micropolíticas e intervenções

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II CONINTER Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013 MICROPOLÍTICAS E INTERVENÇÕES URBANAS: AS EXPERIÊNCIAS DO COLETIVO À DERIVA EM CUIABÁ Cristiano de Sousa Costa (1) Maria Thereza de Oliveira Azevedo (2) 1 Cristiano de Sousa Costa Graduado em Comunicação Social, Habilitação Rádio e Televisão pela Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT. Mestrando em Estudos de Cultura Contemporânea pela Universidade Federal de Mato Grosso, ECCO/UFMT. [email protected] 2 Maria Thereza de Oliveira Azevedo Doutora em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo, ECA/USP. Professora e orientadora do Programa em Estudos de Cultura Contemporânea ECCO, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). [email protected] RESUMO Reflexões sobre experiências com intervenção urbana realizadas na cidade de Cuiabá pelo Coletivo à deriva, no período de 2011. A noção de micropolítica, conceito desenvolvido por Gilles Deleuze e Félix Guattari; e Nicolas Bourriaud com o conceito de estética relacional, apoiam a discussão sobre as experiências estéticas na cidade. A observação se dá por meio da experiência vivida na intervenção, pesquisa bibliográfica, em entrevistas com outros envolvidos, fotografias, postagens na internet e material audiovisual. Largo da Mandioca no centro Histórico de Cuiabá é a intervenção observada. O resultado é a compreensão desta prática estética coletiva contemporânea como forma de estar na cidade. Palavras-chave: Intervenção urbana. Micropolíticas. Coletivo à deriva.

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  • II CONINTER Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

    MICROPOLTICAS E INTERVENES URBANAS: AS EXPERINCIAS DO COLETIVO DERIVA EM CUIAB

    Cristiano de Sousa Costa (1)

    Maria Thereza de Oliveira Azevedo (2)

    1 Cristiano de Sousa Costa Graduado em Comunicao Social, Habilitao Rdio e Televiso pela

    Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT. Mestrando em Estudos de Cultura Contempornea pela Universidade Federal de Mato Grosso, ECCO/UFMT. [email protected]

    2

    Maria Thereza de Oliveira Azevedo Doutora em Artes Cnicas pela Universidade de So Paulo,

    ECA/USP. Professora e orientadora do Programa em Estudos de Cultura Contempornea ECCO, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). [email protected]

    RESUMO

    Reflexes sobre experincias com interveno urbana realizadas na cidade de Cuiab pelo Coletivo deriva, no perodo de 2011. A noo de micropoltica, conceito desenvolvido por Gilles Deleuze e Flix Guattari; e Nicolas Bourriaud com o conceito de esttica relacional, apoiam a discusso sobre as experincias estticas na cidade. A observao se d por meio da experincia vivida na interveno, pesquisa bibliogrfica, em entrevistas com outros envolvidos, fotografias, postagens na internet e material audiovisual. Largo da Mandioca no centro Histrico de Cuiab a interveno observada. O resultado a compreenso desta prtica esttica coletiva contempornea como forma de estar na cidade.

    Palavras-chave: Interveno urbana. Micropolticas. Coletivo deriva.

  • INTRODUO

    Atualmente, variadas formas de expresso e experincias estticas so realizadas em

    diversas cidades pelo mundo afora, so atividades reconhecidas como arte que vislumbram

    outras maneiras de se viver e de se relacionar com a cidade.

    O objetivo deste artigo refletir sobre a arte que se encontra nas ruas de Cuiab,

    especificamente atravs da interveno urbana Largo da Mandioca, realizada em 2011, no

    Centro histrico pelo Coletivo deriva, agrupamento artstico que transforma a cidade em um

    laboratrio de experincias.

    A reflexo do Largo da Mandioca ser de acordo com o raciocnio do terico das artes

    Nicolas Bourriaud e contribuio de Deleuze e Guattari que apontam para uma nova postura

    poltica no mundo contemporneo.

    As intervenes urbanas se apresentam como um segmento da arte contempornea e

    privilegiam a relao com o pblico atravs de experincias e prticas estticas coletivas. Estas

    prticas artsticas, em que os artistas propem modos de existncia ou modelos de ao

    baseados na realidade, se configuram como uma arte que Nicolas Bourriaud denominou

    Esttica Relacional, ou seja, uma arte que tem como horizonte terico a esfera das

    interaes humanas e seu contexto social mais do que a afirmao de um espao simblico

    autnomo e privado (2009, p.19).

    Surge com o nascimento de uma cultura urbana mundial, que evidencia o viver urbano

    tanto na construo artstica quanto na apresentao das obras, que podem ser

    experimentadas. Agora ela se apresenta como uma durao a ser experimentada, como uma

    abertura a discusso ilimitada (BOURRIAUD, 2009, p.20 e 21).

    So praticas artsticas que tem como tema central o encontro, o estar-juntos, a

    elaborao coletiva do sentido; correspondente ao estado de sociedade, da experincia da

    proximidade que a cidade proporciona. Como disse o filsofo Louis Althusser, um estado de

    encontro fortuito imposto aos homens (apud BOURRIAUD, 2009, p. 21).

    O espao pblico torna-se um espao de encontro e formador de pequenos territrios,

    como nas aes de interveno urbana, trabalhos que inventam novas formas de socialidade,

    prticas que valorizam o gesto, a convivncia e a interao.

    neste contexto que a micropoltica, principalmente na perspectiva de Guattari, evoca a

    emergncia de produo de uma nova postura poltica. Uma articulao tico-poltica que o

    filsofo denominou Ecosofia. A ecosofia social consistir, portanto, em desenvolver prticas

    especficas que tendam a modificar e a reinventar maneiras de ser, (...) reconstruir o conjunto

  • das modalidades do ser-em-grupo. Enquanto que, a ecosofia mental, por sua vez, ser levada

    a reinventar a relao do sujeito com o corpo. (...). Sua maneira de operar aproximar-se- mais

    daquela do artista (GUATTARI, 1995, p.15 e 16). Desta forma, a arte contempornea, atravs

    das intervenes urbanas, uma possibilidade real de reinveno da vida.

    Os artistas e grupos que esto na esfera da Esttica Relacional defendem micro-utopias

    atravs de suas obras, materializam imaginrios pessoais. Ao permitir a participao do pblico

    acreditam que podem interferir na realidade, tentam descobrir novas formas de habitar o

    mundo e imprimem novas formas de vida. A experincia destes artistas lana uma nova

    conscincia sobre os desafios do mundo. Suas propostas pretendem afetar a subjetividade e

    indicam novas dinmicas sociais.

    Desta forma, o contato com a interveno urbana, vai alm da percepo fsica,

    objetiva, tambm possibilita a aproximao da subjetividade da arte, novas composies, uma

    reflexo que conduz a interpretaes e novas percepes num pblico amplo.

    MICROPOLTICAS NA CIDADE

    A vida em comunho, de comunidade na cidade, est repleta de questes polticas que

    envolvem o dia a dia. Uma poltica do cotidiano, descentralizado dos grandes conjuntos sociais.

    Uma dimenso poltica em que o exerccio de poder se localiza em vrias extenses da vida,

    isto , est por toda parte, institucionalizada ou no, seja na famlia, escola, igreja, exrcito, na

    rua, hospital, etc. Enfim, esta dimenso da poltica que Deleuze e Guattari chamaram de

    micropoltica. A questo , justamente, pr a micropoltica por toda parte: em nossas relaes

    estereotipadas de vida pessoal, de vida conjugal, de vida amorosa e de vida profissional, nas

    quais tudo guiado por cdigos. (GUATTARI, 1996, p.135)1

    Ele aponta para a cidade como produtora de subjetividade individual e coletiva, uma

    potncia criadora nas cidades, ou seja, apresenta a existncia de uma subjetividade que habita

    a arquitetura e o meio urbano, produzida no registro social (suas regras, estilos, improvisos,

    etc). Quer tenhamos conscincia ou no, o espao construdo nos interpela de diferentes

    pontos de vista: estilstico, histrico, funcional, afetivo... Os edifcios e construes de todos os

    tipos so mquinas enunciadoras. (GUATTARI, 1992, p.157 e 158).

    neste contexto, da subjetividade com sua exterioridade, que Guattari aponta para a

    existncia da Cidade subjetiva. De acordo com o filsofo, a cidade subjetiva engaja tanto os

    1 Micropoltica: Cartografias do desejo. Extrado de -

    http://www.ufrgs.br/corpoarteclinica/obra/micropolitica_cartograf_deseo.pdf - acessado em 09.04.2012.

  • nveis mais singulares da pessoa quanto os nveis mais coletivos. De fato, trata-se de todo o

    porvir do planeta e da biosfera. (GUATTARI, 1992, p.170).

    As relaes sociais e culturais influenciam diretamente a subjetividade, principalmente

    no mundo globalizado. De acordo com Appadurai, a globalizao teve o seu inicio no sculo

    XVIII e marca uma nova configurao entre o espao global e o local. O mundo hoje implica

    interaes de uma nova ordem e de uma nova intensidade (APPADURAI, 1996, p.43). Com

    efeito, nossa relao com o mundo mudou. Antes, ela era local-local; agora local-global.

    (SERRES apud SANTOS, 2008, p.313).

    A subjetividade atravessada pelos meios de comunicao de massa que difundem

    constantemente imagens do mundo globalizado, um dinamismo aparente e instvel (fluido,

    veloz), de tendncias conflituosas individualidade e globalizao, aprofunda as

    necessidades do regime de acumulao, as relaes de poder, as relaes entre homens,

    empresas, instituies e meio ambiente.

    Vemos ento nesse embate, entre foras presentes no dia a dia citadino, o Coletivo

    deriva como um dissenso do pensamento capitalista, um posicionamento que se aproxima de

    uma articulao tico-poltica que Guattari denominou Ecosofia. A ecosofia seria uma tenso

    entre trs registros ecolgicos: do meio ambiente, das relaes sociais e da subjetividade

    humana. Ou seja, uma revoluo poltica, social e cultural que deve abranger no s as

    relaes de forcas visveis em grande escala, mas tambm aos domnios moleculares de

    sensibilidade, de inteligncia e de desejo (Guattari, 1995, p.9).

    Cidade contempornea: a socialidade por meio de intervenes e situaes de

    arte vida

    A disposio do espao urbano, no contexto das aes que unem a vida com a arte,

    pode ser ressignificado com a construo de mecanismos alternativos de situaes e de

    planejamento da cidade para que possa ser alterada ou renovada para dar lugar outra forma

    e que atenda a novas necessidades sociais. Reenquadrar a vida social questionando o uso de

    interesses privados no espao pblico, os traos de desigualdades sociais, do capital e do

    trabalho, necessidades distintas, proporcionar um lugar de dilogo e experincia ldica.

    Na obra No fundo das aparncias, Maffesoli destaca a sinergia que existe entre

    espao e socialidade, mas no de um ponto de vista estrutural, e sim pelo simblico, sensvel,

    pelo fato de sentir, de experimentar em comum. Em suma, a esttica (aistesis) como

    paradigma (MAFFESOLI, 1996, p.258 e 259).

  • Esta seria uma forma de compreender a construo social da realidade. O mundo de

    que sou , portanto, um conjunto de referncias que divido com outros. (MAFFESOLI, 1996,

    259). Que so de diversas ordens: de odores, rudos, texturas, cores, etc; que formam a matriz

    na qual vo nascer, crescer, fortalecer-se essas inter-relaes feitas de atraes e de

    repulses, todos esses pequenos nadas que fazem o todo do que chamo socialidade

    (MAFFESOLI, 1996, p.259).

    Maffesoli afirma que a cidade contempornea possui um extenso potencial de

    comunicaes. Essa dimenso comunicacional, e de comunho, segundo o terico, o bar da

    esquina, a pracinha do bairro, os bancos pblicos dos calades, terrenos baldios, salas de

    ginstica, entre outros espaos de socialidade que esto repletos de afetos e emoes

    comuns.

    So espaos fsicos que as pessoas transformam em espaos vividos. Por isso ele

    utiliza a expresso lugares falados para se referir a lugares que, de um modo mais ou menos

    pblico, so marcados, lugares onde se rabisca a presena (MAFFESOLI, 1996, p.270). Como

    nos grafites que demonstram traos que o explorador da socialidade pode seguir, com toda

    certeza, so indcios seguros de uma ordem simblica (cristalizao de um espao-tempo),

    constituda ou em gestao (MAFFESOLI, 1996, p.270). Diz que esse passeio por mltiplos

    espaos que caracteriza a cidade contempornea.

    Atravessamos, intencionalmente ou no, uma srie de stios2, uma srie

    de situaes que desenham uma geografia imaginria, que permite me acomodar (no seu sentido tico) ao ambiente fsico que me dado, e que, ao mesmo tempo, construo simbolicamente (MAFFESOLI, 1996, p.271).

    Como uma fbrica de relaes numerosas, frequentes e densas, Milton Santos diz que

    no espao da cidade onde existem mais encontros. A anarquia atual da cidade grande lhe

    assegura um maior numero de deslocamentos, enquanto a gerao de relaes interpessoais

    ainda mais intensa (SANTOS, 2008, p.319).

    Com a modernizao das cidades, os lugares se mundializaram e no espao

    globalizado onde se entrelaam as lgicas hegemnicas e suas oposies. Graas a esta rede

    de difuso da modernidade no territrio que a cidade aparece como palco da diversidade

    socioespacial e palco da atividade do capital e do trabalho. Capaz de atrair pobres e setores

    desprivilegiados da sociedade que contribuem para uma economia globalizada produzida de

    baixo, em contrapartida de uma economia, tambm globalizada, produzida de cima. Com isso,

    alis, tanto se amplia a necessidade e as formas da diviso do trabalho, como as

    2 Um stio todo e qualquer lugar ocupado por um determinado corpo. Portanto, lato sensu, a palavra stio um

    sinnimo de local ou lugar. Retirado de: http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADtio. Acessado em 05.08.2013.

  • possibilidades e as vias da intersubjetividade e da interao. por a que a cidade encontra o

    seu caminho para o futuro (SANTOS, 2008, p.323).

    Diante desta realidade instvel e constituda de vrias vozes estamos descobrindo

    que, nas cidades, o tempo que comanda, ou vai comandar, o tempo dos homens lentos

    (SANTOS, 2008, p.325). Uma lentido que funciona como motor para adaptao e reinveno

    de novas prticas, novo usos e normas na vida social e afetiva diante de uma carncia a

    satisfazer, de consumo (material, imaterial, poltico, de participao e cidadania).

    Neste contexto, a presena do homem lento (pobre, minoritrio, migrante, estrangeiro)

    torna enriquecedora a diversidade socioespacial, como um novo elemento que se manifesta

    pela produo da materialidade em bairros e stios to contrastantes, quanto pelas formas de

    trabalho e de vida (SANTOS, 2008, p.323).

    A ideia de lentido desterritorializa o indivduo, causa um estranhamento, ao modo do

    olhar estrangeiro, ou migrante, que obriga novas experincias e abre caminho para novas

    descobertas. Uma viso que falta ao cidado acostumado e submetido diante da acelerao

    contempornea, e graas ao tropel de acontecimentos, o exerccio de repensar tenha de ser

    herico. Essa proibio do repouso, essa urgncia, esse estado de alerta exigem da

    conscincia um nimo, uma disposio, uma fora renovadora (SANTOS, 2008, p.329).

    Quanto mais instvel e surpreendedor for o espao, tanto mais surpreendido ser o indivduo, e tanto mais eficaz a operao da descoberta. A conscincia pelo lugar se superpe conscincia no lugar. A noo de espao desconhecido perde a conotao negativa e ganha um acento positivo, que vem do seu papel na produo da nova histria (SANTOS, 2008, p. 330).

    Desta forma, a cidade pode ser definida como um grande sistema, produto de

    superposio de subsistemas diversos de cooperao, que criam outros tantos sistemas de

    solidariedade (SANTOS, 2008, p. 323).

    Inseridas neste contexto, em que as cidades se globalizaram e se transformaram

    em palco da atividade do capital e do trabalho, as intervenes urbanas aparecem como uma

    possibilidade que permite ao cidado experimentar uma desacelerao, um novo olhar sobre o

    espao, sobre a cidade. A diversidade socioespacial ser o ambiente propcio para a

    explorao, construo de novas prticas e a criao de situaes que quebram a rotina.

  • Coletivo deriva: um novo olhar sobre a cidade

    Cuiab uma cidade que comeou a ser erguida no perodo colonial, sculo XVII.

    Inicialmente era um territrio muito procurado por bandeirantes para a captura de ndios, mas

    com a descoberta do ouro vieram novos interesses e a fixao de exploradores do metal

    precioso transformou o local. Ao longo do tempo o arraial foi se modificando, de vila antiga at

    configurar Cuiab.

    A cidade no diluiu totalmente suas referncias de tempo e espao, ou seja, ainda no

    eliminou o seu passado. Mantm em sua paisagem casas, construes, ruas estreitas, becos e

    praas (principalmente do Perodo Colonial e do chamado Estado Novo) que parecem trazer a

    nostalgia de um tempo que j passou. Mas que insiste em habitar nosso imaginrio, nossa

    subjetividade e nosso afeto (real e simblico). Por mais que Cuiab tenha entrado num ritmo de

    modernizao e de progresso constante.

    A Cuiab contempornea imprime uma velocidade que, ao menos parece, acompanhar

    as grandes cidades com seu ritual de reconstruo incessante. Por isso comum perceber um

    reflexo no discurso e comentrio de alguns cidados, contentes e descontentes com o modelo

    atual, fruto do conflito entre os espaos antigos e novos, entre locais preservados e

    modificados. Os traos da antiga cidade em contraste com a nova, da parede de barro com o

    concreto, do desenho rstico com o moderno, do quintal com os parques em condomnios, do

    cavalo com o carro na rua etc.

    Esta relao percebida nos bairros tradicionais, como o Porto, mas tambm e

    principalmente no centro histrico da capital, local altamente frequentado pelos cidados. O

    Centro, onde concentram a maioria das casas antigas, possui dificuldade em preservar sua

    arquitetura e constante alvo de promessas de melhorias e preservao. perceptvel o

    desalinhamento das casas em alguns locais, construdas prximas umas das outras e da rua,

    com calada estreita. Que tem a sua lgica, pois no perodo colonial as casas eram construdas

    bem prximas para dificultar uma invaso, este era o medo dos populares que julgavam haver

    o perigo de um ataque indgena.

    Os casares antigos so muito apreciados e ocupam um lugar de destaque no

    imaginrio cuiabano. A casa tipicamente cuiabana simples, mas possui caractersticas que a

    difere das demais construes modernas. Sua parede, bem mais espessa, feita de adobe

    (uma mistura de barro com estrume animal). De forma geral, as casas so dispostas como

    corredores, compridas, com quintais arborizados e frutferos.

  • No Largo da Mandioca surgiram as primeiras ruas da cidade, pois se fixaram os

    exploradores de riquezas minerais, devido ao ouro encontrado em abundncia nas

    proximidades da Colina do Rosrio. No local, hoje se encontra a Igreja de So Benedito (igreja

    mais antiga e importante para a cidade que vive intensamente sua religiosidade atravs de

    festas tradicionais). Mais abaixo temos a Prainha, s margens do antigo crrego instalaram as

    primeiras casas, um ribeiro que se encontra canalizado e virou esgoto, onde o asfalto cobre

    sua extenso.

    Tomando a cidade como um rizoma, podemos dizer que tudo est conectado,

    interligado, nada acontece sem que haja um reflexo ou interferncia no corpus urbano, por

    menor que seja o impacto, de alguma maneira ele ser percebido. Assim, o imaginrio do

    Coletivo deriva se pe em cena. Aos poucos, de forma micro, a poltica proposta nas aes e

    situaes do grupo ganha fora e interage com outros interlocutores, se choca com outros

    imaginrios.

    Um deles sobre o ttulo de Cidade Verde que Cuiab ficou conhecida, mas aos

    poucos as reas verdes deram lugar ao concreto e ao cimento, piorando nossa qualidade

    trmica e nossa paisagem. A cidade possui um clima quente e a baixa arborizao contribui

    para o aumento do calor, confirmado atravs de reportagens e depoimento de especialistas

    que dizem que a funo vegetal est ligada diretamente ao clima (e microclimas), por isso a

    importncia da sua preservao e aumento da rea verde.

    Percebemos que Cuiab se transformou num grande canteiro de obras, de grande

    especulao imobiliria e h quem prefira a Selva de Pedra, sinal do progresso e da

    urbanizao, mas quem disse que ambos no podem caminhar com responsabilidade

    ambiental? Ser que estamos esquecendo ou priorizando apenas uma parte: o financeiro. E a

    qualidade de vida, onde fica? Tudo isso demonstra que ainda estamos construindo uma

    conscincia verde, que precisamos caminhar com exemplos mais prticos, eficazes.

    Informao somente no basta e sim aes de conscientizao efetiva para tratarmos o

    assunto com a devida importncia real, no somente no discurso e na propaganda.

    A lgica da disputa por capital e a acumulao capitalista global nos coloca diante de

    uma questo tica. No temos um cenrio favorvel pequenos gestos, aes como um

    simples flneur para experimentar a cidade, ou seja, o essencial (nossa vida) se tornou uma

    narrativa da espetacularizao do consumo, orientado para o valor econmico.

    Por isso o interesse em olhar para Cuiab, pois neste espao de implicaes sociais e

    culturais que nos questionamos sobre os espaos da cidade, em que a socialidade encontra-se

    ameaada, os espaos pblicos, de socialidade, encontram-se mal conservados, sujos e

  • degradveis. Uma ameaa ao convvio social, pois deveriam proporcionar uma experincia

    esttica mais agradvel, ldica. As ruas, caladas e praas esto deterioradas, sem pintura,

    quebradas, sem melhorias, de forma preocupante a experincia deixa de funcionar como

    referncia para a criao de modos de organizao do cotidiano.

    Diante desta realidade nos perguntamos: Existe outro modo de olhar ou se relacionar

    com a cidade? Como podemos viver outras experincias?

    Neste contexto, em 2011 estvamos reunidos para refletir sobre um espao da cidade

    para intervir. Foi durante o planejamento e preparao das aes que chegamos ao nome do

    grupo, sugerido pela professora Maria Thereza Azevedo: Coletivo deriva. O nome seria

    importante para criar uma identidade e tambm foi sugerido que tivssemos um smbolo, uma

    marca para o grupo. A sombrinha, indicada pela integrante Mari Gemma e outros colegas, foi

    escolhida pelo grupo devido a nova associao/configurao que pretendamos apresentar:

    uma preocupao com a falta de arborizao da cidade de Cuiab, com o desconforto

    causado pelo clima rude e o descaso com o ambiente. Conforme lembrou Andrea Portela,

    participante do Coletivo deriva. Foi nesta ocasio que elegemos o Largo da Mandioca para

    intervir e escolhemos dois espaos: a escadaria do Beco Alto e o lugar onde ser futuramente

    a Casa Silva Freire, um espao cultural.

    Aos poucos uma pequena multido comea a se formar em uma das praas mais

    antigas e tradicionais da cidade, localizada no Centro Histrico de Cuiab: a Conde de

    Azambuja, tambm chamada de Largo da Mandioca. O local j foi pelourinho, atravessada por

    bonde e onde se concentravam tropas de burro que transportavam mandioca.

    Carinhosamente chamada de Pracinha da Mandioca pela populao, no dia primeiro

    de outubro de 2011 o local amanheceu tomado por um grupo munido de sombrinhas coloridas.

    Era uma ocupao temporria, aps um perodo curto de tempo iniciam um cortejo

    performtico, com cantorias folclricas, seguindo pela rua, entre carros, residncias, pequenos

    estabelecimentos comerciais e pedestres que cruzam pelo caminho at uma escadaria,

    chamada de Beco Alto, hoje Rua dos Bandeirantes. O beco cercado por casares antigos e

    ruas estreitas.

    L se instalam um grupo de artistas e estudantes, unidos com algumas pessoas da

    comunidade local, chegam colorindo as rvores com sombrinhas, dependuradas nos galhos,

    tocando baldes como tambores, cantando, danando com vassouras, armam um varal com

  • livrinhos Saracura Benzedeira3, cordel adaptado com peculiaridades do local. O Rei da

    Escadaria marca presena, outro morador ilustre aparece para cantar sua msica de carnaval

    e contar histrias; os gatos do local desaparecem, mas outros vo surgindo em estncil nos

    tapumes, postes e espelhos da calada. O muro de uma das casas ao longo da escadaria

    recebe um painel vibrante com gatos carnavalizados, feito por Her Fonseca, um artista da

    cidade.

    Ervas medicinais no canteiro da escadaria so plantadas e identificadas com pequenas

    placas, confeccionadas na hora. Os muros e as ruas so pintados, onde se espalham

    desenhos de sombrinhas com nomes de rvores. A escada varrida como uma dana e a

    ajuda das crianas, que aproveitam para um ldico banho de mangueira, enquanto lavam os

    degraus.

    Brincadeiras, fotos, vdeos, dana, msica, poema, contos e causos encerram a

    manh com um piquenique na escadaria. Mas ainda a interveno no terminou.

    A tarde caa quando novamente o grupo retorna ao Largo da Mandioca, para uma nova

    interveno, desta vez ocupavam uma casa imaginada, a casa em que vivera o poeta Silva

    Freire. O lugar foi ocupado com atividades culturais para marcar o que ser futuramente a

    Casa Silva Freire, ainda um sonho, sem telhado e sem janela, mas que comea a ser projetada

    com grafite no muro, com performances e declamao de poesias, homenagem de arte e vida

    projetada nos filmes que invadiram a noite.

    Neste relato trago uma descrio potica dos acontecimentos e situaes que

    marcaram a intervenes praticadas pelo Coletivo deriva no Largo da Mandioca. Mas nesta

    dinmica irei me concentrar em duas aes: no passeio de sombrinhas e na lavagem da

    escadaria.

    O passeio de sombrinhas coloridas que iniciou o dia das intervenes no Largo da

    Mandioca traz uma carga esttica da sutileza. O Coletivo deriva tem a sombrinha como

    smbolo, que, aparentemente, no representa nenhuma ameaa. justamente esta singela

    ao, supostamente despretensiosa, que considero a maior potncia do grupo. Ao me envolver

    com estas prticas estticas fui descobrindo a cidade, gradativamente. Alan Mantilha,

    integrante do Coletivo deriva, ressalta que a interveno no se resume somente a um

    protesto. Voc sai do cotidiano para ter um olhar diferente. No passeio possvel notar a

    3 Criado por Mari Gemma de La Cruz que fez um levantamento de espcies medicinais existentes na escadaria e

    desenvolveu um cordel adaptado Saracura Benzedeira com nmero de estrofes maiores e peculiaridades do local. Produzido especialmente para a interveno urbana no Largo da Mandioca.

  • ausncia das sombras e notar que a esttica diferente no local4. neste sentido que

    surgiram as sombrinhas como smbolo.

    Karine Krewer, pesquisadora e participante do Coletivo `a deriva, faz outra observao

    interessante: a sombrinha possui uma estrutura plural, um arramado de pontas que indica

    multiplicidade, ou seja, abertura para diferentes vrtices que convergem para um centro.

    Nestas palavras, podemos interpretar que somos como a estrutura da sombrinha, vrias

    pessoas convergindo para um caminho em comum. Esta ideia se alinha perfeitamente ao

    conceito de micropoltica, mesmo que de forma subjetiva, indica um posicionamento poltico,

    um desejo coletivo.

    Vejo o passeio com sombrinhas uma situao que se prope como uma bricolagem do

    caminhar, pois composto pela mistura (cores, formas, tamanhos, pessoas, objetos, ideias,

    desejo, etc), que inventa um caminho, inventa um espao, passa pelo improviso, pelo acaso,

    que estetiza os espaos e os corpos caminhantes, seja pela seduo ou pela repulsa, transita

    entre o jogo, ldico, subjetivo, micro; tem propsito, uma forma de expresso, objetivo, tem

    inteno, poltica. Mas apenas um passeio de sombrinhas.

    efmero, uma presena que no deixa rastro. a materializao de um pensamento.

    Carrega em seu projeto um alvo social: a participao coletiva, colaborativa.

    O passeio de sombrinhas indica uma inteno, mas no tem objetivo de explicar os por

    qus ou fazer valer a sua ideia unicamente, nesse momento que abrem-se caminhos para

    novas leituras, novas criaes (mesmo que puramente mentais) e outros contextos que se

    formam entre a ao, participantes diretos e indiretos.

    Para Andrea Portela, a sombrinha d a ideia de proteo, de um corpo que frgil. A

    sombrinha comunica um cu de cores. Pinta a paisagem, d o tom do passeio. O passeio de

    sombrinhas como uma assinatura do grupo. Levando seus pontilhados de cor, alegria e,

    claro, poltica. A sombrinha o panfleto das sutilezas que reclama pelas sombras das rvores!

    Devir cidade verde.

    Com estas intervenes, tomadas como um jogo urbano, o Coletivo deriva prope

    situaes que envolvem novas possibilidades de vida, subjetividade, relaes com o outro.

    Problematiza a experincia de viver na cidade. Considera desde os aspectos fsicos, formais e

    funcionais da cidade at os aspectos sentimentais, subjetivos ou intuitivos.

    O jogo uma atividade ou ocupao voluntria, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espao, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatrias dotado de um

    4 Depoimento retirado de: http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2012/05/alunos-e-professores-da-ufmt-fazem-

    passeio-com-sombrinhas-pela-capital.html. Acessado em: 14.05.2013

  • fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tenso e de alegria e de uma conscincia de ser diferente da vida quotidiana (HUIZINGA, 2010, p.33).

    Com estes mtodos, de construo de situaes e ambientes originais, o Coletivo

    deriva se inspira numa arte efmera e, em um novo contexto, atualiza o pensamento

    situacionista para a realidade local. So trabalhos artsticos que no resultam em um produto

    acabado; baseado no cotidiano da cidade, colocam em jogo questes da cidade, questes da

    arte e da vida. O Coletivo deriva prope acontecimentos que pode criar a possibilidade de

    um novo objeto (uma nova poltica-mundo, um novo transnacionalismo) e a possibilidade de um

    novo sujeito (que no mais classe operria, que apenas uma multiplicidade possvel).

    (LAZZARATO, 2006, p.23)

    O Coletivo a deriva tem como premissa que a arte possa penetrar na vida, tenta colocar

    em ao o que o artista Asger Jorn proferiu: a arte deveria se fundir diretamente com a vida

    social da cidade, tornando-se inseparvel da ao e do pensamento (apud WOOD, 2002,

    p.19).

    Esta uma das estratgias que o Coletivo deriva utiliza para criar um dilogo com a

    cidade e com o cidado (in locus). Que permite uma nova relao entre o homem e o seu meio,

    expandidas e modificadas atravs das experincias com interveno urbana.

    Quando descrevemos as aes que o Coletivo deriva prope na cidade, tomadas

    como interveno urbana, estamos nos referindo a uma prtica artstica que altera a lgica dos

    espaos, que lana um novo olhar sobre o lugar para sugerir outras possibilidades, uma nova

    significao, uma esttica relacional. Estes trabalhos (de cunho poltico) constituem uma

    caracterstica da arte contempornea que tende a problematizar a esfera das relaes sociais.

    A arte contempornea cria modelos, e no propriamente representaes; ela se insere no

    tecido social sem propriamente se inspirar nele (BOURRIAUD, 2009, p.24 e 25).

    Como integrante do Coletivo, deixo uma reflexo sobre as aes e o nome do grupo

    Deriva significa dizer que no temos destino definido (nosso roteiro segue o acaso, a surpresa

    nossa aliada), que no temos total controle sobre as situaes (qualquer pessoa pode se

    manifestar, tambm sofremos intervenes), que no temos parada fixa (somos dinmicos,

    estamos em movimento constante). De uma forma geral, podemos dizer que o tempo e o

    espao esto a nosso favor, literalmente, criamos nosso tempo e nossos espaos. Quando

    colocamos este pensamento em prtica, atravs da lavagem da escadaria no Largo da

    Mandioca nos posicionamos como homens lentos. Na contramo do sistema vigente, das

    instituies, do trabalho, etc.

  • Esta interveno foi uma das mais demoradas no planejamento, mas muito bem

    desenhada. Para melhor compreenso do espao que pretendamos ocupar, vrias vezes,

    fomos Praa da Mandioca e seu entorno para conhecer o lugar e ver a sua realidade.

    A regio da Mandioca compe uma parte da cidade histrica (tombada em 1993 pelo

    Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN) que d abrigo a pequenas casas

    de prostituio, ao consumo de drogas, a falta de segurana e de zelo pelo patrimnio.

    Conforme descreveu Maria Thereza:

    As intervenes do grupo composto por artistas, colaboradores, amigos e populares do bairro foi uma forma de partilhar o espao da cidade verde, que se encontra amarela de sem-graceza pelo sol que esturrica, pelos muros cados, pelas janelas remendadas, pelas casas com muletas, doentes sem tratamento do Largo da Mandioca (AZEVEDO, 2012, p.06).

    A lavagem da escadaria foi um ato simblico para revitalizar o espao e tentar mudar o

    amarelo sem graa do local. O que poderia ser mais um dia rotineiro se transformou em um

    acontecimento. Tanto que fugiu ao planejamento e superou as expectativas de um trabalho

    braal que se transformou e perdeu o peso do trabalho, ficou ldico. Um momento que

    culminou com um banho coletivo de mangueira (entre aproximadamente vinte pessoas).

    Nada planejado, totalmente inesperado. Alan ameaou que iria molhar todo mundo e foi

    o que aconteceu. Lavamos a escadaria e nos banhamos.

    Para ressaltar este momento de integrao entre homens lentos, desterritorilizados,

    Alexandro Romo destaca que o ponto mais interessante, que eu achei, foi um erro de

    programao estrutural do Coletivo, mas foi um erro que, na verdade foi um acerto. Essa

    lavagem, que no era apenas uma lavagem, como agente discutiu antes, era a significao de

    uma lavagem simblica para que aquele lugar fosse restaurado, utilizado de uma outra forma...

    Todo mundo que estava no Coletivo comeou a tomar banho. Ento, tirou o que molharia,

    deixou de lado o celular, a carteira, no sei o qu, e comeou a tomar um banho, todo mundo

    se molhou mesmo. E foi uma grande festa.

    Este depoimento demonstra que no ocupamos somente, mas vivemos plenamente um

    espao-tempo no centro de Cuiab, uma experincia esttica coletiva e micropoltica. A gente

    habitou aquele espao de uma maneira to ntima, de uma maneira que agente tomou um

    banho coletivo no espao, agente realmente utilizou aquele espao, agente significou ele de

    uma maneira muito diferente. Que eu nunca tinha feito, eu nunca tinha tomado banho num

    lugar pblico, ali eu tinha sempre como passagem, ou como contemplao (...). Mas ocupar

    esse espao dessa maneira e essa coisa que agente no imaginava que ia tomar um banho,

    que foi aquela coisa que acontece no momento.

  • Para provar que nem todo imprevisto negativo, desta vez fomos surpreendidos com

    um dia repleto de emoes e significaes estticas. Sem pressa. Como afirmou Marlia, ela

    acredita que o improviso faz parte, justamente isso que interessante. O que pode

    acontecer numa interveno dessas? Muitas coisas podem acontecer, ento, a gente tem que

    improvisar neste sentido. As coisas podem acontecer e voc tem que dar um rumo para isso.

    Para a coisa acontecer, para a coisa se concretizar. A gente passou por todas as ocasies

    por improviso.

    Com o Coletivo deriva, em unio com a arte, pudemos viver a cidade de maneira

    diferente. Um momento inusitado de suspenso e comunho com diversas pessoas, um outro

    olhar sobre espao urbano. Como declarou Andrea Portela: A sensao mais curiosa a de

    passar por outra cidade, como outra dimenso de tempo-espao. A mesma rua rotineiramente

    atravessada, de repente, no a mesma. s lanar sobre ela (a rua) outro olhar. Alm disso,

    o sentimento de comunho, estar junto e pertencer ao grupo, ao espao. O olhar nmade

    fabrica morada, como um lugar singular, um jeito de pertencer e possuir, como verbos da

    natureza das subjetividades.

    CONSIDERAES FINAIS

    O conceito de esttica relacional, quanto o de micropoltica perfeitamente identificado

    na ideia de construo de situaes e intervenes urbanas do Coletivo deriva. Podem

    instaurar novas percepes ou refletir uma degradao da experincia: no cotidiano, na

    poltica, da tica, esttica e a cultura da cidade de uma forma geral.

    A micropoltica, presente nas intervenes urbanas, pode ser interpretadas como

    embates do mundo contemporneo que ocorrem entre representaes locais e globais, que se

    agridem e esto unidas ao mesmo tempo. Quando a interveno passa a ideia e o

    estranhamento dos homens lentos, no intuito de desacelerar o ritmo apressado do cotidiano,

    uma tentativa de favorecer um conhecimento metropolitano apaixonado, para que se refine o

    olhar urbano (CANEVACCI, 1997, p.16).

    Ambas podem ser associadas tambm porque envolvem os diversos mbitos da vida,

    que esto presentes nos fluxos da famlia, profisso, sexo, classe, Estado, igreja, etc.

    Temos a interveno urbana como uma prtica que pe em causa o conjunto da

    subjetividade e das formaes de poder capitalsticos (GUATTARI, 1996, p.37), que substitui

    as maneiras de domesticar. Uma ecologia da ressingularizao, de agenciamentos produtivos

    (individual e coletiva). Podem e tentam sobrepor instrumentos de valorizao do capitalismo,

  • determinados principalmente pelo trabalho e pelo lucro, que aplaina todos os outros modos de

    valorizao, os quais ficam assim alienados sua hegemonia (GUATTTARI, 1995, p.51). As

    intervenes so como um acontecimento micropoltico, de empreendimentos individuais,

    singulares e dissensuais, que so convocados a emergir, refletem desejos.

    Por estes motivos podemos considerar as intervenes do Coletivo deriva como

    micropolticas, pois possibilitam uma autntica subverso de nossas maneiras de pensar.

    Ligadas experincia coletiva e socialidade. Sem definies prontas. o banal que escapa

    aos poderes impostos, hegemnicos atravs da arte, da subjetividade. A arte uma mistura

    indiscernvel de subjetivo e objetivo, cristalizando-se o primeiro numa forma objetiva que no

    deixa de encontrar eco em outras subjetividades (MAFFESOLI, 2007, p.231).

    A riqueza do Coletivo deriva a busca pela construo de uma viso subjetiva do

    mundo, coletiva, comunitria. Por isso penetra no cotidiano para inventar novas formas e novas

    perspectivas das relaes de poder, das relaes de sentido. Uma nova forma de resistncia e

    de sensibilidade esttica

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