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Súmula 636-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Súmula 636-STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO PENAL / DIREITO PROCESSUAL PENAL DOSIMETRIA DA PENA Folha de antecedentes criminais é um documento válido para comprovar maus antecedentes ou reincidência Súmula 636-STJ: A folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 26/06/2019, DJe 27/06/2019. Critério trifásico A dosimetria da pena na sentença obedece a um critério trifásico: 1º passo: o juiz calcula a pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59, CP; 2º passo: o juiz aplica as agravantes e atenuantes; 3º passo: o juiz aplica as causas de aumento e de diminuição. Este critério trifásico, elaborado por Nelson Hungria, foi adotado pelo Código Penal, sendo consagrado pela jurisprudência pátria (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1021796/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/03/2013). Maus antecedentes Na primeira fase, as chamadas circunstâncias judiciais analisadas pelo juiz são as seguintes: a) culpabilidade, b) antecedentes, c) conduta social, d) personalidade do agente, e) motivos do crime, f) circunstâncias do crime, g) consequências do crime, h) comportamento da vítima. Antecedentes são as anotações negativas que o réu possua em matéria criminal. Se o juiz entender que o réu possui maus antecedentes, ele irá aumentar a pena-base imposta ao condenado. Trata-se, portanto, de uma circunstância analisada na 1ª fase da dosimetria. O STJ afirma que, em face do princípio da presunção de não culpabilidade, os inquéritos policiais e ações penais em curso não podem ser considerados maus antecedentes. Súmula 444-STJ: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena- base. Esse é também o entendimento do STF: A existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. STF. Plenário. RE 591054/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/12/2014 (repercussão geral) (Info 772). Exemplo de maus antecedentes: Em 05/05/2012, Pedro cometeu um roubo. Em 06/06/2013, ele foi condenado pelo roubo, mas recorreu contra a sentença. Em 07/07/2013, Pedro praticou um furto, iniciando outro processo penal. Em 08/08/2013, a condenação pelo roubo transitou em julgado. Em 09/09/2013, Pedro é condenado pelo furto.

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Súmula 636-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Súmula 636-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO PENAL / DIREITO PROCESSUAL PENAL

DOSIMETRIA DA PENA Folha de antecedentes criminais é um documento válido

para comprovar maus antecedentes ou reincidência

Súmula 636-STJ: A folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 26/06/2019, DJe 27/06/2019.

Critério trifásico A dosimetria da pena na sentença obedece a um critério trifásico: 1º passo: o juiz calcula a pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59, CP; 2º passo: o juiz aplica as agravantes e atenuantes; 3º passo: o juiz aplica as causas de aumento e de diminuição. Este critério trifásico, elaborado por Nelson Hungria, foi adotado pelo Código Penal, sendo consagrado pela jurisprudência pátria (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1021796/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/03/2013). Maus antecedentes Na primeira fase, as chamadas circunstâncias judiciais analisadas pelo juiz são as seguintes: a) culpabilidade, b) antecedentes, c) conduta social, d) personalidade do agente, e) motivos do crime, f) circunstâncias do crime, g) consequências do crime, h) comportamento da vítima. Antecedentes são as anotações negativas que o réu possua em matéria criminal. Se o juiz entender que o réu possui maus antecedentes, ele irá aumentar a pena-base imposta ao condenado. Trata-se, portanto, de uma circunstância analisada na 1ª fase da dosimetria. O STJ afirma que, em face do princípio da presunção de não culpabilidade, os inquéritos policiais e ações penais em curso não podem ser considerados maus antecedentes.

Súmula 444-STJ: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

Esse é também o entendimento do STF:

A existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. STF. Plenário. RE 591054/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/12/2014 (repercussão geral) (Info 772).

Exemplo de maus antecedentes: Em 05/05/2012, Pedro cometeu um roubo. Em 06/06/2013, ele foi condenado pelo roubo, mas recorreu contra a sentença. Em 07/07/2013, Pedro praticou um furto, iniciando outro processo penal. Em 08/08/2013, a condenação pelo roubo transitou em julgado. Em 09/09/2013, Pedro é condenado pelo furto.

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Na sentença condenatória pelo furto, o juiz não poderá considerar Pedro reincidente (art. 61, I, do CP). Isso porque quando praticou o segundo crime (furto), a condenação pelo delito anterior (roubo) ainda não havia transitado em julgado. Logo, não se enquadra na definição de reincidência. Por outro lado, na sentença condenatória pelo furto, o juiz poderá considerar a condenação pelo roubo, já transitada em julgado, como circunstância judicial negativa.

A condenação por fato anterior ao delito que se julga, mas com trânsito em julgado posterior, pode ser utilizada como circunstância judicial negativa, a título de antecedente criminal. STJ. 5ª Turma. HC n. 210.787/RJ, Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 16/9/2013.

Uma vez existente condenação transitada em julgado por fato anterior ao cometimento do delito sub examine, mostra-se correta a conclusão pela existência de maus antecedentes. STJ. 6ª Turma. HC 399.029/PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/06/2018.

Reincidência A definição de reincidência, para o Direito Penal brasileiro, é encontrada a partir da conjugação do art. 63 do CP com o art. 7º da Lei de Contravenções Penais. Com base nesses dois dispositivos, podemos encontrar as hipóteses em que alguém é considerado reincidente para o Direito Penal (inspirado no quadro contido no livro de CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 401):

Se a pessoa é condenada definitivamente por

E depois da condenação definitiva pratica novo(a)

Qual será a consequência?

CRIME (no Brasil ou exterior)

CRIME REINCIDÊNCIA

CRIME (no Brasil ou exterior)

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

REINCIDÊNCIA

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

REINCIDÊNCIA

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

CRIME NÃO HÁ reincidência. Foi uma falha da lei.

Mas gera maus antecedentes.

CONTRAVENÇÃO (no estrangeiro)

CRIME ou CONTRAVENÇÃO NÃO HÁ reincidência.

Contravenção no estrangeiro não influi aqui.

A reincidência é uma agravante da pena Se o réu for reincidente, sofrerá diversos efeitos negativos no processo penal. O principal deles é que, no momento da dosimetria da pena em relação ao segundo delito, a reincidência será considerada como uma agravante genérica (art. 61, I do CP), fazendo com que a pena imposta seja maior do que seria devida caso ele fosse primário.

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I — a reincidência;

Outras consequências da reincidência Além de ser uma agravante, a reincidência produz inúmeras outras consequências negativas para o réu. Vejamos as principais: a) torna mais gravoso o regime inicial de cumprimento de pena (art. 33, § 2º do CP); b) o reincidente em crime doloso não tem direito à substituição da pena privativa de liberdade por

restritiva de direitos (art. 44, II);

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c) o reincidente em crime doloso não tem direito à suspensão condicional da pena – sursis (art. 77, I), salvo se condenado apenas a pena de multa (§ 1º do art. 77);

d) o réu reincidente não poderá ser beneficiado com o privilégio no furto (art. 155, § 2º), na apropriação indébita (art. 170), no estelionato (art. 171, § 1º) e na receptação (art. 180, § 5º, do CP);

e) a reincidência impede a concessão da transação penal e da suspensão condicional do processo (arts. 76, § 2º, I e 89, caput da Lei nº 9.099/95);

f) no concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência (art. 67 do CP);

g) influencia no tempo necessário para a concessão do livramento condicional (art. 83); h) o prazo da prescrição executória aumenta em 1/3 se o condenado é reincidente (art. 110) (obs.: não

influencia na prescrição da pretensão punitiva); i) é causa de interrupção da prescrição executória (art. 117, VI); j) é causa de revogação do sursis (art. 81, I e § 1º), do livramento condicional (art. 86, I e II, e art. 87) e da

reabilitação, se a condenação for a pena que não seja de multa (art. 95). Imagine agora a seguinte situação hipotética: Na sentença condenatória, o juiz, no momento da dosimetria da pena, majorou a pena-base, assim fundamentando sua decisão: “O réu ostenta maus antecedentes, conforme demonstrado pela folha de antecedentes criminais juntada aos autos pelo Ministério Público às fls. 111-112, razão pela qual majoro a pena-base, fixando-a em...” A defesa apelou alegando que os “maus antecedentes” e a “reincidência” somente podem ser comprovados mediante certidão cartorária, não sendo suficiente a mera juntada de folha de antecedentes considerando que esta poderia conter erros, não sendo confiável. A tese da defesa é acolhida pelo STJ? A comprovação dos maus antecedentes e da reincidência precisa ser feita, obrigatoriamente, por meio de certidão cartorária? NÃO. Para o STJ, a comprovação dos maus antecedentes ou a comprovação da reincidência pode ser feita com a juntada da mera folha de antecedentes criminais do réu.

(...) a folha de antecedentes criminais é documento hábil e suficiente à comprovação da existência de maus antecedentes e reincidência, não sendo, pois, imprescindível a apresentação de certidão cartorária. (...) STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1716998 RN, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 08/05/2018.

O registro de condenação transitada em julgado em folha de antecedentes criminais é suficiente para a caracterização da reincidência, não sendo obrigatória a apresentação de certidão cartorária. STJ. 6ª Turma. HC 212789 SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 07/10/2014.

Assim, a folha de antecedentes criminais é documento hábil à comprovação tanto dos maus antecedentes como da reincidência. Por que? Porque a folha de antecedentes criminais já possui fé pública e valor probante para o reconhecimento das informações nela certificadas. (STJ. 6ª Turma. HC 272899 SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/09/2014. A folha de antecedentes criminais expedida contém a identificação do réu, o crime que o condenou e a data do trânsito em julgado da condenação. Essas informações já são suficientes para o reconhecimento da circunstância judicial dos “maus antecedentes” ou para a agravante da “reincidência”, não sendo necessário, portanto, nenhum documento a mais (STJ. 5ª Turma. REsp 285750/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 07/10/2003).

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Esta súmula trata apenas sobre aspectos formais Vale ressaltar que a Súmula 636 do STJ versa unicamente sobre a forma de comprovação dos registros criminais que existem contra o réu, ou seja, ele trata apenas de aspectos formais. Este enunciado não dispõe sobre os registros que se enquadram ou não juridicamente como “maus antecedentes” ou como “reincidência”. Em outras palavras, ela não discute o conteúdo do conceito desses institutos. Logo, a Súmula 444 do STJ não foi afetada e continua sendo plenamente aplicável: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. A Súmula 636 do STJ diz apenas o seguinte: os registros criminais do réu podem ser comprovados pela “folha de antecedentes”. Os registros que estão, portanto, na folha de antecedentes são presumivelmente verdadeiros e produzem efeitos para o processo. A partir daí, se tais registros serão, ou não, considerados como maus antecedentes ou reincidência não é assunto tratado pela Súmula 636. Ex: imaginemos que o MP junta, no processo criminal, a folha de antecedentes do réu e que nela consta a existência de um inquérito instaurado contra ele. Esse documento (folha de antecedentes) é válido e eficaz para o processo. No entanto, apesar desse registro ser verídico – a folha de antecedentes comprovou validamente que existe um inquérito contra o réu – isso não servirá para aumentar a pena-base.