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Sobre particípios e construções resultativas em português Inês Duarte Fátima Oliveira [email protected] [email protected] Projecto Preplexos (PTDC/LIN/68241/2006), FCT

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Sobre particípios e construções

resultativas em português

Inês Duarte Fátima [email protected] [email protected]

Projecto Preplexos (PTDC/LIN/68241/2006), FCT

Roteiro

� Embick (2004): tipologia de particípios em inglês que distingue particípios eventivos, resultativos e estativos

� Alexiadou & Agnastopolou (2008) utilizam esta tipologia na análise dos particípios gregos em -menos e -tos

� Objectivo:

� Avaliar a adequação desta tipologia aos dados do português, uma língua com particípios duplos e com os verbos ser, estar e ficar

� Descrever as propriedades das construções transitivas resultativas do português com verbos plenos e verbos leves e predicados secundários adjectivais e participiais

Distribuição dos particípios duplos

� O português tem verbos abundantes no particípio (1), com formas irregulares já recategorizadas como adjectivos (2):

(1)a. O exemplo foi corrigido por um falante nativo. (part. eventivo)

b. O exemplo ficou corrigido. (part. resultativo)

c. O exemplo está correcto. (part. estativo)

(2) cativo, cego, correcto, descalço, dissoluto, distinto, nato, tinto

� Existe também um processo de competição em curso entre as formas regulares e irregulares de alguns dos particípios duplos que ainda mantêm a categoria verbo (3):

(3)a. tem/tinha aceite corpus CETEM/Público: 105 ocorrências

b. tem/tinha aceitada corpus CETEM/Público: 35 ocorrências

Critérios de diagnóstico

� Critérios de diagnóstico para distinguir os três tipos de particípios (Embick 2004, Alexiadou & Anagnostopoulou 2008), funcionam igualmente em português (Duarte & Oliveira 2009).

� Particípios eventivos: by-phrases, (4a); controlo do sujeito nulo de orações finais, (4b); PPs instrumentais (4c) e Advérbios orientados para o agente, (4d); * complementos de Vs de mudança de estado (4e); * prefixo de negação in- (4f); constroem-se com todas as classes aspectuais, desde que se trate de verbos transitivos ou ditransitivos, (4g):

(4) a. O teste foi corrigido pelo professor.

b. O teste foi corrigido para calcular a nota final.

c. O teste foi corrigido com caneta.

d. O teste foi corrigido de propósito pelo regente da cadeira.

e.* O teste foi construído corrigido.

f.* O teste foi incorrigido (pelo professor).

g. O teste foi temido/estudado/entregue pelos alunos.

Critérios de diagnóstico

� Particípios resultativos: * by-phrases (5a); * controlo do sujeito nulo de orações finais (5b); *PPs instrumentais (5c) e *Advérbios orientados para o agente (5d); * complementos de Vs de mudança de estado (5e); *prefixo de negação in- (5f); constroem-se preferencialmente com predicações básicas de tipo télico (culminações e processos culminados), (5g):

(5) a.* O teste ficou corrigido pelo professor.

b.* O teste ficou corrigido para calcular a nota final.

c.* O teste ficou corrigido com caneta.

d.* O teste ficou corrigido de propósito.

e.* O professor construiu o teste corrigido.

f.* O teste ficou incorrigido.

g. O teste ficou corrigido/entregue/*temido/*trabalhado.

A distinção eventivo/resultativo/estativo

� As propriedades utilizadas como critérios de diagnóstico indicam que:

(i) Os particípios eventivos têm uma componente agentiva e uma componente eventiva

(ii) Os particípios resultativos têm uma componente eventiva, mas não possuem componente agentiva

(ii) Os particípios estativos não têm componente agentiva nem eventiva.

Critérios de diagnóstico

� Particípios estativos: * by-phrases (6a); * controlo do sujeito nulo de orações finais (6b); * PPs instrumentais (6c) e * Advérbios orientados para o agente (6d); OK. complementos de Vs de mudança de estado (6e); OK o prefixo de negação in- (6f); constroem-se preferencialmente com predicações básicas de tipo télico (culminações e processos culminados) (6g):

(6) a.* O teste está corrigido pelo professor.

b.* O teste está corrigido para calcular a nota final.

c.*/?O teste está corrigido com caneta.

d.* O teste está corrigido de propósito.

e. O professor construiu o teste correcto.

f. O teste está incorrecto.

g. O teste está corrigido/entregue/*temido/*trabalhado.

A distribuição das formas duplas quanto àdistinção eventivo/resultativo/estativo

� (i) Quando a forma irregular já foi recategorizada como adjectivo, só a forma regular ocorre como particípio eventivo:

(7) a. O cereal foi cultivado/ocultado/secado pelo proprietário.

b.* O cereal foi culto/oculto/seco pelo proprietário.

A distribuição das formas duplas quanto àdistinção eventivo/resultativo/estativo

(ii) Quando ainda existe competição entre a forma regular e irregular e o verbo é muito frequente, a forma regular tem tendência a desaparecer, e a irregular é subespecificada quanto à distinção eventivo/resulta-tivo/estativo:

(8) a. O fato foi aceite/limpo/pago/entregue pela Maria.

b. O fato ficou aceite/limpo/pago/entregue.

c. O fato está aceite/limpo/pago/entregue.

� Neste caso, os particípios que ocorrem nos tempos compostos são tendencialmente os irregulares:

(8)’a. A Maria já tinha limpo/pago/entregue o fato.

b. A Maria já tinha ?limpado/*pagado/?entregado o fato.

A distribuição das formas duplas quanto àdistinção eventivo/resultativo/estativo

(iii) Quando existe competição entre a forma regular e irregular e o verbo épouco frequente, utiliza-se a forma regular como particípio eventivo, a irregular como estativo e ambas são possíveis como resultativo:

(9) a. A aldeia foi submergida/*submersa pela abertura da barragem.

b. A aldeia ficou submergida/submersa.

c. A aldeia esteve *submergida/submersa.

A subespecificação dos particípios com uma única forma

� Nos verbos que apenas têm uma forma participial, esta é subespecificada quanto à distinção eventivo/resultativo/estativo

� Neste caso, são os verbos flexionados que operam esta distinção, através das suas propriedades de selecção

� Embick (2004) propõe que os particípios estativos são complemento de um nó Asp(ecto) com o traço estativo, os particípios eventivos complemento de uma categoria com o traço Agente, e os resultativos complemento de uma categoria que funciona como um operador do tipo "BECOME", por ele denominado Fientive

A representação sintáctica da distinção eventivo/resultativo/estativo

� Elaborando sobre a proposta de Embick (2004), as propriedades dos verbos que tipicamente seleccionam particípios eventivos (ser), resultativos (ficar) e estativos (estar) podem representar-se como em (10):

(10)a. ser: selecciona como complemento uma projecção funcional VoiceP

b. ficar: selecciona como complemento uma projecção funcional AspPcom o traço [+Fient]

c. estar: selecciona como complemento uma projecção funcional AsPcom o traço [+Stative]

� Assumindo (10), a parte relevante das representações sintácticas dos particípios eventivos, resultativos e estativos das frases (8) é, respectivamente, a apresentada em (11a), (11b) e (11c):

Representação sintáctica (inicial) de um particípio eventivo

(11)a. V'

V VoiceP

foi PP Voice'

pela Maria Voice AspP

pago DP Asp'

o fato Asp vP

[+ FIENT] v'pago

v VP

pago V DP

pago o fato

Representação sintáctica (inicial) de um particípio resultativo

(11)b. V'

V AspP

ficou DP Asp'

o fato Asp vP

[+ FIENT] DP v’pago

o fato v VP

pago V DP

pago o fato

Representação sintáctica (inicial) de um particípio estativo

(11)c. V'

V AspP

está DP Asp'

o fato Asp AP

[+STATIVE] Apago

pago

Particípios eventivos e resultativose tempo verbal

� Particípios resultativos: pretérito perfeito, porque o operador resultativotípico ficar marca a transição do evento para o estado resultante e este tempo, em português, marca exactamente essa transição pela informação terminativa que veicula.

� Particípios estativos: presente, por não haver nenhuma transição e este tempo não marcar qualquer limite; quando ocorrem no pretérito perfeito, assume-se que o estado está terminado, pelo que funcionam neste caso como os adjectivos em frases copulativas.

⇒ Possibilidade de ocorrência de um localizador temporal pontual com os resultativos mas não com os estativos:

(12) a. A cidade ficou destruída no dia 10 de Janeiro, às 10 horas.

b.* A cidade esteve destruída no dia 10 de Janeiro, às 10 horas.

Construções resultativas com verbos plenos e com

verbos leves

� O problema

A literatura considera que as construções resultativas transitivas com predicados secundários adjectivais ou com particípios, muito produtivas em inglês, não são possíveis nas línguas românicas (cf. Levin & RappaportHovav 1995, Folli & Ramchand 2005, e.o.)

� Contudo, os exemplos seguintes mostram que essas construções são possíveis em português com verbos plenos:

(13)a. O arquitecto construiu o bunker espaçoso/oculto.

b. A Maria cozinhou o assado apetitoso/queimado.

c. O João pintou o quadro escuro/esfumado.

d. A estilista desenhou esse modelo tristonho/esburacado.

Condições sobre esta construção em inglês e em português

� Em inglês, qualquer verbo (pleno) com um Tema incremental aceita esta construção (cf. Rothstein 2004):

(14) a. Mary painted the house red.

b. John hammered the metal flat.

b. The river froze solid.

� Em português, apenas verbos da classe dos factitivos, isto é, cujo Tema éum effectum, a admitem (veja-se o contraste entre (14) e (15) e entre (13c) e (15a)):

(15) a.* A Maria pintou a casa vermelha. (* como construção resultativa)

b.* O João martelou o metal chato. (* como construção resultativa)

c.* O rio gelou sólido.

Condições sobre esta construção em inglês e em português

� Podemos, portanto, formular a hipótese de que, em línguas em que esta construção é mais restrita, só verbos plenos que seleccionam um Tema effectum a permitem.

� Dados do espanhol e do francês corroboram esta hipótese:

(16) a. Juan construyó la casa fuerte escondida.

b. Jean a construit le coffre-fort caché.

A construção resultativa com verbos leves em português

� Em português, esta construção é mais produtiva com predicados complexos encabeçados pelos verbos leves pôr, tornar, deixar:

(17) a. O João põe a Maria doida/maravilhada.

b. O João deixou a mãe triste/aborrecida.

c. A intervenção dele tornou a proposta desnecessária/temida.

� Nesta construção, o effectum é uma situação − o estado resultante − e o constituinte com o papel-θ de Tema denota uma entidade afectada

� A construção resultativa transitiva com verbos leves e predicados secundários adjectivais ou participiais está também disponível em espanhol e em francês:

(18) a. Juan puso María loca/aburrida.

b. Jean rend Marie malade/énervée.

A natureza dos particípios na construção resultativa

� Quando há duas formas participais etimológicas, é a estativa, recategorizada como adjectivo, a única que pode ocorrer nestas construções, quer o verbo seja um verbo pleno, quer seja um verbo leve:

(19) a. O arquitecto construiu o cofre oculto. (cf. construiu-o oculto)

b. A mãe pôs o bebé descalço na relva. (cf. pô-lo descalço)

(20) a.* O arquitecto construiu o cofre ocultado.

b.* A mãe pôs o bebé descalçado na relva.

⇒ O português comporta-se como o inglês, língua em que só particípios estativos podem ocorrer como predicados secundários nestas construções (cf. Carrier & Randall 1992)

Propriedades de selecção aspectual dos verbos leves pôr/deixar/tornar

� Combinatórias de verbos leves com particípios derivados de diferentes classes aspectuais de verbos:

(21) a. A discussão pôs a Maria enervada/irritada/cansada.(compare-se com A discussão enervou/irritou/cansou a Maria)

b. A actuação deixou a Maria desfeita/maravilhada/espantada.(compare-se com A actuação desfez/maravilhou/espantou a Maria)

c. Esse livro tornou o autor conhecido/respeitado/detestado.

� pôr e deixar combinam-se com particípios estativos (veja-se o contraste entre (22 a) e (22b)), derivados de verbos eventivos:

(22) a. A construção do edifício pôs/deixou o monumento oculto.b.* A construção do edifício pôs/deixou o monumento ocultado.

Propriedades de selecção dos verbos leves

� Os particípios que se combinam com pôr e deixar são stage-level; veja-se o seu comportamento perante os testes que identificam predicados stage--level:

(23) a. O monumento está oculto/*é oculto.

b. Sempre que o monumento está oculto, a câmara manda podar as árvores.

c. O monumento esteve oculto às 10h.

� A combinação destes verbos com particípios derivados de verbos estativos produz sequências agramaticais:

(24) a.* A discussão pôs a Maria conhecida/respeitada/detestada.

b.* A actuação deixou a Maria conhecida/respeitada/detestada.

Propriedades de selecção dos verbos leves

� tornar, exemplificado em (21c), combina-se com predicados individual-level, derivados de verbos estativos; veja-se o seu comportamento perante os testes que identificam predicados individual-level:

(25) a. O autor é/*está conhecido/respeitado/detestado

b. Sempre que o autor é *conhecido/*respeitado/*?detestado, o assunto écomentado.

c.* O autor foi conhecido/respeitado/detestado às 2h da tarde.

� Quando este verbo se combina com predicados derivados de verbos eventivos, o resultado é uma sequência agramatical:

(26) * Esse livro tornou o autor enervado/cansado/desfeito/maravilhado.

Predicados complexos resultativos com particípios

� A construção resultativa com pôr e com tornar apresenta duas variantes: a variante transitiva, que já exemplificámos, e uma variante incoativa:

(27) a. A Maria pôs-se enervada/distraída com a música.

b. Esse autor tornou-se conhecido/respeitado com o último livro que escreveu.

� Imposição de condições sobre a classe aspectual dos constituintes que seleccionam e alternância entre variantes são propriedades que também caracterizam os verbos leves na construção com nomes deverbais ou de emoção (cf. Duarte et al. 2009, Oliveira et al. 2009, Gonçalves et al. 2010).

Conclusões

� Argumentámos a favor da tipologia de particípios tripartida proposta por Embick (2004), a partir de dados do português, uma língua que mantém particípios duplos e que dispõe de verbos "especializados" para os particípios eventivos (ser), resultativos (ficar) e estativos (estar).

� Mostrámos que, contrariamente ao que é em geral assumido na literatura, as línguas românicas admitem a construção resultativa transitiva com verbos plenos e predicados secundários adjectivais ou participiais afectando o Tema, embora ela esteja restringida a verbos plenos factitivos, contrariamente ao que acontece em inglês.

� Mostrámos igualmente que esta construção é especialmente produtiva com predicados complexos encabeçados pelos verbos leves pôr, deixar e tornar, os quais impõem condições sobre a classe aspectual e sobre o tipo de particípios com que se combinam (stage-level, os verbos pôr e deixar, vs. individual-level, o verbo tornar).

Referências

Alexiadou, Artemis. & Elena Anagnostopoulou (2008). Structuring Participles. In C. B. Chang & H. J. Haynie (eds.), Proceedings of the 26th West Coast Conference on Formal Linguistics: 33-41. Somerville, MA: Cascadilla Proceedings Project.

Carrier, Jill, and Janet Randall (1992). The Argument Structure and Syntactic Structure of Resultatives. Linguistic Inquiry 23:173–234.

Duarte, Inês, Matilde Miguel & Anabela Gonçalves (2009). Light Verbs as Predicates. Comunicação apresentada ao TABU Dag 2009, Universidade de Groningen, 11-12 de Junho de 2009.

Duarte, Inês & Fátima Oliuveira (2009). Particípios Resultativos. Comunicação apresentada ao XXV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 20-22 de Outubro de 2009.

Embick, David. (2004). On the Structure of Resultative Participles in English. Linguistic Inquiry 35(3): 355–92.

Folli, Raffaella & Gillian Ramchand (2005). Prepositions and Results in Italian and English: An Analysis from Event Decomposition. In Verkyul, van Hout & de Swartz (eds.), Perspectives on Aspect: 81-105. Dordrecht: Springer.

Gonçalves, Anabela, Fátima Oliveira, Matilde Miguel, Amália Mendes, Luís Filipe Cunha, Purificação Silvano, Inês Duarte, Fátima Silva & Madalena Colaço (2010). Propriedades Predicativas dos Verbos Leves dar, ter e fazer: Estrutura Argumental e Eventiva. Comunicação apresentada ao SEL, Universidade de Santiago de Compostela, 1-4 de Fevereiro de 2010.

Levin, Beth & Malka Rappaport Hovav (1995). Unaccusativity: At the Syntax–Lexical Semantics Interface. Cambridge, MA: The MIT Press.

Oliveira, Fátima, Luís Filipe Cunha, Fátima Silva & Purificação Silvano (2009). Some Remarks on the Aspectual Properties of Complex Predicates with Light Verbs and Deverbal Nouns. Comunicação apresentada ao TABU Dag 2009, Universidade de Groningen, 11-12 de Junho de 2009.

Rothstein, Ruth (2004). Structuring Events. Malden, MA/Oxford: Blackwell Publishing.

Sobre particípios e construçõesresultativas em português

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