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Carta de Infraestrutura Inter. B Consultoria Internacional de Negócios 30 de Janeiro de 2015 2015 Ano 2, nº 9 O setor de saneamento e a crise hídrica Sistema de Esgotamento Sanitário São Simão/GO. PAC– Julho/2014 Desmatamento na Amazônia, WWF-Brasil/Juvenal Pereira.

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Carta de Infraestrutura Inter. B Consultoria Internacional de Negócios

30 de Janeiro de 2015

2015 Ano 2, nº 9

O setor de saneamento e a crise hídrica

Sistema de Esgotamento Sanitário São Simão/GO. PAC– Julho/2014

Desmatamento na Amazônia, WWF-Brasil/Juvenal Pereira.

Carta de Infraestrutura, Ano II nº9. © Inter.B Consultoria internacional de Negócios

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Apresentação

A Edição Especial Dezembro/Janeiro desta Carta discute o setor de saneamento, no contexto de uma crise hídrica de proporções ainda difíceis de serem avaliadas corretamente. Tal qual a última Carta, esta é da mesma forma menos sintética do que o habitual, por conta da situação de anomalia que se vive no plano da oferta de água, e a perspectiva real de racionamento em grande escala – e não apenas de água como de energia – o primeiro no Sudeste, e no caso de energia, o país como um todo.

Contudo a Carta tem uma preocupação adicional: apontar para o fato que mais além da

conjuntura difícil de estresse hídrico, há muito que fazer para universalizar a cobertura de água de boa qualidade, com baixo nível de desperdício, assim como a coleta de esgoto sanitário e seu tratamento.

A Inter.B dá assim seguimento ao trabalho de informação e análise do setor de infraestrutura

no Brasil, em caráter pro-bono e independente, visando o interesse público, e com o único intuito de informar a sociedade civil, o setor privado e governo sobre “como anda” a infraestrutura no país.

Finalmente, para facilitar o acesso e circulação, as versões anteriores da Carta de

Infraestrutura estão disponíveis no nosso site, assim como outras publicações e artigos. Não deixem de conferir: www.interb.com.br.

Sumário

Editorial ............................................................................................................................................................... 4

Panorama do Saneamento no Brasil ..................................................................................................................... 3

Gráfico 1: Dados de saneamento para o Brasil, 2002-2012.......................................................................................... 3

Gráfico 2: Participação e Custos dos modais de transporte, 2002-2012 ...................................................................... 3

Gráfico 3: Coleta de esgoto por região, 2002-2012 ...................................................................................................... 4

Gráfico 4: Tratamento de esgoto por região, 2002-2012 ............................................................................................. 4

Gráfico 5: Perdas na distribuição por regiões, 2002-2012............................................................................................4

Gráfico 6: População mundial com acesso à água potável...........................................................................................4

Gráfico 7: População mundial com acesso à instalações sanitárias..............................................................................4

Os investimentos em saneamento ........................................................................................................................ 5

Quadro 1: Investimentos em infraestrutura de saneamento por instância ................................................................. 5

Perspectivas para os próximos anos ..................................................................................................................... 6

Gráfico 8: Projeções para a cobertura de serviços do PLANSAB .................................................................................. 6

Gráfico 9: Investimentos previstos no PLANSAB .......................................................................................................... 6

A crise da água ..................................................................................................................................................... 7

Gráfico 10: Relação entre emissões de carbono e precipitação média no estado de São Paulo.... ............................. 8

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Editorial Nesse início de ano o país vem se defrontando com desafios múltiplos que testam a

capacidade dos governantes de dar uma resposta satisfatória à população. No plano macroeconômico, o ajuste nas contas públicas com a elevação dos impostos, a

contenção dos gastos, e o aumento nos preços de energia e combustíveis, se tornou imperativo. Uma sequencia de erros de política macroeconômica em anos recentes, a perpetuação de incentivos fiscais e financeiros com baixa racionalidade, e a destruição da credibilidade fiscal, e não apenas por truques e “pedaladas”, deixou o país sem perspectiva. O ajuste (necessário) fará de 2015 um ano caracterizado pela estagnação e inflação elevada.

Porém em 2015 temos um segundo desafio para o qual os governantes não parecem estar

preparados: uma crise de energia e abastecimento de água que pode levar no limite a uma recessão sem precedentes no país. Aqui não se discute o terceiro fato marcante nesse início de ano: a dinâmica da operação Lava Jato, e cujas sequelas tanto no plano econômico quanto político é no momento difícil de avaliar.

O Número Especial de Dezembro-Janeiro da Carta de Infraestrutura discute o setor de

saneamento no país e o estresse hídrico que afeta parte considerável do nosso território. Alguns aspectos são conhecidos: continuamos a investir cerca de 60% do necessário para universalizar os serviços em aproxiamdamente 20 anos. Nesse ritmo, somente em 2050 os brasileiros teriam acesso a um serviço público essencial – água e esgoto tratado. A qualidade do investimento também é discutível, quando se sabe que índices de perda na distribuição continuam extremamente elevados (na média da ordem de 37%), e sua redução seria possivelmente - na margem - o uso mais inteligente dos recursos.

Superposto ao investimento insuficiente em saneamento, experimentamos uma conjuntura

de estresse hídrico não de todo imprevisível, e que está afetando de forma dramática tanto a oferta de energia quanto de água para seus múltiplos usos (humano, industrial, agrícola e transporte). Esse talvez seja um momento definidor: é essencial repensar a questão do uso dos recursos da natureza – seu consumo, por vezes predatório; sua transformação, comumente caracterizado pela baixa eficiência; e a qualidade das respostas dos nossos governos. É essencial uma nova agenda, uma sociedade mobilizada, e seriedade dos governantes no trato da coisa pública.

Claudio R. Frischtak

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Panorama do saneamento no Brasil

e acordo com um estudo da ONU divulgado em 20121, 780 milhões de pessoas vivem sem acesso à água potável. E segundo a WaterAid, 42% da população mundial vive em condições sanitárias insatisfatórias. No Brasil, ainda não são todos os cidadãos que, em pleno ano de 2015, disfrutam de acesso aos serviços de saneamento básico em suas residências. De acordo com o último SNIS2 (Gráfico 1), em 2013, 82,5% da população brasileira tinha acesso à água tratada, porém com índices de perdas em distribuição muito elevados - 36,9% em média3. Claramente, há grande potencial de melhoria para a sociedade – e captura de valor para as empresas, se bem geridas - na redução dessas perdas, porém seu ritmo parece ser insuficiente, levando-se em conta o estresse hídrico que o país experimenta e as perspectivas que a situação extraordinária que se vive se torne o novo normal. Ao mesmo tempo, apenas 48,64% da população possuía acesso à rede de esgoto. Nesse sentido, ainda que o atendimento de água seja razoavelmente satisfatório, não é possível afirmar o mesmo com relação ao esgotamento sanitário, cuja cobertura precisa se expandir de forma significativa para chegar a níveis adequados frente às necessidades da população e condizentes com os níveis de renda per capita do país. Ademais, do esgoto gerado em relação à água consumida, somente 39 % é tratado. Dentre os indicadores analisados este é

1 Relatório “The future we want”, divulgado pela

ONU durante a conferência Rio+20. 2 Sistema Nacional de Informações sobre o

Saneamento Básico. 3 Indicador de perdas de distribuição mede a

diferença entre o volume de água produzido e tratado (desconsiderando o volume utilizado no processo) e o volume de água consumido pela rede, como parte do volume total de água produzido.

sem dúvida o que se encontra mais distante da meta de tratamento de 88% de todo o esgoto gerado até 2033, estabelecida pelo Ministério das Cidades em 2013, no Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) – ver seção Perspectivas para os próximos anos.

Gráfico 1 : Brasil: Indicadores de Saneamento4

Numa perspectiva regional, é a região Norte que se encontra em situação mais precária – se deteriorando nos últimos anos – e seguida do Nordeste, em contraposição às regiões Sudeste e Centro-Oeste como demonstram os Gráficos 2-5.

Gráfico 2: Atendimento de água por região

2002-2013

4 Os dados de tratamento de esgoto estão

disponíveis na base de dados do SNIS apenas a partir de 2007.

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Gráfico 3: Coleta de esgoto por região 2002-2013

Gráfico 4 : Tratamento de esgoto por região

2007-2013

Gráfico 5: Perdas na distribuição por

regiões 2002-2013

Fonte Gráficos 1-5: SNIS

Em uma comparação internacional, o Brasil, ainda que possua níveis satisfatórios de cobertura de abastecimento de água, tem um desempenho bastante inferior a muitos países com PIB per capita semelhante que conseguiram universalizar seu acesso (Gráfico 6). No que diz respeito ao esgotamento sanitário5, o país também se encontra abaixo da curva (Gráfico 7).

Gráfico 6 : População com acesso a água

potável Vários países, 2013 ou ano mais recente

Gráfico 7 : População com acesso a

esgotamento sanitário Vários países, 2013 ou ano mais recente

Fonte Gráficos 6 e 7: IB-Net

5 As instalações sanitárias são referentes a

privadas, latrinas ou poços sépticos que são direcionados a um sistema de coleta de esgoto.

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Até a década de 1970, o setor de saneamento não era regulado e as iniciativas de prestação de serviço eram dispersas e fragmentadas. Em 1971, o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) criou as companhias estaduais de saneamento básico (CESBs) e disponibilizou recursos federais para o financiamento de projetos. O setor se expandiu rapidamente se organizando sob a forma de um monopólio natural com âmbitos territoriais específicos (estados e municípios, estes últimos tipicamente com sistemas operados por autarquias). Nas décadas seguintes o setor caminhou lentamente, sendo que as mudanças mais significativas ocorreram com a Lei das Concessões de 1995 e a Lei das PPPs de 2004, que possibilitaram a mobilização de investimentos privados no setor. Ainda assim, permaneceu um vácuo regulatório pela dissonância do entendimento de agentes e governos sobre a titularidade e legitimidade de ações supra municipais, seja pelo setor público ou privado. Em 5 de janeiro de 2007 foi publicada a Lei Nº 11.445, conhecida como o Marco Regulatório do Saneamento. A Lei classificou o saneamento básico como um serviço público, de titularidade do município, podendo ser por eles delegado a terceiros, seja à uma empresa estadual ou ao setor privado por meio de uma concessão. Assim, removeram-se algumas das maiores interrogações do setor, reforçando a abertura à iniciativa privada, cuja participação deverá aumentar ao longo dos próximos anos. A Lei 11.445/2007 também determina que os municípios devam elaborar um Plano Municipal de Saneamento, e colocou como data limite dezembro de 2013. Sem o Plano, o município não poderia obter recursos da União para projetos no setor, tendo acesso somente às transferências

obrigatórias previstas na Constituição. Ao final de 2013, menos de um terço dos municípios havia apresentado seu plano de saneamento, alegando falta de capacidade técnica e recursos para contratação de consultoria. Há ainda falta de compreensão quanto à importância deste instrumento de planejamento. Depois de reinvindicações das prefeituras, o Governo Federal promulgou o Decreto Nº 8.141/13, em que além de postergar o prazo para apresentação dos planos para dezembro de 2015, anunciou também a obrigação da criação de um Conselho de saneamento em todos os municípios. Estima-se que apenas 20% a 30% dos municípios contam atualmente com um conselho municipal constituído.

Os investimentos em Saneamento Os investimentos setoriais vêm se expandindo em anos recentes, porém ainda são insuficientes para universalizar os serviços de saneamento básico, cumprindo as metas propostas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB). Para tanto, seriam necessários R$ 16 bilhões por ano durante ao menos 19 anos, totalizando cerca de R$ 300 bilhões.

Quadro 1: Investimentos em Infraestrutura de Saneamento Média 2001-10, 2011 a 2013

Em R$ bilhões e % do PIB Fonte: Inter.B; Nota: G a.a – crescimento médio anual (taxa geométrica).

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Os maiores desembolsos no setor foram realizados pelas empresas estaduais, que são responsáveis por serviços em 70,8% dos municípios. As empresas privadas atuam em 5,3% dos municípios (e atendem 13,5% da população6), sob 128 contratos de concessão plena, 22 concessões parciais, 66 PPPs, três locações de ativos, e 78 outros contratos, em sua maioria de prestação de serviço de gestão ou assistência técnica. Já as autarquias municipais atuam em 23,9% dos municípios brasileiros, sendo a maioria deles de pequeno porte. Vale notar que o Brasil está acima da média mundial em participação do setor privado, pois segundo a ABCON7 cerca de apenas 3% da população mundial é atualmente atendida por empresas privadas de saneamento básico, ainda que essa participação venha se expandindo, comumente sob a forma de PPPs.

Perspectivas para os próximos anos O PLANSAB integra todos os componentes do saneamento, sendo eles o abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem das águas pluviais urbanas. O projeto foi elaborado pelo Governo Federal e coordenado pelo Ministério das Cidades. Dada a situação atual de déficit em saneamento básico, o Plano estabelece metas de curto (2018), médio (2023) e longo prazo (2033), e possui um horizonte de 20 anos (2014-2033). De acordo com o Plano, 59% dos recursos previstos para os investimentos serão federais, e o restante virá de outros agentes, como entidades

6 Estimativa da ABCON

7 Associação Brasileira das Concessionárias

Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto.

internacionais, e empresas públicas e privadas. O Gráfico 8 a seguir, ilustra as projeções do PLANSAB.

Gráfico 8: PLANSAB: Projeções para a cobertura de serviços

Fonte: PLANSAB, 2013. Assim, será necessário um aumento significativo dos investimentos no setor, de forma que as metas acima possam ser atingidas. O gráfico 9 mostra as projeções dos investimentos anuais requeridos para as metas de curto, médio e longo prazo, respectivamente.

Gráfico 9: Média anual de investimentos previstos no PLANSAB8

Fonte: PLANSAB

8 Gráfico inclui investimentos do governo (federal,

estadual e municipal) e privado (nacional e internacional).

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Apesar de que o PLANSAB não especifica uma trajetória de investimento para o setor privado, entre 2014 e 2018 estão previstos investimentos anuais de R$ 18,1 B, versus R$ 10,2 B em 2013 e uma estimativa de R$ 10,6 B em 2014 (ou seja, a execução das metas do PLANSAB demandaria um crescimento de cerca de 75% dos investimentos comparados com 2013-14). A previsão da ABCON é que as concessionárias privadas invistam R$ 5,4 B entre 2014 e 2017, ou uma média de R$ 1,3 B/ano, apenas considerando os projetos já existentes. Assim, dada a evidente restrição fiscal do setor público, seria imperativo que o valor investido pelas concessionárias privadas expandisse consideravelmente, à medida que prefeituras decidam por licitar os serviços de saneamento ou firmar parcerias com empresas privadas9.

A crise da água Não se pode afirmar que o estresse hídrico por qual passam algumas regiões do país é resultado apenas da falta de investimentos em saneamento. Mas é indubitável que o desperdício de água e sua má precificação – como, aliás, é o caso para muitos dos nossos recursos e insumos críticos (a exemplo da eletricidade), vem contribuindo sobremaneira para a situação excepcional que se vive atualmente.

9 Já estão previstos para os próximos anos projetos

importantes que envolvem o setor privado. Muitos contratos de PPP, com objetivo de prestação de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, já estão em vigência, como é o caso dos municípios de Guarulhos – SP (OAS Investimentos), Paraty – RJ (Grupo Águas do Brasil), Recife – PE e Goiânia – GO (Odebrecht Ambiental). Além disso, diversos municípios já estudam a possibilidade de parcerias com o setor privado, como é o caso de Vila Velha – ES, Santo André – SP E Mauá – RJ, dentre outros.

Em dezembro do ano passado, quinze especialistas em recursos hídricos divulgaram uma carta aberta, denominada Carta de São Paulo, em que reiteram alguns pontos já conhecidos e reafirmam constatações importantes. Primeiro, afirmam que há de fato ameaça à segurança hídrica no sudeste, por conta de mudanças climáticas, principalmente na RMSP e no interior de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. A vazão dos reservatórios já não é suficiente para suprir a demanda atual e projetada, e a situação se agrava com a seca que se instaura na região, assim como no Nordeste. Além disso, a poluição da água, solo e ar comprometem os múltiplos usos dos recursos hídricos, agrava sua escassez, e aumenta a vulnerabilidade da biota terrestre e aquática, da nossa população e de outras espécies. Segundo o relatório, a escassez de água será minorada apenas se ocorrerem chuvas em quantidades acima de 25% da média histórica no verão – o que obviamente não vem acontecendo. Há evidência crescente que a emissão de gases de efeito estufa vem tendo impacto material e significativo sobre o clima: a ocorrência de fenômenos extremos – a exemplo de secas e inundações -, e temperaturas médias em elevação nos verões. O principal gás responsável por esse fenômeno é o CO2. Em anos recentes observa-se no Estado de São Paulo forte correlação (inversa) entre os níveis de emissão de CO2 e os índices pluviométricos. Ainda que correlação não seja causalidade, o Gráfico 10 é no mínimo bastante sugestivo. O regime de chuvas no Estado – e em parte considerável do país – está mudando de forma acelerada, e o princípio da precaução deveria instruir as políticas públicas.

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Vale sublinhar também que as florestas absorvem CO2 no processo de fotossíntese, de forma que serviriam como importantes reguladores climáticos. Assim o desmatamento das florestas (Amazônica e Atlântica, principalmente) seriam uma das causas para a seca na região sudeste e nordeste.

Gráfico 10: Relação entre emissões de CO2

e precipitação média no estado de São Paulo10

Com uma produção industrial baseada F Fonte: Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e Sistema de estimativa de emissão de gases de efeito estufa (SEEG)

Porém há uma segunda função que as florestas exercem, e que é igualmente crítica para o clima. A Floresta Amazônica em especial ajuda na formação de “rios voadores” que carregam água em forma de vapor, permitindo que as chuvas cheguem às demais regiões do país. A corrente de ar formada no oceano passa pela floresta e é acrescida de vapor liberado pelo processo de respiração das árvores, formando “rios aéreos”. Estes são barrados pela Cordilheira dos Andes no oeste, levando chuva às regiões centro-

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O índice pluviométrico foi calculado a partir da precipitação média nas estações pluviométricas no entorno do Sistema Cantareira e da região Metropolitana do estado de São Paulo. São elas: Campos de Jordão, Guarulhos, Taubaté, São Paulo e Sorocaba.

oeste, sul e sudeste, impedindo que sejam estas sejam áreas desertas, como ocorre com as demais regiões na mesma latitude ao redor do mundo. Assim, seria correto afirmar que com o aumento do desmatamento, o ciclo hidrológico natural que é responsável pela regulação das chuvas nas demais regiões do Brasil fica prejudicado. Além do desmatamento da Amazônia, a presença de áreas verdes na região metropolitana de São Paulo e de demais RMs e cidades médias no sudeste do país poderia amenizar a falta de chuva. Ou seja, o ciclo hidrológico de cobertura vegetal locais poderia ajudar a evitar períodos de seca extrema. Contudo, a partir da experiência de um intenso processo de urbanização, São Paulo – e outras regiões - sofre ainda com a multiplicação de áreas asfaltadas e diminuição de áreas verdes, mudando os padrões de umidade e evaporação do território, e gerando uma dependência maior ainda das florestas e outras coberturas mais distantes. Nesta perspectiva, é fundamental estabelecer uma agenda para remediar uma situação que está próxima de crítica. Essa agenda necessita contemplar o problema de forma não fragmentada: há questões emergenciais, e muitas outras estruturais, que passam pela reconstrução de ecossistemas em áreas degradadas, a restauração das matas ciliares, a proteção, conservação e recuperação da biodiversidade, e a sensibilização da população para o consumo consciente de recursos escassos, com a mudança nos estilos de vida. Passam também – conforme sugerido na Carta de São Paulo – por mudanças no sistema de governança dos recursos hídricos. Hoje, o sistema é considerado fragmentado, visto que diversos órgãos e

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instâncias são responsáveis pela água. Para enfrentar o problema do abastecimento público, seria imprescindível a modernização dos sistemas para promover a articulação entre todos os órgãos envolvidos, criando uma gestão preditiva, integrada e em nível de bacia. Ademais se torna imprescindível uma programação de investimentos – mobilizando recursos privados por meio de concessões e PPPs - de modo que os sistemas possam atender a demanda projetada no médio e longo prazo. Nesta perspectiva é essencial considerar sistemas e soluções alternativas, tal como o tratamento da água de esgoto, de forma que esta pode servir a setores como o agrícola e o industrial, assim como a captação de água da chuva por cisternas, que podem ser instaladas em prédios e residências. O melhor exemplo de reaproveitamento de água no mundo é Israel. Devido à sua localização geográfica desfavorável, o país possui recursos hídricos limitados e se viu na necessidade de desenvolver um sistema que sustente sua demanda. Dessa forma, o reuso da água se tornou política nacional a partir de 1955 e foi imposto o racionamento, em especial ao setor agrícola. As principais inovações foram o reaproveitamento quase total do esgoto e água dos domicílios. Além disso, o país possui o sistema mais avançado do mundo de dessalinização de água do mar e filtração da água do Lago Kinneret, de forma que todas as fontes de água no território israelense são aproveitadas. O consumo de água per capita de Israel já é um dos menores dentre os países membros da OECD, e sua parcela de uso de recursos renováveis é uma das maiores.

E no curto prazo? Como enfrentar o estresse hídrico que se agrava diariamente? Sem dúvida são necessários planos de contingência, que contemplariam medidas emergenciais, particularmente para as regiões com maior demanda e que mais sofrem com a escassez hídrica. De imediato deve-se incentivar a redução no consumo da água, visto que a probabilidade que os sistemas se recuperem no curto prazo é muito baixa. Para evitar o colapso dos sistemas de abastecimento é preciso não apenas premiar quem reduz o consumo, mas punir quem o aumenta, e no limite racionar o abastecimento. Em síntese: atualmente, estima-se que 46 milhões de brasileiros estão em regiões de seca, onde os reservatórios estão em níveis inferiores ao normal e as chuvas abaixo da média histórica. A situação mais crítica é no Nordeste, região em que 90% dos municípios estão em estágio de emergência, e aquela com maior impacto potencial sobre o país e sua economia é no Sudeste. De fato, a crise hídrica não afeta apenas o dia-a-dia da população, mas também a atividade industrial e agrícola, além do transporte hidroviário, o que deverá afetar o crescimento econômico do país de forma ainda imprevisível. Assim, é imprescindível a ação do governo; e também o envolvimento da sociedade. Não bastam medidas para amenizar a crise hídrica atual; é imperativo que nos preparemos para o futuro.