sobre o carbÚnculo humano - repositório aberto · 2012. 3. 27. · carbÚnculo humano...

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ■ues SOBRE O CARBÚNCULO HUMANO DISSERTAÇÃO INAUGURAL APREENTADA Á Escola Medico-Cirurgica do Porto S^> PORTO TYPOGRAPH1A DE A. E. VASCONCELLOS, SUC. Rua de Noronha, 51 1903 JHJ5 TH£

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Page 1: SOBRE O CARBÚNCULO HUMANO - Repositório Aberto · 2012. 3. 27. · CARBÚNCULO HUMANO DISSERTAÇÃO INAUGURAL ... Ngélosea feit, a a cultura em estria, desenvolve-se bem sob a

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

■ues

SOBRE O

CARBÚNCULO HUMANO DISSERTAÇÃO INAUGURAL

APRE­ENTADA Á

Escola Medico-Cirurgica do Porto

S^>

P O R T O TYPOGRAPH1A DE A. E. VASCONCELLOS, SUC.

Rua de Sá Noronha, 51

1903

JHJ5 TH£

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ESCOLA MEDICO-eiRUMICA DO PORTO

D I R E C T O R

A N T O N I O J O A Q U I M DE MORAES C A L D A S

LENTE SECRETARIO

Clemente (Joaquim dos Santos Pinto

C o r p o G a t h e d r a t i c o Lentes Cnthedraticos

1.* Cadeira —Anatomia descripti-va geral Carlos Alberto de Lima.

2." Cadeira — Physiologia . . . Antonio Placido da Costa. S." Cadeira—Historia natural dos

medicamentos e materia me­dica Illydio Ayres Pereira do Valle.

4." Cadeira — Pathologia externa e therapeutica externa . .

5." Cadeira—Medicina operatória. 6." Cadeira —Partos, doenças das

mulheres de parto e dos re-cem-nascidos Cândido Augusto Corrêa de Pinho

7." Cadeira —Pathologia interna e therapeutica interna . .

8.a Cadeira—Clinica medica . . 9.a Cadeira — Clinica cirúrgica .

10." Cadeira —Anatomia patholo-gica

11." Cadeira —Medicina legal . . 12." Cadeira—Pathologia geral, se-

meiologia e historia medica. IH." Cadeira— Hygiene . . . .

Antonio Joaquim de Moraes Caldas. Clemente J. dos Santos Pinto.

Antonio d'Oliveira Monteiro. Antonio d'Azevedo Maia. Roberto B. do Rosário Frias.

Augusto H. d'Almeida Brandão. Maximiano A. d'Oliveira Lemos.

Alberto Pereira Pinto d'Aguiar. João Lopes da S. Martins Junior.

Pharmacia Nuno Freire Dias Salgueiro. Lentes jubilados

\ Secção medica .

Secção cirúrgica

Secção medica .

Secçio cirúrgica

Secção cirúrgica

José d'Andrade Gramaxo.

\ Pedro Augusto Dias. ' I Dr. Agostinho Antonio do Souto.

Lentes substitutos j José Dias d'Almeida Junior. ' José Alfredo Mendes de Magalhães. i Luiz de Freitas Viegas. I Antonio Joaquim de Sousa Junior.

Lente demonstrador . . . Vagi,.

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A Escola n3o respondo pelas doutrinas expendidas na dissertação e enun­ciadas nas proposições

{Regulamento da Escola, de 23 d'abiil de 1840, artigo 155.°>

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meu£ Wac^

A M E U TIO

jfrJor "#$[anoe/ (iferrejra pontes

A meu irmão

Vujigario il oão JCj^odrtgues (-Hern 'err eira

Tudo o que aqui podésse dizer seria pouco para vos significar a minha profunda amizade e grati­dão, por tantos sacrifícios,

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minha

O teu amor e carinho foram o mais pode­roso incentivo para chegar ao termo do meu curso. Acceita, pois, esta prova final como ex­pressão do desejo que sinto de fazer-te feliz.

A MEUS SOGROS

Procurarei sempre corresponder a tanta bondade e extrema dedicação.

AO EX.mo SNR.

VK <£ino (íeixeira Pinte

Mil agradecimentos e protestos de esti­ma do seu sobrinho

JJOSÉ.

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tfk minima boa Irma

Conta sempre com a minha amizade.

A meus irmãos

Cy lCario-&C

U-vatisía-

U-ixzenco-

Como prova de verdadeira estima e profunda gratidão.

Jj minim tia— 0. Joanna Jl. ^mtka 3*miie4

A MINHA CUNHADA

A MEUS SOBRINHOS

Signal de muita dedicação.

fio MEU j3oM ;AMIG:>

Julio d'Andrade Obrigado por tantos favores

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A> ME 31 O BI A

I»E MEU QUERIDO IRMÃO

Choro a tua perda.

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fios TLL.M 0 3 E E X , M O S S N R S .

(^l/('Lair/.acx f/a Q2^/lata e t/e (^í/(>'Ci:<n/o-í/e

cl/n-fcootio oiòavzo&o

B I S P O DO P O R T O

Sianaf de iiviià-to wfc-pevto e a -iiumeoaua q&attaao.

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Aos lll,mos e Ex.mos Snrs.

si)&. o>oí>é (yíwneò da 2-onte

sD-r,. Cin-tonio Q). cie <5>owza CV-uvuot>

(ííoz-one-C a - e n a e n n a t / i a ©otiza e © i i u a

Conde de wettcYicouit

QÙi. C l g o ô t i n n o a C l i m e t a a onego

C-ap i tão a-at-fciLneti-a G>o3o Cjowvêô a o

©2>piz.ito © a n t a

Testemunho de muita conside­ração e de profundo reconheci­mento.

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Aos III.'"05 e Ex.mos Snrs.

Capitão J^ntonio José de Sá Meão Cimentei. Meão dos Sj^eis.

Ouvidor Ddïanoef José Wires. Cónego Cfíristiano de Jesus ^Borges.

Vigário ®iniz ^ego da Ponte.

pOMO PROVA DE MUITA CONSIDfcR AÇÃO.

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AO ILLUSTRE CORPO DOCENTE

"Escola Medica do Torto

O discipulo g"at :> .

^os mnn tondisiriplos

De todos conservo gratas recordações.

Aos meus contemporâneos

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Ao meu talentoso e digníssimo Presidente

P JLL. M O E J£X.M O ^ N R .

t r r r *

j)i|. l/antUdo Ittjptato Corria àt fiinha

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CAPITULO I

Definição — Etiologia

O carbúnculo ou doença carbunculosa é a infecção produzida pela bacteridia de Da-vaine.

E ' contagiosa, de natureza gangrenosa, de­primente ou asthenica, communicada, em ge­ral, dos animaes ao homem, revestindo varias formas e d'uma terminação geralmente mortal, quando abandonada a si mesma.

A sua denominação, que seria difficil e pouco util substituir por uma outra, repousa sobre um antigo erro de diagnostico, sobre a confusão, commettida pela maior parte dos au-ctores primitivos, entre o carbúnculo propria­mente dito e o anthraz.

Esse engano explica-se pelo calor ardente de que se acompanha esta ultima affecção, bem mais do que pela coloração negra, como

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ao

o pensam ainda alguns medicos. Tal colora­ção, bastante rara no anthraz, no carbúnculo 6 muito pouco saliente, para que seja permit-tido appoiarmo-nos sobre este signal único e característico, para darmos o nome á doença. A confusão descriptiva ou nosograplúca tem seguido, por uma consequência natural, a con­fusão d'origem, c teem sido permittidas as de­signações, tão perigosamente conservadas du­rante tanto tempo, de carbúnculo ou anthraz benigno (anthraz simples ou propriamente dito) e de carbúnculo ou anthraz maligno (car­búnculo verdadeiro).

Sabc-se hoje que estas duas doenças são différentes, tendo cada uma a sua etiologia propria. O mesmo se pôde dizer do carbún­culo symptomatico, doença que não ataca o homem e que tem um agente bem conhecido — o bacillo de Chauvei — que é uma bacteria anaeróbia.

E t i o l o g i a — Este lado importante de to­das as questões pathologicas, util quando se appoia sobre investigações cuidadosas e posi­tivas, e que não illumina menos a pratica que a theoria, merecer-nos-ha toda a possivel at-tenção. Os différentes pontos que comporta serão examinados no homem, objecto princi­pal d'esté estudo.

Causas predisponentes: A primeira de todas é incontestavelmente

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a existência, na região onde o homem habita, das affecçôes carbunculosas. Sabendo-se que os animaes são a fonte e centro d'irradiaçao da doença, vejamos agora o que a pratica e a sciencia nos ensina da influencia sobre o ho­mem, da edade, sexo, da constituição, da hy­giene privada, da profissão, para contrahir o mal.

EDADE — Não ha senão um período da vida, segundo a nossa opinião, que possa ra­cionalmente ser accusado de predispor á affec-çao carbunculosa : é o de maior actividade. Não se veja aqui uma predisposição intrín­seca physiologica, mas uma predisposição, que chamaremos de coincidência, pelo facto das relações maiores que ha entre os indivíduos e os animaes ou seus despojos. Esso período da vida vae dos 18 aos 50 armos; é edade do tra­balho.

SEXO—Em idênticas circumstancias, um e outro sexo parece-nos que tem uma aptidão egual para a invasão do carbúnculo. E se é certo que as cstatisticas apontam o homem como mais predisposto para contrahir a doen­ça, é porque elle, mais do que a mulher, está em contacto com os animaes ou seus despojos, origem do mal.

CONSTITUIÇÃO — As estatísticas e os aucto-res nada dizem sobre a constituição como causa predisponente para esta doença.

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Nós cremos, todavia, que devem applicar-se ao carbúnculo os dados geraes da epidemio­logia e da observação medica que nos ensinam, se bem que em principio todos os géneros de constituição são próprios para contrahir as doenças contagiosas e virulentas, que os indi­víduos fracos, debilitados, não deixam de offe-recer uma aptidão mórbida mais pronunciada.

HYGIENE PRIVADA. — Os vicios de regimen, exercendo uma influencia das mais decisivas sobre as forças e o desenvolvimento do ho­mem, a joonto de transformar, pela sua accu-mulação e persistência, as condições de boa saúde em um estado opposto, julgamos dever applicar á hygiene privada as mesmas refle­xões que á constituição.

PROFISSÃO. — Uni dos meios que mais pre­dispõe o homem a ser contagiado pelo mal, não ha duvida que é o que o approxima pelas suas profissões dos animaes doentes ou seus despojos.

Os auctores, entre elles o Dr. Raphael, tem notado que as profissões que mais levam o homem a contrahir a doença, são, pela ordem da frequência, as seguintes:

Lavradores, habitantes das provindas,pas­tores, cortidores, carniceiros.

E o que dizem os auctores referindo-se ao que se dá no estrangeiro, observa-se também em Portugal.

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O agente da doença

(Bacillus anthracis Davaine)

0 estudo da bacteridia carbunculosa tem tido um interesse de ordem biológica geral e medica. Foi sob o primeiro ponto de vista que le Dantec a compulsou com o fim de de­duzir noções sobre as três grandes leis da bio­logia— a assimilação, a variação e a selecção; para nós práticos, esses trabalhos são d'uma importância capital, mas não nos interessa menos o seu estudo medico, visto que foi a propósito d'esté agente que se começaram a abordar os grandes problemas da pathologia geral, os quaes nos occupant hoje ainda — es­tudo da virulência, da attenuação dos virus, da immunidade, da vaccinação preventiva, da serotherapia, etc. De maneira que expor os nossos conhecimentos sobre a bacteridia é mostrar a evolução da bacteriologia.

Em pura bacteriologia serviu ainda a ba­cteridia para pretender demonstrar, graças á sua extrema variabilidade conforme os meios de cultura, a possibillidade de se passar d'uni bacillo coli ao typhico por meras condições mesologicas. Tal é a base do estudo de Rodet, de Lião, o defensor da theoria unicista. De facto não ha bacteria que maior polymorphis-mo apresente, desde a sua forma inicial typica

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de bastonete até ás formas filamentosas, ex­tremamente longas, onduladas, emaranhadas, torcidas.

Tomemos a bacteria do sangue d'uni ani­mal inoculado ou do homem — bastonetes re­ctos, flexiveis, cylindricos, transparentes, immo-veis ; ora separados, ora articulados e dividi­dos por septos transversaes, comprimento de 5 a 6 pi 1 a 1,5 p de largura.

CULTURAS — fáceis em todos os meios (cal­do, gelatina, gélose etc.) No caldo, liquido floco-noso em 24 horas, turva depois c acaba em alguns dias por depositar flocos brancos, fi­cando o caldo límpido. Na gelatina liquefal-a em 6 dias ; antes da liquefação forma-se como que uma arvore, cujos ramos partissem da li­nha da picada. Na gélose, feita a cultura em estria, desenvolve-se bem sob a forma de massa branca opaca com bordos dentados. Na batata induto branco, muito espesso com finas dentaduras nos bordos. Levada ao mi­croscópio um pouco da massa, esta mostra que o bacillo perdera já a sua forma primitiva para as formas emaranhadas de que fallei.

Além d'isso o bacillo esporulou c mostra d'onde a onde espécies de grãos ovóides, ré­fringentes, d'aspecto brilhante. Ao passo que o filamento se cora muito bem pelas cores usuaes, o esporo não as fixa eguahncnte.

Os esporos necessitam de três condições

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para a sua formação : presença do oxygenio, temperatura conveniente (entre 16° e 42°) e meio pobre em matérias orgânicas. A influencia da temperatura não é egual no filamento e es­poro ; 58" durante 20 minutos matam os fila­mentos, mas não os esporos ; são precisos mui­tos minutos de ebullição para os destruir. Re­sistem á dissecação, á acção do alcool abso­luto, ao oxygenio comprimido até á maior pressão que se pôde obter (Roger), ao CO2 e ao acido phenico a 5 °/o- No sangue do animal não ha esporos certamente pela falta de oxy­genio, dizem; mas esse ponto não está estu­dado e muito bem pode ser que outras condi­ções do meio exerçam a sua influencia no sen­tido d'uma vida asporogenica.

Formas involutivas apparecem nas velhas culturas. Notável propriedade: póde-se obter uma forma asporogenica definitiva pela addic-ção á cultura de bichromato de potássio ou acido phenico. O sueco gástrico tem acção des­truidora, talvez não contra o esporo.

Antagonismos microbianos conheeem-se os de estreptococco, prodigiosus, bacillo de Frie-dlander, pyocyanico.

INOCULAÇÕES — ratinho e caviá. Subcutâ­nea, empastamento, edema gelatinoso; morte em 36 lioi-as com lesões de septicomia hemor­rhagica ; sangue agglutinado carregado de ba­ctérias, sobretudo nos animaes.

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SOB QUE FORMA SE TRANSMUTE O CARBÚN­CULO ? — 0 conhecimento dos esporos dá a chave da verdadeira etiologia do carbúnculo, sobretudo na sua transmissão aos animaes — Experiências de Pasteur, (Jhamberland e Roux, regando o alimento com culturas, a influen­cia de objectos picantes, como as praganas das gramíneas e emfim a demonstração da pe­netração do mal pela bocca e intestino, tudo isso combinado com a noção da presença do esporo na terra deixa comprehender bem a sua influencia na transmissão do carbúnculo.

Ora é sabido que nos campos malditos ha muitos esporos na terra; resta saber d'onde vêem e quem os traz.

Da celebre discussão entre Pasteur e Koch resulta que a influencia da minhoca é incon­testável.

Também podem vehicular a bacteridia as moscas, os caracoes e as lesmas.

TRANSMISSÃO PLACENTARIA. — Davaine e Brunge negaram-na, mas foi confirmada por Strauss e Chamberland; parece que são pre­cisas lesões da placenta para deixar passar o gérmen.

ATTENUAÇÂO DOS VÍRUS.—Pasteur, chimico, deu a explicação que se sabe da immunidade; julgou mais que a bacteria, um organismo de­finido, dava sempre a mesma doença ao mesmo animal. Enganara-se e elle mesmo observa

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que, em vez de doença mortal, pôde dar, com o carbúnculo, a immunidade, em certas con­dições.

£=. l.a Vaccina—15 a 20 dias, a 42°, mata y t ] o ratinho. ~ c j 2.:i Vaccina—10 a 12 dias mata o ra-2 *> < tinlio e o caviá.

TOXINAS — anthracina de Hoffa, do corpo dos bacillos ; Marmier retirou uma, das cultu­ras em pep tona gel atinada.

SEROTHERAPIA — Marclioux vê no sangue de carneiros vaccinados propriedades curati­vas e preventivas para o coelho. O methodo daria o mesmo resultado no homem?

E' o que o estudo da doença nos animaes e n'este deveria mostrar. No homem a doença é muito tempo local, formando a clássica lesão pústula maligna. Começa por uma mancha como uma mordedura de pulga, depois vesícula e ao segundo dia escara, rodeada da aureola de Chaussier ou bordelete, e das vesiculas agru­padas em circulos concêntricos. Durante este tempo, tudo é local ; depois, com a progressão das lesões, chega o periodo de infecção, com a deflagração do mal; está dada a generalisação. Se a morte se dá, encontram-se lesões em to­das as visceras — mucosa gástrica, intestino, etc.

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Raramente no homem a doença deixa de ter esta marcha; poucas vezes se observam as formas intestinal e pulmonar.

Ora nos animaes a doença não tem a mes­ma marcha c as formas intestinal e pulmonar são muito frequentes.

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CAPITULO II

Symptomatologia, marcha e duração. Variedades

O carbúnculo do homem é uno no seu principio, na sua essência; é porém variável quanto á sua expressão mórbida, aos seus ca­racteres objectivos. O estudo, pois, dos seus symptomas, para ser exacto, deve ser feito não d'uma maneira geral, o que daria logar a du­vidas e nos lançaria na confusão, mas d'uma maneira nitida e distincta em cada variedade principal, salientando, é bem de vêr, em se­guida, o fundo commum sobre o qual repou­sam as descripçôes separadas.

Pustii la mal igna

A variedade dominante é a pústula mali­gna; é por ella, pois, que começaremos a des-

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cripção da doença carbunculosa no homem como sobre ella faremos a maior parte das considerações que julgamos devidas. A divisão dos svmptomas em quatro periodos, segundo Enaux e Chaussier, fundada sobre os caracte­res apparentes da pústula maligna, não nos parece nem racional nem conforme a uma judi­ciosa observação; porque ha um grande nu­mero de pústulas malignas que terminam pela morte ou pela cura sem completar o seu des­envolvimento. Não nos parece também boa a divisão de Bourgeois compreliendendo so­mente dois periodos, local ou de erupção e ge­ral ou de intoxicação, aos quaes Raimbet jul­gou dever juntar dois — o primeiro ou de ino­culação e um quarto chamado de incubação. Esta divisão não parece, na verdade, mais racio­nal que a de Enaux e Chaussier; porque, em-quanto que estes últimos tomam a affecção tal como ella se lhes apresenta á vista, Bourgeois c Raimbet consideram como facto demonstra­do e constante a inoculação que não é mais do que um dos modos de producção da pús­tula maligna, e vêem a intoxicação como uma consequência da erupção, quando ella é, em algumas circumstancias, o ponto de partida. A divisão symptomatologica que não prejudica de nenhuma maneira quer a causa, quer os caracteres physicos, mas que daria accesso a todos os factos, a todas as nuances sympto-

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maticas, seria em minha opinião a de Gruipon que parece ser a mais natural e a que está mais em relação com as exigências semeiolo-gicas. Assim dividiremos, na nossa descripção, a doença em três períodos: inoculação, inva­são e terminação. O primeiro ou de incubação, applicar-se-ha tanto á pústula maligna inocu­lada como á pústula maligna resultante da simples embebição dos tecidos ou do contagio por absorpção interna. O segundo ou de inva­são permittirá descrever a marcha e os diffé­rentes caracteres da affecção, o que queria Enaux e Chaussier e o que os seus successo­r s , Bourgeois e Raimbet, não podem obter nem exprimir fixando-se na denominação de erupção que não comprehende, evidentemente, senão uma variedade da pústula maligna. Em-fim o terceiro ou a terminação comprehenderá, ao mesmo tempo, e facilmente, os différentes modos de cura e de aggravamento até a in­toxicação prompta, fulminante, e intoxicação lenta, progressiva.

IKCUBAÇÃO. — Os symptomas próprios a este período não variam menos pelo seu cara­cter que pela sua duração, consoante a doença provém d'uma inoculação exterior ou da absor-pção interna. No primeiro caso, no ponto onde se dá a inoculação e a absorpção se effectua, produz-se uma sensação de calor, de prurido, formigueiro e mesmo de entorpecimento ; exis-

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te, ás vezes, ao mesmo tempo um mal estar geral, fadiga, e o appetite diminuído. Este es­tado, que muitas vezes dura pouco tempo, apenas algumas horas, e dá logar a sympto-mas mais ou menos alarmantes, raríssimas vezes se prolonga além de cinco dias ; depois é substituído pelos signaes externos do segundo período. Ordinariamente lia, da parte dos doentes, uma grande dificuldade em determi­nar bem a duração d'estes symptomas primi­tivos; a mesma dificuldade, senão maior, ex­perimentam em indicar a relação existente en­tre estes accidentes e a sua causa presumida, excepto, todavia, quando esta, é bem manifesta.

No segundo caso são as alterações geraes que predominam: inaptencia, nauseas, dimi­nuição de forças, tornando-se pouco a pouco n'uma verdadeira prostração; depois desfal-lecimento, tristeza, algumas vezes ideias lugu­bres, receio e presentimento da morte ; abai­xamento de temperatura, arrepios, oscillações febris, e manifestação dos phenomenos locaes. Acontece ás vezes mesmo que a doença se li­mita aos symptomas d'esté primeiro período, que se vão aggravando cada vez mais e cons­tituem a febre carbunculosa propriamente dita; n'este caso a lembrança dos antecedentes do doente, taes como o uso de carne d'animaes carbunculosos, a cohabitação com anhnaes doentes ou com pessoas attingidas de pústula

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maligna, e também os signaes microscópicos, auxiliam a determinar a natureza do mal ; mas é necessário reconliecel-a; os symptomas lo-caes raramente faltam e quando isso se dá, o diagnostico fica então indeciso. A duração d'es­té período, quando o contagio tem logar por absorpção interna, por infecção, é geralmente mais prolongada; pôde ser de oito dias ou mais.

INVASÃO. — Raríssimas vezes acontece que as pessoas attingidas de pústula maligna re­corram ao medico antes de se manifestarem os accidentes mórbidos que constituem este se­gundo período-.

Quando a affecção provém de causa exter­na no ponto onde o doente sentiu calor e pru­rido, apparece uma mancha vermelha de pe­quenas dimensões, análoga a uma mordedura de pulga (assim em alguns paizes, especial-^ mente na Borgonha, esta affecção era conhe­cida vulgarmente pelo nome de pulga mali­gna) muitas vezes difficil de constatar, tão fu­gaz ou fracamente pronunciada ella é; muito rapidamente essa mancha eleva-se sob a for­ma d'um botão, que nunca excede as propor­ções d'uma lentilha, apresentando na sua parte superior uma visicula; depois muda de colora­ção, torna-se livida, irisada, algumas vezes negra, achata-se, enruga-se, rodeando-se n'es­te momento d'um circulo ou aureola de côr

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mais clara, ora avermelhada, ora alaranjada, onde se elevam pequenas phlyctenas em nu­mero variável, que sendo pouco perceptiveis a principies e desenvolvem depois justapondo-se, formando uma espécie de bordelete e dando sa­lada, quando dilaceradas, a uma sorosidadc citrina que continua escorrendo. Desde então a mancha ou papula central endurece, depri-me-se e forma um ponto gangrenoso, que ra­ras vezes falta, tomando um desenvolvimento rápido se a arte não intervém. Este estado não fica por muito tempo estacionário: o tecido cellular sub-jacente endurece, edematisa-se n u m raio ainda restricto, mas já considerável. Algumas vezes, mas raras, traços avermelha­dos, partindo da tumefacção e terminando nos "'anchos collectores, testemunham a participa­ção dos lymphaticos no processo mórbido. O prurido augmenta e alterna com uma dôr agu­da, o que excita o doente a levar constante­mente a mão ao logar affectado. E' o momento por excellencia d'actuar e fazer parar o des­envolvimento do mal, como nós veremos ao tratar-se do terceiro período.

Segundo Enaux e Chaussier, 24 a 36 ho­ras bastam para que a pústula maligna com­plete as suas différentes phases d'erupçao; mas nós cremos que esta regra, se realmente exis­te, não é isenta de muitas excepções.

De" facto Guipon, em numerosas observa-

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ções, notou que em muitas pessoas os signaes locaes, taes como a papula e aureola vesicu­lar, ficavam estacionarias durante alguns dias, não tendo mais que um diâmetro de 3 ou 4 millimetros, e que não era senão lentamente e depois d'alguns dias decorridos, que adqui­riam o seu completo desenvolvimento, poden­do attingir até três centímetros. Pústulas ha ainda mais extensas, como as lia, também, mais restrictas e emfim, muito excepcional­mente, podem apparecer pústulas desprovidas de escaras ou de circulo vesicular, continuan-do-se sem linha de separação com as partes visinhas. Quando a aflecção provém d'absor-pção interna, os caracteres symptomaticos sof-frem uma modificação mais ou menos sensivel e são os symptomas geraes que precedem os accidentes locaes. Assim a febre de incubação, ainda pouco pronunciada, torna-se mais con­tinua e mais intensa; o doente accusa uma sede intensissima, um calor interior geral ou limitado ao peito ou á cavidade abdominal; exteriormente os pontos vermelhos e doloro­sos que apparecem, endurecem, ennegrecem e deprimem-se no centro, os bordos e sua base edematisam-se, tomam uma coloração verme­lho-escura e recobrem-se de phlyctenas que ultrapassam muitas vezes os seus limites. Se a região onde apparece a tumefacção carbun-culosa é rica em tecidos extensiveis, como o

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pescoço, o seio, etc., ti lumefacção attinge em pouco tempo, em 24 horas, ás vezes mesmo n'uma noite, enormes proporções e muda de uma maneira extraordinária a configuração normal. Muitas vezes os pontos carbunculosos multiplicam-se : contam-se dois, três ou mesmo mais sobre uma superficie mais ou menos ex­tensa, mas quasi sempre na mesma região do corpo, o que fez pensar a alguns observado­res que o virus carbunculoso tinha tendência a accumular-se sobre os mesmos pontos em logar de se dissiminar, o que seria um ele­mento a ponderar no prognostico.

N'estas circumstancias, os systcmas lym-phatico e glandular tomam uma, parte maior ou menor na inflammação carbunculosa, obser-vando-se então, sobretudo se a sede da pús­tula se encontra sobre os membros, traços ver­melhos que começam na pústula c se dirigem segundo o trajecto dos lymphaticos superfi-ciaes semelhantemente aos traços inflammato­ries que se encontram n'outras infecções.

Não é raro vêr-se na visinhança de glân­dulas ou de ganglios lymphaticos, manchas ecchymoticas e })ontos carbunculosos secun­dários.

TERMINAÇÃO. — A não ser a febre carbun­culosa, que, progredindo rapidamente, mata o doente ou mais raramente termina pela cura, os dois typos de carbúnculo por causa exter-

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na e por cansa interna approximam-se por grandes traços de semelhança.

Abandonada a doença a si mesma, on tra­tada-por meios insuficientes, o que é peor, segue as phases seguintes: o ponto central negro, gangrena, separa-se das partes ver­melhas e cahe; a inchação peripherica au­gmenta em profundidade e em extensão, no­tando-se, ainda que muito raramente, uma in­filtração gazosa, signal certo, n'este caso, de uma decomposição intersticial já avançada; vesículas phlyctenoides apparecem abaixo ou acima do tumor, mesmo a distancia.

O edema chega a tomar grandes propor­ções ; a pelle das regiões visinhas torna-se li-vida, ecchimotica, distendendo-se demasiada­mente, por vezes, de maneira a resultai-, para os órgãos, formas e dimensões monstruosas.

Esta inchação apresenta geralmente uma grande dureza, que augmenta da peripheria para o centro.

Junto do doente nota-se um cheiro infecto; o pulso, á medida que augmenta em frequên­cia, perde em amplitude e força; o paciente geme, queixa-se d'uma sede devoradora, de dores agudas no peito ou no ventre, apesar de affirmai- que as suas feridas e as superficies carbunculosas são insensíveis ; tem insomnias ; conserva a intelligencia nitida e tem a con­sciência do seu estado ; apresenta-se muito

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excitado, procura levantar-se, desespera-se, deseja a morte, causa horror e piedade, suc-cumbe, emfim, n'uina lueta das mais doloro­sas. Outras vezes acontece que o período ul­timo é caracterisado por uma grande prostra­ção e por um conjuncto de symptomas que Bourgeois comparou á algidez cliolerica.

Quando, pelo contrario, a cura deve sobre­vir, os diversos symptomas que acabamos de referir, o edema sobretudo, retrogradam com uma grande rapidez ; as vesiculas e as phlycte-nas seccam, a coloração torna-se cada vez me­nos carregada, o calor local augmenta, a tu-mefacção carbunculosa e os pontos de engor-gitamento visinhos, lymphaticos, cellulosos ou glandulosos persistem e fazem saliência sobre as partes que os rodeiam e que se deprimem ; mas a pústula ou placa carbunculosa estende-se, alarga-se por consequência da perda de substancia resultante do esphacello das por­ções carbunculosas ou da destruição causada pelos agentes curativos; os tegumentos visi-nlios do tumor tomam uma cor rosea; uma suppnração de boa natureza, ás vezes, estabe-lece-se na visinhança, sob a forma d'abcesso, ordinariamente no próprio tumor, apparecen-do, finalmente, gomos carnudos. Ao mesmo tempo o pulso diminue de frequência, torna-se mais amplo e mais forte, o estado moral me­lhora, a esperança volta, o appetite renasce, a

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sede extingue-se e, a não ser que sobrevenham accidentes secundários, devidos a uma suppu-ração ou trabalho de reparação irregular, a resolução opera-se natural e rapidamente e não ficam vestígios d'estas lesões senão uma cicatriz pouco visivel, a não ser que órgãos importantes taes como pálpebras, nariz e lá­bios tenham sido invadidos pelo mal ou des­truídos pelos agentes therapeuticos.

O carbúnculo tem, todavia, ás vezes, uma marcha e caracteres différentes dos preceden­tes, dando-se-lhe o nome de fulminante. Acon­tecendo assim, os différentes periodos são mui­to curtos, quando não chegam a faltar. O es­tado geral, emfim, aggrava-se rapidamente, annunciando-se os signaes da intoxicação, taes como a cephalalgia, o delirio com agitação ou uma prostração extrema, havendo apenas tem­po de constatar a natureza do mal, antes que a morte sobrevenha.

Esta terminação funesta pôde mesmo ter logar sem agonia ; em plena consciência, sem que o doente, a familia e o medico esperem um fim tão repentino. Menos de 24 horas, ás ve­zes, ou o máximo cinco dias, marcam o prin­cipio e o fim d'esta terrível affecção, seja ella de causa externa ou interna.

DURAÇÃO E MARCHA.—A duração e a mar­cha d'esta doença não tem nada de fixo nem de determinado, pois que pôde ser d'uma bre-

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vidade e d'uma rapidez extremas, ou, pelo con­trario, d'uma duração lonara e d'uma lentidão muito grande.

Sem invocar uma differença na natureza da doença, para nos dar a razão d'estas irre­gularidades mórbidas, admitte-se com mais verdade que o mesmo virus tem mais ou me­nos concentração de força, ou que os indiví­duos teem mais ou menos predisposição, de potencia de reacção; é o que quiz exprimir o Doutor Boursier, dizendo que a rapidez tão va­riável da marcha do carbúnculo «está na na­tureza mais ou menos corrompida (virulência?) do principio inoculado e na susceptibilidade do individuo attingido». De facto, na maior parte das doenças contagiosas e virulentas não se observam as mesmas differenças, não im­plicando isso, de nenhuma maneira, uma diffe­rença de natureza?

A variola, por exemplo, não é muitas ve­zes rápida e das mais graves na sua evolução? A febre typhoide não é ora muito lenta, com períodos bem traçados, ora, pelo contrario, promptamente grave e mesmo mortal?

Considerando bem o que se passa em pa-thologia, epidemica sobretudo, deixamos de vêr na doença carbunculosa uma excepção, pois n'ella se reconhece o caracter próprio e todas as affecçôes d'esté género ; a excepção seria consideral-a como antigamente, isto c,

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que as doenças carbunculosas se mostravam sempre idênticas, não só pelo tvpo, mas ainda pela sua marcha e duração.

A marcha da doença, conhecida a sua cau­sa, é em geral regular e suficientemente apre­ciável. A duração, pelo contrario, não tem nada de fixo, nada de certo, nem para nenhum dos períodos admittidos pelos auctores ou por nós, nem para o todo da doença; pode estabelecer-se approximadamente e- nada mais.

Para auctores que não querem senão sym-ptomas visiveis ou materialisados, d'alguma maneira, o período d'incubaçao limita-se a muito pouco, quando mesmo não é jâ o pe­ríodo da invasão. Este período de invasão que os auctores, que não acceitam francamente a possibilidade da doença por absorpção interna do virus, chamam período de erupção, não é também exactamente limitado, pois que, se esses auctores lhe dão uma duração de nove dias, Guipon reconheceu, em numerosas obser­vações, que podia em duração ser menor ou superior ; quanto ao terceiro período ó, ou muito curto, em caso de morte, ou muito lon­go, em caso de cura e de lesões profundas.

Ha, pois, d'mrra parte, a difficuldade de determinar o começo, os primeiros sympto-mas da doença, e, d'outra, a maneira arbitra­ria como os práticos consideram a termina­ção. Para uns a doença termina, quando a

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febre d'intoxicaçao ou os progressos do mal tenham parado; para outros a doença só ter­mina no fim do trabalho de reparação ou no decurso do mesmo período. A nossa opinião é a de Guipon e de muitos outros, que conside­ram a doença como terminada, quando para­ram os accidentes geraes c que a resolução dos órgãos invadidos se pronuncia e se esta­belece d'uma maneira certa. O resto conside-ramol-o como um trabalho de reparação e por assim dizer de convalescença cirúrgica, exa­ctamente como o da terminação das doenças agudas, taes como pneumonia, febre typhoïde e outras, no momento em que a medicação acti­va é suspensa e a convalescença se confirma.

Em concordância com a nossa maneira de ver e com as numerosas observações de Grui-pon que, clinicamente julgamos ser o medico, que mais profundamente estudou esta doença, fixaremos a sua duração total de 10 a 30 dias, certos de que assim nos approximaremos, tanto quanto possivel, da verdade.

Esta duração total, ainda d'accordo com os factos observados por Guipon, julgamos poder ser exprimida em cada um dos periodos, que adoptamos, pelos algarismos seguintes:

Periodo de incubação. . . 1 a 6 dias » » invasão . . . 8 a 15 » » » terminação . 3 a 9 »

12 a 30 »

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V A R I E D A D E S

A pústula maligna pôde ter os caracteres physicos mais différentes: ser saliente ou de­primida, secca ou humida, larga on estreita, rodeada d'uma larga superficie inflammada, erysipela tiforme ou isolada no meio d'uma região sã na apparencia, sem que estes signaes exteriores possam influir sobre a sua natureza, sempre a mesma, ou na sua denominação. Sem querermos, como Enaux e Chaussier, admit-tir tantas variedades de doença carbunculosa quantas as differenças symptomaticas, pois assim teríamos que variar até ao infinito, de­vemos considerar as variedades segnintes: edema maligno, e a febre carbunculosa sem ma­nifestações externas, e que correspondem : a primeira, ao que se chamou o carbúnculo branco dos animaes ; a segunda, á febre car­bunculosa ou carbúnculo interno, sangue do baço, doença do sangue, que se observa prin­cipalmente nas raças ovina e bovina.

Edema maligno

Esta forma foi admittida por M. Bourgeois e pela maior parte dos medicos que tem pu­blicado trabalhos sobre as doenças carbuncu-losas.

M. Bourgeois pensou a principio que esta 4

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variedade tinha por sede única as pálpebras, porque é a região onde se encontra de prefe­rencia; nias a experiência mostrou-lhe mais tarde que cila pôde encontrar-se em outras regiões, c que apresentava além d'isso, ca­racteres bastante nítidos para que não se con­funda com a pústula maligna propriamente dita, de que partilha, de resto, a mesma natu­reza e dos principaes attribuctos.

ETIOLOGIA. — O edema maligno, tendo sido encontrado sobretudo nas pálpebras, nos lá­bios, em volta dos seios, sobre as partes supe­riores e lateraes do peito, e, em geral, nas re­giões onde os tecidos profundos são recober­tos por uma epiderme tenue, por uma mucosa facilmente permeável, concluiu-se que o virus devia ser absorvido mais por embebição do que por inoculação, e que era isto uma das causas d'esta variedade. Encontron-se outra razão na diluição do virus n'um liquido de fácil absorpção, tal como a saliva, o suor; emfim, perguntou-se, em face da insuficiên­cia d'estas explicações, se o edema maligno não proviria algumas vezes da infecção prévia da economia, por introducção do principio sé­ptico nas vias digestivas ou respiratórias. Exa­minemos rapidamente a questão.

Não vemos em primeiro logar que diffe-rença bastante radical exista entre a absor­pção por simples embebição dos tecidos ou por

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inoculação, para nos dar uma explicação sa-tisfactoria dos caracteres tão oppostos nos re­sultados da absorpção. Por um e outro pro­cesso, o principio contagioso chega ás cama­das absorventes e deve produzir os mesmos effeitos. De resto nos consideramos, entre as causas externas, a inoculação como menos frequente do que a embebição por simples de­posito, por attrito, por contacto repetido. A analogia, pelo menos, parece combater victo-riosamente esta interpretação : assim, a syphi­lis é porventura différente em caso d'inocula-ção ou d'absorpçao intersticial, isto é, d'embe-bição, que é o seu modo de propagação mais habitual? Que se escolhesse uma superficie recoberta d'uma mucosa ou d'uma epiderme muito delgada para dar a explicação e fazer comprehender a maior frequência da doença carbunculosa n'estas espécies de regiões, 6 muito natural; mas o fundo das coisas não deixa de ser o mesmo.

A explicação da diluição do virus pela sa­liva, etc., não é menos hypothetica e insuffi-ciente. Com effeito, não se comprehende bem a razão porque o virus carbunculoso mais ou menos diluido, ou absorvido, sem esta cir-cumstancia, dê n'este ultimo caso pústula ma­ligna e no outro edema maligno, que é mais grave e mais rápido na sua marcha que a simples pústula.

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Resta a theoria da infecção prévia ou a introducção do virus, quer pela ingestão, quer pela respiração. Esta theoria, admittida corn timidez por muitos auctores, julgamol-a in-sufficiente como as outras.

Na nossa opinião a inoculação, a embebição intersticial poderão também dar logar ao ede­ma maligno ; mas, para que isso se dê, será ne­cessário admittir da parte do viras uma força d'expansao, de contagio maior, ou uma dimi­nuição de resistência da parte do individuo attingido.

SYMPTOMATOLOGIA. — O edema maligno principia geralmente por um simples pruri­do, imniediatamente seguido d'um engorgi-tamento da pálpebra, do seio, da axilla, segun­do elle se manifesta n'uma ou n'outra d'estas regiões. 24 a 36 dias depois d'apparecer o edema, a sua superficie cobre-se de pequenas vesiculas irregularmente dispostas e cheias d'uma serosidade citrina ou amarellada, ao mesmo tempo que o prurido se torna mais intenso. Estas vesiculas não tardam a abrir-se, e debaixo d'ellas, a derme posta a nú ê a principio cinzenta e depois negra, formando escaras. O edema, continuando na sua mar­cha, torna-se cada vez mais considerável, es-tende-se ao longe, deforma a região invadida e mesmo as partes visinhas, tomando dimen­sões monstruosas. Se a morte não sobrevem,

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antes que estes symptomas sejam completos, as partes mais duras, que são a sede de pla­cas escuras, recobertas, muitas vezes, de pnly-ctenas, ainda que em pequeno numero, espha-celam-se, cahem, dando logar a deformidades incuráveis, por cicatrisação irregular, no caso de obter-se a cura.

Mas o modo de terminação mais frequente é a morte do individuo no meio dos sympto­mas geraes d'intoxicaçao, os quaes sobrevem, em geral, no segundo ou terceiro dia da ap-parição do edema.

Febre carbunculosa sem manifestações externas

Esta doença é de causa interna, isto é, a penetração do virus dá-se quer pela mucosa respiratória nas pessoas que respiram um ar carregado de emanações carbunculosas, quer pela mucosa digestiva, em seguida á ingestão de carnes carbunculosas.

Os symptomas tem relação com os d'um envenenamento geral e são os seguintes :

A doença principia por um curto quadro prodromico, que ás vezes parece fazer falta, e reveste d'emblée um caracter grave; o pulso torna-se amplo e muito frequente; o doente tem oppressão, a custo respira, queixa-se de fadiga, de dores abdominaes, de diarrhea, d'anorexia com nauseas e sede intensa; muitas

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vezes a face injeeta-se, ha agitação, delírio; outras vezes, iiota-se uma prostração profun­da e continua, lipothymias e mesmo syncopes, com conservação da intelligencia até á morte, a qual sobrevem, depois d'uni suor frio mais ou menos abundante e a cyanose da face, no espaço de 36 a 48 horas, e raras vezes no fim de 8 dias.

Esta variedade, admittida e observada por um grande numero de medicos, não é sem ana­logia com algumas doenças, taes como a va­riola, escarlatina e sarampo por exemplo, as quaes também podem apparccer sem manifes­tações exteriores. Gruipon cita muitos casos d'estas doenças, por elle observados.

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CAPITULO III

Anatomia pathologica

Este ponto da doença foi abordado d'uma maneira conscienciosa, por M. Raimbert, para a pústula maligna, e por M. Debrou, cirurgião director do Hôtel-Dieu d'Orléans, para o ede­ma maligno.

Não sabendo quem melhor tratasse d'esté assumpto, seguimos estes auctores, na narra­ção d'esta parte do nosso estudo.

ASPECTO CADAVÉRICO.— Signaes de putre-facção numerosos e rápidos; côr violácea das partes declives do corpo, atraz sobretudo e na direcção das veias sub-cutaneas. Transudação frequente do sangue pela bocca e narinas.

SEDE DA PÚSTULA. — O exame não pode geralmente fazer-se senão no vivo ; porque á

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autopsia ella encontra-se quasi sempre des-truida pelos meios therapeuticos empregados.

A mancha negra ou escura central depri­mida tem 2 a 3 millimetres de expessura; é dura, sêcca, resiste ao bisturi, e á incisão não dá sangue. Examinada ao microscópio, a pús­tula maligna não tem mostrado senão a appa-rencia granulosa dos tecidos gangrenados.

O liquido das vesículas aureolares contém glóbulos sanguineus mais ou menos alterados. O tecido cellular subjacente á escara e á au­reola vesicular é vascularisado, d'uma densi­dade ás vezes muito grande, d'uma côr ver­melha carregada, desigualmente espalhada, mais notada á superficie, e sendo substituida por uma côr cinzenta, quando o tumor é con­siderável e apresenta uma grande resistência. O sangue que corre d'esté tecido cellular en­durecido é ora seroso, ora normal e quasi sem­pre abundante. Emfim, nas partes afastadas do tumor e que teem sido a séde d'edema du­rante a vida, encontra-se o seu tecido depois da morte, d'uma consistência e aspecto gelati-niformes, justamente comparado, ao corte, a um goramo de limão ou de laranja.

Em casos de gangrena externa, a pelle, o tecido cellular sub-cutaneo e intermuscular são mortificados, acontecendo o mesmo, mas mais raramente, aos músculos e ossos. O te­cido cellular visinho do tumor é amollecido,

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polposo, fétido e infiltrado de liquido seroso e avermelhado.

APPARELHO CIRCULATÓRIO.—A cavidade do coração encontra-se quasi exangue, estando, pelo contrario, as veias engorgitadas de sangue negro e viscoso. Este liquido, sobretudo no baço, contém bastonetes, que não são o resul­tado d'uma decomposição post mortem, como pensaram muitos medicos, pois tem-se consta­tado já no sangue vivo, assim como bem o de­monstrou Davaine.

APPARELHO RESPIRATÓRIO. — Encontra-se serosidade hemorrhagica na cavidade pleural; indícios de congestão dos pulmões, sobretudo na parte posterior, e os vasos pulmonares dis­tendidos por um sangue negro. Os bronchios conteem também, ás vezes, um liquido espu­moso e hemorrhagico.

APPARELHO DIGESTIVO.— Na cavidade pe­ritoneal observa-se ordinariamente um liquido amarellado e viscoso e os vasos do epiploon e do mesenterio cheios de sangue.

0 tubo digestivo, desde o esophago até ao cecum, offerece no exterior e sobretudo nas partes declives, uma côr violácea, mais pro­nunciada nos intestinos; os vasos são geral­mente injectados. Na superfície interna do es­tômago nota-se, ás vezes, uma infiltração se­rosa sob a forma de pequenos tumores de 1 a 2 centímetros de diâmetro, muitas vezes se-

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meados de manchas negras. Estes tumores são muitas vezes amollecidos, ulcerados ou gan­grenados no seu vértice e podem estar reuni­dos no estômago ou encontrar-se separados.

Observam-se os mesmos caracteres anató­micos na face interna do intestino delgado, no bordo livre das válvulas coniventes, principal­mente na parte superior das vísceras. Notam-se também no intestino grosso, porém são mui­to mais raros.

Muitos auetores consideram estes tumores e lesões do -tubo digestivo como análogos da pústula maligna, porém nós não pensamos as­sim e cremos, com Raimbert c Guipon, «que esses tumores são antes os effeitos locaes d'um estado geral, d'uma viciação do sangue pelo virus carbunculoso, análogos de resto aos que se vêem desenvolver sobre a pelle, em conse­quência d'uma alteração expontânea (?) do sangue, sob a influencia de causas geraes, ou consecutivamente á absorção do principio car­bunculoso pelas vias respiratórias ou pelas vias digestivas, depois da ingestão de substan­cias provenientes d'animaes mortos de carbún­culo «.

BAÇO.—Este órgão é augmentado de vo­lume e amollecido.

FÍGADO E R I N S . — Como a maior parte das visceras, apresentam uma congestão pronun­ciada.

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APPARELHO NERVOSO.— Os vasos que o ali­mentam são igualmente engorgitados de san­gue, apresentando-se a polpa cerebral tam­bém, pontilhada pelo mesmo liquido.

APPARELHO MUSCULAR.—A consistência dos músculos é geralmente diminuida, e a sua côr muito variável, sendo n'uns pontos escura e n'outros violácea.

Para se conhecerem os signaes necroscopi-cos do edema maligno e mais uma vez nos convencermos da identidade da natureza do edema maligno e de pústula maligna, basta-nos narrar o caso notado com precisão pelo Dr. Debrou, o qual é o seguinte:

Trata-se d'um operário curtidor, de 47 ân­uos d'edade, morto ao quarto dia d'um edema maligno da face, não obstante ser tratado o mais enérgica e promptamente. Pela autopsia, praticada trinta e seis horas depois da morte, constata-se uma injecção das veias da superfi­cie anterior do corpo ; atraz, infiltração san-guinea sub-cutanea, dando á pelle a coloração d'um azul livido. Não ha phlyctenas em ne­nhuma parte do corpo; a epiderme descolla-se nas pálpebras. O cadaver exhala um cheiro acido penetrante.

Dissecando as pálpebras do olho esquerdo, por onde principiou a doença, não se encon­tra nem esphacelo nem outra coisa que indi­que a presença d'uma pústula ; nenhum pus á

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incisão das pálpebras ou da face. O olho, exa­minado com cuidado, é isento de toda a alte­ração.

Coloração d'uni vermelho pallido, unifor­me, do interior da laryngé, da trachea e dos bronchios; nada de arborisaçôes nem de pro-ductos de secreção. Serosidade hemorrhagica nas cavidades plcuraes. Tecido pulmonar de um vermelho escuro, molle, friável, sem hepa-tisação e sem ecchymoses.

A superficie do coração, que é lisa, não apresenta manchas ecchymoticas ; os ventrícu­los conteem uma fraca quantidade de sangue liquido, negro ; a sua face interna a custo perde a côr negra depois da lavagem; as válvulas, sobre­tudo, parecem ter sido embebidas por macera­ção n'um liquido análogo a summo d'ameixas.

A aorta e as carótidas conteem também sangue negro; a sua face interna tem uma côr mais clara que as válvulas auriculo-ventrículares. Nada digno de menção na bocca nem no esophago.

O estômago e os intestinos, vistos por transparência, offerecem manchas escuras, que parecem estar no seu interior. Piritoneo no estado normal. Vacuidade de veias abdomi-naes. Nada de arborisações á superficie do tubo digestivo.

Aberto, o estômago aj)resenta: um líquido turvo, escuro, sem alimentos ; uma côr cin-

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zenta adiante da mucosa, vermelha atraz; não ha distensão nem arborisações vascula­res, mas placas ou manchas escuras em nu­mero de 14 ou 15, arredondadas, muito regula­res e salientes, distribuídas no fundo do sac-co e sobre as curvaturas. Raspando com o bisturi obtem-se uma borra semelhante á ma­teria melanica que se vomita em casos de can­cro do estômago. Se se fazem cortes perpen­diculares encontra-se uma substancia escura, homogénea, quasi negra.

A membrana fibrosa subjacente á mucosa é tinta d'um vermelho escuro ; a membrana muscular é sã. A lavagem e mesmo a raspa­gem não fazem desapparecer as manchas, que fazem corpo com a mucosa. A parte não attin-gida da mucosa conserva a sua côr e aspecto ordinários.

No intestino delgado encontram-se 25 a 30 manchas ou placas, irregularmente distribuí­das a partir d'alguns centímetros abaixo do duodeno ; são menos largas e menos salientes que no estômago. No intestino grosso não existem. Baço pequeno, amollecido. Fígado e rins, molles e friáveis, d'uma côr muito es­cura.

No dia da autopsia, um bocado da pálpe­bra inferior e do baço d'esté homem, embe­bidos em sangue, foram introduzidos sob a pelle d'um gato e mantidos por uma sutura.

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0 animal, que durante três dias não pare­cia softer, morreu ao quinto dia. Emfim, o exame microscópico, feito por Davaine, ao quarto dia depois da morte, deu os resultados seguintes : glóbulos não distinctes ; numerosas bacteridias, curtas e sem movimentos, distin-ctas dos microorganismos da putrefacção.

Um caviá inoculado immediatamente com este sangue e examinado no dia seguinte, mos­trou de novo bacteridias, que a potassa e o acido sulfúrico deixaram intactas.

O baço continha um numero considerável d'estes corpúsculos, e bolhas negras, unica­mente constituídas por sangue, no qual se re­conheciam ainda hemacias e um numero consi­derável de granulações amorphas d'hematoidi-na. O sangue estava infiltrado na expessura da camada mucosa superficial e não havia gan­grena.

O edema maligno é, pois, evidentemente, sob o ponto de vista clinico e microscópico, uma doença de natureza carbunculosa, e o mi­croscópio não fez senão confirmar a identida­de d'esta doença com as outras variedades do carbúnculo humano, principalmente com a pústula maligna, a melhor estudada e a mais frequentemente observada.

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CAPITULO i \

Diagnostico

O estudo dos symptomas, da marcha da doença, dos seus caracteres, auxilia-nosmuito o diagnostico, única base solida do tratamento.

Uma das coisas que é preciso não esque­cer é que a doença carbunculosa, se bem ca-racterisada na maior parte dos casos, é uma das que dão logar aos mais perigosos enga­nos. U m bom diagnostico d'esta doença é pois, indispensável ao medico consciencioso e honesto, que receie intervir intempestiva­mente : oxi muito cedo, sujeitando o paciente a uma therapeutica activa, inutil, ás vezes mesmo prejudicial; ou muito tarde, quando já seja impossivel a sua salvação.

Nós vamos expol-o d'uma maneira geral;

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depois approximaremos e distinguiremos a doença das différentes affecções que podem assemelhar-se-lhe; emfim, terminaremos este capitulo, dizendo algumas palavras sobre a inoculação aos animaes e sobre o exame mi­croscópico, sob o ponto de vista do diagnos­tico.

O carbúnculo do homem, revelado pela sua forma mais frequente, a pústula maligna, traduz-se pelos signaes seguintes: prurido, sensação mais incommoda que dolorosa, sobre um ponto muito restricto, sem rubor nem ca­lor; entorpecimento geral da região attingida, as mais das vezes picadas passageiras pare­cendo ao doente que tem alfinetes debaixo da pelle; apparecimcnto d'uma pequena mancha vermelha, immediatamente transformada em vesícula, a qual, lacerada pelo attrito, se re­forma, depois de ter dado sahida a um liqui­do seroso, amarellado, que pôde tornar-se turvo, hemorrhagico, mas nunca purulento.

Esta mancha, logo em seguida a estas modificações, deprime-se, endurece, ao mes­mo tempo que á volta d'ella se vão formando a principio vesículas finas e depois grossas. Lancetando quer a parte central, negra e dura, quer a aureola vesicular, não se obtém piís, circumstancia importante a notar, mas um liquido seroso, mais ou menos turvo e he­morrhagico. Estes signaes, que se acompa-

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nham habitualmente d'apyrexia, de diminui* ção de forças, d'anorexia, de nauseas, são já sufficientes para esclarecer o medico ; mas a duvida só deixa de existir, quando, pelos com-memorativos se descobre, d uma maneira po­sitiva, que o doente, pela sua profissão, pela sua permanência intima e prolongada com animaes carbunculosos ou cohabitação com individuos attingidos d'esta doença, pela de­mora n'uma região onde reinem affecções car-bunculosas, teve probabilidades de contratar o carbúnculo.

O signal mais palpitante, mais geral e o mais característico é a ausência de dores lo-caes propriamente ditas.

Os symptomas locaes e geraes comple-tam-se e desenham-se cada vez mais: com effeito, a mancha central da pústula torna-se completamente negra e assemelha-se a uma escara produzida por um cáustico, tomando lima dureza lenhosa; a aureola vesicular en-contra-se augmentada de volume e mais som­bria ; os tecidos subjacentes engorgitam-se, notando-se na visinhança já edema também. Ao mesmo tempo, o doente accusa diminuição accentuada de forças, as nauseas, a anorexia augmentant, entristece e tem arrepios.

N'este momento, ainda propicio, não é possivel o engano, e se não se apressa o tra­tamento, os signaes da intoxicação, que co-

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meçam a pronunciar-se, vão marchar rapida­mente; os accidentes locaes desenvolver-se-hão e a infecção carbnnculosa tornar-se-ha manifesta, tão manifesta como a impotência da arte.

O edema maligno, independentemente do auxilio dos conhecimentos anamnesticos que acima referimos, em relação á pústula mali­gna, reconhece-se pela presença bastante fre­quente d'uma pequena pústula, d'alguma ma­neira abortada, da visinhança, e, em todos os casos pelos signaes seguintes : o edema prin­cipia, ordinariamente, pela pálpebra, pelo pes­coço, pelo seio ou pela axilla; do começo pal-lido, pequeno, augmenta rapidamente com in-duração no seu centro; o doente experimenta a principio, também, prurido na região inva­dida, um formigueiro intermittente, e depois uma insensibilidade completa.

As alterações gástricas, a prostração ge­ral e a acceleração do pulso depressa se pro­nunciam, acontecendo mesmo não serem prece­didos, estes symptomas, de accidentes locaes, continuando na sua marcha, d'uma maneira assustadora e sem que pela medicação, muitas vezes, por mais activa que seja, se possa obter um bom resultado.

Tem-se proposto vários meios de assegu­rar o caracter carbunculoso do edema mali­gno ; mas o que nos pareceu mais acceitavel

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foi o de M. Monguet, confirmado com muitas observações por Gruipon, o qual consiste no seguinte: fazer uma incisão, segundo o maior diâmetro, em todos os botões suspeitos; no caso de apparecer o mais leve vestígio de pús, poderemos, d'uma maneira segura, pôr de parte a ideia de carbúnculo.

Quanto á febre carbunculosa sem pústula, nem edema, felizmente muito mais rara que as precedentes variedades que temos estudado, poderá reconliecer-se pelos seus caracteres in­sólitos, pela grande prostração do doente, pelo grande ardor que sente interiormente, pelas dores que accusa no ventre, pela sede inten­síssima, ainda pelo pulso que é relativamente regular; mas sobretudo, devemos dizel-o, pelo conliecimento dos precedentes do doente, taes como profissão, sua promiscuidade intima e prolongada com os animaes carbunculosos, ou sua cohabitação com individuos attingidos d'esta doença, pelo uso, emfim, que terá feito de carnes d'animaes mortos de carbúnculo.

Diagnostico differencial

Exposto o diagnostico geral, e d'alguma maneira absoluto, da doença carbunculosa do homem, auxiliados por estes dados importan­tes, vamos fazer o estudo comparado dos dif­férentes typos mórbidos que podem induzir o

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pratico em erro, isto é, vamos traçar o diagnos­tico differencial do carbúnculo e das doenças que mais se assemelham com elle, pelo menos na apparencia.

FURÚNCULO.—O furúnculo, pela variedade das suas formas, da sua sede, pela sua maior ou menor intensidade, pela sua depressão e gangrena centraes ou pela presença d'uma ve­sícula no seu vértice, o que não é muito raro, pela inflammação e engorgitamento edematoso da região sobre a qual repousa, pôde muito facilmente dar logar a um engano, que os prá­ticos, mesmo os mais experientes, nem sempre podem evitar. Porém ha caracteres differen-ciaes, que nos tirarão de embaraços, os quaes são os seguintes: o furúnculo tem uma forma cónica, ao contrario da pústula maligna que é lenticular; á pressão, produz clôr muito agu­da; na sua base não apresenta aureola vesicu­lar; pela incisão exploradora, encontra-se uma pequena collecção de liquido amarellado, p u ­rulento; emfim não ha furúnculo sem carni-cão central e a presença d'esté signal bastará para nos tirar de duvidas.

EDEMA SIMPLES.—O edema simples, muito frequente nas pessoas lymphaticas e nas crean-ças, de fácil confusão com o edema maligno, clistingue-se pela rapidez da sua formação, pelas suas relações, sempre fáceis de apanhar, com a causa que o produziu, pela ausência de

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phlyctenas, de symptomas geraes, d'induraçao central.

EEYSIPELA. — Em algumas pessoas, como os velhos, as pessoas novas e lymphaticas, en-contra-se uma forma de erysipela sub-aguda, pouco inflammada, alastrando-se muito rapi­damente, acompanhando-se de phlyctenas, de febre, de nauseas, de prostração, e que, em certas circunstancias, n'uma resfião invadida pelo carbúnculo, por exemplo, poder-se-hia tomar pela pústula maligna ou pelo edema maligno. Eis os meios de diagnostico que se podem invocar: na erysipela, as pldyctenas são espalhadas irregularmente em volta d'uni núcleo central, e cheias d'um liquido claro, que depressa se turva e se torna purulento; não ha escara nem engorgitamento considerá­vel; além d'isso a erysipela sub-aguda ou ato-nica principia, as mais das vezes, pela orelha ou pelo nariz, invadindo somente depois as pálpebras, e fronte; provoca uma sensação de queimadura constante e dôr á pressão; emfim. ha ordinariamente recidivas d'esté género de doença e, em todos os casos, a sua marcha é muito menos rápida.

ANTHRAZ BENIGNO.—Esta affecção, de na­tureza furunculosa, ás vezes grave, distingue-se da pústula maligna, pelos signaes seguin­tes: attinge geralmente os velhos, as pessoas lymphaticas ou de fraca constituição, os dia-

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beticos ; principia por um pequeno furúnculo, ao qual se juntam outras, que se reúnem e formam um tumor vermelho, fortemente in-flammado, muito doloroso, sem febre a prin­cipio, tomando uma côr violácea quando aban­donado aos accidentes que lhe são próprios, empallidecendo e calmando-se quando tratado pelos emolientes, antiphlogisticos ; diminuindo pelo desbridamento, pelas incisões cruciaes ou subcutâneas ; emfim, distingue-se pelo appare-cimcnto rápido de pontos de suppuração, que se confundem pouco a pouco, e dão sahida a um enorme carnicão, dando logar consecuti­vamente a uma suppuração abundante, acci­dentes últimos que constituem precisamente os principaes perigos da doença.

A's vezes, todavia, o anthraz approxima-se da pústula maligna pela sua forma hemisphe-rica, pela coloração violácea no centro e so­bretudo pela presença de plilyctenas na visi-nhança ou á sua superficie. Apezar de tão grande semelhança, ha signaes que nos podem servir para evitar a confusão, coin a pústula maligna.

A pústula maligna, distingue-se pela sua vesícula na placa negra central, pela aureola vesicular, pelo edema dos tecidos visinhos, pelo seu estado indolente, pela depressão cen­tral e, emfim, pela ausência de suppuração superficial ou profunda.

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Eiufim, para não desprezar nenhuma das doenças, (pie possam offerecer alguma analo­gia com o carbúnculo humano, juntamente com as que passamos em revista, terminare­mos esta parte do nosso estudo pelo quadro que segue e que nos dâ os signaes differen-ciaes de cada uma d'ellas.

QUADRO SYNTHEXICO E SYNOPTICO DOS SIGNAES DIFEE-KENCIAES DA DOENÇA CARBUNCULOSA DO HOMEM COM AS DOENÇAS QUE MAIS SE ASSEMELHAM.

1.° Entre a pústula maligna e o furúnculo: Pústula maligna

Aureola vesicular A' pressão, indolente Não dá pus Ausência do carnicão

Furúnculo

Aureola inflammada A' pressão, muito doloroso Liquido purulento na base Presença constante de

carnicão

2.° Entre o edema pies ou benigno :

Edema maligno

Symptomas geraes

Ausência de causa exter­na apreciável

Induração central Phlyctenas disseminadas Inefficacia dos tópicos

maligno e o edema sim-

Edema simples

Ausência de symptomas geraes

Causa externa fácil de constatar

Ausência d'induraçâo Ausência de phlyctenas Successo prompto com os

tópicos emolientes ou adstringentes

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3.° Entre o edema maligno e a eiysipela sub-aguda:

Edema maligno

Principia pela pálpebra ou seio, o pescoço, a axilla

Indolente á pressão Tumefacção considerável,

irregular, molle, exce-to sobre um certo ponto

Erysipela sub-aguda

Principia pela orelha ou nariz

Dôr á pressão Tumefacção moderada,

uniforme, e dura em toda a superficie

4." Entre a pústula maligna e a herpes :

Pústula maligna

Ausência de febre antes da erupção

Insensibilidade á pressão

Serosidade clara das ve­sículas

Herpes

Febre antes da erupção

Viva sensibilidade á pres­são

Serosidade tenue, depois purulenta, das vesículas

5.° Entre a pústula maligna c a acne:

Pústula maligna E' ordinariamente única Insensibilidade á pressão Aureola vesicular

Serosidade clara

Aone Geralmente múltipla Sensível á pressão Ausência de vesículas pe-

riphericas Materia sebacea ou puru­

lenta

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6.° Entre a pústula maligna e ecthyma:

Pústula maligna E' precedida de prurido

Principia por urna vesí­cula

Não suppura O ponto central negro é

precedido da vesícula serosa

Ecthyma E' precedido de dores la-

cri mantes Principia por uma eleva­

ção da epiderme dura Depressa suppura O ponto central negro é

precedido de suppura-ção

7.° Entre a febre carbunculosa e a febre typhoide:

Febre carbunculosa Ausência de caracter ty­

phoïde Ausência de manchas ró­

seas Dores abdominaes, cons­

tantes, geraes, espon taneas

Marcha rápida Medicação incerta, pouco

util.

Febre typhoïde Symptoniastyphoïdes pro­

nunciados Manchas róseas

Dores na fossa illiaca di­reita, constante, provo­cada

Marcha lenta Medicação bem indicada

e ordinariamente util.

* * *

Inoculação e exame microscópico sob o ponto de vista do diagnostico do carbúnculo humano

A sciencia possue hoje mais dois meios de diagnostico : a inoculação do virus carbuncu-

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loso do homem aos animaes ou do animal car-bunculoso a um animal não doente, e o exame microscópico das partes carbunculosas e do sangue.

Não indispensáveis nos casos bem nítidos da pústula maligna e do tumor carbunculoso para demonstrar o seu caracter, a sua natu­reza, são necessários comtudo para reconhe­cer todos os casos duvidosos e para assentar definitivamente os nossos conhecimentos a pro­pósito da febre carbunculosa, do edema mali­gno, que já tem por si a triplico saneção da analogia, da inducção e da experiência clinica. Comprehende-se que seja d'uma necessidade mais poderosa ainda quando se trate de fazer adoptar ou prevalecer um notável agente the-rapeutico, que não pódc admittir-se sem que o diagnostico seja certo.

Todavia, qualquer que seja a utilidade d'estes dois processos d'investigaçao, tão pou­co apphcaveis na pratica, tem qualidades e um valor différentes que merecem a nossa at-tenção e a nossa critica.

A inoculação parece-nos mais segura e mais ao alcance de cada um que o exame mi­croscópico, que suppõe, no maior numero dos profissionaes, a posse e o habito d'um instru­mento dispendioso e difficil de manejar.

Pelo contrario, emquanto que a inocula­ção, excepto para a pústula, não seria fácil de

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fazer- se seguramente sem autopsia, isto é, sem a morte do doente, algumas gottas de sangue bastam para, pelo microscópico se constatar as bactérias que n'elle possam existir. As objecções não param aqui. Com effeito, quan­do ha duvida, mas que os signaes objectivos e indirectos do carbúnculo fazem suppôr a sua existência, quando, principalmente, pela inci­são exploradora não se encontra nenhum ves­tígio de pús, não seria expôr-nos a graves successos, esperar para actuar, pela luz forne­cida pela inoculação, a qual pôde falhar, em­bora feita convenientemente, ou não dar re­sultado senão tardiamente, ás vezes no fim de 3, 5, 7 dias e mais?

Achamos mais razoável, em casos de dia­gnostico duvidoso, mas affirmativo, expôr-nos a recorrer a um meio de tratamento inoppor-tunamente enérgico do que, confiados na forma de inoculação, deixarmos que a doença mar­che e se aggrave. Ora, quem não preferiria o primeiro inconveniente ao segundo?

líesumindo, diremos que a inoculação é excellente em principio, como processo scien-tifico, mas não como meio de diagnostico pra­tico, corrente, por apresentar o inconveniente de não ser facilmente applicavel.

Além do que, devemos concluir que, se o successo da inoculação é uma prova decisiva em favor do caracter carbunculoso, a sua fa-

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lha implica a probabilidade, mas não a cer­teza da completa ausência d'esté caracter.

Pelo que diz respeito ao exame microscó­pico, faz-se, quer directamente sobre o sangue, sobre a serosidade da pústula, sobre as por­ções carbunculosas do doente, quer indirecta­mente sobre os órgãos do animal inoculado. N'estas duas circumstancias, este modo de in­vestigação é prompto, fácil, para quem o saiba empregar, e pôde servir-nos para verificar e completar os resultados da inoculação. Mas além dos inconvenientes que apontamos, se inconvenientes se podem chamar, este processo possue outros que não podem passar em si­lencio : o primeiro e o mais importante, é que os bastonetes, encontrados no sangue e nos produetos carbunculosos, não differem d'uma maneira bastante sensivel das bactérias en­contradas n'outros j^roduetos mórbidos.

Apresentando estas ligeiras objecções, não queremos de maneira nenhuma, devemos de-claral-o, nem despresar, nem fazer diminuir de valor estes processos de investigação ; pelo contrario, applaudimos com todo o enthusias-mo os esforços dos medicos, que mais tem con­tribuído a iniciar estas nossas fontes de dia­gnostico verdadeiramente scientifico, progres­so a que ninguém negará a importância.

Julgamos, pois util, c outra coisa não temos em vista, darmos algumas indicações

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que possam guiar o experimentador na sua applicação.

INOCULAÇÃO.—A observação, tão bem como as différentes investigações experimentaes, diz-nos d'uma maneira evidente que o carbúnculo é essencialmente inoculavel. Os caracteres, de resto, que Salmon e Maunouiy reconhecem na pústula inoculavel, differem pouco d'aquelles que temos admittido para a pústula grave; exiguidade das suas dimensões, forma umbili-cada, côr negra e dureza coreacea do ponto central, aureola vesicular, sensação antes pru-riginosa que dolorosa, engorgitamento do te­cido cellular subjacente, grande vascularisa-ção d'esté tecido, o ponto negro central exan­gue, insensível e rude ao bisturi ; marcha rá­pida dos accidentes locaes e geraes.

Para praticar a inoculação dispõe-se de vários processos, que são: 1.° a simples intro-clucção de lanceta na pelle, contendo os pro-duetos suspeitos; 2.° injecção sub-cutanea ou n'uma veia, com o auxilio da seringa de Pra-vaz, d'estas mesmas substancias conveniente­mente diluídas em caldo ou soluto physiolo-gico, operação hoje familiar a todos os práti­cos, tão vulgarisada está, na therapeutica e medicação hypodermica; 3.° introducção, de­baixo da pelle d'uma região bastante vascu­lar, de fragmentos triturados e emulsionados, da pústula, de borra splenica, para o que,

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uma simples incisão e uma sutura bastam para assegurar a execução ; 4.° introducção das mesmas substancias, solidas ou liquidas, no estômago, fazendo comer ao animal porções de vísceras cruas e não putrefactas; 5.° pode­mos também, introduzir as substancias no pulmão, insufflando ou fazendo respirar ao animal porções carbunculosas seccas e pulve-risadas.

E ' necessário, para que a inoculação dê resultado, operar com produetos recentemen­te recolhidos, pois que a putrefacção destróe promptamente, segundo Davaine, a bacteri-dia. Em caso de duvida, recorrer-se-lia á ino­culação suecessiva, a qual consiste em inocu­lar, a um oil vários anhnaes, o sangue ou os outros produetos da primeira inoculação, po­dendo o resultado obtido ser indefinido ou mesmo tomar uma energia crescente pela re­novação do virus em cada organismo novo. Segundo Davaine, os animaes preferidos para a experiência são o caviá, e as regiões, em que deve praticar-se a inoculação, as que sejam mais ricas em tecido cellular e sobretudo em vasos, taes como por exemplo : a face interna da coxa, prega da virilha, a axilla, etc.

Feita a inoculação, a morte do animal so­brevem ao G.° dia, raramente mais tarde.

Supérfluo será lembrarmos que os instru­mentos destinados a esta operação devem

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usar-se segundo os rigores da asepsia e anti-sepsia.

EXAME MICROSCÓPICO. — O que se propõe constatar n'este exame, é a presença das ba­ctérias. Ora, como ellas se encontram no san­gue, onde se multiplicam com uma incalculá­vel rapidez, é n'este liquido que devemos pro-cural-as. Encontral-as-liemos, com mais segu­rança e em maior abundância, segundo Da-vaine nas vísceras, onde o curso do sangue é retardado, como o baço, o figado e o pulmão.

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CAPITULO V

Prognost ico

A conmiuni cação da doença carbunculosa ao homem 6 o fim essencial que temos em mira n'este nosso trabalho.

Considerando, pois, a doença sob este pon­to de vista, podemos dizer d'uma maneira ge­ral (pie o seu prognostico é sempre grave, e que esta gravidade tem graus correspondentes ás circumstancias que vamos expor succinta-mente e por assim dizer parallelamente, de maneira a melhor serem gravadas no espirito sob a tríplice rubrica de «Prognostico muito grave», «Prognostico mediamente grave» e «Prognostico favorável ».

PROGNOSTICO MUITO GRAVÉ. — Quando a doença apparece, nas épocas extremas da vida,

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na mulher edosa sobretudo, nas estações frias e húmidas ; quando resulta do contagio inter­no, ou quando a intoxicação tem logar quasi ao mesmo tempo que a inoculação ou contagio externo ; quando o tratamento tem sido appli-cado tarde, no ultimo período, ou d'uma ma­neira muito pouco enérgica, no começo; quan­do se trata d'uma pústula maligna restoicta, indolente, sem sensibilidade nem reacção lo­cal, ou da pústula maligna múltipla, do ede­ma maligno, da febre carbunculosa.

PROGNOSTICO MEDIAMENTE GRAVE.—Appa-recimento da doença no periodo médio da vida, sobretudo dos 10 aos 30 annos; na estação quente; nas constituições fortes; depois do contagio externo ; quando os symptomas ge-raes tardem em pronunciar-se; quando o tra­tamento tem sido convenientemente enérgico e combinado logo no começo, na 1." metade do 2.° periodo pelo menos; quando se trate d'uma pústula maligna desenvolvida, doloro­sa, inflammada; emfim, quando occupe par­tes resistentes, pouco depressiveis, isto é, po­bres em tecido cellular, taes como o mento, a fronte, etc.

PROGNOSTICO FAVORÁVEL.— Quando ha au­sência ou cessam os symptomas geraes ; quan­do ha delimitação nitida da escara central; quando apparece um liquido purulento na li­nha de demarcação ou abaixo das partes morti-

G

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ficadas; nos casos em que deixa de desenvol-ver-se e resolve o edema peripherico.

Mas, não obstante estes signaes tranquilli-sadores, o pratico deve estar de sobre-aviso, porque a morte pôde sobrevir bruscamente, sem que nenhum symptoma alarmante a te­nha feito prever.

Será, pois, conveniente esperar que a con­valescença seja bem confirmada, para se to­mar uma resolução, e n'isto não se faz mais do que seguir a regra da prudência, imposta para o prognostico, como também para o tra­tamento, em todas as doenças de marcha insi­diosa.

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CAPITULO VI

Tratamento

Dividiremos este capitulo, por conveniên­cia d'estudo, ordem e clareza, em três secções: «Tratamento cirúrgico»; «Tratamento medi­co»; «Tratamento prophylatico».

Tratamento cirúrgico

Este tratamento consiste na destruição da bacteridia carbunculosa no logar, nos tecidos onde se depositou e produziu os seus primei­ros effeitos.

E' d'um valor incontestável e, na opinião de todos os homens experimentados, é preferí­vel este methodo, em certeza e promptidão, a todos os outros, quer locaes quer geraes, con-

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tra o carbúnculo. Os meios empregados são a cauterisação pelo ferro ao rubro e a cauterisa-ção potencial ou pelos cáusticos conhecidos, líquidos ou sólidos. Como cáusticos liquidos figuram principalmente os ácidos sulfúrico, nítrico e clilorliydrico, e como sólidos o nitra­to de prata, a potassa cáustica e o sublimado corrosivo.

A acção do thermocauterio ou de qualquer dos cáusticos, poderia bastar para destruir o mal ; mas nós julgamos, com a maior parte dos cirurgiões, que a destruição da bacteria, para ser mais completa, mais regular e mais prompta, deve ser precedida de escarificações com a tesoura curva, quando a pústula é su­perficial e facilmente atacavel ; de incisões mais completas, de dissecção e resecção tão radical quanto possivel, quando a pústula é dura, deprimida e repoisa sobre uma base pro­funda e resistente.

Modo d'applicaçao dos meios cirúrgicos indicados

O grande preceito, que não deixamos de repetir, é, em toda a doença carbunculosa por contagio externo, revelando-se sob a forma de pústula ou de edema, destruir sem hesitar as partes carbunculosas, consideradas, com justa razão, como o foco d'onde irradiarão os acci­dentes consecutivos.

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CAUTERISAÇÃO LIGEIRA. — Quando a conta­minação é recente, uma pequena incisão, desti­nada a favorecer o escoamento do sangue e facilitar a acção d'um catheretico simples, tal como o acido nítrico, ou o nitrato de prata, basta ordinariamente.

Se, porém, o período d'incubaçao passou e a pústula começa a apparecer, teremos que empregar meios mais enérgicos ; assim, é ne­cessário fazer-se a incisão crucial e a applica-ção immediata e prolongada dos cáusticos lí­quidos ou sólidos, com a cautela que reque­rem estes agentes chimicos.

CAUTERISAÇÃO PELO FERRO AO RUBRO.— Este processo é o mais seguro, simples e ex­pedito.

No dia immediato ao da sua applicação, no caso d'insuccesso ou de successo duvidoso, o que se reconhece se a escara resultante da cauterisação não é bem caracterisada, se a dor, a infiammação e sobretudo a tumefacção não tem feito progresso, tirar-se-ha com a pinça e o bisturi as partes escarificadas, as­sim como as novas porções carbnuculosas e renovar-se-ha com mais rigor a operação.

Quando a doença não é recente e se re­vela sob a forma d'uni tumor desenvolvido, duro, enterrando-se no meio dos músculos, mesmo dos vasos, é necessário recordar o preceito tão bem traçado, em poucas pa-

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lavras, por Celso: Nihil melius est quàm pro-tinùs addurere, e, para attingir o fim mais seguramente, circumscrevel-o por incisões me-thodicas, dissecal-o, poupando o mais possi vel os órgãos importantes, que tem conservado quasi sempre o seu aspecto e caracteres ordi­nários e fazer em seguida a applicação, de­morada, e repetidas vezes, do thermocauterio por toda a escavação resultante. Algumas compressas frias devem ser applicadas em se­guida.

No caso da pústula ser completa ou o tu­mor bastante desenvolvido e sendo já pronun­ciados os symptomas geraes, a cauterisação ainda tem logar, senão para destruir d'uma maneira completa a bacteria que se encontra em parte absorvida e espalbada no organismo, para destruir alguma que fique no logar, para exercer uma revulsão activa e poderosa, e contrabalançar a influencia séptica sobre a economia.

Prooesso mixto pelo tbermo-cauterio e os cáusticos

Nas pústulas malignas muito graves, de marcha rápida, quando não haja a certeza de, somente pelos cáusticos ou só pelo ferro ao rubro, dominar a situação, é racional e de boa pratica combinar estas duas espécies de tratamento. Alguns cirurgiões empregam con-

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currentemente, ou antes successivamente, o thermo-cauterio e o sublimado; outros, o pri­meiro d'estes agentes e o acido azotico ou um cáustico liquido qualquer.

Os que optam pelo sublimado, enchem d'esté medicamento, grosseiramente pulveri-sado, a exeavação resultante d'applicaçao do ferro ao rubro, desembaraçado, se é possível, do sangue ou restos viscosos que a obstruam, e manteem-no no logar por meio d'um penso apropriado. Os que adoptam os cáusticos líqui­dos enchem a cavidade, produzida pelo thermo-cauterio, d'algodao embebido d'estes agentes chimicos, retirando-o no fim d'um numero maior ou menor d'horas, segundo a resistência do mal, isto é, segundo a extensão e a pro­fundidade dos tecidos que se querem destruir. 0 inconveniente, que parece resultar d'esté tra­tamento, é a dôr prolongada durante a pre­sença do agente destruidor. Depois de levan­tado o penso, julgamos conveniente fazer a applicação demorada de fomentações frias ou emollientes, para acalmar a dôr e moderar os effeitos da reacção.

Applicação dos meios precedentes segundo as variedades da doença

As considerações, que temos feito, dirigem-se ás affecções carbunculosas com manifesta-

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ções externas, especialmente á pústula mali­gna. Nâo será, pois, de mais indicar o trata­mento cirúrgico que melhor convém ao edema maligno e em que elle diffère. Pelo que diz respeito á 3." variedade, ou febre carbun-culosa, admittida e observada por muitos au-ctores, não nos podemos occupai' d'ella n'este momento, visto não ser cirúrgico o seu trata­mento .

EDEMA MALIGNO.—Esta forma muito gra­ve do carbúnculo marcha, a maior parte das vezes, em concomitância com uma intoxicação geral, quando não é a consequência d'ella.

O seu tratamento externo não pôde, pois, ser senão incerto e mediocremente satisfacto-rio. A cauterisação não tem aqui o mesmo ri­gor d'applicaçao e não obedece a regras tão bem definidas. Todavia Bourgeois mostra al­guma confiança na propriedade abortiva ou substitutiva da tintura d'iodo e sobretudo do nitrato de prata diluído em agua, applicado em pincelagem nas pálpebras, quando a tume-facção é recente. Guipon aproveitando este tratamento, indicado com fé por Bourgeois, fez a experiência em 15 casos, obtendo excel­lentes resultados. Mas quando a doença tem marchado, está generalisada, como attingir e destruir o virus espalhado já na economia? Formadas as phlyctenas, as placas ecchymo-ticas, o núcleo duro central, é sobre estes

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pontos, depois de desnudados, que convém actuar, ou seja com o thermo-cauterio, que, segundo alguns auctores, tem uma acção mais viva e franca, ou com um cáustico potencial, de preferencia o sublimado, grosseiramente pulverisado e mantido no logar por meio d'uni emplastro agglutinativo. Em seguida á cauterisaçâo, recommendam os práticos lar­gas e frequentes fricções com a pomada mer­curial camphorada, as fomentações de quinina muitas vezes renovada. Se o edema é pouco desenvolvido e o estado geral não é grave poderá usar-se de pincelagem com o nitrato de prata, aconselhada por Bourgeois e expe­rimentada por Guipon com algumas curas promptas e sem deformidade; mas parece-nos que, se alguns resultados bons se tem obtido, só excepcionalmente, comparando a fraca acti­vidade do meio empregado com a gravidade e a marcha rápida do mal.

Tratamento medico

D'uma maneira geral, é necessário não perder de vista que a doença carbunculosa é rápida na sua evolução e d'uma natureza es­sencialmente deprimente. Nos casos mesmo mais simples, está pois indicado prescrever os tónicos e uma boa alimentação. Se, não obstante a operação cirúrgica, os symptomas

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d'intoxicaçao se pronunciam ; se, desde o prin­cipio, estes mesmos symptomas existem, isto é, desde que se suppõe a infecção, devemos pro­curar eliminar o virus por todas as vias, em­pregando os purgantes, sudorifícos e diuréti­cos, e neutralisal-o quanto possivel pelos an-tisepticos, tónicos, por uma alimentação e be­bidas generosas.

E ' este o tratamento que achamos racional no caso de doença carbunculosa por absorpção interna ou febre carbunculosa, em que o tratamento cirúrgico é impossivel, ou quando se trata das outras variedades com sympto­mas geraes d'intoxicaçao.

Segundo Debove, dar-se-ha ao doente, como tratamento interno : a tintura d'iodo (2 a 4 gottas de 2 em 2 horas), os tónicos, o alcool em alta dose e as inhalaçôes d'oxygenio.

Tratamento prophylactico

Este tratamento tem por fim, empregando todos os meios, todas as medidas proprias, prevenir o carbúnculo, atacal-o, impedir o seu desenvolvimento.

Os principaes são os seguintes: a diminui­ção da quantidade do gado junto n'um mesmo logar, a sua disseminação ou deslocamento frequente; a moderação do trabalho, sobretu­do em tempo de epidemia; a ventilação e boa

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limpeza dos curraes ou cavallariças onde se recolhem os animaes. Quanto a alimentação, que é a causa predisponente mais certa, deve ser variada, de boa qualidade, secca, substan­cial, alternada com a nutrição verde, aquosa.

Desde que a epidemia se annuncie, a ap-plicação d'estas diversas medidas hygienicas deve ser a mais rigorosa, e é então sobretudo que é necessário recorrer exclusivamente á alimentação reconhecida como a mais natural e a mais sã. proceder á limpeza dos curraes e cavallariças com extremo rigor, desinfectan-do-as mesmo por meio de vapores ammonia-caes; emfim, moderar quanto possivel o traba­lho dos animaes, como também proceder-se ao isolamento dos individuos doentes, á destrui­ção pela combustão ou o enterramento, prom-pto e o mais profundo, dos animaes mortos e de todas as substancias que possam conter e communicar o virus.

* *

Por ultimo, para terminar este capitulo, quero referir-me ás tentativas de serotherapia e de immunisação.

E ' este o caminho mais scientifico da thera-peutica ; foi por elle que se chegou á cura da diphteria; foi por elle que, muito antes, se

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chegara empyricamente á immunisação anti-variolica ; e, seguindo na mesma esteira, Beh­ring parece estar em via de descobrir o pro­cesso de immunisaçào contra a tuberculose.

Contra todas as doenças infecciosas se teem feito tentativas, mais ou menos coroa das de êxito, de serotherapia e de immunisa­çào.

O carbúnculo não esqueceu e foi até con­tra o bacillus anthracis que primeiramente se trabalhou com affinco.

Resumirei, em breves palavras, o que ha as­sente a respeito das alterações bacillares, cel-lulares e humoraes, que se dão, quando o ba-cillo de Davaine entra em lucta com o or«'a-nismo vivo, e do partido que os bacteriologis-tas teem tirado e esperam ainda tirar do co­nhecimento d'essas alterações.

A bacteridia carbunculosa soffre modifica­ções notáveis na sua morphologia, quando so­bre ella reagem os soros sanguíneos de diver­sos animaes.

Na cobaya, o bacillus anthracis desenvolve-se á vontade, com a forma de bellos filamentos regularmente segmentados, como se pullu­lasse n'um caldo de cultura apropriado ; no coelho apresenta-se sob a forma de bastone-tes, isolados ou reunidos dois a dois; na rã dispõe-se em cadeias muito longas e finas e irregularmente segmentadas ; no soro do gato

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e do cão, ao fim de 24 lioras vêem-se bastone-tes longos, expessos e isolados ou reunidos aos pares.

Vejamos agora que acção exercem os di­versos' soros sobre a virulência do bacillo de Davaine.

Introduzindo uma cultura virulenta d'esté micróbio debaixo da pelle d'uma lesma, Kar-linski. passados vinte minutos, retirou outra vez o liquido e semeou-o em placas. Essas placas, ou ficaram estéreis, ou appareceram inquinadas com raras e pequenas colónias de bacillus anthracis. Inoculou-as em cobayas e ratos e notou que estes animaes não reagiram contra a bacteridia. No corpo_ da lesma os micróbios foram em parte destruidos, e os que ficaram perderam toda a sua virulência.

Fizeram-se também experiências relativa­mente á acção de certos vertebrados, sobre a virulência d'esté micróbio, mas os resultados por emquanto teem sido contradictories. Pa­rece, comtudo, estar demonstrado que o soro do rato branco tem uma acção nociva sobre a sua acção patliogenica.

Foi Behring o primeiro que fez ensaios so­bre a serotherapia do carbúnculo, lembrando-se da acção que o sangue de rato tem sobre o seu agente* O soro de rato aniquila os effei-tos d'uma inoculação, no murganho, da bacte­ridia não esporulada. Para que a acção favo-

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ravel se manifeste, é preciso pôr o soro em contacto com a cultura e inocular a mis­tura.

Inoculaudo­os separadamente, o animal morre; dada esta circumstancia, a therapeu­

tica não pôde aproveitar com esta propriedade bactericida do soro de rato.

Por isso os experimentadores dirigiram a sua attcnção para o soro dos animaes vacci­

nados. Uom o soro de carneiro vaccinado, Sclavo

conferiu a immunidade ao coelho. Este bacteriologista estudou a acção the­

rapeutica d'aquelle soro e reconheceu que, uma dose de 2 a o centímetros cúbicos, inje­

ctada 12 horas depois da inoculação, impede a morte do animal; se a injecção do soro for feita mais tarde, o animal morre.

As experiências de Sclavo teem sido verifi­

cadas por outros bacteriologista s, que chega­

ram a dosear a acção anti­toxica do soro. Foi Toussaint o primeiro que fez tentati­

vas de vaccinação anti­carbunculosa, attenuan­

do as culturas, por meio d'uma temperatura dysgenesica.

Pasteur repetiu as experiências de Tous­

saint, dando uma explicação mais plausível da acção immunisante dos produetos inocula­

dos. Cultivava o bacillus anthracis a 12", tem­

peratura a que elle se desenvolvia sem espo­

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rular; passado algum tempo, transportava-a para uma temperatura eugenesica.

A bacteridia ganhava então esporos, mas tinha perdido a sua virulência.

Por meio de variações de temperatura, de pressão, de meio, emfini, tem-se chegado a obter culturas inoffensivas e capazes de con­ferir a immunidade a animaes.

Os resultados em veterinária são já ver­dadeiramente brilhantes.

De 1882 até 1884 vaccinaram-se em Fran­ça 1.788:677 carneiros, e a sua mortalidade pelo carbúnculo desceu de 10 °/„ a 0,94 °/o. Para os bois o resultado tem sido também muito animador.

Eis o estado actual da questão. Se, para o homem, ainda não se pode con­

tar com a serotheraphia do carbúnculo, temos o direito de esperar, que talvez não venha mui­to distante o tempo, em que esta doença, bem como todas as demais, que teem como causa um micróbio, possam ser triumphantemente atacadas por este processo.

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Proposições

Anatomia—A conjunctiva é uma bolsa serosa.

Physiologia— Considerando os trabalhos de Atwater, sou levado a crer que o alcool não é tão perigoso alimento como se dizia.

Fathologia geral-O que o berço dá, a cova o tira.

Therapeutica—A composição chimica das aguas mi-neraes não pôde explicar a sua acção therapeutica.

Anatomia pathologica—h falsa membrana diphte-rica é clinicamente característica.

Fathologia externa—Não acho conveniente o uso do tampão depois do avivamento e sutura das fistulas vesico-vaginaes.

Operações—Acho racional a operação de Talma em certas cirrhoses hepáticas.

Fathologia interna—O repouso, ar puro e super-alimentação, tanto estão indicados na tuberculose como nas ulceras da perna.

Hygiene-Os trabalhos de Behring, acerca da vaccina-çáo anti-tuberculosa, levam-me a acreditar que a sciencia ha de achar meio de debellar tão grande mal.

Fartos-Paia o tratamento da infecção puerperal, o melhor medicamento é o collargol.

Medicina legal—Não ha signaes pathognomonics da morte por asphyxia.

Visto, Pode imprimir, Cândido de Pinho. Moraes Caldas.

f RESIDENTE. D I R E C T O R ,

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Erratas mais importantes

IP AO. LINHA ONDE 31 L Ê : LldA-SB

27 l8 é edade é a edade ^9 i5 dos virus do virus 31 28 septicomia septicemia 32 26 dos virus do virus 3? 5 inoculação incubação 3g 3 reconhecel-a reconhecel-o 40 4 princípios e principio se 46 28 e todas a todas 49 6 erysipela tiforme Erysipelatiforme

24 a 36 horas 5a 18 24 a 36 dias Erysipelatiforme 24 a 36 horas

70 2 outras outros 73 3 lacrimantes lancinantes 75 '9 forma prova 77 2 0 de lanceta da lanceta