sinopse_projeto_o corpo entre arte e medicina

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  • 7/23/2019 Sinopse_projeto_o Corpo Entre Arte e Medicina

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO PAULO

    FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE HISTRIA DA ARTE

    O Corpo, entre Arte e Medicina: umlevantamento iconogrfico e bibliogrfico

    Sinopse do Projeto

    Pesquisa em nvel de Iniciao Cientfica,com subveno da Fap/ Fundao de Apoio Universidade Federal de So Paulo, soborientao do Prof.Dr.Osvaldo Fontes Filho,Departamento de Histria da Arte da Escolade Filosofia, Letras e Cincias Humanas daUNIFESP

    Guarulhos

    Novembro de 2012

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    Mritos institucionais do Projeto

    O Corpo, entre Ar te e Medicina: um levantamento iconogrfico e bibliogrficotem por objetivo produzir uma sntese da cultura visual em torno do corpo, de suas

    apropriaes artsticas a certas evidenciaes cientficas. Portanto, trata-se de iniciativa

    que procura aproximar dois universos de conhecimento em torno da imagem, saberes

    que a Universidade, acomodada em suas estratificaes, comumente distancia. Eis

    porque o projeto, implantado h um ano, tem abrigado tanto modos de representaes

    do universo das cincias nas artes visuais quanto contribuies do saber mdico para o

    imaginrio contemporneo em torno do corpo. A inteno maior tem sido a de propor a

    alunos de graduao um trabalho coletivo em torno das mltiplas imagticas motivadas

    pelo corpo.

    A iniciativa est assim em consonncia com uma das caractersticas maiores do

    Projeto Acadmico do campus Guarulhos, qual seja, as conexes interdisciplinares.

    Saliente-se, ainda, a proposta do Curso de Histria da Arte, explicitada em seu Projeto

    Pedaggico, de transcender a rea das Humanidades, e estabelecer assim interfaces com

    outras reas cientficas, tradicionais na UNIFESP, como as Cincias Mdicas e da

    Sade. Nesse sentido, para um curso que se fundamenta no dilogo intenso com as

    abordagens transdisciplinares relacionadas s artes e aos estudos da imagem, entende-

    se como particularmente estratgico o trato com o motivo do corpo. Instncia primeira

    do simblico, ele aponta inequivocamente para as mtuas interferncias entre as artes e

    as cincias (da Anatomia Psiquiatria, passando pelas disciplinas antropolgicas), e

    permite transitar pelas novas reas interdisciplinares da investigao histrica tais como

    a prpria histria do corpo, a histria da imagem, a antropologia visual, a histria da

    cultura material.

    Razo porque este Projeto reconhecido pela Fap/ Fundao de Apoio Unifesp

    como capaz de familiarizar o aluno de graduao com as solicitaes de um efetivo

    trabalho de Iniciao Cientfica. Mesmo porque o trabalho preconizado de leitura e

    pesquisa, e igualmente de contato com as imagens caracteriza-se por romper com a

    compartimentalizao de origem positivista ainda preponderante nas cincias do

    homem. Histria da Arte e Histria das Cincias Mdicas apenas recentemente

    comearam a reconhecer formalmente suas mutualidades no tocante s representaes

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    do corpo. Trabalhar em tal vis implica, sobretudo, despertar para perspectivas

    historiogrficas menos ortodoxas que aquelas que, usualmente, so apresentadas nos

    cursos de graduao. Em outras palavras, o Projeto permite a efetiva articulao das

    Artes e das Humanidades, prerrogativa mesma do campusGuarulhos.

    *

    Por fora de tal prerrogativa, os novos alunos-bolsistas que viro se juntar

    queles j atuantes sero sistematicamente convocados a procurar no conjunto das

    formaes oferecidas no campusGuarulhos pelos diferentes discursos e imagticas que

    fazem do corpo um objeto cultural. Sero, pois, orientados a compreender a amplitude

    de seu objeto: corpo orgnico, de carne e sangue, mas tambm corpo agente e

    instrumento de prticas sociais; corpo objetivo, envoltrio das formas conscientes e das

    estticas, mas igualmente corpo depositrio das pulses inconscientes; enfim, corpo-

    anteparo da moderna cultura visual e corpo/corpusdas cincias mdicas.

    Alm disso, a pesquisa proposta aos bolsistas procura refletir um extraordinrio

    ganho em atualidade das reavaliaes, tanto em universo acadmico quanto nas

    instituies de arte, de um saber histrico em torno da corporeidade, modo de repropor

    novas interfaces entre cincia e arte, e entre historiografia e antropologia, bem como o

    estreitamento das colaboraes entre os artistas e os tecnlogos das reas mdicas.

    Razo porque se entende apresentar a alunos-pesquisadores de variado interesse

    acadmico a ampla histria de um saber comum a artistas e a cientistas. Da

    fisiognomonia frenologia, da antropologia s primeiras incurses em fins do sculo

    XIX ao universo das doenas mentais, dos atavismos classificados por Camper s

    fisiologias registradas em fotografia pelos doutores Lond e Duchenne de Bologne, sem

    falar da extraordinria iconografia fotogrfica do doutor Charcot no hospital La

    Salptrire, entre 1880 e 1900, o Projeto O Corpo entre Arte e Medicina tem procurado

    dispor amplo e diversificado repertrio de imagens emblemticas tanto da dimenso

    cultural da condio humana, quanto de uma cultura visual surgida em torno do corpo e

    de suas organicidades .

    Tal tarefa, diga-se, est investida de certa ambio. Pois que se entende ser

    possvel propor ao aluno de graduao um percurso diversificado pelo qual imbu-lo de

    uma visada historiogrfica de peso. Trabalhar com uma histria das representaes do

    corpo supe considerar os acervos tanto de museus das cincias mdicas quanto aquelesde belas-artes, as ditas lies de anatomia do mundo clssico assim como as imagens

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    computadorizadas da atual visinica mdica. Importam os corpos indicirios da Histria

    Natural, com suas tipificaes morfolgicas, mas igualmente os corpos desorganizados,

    paradoxais, mesmo informes da contemporaneidade. Trata-se, pois, de repertoriar

    registros absolutamente heterclitos, imagens e textualidades de diversa extrao

    cultural.

    Nesse intento, entende-se que o bolsista ter as condies necessrias para

    desenvolver uma capacidade de discriminao dos dados visuais, assim como certa

    perspiccia em fazer dialogar as interrogaes filosfico-antropolgicas

    contemporneas e os materiais de uma cultura visual histrica. Com que proporcionar

    efetiva iniciao s exigncias de uma pesquisa acadmica.

    **

    Para seu primeiro ano de vigncia, o Projeto definiu trs frentes de trabalho,

    divididas por quatro bolsistas (de Histria da Arte, de Letras, de Medicina e de

    Histria). So elas:

    1.Lies de anatomia: o corpo nascente da cincia

    O primeiro aluno-bolsista foi solicitado a examinar a nova cultura visual surgida

    entre os sculos XV e XVII em torno da cincia da anatomia. Para tanto, importava

    inicialmente identificar na iconografia de fundo vesaliano os estilemas visuais

    gestualidades e disposies espaciais mais recorrentes de uma transferncia simblica

    entre a corporeidade aristotlica dos medievais e a corporeidade perspctica prpria s

    modernas exigncias de racionalidade e de experimentao. Seriam assim evidenciados

    novos dispositivos de espacialidade: procedimentos de disposio dos corpos, de sua

    decupagem, em favor de representaes sintticas; tcnicas de transparncia e de

    detalhamento; modos diagramticos prprios a ilustrar princpios estruturais, mecnicos

    e fisiolgicos. Em vista do conseqente repertrio imagtico produzido, o aluno seria

    instado a caracterizar metamorfoses do olhar, a identificar situaes escpicas prprias a

    uma nascente interpretao analtica do real.

    2.Fisiognomonias e patognomonias: o corpo de paixes e dorO segundo aluno-bolsista foi solicitado a percorrer sistemticas de

    representao do patolgico entre os sculos XVII e XIX. Em territrio relativamente

    inexplorado, aquele das metamorfoses histricas da pele como superfcie de projeo

    das paixes e, consequentemente, das linguagens visuais, seu esforo foi o de

    repertoriar a ampla cultura visual desenvolvida em torno dos estudos fisiognomnicos.

    A partir das teorias de Charles Le Brun, Johann Caspar Lavater, Franz Joseph Gall e

    Johann Gaspar Spurzheim, o aluno procuraria pelos indcios de um saber que emigra

    das artes figurativas e dos estudos de fisiologia diretamente para a patognomonia, para a

    frenologia e para a criminologia, cincias que nascem no sculo XIX em torno de

    figuras como Cesare Lombroso, Franois Galton, Alphonse Bertillon. Observaria,

    ainda, como a cincia da primatologia de Petrus Camper ou as teorias da evoluo deDarwin e de Lamarck influenciaram amplamente o imaginrio do sculo XIX. Por fim,

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    nas nascentes terapias da histeria e da alienao de Philippe Pinel, Jean-Etienne

    Dominique Esquirol e Jean-Martin Charcot, dentre outros, o aluno reconheceria e

    repertoriaria rica iconografia, amplamente tributria do registro fotogrfico do corpo.

    Um terceiro aluno-bolsista ficou encarregado de propor uma transio entre as

    frentes 1 e 2, ao se enderear a poticas e iconografias que, nos sculos barrocos,

    montaram um teatro das dores e das paixes, ampla retrica de representaes do

    humano, por vezes atrelada ao repertrio imagtico advindo das cincias anatmicas.

    3.Corpos des-organizados, nos modernos e ps-modernos

    O quarto aluno-bolsista foi solicitado a repertoriar os usos por parte da arte mais

    recente de modernas tecnologias de imagem mdicas. Procuraria analisar as implicaes

    filosfico-antropolgicas de uma nfase por parte das artes performticas e da videoarte

    no acesso interioridade orgnica. Odilogo sustentado com a imagtica e as tcnicasda Medicina moderna tem levado a arte contempornea a repensar o estatuto cultural do

    corpo em suas vicissitudes fisiolgicas. Renovados rituais de evocao da corporeidade

    mostram-na ambivalente, fluida, prottica, tributria algo delirante das novssimastecnologias de escopia e de interveno das cincias mdicas. O aluno procuraria, pois,

    observar como a recente imagtica do corpo influenciada pelos novos modos de

    representao na cincia: corpos monstruosos, referncia aos desenvolvimentos da

    engenharia gentica; mutilaes e dissecaes potencialmente ofensivas proposta em

    sua espetacularidade. Assim, seriam visados modos de discriminar entre o simples apelo

    eficcia cnica e as prerrogativas de um olhar afeito ao histrico de uma cincia

    meticulosa das dissecaes. Por fim, o aluno procederia ao levantamento de uma

    iconografia em clara desafeco dos discursos museolgicos e dos contextos

    academicamente neutralizados: imagens de um corpo contemporneo em nada afeito

    aos protocolos de estetizao comumente mobilizados pela historiografia de arte.

    Estado da pesquisa e projees

    O trabalho com o que Walter Benjamin chamou um pensamento por

    montagem, qual seja, a manipulao direta das imagens como modos de pensar, em

    suas reivindicaes por sentidos e desconstrues de sentidos, surgiu como preocupao

    maior nos ltimos meses de trabalho. Repensou-se a primeira inteno do Projeto, a de

    montar um banco de imagens. Evidenciou-se que se deveria partir para algo mais eficaz

    no momento, uma espetacularizaode certas heterodoxias evidenciadas ao longo dos

    meses de trabalho no trato com a rica e variada iconografia artstico-cientfica do corpo.

    Espetacularizao: o motivo surgiu como resultado do interesse que despertou

    nos bolsistas aIconografia Fotogrfica de La Salptrire, com seu teatro da histeria

    em finais do sculo XIX. Tal iconografia permite uma rica reflexo sobre os modos de

    construo de um olhar clnico sobre o corpo convulsivo dos histricos em perda de

    normalidade, em ruptura da boa figurao. A figura feminina, os ditos corpos-

    clichs de Charcot, extraordinrios objetos de um olhar fotogrfico implacvel em seu

    af classificatrio, tem-se assumido como suporte de um entendimento particular da

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    imagem como elemento de transio entre as eras, lugar das sobrevivncias, dos

    fantasmas, lugar particularmente frtil para a irrupo dos corpos em suas contradies,

    entre a presena e a ausncia, o prximo e o longnquo.

    Neste segundo ano de atividades do grupo de bolsistas, a imagem que se projeta

    convocar para o preconizado trabalho de espetacularizao, ou seja, para uma

    demonstrao multimiditica (vdeos, fotografias, encenaes, instalaes, etc) do bem

    fundado da freqentao da cultura visual do corpo, seria uma imagem aberta,

    expresso feliz do historiador mais influente de nosso tempo Georges Didi-Huberman.

    Imagem aberta para significar os gestos e imaginaes fugidias, transitrias e/ou

    insistentes que as imagens parecem convocar com certa constncia. Tratar-se-ia de

    imagem recorrente na tradio ocidental da encarnao, ou seja, uma imagem que no

    se reporta ao visvel, mas ao que Didi-Huberman chama o visual, ou seja, o sintoma de

    algo por detrs, ao fundo, uma dilacerao da aparncia. A imagem aberta e a lembrar

    como so tantos os corpos escancarados que a cultura da Anatomia nos oferece , cujas

    imagens o grupo de bolsistas repertoriou exaustivamente no ano de 2011

    reveladora de grande eficcia crtica ao desconcertar a representao, ao desmentir as

    aparncias. Assim, ela produz um vaivm entre presena e ausncia, e alerta para

    corporeidades particularmente significativas em suas desfiguraes, em seus paradoxos

    formais, em seupathos, motivo essencial do Projeto.

    Razo para se falar das inmeras ocorrncias, na iconografia crist, do

    acontecimento da carne aberta, das efuses do vermelho s corporeidades marcadas,

    estigmatizadas: corpos-vestgio, corpos-escotoma, corpos-abjeo. A lembrar, aqui,

    apenas como sugesto, a imagem do nascimento de Afrodite o nascimento da Beleza

    mesma que se pronuncia como o drama metamrfico de uma matria abjeta: a

    espuma que adquire forma entre a untuosidade branca do turbilho marinho, o esperma

    de um deus morto e o jorro sangrento de seu membro mutilado. Imagem, pois, a nos

    remeter a uma heterodoxa historiografia, propensa a transgredir velhos historicismos do

    belo e do harmnico em favor de um verdadeiro pensamento por montagem, na

    expresso de Walter Benjamin.

    Tal historiografia , uma vez compreendida em seus rudimentos por parte dos

    bolsistas, permitir trabalhar com toda a imagtica levantada at o presente momento.

    Uma imagtica advinda sobretudo de uma histria dominada pela metamorfose, pela

    transformao, por vezes pela mutilao/fragmentao/desfigurao dos corpos. Arecorrncia iconogrfica do trao, da marca, da impresso nos remeter ainda ao uso

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    que artistasmulheres disso fizeram em nossa modernidade: caso de Eva Mendieta,

    cujos autorretratos absurdos ficam ao lado do corpo informe de Cindy Sherman como

    derradeiras figuras de uma longa tradio da iconografia da encarnao que dever ser

    pelo grupo de bolsistas centralizada no espetculo das histricas do dr. Charcot.

    Tal empresa, ressalte-se, incorrer num gesto inequivocamente etnogrfico. Mas

    tambm, e sobretudo, numa antropologia dos corpos, dos gestos, das maneiras. Que no

    se alimenta unicamente das pginas do etnlogo. E isto porque a ampla galeria de

    imagens j repertoriadas h muito insinuou sua natureza no grupo de bolsistas. Em texto

    trabalhado por estes, O corpo informe de P.Pelbart, vimos a aluso cadeia

    infindvel de corpos aviltados de nosso tempo, matria para as chantagens emocionais

    de praxe, os sentimentos de um humanismo oficial. Ora, a isso o autor contrape

    gestos desprovidos de esteios tradicionais, invariavelmente presentes nas narrativas

    modernas. No surpreende, pois, que ele prossiga lembrando a humanidade que perdeu

    seus gestos (em referncia a Giorgio Agamben) e mesmo a dana contempornea,

    comprometida com um desinvestimento dos rgos, num anseio por libertar foras

    inconscientes. Ou seja, sugere-se que a dana contempornea (como tantas outras

    formas de expresso artstica) uma espcie de fbrica de corpos abertos, escancarados

    em suas idiossincrasias. Enfim, de imagens-sintomade certa exausto das corporeidades

    clssicas.

    O tema da dana contempornea tem-nos surgido por fora da participao de

    aluna-bolsista afeita rea. Matria negligenciada no curso de Histria da Arte, a dana

    aqui evocada em termos de heterogeneidade, de interdisciplinaridade, enfim da

    combinao de diferentes vocabulrios visuais. O que se prope, nesta referncia ao

    suporte-dana, to somente instanciar uma perspectiva de discusso e ruptura de

    paradigmas, semelhana de certa cenografia contempornea, afeita multiplicidade de

    informaes, a uma renovada percepo da expresso, fragmentao e justaposio

    das posturas, gestos, expresses, enfim, das imagens.

    Eis, precisamente, o vis que se buscar para o futuro imediato da pesquisa:

    fragmentao e justaposio das imagens, algo que precisamente nos fornecem os

    conceitos de imagem aberta, imagem crtica e imagem-sintoma. H imagens que

    atravessam o tempo, que o historiador Aby Warburg identifica como transmissores de

    imaginao, como uma doena, uma infeco, uma epidemia. No deveramos procurar

    por elas, a comear por aquelas advindas do acervo fotogrfico do dito "teatro dahisteriade La Salptrire? A lembrar, aqui, que o sintoma, segundo Didi-Huberman,

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    um "evento crtico, acidente soberano, dilaceramento", que preserva as "potencialidades

    expressivas e patolgicas" da imagem, "configuradas num tecido feito de rastros", de

    sedimentaes. Seguir esses rastros seria como propor elucidar a cena de um crime.

    Walter Benjamin usou o termo em alguns de seus textos. Um "crime" como irrupo no

    curso de uma idealizada normalidade, ruptura no contnuo do tempo, provocando

    desvios de certezas, do conhecido, do esperado. Os vestgios de um "crime" abrem

    espao para a confluncia dos tempos presente e passado, mantendo a "histria em

    aberto, sem soluo", mas tambm acolhem o futuro, tempo da "demanda por meios

    para contar a histria ocorrida".Uma imagem-sintoma, uma imagem crtica garantia

    da insolubilidade de interpretaes, atuando como paradoxo e aporia. Warburg afirmava

    que a eficcia das imagens s poderia ser compreendida a partir de uma "complexa

    dialtica entre astra e monstra", uma forma particular de retomada da polarizao

    nietzschiana entre apolneo e dionisaco. Uma dialtica, portanto, de smbolos e

    sintomas, saberes e no saberes, metforas e metamorfoses, ideias e fantasmas, claras

    razes e monstros dos sonhos. Eis, enfim, o espao de manobras proposto por este

    Projeto.

    O levantamento iconogrfico, objetivo primeiro do Projeto, permanece proposto,

    porm matizado por imagens emblemticas de certa exacerbao do olhar entre os

    sculos XIX e XX, importante para a compreenso do imaginrio das cincias e das

    artes atuais. Sero, pois, complementados os levantamentos de imagens da nascente

    etnografia do sculo XIX, momento em que a cincia toma a corporeidade do Outro

    como objeto de uma razo classificatria e indiciria. Imagens denotativas da recepo

    social de um olhar cientificista sero cotejadas com seus similares nas artes, e, por fim,

    com a rica Iconografia Fotogrfica de La Salptrire , onde se sedimentam protocolos

    de uma cincia do olhar, dividida entre a arte e as cincias do comportamento. Com que

    propor uma arqueologia imagtica dopathos: em torno, uma vez mais, de figuras-chave

    de uma sintomatologia das imagens corporais (provenientes da figurabilidade freudiana

    e da memria imagtica de Warburg), este ser o registro de uma tentativa de

    espetacularizao de toda a imagtica at aqui levantada pelo grupo de bolsistas.

    Razo porque os novos bolsistas sero solicitados no sentido de viabilizar

    mdias e plataformas de exibio diversas passveis de apresentar didaticamente os

    resultados mais notveis da pesquisa.

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    Tpicos de trabalho

    Assim pautados os novos motivos que complementariam o esforo conjunto at

    aqui realizado, projetam-se para o prximo perodo as Frentes de Trabalho abaixo

    especificadas:

    I. Fundamentao terico-metodolgica

    o conceito de pensamento-montagem nas historiografias de Warburg,

    Benjamin e Didi-Huberman. Anlise de alguns modelos de memria

    imagtica: o Atlas Mnemosyne, as Passagens benjaminianas, a Documents

    batailliana

    o conceito de imagem dialtica e deantropologia das formas: leitura e

    anlise de O que vemos, o que nos olha, deGeorges Didi-Huberman.

    o conceito de imagem aberta: leitura e anlise de Limage ouverte eOuvrir Venus, deGeorges Didi-Huberman.

    os conceitos de imagem-sintoma efigurabilidade: leitura e anlise de Ao

    passo ligeiro da serva (Saber das imagens, saber excntrico), de Georges

    Didi-Huberman.

    II. Levantamentos iconogrficos: exacerbaes do ver, entre os sculosXIX e XX

    em torno da Vnus dos mdicosde Susini: a iconografia dos corpos

    abertos da Anatomia

    em torno dos corpos indicirios da Histria Natural. Tipologizaes

    morfolgicas em torno do sistema Bertillon. Leitura complementar deIdentidades virtuais: uma leitura do retrato fotogrfico,de Annateresa Fabris

    em torno da iconografiafotogrfica de La Salptrire: o espetculo dos

    corpos histricos . Leitura e anlise deLinvention de lhystrie, de Georges

    Didi-Huberman

    uma arqueologia imagtica dopathos: em torno das figuras da Gradiva

    freudiana e da Ninfa warburgiana

    III. Metamorfoses e transgresses da figura humana: um balano domodernismo.

    a. Leitura e anlise de O corpo impossvel, de Eliane Robert de Moraes e

    Diante da dor dos outros, de Susan Sontagb.O conceito de corpo paradoxal: leitura e anlise deMovimento total. O

    corpo e a dana, de Jos Gil

    c. Levantamento iconogrfico

    anatomias reiventadas, de Bellmer aos irmos Chapman

    os corpos des-organizados da dana e da arte modernas e contemporneas

    corpos-vestgio, corpos-estigma e corpos informes na modernidade e na

    contemporaneidade (Eva Mendieta, Cindy Sherman, etc.). Leitura e Anlise

    dePowers of Horror, de Julia Kristeva

    IV. Entremeio terico o tema da perda do gesto em Agamben

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    os corpos-sem-rgos e os corpos informes da narrativa moderna

    (Lapoujade, Pelbart)

    V. Avaliao das possibilidades de encenao parcial de A lio deCharcot de Quinet

    VI. Montagem de uma cenografia/arqueologia imagtica dos corpospatticos

    repertoriao iconogrfica

    seleo de fragmentos textuais

    avaliao dos meios tcnicos: vdeo-instalaes, vdeo mapping, cloud

    computing, exposio em multimeios, etc