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Sinopse: A única coisa que Jean Honeychurch odeia mais do que seu nome

sem graça (que em alguns lugares é até nome de menino) é seu muito

apropriado apelido, Jinx. Ou seja, pé-frio, azarada... E de fato, a falta de

sorte parece perseguir Jinx aonde quer que ela vá – e por isso ela está tão

animada com a mudança para a casa dos tios, em Nova York. Talvez, do

outro lado do país, Jinx consiga finalmente se livrar da má sorte. Ou, pelo

menos, escape da confusão que provocou em sua pequena cidade natal.

Mas definitivamente os problemas seguem a ruivinha até Manhattan. Sua

prima, Tory, não está nada feliz em ter a ovelha negra da família por perto.

Bela, glamorosa e nada parecida com a jovem brincalhona que Jinx se

lembrava dos tempos de criança, Tory também esconde um perigoso

segredo – e está certa que Jinx é capaz de descobri-lo.

Há algum tempo praticando pequenos feitiços. Ao perceber que a prima,

além dos cabelos ruivos, pode também ter herdado os poderes de uma

antepassada, a convida para integrar seu grupo de bruxas. Mas Jinx sabe

que fazer feitiços pode ser perigoso e recusa, despertando a ira da

deslumbrada Tory, que planeja vingança.

As coisas pioram quando Jinx se aproxima de Zach, um gato por quem Tory

é apaixonada. Ele e prima Jean de Iowa (como o menino carinhosamente a

chama) vão juntos para a aula de educação física, conversam sobre tudo e

surge até um convite para o baile da primavera – só como amigos, afinal ele

parece gostar de outra pessoa...

Rapidamente, Jinx percebe que não é apenas da má sorte que está fugindo.

É de algo muito mais sinistro... Será que sua falta de sorte é, na verdade,

um dom, e a profecia sob a qual ela viveu desde o dia que nasceu é a única

coisa que poderá salvá-la?

Para Benjamin

Agradecimentos:

Muito obrigada a Beth Ader, Jennifer Brown, Michele Jaffe, Laura

Langlie, Amanda Maciel, Abigail McAden e especialmente a Benjamin

Egnatz

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Capítulo 01

O negócio é que minha sorte sempre foi um horror. Olha só o meu nome:

Jean. Não Jean Marrie, nem Jeanine, Jeanette ou mesmo Jeanne. Só Jean.

Sabe que na França os garotos são chamados de Jean? É João em francês.

Tudo bem, não moro na França. Mas mesmo assim. Sou basicamente uma

garota que se chama João. Pelo menos seria, se eu morasse na França.

De modo que não foi uma grande surpresa quando o motorista de táxi não

me ajudou com a mala. Eu já tivera de agüentar a chegada ao aeroporto sem

encontrar ninguém para me receber, e depois os muitos telefonemas,

perguntando onde meus tios estavam, não foram atendidos. Será que, no fim

das contas, eles não me queriam? Teriam mudado de idéia? Teriam ouvido

falar da minha falta de sorte – desde lá de Iowa – e decidido que não

queriam ser contaminados?

Mas, mesmo que isso fosse verdade – e como eu tinha dito a mim mesma

um milhão de vezes desde que havia chegada à área de bagagens, onde eles

deveriam me encontrar, e não visto ninguém além de carregadores e

motoristas de limusine com aqueles pequenos cartazes com o nome de todo

mundo, menos o meu –, não havia nada que eu pudesse fazer a respeito.

Certamente não poderia voltar para casa. Era ficar em Nova York – e na casa

da tia Evelyn e do tio Ted – ou me ferrar de vez.

Assim, quando o motorista do táxi, em vez de sair e me ajudar com as

malas, só apertou um botãozinho azul fazendo a tampa do porta-malas abrir

alguns centímetros, não foi a pior coisa que já havia me acontecido. Não foi

nem a pior coisa que me aconteceu naquele dia.

Tirei minhas malas, que deviam pesar, cada uma, uns cinco mil quilos, pelo

menos – excluindo o estojo do meu violino, claro –, depois fechei o porta-

malas de novo, o tempo todo parada no meio da rua Sessenta e Nove Leste,

com uma fila de carros atrás de mim, buzinando com impaciência porque não

podiam passar, pois havia um furgão da Stanley Steemer estacionado em fila

dupla do outro lado da rua, em frente ao prédio do meu tio.

Por que eu? Fala sério. Gostaria de saber.

O táxi partiu tão depressa que eu praticamente precisei pular entre dois

carros estacionados para não ser atropelada. As buzinas pararam enquanto a

fila de carros que havia esperado atrás do táxi começava a andar de novo,

com todos os motoristas me lançando olhares maldosos enquanto passavam.

Todos aqueles olhares malvados fizeram com que eu percebesse que estava

mesmo na cidade de Nova York. Finalmente.

E é, eu tinha visto a silhueta dos prédios enquanto o táxi atravessava a ponte

de Triboro... a ilha de Manhattan, em toda a sua glória suja, com o Empire

State se projetando no meio como um grande dedo médio brilhante.

Mas foram os olhares maldosos que realmente fizeram efeito. Ninguém lá em

Hancock seria tão perverso assim com alguém que obviamente era de fora

da cidade.

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Não que tantas pessoas assim visitem Hancock. Mas tanto faz.

E havia a rua onde eu estava. Era uma daquelas ruas exatamente iguais às

que sempre aparecem nos seriados de TV quando estão tentando dizer que

alguma coisa é situada em Nova York. Tipo em Law and Order. Você sabe, os

prédios estreitos, de três ou quatro andares com fachadas de arenito,

portarias pintadas de cores fortes e escadinha de pedra na frente...

Segundo minha mãe, a maior parte desses prédios de arenito de Nova York

serviam originalmente como residência para uma única família, quando

foram construídos em mil oitocentos e tantos. Mas agora foram divididos em

apartamentos, de modo que há uma família – ou algumas vezes duas ou

mais – por andar.

Mas não o prédio de Evelyn, a irmã da minha mãe. Tia Evelyn e tio Ted

Gardiner são donos de todos os andares do edifício. O que significa

praticamente uma pessoa por andar, já que tia Evelyn e o tio Ted só tem três

filhos, meus primos Tory, Teddy e Alice.

Lá em casa só temos dois andares, mas há sete pessoas morando neles. E

apenas um banheiro. Não que eu esteja reclamando. Mesmo assim, desde

que minha irmã Courtney descobriu a chapinha, a coisa anda bem feia lá em

casa.

Mas por mais que a casa da minha tia e do meu tio fosse alta, era realmente

estreita – só três janelas lado a lado. Mesmo assim era uma casa bem

bonita, pintada de cinza, com acabamentos num tom mais claro. A porta era

de um amarelo luminoso e alegre. Havia floreiras amarelas na base de cada

janela, onde se derramavam gerânios de um vermelho-vivo – e obviamente

recém-plantados, já que estávamos apenas no meio de abril, e não estava

suficientemente quente para eles.

Era bom saber que, mesmo numa cidade sofisticada como Nova York, as

pessoas ainda percebiam como uma floreira podia ser aconchegante e

acolhedora. A visão daqueles gerânios me animou um pouco.

Talvez a tia Evelyn e o tio Ted tivessem apenas esquecido que eu iria chegar

hoje, e não tivessem deixado de me buscar no aeroporto de propósito, só

porque mudaram de idéia quanto a deixar que eu ficasse com eles.

Tudo ia ficar bem, afinal de contas.

É. Com a minha sorte, provavelmente não.

Comecei a subir a escada até a porta da frente do número 326 da rua

Sessenta e Nove Leste, depois percebi que não iria conseguir fazer isso com

as duas malas e o violino. Deixando uma mala na calçada, arrastei a outra

para cima, com o violino enfiado embaixo do braço. Depositei a primeira

mala e o estojo do violino no último degrau e voltei rapidamente para pegar

a mala, que eu havia deixado na calçada.

Só que acho que desci um pouco depressa demais, porque tropecei e quase

caí de cara na calçada. Consegui me equilibrar no último instante agarrando

a cerca de ferro fundido que os Gardiner haviam posto ao redor das latas de

lixo. Enquanto estava ali pendurada, meio pasma com a quase catástrofe,

uma senhora elegante que passeava com o que parecia um rato numa coleira

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(só que devia ser um cachorro, porque usava casaco xadrez) passou e

balançou a cabeça olhando para mim. Como se eu tivesse dado um mergulho

de cabeça de cima da escada dos Gardiner de propósito, para assustá-la ou

sei lá o quê.

Lá em Hancock, se uma pessoa visse outra quase caindo da escada – até

alguém como eu, que cai da escada quase todo dia – teria dito algo como:

“Você está bem?”

Mas em Manhattan as coisas eram obviamente diferentes.

Só quando a velha com o rato de estimação saíram do meu campo de visão

ouvi um estalo. Quando me levantei, descobrindo que minhas mãos estavam

cobertas com a ferrugem da cerca, vi que a porta do número 326 da rua

Sessenta e Nove Leste havia se aberto, e que uma garota bonita e loura

estava me espiando de cima da escadinha.

- Olá? – disse ela com curiosidade.

Esqueci a velha com o rato e o quase mergulho na calçada. Sorri e subi de

novo a escada. Mesmo não acreditando no quanto ela havia mudado, fiquei

feliz em vê-la...

...e preocupada demais imaginando que ela não sentiria o mesmo ao me ver.

- Oi – respondi. – Oi, Tory.

A moça, pequena e muito loura, piscou para mim, sem me reconhecer.

- Não – respondeu ela. – Não, não sou Tory. Sou Petra. – Pela primeira vez

notei que a moça tinha sotaque... um sotaque europeu. – Sou a au pair dos

Gardiner.

- Ah – falei duvidosa. Ninguém havia me dito nada sobre uma au pair.

Felizmente eu sabia o que era isso (uma pessoa que troca serviços

domésticos por moradia e alimentação) por causa de um episódio de Law and

Order que vi uma vez, onde a au pair era suspeita de matar a criança de

quem deveria estar cuidando.

Estendi a mão direita suja de ferrugem.

- Oi. Sou Jean Honeychurch. Evelyn Gardiner é minha tia...

- Jean? – Petra havia estendido a mão automaticamente e apertado a minha.

O aperto se tornou mais intenso. – Ah, quer dizer, Jinx?

Encolhi-me e não só por causa do aperto dela – que era realmente forte para

alguém tão pequena.

- É isso aí – respondi. O que mais poderia fazer? Isso é que era recomeçar a

vida num lugar onde ninguém me conhecia pelo apelido menos do que

lisonjeiro (porque Jinx significa “pé frio”). – Minha família me chama de Jinx.

E continuaria a chamar para sempre, se eu não conseguisse dar um jeito na

minha sorte.

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Capítulo 2:

- Mas você só deveria chegar amanhã! – exclamou Petra.

A preocupação que apertava o meu estômago se afrouxou. Só um

pouquinho.

Eu deveria saber. Deveria saber que tia Evelyn não teria se esquecido

completamente de mim.

- Não – retruquei. – Era hoje. Eu deveria chegar hoje.

- Ah, não – disse Petra, enquanto continuava balançando minha mão para

cima e para baixo. Meus dedos estavam perdendo toda a circulação. Além

disso, os lugares que eu havia arranhado ao segurar a cerca de ferro fundido

também não me davam uma sensação muito boa. – Tenho certeza de que

sua tia e seu tio disseram que seria amanhã. Ah! Eles vão ficar tão

chateados! Iam receber você no aeroporto. Alice até fez uma placa... Você

veio até aqui sozinha? De táxi? Que pena! Ah, meu Deus, entre, entre!

Com um jeito caloroso, que não combinava com o corpo delicado – mas que

combinava com o aperto de mão –, Petra insistiu em pegar minhas duas

malas, deixando o violino para mim, e carregando-as para dentro. O peso

extremo não pareceu incomodá-la nem um pouco, e só demorei alguns

minutos para descobrir por quê, pois Petra gostava de falar quase tanto

quanto minha melhor amiga, Stacy, lá da minha cidade: Petra havia se

mudado de sua Alemanha natal para os Estados Unidos porque estava

estudando fisioterapia.

Na verdade, ela disse que ia toda manhã para a faculdade de fisioterapia em

Westchester, um subúrbio da cidade de Nova York, onde, quando não está na

sala de aula, tem de levantar gente pesada que sofreu algum acidente ou

derrame e ajudá-las a entrar em banheiras de hidromassagem, depois

ensinar a usar os braços e todo o resto do corpo de novo.

O que explicava por que ela era tão forte. Porque levantava pacientes

pesados, e coisas do tipo.

Petra estava morando com os Gardiner e, em troca do quarto e da comida,

cuidava dos meus primos mais novos. Depois, enquanto as crianças estavam

na escola todo dia, ela ia a Westchester aprender mais sobre fisioterapia.

Dentro de mais um ano iria tirar a licença e poderia arrumar um emprego

num centro de reabilitação.

- Os Gardiner têm sido tão legais comigo – disse Petra, levando minhas

malas para um quarto de hóspedes do terceiro andar como se não pesassem

mais do que dois CDs.

Para ela nem parecia necessário respirar entre as frases. O que era

espantoso, porque o inglês nem era sua primeira língua.

O que significava que ela provavelmente podia falar mais rápido ainda em

sua língua natal.

- Eles até me pagam trezentos dólares por semana – continuou Petra. –

Imagine, morar em Manhattan sem pagar aluguel, com toda a comida paga e

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alguém que ainda oferece trezentos dólares por semana! Meus amigos lá em

Bonn dizem que é bom demais para ser verdade. O senhor e a senhora

Gardiner são como pais para mim agora. E adoro Teddy e Alice como se

fossem meus filhos. Bem, só tenho 20 anos, e Teddy tem dez, por isso acho

que ele não poderia ser meu filho. Mas talvez meu irmão mais novo. Aqui,

olha. Este é o seu quarto.

Meu quarto? Espiei pela porta. A julgar pelo pouco que tinha visto do resto

da casa enquanto subíamos a escada, eu sabia que teria uma vida de luxo

durante os próximos meses...

Mas o quarto onde Petra colocou minhas malas tirou meu fôlego. Era

totalmente lindo... paredes brancas com móveis cor de creme e dourados, e

cortinas de seda cor-de-rosa. Havia uma lareira de mármore num dos lados.

- Isso aí não funciona – informou Petra com tristeza, como se eu estivesse

contando com uma lareira em pleno funcionamento no meu quarto novo, ou

algo assim.

E ainda tinha um banheiro só para mim. A luz do sol se filtrava pelas janelas,

formando pintinhas no carpete rosa - claro.

Claro, eu soube imediatamente que havia alguma coisa errada. Este era o

melhor quarto que eu já tinha visto. Era cem vezes melhor do que o meu, em

casa. E eu precisava dividi-lo com Courtney e Sarabeth, minhas duas irmãs

mais novas. Esta, na verdade, seria a primeira vez em que eu iria dormir

num quarto só meu.

A PRIMEIRA

E nunca na vida eu ao menos havia pensado em ter um banheiro só para

mim.

Simplesmente não era possível.

Mas pelo modo casual como Petra circulava, espanando poeira imaginária das

coisas, era possível. Não somente possível, mas... era como as coisas eram.

- Uau – foi tudo que pude dizer. Era a primeira palavra que conseguia emitir

desde que Petra havia começado a falar, ainda na porta da frente.

- É – disse Petra. Ela achou que eu estava falando do quarto. Mas na verdade

eu me referia a... bem, tudo. – É muito bonito, não é? Eu tenho meu próprio

apartamento aqui, com entrada particular. Lá em baixo, sabe? No térreo.

Você provavelmente não viu. Também há uma porta nos fundos que dá no

jardim. É um apartamentinho privativo. E tenho a minha própria cozinha. Às

vezes as crianças descem para lá a noite, e eu as ajudo com o dever de casa,

e algumas vezes nó assistimos à TV juntos, todos aconchegados. É bem

legal.

- Você realmente não está de brincadeira – ofeguei. Mamãe havia me dito

que tia Evelyn e sua família estavam se dando bem. Bom, há pouco tempo o

marido dela, meu tio Ted, havia conseguido uma promoção para presidente

da tal empresa onde ele trabalhava, e Evelyn, que era decoradora, havia

acrescentado umas duas supermodelos à sua lista de clientes.

Mesmo assim, nada poderia ter me preparado para... isso.

E era meu. Todo meu.

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Bem, pelo menos por enquanto. Até que eu estragasse tudo, de algum modo.

E, sendo eu, sabia que isso não iria demorar. Mas ainda podia curtir

enquanto durasse.

- O senhor e a senhora Gardiner vão lamentar muito porque não estavam em

casa para receber você – comentou Petra enquanto seguia até a lateral da

cama de casal, enorme e começava a afofar meticulosamente a meia dúzia

de travesseiros embaixo da cabeceira estofada. – E vão ficar ainda mais

tristes ao perceber que confundiram o dia. Os dois ainda estão no trabalho.

Mas Teddy e Alice vão chegar logo da escola. Eles estão muito empolgados

porque a prima Jinx vai ficar um tempo aqui. Alice fez um cartaz para lhe dar

as boas-vindas. Ela iria segurar no aeroporto quando recebessem você, mas

agora... bem, talvez você possa pendurar aqui na parede do seu quarto, não

é? Você deve fingir que ficou contente com ele, mesmo que não fique,

porque ela trabalhou muito para fazer. A senhora Gardiner não pôs nada nas

suas paredes, veja bem, porque queria saber do que você gostava. Ela

contou que faz cinco anos que não vêem você.

Petra me olhou, espantada. Parecia que as famílias na Alemanha viviam

muito mais próximas e se visitavam com muito mais freqüência do que nos

Estados Unidos... ou pelo menos do que a minha família.

Confirmei com a cabeça.

- É, é mais ou menos isso. Tia Evelyn e tio Ted visitaram a gente pela última

vez quando eu tinha 11 anos... – Minha voz ficou no ar. Isso porque eu tinha

acabado de ver que, no banheiro enorme, todas as ferragens eram de latão e

tinham a forma de pescoços de cisnes, com a água saindo do bico esculpido.

Até a barra da toalha tinha asas de cisne nas pontas. Minha boca começou a

ficar meio seca ao ver todo aquele luxo. Quero dizer, o que eu havia feito

para merecer isso?

Nada. Especialmente nos últimos tempos.

Na verdade, esse era o motivo pelo qual eu estava em Nova York.

- E a Tory? – perguntei, num esforço para mudar de assunto. Melhor não

pensar no que me tirou de Hancock, rumo a Nova York. Especialmente

porque toda vez que eu pensava no assunto aquele nó incômodo no meu

estômago se apertava.

- Ah – disse Petra.

Mas esse “Ah” era diferente de todos os outros que Petra havia falado. Notei

logo de cara. Além disso, enquanto antes Petra estivera falando com

entusiasmo sem disfarces, naquele momento ela olhou para baixo e

continuou, sem jeito, dando de ombros. – Ah, Tory já chegou da escola. Está

no fundos, no jardim, com os amigos.

Petra apontou para uma das duas janelas diante da cama. Fui até lá,

empurrando cautelosamente a delicada camada superior da cortina branca e

fina como uma teia de aranha, e olhei para baixo...

... para um jardim encantado de conto de fadas.

Pelo menos foi o que pareceu. E, tudo bem, estou acostumada com o nosso

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quintal em Hancock, que é completamente atulhado com as bicicletas e os

brinquedos de plástico dos meus irmãos mais novos, um balanço, uma casa

de cachorros, a horta da minha mãe e enormes pilhas de terra, largadas pelo

meu pai, que vive trabalhando numa expansão da casa, que nunca fica

pronta.

Mas aquele quintal parecia algo saído de um seriado de TV. E não era Law

and Order, e sim algo tipo MTV Cribs. Cercado em três lados por um muro de

tijolos coberto de musgo. Rosas cresciam – e floresciam – em toda parte.

Havia até trepadeiras de rosas enroladas nas laterais de um pequeno

caramanchão envidraçado, num dos cantos. Havia uma mesa de ferro

fundido rodeada de cadeiras e uma espreguiçadeira almofadada sob os

galhos amplos de um salgueiro chorão com brotos novos.

Mas o melhor de tudo era uma fonte baixa, que, mesmo com as janelas

fechadas no terceiro andar, eu podia ouvir borbulhando. Uma sereia de pedra

estava sentada no centro do poço de um metro e meio de largura, com água

jorrando da boca de um peixe que ela segurava no colo. Não dava para ter

certeza, estando tão alto, mas achei que vi alguns clarões alaranjados dentro

do poço. Peixes dourados!

- São koi – corrigiu Petra, quando falei alto sobre o que estava pensando.

Não pude deixar de ver que a voz dela estava retornando ao normal, agora

que não falávamos de Tory. – Carpas japonesas. E está vendo Mouche, a

gatinha dos Gardiner? Ela fica ali sentada o dia todo, olhando para elas.

Ainda não pegou nenhuma, mas um dia vai conseguir.

Vi o clarão súbito de um fósforo sendo aceso sob o teto de vidro do

caramanchão. Não dava para ver direito lá dentro, porque o vidro era fosco.

Tory e seus amigos deviam estar lá dentro, mas não dava para distingui-los,

só os movimentos sombreados e a chama.

Parecia que Tory e os amigos estavam fumando.

Mas tudo bem. Conheço um monte de pessoas da nossa idade em Iowa que

fumam.

Tá, tudo bem. Uma única pessoa.

Mesmo assim, todo mundo havia me dito que as coisas eram diferentes em

Nova York. Não só as coisas, mas as pessoas também. Especialmente as da

minha idade. Tipo, as pessoas de 16 anos em Nova York devem ser muito

mais sofisticadas e maduras para a idade do que as da minha cidade.

Sem problemas. Posso lidar com isso.

Se bem que meu estômago, a julgar pelo modo como havia subitamente se

transformado num nó, parecia discordar.

- Acho que eu deveria descer e dizer olá a Tory - disse eu... porque sentia

que precisava fazer isso.

- É. Acho que sim. - Petra parecia a fim de dizer alguma coisa, mas, pela

primeira vez desde que a encontrei, ficou muda.

Fantástico. Então o que havia entre ela e Tory?

E com minha sorte, no que eu iria me meter?

- Bem - falei com mais coragem do que sentia, deixando a cortina voltar ao

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lugar. - Pode me mostrar o caminho?

- Claro.

Parecia que Petra não era o tipo de garota que ficava quieta por muito.

Enquanto descíamos até o segundo andar, perguntou sobre o violino.

- Você toca há muito tempo?

- Desde que tinha 6 anos.

- Seis! Então deve ser muito boa! Teremos um concerto uma noite dessas,

não é? As crianças vão adorar .

Meio que duvidei, a não ser que meus primos fossem realmente diferentes

das crianças lá de casa. Ninguém que eu conheço em Hancock gosta de me

ouvir tocar. A não ser, talvez, quando toco “The Devil Went Down to

Geórgia”. Mas mesmo assim eles perdem um pouco o interesse, a não ser

que eu cante a letra. E é difícil cantar e tocar ao mesmo tempo. Até Patti

Scialfa, a mulher do Bruce Springsteen, que sabe cantar e tocar violino,

nunca faz as duas coisas ao mesmo tempo.

Então Petra perguntou se eu estava com fome, e falou do curso de culinária

que a Sra. Gardiner pagou para ela freqüentar, para aprender a fazer comida

para as crianças.

- Eu deveria fazer filé-mignon para sua chegada amanhã, mas agora você

está aqui, e acho que no jantar esta noite teremos comida chinesa do

Szechuan Palace! Espero que você não se incomode. O senhor e a senhora

Gardiner precisam ir a uma festa beneficiente. Os Gardiner são pessoas

muito boas e generosas, e sempre vão a esses eventos para levantar

dinheiro para causas importantes... há muito disso em Nova York. E a comida

chinesa daqui é muito boa, é autêntica. A senhora Gardiner até comenta isso,

e ela e o senhor Gardiner foram à China no aniversário de casamento do ano

passado. Ah, esta é a porta do jardim. Acho que verei você mais tarde,

então.

- Obrigada, Petra – dei-lhe um sorriso agradecido.

Saí pela porta de vidro do pátio que dava para o jardim e desci a escada até

o jardim propriamente dito (segurando cuidadosamente o corrimão de ferro

fundido para evitar um segundo quase desastre com uma escada).

Ali, o som da fonte era muito mais alto, e pude sentir o cheiro forte de rosas

no ar. Era estranho estar no meio da cidade Nova York e sentir cheiro de

rosas.

Se bem que, misturado ao cheiro de rosas, havia o de tabaco queimado.

- Olá? – gritei enquanto me aproximava do caramanchão, para que

soubessem que eu estava por perto. Ninguém respondeu de imediato, mas

tive quase certeza de que ouvi alguém dizendo aquela palavra que começa

com M. Achei que Tory e as amigas estariam correndo para apagar os

cigarros.

Corri para entrar no caramanchão, para poder dizer: “Ei, não se preocupem.

Sou só eu.”

Mas, claro, me peguei falando para seis completos estranhos. Minha prima

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Tory não estava em lugar nenhum.

O que, sabe como é... é só a minha sorte.

Capítulo 3:

Então uma estranha, uma garota cujo cabelo completamente preto

combinava com a cor do minivestido e das botas de salto alto, saiu

bamboleando do caramanchão e parou com a mão no quadril estreito e

projetado enquanto me olhava cheia de suspeitas pelos olhos maquiados

demais.

- Quem é você, afinal? – perguntou ela.

Percebendo que as pessoas no caramanchão me olhavam com uma

hostilidade idêntica, me ouvi gaguejar:

- Ah, sou Jean Honeychurch, prima de Tory Gardiner...

A garota de cabelo preto disse de novo a palavra começada com M, desta vez

num tom bem diferente. Depois levantou a mão que estivera mantendo às

costas, e tomou um gole comprido do copo que estava segurando.

- Não se preocupem – disse por cima do ombro para as pessoas do

caramanchão. – É só a minha prima esquisita lá de Iowa.

Pisquei uma vez. Duas. E depois uma terceira vez.

- Tory? – perguntei incrédula.

- Torrance – corrigiu minha prima. Pousando o copo num banco baixo de

pedra, ela tirou um cigarro de trás da orelha e enfiou entre os lábios

vermelhos. – O que está fazendo aqui? Você só deveria chegar amanhã.

- E... acho que me adiantei. Desculpe.

Nem pergunte por que eu estava me desculpando por algo que nem era

minha culpa. Os Gardiner é que erram o dia da minha chegada, não eu.

Mas havia uma coisa em Tory – nessa nova Tory, pelo menos – que fez o nó

no meu estômago se torcer com mais força do que nunca. Esta era Tory?

Esta era a minha prima Tory, com quem, quando os Gardiner tinham nos

visitado pela última vez em Iowa, eu havia entrado no riacho Pike e subido

nas árvores próximas à escola?

Não podia ser. Aquela Tory era gorducha e loura, com sorriso maroto e um

senso de humor igualmente travesso.

Esta Tory parecia ter sorrido pela última vez há muito tempo – um tempo

realmente longo.

Não que não fosse bonita. Era, de um modo supersofisticado, chique-urbano.

Tinha perdido a gordura infantil e agora seu corpo era magro como um

caniço. O cabelo louro também havia sumido, trocado por um preto nanquim

em um corte Chanel severo.

Parecia uma modelo – mas não uma daquelas felizes e ensolaradas como

Cindy Crawford. Parecia uma daquelas infelizes que viviam fazendo

beicinho... como Kate Moss, depois de ter sido detonada por cheirar tanta

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cocaína.

Tory, senti vontade de dizer. O que aconteceu com você?

Tory devia estar pensando algo parecido – só que sobre eu ter mudado desde

a última vez em que me viu –, porque de repente deu um risinho (o risinho

com menos humor que já ouvi) e disse:

- Meu Deus, Jinx. Você não mudou nem um pouco. Ainda tem um frescor de

fazenda e uma doçura campestre.

Ah. Talvez ela não estivesse pensando algo parecido.

Olhei para mim mesma. Naquela manhã eu havia me vestido com cuidado

extra-especial, sabendo que, quando saísse do avião, estaria na cidade mais

sofisticada do mundo.

Mas era evidente que meus jeans, o suéter de algodão cor-de-rosa e os

sapatos de camurça do mesmo tom de rosa não eram urbanos o suficiente

para disfarçar o fato de que, na maior parte, sou exatamente o que Tory

havia me acusado de ser: alguém com um frescor de fazenda e uma doçura

campestre.

Se bem que meus pais moram numa rua sem saída, e não numa fazenda.

- Meu Deus – disse uma voz dentro do caramanchão. – O que eu não daria

por esse cabelo. – E então, retorcendo-se como uma cobra, uma garota com

a mesma magreza de modelo de Tory – tão Tyra Banks quanto Tory era Kate

Moss – deslizou para fora do caramanchão e se juntou a Tory me

inspecionando.

- Isso é natural? – perguntou a garota, ficando na ponta dos pés para

segurar um dos cachos ruivos que brotavam da minha cabeça de uma forma

tão descontrolada que basicamente desisti de conter. Parecia estar usando

uma espécie de uniforme de escola composto de blusa branca, blazer azul e

saia pregueada cinza.

Mas, nela, até um uniforme de escola parecia alta-costura. Só para mostrar

como era bonita.

- Ah, o cabelo dela é natural – respondeu Tory, não como se achasse isso

bom. – O da nossa avó é igual.

- Meu Deus – insistiu a garota. – É muito sinistro! Conheço garotas que

pagariam uma grana preta para ter cachos assim. E a cor! É tão... viva.

- Ei – disse uma voz masculina no caramanchão. – Vocês só vão ficar

babando na ruiva aí ou vamos aos finalmentes?

A garota que havia gostado do meu cabelo revirou os olhos, até mesmo Tory

– ou Torrance, como aparentemente ela preferia ser chamada agora – abriu

algo que se parecia com um sorriso.

- Meu Deus, Shawn – disse ela. – Fica frio. – Ela se virou para mim: - Quer

uma cerveja?

Tentei não parecer muito chocada. Uma cerveja? Tory estava me oferecendo

uma cerveja? Tory, que há cinco anos nem comia Pop Rocks, porque estava

convencida de que essas balinhas fariam seu estômago explodir?

- Ah – respondi. – Não, obrigada.

Não é que eu não beba (tomei champanhe no casamento da mãe da Stacy

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com seu novo padrasto, Ray), mas não gosto de cerveja.

- Temos uma jarra de chá gelado Long Island também – disse a amiga de

Tory, de modo amigável.

- Ah – suspirei, aliviada. – Tudo bem. Vou tomar um pouco.

A amiga de Tory fez uma careta.

- É – disse ela. – Eu também não gosto de cerveja. Ah, meu nome é

Chanelle.

- Chanel? – repeti. Não sabia se tinha escutado direito.

- É. Só que com um L extra e um E no final – ela corrigiu. – Chanel é a loja

predileta da minha mãe.

- Ainda bem que não é Gucci – comentou o garoto que Tory havia chamado

de Shawn.

- Ignore esse cara – disse Chanelle para mim, revirando de novo os

expressivos olhos escuros enquanto eu a acompanhava para dentro do

caramanchão. – Esse é o Shawn – ela apontou para um cara louro sentado

numa mesa com tampo de vidro. Ele usava calça cinza, camisa social branca

com as mangas enroladas e uma gravata de listras vermelhas e azuis, que

fora amarrada de qualquer maneira e depois afrouxada com o mesmo

descuido.

- E aquele ali é o meu namorado, Robert – continuou Chanelle. Outro garoto,

esse de cabelos escuros, mas usando exatamente as mesmas roupas de

Shawn, balançou a cabeça para mim acima do cigarro que estava enrolando.

E foi então que percebi que não era um cigarro.

- E aquela é a Gretchen – Chanelle apontou para outra garota linda como

uma modelo, loura, com um piercing na sombrancelha e usando o mesmo

uniforme de Chanelle. – E aquela é Lindsey. – Lindsey, também com

uniforme de escola, era uma versão menor de Gretchen, sem o piercing. Em

vez disso usava uma gargantilha de veludo e batom vermelho-vivo.

As duas garotas mal notaram minha presença. Pareciam muito mais

interessadas nas bebidas que seguravam do que em mim.

- E aí? – Shawn esfregou as mãos. – Já acabou o papo-furado? Podemos

voltar ao que interessa?

No canto mais distante do caramanchão, onde a parede de vidro encontrava

a de tijolo, alguém pigarreou.

- Ah – disse Chanelle. – Quase esqueci. Aquele é o Zach.

O cara no canto inclinou uma lata de Coca na minha direção como uma

espécie de cumprimento.

- Olá, prima de Jean de Iowa – ele me cumprimentou em tom agradável. Ao

contrário dos outros dois garotos, não usava gravata nem calça social, e sim

jeans e camiseta. Devia ser um ou dois anos mais velhos do que todos os

outros no caramanchão, que pareciam mais ou menos da minha idade.

Além disso era gato. Demais. Do tipo com ombros largos, cabelo escuro,

olhos verdes – deus grego.

- Você não estava de saída, cara? – perguntou Shawn a Zach, numa voz não

muito amigável.

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- Estava – Zach se arrastou para abrir espaço para mim no banco, o único

lugar que restava. – Mas acho que vou ficar mais um pouquinho.

- À vontade – Shawn não pareceu muito feliz com isso.

- Bom – Tory serviu um copo de chá gelado de uma jarra que estava no piso

do caramanchão e passou-o para mim. Eu me sentei ao lado de Zach. –

Odeio essa coisa de você nunca ficar para o melhor da festa, Zach.

- Talvez eu só não esteja muito a fim de me ligar antes do anoitecer. –

explicou Zach.

- Eu gostaria de ficar ligado 24 horas por dia, sete dias por semana – disse

Robert, ansioso, enquanto lambia as pontas do papel que estava enrolando.

- E fica – garantiu Chanelle. E não como se estivesse satisfeita com isso.

- Certo, onde é que a gente estava? – perguntou Tory. – Ah, é. Eu preciso

pelo menos do suficiente para chegar até as provas do período. E você,

Chanelle?

- Bem – começou Chanelle. Notei que o suéter que ela havia amarrado na

cintura era do mesmo tom de azul das tiras das gravatas dos garotos. Assim

como o de Gretchen e de Lindsay.

Então todos eram da mesma escola – a escola Chapman, para onde eu seria

transferida... admito que meio tarde no ano letivo. Mas houve circunstâncias

atenuantes.

Engoli em seco. Melhor não pensar nas circunstâncias atenuantes agora.

- Para mim, não, obrigada – disse Chanelle.

- Meu Deus, Chanelle – Tory fez beicinho. – As provas. Para não mencionar o

baile de primavera. Quer chegar lá gorda que nem uma vaca? Alô?

- Meu Deus, Torrance. Cravos. Para não falar de espinhas. Quer que minha

dermatologista me mate? Alô? – contra-atacou Chanelle, num tom que não

era desagradável, mas fazendo uma imitação de Tory que fez Lindsay fungar

até o chá gelado sair pelo nariz.

- Otária – xingou Tory, quando viu isso.

Lindsay enxugou o nariz na manga do suéter, e disse:

- Posso botar vinte.

- Vinte – Shawn anotou os números no Treo que ele havia tirado de uma

mochila no chão. – E você, Tor?

- A mesma coisa, acho – respondeu Tory.

Ela acendeu seu próprio cigarro, elaboradamente me ignorando, mesmo que

eu a estivesse olhando fixo. Não dava para acreditar no que eu estava vendo.

Tipo, já era bem ruim Tory ter se tornado morena, e magra como uma

estrela de cinema. Mas ela também estava comprando drogas? Se bem que

eu tinha de admitir que Shawn não se parecia nem um pouco com os

traficantes que apareciam com tanta regularidade em Law and Order. Não

era esquelético nem usava roupas sujas. Parecia... legal.

E Tory não parecia uma viciada. Quero dizer, ela é totalmente linda.

E, para completar, a vida dela, pelo menos pelo que dava para ver, parecia

perfeita. Por que precisava de drogas?

Esses eram os pensamentos que chacoalhavam na minha cabeça enquanto

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eu fiquei ali sentada. Acho que dava para dizer que eu estava sofrendo um

tremendo choque cultural.

Além disso, o nó no meu estômago estava maior e mais apertado do que

nunca.

- E preciso de um pouco de Valium – acrescentou Tory. – Ando muito tensa

ultimamente.

- Achei que as suas idas à sala da caldeira com Shawn durante o horário livre

de estudos eram para isso – Gretchen abriu a boca pela primeira vez. Sua

voz era surpreendentemente grave.

Assim como o que ela estava dizendo. Era surpreendente. Tory e Shawn

namoravam?

Mas Tory apenas lançou um olhar sarcástico para amiga. E o dedo médio.

- Posso lhe arranjar dez – Shawn riu. – Mais do que isso é querer encrenca.

Sei que é uma causa perdida, mas e você, Rosen? Precisa de alguma coisa?

Ao meu lado, Zach disse:

- Não, obrigado. Estou bem.

Tory pareceu chocada.

- Zach, tem certeza? Porque Shawn pode conseguir o negócio de verdade.

Nada daquela porcaria genérica. O pai dele é médico.

- Minha Nossa, Tor, o cara é careta, sacou? Deixa ele em paz – disse Shawn.

Seu olhar pousou em mim. – E você, ruiva?

Tory, que há um instante havia parecido chateada, riu tanto que um pouco

da sua bebida saiu pelo nariz e ela começou a engasgar. isso fez Lindsey

pronunciar um “Otária” exatamente como Tory havia xingado quando a

mesma coisa aconteceu com ela.

Falei tentando não mostrar como estava prestes a pirar de vez:

- Não, obrigada. Eu... estou tentando parar.

- Ei - comentou Zach, na maior cara de pau. - Bom para você, prima Jean. O

primeiro passo é admitir que tem um problema.

- Obrigada – respondi, e tentei esconder meu espanto pelo fato de o cara

mais gato da área estar falando comigo, enquanto eu tomava um gole do chá

gelado...

... que cuspi imediatamente.

- Ei – Robert segurou o seu baseado na defensiva. – Fala sem cuspir, ruiva!

- Ah, meu Deus – exclamei. Podia sentir as bochechas pegando fogo. –

Desculpe. Não tinha notado... não esperava que tivesse...

- ... álcool? – Tory havia se recuperado, e agora jogou um punhado de

guardanapos para Zach. – Por que você acha que isso se chama chá gelado

Long Island, idiota?

- Eu nunca tinha tomado – respondi. – Nem nunca estive em Long Island.

Ah, meu Deus, Zach, desculpe.

Mas Zach não pareceu irritado. Na verdade tinha um sorriso divertido no

rosto.

- Nem nunca estive em Long Island – ecoou ele, como se estivesse tentando

decorar a frase.

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- Desculpe mesmo – repeti. Realmente não dava para acreditar. Quero dizer,

dava, porque aquilo era a minha cara, claro. Mas também não dava porque...

bem, porque eu havia acabado de cuspir chá gelado Long Island em cima do

cara mais gato que eu já tinha visto. Tipo, fazia apenas uma hora que eu

estava em Nova York e já havia bancado a completa imbecil. Tory e os

amigos dela deveriam achar que eu era a pior caipira que eles já haviam

encontrado. Não era como se ninguém na minha antiga escola nunca

bebesse, ficasse doidão ou comprasse drogas.

Só que não costumavam fazer isso... bem, perto de mim.

- Desculpe mesmo – insisti.

Zach riu para mim. Senti meu coração acelerar.

Fica fria, Jean.

- Sem problemas, prima Jean de Iowa. Quer uma Coca, ou algo assim? – O

riso ficou mais largo. – E estou falando do tipo comum.

- Claro – respondi completamente atordoada com o sorriso. – Seria ótimo.

Zach se levantou, mas sentou-se de novo quando Tory latiu:

- Eu pego para ela – e saiu abruptamente do caramanchão.

- Meu Deus – disse Gretchen. – O que é que ela tem?

Robert revirou os olhos na direção de Zach.

- Tenta adivinhar.

- O quê? – perguntou Chanelle, defendendo Tory.

- Meu Deus, ta todo mundo cego? A Torster está tomando conta do Rosen –

explicou Robert entre as baforadas.

Zach franziu a testa.

- Que negócio é esse da Tory estar tomando conta de mim?

- A au pair, cara – Robert balançou a cabeça. – Por que outro motivo um

cara grande, importante e mais velho que nem você ia ficar com a gente?

Você obviamente não veio aqui comprar, então...

Em vez de negar, como eu meio esperava, Zach ficou pensativo.

- Ei – disse Chanelle indignada – Não é verdade. Torrance é a fim do Shawn.

Não está doida pelo Zach.

- Se Tor é tão a fim do Shawn – quis saber Robert –, por que está se

esforçando tanto para manter o Robert longe da au pair, hein?

- Cala a boca, Robert – Chanelle, deu-lhe um chute por baixo da mesa com

tampo de vidro. – Você não sabe do que está falando.

- Ei, não atire no mensageiro – reagiu Robert. – A Torster é tão doida pelo

Sr. Quatro-Ponto-Zero aqui que já pode sentir o gosto, se é que vocês me

entendem.

- Grosso! – exclamou Chanelle, e até Zach franziu a testa em desaprovação.

- Não na frente da prima Jean, por favor. Ela é nova aqui – disse ele.

Robert me olhou.

- Ah, desculpe.

Eu senti mais vontade de morrer do que nunca. Prima Jean. Era quase tão

ruim quanto Jinx.

Quase.

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- Ei, tudo bem – disse Shawn com tranqüilidade levantando os olhos de seu

Treo. – Torrance e eu temos um trato.

Foi nesse exato momento que Tory voltou com uma lata de refrigerante.

- Aqui, Jinx – ela empurrou a lata para mim. – Que tipo de trato a gente tem,

Shawn?

- Você sabe – os dedos de Shawn voavam sobre o teclado do Treo, o olhar

grudado na tela. – Relacionamento aberto, e aquela porcaria toda.

- Ah – Tory, afundou de novo na cadeira. – É isso aí. Amigos com benefícios.

Por que estamos falando disso?

- Por nada – respondeu Chanelle rapidamente, olhando para Robert, que só

deu um risinho.

Fiquei ali sentada, tentando não parecer chocada. Amigos com benefícios?

Tentei visualizar o que minha melhor amiga, Stacy, faria se seu namorado,

Mike, sugerisse que os dois eram amigos com benefícios, em vez de um casal

monógamo.

Então estremeci. Porque sabia que a carnificina resultante não seria bonita.

- Por sinal – Tory interrompeu meus pensamentos. – De nada.

- Ah – olhei a lata de refrigerante que estava esquecida na minha mão, e

senti que ia ficando vermelha de novo. – Obrigada.

- Você vai achar outras iguais na geladeira – ela comunicou em tom

significativo. – Petra mostrou onde é a cozinha.

- Ainda não...

- Bem, não deixe de fazer um circuito geral. É a última vez que pego uma

coisa para você.

- Boa, Tor – disse Chanelle. – Seja uma vaca, mesmo. – Então, como se

estivesse sem graça com a grosseria de Tory, Chanelle se virou para mim e

perguntou: - Então, quanto tempo você vai ficar em Nova York, Jean?

O nó em meu estômago se revirou. Olhei de novo para a lata de Coca.

- Estou me transferindo para a Chapman pelo resto do ano letivo. E depois

eu vou passar o verão aqui, também.

Não deixei de captar o olhar trocado por Gretchen e Lindsey. Não que eu as

culpasse. Quem se transfere para uma escola nova faltando apenas um mês

para o fim do semestre?

Uma anormal como eu, claro.

- Ah, é – disse Tory, lépida. – Esqueci de contar a vocês. A Jinx aqui vai

terminar o semestre com a gente.

- Por quê? – quis saber Chanelle.

Por um lado, fiquei aliviada porque Tory aparentemente não havia contado a

eles sobre mim. Agora eu poderia dizer o que quisesse sobre o motivo de

estar naquela cidade.

Por outro lado, fiquei meio magoada. O que era ridículo, claro.

Mas poderia pensar que Tory pudesse ter mencionado aos amigos que a

prima iria morar na casa dela. A não ser, claro, que isso simplesmente não

fosse importante.

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- Ah – engoli em seco. – Só meio que precisei de uma mudança.

- Meu Deus, Jinx – disse ela. – Será que você poderia pensar numa coisa

mais idiota para dizer quando as pessoas perguntarem isso? Elas vão

perguntar, você sabe. Muito.

Uau. Isso é que era eu poder dizer o que quisesse sobre o motivo de estar

ali.

Senti que estava ficando vermelha. De novo.

- Bem – o nó no estômago estava começando a ficar do tamanho de um

punho. – É meio... pessoal.

- Pelo amor de Deus – Tory pegou o baseado das mãos de Shawn e deu uma

longa tragada. – É só contar, Jinx. Ela estava sendo assediada por um cara,

não é?

Capítulo 4

Fantástico. Fantástico mesmo.

Vou admitir, eu deveria saber. Deveria ter uma resposta preparada para a

pergunta muito natural de Chanelle.

Só que não tinha. Claro.

Assim, acho que merecia o que Tory havia acabado de me dar.

Mas ao mesmo tempo foi um choque ouvir quando ela falou daquele jeito,

com tanta tranqüilidade.

Em especial porque isso era só a metade. A outra metade, claro, só eu sabia.

Graças a Deus. Porque não duvido que Tory teria contado isso também, se

soubesse.

Em especial porque ela parecia estar adorando a reação que conseguira –

meu silêncio mortificado e as bocas abertas de Gretchen e Lindsey.

- Caraca! – disse Shawn.

Notei que até Zach virou os olhos verdes para mim de um modo que me

deixou ainda mais desconfortável do que já me sentia.

Os olhos de Chanelle se arregalaram.

- Verdade? Assediada? Deve ser apavorante.

- Você tem tanta sorte! – guinchou Lindsey, rindo. – Nunca fui assediada.

Como é?

- Meu Deus. – Tory apagou o baseado num cinzeiro sobre a mesa de vidro. –

Não tem nada empolgante nisso, Lindsey, sua idiota. Ouvi dizer que o cara é

um psicopata completo. Provavelmente vai aparecer aqui e assassinar a

gente na cama. Nem acredito que meus pais concordaram com isso.

- Ei – disse Robert, ultrajado. – O baseado ainda estava bom!

Eu também não podia acreditar. Não sobre o baseado! Mas que Tory havia

simplesmente ANUNCIADO a coisa daquele jeito, tão casualmente. Ainda

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mais considerando o fato de eu tive que sair de casa, deixar todos os meus

amigos e a escola onde, vou admitir, eu era bem popular. Quero dizer, sou

uma garota legal. As pessoas gostam de garotas legais. Esse tipo de coisa

não acontece com garotas legais. As garotas legais não são seguidas por

psicopatas...

...a não ser, claro, que por acaso elas atraiam isso.

Mas Tory não sabia dessa parte.

Assim, para ela abrir o bico sobre a parte que não sabia...

E ainda mais na frente do Zach, que estava fazendo meu coração acelerar

praticamente toda vez que eu o olhava.

Quis morrer de novo. Ou vomitar. Era difícil decidir o quê.

- Ele não me assediou – tentava escolher as palavras com cuidado. E

também percebia, pela expressão espantada das pessoas, que talvez eu

tivesse falado isso um pouco alto demais. Baixei a voz. – E não é psicopata.

É só um cara com quem eu saí, que ficou meio sério demais, depressa

demais.

Pronto falei: como me saí? Será que iriam acreditar? Por favor, faça com que

acreditem.

- Ele provavelmente queria andar de mãos dadas – Tory zombou, impassível,

e Shawn soltou uma gargalhada.

Certo. Bem, isso foi maldade.

Mas eles acreditaram. Pelo menos Tory acreditou.

E era só isso que importava.

Quando lhe lancei um olhar feio por causa do comentário sobre andar de

mãos dadas – porque senti que era isso que uma garota como eu faria –,

Tory disse:

- Ah, qual é, Jinx. Sua mãe É ministra da igreja.

Chanelle me lançou um olhar espantado.

- Fala sério! Você é filha de uma PASTORA?

Claro que ela disse isso como se fosse uma coisa ruim. As pessoas sempre

fazem isso.

- Também sou filha de um consultor de informática – eu desconversei. – Meu

pai trabalha com computadores.

Mas ninguém estava escutando. Ninguém nunca escuta.

- Meu Deus – empolgou-se Lindsey. – Isso é tão romântico! Você teve de

fugir do estado para escapar de um amante obcecado. Eu gostaria de ter um

amante obcecado.

- Eu não me incomodaria se tivesse um sóbrio – disse Chanelle, seca. – Em

vez disso só tenho o Robert.

Robert ergueu os olhos do baseado que estava tentando resgatar.

- O quê? – perguntou, quando viu que todo mundo estava olhando para ele.

- Estão vendo? – Chanelle tinha um brilho tão intenso nos olhos escuros que

não pude resistir a uma risada...

...até que Shawn interrompeu dizendo:

- O que é isso aqui? A bosta do programa da Oprah? Chega da vida amorosa

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da novata. Preciso do pagamento senhoras. – Ele estendeu o Treo, para que

todos pudessem ler o total. – E não, não aceito cheque.

Tory fez uma careta, mas estendeu a mão para a bolsa. Uma Prada de mil

dólares da nova coleção de primavera que minha irmã Courteney disse aos

nossos pais que era a única coisa que ela queria de aniversário. Mamãe e

papai riram como se fosse a coisa mais engraçada que já tinham escutado.

Tory, Gretchen e Lindsey contaram uma pequena pilha de notas de vinte

dólares. Depois, empurrando o dinheiro na direção do namorado, Tory

perguntou:

- Quando vai ser a entrega?

- Amanhã – Shawn pegou o dinheiro e arrumou a pilha antes de colocar na

carteira. – No máximo segunda-feira.

- Amanhã – disse Tory e estreitou os olhos.

- Tudo bem, tudo bem. – Shawn balançou a cabeça. – Amanhã.

- Torrance? – gritou a voz de Petra, vinda do pátio. – Torrance, sua mãe está

ao telefone!

- Merda – reclamou Tory. – Já volto.

Essa, eu sabia, era a minha deixa para uma saída graciosa. Quero dizer, me

conhecendo, graciosa não era bem a palavra. Mas pelo menos seria uma

saída.

- Acho que também preciso ir – falei, me levantando. – Tenho de desfazer as

malas. Foi legal conhecer vocês.

Eu não sabia se era a maneira certa de me despedir de um monte de

adolescentes entediados de Nova York. Mas Chanelle disse toda animada:

- Foi legal conhecer você também. Vejo você na escola!

Portanto, acho que foi tudo bem.

- E eu – Zach também disse e se levantou – estou ouvindo meu dever de

cálculo me chamar. Vejo vocês depois.

- Torrance! – gritou Petra de novo.

Tory xingou e saiu do caramanchão. Zach foi atrás dela e eu fui atrás do

Zach. Ainda que a visão traseira de Zach fosse tão impressionante quanto a

dianteira, não pude aproveitar. Só queria ir para o meu belo quarto cor-de-

rosa, fechar a porta e ficar lá um tempo, sozinha, com minha lareira de

mármore que não funcionava, e entender o que havia acabado de acontecer

– para não falar do que eu iria fazer. Porque a coisa não estava acontecendo

como eu havia imaginado. De jeito nenhum. Não que eu tivesse pensado que

Tory e eu fôssemos passar o tempo todo juntas entrando num riacho e

subindo em árvores. Só não havia esperado exatamente...

Bem, aquilo.

No pátio, Petra entregou o telefone a Tory, depois sorriu para mim e para

Zach.

- Olá – disse ela. – Vejo que vocês dois se conheceram. Não vai pular o muro

hoje, Zach?

Zach estendeu as mãos, que, como notei pela primeira vez, estavam

cobertas de leves arranhões rosados, não muito diferentes dos que eu havia

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recebido da cerca de ferro fundido onde havia me agarrado para não cair

quando cheguei.

- Não com essas rosas crescendo tão sem controle lá atrás – ele respondeu.

– Um dia desses aquelas coisas ainda vão me matar.

- Você deveria vir pela porta, como uma pessoa normal – riu Petra. – Você

está velho demais para pular muros. – Ela se virou para mim. – Jean, se

algum dia quiser ir a um museu, à ópera ou ao teatro, Zach é a pessoa certa

para consultar. Ele sabe tudo que há para saber sobre esta cidade...

- Ei, calma aí – Zach pareceu ligeiramente sem graça. Será que Robert

estava certo? Será que Zach tinha uma queda por Petra?

Mas se ele estava apaixonado por Petra, não deixava transparecer pelo modo

como interagia com ela. Parecia tratá-la com a mesma casualidade amigável

que tratava...

...bem, como me tratava.

- É verdade – Petra sorriu para Zach. – Quando cheguei aqui e não conhecia

ninguém além do senhor e da senhora Gardiner e as crianças, Zachary me

levou a toda parte. Ao Guggenheim, ao Frick, ao Met, às boates de jazz. Até

ao zoológico.

Zach ficou mais sem graça ainda.

- Gosto de focas – disse a mim, como se quisesse se desculpar da aparente

estranheza de levar a au pair ao zoológico.

Hummm. Talvez ele tivesse uma ligeira queda por ela.

- E então – continuou Petra, enquanto a seguíamos pela porta de vidro para

a sala íntima –, quando meu namorado, Willem, veio me visitar, Zachary nos

deu ingressos para o... como é que se chama?

- Cirque du Soleil – naquele momento, Zach, estava completamente sem

graça. Mas ainda assim deu de ombros, bem-humorado. – Meu pai sempre

consegue ingressos para as coisas, por causa do emprego dele.

Sorri para Zach. Não pude evitar. Tipo, além de gato, havia algo nele que era

tão... bem, fácil de gostar. Gosto de focas. Eu teria entendido totalmente se

o que Robert tivesse dito fosse verdade, que Tory estava a fim do Zach. Eu

mesma estava, e havia acabado de conhecer o cara.

- Meu Deus, mãe! – A voz de Tory, do outro lado do pátio, saiu estridente. –

Tá brincando comigo? Eu tenho coisas para fazer, você sabe.

Petra começou a fechar a porta de vidro.

- Jean – disse ela rapidamente –, preciso pegar as crianças na escola.

Gostaria de ir comigo? As crianças adorariam.

Mas Petra não foi suficientemente rápida com a porta, nem sua voz gentil

abafou as palavras de Tory:

- Porque eu tenho coisas melhores a fazer do que ficar dando uma de babá

para minha prima caipira, por isso!

A porta se fechou com um estalo e Petra se encostou rapidamente nela, com

uma expressão de pânico no rosto.

- Minha nossa. Tenho certeza de que ela não... tenho certeza... Algumas

vezes Torrance diz coisas que não são de propósito, Jean.

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Sorri. O que mais poderia fazer?

E a verdade era que nem fiquei chateada. Pelo menos não muito. Eu estava

sem graça, claro. Em especial porque vi Zach meio que se encolhendo e

murmurando a palavra ui ao ouvir a expressão prima caipira.

Mas eu estava aceitando o fato de que esta Tory não era a Tory doce e

divertida que eu lembrava de anos atrás. Esta nova Tory, fria e sofisticada,

era uma estranha.

E, na verdade, eu não estava dando a mínima para o que uma estranha teria

a dizer sobre mim.

Sendo sincera. Tudo bem, talvez não com tanta sinceridade assim.

- Sem problema – falei em tom casual. Pelo menos esperava que soasse

casual. – Ela provavelmente tem coisas melhores a fazer do que bancar a

minha babá. O saco é que as pessoas evidentemente acham que eu preciso

de uma babá – acrescentei, para o caso de eles não terem captado a

mensagem. – Não preciso.

Zach levantou as sobrancelhas escuras, mas não disse nada. Esperei que ele

não estivesse se lembrando do chá gelado Long Island, mas provavelmente

estava. Petra continuou inventando desculpas para Tory (“Ela está nervosa

com as provas do período.” “Ela não tem dormido bem.”) até chegarmos à

porta da frente. Fiquei me perguntando por quê. Afinal de contas, essa nova

Tory não havia me parecido uma pessoa que desejaria que alguém – e muito

menos precisaria de que alguém – inventasse desculpas para ela.

Mas talvez houvesse coisas que eu não sabia sobre “Torrance”, que

precisavam ser levadas em consideração. Talvez, apesar do jardim lindo e

das ferragens de banheiro em forma de cisne, nem tudo estivesse indo bem

no lar dos Gardiner. Pelo menos no quesito Tory.

- Bem – disse Zach quando chegamos à calçada (fiquei satisfeita porque

desta vez consegui passar pela escadinha da frente sem despencar). – Foi

legal conhecer você, prima Jean de Iowa. Eu moro aqui ao lado, por isso

tenho certeza de que a gente vai se ver de novo.

Pelo menos agora entendi o negócio de ele pular o muro – o quintal dele era

separado do jardim dos Gardiner por aquele muro de pedra perto do

caramanchão – e também como foi que ele, como Tory, teve a chance de

tirar o uniforme da escola antes dos outros.

- Ah, sim, vocês vão se ver com freqüência. – O humor de Petra parecia

melhor depois que saímos da casa. E de perto de Tory. – Jean vai freqüentar

a escola Chapman pelo resto do semestre.

- Foi o que ouvi falar – Zach piscou para mim. – Então vejo você por lá.

Tchau, prima Jean de Iowa.

A piscadela fez outra vez meu coração acelerar. Era melhor eu ter cuidado.

Felizmente ele se virou para ir embora. Vi que Zach morava na casa à

esquerda dos Gardiner, também de quatro andares, só que pintada de azul-

escuro com acabamento em branco. Sem floreiras, mas com a porta da

frente pintada de cor forte, tão vermelha quanto os gerânios dos Gardiner.

Vermelha como sangue.

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E por que foi que eu pensei isso?

- Venha, Jean – Petra inclinou a cabeça na direção oposta à que Zach havia

tomado. – A escola de Teddy e Alice é por aqui.

- Só um segundo – respondi.

Porque, claro, eu não podia ir logo, enquanto as coisas ainda estavam indo

bem. Ah, não. Não Jinx Honeychurch.

Não, eu tinha de ficar ali parada, enraizada no lugar como a caipira que Tory

evidentemente achava que eu era, olhando Zach passar por um carro que

havia acabado de entrar numa daquelas vagas muito desejadas da cidade de

Nova York. Alguém do lado do carona estava abrindo a porta para sair...

... no momento em que um homem numa bicicleta de dez marchas, usando

sacola de mensageiro, veio a toda pela rua.

Foi então que duas coisas pareceram acontecer ao mesmo tempo.

Primeiro, o mensageiro de bicicleta se desviou para não acertar a porta

aberta do carro, e teria subido na calçada e acertado o Zach...

... se, naquele segundo exato, eu não tivesse me jogado no caminho para

empurrar o Zach, que não havia notado o carro, a bicicleta nem o vermelho-

sangue dos gerânios.

Motivo pelo qual acabei sendo atropelada por um mensageiro de bicicleta no

meu primeiro dia em Nova York.

O que, pensando bem, só pode ser culpa da minha falta de sorte.

Capítulo 5

- Nem dá para ver – disse tia Evelyn. – Bem, dá, mas com um pouquinho de

maquiagem ninguém vai notar, juro. E na segunda-feira, quando você

começar na escola, tenho certeza de que terá sumido.

Estudei meu reflexo num espelho de mão. O hematoma em cima da

sobrancelha direita tinha apenas algumas horas de vida e já estava ficando

roxo. Por experiência, eu sabia que na segunda-feira o hematoma não seria

roxo, e sim de um lindo tom de amarelo-esverdeado.

- Claro – falei para que tia Evelyn se sentisse melhor. – Claro que terá.

- Verdade – disse tia Evelyn. – Quero dizer, se eu não soubesse que ele está

aí, nem notaria. E você, Tory?

Sentada numa das duas poltronas cor-de-rosa ao lado da lareira que não

funcionava, Tory disse:

- Não consigo ver.

Abri um sorriso débil para ela. Então não era minha imaginação, afinal de

contas. Tory havia mesmo começado a ser mais legal comigo,

espantosamente mais legal, desde que minha cabeça havia acertado a

calçada. Depois que recuperei a consciência fiquei sabendo que foi Tory

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quem ligou para emergência, depois de ter visto a coisa toda se desdobrar

pela janela da sala de estar. Tory é que foi na ambulância comigo, enquanto

eu estava apagada, porque Petra ainda tinha de pegar as crianças. Tory é

quem estava segurando minha mão quando acordei, tonta e dolorida, na

emergência do hospital.

E foi Tory, junto com os pais dela, que me liberaram naquele fim de tarde,

quando os exames do hospital revelaram que eu não havia sofrido uma

concussão e que não teria de ser internada para passar a noite em

observação (por acaso, o mensageiro de bicicleta havia escapado sem ao

menos se arranhar, e a bicicleta nem se estragou muito).

Eu não fazia idéia do que havia ocorrido para deixar minha prima

subitamente tão interessada no meu bem-estar. Certamente ela não parecia

ter se importado comigo antes do acidente. Bem, eu não imaginava o motivo

para Tory decidir se preocupar comigo, só porque eu havia sido idiota a

ponto de ser nocauteada. No mínimo eu só provara o argumento de Tory:

sou mesmo uma caipira.

Claro, isso podia ter algo a ver com o fato de que Zach havia ido junto.

Quero dizer, ao hospital. Comigo. Na ambulância.

Mas não deixaram que ele entrasse na emergência para me ver, porque não

era da família. E quando ficou sabendo que eu ia ficar bem, foi embora.

Mesmo assim. Se o que Robert havia dito no caramanchão era verdade – que

Tory era a fim do Zach –, aquelas foram algumas boas horas que os dois

passaram juntos.

Mas Zach não estava por perto naquele momento, e Tory ainda estava sendo

legal comigo. Então qual era?

Pousei o espelho e disse:

- Tia Evelyn, estou me sentindo péssima. Você e o tio Ted realmente não

precisam ficar em casa em vez de ir à festa por minha causa. Afinal de

contas, é só um galo pequeno.

- Ah, por favor – tia Evelyn balançou uma das mãos num gesto que

demonstrava que aquilo não tinha muita importância. – Não era uma festa,

mas um evento beneficente chato, para um museu chato e velho. Para dizer

a verdade, adorei que você tenha nos dado uma boa desculpa para não ir.

Tia Evelyn é a irmã mais nova da minha mãe, mas é difícil ver qualquer

semelhança entre as duas. Verdade. O cabelo louro é o mesmo, mas

enquanto mamãe usa o dela numa trança comprida que vai até o quadril, o

de Evelyn é cortado num estilo Chanel muito fashion, que lhe cai muito bem.

Nunca vi mamãe, que considera cosméticos uma coisa frívola – para irritação

da minha irmã Courtney –, usando maquiagem. Mas tia Evelyn estava com

batom, rímel, sombra – até um delicioso perfume floral. Ela parecia

tremendamente glamorosa – e estava perfumada como uma diva. Nem

parecia com idade para ter uma filha de 16 anos.

O que, acho, provava que a maquiagem estava dando certo.

Tia Evelyn notou a caneca vazia ao lado da cama.

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- Quer mais um pouco de chocolate quente, Jean?

- Não, obrigada – eu ri. – Se tomar mais chocolate vou sair flutuando.

Verdade, tia Evelyn, você e Tory não precisam ficar aqui sentadas comigo a

noite toda. O médico disse que estou bem. É só um galo, e acredite, já tive

um monte de galos antes. Vou ficar legal.

- É que eu me sinto péssima – insistiu Evelyn. – Se a gente soubesse que

você vinha hoje, e não amanhã, como pensamos...

- Teriam feito o quê? – perguntei. – Mandado que todos os mensageiros da

cidade fizessem greve? – Não que isso fosse dar certo. Eles ainda teriam me

achado. Sempre acham.

- Só que não é como eu tinha imaginado sua primeira noite aqui – Evelyn

balançou a cabeça. – Petra ia fazer filé-mignon. A gente teria um belo jantar,

toda a família junta, e não comida para viagem, na cozinha, depois de chegar

de uma emergência de hospital...

Olhei com simpatia para a cabeça inclinada da minha tia. Coitada da tia

Evelyn. Agora estava começando a saber como minha mãe devia se sentir o

tempo todo. Com relação a mim.

Falei com sentimento:

- Desculpe.

- O quê? Desculpe? Está se desculpando por quê? Não é sua culpa...

Só que, claro, era. Eu sabia o que estava fazendo. Sabia que a bicicleta ia me

acertar, e não o Zach.

Mas também sabia que a pancada não seria nem de longe tão ruim se tivesse

sido no Zach. Porque eu estava esperando, e ele não.

Por que outro motivo os gerânios pareciam tão vermelhos?

Mas, claro, não falei isso em voz alta. Porque havia aprendido, há muito

tempo, que dizer coisas assim em voz alta só levava a perguntas que era

muito melhor não responder.

- Toc-toc. – A voz do tio Ted veio flutuando pela porta fechado do quarto. –

Podemos entrar?

Tory se levantou e abriu a porta. No corredor estavam meu tio Ted, com

Alice, de 5 anos, no colo, e Teddy Jr., de 10, escondido tímido atrás de uma

das pernas de Ted.

- Tenho um pessoal aqui – anunciou tio Ted – querendo dar boa-noite à

prima Jean antes de ir para a cama.

- Bem – Evelyn pareceu preocupada. – Acho que só por um minutinho não

tem problema. Mas...

No instante em que o pai a colocou no chão, Alice deu um salto voador na

direção da minha cama, balançando um pedaço de papel branco.

- Prima Jinx, prima Jinx – ela sibilou . – Olha o que eu fiz pra você!

- Cuidado, Alice – gritou tia Evelyn. – Cuidado!

- Tudo bem – eu puxei Alice, que estava usando uma camisola florida, para a

cama comigo, como eu costumava fazer com Courtney na época em que ela

deixava, e como ainda faço algumas vezes com Sarabeth. – Deixe eu ver o

que você fez para mim.

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Alice mostrou com orgulho o desenho.

- Olha, é uma pintura do dia em que você nasceu. Tem o hospital, olha, e

essa é você, saindo da tia Charlotte.

- Uau – tentei imaginar exatamente o que ensinam às crianças do jardim-de-

infância em Nova York. – Sem dúvida é... explícito.

- A porquinha-da-índia da sala dela teve neném – explicou tio Ted, como se

pedisse desculpas.

- E ta vendo aqui? – Alice apontou para uma grande mancha de tinta preta. –

Essa é a nuvem de onde saiu o raio, o raio que apagou todas as luzes do

hospital quando você nasceu. – Alice se recostou no meu braço, parecendo

satisfeita consigo mesma.

Consegui esboçar o que esperava ser um sorriso encorajador e convincente:

- É uma pintura muito legal, Alice. Vou pendurar aqui mesmo, em cima da

lareira.

- A lareira não funciona – informou Teddy, falando alto, da ponta da cama.

- Jean sabe disso – rebateu tio Ted. – De qualquer modo está ficando quente

demais para acender lareiras, Teddy.

- Eu falei a eles que esse era o melhor quarto para colocar você – disse

Teddy. – Porque a lareira já está ferrada. Porque sempre que você está por

perto, as coisas quebram.

- Theodore Gardiner Junior! – gritou Evelyn. – Peça desculpas à sua prima

agora mesmo!

- Por quê? – perguntou Teddy. – Você mesma disse, mamãe. É por isso que

todo mundo chama ela de Jinx.

- Eu conheço um certo mocinho que vai para a cama sem sobremesa – disse

tio Ted.

- Por quê? – Teddy ficou perplexo. – Você sabe que é verdade. Olha o que

aconteceu hoje. A cabeça dela quebrou.

- Tudo bem – tio Ted segurou o pulso de Teddy e arrastou-o para fora do

quarto. – Chega de visitar a prima Jean. Venha, Alice. Vamos ver a Petra.

Acho que ela tem uma historinha para contar a vocês dois.

Alice encostou o rosto no meu.

- Eu não me importo se as coisas quebram quando você está perto –

sussurrou. – Gosto de você, e fico feliz porque está aqui – ela me beijou,

com seu cheirinho de criança limpa de 5 anos. – Boa-noite.

- Ah, minha querida – lamentou-se Evelyn quando a porta estava fechada de

novo. – Não sei o que dizer.

- Tudo bem – olhei a pintura de Alice. – É tudo verdade.

- Ah, não seja ridícula, Jinx – disse minha tia. – É... Jean. As coisas não se

quebram quando você está por perto. Aquilo na noite que você nasceu foi

um, como é que se diz, mesmo? Um tornado, uma tempestade, ou algo

assim. E hoje foi só um acidente.

- Tudo bem, tia Evelyn. Não me importo. Verdade.

- Bom, eu me importo. – Evelyn pegou a caneca vazia e se levantou. – Vou

dizer às crianças para não chamar você de Jinx. De qualquer modo é um

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apelido ridículo. Afinal de contas, você é praticamente adulta. Agora, se tem

certeza de que não precisa de nada, Tory e eu vamos sair e deixar que você

durma. E não vai sair da cama antes das dez da manhã, entendido? O

médico disse para fazer bastante repouso. Venha, Tory.

Mas Tory não se mexeu da poltrona.

- Já vou num minuto, mãe.

Evelyn pareceu não ter ouvido.

- Acho melhor eu dar uma ligada para sua mãe – murmurou enquanto saía

do quarto. – Só Deus sabe como vou explicar tudo isso. Ela vai me matar.

Quando teve certeza de que a mãe não poderia mais ouvir, Tory fechou em

silêncio a porta do quarto e se encostou nela. E me olhou com aqueles olhos

grandes, azuis e pintados com delineador.

- E então – disse ela. – Há quanto tempo você sabe?

Pousei a pintura que Alice tinha feito para mim. Já passava das nove horas e

eu estava realmente cansada... mesmo ainda estando no fuso horário de

Iowa, onde ainda nem eram nove horas. Fisicamente, eu estava bem, como

havia garantido à tia Evelyn. O galo na cabeça nem doía, a não ser quando

era tocado.

Mas a verdade era que me sentia exausta. Só queria entrar naquele lindo

banheiro de mármore, me lavar e me arrastar para minha cama grande e

confortável e dormir. Só isso. Dormir.

Mas agora parecia que eu teria de esperar. Porque, pelo jeito, Tory queria

conversar.

- Quanto tempo sei o quê? – perguntei, esperando que o cansaço não

transparecesse na voz.

- Bem, que você é uma bruxa, claro.

Capítulo 6:

Pisquei para ela. Tory parecia perfeitamente séria, encostada na porta. Ainda

estava com o minivestido preto e a maquiagem continuava perfeita. Quatro

horas sentada numa cadeira de plástico na sala de uma emergência de

hospital não tinham feito nada para atrapalhar sua beleza.

- Uma o quê? – Minha voz embargou na palavra quê.

- Uma bruxa, claro. – Tory deu um sorriso tolerante. – Sei que é, não adianta

negar. Uma feiticeira sempre conhece outra.,00

Comecei a acreditar, não tanto pelo que Tory havia dito, mas pelo modo

curiosamente tenso com que ela mantinha o corpo – como o nosso gato

Stanley sempre fazia lá em casa, quando está se preparando para atacar –,

que Tory falava sério.

Essa é a minha sorte. Seria legal se ela só estivesse brincando.

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Escolhi as palavras com cuidado:

- Tory, desculpe, mas estou cansada, e realmente quero dormir. Talvez a

gente possa falar sobre isso outra hora, certo?

Foi a coisa errada a dizer. De repente, Tory ficou furiosa.

- Ah – ela se empertigou. – Ah, então é assim, não é? Você acha que é

melhor do que eu porque está treinando há mais tempo, é? É isso? Bom,

deixe-me dizer uma coisa, Jinx. Por acaso sou a bruxa mais poderosa do meu

grupo de bruxas – do meu conven, sabe. Gretchen e Lindsey? É, elas não

têm nada do meu nível. Ainda estão fazendo feitiços de amor idiotas. Que

não funcionam, por sinal. Na escola tem gente com medo de mim, de tão

forte que sou. O que acha disso, senhora todo-poderosa?

Meu queixo caiu.

O negócio é que eu deveria saber. Não sei por quê – quando mamãe contou

a tia Evelyn sobre o que havia acontecido, e tia Evelyn sugeriu que eu

poderia ficar um tempo em Nova York – pensei que estaria segura aqui.

Eu deveria saber. Deveria mesmo.

- Isso é por causa do que aconteceu esta tarde? – perguntou Tory. – O lance

da maconha? Você ficou com raiva porque descobriu que eu uso drogas?

Ainda perplexa, até mesmo traída, mesmo sem saber o motivo – tia Evelyn

não podia fazer idéia do que sua filha estava aprontando, caso contrário teria

posto um ponto final –, falei:

- Não, Tory, de verdade. Não me importa o que você faz. Bom, aliás, eu me

importo. E acho estupidez ficar tomando remédios que não foram receitados

para você...

- A Ritalina é só para eu passar pelas provas – interrompeu Tory. – E o

Valium é só... bem, algumas vezes tenho dificuldade para dormir. Só isso. –

Tory havia atravessado o quarto, e agora afundou na cama. – Não sou do

tipo que pega pesado, nem nada. Não uso ecstasy, nem cocaína, nem nada

assim. O que é? Seu conve é contra usar drogas, ou algo assim? Meu Deus,

isso é tão antiquado!

- Tory – eu não conseguia acreditar que isso estava acontecendo –, eu não

pertenço a um conven, certo? Só quero ficar sozinha. Sem ofensas, mas

estou cansada de verdade.

Agora foi a vez de Tory piscar e, quando fez isso, ficou tão parecida com uma

coruja, me olhando como se eu fosse uma daquelas torneiras de cisne no

banheiro que tivesse começado a falar de repente. Por fim, disse:

- Você realmente não sabe, não é?

Balancei a cabeça.

- Não sei o quê?

- Que é uma de nós. Você deveria ter suspeitado. Afinal de contas, as

pessoas chamam você de Jinx.

- É, elas me chamam de Jinx – respondi com uma amargura que não tentei

disfarçar – porque, como disse o seu irmãozinho, tudo que eu toco estraga.

Mas Tory estava balançando a cabeça.

- Não. Não estraga. Hoje não estragou. Jinx, eu olhei você. Estava falando ao

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telefone com mamãe, e entrei em casa e vi a coisa toda, da sala de estar. –

Os olhos de Tory estavam tão brilhantes que pareciam cintilar à luz suave do

abajur. – Foi como se você soubesse o que ia acontecer antes que alguém

fizesse alguma coisa. Você tirou o Zach do caminho ANTES que a bicicleta

batesse na calçada. Você não sabia que o mensageiro ia virar naquela

direção. Mesmo assim sabia. Alguma parte de você sabia... - Claro que uma

parte de mim sabia – falei, frustrada. – Eu tenho muita experiência. Se estou

por perto, a pior coisa possível pode acontecer, vai acontecer. É a história da

minha vida. Não consigo não estragar as coisas, sempre há algo a estragar.

- Você não estragou nada, Jinx. Você salvou a vida de uma pessoa. A vida do

Zach.

Balancei a cabeça de novo. Era incrível. Era disso que eu tinha vindo me

livrar aqui. E agora estava começando tudo de novo. Minha prima Tory, a

última pessoa no mundo que eu teria suspeitado, estava tentando começar a

coisa toda de novo.

- Olha, Tor, você está fazendo uma tempestade em copo d’água. Eu não...

- Sim, Jinx. Sim, você fez. É o que Zach disse. Se você não tivesse feito o

que fez, Zach seria uma panqueca no asfalto.

De repente meu estômago estava doendo mais do que a cabeça.

- Talvez...

- Jinx você vai ter de encarar. Você possui o dom.

Minha respiração congelou na garganta.

- O... o quê?

- O dom – repetiu Tory. – Vovó nunca lhe contou sobre Branwen?

Soltei um riso nervoso. O que mais poderia fazer?

- Quer dizer aquela história maluca sobre a tataravó dela, ou sei lá quem? –

Tentei demonstrar o máximo de escárnio possível. – Qual é, Tory. Não diga

que acredita naquela baboseira. É só uma história maluca que vovó inventa

quando as coisas estão chatas no grupo de bridge dela lá em Boca...

- Não é baboseira – Tory pareceu irritada. – E não é uma história maluca.

Nossa tata-tataravó Branwen era uma feiticeira, lá no País de Gales. E

Branwen contou à filha, que contou à filha, que contou à filha, que contou à

vovó, que a primeira filha da filha dela... isso só acontece com as primeiras

filhas... teria o dom. O dom da magia. Algumas vezes o dom pula algumas

gerações, acho. Tipo, você, tem o cabelo ruivo de vovó, mas nem sua mãe

nem a minha têm.

Minha mão foi defensivamente para o cabelo, como sempre acontecia quando

alguém falava dele.

- Tory, realmente não...

- Você não vê? Nossa tata-tata-tata-tataravó Branwen estava falando de nós.

Nós somos a próxima geração de bruxas da família.

Ah, cara. Respirei fundo. O nó no estômago havia se transformado numa

bola de boliche oficial.

- Sem ofensas, Tory. Mas acho que você andou vendo episódios demais de

Charmed. Ou isso ou ainda está na onda desde que saiu do caramanchão.

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Tory suspirou.

- Acho que terei de provar, não é?

Olhei-a, nervosa.

- Como vai fazer isso?

- Não se preocupe – ela riu. – Não vou fazer o colchão levitar nem nada. –

Ela desceu da cama e foi para a porta. – A coisa não funciona assim. Fique

aqui. – Ela foi para o corredor.

Fantástico. Agora minha prima Tory acha que é bruxa. Isso era tão... típico.

Pelo menos da minha sorte.

Sem saber o que fazer, peguei o espelho de mão e olhei de novo para o

hematoma. Não havia dúvida. Era um hematoma, e não um galo. Era

horrendo e de jeito nenhum iria sumir a tempo do meu primeiro dia de aula.

Minha escola nova, exclusiva e PARTICULAR em Manhattan. Sempre que eu

pensava nela, me dava vontade de vomitar.

Ah, bem. Para começar, não sou nenhuma rainha da beleza. Como foi que

Shawn, o amigo de Tory me chamou? Ah, é. Ruiva. Era isso que eu deveria

esperar na segunda-feira? Gente zombando de mim porque tenho cabelo

ruivo e venho de um estado tradicionalmente rural? Estou destinada a ser a

prima Jean de Iowa pelo resto da vida?

Bem, é melhor do que ser chamada de Jinx. Acho.

Tory voltou para o quarto trazendo uma caixa de sapatos. Fechou a porta e

pôs a caixa em cima da cama. Havia algo no modo delicado como ela

manuseava a caixa que fez a bola de boliche no meu estômago parecer que

se transformava em algo ainda maior. Uma bola de basquete, talvez.

- Se você abrir a tampa dessa caixa – falei – e alguma coisa pular em cima

de mim, juro que mato você.

- Nada vai pular em cima de você. Não seja idiota. – Tory sentou-se e tirou

cuidadosamente a tampa. Peguei-me inclinada para a frente, num esforço

para ver o que estava no meio daquele papel de seda, mesmo tendo quase

certeza de que não queria saber.

Então Tory enfiou a mão na caixa e pegou...

... um boneco.

Minhas entranhas se reviraram. Mal consegui sair da cama e ir até o vaso

sanitário antes que cada pedaço do frango kung pão e das costeletas que eu

havia comido uma hora antes saltassem para fora.

Não sei quanto tempo fiquei ali, arfando. Mas quando saí do banheiro – tenho

de admitir que sentindo-me um pouco melhor, pois o emaranhado de nervos

no meu estômago do tamanho de uma bola de basquete havia se encolhido

até o tamanho de uma castanha – Tory ainda estava sentada na beira da

minha cama, com o boneco no colo.

Tentei afastar os olhos daquele boneco.

- Você está legal? – perguntou Tory, parecendo genuinamente preocupada.

Só confirmei com a cabeça e me arrastei de volta para baixo das cobertas.

Os lençóis – que eram muito mais macios do que os da minha casa –

estavam frescos e davam alívio à pele.

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- Isso foi nojento – comentou Tory.

- Eu sei – respondi, com a cabeça afundando nos travesseiros fofos e de alta

densidade. – Desculpe.

- Quer que eu chame a minha mãe?

- Não – fechei os olhos. – Vou ficar legal.

- Não acho boa idéia ficar mexendo com bruxaria, Tory.

- Por quê? – Tory pareceu genuinamente surpresa. – Está no nosso destino

genético. E vem funcionando, você sabe. Ele não namora ninguém desde que

eu fiz o boneco. E vem aqui depois da escola praticamente todo dia.

Pensei no que Robert e os outros haviam dito. Um motivo muito mais

provável para Zach vir à casa dos Gardiner todo dia poderia ser o fato de

Petra estar lá, e não o fato de Tory ter feito aquele boneco.

Mas não falei em voz alta. Só disse:

- Parece, bem... não sei. Um tipo de assédio.

- Bem – zombou Tory –, você deve saber dessas coisas.

Abri os olhos para lhe lançar um olhar feio, mas não falei nada. O que

poderia dizer? Ela estava certa.

Em mais sentidos do que imaginava.

- Tanto faz – Tory deu de ombros. – Olha isso.

Então ela tirou uma agulha que estivera enfiada na caixa de sapatos e cravou

na cabeça do boneco Zach.

- Ei! – gritei, sentando ereta na cama, com o coração martelando. – O que

você está fazendo?

- Relaxa. Estou furando os pensamentos dele. Viu? Agora ele só consegue

pensar em mim.

Vou admitir que meio que esperei algum tipo de berro vindo do quarto do

Zach na casa ao lado. Felizmente só escutei o borbulhar da fonte no jardim lá

embaixo e uma sirene de polícia em algum lugar da cidade.

- Nossa! – Fiquei olhando Tory girar a agulha no crânio recheado de algodão

de Zach. – Eu não teria tanta certeza de que é em você que ele está

pensando. Acho que ele está pensando em tomar um analgésico.

- Zach não está namorando ninguém desde que eu fiz esse boneco.

- Você já disse isso. – Então, com relutância, porque não sabia direito como

Tory iria reagir, perguntei: – Mas ele já convidou você para sair?

- Bem – Tory guardou o boneco de novo na caixa de sapatos. – Não

exatamente. Mas eu já disse, ele vem aqui todo...

... dia depois da escola. É, você disse isso também. – Balancei a cabeça. –

Olha, sinto muito, Tor, mas esse... esse lance de bruxaria... Não é boa idéia.

Confie em mim. Certo?

- Não é um lance de bruxaria. E não é uma idéia. É um fato. Eu sou uma

bruxa. Você provavelmente também é, sendo uma primogênita.

A castanha no meu estômago havia se transformado numa laranja.

- Tory. Quero dizer, Torrance. Sério. Podemos falar sobre isso outra hora?

Porque realmente não estou me sentindo muito bem.

Tory recolocou a tampa da caixa.

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- Se você estiver sentindo alguma coisa, só pode ser alívio. Em saber que,

finalmente, não está sozinha. – Tory se inclinou para frente e pôs a mão

sobre a minha. – Você não é uma aberração, Jinx.

Se ao menos ela soubesse!

- Nossa. Obrigada. Isso é... reconfortante.

— Sei que é muita informação para ser digerida de uma vez só – continuou

Tory. – E vou admitir que foi um choque para mim, também. O fato é que

desde que vovó me contou essa história pela primeira vez, em nossa última

visita à Flórida, achei que era eu. Que era de mim que Branwen estava

falando, a neta a quem seu dom seria passado. Mas não há como negar que,

depois do que vi hoje, você, Jinx, também tem o dom. E precisa admitir que

é bem provável que, depois de passar por tantas gerações, a previsão de

Branwen possa ter se embolado um pouco. Ela devia ter falado das filhas das

filhas de vovó. E não da filha da filha. Porque vovó tem duas filhas, e cada

uma tem uma filha. Por isso, devemos ser nós duas. Nós duas somos

feiticeiras. Pode haver espaço para duas bruxas numa geração, não é?

Sem esperar minha resposta, Tory continuou:

— Então, agora você só precisa aprender a usá-lo. Quero dizer, o dom que

Branwen deixou para nós. Posso ajudar você totalmente com isso. Você só

precisa ir a uma reunião do nosso conven. Com nossos poderes, quer dizer,

com o seu e o meu combinados, não há como saber o que poderemos fazer.

Dominar a escola, para começar. Mas por que parar por aí? Meu Deus, Jinx.

A gente podia dominar o mundo.

Reagi depressa:

— Não.

Tory ficou surpresa.

— Por quê?

— Porque – respirei fundo de novo. Ela ia ficar com raiva. Eu sabia. Mas a

raiva era melhor do que ela descobrir a verdade – não acho que mexer com

magia seja uma coisa boa, sabe? Quero dizer, não sei muito sobre isso, mas

digamos que seja realmente verdade, que nossa tata-tata-tata-não sei das

quantas fosse uma feiticeira, e que tenha passado seus poderes para nós.

Seria realmente justo a gente usar isso para prender os caras? Quero dizer,

pelo que sei sobre bruxaria, ela não exige que os praticantes usem o poder

para fazer o bem, e não o mal?

— Como pode ser ruim fazer o cara de quem você gosta ficar a fim de você?

– Tory revirou os olhos. – Por favor. Nem começa a me falar sobre aquela

besteira de respeitar a natureza, cultuar as árvores...

Tive de me segurar par não lhe dar um tapa.

— Não é besteira – contive minhas mãos, com esforço. – Pelo que sei,

feitiços tem tudo a ver com usar a natureza, a energia da natureza. Se você

não respeita aquilo de onde está tirando seu poder, esse poder se vira contra

você. E se estiver usando esse poder para alguma coisa negativa, como esse

seu boneco, cujo objetivo básico é roubar o livre-arbítrio do Zach de gostar

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de quem ele quiser, então você terá negatividade de volta.

Tory não pareceu mais surpresa. Agora estava furiosa.

Os lábios bonitos dela haviam praticamente sumido, tamanha a força com

que os apertou.

— Ótimo – disse ela. – Ótimo. Eu esperava que você tivesse a mente um

pouco mais aberta com relação a isso. Afinal de contas, é a sua herança. Mas

se quiser ser uma caipira sem sofisticação durante a vida toda, a decisão é

sua. Só lembre, Jinx. Nós estaremos aqui quando você mudar de idéia.

Ela se levantou, segurando a caixa que continha o boneco do Zach, e foi

andando.

— Na verdade – acrescentou quando chegou à porta –, nós estamos em toda

parte.

Como se eu já não soubesse.

Capítulo 07:

— Sai da minha frente.

Desviei-me para a esquerda da pista e ouvi outra pessoa rosnar atrás:

— Ei, dá o fora.

Saí rapidamente e os corredores passaram por mim. Todos estavam

passando por mim. Sei que não sou a pessoa mais atlética do mundo, nem

nada, mas aquilo era ridículo.

Na verdade a coisa toda era ridícula. O sistema escolar lá em Iowa exige só

um ano de educação física no ensino médio, e eu tinha feito o meu no

primeiro ano.

Na escola Chapman, por acaso, só o último ano está livre da educação física.

O que é ótimo, como a obesidade está tomando conta dos Estados Unidos, é

importante ficar em forma, e coisa e tal.

Mas foi assim que eu me vi, no primeiro dia na nova escola, molengando no

caminho de terra ao redor do reservatório do Central Park – porque a escola

Chapman não tem ginásio esportivo, de modo que fazem as aulas de

educação física no parque mais famoso do mundo, com camiseta branca e

um short azulão que, na minha opinião, era vergonhosamente curto.

Como se não fosse suficientemente ruim eu ser a pior corredora do mundo,

ainda preciso parecer idiota fazendo isso.

É típico da minha sorte.

— Anda – ofegou alguém atrás de mim. E acelerei. Desta vez foi uma garota

loura com asas nos pés que passou correndo. Olhei seu rabo-de-cavalo

balançando e desaparecendo numa curva suave da trilha e me perguntei o

que existia em mim que já havia me tornado uma pária social na escola

Chapman.

A princípio achei que não poderiam ser as roupas que me tornavam tão

pária, afinal todo mundo na Chapman tem de usar uniforme.

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Então eu percebi que deviam ser as jóias – ou a falta delas. A maioria das

garotas das turmas em que estou – inclusive a loira que havia acabado de

passar por mim – tinha brincos de diamante, alguns do tamanho das minhas

unhas do mindinho. Duvido tremendamente que fossem zircônios.

E os relógios... eu tinha ficado pasma ao saber que o de Tory era um Gucci.

Chanelle tinha um Rolex. Ninguém na Chapman parece ter ouvido falar em

Swatch ou Timex.

E parece que os mocassins da Nine West não são considerados adequados

para uma aluna da Chapman. Mesmo que a única diferença que eu possa

detectar entre meus sapatos e os Ferragamos de Tory seja uns quatrocentos

dólares, há algo errado com os meus, enquanto os dela são bem-vindos.

Parece que o fato de meus sapatos serem do lugar errado e eu não usar jóias

caras, junto com o hematoma gigante na testa – sempre um acessório

atraente – e minha completa incapacidade de entrar ou sair de uma sala de

aula sem tropeçar ou trombar em alguém ou em alguma coisa deviam ser os

principais motivos para meu status de fracassada.

No fim das contas, mesmo tão longe de casa, eu não conseguia escapar do

apelido, pois foi assim que Tory me chamou, com desprezo, quando larguei

uma lata de refrigerante – que explodiu imediatamente – durante o almoço

no refeitório no meu primeiro dia, e todo mundo, desde então, seguiu seu

exemplo, me chamando de Jinx.

Jinx. Sempre vou ser Jinx.

Você não é uma nota de cem dólares, é o que vovó gostava de dizer a nós,

as crianças, durante suas freqüentes visitas vinda de sua comunidade de

aposentados na Flórida. Nem todo mundo vai gostar de vocês.

Imagine se esse não era o maior eufemismo do ano. Como se já não fosse

suficientemente difícil ser filha de uma pregadora protestante. Quero dizer:

as pessoas esperam que você seja uma princesa ou uma vagaba total, como

o personagem de Lori Singer em Footloose: Ritmo Louco.

E era como se as pessoas simplesmente... soubessem sobre essa coisa de

ser filha de uma pastora. Talvez realmente fosse minha aparência de frescor

campestre. Talvez fosse o violino – eu havia entrado para a orquestra da

escola, a única aula em que eu parecia remotamente me ajustar... se bem

que houve um abalo quando consegui de cara o posto de segundo violino.

Como se fosse minha culpa eu ser uma nerd que gosta de ensaiar.

Ou talvez fosse minha falta de familiaridade com Kanye West, The Hills e

outras músicas e seriados que não temos permissão de ouvir ou assistir na

minha casa, por causa dos meus irmãos mais novos.

O que quer que fosse – todas as opções acima ou algo que eu ainda nem

havia pensado – era como se alguém tivesse carimbado PERDEDORA na

minha testa, e a maioria da população estudantil reagiu de acordo.

Mas pelo menos aqui na vastidão do Central Park não havia muita gente para

me ver fazendo besteira, tropeçando numa raiz de árvore enquanto corria ou

sei lá o quê. Claro, era minha sorte ter começado na escola no primeiro dia

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do Desafio Físico Presidencial, parte do qual implicava uma corrida com

tempo marcado. Eu realmente achei que o professor de educação física

estava brincando quando apontou para o reservatório – que na minha

opinião parece um lago – e nos informou que iríamos dar duas voltas ao

redor dele.

O cara estava brincando?

Parecia que não, porque o resto da turma – com tantas pessoas, e todas

vestidas do mesmo jeito, e eu tão tímida, não querendo encarar ninguém,

nem pudera da ruma boa olhada em nenhum deles para avaliar a

concorrência, por assim dizer – partiu à toda pela trilha de terra. Tive de me

apressar para acompanhá-los.

Mesmo assim não foi completamente desagradável. Era estranho estar no

meio daquela selva – com árvores tão grossas a toda volta – e ainda assim

conseguir ver os arranha-céus acima dos galhos mais altos.

E havia outras pessoas na trilha, além da minha turma. Havia turistas

curtindo um passeio no parque com suas pochetes e máquinas fotográficas e

grupos de crianças pequenas, indo com seus professores visitar o Museu de

História Natural. E até mesmo cavaleiros vestindo culotes e capacetes pretos,

trotando ao lado do pessoal que corria.

Na verdade era, de certa forma, legal.

Bem, a não ser pela parte de correr.

E, então, a voz de um cara disse atrás de mim:

— Ei.

Pensando que era mais alguém querendo que eu saísse da frente – mesmo

eu estando no canto da pista, quase saindo dela – olhei para trás, chateada.

E tropecei numa raiz.

— Uau. – O corredor diminuiu a velocidade e se curvou. – Você está legal,

prima Jean de Iowa?

Eu não havia caído. Pelo menos. Tinha tropeçado, mas não caído de cara,

nem me machucado, pela primeira vez. Estiquei as costas e disse, esperando

que ele não pudesse ver como meu coração estava disparado (e não era só

por causa do exercício) ao mesmo tempo que tentava não dar um sorriso

lardo demais:

— Oi, Zach.

Ele riu para mim. Como eu, Zach vestia camiseta branca. Mas, ao contrário

de mim, seu short azulão não parecia curto demais. Parecia perfeito.

Mais do que perfeito. Parecia fantástico

— Não sabia que você estava nesta turma – franzi a sobrancelha. – Por que

você está nesta turma? Achei que era mais adiantado.

Zach deu de ombros.

— A Chapman exige três anos de educação física. Portanto, aqui estou.

— Ah – respondi com inteligência.

Alguns corredores vieram fazendo a curva a toda velocidade. Zach me

segurou pelo braço e me puxou para fora do caminho, entrando no meio do

mato baixo.

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— Nossa – ele olhou os corredores, claramente chateado. – O que eles

acham que isso é, os Jogos Olímpicos?

— Bem... – Eu não conseguia pensar em mais nada para dizer. – Acho

melhor a gente se juntar a eles, senão o presidente vai ficar desapontado

com nossa falta de forma física.

Zach olhou o relógio. Não pude ver se era um Rolex, como o de todo mundo

na Chapman. Mas parecia bem impressionante.

— Vou lhe dizer uma coisa. Não acredito que o presidente esteja preocupado

com minha forma física. Vamos sair daqui.

Olhei de volta para a pista.

— Mas se a gente não terminar a corrida...

— Ah, vamos terminar – Zach ainda ria. – Vamos chegar bufando junto com

os melhores. Só que conheço um atalho...

Olhei para a trilha de terra, depois de novo para Zach. Nunca na vida matei

aula. Quero dizer, minha mãe é pastora.

Mas então meio que caí na real: mamãe não estava exatamente por perto.

Felizmente o nó no meu estômago – que estivera crescendo e encolhendo o

dia inteiro, dependendo das circunstâncias – aparentemente havia

adormecido nessa hora... mas eu não fazia idéia se era por causa da

presença de Zach, ou apesar dela. Por isso, acabei concordando:

— Bem, está certo. Se você promete que a gente não vai se encrencar. Não

quero confusão no meu primeiro dia.

Ele levantou três dedos.

— Palavra de escoteiro.

Sorri.

— Duvido que você tenha sido escoteiro. Aposto que nem existem escoteiros

em Nova York.

— Bem, provavelmente existem, mas você está certa. Nunca fui.

Em vez de nos levar para as profundezas selvagens do parque, como eu

havia temido, o atalho de Zach nos conduziu para uma calçada pavimentada

que não estava exatamente apinhada, mas que tinha sorveteiros e turistas

suficiente para me deixar à vontade. O melhor foi que Zach foi direto até um

sorveteiro e se virou para me perguntar:

— Qual vai ser?

Parei para olhar as fotos na lateral do carrinho. Não reconheci quase nada.

Até o sorvete em Nova York é diferente.

— Ih – falei olhando um enorme picolé vermelho, branco e azul. – O que é

isso?

— Dois Jetstar Jumbo – Zach informou ao sorveteiro. Para mim, falou: –

Também conhecidos como Foguetes. Não acredito que você nunca tomou

um. O que vocês tomam lá em Iowa? Sorvete de batata?

Ofendida em nome do meu estado, respondi indignada.

— Isso acontece em Idaho. E existe um monte de sorvetes bons em Iowa.

Como as casquinhas com calda de cereja.

Zach deu de ombros.

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— Aposto que vocês não têm gelato.

— Claro que temos.

— E eu sei o que é uma casquinha com calda de cereja. Também sei que é

nojento, e certamente não é algo que eu iria me gabar por ter ingerido. – O

vendedor entregou os dois picolés a Zach que lhe passou uma nota de cinco

dólares que tirou da meia de ginástica. E foi então que percebi que eu estava

sem dinheiro.

— É por minha conta – disse Zach, quando falei isso. Depois me entregou um

Jetstar Jumbo com um floreio elegante. – É o mínimo que posso fazer,

considerando que você salvou minha vida. Se estivéssemos na Antigüidade,

acho que eu lhe deveria servidão eterna, ou algo assim.

Senti que estava ficando tão vermelha quanto o topo superior do picolé na

minha mão.

— Não salvei sua vida.

— É? – Zach achou divertido. – Como quiser, então. O que achou do

Foguete?

O gosto era igual ao de qualquer outro picolé que eu já havia tomado, mas,

para ser educada, falei:

— Muito bom.

— Eu te disse.

Na verdade, o picolé estava me refrescando um pouco. Fazia calor, para

abril, e agora que havíamos saído da sombra das árvores, o sol batia forte. O

tempo quente havia trazido os patinadores para a rua, além de sorveteiros e

babás empurrando carrinhos de neném. Vi até algumas pessoas tomando

banho de sol.

— Então – comentou Zach enquanto passeávamos. – Seu hematoma está

melhor.

Pus a mão na testa, sem jeito. Zach só estava sendo gentil, claro. O

hematoma, no mínimo, parecia pior do que nunca. Zach o tinha visto na

véspera, quando ele e os pais foram à casa dos Gardiner para ver como eu

estava. Para meu vexame completo e absoluto, eles haviam trazido duas

dúzias de rosas que me presentearam com agradecimentos pelo que

achavam que eu tinha feito por Zach.

Tentei ser graciosa, como mamãe desejaria. Mas era difícil. Quero dizer, todo

mundo – não somente Tory – achava que eu tinha feito um negócio

gigantesco, nobre, me jogando no caminho daquele ciclista descontrolado.

Quando na verdade eu apenas havia sido a azarada de sempre. Durante todo

o tempo em que Zach e seus pais estiveram lá, eu só queria que um buraco

se abrisse no piso de parque dos Gardiner e me engolisse viva. Os pais de

Zach eram super chiques, o pai era advogado do show business, a mãe,

advogada tributária, e sem dúvida eram pessoas muito legais.

Mas eu teria preferido mil vezes que eles tivessem ficado em casa. Nem de

longe sou a pessoa mais sociável do mundo, e fiquei tremendamente

desconfortável sendo o foco de tanta atenção.

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Era péssimo, na verdade, que tenha sido eu, e não Tory, a estar lá quando o

ciclista quase acertou Zach. Se Tory, e não eu, tivesse salvado Zach, ela

adoraria a agitação, as rosas, a preocupação. Em vez disso, ela fora obrigada

a curtir tudo aquilo em segunda mão, encostada na parede com um joelho

envolto na meio-arrastão, meio dobrado, e um minúsculo sorriso felino nos

lábios, olhando enquanto eu respondia desconfortavelmente às tentativas

educadas de conversa da parte dos pais de Zach.

Zach, por sua vez, ficou no sofá branco da sala íntima dos Gardiner com uma

Coca aninhada nas mãos, contribuindo pouco, mas sorrindo um bocado. Mais

tarde Tory observou que Zach estivera olhando o tempo todo para o joelho

dela. Porque, sabe como é, ele é tão doido por ela, ou sei lá o quê.

Tive uma impressão um tanto diferente – que Zach estivera olhando para

mim. Porque toda vez que eu levantava os olhos o olhar dele parecia

encontrar o meu.

Mas não falei isso com Tory. E era bem provável que eu estivesse errada, e

ele estivesse mesmo olhando o joelho de Tory.

Mesmo assim, todo mundo teve oportunidades suficientes de olhar meu

hematoma, analisar o tamanho e a cor, e avaliar quanto tempo demoraria

para sumir. Quase considerei a idéia de refazer as malas e voltar para Iowa

(não que eu fosse realmente fazer isso, é claro).

Mas isso me fez sentir saudade da minha família, que aceita numa boa meus

esbarrões absurdos com o destino (e coisas como mensageiros de bicicleta).

Nem mesmo ler e responder os vários e-mails da minha melhor amiga,

Stacy, no laptop que tio Ted me emprestou mais tarde naquela noite, ajudou.

Mas, então, me lembrei de que ganhar de presente duas dúzias de rosas dos

pais de um garoto por quem (posso muito bem admitir) eu estava meio

caidinha – e que eu sabia que nunca gostaria de mim porque estava caidinho

por uma bela au pair alemã – era infinitamente melhor do que em geral

acontecia na minha cidade.

Agora olhei para meu Jetstar Jumbo (desejando mais do que nunca que, há

tantos meses, eu tivesse feito uma escolha bem diferente) e disse:

— Obrigada.

— O que ainda não deduzi – Zach continuou, enquanto passávamos por um

laguinho onde pessoas (até alguns homens adultos) brincavam com

pequenas miniaturas de barcos – é por que todo mundo na sua família

chama você de Jinx.

Suspirei.

— Acho que é perfeitamente óbvio, depois do que aconteceu. Eu sou um imã

de azar. Na verdade, desde que nasci, onde quer que eu esteja... bem, as

coisas parecem sempre dar errado. – Contei sobre a tempestade que se

formou no momento exato em que nasci, e as pessoas que tiveram de ser

levadas de helicóptero para o hospital do outro condado porque toda a

energia elétrica pifou.

— O médico que fez o parto brincou dizendo que deveriam me chamar de

Jinx, e não de Jean – prossegui. – E todo mundo achou muito engraçado, por

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isso o apelido pegou. Infelizmente.

Zach deu de ombros.

— Bom, não é tão ruim. Meu pai tem uma cliente que nasceu com um monte

de cuspe na boca, por isso todo mundo a chama de Bolhão. Poderia ser pior.

— Acho que sim.

Mas duvido que Bolhão tenha passado o resto da vida com saliva

borbulhando na boca, ao passo que meu azar ainda não acabou, e já se

passaram 16 anos.

O que me lembrou de uma coisa que eu queria perguntar a Zach, se eu

esbarrasse com ele de novo.

— A minha prima Tory – comecei hesitando. Porque, claro, mesmo sabendo o

que Tory sentia por ele, não sabia como Zach se sentia com relação a Tory.

Lembrei-me de como ele tinha ficado surpreso quando Robert falou de sua

queda por Petra... e da queda de Tory por ele.

— Siiiiim? – Ele esticou a palavra a ponto de ficar com várias sílabas.

— Ela usa... é... drogas... sempre? Quero dizer, tipo: é um problema? Ou só

uma curtição? Não que eu vá dizer alguma coisa aos pais dela – acrescentei

depressa. A outra coisa ruim de ser filha de pastora é que todo mundo

presume automaticamente que você é dedo-duro. – Mas se for sério...

— É difícil ser filha de pastora – Zach jogou uma moeda, que ele havia

encontrado, no laguinho perto do qual estávamos. – Não é?

Uau. Fiquei vermelha. Era como se ele estivesse lendo meu pensamento.

— É. Algumas vezes é – senti meu coração acelerar de novo. Fica fria, Jean.

Ele está apaixonado por Petra, com quem você nunca poderia competir.

Mesmo se quisesse. Mas não quer, porque ela é sua amiga.

— Foi o que pensei. Não conte a ninguém, vai destruir a minha reputação,

mas Seventh Heaven era meu seriado predileto quando eu era criança. – Ele

piscou.

Ri. Eu gostava de como parecia que, quando eu estava com ele, o nó no

estômago aparentava sumir.

— Na verdade não é assim – falei. – Pelo menos não é tão mau. Eu só...

estou preocupada com ela.

— A maior parte do que sua prima Tory diz e faz, ela diz e faz para ganhar

atenção. Sua tia e seu tio são pessoas ocupadas, e Tory gosta de um drama,

caso você não tenha notado. Acho que ela acha que tem de ir aos extremos

para ser notada. Tipo esse lance de ser bruxa.

A dor no meu estômago voltou, mais forte ainda. Uau. E eu que tinha

pensado que ela sumia quando Zach estava perto.

— Ah – meu coração ficou descontrolado, em vez de acelerar. E não de um

modo bom. – Você sabia disso?

— Fala sério! Acho que Tory se certificou de que a escola toda soubesse. Ela

e aquele coven. Uma vez elas chegaram a levar um caldeirão para a escola,

para fazer uns feitiçozinhos no refeitório. Só que dispararam o alarme de

incêndio. O diretor Baldwin ficou puto. Tory tentou fazer um alarde, dizendo

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que ele estava impedindo que ela praticasse sua religião. Como se bruxaria

fosse religião.

— Na verdade – falei, incomodada pelo jeito dele –, pode ser. Mas você não

deveria misturar o que Tory e as amigas dela estão fazendo, isso de brincar

de ser bruxa, com bruxaria de verdade. As bruxas de verdade não fazem

feitiços para atrair atenção, e sim porque isso lhes dá realização espiritual. E

a bruxaria, se for bem-feita, tem mais a ver com agradecer à natureza, e

demonstrar apreciação por ela, do que tentar dominá-la ou... ou fazer coisas

aparecerem por magia.

— Não diga que você também é uma delas – o tom dele era de

desaprovação.

— Não sou – garanti, depressa. – Mas um dos efeitos colaterais de ser filha

de pastora é um interesse pelas práticas espirituais. Todas as práticas

espirituais. Posso lhe falar sobre xamanismo, também, se você quiser.

— Fica para a próxima. Acho que isso significa que vou ter de aceitar sua

palavra no quesito espiritual. Mesmo assim, não posso deixar de pensar que

sua prima não está nessa, por algum motivo tipo Nova Era, porque virou

comedora de granola e coisa e tal, e sim porque é a nova moda no grupinho

social dela.

— Acho que para Tory a coisa é um pouco mais profunda do que isso – falei,

pensando em como ela havia ficado com raiva de mim durante a conversa

sobre nossa ancestral, Branwen, na primeira noite que passei em Nova York.

– Mas fico aliviada porque você acha que ela não tem problemas. Quero

dizer, com drogas.

— Com toda a sinceridade, acho que Tory é inteligente demais para perder o

controle desse jeito. Acho que muito do que você viu no caramanchão

naquele dia foi só... bem, para se mostrar.

Para ele. Zach não disse, mas para quem mais Tory estaria se mostrando?

A questão era: ele sabia?

Achei que poderia ser melhor mudar de assunto, porque a última coisa que

eu queria era ser acusada por Tory de falar dela pelas costas – e esse tipo de

coisa costuma voltar para as pessoas –, por isso, perguntei:

— Então, onde você esteve durante o intercâmbio?

As descrições de Zach sobre as paisagens e os sons de Florença, na Itália,

nos levaram até a esquina da Quinta Avenida com a rua Oitenta e Nove,

onde o professor Winthrop, de educação física, estava esperando com seu

cronômetro. Jogamos os picolés longe – eu só havia conseguido chegar à

parte branca do meu Foguete, e nem tinha provado a azul – e fiz alguns

alongamentos para preparar nossa grande chegada. Então, agachados atrás

de alguns arbustos, esperamos até que um bando de corredores com shorts

azulões viessem na nossa direção. Então corremos para nos juntar a eles...

... e partimos na direção do professor Winthrop e o cronômetro, ofegando

tanto quanto se tivéssemos corrido quinze quilômetros, e não apenas uma

fração minúscula de um.

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— Excelente, Rosen – o professor jogou uma toalha na direção de Zach. –

Você cortou um minuto inteiro do tempo que fez no segundo ano.

Não consegui mais conter um ataque de riso, em especial quando Zach disse

em tom sombrio, pendurando a toalha no pescoço:

— Obrigado, professor. Andei treinando um bocado.

Mais tarde, enquanto voltávamos para a escola, Zach me encontrou no grupo

de garotas que tentava ir para o vestiário feminino para trocar de roupa, e

perguntou:

— Ei, Jean, já experimentou souvlaki?

— Não. – Senti que eu estava ficando vermelha porque, claro, as outras

garotas se viraram para ver com quem ele estava falando.

— Ah, cara – Zach sorriu, misterioso. – Amanhã vamos experimentar o

souvlaki. Prepare-se para curtir. – E, sem dizer mais nada, ele se enfiou no

vestiário masculino.

Uau. Então Zach estava planejando me levar para um souvlaki amanhã

durante o tempo de aula.

O que era uma espécie de encontro.

Bom, certo, talvez não, porque provavelmente ele só estava fazendo isso

para compensar aquele negócio de eu ter salvado sua vida.

Mas mesmo assim.

Só quando eu havia tomado banho e ia para a próxima aula entorpecida

como num sonho foi que me lembrei de que Zach não era exatamente um

homem livre. Quero dizer, se os boatos fossem verdade, ele estava

apaixonado por Petra...

... e minha prima estava loucamente apaixonada por ele.

Louca o bastante para fazer um boneco dele e cravar alfinetes.

O que significava que, se eu fizesse alguma coisa para desagradá-la – topo ir

para um souvlaki com o cara de quem ela gostava – nada iria impedi-la de

fazer a mesma coisa comigo.

E eu tinha certeza de que não seria meus pensamentos que ela estaria

furando.

No entanto, lembrando o modo como os olhos verdes de Zach haviam rido

para os meus na linha de chegada da educação física naquele dia, descobri

que nem me importava. Não me importava se Tory o amava. E não me

importava se ele, por sua vez, amava Petra.

Para ver como eu tinha ido longe.

Seria de imaginar, dada minha experiência de vida, que eu reconheceria os

sinais de alerta.

Mas isso só serve para mostrar como minha sorte é um horror.

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Capítulo 08

Foi quando eu estava derramando a areia usada de Mouche num saco de lixo

que vi.

Tarefas. Elas eram importantíssimas no lar dos Gardiner. Não porque

houvesse tantas. Era porque havia tão poucas. Graças a Petra, a au pair,

Marta, a empregada, e Jorge, o jardineiro, não restava muita coisa para a

gente fazer na casa.

Mas tia Evelyn e tio Ted acreditavam, tanto quanto meus pais, que os filhos

precisavam aprender a ter responsabilidades, de modo que alguns dias

depois da minha chegada – assim que o hematoma teve chance de sumir –

houve alguma discussão sobre qual seria a minha “tarefa”.

— Ela não pode ficar com o meu trabalho – havia declarado Teddy.

Estávamos comento o filé-mignon que Petra havia prometido fazer na noite

da minha chegada... só que com algumas noites de atraso. – Sou

encarregado de esvaziar a lavadora de pratos quando Maria não está aqui e

de alimentar os koi. E gosto dos meus trabalhos.

— Ela pode ficar com os meus trabalhos – murmurou Tory. Justo naquela

manhã ela havia decidido que era vegetariana e tinha obrigado Petra a lhe

preparar tofu em vez do filé-mignon. E me pareceu que estava se

arrependendo da decisão, se o modo como olhava para o meu bife indicava

alguma coisa. – Encher a lavadora de pratos e de cuidar da caixa de areia da

gata. Não sei por que eu tenho de limpara a caixa da gata todo dia.

Tia Evelyn olhou sombria para Tory.

— Porque foi você que quis a gata. Você disse que assumiria toda a

responsabilidade por ela.

Tory revirou os olhos.

— Aquela gata é o animal mais ingrato que eu já vi. Ela dorme com Alice

toda noite, mesmo que seja eu quem lhe dê comida e limpe a caixa.

Alice, que estava comendo seu filé-mignon estilo hambúrguer, entre duas

fatias de pão branco e encharcado de ketchup, rebateu indignada:

— Talvez se você não gritasse com Mouche o tempo todo porque solta pêlos

em suas roupas pretas ela quisesse dormir mais com você.

Tory revirou os olhos de novo:

— Só dêem a Jinx a tarefa da caixa da gata.

Tia Evelyn não aprovou o novo arranjo – eu ficar com o serviço de Tory, de

monitorar a caixa de areia de Mouche –, mas foi o que aconteceu. Também

me ofereci para ficar com Teddy e Alice na tarde em que o horário de aulas

de Petra não lhe permitia voltar à cidade a tempo, uma tarefa formalmente

realizada por Marta... Acho que porque ninguém tinha conseguido obrigar

Tory a fazer isso. Nem mesmo seus pais.

Mas, afinal, não me incomodei, exatamente. Gostava mesmo dos meus

primos mais novos, porque me lembravam dos meus irmãos menores, de

quem eu sentia muito mais falta do que havia imaginado – a aspirante a

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modelo Courtney, de 13 anos; o fanático por beisebol Jeremy, de 10;

Sarabeth de 7 anos, obcecada pelas Bratz; e especialmente Henry, de 4

anos, o bebê da família.

Ter tarefas a realizar, como as que eu havia deixado para trás, fez com que

eu me sentisse menos solitária e mais fazendo parte da família Gardiner, o

que, por sua vez, fazia com que eu sentisse menos falta da minha.

Mesmo assim, quando o dia da semanada chegou e tia Evelyn me deu uma

nota de cinqüenta dólares nova em folha, eu soube que não estava mais em

Iowa.

Olhando para o dinheiro, perguntei:

— Para quê é isso? – pensando que ela devia querer o troco.

— Sua semanada. – Tia Evelyn entregou uma nota idêntica a Tor. Teddy e

Alice, cujas necessidades financeiras aparentemente eram menos

dramáticas, receberam uma nota de vinte e uma de dez, respectivamente.

— Mas... – Olhei para a nota. Cinqüenta dólares? Em troca de limpar a caixa

de areia de Mouche e pegar as crianças na escola uma vez por semana? –

Não posso aceitar isso. A senhora já paga a escola, deixa eu ficar aqui e tudo

o mais...

Eu suspeitava de que os Gardiner tinham feito mais do que isso, até. Não

podia ter certeza, mas achava, pelas coisas que ouvi na escola, que não era

qualquer um que era aceito na Chapman. Havia uma lista de espera, e pelo

jeito eu havia pulado à frente, devido a uma “doação” que os Gardiner

haviam feito em meu nome. Não sei se meus pais sabiam disso, mas

certamente eu sabia, o que me deixou mais consciente do que nunca do

quanto eu devia aos Gardiner. Em especial porque eu havia trazido junto o

motivo para minha necessidade da transferência para a Chapman.

Eu não merecia nem mais um centavo do dinheiro deles.

Mas parecia que eles achavam o contrário.

— Honestamente, Jean – disse tia Evelyn –, eu lhe devo pelo menos isso só

por cuidar do Teddy e da Alice toda quarta-feira. Qualquer babá em

Manhattan cobraria muito mais.

— É, mas... – tipo, eu vinha cuidando dos meus irmãos, de graça, durante a

vida inteira. – Verdade, acho que não...

— Meu Deus, Jinx. – Tory balançou a cabeça, incrédula. – Você pirou? Pega

logo o dinheiro.

— Concordo – disse tia Evelyn. – Pegue o dinheiro, Jean. Tenho certeza de

que neste fim de semana você vai querer ir ao cinema ou alguma coisa com

seus novos amigos da escola. Aproveite. Você merece.

Não observei exatamente que não tinha novos amigos da escola. Ah, havia o

pessoal da orquestra, que gostava de mim, depois que eles superaram o fato

de uma estranha ganhar o posto de segundo violino logo no primeiro dia. Se

você consegue tocar um instrumento, sempre vai se dar bem com o pessoal

da orquestra.

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E havia Chanelle, com quem eu me sentava na hora do almoço. Mas na

verdade, ela era amiga de Tory – ainda que não participasse do lance coven

de Tory, Gretchen e Lindsey, e só parecia estar ali, na verdade, porque era

onde seu namorado, Robert, se sentava com Shawn. Tory também me

deixava sentar junto, mas nunca sem dar a impressão de que, ao permitir

isso, estava me concedendo um favor gigantesco. Eu sabia que ela preferiria

que eu me sentasse com o pessoal da orquestra. Eu também preferiria me

sentar com eles.

Mas não conseguia pensar num modo de fazer isso sem provocar um

comentário sarcástico de Tory. Porque, mesmo sabendo que ela não me

queria ali, tinha certeza de que ela gostaria ainda menos se eu a

abandonasse. Ela não havia sido exatamente a Sra. Amigável desde a

conversa sobre Branwen.

Mesmo assim, mesmo sentindo que não era justo, arranjei um uso para meu

súbito ganho financeiro no primeiro dia em que troquei a areia da caixa de

Mouche.

Os Gardiner gostavam daquele tipo de areia que formava bolos, que é fácil

limpar, já que só é preciso raspar com uma pazinha com ranhuras.

Mas ou a areia era de qualidade inferior ou Tory não a trocava há muito

tempo, porque, não importando o quanto eu raspasse, ainda fedia... muito. O

odor de amônia da urina de gato literalmente enchia a lavanderia onde ficava

a caixa de areia. Senti pena de Marta, que tinha de lavar roupa ali.

Assim, achei um saco de areia de gato fechado e decidi dar a Mouche um

suprimento novo, depois de jogar fora o velho.

A princípio não entendi o que via. Achei que tinha de ser um acidente. Depois

vi a fita adesiva e percebi que não havia sido acidental. Larguei a caixa vazia

como se ela tivesse pegando fogo.

Porque, mesmo eu tendo jogado fora toda a areia velha, a caixa não estava

vazia. Não completamente. Presa com fita adesiva no fundo, previamente

escondida sob vários centímetros de areia de gato velha e fedorenta, havia

uma foto. Uma foto que, apesar de arranhada e consideravelmente

desbotada, eu podia ver que era de Petra.

Não pude acreditar. Realmente não pude acreditar. Porque eu sabia quem

tinha posto a foto ali.

Também sabia por quê.

Só não podia acreditar que alguém – qualquer pessoa – seria tão má.

Talvez, pensei, enquanto descolava cuidadosamente a foto do fundo da

caixa, Tory não soubesse o que estava fazendo. Ela não podia saber.

Ninguém que soubesse o que algo assim poderia fazer a alguém iria ao

menos tentar... nem mesmo contra o pior inimigo...

Ah, certo. Quem eu estava tentando enganar? Tory sabia exatamente o que

estava fazendo.

Motivo pelo qual eu sabia que não tinha opção além de tentar impedi-la...

fosse como fosse.

Mesmo que isso significasse quebrar minha promessa.

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E, tudo bem, tinha sido só uma promessa a mim mesma.

Mas algumas vezes essas são as mais difíceis de quebrar.

Descobri na Internet o que eu precisava... uma loja – uma loja de verdade –

que vendia o que eu estava procurando. Em Hancock, uma loja assim

certamente seria fechada por cidadãos ultrajados.

Mas em Nova York aparentemente isso não era motivo de preocupação.

A loja, que ficava no East Village, fechava às sete. Eu tinha duas horas para

pensar em como chegaria lá.

O metrô era a escolha mais lógica, mas como eu nunca havia andando de

metrô em Nova York, a idéia de fazer isso me encheu de terror.

O problema era: o que poderia acontecer se eu não fizesse a viagem me

enchia mais ainda de terror... só que por motivos diferentes.

Assim pesquei um mapa do metrô numa gaveta da cozinha, onde eu sabia

que tia Evelyn guardava esse tipo de coisa, e saí de casa, estudando o mapa

cuidadosamente enquanto andava.

Tinha dado aproximadamente três passos quando alguém estendeu a mão e

amassou o mapa na minha frente. Com o coração martelando, levantei os

olhos...

... e quase tropecei quando vi que era Zach Rosen.

— Não ande pelas ruas de Nova York com a cabeça enfiada num mapa do

metrô. As pessoas vão saber que você é de fora da cidade, e vão tentar se

aproveitar.

Depois de ter passado todas as aulas de educação física daquela semana

matando o Desafio Presidencial com ele, explorando as iguarias do que Zach

chama de Cafés Guarda-Sol do Central Park, inclusive o delicioso – e

misterioso – souvlaki, senti-me confortável o bastante para perguntar.

— Preciso ir ao East Village. Sabe que metrô devo pegar?

Zach, que havia tirado a mochila do ombro e obviamente estava acabando de

chegar de algum lugar, mesmo assim pendurou-a de novo.

— Vamos.

Certo, ESSA não era uma resposta que eu tivesse previsto.

— Não – quase gritei, desnorteada. Porque ele era a última pessoa que eu

queria que soubesse onde eu estava indo. Não porque ainda estivesse caída

por ele... o que eu estava, claro, mesmo sabendo que isso era

completamente inútil. Na verdade, no dia anterior eu tinha conseguido que

Zach admitisse que estava apaixonado por Petra. A conversa – que havia

acontecido na cozinha dos Gardiner depois das aulas, onde eu o encontrei se

recuperando de um jogo de bola com Teddy na frente da casa – tinha sido

assim:

Eu (juntando toda a coragem, depois de Petra ter finalmente saído da

cozinha com Teddy, para supervisionar a lavagem de suas mãos

excepcionalmente sujas antes de deixar que ele provasse os biscoitos que ela

havia acabado de fazer): – Então, é verdade que você é apaixonado por

Petra?

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Zach (engasgando com um biscoito): – Por que você acha isso?

Eu: – Porque Robert disse, no dia em que conheci vocês, que esse é o único

motivo para você vir aqui.

Zach: – E, como sabemos, Robert é uma autoridade consumada em todas as

coisas, tendo uma percepção extremamente aguçada que não é de modo

algum comprometida por substâncias que alteram a mente.

Eu (com o coração batendo rápido): – Quer dizer que o Robert está errado?

Você nunca gostou de Petra?

Zach: – Devo admitir que houve um tempo em que achei Petra bem

interessante.

Eu (nem um pouco com ciúme, porque Petra realmente é interessante, além

de gentil e uma cozinheira fantástica): – Mas ela tem namorado.

Zach: – Eu sei. Conheci o cara. Willem. É um cara bem legal.

Eu: – Mas você continua vindo aqui.

Zach (levanta-se): – O fato de eu vir aqui incomoda você? Porque posso ir

embora.

Eu (em pânico): – Não! Só que... você sabe. Fico pensando por que você

ainda vem aqui. Se sabe que ela tem namorado.

Zach (estendendo um biscoito): – A quantidade de coisas boas preparadas

aqui não é desculpa suficiente?

Eu: – Admita. Você ainda acha que tem chance com ela.

Zach: – Há alguém nesta casa com quem você acha que eu teria mais

chance?

Eu (pensando em Tory, com quem ele definitivamente tem mais chance, mas

de quem ele definitivamente deveria ficar longe, considerando aquele

boneco): – Acho que não.

Zach (parecendo achar divertido): – Bom, então...

O negócio é que nem me importo se ele ama Petra. Porque, para começar,

isso nos dá bastante assunto – não que a gente tenha carência nesse

quesito, pois parecemos ter a mesma opinião sobre um monte de coisas,

como política, comida, música (se bem que Zach não era muito familiarizado

com música clássica), um ódio contra qualquer tipo de esporte organizado e

contra o jeito deplorável com que a qualidade do seriado Seventh Heaven

havia caído depois que Jessica Biel deixou de ser parte do elenco em tempo

integral.

Mas nas raras ocasiões em que há uma calmaria na conversa, eu sempre

podia mencionar algo relacionado a Petra – como, por exemplo, sugerir que

Zach fizesse aulas de alemão para surpreendê-la perguntando como ela

estava, em sua língua nativa, ou algo assim. Pessoalmente acho que ele

realmente apreciou minha ajuda na tentativa de conquistá-la.

E eu, por minha vez, realmente apreciava o fato de que não precisava me

preocupar com a aparência nem como agia perto dele. Não importava que

meu short da escola CHapman fosse tão medonho, ou que eu entrasse no

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caminho dos patinadores quase diariamente e que ele precisasse me puxar

para a segurança. Porque ele não estava interessado em mim nesse sentido.

Éramos só amigos. Quando eu estava com Zach, podia esquecer todas as

coisas horríveis das quais vivia fugindo, e simplesmente relaxar. Meu

estômago nem doía quando eu estava com ele... bem, a não ser que por

acaso eu pegasse a mente vagueando e imaginasse o que poderia acontecer

se de algum modo Petra desaparecesse de cena, e Zach – milagre dos

milagres – por acaso pensasse em mim como algo mais do que uma amiga.

Era então que meu estômago embolava. Porque, claro, ele havia deixado

evidente como se sentia com relação a bruxas e bruxaria, e havia...

Bem. O meu passado.

E havia Tory.

Mas eu tentava falar dela o mínimo possível. Ainda não sabia se Zach sabia o

quanto ela gostava dele – ou se, deixando de lado o negócio de bruxa, se ele

poderia gostar dela também. Na verdade eu não sabia como qualquer cara

não ficaria lisonjeado ao saber que uma garota linda como Tory gostava dele.

Mesmo assim, mesmo sendo verdade que Zach e eu éramos amigos, não

éramos amigos a ponto de discutir a paixão de Tory por ele – e

definitivamente não éramos amigos a ponto de eu deixar que ele soubesse

aonde eu ia naquele dia.

— Não, não precisa ir comigo – falei rapidamente. – Pode só me informar

como eu chego à rua Nove entre a Segunda Avenida e a Primeira?

Mas ele simplesmente balançou a cabeça.

— Na-nã-não. Você não vai até lá sozinha. As pessoas chamam você de Jinx

por algum motivo, não é? Só Deus sabe que tipo de desastre poderia

acontecer.

— Mas...

— Se acha que vou deixar você ir ao East Village sozinha, pirou de vez. – Ele

segurou meu braço e me girou. – Para começar, ainda lhe devo servidão

eterna por ter salvado minha vida, lembra? E, além disso, a estação de

metrô fica daquele lado, idiota. Vamos.

Não há nada de romântico em ser chamada de idiota. Fala sério!

Especialmente porque eu sabia que de jeito nenhum Zach iria se interessar

por uma violinista ruiva, filha de pastora, quando houvesse a mais remota

chance de ele ter Petra, a lindíssima estudante de fisioterapia.

Então por que me senti tão ridiculamente feliz por todo o caminho? Tinha

esquecido toda a minha raiva de Tory – e o nojo de mim mesma por quebrar

a promessa, como sabia que ia fazer. Mal notei as hordas da hora do rush em

que nos enfiamos enquanto entrávamos no trem, e não prestei a mínima

atenção aos homens que pediam dinheiro no vagão nem às placas dizendo

para os passageiros ter cuidado com as carteiras, nem aos policiais nas

plataformas com seus cães farejadores de bombas... coisas que poderiam ter

me aterrorizado – se não estivesse com Zach.

Ah, vamos encarar os fatos. Claro, ele gostava de outra garota. Mas eu

estava entregue de qualquer modo. Ele havia me ganhado com aquele Gosto

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de focas.

Mas quando finalmente chegamos a rua Nove Leste entre a Segunda Avenida

e a Primeira, percebi que Zach ia realmente me achar idiota – ou pelo menos

seriamente perturbada – quando visse o tipo de loja para onde eu ia.

Mas quando finalmente chegamos a rua Nove Leste entre a Segunda Avenida

e a Primeira, percebi que Zach ia realmente me achar idiota – ou pelo menos

seriamente perturbada – quando visse o tipo de loja para onde eu ia.

Diminuí o passo enquanto chegávamos perto. Pude ver a placa, cortada na

forma de uma lua crescente, pendurada em cima de um toldo preto.

ENCANTOS, estava escrito. O que eu diria quando ele perguntasse – como

faria sem dúvida – por que eu iria a uma loja especializada em... bem...

material de bruxaria?

Zach estava me falando de um documentário que tinha visto na véspera,

sobre uma equipe de cirurgiões plásticos que vão a países do Terceiro Mundo

fazer cirurgia corretiva gratuita em crianças com palatos fendidos e coisas

assim. Zach adora documentários. Quer estudar cinema quando entrar na

Universidade de Nova York e fazer documentários sobre a vida animal do

ártico, tipo focas, e sobre como estamos destruindo o habitat deles. Até

havia me levado para ver suas focas – a dos zoológico do Central Park. Ele

sabe o nome de todas e é capaz de identificar cada uma delas.

Escutei seu resumo do documentário com apenas meio ouvido. Estava

tentando dizer a mim mesma que Zach não iria se importar com a loja aonde

eu ia. Verdade, eu estava exagerando a coisa demais. Éramos amigos.

Amigos não se importam com o tipo de livro que os amigos lêem, não é?

Mas, assim como eu suspeitava que fosse acontecer, Zach ficou mudo

quando parei na frente da loja. Não ajudou nem um pouco o fato de haver

cristais e cartas de tarô na vitrine, arrumados num monte de veludo preto.

Nem ajudou o fato de que, enquanto estávamos ali parados, a porta se abriu

e duas mulheres totalmente vestidas de preto, com o cabelo tingido como o

de Tory, saíram carregando sacos de papel e batendo papo animadas.

— Era aqui que você queria vir? – perguntou Zach, com as sobrancelhas

escuras levantadas. De modo desaprovador, como eu havia suspeitado.

— Eu... – Eu havia passado a maior parte da caminhada pela rua Nove

inventando uma história que esperava ser convincente. – Tenho de comprar

uma coisa para minha irmã menor...

— Courtney? – perguntou ele. – Ou Sarabeth?

— Courtney – respondi, tentando ignorar o jorro de prazer por ele se lembrar

do nome da minha irmã. O nome das minhas duas irmãs! Eu só havia lhe

contado um milhão de histórias sobre elas. Não podia acreditar que ele

tivesse escutado. – O aniversário dela está chegando, e achei que ela

gostaria disso, além do mais acho que não dá para achar um livro desses em

Iowa.

Espera. Isso pareceu tão débil para ele quanto para mim?

Mas tudo que Zach disse, em voz divertida, foi:

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— Já ouviu falar da livraria Barnes and Noble? Fica só a dois quarteirões de

onde a gente mora. A gente não precisaria vir até aqui, você sabe.

— Abençoados sejam – disse a mulher bonita, de cabelos escuros, que

estava atrás do balcão, quando entramos.

— Ah – respondi, ficando vermelha. Por causa do que Zach devia estar

pensando, que ela era tipo Nova Era, comedora de granola. – Obrigada.

Passei rapidamente pelo balcão, indo às cegas para o fundo, onde tinha visto

algumas prateleiras de livros. Mesmo assim não pude deixar de ver que a

loja era atulhada de ervas e velas, amuletos e calendários lunares. Havia

uma gata preta numa prateleira, com o rabo estremecendo lentamente

enquanto me olhava chegando. No pescoço tinha um colar de turquesas com

um pentagrama pendurado onde, num gato normal, que não pertencesse a

bruxa, haveria um guizo.

Estendi a mão para o livro que eu estava procurando – não um dos grandes,

com capa brilhante, cheios de fotos e capítulos chamados “Feitiços de amor”,

do tipo que Tory e suas amigas poderiam ter escolhido, e sim uma pequena

brochura sem ilustrações, que não poderia ser encontrada em qualquer

cadeia de livrarias – e dei uma olhada nas últimas páginas, procurando o

índice remissivo. Enquanto isso, Zach estava andando por ali, pegando coisas

e examinando com curiosidade. Quando chegou à gata, parou e coçou

embaixo do queixo dela. A gata começou a ronronar, tão alto que pude ouvir

do outro lado da loja.

Então ele gostava de gatos, também. Au pairs, Seventh Heaven, focas,

crianças... e gatos. Será que esse cara poderia ser ainda mais fofo?

Um sino tocou e duas garotas entraram na loja. Duas garotas usando

uniforme da escola Chapman. Duas garotas que, infelizmente, reconheci.

O nó no meu estômago, que me visitava cada vez menos ultimamente,

subitamente marcou presença.

A vendedora bonita atrás do balcão falou:

— Abençoadas sejam – disse para as duas novas freguesas.

— Abençoada seja – Gretchen e Lindsey responderam de volta para ela.

Lindsey dava risinhos o tempo todo.

— Quantos anos Courtney vai fazer, afinal? – perguntou Zach, aparecendo de

trás de um mostruário de ervas. – Doze?

Dei um pulo e disse automaticamente.

— Catorze.

Tinha parado de examinar o índice remissivo do livro. Havia encontrado o

que procurava.

Mas como iria comprá-lo sem que Gretchen e Lindsey notassem e

informassem a Tory que tinham me visto na Encantos? Tory nunca

acreditaria que eu tivesse entrado por acaso naquela loja.

Ou... acreditaria?

— Ah, meu Deus – gritou Lindsey quando saí deliberadamente de trás do

mostruário de ervas, bem no seu caminho. – Jinx? É você?

— Ah – respondi fingindo que estava notando as duas pela primeira vez. –

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Oi, pessoal.

— Olha, Gretchen – disse Lindsey. – É a Jinx!

Gretchen, sempre a mais séria das duas, não pareceu exatamente

empolgada ao me ver. Na verdade, seus olhos muito maquiados se

estreitaram.

— O que você está fazendo aqui? – o olhar de Gretchen saltou para alguma

coisa (ou alguém) atrás de mim, e suas pálpebras dela se estreitaram ainda

mais. – Com ele?

— Ah, oi – cumprimentou Zach, enquanto dava as costas para o mostruário

de calendários que estivera olhando.

— Oi – respondeu Lindsey. Ao contrário de Gretchen, ela não pareceu achar

suspeito o fato de estar trombando em Zach e eu numa loja de material de

bruxaria a aproximadamente sessenta quarteirões de onde nós morávamos.

– Tor está aqui também? Achei que ela disse que tinha de ir ao dentista, ou

algo assim, esta tarde...

— É – falei, empurrando com nervosismo o cabelo para trás das orelhas. – É,

não. Tory não veio. Somos só nós. Viemos porque preciso comprar um

presente. Um presente de aniversário. Para minha irmã mais nova.

— Maneiro – disse Lindsey. Seu olhar pousou no livro que estava nas minhas

mãos e ela franziu o nariz. – Mas por que vai dar essa coisa velha a ela? Este

livro aqui é muito melhor. – Ela pegou o grande e brilhante. – Olha. Tem um

monte de ilustrações.

— Ela pediu este – menti. – Não sei. Ela é meio esquisita.

— Está dizendo que bruxas são esquisitas? – perguntou Gretchen com sua

voz grave.

— Não! – exclamei. – Nossa, não. Só a minha irmã.

— Eu acho que elas são esquisitas – comentou Zach, alegre.

Lindsey deu-lhe um soco de brincadeira no peito.

— É melhor ter cuidado. Ou eu jogo um feitiço em você.

— Você não sabe, Lindsey, mas talvez alguém já tenha jogado – disse

Grechen. Mas não parecia estar se referindo a Tory, pois estava olhando

diretamente para mim.

— Não faço a mínima idéia – falei na voz mais agradável que consegui. –

Bom, encontrei o que eu precisava. Podemos ir, Zach?

— Agora mesmo – ele respondeu.

— Bem, a gente se vê – falei a Lindsey e Gretchen.

E fui para o caixa.

— Ah, ei – gritou Lindsey. – Nós vamos tomar um pouco de chá espumante,

lá em Chinatown, quando sairmos. Querem ir?

— Não posso – pus o livro no balcão. A vendedora bonita pegou-o com um

sorriso. – Prometi aos pais de Tory que chegaria a tempo para o jantar.

— Tory – ecoou Lindsey com uma gargalhada. – Não deixe ela ouvir você

chamando-a assim. Ela mata você.

— Ela pode matá-la de qualquer modo – murmurou Gretchen, mas alto o

suficiente para que eu ouvisse.

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— O que foi? – Lindsey parecia confusa. – O que você disse, Gretch?

— Eu? – Gretchen fungou. – Não falei nada.

Zach que havia me acompanhado, inclinou-se fingindo que estava admirando

uns colares na vitrine embaixo do balcão.

— O que ela está falando? – sussurrou ele.

— Nada – respondi depressa. – É só... coisa de mulher.

— Legal – disse Zach e levantou-se. – Que tal eu encontrar você lá fora?

— Pode ser melhor.

Zach assentiu e saiu da loja, com os sinos sobre a porta tilintando em

seguida.

— São dez dólares – informou a mulher atrás do balcão.

Entreguei-lhe minha nota de cinqüenta novinha em folha.

— Aposto que Torrance vai ficar realmente interessada em saber que você

veio aqui com o cara dela – disse Gretchen, com a voz dura.

— O quê? – Lindsey ainda estava confusa. – Gretchen? O que você está

falando?

— Meu Deus, Lindsey. – Gretchen lançou um olhar irritado na direção da

amiga. – Você não vê o que ela está tentando fazer? Está tentando roubar o

Zach debaixo do nariz de Torrance!

— Zach não é o namorado de Tory – falei bruscamente, tanto para minha

surpresa quanto para a de qualquer pessoa. A vendedora parou de contar

meu troco, me olhando perplexa.

— O que quero dizer – falei num tom mais suave –, é que Zach não gosta de

Tory nem de mim. Ele gosta de Petra, certo? Zach e eu somos apenas

amigos.

— Até parece – era óbvio que Gretchen não tinha acreditado em mim.

Lindsey, para atrás dela, apenas continuou parecendo confusa.

— Somos só amigos – repeti, pegando o troco com a vendedora. Esperava

que Gretchen não visse que minhas mãos tremiam. – Pode perguntar a ele,

se quiser.

— Acho que vou perguntar a Torrance – disse Gretchen. – Acho que é o que

vou fazer.

— Ótimo – rebati. – Faça isso.

Peguei a sacola que a vendedora estava me estendendo, agradeci, dei as

costas ao balcão e fui para a porta.

E derrubei um mostruário de velas.

— Meu Deus – ouvi Lindsey soltar um risinho, enquanto eu me curvava para

pegar o máximo de velas possível antes que rolassem pelo chão. – Você

costuma andar muito?

— Deixe que eu faça isso, querida – a vendedora saiu de trás do balcão.

— Sinto muito – estendi uma braçada de velas para ela. – Sou desajeitada

demais.

— Bobagem – respondeu a vendedora com gentileza. – Poderia ter

acontecido com qualquer um. Ande, ponha isso aqui. – Ela me ajudou a

colocar as velas no balcão. – Pronto. Não foi nada. Ah, e leve isso. Você

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quase esqueceu.

Ela pegou no bolso da saia uma coisa enrolada num quadrado de papel de

seda e estendeu para mim.

— O que...? – Estendi a mão automaticamente e peguei o quadrado de

papel. A coisa dentro fez um leve barulho chacoalhado.

— Só uma coisa que acho que você vai precisar em breve – o olhar dela foi

na direção de Gretchen e Lindsey. – Para dar sorte. Bênçãos para você, irmã.

Agora meu embaraço era completo. Enfiei o objeto embrulhado em papel de

seda na sacola junto com o livro, murmurei “Obrigada” e disparei para fora

da loja...

... e continuei pela rua como se estivesse sendo perseguida.

— Ei – gritou Zach, correndo atrás de mim. – Devagar, certo? O Desafio

Físico Presidencial acabou, lembra?

— Desculpe – falei, tendo o cuidado de não olhar para ele. – Ah, meu Deus.

Estou tão sem graça!

— Por quê? – Ele acertou o passo comigo.

Como ele podia não saber? Ele não tinha...

Ah, certo. Ele não estava lá. Graças a Deus. Graças a Deus.

— Nada – respondi, sentindo-me quase rindo de alívio. – Depois que você

saiu eu... eu trombei num mostruário de velas e derrubei tudo.

— Só isso? Achei que você estava falando da coisa com as amigas de Tory,

de elas pensarem que a gente anda saindo junto.

Congelei. E olhei para ele. Devagar.

Seus olhos verdes estavam rindo para mim.

— O que foi? Acha que não sei da paixonite de Tory por mim?

O balão no meu estômago inchou até o tamanho de uma melancia.

— Você não pode falar nada disso com ela – soltei num jorro. – Não pode

dizer que sabe. E é mais do que uma paixonite, Zach. Ela ama você, é sério.

— Me ama, é? Parece que ela quer ser mais do que amiga... com benefícios.

Ele estava rindo. Não dava para acreditar que ele estava rindo.

— Zach. Você não entende. Ela não está brincando. Ela...

Quase contei. Sobre o boneco. Não sei exatamente o que me impediu. Só

que senti que Tory merecia ficar com um pouco de dignidade, apesar do

comportamento idiota.

— Ela poderia tornar a vida realmente desconfortável para mim – falei em

vez disso. – Se ela achasse... bem, que você e eu...

Zach parou de rir. A próxima coisa que percebi foram as mãos dele nos meus

ombros.

— Ei – ele me deu uma pequena sacudida. – Anime-se, prima Jean. Eu só

estava brincando. A última coisa que eu iria querer no mundo seria tornar a

vida mais difícil para você. Sei que é duro ser filha de uma pastora. Deve ser

mias difícil ainda começar numa escola nova e morar com uma nova família

além do... bem...

Ele não disse a palavra perseguidor em voz alta. Não precisava. Nós dois

sabíamos do que ele estava falando, ainda que nenhum de nós tivesse

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jamais mencionado isso desde aquela primeira vez em que Tory abriu o bico

de modo tão casual, no dia da minha chegada.

— Além disso – Zach tirou as mãos de mim. – O que importa? Considerando

por quem eu devo estar apaixonado, lembra?

Estranhamente, essa lembrança, em vez de cravar uma estaca de ciúme no

meu coração, me animou... um pouquinho.

— Isso mesmo. Quero dizer, é totalmente ridículo essas garotas acharem que

a gente está namorando, quando seu coração pertence a outra.

— E não a qualquer outra. Mas o melhor pedaço de mulher do planeta.

— É. Se elas disserem a Tory que nos viram, vou lembrar a ela que Petra é

seu único amor verdadeiro.

— E eu não terei opção além de apoiar você. Servidão eterna, lembra?

Sentindo-me mil vezes melhor, virei-me para seguir pela rua, girando a bolsa

da Encantos...

... e ouvi a coisa que a vendedora tinha me dado chacoalhar de novo. Parei,

enfiei a mão na bolsa e comecei a desembrulhar.

— O que é isso? – perguntou Zach.

— Não sei. Algum tipo de amostra grátis ou algo que a moça que trabalha lá

me deu...

Mas então vi o que o embrulho continha e parei, tão abruptamente que

quase fiz com que Zach me derrubasse.

— O que é? – Zach olhou para o que eu segurava. – Ah, legal. Ela deu um

símbolo satânico a você. Excelente serviço aos clientes.

— Não é um símbolo satânico – falei com a voz tensa. Nos raios oblíquos do

sol poente, o colar de prata piscava no ninho de papel de seda. – O

pentagrama é um símbolo mágico antigo, destinado a oferecer proteção

espiritual para quem usa. Não tem nada a ver com Satã.

Zach falou em voz gentil:

— Ei, Jean. Eu estava brincando de novo, certo?

Horrorizada ao sentir meus olhos se enchendo de lágrimas ali na calçada,

diante de uma pequena loja de piercings, enfiei o colar de novo na sacola e a

apertei contra o peito.

Para dar sorte, ela dissera. Só uma coisa que acho que você vai precisar em

breve.

Como ela sabia?

Mas uma pergunta melhor era: o que ela sabia e eu não?

Capítulo 09

— O que você está fazendo no meu quarto?

A voz de Tory estava temperada de veneno. Ela havia acendido a luz do teto

e agora estava junto à porta, com a jaqueta de couro tirada pela metade,

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olhando para mim.

Acordando lentamente, levantei a cabeça de onde havia afundado num dos

travesseiros de Tory, e pisquei no súbito jorro de luz. Percebi que devia ter

caído no sono esperando a chegada dela. O livro que eu havia comprado

naquela tarde estava sobre meu peito, aberto – eu sabia – no capítulo sobre

banir feitiços.

— Tory – falei grogue, sentando-me. – Onde você esteve? Que horas são?

— O que importa que horas são? – reagiu Tory, ríspida. – O que você está

fazendo no meu quarto? Esta é a verdadeira pergunta.

Tirei um pouco de cabelo de cima dos olhos e tentei enxergar o despertador

digital na mesinha-de-cabeceira de Tory.

— Nossa, é quase meia-noite – falei. – Seus pais vão ficar loucos...

— Eles ainda nem estão em casa. – Tory tirou a jaqueta de couro, deixando-

a cair no chão, onde a maior parte do resto de suas roupas ficaria até que

Marta fizesse a limpeza. – O que você está fazendo aqui, afinal? E por que

não está com Zach?

— Tory. – Passei as pernas pela beira da cama. Tinha ficado tão cansada de

esperá-la que havia vestido o pijama. Agora meus pés descalços afundaram

no grosso carpete lavanda de seu quarto enquanto eu me levantava. – Não

está acontecendo nada entre Zach e eu. Nós somos apenas amigos. Você

sabe, tanto quanto eu, que ele é apaixonado por Petra. Precisamos conversar

sobre outra coisa. É importante.

Tory havia entrado no closet no minuto em que eu mencionei Petra, tendo

perdido o interesse pela conversa. Ela devia ter sabido, o tempo todo em que

Gretchen ou quem quer que seja estivesse lhe contando que viu Zach

comigo, que aquela coisa sobre nós dois não podia ser verdade.

Porque agora, tendo saído do closet usando só um sutiã preto, a minissaia e

um monte de colares, seus olhos habilmente maquiados com toneladas de

delineador e rímel se arregalaram. Porque finalmente havia notado o livro.

— Então é por isso que você foi à Encantos – disse ela. – Eu sabia que não

era para comprar um presente de aniversário para Courtney. O aniversário

da sua irmã é só em fevereiro. Você mudou de idéia – perguntou ela,

ansiosa. – Pensou no que eu disse, em se juntar ao coven?

Balancei a cabeça. Isso, eu sabia, iria necessitar de coragem. Mas eu não

tinha opção. Realmente.

Não importando o quanto meu estômago doesse.

— Não – respondi. – Quero falar com você sobre isto.

De dentro da capa do livro que eu ainda estava segurando, tirei a foto de

Petra, a que estivera na caixa de areia da gata, e estendi para que Tory

visse. Estava num saco plástico lacrado, mas mesmo assim dava para ver o

que era.

Tory franziu a testa, depois fez uma careta.

— Eca! Você pôs a MÃO nisso? Não é muito higiênico, você sabe. Espero que

tenha lavado depois.

Então, quando não falei mais nada, ela deu de ombros.

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— Então. Você encontrou. Imaginei que fosse encontrar. Bem, quer saber por

que isso estava lá?

— Eu sei porque estava. O que quero saber é por que você fez isso.

Tory só deu de ombros outra vez, depois sentou-se na banqueta giratória

diante da penteadeira, onde começou a escovar o cabelo preto e denso.

— Por que tenho de dar explicações a você? – perguntou para o meu reflexo.

— Porque isso é sério. – Atravessei o quarto e parei ao lado da penteadeira,

e olhei para ela. – Talvez você não soubesse, mas o que fez, grudando a foto

de Petra no fundo da caixa de areia de Mouche, é magia negra, Tory. É ruim.

Tory olhou para o meu reflexo, incrédula por um segundo. Depois soltou uma

gargalhada.

— Escuta só! – gritou ela. – Magia negra! Você me diverte!

— Sério, Tory. – E levantei o livro que eu havia comprado. – Diz aqui.

Feitiços usados para prejudicar outras pessoas são realmente perigosos.

Inevitavelmente retornam para a pessoa que o fez, como um bumerangue.

Só que multiplicados por três.

— Bom, olha só. – Tory riu para mim, com um sorriso nitidamente felino. – E

eu achei que você não acreditava.

— Sério, Tory. Estou preocupada com você. Por que você faria uma coisa

assim, e logo com Petra? Petra é uma das pessoas mais doces e gentis que

eu já conheci. Nunca fez nada contra você. Então o que você tem contra ela?

É só porque Zach gosta dela? É isso? Porque o que você está fazendo... é

errado. É maldoso e errado. Não sei por que você fez isso, mas vou dizer

agora: acabou.

— Ah – Tory parou de sorrir. – Acabou. Até parece.

— Estou falando sério, Tory. Você e esse seu coven podem brincar de bruxa

o quanto quiserem. Por mim, podem aprontar pequenos feitiços, se exibir

uma para a outra e se divertir de montão. Mas não feitiços que manipulam

ou ferem outras pessoas. Especialmente pessoas como Petra.

— Ah, é? – Tory balançou a cabeça. – E exatamente como você vai me

impedir?

— Bem. – Olhei para o chão. Havia esperado que isso acontecesse de modo

muito diferente, não sei por quê. Tipo, conhecendo Tory, não deveria esperar

que ela reagisse de qualquer modo, a não ser ficando furiosa.

Mas, na minha cabeça, quando havia ensaiado essa conversa, Tory havia

pedido desculpas e dito que não sabia o que estava fazendo com Petra era

tão prejudicial. Tinha me agradecido por lhe contar, e nós havíamos nos

abraçado e descido para tomar um chocolate juntas.

Pelo jeito, não seria assim.

Fiquei feliz por ter feito preparativos de reserva, só para garantir.

Suspirei.

— A verdade, Tor – falei erguendo o olhar para encontrar o dela – é que eu

amarrei você.

— Você amarrou... – Tory me olhou boquiaberta. – Você fez o quê?

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— Amarrei você para impedi-la de fazer o mal. – Permaneci firme. – Você

ainda pode fazer feitiços positivos. Mas não feitiços que manipulem a vontade

dos outros. Eles não vão funcionar. Nunca mais.

Tory pareceu tão chocada quanto se eu tivesse lhe dado um tapa.

— Sua hipócrita... está dizendo que esse tempo todo... esse tempo todo...

você realmente era uma de nós?

— Não sou uma de vocês – respondi com firmeza. – Admito que posso já ter

me interessado por magia. Mas... não deu certo. Está bem, Tory? Deu muito,

muito errado, e alguém se machucou, e eu jurei que nunca mais iria fazer.

Magia é uma coisa séria, Tory, e não algo com o qual alguém que não sabe o

que está fazendo deva se meter.

Tory fez uma careta.

— Obrigada pela dica, mamãe. Mas talvez lhe interesse saber que eu sei o

que estou fazendo.

— Não sabe, não. Não se isso for um exemplo. – Estendi a foto gasta de

Petra. – Uma coisa assim poderia realmente machucar alguém. Foi por isso

que, mesmo não querendo, tive de quebrar a promessa que fiz a mim

mesma, de nunca mais fazer magia, e amarrar você.

— Ah. – Tory bateu com as duas mãos no rosto, fingindo horror. – Ah, não,

prima Jinx! Estou com tanto medo! Tenho certeza de que sua magia caipira

idiota é muitíssimo mais poderosa do que a minha. – Ela baixou as mãos e

me olhou com desprezo total. – Vamos deixar uma coisa clara, Sabrina. Aqui

é Nova York, e não Iowa. Suspeito de que minha magia é um pouquinho

mais sofisticada do que a sua. De modo que, não importando que feitiçozinho

de amarração você tenha feito contra mim, é melhor não contar que ele

funcione. Porque aqui, na cidade grande, Jinx, a gente não brinca em serviço.

— Em Iowa também não – observei em voz baixa. – Na verdade, meus

feitiços sempre funcionaram muito bem. – Na verdade, eu só havia feito um

feitiço. Mas mesmo assim. TINHA funcionado. Infelizmente, um pouco bem

demais.

— Ah, é claro – Tory inclinou a cabeça para trás e gargalhou. – Sem dúvida

você é uma bruxa muito poderosa! Deixe-me ver... você e seus pais

miseráveis moram numa casa pequena demais para vocês, com, tipo, um

banheiro. Você não tem permissão de ouvir rap nem assistir à HBO. Você é

uma nerd que só tira dez, tem pernas tortas e vive metida numa orquestra. E

teve de se mudar para Nova York para viver da caridade dos parentes ricos,

porque um garoto na sua cidade ficou apaixonado e seus pais piraram.

Agora ela havia se levantado e estava me encarando com as mãos nos

quadris e uma expressão de escárnio no rosto, o nariz apenas a centímetros

do meu.

— Realmente – continuou sarcástica. – Você é uma bruxa poderosíssima,

está certo. Estou morrendo de medo. Porque obviamente fez um monte de

feitiços que funcionaram. OU NÃO.

Pensei em bater nela. Pensei mesmo. Não tanto por causa do papo de nerd –

vamos encarar os fatos: eu sou uma nerd de orquestra, mas não tenho

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pernas tortas. Mas por causa de chamar meus pais de miseráveis. Quero

dizer, meus pais ganham dinheiro suficiente para se virar. Certo, talvez a

gente não ganhe um Rolex de Natal como a garotada daqui.

Mas meus pais nunca pegaram roupas na caixa de doação da igreja para nós.

É verdade que Courtney está enjoada de herdar minhas roupas usadas. Mas

nem todo mundo pode comprar um guarda-roupa novo em folha para os

filhos todo ano.

Mas não. Quero dizer, não bati nela. Nunca bati em ninguém na vida e não

iria começar com Tory, por mais que ela pudesse me tentar.

Mas quis machucá-la. Seriamente.

O que era horrível, porque dava para ver que ela já estava machucada. Por

dentro, devido a ferimentos infligidos totalmente por ela mesma. Não fazia

idéia de por que Tory era tão insegura, mas tinha de ser por isso que ela

havia me atacado daquele jeito... por que ela faria – ou tentaria fazer, pelo

menos – o que havia feito com Petra.

Esse negócio de bruxaria – essa história que ela tinha ouvido sobre nossa

ancestral Branwen – havia lhe subido à cabeça. Ela estava se agarrando

àquilo como se fosse uma balsa salva-vidas, porque sentia que não tinha em

que se segurar. Não gostava de si mesma o bastante para... bem, só para

ser ela própria.

O negócio é que... eu conhecia esse sentimento.

Também sabia, bem demais, aonde ele poderia levar.

Mas o que não entendia era como ela havia tomado esse caminho.

— O que aconteceu com você, Tory? Há cinco anos você não era assim. O

que aconteceu para deixar você tão... má?

Tory estreitou os olhos.

— Há cinco anos? Você está falando de quando eu era a garota menos

popular da escola porque era um capacho gordo e chato que deixava as

outras meninas me pisarem e a única coisa que os garotos queriam de mim

era ajuda com o dever de casa? Vou dizer o que aconteceu, Jinx. Vovó me

contou sobre Branwen. E eu percebi que o sangue de uma bruxa corre nas

minhas veias. Percebi que tinha poder... poder de verdade, de fazer as

pessoas fazerem o que eu quisesse... ou esmagá-las se não fizessem. Eu só

precisava assumir o controle. Da minha vida. Do meu destino.

— Ah – interrompi com sarcasmo. – É isso que você faz na sala da caldeira

com Shawn durante o período livre todos os dias? Assume o controle do seu

destino?

Tory me olhou com frieza.

— Meu Deus. Você é tão criança! Eu deveria saber que você não entenderia.

Não adiantava. Percebi isso naquele momento. Peguei meu livro e a foto de

Petra e me virei para ir embora.

Mas na porta hesitei e fiz uma última tentativa.

— Quanto ao Zach...

Tory me olhou furiosa.

— O que é que tem?

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Eu sabia que deveria ter deixado para lá. Não valia a pena. E não faria

nenhuma diferença.

Mesmo assim, aquela coisa que ela havia dito sobre meus pais... havia me

irritado. Um pouquinho.

— Só não enfie mais alfinetes na cabeça daquele boneco.

Tory projetou o quadril para a frente.

— E se eu enfiar?

— Vai apenas perder seu tempo.

— Ah, é? – A voz de Tory não era mais de desprezo. Agora estava cheia de

ódio. Puro e simples. – Bem, isso veremos, não é? Veremos o tamanho da

perda de tempo que você acha que é, quando Zach acabar ficando comigo, e

não com Petra, e certamente não com você. Porque, sabe de uma coisa? Não

importa o quanto vocês dois fiquem juntos, falando sobre a porcaria do

Seventh Heaven ou sei lá o quê, ele vai ser meu. Eu quero. Sou eu que tenho

o dom, Jinx. Você pode ter herdado o cabelo ruivo, mas eu tenho a magia.

Agora sei disso. Branwen queria dizer que a neta de vovó, e não as netas,

teria o dom. E a neta sou eu. Porque não tenho medo de usar o dom dela,

como você. O que acha disso?

Pensei rapidamente na mulher atrás do balcão da loja de bruxaria, em seu

cumprimento gentil – Abençoados sejam! – e na gentileza com que ela

insistiu em que eu aceitasse o colar do pentagrama, que eu estava usando

agora. Tão diferente, tão nitidamente diferente, do tipo de bruxa que Tory

imaginava ser. Ou queria ser.

— Se fosse você, não sei se eu andaria por aí alardeando o que acha que

herdou de nossa tata-tata-tata-tataravó, Tory.

— Por quê?

— Vovó não mencionou como ela morreu?

Tory balançou a cabeça, parecendo curiosa, mesmo contra a vontade.

— Foi queimada na fogueira. Por praticar bruxaria.

Então saí do quarto e fechei a porta.

Capítulo 10

- Não acredito - A mão de Petra estava tremendo enquanto ela punha uma

pilha de panquecas no meu prato.

- Ainda não consigo acreditar. Em uma semana ele vai estar aqui. Só uma

semana! É bom demais para ser verdade.

Evitando cuidadosamente o olhar carrancudo de Tory, peguei o jarro de calda

e disse:

- Bom, acho fantástico, Petra. Mal posso esperar para conhecê-lo.

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- Willem é maneiro - Teddy enfiou uma garfada de panqueca na boca. –

Quanto tempo ele vai ficar, Petra?

- Dez dias. – Os olhos azuis de Petra não tinham parado de dançar desde que

ela havia desligado o telefone. – Dez dias, com todas as despesas de viagem

pagar! Sabe quanto custa uma passagem do meu país para Nova York?

- Acho que vou começar a escutar rádio – observou Alice – Talvez eu ganhe

uma bicicleta nova. Preciso mesmo de uma bicicleta nova.

Apesar da euforia, Petra ainda era Petra, e disse com uma aspereza gentil:

- Alice, você tem uma bicicleta linda, que ganhou no Natal.

- É – concordou Alice. – Mas é bicicleta de neném, com freio no pedal. Quero

uma bicicleta de gente grande, que nem a do Teddy, com freio no guidom.

Talvez eu ganhe no rádio, como Willem ganhou uma viagem a Nova York.

Tory olhou carrancuda para a irmã menos, por cima da xícara de café.

- É só pedir ao papai, pelo amor de Deus. Ele compra a merda da bicicleta

para você.

Petra lançou um olhar ora Tory, porque Teddy e Alice começaram a rir diante

da palavra com M, mas não disse nada. Mudei rapidamente de assunto.

- Se você quiser um dia de folga para passar com Willem e precisar de

alguém para vigiar esses dois – fingi lançar um olhar sério para meus primos

sorridentes – é só avisar.

Petra me deu um sorriso glorioso.

- Obrigada, Jean. Vou querer.

Tory fez careta e murmurou para mim:

- Puxa-saco.

Ignorei-a.

E mais tarde, quando estávamos saindo de casa para escola, Tory falou

ríspida:

- Não pense, Jink, que o fato de o namorado de Petra ter ganhado essa

viagem idiota tenha alguma coisa a ver com você ter tirado aquela foto da

caixa de Mouche. Ou com seu feitiço de amarração idiota.

Me cuidei para manter o rosto inexpressivo:

- Eu nem sonharia com uma coisa dessas.

- Porque ontem à noite eu também fiz um feitiçozinho de amarração.

Veremos como sua magiazinha de abóbora caipira funciona contra a coisa de

verdade.

- Acho que veremos, sim – imaginei como a coisa havia chegado àquele

ponto: minha prima e eu lutando para ver quem era a bruxa mais poderosa.

Tipo, estupidez é pouco!

Não pude deixar de me sentir um pouquinho culpada. De certa forma, Tory

tinha direito de estar com raiva: para ela, eu provavelmente havia parecido a

maior hipócrita do mundo, fingindo não saber do que ela estava falando na

noite em que cheguei. Quando, na verdade, eu sabia de tudo. Sabia

perfeitamente bem. Vovó havia me contado a mesma história – sobre como,

na minha geração, nasceria a próxima grande bruxa da família. Tinha sido

apenas uma história para dormir, para divertir.

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Mas havia causado uma tremenda impressão em mim - a mesma impressão

causada obviamente em Tory. Porque, como Tory, eu estava convencida de

que sabia quem era a bruxa da minha geração.

Eu. Claro que era eu. Meu nome era Jink, não era? Isso, junto com o cabelo

ruivo e a história do meu nascimento... eu tinha que ser a bruxa. Eu era a

esquisita. Eu era a azarada.

Mas, para todo mundo na minha família, aquilo era só uma história que vovó

contava para nos interessar pela nossa árvore genealógica. Ela própria

obviamente não acreditava. Sempre ria o contar, como se fosse a coisa mais

hilária de todos os tempos.

Mas não riu quando, última vez em que veio nos visitar, eu disse que havia

acontecido com Branwen, sua tataravó. Vovó havia, convenientemente,

deixado de lado a parte sobre Branwen ter sido a última mulher morta na

fogueira por praticar feitiços no país de Gales, de onde ela viera. Fato

facilmente confirmado pela Internet.

Eu havia procurado o nome de curtição, num dia em que estava entediada no

laboratório de informática. Fiquei olhando para a tela, sentido o sangue

gelar. Porque de repente não era somente uma história. Era mesmo verdade.

Eu era descendente de uma bruxa.

Vovó teve uma reação filosófica.

- Ah, bem – disse ela. – Tenho certeza de que Branwen era uma bruxa boa.

Era uma curandeira, sabe? Provavelmente fazia trabalho melhor curando as

pessoas do que o alquimista da cidade, por isso ele teve ciúmes e a acusou

de bruxaria. Você sabe como eram as coisas na época. – Vovó tinha acabado

de ler O código Da Vinci - Era tudo politicagem.

Politicagem ou não, uma parente minha havia sido morta – morta! – por

praticar bruxaria. Claramente não era uma coisa com a qual mexer.

Uma coisa que eu havia aprendido do modo mais difícil quando, apesar do

que sabia sobre Branwen, fiz meu primeiro feitiço e vi a coisa dar tão

tragicamente errado.

Por isso eu sabia que Tory precisava ser impedida – tivesse ou não “o dom”

que vovó garantiu que uma (ou duas) de nós havia herdado de Branwen.

Assim, enquanto Petra colocava Teddy e Alice na cama na noite anterior, eu

me esgueirei em seu apartamento do porão e pus furtivamente uma moeda,

com a cara para cima, em cada canto do quarto de Petra. Depois borrifei um

pouco de sol marinho na soleira de cada porta que dava para o apartamento

dela.

Por fim anotei o nome de Tory num pedaço de papel branco e guardei

embaixo das bandejas de gelo na geladeira de Petra. Sem dúvida, Petra

ficaria confusa com aquilo, se descobrisse, mas pelo menos estaria em

segurança...

Mas deu para perceber que seria difícil convencer Tory de que o que ela

estava fazendo era errado. Na verdade, a culpa era da vovó, por ter enchido

a cabeça dela com essa conversa sobre nosso destino. Se eu nunca tivesse

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ouvido falar que era descendente de bruxa, talvez nunca tivesse pegado

aquele primeiro livro sobre feitiços, o que encontrei na biblioteca da escola

em Hancock – que usei para fazer o primeiro feitiço, que havia mudado e

tanto a minha vida.

... e infelizmente a de outra pessoa, também.

Mas se eu nunca tivesse feito aquele primeiro feitiço, claro, que nunca teria

vindo para Nova York.

E nunca teria conhecido Zach.

Verdade, quando eu pensava nisso, tudo – a coisa na minha cidade, a dor e a

solidão de estar longe da minha família e começando numa escola nova –

parecia valer a pena quando levava em conta que toda essa confusão havia

me permitido conhecer Zach.

Zach que, na verdade estava apaixonado por outra. Mas também, sem uso

de qualquer magia, branca ou negra, ainda era meu amigo.

E isso era alguma coisa. Era realmente alguma coisa.

Mesmo assim, levando em conta tudo que havia acontecido entre nós, não

fiquei particularmente surpresa quando Tory começou a me dar gelo. Eu

estivera mesmo pensando no motivo pelo qual isso não havia acontecido

antes. A única explicação racional era que Tory gostava de ter por perto

alguém que pudesse cutucar sem misericórdia. E como tento não levar a

sério as observações de Tory, não me incomodava em ser essa pessoa.

Mas quando me aproximei da mesa do almoço de Tory, na manhã em que

Petra anunciou que Willem havia ganhado o concurso, ela me olhou e disse:

- Nem... pense... nisso.

Bem, até uma garota do interior como eu sabe entender uma deixa.

Peguei uma bandeja e fui me sentar na mesa onde freqüentemente via meus

colegas da orquestra. Ainda não havia ninguém ali, mas eu esperava que,

quando eles chegassem, não optassem por se sentar em outro lugar ao me

ver ali. Para não parecer exageradamente amigável, peguei meu livro de

história norte-americana na mochila e o abri.

Mal havia lido uma página sobre Alexander Hamilton quando outra bandeja

bateu na mesa, ao lado da minha. Olhei para cima e vi Chanelle ocupar a

cadeira ao meu lado.

— Meu Deus – Chanelle abriu uma lata de refrigerante diet. – Sua prima é

uma tremenda vaca.

Levantei as sobrancelhas. Aparentemente não era necessário responder,

porque Chanelle continuou falando:

— Tipo: eu agüento a balada. Na verdade, eu adoro uma balada. mas não

toda noite. – Chanelle arregalou significativamente os olhos castanhos. – A

gente precisa de um sono de beleza. Não posso ficar na rua até depois da

meia-noite sempre. Em primeiro lugar, meu dermatologista iria me matar,

mas, em segundo, olheiras. – Ela apontou para as pálpebras. – Está vendo?

Estão aí. Olheiras. Olheiras. E só tenho 16 anos.

— Mas não é só isso. – Chanelle mordeu um pedaço de cenoura. – São essas

novas amigas dela. Essas supostas feiticeiras, Gretchen e Lindsey. Olha, sou

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totalmente aberta para coisas novas. Até fui a uma reunião delas. Você sabe,

um encontro de bruxas. Foi uma palhaçada. Um monte de garotas vestidas

de preto e correndo de um lado para o outro, invocando o espírito do Leste...

Eu tipo perguntei: Ah, dá para alguém me contar o que aconteceu em Grey’s

Anatomy ontem à noite? – A voz de Chanelle baixou dramaticamente. – Mas

ninguém sabia. Fala sério!

Tomei um gole do meu refrigerante e disse:

— Talvez seja só uma fase. Talvez ela se canse logo disso.

— Ela, não. – Chanelle começou a desembrulhar um bolinho Hostess. Parece

que a teoria de Chanelle era que, se não comesse nada além de refrigerante

diet e cenoura no almoço, poderia se recompensar com uma sobremesa. –

Desde que ouviu falar naquela tata-tata-tataravó, ela mudou. É como se

tivesse virado Paris Hilton, ou sei lá quem. Só que sem as compras divertidas

e o chihuahua. De repente tudo tem a ver com festas, esmalte preto e jogar

feitiço nas pessoas. Estou dizendo, ela acha mesmo que é uma bruxa. E tudo

bem, respeito totalmente a religião dos outros, e coisa e tal, mas aí ela

começou a ameaçar as pessoas com feitiços. Primeiro eram só professores,

garotos e as garotas mais velhas e maldosas, sabe? Mas depois fui eu. Eu

agüento muita coisa, mas saber que alguém fez um feitiço contra mim

porque não quis ajudar a catar cogumelos à luz da lua crescente...

— Catar o quê à luz da lua crescente? – perguntei.

— Não sei. Uns cogumelos que só crescem em lápides. Ela pediu agora

mesmo para eu ir com ela num cemitério na Wall Street no meio da noite,

ajudá-la a raspar cogumelos de umas lápides velhas e meio desmoronadas...

Bom, eu disse a ela para esquecer. Não vou a nenhum cemitério antigo, e

além disso, Robert e eu temos planos para esta noite, sabe? Ele é meu

namorado, afinal de contas, mesmo quando é meio débil. Mesmo assim, ele é

bonito quando não está doidão. Só gostaria que ele parasse de andar com o

idiota do Shawn. Não sei o que Torrance vê nele. Não sei mesmo. Aquele

cara é roubada. Mas é popular e por isso Tor se encontra com ele todo dia na

sala da caldeira... – Ela balançou a cabeça até que as trancinhas de seu

cabelo chacoalharam.

— Mas sabe o que ela me disse? Que não precisa da minha ajuda, porque as

amigas DE VERDADE vão ajudar. Gretchen e Lindsey, claro. Então eu disse:

“Ótimo, se suas amigas DE VERDADE são tão fantásticas, pode almoçar com

elas.” E ela disse: “Ótimo, pelo menos minhas amigas DE VERDADE têm

assunto para falar, além de compras.” E eu disse...

Cogumelos em lápides? O que Tory poderia estar aprontando?

— Olha – disse Chanelle, casual, pegando com o dedo um pouco do recheio

do bolinho. – Gosto de você, Jinx. Você é meio nerd, com aquele seu violino

e todo o resto, mas você não maltrata as pessoas e parece que não está

nessa de bruxaria, ou roupas e peso, nem em entrar para a faculdade certa,

como todo mundo por aqui. Quer ser minha nova melhor amiga?

Eu estava tomando um gole de refrigerante quando Chanelle perguntou isso

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– e quase engasguei. Era a cara de Chanelle, pelo menos pelo que eu

conhecia dela, perguntar uma coisa assim, na lata. Quer ser minha nova

melhor amiga? Como é que eu poderia dizer não a um pedido desses, mesmo

que quisesse?

E, pelo que descobri, não queria recusar. Eu gostava de Chanelle.

E achei que Stacy, com quem eu ainda falava todas as noites pelo MSN,

entenderia.

— Claro – respondi. – Mas... é... só até você fazer as pazes com Tory. Porque

sei que Tory adora você, Chanelle. Ela só está passando por uma fase. Na

verdade, talvez o que a gente devesse fazer era deixar claro que estaremos

aqui para lhe dar o maior apoio, assim que ela estiver pronta para... é... se

acalmar.

— Ou não – disse Chanelle. – Estou cansada de Torrance ficar mandando em

mim. Ei, quer ir lá em casa depois da aula? Estou tentando decidir um

penteado para o baile da primavera. Robert vai me levar. A gente podia

maquiar uma a outra. Eu ADORARIA pôr as mãos nesse seu cabelo. Já

pensou em usar ele preso bem alto?

— Não. Mas, claro, adoraria. – Ninguém nunca havia me convidado para

experimentar penteados.

— Excelente! – Chanelle baixou o tom. – Mas acho melhor avisar: não sou a

única em que Tory está jogando feitiços. Ela diz que está jogando um em

você também.

Dei uma mordida na minha salada.

— Verdade? – E mantive a voz cuidadosamente desprovida de emoção.

— É. Ela está muito chateada com o negócio de você e Zach. – Chanelle

pareceu um passarinho quando inclinou a cabeça para mim e perguntou: –

Vocês dois estão ficando, ou algo assim?

Não pude deixar de sorrir. Qualquer menção ao nome de Zach parecia causar

esse efeito em mim. Era patético.

— Não. Somos só amigos.

— Bem, vocês dois passam um bocado de tempo juntos. Minha amiga

Camille disse que vocês matam a educação física juntos todo dia.

— Ele está apaixonado pela au pair – falei depressa. – Sério.

— É, bem, não é isso que Tory acha. Acha que você está tentando roubar o

Zach dela de propósito. Diz que vai colocar um feitiço tão forte em você que

você vai desejar nunca ter vindo de Idaho.

— Iowa.

— Tanto faz. – Chanelle estremeceu, mesmo que estivéssemos num poço de

luz do sol que entrava pelas janelas do refeitório. – Não sei, Jinx. Não

acredito nesse negócio de bruxaria, mas pelo modo como ela disse... me deu

medo. Se fosse você, eu teria cuidado. Tipo, para mim, tudo bem, não

preciso morar na mesma casa que ela. Mas é melhor você tomar todo o

cuidado possível.

— Obrigada pelo aviso, mas eu posso cuidar disso. Acho que todos os feitiços

de Tory acabaram. Na verdade – acrescentei enquanto olhava Tory jogar fora

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o que restava de seu almoço e, lançando um olhar de desprezo na nossa

direção, sair do refeitório. – Posso praticamente garantir.

Capítulo 11:

Pareceu que aquilo havia sido verdade, pelo menos naquele dia. Os tempos

de Tory lançar feitiços haviam acabado.

Naquela noite, quando voltei da casa de Chanelle, Petra estava borbulhando

com mais novidades.

— Tirei o único dez de toda a minha turma de gliconutrição – desembuchou

ela no minuto em que entrei na cozinha para pegar um refrigerante.

— Uau – elogiei. – Parabéns, Petra.

— São tantas coisas boas num dia só! – Petra suspirou, feliz. – Nem posso

acreditar.

— Eu também não! – exclamei.

— Ah, Jean. O Zach ligou. Olha aqui o recado. Ele pediu para você ligar de

volta.

Não me incomodei em ir ao meu quarto para ligar para Zach. Nem me

ocorreu. Em vez disso, peguei o papel que Petra me entregou e digitei o

número no telefone da cozinha, imaginando o que Zach teria a dizer, pois eu

já havia passado uma hora com ele naquela tarde, dando pedaços de pretzel

a alguns patos no Central Park, depois de escapar do jogo de softball que o

professor Winthrop havia organizado para a nossa turma no campo de

beisebol. Zach havia recebido a má notícia – sobre a próxima visita de Willem

a Manhattan – de modo muito maduro, na minha opinião.

— Ah, meu Deus, é você. – A voz profunda de Zach fez meu corpo todo

formigar. – Adivinha.

— O quê?

— Bem, você sabe que meu pai vive conseguindo ingressos de graça para as

coisas, por causa do trabalho dele não é?

— Sei.

— Bem, alguém deu dois ingressos a ele para ver um violinista no sábado à

noite no Carnegie Hall. Ele não quer ir, mas sei como você gosta de violino,

por isso pensei que talvez você tivesse ouvido falar do cara, Nigel Kennedy...

Não pude conter um som ofegante. Parecendo que estava rindo, Zach

continuou:

— É, foi o que pensei. Parece que ele é bom. Por isso imaginei se você

estaria interessada. Pensei em ir junto, como amigo, claro. Quero dizer, a

não ser que você prefira levar alguém da orquestra, ou algo assim.

Nigel Kennedy! Não dava para acreditar!

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— Nossa, Zach – berrei ao telefone. – É fantástico! Mas tem certeza que você

não vai achar uma chatice?

— Acho que consigo suportar. Você pode me cutucar se eu cair no sono.

Respirei fundo, feliz, e então prendi o fôlego, enquanto Tory entrava na

cozinha vindo do quintal e me olhava da porta, com uma expressão sombria.

Será que ela tinha ouvido?

— Pensei que a gente poderia jantar antes, ou algo assim – continuou Zach.

– Como amigos, claro. Talvez você pudesse me dar mais umas dicas sobre

como ganhar a Petra.

— Rá! – falei ao telefone. Tory tinha ouvido, claro. O olhar dela ia ficando

mais ameaçador a cada segundo. – Claro. Parece ótimo.

— Legal. Vejo você na escola.

— Até lá. – Desliguei. Ainda encostada no portal, Tory me encarava.

— Então – disse ela. – Você e o Zach vão sair esta noite?

— No sábado à noite. E só como amigos. Não é um encontro nem nada. O

pai dele ganhou dois ingressos grátis para ver Nigel Kennedy, o violinista

inglês, no Carnegie Hall, e Zach quis saber se eu estaria interessada em ir

com ele...

Tory me olhou, inexpressivamente.

— Não sabia que o Zach gostava de música clássica.

— Bem... – Olhei para Petra, que estava parada ali perto, cortando legumes.

Além do fato de seus ombros terem ficado meio tensos, Petra não deu sinal

de que estivesse prestando atenção à nossa conversa. – Não si. Talvez ele

queira expandir os horizontes ou algo assim.

— Não é uma graça? – o tom de Tory sugeria que ela pensava exatamente

ao contrário. – O que aconteceu com seu cabelo?

Levantei a mão instintivamente para tocar o cabelo. Tinha esquecido que

Chanelle havia feito umas experiências com ele durante a tarde. Ela o havia

escovado fazendo um coque bufante e doido, e insistiu que eu fosse para

casa assim.

— Ah, isso. Foi Chanelle. A gente estava de bobeira na casa dela e resolveu

experimentar.

— Bom. Que ótimo. Primeiro você rouba meu namorado. Depois rouba minha

melhor amiga. É assim que fazem as coisas lá em Iowa? Porque certamente

por aqui as coisas não funcionam assim.

Tentando manter a calma, falei:

— Você sabe perfeitamente bem que Zach não gosta de mim, a não ser como

amiga. E ele nunca foi seu namorado. Você tem namorado. O Shawn,

lembra? – Não queria trazer à tona o lance do “amigos com benefícios” na

frente de Petra, por isso só acrescentei: – E Chanelle acha que, desde que

você começou a andar com Gretchen e Lindsey, não se importa com ela.

Você nem parece querer passar algum tempo com ela. Então por que eu não

deveria fazer isso?

— Não me interessa com quem você passa o tempo – disse Tory, cheia de

escárnio. – Só estou imaginando por que alguém passaria tanto tempo com

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um cara que você diz que nem está interessado em você. Como se não

bastasse passar a aula de educação física com ele todos os dias. Ah, não.

Agora ainda vai a um concerto com ele.

Olhei para Petra. Ela ainda estava picando legumes.

— Olha, Tory, se isso vai deixar você chateada, eu ligo para ele dizendo que

não posso ir...

Porque, o que mais eu iria dizer?

Mas Tory pareceu não gostar dessa idéia, também.

— Ah, não. Não deixe de ir por minha causa. Não me importo como você

desperdiça o seu tempo. Ele é seu. Imagina só, ir a um concerto de música

clássica com Zach Rosen. O que me importa? Quando acabar, talvez vocês

possam fazer um passeio pelo Central Park, já que parecem gostar tanto

disso. Não seria divertido? Diversão boa e limpa. Porque Deus sabe que a

prima Jean de Iowa nunca faria nada ruim. A não ser matar a educação

física, claro.

Olhei para Petra, que havia desistido de fingir que não estava escutando.

Tinha se virado da tábua de picar e ouvia totalmente, o olhar focalizado em

Tory, a expressão indecifrável.

— Imagino o que o professor Winthrop diria se descobrisse o que vocês dois

estão aprontando – disse Tory, num tom pensativo. – Você e o Zach. Juntos

todos os dias na educação física. Você sabe, o professor Winthrop não

suporta quando as pessoas matam a aula dele.

Engoli em seco.

— Isso é uma ameaça, Tory?

Tory gargalhou. Havia tirado o uniforme da escola e posto outra de suas

minissaias pretas. Esta parecia feita de couro.

— Não. Isso é, imagino se Zach iria continuar sendo seu amiguinho se por

acaso eu mencionasse que aquele livro que você comprou na Encantos não

era para sua irmã, afinal de contas, e sim para seu uso pessoal...

— Torrance – chamou Petra.

Tory estivera andando lentamente na minha direção enquanto falava. Neste

momento, ela se virou, impaciente.

— O que é? – Tory praticamente gritou para Petra.

Mas Petra estava perfeitamente calma enquanto dizia:

— Sua mãe ligou do escritório hoje. Disse que seu orientador entrou em

contato com ela, no trabalho. Sua mãe quer que eu garanta que você estará

em casa hoje na hora do jantar, para que ela e seu pai possam conversar

com você. Acho que você sabe qual é o assunto. Então, por favor, fique em

casa esta noite, certo?

Tory não disse nada. Em vez disso, lançou um olhar de puro ódio na minha

direção. O olhar dizia claramente demais: Você fez isso, não fez?

Balancei a cabeça. Claro que não tinha feito! O que quer que fosse, Tory

havia provocado sozinha.

Mas era muito tarde. Tarde demais.

Tory soltou um riso que não tinha nenhum humor.

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— Está certo. É guerra, Jinx.

Em seguida se virou e saiu correndo da cozinha. Alguns segundos depois

ouvimos a porta da frente bater, com força suficiente para chacoalhar as

janelas.

Foi Petra que rompeu o silêncio em seguida.

— Escute, Jinx. Vá à tal coisa, a coisa do violino. Vá com o Zach.

Balancei a cabeça.

— Não, Petra. Não vale a pena, se ela vai ficar tão chateada. Está tudo bem,

de verdade.

De que adiantava? Tory só iria contar ao Zach, na primeira oportunidade,

sobre meu passado de fazer feitiços... pelo menos o que ela sabia a respeito,

que, felizmente, não era muito. E ele perceberia que sou tão pirada quanto

ela – talvez até mais – e me largaria como uma batata quente.

— Não, não está tudo bem – Petra levantou a voz pela primeira vez desde

que eu a havia conhecido. Pelo menos para mim. Espantada, olhei para ela. –

Tem alguma coisa errada nesta casa, eu sei. E estou dizendo: o que há de

errado nesta casa é aquela ali. – Petra apontou com a faca na direção da

porta por onde Tory havia acabado de sair. – Não é justo ela dizer isso a

você, que você não pode ver o Zachary. Ele não pertence a ela. Ele nunca fez

nenhuma promessa a Tory. Saia com ele.

— Não vale a pena, Petra. Só vai deixar Tory com raiva.

— Ela já está com raiva. – Petra se virou de novo para as cenouras. – Deixe

que eu cuido da raiva dela. Estou acostumada.

Não pude deixar de sorrir um pouco diante das costas fortes e esguias de

Petra. Ela não fazia idéia do que estava falando. Era realmente engraçado, se

a gente pensasse bem.

— E o que ela quis dizer com aquilo? – a au pair se virou de novo. – O que

ela falou sobre uma guerra?

— Nada. – Levantei a mão e toquei o pentagrama pendurado no pescoço.

Pelo jeito, eu precisaria da sorte que ele deveria me trazer mais cedo do que

esperava.

Capítulo 12,

Começou no dia seguinte.

Eu soube disso quando me aproximei do meu armário da escola, antes

mesmo do início da primeira aula. Parei de repente, com o trânsito no

corredor me rodeando, as pessoas me lançando olhares irritados enquanto

tentavam passar.

Não houvera sinal de Tory naquela manhã, e, tendo notado a tensão no rosto

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de tia Evelyn à mesa do café (aparentemente a pequena reunião que ela e o

tio Ted haviam tido com Tory na véspera, quando esta finalmente apareceu,

não havia ocorrido bem), não esperei por ela e simplesmente fui para a

escola sozinha.

Zach, com quem eu havia esbarrado no caminho da escola, olhou o corredor

ao redor e perguntou:

— O que é?

— Olha – apontei.

Os corredores da escola Chapman geralmente são apinhados. A escola

elitista, cujos formandos costumam ir para faculdades importantes, estava

passando por uma fase de popularidade que resultava em salas quase

atulhadas e corredores por onde mal dava para passar. Mas, naquele dia,

estava ainda pior.

Então percebi que a multidão não era composta pelo pessoal que eu via

normalmente do lado de fora das salas esperando o sinal tocar, mas também

professores e até alguns administradores da diretoria. Todos estavam

parados, olhando para um ponto... e aquele ponto, eu sabia, mesmo a cem

metros de distância, era o meu armário.

Com um sentimento crescente de pavor, para não mencionar a ressurreição

do nó no estômago, abri caminho passando por dois jogadores de lacrosse

que estavam bloqueando minha visão, e parei. Ali, pendurado por um

cadarço de sapato preso na abertura de ventilação na parte superior do meu

armário, estava um rato morto. Algum tipo de líquido – não era sangue –

pingava da cavidade onde a cabeça do rato deveria estar, formando uma

poça rosada no piso de ladrilhos diante do meu armário.

Zach se espremeu pela multidão atrás de mim e congelou. Senti a respiração

quente dele na minha nuca, enquanto ele sussurrava...

— Cacet...

Um zelador estava desamarrando cuidadosamente o rato, com um saco

plástico embaixo, para receber o corpo, que caiu, com um som fraco e

nojento. Vários estudantes gemeram.

— Esse armário é seu, senhorita? – perguntou uma administradora de nariz

afilado.

Eu não conseguia afastar o olhar da poça cor-de-rosa na frente da porta do

meu armário.

— Sim, senhora – respondi.

— Tem alguma idéia de quem poderia ter feito isso?

Levantei o olhar da poça, mas em vez de fixá-lo no rosto da mulher,

examinei a multidão, procurando uma pessoa em particular. Finalmente notei

Tory pressionada contra os ombros dos jogadores de lacrosse, espiando

entre eles, com um sorriso de triunfo grudado no rosto.

Desviei o olhar e disse à administradora.

— Não, senhora. Não tenho idéia de quem poderia ter feito isso.

Passei o resto do dia numa espécie de névoa. Ficava me perguntando: o que

Tory achava que estava fazendo? Roubando um rato de dissecação do

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laboratório de biologia – por que era de lá, pelo que fiquei sabendo, que o

rato tinha vindo. O líquido que pingava do pescoço aberto era formol – cortar

a cabeça do bicho e pendurá-lo aberto do lado de fora do armário de alguém

não era bruxaria, nem preta nem branca. Não era magia. Era apenas doença.

Era assim que Tory pretendia me castigar por tê-la amarrado para não fazer

magia? Mostrando como ela poderia ser poderosa mesmo sem fazer feitiços?

Bom, estava dando certo. Eu estava apavorada – não por causa do rato, mas

por causa do que ele representava. Se alguém podia fazer isso com um rato

– mesmo um rato já morto – quem saberia o que faria com um gato... ou

uma au pair inocente.

— Sei que foi a Tory – informou Zach em tom casual, na aula de educação

física. – E está na hora de alguém fazer alguma coisa sobre isso.

— Por favor, não se envolva – respondi.

Nuvens haviam finalmente chegado sobre Manhattan, e em vez de dar a aula

de educação física embaixo da chuva, o professor Winthrop obrigou os alunos

a jogar queimado no refeitório. Eu havia deixado que a bola me acertasse

imediatamente, e um minuto depois Zach se juntou a mim. Ficamos sentados

com as costas na parede, junto com as outras pessoas que haviam sido

acertadas.

— Já estou envolvido. Qual é, Jean, não sou idiota. Não sei o que está

acontecendo entre vocês duas, mas tenho minhas suspeitas, e não vou

deixar que ela...

— Sério, Zach. – Concentrei-me em amarrar de novo meus tênis, para que

ele não visse como eu estava perto de chorar. – Apenas fique fora disso,

certo?

Ele não pareceu nem um pouco intimidado.

— Por quê? Por que tenho de ficar fora disso? Sou eu quem está provocando,

não sou?

— Não exatamente.

Eu sabia o que precisava fazer, pelo menos com relação ao Zach. Só que

realmente não queria.

Mas que opção eu tinha? Ou contava a verdade... ou Tory contaria a versão

dela. Pelo menos se eu fizesse isso haveria uma chance – uma chance

pequena, admito – de que ele entendesse.

Porque havia muito mais na história do que Tory sabia.

— Há um pouco mais do que – comecei, desajeitada, imaginando como,

afinal, iria fazer com que ele entendesse – a fixação de Tory por você.

Mas, para minha surpresa, ele tornou as coisas muito, muito mais fáceis,

estendendo a mão e tocando o pentagrama pendurado no meu pescoço.

— É essa coisa? Esse lance de bruxa?

Alguma coisa se prendeu na minha garganta. Acho que era o nó do

estômago.

— É – falei depois de tossir. – Naquele dia em que fomos à Encantos, no

Village... eu... eu não contei exatamente a verdade.

— Quer dizer que aquele livro era para você, e não para Courtney? – O olhar

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que ele me lançou era ligeiramente sarcástico. – Eu posso não ter percepção

extra-sensorial como você, Jean. Mas consegui deduzir essa parte sozinho.

— Eu... não tenho percepção extra-sensorial – gaguejei.

— Até parece. Então como você sabia que aquele mensageiro de bicicleta ia

me atropelar? Como sabia o momento exato para me tirar do caminho?

— Isso foi só... isso foi só... – Minha voz ficou no ar. Os olhos verdes de Zach

me hipnotizavam.

— Jean, eu sei que você tem... bem, talentos especiais. Mas você não

acredita mesmo que todo esse negócio de bruxaria funciona, não é? A magia,

os feitiços, a besteirada do vodu. Não acredita, não é?

Afastei o olhar dele com esforço, e o mantive na partida de queimado:

— Eu... acredito, Zach. O negócio é que eu vi coisas... coisas que não

poderiam ser explicadas a não ser pela magia.

— As civilizações antigas usavam o conceito de magia para explicar qualquer

coisa que não pudessem entender... como a doença – rebateu Zach, sério. –

Mas agora nós temos mais informação, por causa da ciência. Só porque não

há outra explicação que a gente conheça, não significa que seja magia.

— Eu sei. Mas isso não nega o fato de que... eu acredito. E, mais importante,

Tory também.

— Bom, isso precisa parar. Não está certo. O que quer que Tory esteja

fazendo... não vou ficar só olhando, como todo mundo nessa escola. Não vou

deixar ela ficar numa boa com isso.

Baixei a cabeça.

— Não. Sério, Zach, não. Tory... ela está realmente furiosa comigo. Não só

por sua causa, mas porque eu não... bem, eu não quero entrar para o coven

dela. Ela vai tentar uma vingança, e um modo de fazer isso pode ser... bem,

ela pode tentar contar coisas a você, sobre mim...

— Que tipo de coisas? – perguntou Zach, um pouco depressa demais.

Minhas bochechas começaram a esquentar, mas mantive o olhar no jogo.

— Coisas sobre eu ser uma bruxa. Não sou, mas, como falei... já andei

mexendo com isso. E ela pode dizer coisas sobre... bem, um cara...

— O cara que estava assediando você – terminou Zach para mim. – É, eu

deduzi. Que tipo de coisas sobre ele?

— Não sei. Qualquer coisa que ela falar sobre ele vai ser mentira, porque ela

não conhece toda a história.

— Qual é toda a história? Jean, o que aconteceu com esse cara? O que ele

fez, para você ter de fugir para o outro lado do país?

Lancei-lhe um olhar espantado.

— Ele não fez nada comigo. Não foi nem um pouco assim. mas é isso que eu

quero dizer. Ela pode tentar inventar... nem sei o quê. O negócio, Zach, é

que Tory tem problemas. – Pensei na foto de Petra no fundo da caixa de

areia. – Problemas sérios.

— Eu sei que ela tem problemas. Meu Deus, Jean, ela pendurou um rato sem

cabeça na porta do seu armário. isso não é sinal de alguém que esteja bem.

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Mais motivo ainda para alguém contar aos pais dela.

— Zach, não vai adiantar. Ela simplesmente negaria. E não há prova de que

foi ela...

O som agudo do apito nos interrompeu. O professor Winthrop gritou:

— Rosen! Honeychurch! Isso aqui não é lugar de descanso. Levantem-se!

Fiquei rapidamente de pé.

— Por favor, Zach – pedi, com o estômago enjoado. – Deixe que cuido disso,

certo? Sei que tudo vai ficar bem.

Ele balançou a cabeça.

— Sabe? Tipo você olhou o futuro e viu isso?

Fiz uma careta.

— Bem, não... não exatamente. Mas as coisas não podem piorar, podem?

Capítulo 13

E pelo resto da semana as coisas não pioraram, afinal. Nada de ruim

aconteceu. Tory estava sendo mantida bem ocupada pelos pais, que

finalmente haviam sido alertados para o fato de que ela estava se dando mal

em quase todas as mmatérias, o que se devia ao fato de que não tinha feito

nenhum dever de casa durante todo o semestre. Como poderia? Ela saía

quase toda noite com Gretchen e Lindsey, brincando de ser bruxa.

Mas minha tia e meu tio finalmente puseram um ponto final nisso,

cancelando todos os compromissos socias de Tory, ficando em casa para

supervisionar suas idas vindas e contratando uma professora particular, com

quem ela era obrigada a se encontrar seis dias por semana, inclusive nas

manhãs de sábado. Tory relutou tremendamente, mas os pais não

recusaram.

Pessoalmente achei que isso era um sinal bastante bom de que as coisas

poderiam se acalmar.

Mas Zach tinha dúvidas.

— Já vi isso acontecer antes — ele deu de ombros quando lhe contei.— Sua

tia e seu tio chamam a atenção dela por causa das notas durante um tempo,

fazem com que ela se consulte mais regularmente com o terapeuta, e coisa e

tal. Depois ela faz alguma cena dramática para eles se sentirem culpados, e

eles se recuam.

Achei isso difícil de acreditar, mas Zach, que ainda que ainda queria contar a

tia Evelyn e tio Ted sobre o rato, só que eu não deixava, disse apenas:

— Espere só. Você vai ver.

Esperei, pensando que ele estaria errado. Tia Evelyn continuou vigilante pelo

resto da semana, verificando com os professores de Tory para saber quais

eram os deveres de casa, e tio Ted os repassava com a filha toda noite,

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mesmo depois da aula particular. A não ser pelos olhares feios que me

lançava regularmente, Tory me deixou em paz... e eu não achava que fosse

por causa do pentagrama que eu estava usando como proteção. E deixou

Petra em paz, também. Seria por causa do feitiço de amarração ?

Ou será que Tory havia realmente virado a página?

— Acho que ela está melhor — falei ao Zach, jantando num barulhento

restaurante italiano na noite em que fomos assistir Nigel Kennedy. — Ela não

tem tempo de pensar em modos de torturar as pessoas. Está ocupada

demais se atualizando com o dever de geometria.

— Bem, talvez ela não tenha pendurado nenhum animal morto no seu

armário, mas isso não significa que não planeje fazer alguma coisa pior.

Aquela garota está com idéia fixa em você, Jean.

Mas, risonha de alegria por estar saindo com Zach, mesmo que tenhamos

passado boa parte do jantar falando da visita iminente de Willem e qual seria

o impacto disso na campanha de Zach para ganhar o coração da mulher de

seus sonhos, eu não podia exatamente compartilhar o mal-humor dele com

relação a Tory.

E no fim do concerto, ele estava sorrindo tanto quanto eu... ainda que

provavelmente mais por achar divertida a força com que eu aplaudia do que

qualquer outra coisa. Só quando estávamos caminhando para a casa, depois

disse decidirmos andar para curtir o ar quente da noite, aconteceu alguma

coisa para atrapalhar meu ânimo.

— Não foi o concerto mais chato que já vi. — Zach estava tentando me

tranqüilizar.

— Então porque seus olhos ficaram fechados na maior parte do tempo?

— Eu estava descansando os olhos. Com toda a sinceridade. Sério mesmo,

não tenho nada contra música clássica. Mas jazz? Não me chame para ouvir

jazz. Principalmente... como é que chamam? Free jazz. Já tentou bater o pé

acompanhando o ritmo do free jazz? É, não rola. O que gosto mesmo é de

blues. Tem um lugar fantástico onde toca blues, na zona sul de Manhattan...

a gente poderia ir lá no fim de semana que vem. Primeiro tenho de arranjar

um documento de identidade falso para você, porque só deixam entrar quem

tem mais de 21 anos.

— Seria fantástico.

— Na verdade, é melhor no outro final de semana, sem ser o próximo. No

próximo vai ser o baile da primavera. Sabe, o baile formal. Não sei se você

quer ir, é bem idiota. Mas eu nunca fui, por isso pensei... bem... será que

você não gostaria? De ir comigo? Ao baile?Estritamente como amigos, claro.

Meu sorriso parecia capaz de partir a minha cabeça ao meio. É verdade que

Zach estava apaixonado por outra garota. Mas ele tinha me convidado para o

baile, e não ela.

Era bom de mais para ser verdade. Não podia estar acontecendo comigo,

Jean Honeychurch. Isso tinha de estar acontecendo com outra garota.

— Tudo bem — respondi com o coração parecendo a ponto de explodir. —

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Parece que pode ser divertido...

Então viramos a esquina da rua Sessenta e Nove Leste.

E pude ver a ambulância parada na frente da casa dos Gardiner, as luzes

vermelhas piscando e se refletindo nas janelas escuras de todos os prédios

baixos ao redor.

— Não deve ser nada — gritou Zach atrás de mim, enquanto eu começava a

correr.

Mas era. Chegamos lá no momento em que os paramédicos surgiram

trazendo Tory numa maca. Vi logo de cara que ela estava consciente, até

mesmo olhando ao redor. Quando seu olhar pousou em mim e Zach, seus

olhos, dramaticamente maquiados como sempre, se estreitaram, perigosos.

E logo estavam colocando-a na ambulância e não pude ver mais, porque

tinham fechado as portas.

Corri até a escada e quase trombei com Petra, que estava parada no hall,

revirando uma pilha de cartões de créditos enquanto um policial esperava.

— Ah, Jean — gritou ela, com o rosto bonito manchado de lágrimas. — Ah,

Jean, graças a Deus você está em casa. Pode ficar aqui com as crianças

enquanto eu vou com a Torrance? Os pais dela... tinham um evento

beneficente para ir. Não estão aqui. Ela estava tão melhor que eles acharam

que podiam dar uma saída...

— Claro — respondi. Foi Zach, que havia corrido atrás de mim, que

perguntou a Petra. — O que aconteceu?

— Foi minha culpa — disse Petra en quanto ainda procurava algo na pilha de

cartões de crédito. — Eu deveria dar uma olhada nela às seis horas, mas

estava ocupada demais ajudando Jean a se preparar para sair...

Lancei um olhar culpado na direção de Zach. Petra havia passado quase uma

hora me ajudando a me vestir para o encontro com Zach, em vez de verificar

Tory, que deveria estar estudando no quarto.

— Se eu tivesse olhado naquela hora — a voz de Petra estava embargada —

teria, descoberto mais cedo. Mas com o negócio de ajudar você, depois o

Zach chegando, depois preparando o jantar das crianças, depois o banho

delas, a história para dormir... simplesmente esqueci. Ela estava tão quieta

que nem lembrei de que estava em casa. Quando é que ela esteve em casa

numa noite de sábado? Ah! — Petra se virou para o policial. — Não consigo

achar!

— Tudo bem, moça — o policial acalmou-a. — Leve todos, e você poderá

procurar a caminho do hospital.

— O cartão do seguro — explicou Petra enquanto saía pela porta. — Não

consigo achar. Nem tive chance de ligar para o senhor e a senhora Gardiner.

Pode ligar para eles, Jean? Diga que estamos no... — Ela lançou um olhar

interrogativo para o policia.

— Cabrini — o homem informou.

— Hospital Cabrini — repetiu Petra, enquanto descia os degraus da frente em

direção à ambulância que esperava. — Pode dizer para eles me encontrarem

lá, Jean? Diga que Torrance...

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— Torrance o quê? — perguntei com a voz falhando.

— Tentou se matar — gritou Petra, segurando o minúsculo saco plástico em

que Shawn havia entregado o Valium de Tory. — Overdose.

— Ah — olhei do saco plástico para Petra, depois para o policial e de volta

para o saquinho. — Na verdade, se os comprimidos estavam nesse saco,

eram só aspirina infantil.

Capítulo 14

O que mais eu deveria fazer ?

Não podia simplesmente deixar minha prima andar por aí tomando drogas.

Não se houvesse algo que eu pudesse fazer para impedir.

Assim, numa noite, encontrei o depósito secreto quando ela não estava em

casa (não foi tão difícil; ela havia escondido os comprimidos desntro do

porta-jóias), depois revirei a farmácia da rua até encontrar comprimidos de

aparência semelhante, mas inofensivos, que eu poderia substituir pelos de

verdade — que então joguei no vaso e dei descarga.

— Quando ela chegar em casa — observou Zach, por cima de sua Coca — vai

matar você.

— Tory ia me matar mesmo antes disso — falei em tom sombrio. — Isso só

vai intensificar a decisão dela.

— Você sabe que ela não pretendia se matar de verdade. — Zach levou a

lata de refrigerante aos lábios e tomou um longo gole.

— Não pretendia? Zach, claro que pretendia. Você não toma uma overdose

de Valium por acidente. Isso é loucura!

— Hã. — Zach enfiou a mão no saco de batatas fritas que alguém havia

deixado aberto na mesa da cozinha e pegou um punhado. — Loucura nada.

Valium é a única droga com a qual é bem difícil de se matar. E a noção de

tempo dela foi impecável, para o caso de você não ter notado.

Arrasada na cadeira em que Alice geralmente se sentava no café-da-manhã,

olhei atônita para Zach.

— A noção de tempo? O que você está falando?

— Ela sabia que eu e você íamos sair esta noite, não é?

Mordi o lábio, lembrando-me do confronto na cozinha.

— Bem, sabia.

— Foi o que pensei. Então deve ter tomado os comprimidos na hora do

jantar. Bem antes de eu vir pegar você. Se Petra tivesse verificado, como

deveria, teria encontrado Tory esparramada no chão e sua idazinha ao teatro

— ele mordeu ruidosamente uma batata — teria sido adiada indefinidamente.

Olhei por cima da mesa da cozinha.

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— Você não pode estar falando sério. Está dizendo que Tory não tentou se

matar, que tomou um punhado de comprimidos só para me impedir de sair

com você?

Ele deu de ombros e engoliu a batata com u bocado de refrigerante.

— Não um punhado. Dois. Foi quantos ela disse aos paramédicos que havia

tomado. Tory sabe que dois Valium não fazem nada. É só um show. Um show

grade e inconveniente. Ela não fez nada contra si própria. Felizmente para

nós, desta vez, você trocou o Valium por aspirinas infantil. E então Petra fez

besteira e só encontrou Tory depois de termos saído.

— Ah, Zach — suspirei. — A coitada da Petra achou que era culpa dela, mas

não é. É minha.

Zach bateu seu refrigerante na mesa.

— Corta essa — ele fez uma careta.

Mas era fácil para Zach dizer "corta essa". Para mim não era nada disso.

Afinal de contas, Tory havia confiado em mim, mostrando o boneco que tinha

feito. E como eu havia retribuído? Saindo com Zach. Claro, Zach não gostava

de mim, pelo menos não como eu gostava dele. Éramos apenas amigos.

Mas ele e Tory eram só amigos, e ele não ia a concertos com ela. Claro que

ela ficou com ciúme. Claro que havia agido movida por esse ciúme.

E agora ele tinha me convidado para acompanhá-lo no baile. Se ela havia

tentado se matar — ou, se o Zach estivesse certo, fingindo uma tentativa de

suicídio — só porque nós tínhamos ido a um concerto juntos, o que faria

quando soubesse que ele havia me convidado para o baile da primavera?

Eu não sabia. Mas tinha certeza de que não queria descobrir.

Foi nesse momento que o telefone tocou. Antes do segundo toque, eu estava

de pé, saindo de trás da mesa e pegando o aparelho.

— Sou eu — disse tia Evelyn. — Estamos aqui no hospital com a Tory. Vamos

chegar logo em casa. Ela vai ficar bem graças a você.

Soltei um enorme suspiro de alívio.

— Graças a Deus.

Levantei o polegar para Zach. Ele murmurou:

— Eu não disse?

— Como estão as crianças? — perguntou tia Evelyn.

— Dormindo.

Alice, felizmente nem chegou a acordar. Teddy ouviu a agitação e desceu,

mas Zach o convenceu a voltar para a cama prometendo um jogo de bola no

quintal, no dia seguinte.

— Ótimo. Bem, parece que vão dar alta logo. Não tiveram de fazer lavagem

estomacal, assim que souberam que era...bem, o que você disse. Mal pude

acreditar quando me contaram. Não sei como ela conseguiu arranjar Valium.

Como você soube, Jean?

— Soube o quê?

— Que ela estava com aqueles comprimidos?

Engoli em seco.

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— Eu... só encontrei...

— E não contou a gente? — Tia Evelyn pareceu realmente desapontada

comigo. — Estou muito grata pelo que fez, Jean, mas mesmo assim deveria

ter nos contado. Tory está... ah, aí vem um médico. Não espere por nós,

Jean. Vamos conversar de amanhã. Obrigada por vigiar aas crianças.

— Ah, não tem pro...

Mas tia Evelyn já havia desligado.

Pus o telefone no gancho, depois me virei para Zach. Sentia como se fosse

vomitar. Mas não tinha opção.

Tory havia pensando em tudo.

— E então? — Zach estava me olhando com aqueles intensos olhos verdes.

— Ela está legal, não é? Eu disse.

— Ela está bem — engoli em seco. — Zach. Não posso ir ao baile com você.

— Falei depressa. E com firmeza.

Zach só continuou me olhando.

— É isso que ela quer, você sabe. Foi por isso que fez.

— Mesmo assim — lembrei-me de como a voz da tia Evelyn pareceu sofrida

ao telefone. — Não posso ir. Sinto muito.

Zach revirou os olhos.

— Pára de se culpar. Nada disso é sua culpa.

— É minha culpa, também! Por isso não posso ir com você. Não seria certo. É

melhor você convidar outra pessoa.

Zach pareceu com raiva.

— Não quero convidar mais ninguém. Se não posso ir com a garota que eu

quero, não vou com ninguém.

— Por quê? — perguntei acalorada. — é Petra que você quer. mas ia comigo.

Então que diferença faz?

— Sabe de uma coisa? — ele soltou um riso súbito. E sem humor. — Você

está certa. Não faz diferença nenhuma. Vou para casa agora mesmo. Vejo

você amanhã.

E então foi embora.

Fiquei sozinha na cozinha dos Gardiner. O que tornou fácil fazer o que fiz em

seguida: me sentar e abrir o berreiro durante uns bons dez minutos. E não

estava chorando só por mim ou porque tinha perdido o Zach — não que ele

fosse meu pra começar.

Não. Eu estava chorando por Tory, e por Petra, e por todas as pessoas que a

minha magia — seria mágica ou simplesmente azar? — havia ferido.

Parando para pensar, o que Tory havia feito consigo mesma não era, no

fundo, resultado direto de meu feitiço de amarração? Eu a havia amarrado

para não fazer mal aos outros...

... mas não para não fazer mal a si mesma.

Esse fato me machucou ainda mais quando ela finalmente chegou em casa e

a vi ali com eles — com os pais e Petra — no hall quando corri para recebê-

los. Tory estava pálida e parecia mais magra do que nunca.

Mas mesmo pálida, não havia nada de fraco no modo como lançou um olhar,

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que sem dúvida era de pura maldade, por cima do ombro quando parou de

subir a escada depois de ouvir minha voz quando falei:

— Ah, vocês chegaram.

— Ah, Jean — disse tia Evelyn, enquanto tiravam o casaco de noite. — Ainda

está acordada? Não precisava esperar. É tarde.

— Fiquei preocupada demais para dormir.

— Bom, não precisa mais se preocupar — o tio Ted olhou para Tory na

escada. — Ela está bem. Graças a você.

Ao ouvir isso, o rosto de Tory perdeu um pouco de palidez e assumiu uma

espécie de vermelho manchado. Depois olhando pra mim, cuspiu:

— Vou pegar você por isso, nem que seja a última coisa que eu faça, Jinx!

— Tory! — o tio Ted ficou pasmo. — Sua prima pode ter salvado sua vida

hoje. A coisa adequada seria agradecer a ela.

— Ah, vou agradecer, sem dúvida — Tory soltou um riso de desprezo. —

Tenho um agradecimento muito especial que estive guardando só para a

Jinx.

— Torrance! — a voz de tia Evelyn saiu tão dura que poderia ter cortado o

vidro. — Vá para o seu quarto. Vamos discutir isso de manhã.Com seu

terapeuta.

Tory me lançou um último olhar funesto e depois subiu correndo a escada.

Quando a porta havia batido, Petra que estivera parada em silêncio junto da

porta que dava na sala de estar, disse:

— Bom, estou cansada. Se não for problemas para vocês, acho que vou

dormir.

— Claro, Petra — respondeu tia Evelyn num tom completamente diferente. —

Muito obrigada por tudo o que fez esta noite.

— Sem problema — respondeu Petra. — Fico feliz porque... bem. Fico feliz.

Boa noite.

Ela desapareceu pela porta que dava em seu aconchegante apartamento do

porão. Assim que ela sumiu, virei-me para tia Evelyn e tio TED.

Era hora. Eu havia feito com Zach. Agora era a vez deles.

Não queria. Mas não tinha escolha.

— Sei que vocês dois estão cansados e provavelmente querem ir para a

cama. Mas só queria dizer como lamento não ter contado sobre as drogas.

Quero dizer, que eu sabia que Tory tinha. E... e... — acrescentei essa última

parte rapidamente, tendo ensaiado praticamente sem parar, na cabeça,

desde que tinha visto Tory ser carregada para fora da casa naquela maca. —

E se quiserem me mandar para casa, entendo completamente.

Tia Evelyn e tio Ted me olharam como se eu tivesse sugerido que me

degolassem.

— Mandar você para casa? — ecoou tio Ted. — Por que faríamos isso?

— Ah, Jean, querida. — Cheirando a um perfume exótico como sempre, e

linda num vestido longo e preto, tia Evelyn passou o braço em volta de mim.

— O que aconteceu esta noite não é sua culpa. Tory anda tendo...

dificuldades... já há algum tempo. Desculpe ter sido rude com você ao

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telefone. Eu só estava perturbada. Mas não culpamos você. De jeito nenhum.

— Mas — como eu poderia explicar isso sem fazer Tory me odiar (não que

ela já não odiasse) para sempre se descobrisse? — É só que... bem, esse

negócio com o Zach...

O rosto bonito de tia Evelyn endureceu e ela afastou o braço de mim. Mas

não, como pensei a princípio, porque estava com raiva de mim.

— É disso que se trata? — perguntou ela. — Nós estávamos imaginando.

Tory tem um fixação por ele há um bom tempo. É uma infelicidade ele não

corresponder ao sentimento, mas eu expliquei a ela... que a vida é assim.

Não é sua culpa se ele escolheu você e não ela.

Fiquei vermelha até a raiz dos cabelos.

— AAh, não — falei, horrorizada. — Zach e eu... não estamos namorando.

Somos só amigos. Não sei porque Tory acha que é algo além disso.

Tia Evelyn levantou as sobrancelhas.

— Verdade? — perguntou. — Bem, porque ele sempre parece estar...

Mas ela não terminou porque o tio Ted interrompeu;

— Espere. Não estou acompanhando. Achei que Tory havia superado o

negócio com o Zach. E o tal de Shawn?

— Acho que são só amigos — disse tia Evelyn.

É. Amigos com benefícios.

— O negócio — senti que, de algum modo, o objetivo do meu discurso havia

se perdido — é que acho que o fato de eu ser amiga de Zach foi que levou

Tory a fazer o que fez. De modo que, se eu fosse para casa...

— Você ainda não pode voltar para Hancock, Jean — tia Evelyn pareceu

perturbada. — Ted e eu adoramos ter você aqui. E Teddy e Alice veneram

você. Petra só consegue dizer coisas boas a seu respeito. Até Marta diz que

você é um sopro de ar puro na casa. Você se tornou tão necessária aqui que

nem sei o que faríamos sem a sua presença.

— E — acrescentou tio Ted — francamente, acho que sua estada aqui tem

sido boa para Tory. Sei que esta noite foi ruim. Mas imagine como poderia

ter sido pior, se você não tivesse... bem, feito o que fez.

Você é um bom exemplo para ela, Jean concordou tia Evelyn. — Você tem os

pés plantados com muita firmeza no chão. Devo admitir, Jean, que eu

realmente esperava que um pouco da sua boa influência passasse para Tory.

Mordi o lábio inferior. Bom exemplo? Eles esperavam que um pouco da

minha boa influência passasse para Tory?

Meu Deus, não era de espantar que ela me odiasse tanto!

Eu me odiava, ouvindo como eles me descreviam.

Mas a verdade é que eu não queria ir embora. Mesmo que tia Evelyn tivesse

errado totalmente o alvo com seu comentário sobre "pés plantados com

muita firmeza no chão". Ela claramente não fazia idéia de para onde eu ia

amanhã — um lugar onde eu sabia que, agora que ia ficar na casa, não tinha

opção a não ser ir.

E eu não iria lhe contar.

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— Certo — concordei. — Eu fico.

Afinal de contas, qual era a pior coisa que poderia acontecer? Nada tão ruim

quanto o que havia acontecido em Hancock.

Pelo menos foi o que eu pensei naquele momento.

Capítulo 15:

Os sininhos da porta da loja tocaram quando entrei. A mulher atrás do

balcão levantou o olhar do livro que estava lendo e disse:

— Abençoada...

Então me reconheceu e seu rosto se abriu num sorriso.

— Ah, é você – disse com gentileza. – Como vai, irmã?

Fui para perto do balcão, hesitando. Desta vez, eu tinha vindo sozinha, me

virando no sistema de transportes de Nova York sem a ajuda de Zach. Havia

sido apavorante pegar o metrô sozinha, em especial quando os vagões

chegavam trovejando na estação, rugindo tão alto que eu não conseguia

ouvir mais nada.

Mas eu tinha conseguido. E agora estava na loja da Rua Nove, sentindo que

era idiotice ter vindo. A magia não poderia me ajudar.

Nem esta mulher

Ninguém poderia me ajudar.

A mulher pousou o livro. Olhei a capa. Não era um livro sobre bruxaria, como

eu poderia ter esperado, e sim um simples romance de ficção científica.

— O que é, querida? – perguntou a mulher com voz simpática.

Olhei ao redor. A não ser pela gata, que estava deitada numa pilha de livros

num canto, tomando banho, concentrada, não havia mais ninguém na loja.

Engoli em seco. Estava me sentindo ridícula. No entanto...

— Alguém que eu conheço está fazendo um feitiço – falei rapidamente. Afinal

de contas... que mal faria? Talvez até ajudasse. – Só sei que um dos

ingredientes é um tipo de fungo que cresce em lápides, e... ah... a pessoa

que vai fazer o feitiço tem de colher os fungos à meia-noite sob uma lua

crescente. Fiquei pensando se você teria alguma idéia do tipo de feitiço que

poderia ser.

A mulher, que parecia ter trinta e poucos anos, com pele perfeita e cabelos

compridos e escuros, franziu a testa, pensativa. Fiquei preocupada com a

hipótese de ela fazer um discurso sobre como a prática da bruxaria tinha

realmente a ver com ganhar força, e que os feitiços eram apenas o modo de

a bruxa focalizar a energia para resolver alguns problemas. Mas, em vez

disso, a mulher falou:

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— Bem, a lua crescente é quando está ficando cheia, de modo que um feitiço

feito nesse período indica algum tipo de crescimento. É um bom tempo para

novos começos.

— Então... poderia ser um feitiço bom? – Fiquei animada. – Quero dizer,

novos começos são bons, não é?

— Nem sempre. – A vendedora me olhou com simpatia. – Essa pessoa está

com raiva, por acaso?

Engoli em seco de novo. Tenho um agradecimento muito especial que estive

guardando só para a Jinx.

— Está.

Ela assentiu:

— Isso significa problema, então. Mas nada que você não possa resolver.

Olhei-a boquiaberta.

— Eu? Dificilmente.

A mulher pareceu achar divertido.

— Só de olhar, posso dizer que você é uma bruxa nata... e poderosa, pelo

que sinto.

Balancei a cabeça de modo que os cachos bateram nas bochechas.

— Não. Não, você não entende. Qualquer poder que eu tenha... é ruim. Tudo

que eu toco dá problema. Por isso me chamam de Jinx.

A mulher sorriu, mas ao mesmo tempo balançou a cabeça.

— Você não é azarada. Mas sinto... perdoe-me por dizer, mas sinto que você

tem medo dele. Do seu poder.

Não pude deixar de encará-la. Como é que ela...

Ah. Certo. Ela era uma bruxa.

— Fiz um feitiço uma vez – contei, com a garganta subitamente muito seca.

– Meu primeiro feitiço. Meu único feitiço, na verdade, a não ser um feitiço de

amarração. Esse feitiço, o primeiro... deu errado. Muito, muito errado.

— Ah. – Ela assentiu, como se soubesse das coisas. – Agora entendo. Esse

poder que você descobriu a deixou amedrontada. Talvez seja isso que esteja

provocando seu suposto azar. Você mesma está provocando-o, através do

medo.

O quê? Eu estava causando meu azar? Impossível. Por que eu faria isso?

— Compreendo como deve ser para você – continuou ela, com simpatia. – E

está certa em ser cautelosa. Um poder tão forte quanto o seu... é realmente

muita responsabilidade. Você nunca deveria usá-lo de modo leviano. E

nunca, como tenho certeza de que aprendeu, para manipular a vontade de

outra pessoa. Porque pode dar errado... muito errado, como parece ter

acontecido com seu primeiro feitiço. Mas isso não significa que deva ter

medo dele. Ter cuidado, sim. Medo, não. Porque seu poder, seu dom, faz

parte de você. Uma parte boa, e não má. Ao não abraçá-lo, você está

negando parte de si mesma. É como dizer que não gosta de si mesma. E isso

é errado. Sem dúvida você pode ver que é isso que está acontecendo,

porque tem uma espécie de... bem, como você diz, azar, não é isso o que

jinx significa?

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Peguei-me confirmando com a cabeça. Não confiava em minha capacidade de

falar.

— A magia que você possui – continuou a mulher, com gentileza – é muito

antiga e muito forte. Acho que a pessoa que está fazendo esse feitiço contra

você, o dos cogumelos, não tem a mínima idéia do que está enfrentando.

Você irá derrotá-la... mas, para isso, precisa abraçar aquilo que você teme.

Abraçar o que eu temia? Ela só podia estar brincando. Quero dizer, era fácil

para ela falar. Talvez se ela ficasse no meu lugar durante um dia, só um dia,

veria que não havia nada para abraçar... só coisas das quais fugir, gritando.

Ratos sem cabeça, ciclistas descontrolados, bonecos com alfinetes na cabeça

e...

A mulher sorriu para mim.

— Você não acredita. Estou vendo. E não me importo. Mas esse seu feitiço de

amarração... funcionou?

Pensei em Petra... em Willem ganhando aquela viagem à Nova York e ela

tirando dez em gliconutrição.

— F... funcionou – hesitei. – Na verdade parece ter dado certo. Até agora.

— Na hora você não teve medo do seu poder, não é?

— Não. Eu estava com raiva.

— Está vendo? A raiva pode ser saudável. Quando chegar a hora, e ela vai

chegar, lembre-se disso. E do que eu disse. Abrace seus poderes, ame-se da

maneira que a Natureza lhe fez, e você vencerá. Sempre.

Eu queria acreditar nela. Mas como poderia abraçar uma coisa que, durante

toda a vida, vinha simplesmente estragando tudo para mim? Impossível.

Mesmo assim, para ser educada, sorri.

— Ah –falei. – O negócio é que não estou preocupada comigo. Estou mais

preocupada com... com um amigo. – Não queria admitir em voz alta que

tinha medo de Tory fazer alguma coisa para prejudicar o Zach. Não de

propósito, claro, mas não conseguia afastar a imagem daquele boneco com o

alfinete na cabeça. Sabia, bem demais, como um feitiço podia se virar contra

o feiticeiro e acabar prejudicando a única pessoa que ele jamais pretendia

ferir. – Fico preocupada com a hipótese de essa... pessoa... que está fazendo

o feitiço com os cogumelos, tentar fazer alguma coisa com ele. Esperava que

você tivesse aqui alguma coisa que pudesse protegê-lo... sem que ele

percebesse, se possível.

— Ele não acredita? – perguntou a mulher, com um sorriso torto.

— Ah... não exatamente.

Os olhos azuis da mulher se franziram.

— Sei. Bem, na verdade...

E então a mulher – que, como percebi naquele momento, era realmente uma

bruxa sincera e praticante, mesmo que não estivesse usando sequer um fio

de linha preta, só uma camiseta Wonder Bread e jeans – desceu do banco e

saiu de trás do balcão.

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— Um pouco de casca de limão em pó – ela foi até a parede mais distante da

loja, que era forrada de prateleiras onde havia aquele tipo de vidros com

tampa de metal que deve ser erguida para que se possa pegar o que estiver

dentro, como numa antiquada loja de doces. – Isso é para limpeza. – Em

seguida, ela levantou uma tampa e pegou com uma colher um pouco de pó

amarelo e pôs num saquinho de pano. – Depois, um pouco de gengibre, para

dar energia. – Acrescentou no saquinho algumas lascas de uma raiz. –

Cravo, para proteção, claro... – Alguns pauzinhos foram para dentro do saco.

– E não vamos esquecer um pouco de alecrim. – Ela se virou e piscou na

minha direção. – Para o amor, por mais impossível que possa parecer no

momento. Pronto. – Ela torceu a boca d saquinho e depois amarrou-o com

um pedaço de fita amarela. – Com sorte, qualquer feitiço feito contra essa

pessoa – ela me entregou um saquinho – vai ricochetear sem causar dano

algum e bater de volta em quem o lançou, enquanto ele carregar isso.

Com sorte. Engoli em seco e peguei o saquinho.

— Tipo aquele ditado popular? “Deus te dê em dobro tudo que me

desejares”?

A mulher riu de novo, os olhos azuis se franzindo nos cantos.

— Exatamente assim.

Abri minha mochila e coloquei o sache perfumado lá dentro, imaginando

como, afinal, eu iria colocá-lo no Zach sem que ele soubesse... especialmente

considerando o fato de que ele não parecia estar falando comigo no

momento.

— Bem, muito obrigada.

Mas não conseguia ver como um punhado de ervas secas protegeria alguém

da fúria de Tory.

Por outro lado, uma vez eu havia deixado de ver como um outro feitiço iria

funcionar, e olha onde ele me deixou.

— Quanto devo?

A feiticeira riu.

— Nada! É meu prazer ajudar. Por sinal, meu nome é Lisa.

— Jean – respondi estendendo a mão para apertar a da bruxa. – Mas você

vai acabar indo à falência se ficar me dando coisas. Já me deu isso. – Toquei

o pentagrama no pescoço. – Lembra?

Lisa sorriu.

— Lembro. Use-o e tenha saúde. Volte em alguns dias e conte como estão as

coisas.

Pus a mochila no ombro:

— Está certo. Obrigada.

— E não esqueça – disse Lisa, enquanto eu estava saindo. – Abrace seu dom,

Jean. Nunca tenha medo dele. Ele é parte de quem você é.

Confirmei com a cabeça e saí da loja depois de agradecer mais uma vez.

Havia uma parte minha, claro, que achava aquilo tudo uma idiotice. Abraçar

meu dom? Sem dúvida ela não podia estar falando do dom que a tata-tata-e-

assim-por-diante-tataravó Branwen havia deixado para mim... ou para nós,

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se Tory fosse incluída. O dom sobre o qual Tory havia dito, em tom de

zombaria, que ela não tinha medo de usar, ainda que talvez eu tivesse. O

dom da magia. Como essa mulher poderia saber sobre Branwen, quanto mais

sobre seu dom?

Será que eu tinha algum tipo de poder – verdadeiro – como a mulher parecia

achar?

E será que eu estava realmente provocando minha má-sorte ao temer e não

abraçá-lo?

Só havia um modo de descobrir.

Capítulo 16:

Posso ter azar crônico – possivelmente provocado apenas por minhas

próprias inseguranças –, mas não sou idiota. Não contaria aos pais de Tory

onde ela havia conseguido a droga. Já estava sendo difícil me encaixar na

escola – considerando o rato sem cabeça que apareceu na porta do meu

armário e os boatos sobre o assédio na minha cidade – sem que me

rotulassem de dedo-duro.

De modo que o fato de Shawn ser expulso não teve nada a ver comigo.

Quando, durante o terceiro período da manhã de segunda-feira, correu a

notícia de que os administradores da escola estavam revistando os armários

das pessoas, nem pensei nisso.

Mas desconfiei quando, durante o quarto período (História dos EUA, que por

acaso eu fazia junto com Tory e Shawn, mas Tory não estava na escola na

segunda, porque tinha consultas com o terapeuta e com o médico), o diretor

apareceu na porta da sala e falou com a Sra. Tyler:

— Posso falar com Shawn Kettering, por favor?

Até eu soube que não era bom sinal.

Então, no almoço, correu a notícia de que ele havia ido embora. Expulso.

Havia dançado.

— Bem, eu, por mim, estou satisfeita. – Chanelle foi filosófica com relação à

coisa toda enquanto lambia a embalagem de seu Devil Dog. – Tipo, agora o

Robert vai ter muito mais dificuldade para conseguir. Você sabe. Bagulho.

Claro, ele poderia ir à Washington Square, comprar. Mas metade daqueles

traficantes são policiais disfarçados. Ele não vai se arriscar. Se for apanhado,

os pais matam ele. Agora talvez ele até fique careta no baile. Vai ser uma

mudança.

— Vou ter que ir ao baile careta? – Robert pareceu meio nauseado. – Cara,

isso não está certo.

— Ah, cai na real – disse Chanelle. – Vai ser bom você ver como é a vida das

pessoas normais.

— Como a vida das pessoas normais é um saco – retrucou Robert.

Eu estava rindo da consternação dele quando uma voz familiar e grave,

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muito perto do meu ouvido, disse:

— Pode rir, DEDO-DURO.

Quase engasguei com o Nuggets. Virei-me no banco e vi Gretchen e Lindsey

me encarando, de cara feia.

— Está feliz agora, dedo-duro? – quis saber Gretchen. – Como se não

bastasse roubar Zach debaixo do nariz de Torrance? Tinha de fazer o

namorado dela ser expulso da escola, também?

Olhei as duas garotas.

— Eu não roubei o Zach de ninguém – respondi quando finalmente encontrei

a voz. – Ele e eu não estamos namorando. E não sei do que você está

falando, sobre o Shawn. Não fui eu que contei.

— Ah, até parece – Lindsey fez uma careta. – Filha de pastora? Claro que foi

você.

— Não fui.

— Pode dizer o que quiser, dedo-duro – rosnou Gretchen. Em seguida ela e

Lindsey pegaram as bandejas e foram para o canto mais distante do

refeitório.

Quando me virei de volta para a mesa, perturbada, Chanelle estava com uma

expressão simpática.

— Ah, Jean. Não deixe essas bruxas pegarem no seu pé. Sabemos que não

foi você. E, mesmo que fosse, quem poderia culpá-la, depois do que

aconteceu com Torrance?

Porque, claro, a notícia da tentativa de suicídio de Tory havia se espalhado

pela escola como fogo na mata, ainda que eu não tivesse dito uma palavra a

respeito.

— Não fui eu – insisti, ferocidade.

— Não se preocupe. – Robert parecia entediado. – Ninguém ouve aquelas

duas mocréias, mesmo.

Mas ele estava errado. Ou isso ou Gretchen e Lindsey não eram as únicas

que estavam dizendo que eu havia dedurado o Shawn. Em todo lugar aonde

eu ia, as pessoas começavam a cochichar, e só paravam quando eu olhava

na direção delas. Quando chegou o horário da educação física, no quinto

período, eu já havia suportado tudo que podia.

Só havia uma única outra pessoa na Chapman cuja reação ao lance com o

Shawn me importava. E ele vinha me evitando como a peste desde a noite

de sábado. Eu não havia chegado suficientemente perto do Zach para trocar

uma única palavra com ele, quanto mais enfiar o sache de Lisa em sua

mochila.

Não que eu o culpasse. Contando os meus problemas com Tory e depois o

negócio de ser bruxa – e agora isso –, eu devia parecer o grande imã de azar

que eu sabia que, de fato, era.

O professor Winthrop tinha mandado a gente jogar softball de novo. Não foi

milagre eu e Zach pararmos no mesmo time. O professor Winthrop, num raro

momento de bom humor, aparentemente decidiu que seria hilário nomear

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uma nerd musical – e supostamente dedo-duro, se bem que tenho quase

certeza de que ele ainda não sabia disso – como capitã de time. Zach, claro,

foi a primeira pessoa que escolhi. Ei, esse podia ser o único modo de

conseguir fazer com que ele falasse comigo.

Mas eu estava errada. Mais uma vez. Ele falou comigo por livre e espontânea

vontade enquanto esperávamos nossa vez de rebater.

— E então, prima Jean de Iowa. Você não estava mentindo quando disse que

tinha azar crônico. Sério, você tem a pior sorte que eu já vi. Agora ouvi dizer

que é dedo-duro.

Precisei me esforçar – de verdade – para não abrir o berreiro ali mesmo,

atrás da cerca de aramado, mesmo que todos soubéssemos que choro não

fazia parte das regras do beisebol. Nem do softball.

— Não fui eu – respondi um pouco alto demais. Todo mundo no nosso time

olhou para mim.

O sorriso de Zach foi gentil.

— Relaxa, Jean. Sei que não foi você. Mas é interessante que o boato seja

esse, não é?

— Faz sentido – dei de ombros. – Quero dizer, ela é minha prima. Eu sou

nova aqui. Sou...

— ... filha de pastora. É, eu sei. Ouvi tudo isso, também. Então. O que vai

fazer?

Dei de ombros outra vez.

— O que eu posso fazer?

— Ir ao baile comigo.

Lancei-lhe um olhar fulminante.

— Pirou de vez? Isso só vai piorar tudo. Gretchen e Lindsey já estão dizendo

por aí...

— Exatamente. Gretchen e Lindsey só estão pondo lenha na fogueira. E por

que você acha que elas estão fazendo isso?

Porque não quero me unir à Tory e ajudá-las a formar o coven de bruxas

mais poderoso da costa leste. Só que eu não podia dizer isso. Por isso, falei:

— Porque me odeiam.

— Certo. Mas por que odeiam você? Porque Tory mandou.

Balancei a cabeça, confusa.

— Está dizendo que Tory disse a elas que fui eu que fiz Shawn ser expulso?

— Isso parece alguma coisa fora do comum, dado o que você sabe sobre sua

prima?

Pensei nisso. Pensei mesmo. Só não conseguia ver Tory fazendo uma coisa

tão sorrateira. Fingir uma tentativa de suicídio, sendo tão dramática, sim.

Mas espalhar um boato a meu respeito, que ela sabia que não era

verdadeiro?

Por outro lado, ela andava usando muito o MSN ultimamente...

Mesmo assim.

— Não sei, Zach. Acho que nem mesmo Tory se rebaixaria tanto.

— Ótimo. Mas no caso de você mudar de idéia... o convite está de pé.

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— O convite... para o baile? – Lamento dizer que no fim da frase a minha voz

subiu até se transformar num berro.

— É – Zach pareceu achar aquilo divertido, acho que por causa do lance do

berro. – O próprio.

— Mas... – A verdade é que, mesmo tendo dito aquelas mesmas palavras

duas noites antes, dizer que eu não iria ao baile com ele era algo que

continuava doendo... doía mais ainda do que a oferta que fiz aos pais de

Tory, de voltar para Hancock.

Mas eu sabia que não deveria cobrar um convite que ele poderia se

arrepender de ter feito. Quero dizer, não seria justo. Ninguém, nem mesmo

um cara fantástico como o Zach, quer se ligar a alguém com fama de dedo-

duro.

— Sério, Zach. Está tudo bem. Você pode levar outra garota. Não vou me

importar.

Isso me mataria. Mas eu não deixaria que ele soubesse.

Mas, para minha surpresa, em vez de discutir mais, ele disse:

— Olha, você está estudando História dos EUA. A Sra. Tyler já entrou nos

diferentes estilos de governo?

— Já – imaginei o que, afinal, isso teria a ver com o baile.

— Ela chegou ao governo estilo laissez-faire... que deixa as coisas seguirem

seu próprio rumo?

— A abstenção, por parte do governo, de intervir no livre mercado – disse

eu.

— Certo. Acho que você pode dizer que eu sempre tive uma abordagem meio

laissez-faire com relação a Tory. Enquanto ela não pegasse no meu pé, eu

não pegava no pé dela, entende? Durante um tempo, suspeitei que ela fosse

a fim de mim, mas...

— Mas você gostava de Petra – terminei por ele. – E enquanto continuasse

amigo de Tory, tinha uma desculpa para ir vê-la. Quero dizer, ver Petra.

Ele pareceu sem graça.

— Bom. É. Basicamente. Pelo menos por um tempo. Mas o negócio é o

seguinte: não planejo continuar com a abordagem laissez-faire com relação a

Tory... nem com mais ninguém. Acho que está na hora de tomar partido.

— Mas Zach, se você e eu formos ao baile – falei, cautelosa –, e Tory ficar

furiosa e depois eu – engoli em seco – voltar para Hancock, você não terá

mais desculpa para ver Petra. Tory não vai perdoá-lo, e você sabe disso.

— Sei. É isso que estou tentando dizer. Estou preparado para esse sacrifício.

Olhei-o, curiosa.

— Mas por quê? Por que faria isso? Você deixou de amar a Petra?

Zach estava com a expressão mais estranha do mundo no rosto. Parecia a

meio caminho entre a frustração e a diversão. Abriu a boca para dizer

alguma coisa, mas foi interrompido pelo professor Winthrop, que berrou:

— Rosen! Sua vez!

Dando um sorriso de desculpa, Zach foi pegar um taco.

Recostei-me no banco, imaginando o que ele iria dizer. Será que os

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sentimentos de Zach por Petra haviam mudado? Será que o fato de vê-la tão

empolgada com a visita iminente de Willem por fim o fez perceber que nunca

teria chance com ela?

O que estava acontecendo?

Mas não consegui descobrir, porque mais tarde, no jogo, alguém fez uma

rebatida que colidiu com minha cabeça (típico) e precisei ficar sentada na

lateral até que o professor Winthrop finalmente se convenceu de que eu não

tive uma concussão e me deixou voltar ao vestiário para me trocar.

Mas se os sentimentos de Zach por Petra eram passado, não eram os únicos,

descobri quando cheguei em casa naquele dia. Parece que o mesmo havia

acontecido com os sentimentos de Tory por mim. Pelo menos seus

sentimentos de animosidade contra a minha pessoa.

Ou pelo menos era o que ela dizia.

Eu estava estudando música no quarto quando ouvi a batida na porta.

— Entre – falei, baixando o violino. Sabia que tinha de ser alguma coisa

importante. Eu havia enfiado na cabeça de Teddy e Alice que não deveria se

perturbada durante minha hora de estudo a cada tarde, não importando o

que tivesse acontecido no Bob Esponja.

Eu deveria saber que não poderia ter sido nenhum dos dois Gardiner mais

novos, que realmente eram bons em não me atrapalhar quando ouviam

Stravinsky saindo do meu quarto. Em vez disso, era Tory.

— Ei – disse minha prima, depois de fechar a porta e se encostar nela. – Tem

um minuto?

Encarei-a. Havia alguma coisa... diferente nela. Diferente mesmo. A princípio

não pude identificar direito.

Então percebi. Ela não vestia preto. Estava com jeans, jeans comuns, não

dos que ela usava algumas vezes, todos enfeitados com ankhs e

pentagramas desenhados com marcador de tecido preto.

E também não estava usando uma tonelada de maquiagem. Sendo uma

garota de aparência incrível, Tory nunca havia precisado de todo o delineador

e o rímel que ela costumava colocar, de qualquer modo. Sem aquilo, parecia

igualmente linda... só que de um modo diferente, mais vulnerável.

Havia outra coisa diferente, também. Demorei mais um minuto para me dar

conta do que era, mas então percebi. Ela não estava me olhando com raiva.

Na verdade, parecia... bem, como se estivesse feliz em me ver.

— Só queria pedir desculpas – disse ela – pelo modo como tenho tratado

você desde que chegou aqui.

Quase larguei o violino, de tão atônita.

— Sei que ultimamente tenho sido uma verdadeira psicótica – continuou

Tory. – Não sei o que anda acontecendo comigo. Acho que simplesmente foi

demais: a escola, a pressão para ser popular, o negócio com o Zach e... o

lance de ser bruxa. E acabei pegando pesado com você. O que não é justo.

Agora consigo perceber isso. Meu terapeuta, você sabe, aquele com quem

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me consulto, está realmente me ajudando com isso. Assim, eu queria dizer

que sinto muito pelo modo como tenho agido, e agradecer pelo que você fez

naquela noite, com os remédios e coisa e tal. Sei que você só fez aquilo

porque estava preocupada comigo. Tenho sorte de ter tanta gente tão

preocupada comigo. Isso foi um verdadeiro alerta para mim. De modo que...

obrigada, Jinx. E... se não for problema para você... gostaria que me desse

outra chance.

Não consegui parar de encará-la. Tinha ouvido falar de milagres realizados

por terapias, mas nunca esperei nada como aquilo.

— Eu... – O que eu poderia dizer? Estava empolgada por ter a antiga Tory, a

de cinco anos atrás, de volta. Se fosse realmente verdade. – Ah, Tory. Está

falando sério?

— Claro que estou – Tory abriu um sorriso. Até o cabelo dela parecia

diferente. Estava preso no alto, fora dos olhos, de modo que ela quase

parecia... bem... comportada. E feliz, para variar. – E não quero mais brincar

de ser bruxa. Essa coisa toda sobre vovó e Branwen... era só idiotice. Assim

como o negócio com o Zach e o boneco... – Ela estremeceu. – Meu Deus!

Não acredito que cheguei a fazer aquilo. É tão vergonhoso! Coloquei aquele

boneco idiota no lixo e esqueci dele, como você mandou. Quero realmente

que a gente seja amiga de novo, Jinx. Você acha que pode?

— Claro que a gente pode – respondi. Porém havia alguma coisa me

incomodando... e não era só o minúsculo nó que começava a se formar no

meu estômago. – Mas e o... Shawn?

— Shawn? – Tory ficou confusa. Depois riu. – Ah, Shawn! Eu sei, dá para

acreditar? Não acredito que alguém o entregou desse jeito. Mas ele vai ficar

bem. Ouvi falar que o pai dele já mexeu uns pauzinhos para colocá-lo na

Spencer. Se bem que o doutor Kettering teve de trancar todos os blocos de

receita.

Encarei-a.

— Suas amigas, Gretchen e Lindsey, parecem achar que fui eu que fiz isso. A

escola toda parece achar que fui eu.

— É? – Tory balançou a cabeça. – Mas que idiotice! Claro que não foi você.

Não acredito. Meu Deus, você tem realmente um tremendo azar, Jean.

Sempre teve. Essa é uma das coisas que mais adoro em você, acho. Você é

simplesmente tão... previsível.

Encarei-a. Ela parecia realmente estar falando sério. Parecia ser... bem, a

antiga Tory. Parecia mesmo.

A próxima coisa que percebi foi que eu estava indo abraçá-la – depois notei

que ainda segurava o arco e o violino. Rindo, pousei-os e segui para abraçá-

la.

Não podia acreditar! Enquanto ela me abraçava, tive de piscar para afastar

as lágrimas dos olhos. Não aprecia possível, mas estava mesmo

acontecendo. Eu tinha a antiga Tory de volta!

— Ah, Jean – disse ela quando finalmente nos soltamos. – Fico tão feliz

porque você me perdoa! Em especial porque fui tão horrível com você.

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— Tory – Balancei a cabeça. – Sempre vou perdoar você. Primas são para

isso, não é? Mas... – Havia sido necessária uma ida ao hospital, para dar um

jeito nela, mas Tory parecia genuinamente com remorsos. Mesmo assim. –

Você tem mesmo certeza... quero dizer...

— Ah, Jean, não precisa mais se preocupar comigo – ela riu. – Estou legal,

verdade. Só espero que você não... você sabe. Não se sinta sem jeito. Não

com relação ao negócio de ser bruxa, mas com relação ao Zach. Eu

realmente superei. Verdade. Juro. Não me importo nem um pouco que vocês

estejam namorando. Na verdade acho que vocês formam um casal lindo.

Serão um casal fantástico no baile.

— Obrigada – agradeci, desconfortável. — Mas, como vivo dizendo... nós não

estamos namorando. Certamente não vamos ao baile juntos.

— Por quê? Ele não convidou? – Os olhos de Tory estavam cheios de

preocupação. – É estranho. Quero dizer, vocês dois ficaram tão unidos...

mesmo que sejam só amigos, achei que ele iria convidar você para o baile...

— Bem – fiquei sem jeito. – Ele convidou. Mas eu recusei. Porque não

parece...

— Ah, Jean! – exclamou Tory, vindo até mim e apertando meu braço. –

Vocês dois têm de ir juntos! Têm! Não vai ser a mesma coisa, se você não

estiver lá.

— Se eu não... – Minha voz ficou no ar. – Você ainda vai? Mas eu pensei...

— Claro que vou! Não com o Shawn, claro. Ele não pode ir a nenhum evento

da escola. Mas pensei em ir, você sabe, sozinha. Um monte de garotas vai.

Não vou parecer a maior esquisita de lá por causa disso, nem de longe. E

quem sabe? Talvez eu encontre alguém... alguém um pouquinho mais

interessado em ser só amigo, em vez de amigo com benefícios. – Ela piscou

para mim. – Se é que você entende.

— Grande idéia – respondi, pensando que era exatamente disso que Tory

precisava: um recomeço, especialmente no departamento do namoro. –

Espere, já sei. Por que não vamos juntas? Você e eu... podemos procurar uns

caras novos, nós duas...

— Ah, não. E deixar o coitado do Zach de fora? Não é justo. Você precisa ir

com o Zach, Jean. Precisa ir. Se não for... bem, vou achar que foi por minha

causa.

— Bem... – hesitei.

Tory bateu na boca.

— Ah, não! É por minha causa, não é? Ah, Jean, estou me sentindo péssima.

Péssima! Não quero que meus problemas idiotas afetem outras pessoas.

Jean, você precisa ir com ele. Precisa ir.

— Mas eu já disse que não iria – expliquei meio impotente.

— E se você ligasse para ele e dissesse que mudou de idéia? Tenho certeza

que ele ainda vai querer ir.

— Bem... Não sei. Talvez. Mas...

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— Ah, liga para ele. – Tory pegou o telefone sem fio que estava na minha

mesinha-de-cabeceira. – Liga agora mesmo e diz que mudou de idéia.

— Não é tão fácil, Tory – pensei na expressão de Zach na última vez em que

eu o tinha visto, quando perguntei se ele ainda estava apaixonado por Petra.

Ele havia parecido tão estranho... Se não estava mais apaixonado por Petra,

que incentivo teria para ficar perto de mim?

Nenhum, claro.

— Você nunca vai ter certeza, se não tentar – Tory estendeu o telefone para

mim.

Olhei para o aparelho. Ela estava certa, claro. E que mal faria perguntar?

Dando de ombros, peguei o telefone e digitei o número do Zach.

Ele atendeu ao segundo toque.

— Zach? – falei. – Sou eu, Jean.

Não percebi que estava prendendo o fôlego até que ele disse:

— Ah, ei – numa voz que indicava que estava até feliz em falar comigo.

Então soltei o ar, num jorro.

— Como vão as coisas? – perguntou ele. – Como vai sua cabeça? Te procurei

depois da aula, mas você tinha ido embora.

— É, agora estou legal – encolhi-me diante dessa lembrança de minha muito

embaraçosa incapacidade atlética.

— Bom. E como vai sua prima? Ela...

— Tory está ótima – interrompi, rindo para Tory. Ela riu de volta, levantando

os polegares para dar sorte. – Na verdade, é meio por isso que estou

ligando... por causa do baile da primavera. O negócio é que... hoje Tory está

se sentindo muito, muito melhor. E disse que realmente odiaria se a gente

não fosse ao baile por causa dela.

— Ah, ela disse isso, foi?

— Disse. De verdade. Por isso eu estava imaginando se você ainda queria ir.

– Percebi que estava com as palmas das mãos suadas e enxuguei-as nos

jeans, transferindo o telefone de uma das mãos para a outra. – Quero dizer,

comigo.

— Jean – disse Zach.

— O quê?

— Tory está aí no quarto com você, agora?

— Ahã – respondi, tendo o cuidado de não encarar Tory.

— Não acha que isso parece alguma armação?

— O quê? – fiquei espantada. – Não. Não, Zach, não é nada disso. Tory vai

ao baile também... sozinha, é claro, por causa do que aconteceu com o

Shawn. E disse que iria se sentir mal se a gente não fosse.

Pigarreei. Era esquisito demais. Porque, se o que acho que Zach estava

tentando me dizer sobre o baile fosse verdade, ele nem gostava mais de

Petra daquele jeito. Então por que iria querer ficar perto de mim?

— Não tem nenhum problema se você já arranjou alguém para levar –

acrescentei depressa. – Eu só estava checando. Para o caso de não ter

arranjado. Mas se vai com alguém, não tem problema, verdade...

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— Não é isso. Só que você não acha que isso é algum tipo de...

— Jean – disse Tory. Olhei para ela. Tory estava estendendo a mão. – Deixe

eu falar com ele.

Sem saber o que fazer, entreguei o telefone a Tory. Ela disse na voz mais

animada que já havia usado na minha frente:

— Zach? Oi, sou eu, Torrance. Olha, Zach, sei que parece repentino, mas

estou realmente agradecida pelo que Jean fez por mim. Só queria que minha

prima soubesse como me arrependo e como andei tratando-a desde que

chegou aqui, e... o quê? Ah, claro, Zach. Já fiz isso. E Jean parece mesmo a

fim de me dar outra chance. Eu esperava que você também pudesse dar.

Houve um silêncio enquanto Tory ouvia o que Zach estava dizendo. Depois, o

rosto dela se abriu num sorriso enorme.

— Ótimo – ela comentou. – Obrigada, Zach. Você não vai se arrepender. É.

Está aqui.

Ela me devolveu o telefone, murmurando: Ele disse que sim!

Não dava para acreditar. Sorrindo, encostei o fone no ouvido.

— Zach?

— Ou ela pirou de vez ou está tentando aprontar alguma para cima de você –

disse Zach. – Mas não sei como vamos provar qualquer uma das hipóteses.

Então acho que devemos ir. Pelo menos, se estivermos juntos, vou poder

ficar de olho nela. Além disso, quanto problema alguém pode causar num

baile de escola?

— Verdade – lancei um olhar nervoso para Tory, preocupada com a hipótese

de ela ter ouvido. Mas ela estava olhando para a partitura que eu estava

tocando e não parecia prestar a mínima atenção. – Parece legal... Então... –

Eu queria perguntar sobre o que ele havia dito no jogo, sobre Petra, mas

descobri que não podia, com Tory ainda no quarto.

— Ela ainda está aí? – perguntou Zach.

— Sim.

— Olha, falo com você amanhã, na escola. Certo?

— Certo – concordei, aliviada. Aliviada porque não teria de tocar no nome de

Petra, afinal de contas. Porque havia uma parte minha que realmente,

realmente mesmo, não queria saber. – Tchau.

— Tchau – Zach desligou.

Coloquei o telefone na base.

— Bom – falei a Tory. – É isso aí.

— Ele disse que sim, mesmo? – perguntou ela, ansiosa.

— Disse mesmo.

— Uau! – Tory ficou pulando e batendo palmas, se parecendo tanto com o

que era antigamente, a Tory com quem eu havia me divertido horrores há

cinco anos, que ficou impossível achar que Zach poderia estar certo com

relação a ela. Talvez ele só estivesse sendo um nova-iorquino blasé. Talvez

Tory tivesse realmente aprendido uma lição e mudado.

Mas eu estava pensando no que ela havia dito antes, sobre ter posto o

boneco do Zach no lixo. Seria verdade?

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Não que eu – diferentemente do Zach – não acreditasse na transformação

dela.

Mas não conseguia tirar da cabeça aquele olhar que ela havia me dado no

sábado à noite, na escada. Era ótimo que ela tivesse tido essa mudança de

atitude, que tivesse desistido do negócio de ser bruxa – o que, em seu caso,

não havia sido algo que lhe dera força, como deveria ter sido, e fora mais

perigoso do que qualquer outra coisa.

Mas e se não fosse verdade? Digo, e se tudo fosse fingimento?

Fiquei me sentindo PÉSSIMA só por pensar em uma coisa dessas. Quero

dizer, era óbvio demais que Tory estava pronta para um recomeço. Até pediu

para ficar sentada me ouvindo ensaiar. Deixei, claro – estava lisonjeada

demais para dizer não.

E então, quando ela sugeriu que a gente descesse e fizesse sundaes com

calda quente e assistisse a umas reprises de The Real World, bem, também

não recusei.

Porém mais tarde, naquela noite, depois do jantar – a refeição mais

agradável que eu havia tido na casa dos Gardiner, vendo como Tory

conversava animada o tempo todo, em vez de fazer comentários carrancudos

sobre tudo que as pessoas diziam – saí pela porta da frente, desci a escada e

fui para a rua.

Onde comecei a revirar o lixo dos Gardiner.

Não demorei muito a encontrar. Estava numa sacola de compras Eu ♥ Nova

York, sozinho. O boneco do Zach, feito por Tory. Ela HAVIA mesmo jogado

fora.

Ela HAVIA mesmo mudado.

E, mesmo ela tendo dito que não queria mais brincar de bruxa, levei o

boneco do Zach, dentro da sacola, de novo para dentro de casa. Não porque

não confiasse nela – não era isso DE JEITO NENHUM. Só que... bem, quer

Tory tivesse o dom da magia ou não, ainda era um boneco com o cabelo do

Zach.

E de jeito nenhum eu iria deixá-lo mofar em algum aterro em Staten Island.

Levei o boneco para o meu quarto e tirei da sacola plástica.

Era realmente o boneco mais horrível que eu tinha visto. Mesmo assim,

simbolizava o Zach. Quem poderia saber? Talvez eu o entregasse a ele algum

dia (depois de fazer com que ele jurasse segredo com relação a onde eu o

havia conseguido), só para rir um pouco.

Mas então, no momento em que ia cair no sono naquela noite, uma coisa me

ocorreu. Era idiotice, eu sabia.

Mas mesmo assim isso me impeliu a levantar e tirar o boneco do esconderijo

que eu havia arranjado.

E sei que provavelmente era a coisa mais idiota para se fazer no muno. Mas

também sabia que não voltaria a dormir se não fizesse isso: separei com

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cuidado todos os fios do cabelo de Tory, deixando só os de Zach na cabeça

do boneco, e joguei os de Tory no vaso sanitário.

Depois, recoloquei o boneco no lugar e caí no sono mais profundo que já

havia experimentado desde que tinha me mudado para Nova York.

Talvez a moça da Encantos estivesse certa.

Tudo realmente iria ficar bem.

Capítulo 17

Willem – o Willem de Petra – chegou naquela quarta-feira, trazendo

presentes – um acordeom minúsculo, que tocava de verdade, para Alice;

uma autêntica bola de futebol alemã para Teddy; um perfume para Tory;

erva-de-gato para Mouche; um bibelô de uma garota tocando violino para

mim – e um ar geral de bom humor e joie de vivre.

Claro, ele era o maior gato. Eu não esperaria que Petra, que era tão linda,

namorasse um bicho-papão, e definitivamente não namorava. Willem era

ainda mais alto do que Zach, com cabelos louros, olhos azuis e um riso

rápido e fácil. Entreouvi tia Evelyn dizer a mamãe, durante o telefonema

semanal das duas:

— Meu Deus, até eu estou meio apaixonada por ele.

Petra, claro, estava nas nuvens por tê-lo ali.

— Ela está dormindo no sofá – foi o que a au pair contou a Teddy e Alice. E,

de fato, havia até um travesseiro e um cobertor dobrados no sofá, no

aconchegante apartamento do porão.

Mas, mesmo assim, toda manhã eu via o sinal revelador de marcas

vermelhas no rosto dela, causadas pela barba roçando. Imaginei como eu

daria ao Zach a notícia de que a visita de Willem parecia estar indo

muitíssimo bem – se é que ele ao menos continuava se importando. Nunca

parecia surgir um bom momento, desde aquela tarde no campo de beisebol,

para puxar o assunto que havíamos conversado ali – a nova política não-

laissez-faire com relação a Tory e qual seria o impacto disso no

relacionamento dele com Petra...

... em especial porque agora Tory parecia estar numa boa com relação a nós

dois sermos amigos, e Zach passava na casa dos Gardiner com a mesma

freqüência de antes, para jogar bola com Teddy ou ficar na cozinha comigo.

Isso me deu oportunidade suficiente para enfiar o sache de Lisa na mochila

dele. Não que eu não acreditasse na afirmação de que Tory havia desistido

de ser bruxa. Mas, mesmo assim, tinha de me preocupar com Gretchen e

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Lindsey. As duas viviam me lançando olhares malignos todo dia no

refeitório... especialmente agora que Tory também havia pedido desculpa a

Chanelle, tinha sido perdoada e estava almoçando com a gente, ignorando as

duas.

Eu sabia que deveria ter sido direta e perguntado ao Zach: “Você ainda está

apaixonado pela Petra?” Mas toda vez que eu pensava em fazer isso, o nó no

estômago (que, desde a transformação de Tory, vinha aparecendo cada vez

menos) retornava com força total.

Por isso mantive a boca fechada com relação ao assunto. E Zach, é claro,

nunca o puxou. Ainda que isso talvez fosse porque ele estava por perto o

bastante para ver por si mesmo como Petra e Willem eram felizes juntos...

Não que eu tivesse muito tempo para me preocupar com a vida amorosa de

Petra. Faltando alguns dias para o baile, todas nós, garotas, estávamos

pirando totalmente com o que iríamos usar.

— Você tem de usar preto – afirmou Chanelle.

— Todo mundo usa preto – concordou Tory. – É tipo uma tradição.

— Acho que minha mãe não me deixaria usar alguma coisa preta – falei,

preocupada. Meus pais, tendo ouvido falar do baile – mas nada sobre a

tentativa de suicídio de Tory (como disse tia Evelyn: “Deus não permita que

Charlotte fique sabendo disso. Ela vai levar você de volta para casa num

segundo. Talvez fosse melhor... é... protegê-la da verdade.”) –, tinham

mandado cinqüenta dólares para comprar um vestido. Eu queria que o

dinheiro se esticasse ao máximo possível. Por isso estava planejando ir à

H&M na Quinta Avenida.

Mas Tory, que havia parado de zombar de mim por causa da relativa pobreza

da minha família, ficou consternada com a idéia.

— Você não pode usar um vestido da H&M no baile – ela estava chocada. –

Todo mundo vai saber que você só gastou cinqüenta pratas nele.

— Mas essa quantidade de dinheiro não vai dar para grande coisa numa loja

comum – falei, porque já havia examinado os vestidos na Bloomingdale’s e

na Macy’s.

— Deixe comigo – disse Tory.

E naquele dia ela chegou do terapeuta com uma bolsa da Betsey Johnson.

— Ela tem uma loja perto do consultório do Dr. Lipman – explicou Tory,

empolgada, enquanto pegava um vestido comprido e colante. – Vi esse na

vitrine e soube que ficaria perfeito em você. Não se preocupe, estava na

liquidação. Custou mais de cinqüenta dólares, mas, considere que... tipo, é

meu presente oficial de agradecimento por tudo que fez por mim.

Olhei o vestido. Era lindo. Mas...

— É preto – falei.

— Sei que é preto – senti uma leve sugestão da antiga aspereza na voz de

Tory. – Mas olha só. É perfeito para você. Com sua pele branca e esse cabelo

ruivo...

— Mas... é preto. – Olhei para ela. – Minha mãe vai me matar. Ela diz que eu

sou nova demais para usar preto. E você sabe que tia Evelyn vai mandar

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fotos para ela, por e-mail...

— Mande sua mãe entrar no século XXI – Tory gargalhou. – Isso aqui é

Manhattan, não Hancock. Ninguém usa cor-de-rosa nos bailes aqui.

Segurei o vestido. Não que eu não QUISESSE usá-lo. Decotado, com alças

fininhas, não passava de dois pedaços de tecido preto colante, costurados na

lateral. Penduradas na bainha havia dezenas de contas pretas e brilhantes

que tilintavam sempre que se moviam.

Era estupendo.

E também não era nem um pouco a minha cara.

— Vista – disse Tory.

Eu sabia que, se vestisse, nunca mais poderia deixar de usá-lo.

— Não – retruquei. – Realmente não devo. Use VOCÊ no baile, Tory. Você

ficaria fantástica nele.

— Já tenho um vestido no qual fico fantástica. Só experimente. Experimentar

não vai fazer mal.

Abrace aquilo que você teme.

Ela estava certa. Experimentar não faria mal.

E experimentei.

E, como eu suspeitava, soube que tinha de ficar com ele. Coube

perfeitamente, como uma luva, mostrando meus braços e a maior parte das

costas, e muito mais do peito do que eu já havia mostrado antes fora de uma

piscina.

Mas fazia com que eu parecesse... fazia com que eu parecesse...

— Alguém que NÃO é a filha de uma pastora – Tory completou meus

pensamentos. – Quando Zach vir você nisso aí, não vai mais ser “só amigo”.

E com isso eu soube que ia ficar com ele. Não que tenha dito a Tory alguma

coisa para fazê-la achar que eu estava concordando. Porque não concordava.

Zach nunca pensaria em mim como mais do que um amigo...

Mas não faria mal parecer um pouco mais sensual, para variar. Mamãe teria

de encarar isso. Ou talvez eu pudesse convencer tia Evelyn a dizer a ela que

a máquina fotográfica quebrou...

Na manhã do baile, a mãe de Tory nos surpreendeu – Tory, Chanelle e eu –

com uma ida ao seu SPA predileto no Soho, com todas as despesas pagas.

Manicure, pedicure, cabelo e maquiagem feitos por profissionais. Tia Evelyn

disse que fez isso porque “Vocês, garotas, estão se dando muito bem. E,

Tory, você fez muito progresso esta semana.”

Havia lágrimas nos olhos de tia Evelyn quando disse isso, à mesa do café-da-

manhã. Foi tão fofo que eu quase fiquei com lágrimas nos olhos... só que não

pelo mesmo motivo de tia Evelyn.

A verdade era que, pela primeira vez na vida, as coisas estavam indo bem de

verdade. Não sei se Lisa havia feito alguma coisa para mudar a minha sorte,

ou se, por algum milagre, eu mesma tinha feito. Só sabia que não só estava

me dando bem com Tory como também tinha uma boa amiga (Chanelle, que

concordou gentilmente em deixar Tory retornar ao seu círculo social, desde

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que ela continuasse se abstendo de falar de coleta de cogumelos tirados de

lápides, à hora do almoço) e além disso, se não um namorado, pelo menos

um amigo.

Na verdade foi Zach que me mostrou o panfleto que havia encontrado no

escritório da administração da escola, anunciando uma bolsa – integral –

para o ano seguinte, para qualquer aluno com nota suficientemente alta que

pudesse comprovar necessidades financeiras.

O chamariz? O aluno também teria de mostrar que sabia tocar algum

instrumento. Era preciso fazer um teste e coisa e tal.

— É perfeito para você – incentivou Zach. – Está no papo.

Eu não sabia. Mas sabia o quanto havia passado a gostar de Nova York. Não

tanto da escola Chapman, que eu ainda achava que era cheia de esnobes

metidos a besta – e um bom número deles ainda me culpava pela expulsão

de Shawn... não que isso me incomodasse muito. Eu sabia a verdade e, mais

importante, as pessoas com quem eu me importava sabiam.

Mas eu adorava morar com os Gardiner – agora que Tory finalmente estava

sendo tão legal comigo – e adorava, adorava, adorava a cidade. Adorava as

ruas movimentadas, as vitrines lindíssimas, os prédios altos, o Metropolitan,

o Carnegie Hall, o gyoza do Sushi by Gari, os bagels da H&H e o salmão

defumado da Citarella. Até havia superado o medo do metrô, e (quase) podia

pegar a linha seis sem a menor sugestão de nó no estômago.

Eu ainda era uma negação para pegar qualquer outra linha. Mas sabia usar a

seis direitinho.

E, tudo bem, sentia falta de Stacy e da minha família.

Mas de Hancock? Não sentia falta nenhuma.

Em especial de alguns aspectos da cidade.

E, se conseguisse a bolsa, não teria de voltar. Sabia que tia Evelyn e tio Ted

me deixariam ficar com eles. Claro, meus pais ficariam tristes (mas Courtney

não – era menos uma pessoa para usar o banheiro no lugar dela).

Mas até minha mãe e meu pai entenderiam que a formatura da escola

Chapman ficaria melhor na minha inscrição para a academia Juilliard do que

a da escola Hancock – e porque eu não tentaria entrar para a Juilliard, do

jeito que minha sorte estava começando a mudar? Havia muitas vantagens

em ficar na cidade e não voltar a Hancock... e eu nem estava contando o fato

de que Zach também estaria na Chapman – pelo menos por mais um ano.

Às seis e cinqüenta e novo da noite do baile – depois de passar o dia sendo

paparicada e arrumada (se bem que o cabeleireiro, Jach, havia dado uma

olhada no meu cabelo e dito: “Na-na-ni-na-não. Não vamos fazer nada nele.

Talvez levantar um pouquinho na frente com um prendedor – ah, sim, está

ótimo – mas ninguém vai chegar com uma chapinha perto dessa garota.

Ouviram, pessoal?”) – eu estava prendendo a tira bordada com pedrinhas da

minha sandália de salto alto quando a campainha tocou.

Então ouvi Teddy, sempre o primeiro a chegar à porta, gritando:

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— Zach!

— Ele chegou, ele chegou – Alice entrou correndo no meu quarto para

anunciar.

Mas parou derrapando junto à porta e me olhou boquiaberta.

— Ah, minha nossa! Jean, você está igual a uma princesa!

— Verdade? – puxei nervosa o vestido, olhando o reflexo no espelho de corpo

inteiro na porta do meu banheiro. De repente, tudo aquilo parecia demais: o

vestido era muito apertado, o decote muito baixo, a maquiagem muito

pesada, os saltos altos demais, o pentagrama no pulso... é, eu ainda estava

usando-o para dar sorte, porque se algum dia precisava de sorte, era

AQUELE. Mas achei que usá-lo no pulso seria um pouquinho mais discreto, já

que normalmente ficava escondido por baixo da gola do uniforme... em

especial porque o decote daquele vestido era tão imenso que tornaria o

pentagrama evidente demais se eu o usasse pendurado no pescoço.

— Ah, Jean – Petra se juntou a Alice, à porta. – Ela está certa. Você ficou

linda.

— O vestido não é apertado demais? – perguntei, ansiosa.

— De jeito nenhum – respondeu Petra. – Ah, espero que a Sra. Gardiner

encontre a máquina fotográfica!

Fiz uma oração silenciosa para tia Evelyn não encontrar... especialmente

porque eu havia escondido a câmera na secadora de roupas.

— Bem, vamos lá – eu disse.

Saí do quarto e desci a escada para o hall.

Zach estava ali, impossivelmente lindo com seu smoking, batendo papo com

o tio Ted. Uma das mãos estava no bolso da calça e a outra segurava uma

caixa de plástico transparente com uma flor dentro. Olhou escada acima

quando ouviu Alice, que se esgueirava atrás de mim, soltar um risinho.

E todo o meu nervosismo com relação à minha aparência desapareceu.

Porque, o que quer que Zach estivesse dizendo ao meu tio, ele pareceu não

se lembrar mais quando sua voz ficou no ar e o olhar, aparentemente

travado em mim, me acompanhou enquanto eu descia a escada. Quando

finalmente cheguei, Zach continuou sem se mexer. Pelo menos até que

Teddy, ainda pendurado na maçaneta da porta, gritou:

— Uau, Jean! Você está fantástica!

Então Zach pareceu acordar.

— É. É, você está mesmo... mesmo...

Fiquei ali parada, o estômago subitamente cheio de nós – o que ele ia dizer?

É claro que eu não estava lindíssima nem nada. Não é o tipo de coisa que

amigos dizem uns aos outros...

— Você está linda! – Foi tia Evelyn que terminou a frase para ele,

estendendo os braços para me abraçar. E Zach (não pude deixar de

perceber) não se apressou nem um pouco para corrigi-la. – Ah, Jean, eu

queria saber onde deixei a máquina fotográfica. Sua mãe vai me matar!

— Tudo bem, tia Evelyn – virei os olhos para Zach por cima dos ombros de

tia Evelyn enquanto ela me abraçava. Finalmente ele conseguiu rir para mim.

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– Tenho certeza de que ela vai superar isso.

— Mas eu não vou. – Ela me soltou, em seguida olhou para Zach e para mim

com lágrimas nos olhos. – Ah, vocês dois estão tão... tão...

— Mamãe – disse Tory, em voz calorosa, do patamar da escada. – Não

comece a chorar. Aí eu vou começar a chorar, e você vai estragar minha

maquiagem.

Todos olhamos para cima enquanto Tory, uma visão em branco (mas ela não

havia dito que todo mundo usava preto no baile formal da primavera?),

descia a escada. O vestido, pelos padrões de Tory, era quase modesto, uma

espuma de tule branco-neve com corpete de cetim que ela havia

acompanhado com luvas até acima dos cotovelos. Se alguém parecia uma

princesa, era Tory. Na verdade, em comparação, achei que eu parecia...

bem, meio vagabunda.

— Tory! – exclamou a mãe dela. – Você está de tirar o fôlego! Ah, onde é

que pus a máquina?

— Aqui, use a minha, mamãe – Tory tirou a pequena câmera digital de uma

bolsa um tanto volumosa, para uma bolsa de noite.

Fantástico. Depois de todo trabalho que eu havia tido, mamãe ia receber

uma foto de qualquer modo. E na foto eu estaria com a aparência que Tory

costumava ter e minha prima pareceria... bem, eu. Se eu não tivesse perdido

a cabeça por causa do vestido que ela havia comprado para mim.

Ela HAVIA dito que todo mundo usaria preto. Então o que estava fazendo, de

branco?

Suportamos uma rodada de fotos, depois o evento humilhante de Zach

prendendo a flor que havia trazido para mim – uma rosa vermelho-sangue –,

o que exigiu MAIS fotos. (E isso foi particularmente embaraçoso porque não

havia muito vestido em que prender a flor, só uma tira. Tia Evelyn teve de

ajudar – o que foi bom, porque eu estava me sentindo como se fosse morrer,

com Zach tão perto de mim que dava para ver o lugarzinho minúsculo em

que ele havia esquecido de se barbear, logo abaixo da orelha... o que era

definitivamente perto demais para mim.)

Por fim, quase às sete e meia, eles nos deixaram ir. Subimos na limusine que

nos esperava e soltamos um suspiro grupal de alívio.

— Atirem em mim – disse Tory do meio da poça branca e fofa que seu

vestido formava contra o banco de couro preto – se algum dia eu ficar

daquele jeito, certo? – ela se referia aos pais.

— Achei que eles foram muito fofos – retruquei – Eles me deixaram meio

com vergonha. Mas mesmo assim foram uns fofos.

Tentei não demonstrar como me sentia impressionada por estar numa

limusine. Nunca havia estado numa, claro. Vi que havia um decantador de

verdade, cheio de uísque, no bar lateral e uma TV de tela plana presa ao teto

por uma dobradiça.

Mas não mexi nos botões nem nada, para não entregar que esta era uma

coisa que eu não fazia todo dia. Quero dizer, andar de limusine.

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E então chegamos. Como a escola Chapman não tinha ginásio, precisava

fazer o baile anual de primavera num salão de hotel. O hotel que haviam

escolhido para o baile deste ano era o Waldorf-Astoria. O Waldorf é um

enorme hotel chique na Park Avenue. Quando nossa limusine parou na

entrada, um porteiro de libré vermelha e dourada abriu a porta do carro para

nós. Tory foi a primeira a sair, seguida por mim, e depois Zach.

Mas Tory não esperou por nós. Enquanto descíamos da limusine, ela já

estava passando pelas grandes portas giratórias e douradas.

— É isso aí – comentou Zach. – Alguém está ansiosa para chegar ao ponche.

— Eu sei – assenti, desconfortável. – Espero que ela não tenha um ataque

quando descobrir que não é diet.

Então, me olhando enquanto subíamos a escada coberta por um tapete

vermelho até a porta giratória, Zach perguntou:

— Ei, já falei como você está fantástica nesse vestido?

— Não – fiquei vermelha até o meu último fio de cabelo e torci para que ele

não notasse. – Não falou.

— Bom, você está fantástica neste vestido.

— Obrigada. – O que estava acontecendo ali? Zach estava quase... bem,

flertando comigo. – Você também não está mal.

— Bem – disse Zach, fingindo um suspiro dramático. – Faço o que posso.

Então havíamos passado pela porta giratória e estávamos dentro do saguão

teatral e de teto alto.

— Meu Deus, Jean! – De repente, Chanelle estava ao meu lado, arrastando

um Robert de aparência muito alerta. – Você está fabulosa! Esse vestido é

INCRÍVEL. Ah, oi, Zach. O que aconteceu com a Tory? – perguntou Chanelle,

sem esperar resposta. – Ela passou pela gente como um tornado. E vocês

viram aquele vestido? Quem ela acha que é? A porcaria da princesa Diana?

— É – concordei. – Achei que vocês tinham dito que todo mundo usa preto

no baile da primavera.

— Todo mundo USA – Chanelle indicou seu próprio vestido preto, que

provavelmente custou o equivalente a UM ANO das minhas mesadas.

Robert olhou para Zach:

— Cara, você tem algum bagulho aí?

— Não – respondeu Zach. – E acho que não se pode fumar aqui.

— Eu sei. Só estava, você sabe. Perguntando. Para mais tarde.

— Vocês precisam ver o salão de baile – Chanelle nos conduziu para uma

porta dupla, ao lado da qual havia uma placa com letras elegantes: BAILE DE

PRIMAVERA DA ESCOLA CHAPMAN. – A decoração é tão cafona! Não sei o

que a comissão do baile estava pensando. Tipo, espera até você...

Mas Chanelle não conseguiu dizer o que achava tão cafona no modo como a

comissão do baile havia arrumado o salão do Waldorf-Astoria para o Baile da

Primavera da Escola Chapman. Porque, naquele momento, Tory veio

correndo até nós, tendo ao lado um cara alto e louro de smoking.

— Oi, todo mundo – ela tinha um sorriso que ia de orelha a orelha. – Quero

que conheçam o novo homem da minha vida. Não contei a vocês porque

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queria que fosse surpresa. Este é o meu acompanhante. Ah, na verdade,

Jinx, acho que você o conhece.

E, surpresa, olhei o rosto do acompanhante dela.

E quase desmaiei ali mesmo.

Capítulo 18:

Tenho um agradecimento muito especial que venho guardando,

especialmente para a Jinx.

Foi o que Tory havia dito. Eu tinha sido idiota em não enxergar o que viria.

Tinha sido idiota em achar que ela não falava sério.

― Não acredito – murmurei dentro do saco de papel. – Simplesmente não

acredito.

― Shhh – disse Chanelle. – Só respire.

― Não acredito que ela estava mentindo – levantei o rosto fora do saco de

papel, para falar. – O tempo todo. Ela não mudou. Disse que tinha um

agradecimento muito especial para mim... e tinha.

― Se você não respirar dentro do saco – insistiu Chanelle – não vai

melhorar.

Respirei no saco.

Era horrível. Era pior do que horrível. Era a pior coisa que já havia me

acontecido em toda a vida.

E, considerando a falta de sorte que tive durante a vida, isso queria

realmente dizer alguma coisa.

Ao ver que eu estava respirando de modo um pouco mais regular, Chanelle –

cuja preocupação comigo era total e sincera... afinal de contas, ela era a

pessoa que havia me levado para o banheiro feminino – parou de olhar o

próprio reflexo no espelho de moldura dourada acima das pias e perguntou:

― Está melhor, agora?

Confirmei com a cabeça dentro do saco.

― Tudo bem – disse ela. – Então fale. Quem é o cara?

Baixei o saco e fiquei surpresa ao descobrir que podia respirar normalmente

outra vez. Deus abençoe a mulher baixinha que trabalhava no banheiro, e

que tinha um saco de papel à mão, e que agora estava me olhando com

preocupação maternal, em seu pequeno uniforme preto-e-branco.

― O nome dele é Dylan – respondi. – Ele... é um amigo, da minha cidade. –

Não podia lhe dizer a verdade. Não podia. Era horrível demais.

Chanelle arqueou uma única sobrancelha.

― Só isso? Então por que você pirou, daquele jeito?

― Só... fiquei surpresa ao vê-lo aqui, só isso. – Meu coração já havia

desacelerado, mas eu continuava agitada. O que ele estava fazendo aqui?

Como havia chegado aqui?

Mas eu sabia a resposta às duas perguntas. Sabia bem demais.

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Tenho um agradecimento muito especial que venho guardando,

especialmente para a Jinx.

E quando ela entrou um segundo depois, com o maior sorriso do mundo no

rosto, tive de me esforçar para não sair correndo do banheiro feminino do

Waldorf-Astoria.

― Ah, Jinx, aí está você. – Tory ficou parada, reluzente no incrível vestido

branco. Parecia preocupada, a própria imagem da devoção de prima. – Todo

mundo está tão preocupado com você, com o modo como você correu para

cá! Está tudo bem?

― Ela está ótima – Chanelle me deu um tapinha no ombro. – Só teve um

pequeno choque.

― Sei que eu deveria ter lhe contado sobre o Dylan – Tory sorriu para a

funcionária do banheiro, que havia se levantado e estava arrumando sua

coleção de frascos de laquê, grampos, absorventes internos e coisas do tipo,

fingindo que não ouvia nossa conversa. – Mas achei que seria uma boa

surpresa. Considerando que vocês dois eram tão... íntimos.

― Ah – achei que logo teria outra utilidade para o saco de papel, de tanto

que meu estômago se revirava. – Foi mesmo uma surpresa.

― Agradável, espero – disse Tory, com um sorriso permanente nos lábios

perfeitamente maquiados. – Dylan está muito feliz em ver você. Por que não

sai agora para dar um oi? Ele e Zach estão se dando muito bem.

― Aposto que estão – respondi. Como pude ser tão idiota? Como pude achar

que ela havia mudado? Zach me alertou e eu não quis ouvir porque queria

mais do que tudo estar certa com relação a Tory.

Quando a verdade era que eu não poderia estar mais errada.

― Vamos, bobonas. – Inspecionando o próprio reflexo, Tory deu um último

tapinha no cabelo e se virou para sair. – Não vamos deixar os garotos

esperando.

Chanelle se virou para mim.

― Você está legal mesmo, Jinx?

― Ah – levantei-me trêmula.

Talvez eu pudesse ir discretamente até a segurança. É, era isso. Eu poderia

contar aos seguranças que Dylan...

... que Dylan o quê? Ele não tinha feito nada. Era convidado de uma aluna da

escola Chapman. Mesmo que a segurança concordasse em retirá-lo, Dylan

protestaria, com todo o direito. Provavelmente acabaria aprontando uma

cena. E, se não fizesse isso, Tory certamente faria. E arruinaria o baile... não

somente para mim, mas para Zach também. Retirar o Dylan só atrairia mais

atenção para o problema...

Quando na verdade era que eu nem tinha certeza de que ainda existia um

problema. Muito tempo havia se passado desde que eu o tinha visto pela

última vez. Talvez ele tivesse superado. Talvez tudo ficasse bem...

É. E talvez fosse por mim que Zach estivesse apaixonado, e não por Petra.

Certo.

― Estou bem – respondia para Chanelle. Porque não havia nada,

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absolutamente nada, que eu pudesse fazer.

― Ótimo. – Tory deu outro sorriso de rainha da beleza para mim. – Vamos.

Meu estômago estava com um nó tão grande que parecia que alguém havia

me dado um soco na barriga. Acompanhei Tory e Chanelle de volta para o

saguão do hotel. Como Tory havia dito, Dylan e Zach batiam papo do lado de

fora do salão de baile, enquanto Robert estava ali parado, parecendo eu

queria estar em outro local... provavelmente no caramanchão dos Gardiner.

Não o culpei. Eu também queria estar lá.

Zach, que obviamente estivera vigiando a porta do banheiro feminino, me

esperando, animou-se ao me ver. Dylan, aparentemente notando o sorriso

de Zach, virou-se para me encarar e também se animou.

― Aí está você – disse Dylan enquanto nos aproximávamos. – Estávamos

preocupados.

― É só coisa de mulher – respondeu Chanelle cantarolando. – Agora está

tudo bem.

― É bom saber. – Dylan sorria para mim, aqueles olhos azuis que um dia me

convenci de que amava parecendo cheios de preocupação... e adoração.

Certo. Bem, talvez ele ainda não estivesse exatamente de volta ao normal.

Mas isso não significava... – Agora podemos nos cumprimentar direito. Faz

muito tempo, Jean. É realmente bom ver você.

Então ele se curvou para me beijar.

Só um beijo de olá. Só um beijo do tipo não vejo você há muito tempo.

Mas mesmo assim dei um passo involuntário para trás, para evitar.

É, isso mesmo. E me encolhi. Encolhi-me para longe do beijo de um cara

totalmente gato por quem já estive apaixonada.

Ou por quem pelo menos pensei que estivesse apaixonada.

― É bom ver você também, Dylan – respondi depressa, oferecendo a mão

direita para apertar a dele. – Como vai?

― Ah – Dylan olhou nossas mãos entrelaçadas enquanto eu apertava a dele

com força. – Estou bem.

― Que bom – comentei, alto demais. Outras pessoas, que entravam no salão

de baile com suas roupas chiques, me olharam, curiosas. Todas as garotas,

menos Tory, usavam preto. – Isso é bom. Bem. – Larguei a mão dele e

passei os dedos pelo braço de Zach. – É melhor entrarmos. Vamos começar a

festa e coisa e tal. Vejo vocês mais tarde.

E fui arrastando o Zach para o salão de baile do Waldorf-Astoria, com um

sorriso falso grudado no rosto enquanto parávamos diante do mapa de

lugares para ver qual seria a nossa mesa.

― Você vai me dizer que diabo está acontecendo? – perguntou Zach, com

um sorriso igualmente falso grudado no rosto. Só que nele ficava lindo.

― Nada – falei através do sorriso. – Absolutamente nada. Está tudo bem. Ah,

olha, mesa sete. Aqui, perto da janela.

― Não está nada bem – disse Zach enquanto assentia para outros caras que

ele conhecia, que passavam e diziam: E aí, Rosen? – Não sou idiota. Não é

exatamente tranqüilizador quando a acompanhante de alguém vê outro cara

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num baile e começa a ficar sem fôlego.

― Ah – abandonei o sorriso –, você notou?

― É. – O sorriso de Zach também desapareceu. – Notei. Quem é ele, Jean? O

que está acontecendo?

― Ele só é... – Meus ombros se afrouxaram... o que era perigoso porque, se

eu não ficasse ereta, as tirinhas do meu vestido cairiam, e isso não era bom,

considerando que elas eram praticamente a única coisa que mantinha o

vestido no lugar. – Ele só é... ele – falei, arrasada.

― Ele quem? – perguntou Zach, cheio de frustração.

― Ele – respondi, em tom significativo. – O cara. O cara que me fez fugir

para Nova York.

― Espera aí. – Zach olhou por cima do ombro para Tory e Dylan, que

estavam verificando o mapa de lugares para ver onde deveriam se sentar. –

Ele? Ele é O TAL cara? O que estava perseguindo você?

― Shhh – falei quando uma garota da mesa próxima levantou a cabeça

depressa, depois de ouvir a palavra perseguindo. – Ele não estava... eu lhe

disse. Ele não estava exatamente me perseguindo ou assediando. Bom,

quero dizer, estava, mas...

― Ele está aqui, não é? Eu diria que isso é assédio.

― Ele está aqui porque Tory convidou.

― E por que diabos ela faria isso?

― Para se vingar de mim.

Tínhamos chegado aos nossos lugares na mesa sete. Havia seis lugares, cada

um lindamente arrumado com uns trinta talheres e uns oito pratos. Isso era

muito mais chique do que os bailes da nossa escola em Hancock, onde

jantávamos antes do baile, geralmente na lanchonete local, e não NO baile.

Depois nos reuníamos no ginásio da escola com um DJ e umas guirlandas de

festa, e não uma orquestra completa e lustres no teto.

― Tory fez o cara vir de avião para cá – disse Zach – para se vingar de você

por... que motivo, exatamente? O negócio da bruxaria? Pelo que você fez

com os comprimidos? Por causa do Shawn? Ou... de mim?

― Pode escolher. Pode ser qualquer das respostas acima. Ou todas. Ou até

outra coisa totalmente diferente. Quem pode saber, quando se trata de Tory?

E todos achávamos que ela estava indo tão bem!

Correção. Todos, menos Zach, achavam que ela estava indo tão bem.

― Bom, qual é a desse cara? Ele é perigoso? A gente deveria falar com a

segurança? Jean... você quer ir embora?

― Não – sentei-me no lugar que me fora designado. – Ah, não, Zach. Não é

nada disso. Ele só... ele só gostava realmente de mim, certo? E o sentimento

não era mútuo. Bem, tinha sido, mas não era mais. Mas ele... não quis me

deixar em paz. Ficava ligando para minha casa a qualquer hora, e... aparecia

lá, também. Tipo no meio da noite. Meu pai finalmente teve de mandar que

ele me deixasse em paz. Mas mesmo assim ele ficava aparecendo em todo

lugar que eu estava... na igreja. Na biblioteca. Nas casas onde eu fazia uns

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bicos de babá. Só ficava tipo... me seguindo. Por isso nós finalmente

decidimos que eu deveria passar um tempo longe. E vim para cá.

Claro que eu não podia contar toda a verdade ao Zach. Nem de longe. Que a

princípio fiquei empolgada com a atenção do Dylan. Quero dizer, eu tinha

uma paixonite por Dylan desde que ele era do primeiro ano, uma figura tão

romântica e aparentemente inalcançável, capitão do time de futebol,

representante de turma, só tirava dez, desejado por líderes de torcida e

nerds de orquestra idiotas como eu.

Quando, no último ano, ele finalmente me notou, depois me convidou para

sair, fiquei nas nuvens. Minhas colegas nem podiam acreditar – nem eu –

que Jinx Honeychurch, que não fosse a má sorte não teria sorte alguma,

havia sido convidada para sair com Dylan Peterson, o cara mais popular da

Escola Hancock.

Mas era verdade. Aconteceu. E nem bem compartilhamos nosso primeiro

sorvete juntos no Dairy Queen, Dylan me pediu em namoro, e eu, achando

que havia morrido e ido para o céu, concordei.

Mas, por acaso, ser namorada do Dylan era muito mais complicado do que eu

havia previsto. Dylan esperava que eu estivesse absolutamente em todos os

jogos dele... até os que conflitavam com meus concertos da orquestra. Se eu

não estivesse lá, ele ficava chateado e dizia que eu não o amava. O que não

era verdade.

Pelo menos não a princípio.

Depois ele não queria somente que eu fosse aos seus jogos de futebol.

Queria que eu estivesse com ele o tempo todo. Queria me levar para a escola

de manhã, depois que eu almoçasse com ele, depois assistisse ao treino de

futebol após as aulas, depois jantasse na sua casa e fizesse o dever de casa

com ele... até esperaria que eu passasse a noite lá, tenho certeza, se seus

pais – e os meus – tivessem deixado. Ficava chateado se eu dissesse que

queria ir ao cinema com minhas amigas ou ficar em casa para estudar

violino.

Logo o que eu havia pensado que era um sonho se transformou num

pesadelo ao vivo e em cores...

Até eu finalmente perceber que qualquer amor que eu tivesse sentido por ele

havia desaparecido, e não queria mais passar NENHUM tempo com ele,

quanto mais todos os momentos do dia, como ele queria.

Por isso, terminei com Dylan.

Tentei fazer isso com gentileza. Disse que o problema não era ele, mas eu.

Afirmei que eu não era suficientemente madura para um relacionamento

daquela intensidade, e eu as coisas estavam indo depressa demais para mim.

Disse que precisava de um pouco de espaço, e que no momento tinha de me

concentrar na escola e na música. Insisti que precisava ver minhas amigas e

trabalhar de babá nos fins de semana, e não simplesmente passar o tempo

todo com ele.

Ele disse que entendia totalmente e que, se eu lhe desse outra chance, me

deixaria ter mais espaço.

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Mas o negócio é que eu não queria dar outra chance a Dylan. Porque,

naquela altura, eu nem gostava mais dele.

Por isso contei uma mentira. Contei que meus pais disseram que eu não

podia mais sair com ele porque ele era velho demais para mim, e que eles

achavam que as coisas estavam indo depressa demais. Ei, sou filha de uma

pastora, o que ele esperava?

Foi a coisa errada. Eu simplesmente deveria ter dito desde o início: “Não te

amo mais.”

Porque então ele decidiu que nós éramos amantes impossíveis, como Romeu

e Julieta, e que meus pais estavam decididos a nos separar, e que se não

fosse por eles estaríamos juntos. Foi então que começaram os telefonemas,

as visitas no meio da noite e o negócio de me seguir em toda parte.

Uma noite, finalmente falei – depois de ele me acordar às quatro da manhã

jogando pedrinhas na minha janela e implorando que eu fosse conversar com

ele – que não o amava e que ele deveria me deixar em paz.

Mas Dylan já tinha ido longe demais, para acreditar em mim.

Por isso saí da cidade. Não sabia o que fazer. Não queria que a coisa

terminasse no estilo Amor sem fim, onde o cara tentaria incendiar minha

casa ou algo do tipo (e, dada a minha sorte, era exatamente isso que iria

acontecer).

Eu não ter podido simplesmente me apaixonar por um cara e ele gostar de

mim também de um modo legal, saudável, normal, era simplesmente outra

indicação de como as estrelas estavam mal-alinhadas na noite em eu apareci

no planeta Terra. Quero dizer, ser obrigada a fugir para o outro lado do país

para me livrar de um namorado obsessivo poderia ser a idéia de romance

para Lindsey.

Mas certamente não era para mim.

E agora eu tinha o prazer de saber que não havia conseguido fazer nem isso

direito (quero dizer, fugir para o outro lado do país). Porque aqui estava ele,

no baile de primavera da minha nova escola.

Legal. Muito legal.

Por que Tory não pôde simplesmente me dar um tiro e acabar com tudo?

Seria muitíssimo menos doloroso. E, vergonhoso.

― Então, durante todo esse tempo, quando a gente pensou que ela estava

bem – Zach ocupou o seu lugar ao meu lado na mesa sete –, Tory estava

planejando isso.

― Acho que sim. E você não precisa dizer “a gente”. Você estava certo. Ah,

Zach, lamento muito.

― Você lamenta muito? – Zach balançou o guardanapo e pôs no colo. – O

que você tem para lamentar? A culpa não é sua.

― É sim – a sensação no meu estômago estava pior do que nunca. –

Acredite. É.

― O quê, o cara ter ficado maluco por você? Ou sua prima ter pegado no seu

pé por algum motivo? Acredite em mim, Jean. Nenhuma dessas coisas é sua

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culpa.

Mas ele não sabia da história completa. Pelo menos ainda não sabia.

― Então o que você quer fazer, Jean? – perguntou Zach. – Porque estou

achando que talvez fosse melhor a gente ir embora.

― Ah! Não, Zach. Por minha causa, não. Ou por ele. Vai ficar tudo bem.

Verdade.

Eu tinha de ficar. Não poderia ficar pior.

― Ah, ei! – Chanelle apareceu perto da mesa, segurando um pequeno cartão

de papel marfim que havia apanhado no mapa de lugares. – Mesa sete?

― Mesa sete – Zach indicou o enfeite no centro da mesa, onde se destacava

um número sete. – Bem-vinda.

― Que bom! – disse Chanelle. – Estou feliz por que a gente não tem de ficar

com um monte de idiotas. Sente-se, Robert. – Robert sentou-se ao lado de

Chanelle, que havia ocupado o lugar vazio à frente de Zach. – Olhe toda essa

prataria. Por que precisamos disso tudo? Ah, meu Deus, garfo para peixe?

Odeio peixe. Quem decidiu ter peixe no baile? O hálito de todo mundo vai

feder.

E então, de repente, justo quando eu havia começado a achar que ficaria

bem, e que as coisas não poderiam piorar, pioraram.

― Oi, pessoal.

Escutei a voz mas não levantei a cabeça. Não precisava.

― Não é divertido? – Tory ocupou o lugar ao lado de Zach. Senti a cadeira ao

lado da minha se mexer e soube que Dylan havia se sentado nela. – Tudo

está tão lindo. A comissão do baile realmente caprichou, hein?

― Vão servir peixe – informou Chanelle com desdém, segurando o garfo de

peixe.

― Tenho certeza de que será delicioso – Tory levantou o guardanapo e abri-o

com habilidade, antes de colocar no colo branco cor de neve. – Mal posso

esperar...

― Nem eu – disse Dylan. – Sem dúvida é muito melhor do que o baile de

formatura em Hancock, não é, Jinx?

O som da voz dele, que um dia havia empolgado cada nervo do meu corpo,

agora me fazia sentir como se alguma coisa estivesse se arrastando pelas

minhas costas. Para ver o quanto eu não o amava mais. Imaginei se algum

dia teria amado, para estar me sentindo daquele jeito.

― É – respondi numa voz completamente desprovida de entusiasmo.

Não dava para acreditar. Isso não deveria ter acontecido. Eu estava usando

meu pentagrama! E na minha bolsinha havia um pequeno saco com

temperos – como aquele que a moça boazinha da Encantos havia feito para o

Zach. Isso não deveria me proteger de coisas assim? E que tal aquele feitiço

de amarração que eu havia feito para Tory? Ela não deveria ser capaz de me

fazer mal.

Então percebi que todas essas coisas – o pentagrama, o sachê e o feitiço de

amarração – só poderiam me proteger de magia. O que Tory havia feito

naquela noite não era magia.

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Não havia absolutamente nada de mágico. Só fora necessário um pouco de

habilidade investigativa e um bom cartão de crédito.

― Gostaria de propor um brinde – Dylan levantou seu copo d’água assim que

o garçom havia aparecido e enchido todos os nossos, usando uma jarra de

cristal.

Eu tinha certeza de que ia vomitar.

― Aos velhos amigos – Dylan olhou diretamente para mim.

― Aos velhos amigos – ecoou Chanelle. – Ah, isso é ótimo. E aos novos

também, certo, Jean?

Levantei meu copo d’água.

― É. – Fiquei pasma porque consegui falar ao menos uma palavra.

Olhei na direção de Zach e vi que ele estava me olhando. Levantou uma

sobrancelha. Sua expressão dizia claramente: Qual é! Não é tão ruim.

E estava certo. Não era.

E depois ficou.

― Então, Tory – disse Chanelle, enquanto uma equipe de garçons punha o

primeiro prato à nossa frente. Uma salada mista com molho vinagrete. –

Como conheceu Dylan?

― Ah, na verdade é uma história engraçada – respondeu Tory depois de

engolir um pouco da salada. – Eu sabia que Jinx havia saído com um cara

chamado Dylan, mas não sabia qual era o sobrenome, nem nada. Por isso

liguei para a irmã dela, Courtney, que ficou toda feliz em me falar sobre ele.

Era isso. Quando eu voltasse a Hancock, a primeira coisa que teria de fazer

era matar Courtney.

Isto é, se eu sobrevivesse àquela noite.

― Então liguei para Dylan e a gente bateu papo. – Tory parou para lançar

um sorriso luminoso para Dylan... que, um tanto para minha surpresa, sorriu

de volta para ela, quase como se... bem, quase como se gostasse dela – e

achei que seria uma surpresa divertida para Jinx, que, mesmo eu sabendo

que ela não mencionou isso a todos vocês, andava com um bocado de

saudade da cidade dela, trazê-lo aqui para o baile. Foi o que fiz. Infelizmente

o avião dele atrasou, caso contrário teria encontrado a gente lá em casa. Mas

acho que funcionou ainda melhor. Não acha, Jinx?

― Ah, é – mexi as folhas da salada no prato. De jeito nenhum eu conseguia

me obrigar a comer. – Funcionou muitíssimo bem.

― Achei que era o mínimo que eu poderia fazer – continuou Tory, no mesmo

tom casual. – Trazer o Dylan de avião, e coisa e tal. Mostrar a Jinx como

estou agradecida por todas as coisas que ela fez por mim desde que chegou

aqui. Como roubar minha melhor amiga. Ah, e dedurar o Shawn. Ah, e

roubar o Zach debaixo do meu nariz.

Chanelle largou o garfo. Todos os outros na mesa – inclusive Dylan –

estavam olhando para Tory, em choque.

Robert foi o primeiro a romper o silêncio.

― Você disse que não dedurou o Shawn – disse ele, me olhando com ar

acusador.

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Meus olhos haviam se enchido de lágrimas. Eu tinha achado que a coisa não

teria como piorar. Mal imaginava como iria ficar muito, muito pior.

― Não dedurei – respondi. Então, como um raio vindo do nada, percebi. –

Mas tenho uma boa idéia de quem fez isso – estreitei os olhos para Tory.

― Ah, até parece, Jinx – Tory riu. – Como se eu fosse dedurar meu próprio

namorado...

― Seu namorado que já havia pagado o adiantamento pela limusine desta

noite – falei. – E que talvez não achasse muito bom se você acabasse vindo

ao baile com outro.

Agora o olhar acusador de Robert se voltou para Tory.

― Você dedurou o Shawn para poder vir aqui esta noite com esse tal de

Dylan? – perguntou ele.

Mas Tory não afastou o olhar de mim.

― Você vai desejar nunca ter nascido.

― Tudo bem – Zach pôs o guardanapo na mesa e se levantou. – É isso aí,

Jean, vamos embora. Agora.

― Ah, meu Deus – Tory riu. Mas ainda estava olhando para mim, e não para

o Zach. – Agora até ele está comendo na sua mão. Não bastou você roubar

minha melhor amiga e meus próprios pais. Teve até de roubar o cara que eu

amo.

Senti que eu estava ficando vermelha como o tapete. Tory não havia falado

exatamente na voz mais baixa do mundo. Todo mundo, pelo menos todas as

pessoas sentadas ali por perto, estavam olhando agora para a mesa sete.

― Jean não roubou ninguém de você, Tory – Zach se inclinou na direção da

cadeira dela, para dizer em voz baixa e firme: - Por que você e eu não

damos uma voltinha lá fora, certo? Acho que você precisa de um pouco de ar

puro.

― Olhe para ele – Tory se virou para mim lançando um riso de desprezo na

direção de Zach. – Tão pronto a fazer qualquer coisa por você. Exatamente

como o Dylan, aqui. Você deveria ouvir como ele ficou empolgado quando

liguei e disse onde você estava. Ele mal conseguiu se conter. Acho que esses

dois nem se incomodam em pensar em por que podem estar tão fascinados

por você.

O tremor que desceu pela minha coluna naquele momento foi dez vezes mais

forte do que o que senti quando Dylan havia falado comigo. Naquele

momento simplesmente fiquei enjoada. Agora era como se alguém tivesse

acabado de andar em cima da minha sepultura.

Porque eu sabia o que Tory ia fazer. Sabia com tanta certeza quanto sabia

que era ela quem havia entregado o Shawn.

― Tory – falei numa voz que não parecia nem um pouco a minha, de tanto

medo. – Não.

Mas era muito tarde. Tarde demais.

Porque Tory já estava abrindo a bolsa e enfiando a mão nela. Eu havia

achado que era um acessório grande demais para um baile.

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Um segundo depois, ela havia jogado um boneco no meio da mesa. Um

boneco que eu reconhecia bem demais. E tenho certeza de que todo mundo

na mesa sete também reconheceu.

Porque era idêntico a Dylan.

Capítulo 19

A boneca tinha os olhos de Dylan.

Ela tinha a forma de Dylan - os largos ombros, as longas pernas.

Estava até no uniforme de futebol americano de Dylan, nas cores verde e

branco da Hancock High. O número do Dylan - número 12 - estava adornado

no peito da boneca. Apesar de talvez Dylan e eu sermos os únicos na mesa

que sabiam disso. Exceto por Tory, que havia obviamente adivinhado.

A boneca tinha até o cabelo de Dylan. Seu cabelo VERDADEIRO; cabelo pelo

qual eu tinha passado por muitos problemas para conseguir, quando eu havia

planejado fazer Dylan se apaixonar por mim. Eu tive que falar para ele que

estávamos pegando amostras de cabelo de todos os membros do time de

futebol para costurar em uma colcha encorajadora da sorte*.

E então eu realmente tive que fazer uma colcha encorajadora, por conta de

não querer que Dylan descobrisse que era só o cabelo DELE que eu queria.

É claro, se eu soubesse que o feitiço iria funcionar tão bem quanto funcionou

- um pouco BEM demais, na verdade - eu não teria me dado ao trabalho de

fazer a colcha. Porque assim que eu terminei a última costura na cara da

boneca, o telefone tocou, e era Dylan me convidando para aquela primeira,

histórica Nevasca.

Eu sabia de tudo isso, é claro. E, eu tive um pressentimento, que Tory

também. Ou da maioria, de qualquer jeito.

Mas ninguém mais na Mesa Sete sabia. Particularmente Zach. Ainda havia

uma chance. Ainda havia uma -

"Você já se perguntou, Dylan," Tory perguntou em uma voz doce, "porque foi

que você se apaixonou tão forte, e tão depressa, por uma garota com a qual

não tinha nem uma coisa em comum?"

Dylan não tinha parado de contemplar a boneca. Ele começou, "Número

doze. Esse é o número da minha camisa. O que É essa coisa? Era para ser

eu? Esse é o meu CABELO?"

"Sim," Tory disse. "Sim, Dylan. Essa é a boneca que Jinx fez de você, para

faze-lo se apaixonar por ela. Veja bem, originalmente ela costurou um pouco

do cabelo dela na sua cabeça também, para que você não fosse capaz de

tirar ela da sua cabeça. E funcionou. Não é?"

Dylan olhou da boneca para Tory, para mim, e de volta.

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"O que é isso?" ele quis saber. "Algum tipo de vodu?"

"Não, Dylan," eu disse. Eu podia sentir meu mundo - o qual, vamos encarar,

não era particularmente incrível, mas era o único mundo que eu tinha -

escorregando para longe de mim. "Era só um jogo. Eu achei um livro de

encantos na escola, veja, e...bem, nossa avó sempre nos disse - "

"- que uma das filhas na nossa geração iria se tonar uma grande bruxa,"

Tory terminou por mim, para o benefício da mesa. "Um palpite de quem

tornou-se essa bruxa."

Todos os olhos na Mesa Sete estavam sobre mim. Não só a Mesa Sete como

as Mesas Seis e Oito estavam me olhando bem intensamente também.

"Era só um jogo," eu disse, com uma risada nervosa. "Um jogo bobo. Quero

dizer, nenhuma pessoa sã poderia acreditar que você pode fazer alguém se

apaixonar por você ao fazer uma BONECA que se parece exatamente com

ele."

"É," Tory disse. "Exceto que no seu caso funcionou, não é Jinx?"

Eu balancei minha cabeça, com força. "Por favor," eu disse. "Vamos ser

razoáveis. Esse tipo de coisa não acontece. Foi só coincidência, Dylan. Quer

dizer, que eu fiz uma boneca e você acabou me convidando para sair. Quer

dizer, provavelmente a única razão pela qual você me notou, em primeiro

lugar, foi porque eu inventei a história sobre precisar do seu cabelo para a

colcha idiota - "

Dylan parecia perplexo. "Você inventou a história da colcha? Da colcha

encorajadora? Mas eu vi ela. Todos os caras doaram cabelo, também..."

"Acho que eu podia acreditar que era uma coincidência," Tory disse

pensativa, "se tivesse acontecido apenas uma vez."

Tirei meu olhar de Dylan e encarei a mão de Tory, que estava mergulhando,

mais uma vez, na sua bolsa.

Ah, não. Ah, pelo amor de Deus, não -"Mas então você fez de novo," Tory

disse. "Não foi, Jinx?"

E ela jogou a boneca do Zach na mesa, do lado da boneca do Dylan.

Eu deveria saber que se ela tivesse achado uma, ela acharia a outra. A

primeira - a boneca de Dylan - eu escondi em um lugar que havia achado

brilhante na minha primeira noite em Nova York. Eu havia trazido a boneca

comigo porque eu não queria que uma das minhas irmãs pequenas tivessem

achado-a no nosso quarto. E eu não tinha jogado fora pelo mesmo motivo

que eu pesquei a boneca da Tory da lixeira... Eu não podia deixa-la mofando

em algum depósito de lixo. Essa era uma boneca de alguém que uma vez eu

amei.

Então eu coloquei a boneca do Dylan em um lugar que achei que ninguém

iria pensar em procurar. E eu coloquei a boneca do Zach no mesmo lugar,

algumas semanas depois.

Pena eu não ter percebido que Tory esteve me espionando esse tempo todo.

Ou ela, também, gostava de esconder coisas no cano da chaminé da lareira

que não funcionava no meu quarto?

Zach, encarando o que Tory tinha acabado de jogar na mesa, perguntou, em

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uma voz que soava extremamente distante, "Isso era para ser eu?"

"Zach," eu disse, sentindo como se eu estivesse sufocando. "Eu NÃO fiz essa.

Eu juro por Deus. Eu fiz a do Dylan. Mas foi há muito tempo atrás, e eu

percebi de cara que foi um erro terrível - "

"Espera." Chanelle levantou seu olhar das duas bonecas para o meu rosto.

"Então você É uma bruxa?"

Eu engoli. Como isso podia estar acontecendo? Quero dizer, eu sei que sou

eu, e esse tipo de coisa acontece com alguém como eu.

Mas não algo tão ruim ASSIM. Minha má sorte nunca tinha sido terrível

ASSIM antes.

"Eu lancei um feitiço," eu admiti. O que mais eu podia fazer? Abrace aquilo

que você teme.

Era o que Lisa tinha dito. E eu certamente temia admitir para alguém o que

eu tinha feito. Talvez, se eu esclarecesse as coisas agora, as coisas

melhorariam. "Eu achei que estivesse fazendo magia branca. Eu não percebi

que magia branca NÃO é tentar forçar as pessoas a fazerem alguma coisa

contra a vontade delas, ou manipular suas emoções. Eu não sabia disso

quando eu fiz essa boneca de você, Dylan, e eu realmente sinto muito. Assim

que eu percebi, eu tentei desfazer o feitiço tirando o meu cabelo dali.

Mas...mas eu acho que não funcionou."

Robert, do outro lado da mesa, olhou das bonecas para mim e falou, "Cara.

Isso está me assustando. Ela é uma bruxa, ou o quê?"

"Ela é uma bruxa," Tory disse firmemente. "Eu só pensei que todos vocês

deveriam saber. Primeiro ela fez o pobre Dylan ficar perdidamente

apaixonado por ela. E então eu acho que ela decidiu que ter um cara

completamente louco por ela não era o bastante, e veio para Nova York e

imediatamente mirou no pobre Zach aqui - "

"Eu não fiz a boneca do Zach!" eu gritei, me levantando. "A Tory fez. Ela

mostrou pra mim na primeira noite que eu cheguei em Nova York. Ela acha

que ELA é a bruxa que Vovó estava sempre falando, e ela fez essa boneca e

tentou me convencer a se juntar ao seu clã. E então quando eu disse que

não queria saber de nada daquilo - porque eu havia aprendido, do modo

difícil, o que acontece quando você mexe com magia - ela se zangou."

Respirando fundo, eu olhei ao redor da mesa para os rostos estupefatos de

Dylan e meus amigos. Nenhum deles parecia acreditar em mim. Zach não

podia nem me olhar nos olhos.

"Zach," eu disse, apelando para ele. Porque era a opinião dele, dentre a de

todos, com a qual eu me importava mais. "Você tem que acreditar em mim.

Quer dizer, olha só para essa boneca." Eu apanhei a boneca do Zach. "Não se

parece em nada com a boneca que eu fiz. Quer dizer, um...um...macaco

poderia costurar uma boneca melhor que essa."

"Eu acho," Tory disse calmamente, quando Zach não respondeu de imediato,

"que é melhor você ir embora, Jinx. Ninguém te quer aqui."

Eu olhei pra ela então. Quer dizer, eu realmente olhei para ela.

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E então eu percebi o quão brilhantemente ela tinha conseguido realizar o seu

pequeno plano, até os pequenos detalhes. Em seu vestido de baile de branco

e em sua maquiagem virginal, ELA parecia a filha do pregador - a que,

naturalmente, estaria contando a verdade. Enquanto eu, no colante vestido

preto que ela tinha escolhido pra mim e com meu cabelo vermelho selvagem,

parecia cada centímetro com o que ela estava clamando que eu era...uma

bruxa praticante, que tinha estipulado ganhar o coração não de um, mas de

dois dos mais populares garotos em ambas as escolas que eu havia estudado

naquele ano.

Eu tinha que dar o braço a torcer. Ela teve sucesso, e provavelmente mais do

que em seus sonhos mais selvagens.

Mas ela ainda não tinha acabado. O golpe final ainda estava por vir.

"Eu realmente acho," Tory abaixou sua voz para falar, como se fosse uma

conversa "só das meninas" - apesar de, nessa altura, o salão inteiro estar

ouvindo...até os garçons, que tinham vindo com o prato do peixe - "que

talvez você queira aprender uma lição com nossa ta-ta-ta-ta-ra avó

Branwen, Jinx. Porque, você sabe, ela foi queimada na fogueira por bruxaria.

Nós não iríamos querer que isso acontecesse com você, iríamos?"

Eu não acredito que ela estava repetindo pra mim o que eu tinha contado pra

ela sobre Branwen. Eu não podia acreditar que ela estava disposta a trazer à

tona a maneira horrível como Branwen havia morrido, só para me fazer

parecer má na frente de Zach.

Mas eu não deveria ter ficado surpresa. Quer dizer, se ela estava disposta a

mentir sobre a boneca, ela não pararia por nada.

"Ótimo," eu disse, em uma voz que tremia. "Está tudo ótimo, Tory. Você

venceu. Sabe por quê? Eu...eu nem ligo mais."

E eu levantei e me afastei.

E, na frente de todos aquelas pessoas, com todos aqueles olhares perfurando

as minhas costas, eu segui pelo salão do baile, esperando que eu tivesse

forças para sair de lá antes que começasse a chorar.

Eu achei que tinha escutado uma voz de um garoto chamando meu nome,

mas se era Dylan ou Zach, eu não conseguia dizer.

Tudo que eu sabia era que, quem quer que fosse, eu não poderia encara-lo.

Não aquela hora. Não sem explodir em lágrimas.

Eu consegui sair das portas giratórias e fui parar na Park Avenue. Ali, para

meu alívio, o porteiro perguntou, "Precisa de um táxi, senhorita?"

Eu fiz que sim com a cabeça, e ele fez sinal para um táxi por mim. Eu

engatinhei para o banco traseiro, grata de ter trazido dinheiro o suficiente

comigo para me levar para casa, se eu precisasse...uma lição que minha mãe

pregadora havia me ensinado desde criança.

"Para aonde, senhorita?" o taxista me perguntou.

Eu queria dizer para aeroporto. Eu queria dizer Penn Station, ou Grand

Central, ou qualquer lugar que me colocaria em um avião ou trem para longe

de Nova York e de volta para Iowa.

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Só que eu não tinha TANTO dinheiro assim comigo.

Então eu só disse, "Rua East Sixty-ninth, número 326, por favor."

o taxista acenou com a cabeça, e ligou o taxímetro, e me levou para casa.

Eu não chorei até chegar ao meu quarto. Felizmente, eu não encontrei

ninguém no corredor ou nas escadas. Alice já estava na cama, e Teddy

estava dormindo fora de casa, e Petra e Willem, de babás enquanto tia

Evelyn e tio Ted estavam em uma das muitas festas que eles são

constantemente convidados, estavam no gabinete assistindo a um filme.

Ninguém me escutou chegando.

E ninguém me escutou chorando na minha banheira depois de que eu tirei

minha roupa espalhafatosa e engatinhei na grande banheira de mármore. Eu

chorei até meus olhos ficarem vermelhos e inchados, até eu não poder

espremer mais nenhuma gota. Eu deixei a água correndo o tempo todo, para

que se Petra fosse ver como estava Alice, ela não iria me escutar chorando.

Como isso podia ter acontecido? Eu tinha sido humilhada na frente da escola

inteira - me fazendo parecer uma esquisita maior ainda do que eles já

achavam que eu era. Eu não ligava muito para o que Robert ou até Chanelle

pensavam de mim. Mas Zach! Como ela podia ter feito isso na frente do

Zach? Quer dizer, eu sabia que ela gostava dele. Eu sabia que ela estava

chateada que o meu feitiço tinha funcionado no Dylan e o dela no Zach não.

Mas ela TINHA que fazer isso na frente do Zach?

E então, quando uma nova onda de lágrimas começou a aparecer, elas de

repente secaram.

Porque um novo pensamento tinha me ocorrido, um que eu nunca tinha

considerado antes.

Era ISSO sobre o que era tudo isso? Era menos por causa de um menino, e

mais sobre o fato do meu feitiço ter funcionado e o dela não? A Tory estava

com inveja porque ela sabia que era eu a bruxa que Branwen tinha

prometido que apareceria? Ela estava com inveja porque ela achava que

deveria ser ELA?

Porque eu não tenho medo de usar o dom dela, do jeito que você tem. Era

isso o que Tory tinha dito pra mim.

Parecia tão estúpido. Quer dizer, por que isso importava? Meus poderes,

como eles eram, só tinham me trazido azar e mágoa. Claro, eu salvei Zach

daquele mensageiro da bicicleta. Mas aquilo não era magia. Eu tinha

meramente estado no lugar errado na hora certa.

E a energia acabando no dia em que eu nasci...aquilo só tinha sido um

temporal com trovões.

E Willem ganhando a viagem para ver Petra...aquilo só tinha sido um feliz

acaso. Não tinha nada a ver com o feitiço da anulação que eu tinha lançado

contra Tory, ou com a proteção que eu lancei em Petra.

E Dylan...pobre Dylan. Ele sentiu vontade de se apaixonar, e eu tinha

aparecido, com essa enorme queda por ele...é claro que ele tinha se

apaixonado por mim.

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Nada disso era prova que eu tinha os requerimentos de uma bruxa.

Exceto, eu acho, para Tory, que provavelmente tinha se gabado para seu clã

sobre sua ancestral bruxa, e seu destino como a verdadeira bruxa da nossa

geração.

E então eu tive que aparecer e arruinar tudo para ela.

Tudo fazia perfeito sentido. Sério, não era de se espantar que ela estivesse

tão furiosa.

Mas se ser a bruxa da família significava tanto para ela, ela podia ficar com

isso. Eu iria suspender o feitiço da anulação, e -

O que é que eu tava FALANDO? NÃO EXISTE MAGIA.

Porque se existisse, o que havia acontecido hoje a noite nunca, nunca teria

acontecido. Meu colar - aquele colar de pentagrama estúpido que a mulher

da Encantamentos tinha me dado - teria me protegido.

Mas não protegeu. Não protegeu porque o negócio todo era um lixo. Não

existe magia. Não mais do que não existe sorte. Pelo menos boa sorte.

Porque essa era uma coisa que nunca tinha acontecido comigo.

E eu estava tão furiosa com o negócio todo - tão cansada de tudo - que eu

puxei com força o pentagrama e o joguei do outro lado do banheiro. Eu

tentei não olhar aonde ele caiu, para que mais tarde eu não pudesse voltar e

apanha-lo. Deixe que Marta o encontre e ache que é lixo.

Eu desejei que eu pudesse jogar fora a minha vida tão facilmente.

Deve ter sido uma hora mais tarde - eu já estava na cama, no meu pijama

mais abominável, o de flanela rosa com borboletas nele - quando eu escutei

uma batida na minha porta.

"Jean?" Era Petra.

"Entre," eu disse. Petra era uma das únicas pessoas que eu achava que podia

suportar naquele momento.

"Eu pensei ter ouvido você ligar a banheira," ela disse, olhando pra mim

preocupadamente da porta. "Você chegou em casa cedo, não foi?"

"É," eu disse. "Não estava tão divertido, eu acabei descobrindo."

"Você e Zach brigaram?" Petra perguntou gentilmente.

"Pode-se dizer que sim," eu disse.

"Eu pensei que sim. Porque ele está aqui."

Eu sentei ereta na cama como um raio. "AQUI? AGORA?"

"Sim, ele está lá embaixo. Ele gostaria de te ver."

Ha. Aposto que sim. Para que ele pudesse me dizer...o quê? Que ele achava

que não deveríamos mais nos ver? Que ele havia decidido voltar à sua

política do laissez-faire - e uma das coisas em que ele estava adotando essa

atitude de agora em diante era eu?

Bem, eu não ia dar a ele essa satisfação. De jeito nenhum eu iria descer. Não

estando sem maquiagem, com meu cabelo parecendo todo selvagem e

encaracolado do vapor do jeito que estava. Não com meu pijama da

borboleta. Isso não era jeito de se parecer durante um término. Não que

estivéssemos terminando, porque nós nunca saímos. De qualquer jeito, ele

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poderia terminar ou o que seja comigo - amanhã, quando eu estivesse

usando gloss.

"Você poderia dizer a ele que eu já fui dormir?" eu perguntei a ela.

Petra uniu suas sobrancelhas. "É claro que eu posso, se você quiser. Mas tem

certeza de que é o que você quer, Jean? Ele parece muito preocupado com

você. Ele disse...ele disse que alguma coisa aconteceu hoje a noite. Alguma

coisa com Tory?"

"É," eu disse. Tenho certeza que ele parecia preocupado. Provavelmente

porque ele tinha medo do tipo de feitiço que eu lançaria nele depois dele me

chutar. Era só isso. "É, tenho certeza."

"Bem," Petra disse. "Tudo bem. Você quer falar sobre isso?"

Se eu queria falar sobre isso? Eu não queria nem PENSAR nisso, nunca,

nunca mais.

"Quer saber?" eu disse. "Eu só quero mesmo ir dormir, se você não se

importa."

"Está bem," Petra disse, com um belo sorriso. "Só lembre-se, eu estou aqui

se você precisar. Não precisa ficar envergonhada por causa do Willem. Se

você precisar de alguma coisa, só bata na porta lá de baixo. Tudo bem?"

"Tudo bem," eu disse, arrumando um sorriso. "Obrigada. E boa noite."

"Boa noite, Jean," Petra disse, e fechou a porta atrás dela.

Petra era um amor. Eu iria mesmo sentir a falta dela quando eu fosse para

casa.

O que seria, eu já tinha decidido, assim que eu arranjasse um bilhete. Porque

eu não podia ficar em Nova York nem mais um segundo. Eu certamente não

podia voltar pra escola na segunda. Eu iria encarar Zach amanhã, porque eu

devia a ele isso, de qualquer jeito.

Mas eu ia voltar para Hancock, aonde eu pertencia. Depois da Tory, cuidar do

Dylan seria fácil.

Além do mais, talvez depois de ter descoberto sobre a boneca, ele se

acalmaria um pouquinho. Garotos não gostam de saber que mentiram para

eles e os manipularam. Zach era prova suficiente disso. Talvez Dylan

seguisse o exemplo de Zach. Pelo menos UMA coisa boa iria sair de tudo isso,

então.

Eu falei para Petra dizer a Zach que eu estava dormindo, e eu apaguei as

luzes assim que ela saiu, para mostrar que eu estava.

Mas o sono demorou a vir. Eu fiquei deitada acordada, revendo a cena na

Mesa Sete na minha cabeça, de novo e de novo.

Mas não importa quantas vezes eu tentasse, eu não podia pensar em uma

única coisa que eu poderia ter dito para fazer Zach acreditar em mim. Tory

realmente tinha feito um excelente trabalho manipulando a situação ao seu

gosto. Eu esperava, depois disso, que ela conseguisse o que ela queria. Zach.

Nada mais de Petra. Os poderes mágicos de Branwen. O que quer que fosse.

Certamente, poucas pessoas tinham trabalhado tão duro por isso quanto ela.

Pelo menos, não de um jeito tão perturbador.

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Eu não sei que horas eu adormeci. Mas eu sei que horas eu acordei. Duas da

manhã.

Eu sei porque eu abri meus olhos e vi os numerais digitais vermelhos no

relógio perto da minha cama.

A razão pela qual eu acordei? Bom, foi uma coisa muito engraçada.

Não foi porque de repente eu me enchi com um sensação de que - para

variar - tudo iria ficar bem. Não foi porque, desesperada como eu estava

quando eu havia adormecido, eu havia acordado com uma sensação de

calmaria, uma sensação de que não havia nada - nada no mundo - que eu

precisava temer, embora ambas essas coisas fossem verdade.

Não, eu acordei porque tinha alguém de pé do lado da minha cama, e

sussurrando meu nome.

"Jean," a voz disse. "Jean."

Era uma garota, usando um longe vestido branco.

Mas não era Tory, ainda vestida em sua roupa de baile da primavera.

Porque essa garota estava sorrindo para mim - e não de um jeito mau, mas

como se ela sinceramente gostasse de mim. Além disso, ela tinha um longo

cabelo vermelho.

E apesar de eu não a conhecer, eu sabia o nome dela. Eu o sabia tão bem

como eu sabia o meu próprio.

"Branwen?" eu disse, me sentando.

Capítulo 20

Mas no minuto que eu me sentei, ela tinha ido embora. A sorridente garota

de cabelos vermelhos no longo vestido branco tinha desaparecido.

Se é que ela estivera ali.

Porque certamente ela fora apenas um sonho. Em um estado entre acordada

e adormecida, eu tinha pensado que tinha visto minha ancestral do lado da

minha cama, dizendo o meu nome. Tinha que ser isso. Porque eu não

acreditava em fantasmas, não mais do que eu acreditava em magia.

Pelo menos, não a partir dessa noite, de qualquer jeito.

Foi enquanto eu estava dizendo isso a mim mesma que eu senti alguma coisa

em volta do meu pescoço. Alguma coisa que não estava lá quando eu fui

dormir. Alcançando-o, eu percebi que era o colar de pentagrama que Lisa

havia me dado.

Aquele que eu lembrava nitidamente de ter tirado do meu pulso e jogado do

outro lado do cômodo mais cedo, nem mesmo olhando para ver aonde ele

caira.

E mesmo assim ele estava agora em volta do meu pescoço.

Um sentimento de - o quê? Não medo. Porque eu não estava amedrontada. E

nem apreensiva. Meu estômago não doia nem um pouco. Mas alguma coisa,

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qualquer coisa, chamava a minha atenção. Eu ainda sentia a estranha calma

que eu havia experimentado ao acordar, mas agora ela estava unida

com...felicidade.

Eu estava feliz.

O que estava acontecendo? Por que eu não estava com medo? Colares não

se amarram sozinhos. Alguém tinha achado o colar e o colocado de volta no

meu pescoço. Mas quem? Quem poderia ter entrado no meu quarto e feito

algo assim, tão calmo e gentilmente que eu não tinha acordado? Petra?

Ou o fantasma da minha ta-ta-ta-ta-ra avó cuidando de mim quando eu mais

precisava dela? Me mostrando que - justamente como eu sempre suspeitei -

eu realmente era a filha que ela mencionara - a que estava destinada à

grandeza como uma bruxa. Não Tory.

Somente eu. Tinha sempre sido eu.

Eu só precisava acreditar. Nela.

Em mim mesma.

De repente, eu sabia que o sono tinha ido embora. Minha pele estava

formigando como se tivesse sido eletrificada. Eu pulei da cama e fui para a

janela. Uma turva luz azul estava entrando pelas linhas transparentes da

persiana - eu tinha esquecido de puxa-la. Eu presumi que a luz fosse do

apartamento vizinho atrás da casa da Tory.

Mas quando eu empurrei a persiana para o lado, eu vi que a luz vinha de

uma lua cheia, pesada e branca, suspensa no céu da noite, tão brilhante que

até tinha um pequeno arco-íris ao seu redor.

Lua minguante, eu sabia de ter lido no livro de bruxas que eu comprara, era

a época para fazer feitiços de banimento. Lua cheia era quando,

tradicionalmente, as bruxas faziam feitiços de prosperidade e crescimento.

Mas na noite de lua cheia...bom, basicamente tudo vale. Qualquer coisa é

possível debaixo de uma lua cheia. É por isso que tantas pessoas acabam na

sala de emergência nas noites em que a lua é cheia.

Pelo menos, é o que eles dizem em ER.

Que estranho que essa noite, dentre todas as noites, tenha lua cheia.

Ou era por isso que Branwen tinha finalmente conseguido aparecer para

mim? Por causa da lua...e da minha necessidade?

Então eu escutei algo vindo do jardim. Parecia, na verdade, com Mouche.

Mas o que Mouche estaria fazendo fora a essa hora da noite? Alice sempre se

lembrava de chamá-la e de trazê-la para dentro depois de escuro. A gata

dormia com ela toda noite. Quem poderia ter deixado Mouche sair?

Então eu notei algo estranho. Tinha uma luz ligada no gazebo.

Não. Certamente não. Eu tinha que estar imaginando coisas...do jeito que eu

tinha imaginado ver Branwen. Se eu tivesse imaginado ter visto Branwen.

Mas não. Lá estava de novo. Não só uma luz, mas várias, quase como se...

...como se alguém estivesse acendendo velas ali embaixo.

Alguém que se parecia muito com a minha prima Tory.

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Sem ligar a luz - eu não queria que Tory visse, soubesse que eu estava

acordada, e tivesse um aviso avançado que eu estava indo ver ela - eu

deslizei do meu pijama e coloquei uma calça jeans e um suéter. Eu carreguei

um par de mocassins na minha mão enquanto eu saia do meu quarto e

descia as escadas, para que os meus passos não acordassem ninguém.

Quando eu cheguei à porta que levava ao jardim, eu coloquei meus sapatos e

desci as escadas para o jardim.

Tinha bastante luz - azulada, mas ainda assim bastante - para poder

enxergar.

Mas eu não precisava da luz da lua para ver o brilho amarelo que vinha de

trás do vidro fosco do gazebo. Ou as três magras sombras produzidas por

ele.

Era Tory. Tory e seu clã.

E de repente eu lembrei dos cogumelos. Os cogumelos que Tory tinha pedido

a Chanelle para ajudá-la a raspar de uma lápide na luz da lua cheia. A lua

estava completamente cheia agora. Ela começaria a minguar amanhã. Para o

que for que ela estivesse planejando usá-los, isso tinha que acontecer hoje a

noite.

E para o que for que ela estivesse planejando usá-los, tinha que ser algo

ruim, se eu conhecia a Tory. Não podia ser nada que tivesse a ver comigo.

Ela tinha me dizimado no baile. Ela tinha que saber disso. Não, pra quem

quer que esse feitiço estivesse destinado - Petra, Zach, quem sabia? - essa

pessoa não era eu. Tory sabia que ela estava bem livre de mim.

Pela primeira vez desde que eu tinha acordado naquela noite, eu senti outra

coisa além de uma estranha calma.

Raiva. Eu senti raiva.

Não pelo que Tory tinha feito comigo - eu mereci aquilo, pelo que eu fiz com

Dylan. Não, eu estava com raiva porque, tendo testemunhado hoje a noite os

resultados diretos da minha própria tentativa de manipular a vontade dos

outros, Tory ainda não conseguia ver que fazê-lo era errado.

Bom, isso era o bastante. Estava tudo acabado. Ela tinha que ser impedida.

Eu iria impedi-la.

Que foi quando eu abri com um empurrão a porta de vidro do gazebo para

dizer a ela...

...até que o que eu vi lá dentro fez com que a minha voz secasse na

garganta.

Ali estavam elas, todas as três, Tory ainda em seu virginal vestido branco do

baile. Gretchen e Lindsey, por outro lado, estavam totalmente enfeitadas

com o usual delineador pesado e estavam usando preto. Elas estavam

sentadas em volta de algo que parecia um pequeno altar na mesa de topo de

vidro no meio do gazebo, completo com doze velas acesas (pretas, é claro) e

algo parecido com um cálice vazio no meio da mesa/altar.

E elas não pareciam nem um pouco surpresas de me ver. Bom, Tory não

parecia, de qualquer jeito.

"Pronto," ela disse, com uma certa quantidade de satisfação em sua voz. "Eu

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disse que ela viria, damas. Não falei?"

A única resposta de Lindsey - não surpreedentemente - foi rir. Mas Gretchen,

me lançando um olhar desdenhoso, disse, "Eu não entendi, Tory. Como você

sabia?"

"Porque ela é fraca," Tory disse. Foi quando eu vi o que ela estava segurando

em suas mãos, debaixo da mesa de tampo de vidro. Era Mouche, lutando

para se soltar e fazendo bastante tumulto para isso.

O mesmo tumulto que eu tinha escutado do meu quarto.

Que foi porque Tory abruptamente deixou o gato ir embora. Porque Mouche

havia feito o que Tory precisava que ela fizesse.

Ela me atraiu para o gazebo. Exatamente aonde Tory me queria.

"Se ela é fraca," Gretchen disse ameaçadoramente, "então para que nós

queremos ela?"

"Eu te disse. Não é ela que nós queremos," Tory disse. "É o sangue dela."

Que foi quando eu finalmente percebi o que estava acontecendo - porque

elas estavam sentadas ao redor do cálice vazio.

E pra que eu estava lá.

Como o sangue do meu rosto, eu senti toda a determinação inserida

vagarosamente por Branwen escoar. Eu me girei para ir embora - mas eu

não fui rápida o bastante. Eu abri a porta - o bastante para Mouche correr -

mas Gretchen, que se revelou tão forte quanto era alta, me agarrou à força e

me puxou de volta, me empurrando rudemente para a cadeira de ferro

forjado do lado oposto da mesa de Tory.

"Amarre as mãos dela," Tory ordenou.

E Lindsey e Gretchen obedientemente criaram uma corda de cetim preto -

provavelmente o cinto do roupão do pai de uma delas - e começaram a

enrolar-la - não muito solta, não me importo de dizer - em volta do meu

pulso. De fato, elas me amarraram com bastante força.

"Meninas," eu disse. Eu disse a mim mesma para não entrar em pânico. Era

provavelmente só algum tipo de ritual de trote estúpido. Provavelmente, elas

iriam me fazer se juntar ao clã idiota delas e fazer um juramento estúpido.

Só um pouco de sangria, para nos tornarmos "irmãs de alma", ou qualquer

coisa. Ainda assim. "Eu acho que vocês cortaram a circulação dos meus

dedos."

"Cala a boca," Tory disse.

"Está bem," eu disse. "Mas se os meu dedos ficarem pretos e começaram a

cair-"

"Eu disse, CALA A BOCA."

Foi quando Tory se levantou de sua cadeira e me acertou com um golpe.

Forte. Palma aberta, de lado a lado do rosto.

Eu acho que poderíamos dizer que foi mais um tapa do que um golpe. Ainda

assim, doeu. Por um minuto, eu vi estrelas.

Foi quando eu percebi que isso provavelmente não era um trote afinal.

"Está tudo pronto?" Tory perguntou para suas duas cúmplices, que

concordaram. Gretchen parecia entusiasmada. Somente Lindsey parecia um

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pouco surpresa pelo tapa. Pelo menos, pelo que eu pude observar, por olhos

que tinham se enchido automaticamente com lágrimas pelo golpe. Tory era

muito mais forte, fisicamente, do que eu achava que ela era. Aquela tapa

tinha DOÍDO.

"Tudo bem," Tory disse. Ela retornou ao seu assento.

"Hoje a noite, debaixo dessa luz nova, um tempo de novos começos, eu vou

corrigir um erro," ela começou. "Há cento e cinquenta anos, uma das mais

poderosas bruxas de todos os tempos, Branwen, que havia nascido com o

dom da magia, previu que uma descendente sua iria herdar seus notáveis

poderes. Por toda lei que é natural e certa, essa descendente deveria ter sido

eu. Mas por alguma razão completamente idiota, parece que é a minha prima

Jinx."

"Não sou," eu disse. Porque, apesar de eu ter visto Branwen no meu próprio

quarto essa noite, eu desconfiava que, baseada em suas próprias

experiências, ela provavelmente concordaria que negar possuir qualquer

habilidade de bruxa era o caminho a seguir. "Não sou eu."

Tory olhou para mim. "Não," ela disse, "interrompa a cerimônia."

"Mas não sou eu, Tory," eu disse, desesperada. "Vamos lá, isso é estúpido.

Como eu poderia ter poderes mágicos? Você sabe que eu sou a pessoa mais

azarada na face do planeta-"

"Como você explica Dylan, então, e a devoção dele por você?" Tory

repreendeu.

"Foi só um feliz acaso."

"Shawn?"

"Isso foi você," eu disse. "Você fez ele ser expulso."

"Claro," Tory disse. "Mas todo mundo culpa você. E quanto ao Zach?"

Eu pestanejei para ela.

"Bem, Jinx? E. Quanto. Ao. Zach?"

E, exatamente assim, estava de volta. A raiva que eu tinha sentido mais

cedo. A raiva que Lisa tinha que eu precisaria quando o tempo chegasse.

"Eu te disse um milhão de vezes," eu disse. "Zach não gosta de mim desse

jeito. Nós somos só amigos...e provavelmente não somos mais nem isso,

graças a VOCÊ e aquela SUA boneca estúpida, então-"

Tory se levantou, uma mão erguida como se fosse me bater de novo. Eu

olhei para ela, desafiando-a - só desafiando-a - a tentar de novo. Se ela

chegasse um passo mais perto, eu iria chutá-la na cara.

Mas Lindsey, dentre todas as pessoas, parou-a com seu choramingo.

"Podemos acabar com isso de uma vez? Estou morrendo de fome. E você

sabe o que acontece quando o açúcar no meu sangue fica baixo."

"Está bem," ela disse.

Foi quando Tory pegou a faca. Uma faca enorme - decorativa, do tipo que

você compra nessas lojas que vendem facas ornamentais, como essas

usadas nos filmes do Senhor dos Anéis.

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Uma olhada para a faca, e eu estava acabada. Era isso. Eu levantei-me da

cadeira - só para Gretchen me empurrar de volta e me segurar com as duas

mãos pressionadas, fortemente, nos meus ombros, enquanto eu me

contorcia. Vendo que eu não iria escapar desse jeito, eu abri a boca para

gritar-

Mas Tory, antecipando a manobra, empurrou suas duas longas luvas de seda

na minha boca, me amordaçando efetivamente.

"Pare de lutar, Jinx," Tory estava dizendo, no que era uma voz bem

tranquilizadora, para ela. "Isso é o que você quer, se lembra? Você sempre

quis só ser normal, certo? Bom, assim que nós pegarmos sangue suficiente

seu para eu beber, eu vou assumir os seus poderes, e você não vai mais ter

que se preocupar. Eu fiz uma poção exterminadora com alguns cogumelos

muito raros. Você pode bebe-la, e não vai mais precisar se preocupar com

azar. Todos os poderes que você herdou de Branwen vão sumir. Em vez

disso, eu vou ter eles."

Tudo bem. Isso era ruim. Isso era muito ruim. Eu tive um pouco de azar

antes disso, era verdade...mas isso definitivamente era pior. Eu tinha que

sair disso.

Mas como? Eu estava completamente impotente. Gretchen era forte. Essa

corda estava amarrada tão apertada. Eu não podia gritar. O que eu podia

fazer?

O que qualquer um faz quando toda a esperança se foi, e todo o resto falha?

O que era que Lisa da Encantamentos havia dito? Tory não pode me

machucar se eu...se eu...se eu o quê? Por que eu não conseguia lembrar?

Abraçar a magia.

Mas como eu poderia? Como eu podia abraçar algo que havia me causado

nada além de sofrimento por tanto tempo? Quer dizer, olhe o que aconteceu

com Dylan. Olhe o que aconteceu com as pessoas no hospital na noite que

eu nasci. Olhe o que havia acontecido essa noite no baile. Eu não podia

abraçar algo que tinha bagunçado com tantas vidas, algo que eu tinha

presumido que era mau.

"Espera um minuto," Lindsey disse. "Você vai beber o sangue dela?"

"O que você esperava?" Tory exigiu. "É um ritual de sangue. Dã."

"Eu sei," Lindsey disse, ficando, se uma coisa dessas era possível, mais

pálida ainda. "Mas eu não sabia que você iria beber ele. Eu também tenho?"

"Você quer que eu seja uma bruxa de verdade," Tory rugiu, "ou não?"

"Bom," Lindsey disse. "Sim. Eu acho. Eu não sei. Mas você vai mesmo fazê-la

beber aquele negócio com os cogumelos dentro? E se ela ficar doente? Eles

podem ser venenosos, pelo que você sabe."

"Não vai importar," Tory disse. "Ninguém vai acreditar nela. Eles vão achar

que ela se envenenou, por conta do que aconteceu no baile. E até lá eu terei

os poderes dela - que ela nunca apreciou, muito menos aprendeu como usá-

los corretamente. E mamãe e papai vão ficar nas minhas mãos." Para mim,

Tory disse, em uma voz que era novamente tranqüilizadora, "E Zach vai me

amar, não a ela. Espere e verá."

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Mas eu mal ouvi ela. Porque eu estava pensando, E se o que Lisa tinha dito

era verdade, e todas as coisas ruins que tinham acontecido comigo não

tinham sido causadas por azar, mas por medo...medo interno? Medo do que

eu realmente era?

Medo que QUEM eu realmente era.

A magia vai me salvar. Branwen vai me salvar...se eu abraçar aquilo que eu

temo.

E de repente, minha mente ficou vazia. Ao contrário, eu pensei na magia e

como ela podia me salvar. Eu pensei na lua, tão brilhante e alta, com aquele

arco-íris em volta dela. Eu pensei nas rosas florescendo pelo jardim todo. Eu

pensei em Branwen, e como ela tinha devolvido o meu colar, e na calma que

eu senti após ve-la, sorrindo, do lado da minha cama.

E eu pensei em Zach, na casa ao lado. Tudo que ele tinha que fazer era olhar

pela janela. Então ele veria o gazebo...ele me veria.

"Eu não sei mais por quanto tempo eu posso segura-la," a voz de Gretchen

soava tremida com o medo. Eu não tinha percebido aquilo antes. Mas agora,

era como se os meu sentidos tivessem sido aguçados. Eu estava ciente do

perfume das rosas no ar, tão doce.

Acorda, Zach. Olha pra lua, Zach. Eu estou aqui, Zach. Eu estou aqui

embaixo.

"Está bem," Tory parecia furiosa. "Então cala a boca e assista enquanto eu

faço isso."

Tory então começou a "fazer isso" segurando a faca para que a lâmina

cintilasse no luar que entrava pelo teto de vidro do gazebo. Então Tory

enfatizou, "Em nome de Hecate, e Branwen, e...e de todas as bruxas do

mundo, eu tiro dessa mulher o que por direito pertence a mim."

Ela sinalizou para que Lindsey se abaixasse e agarrasse os meus dois pulsos

- o que ela fez, apesar de eu ter lutado para afastá-los dela, ao mesmo

tempo que lutava para me libertar do forte agarro de Gretchen - e os

segurasse acima do cálice.

E, sem o menor sinal de hesitação, Tory começou a descer a lâmina brilhante

que ela segurava.

Que foi quando três coisas aconteceram simultaneamente. Lindsey soltou as

minhas mãos e gritou, "Ah meu Deus, Tory! Você não pode realmente-"

E eu ergui o meu joelho contra a parte de baixo da mesa o mais forte que eu

pude, inclinando o pesado vidro - e o cálice, as velas, e a poção de

cogumelos em cima dele - na direção da Tory.

E eu escutei a porta do gazebo abrir drasticamente, e uma familiar voz

masculina disse, "Que diabos está acontecendo aqui?"

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Capítulo 21

― Zach! – gritou Tory, levantando-se. – Ah, meu Deus! O que você está

fazendo aqui? Sua visita é um prazer!

Mas Zach não parecia no clima para amenidades sociais. Talvez fosse o

tampo de vidro da mesa que havia rolado sobre a bainha da saia de Tory,

que ela estava tentando soltar, desesperada, embora simulasse casualidade.

Ou talvez fosse a faca, ainda nas mãos dela, ou a poção de cogumelos

derramada no vestido.

Talvez fosse a expressão culpada de Gretchen e Lindsey.

Ou talvez fosse o fato de que eu estava amarrada, amordaçada e

esparramada de modo vergonhoso no piso do caramanchão.

De qualquer modo, ele não respondeu à pergunta de Tory. Em vez disse se

ajoelhou ao meu lado e tirou as luvas da minha boca.

― Você está bem? – perguntou.

Confirmei com a cabeça. Não creio que eu teria falado, mesmo se quisesse.

Não porque minha prima tinha tentado me matar. Mas porque Zach havia

corrido para me resgatar sem se lembrar de vestir uma camisa.

Talvez Tory tivesse me matado, e eu havia morrido e ido para o céu.

Só que, se isso era o céu, por que Lindsey estava chorando?

― Ah, Zach, por favor não conte ao senhor e à senhora Gardiner sobre isso –

implorou ela. – A senhora Gardiner é do mesmo grupo de voluntários da

Sloan-Kettering da minha mãe. Ela vai me MATAR se descobrir que eu estava

brincando de ser bruxa.

Foi então que Tory berrou:

― LINDSEY! CALA A BOCA! – E em seguida começou a falar

ininterruptamente: – Nós tentamos fazer com que ela parasse. Sério, por

Deus, Zach. Mas Jean ficou tão perturbada, você sabe, com o que aconteceu,

por que eu a denunciei como bruxa no baile, que tentou se matar. Foi assim

que nós a encontramos. Já íamos ligar para emergência...

― Ela se amordaçou? – perguntou Zach, áspero. – E amarrou as mãos? Bela

tentativa, Tory. Mas ouvi o que você estava falando com ela, sua doente...

Então Zach disse uns palavrões bem feios. Do tipo que minha mãe teria

cobrado uma grana, se ele falasse em Hancock.

― Meu Deus – Tory pareceu furiosa. – Ótimo. Não acredite em nós. O único

motivo para você estar do lado dela é porque ela fez um feitiço de amor para

você. Como é a sensação de saber que você não passa de uma vítima da

MAGIA manipuladora dela?

Tentei dizer: “Não. Não escute o que ela está falando. Eu usei magia. Chamei

você aqui com magia, Zach. Mas para me ajudar. Não para me amar. Nunca

para me amar. O boneco era dela! Aquele boneco era dela!”

Mas nada saiu de mim a não ser um grasnado. Eu não conseguia falar porque

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minha garganta estava seca como areia.

― A única vítima que estou vendo aqui é a Jean – Zach disse, sério. – O que

há de errado com você, Tory? Você poderia realmente fazer mal a ela.

― Ah, claro. – Tory começou a fungar. – Fique do lado dela. Isso é muito

legal. Eu conheço você desde o jardim-de-infância, mas fique do lado da

pessoa que você só conheceu há um mês.

Mas Zach não estava escutando.

― Me dá essa faca – ordenou a Tory.

Ela entregou a faca em silêncio enquanto Gretchen falava, parecendo morta

de medo:

― Eu nunca pensei que a coisa chegaria tão longe, Zach. Nunca pensei que

Tory queria mesmo fazer mal a ela. Quando ela falou sobre isso, disse que só

iria cutucá-la um pouco. E também que Jean não iria se incomodar, que

estava enjoada da má sorte, ou sei lá o quê, e queria se livrar dessa coisa e

dar a ela.

― Nunca! – Falei. – Nunca vou abrir mão do meu poder! Eu o abracei! Não

tenho mais medo dele!

Mas tudo que saiu foram mais grasnados.

― Só que não era azar – então foi Gretchen quem começou a falar sem parar

–, era magia, e ela, Jean, simplesmente não sabia como usar direito. E se

Tory bebesse o sangue dela, o sangue de Jean, aquele negócio dela com o

boneco iria dar certo, e você amaria Tory como ela queria...

― GRETCHEN! – berrou minha prima. – CALA A BOCA!

Zach usou a faca de Tory para cortar a corda que amarrava minhas mãos. Só

quando me puxou para que eu ficasse de pé ele notou – nós dois notamos –

que eu não conseguia andar direito. Não por causa de alguma coisa que Tory

tivesse feito, mas pela dor no joelho, que eu havia acertado com tanta força

no tampo de vidro, para derrubá-lo.

― Venha – Zach passou o braço pela minha cintura. – Apóie-se em mim.

E me ajudou a sair mancando do caramanchão para o ar puro da noite no

jardim, onde Mouche nos recebeu com um minúsculo miau interrogativo.

― Não podemos deixar Mouche do lado de fora – tentei dizer. – Alice vai

pirar se ela não estiver na cama na hora de acordar.

Mas minha voz ainda estava enferrujada demais por causa da mordaça, e

tudo que saiu foi:

― Mouche.

― Eu sei – disse Zach. – Vou pegá-la depois de colocar você lá dentro. Não

se preocupe.

E então ele estava batendo numa porta, e alguns segundos depois escutei a

voz de Petra perguntar, sonolenta:

― Sim? Quem e... ah, Zach? O que você está...

Em seguida, numa voz muito menos sonolenta:

― Jean!

Então o luar desapareceu e estávamos no aconchegante apartamento de

Petra, no porão, cuja porta dava para o jardim. Zach me colocou no sofá de

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Petra, e tive tempo de notar que Willem não estava dormindo ali, afinal de

contas. Estava parado na porta do quarto de Petra, usando apenas um short

e uma expressão realmente confusa. Incrivelmente confusa.

Se bem que não tão bonito quanto o Zach, que vestia apenas os jeans que

havia posto com tanta pressa que nem estavam abotoados direito.

E as mãos de Zach estavam cheias de cortes. O que havia acontecido com as

mãos dele?

Ah. As rosas.

― Ah, meu Deus – espantou-se Petra. – O que aconteceu?

As rosas. Ele cortou as mãos nas roseiras, pulando o muro.

Mas, por acaso, Petra não estava falando de Zach.

― Ela está bem. Só precisa de um pouco d’água – disse Zach. Em seguida

mais duas palavras, pronunciadas com tanta frieza que gelaram meu

coração. – Foi Tory.

― Os pulsos dela...

― Tory a amarrou – respondeu Zach.

― Ah, meu Deus. Vou acordar os Gardiner – disse Petra.

― NÃO! – gritou uma voz aguda.

E foi então que percebi que Tory havia nos acompanhado desde o

caramanchão.

― Petra, não! – gritou Tory. Sua expressão (Willem havia acendido a luz) era

arregalada, quase de histeria. Estava ali parada com seu vestido branco

manchado de poção, parecendo Cinderela no baile depois de perceber que o

relógio havia marcado meia-noite. – Não conte à mamãe e nem ao papai!

Jinx me disse que queria se livrar de seus poderes. Disse que não podia lidar

com eles... estava cansada de viver com tanto azar. Eu estava tentando

ajudá-la. Sério.

― Poderes? – perguntou Willem. – Que poderes são esses?

― Tory – Petra se ajoelhou ao meu lado e me dava um copo cheio d’água,

que peguei e tomei inteiro, imediatamente. – Agora, não.

― Espera – Tory começou a chorar. Fiquei olhando enquanto as lágrimas

escorriam pelo rosto bonito. – Era uma brincadeira. Só isso. Jinx estava

participando. Ela gostou.

― Ah, é mesmo? – A voz de Zach saiu dura. – E o rato morto? Ela gostou

daquilo? E todo mundo na escola pensando que ela era dedo-duro, quando

foi você – e não negue – que entregou Shawn... seu próprio namorado? E a

armação que você fez esta noite no baile, trazendo aquele cara de Iowa? Eu

pude ver como Jean estava gostando. – A voz de Zach estava repleta de

sarcasmo. – E quem não gosta de ser amordaçada e amarrada?

― Eu disse! – berrou Tory, agora realmente histérica. – Era só uma

brincadeira! Jinx, diz a eles! Diz que era só um jogo!

Olhei para Tory, ali na sala quente e arrumada de Petra, parecendo tão

incrivelmente linda. Ela sempre havia sido a mais bonita de nós duas.

Mas nunca me ressenti por causa disso. Aceitava, como a gente aceita ter

uma irmã mais alta, ou um irmão melhor no basquete.

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Mas ela nunca pudera me aceitar, aceitar o que eu tinha e ela não. Que ela

nunca, jamais, teria.

A verdade era: por que ela deveria aceitar, quando durante tanto tempo eu

mesma não havia sido capaz de aceitar o meu dom?

Mas agora, não. Agora tudo era diferente. Tudo.

Acima de tudo, eu.

― Diga a eles – implorou Tory por entre as lágrimas. – Diga que era só uma

brincadeira, Jinx.

― Não – respondi. E desta vez, quando falei, soube que todos podiam me

entender. – Não, na verdade não era uma brincadeira.

Foi então que Petra, pálida, mas decidida, virou-se e rumou para a escada.

Tory correu atrás dela, gritando:

― Não, Petra! Eu posso explicar! Espera!

E Willem, confuso, mas determinado, foi atrás de Tory, aparentemente para

garantir que ela não fizesse nada com Petra.

E então fiquei sozinha com o Zach.

Tinha certeza de que a demonstração de cavalheirismo dedicado de Willem

devia ser difícil para ele, por isso virei para Zach e falei:

― Sinto muito.

Ele me olhou, claramente surpreso.

― Sente? Pelo quê? Nada disso foi sua culpa.

― Não estou falando disso. Estou falando de Petra. E Willem. Eu ia lhe

contar. Mas não tive chance; Você sabe. – Quando ele continuou me olhando

inexpressivo, elaborei: – Zach, sinto muito. Mas acho que eles não vão

romper nem tão cedo. Ela o ama de verdade. E ele ama Petra de verdade.

A expressão de Zach, me olhando, passou de surpresa para outra que

reconheci. Era a mesma daquele dia no campo de beisebol, uma mistura de

frustração e diversão.

― Jean, eu não sou a fim de Petra.

― Como assim você não é a fim dela? – Perguntei, espantada. – Você ama

Petra.

― Não. Não, não amo. Nunca amei.

― Amou sim. – Sentei-me um pouco mais empertigada, depois me encolhi,

quando o movimento fez meu joelho doer. Mesmo assim, aquilo era

importante demais para deixar passar. – Você me disse que amava.

― Não – repetiu Zach. – Você disse que eu a amava. Porque aquele idiota do

Robert falou. Eu só disse que houve um tempo em que achei Petra

interessante. Foi você que continuou falando disso. Mas a verdade é que tem

alguém que eu acho muito mais interessante já há algum tempo.

― Tem? – Encarei-o, confusa... e consternada. – Você nunca me disse.

― Não, não disse. Achei que era mais fácil deixar você continuar pensando

que eu amava Petra. Porque dava para ver que você ainda estava pirada com

o que havia acontecido lá em Iowa, com o tal cara. Achei eu você não estava

pronta...

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― Pronta? – balancei a cabeça. O que ele estava falando? – Pronta para quê?

― Para que eu dissesse a verdade. – Zach estava me olhando tão

intensamente que seus olhos verdes pareciam tão luminosos quanto a luz lá

fora. – Que eu tinha parado de gostar de Petra no minuto em que vi você. –

Quando continuei a olhá-lo sem entender, ele continuou: – Naquela mesma

porcaria de caramanchão, no dia em que você chegou. Não diga que não

lembra.

― Eu? – Ainda achava que não havia entendido direito. – Eu?

― Você, claro – ele afirmou, incrédulo. – Jean, como pode não ter percebido?

Tory percebeu. Por que você acha que ela ficou com tanta raiva? Esse tempo

todo você ficava dizendo a ela, a mim, a todo mundo, que nós dois éramos

só amigos, quando ser só amigos era a última coisa que eu queria. E Tory

sabia. Ela via o que todo mundo podia ver, só de me olhar. Todo mundo

menos você, pelo jeito. Que eu estava de quatro por sua causa... – A voz de

Zach ficou no ar enquanto ele me olhava. – Ainda não acredita, não é?

Como eu poderia acreditar? Como isso poderia estar acontecendo – logo

comigo?

― Era disso que eu tinha medo – ele suspirou. – Acho que você não me dá

outra opção.

― Não dou outra opção a não ser... o quê? – berrei, alarmada.

― Isso.

E a próxima coisa que notei foi os lábios dele nos meus.

Acho que, para nosso primeiro beijo, foi bem atordoante. Bom, certo, talvez

alguém como Tory, que está anos-luz à minha frente em sofisticação,

pudesse ser beijada daquele modo e não perder a cabeça.

Eu, por outro lado, não podia. Não que ele tenha me agarrado e grudado

meu corpo ao dele, como Dylan, na primeira vez em que me beijou. O beijo

de Zach foi o mais gentil que se pode imaginar. Ele mal estava me tocando, a

não ser onde seus dedos encostavam no meu ombro.

Mas mesmo suave, foi longo. O que se poderia chamar de prolongado.

E eu senti até os dedos dos pés.

Ah, senti.

Quando ele levantou a cabeça e me olhou de novo, mal notei. Porque havia

passarinhos e estrelas voando diante dos meus olhos, de tão atordoada que

eu estava pela sensação dos lábios de Zach nos meus.

Graças a Deus eu estava sentada. Se estivesse de pé quando ele me beijou,

tenho certeza de que teria despencado no chão. Era como se eu estivesse

derretendo. Por dentro.

― Agora – perguntou ele em sua voz profunda e calma – acredita?

Mas era difícil formular uma resposta, porque meus lábios estavam pinicando

demais.

― Tudo bem – disse Zach quando eu não respondi imediatamente. – Deixe-

me tentar de novo.

E se inclinou para me beijar mais um pouco.

Dessa vez, quando ele levantou a cabeça, pássaros, estrelas e até pequenos

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arco-íris pareciam flutuar na minha frente. Era como se alguém tivesse

derramado uma caixa de amuletos da sorte em gravidade zero.

― E então? – insistiu Zach. – Agora acredita que é você que eu amo, que eu

sempre amei, desde aquele dia em que você cuspiu chá gelado Long Island

em cima de mim? Acredita que estou cansado de tentar não beijar você?

Acredita que realmente, de verdade, não quero mais ser só seu amigo?

― Ahã – assenti como uma idiota.

Então passei os braços pelo pescoço dele e puxei-o para mim. E o beijei mais

um pouco.

Capítulo 22

Meu joelho estava bem machucado, mas não o desloquei. O médico disse

que o hematoma provavelmente ia até o osso, mas que iria sumir. Um dia.

Mais ou menos, eu esperava, como aconteceria com minha lembrança do que

havia acontecido naquela noite no caramanchão.

Bem, não todas as lembranças daquela noite, claro.

Quando voltei à Encantos, para agradecer a Lisa por tudo que ela havia feito

por mim e contar o que havia acontecido – por exemplo, o motivo pelo qual

eu estava usando muletas –, ela sorriu e disse:

― Então. Você fez.

Não precisei perguntar o que ela queria dizer.

― É. Fiz.

Ela mandou que eu dormisse com lavanda embaixo do travesseiro. Isso iria

adoçar meus sonhos.

Não adoçou.

Mas definitivamente fez a roupa de cama cheirar melhor.

O que ajudou, na verdade, foi o tempo. O tempo e, claro, os amigos.

Tia Evelyn e tio Ted ficaram horrorizados ao saber o que Tory havia feito

comigo. Mas ela ainda era filha deles e, bem, eles precisavam defendê-la.

Mesmo que ela fosse totalmente maluca.

Eu podia entender. E não era como se ela tivesse tentado me matar.

Tenho quase certeza.

Tory só pretendia tomar algumas gotas do meu sangue, absorver o que quer

que ela estava tão convencida de que eu havia herdado e ela não, me obrigar

a beber alguma poção nojenta feita com cogumelos tirados de uma lápide, e

depois me soltar.

Pelo menos foi o que ela disse aos pais que teria acontecido, se Zach não

tivesse intervindo.

Acho que acredito. Quero dizer, é a mesma história que Lindsey e Gretchen

contaram aos pais DELA.

Mas elas, claro, dificilmente admitiriam que tinham sido cúmplices de uma

tentativa de assassinato.

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Verdade: a única dúvida que eu tinha em relação a coisa toda era... bem, a

que apresentei ao Zach no dia seguinte. Eu havia chegado do consultório

médico e estava com um saco de gelo no joelho, sentada diante da TV,

enquanto o senhor e a senhora Gardiner iam aos terapeutas de Tory... com

Tory, claro.

A dúvida era: como ele ficou sabendo? O que estava acontecendo no

caramanchão?

― Eu estava acordado. – Não conseguia dormir. – Ele me lançou um sorriso

torto. – Acho que você sabe por quê.

― Aquele boneco era de Tory – falei pelo que parecia a milionésima vez – e

não...

― ... seu. Eu sei. Gretchen disse isso ontem à noite, lembra? De qualquer

modo, eu estava acordado e... não lembro exatamente. Ah, ouvi um gato

chorando. Devia ser Mouche...

― Era.

Mouche estava em segurança com Alice, que não ficou sabendo que sua gata

amada havia sido usada de modo tão perigoso.

― Certo. Bem, foi então que olhei pela janela e percebi as luzes no

caramanchão. E só achei... esquisito. Você sabe, as velas acesas. E também

que Mouche estivesse do lado de fora tão tarde. Por isso desci e pulei o muro

para dar uma olhada. Enquanto me aproximava, escutei aquelas maluquices

que Tory estava falando com você. Então entrei e vi... bem, você sabe o que

eu vi.

Confirmei com a cabeça. É. Eu sabia o que ele tinha visto.

E também o que tinha ouvido.

Mouche, é. Mas também eu. Ele me ouviu.

Ele não sabia. Provavelmente nunca saberia. Mas tudo bem.

Por enquanto.

― Mas se você sabia que o boneco não era meu, o tempo todo, porque não

disse nada? Quero dizer, no baile?

― Você foi embora tão depressa, como é que eu poderia? Tentei pasar aqui

mais tarde, mas Petra disse que você estava dormindo. De qualquer modo,

eu sabia que você não tinha feito o boneco porque conheço você. Você

sempre conta a verdade... bom, a não ser por aquela mentirinha de ter

comprado o livro para o aniversário de sua irmã Courtney. – Fiquei vermelha,

espero que de um modo bonito. Mas mesmo assim. – E que você acabou

confessando. Admitiu que fez o boneco do Dylan, e era fácil ver que os dois

bonecos não tinham sido feitos pela mesma pessoa.

Espero que sim. Afinal, eu tirei dez em costura na sétima série. Ao passo que

o boneco feito por Tory... bem, dava para ver que era feito por alguém que

nunca havia costurado nem um pegador de panelas.

― Por isso eu sabia que você não tinha tentado fazer um feitiço de amor para

mim usando um boneco idiota – continuou Zach. – Mas... bom, mais cedo

naquele dia eu encontrei um negócio esquisito na minha mochila...

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E tirou do bolso dos jeans o saquinho que Lisa havia feito para mim.

― Isso é para proteção – expliquei. – Eu estava preocupada com a hipótese

de Tory fazer alguma coisa contra você. Você deve ficar com isso, para que

nada de ruim lhe aconteça.

Ele olhou para o saquinho e assentiu.

― Suspeitei de algo assim – ele recolocou o sachê no bolso. – Mas não tinha

certeza.

Então percebi o que ele queria dizer.

― Espera... você não achou que era uma poção do amor, ou algo do tipo,

achou? – perguntei ficando totalmente vermelha.

― Bom. Eu estava mesmo tendo dificuldade para tirar você da minha cabeça.

Por isso me passou pela mente que talvez...

― Zach! – gritei sentando-me. E machucando o joelho. – Eu nunca... eu já

disse, aprendi minha lição com o Dylan! Nunca, nunca mais vou fazer

nenhum feitiço de amor enquanto viver.

― Eu sei – ele riu. – Eu me apaixonei por você muito antes de você ter a

chance de me enfeitiçar. Foi quando falou “nunca estive em Long Island”.

Não consegui esconder um enorme riso pateta.

― Me apaixonei por você no “eu gosto de focas” – admiti.

Ele riu de volta.

― E, de qualquer modo – continuou ele –, você sabe que eu não acredito

nessa bobagem de bruxaria. Já falei isso.

― Sei que não acredita. Mas você tem de admitir... – Como é que eu poderia

dizer? – O negócio com o Dylan...

― Você mesma disse. Ele era um cara preparado para se apaixonar e você

apareceu na hora certa.

― É. Mas como explicar eu ter empurrado você do caminho do mensageiro

de bicicleta?

― A mesma coisa. Lugar certo, hora errada.

― E ontem a noite? Zach, como você ao menos pode começar a explicar a

noite passada?

― Que parte? A parte em que sua prima psicopata tentou tirar seu sangue

para herdar um pouco da magia da sua avó morta? Ou a parte em que salvei

você?

― A segunda parte. Como você sabia que deveria olhar pela janela naquela

hora?

― Eu disse. Ouvi a gata de Alice.

A gata? Ou eu?

Ou... Branwen?

― De qualquer modo – Zach deu de ombros –, agora estamos quites, você

sabe. Não lhe devo mais servidão eterna. Você me salvou de ser atropelado

por uma bicicleta e agora eu salvei você de sua prima psicótica. E, por falar

em psicótica, o que aconteceu com o tal do Dylan, afinal?

― Os Gardiner o puseram num avião de volta para Iowa hoje cedo – suspirei.

Percebi que jamais conseguiria fazer com que Zach admitisse a existência de

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algo como magia. Ah, bem. Ele acabaria descobrindo sozinho. Pelo menos se

ficasse perto de mim por tempo suficiente. Disso eu não tinha dúvida.

― Meus tios descobriram que ele estava hospedado no Waldorf. Tory usou

um cartão de crédito deles para pagar um quarto, sem falar da passagem de

avião. Ele gastou quinhentos dólares só em serviço de quarto e pay-per-

view.

― Uau. Sem dúvida você sabe escolher.

Joguei uma almofada do sofá em cima dele. Zach pegou-a rindo e disse:

― Você deve estar se sentindo melhor. – Em seguida se acomodou no sofá

perto de mim, tendo o cuidado com meu joelho machucado, e se inclinou até

estar com o rosto a uns dois centímetros do meu.

― Ei, Jean – disse ele, muito mais baixinho.

Olhei para os lábios de Zach.

― Sim?

― Tenho a sensação – ele começou a olhar para os meus lábios – de que

ninguém mais vai chamar você de Jinx. Acho que de agora em diante sua

sorte vai mudar.

E então me beijou.

É estranho, mas Zach estava certo. Com relação à minha sorte mudar. Por

exemplo: sabe a bolsa da escola Chapman, da qual Zach me falou?

Bom, eu fiz o teste.

E ganhei.

Em seguida, claro, houve a parte incômoda... perguntar a tia Evelyn e tio Ted

se eu podia ficar com eles durante o próximo ano letivo.

Mas pelo modo como eles reagiram, ficou claro que nunca haviam pensado

que eu ao menos pudesse querer voltar a Hancock. Agora eu fazia parte da

família – da família deles – e podia ficar o quanto quisesse.

Isso talvez se devesse ao fato de que, no fim das contas, foi Tory que

partiu... para um internato militar, onde passou o resto do segundo ano do

ensino médio, além das férias de verão. E então, quando voltou – o cabelo

tingido de preto havia sumido e os pêlos curtos e novos de seu louro natural

cobriam a cabeça dela como a penugem de um pinto –, seus pais tinham

uma surpresa: haviam feito a inscrição dela num colégio interno “especial”,

em vez da Chapman, para o ano seguinte.

E ainda que Tory os tivesse acusado de mandá-la para o colégio militar, isso

não era verdade. De jeito nenhum. A escola para onde a mandaram era um

lugar lindo na área rural de Iowa – imagine só –, onde os alunos faziam

coisas como cuidar de uma fazenda, caminhadas e basicamente desafiarem a

si mesmos como nunca haviam feito antes. Em outras palavras...

Aprendiam a abraçar seus temores.

Todos os dias.

Não foi fácil para tia Evelyn e tio Ted mandá-la para lá. Mas, como disse

minha tia, ela precisava se preocupar com Teddy e Alice, e não achava que

Tory fosse exatamente o melhor modelo de comportamento no mundo, para

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eles.

E sabe o que era bom com relação ao lugar onde haviam mandado Tory? Ela

podia ficar com a minha família nos fins de semana.

Isso mesmo. Tory ia visitar Hancock todo sábado e domingo, e ver como era

ser filha de uma pastora.

Segundo Chanelle, para quem Tory escrevia ocasionalmente, Tory achou a

vida na minha casa mais difícil ainda do que no colégio militar.

Mas havia uma pessoa para consolá-la no sofrimento.

Com Dylan vindo todos os fins de semana da Universidade Estadual de Iowa,

e Tory lá em Hancock todo fim de semana, bem... acho que era natural que o

amor florescesse.

Pelo menos se der para acreditar no último e-mail de Courtney – reclamando

que Dylan e Tory vivem levando bronca de mamãe porque ficam se

agarrando na sala de TV.

E apesar do que Zach pudesse pensar, não tive nada a ver com isso. Afinal

de contas, tinha prometido a Zach que não faria feitiços de amor.

E falei sério. Porque o amor melhor e mais duradouro tem magia própria, e

não precisa da ajuda de nenhum feitiço.

Zach também estava certo com relação a outra coisa:

Agora ninguém me chama de Jinx. É só Jean. A simples e velha Jean.

E eu gosto.

FIM!