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Maura Penna. 2015 Capa: Leticia Lampert Projeto grafico e editoracao: Niura. Fernanda Souza Revisio: Cere Revisal° grafica: Miriam Gress Editor: Luis Antonio Paim Gomes Dados Internacionais de Catalogacio na PublicaVio (CIP) Bibliotectiria Responsivel: Denise Man de Andr- ..tde Souza — CRB 11/960 P412c Penna, Maura Cnnstruindo u primeiro projeto de pesquisa em educacio mitsica / Maura Penna. — Porto Ale gre: Sulina, 2015. 183 p. ISBN: 973-85-205-0734-6 I. Pesquisa Acad'emica — 2 Metodologia — Pesquisa. 3. Fiuocio — Pesquisa. 4. Educa9io Musical — Fesquisa. I. 'Maio. C11)'J: 371.124 78 CDD: 780 Todos os direitos desta edigão säo reservados para: EDITORA MERIDIONAL LTDA. Editora Meridional Ltda. Av. Osvaldo Aranha, 440 cj. 101 — Born Fim Cep: 90035-190 — Porto Alegre/RS Fone: (0xx51) 3311.4082 www.editorasulina.com.br e-mail: [email protected] Agosto/2015 1 CONHECIMENTO, CIENCIA, PESQUISA: Iscutindo maws pressupostos' Antes de pretender discutir a elaboracao de um projeto de pesquisa, a importante compreender como o campo cientifico se caracteriza e como se diferencia do conhecimento cotidiano e do senso comtun. Apenas sobre essa base sera possivel fundamentar urea proposta academica dc pesquisa que possa contribuir para a formacat, consistente do pesquisador. Assim, este capitulo visa discutir essas nocOes basicas, que constituem nossos pressupos- tos. procurando destacar as diferenyas entre as concepOes de e de pesquisa que se originam nas ciencias da naturezl e aquel2s que buscam atender a especificidade das ciencias huma- nas, corn especial enfase nas abordagens qualitativas. Conhecimento cotidiano e conhecimento cientifico Para iniciar nossa discussio, vamos pegar urn enunciado coirente, que talvez ja tenha sido dito por aiguns leitores deste 1 Este capitulo retoma (e reelabora) parte da discussio apresentada no artigo A pesqui- sa cientifica e sua pratica na area de educacio musical", publicado na coletinea: QUEI- ROZ, Luis Ricardo Silva (Org.). Educacao musical: mültiplos contextos e perspectivas. Joao Pessoa: Editora da UFPB, 2013. 23

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Capitulo 1 sobre metodologia qualitativa

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Page 1: Maura Pena

Maura Penna. 2015

Capa: Leticia Lampert

Projeto grafico e editoracao: Niura. Fernanda Souza

Revisio: Cere

Revisal° grafica: Miriam Gress

Editor: Luis Antonio Paim Gomes

Dados Internacionais de Catalogacio na PublicaVio (CIP)Bibliotectiria Responsivel: Denise Man de Andr-..tde Souza — CRB 11/960

P412c

Penna, MauraCnnstruindo u primeiro projeto de pesquisa em educaciomitsica / Maura Penna. — Porto Ale gre: Sulina, 2015.183 p.

ISBN: 973-85-205-0734-6

I. Pesquisa Acad'emica — 2 Metodologia — Pesquisa.3. Fiuocio — Pesquisa. 4. Educa9io Musical — Fesquisa. I. 'Maio.

C11)'J: 371.12478

CDD: 780

Todos os direitos desta edigão säo reservados para:EDITORA MERIDIONAL LTDA.

Editora Meridional Ltda.Av. Osvaldo Aranha, 440 cj. 101 — Born FimCep: 90035-190 — Porto Alegre/RSFone: (0xx51) 3311.4082www.editorasulina.com.bre-mail: [email protected]

Agosto/2015

1CONHECIMENTO, CIENCIA,

PESQUISA:Iscutindo maws pressupostos'

Antes de pretender discutir a elaboracao de um projeto depesquisa, a importante compreender como o campo cientifico secaracteriza e como se diferencia do conhecimento cotidiano e dosenso comtun. Apenas sobre essa base sera possivel fundamentarurea proposta academica dc pesquisa que possa contribuir paraa formacat, consistente do pesquisador. Assim, este capitulo visadiscutir essas nocOes basicas, que constituem nossos pressupos-tos. procurando destacar as diferenyas entre as concepOes de

e de pesquisa que se originam nas ciencias da naturezl eaquel2s que buscam atender a especificidade das ciencias huma-nas, corn especial enfase nas abordagens qualitativas.

Conhecimento cotidiano econhecimento cientifico

Para iniciar nossa discussio, vamos pegar urn enunciadocoirente, que talvez ja tenha sido dito por aiguns leitores deste

1 Este capitulo retoma (e reelabora) parte da discussio apresentada no artigo A pesqui-sa cientifica e sua pratica na area de educacio musical", publicado na coletinea: QUEI-ROZ, Luis Ricardo Silva (Org.). Educacao musical: mültiplos contextos e perspectivas.Joao Pessoa: Editora da UFPB, 2013.

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texto: "Sempre chove no feriado". Esta afirmacdo expressa clara-mente urn conhecimento do senso comum, urn conhecimento docotidia no, derivado de nossas experiencias de vida, incluindonossa frustracao quando urn passeio de feriado e "estragado"pela chuva — apesar de, na verdade, nunca termos feito urn estu-do sistematizado a respeito. No senso comum, portanto, bastaque o conhecimento seja util ou tradicionalmente aceito paraser considerado valido.

0 conhecimento cientifico, por sua vez, e "um tipo especia-lizado de conhecimento", que tern caracteristicas prOprias, pro-cedimentes e criterios especificos para garantir a sua validade.

A ciencia e urn corpo de conhecimentos sistematizados,formulados metOdica e racionalmente, ou seja, a ciencia

urn tipo especializado de conhecimento que, em cons-tante interrogacdo de seu metodo, suas origens e sus fins,prociira obedecer a principios validos c rigorosos, alme-jando, especialmente, cocrencia interna e sistematicida-de. (Setti, 2004, p. 13)

Entdo, se quisessemos de fato realizar pesquisa cienti-fica sobre a chuva nos feriados, ela se iniciaria pela necessidadede definir corn clareza as nociies envolvidas:

De que feriado estamos falando — estadual, municipal, na-cional, letivo/escolar, o dia imprensado entre urn feriadonacional e o final de semana?

0 que consideramos como chuva no feriado? Qualquer go-tinha de chuva, em qualquer momento do dia ou da noi-te, configura que "choveu" no feriado? Ou sera adotadoalgum criterio minim() para poder dizer que "choveu" noferiado? E qual criterio seria esse: seria indicado em "tempo

de chuva" (duracao) ou "quantidade de chuva" (mi timetroscribicos)?

Seria imprescindivel, ainda, delimitar o espaco geograficoobjeto de nossa pesquisa: chuva nos feriqdos na cidade x ou noestado y. Corn base nesta delimitacao, entdo, ceria planejadauma coleo controlada de dados, pois ndo bastaria uma Unica erapida observacdo isolada, em urri 56 ponto do territerio, paraverificar a incidencia de chuvas nos feriados. Seriam necessariasdiversas observacoes e medic6es (da duracao ou da quantidadede chuva, conforme o criterio adotado), realizadas corn regu-laridade e abarcando diversos pontos do territOrio delimitado,para que se pudesse, corn base numa analise sistematizada detodos os dados coletados, chegar a uma conclusao. E, certa-rnente, a conclusao de uma pesquisa cientifica assim concebidando chegaria a uma afirmacao com p a que apresentamos inicial-mente, corn alto grau de generalidadc e imprecisao; isso querdizer que dificilmente seria possivel afirmar que " sempre choveou ndo chove". Uma conclusao mais provavei seria aproxima-damente nos seguinres ternios: "na cidade x, durante o periodoy (determinado ano, por exemplo), houve incidencia de chuvas(conforme definicao preliminar) em tantos % dos feriados na-cionais".

A pesquisa sobre a chuva nos feriados e, sem d6vida, umasituacao hipotetica e "brincalhona", apenas para exemplificaralgumas caracteristicas do conhecimento cientifico em contras-te corn o conhecimento do senso comum — o carater sistemati-zado, metOdico e rational da ciencia, como indicado por Setti(2004, p. 13) em citacao anterior. No entanto, para a realizacaode uma pesquisa cientifica, cabe, ainda, avaliar sua viabilidade erelevancia. E para tornar tal pesquisa viavel, seria possivel tomarcomo base dados (de cunho documental) coletados sistemati-

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camente por Orgios dedicados ao monitoramento do clima e aprevisao do tempo. Dados desse tipo permitem indicar a proba-bilidade de incidencia de chuvas, o que pode, por exemplo, sus-tentar cstrategias visando e desenvolvimento do turismo, comono caso do "seguro sol", promovido pela Secreraria do Turismodo Governo do Estado do Ceara2.

Por ourro lado, o conhecimento cientifico a necessaria-.mente reflexivo, oil seja, ele constantemente question q oprOprio metodo, suas origens e seus fins, procurando garantira sua vaiidade (Setti, 2004, p. 13-14). Neste sentido, Karl Po-pper, filOsofo da ciencia, considera como caracteristica essenciale determinante do conhecimento cientifico o principio da refu-tabilidade (oufaLreabilidade):

[...] o merito central da ciencia n'ao é colocar hipOtesesque sao confirmadas pelos dados empirico.; colecionadosenquanto "provas", mas o de propor hipOteses que pos-sam ser refutadas por esses dados. Noutros termos, umateoria cientifica e aquela que contem afirmacOes (hipOte-ses) que podem ser testadas e, eventualmente, contradi-tadas pelos faros. AfirmacOes imunes a testes e, portante,sempre verdadeiras nao servem para informar qualquercoisa sobre a realidadc. A maior consequencia dessa con-cepc.lo e que as teorias cientificas devem ser consideradashipOteses constantemente submetidas a testes, sobre asquais rid() se pode afirmar jamais que estejam, definitiva-

Seguro Sol e uma estrategia do Governo do Estado, desenvolvida por meio da Secretaria do Turismo (Setur) [...] que tern o objetivo de divulgar e promover o destino Ceara" nabaixa estacdo (SETUR/CE, [2009]). Em sua quanta edi4ao, em 2011, essa acao promocio-nal passa a ser denominada "Garantia de Sol Ceara", sendo assegurado a quem comprar urnpacote de oito dias de duracao, corn viagem entre 1° de agosto e 30 de dezembro de 2011,que, "em caso de chuva por mais de duos horas, entre 11 horas e 16 horas, e ern pelo menos trisdias de estadia, o cliente tem direito a outro pacote tie viagem" (SETUR/CE, 2011 — grifosnossos).

mente, provadas ou que sejam, incontestavelmentc, ver-dadeiras. (Popper, 1993, apud Setti, 2004, p. 14)

Sendo assim, o conhecimento cientifico opt:, se ao dogma— principio tornado como "inquestionivel" por uma questdode fe — ou ao "discurso de autoridade" — aceito como ",erdade"pela posicao de poder de seu enunciador e/ou por seu status (so-cial, politico ou ate mesmo academico). Isto porque o conheci-mento produzido pela ciencia pode, por principio, ser questio-nado; assim, diante de novas descobertas ou novas proposicOeste6ricas, pode vir a se mostrar faiso, pode vir a ser refutadc., . Istoindica a importancia — ou mesmo a necessidade — da constantediscussao de ideias no meio academia) e cientifico, como con-dicao para o desenvolvimento de qualquer area de conhecimen-to. Au mesmo tempo. o principio da falseabilidacle (ou refuta-bilidade) explicita o careiter provisdrio de nosso conhecimento, que

construido progrcssivamente, atraves de urn processo coletivo.Tais qucstOes podem ser exemplificadas corn clareza pelt

processo de revisdo do conceito de pianeta e da configuracao dosistema solar, ocorrido em 2006:

A Unido AstronOmica Internacional, reunida em seu en-contro realizado em Praga, Reptiblica Checa, resolveuurn dos temas mais discutidos no cosmos ao aprovar umadefinicâo especifica que dá ao nosso sistema solar apenasoito planetas, ao inves dos nove que a maioria de noscresceu memorizando. (Nasa, 2006)

0 fato e que o desenvolvimento de recursos tecnolOgicosque permitiram a ampliacao das possibilidades de observacaodo cosmos levou a descoberta, nas tiltimas decadas, de outroscorpos celestes corn caracteristicas semelhantes as de Plutao, o(ate entdo) menor planeta do sistema solar. Diante dessas novas

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descobertas, ou esses novos objetos (como asteroides) eram in-cluidos como membros do sistema solar, ou necessariamente oconccito de planeta deveria ser revisto, e corn isso Plutao seriaexcluldo. A Unido AstronOmica Internacional, que reime cientistas do mundo inteiro, optou por rever c conceito de planeta,e corn isso r sistema solar ganhou nova configurac5o: "A decisdofoi rebaixar Plutao a planeta-anao" (Plutdo..., 2006). 0 conhe-cimento estabelecido ate aquele moment() foi, portanto, refuta-do diante de novas descobertas de fenOmenos du mundo natu-ral, implicando tambem, neste ca,o, mudancas te6ricas relativasas definicoes e classificaceoes aplicadas aos objeios celestes.

As ciencias da natureza e o "modelo" cientifico

Ate mesmo pelo processo histOrico de desenvolvimento dasciencias, o "modeio" cientifico e tributario das ciencias da na-tureza:

Aquilo que chamamos de "ciencia moderna" se inicioucos secuios XVi e XVII, corn Francis Bacon e GalileuGalilei. Especialmente, este Ultimo foi responsivel pelaconcepcao de urn saber baseado em observacties empfri-cas e experimentaciies, que utilizava a linguagem mate-matica para descrever, quantitativamente, os fenOmenose unia o saber teOrico e o saber tecnico [...] (Pozzebon,2004a, p. 24)

Assira, nas ciencias "duras" — fisica, quimica, biologia etc. —,conhecimento cientifico tern que ser experimentalmente corn-provado para ter validade universal. Neste quadro, cabe a cien-cia formular leis, permitir previthes etc.

Pretendeu-se tambem aplicar esse mesmo modelo ao co-nhecimento cientifico do ser humano, seu comportamento,suas sociedades e suas culturas. Ate hoje, em diversos aspectos,

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ha quern procure impor as ciencias humanas e sociais esse mo-del° de ciencia, sem considerar a especificidade destes camposcientificos, a complexidade de seu objeto de conhecimento:ser humano, quer seja tornado individual ou coletivamente.

possivel estuda-lo como se fosse apenas ,,to animal,nois seu comportameruo tido obedece a leis determinis-ticas; dotado de liberdade, razao, criatividade. vontade edesejo, o ser humano cria variadissimas manifestacoes desua suhjetividade, cria objetos materiais e imateriais do-tados de significacdo, organiza-se em sociedades segundorelacties sem paralelo corn as relacOes naturais e produzseu prOprio sustento, forcando a natureza a forneccr-lhealimento. Nem mesmo sua fisiologia escapa das inter-ferencias provocadas pela criacao cultural. (Pozzebon,2004a, p. 25)

Neste quadru, querf-r impor as Clams hum anas e sociaisos mesmos criterios de cientificidacie que regem a producaode conhecimento no campo das ciencias da naturcza P comopretender que as ciencias humanas vistam uma roupa que naolhes pertence e que nunca ira se ajustar adequadamente as suasdimensbes ou as suas necessidades. Alem dos pontos ji expos-tos, devemos lembrar que nas ciencias humanas o pesquisadortern um envolvimento diferente, pois ele tambem partilha dessahumanidade, estando imerso em uma sociedade e uma cultura,as quais, ao mesmo tempo em que constituem o seu objeto deestudo, condicionam o seu olhar, sua capacidade de perceber ecompreender. Esta perspectiva opoe-se, portanto, "a visa.° po-sitivista de objetividade e de separacao radical entre sujeito eobjeto da pesquisa" (Goldenberg, 2000, p. 19).

Por outro iado, a complexidade dos fenOmenos humanose sociais e suas caracteristicas prOprias colocam limites paraa experimentacdo, nos moldes como aplicada nas condicbes

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controladas de urn laboratOrio de biologia, por exemplo. 0entrecruzamento de diversos fatores e elementos num mesmofenOmeno ou acontecimento dificulta a sua replicacdo' e o es-tabdecimento de relacOes causais que possam ser comprovadasindubitavelmente. Ou, como coloca Zavaglia (2008, p. 470-471), as mialtiplas relacties do homem corn a realidade socialsac) complexas, dinamicas, instiveis, mutiveis e passageiras, demodo que as ciencias humanas nao podem analisar a realidadeapenas corn base naquilo que pode ser observado e quantifica-do. Assim, nao se pode deixar de considerar a especificidade dasciencias humanas e sociais:

Urn objeto tao especial pede metodos especiais para co-nhece-lo, tecnicas de observacao apropriadas, conceitosespecificos, esquemas explicativos adequados e, mesmo,,uma need° de ciéncia construida corn pressupostos diferen-tes. E iiigenuo criticar as ciencias humanas por nao serem"exatas" ou por nao proporcionarem previsnes rignrosascomo as ciencias naturais. Os seres humanos sdo corn-plexos demais para poderem ser descritos por esquemasmaternaticos ou leis incapazes de lc^ar em conta a inte-rioridade da consciencia humana, os infinitos fatores quepodem afetar seu comportamento ou ainda a deliberacaode protagonizar o prOprio existir. (Pozzebon, 2004a, p.26 — grifos nossos)

Na busca de abordagens e metodos apropriados, desenvol-veu-se, no carnpo das ciencias humanas e sociais, a pesquisa qua-litativa, voltada para compreender, ern lugar de comprovar.

Os pesquisadores que adotam a abordagem qualitativase opocm ao pressuposto que defende urn modelo Unicode pesquisa para todas as ciencias, baseado no modelode estudo das ciencias da natureza. Estes pesquisadoresse recusam a legitimar seus conhecimentos per proccssosquantificiveis que venhain a se transformar em leis e ex-plicacOes gerais. Afirmam que as ciencias sociais tem suaespecificidade, que pressuprie uma metodologia prOpria.(Goldenberg, 2000, p. 16-17)

No entanto, coexistem nas ciencias humanas diversas con-cepcOes de pesquisa, de carater quantitativo ou civalitativo, ouainda propostas que procuram articular esses Bois enfoques4.

Alternative de pesquisa nas ciencias humanas

Mesino no campo especifico das ciencias humanas e sociais,nao ha uniformidade ou consenso em relacao as concepcOes deciencia ou aos modelos dP pesquisa. Essas divergencias podemser exemplificadas pelas discussôes a respeito da "linguagemcientifica", que podem ser percebidas nos padrOes de redacaorecomendados por diferentes manuais. Por um lado, seguindoprincipios positivistas de "neutralidade" e "objetividade", haautores que preconizam o uso de uma "linguagem impessoal"nos relatOrios e textos cientificos: nao se pode, portanto, deixaraparecer a figura do pesquisador atraves do uso de pronomes deprimeira pessoa (do singular ou do plural), e emprega-se, entao,a voz passiva — "os dados foram coletados.... — e construcliesque tem como sujeito os elementos da pesquisa — "os dadosmostram que..." como se nao existissem agentes ativos (os

3 No metodo experimental, a replicapio — ou seja, a repeticdo do experimento nas mesmascondicOes e corn os mesmos resultados — e urn importante criterio de validacao (cf. Bachra-ch, 1975, p. 23-25, 60-61).

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A esse respeito, ver Flick (2004, p. 273-275), Goldenberg (2000, p. 61-67), Brandao(2002, p. 28-29) e, especificamente quanto a area de educacdo musical, Figueiredo (2010,p. 160-166) — entre outros.

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pesquisadores) e a pesquisa se realizasse por si mcsma (cf. Ma-chado, 1987; Raposo, 2011, p. 20-21). Em direcao oposta, po-demos destacar a tendencia de explicitar os posicionamentosescolhas do pesquisador, atraves do uso da primeira pessoa — atemesmo do singular ("eu"), ern caso de trabalhos individuais5.Tais posicionamentos, na verdade, reflecem distintas concep-Vies do papel do pesquisador e de sua relacao corn o objeto depesquisa. Por conseguinte, fica claro que nä. ° é atraves de algumpadrao de redacao ou de outros aspectos formals que os criteriosde cientificidade podem ser garantidos.

De faro, as diversas propostas de pesquisa expressam, muitasvezes, concepcOes distintas de ciencia, mas a verdade e que cadaqual pode atender a determinado enfoque e a certa necessida-de na nossa relacao corn o mundo e corn aquilo que buscamosconhecer. Em outros termos, tido existe um metodo Unico, demodo que a abordagem, o encaminhan-.ento da pesquisa, depen-de de nossos objetivos: "0 que determina corno trabalhar e oproblema que se quer trabalhar: so se escolhe o caminho quandose sabe aond,; 5e quer chegar" (Goldenberg, 2000, p. 14). Assim,como discutiremos a seguir, se queremos uma visão de conjunto,a pesquisa quantitativa, corn tratamento estatistico dos dados,pode ser a mais adequada, enquanto urn estudo de caso, de ca-rater qualitativo, pode ser a opcao mais titil para investigar urnfcnOmeno particular, em sua especificidade e profundidade.

Durar,e o XV EPENN / Encontro de PesquiP Educicional do Norte e Nordeste (SaoLuis, 2001), a Profa. Maria Eulina P. de Carvalho, em sua fala no pai'el Novos Caminhosda Educacdo Popular, posicionou-se enfaticamente no sentido de que a autoria deve serassumida atraves do uso do "eu". No entanto, tenho conscientemente optado pelo empregoda primeira pessoa do plural em meus textos, mesmo que individualmente assinados, pelaconsciencia do carater compartilhado de minhas reflexöes e producoes, atraves de dialogos,debates (ou mesmo divergencias, tambem produtivas) corn diversos colegas, especialmentedos grupos de pesquisa de que tenho participado e da Associacao Brasileira de EducacioMusical / ABEM. E essa opcao marca inclusive este texto, corn excecao dente esclarecimentoem nota.

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Pesquisas quantitativas para uma via° de conjunto: o surveyPara obter urn panorama geral de certa situacao — por

exemplo, sobre o ensino de mdsica nas escolas de uma determi-nada iocalidade o mais adequado e a pesquisa quantitativa,corn tratamento estatistico ul CiS dados. Cabe, entao, realizar umlevantamento, urn survey, que permite uma visa() de conjunto,ja que visa "produzir descricoes quantitativas de uma popula-cdo" (Freitas et al., 2000, p. 105). Como explica Gil (1999,p. 70), num survey: "Basicamente, procede-sea solicitaccio deinformacOes a um grupo significativo de pessoas acerca do pro-blema estudado para em seguida, mediante analise quantitativa,obter as concluthes correspondentes dos dados coletadus". Paratanto, no exemplo acima, a coleta de dados poderia ser realizadaatraves da aplicacao de urn questionario corn diversos professo-res de müsica. No entanto, ndo e o individuo, em sua particula-ridade, que interessa a pesquisa, mas sim as tendencias gerair dogrupo, do conjunto dos professores. Deste rnodo, as respostasde cada questionario seriam lancadas em um programa estatistico, que desenharia urn quadro global: toil pereentual de professo-res tern tal formacdo, tantos par cento atuam ria educacao basicaha tantos anos, a media de idade dos professores e x etc.

Apesar de o tratamento estatistico dos dados ter a sua fun-cdo e ser util para certos propOsitos, e necessario lembrar queos resultados produzidos decorrem de algumas opcOes de trata-mento, de selecOes direcionadas por certos enfoques, de diversosmanejos de correlacoes, que muitas vezes respondem a deter-minados interesses: "Como costumam brincar os economistas,ninneros bem torturados confessam qualquer coisa" (Viva...,2009). Assim, Liao e o uso de dados numericos ou percentuaisque garante a objetividade, precisao ou cientificidade de umtrabalho. Vale lembrar que, por exemplo, em urn pequeno gru-po, a indica*, de "12,5 % dos professores" pode corresponder

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[...] uma unidade com lirnites bem definidos, tal comouma pessoa, urn programa, uma instituicdo ou urn gruposocial. 0 caso pode ser escolhido porque é uma instanciade uma chose ou porque P por si mesmo interessante. Dequaiquer maneira o estudo de caso enfatiza o conheLi-mento do particular. U interesse do pesquisador ao sele-cionar uma determinada unidade é compreendê-la comouma unidade. Isso nao impede, no entarno, que ele estejaatento ao seu contexto e as suas inter-relayies como umtuck organic°, e a sua ainamica como urn processo, umaunidade em aca.o. (Andre, 2010, p. 31)

Uma vez que o estudo de caso focaliza uma unidade10,nao permite generalizar os seus resultados para urn universomais amplo. No entanto, ele e bastante indicado para se conhe-cer em profundidade uma realidade espeafica, uma unidadebem delimitada, seja a pratica pedagOgica de uma professor/uma turma nu uma escola. Por seu carater qualitativo, voltadopara compreender e interpretar, e pela busca de profundida-de nesse proccsso, os estudos de caso costurnam fazer use dediversas fontes de dados, que sdo entrecruzadas num processoconhecido como triangulacao, que, combinando metodologiasdiversas no estudo do mesmo fenOmeno, procura "abranger amaxima amplitude na descricao, explicacdo e compreensão doobjeto de estudo" (Goldenberg, 2000, p. 63). Os estudos decaso mostram-se, portanto, adequados para investigar diversassituaccies pedagOgicas.

[...] os estudos de case representam a estrategia preferidaquando se colocam questhes do tipo "como" e "por que",

1 ° Como sera discutido no Capitulo 7 — Alternativas metodologicas na pesquisa qualitativa:o estudo de caso e outras abordagens existe ainda a possibilidade de se trabalhar corn maisde urn caso (unidade), no estudo de caso multiplo, tambem chamado de estudo multicaso.

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quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acon-tecimentos e quando o foco se encontra em fenOmenoscontemporâneos inseridos em algum contexto da vidareal. (Yin, 2005, p. 19)

Como foi visto, o escudo de case, enfatizando o conhe-cimento do particular, nao pretende generalizar. Scria possivciargumentar entdo que, por ser tao especifico, nao produz co-nhecimentos relevantes. No entanto, esta ideia e tendenciosa,ita medida em que esquece que a ciencia evolui pela articulacaoda inducao — que vai do particular ao geral — corn a deducio— que parte do geral para abordar o particular. Assim, conhe-cer a fundo tuna realidade particular, concreta, pode dar base adiscussews teOricas relevantes, que venham ajudar a compreen-dei realidades mais amplas e diversificadas. Um exemplo desteprocesso baseado na inducao sdo os trahalhos de Freud e Piaget.Freud formulou a teoria pskanalitica a partir de uns poucosestudos de casos clinicos, especialmente o de uma paciente quesofria de histeria; por seu turno, Piaget partiu da observacaode seus prOprios Rios para discutir teoricamente o desenvol-vimento cognitivo das criancas. Vemos, portanto, que essasimportantes teorias originaram-se de estudos especificos (indu-cab); ji suas proposiceles teOricas, de carater geral, podem darbase a novos estudos que procurem verificar se elas se aplicama outras realidades particulares ou se ajudam a compreende-lasmelhor (processo dedutivo). Um exemplo disto pode ser encon-trado no trabalho de Barbara Freitag (1993), que, baseando-sena psicologia genetica de Jean Piaget, estuda a formacao dasestruturas de consciencia de criancas brasileiras em idade de es-colarizacad".

" Sua pesquisa de campo foi realizada em Sao Paulo, em 1980, em escolas de uma favela.

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a apenas um indivIdtio — cujas caracteristicas podem sempre serdesviantes ou ele pode apresentar um comportamento decor-rente de alguma idiossincrasia. Por outro lado, vale ressaltar ain-da que 2 media encontrada em determinado estudo pode naocorresponder a nenliama realidade, ao mesmo tempo ern quenada diz da diversidade presente na populacao considerada6.

Os lcvantamentos ou surveys podem ter o formato de md-peamentos corn coletas extensas e tratamento estatistico, sen-do ern geral realizados em equipe, pelas dificuldades materiaisenvolvidas; produzem uma grande quantidade de dados quepodem ser explorados amplamente. Quando buscam recolherinformacoes junto a todos os integrantes do aniverso (ou po-pulac5o) pesquisado, re'm o carater de censo 7 , mas sac, possiveistambem surveys corn urn grupo menor, mas corn o qual se pre-tenda represen tar o conjunto — uma amostra, portanto. Nestecog°, e crucial a questdo dd representatividade da amostra, paraque os resultados e concluseles obtidos a partir dela possain serprojetados para a totalidade do universo, ou em outros termos,possarn ser generalizados para toda a populacdo.

0 carater representativo de uma amostra depende evi-dentemente da maneira pela qual ela e estabelecida.Diversas tecnicas foram elaboradas para assegurar tantoquanto possivel tar representatividade; mas, apesar de seurequinte, que permite diminuir muitas vezes os erros de

6 A mediae influenciada pelos valores extremos. Uma media correntemente utilizada emquestoes econ6micas é a "renda per capita", obtida a partir da soma da renda de todos osmembros de urn grupo (ou populacao), dividida pelo nUmero dos mesmos. Mas esse valorencontrado pode nao ser, na verdade, a renda de ninguem, ao mesmo tempo em que essevalor nada informa sobre a renda dos mais pobres ou dos mais rises do grupo, e muitomenos sobre como des de fato vivem.' E o caso, por exemplo, da pesquisa que coordenamos sobre o ensino de arte nas escolaspUblicas da Grande Joao Pessoa (Penna, 200213; 2002c), que coletou dados junto a todos osprofessores responsiveis pelas aulas de arte nas escolas.

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amostragem, isto e, as diferencas entrc as caracteristicasda amostra e as da populacao de que foi tirada, tais erroscontinuam sempre possiveis, incitando os pesquisadoresa cxercer vigilancia e seu senso crftico. (Laville; Dionne,1999, p. 169

Por mais numerosa que seja a amostra estudada, sc ela naofor de fate representativa — ou seja, se nao tiver carer probabi-listico 8 os resultados encontrados rid() poderdo ser estendidosa toda a populacdo (ou universo), sob pena de se generalizarsem base, o que comprometeria inevitavelmente o rigor da pes-quisa. Assim, apesar de alguns surveys de pequcno porte (ouseja, corn amostras reduzidas) serem caracterizados em termosbastante sofisticados, por vezes trabalham corn amostras naoprobabilisticas 9 , de modo que os resultados encontrados temque ser adequadamente dimensionados, pois dificilmente po-dem ser generalizados para urn universo mais amplo

Tratando do particular em profundidade: o estudo de casoPor sua vez, quando o objetivo da pesquisa e cunhecer uma

rcalidade particular em profundidade, o mais indicado e a pes-quisa qualitativa, na forma de um estudo de caso, que investiga:

As amostras probabilisticas sao obtidas por selecao randeimir , ou (Freitas et al.,2000, o. 106).9 As amostras nao probabilisticas tem qualidade desigual, "c a geo Pralizacio das conclu-soes mostra-se delicada, principalmente porque a impossivel medir o erro de amostragem".Dentre elas, temos a amostra de voluntarios e a amostra dita acidental, em que se trabalh7,no nosso caso, corn os professores que forem encontrados. "Alguns nao tern evidentementechance de serem selecionados, ao passo que outros, que trabalham na vizinhanca do pes-quisador, por exemplo, quase nao podem escapar disso. Segundo os modos de escolha e domeio pesquisado, as respostas obtidas correm o risco de it em directies muito particularese de representar muito mar a opinido do conjunto [...dos professores]" (Laville; Dionne,1999, p. 170).

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Pesquisa con, intervenceio: a pesquisa-ac doUma abordagem especifica das ciencias humanas e sociais

a pesquisa-acao, que envolve sempre uma acao sisrematica de-senvolvida pelo prOprio pesquisador. Mantendo essa caracteris-tica basica, a pesquisa-aedo desdobra-se em diversas correntes12,que por vezes apresentam tamb6rn alguma variacao na d;.-nomi-nacdo — como investigacdo-acdo ou pesquisa corn intervencao.Na area de educacao,

Urn exemplo clissico e o professor que decide fazer umamudanca na sua pratica docente e a acompanha corn urnprocesso de pesquisa, ou seja, corn um planejamento deintervencdo, coleta sistematica dos dados, analise fimda-mentada na literatura pertinente e relato dos resultados.(Andre, 2010, p. 31)

Segundo Barbicr (2007, o. 13), a pesquisa-acio "se inscre-ve neste desdobramento hisuirico da sociologia [no seculo 20]tendo, por um lado, como preocupaedo, a revolucao epistemo-lOgica e, por outro, a eficacia politica c social". Em sua longahistOria13, a pesquisa-acao foi vista, por vezes, como simplesdesdobramento das pesquisas sociolOgicas tradicionais, comouma metodologia experimental para a aedo, "totalmente plane-jada e disciplinada" (Barbier, 2007, p. 38-40) — o exemplo deAndre (2010, p. 31) acima apresentado poderia, acreditamos,situar-se nesta perspective.

No entanto, em algumas de suas vertentes, a pesquisa-acaoquestiona as bases epistemolOgicas da pesquisa social traditional,

12 A respeito, ver Barbier (2007, p. 30; 41-45) ou Andre (2010, p. 31-33), que trata espe-cificamente da area de educacao." Para urn histOrico do desenvolvimento da pesquisa-acio, desde suas origens nos EstadosUnidos nos anos que precedem a Segunda Guerra Mundial, ver Barbier (2007, cap. 1).

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na medida em que coloca em jogo a intersubjetividade, na intera-(do do pesquisador corn os participantes, conduzindo a uma mu-danca de postura e a uma nova inscricao do pesquisador na so-ciedade: "0 pesquisador descobre que na pesquisa-acdo [...] ndose trabalha sobre os outros, mas e sempre corn os outros" (Barbier,2007, p. 14). Desta forma, destaca-se o seu carater colaborati-vo e participative, que se refleie na flexihilidade na conduclorlo processo invesa6ativo, o que diferencia a pesquisa-acao assimconcebida das abordagens corn cunho mais experimental.

A pesquisa-acao esta bastante presente no campo da peda-gogia e da educacao musical. Nesta, Albino e Lima (2009) dis-cutem sua potencialidade para a pesquisa na area; tanto Ribeiro(2008) quanto ivielo e Penna (2013) desenvolvern oesquisas--acao corn evidente carater colaborativo. Por sua vez, na area dapedagogia, diversas discussOes teOricas interligam esse tipo depesquisa a formacao do professor reflexivo' 5 . No entanto,

Nem todo professor, por ser reflexivo, e tambem pes-quisador, embora a recfproca seja, por forca, verdadeira.A atividade de pesquisa implica uma pnsicao reflexiva eambas, a reflexdo e a pesquisa, devem envolver urn com-ponente critico [...] (Ludke, 2009, p. 12).

Fica claro, portanto, que Lido existe algo que se possa cha-mar de "o metodo cientifico", e que a escolha do tipo de pes-quisa, da abordagem a ser adotada, das tecnicas de coleta dedados depende dos objetivos da pesquisa, do objeto que se querconhecer/compi eender:

" Corn este carater, em certos momentos e contextos, a pesquisa-acio chega a ganhar urncunho quase militante, buscando contribuir para uma mudanca social (Thiollent, 2000,p. 14-19).15 Sobre o professor reflexivo, ver Pimenta e Ghedin (2008), e sobre o papel da pesquisa emsua formacio, ver Miranda (2004).

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[...] em Ciencias Sociais [e Humanas] a visdo do maisgeral nao é melhor nem pior do que a focalizacâo do par-ticular; a questao que se coloca e a pertin ,'Imcia do enfo-que p2ra obter o "tigulo mais adequado do problema emirprestigacâo. A maturidade de urn pesquisador pode poisser aquilatada pela capacidade de fazer a melhor opcaoentre as alternativas postal para a analise de seu objeto,o rigor corn que elabora suas refe ,encias. o cuidado cornque escolhe eus instrumentos de pesquisa e a cautelacorn que interpreta os resultados do prccesso de inves-tigacáo [...] (Branclao, 2002, p. 29; cf. tb. Goldenberg,2000, p. 62)

No entanto, a born ressaltar que tanto os levantamentos(surveys) quanto a pesquisa-acdo e os estudos de caso atendemao carater empiric° da ciencia. Este carater, que e fundamental,significa que "o pesquisador, para conhecer o objeto de estudo,deve substituir ideias estereotipadas que tern sobre ele pela corn-preensau da razao corn uma evidencia real" (Zavaglia, 2008, p.472).

Caracteristicas do Conhecimento Cientifico

Independentemente do objeto, tema ou material da pesqui-sa, o encaminhamento da mesma precisa atender aos criteriosdo conhecimento cientifico com respeito ao carater sistematiza-do, metOclico, rigoroso; planejado, controlado, reflexivo; e aindaquanto a clareza e precisao. Assim, nao importa se a pesquisa*rata de processor criativos em milsica ou em poesia, da perfor-mance musical ou da pratica pedagesica na escola; em se tratan-do de um trabalho academic° e cientifico, os referidos criteriosdevem necessariamente nortea-lo. Antes de mais nada, como dizSilva (2010, p. 12), o texto academic.° em ciencias humanas "éurn texto argumentado em que tudo exige demonstracao".

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Assim, cabe explicitar todas as escolhas, procedimentos ecriterios (de selecao, de classificacao, analise etc.). Na pesquisaqualitativa em ciencias humanas, e essa explicitacao que per-mite avaliar o rigor do trabalho empreendido, sendo, a deb en-derda ternatica, fundamental para diferenciAr o conhecimentocientifico do senso comum. E iniprescindivel, portanto, "expli-car sem ambiguidade" (ourros termos para "explicitar") todasas aocifies e conceitos adotados, nao sendo aceitavel a falta deuma definicao ou de uma discussio consistence a respeito, sobo argumento de que "todo mundo sabe do que se esta falando".Esse seria o caso de urn "implicit° do discurso", corrente nosenso comum, no qual e capaz de sustentar a relacao comuni-cativa, apesar de sua imprecisdo e falta de clareza". No entanto,embora aceitiveis no senso comum, os implicitos do discurso,que tem seu quadro de significaccies apenas pressuposto,atendem as exigencies do conhecimento cientifico. Infelizmen-te, mesmo no meio academic°, em certas areas circulam, muitasvezes sem serem explicirados, certos termos — como "identida-de" e "ciciadania" 17 — que permanecem como "nocóes confusas",aceitar em sua ambiguidadc.

Outros aspectos importantissimos na pesquisa cientificadizem respeito a coleta e analise dos dados, pontos que sera()

discutidos de modo mais aprofundado em diversos capitulosdeste livro"..E fundamental garantir urna coleta de dados confi-

' 8 Como urn exemplo, ver a analise de Osakabe (2002) sobre o use do ten-no "povo" nos dis-cursos de Gettilio Vargas, nos quais funciona como urn implicito do discurso: a significacaode "povo" nao é explicitada, seja por raziies tacitas — evitar questionamentos ou divergencias

seja por ser considerada suficientemente assimilada.'7 Muitos textos da area de pedagogia tratam da ",ducacao para a cidadania", mas o faroé que esta expressio nao a precisa nem tiara, sendo alvo de diferentes interpretacóes. Parauma discussao sobre a nocao de identidade como urn implicito do discurso cientifico, verPenna (2002a, p. 91-93).' 8 A respeito, ver Capitulos 8 a 12. A rapida abordagem aqui realizada visa apenas tracar Lunaprimeira aproximacio corn as caracteristicas do conhecimento cientifico e suas exigencias.

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aveis, sejam quais forem os dados coletados. Numa pesquisa do-cumental, por exemplo, é preciso trabalhar com os documentosoriginais, evitando-se cOpias que possam conter tortes ou alte-ragóes, e muito menos tomar como base analises alheias de do-cumentos a que se possa ter acesso. Ja numa pesquisa de campovoltada para o estudo de uma pratica pcdagOgica (em rmisica,por exemplo), a essential poder coletar dados diretoc, atravesda observ::-.-;ao, em lugar de considerar apenas aquilo que os en-volvidos declaram sobre ela em depoimentos coletados airavesde entrevistas ou questionarios. Estes precisam ser elaboradosde modo a nao induzir as recpostas, ao passo que a observacao,por sua vez, tern que ter duracao, frequencia e continuidade quepermitam tanto atenuar o conhecido efeito do observador — ouseja, sua influencia sobre a situacao e as pessoas observadas (La-velle; Dionne, 1999, p. 181) —, quanto apreender o processo deensino-aprendizagem de modo significativo.

Na etapa r,eguinte, os dados precisam ser intcrpretadose analisados de forma coerenre, ranto na pesquisa qualitati-va quanto na quantitativa. Nesse processo, e preciso articulara pesquisa realizada corn a producao da area, comparando osresultados corn aqueles de outros estudos ja desenvolvidos.Tambem e em relacio a producao da area que a relevancia dotrabalho pode se configurar, pois ele nao se justifica apenas pelointeresse pessoal do pesquisador, mas em relacao ao conheci-mento ja acumulado no campo, que indica tematicas e enfo-ques pertinentes, o que e bastante importante para a elaboracaoda justificativa da pesquisa. E ainda na producao da area oude areas correlatas (a depender do tema a ser estudado) que

possivel buscar abordagens teOricas ou metodolOgicas queajudem a avaliar possibilidades e definir os encaminhamentosda pesquisa. Todos esses pontos em que a producao da arearelevante evidenciam a importancia da revisao bibliografica —

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tambem cienominada de rcvisdo de literatura, estado da questa()ou estado da arte que consiste em uma pesquisa bibliograficasobre a questa() (problema) de pesquisa, corn a funcao de situara proposta de pesquisa no campo da producao da

Consideraceies finais

Por todo o exposto, vemos que o conhecimento cientificodiliamico, esti em continuo desenvolvimento e sob constante

questionamento. A prOpria concepcdo de ciencia e de pesquisacientifica nap é consensual e esti permanentemente em discus-sac), conforme as caracteristicas das areas de estudo, as basesepistemolOgicas adotadas ou mesmo as finalidades atribuidasa pesquisa ou os valores conferidos a pratica cientifica. Con-forme, ainda, os diferentes momentos histOricos e contextossocials, pois, Anal, a prOpria ciencia e uma construcdo culturale humana. Como argumenta Morin (2002, p. 96), "da percep-cdo a teoria cientifica, todo conhecimento e uma reconstrucio/traducao feita por uma mente/cerebro, em uma cultura e epocadeterminadas".

Embora nao haja modelo iinico de ciencia, de pesquisa oude projeto, a seriedade e o rigor da pesquisa cientifica, em qual-quer campo, dependem da reflexao critica a que esti submetida.Nesta medida, o rigor cientifico nao depende diretamente deaspectos formais, na medida em que pode ser adequadamentecontemplado de milltiplas maneiras, por distintas vertentes te-Oricas ou diversas abordagens metodolOgicas e tecnicas de pes-quisa. De todo modo, cabe lembrar que, como diz Brandao(2002, p. 29), "o rigor exige tempo e esforco".

19 A esse respeito, vet Capitulo 4, A revistio bibliografica e sua funcdo.

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No entante, como discutido na introducio deste 'tyro, en-tendemos ser necessario, corn vistas a elaboracao consistente deurn primeiro projeto de pesquisa, estabelecer delimitacOes e fazerescolhas buscando o maior rigor cientifico possivel; mesmo nes-sa experiencia initial. Assim, optamos pela abordagem qualitati-va para o primeiro projeto, corn a possibilidade, inclusive, de urnestudo de caso (ver Capitulo 7).

Nao acreditamos ser viavel, para um pesquisador iniciante,em urn projeto individual, pesquisas quantitativas com amos-tras amplas, ao passo que, quanto menor a amostra em relacaoa populacao (ou universo), maior a margem de erro, e, portan-to, mais questionavel e a representatividade da amostra (Freitaset al., 2000, p. 107). Desta forma, na verdade, a realizacao desurveys corn amcstras rigorosamente representativas exige co-nhecimentos de probabilidade e estatistica, conhecimentos es-ses que normalmente nao sao contemplados nos curriculos daslicenciaturas. Entendemos, portanto, ser inais coereute a opcaopor pesquisas qualitativas co rn base em entrevistas ou questio-narios, em lugar de pretender surveys de pequeno porte cornamostras ado probabilisticas, que nao podem sustentar genera-lizacOes. Neste sentido, diversas pesquisas que se definem comosurveys de pequeno porte apresentam, de fato, poucos dadosnumericos, que nao chegam a configurar as "descricoes quanti-tativas" que caracterizam os surveys (Freitas et al., 2000, p. 105),ccncentrando-se em analises de cunho mais interpretativo detrechos de entrevistas (ou questionarios), o que, a nosso ver,atenderia de modo mais coerente a uma abordagem qualitativa(cf. Oliveira, 2007; Machado, 2005).

Quanto a pesquisa-acio, que concebe a pesquisa vincu-lada a intervencao do pesquisador, tampouco a consideramosadequada para a primeira experiéncia investigativa. A pesquisa--nä. ° exige tanto uma experiencia pedagOgica consistente para

sustentar a intervencao na situacao educativa, quanto maturi-dade académica e cienttfica para analisar criticamente a prOpriapratica, sob pena de se introduzir urn vies na pesquisa capazde comprometer o indispensivel rigor cientifico. Dificilmenteestudantes de graduacao esti() capacitados para atender a essasexigencias em sua primeira experiencia em pesquisa. Por outrolado, acreditamos ser importante, para o aluno de pedagogia ouda licenciatura em mitsica, ganhar experiencia nas atividades decxercicio de docencia — atraves de urn estagio, por exemplo — ede pesquisa, vivenciando cada qual em sua especificidade, antesde articula-las em uma proposta de pesquisa-acao.

Para finalizar, cabe frisar que, no campo academico e cien-tifico, discutem-se ideias, e nao questOes pessoais, de modoque precisa ser desenvolvida sistematicamente a capacidadede questionar, argumentar, refletir, defender posicionamentos,mas tambem de aceitar criticas e rever os prOprios trabalhos. Adefesa publics, perante uma banca de especialistas, do Trabalhode Conciusio de Curso ou de pOs-graduacao e urn passo im-portante neste aprendizado, que sintoniza corn todo o percursoda ciencia — um tipo cspecializado de conhecimento que 6, ne-cessariamente, reflexivo. Esperamos, portanto, que a discussaoaqui apresentada possa contribuir para o processo de forma-cao de pesquisadores, especialmente daqueles que se iniciam napratica da pesquisa cientifica nos cursos de licenciatura — emmtisica ou em pedagogia.

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