preparamos para um trabalho, para sa-ir daqui profissionalizado, preparamos para a vida, a partir da vida real de-les, né? E sem deixar de tentar garantir pelo menos o mínimo, porque o cur-rículo da EJA ainda é muito pequeno, o tempo pedagógico para a educação de adultos é defasado em relação ao curso regular, né? A gente faz em dois anos, o que a escola regular faz em quatro, cinco. Então o semestre não

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são seis meses, temos que lidar com esse tempo pedagógico, valorizar ele. Esse tempo pedagógico de qualidade, formativo e multirreferencial, é o que faz com que a formação possa tentar assegurar essa permanência. Desde a jornada pedagógica, como ela falou, cada disciplina tem que garantir. Tudo isso são desafios nossos, de cuidados nossos para o aluno permanecer aqui. [sic] (PC André Rebouças).

O professor colaborador André Rebouças nos fala de questões muito caras

no campo da EJA, como o reconhecimento de que o (a) estudante da EJA possui

uma visão diferenciada da vida e que essas experiências e vivências precisam ser

inseridas no currículo. Arroyo (2017) afirma que o currículo da EJA deve considerar

as questões de vida dos (as) estudantes trabalhadores (as), a partir de uma concep-

ção de currículo como objetos que

[...] os capacitem para o que esses jovens-adultos lutam, para ter mais op-ções nessas formas de trabalho e para se emanciparem da instabilidade e da exploração a que a sociedade os condena. Conhecimentos e capacida-des que os fortaleçam como coletivos, que os tornem menos segregados nas relações de poder, que os fortaleçam em suas lutas por emancipação. (ARROYO, 2017, p. 59).

Arroyo (2017) nos fala de um currículo ético-político, em que pautas emanci-

pacionistas se façam presentes, que seja flexível e aberto o suficiente para discus-

sões sobre as condições de precariedade na vida e no trabalho. O autor destaca que

esses conhecimentos podem fortalecer os (as) jovens e adultos (as) trabalhadores

(as) enquanto coletivos na luta contra a segregação.

Outra questão levantada pelo professor diz respeito aos espaços formativos

institucionalizados para se pensar coletivamente sobre a organização do trabalho

pedagógico na EJA, como, por exemplo, a jornada pedagógica citada pelo professor.

Assegurar um espaçotempo para discutir e definir coletivamente ações pedagógicas

específicas para esses (as) atores (atrizes) sociais curriculantes é condição fundante

para dar andamento a uma proposta que se quer emancipacionista.

Ventura e Rummert (2011), no artigo intitulado Considerações político-

pedagógicas sobre as especificidades da Educação de Jovens e Adultos trabalhado-

res apontam para questões teórico-práticas, que não podem ser desconsideradas no

planejamento dessa modalidade de ensino:

1. A definição de estruturas curriculares articuladas e flexíveis, que contem com o desenvolvimento de metodologias diferenciadas e adequadas à realidade e aos interesses dos jovens e adultos;

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2. O reconhecimento dos diferentes ritmos de aprendizagem que exigem tempos diferenciados e não tempo único para todos, sem que isso re-presente o isolamento e a negação das ricas possibilidades do trabalho coletivo;

3. A superação do ensino centrado na perspectiva do acúmulo enciclopé-dico, fragmentado e desconexo de informações, como referido por Gramsci, anteriormente citado, e que Paulo Freire veio a denominar, com propriedade, como “educação bancária”;

4. A busca permanente de um processo integrador dos diferentes saberes, a partir da contribuição das diversas áreas do conhecimento e tendo como base o aporte teórico-metodológico que nos é oferecido pela ca-tegoria totalidade;

5. A reorganização teórico-prática e didático-pedagógica dos processos dialógicos e dialéticos de ensino-aprendizagem, referenciada na centra-lidade das experiências dos alunos, reconhecendo a importância das re-lações pedagógicas ocorridas nos mais ricos e diversos espaços-tempos exteriores ao âmbito escolar;

6. A busca de realização, na escola, de ricas e importantes mediações en-tre as experiências de vida, o conhecimento socialmente produzido e a dimensão sócio histórica de ambos, que se articula com o mundo do trabalho enquanto produtor de existência;

7. Não menos importante é o estabelecimento de horários de atendimento dinâmicos que, a par de exigirem compromissos necessários à vida no ambiente escolar, não se pautem na rigidez incompatível com a vida concreta daqueles que são subsumidos às condições precárias de pro-dução da existência que caracterizam a vida da maioria da classe traba-lhadora. (VENTURA; RUMMERT, 2011, p. 81-82).

A professora Luiza Mahim nos presenteia com seu relato sobre os etnométo-

dos produzidos para o ensino das linguagens na EJA, realçando a parceria existente

com o coordenador pedagógico, parceria esta que, por sua vez, contribui para a

qualidade e o crivo crítico do coordenador, no que concerne aos materiais didáticos

veiculados em suas aulas. Essa postura ética e cuidadosa demonstra o cuidado e a

relevância que a citada docente dedica ao trabalho junto aos (às) estudantes-

trabalhadores (as) jovens e adultos (as). O rigor ético e político cultivado pela pro-

fessora colaboradora reverbera na metodologia adotada para aproximar os conhe-

cimentos escolares à realidade dos (as) atores (atrizes) sociais curriculantes. No re-

lato da professora Luiza Mahim, ela afirma que

O coordenador é aquela pessoa que trabalha com meus textos comigo, porque todos os meus textos passam pela mão dele e ele sabe disso. Eu procuro ver a necessidade de cada um, fazendo com que ele aprenda a ter uma leitura melhor do mundo através da sua língua, trabalhando com ima-gens, também, porque a leitura não é só você ler letras, né? É você também fazer leitura do seu mundo, a leitura das imagens, trabalhar com as ima-gens. Mostro pra eles porque nós falamos a língua portuguesa, é revoltante um aluno sair do ensino médio sem o porquê ele fala a língua portuguesa, porque não falam grego, russo ou alemão, como nasceu a língua. O estudo da língua passa por toda uma interdisciplinaridade com história, com geo-grafia, dou verdadeiras aulas de geografia, mostrando a eles um atlas até chegar no ponto, na origem de sua língua, das navegações e como a língua

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portuguesa é muito importante se trabalhar a leitura e a escrita, porque ele precisa lá fora. [sic] (PC Luiza Mahim).

Os etnométodos produzidos pela professora Luiza Mahim vêm contribuindo

para a permanência dos (as) estudantes trabalhadores (as), pois levam em conside-

ração as necessidades destes estudantes, cultivando como conceitos mediadores

do processo a dialogicidade, a problematização e a participação, típicos de propos-

tas curriculares emancipacionistas. Dessa forma, a professora colaboradora Luiza

Mahim vem produzindo atos de currículo que se apresentam sensíveis ao processo

de produção de conhecimento desses (as) atores (atrizes) sociais curriculantes. Ma-

cedo (2016) afirma que

Atos de currículo nos possibilitam compreender como os currículos mudam pelas realizações dos seus atores, como os atores curriculantes mudam nesse envolvimento, como mudam seus significantes ou como conservam, de alguma maneira, suas concepções e práticas, como definem as situa-ções curriculares e têm pontos de vista sobre as questões do currículo, co-mo entram em contradição, produzem ambivalências, paradoxos e derivas. (MACEDO, 2016, p. 56-57).

Ainda sobre os etnométodos produzidos pela escola para contribuir para a

permanência dos (as) estudantes jovens e adultos (as), o professor André Rebouças

fala que

A gente também estimula a participação em projetos, pois nós temos um projeto de arte e empreendedorismo, né? Economia criativa, até pra estimu-lar eles a tar produzindo coisas, fazendo parcerias. Até para agregar, pra ver se fortalece essa coisa da aquisição de renda acerca do trabalho, mas nem sempre a gente consegue essa permanência com esse projeto. Imple-mentar, também, as atividades em sala de aula, a partir dos dados que a gente traz nesse diagnóstico, nesse questionário, né? Então a gente tam-bém avalia quais fatores internos a gente pode tar contribuindo para essa permanência ou não, né? Em torno da prática, da busca de formação. A EJA agora tá tendo uma inclusão de alunos com deficiência muito grande, gente necessitando de ampliar essa formação para abrigar essa diferença do aluno com deficiência intelectual, deficiência visual, autismo, enfim. En-tão a gente se avalia e, ao mesmo tempo, esse desafio chega pra a gente como uma forma de sair da acomodação e partir mesmo para a formação, para melhorar essa prática. [sic] (PC André Rebouças).

O professor André Rebouças fala da importância do trabalho com projetos di-

dáticos na EJA, em especial, do projeto vinculado à arte e à geração de renda que é

realizado na escola anualmente. Berttoti e Miyashiro (2016), destacam que,

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nos últimos anos, a política de EJA tem buscado maior integração com o mundo do trabalho por meio da articulação com a educação profissional e a economia solidária como possibilidade de ampliação das perspectivas de inclusão no mundo do trabalho e de criação de alternativas de trabalho e renda visando à conquista de melhores condições de vida. (BERTTOTI; MI-YASHIRO, 2016, p. 189).

No caso do projeto didático desenvolvido pela escola, mesmo não sendo vin-

culado aos cursos da Educação Profissional, constituem-se em um interessante dis-

positivo metodológico fomentador de alternativas de trabalho e renda. O desafio dos

estudantes trabalhadores em conciliar trabalho e estudo é percebida pela professora

colaboradora Aquatune como um reencontro com a formação; no entanto, esse re-

encontro é tensionado pelos esforços de sobrevivência:

Então ele vem buscar o reencontro com a formação que ele deixou há al-gum tempo, mas, na verdade, a prioridade dele é a sobrevivência. Então se ele vem e começa com mais empolgação, participando mais das aulas, em contrapartida, ele recebe uma proposta interessante de trabalho que enten-de que ele tá buscando esse trabalho, ao mesmo tempo em que o emprego entende que ele está buscando sabedoria, a prioridade dele é esse traba-lho, então, se ele consegue conciliar isso, bacana! E é interessante quando ele vem e traz isso para o professor e a gente consegue, de alguma manei-ra, acompanhar essa trajetória dele e aí a gente estabelece uma certa par-ceria, mas nem sempre ele vem e traz. Então uma coisa que eu percebo en-tre a gente, é muito importante a gente descontruir os conceitos, discutir nossa forma pedagógica e buscar o foco dessa evasão, dessa desistência. [sic] (PC Aquatune).

A professora colaboradora Aquatune destaca que o (a) estudante-trabalhador

(a), ao acessar a escola para dar continuidade aos estudos na Educação Básica,

tem como prioridade a sobrevivência. Essa, por sua vez, constitui condição fundante

para nossa existência humana. Assim, suas experiências vividas em espaços não

escolares devem ser consideradas no retorno à escola.

É importante destacar no relato da professora colaboradora Aquatune que, na

medida em que os conhecimentos e saberes produzidos no mundo do trabalho são

reconhecidos no contexto escolar, a escola passa a fazer mais sentido e constituir-

se também pauta necessária e relevante no seu projeto de vida. Talvez aqui esteja

um dos “gargalos” da educação de jovens e adultos: os conhecimentos e saberes

produzidos por esses (as) atores (atrizes) curriculantes, nos contextos de vida e do

mundo do trabalho, necessitam se tornar pautas formativas em nossas escolas, para

que o retorno ao processo de escolarização faça sentido para eles (as).

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É interessante percebermos, ainda no relato da professora Aquatune, que, a

partir do feeling pedagógico que possui, consegue aproveitar esse caldeirão de sa-

beres para vincular o (a) estudante ao processo formativo, produzindo etnométodos

com uma riqueza política muito necessária no campo da EJA, como explicita em seu

discurso: “é interessante quando ele vem e traz isso para o professor e a gente con-

segue, de alguma maneira, acompanhar essa trajetória dele e estabelece uma certa

parceria”. Para a referida professora, o reconhecimento dos saberes produzidos pe-

los (as) estudantes trabalhadores (as) fora do contexto escolar podem potencializar

tanto o processo de ensino quanto de aprendizagem, no qual o professor acompa-

nha a trajetória de estudo e de trabalho desse (a) estudante, estabelecendo uma

relação de parceria, de cumplicidade. Desse modo, para a professora colaboradora

Aquatune, o acolhimento dos conhecimentos e experiências trazidas pelos (as) es-

tudantes do mundo do trabalho enriquece sobremaneira o trabalho pedagógico.

Finalizando seu relato, a professora colaboradora Aquatune ainda anuncia

uma descoberta: “Então uma coisa que eu percebo entre a gente [os professores],

que é muito importante a gente descontruir os conceitos, discutir nossa forma peda-

gógica e buscar o foco dessa evasão, dessa desistência” [sic]. A percepção da refe-

rida professora demonstra um exercício formativo importante, de realizar a “dobra”

necessária sobre o trabalho docente, olhar para dentro, ver-se com o olhar despro-

vido de ideias preconcebidas, tanto de si quanto do outro (a). Podemos arriscar in-

clusive que a professora colaboradora realizou uma reflexão clínica numa perspecti-

va autocrítica, enquanto dispositivo de compreensão, na medida em que “[...] o ob-

servador é instado também a se observar, viver distanciações para explicar a dinâ-

mica e o poder das suas implicações.” (MACEDO, 2016, p. 62) e, mais ainda, nessa

compreensão, “[...] fazendo um esforço de suspensão dos nosso pré-conceitos

(epoché), caminhando até o outro e, a partir do seu ponto de vista, empreender o

esforço do diálogo.” (MACEDO, 2016, p. 62). Assim, a partir desse movimento de

inflexão, outras possiblidades formativas podem ser produzidas e contribuir para a

permanência dos (as) atores (atrizes) sociais da EJA na Educação Básica.

Ainda sobre os etnométodos criados pela escola, encontramos a inclusão de

pessoas com deficiência, como uma importante ação de formação pelas diferenças,

conforme explicita a jovem estudante colaboradora Saraí Soares:

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[...] o que eu vivo hoje, eu não viveria na escola que eu tava anteriormente, porque eu não ia conviver com pessoas com deficiência, não ia conviver com pessoas cadeirantes, eu não teria o mesmo respeito pelos idosos que eu tenho hoje, eu não teria a capacidade de hoje doar o meu lugar no ôni-bus, por conta de idoso, porque antes eu não me importava com isso, hoje eu posso dizer que sim, hoje eu cederia meu lugar para o idoso porque eu sei o que cada um passa aqui. A convivência com eles, convivendo com pessoas de maior idade, a gente passa a se colocar um no lugar do outro. [sic] (EC Saraí Soares).

A estudante colaboradora fala de uma questão que tem merecido destaque

importante no campo da EJA, que é a matrícula de jovens e adultos (as) com defici-

ência nesta modalidade de ensino. Martinha Santos (2016), em artigo intitulado Edu-

cação ao Longo da Vida em Educação Inclusiva: o direito dos jovens e adultos com

deficiência à Educação ao Longo da Vida, destaca que em 2015, conforme dados do

Censo Escolar/MEC/INEP, o número de matrículas de estudantes jovens e adultos

(as) com deficiência atingiu 114.905 estudantes, cerca de 48% em turmas de inclu-

são. Esses dados têm se refletido em mudanças no cotidiano das escolas que ofer-

tam cursos de EJA e alterado qualitativamente a formação de muitos (as) jovens e

adultos (as) que se encontram na Educação Básica, constituindo a formação para as

diferenças, conforme a fala da estudante Saraí Soares, uma oportunidade, pois está

convivendo com pessoas cadeirantes e com outras deficiências, experiência que

ainda não havia vivenciado em outros espaços escolares.

É importante destacar que o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palma-

res vem realizando um trabalho de inclusão de estudantes jovens e adultos (as) com

deficiência há alguns anos e isto tem construído uma itinerância pedagógica fundan-

te para o coletivo de pessoas com deficiências que vem acessando a Educação Bá-

sica, em especial nas turmas de EJA. É importante destacar que esses (as) jovens e

adultos (as) com deficiência têm feito opção pelo turno diurno em virtude da dinâmi-

ca do seu cotidiano, na tentativa de conciliar as atividades na escola especializada,

atendimentos médicos e a escola “regular”.

Assim, além das micropolíticas de permanência produzidas pela escola, a re-

de de sociabilidade vem se constituindo dispositivo formativo importante para a per-

manência dos (as) estudantes jovens e adultos (as) na Educação Básica, como ve-

remos a seguir.

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A rede de sociabilidade como recurso à permanência

Algumas questões pairam no ar quando compreendemos a complexidade na

qual vivem os (as) estudantes trabalhadores (as) jovens e adultos (as) para dar con-

ta de áreas tão relevantes em suas vidas: família, trabalho, cuidado dos filhos, estu-

do, enfim, tudo isso, considerando a precariedade de condições nas às quais estão

submetidos (as). Como lidam com as questões de sobrevivência e de estudo, que

requerem inclusive, essas últimas, abstração, mesmo que momentânea, das preo-

cupações com a sobrevivência para construírem compreensões mais elaboradas de

si e do mundo no qual vivem, fundamentais no seu processo formativo? No avançar

da presente pesquisa, compreendemos o quanto as redes de sociabilidade constitu-

em dispositivos de formação importantes nesse processo de retorno aos estudos na

Educação Básica. A compreensão dessa rede de sociabilidade nos interessa, pois

nos ajuda a compreender os etnométodos produzidos em colaboração com outros

(as) atores (atrizes) sociais curriculantes nessa desafiante tarefa de retorno aos es-

tudos.

Durante o diálogo formativo com os (as) estudantes, questionei como concili-

avam trabalho, vida pessoal e estudos; a estudante colaboradora Hilária Batista fa-

lou sobre colegas que pararam de estudar porque não tinham acesso a pessoas pa-

ra cuidarem de seus (as) filhos (as), bem como do caso de um colega que, por ter

apoio da família para cuidar do filho, conseguiu manter-se nos estudos, como vere-

mos no relato de Hilária Batista:

[...] tem dois casos verídicos que duas amigas minhas que pararam de es-tudar, que não podiam trazer o filho para escola, porque tem essa proibição, trazer o filho para escola. Então os jovens acabam parando de estudar, por conta dessas coisas assim, tipo tem como o Mestre Didi, ele tem um filho dele, graças a Deus, a mulher dele cuida da criança, mas se fosse ele e o menino sozinho, ele não ia conseguir lidar com o trabalho, o filho e a escola, entendeu? [sic] (EC Hilária Batista).

A estudante colaboradora Hilária, com certa indignação, mencionou a proibi-

ção da presença de filhos (as) de estudantes trabalhadores (as) na escola. O cuida-

do com os (as) filhos (as) enquanto os pais estudam parece constituir uma questão

fundante para o campo da EJA. Se a condição de trabalhadores (as) representa

princípio norteador do trabalho pedagógico da EJA, podemos também afirmar que a

condição de pai ou mãe constitui elemento balizador para sua permanência confor-

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tável na escola. Será que podemos imaginar uma mãe ou um pai que se comporte

de forma tranquila sem informações sobre em quais condições seu (a) filho se en-

contra (a) enquanto estuda? Podemos perceber que, para aqueles (as) que perma-

necem na escola e que têm filhos (as), possuem uma rede de sociabilidade que vem

sendo construída de acordo com suas condições de vida, muitas delas, precariza-

das. No caso das duas amigas, Hilária relata que tiveram de abdicar dos estudos,

mais uma vez, para cuidar dos (as) filhos (as); quanto ao colega de turma, a estu-

dante colaboradora informa que tem encontrado apoio com a esposa, a qual tem

assumido a tarefa de cuidar do filho do casal enquanto o marido estuda. Parece-nos

que o cuidado com os (as) filhos ainda se constitui como uma tarefa atribuída às mu-

lheres, pois, em muitos casos, os homens não são nem citados na rede de sociabili-

dade. Desse modo, as mulheres, por sua vez, vêm assumindo essa tarefa, que pos-

sivelmente já substitui algum outro projeto em mente ou em andamento.

A estudante Hilária Batista discorre ainda acerca da sua própria experiência

de quase ter de desistir dos estudos por dificuldade de conciliá-lo com o trabalho,

mas contou que, com a ajuda dos (as) professores (as), conseguiu manter-se na

tarefa de estudar:

Agradeço aos professores eu continuar estudando. É um pouco complicado, mas se tiver jeito, ajuda. Eu acho que tem pessoas que ficam colocando desculpas, se conciliar tudo direitinho tem como terminar. Difícil é quem não tem ninguém. Quem tem força de vontade, consegue. A gente não pode se diminuir em virtude de tudo. Eu larguei a escola pela doença de minha mãe. As pessoas têm que aprender em ser colocada com a realidade dia a dia. As pessoas da minha idade que estão chegando agora, eu acho que isso é ruim, colocar desculpa na política, na situação econômica, tá errado, a vida é nossa. A gente que tem que correr atrás de tudo isso. Sendo que não tem tanto dificuldade assim, tem que ter força de vontade. A maioria das adoles-centes não querem voltar a estudar por causa do namorado, a adolescente engravida e o marido não quer deixar ela ir para a escola. Não é só culpa da educação, não é somente culpa do governo, é culpa de influências, a gente quer ir para a festa, quer curtir e esquece do outro lado. (EC Hilária Batista).

Confesso que, a princípio, na fala de Hilária, transpareceu-me um pouco um

tipo de culpabilização dos (as) jovens e adultos (as) que não conseguem dar anda-

mento à sua vida, numa perspectiva neoliberal de individualização, em que os indi-

víduos fossem “culpados” pelas situações de exclusão social, econômica e política

às quais são submetidos. Há um misto em sua fala entre a culpabilização do (a) jo-

vem e do (a) adulto (a) pela precarização de sua vida; ao mesmo tempo, quando

Hilária fala de “correr atrás”, de não permitir que o discurso do (a) outro (a) nos sufo-

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que, ela fala de autorização33, o que me reporta à ideia de que “somos coautores de

nós mesmos” (MACEDO, 2016, p. 22). Hilária fala da liberdade que temos em fazer

escolhas em nossas vidas, pois ela não está pré-determinada pelos (as) outros (as),

bem como fala da possibilidade de criarmos novos caminhos sempre que alguns

movimentos da vida nos impeçam de continuar a caminhada.

Outro destaque que faço na fala da estudante egressa Hilária Batista diz res-

peito às privações pelas quais muitas mulheres passam pelo simples fato de serem

mulheres: privação de ir à escola, em virtude de ciúmes do marido ou do namorado,

a gravidez precoce e tantas outras formas de opressão nas quais as mulheres têm

vivido. Dados divulgados pelo relatório global 2019, publicado pela ONG Internacio-

nal Human Rights Watch (HRW) – Observatório dos Direitos Humanos) revelam uma

“epidemia” de violência doméstica no Brasil. De acordo com dados divulgados no

relatório, há mais de 1,2 milhão de casos de agressões contra mulheres pendentes

na Justiça brasileira. Considero que temas como violência contra a mulher devem

figurar na pauta formativa urgente e necessária para ser incluída nos currículos da

EJA.

Para o estudante colaborador Mestre Didi, a família, em especial sua mãe,

tem sido um apoio presente em seu processo de retorno à escolarização:

Em mim, continua a mesma coisa, minha mãe sempre se esforçando e per-guntando, mandando eu me esforçar mais, entendeu? Pra poder ser alguém na vida, tá sempre pegando no meu pé ali e pra mim, todas as mães deve-riam ser assim, não é porque o filho cresceu, que completou 25, 26 anos, que deveria largar o filho de mão. Mesmo assim deveria falar: ‘Ó meu filho, continue ali se esforçando’, mas tem mãe que larga o filho, só porque ele completou a maioridade, não! Até quando a gente é de maior a gente faz er-ros, nossos pais que já passaram por aquilo podem muito bem nos ajudar e nos ensinar, entendeu? Então, minha mãe me vê do mesmo jeito que me via antes, sempre mandando eu me esforçar bastante, pegando sempre no meu pé. Agora eu tô quase aprovado nas matérias, eu tô rezando para que eu já tenha passado pra poder ajudar mais. [sic] (EC Mestre Didi).

A fala de Mestre Didi nos revela que apoio e cuidado não prescrevem com a

idade. Ele fala que quer ser alguém na vida, compreendendo que lhe falta algo,

acreditamos que seja a conclusão dos estudos e, para alcançá-lo, remete-nos à figu-

ra da mãe: “tá sempre pegando no meu pé ali e pra mim, todas as mães deveriam

33 Na obra de Macedo (2016), A pesquisa e o acontecimento: compreender situações, experiências e

saberes acontecimentais, o autor nos apresenta o conceito de autorização cunhado por Jacques Ardoino, cuja ideia nos remete à compreensão de que somos coautores de nós mesmos. Para Macedo (2016, p. 22), “[...] nos autorizar implica a atualização dessa coautoria, tem a ver com estarmos na origem da criação [...]”.

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ser assim, não é porque o filho cresceu, que completou 25, 26 anos que deveria lar-

gar o filho de mão” [sic]. Ele sente o quanto o apoio da mãe, as palavras de incentivo

e conselhos têm funcionado como práticas formativas que colaboram para sua per-

manência no processo educativo. O carinho e o apoio recebidos da mãe de Mestre

Didi o incentivam – por força do sentimento de gratidão – a retribuir-lhe todo o apoio

recebido, na forma de êxito nos estudos. Assim, a figura materna, aqui concretizada

na figura da sua mãe, aparece como uma pessoa fundamental para que Mestre Didi

continue sua trajetória de permanência na Educação Básica.

A estudante Hilária Batista também reafirma o quanto a família atuou como

apoio importante durante seu processo formativo: “Na verdade, eu sempre tive apoio

dos meus pais nos meus estudos, quando eles viram meu esforço, tive mais apoio

em casa e na família”. A fala da estudante colaboradora indica que o apoio da rede

familiar vai se robustecendo à medida em que os (as) estudantes trabalhadores (as)

também fortalecem os vínculos com a escola. É como se fosse uma relação de reci-

procidade: o apoio é intensificado à medida que seu vínculo e responsabilidade na

escola aumentam também. Por sua vez, Hilária, na condição de estudante trabalha-

dora egressa da EJA, que conseguiu concluir a Educação Básica, tem retribuído es-

se apoio recebido da família com seus (as) amigos (as) também, fortalecendo a rede

de sociabilidade:

Graças a Deus, eu tenho amigos que eu influencio muito. Como eu digo a você, eu não lutava antes, hoje eu luto mais, porque eu tenho amigas que tá grávida e que tem filhos e que abandonou o estudo hoje, eu digo: “não, gen-te! Dá um jeito de você voltar a estudar, se eu consegui, por que você não pode?” Você acaba tendo um pouco de conhecimento para você ajudar no processo de outras pessoas. Você deixa um pouco seu legado para outras pessoas, porque as pessoas acham que legado é só aquilo que as pessoas só têm realmente ricos ou políticos, mas a gente também pode fazer o nos-so diariamente, dando conselhos. (EC Hilária Batista).

A estudante egressa Hilária Batista traz uma questão muito importante nessa

reflexão, que é o que a educação faz com a gente. Ela realça a importância da edu-

cação na vida das pessoas e o efeito “dominó” que a “simultaneidade na permanên-

cia” (SANTOS, 2009) proporciona: o papel que os (as) estudantes que vivem ou vi-

veram condições similares de vida e permaneceram nos estudos, passam a desem-

penhar para os (as) outros (as) estudantes.

A simultaneidade da permanência é evidente no relato da estudante colabo-

radora Saraí Soares, que é uma jovem de 19 anos, que, na turma da escola em que

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estudava anteriormente, era sempre a mais “velha” e encontrou, nos irmãos e na

cunhada, inspiração para retornar aos estudos:

O fato de começar a estudar e querer me dedicar foi ver a dedicação dos meus irmãos. A gente mora longe, moramos em Itapuã, tem esses fatores também em relação ao estudo. Lá onde estudava não me dedicava aos es-tudos. Quando atingi a maioridade, descobri que sem educação não seria nada, não iria conseguir trabalho digno. Eu fui vendo que meus irmãos se dedicavam e pensava: vou ficar à paisana? Quando chegou a maioridade, meu irmão voltou a estudar aqui e eu também quis me matricular para ven-cer na vida. Eles (minha cunhada e meu irmão) falaram: ‘Vou te ajudar!’, mas você tem que correr atrás do que é seu. Você que tem de correr atrás. Tem a dificuldade, a minha única dificuldade é a lonjura, porque eu moro em Itapuã e a escola é aqui no centro. [sic] (EC Saraí Soares).

Saraí Soares, enquanto uma jovem estudante na EJA, vivenciou experiências

escolares de insucessos, principalmente em virtude do desestímulo que decorre de

sua idade avançada em relação aos demais colegas das turmas. Inspirada pela de-

dicação aos estudos dos seus irmãos e de sua cunhada, questiona se ficaria mesmo

“à paisana” em relação aos estudos. A reflexão de Saraí Soares aponta para o sen-

tido do termo à paisana ao se referir à sua condição de estudante, que, na época,

estava fora da escola, sem vivenciar experiências proporcionadas por esse espaço

formativo. O empenho e permanência dos irmãos e da cunhada na escola represen-

taram para Saraí referências para seu retorno aos estudos. Ela, então, afirma que

decidiu se matricular na escola para poder “vencer na vida”. Parece-nos que vencer

na vida, para a estudante colaboradora Saraí, perpassa a escola, vivendo a condi-

ção de estudante, e isso ela desejava vivenciar, ciente de que precisaria também de

um esforço pessoal para isso. Relata ainda que sua atual dificuldade/desafio em

permanecer nos estudos é a distância entre a casa e a escola, ocasionada pela au-

sência de escolas no bairro em que mora ou no entorno, que ofertem cursos de EJA

no diurno. A jovem estudante colaboradora Saraí Soares fala ainda que, apesar da

distância geográfica entre sua residência e a escola, a dedicação dos (as) professo-

res (as) tem colaborado para sua permanência na escola:

Os professores se dedicam, procuram saber por que está faltando. Eles ten-tam fazer o máximo para a gente também cresça na vida, aqui as pessoas dizem que tem que estudar, sem estudo não pode fazer nada. Os professo-res ajudam a gente, explicam, se não estudar não vai ser nada. Eles tentam fazer o máximo. Você explica a situação. Eles dão a segunda chance para a gente conseguir. [sic] (EC Saraí Soares).

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A estudante Saraí assegura que a postura cuidadosa dos (as) professores

(as) em relação à situação dos (as) estudantes contribui para a permanência e a

conclusão da Educação Básica. Ela explicita que o corpo docente orienta quanto à

relevância dos estudos para que os projetos de vida sejam realizados. A estudante

acrescenta que, através do diálogo com os (as) professores (as), as situações do

cotidiano são trazidas à luz e os (as) professores (as) proporcionam outras oportuni-

dades formativas.

A estudante egressa Hilária Batista fala do momento atual de sua vida, em

que se sente autorizada para realizar vários projetos, e sobre como a educação alte-

rou sua vida:

Então, a educação traz isso pra a gente também, esse conhecimento, essa liberdade, porque quando você interage, você aprende com a liberdade que você tem, expondo suas coisas e isso faz com que você cresça. E isso, pra mim, trouxe uma realidade bastante ampliada e hoje, as pessoas me veem diferente, no jeito de me vestir, até no meu jeito de falar, até nas condutas que hoje eu procuro corrigir, que eu busquei na educação. Porque as pes-soas, ao invés de ouvir você, elas julgam. Então, você precisa deixar esses julgamentos de lado para prosseguir na sua vida, porque a vida é assim, né? Sem luta, não há vitória. [sic] (EC Hilária Batista).

O relato de Hilária realça os efeitos da educação na sua vida, contribuindo

com a liberdade de expressão, de posicionamentos, de posturas críticas frente ao

mundo. Essa nova postura, produzida sob os efeitos da educação na vida de Hilária,

reverbera na maneira como as pessoas passaram a enxergá-la: “as pessoas me ve-

em diferente, no jeito de me vestir, até no meu jeito de falar, até nas condutas que

hoje eu procuro corrigir”. Essa visão da educação que Hilária possui, como estudan-

te que concluiu a Educação Básica na modalidade EJA, ajuda-nos a compreender

que os ganhos pessoais, profissionais e sociais são significativos, pois, para além de

benefícios econômicos realçados pelas instituições neoliberais, estão os ganhos

pessoais, proporcionados por uma “educação transformadora, entendendo a educa-

ção como um processo de conscientização e de transformação social, num movi-

mento permanente de superação da desumanização [...]” (GADOTTI, 2016, p. 64).

Sales e Fischman (2011), em artigo intitulado Espaços, sujeitos e discursos:

cinco desafios para repensar a EJA desde o legado freiriano, falam da necessidade

de repensarmos a EJA a partir das contribuições de Freire. Para os referidos auto-

res,

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os espaços educativos, em geral, e os da EJA, em particular, podem ser mais democráticos e encorajadores para uma vida melhor e oferecer aos alunos e alunas e aos educadores e educadoras a possibilidade de intera-ção dialógica baseada em um sistema de valores que aproveita as tensões e as possibilidades de avanço democrático. Em outras palavras, sem igno-rar as injustiças do capitalismo global, das ditaduras, da exploração do meio ambiente, esse trabalho poderá expor as armadilhas ideológicas do sistema que tem uma tendência forte de reduzir até mesmo a noção de cidadania em adultos para que exerçam essa função política como observadores indi-ferentes ou consumidores cínicos. (SALES; FISCHMAN, 2011, p. 236).

5.2 O relacional e o contraste em ato: estudo de casos - Centro Noturno de

Educação da Bahia Joana Angélica e Centro Estadual de Educação Zumbi

dos Palmares

Inspirada na obra de Macedo (2018), invisto na aventura de realizar um estu-

do contrastivo das duas escolas investigadas nessa tese. No esforço teórico inter-

pretativo, a Etnopesquisa Contrastiva aqui produzida, através dos estudos multica-

sos, conforme dito anteriormente, apresenta duas escolas da rede estadual de ensi-

no da Bahia, que ofertam cursos para jovens e adultos (as) que se encontram na

Educação Básica. Nesse ponto da análise contrastiva, temos a intenção de apresen-

tar as singularidades, os aspectos em diferenciação e convergentes, no que se refe-

re às micropolíticas de permanência de jovens e adultos (as) na Educação Básica,

entre as duas escolas investigadas.

Uma das escolas, criada em decorrência dos altos índices de evasão dos (as)

estudantes que acessam o Ensino Médio da rede estadual no turno noturno, traz em

si a concepção de uma escola voltada para o (a) estudante jovem e adulto (a) traba-

lhador (a) que acessa a instituição educacional no turno noturno; a outra escola,

existente na rede estadual há mais tempo, foi criada a partir da compreensão da ne-

cessidade de escolas “exclusivas” de EJA. Na condição de instituições educacionais

integrantes de um conjunto de escolas que ofertavam cursos de EJA e se propõem a

desenvolver práticas pedagógicas que atendessem às expectativas e às necessida-

des dos (as) jovens e adultos (as) trabalhadores (as), vivem experiências formativas

que apresentam como marcas a (re) existência para se manterem “vivas” e contribuí-

rem, assim, para a permanência desses atores (atrizes) sociais curriculantes na

Educação Básica.

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Desse modo, a partir da observação participante, da escuta dos (as) atores

(atrizes) sociais e do estudo dos casos, pude compreender, a partir da análise con-

trastiva, como os (as) atores (atrizes) sociais envolvidos (as), (professores (as), ges-

tor (a) e estudantes) se organizavam e agiam, a partir dos etnométodos produzidos

para permanência na Educação Básica, e como essas duas experiências em Edu-

cação de Jovens e Adultos emergiram de forma singular na promoção da perma-

nência desses (as) atores (atrizes) curriculantes.

Desse modo, apresentaremos a seguir as singularidades de cada instituição

investigada, no que se referem aos etnométodos produzidos pela escola, bem como

pelos (as) estudantes trabalhadores (as) jovens e adultos (as) no sentido de se man-

terem na escola, para, em seguida, realizarmos uma síntese relacional das duas ex-

periências formativas investigadas.

5.2.1 O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica e suas singularida-

des

O Ceneb Joana Angélica, encharcado das suas possibilidades formativas, se

constitui em fecundo espaço de formação, vinculado às ações institucionais da

SEC/BA para revitalização da educação noturna no Estado, nas quais fazem parte

mais nove Centros Noturnos, situados nos municípios de Salvador, Feira de Santa-

na, Cachoeira, Senhor do Bonfim, Campo Formoso, Jacobina, Conceição do Coité e

Vitória da Conquista. O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica nas-

ceu em 2015, na Cidade Baixa, com o desafio de contribuir para a permanência de

estudantes trabalhadores (as) na Educação Básica e agregou, desde seu nascedou-

ro, estudantes e profissionais oriundos das escolas do entorno que fecharam o turno

noturno, por determinação da SEC.

Assim, o Centro Noturno Joana Angélica surgiu com o desafio hercúleo de fa-

zer a diferença na educação ofertada aos (as) estudantes trabalhadores (as) jovens

e adultos (as) que acessam a EJA no turno noturno, na Cidade Baixa, mas, para is-

so, dependiam de muitos outros fatores vinculados às questões de estrutura física e

gestão pública dependiam o êxito dessa experiência. Agregado aos desafios expos-

tos, o referido Centro necessitava considerar como princípios pedagógicos o traba-

lho e a condição de trabalhadores (as), já que apresentava como premissa, no proje-

to político pedagógico, a formação de jovens e adultos (as) trabalhadores (as) que

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carregam em suas “mochilas culturais”, em sua grande maioria, experiências escola-

res de insucessos. Assim, o desafio se constituía em como tratar essas questões

não somente como temas de estudo, mas como processo de formação (ARROYO,

2017). Desse modo, o trabalho pedagógico no Ceneb Joana Angélica é desenvolvi-

do a partir de um desenho curricular que considera as experiências de vida e de tra-

balho dos (as) jovens e adultos (as) como condição fundante para a educação dos

(as) jovens e adultos (as) trabalhadores (as).

Nessa ocasião, na condição de coordenadora estadual da EJA na SEC, parti-

cipei, conforme dito anteriormente, do processo de implantação da referida escola,

momento em que pude perceber o esforço empreendido pela comunidade escolar

para implementar uma proposta com a potencialidade pedagógica e política requeri-

da e, ao mesmo tempo, mediar uma questão administrativa em pauta: acolher os

(as) profissionais e os (as) estudantes trabalhadores (as) oriundos (as) das escolas

que ofertavam cursos no turno noturno em seu entorno e que haviam sido fechadas

no processo de reordenamento da rede de ensino. Era o desafio de construir a mar-

ca identitátia de uma escola que estava sendo criada agregando profissionais e es-

tudantes de outras instituições, os quais chegaram até o Centro Noturno contraria-

mente aos seus desejos.

A escola apresenta uma concepção de EJA enquanto direito à educação e

aposta em práticas pedagógicas que se aproximam da realidade dos (as) estudantes

trabalhadores (as), constituindo-se desde sua criação, em um espaço formativo de

(re) existência na educação noturna. É importante salientar que, historicamente, a

educação noturna foi concebida como educação de “segunda categoria”, visão que

contribuiu para que os sistemas de ensino justifiquem a alocação de parcos aportes

financeiros destinados à Educação de Jovens e Adultos, o que vem reverberando na

negação de oportunidades educacionais aos (as) estudantes trabalhadores (as) jo-

vens e adultos (as).

Transversalizando essa prática particular no campo da EJA, no âmbito nacio-

nal, em 2016, ocorriam reuniões preparatórias regionais para a CONFITEA Brasil+6,

por meio dos Fóruns de EJA. Dentre as discussões, nesse evento, foi timidamente

apresentado o Plano Nacional de Educação de Jovens e Adultos, elaborado por um

conjunto de gestores (as) públicos (as), a partir da escuta de experiências pedagógi-

cas em andamento no território nacional, dentre elas a experiência dos Centros No-

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turnos de Educação da Bahia, o que realça ainda mais a relevância desse projeto

para o campo da EJA.

O Centro Noturno de Educação Joana Angélica considera fundante o diálogo

e a escuta dos (as) estudantes trabalhadores (as) desde o momento da matrícula,

no intuito de compreender suas condições de vida e de trabalho para orientá-los no

itinerário formativo que melhor atenda às suas necessidades e expectativas; assim

como a escuta nos momentos de infrequência escolar, situação típica de atores

(atrizes) sociais que buscam conciliar as condições precárias de sobrevivência com

as demandas exigidas no retorno aos estudos.

Assim, os etnométodos produzidos pela escola pautavam-se na escuta dos

(as) estudantes trabalhadores (as) a partir de suas experiências de vida e objetivos a

serem alcançados, o que levou os (as) professores (as), a partir de inspirações da

pedagogia paulofreireana, a investirem numa aproximação maior com a realidade

dos (as) estudantes trabalhadores (as).

A prática pedagógica do Ceneb Joana Angélica, que, muitas vezes, extrapo-

lava os espaços escolares, buscava outros tempos e espaços para reafirmar que a

educação vai “além dos muros escolares”, ou melhor, precisa estar também sem

muros para produzir o fluxo continuo que a formação necessita: o ir e vir de idas ao

teatro, do teatro à escola, às diversas instituições formadoras possíveis, enfim, trazia

para a escola noturna, vozes, ritmos, sons e cores que durante anos foi palco de

silenciamentos e monólogos.

A escola vivia um misto de crenças, religiões, etnias, de lutas pela sobrevi-

vência, pelo emprego tão sonhado, enfim, se constituía no espaço formativo que

pulsavam a vida e todos os movimentos que a mesma proporciona. Os (as) profes-

sores (as), articuladores (as) das áreas e gestores (as) que ali se encontravam, me-

diados pelos saberes dos (as) estudantes trabalhadores (as), semanalmente questi-

onavam a si e aos (as) outros (as), estudavam e planejavam suas aulas e demais

ações pedagógicas, tentando se aproximar do universo dos (as) estudantes, sociali-

zando o conteúdo escolar de forma contextualizada, numa busca paulofreireana pela

construção do conhecimento. O esforço feito era para trazer para o processo educa-

cional o (a) estudante trabalhador (a) com toda sua inteireza. O currículo proposto

buscava romper com a hierarquia dos conhecimentos, e os (as) profissionais que ali

estavam compreendiam que, para isso, precisavam tornar-se “do-discente” (FREI-

RE, 1997). Desse modo, os espaçostempos reservados para as Atividades Com-

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plementares (AC) exigiam o estudo constante, na compreensão do inacabamento do

conhecimento, e esse movimento trazia um tom diferenciado para essa escola, cujos

temas das reuniões pedagógicas emergiam das demandas advindas do cotidiano.

Ao ter acesso aos atos de currículo produzidos pela instituição investigada,

pudemos compreender os movimentos formativos carregados de experiências e vi-

vências dos (as) estudantes (as) trabalhadores (as) e dos demais profissionais que

ali trabalhavam. A instituição vem buscando o cultivo de conceitos e práticas pauta-

das na dialogicidade, participação e problematização de temas do cotidiano dos (as)

estudantes trabalhadores (as) jovens e adultos (as).

Os (as) estudantes trabalhadores (as), por sua vez, ao entrarem no universo

do Ceneb Joana Angélica, compreendiam que não era mero certificado que busca-

vam ali, e sim novos conhecimentos plasmados com os saberes e conhecimentos

produzidos por eles ao longo de suas vidas. Assim, a participação dos (as) estudan-

tes trabalhadores (as) nos projetos foi produzindo uma rede ao mesmo tempo de

sedução e de vinculação à instituição, um certo “caminho sem volta”, pois os (as)

impulsionava a permanecerem não apenas pelas exigências da sobrevivência, mas

pelo prazer de se educarem, mesmo quando as condições precárias de vida os ten-

sionavam insistentemente para fora da escola. Nessa (re) existência, produziam et-

nométodos para lidar com esse constante desafio, um verdadeiro “cabo de guerra”

entre a vida no trabalho e a vida na escola, bem como o cuidado com os (as) filhos

(as) e o retorno aos estudos, incluindo outros tantos desafios que estavam presentes

nos seus cotidianos.

O que se percebe no Centro Noturno Joana Angélica é um movimento rico de

experiências formativas e um “clima contagiante” em que o coletivo de atores (atri-

zes) sociais curriculantes se une na tentativa de contribuir para a continuidade dos

estudos de dezenas de jovens e adultos (as) que frequentam a Educação Básica.

Esse clima se traduz em etnométodos produzidos tanto pela escola quanto pelos

(as) estudantes, para dar conta dos desafios impostos em seus cotidianos: continui-

dade dos estudos, o cuidado com os filhos (as), a luta pela sobrevivência em condi-

ções precárias de vida. Isso se traduz em etnométodos que são criados por todas as

partes, desde os (as) estudantes, que lutam cotidianamente para não saírem da es-

cola, aos (às) docentes, aos (às) gestores (as) e a todos, enfim, que se empenham

para manter vivo o desejo pelo conhecimento/crescimento, para evitar, com isso, a

evasão.

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5.2.2 Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares: singularidades outras

O Centro Estadual Zumbi dos Palmares possui cerca de 42 anos atuando na

oferta de cursos e exames da Educação de Jovens e Adultos, faz parte das denomi-

nadas “escolas exclusivas de EJA”34, criadas na década de 1990 pela rede estadual

de ensino da Bahia e está localizada no bairro dos Barris, em Salvador.

O referido Centro de Educação realiza atendimento aos (às) estudantes jo-

vens e adultos (as) com deficiências (cegos (as), com baixa visão e deficiência inte-

lectual em diversos níveis), bem como desenvolve parcerias com centros de apoio

pedagógico, o que vem consolidando uma expertise no campo da EJA, haja vista a

expansão das matrículas de jovens e adultos (as) com deficiências nessa modalida-

de de ensino. Esse trabalho pedagógico junto aos (às) estudantes jovens e adultos

(as) é de fundamental importância, devido à escassez de profissionais com tais ex-

periências, assim como de materiais acadêmicos, técnicos e didáticos específicos. É

um campo de necessária expansão!

A instituição de educação pesquisada apresenta a perspectiva de aquisição

de conhecimentos articulados com a realidade social dos (as) estudantes trabalha-

dores (as) jovens e adultos (as). Apresenta como premissa, em sua práxis educativa,

os fundamentos da pedagogia paulofreireana, que compreende como princípio for-

mativo a formação crítica e emancipadora.

O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares apresenta a oferta de

cursos de EJA tanto no diurno quanto no noturno, o que se constitui em uma condi-

ção muito cara no campo da Educação de Jovens e Adultos. A necessidade da ofer-

ta de cursos de EJA nos três turnos de funcionamento, vem se constituindo pauta

dos (as) atores (atrizes) curriculantes que acessam esse campo, bem como dos mo-

vimentos sociais que estão na luta pela continuidade de estudos dos (as) jovens e

adultos (as) na Educação Básica.

Assim, o referido Centro Estadual, em virtude da oferta de cursos de EJA no

diurno e noturno, agrega estudantes trabalhadores (as) de várias cidades da Bahia,

em especial da RMS. Se, por um lado, a localização da escola facilita o acesso dos

(as) estudantes oriundos (as) dessa região, por outro, aponta para um grave pro-

34 A denominação “escolas exclusivas de EJA” surgiu na década de 90, com o objetivo de atender

estudantes jovens e adultos que acessavam essa modalidade de ensino tendo em vista a continui-dade dos estudos na Educação Básica, a partir da oferta de cursos e exames.

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blema na EJA: a escassez de oferta dessa modalidade de ensino nas condições

temporais oferecidas pelo Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares, em

vários municípios do estado da Bahia. Desse modo, apesar da distância da escola

em relação à residência dos (as) estudantes trabalhadores (as), os mesmos (as) se

mantêm nessa instituição, em virtude da possibilidade de retorno aos estudos pro-

porcionado pelo turno que o (a) estudante tem disponibilidade de cursar, em decor-

rência de suas precárias condições de vida.

Outra singularidade em relação ao Centro Estadual de Educação Zumbi dos

Palmares diz respeito à oferta de exames de certificação, através da CPA, resguar-

dada pela LDB nº 9.394/1996 e pela Resolução do CEE 138/2001, que explicita a

concepção do exame, no Art. 8º, compreendida como alternativa educacional para

proporcionar o reconhecimento de conhecimentos adquiridos pelos (as) jovens e

adultos (as) por meios não formais, e também foi citada pelos (as) estudantes cola-

boradores (as) desta pesquisa como etnométodos da escola que contribuem para a

continuidade dos estudos na Educação Básica.

Desse modo, os projetos didáticos desenvolvidos na escola investigada se

constituem em etnométodos importantes para a permanência dos (as) estudantes

trabalhadores (as) no processo formativo e realçam o trabalho e a condição de tra-

balhadores (as) como princípios formativos. Nessa perspectiva, Arroyo (2017) nos

alerta para o reconhecimento do direto dos estudantes-trabalhadores à educação:

Avançar no reconhecimento do direito dos educandos e dos trabalhadores à formação e à escola básica, não como tempos apenas de aprendizagens de letramento, numeramento, mas avançar para recuperar a radicalidade da escola e da EJA como tempos de garantia de direito à educação,à formação humana, como tempos de recuperar a humanidade roubada pela segrega-ção e opressão a que são submetidos. (ARROYO, 2017, p. 65).

5.2.3 Aproximações e contrastes nos casos investigados

Com a contribuição da Etnopesquisa Contrastiva, pudemos realizar a análise

relacional das duas escolas investigadas, as quais se apresentaram com movimen-

tos cotidianos específicos, conservando elementos comuns em alguns aspectos e

contrastes em outros, no que se refere aos etnométodos produzidos tanto pelas ins-

tituições quanto pelos (as) atores (atrizes) curriculantes que contribuem para a per-

manência na Educação Básica.

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Nesta síntese relacional, identificamos que as duas escolas se aproximavam

no reconhecimento da EJA enquanto direito dos (as) jovens e adultos (as) à educa-

ção, bem como desses (as) como sujeitos de direitos.

Aproximavam-se na oferta de itinerários formativos variados, na tentativa de

oferecer aos (às) jovens e adultos (as) trabalhadores (as) condições pedagógicas

para o retorno aos estudos, considerando as condições precárias de vida às quais

vivenciam no seu cotidiano.

Outra aproximação identificada entre as duas escolas é a abertura para o re-

conhecimento de saberes e conhecimentos dos (as) estudantes trabalhadores (as),

considerando-os conhecimentos eleitos como formativos. As instituições investiga-

das também reconhecem os (as) estudantes jovens e adultos (as) como trabalhado-

res (as) e suas condições de trabalho como princípios formativos relevantes para a

educação na qual estão inseridos.

As duas escolas, de forma relacional, apresentaram em seus atos de currículo

práticas pedagógicas que, pautadas nas metodologias ativas, que reverberavam em

projetos didáticos que implicavam os (as) estudantes trabalhadores (as) à formação

requerida.

O perfil da equipe de profissionais que fazem parte das duas instituições edu-

cacionais, quanto ao reconhecimento e acolhimento das singularidades dos (as) es-

tudantes trabalhadores (as), é condição imprescindível para a permanência dos (as)

mesmos (as) na Educação Básica.

É importante destacar nas duas instituições investigadas a participação inten-

sa das mulheres no cuidado com os (as) filhos (as), produzindo etnométodos para

dar conta desses cuidados, sem que isso as levasse à evasão. São, elas que mobili-

zam a rede de sociabilidade para essa tarefa do cuidado dos (as) filhos (as) e, na

maioria das vezes, lideram os grupos, dando apoio e se apoiando mutuamente em

prol da contitnuidade dos estudos.

O envolvimento dos (as) gestor (as) das duas escolas com a dimensão peda-

gógica, se constituiu em um diferencial na produção de etnométodos que contribuí-

ram para a permanência de estudantes trabalhadores (as) na Educação Básica. A

compreensão do processo educacional pelos (as) gestores (as) reverberou na impli-

cação dos (as) profissionais envolvidos (as) na formação desses jovens e adultos

(as), bem como nos atos de currículo ali produzidos.

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Podemos contrastivamente perceber a oferta de cursos de EJA em tempos

variados nas duas instituições educacionais: o Centro Noturno de Educação Joana

Angélica, como o próprio nome sugere, oferecendo cursos de EJA exclusivamente

no noturno, atendendo especificamente o (as) estudantes trabalhadores (as) que se

deslocam do trabalho à escola (ARROYO, 2017), trazendo consigo experiências vi-

vidas no mundo do trabalho, que pulsam e que não podem ser negligenciadas no

processo formativo. O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares, por sua

vez, apresenta a oferta de cursos da EJA no matutino, vespertino e noturno, possibi-

lidades temporais muito importantes para o campo da EJA, pois considera a neces-

sidade de acolher os (as) estudantes trabalhadores (as) que apresentam organiza-

ções temporais do cotidiano bastante alternadas, que se plasmam com a dinâmica

da própria vida.

Distanciavam também no quantitativo de profissionais pertencentes à equipe

técnica pedagógica: o Centro Noturno possui equipe técnica em número satisfatório,

conforme previsto no seu Decreto de criação, que, de forma substancial, ofereciam

apoio pedagógico aos (às) professores (as) e estudantes trabalhadores (as), con-

templando as dimensões pedagógicas: mundo do trabalho, arte e cultura, ciência e

tecnologia. É bom registrar que a existência desses profissionais não se constitui em

requinte pedagógico, mas contribui para o desenvolvimento do projeto político peda-

gógico, por meio do atendimento qualificado dos (as) estudantes trabalhadores (as)

e profissionais, da EJA, através da escuta refinada, articulação com outras institui-

ções e acompanhamento pedagógico das atividades desenvolvidas, ações fundan-

tes para essa modalidade de ensino. O Centro Estadual de Educação Zumbi dos

Palmares por sua vez, apesar da complexidade de ações pedagógicas que realiza,

bem, bem como da diversidade dos (as) atores (atrizes) sociais que atende, possuía

uma equipe técnica-pedagógica reduzida, sobrecarregando os (as) profissionais que

lá atuavam. Contrastivamente, a escuta dos (as) estudantes trabalhadores (as) e

dos (as) professores (as) sobre o processo formativo era ação pautada sistematica-

mente no Centro Noturno de Educação Joana Angélica, o que, em certa medida, era

favorecido devido às condições de funcionamento oferecidas, dentre elas o quantita-

tivo da equipe técnica-pedagógica.

O trabalho com os (as) estudantes da Educação de Jovens e Adultos com de-

ficiências era realçado no Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares, o que

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agregou à instituição uma expertise no trato dessas questões, ainda em consolida-

ção no campo da EJA.

Em níveis das micropolíticas produzidas pelos (as) atores (atrizes), sociais,

pudemos identificar alguns aspectos relacionais entre os (as) estudantes das duas

escolas investigadas.

No que se refere à conciliação dos estudos com o trabalho, foi identificado, na

fala dos (as) estudantes trabalhadores (as), Zilda Arns, Maria da Penha, Lélia Gon-

záles, Carolina de Jesus, Mestre Moa e Mestre Didi, o quanto se constituiu em um

esforço hercúleo de conciliar as referidas ações que demandam esforços físico e

intelectual.

Quando, aliada aos estudos e ao trabalho é exercida também a maternidade,

esse desafio se intensifica, como explicitado no relato da estudante colaboradora

Marielle Franco, pois, além do esforço físico requerido, torna-se necessário o apoio

de parentes e amigos (as) para os cuidados durante o período em que está em aula,

bem como a compreensão dos (as) professores (as), quando a presença na aula se

torna difícil de ser concretizada.

A relevância da rede de sociabilidade para a continuidade dos estudos foi re-

alçada pelas estudantes colaboradoras Marielle Franco e Carolina de Jesus do Cen-

tro Noturno de Educação Joana Angélica e pelos (as) estudantes colaboradores (as)

Mestre Didi e Hilária Batista do Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares.

Os (As) referidos (as) estudantes trabalhadores (as) realçaram como a ajuda de um

(a) parente para cuidar dos (as) filhos (as), a compreensão e incentivo dos (as) pro-

fessores (as) na superação dos desafios requeridos na vida estudantil e apoios re-

cebidos (as) dos (as) colegas da turma foram fundantes durante a travessia de mo-

mentos conturbados na vida, assim como a casa da avó se constituiu no espaço im-

portante na continuidade dos estudos. Assim, os (as) atores (atrizes) sociais realça-

ram a relevância da rede de sociabilidade tecida pela empatia de outras pessoas

que se implicaram com o projeto de continuidade dos estudos, para que a trajetória

iniciada não fosse interrompida em virtude dos acontecimentos. da vida. Este fato

nos aponta para a compreensão de que as políticas públicas pensadas com esses

(as) estudantes trabalhadores (as) jovens e adultos (as) devem agregar, para além

das pessoas com as quais eles (as) se relacionam, demais órgãos do setor público e

organizações não governamentais como partícipes da rede de sociabilidade.

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Contrastivamente, encontramos nos (as) estudantes do Centro Estadual

Zumbi dos Palmares o desafio da mobilidade urbana, destaque feito pelo estudante

colaborador Mestre Didi, em virtude da localização da escola que diferenciadamente

oferta cursos de EJA no diurno e noturno. A distância da casa/ trabalho/escola tem

dificultado a permanência de estudantes trabalhadores (as) na Educação Básica, o

que tensiona a necessidade de maior número de escolas ofertem cursos de EJA nos

diversos turnos, colaborando, para que os (as) referidos (as) estudantes definam o

turno de estudo que se ajuste com suas necessidades e disponibilidades.

Outro aspecto realçado pelo estudante colaborador Mestre Didi foi a necessi-

dade de planejamento, para que as ações diárias entrassem em consonância com

tempo disponível, sendo ao mesmo tempo lembrado pelo referido estudante que

quando a filha adoeceu, foi necessária a mudança do planejamento, em virtude do

acontecimento verificado. Cabe-nos a reflexão: será que nossa formação não deve-

ria incluir o acontecimento como temática fundante para o vivermos na contempora-

neidade? Como a adultez tem encarado o acontecimento? Camarano (2006) nos diz

que “[...] incertezas e riscos não são características da juventude, mas fazem parte

de toda a vida.” (CAMARANO, 2006, p. 319). Constantemente somos acometidos

por fatos que não foram previamente planejados, como o atraso do ônibus, o engar-

rafamento inesperado, o adoecimento, a perda de um ente querido, a saída do em-

prego, dentre tantas outras situações que se apresentam no cotidiano. E, como li-

damos com tudo isso? Urge pautarmos em nossa educação, o formar-se para o im-

previsível!

Assim, através deste movimento interpretativo, a partir da Etnopesquisa Con-

trastiva, por meio dos estudos multicasos do Centro Noturno de Educação Joana

Angélica e do Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares, pude perceber de

forma relacional – compreendendo as singularidades dos atos de currículo e etno-

métodos produzidos, como cada uma das instituições e atores (atrizes) sociais in-

vestigados (as) se aproximavam e convergiam em suas ações, bem como se dife-

renciavam uns (umas) dos (as) outro (as), mas ambas, de forma que lhes são pecu-

liares, produziram micropolíticas de permanência de jovens e adultos (as) na Educa-

ção Básica.

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6 DAS MICROPOLÍTICAS ÀS POLÍTICAS DE PERMANÊNCIA DE JOVENS E

ADULTOS (AS) NA EDUCAÇÃO BÁSICA: NOTAS INCONCLUSAS

Lembro-me do meu ingresso no Grupo de Pesquisa FORMACCE, em meados

de 2005, quando ouvi falar pela primeira vez em conceitos como multirreferenciali-

dade, etnopesquisa, etnométodos, complexidade e tantos outros, que são caros pa-

ra o referido Grupo e que me aproximaram do denso campo de pesquisa sobre cur-

rículo e formação. Pesquisar sobre essas questões abriram-me um outro horizonte

para a pesquisa no campo da educação: a compreensão de que é possível fazermos

pesquisas a partir de “um rigor outro” (MACEDO; DANTE; PIMENTEL, 2009), e de

outras bases epistemológicas que dialogam com os (as) atores (atrizes) curriculan-

tes que pensam e fazem cotidianamente suas práticas, que produzem etnométodos

para compreender e resolver os desafios que se apresentam na cotidianidade.

Durante minha itinerância junto às escolas participantes, foram inevitáveis os

movimentos de construção e desconstrução inerentes a uma pesquisa que pretende

compreender as micropolíticas produzidas pelos (as) atores (atrizes) curriculantes,

porque, ao reconhecer as trajetórias de vida dos (as) estudantes trabalhadores (as),

nos vemos e vemos o (a) outro (a) em formação. Em particular, vivenciei a experiên-

cia encarnada de concomitância trabalho, estudo e vida pessoal durante todo o dou-

toramento, o que produziu uma implicação ainda maior com o construto dessa pes-

quisa.

Nesse processo, o que foi se configurando como fundamental na luta dos ato-

res e atrizes sociais por permanência foi a produção dos etnométodos e, mais am-

plamente, de micropolíticas. Essas micropolíticas, venho refletindo desde as análi-

ses iniciais das experiências de estudantes, professores (as) e gestores (as) – faróis

a apontar importantes caminhos para a elaboração de políticas de Estado – devem

ser capazes não apenas de fazer entrar, mas, sobretudo, de fazer permanecer.

O conceito de etnométodos trabalhado nessa tese, forjado por Garfinkel

(1980), que compreende as maneiras pelas quais os atores e atrizes sociais produ-

zem para resolver os desafios enfrentados na vida cotidiana, foi a base a partir da

qual fomos capazes de compreender o trabalho de interpret(ação) dos (as) partici-

pantes da pesquisa; o conceito de micropolíticas, contudo, levou-me a reflexões

mais profundas, a partir das compreensões de Deleuze e Guatarri (2012), quando

apontam para uma política outra, localizada no cotidiano da vida dos atores e das

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atrizes sociais, a mobilizar mais ou menos de forma minimalista mudanças no jogo

de forças do poder. A noção de micropolíticas, poderíamos dizer, indica tanto os et-

nométodos desenvolvidos pelos atores e pelas atrizes sociais para interpretar e dar

sentido à vida cotidiana, quanto a resistência que encontram e que ao mesmo tempo

produzem no enfrentamento aos movimentos de exclusão do sistema.

Numa perspectiva de superação de uma visão vinculada à lógica da suplência

e da aceleração, realçando a compreensão do direito à educação, as micropolíticas,

aqui apresentadas através da narrativa de experiência de vida dos (as) atores (atri-

zes) sociais, indicam importantes roteiros para a elaboração de políticas dentro des-

te campo. Isto porque não é possível falar de etnométodos e micropolíticas sem, de

um lado, visualizar os desafios enfrentados por estes (as) atores (atrizes), e, de ou-

tro, sem deixar ver o campo de forças contrárias que os (as) impedem de permane-

cer e que apontam para uma grave desigualdade social.

No campo da EJA, constatamos que a concepção de educação adotada pelas

escolas investigadas coadunavam com a perspectiva emancipatória, pautada nos

princípios paulofreireanos. No entanto, as condições nas quais os (as) estudantes

trabalhadores (as) dão continuidade aos estudos na Educação Básica ainda requer

um esforço individual tamanho, que, em muitos casos, gera reincidência na desis-

tência dos estudos. Isso nos faz ver que, embora sejam fundamentais as políticas de

educação no campo da EJA, são também inadiáveis as políticas públicas em outros

tantos campos, como a da educação e do cuidado infantil, da mobilidade urbana,

dentre outras.

Reportando-nos às questões da pesquisa, delineadas para suporte à itinerân-

cia dessa investigação, ao descrever os etnométodos que são construídos pelos (as)

jovens e adultos (as) ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de per-

manecer e concluir este processo formativo, pudemos identificar que muitos (as) rea-

lizam esforços individuais ou conseguem apoio de familiares e/ou amigos (as) para

dar conta do desafio de continuar os estudos, o que tornou possível compreender

como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na vivência dos (as)

estudantes trabalhadores (as) da EJA, realçando as dificuldades de articular o tempo

passado na escola, de estudo e de aprendizagem, bem como os tempos de sobrevi-

vência e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza.

Assim, o conceito de micropolíticas, que inclui necessariamente um campo de

relações de poder que vai se movimentando às vezes de forma quase invisível ou

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imperceptível a olho nu, nos ajudou a perceber o trabalho dos (as) estudantes traba-

lhadores (as) na reconfiguração de suas próprias vidas. A produção dessas micropo-

líticas vai ao encontro de políticas que trabalham na manutenção de desigualdades

que, no Brasil, são históricas. A observação desses etnométodos e dessas micropo-

líticas, ao nos remeter, necessariamente, aos desafios encontrados pelos (as) jo-

vens e adultos (as) para não evadir, indicam, também, a seu tempo, importantes

pontos a serem atacados pelas políticas públicas no campo da EJA e em outros

campos da vida social que impactam na permanência do público que acessa essa

modalidade de educação. Pensar em políticas de EJA é, pois, pensar em políticas

que passam pela escola, mas que necessariamente precisam extrapolar seus mu-

ros, tocando em uma questão que foi fartamente trabalhada por teóricos como Milton

Santos (2001), como suas discussões sobre o espaço do (a) cidadão (ã), quando

considera que há desigualdades que são, em primeiro lugar, desigualdades territori-

ais, pois derivam do lugar onde cada qual se encontra. Essa afirmação nos faz lem-

brar que os (as) jovens e adultos (as) não são “acidentados (as) sociais” (ARROYO,

2012) pois o retorno à escola e sua consequente permanência na Educação Básica,

na qual muitos (as) lutam, são consequências do direito à educação que lhes foi reti-

rado, em virtude das condições precárias de vida às quais são submetidos (as) coti-

dianamente.

Assim, muitas ações que os (as) estudantes trabalhadores (as) produzem pa-

ra driblar esses desafios precisam ser contempladas tanto nas micropolíticas das

escolas quanto nas macropolíticas, no âmbito do Estado, como, por exemplo, quan-

do os (as) estudantes trabalhadores (as) falam do deslocamento entre ca-

sa/trabalho/escola, estão se reportando a etnométodos produzidos para dar conta

dessa mobilidade urbana, bem como tocam em questões intimamente relacionadas,

como o quantitativo de escolas que ofertam cursos de EJA nessas localidades, as-

sim como remetem à oferta de cursos de EJA em diversos turnos de funcionamento

da escola, além da manutenção de linhas de ônibus em horários compatíveis aos

horários de estudo.

Outra questão apontada por alguns (as) estudantes nessa pesquisa foram os

etnométodos produzidos para conciliar a maternidade/paternidade com os estudos.

Muitos (as) desses (as) estudantes trabalhadores (as) são apoiados (as) pela rede

de sociabilidade formada pela mãe, avó ou algum outro (a) parente ou amigo (a) que

se dispõe a cuidar do (a) filho (a), enquanto dá continuidade aos estudos na Educa-

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ção Básica. Essa maneira precarizada de resolver o desafio do cuidado dos (as) fi-

lhos (as) enquanto estudam certamente nos leva a provocar políticas de permanên-

cia nesses casos em que a necessidade de estudo da mãe ou do pai se choca com

a necessidade de cuidado dos (as) filhos (as). Quais ausências essas micropolíticas

apontam no âmbito das macropolíticas? Uma “Sociologia das ausências”, como diria

Boaventura Sousa Santos (2002), poderia ser muito útil para nos indicar uma res-

posta. As ausências na vida dos (das) estudantes deixam transparecer inúmeras

lacunas nas políticas públicas direcionadas para a população menos privilegiada.

Num país tão desigual como o nosso, pensar em EJA é pensar em políticas que ex-

cedem os limites da escola, seus muros, que ultrapassam suas fronteiras, mas é fato

que é dentro de seus muros, na escuta de seus (as) atores (atrizes) sociais, que po-

demos compreender aquilo que não raro se estende para além da escola.

No âmbito das micropolíticas produzidas pelas escolas, compreendemos a

importância de incluir o estudo sobre o processo de escuta enquanto pauta formativa

para formação de professores (as) e gestores (as) que atuam na Educação de Jo-

vens e Adultos, condição fundante para a compreensão das condições de vida e de

estudo desses (as) atores (atrizes) sociais curriculantes. A escuta atenta, interessa-

da na realidade e na trajetória do outro, é uma aliada essencial na vinculação dos

(das) estudantes à escola, um aspecto extremamente relevante para a permanência

deles (as).

Assim, numa perspectiva propositiva, essa pesquisa considera a necessidade

de, a partir da compreensão dos etnométodos produzidos pelo (as) atores (atrizes)

sociais curriculantes, levar em conta suas condições de vida e de trabalho como

elementos fundantes para criação de políticas de permanência de jovens e adultos

(as) na Educação Básica. Assim, propõe que, a partir da compreensão dos etno-

métodos e das micropolíticas produzidas, as políticas públicas de permanência pos-

sam efetivamente considerar as especificidades e movimentos criativos produzidos

pelos (as) jovens e adultos (as) trabalhadores (as) para permanecerem nos estudos

na Educação Básica.

Os resultados dessa pesquisa só reafirmam aquilo que dizia Paulo Freire

(1996): “[...] o ser humano é maior do que os mecanismos que o minimizam [...]”,

pois os etnométodos e as micropolíticas produzidas tanto pelos (as) atores (atrizes)

sociais curriculantes da EJA, quanto pelas escolas investigadas, nos remetem a uma

riqueza da criação de maneiras diferentes para dar conta do desafio de conciliar vida

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pessoal, trabalho e estudo nas condições precárias às quais são submetidos (as).

Eles nos apontam para a impossibilidade de reduzir os (as) atores (atrizes) curricu-

lantes às suas realidades sociais, considerando-os (as) vítimas de um sistema. A

ideia de uma macroestrutura opressora com poderes incalculáveis sobre os (as) ato-

res (atrizes) sociais cede pois lugar à ideia de um jogo de poder que envolve as ma-

croestruturas, mas também as micropolíticas da vida cotidiana que reorganizam

mais ou menos conscientemente o jogo de poder.

Para Deleuze e Guatarri (2012), “[...] tudo é político, mas toda a política é ao

mesmo tempo macropolítica e micropolítica.” Assim, pensar as políticas de perma-

nência de EJA a partir das vias da micropolítica é situá-las no campo da destotaliza-

ção (DELEUZE; GUATTARI, 2012), realçando que a vida é constituída de multiplici-

dades de linhas que apresentam contornos variados e diversos; assim, não pode-

mos reproduzir os caminhos, pois estes são marcados por singularidades, sendo

necessário inventarmos maneiras para responder aos desafios que se apresentam.

Vimos nos relatos dos etnométodos produzidos pelos (as) estudantes trabalhadores

(as) e nas micropolíticas produzidas pelas escolas que é na potência do inexistente

que residem as micropolíticas, ou seja, na produção das micropolíticas os (as) jo-

vens e adultos trabalhadores (as) re (existem), tensionando a criação de políticas de

permanência estudantil na Educação Básica que se aproximem de suas necessida-

des.

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APÊNDICES

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Convidamos o (a) Sr (a) para participar da pesquisa EDUCAÇÃO DE JO-

VENS E ADULTOS: macro/micro políticas e etnométodos para permanência

estudantil na Educação Básica, sob a responsabilidade do pesquisadora Rita de

Cássia Santana de Oliveira, a qual pretende compreender os etnométodos e micro-

políticas produzidas pelos estudantes e profissionais no âmbito de duas escolas da

rede estadual de ensino.

A pesquisa se propõe a descrever os etnométodos que são construídos pelos

(as) jovens e adultos (as) ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de

permanecer e concluir os estudos na Educação Básica. O estudo pretende fazer uso

de alguns dispositivos para a produção de saberes: a entrevista, a observação parti-

cipante e o diálogo formativo.

Sua participação é voluntária e se dará por meio de: ( ) diálogo formativol, ( )

entrevista ( ) participação em atividade em que ocorrerá observação.

A entrevista/diálogos formativos serão gravados em áudio, para posterior

transcrição e análise das informações, mas a sua identidade será preservada.

Os possíveis riscos decorrentes de sua participação na pesquisa podem ser

sociais culturais e psicológicos, tais como: sentir-se induzido a falar sobre algum te-

ma que desconhece, responder a perguntas tendenciosas, manifestar-se sobre situ-

ações que lhe podem causar algum desconforto. Caso ocorram situações em que

sejam expostos a contradições ou contraposições nas iterações com outros (as) par-

ticipantes do diálogo formativo e caso essas situações ocorram há o compromisso

de suspensão da atividade coletiva e realização de entrevistas individuais. Entretan-

to, se você aceitar participar, estará contribuindo para uma reflexão pedagógica so-

bre a permanência de jovens e adultos (as) trabalhadores (as) na Educação Básica.

Se depois de consentir em sua participação o Sr (a) desistir de continuar par-

ticipando, tem o direito e a liberdade de retirar seu consentimento em qualquer fase

da pesquisa, seja antes ou depois da produção de saberes, independente do motivo

e sem nenhum prejuízo a sua pessoa. O (a) Sr (a) não terá nenhuma despesa e

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também não receberá nenhuma remuneração. Os resultados da pesquisa serão

analisados e publicados, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada

em sigilo.

Eu,___________________________________________________________,

fui informado sobre o que a pesquisadora quer fazer e porque precisa da minha co-

laboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto,

sabendo que não receber nenhum provento, minha identidade será preservada e

que posso sair quando quiser. Este documento é emitido em duas vias que serão

ambas assinadas por mim e pela pesquisadora, ficando uma via com cada um de

nós.

Data: ___/ ___________/ ____

______________________________

Assinatura do(a) participante

__________________________________

Assinatura da Pesquisadora Responsável

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APÊNDICE B – Roteiro para Mediação do Diálogo Formativo

com os (as) Estudantes

OBJETIVOS:

compreender a perspectiva dos diversos segmentos que compõe a EJA no

que diz respeito à formação nesta modalidade de educação e às políticas de

permanência estudantil;

compreender como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na

vivência dos (as) jovens e adultos (as) da EJA, bem como os tempos de so-

brevivência e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza;

descrever os etnométodos que são construídos pelos (as) jovens e adultos

(as) ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de permanecer e

concluir este processo formativo;

reconhecer nas ações dos diferentes segmentos que compõem esta modali-

dade de ensino indicadores para a formulação de políticas de permanência

estudantil na EJA como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escola-

res na vivência dos (as) discentes da EJA.

QUESTÕES:

1. Como você considera que deve ser sua formação na EJA?

2. Como você concilia os estudos com o trabalho, a família, o casamento e os

(as) filhos (as)?

3. Após seu retorno à escola, houveram mudanças em seu projeto de vida no

que diz respeito ao trabalho, à família, ao casamento e aos (às) filhos (as)?

4. Que ações são desenvolvidas na escola que considera importantes para você

concluir os estudos na Educação Básica?

5. Que outras ações poderiam ser realizadas pela escola e por outros segmen-

tos da sociedade para contribuir com sua formação e permanência na escola?

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6. Como sua família ou pessoas do trabalho, passaram a comportar-se em rela-

ção a você e seus estudos, após seu retorno à escola? Mudou alguma coisa,

o que você destacaria?

7. Olhando hoje para sua experiência anterior na escola, o que você pensa?

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APÊNDICE C – Roteiro para Mediação do Diálogo Formativo

com os (as) Professores (as)

OBJETIVOS:

compreender a perspectiva dos diversos segmentos que compõe a EJA no

que diz respeito à formação nesta modalidade de educação e às políticas de

permanência estudantil;

compreender como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na

vivência dos (as) jovens e adultos (as) da EJA, bem como os tempos de so-

brevivência e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza;

descrever os etnométodos que são construídos pelos (as) jovens e adultos

(as) ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de permanecer e

concluir este processo formativo;

reconhecer nas ações dos diferentes segmentos que compõem esta modali-

dade de ensino indicadores para a formulação de políticas de permanência

estudantil na EJA como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escola-

res na vivência dos (as) discentes da EJA.

QUESTÕES:

1. Qual a sua concepção de formação de jovens e adultos (as)?

2. Como você compreende as políticas de permanência à formação de jovens e

adultos (as) na Educação Básica?

3. De que maneira suas aulas na EJA contribui como espaço de ten-

sões/proposições de políticas de permanência à formação de jovens e adultos

(as) na Educação Básica?

4. Na sua percepção, como seus estudantes da EJA conciliam o tempo de traba-

lho, estudo e vida pessoal?

5. Quais ações são adotadas na sua aula e na escola que contribuem para a

permanência de jovens e adultos (as) na escola?

6. Que outras ações poderiam ser adotadas pela escola e por outros segmentos

da sociedade para contribuir na formação e permanência de jovens e adultos

(as) na Educação Básica?

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APÊNDICE D – Roteiro de Entrevista dos (as) Gestores (as)

OBJETIVOS:

compreender a perspectiva dos diversos segmentos que compõe a EJA no

que diz respeito à formação nesta modalidade de educação e às políticas de

permanência estudantil;

compreender como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na

vivência dos (as) jovens e adultos (as) da EJA, bem como os tempos de so-

brevivência e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza;

descrever os etnométodos que são construídos pelos (as) jovens e adultos

(as) ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de permanecer e

concluir este processo formativo;

reconhecer nas ações dos diferentes segmentos que compõem esta modali-

dade de ensino indicadores para a formulação de políticas de permanência

estudantil na EJA como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escola-

res na vivência dos (as) discentes da EJA.

QUESTÕES:

1. Qual a sua concepção de formação de jovens e adultos (as)?

2. Como você compreende as políticas de permanência à formação de jovens e

adultos (as) na Educação Básica?

3. De que forma a escola se constitui espaço de tensões/proposições de políti-

cas de permanência à formação de jovens e adultos (as) na Educação Bási-

ca?

4. Na sua percepção, como os (as) estudantes trabalhadores (as) da EJA de sua

escola conciliam o tempo de trabalho, estudo e vida pessoal?

5. Quais ações são adotadas na escola que contribuem para a formação e per-

manência de jovens e adultos (as) na escola?

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6. Que outras ações poderiam ser adotadas pela escola e por outros segmentos

da sociedade para contribuir com a formação e a permanência de jovens e

adultos (as) na Educação Básica?