sinais sociais - aÇÃo afirmativa' polÍtica pÚblica e opiniÃo

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ApRESENtAÇÃo 5 EDitoRiAL7 SobRE oS AUtoRES8 FAtoRES QUE iNFLUENCiAm o AmbiENtE DA ASSiStêNCiA à SAúDE No bRASiL 10 moDELo AtUAL E NoVAS pERSpECtiVAS Fláva pe AÇÃo AFiRmAtiVA: poLÍtiCA púbLiCA E opiNiÃo38 Jã Feres Jnr A ARQUitEtURA NA ‘EStÉtiCA’ DE LUKÁCS78 Juare Duayer pREViDêNCiA CompLEmENtAR pARA o SERViÇo púbLiCo No bRASiL120 marcel A-Raa Caean tRANSFERêNCiAS DE RENDA FoCALizADAS NoS pobRES150 o bpC VERSUS o boLSA FAmÍLiA Sna Rcha SUmÁRio

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ApRESENtAÇÃo5

EDitoRiAL7

SobRE oS AUtoRES8

FAtoRES QUE iNFLUENCiAm o AmbiENtE DAASSiStêNCiA à SAúDE No bRASiL10moDELo AtUAL E NoVAS pERSpECtiVAS

Fláva pe

AÇÃo AFiRmAtiVA: poLÍtiCA púbLiCA EopiNiÃo38Jã Feres Jnr

A ARQUitEtURA NA ‘EStÉtiCA’ DE LUKÁCS78Juare Duayer

pREViDêNCiA CompLEmENtAR pARA oSERViÇo púbLiCo No bRASiL120marcel A-Raa Caean

tRANSFERêNCiAS DE RENDA FoCALizADASNoS pobRES150o bpC VERSUS o boLSA FAmÍLiA

Sna Rcha

SUmÁRio

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SiNAiS SoCiAiS | Rio DE JANEiRo | v.3 nº8 | . 38-77 | SEtEmbRo > DEzEmbRo 200838

AÇÃo AFiRmAtiVA:poLÍtiCA púbLiCAE opiNiÃo João Feres Júnior

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39SiNAiS SoCiAiS | Rio DE JANEiRo | v.3 nº8 | . 38-77 | SEtEmbRo > DEzEmbRo 2008

Este artigo tem como objetivo principal analisar as opiniões contrárias às po-líticas de ação afrmativa veiculadas pela mídia brasileira. Para que tal análisetenha como substrato dados concretos, o autor primeiramente apresenta umdiagnóstico geral do avanço da ação afrmativa nas universidades públicas emnosso país. Logo em seguida, os principais argumentos de justifcação da açãoafrmativa são examinados, com o intuito de ornecer elementos de compara-ção com os argumentos negativos. Os argumentos contrários à ação afrmativa

mais representativos do debate midiático são, então, apresentados e classifca-dos em três ormações discursivas: “Raça e identidade nacional”, “Cidadania eo estado” e “Procedimentos e resultados”. Por fm, o autor discute a pertinênciade cada um desses discursos tendo em vista o conhecimento acadêmico acu-mulado sobre o tema, advindo tanto de análises de casos no Brasil como daexperiência com políticas de ação afrmativa em outros países.

This article ocuses on the analysis o arguments against afrmative action po-

licies that appear in the Brazilian press. In order to place this discussion withinits due context, the author frst presents a diagnosis o the current state o afrmative action policies in Brazil’s public university system. Second, the ar-

 guments used to justiy such policies are examined. Then the chie argumentsagainst afrmative action appearing in the press are presented and classifedalong three discursive ormations, or themes: “Race and national identity”, Ci-tizenship and the state”, and “Procedures and results”. Finally, the author dis-cusses each o these discourses in light o empirical data and analyses providedby the academic literature both on afrmative action policies in Brazil and onexperiences with such policies in other countries.

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iNtRoDUÇÃo

Muito se tem escrito e discutido sobre o tema da ação armativana sociedade brasileira desde que essas políticas começaram a serimplantadas em nosso país, ou seja, a partir de 2002. Esse proces-so de discussão pública de políticas é undamental para a saúdede nossa democracia, por mais que os meios de comunicação porvezes sejam tendenciosos na sua representação e apresentação dedierentes opiniões em um dado debate, como, por exemplo, aspolíticas sociais do governo Lula, a integração regional da Américado Sul, ou as políticas de ação armativa. A mídia tem um papel

undamental nas sociedades de massa como a nossa, que é o dacirculação de inormações actuais e opiniões, nem sempre clara-mente distintas, e sem ela seria impossível ou improvável que tivés-semos uma visão de mundo complexa e em constante atualização.Sequer saberíamos a respeito de atos “remotos” como a guerra noIraque, eleições no Congo, ou mesmo a aprovação de uma medi-da provisória, a não ser de maneira ragmentária e retardada. Maso conjunto de opiniões expressas na mídia não deve ser tomadosem ressalvas e qualicações, como a opinião pública, ainda quealguns autores e publicistas o açam. Isso porque, em uma con-cepção democrática, o valor do “público” é muito grande para sermonopolizado pelo poder discricionário da mídia, ainda que deato os meios de comunicação tenham um grande poder de agenda

 setting e de conormarem (rame) os vários assuntos dessa agenda(Berger e Luckmann, 1990; Gitlin, 2003). Em outras palavras, deve-mos assumir que opiniões públicas se ormam sobre determinadosassuntos e são muitas vezes dierentes ou mesmo contrárias àquelas

expressas pelos meios de comunicação. O caso das Diretas Já e daRede Globo é lapidar, só para citar um exemplo muito relevante ànossa história democrática.

No caso da ação armativa, algo similar acontece, pois ainda quepareça haver uma super-representação de textos contrários nos meiosde comunicação, as poucas pesquisas de opinião pública sobre o tema

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mostram sua aceitação por parcela expressiva da população.1 Talvezmais importante ainda do que a opinião pública, é constatar que, a

despeito do debate público acalorado – que tem ocorrido em ondas,normalmente seguindo notícias novas, como a criação de reserva decotas em instituições de educação superior de prestígio, a publicaçãode novos dados e de análises reerentes ao acesso, ao desempenhoe ao perl dos estudantes na educação superior, maniestos contra ea avor das políticas de ação armativa assinados por celebridades,acadêmicos e militantes etc. –, em poucos anos os programas de açãoarmativa se espalharam por todo o território brasileiro. Uma pes-quisa recente realizada pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da

 Ação Armativa (GEMAA), o qual coordeno, identicou 57 Institui-ções Públicas de Educação Superior (Ipes), de um total de 90, quetêm algum tipo de programa de ação armativa em uncionamento nopresente momento. Se adicionarmos a essa inormação o ato de queas primeiras políticas dessa natureza para a admissão de candidatosno ensino superior oram criadas em 2002, isto é, há apenas seis anos,podemos constatar um crescimento realmente vertiginoso desse tipode iniciativa.

O presente artigo tem como oco as opiniões expressas na mídiaacerca da ação armativa. Mais especicamente, vou me concentrarna análise das opiniões contrárias à implantação dessa modalidadede política pública. Antes disso, contudo, é judicioso apresentar umdiagnóstico geral do avanço da ação armativa em nosso país, pois éimportante saber do que estamos alando. Também como prólogo àanálise central do texto, direi algumas palavras a respeito dos argu-mentos positivos, ou seja, daqueles que são usados para justicar taisiniciativas. Como já z isso mais detalhadamente em outro texto (Feres

 Júnior, 2005), me limitarei aqui a expô-los de maneira sintética.

1 Uma pesquisa nacional conduzida pelo Dataolha em 2006, nos dias 17 e 18de julho, quando oram entrevistadas 6.264 pessoas, revelou um índice de apro-vação de 65% para as cotas raciais e de 87 % para as cotas em universidades paraestudantes de baixa renda. A pesquisa também revelou que a maior parte dosdeensores das cotas raciais pertence às camadas mais pobres e menos educadas

da população, mas que o apoio é igual entre negros e brancos (UOL, 2006).

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AÇÃo AFiRmAtiVA No bRASiL DE HoJE

O número de universidades com programas de ação armativa noBrasil tem crescido tanto que qualquer levantamento dessas políticasestá adado rapidamente à obsolescência. De qualquer orma, nas pá-ginas que se seguem estão apresentados os dados de um levantamentoeito pelo GEMAA2. Tal levantamento é baseado em grande parte noseditais e documentos que regulamentam os programas de ação ar-mativa nas universidades, que podem também ser encontrados no site do GEMAA (http://gemaa.iuperj.br/). Aqui estão coligidos somente osdados das universidades públicas com programas dessa natureza. Em

outras palavras, não estão computados dados do ProUni, programado Governo Federal que troca bolsas de estudo por incentivos scaise que contém reservas para estudantes de escolas públicas e negros,e nem das universidades, aculdades e centros universitários privadosque adotam políticas similares.3 

Como já dissemos anteriormente, o presente cômputo identicou57 Instituições Públicas de Educação Superior (Ipes) com algum tipode programa de ação armativa de um total de 90 em todo o país. Adistribuição espacial destes programas é razoavelmente uniorme nascinco regiões do Brasil, considerando a razão entre Ipes que os ado-tam e o número total de Ipes. A média é de 63,3%, sendo que na daRegião Norte ela atinge seu valor menor, 41,7%, e nas regiões Centro-Oeste e Sul, seus maiores valores, 75% e 77,8%, respectivamente (vejaa tabela a seguir).

2 Gostaria de agradecer particularmente ao trabalho de Verônica Toste Dafone de Ana Cláudia Jaquetto Pereira na organização dos dados.3 Só para carmos em um exemplo, a PUC-Rio tem um programa de açãoarmativa para alunos oriundos dos cursos Pré-vestibulares para Negros e Ca-

rentes (PVNC) desde 1994.

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Ipes

Com ação afrmativa Total %

Nre 5 12 41,7%

Nrdese 18 28 64,3%

Cenr-oese 6 8 75,0%

Sudese 14 24 58,3%

Sul 14 18 77,8%

Total 57 90 63,3%

Fonte: Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afrmativa (GEMAA).

Um dado importante a respeito deste aumento rápido no númerode programas tem a ver com o tipo de Ipes que tem adotado açõesarmativas: ederal ou estadual. O sistema ederal se distribui por todoo país, com Ipes alocadas em todos os estados da ederação. Apesarde as universidades ederais enrentarem restrições orçamentárias de-vido ao ato de estarem sob controle do Ministério da Educação, elas,

 junto com as universidades públicas estaduais, desrutam de autono-mia administrativa considerável. “Autonomia universitária” é um valor

que goza de legitimidade no Brasil democrático contemporâneo, emparte porque esta autonomia vis-à-vis o governo permitiu às universi-dades proteger muitos acadêmicos da perseguição política durante operíodo de ditadura militar (1965-1989).

Nem todos os estados têm seu próprio sistema de universidades pú-blicas estaduais, e a qualidade de cada um destes sistemas, quandoexiste, varia de acordo com a riqueza dos estados. De orma geral,contudo, as universidades públicas do Brasil encontram-se em melhorposição do que as universidades privadas quando se trata de qualida-

de e quantidade da pesquisa e da educação em geral. 

 As Ipes estaduais oram pioneiras na implantação de programas de açãoarmativa no país. Já em 2002, sete destes programas oram criados. Noano seguinte, outros cinco surgiram, todos em Ipes estaduais. Foi só em2004 que duas universidades ederais aderiram a essa tendência. Desdeentão, vários programas oram criados, tanto em Ipes ederais quanto es-taduais. Apesar de as Ipes estaduais terem adotado programas de açãoarmativa antes e em maior número, o crescimento desses programas emIpes ederais também é expressivo, como mostra o seguinte quadro.

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AnoUniversidades

públicas estaduais

Universidades

públicas ederais

2002 7 02003 5 0

2004 0 2

2005 7 6

2006 4 1

2007 2 10

2008 2 8

2009 2 1

Total 29 28

Fonte: Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afrmativa (GEMAA).

 Ainda que muitos jornalistas e publicistas, inclusive acadêmicos, queparticipam do debate sobre ação armativa empreguem o termo “co-tas” para se reerir a todas as políticas de ação armativa de ingressono ensino superior, essa generalização não é correta, pois nem todosos programas de ação armativa hoje em uncionamento no Brasil se-guem o ormato das cotas. Alguns programas uncionam com o acrés-cimo de pontos à avaliação dos candidatos pertencentes aos gruposbeneciados, outros oram criados por meio do aumento do númerode vagas nos cursos, as quais oram reservadas aos beneciários daação armativa, e outros apresentam uma combinação destes crité-rios, segundo o quadro abaixo.

Tipos de programas Nº de universidades

Cas 24Acrésc de ns 7

Acrésc de vagas 7

Acrésc de ns e cas 1

Acrésc de ns, vagas e cas 1

Acrésc de vagas e cas 17

Total 57

Fonte: Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afrmativa (GEMAA).

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Em suma, os programas de cotas são de ato os mais comuns e têmcomo única alternativa verdadeira o sistema de acréscimo de pontos,

uma vez que o acréscimo de vagas corresponde a um tipo de cota.Nesses programas, adotados, por exemplo, pela Uniesp, UFMT, UEM,Uenp, UFRR, Unespar e Unicentro, as novas vagas criadas são desti-nadas especicamente para cada grupo beneciário e, se não preen-chidas, não são redistribuídas entre os candidatos não-cotistas, comoacontece na maioria dos programas de cotas. É interessante notar tam-bém que com a exceção da Uniesp, que criou vagas novas para can-didatos pretos ou pardos e indígenas oriundos da escola pública, todasas outras universidades que adotaram essa modalidade de política têm

somente programas para indígenas. A pouca variedade de programas de ação armativa, no que toca

seu desenho mais geral, se deve, em grande medida, à permanênciado vestibular, que ainda é o principal instrumento de avaliação doscandidatos para entrada no sistema universitário brasileiro.4 Portanto,os programas de ação armativa uncionam pela imposição de crité-rios redistributivos sobre os resultados do vestibular. Desta orma, emvez de uma competição “universal” pelas vagas disponíveis em cadacurso, no sistema de cotas temos uma competição por um número xode vagas (uma porcentagem do total) entre indivíduos pertencentes acada grupo beneciário, e uma competição geral, entre os candidatosque não se enquadraram em nenhum dos grupos, para as vagas rema-nescentes. Em ambos os casos a competição se dá por meio do resul-tado do vestibular. No sistema de acréscimo de pontos, os candidatospertencentes aos grupos beneciados recebem pontos extras na notanal do vestibular, o que supostamente permite que alguns indivíduospertencentes a grupos sociais desprivilegiados pontuem acima da nota

de corte e, assim, sejam aprovados. Em resumo, dada a continuidade4 Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96),é possível adotar mecanismos de acesso alternativos ao vestibular. Na prática, háexperiências em curso em algumas universidades que utilizam também dadosdo Exame Nacional de Curso (Enem), desde 1999, e dos Sistemas de AvaliaçãoSeriada implantados nos Estados. Há outras exceções no sistema privado, quetem se tornado cada vez mais competitivo em termos de recrutamento de novosalunos, em que algumas universidades abriram mão do vestibular e passaram a

aceitar alunos por meio de um processo simples de inscrição.

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do vestibular como o elemento central de avaliação, esses parecem seros únicos sistemas possíveis de uncionamento de programas de ação

armativa. A introdução de um sistema de applications, como o norte-americano, no qual a aprovação depende de vários atores (nota emum exame universal, SAT, origem social, origem geográca, currículoescolar, habilidades, hobbies, liação etc.) que são pesados e combi-nados por uma comissão ou banca requereria uma mudança muitogrande na cultura institucional de nosso sistema universitário, e não háqualquer garantia de que essa mudança produzisse mais eqüidade noprocesso de admissão.

Uma característica importante da ação armativa no Brasil é a sua

variedade em termos de tipos e números de critérios adotados. Algunsprogramas têm por objetivo a promoção de somente um grupo depessoas desavorecidas, outros beneciam dois, três, quatro ou atécinco categorias dierentes. E as categorias são também de naturezaheterogênea: etnia, raça∕cor da pele, origem regional, renda e educa-ção pública, como revelam claramente os quadros a seguir.

Nº de critériosNº de universidades

que os adotam

1 22

2 12

3 8

4 10

5 5

TOTAL 57

Fonte: Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afrmativa (GEMAA).

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Universidades que adotam um critério

Escla lca 10

indígena 7

Nav d esad 3

Decnca ísca 2

Universidades que adotam dois critérios

Negr / Escla lca 5

Nav d esad / Escla lca 2

Negr / indígena 3

indígena / Decnca ísca 1

Escla lca / pressr de escla lca 1

Universidades que adotam três critérios

Negr / indígena / inerr d esad 1

Negr / indígena / Escla lca 7

Universidades que adotam quatro critérios

Negr / indígena / Escla lca / Qulla 3

Negr / indígena / Escla lca / Decnca ísca 6Negr / mulheres / Nav d esad / Escla lca 1

Universidades que adotam cinco critérios

Negr / indígena / Escla lca / Decnca ísca / Rera agrára 1

Negr / indígena / Qulla / Escla lca / Decnca ísca 2

Negr / indígena / Escla lca / Decnca ísca / Flh de -lcal, er ec. r u ncaacad e servç

2

Fonte: Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afrmativa (GEMAA).

Estas categorias requerem algumas explicações. Quilombola é al-guém que se identica como ou que vive em uma comunidade rema-nescente de antigos quilombos. Uma universidade estadual adota cotapara pessoas nascidas no estado em que ela se encontra (nativo doestado). Como o quadro mostra, diversas universidades possuem açãoarmativa para estudantes provenientes do sistema público de ensinomédio (escola pública). De ato, como o quadro a seguir indica, o nú-mero de programas para candidatos de escola pública é bem mais alto

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do que o número de programas que utiliza categorias raciais5, os quaissão seguidos de perto pelo número de programas para indígenas.

Grupo benefciário Nº de universidades

Negrs 31

indígenas 31

Aluns egresss de escla lca 40

Decenes 14

Navs d esad 6

mulheres 1

Qullas 5

Rera agrára 1

Flhs de lcas ec. 2

pressres da rede lca 1

Fonte: Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afrmativa (GEMAA).

Esta breve apresentação da situação atual dos programas de açãoarmativa no país visa não somente a inormar o leitor, como tambéma preparar o cenário para a análise do debate público sobre o tema.Desde o princípio, uma característica interessante e undamental des-te debate deve ser destacada. Apesar de haver diversos programaspara candidatos de escolas públicas e muitos programas para minoriasindígenas, a vasta maioria dos textos sobre ação armativa que apare-cem na mídia concentra-se somente nos programas para negros. Maspor quê?

5 Na verdade, os termos empregados nas normas ociais que regulam os pro-cessos de admissão publicados pelas universidades variam consideravelmente:negros, pretos ou pardos, aro-descendentes, negros (pretos ou pardos), raçanegra (pretos ou pardos), negros (grupo étnico negro), aro-brasileiros. Fonte:Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Armativa (GEMAA). Preto é acategoria usada pelo IBGE desde que o órgão começou a realizar censos na-cionais em 1872, enquanto negro oi adotado pelo Movimento Social Negrocomo um conceito que simboliza a consciência da luta contra a discriminação

racial e não raro é associado à aro-descendência.

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JUStiFiCANDo A AÇÃo AFiRmAtiVA

Como já declarado antes, considerações mais detalhadas sobre aspossíveis justicativas das ações armativas oram publicadas por mimem outros textos (Feres Júnior 2004, 2005, 2008). Portanto, reproduziraqui o mesmo grau de detalhamento constituiria redundância e tam-bém um desvio do propósito original do presente ensaio.

Três argumentos são usados para justicar a ação armativa nos vá-rios países em que essa modalidade de política pública é empregada.Eles são: reparação, justiça social e diversidade. Mais especicamente,o argumento da diversidade é caracteristicamente norte-americano

– ainda que tenha contaminado o debate sobre o tema também emoutros países –, ao passo que reparação e justiça social são argumentosusados tanto nos EUA como em outros países.6 Ainda que possa sedizer de maneira geral e vaga que esses três argumentos de “justi-cação” têm por nalidade produzir justiça social, eles são qualitativa-mente dierentes e essas dierenças devem ser compreendidas.

Há dois tipos básicos de teoria da justiça, a procedimental e a subs-tantiva.7 No primeiro caso, a justiça reside na correção racional doprocedimento adotado. A essa classe de teorias pertencem tanto as

6 Na Índia, por exemplo, país que primeiro instituiu programas de ação ar-mativa, há, segundo Nesiah, dois tipos de políticas de preerência: 1) um,análogo à ação armativa dos Estados Unidos, cujos beneciários são de umgrupo historicamente oprimido, cuja posição que ocupam em um sistemaestraticado é determinada pelo nascimento, e cuja mobilidade é dicultadapela presença de um estigma, bem como pela perpetuação intergeracionalde seu baixo status social; e 2) um mais parecido com as políticas da Malásia,isto é, direcionado a grupos étnicos locais reqüentemente majoritários contra

uma minoria de instalação mais recente na região, mas que se entende queacumula privilégios e posições. No segundo tipo, permitido pela Constituição,mas operado apenas em nível local, não é necessária a prova do atraso (ba-ckwardness): basta ser nativo daquele estado ou região para o indivíduo terdireito à preerência em relação àqueles “de ora” (Nesiah, 1999: 157). Comopodemos notar, ambos os tipos contêm elementos de reparação, no primeirocaso devido à opressão histórica e no segundo, à origem geográca.7 Para uma discussão detalhada acerca da relação entre teorias de justiça eação armativa, ver o excelente artigo de Fábio D. Waltenberg publicado nes-

ta revista (Waltenberg, 2007).

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concepções mais libertárias de justiça, como as de Friedrich Hayek(1960) e de John Nozick (1974), como as mais igualitárias, como a

de John Rawls.8

Nem todas as concepções procedimentais de justiçase prestam a justicar políticas de ação armativa. As mais igualitáriassão de ato as melhores candidatas a esse papel, já que as concepçõeslibertárias se aerram ao princípio da igualdade estrita perante a lei eo princípio do Estado mínimo.9 Em concepções mais igualitárias temosnoções como a igualdade de oportunidades (Rawls, 1971) que sãocompatíveis com políticas de ação armativa. Tomemos como exem-plo as cotas para estudantes de escolas públicas. Em uma sociedadeem que a desigualdade de distribuição de oportunidades é grande e

padece da alta de justicativa moral, é justo que o Estado aja com analidade de corrigir esse problema. A educação superior é o caminhomais ecaz para a ascensão social (Hasenbalg e Silva, 2003), pois elapossibilita uma melhor entrada no mercado de trabalho, ou seja, elaé de ato um locus provedor de oportunidades. Portanto, segundo aconcepção igualitária, seria justa a ação do Estado que visa a promovermaior igualdade de oportunidades no acesso à educação superior etambém, via educação superior, no acesso ao mercado de trabalho.10 

8 Quanto à obra de Rawls o debate mais signicativo sobre o tema se encontrano seu clássico A Theory o Justice (Rawls, 1971). Em livros posteriores, Rawlsse dedicou a (1) responder seus críticos com uma teoria política que desseconta do problema da legitimidade das instituições, e portanto da deliberaçãopública, como Political Liberalism (Rawls, 1993), (2) reapresentar sua teoria da

 justiça, corrigindo algumas passagens e argumentos que a seu ver tinham cadoobscuros e dado margem a interpretações errôneas (Rawls, 1999b; Rawls eKelly, 2001), e (3) a estender sua teoria para as relações internacionais, tocandoquestões como direitos humanos, guerra justa etc. (Rawls, 1999a).9 Deve-se azer uma exceção aqui a Robert Nozik, ainda que deensor doEstado mínimo e das virtudes do mercado, que propõe uma teoria da justiçadas possessões ( justice in holdings) na qual a reparação por crimes do passa-do é possível quando estes se undam na expropriação ou exploração ilegalde uma pessoa ou um grupo de pessoas (Nozick, 1974). Tal argumento, emtese, poderia justicar políticas de ação armativa para grupos historicamentemarginalizados.10 Vide, por exemplo, a posição avorárel de Rawls no tocante à educaçãocomo meio de contrabalançar os eeitos da desigualdade de status social de-

vido à origem amiliar (Rawls, 1971).

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 As cotas para alunos oriundos do ensino público e para pretos e par-dos, por exemplo, são exemplos possíveis dessas políticas.11 

Em outras palavras, o argumento da justiça social pode ser resumidonos seguintes termos: as desigualdades em nossa sociedade causadaspor discriminação ou por oportunidades muito díspares são injustas,e, portanto, devem ser objeto de políticas de Estado que visem diri-mi-las. Devemos atentar para o tom anistórico desse argumento, poissegundo ele qualquer discriminação injusta merece ser objeto de po-líticas corretivas.12 Ou seja, não importa qual o conjunto de causashistóricas que levaram a uma determinada situação de desigualdade,colonização ou escravização, discriminação racial ou étnica etc., todos

os indivíduos ou grupos de pessoas nessa situação de marginalizaçãomerecem algum tipo de justiça social.

O argumento da reparação reqüentemente vem associado a con-cepções comunitaristas de justiça, e não a argumentos de justiça pro-cedimental.13 Ao contrário dos procedimentalistas que denem que o

 justo reside na correção do procedimento, os comunitaristas, maiorescríticos das teses procedimentalistas, acreditam que a justiça pode sermais bem explicada como derivada de um conjunto substantivo devalores, que é particular a cada sociedade, inscritos em suas institui-ções (Macintyre, 1981; Sandel, 1982; Walzer, 1983; Taylor, 1984). Adeterminação desse conjunto de valores substantivos, em sociedadespós-tradicionais como as democracias liberais contemporâneas, de-pende da constituição de um auto-entendimento partilhado, de uma

11 É claro que esse silogismo simples pode ser mais problematizado. Pode-mos discutir se a origem no ensino público é uma boa  proxy para promoverigualdade de oportunidades, ou se a melhoria da qualidade do ensino públicoundamental e secundário não seria a melhor solução etc. A nalidade aqui,

contudo, é somente mostrar um caminho possível do argumento. Para umaanálise, com a qual discordo por razões que não há espaço para expor aqui,acerca da adequação da teoria da justiça de Rawls às políticas de ação arma-tiva de corte racial, ver Álvaro de Vita (2008).12 Rawls, por exemplo, deende instituições que reparem as dierenças oriun-das de posições dierentes de  status social oriundas do nascimento e mes-mo de qualidades intelectuais e habilidades inatas (herança genética) (Rawls,1971), o que constitui uma proposta bem radical se tomarmos como elemen-to de comparação o uncionamento das sociedades reais do mundo de hoje.13

Ainda que, como dissemos, Roberto Nozick constitua uma exceção.

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interpretação comum e razoavelmente consensual acerca deles. Osautores dessa escola não são igualmente otimistas a respeito da pos-

sibilidade de se atingir tal consenso em sociedades complexas e mul-ticulturais; não obstante, concordam que o conteúdo de tais valoresdeve estar aberto à contestação pública por via democrática, algo quecorresponderia a uma idéia de tradições constantemente rearticula-das, modicadas e redenidas. Esse conjunto de valores seria a basede uma identidade coletiva comum, daí o nome comunitarismo. Oprocesso de negociação pública dessa identidade coletiva se dá peloexercício da razão pública via argumentos que são necessariamentehistóricos e interpretativos. Qualquer argumento que vise a reormular

o conjunto básico de valores e as instituições que deles derivam deveazer recurso a uma reinterpretação da história coletiva comum paramostrar que as coisas deveriam ser dierentes do que são. Um exem-plo “clássico” de argumento comunitarista é usado na justicação dademarcação de terras indígenas. Do ponto de vista puramente proce-dimental é diícil argumentar porque os indígenas mereceriam grandesextensões de terras, enquanto outros grupos sociais em estado similarde marginalização, não. Mas da perspectiva de uma concepção co-munitarista, a justicação se torna clara. Uma nação como o Brasil (oua Bolívia, os EUA, o Canadá, e praticamente todas as outras de nossocontinente) se constituiu por meio de um processo de expropriação,espoliação e não raro escravização brutal das comunidades indígenasali já residentes. Ao mesmo tempo os sobreviventes desse processohistórico de opressão contribuíram signicativamente para a ormaçãodo povo e da cultura nacional. Portanto, é justo que os remanescentesde comunidades indígenas e seus descendentes recebam algum tipode reparação pelos crimes do passado na orma de políticas públicas,

como, por exemplo, a demarcação de suas terras ancestrais.14

 Por mais que a linguagem do direito constitucional seja muito maisaeita a teorias da justiça procedimental do que às comunitaristas, háelementos comunitaristas em muitas constituições, inclusive na nossa.Tomemos por exemplo o parágrao 1 do artigo 215 da Carta de 1988:“O Estado protegerá as maniestações das culturas populares, indíge-

14 Novamente, como todo argumento político-moral, esse também está aber-to a um sem-número de contra-argumentos. Só pretendo, portanto, mostrar

um caminho possível.

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nas e aro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processocivilizatório nacional.” A passagem é tão claramente comunitarista que

quase carece de interpretação. É somente por serem parte constitutivado “processo civilizatório nacional” que as culturas indígenas e aro-brasileiras merecem um tratamento especial por parte do Estado. A

 justiça deriva, portanto, do reconhecimento de uma injustiça históricaque só adquire sentido do ponto de vista da unidade de uma comuni-dade nacional especíca, no caso a brasileira.

 Argumentos que justicam a ação armativa em termos de repa-ração ou justiça social têm sido usados nos Estados Unidos desde oadvento dessas políticas naquele país, em meados dos anos 60. Assim

como mostrei, embora os discursos públicos, tais como as alas depolíticos, tendiam a se concentrar no argumento da reparação, re-compensando os negros (depois, aro-americanos) pelo mal históricocometido contra eles, nos textos mais ormais das ordens presidenciaise da lei, a linguagem predominante é a da justiça social: a ação ar-mativa é uma questão de promoção de oportunidades iguais; de pro-moção de violações tópicas e regionais do princípio de igual proteçãopara promover grupos desavorecidos de pessoas (Feres Júnior, 2005).

  A diversidade começou a se tornar uma justicativa popular emprol da ação armativa nos anos 70 – um exemplo importante é aopinião do juiz Powell no amoso caso da Suprema Corte Regents o the University o Caliornia v.  Bakke (1978). Segundo esse juiz, queoi responsável por redigir a decisão do caso, os programas de cotasraciais seriam inconstitucionais, ainda que a adoção do critério “raça”em conjunto com outros critérios como habilidades, origem amiliar,geográca, hobbies etc. para determinar a seleção de candidatos nãoo osse. A justicativa para tal dierenciação é que a utilização de múl-

tiplos critérios, inclusive raciais, contribui para a diversidade da salade aula e essa, por seu turno, contribui para melhorar a qualidade daeducação. Enquanto a reparação e a justiça social perderam poder deatração nos anos pós-Reagan, o argumento da diversidade continua aser usado, constituindo hoje a justicativa legal central para sustentara constitucionalidade da ação armativa, ao menos no nível da Supre-ma Corte, como pode ser comprovado pela opinião da juíza SandraO’Connor no mais recente Grutter v. Bollinger (2003). Ademais, o con-ceito de diversidade tornou-se parte do vocabulário dos movimentos

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sociais e da esquerda (liberals) daquele país, particularmente das alasmais aeitas ao multiculturalismo.

Deve-se notar, contudo, que o argumento da diversidade tem die-renças signicativas em relação aos outros dois. Enquanto a reparaçãoe a justiça social têm por m beneciar os desprivilegiados, o argu-mento da diversidade se justica pelo beneício de todos, da educa-ção em geral. É claro que podemos argumentar que tanto a reparaçãocomo a justiça social só se justicam em última instância pela promo-ção do bem comum. Contudo, a ordem das coisas é inversa. Enquantonelas o bem dos que estão em pior posição vem primeiro, no caso dadiversidade, esse bem é mais um eeito colateral da nalidade última

que é a melhoria da qualidade da educação, que pode ser muito bementendida como uma melhoria para aqueles que dela já desrutam, osprivilegiados. Em outras palavras, tal justicativa se assenta no ganhoimediato que o arranjo institucional pode proporcionar àqueles queestão em melhor posição.

Uma outra versão do argumento da diversidade apareceu claramen-te na petição de amicus curiae do caso Grutter v. Bollinger (2003).15 Empresas como IBM e DuPont deenderam a necessidade da continui-dade de programas de ação armativa porque a diversidade da orçade trabalho que empregam é undamental para que possam poder a-

 zer negócios no mundo todo. IBM has ound that diversity is a businessimperative é uma rase lapidar do trecho da petição. Aqui o argumentoparece ainda mais distante de uma idéia de justiça e mais claramenteutilitarista. Mas a utilidade não é mais um bem comum, como suposta-mente a educação, mas o sucesso comercial de uma empresa.

No Brasil, as coisas são um pouco dierentes. A reparação é reqüen-temente empregada quando o tema é corrigir os erros cometidos con-

tra os negros ou aro-brasileiros ao longo da história do país. Contudo,a justiça social é, na verdade, a principal justicativa. Ela tem sido umvalor essencial ao longo do processo de democratização do país, e éainda uma expressão de eeito com enorme impacto político. Para seter o exemplo do peso normativo dessa noção, tanto a Ordem Econô-

15 Essa prática da Suprema Corte norte-americana, recentemente tambémadotada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro, permite que instituições eassociações da sociedade civil se inscrevam como partes interessadas em um

 julgamento constitucional e sobre ele opinem.

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mica como a Ordem Social denidas em nossa Constituição tem porobjetivo declarado a promoção da justiça social (artigos 170 e 193).

 Ao mesmo tempo, ou talvez por ser a justiça social tão importante eser o sustentáculo conceitual do estado de bem-estar social, a diversi-dade não tem sido usada com reqüência como um argumento paradeender a ação armativa (Feres Júnior, 2005).

 A menor importância do argumento da diversidade em nosso país,ainda que pese sua recente adoção por parte de movimentos sociais emesmo do discurso empresarial, se deve a atores culturais e históricosque nos dierenciam dos norte-americanos. Nos EUA, o termo diversi-dade está ortemente ligado ao conceito de etnicidade. Para entender

seu real escopo, é preciso explorar o signicado de tal conceito. Etni-cidade, em inglês ethnicity, é uma categoria interessante, pois sintetizapercepções culturais e raciais. O adjetivo ethnic em inglês quandoaplicado a algo cria expectativa de dierenças raciais e culturais. Maisdo que isso, essas dierenças se undem na palavra ethnic de manei-ra que a cultura parece naturalizada, isto é, como que inscrita noscorpos racializados. Por conseguinte, a diversidade é entendida nãocomo que a presença concomitante em um mesmo espaço e tempode dierentes culturas, um multiculturalismo estrito, mas como tam-bém de dierentes raças. Do ponto de vista enomenológico, esse jogounciona para os dois lados, a percepção da dierença biológica criaa expectativa da dierença cultural e vice-versa.16 No Brasil esse im-bricamento entre dierença cultural e racial não é tão imediato, aindaque não se possa armar que ele não exista inteiramente. Entre outrascoisas, porque a dierença racial não é percebida estritamente comouma dierença de origem, e portanto de herança cultural, amiliar, co-munitária etc., mas primordialmente como dierença de tom de pele

e características sionômicas.17

Ainda que seja inegável o ato de vá-16 Um trabalho interessante sobre o tema oi recentemente publicado porLívio Sansone com o nome de Negritude sem etnicidade: o local e o globalnas relações raciais e na produção cultural negra do Brasil (Sansone e Ribeiro,2004).17 Um dado que corrobora a tese de Oracy Nogueira (Nogueira, 1985), se-gundo o qual o preconceito racial nos EUA se deniria pela origem (one droprule) enquanto no Brasil ele se estruturaria em torno das percepções de die-

renças de aparência, portanto cognominado por ele preconceito de marca.

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rias dessas características, incluindo o tom de pele, estarem ligadasà percepção de descendência aricana (ou seja, a uma origem), elas

não estão relacionadas univocamente com percepções de dierençacultural.18 

CombAtENDo A AÇÃo AFiRmAtiVA

 Antes de nos lançarmos à análise dos discursos de oposição à im-plantação de políticas de ação armativa em nosso país, alguns es-clarecimentos devem ser eitos. Opinião pública é um conceito umtanto diícil, senão etéreo, que pode se mostrar de pouca utilidade

ou mesmo enganoso se não or devidamente limitado e denido.Ela pode ser muitas coisas, desde a opinião de homens e mulherescomuns, à opinião que grupos organizados de pessoas maniestampor meio de instituições como partidos e movimentos sociais, atéo intercâmbio de opiniões que ocorre na mídia. Neste ensaio, ado-tarei esta última denição operacional. O leitor deve ter em menteque o que será discutido não é a opinião do público em geral, massomente as opiniões que aparecem nas páginas dos jornais e revis-tas (debates televisivos serão excluídos da amostra), portanto, sujei-tas a todos os tipos de ltragens editoriais e controle sobre o que éou não impresso. Além disso, restringirei minha análise a um con-

 junto de textos, em sua maioria artigos de revistas e jornais, publi-cados em um volume intitulado Divisões perigosas: políticas raciaisno Brasil contemporâneo (Fry et al., 2007). Esse livro será escolhidocomo representante dos argumentos contra ações armativas nodebate público brasileiro. Tal escolha se undamenta em diversasrazões. Primeira, o livro contém uma variedade de artigos publica-

18 O tratamento dado à idéia de diversidade pela Secretaria de EducaçãoContinuada, Alabetização e Diversidade do MEC (Secad) parece dierir daconcepção utilitária americana, pois a nalidade declarada dos programas éo beneício direto de populações carentes. A diversidade aqui é entendidano sentido concreto das diversas situações e ormas de vida de brasileiroscarentes de educação. Portanto, ela entra, não como um pressuposto de die-rença racial ou cultural, mas como variável essencial para o planejamento depolíticas públicas que consigam levar a educação a essas pessoas (ribeirinhos,

assentados, moradores de regiões remotas etc.).

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dos ao longo dos anos sobre o tema. Segunda, entre os autores dosartigos do livro estão os acadêmicos que têm sido mais ativos na

oposição às políticas de ação armativa desde sua criação. Terceira,alguns dos editores do livro lideraram uma campanha contra a açãoarmativa que resultou na apresentação de um maniesto deno-minado Carta Pública ao Congresso Nacional: Todos têm direitosiguais na República Democrática ao presidente do Congresso, e deum segundo, chamado Cento e treze cidadãos anti-racistas contraas leis raciais, para o presidente da Suprema Corte brasileira. Istoé, o livro contém um conjunto de textos contra a ação armativaselecionado pelas mesmas pessoas que conduzem um movimento

político contra ela na sociedade brasileira. Em outras palavras, éum documento que representa esse movimento a partir de umaseleção consciente de textos eita por guras representativas dopróprio movimento.

Divisões perigosas é um livro interessante e incomum. Seus autoressão todos acadêmicos, com poucas exceções. Contudo, os textosque ele traz não são de natureza acadêmica, e sim polêmica, ou seja,textos opinativos curtos, escritos para a mídia. O livro é compostopor 50 textos: 46 artigos, um preácio, um preâmbulo e uma apre-sentação, mais o texto integral da Carta Pública ao Congresso Nacio-nal. Tal estrutura torna a leitura do livro ácil: é possível começar eterminar de ler um artigo em questão de minutos. Contudo, tambémaz o livro muito repetitivo, já que os mesmos argumentos aparecemrepetidas vezes.

O quadro a seguir expõe os argumentos contra ação armativa queconstam nos textos que compõem o livro, organizados em ordem de-crescente da reqüência de sua aparição. De acordo com estes ar-

gumentos, a ação armativa gera ou está relacionada aos seguintesproblemas:

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Posição Argumento Freqüência Porcentagem

1 Racalaçã da scedade raslera ∕ Re-

caçã de ua cnsruçã scal (raça)33 66%

2 Vlaçã da gualdade legal; d unver-sals legal ∕ dscrnaçã nverda 22 44%

3 isçã de u ssea de dendade nár 21 42%

4 inervençã esaal nas relações scas 20 40%

5Craçã u auen d cnfracal ∕ rçã da nlerânca racal ds negrs cnra rancs e ards

18 36%

6 iraçã das caegras ra-cas ds Esads Unds 17 34%

7 Nã é ssível searar as ess-as c ase na raça n brasl  15 30%

8 Crse da dendade nacnal raslera 13 26%

9 prvlég da classe éda negra 12 24%

10 Exclusã d ranc re 11 22%

11 Esgaaçã e vaçã ds negrs 10 20%

11 ineresses eleras e lícs de seus ar-ns: lícs e líderes de vens scas 10 20%

11

Cr da ele e rea sã varáves nã-relacnadas ∕ a rea ds res e dsards nã se deve a racs, as a suassções ncas desrvlegadas u àeducaçã decene que eles receera

10 20%

12 É necene n cae à desgualdade 9 18%

13 Re c a radçã ras-lera de reulcans 7 14%

13A nase ns res auena a argnala-çã ds ards e urs grus rganads

 ∕ Gencíd esaísc deses grus7 14%

18 É rejudcal ara ér 5 10%

19plíca neleral ∕ u nsruen- caalsa ara aner  status quo e dvdr as classes as axas

3 6%

20 Dnuçã da qualdade da educaçã 2 4%

21 Racs cul é elhr dque ras exlícas 2 4%

22 tende a se ereuar 1 2%Fonte: Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afrmativa (GEMAA).

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Conorme o quadro demonstra, vários são os argumentos empre-gados no livro. Porém, eles não aparecem com a mesma reqüência,

e, mais importante, eles se concentram em torno de três temas queagrupam os argumentos da seguinte maneira:

Grupo 1 – Raça e identidade nacional Freq.

Racalaçã ∕ Recaçã 66%

isçã de u ssea de dendade nár 42%

iraçã de caegras ds Esads Unds 34%

Craçã ∕ auen d cnf racal 36%

Crse da dendade nacnal raslera 26%

Grupo 2 – Cidadania e o estado

Vlaçã da gualdade legal 44%

inervençã esaal nas relações scas 40%

Ruura c a radçã reulcana raslera 14%

prejudcal a ér 10%

Grupo 3 – Procedimentos e resultados

Nã é ssível searar as essas c ase na raça n brasl 26%inecene n cae à desguadade 18%

Classe e nã raça é a varável que exlca a desgualdade n brasl 14%

prvlég ds negrs de classe éda 24%

Exclusã ds rancs res 22%

Exclusã de ndígenas e ards ∕ Gencíd esaísc 14%

Esgaaçã e vaçã ds negrs 20%

Fonte: Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afrmativa (GEMAA).

O Grupo 1 é o que contém os argumentos mais reqüentes de toda aamostra. Eles podem ser classicados como argumentos sociológicos,e pertencem, em sua maioria, à subárea da sociologia denominada“relações raciais”. Ademais, juntos, eles ormam um discurso coerente,denominado aqui “Raça e identidade nacional”. De acordo com estediscurso, os ormuladores das políticas de ação armativa no Brasilimportaram dos Estados Unidos um sistema binário de identicaçãoracial que é completamente inadequado para entender a realidade

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da identidade racial e étnica do país, marcada pela plasticidade, fe-xibilidade e “contextualidade”. Uma vez que a identidade nacional

do Brasil a-se em grande medida na idéia e nos valores de tolerân-cia racial e miscigenação, a adoção desse sistema ameaça o núcleoda identidade e conduz ao confito e à politização racial. Em outraspalavras, esse discurso, apesar de suas nuances, aproxima-se da idéiade democracia racial, que tem sido criticada desde os anos 60 poracadêmicos como Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardosoe mais tarde por Carlos Hasenbalg entre outros acadêmicos, e tambémpelo Movimento Negro, que a encara como um impedimento para aproblematização do racismo, da discriminação racial e da desigualda-

de no espaço público.Não há respostas áceis para as questões levantadas por esses argu-

mentos, particularmente porque a experiência do Brasil com políticasde ação armativa é tão recente que ainda não existem dados primáriosdisponíveis e análises que possam ou não reerendar essas opiniões.Isso precisa ser dito, pois muitos dos argumentos anteriores são ar-mações de ato, e, portanto, abertas à conrmação ou alsicação pormeio da análise dos atos. A maneira mais judiciosa de se proceder éusar os parcos dados e estudos já disponíveis e também inormaçõessobre as experiências com ações armativas em outros países. Quantoa esse segundo tipo de onte, as experiências de outros países, temosde ter claro que as grandes dierenças entre países, de história, orma-ção, cultura, instituições, contexto internacional etc. azem com quea experiência de um contexto nacional possa ser admitida somentede maneira indicativa em outro contexto, e mesmo assim de maneira

 judiciosa, crítica e parcimoniosa. Ademais, nem todos os países sãoigualmente dierentes. Por exemplo, a despeito de nossas dierenças

com os EUA, que não são pequenas, temos mais semelhanças históri-cas e culturais com aquele país do que com a Índia ou mesmo a Áricado Sul.

Isto dito, vamos aos argumentos. A idéia de que a ação armativapromove racialização é passível de comprovação empírica. No casodos programas de ação armativa no Brasil, que vigoram desde 2003,não houve até agora sinal claro de racialização, seja na universidade,seja uma racialização da sociedade em geral decorrente da implanta-ção dos programas. Uma etnograa muito interessante do impacto do

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sistema de cotas na identidade dos estudantes da Uerj eita por PauloHilu Pinto (Pinto, 2006) mostra que, enquanto os cotistas das ciências

humanas tendem a maniestar uma identidade racial mais politizada,algo que deve ocorrer mesmo sem o programa de cotas, os cotistasdos cursos de exatas e biológicas, os mais competitivos, tendem a nãodar muita importância a aspectos identitários e a se preocupar maiscom o desempenho escolar e prossional.

Em outros países com décadas de experiência com esse tipo de po-lítica não parece ter havido tampouco aumento da racialização. NosEUA, há trabalhos acadêmicos que mostram que a intolerância dosbrancos para com negros não aumentou depois do advento dos pro-

gramas de equal opportunity (ação armativa).19 Alguns autores argu-mentam que na Índia as reservation policies (ações armativas) con-tribuem para consolidar o sistema de castas (Bayly, 2001), mas essa éuma opinião controversa entre os especialistas e até agora carece decomprovação empírica. Em outras palavras, no caso da Índia o argu-mento seria mais em direção da reicação de categorias identitáriasdo que propriamente da racialização, ainda que as duas coisas possamestar ligadas.

O tópico da reicação nos leva para outros argumentos muito pre-sentes nos textos do livro e que compõem o discurso “Raça e identi-dade nacional” do Grupo 1: Imposição de um sistema de identidadebinário e Importação de categorias dos Estados Unidos. Isso porque areicação corresponderia, segundo esse discurso, à consolidação deum sistema racial binário à imagem do norte-americano. Esse sub-conjunto de argumentos também está aberto à conrmação empírica.Para que tenhamos uma idéia do que estaria sendo reicado por meiodos programas de ação armativa, precisamos primeiro saber quais

as categorias raciais que eles utilizam. O quadro a seguir contém essainormação:

19 Desde o Civil Right Movement e a implantação das políticas de ação ar-mativa nos EUA, a oposição dos brancos à segregação escolar, habitacional eno trabalho diminuiu sensivelmente, por outro lado, a aceitação de progra-mas de igualdade de oportunidades, do contato pessoal com negros em esco-las, bairros e mesmo no ambiente doméstico aumentou (Mcclendon, 1985).Ver também Taylor, Sheatsley et al. (1978), Burstein (1979), Condran (1979),

Smith (1981) e Steeh e Krysan (1996).

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Denominação Nº de universidades Porcentual

Canddas negrs 14 45,20%

Canddas negrs (res u ards) 6 19,40%

Canddas res u ards 4 12,90%

Canddas de “raça negra” (res e ards) 2 6,50%

Canddas ar-descendenes 2 6,50%

Canddas ar-raslers (res u ards) 2 6,50%

Canddas negrs (d “gru énc negr”) 1 3,20%

Fonte: Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afrmativa (GEMAA).

 A denominação predominante, como o quadro explicita, é “negro”.Isso constitui em si um problema, pois não há dados demográcossólidos sobre a quantidade de pessoas que se identicam como negrosem nossa população. As poucas evidências apontam para o ato deque essa identidade não é muito representativa. A Pesquisa Mensal deEmprego (PME)20 de 1998, que continha um pergunta de identicaçãoétnico-racial echada, com a lista de categorias do IBGE, e uma aberta,na qual as pessoas poderiam responder livremente qual sua identida-

de,21

revelou que somente 5,09% da população se identicou comonegro. Mesmo entre os que responderam pretos na pergunta echada,somente 22% responderam espontaneamente “negro” na perguntaaberta (Schwartzman, 1999). A despeito desse dado, não é incomumencontrar-se nos discursos de movimentos sociais o argumento de quenegros são a somatória dos pretos mais pardos. A adoção desse dis-curso é explícita nas categorias adotadas por oito programas de açãoarmativa, como mostra a tabela anterior. Se tomarmos o conceitode aro-descendente como um sinônimo de negro, esse número sobe

20 A PME é uma pesquisa realizada pelo IBGE nas áreas metropolitanas deSão Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Recie.Normalmente, ela não inclui questão de identicação racial aberta. Na edi-ção de 1998 essa questão oi incluída com o intuito de se obter inormaçõesque pudessem contribuir para aprimorar as categorias usadas no Censo 2000(Schwartzman, 1999).21 As categorias usadas pelo IBGE nos censos e demais pesquisas em que aquestão da identidade de cor e raça está presente são: branco, preto, pardo,

amarelo e indígena.

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para 10. Implicitamente outros 17 programas azem o mesmo, ao op-tarem por beneciar simplesmente negros ou aro-descendentes. Em

suma, 27 programas adotam a categoria negro ou o correlato aro-des-cendente ao mesmo tempo que escamoteiam ou colocam em segun-do plano a categoria pardo.

Por que este estado de coisas constituiria um problema? A ação ar-mativa com viés de racial somente se justica pela existência de desi-gualdades pronunciadas e renitentes expressas por meio das variáveisde raça. Ora, os dados socioeconômicos que revelam desigualdaderacial no Brasil são expressos por meio das categorias de raça/cor doIBGE: branco, preto e pardo. E esses dados dizem muito: não somente

que há uma dierença de quase 100% de rendimento médio entre pre-tos e pardos, de um lado,22 e brancos, mas também que o rendimentomédio de pretos e pardos é praticamente igual. As duas coisas tambémse vericam quando a variável é educação, expectativa de vida etc.Mas isso não é tudo. Por outro lado, devemos responder o que signicaa categoria pardo em termos de identidade racial. O que uma pessoaestá dizendo ao responder pardo na questão de identicação racial?Ela está respondendo “nem preto, nem branco”. Pardo é, portanto,uma categoria de cor/raça mais ou menos diusa, muitas vezes nãonativa, que em última instância se dene pela negação das outras duasidentidades “polares” do espectro de cor. Portanto, ao assumirem quepardos são negros ou mesmo aro-descendentes, aqueles programas deação armativa estão cometendo um erro que põe em risco sua legiti-midade: a pergunta aberta da PME de 1998 mostra que somente 0,68%dos pardos escolheram a alternativa negro, e a Pnad de 2005 mostraque 43,2% da população brasileira se identica como pardo, enquantosomente 6,3% responde preto. Por outro lado, os quatro programas

que adotam as categorias “preto e pardo” em conjunto escapam desseproblema, pois permitem o beneício direto e claro de pessoas das ca-tegorias de raça/cor que acusam alto grau de desigualdade.

Esse problema de categorização não é suciente, contudo, paraconcluirmos que a ação armativa promove a reicação de categorias

22 O rendimento médio de pretos e pardos corresponde a 56% do rendimen-to médio dos brancos, ou seja, os brancos ganham em média quase o dobro,precisamente 1,8 vez o que os não-brancos ganham (Henriques, 2001; Jac-

coud e Beghin, 2002).

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raciais ou mesmo que ela opera a imposição de um sistema racialbinário importado dos EUA. É verdade que a oposição binária negro/ 

branco está presente em grande parte dos programas, como mostra-mos anteriormente. Mas isso não é inteiramente uma alácia nem énecessariamente um importado made in USA. O ato de os dados so-cioeconômicos de nossa sociedade apontarem para um desnível acen-tuado entre brancos e não-brancos (pretos e pardos) e uma grandeproximidade entre as categorias pretos e pardos indica sim um tipode divisão binária na nossa sociedade. O que esses dados mostramé que no Brasil a desigualdade se dá entre brancos e não-brancos,e não entre brancos e negros, como uma interpretação simplista das

relações raciais nos EUA projetada sobre o Brasil poderia imaginar.23 Em outras palavras, o binarismo de nossas categorias no tocante à pro-dução de desigualdades socioeconômicas é um ato e não uma cçãoimportada dos EUA e imposta sobre nós. Há de ato muitas categoriasraciais e de cor em nossa sociedade, mas quando olhamos para osdados socioeconômicos vemos que a maior clivagem é entre brancose não-brancos. É claro que por vezes os discursos da militância negraem nosso país se assemelham àqueles dos movimentos negros ame-ricanos. Mas ao reduzir a questão das categorias à pura imposição deum importado, a crítica da ação armativa deixa de atentar para nossaprópria versão do binarismo. Novamente, políticas para pretos e par-dos evitariam a pecha de importação e ao mesmo tempo dariam contado perl tupiniquim da desigualdade racial.

 A crítica da reicação, e mesmo da racialização, também esbarraem um paradoxo que contribui em muito para seu enraquecimento.Segundo seus partidários, a identidade racial no Brasil seria fexível,variável conorme o contexto ou mesmo instrumental (Fry, 2005).24 

Mas, se isso é verdade, então não deveríamos concluir que a opçãopor uma categoria racial no ato da inscrição do vestibular deniria ou

23 Para uma boa interpretação das relações raciais no Brasil que tenta azersentido das dierenças entre os dois países, ver Telles (2004). George Reid An-drews (1992), em uma contribuição não tão recente, mas muito inormativa,também indica o aastamento da sociedade norte-americana de um modelobinário.24 Para uma interpretação interessante da questão do contexto na identica-

ção racial na Bahia, ver Sansone (1996).

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redeniria para sempre a identidade racial da pessoa. Pelo contrário,deveríamos esperar que esses brasileiros usassem também nesse con-

texto a identidade de maneira fexível e instrumental. Novamente, énecessário compreender que o veredicto nal sobre essas questõesdepende de conrmação empírica, sem a qual estaremos azendo es-peculações no máximo educadas.

 A acusação de que as políticas de ação armativa serão responsá-veis pela criação ou intensicação do confito racial no país tambémdepende de conrmação empírica. Até agora não é isso que temosvisto, com exceção de algumas demandas judiciais contra esses pro-gramas, a maioria malograda, não tem havido qualquer movimen-

tação orte de repúdio às políticas que se maniestasse na orma deintolerância racial. Quanto à experiência de outros países, nos EUA oconfito racial era aberto antes do Civil Rights Movement e se a açãoarmativa não conseguiu debelá-lo, tampouco parece ter contribuí-do para aumentá-lo. Pelo contrário, a sociedade americana de hojeparece ser bem mais tolerante do que a de cinqüenta anos atrás, aponto de ter eleito um candidato negro à presidência da república.Na Índia houve sim reações adversas à ação armativa, incluindoa auto-imolação pública de estudantes brâmanes (Sharma, 2005).Mas esse ato deve ser colocado em contexto. As políticas de reserva(ação armativa) na Índia oram criadas em dois momentos: primei-ro, com a promulgação da constituição de 1950, que contém arti-gos que recomendam expressamente tais medidas para os intocáveis(dalit), e segundo, no começo da década de 90 com a extensão depolíticas de reserva para as Outras Castas e Tribos Atrasadas (OtherBackward Castes and Tribes – OBCT). As políticas para os intocáveisperduraram por quarenta anos e nunca oram alvo de grande contes-

tação por parte de outros setores da sociedade indiana. Foi somentea extensão dos direitos para as OBCTs, a partir de 1990, que crioucontestação, em grande parte porque muitos membros dessas cas-tas e tribos supostamente já desrutam de posição privilegiada. Issodado, é temerário supor que essa experiência indiana, tão marcadapelas idiossincrasias culturais daquele país, venha a se replicar noBrasil. Ademais, as razões presentes no caso indiano parecem estarausentes aqui: há um número ínmo de pretos e pardos em nossopaís em posição social privilegiada e, ademais, esses poucos podem

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ser ltrados pela combinação de critérios raciais e socioeconômicos,como renda ou escola pública.

Por m, temos o argumento da crise da identidade nacional brasi-leira, esse sim pertencente ao campo da interpretação e menos aei-to a comprovações empíricas, ainda que seja possível conceber umapesquisa qualitativa que dê conta, pelo menos em parte, da questão.O ato é que quando alamos de identidade nacional o que está em

 jogo não é somente o presente e o passado, o que somos e omos,mas também, e talvez principalmente, o que queremos ser enquantonação. Ou seja, dierentemente das anteriores, essa questão tem deser enrentada no plano normativo, moral, daquilo que “deve ser”. A

partir do Estado Novo há um esorço do Estado e de setores da socie-dade de criação de uma identidade nacional em torno das idéias demiscigenação, de harmonia racial ou mesmo de democracia racial.Esse esorço oi em grande medida bem-sucedido, seja por meio daconstrução de símbolos da cultura nacional como o samba, o car-naval e o utebol, seja pela repressão das maniestações culturais deminorias, como grupos de imigrantes, negros e índios. Contudo, o su-cesso no plano ideológico dessa identidade não correspondeu a umareal democratização da sociedade brasileira, e a prova disso é a per-sistência histórica da desigualdade socioeconômica entre brancos enão-brancos (Hasenbalg, 1979). Isto é, o mito da identidade nacionaldemocrata racial did not deliver. Portanto, com o processo de rede-mocratização de instituições políticas e sociais a partir da década de80, que deu nova visibilidade às demandas dos movimentos sociais eàs dierenças regionais em nosso país, setores mais progressistas come-çaram a constatar que o mito da democracia racial, ainda que osseabstratamente benigno, não deveria ser usado na prática como impe-

dimento à conquista de direitos e à maior democratização de nossasociedade. Também segundo uma concepção progressista, qualqueridentidade coletiva deve ser orjada a partir das orças vivas de umasociedade e não por meio do recurso a tradições supostamente imor-redouras.25 Por outro lado, é também um pouco de exagero supor queos programas de ação armativa para entrada na universidade serão

25 Ver, por exemplo, a noção progressista de tradição proposta por AlasdairMacIntyre em oposição à concepção conservadora de Edmud Burke (Macin-

tyre, 1981).

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capazes de pôr em cheque a identidade nacional brasileira. Se essaidentidade está em crise, e parece que de ato está, não é por culpa

das “cotas”. Essas devem ser vistas mais como conseqüências do quecausas da crise. Ademais, se estamos certos em nosso diagnóstico, essacrise deve ser estejada e não abominada.

Os argumentos do Grupo 2 podem ser interpretados como elemen-tos de um discurso sobre “cidadania e estado”. Eles também aparecemcom muita reqüência ao longo dos textos do livro, reerindo-se ao âm-bito disciplinar das teorias política, moral e legal. Pode-se seguramentedizer que a posição política que dene este discurso aproxima-se doliberalismo clássico, ou de outros matizes do liberalismo que são a-

voráveis ao estado mínimo, como o libertarianismo: primeiro, porqueo argumento mais comumente utilizado contra a ação armativa é deque ela viola a igualdade legal; segundo, em decorrência da condena-ção geral da intervenção do estado nas relações sociais; terceiro, devi-do à deesa declarada do “republicanismo brasileiro”, que nos textos édenido como uma tradição de inspiração rancesa calcada na impor-tância da igualdade ormal legal26; e, por último, por causa da deesado mérito como um valor moral, ainda que deva ser notado que esteargumento aparece raramente na amostra (10%). Em outras palavras, aorma com que o discurso é apresentado é altamente crítica ao Estadode bem-estar social. Nesse ponto, a crítica à ação armativa parecereconhecer, ainda que indiretamente, a estreita liação entre açãoarmativa e Estado de bem-estar social, e que, portanto, a crítica daprimeira poderia ser eita por meio da crítica radical do segundo. Ora,especicidade político-institucional do Estado de bem-estar social sedene pela violação tópica do princípio de igualdade legal (programasde assistência social, investimentos estratégicos, política industrial etc.)

e pela intervenção estatal nas relações sociais (programas de controlede doenças, de comportamentos abusivos como violência, consumode umo e álcool etc.). De acordo com esta concepção, o Estado in-tervém no mercado e nas relações sociais não somente para amenizara marginalização, a opressão, e a desigualdade, mas também para au-

26 A Carta pública ao Congresso Nacional começa com a seguinte rase: “Oprincípio da igualdade política e jurídica dos cidadãos é um undamento es-sencial da República e um dos alicerces sobre o qual repousa a Constituição

brasileira.”

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mentar a produção industrial e agrícola, assistir setores estratégicos daeconomia etc., assim produzindo um aumento do bem-estar geral.

O ato de tal discurso aparecer de maneira tão reqüente neste con- junto de textos aponta para algumas questões interessantes. Se o dis-curso político do Grupo 2 osse central para a agenda contrária à açãoarmativa, então os programas para candidatos de escola pública epara grupos indígenas deveriam ser contestados nos mesmos termos– anal, segundo esta perspectiva, eles também constituem uma viola-ção da igualdade legal estrita, intervenção estatal nas relações sociais eum prejuízo ao valor do mérito – mas eles de ato não o são. Ademais,se examinarmos o espectro político brasileiro e o espectro de opiniões

que circulam no debate público veremos que posturas tão contráriasao Estado de bem-estar social são raras, e quando aparecem explici-tamente vêm associadas a posições muito conservadoras. Essa mesmaposição, contrária ao Estado de bem-estar e, por conseguinte, à açãoarmativa, nos EUA é esposada somente pelos setores mais à direitado partido republicano e por associações da sociedade civil de cunhoconservador. Contudo, a despeito da presença orte dos argumentosdo Grupo 2, essa não parece ser a liação ideológica explícita dos au-tores dos textos de Ligações perigosas. Assim, tal discurso parece maisuma estratégia retórica usada para aumentar o apelo contrário à açãoarmativa diante do leitor dos meios de comunicação do que umaposição doutrinária propriamente dita.

Os argumentos do Grupo 3 são empregados com menos reqüêncianos textos. Contudo, uma vez que eles são mais numerosos do que osdemais, seu impacto coletivo é signicante. Em vez de concentrarem-se em um tema substantivo, como os dois discursos identicados an-teriormente, esses argumentos encontram-se unidos pela sua unção

retórica: armar que a ação armativa não é eciente, seja devidoao seu desenho impróprio ou à sua inadequação para lidar com asociedade brasileira. Ou ainda que tais políticas supostamente pro-duzem eeitos indesejáveis. Por isso, o grupo oi denominado “pro-cedimentos e resultados”. É claro que a maior parte dos argumentosdos Grupos 1 e 2 pode ser interpretada como resultados de políticaspúblicas. Não obstante, eles pertencem a ormações discursivas de-nidas mais claramente, enquanto os argumentos do Grupo 3 sãomais técnicos.

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O argumento de que não é possível separar as pessoas com base naraça no Brasil, o mais representantivo dentro do grupo, beira o non-

 sense tamanho o número de trabalhos sérios de sociologia, com dadosdemográcos de grandes populações e de antropologia, com análisesmais circunscritas de relações sociais, que atestam a existência de de-sigualdade racial em nosso país, e portanto, da operacionalidade daraça como critério de distinção entre as pessoas. Há também trabalhosque mostram especicamente a operação dessas percepções raciais(Osório, 2003). Quanto à idéia de que é a classe e não a raça que de-termina a desigualdade no Brasil, há também uma série de trabalhosque, por meio do controle da variável renda, mostram que desigualda-

des sociais entre brancos e não-brancos, como progressão escolar, taxade evasão escolar, mobilidade social ascendente etc. persistem (Ha-senbalg, 1979; Silva, 1981; 1983; Hasenbalg, 1992; Hasenbalg, Silva et al., 1999; Soares, 2000; Henriques, 2001; Jaccoud e Beghin, 2002;Hasenbalg e Silva, 2003). Se não bastasse a nossa própria experiênciade vida, que inelizmente nos coloca tantas vezes perante situações depreconceito racial explícito, os trabalhos sobre insultos raciais revelamque, para além de qualquer suposto preconceito de classe, há de atopreconceito de raça em nossa sociedade (Guimarães, 2002).

Para que as políticas de ação armativa não constituam privilégiode negros de classe média é necessário combinar o critério raça/corcom o critério renda, ou da escola pública, que unciona como proxy para a renda. Assim, se garante que os não-brancos beneciários nãovenham da classe média. Por outro lado, se constatamos que os cursosmais competitivos das universidades públicas de melhor qualidade sãopraticamente monopolizados por brancos de classe alta e média27, cadiícil justicar por que os não-brancos de classe média deveriam ter

seu acesso barrado a essas posições de prestígio. Quanto à acusaçãode que a ação armativa redunda na exclusão dos brancos pobres,ela não é verdadeira. O que exclui os brancos pobres, assim como amassa de não-brancos pobres, são as péssimas condições do ensinopúblico undamental e médio, que os coloca em condição de grandedesigualdade para competir com os jovens de classe média treinados

27 Mesmo autores contrários à ação armativa atestam esse monopólio, exem-

plo Grin (2003).

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para azer vestibular. Em sua maioria, os excluídos pelas cotas são ou-tros brancos de classe média que devido a suas notas no vestibular não

conseguiram vencer na competição “universal” pelas vagas ora dascotas, e não-brancos pobres.O argumento da estigmatização e vitimização dos negros é de um

paternalismo perverso, pois recomenda que para proteger esses mes-mos negros da estigmatização não se lhes dê a chance de cursar o en-sino superior. Qualquer agente racional escolheria o ensino superior,mesmo com alguma estigmatização, do que car ora da universidade.

 Ademais, não ter diploma universitário provavelmente gera mais estig-matização em nossa sociedade do que tê-lo sob qualquer condição.

 A estigmatização é uma questão empírica, que pode ser ou não con-rmada, e em caso de detecção de sua existência, as políticas podemser redesenhadas com o objetivo de diminuí-la.

Por m, temos a questão da suposta exclusão de indígenas e par-dos, o que alguns autores do livro chamam de genocídio estatístico.Essa é uma questão séria, talvez a crítica mais contundente que possaser eita às políticas de ação armativa em nosso país, por razões jádeslindadas anteriormente ao tratar do suposto problema da reica-ção das categorias raciais. O problema não diz respeito propriamen-te aos indígenas, que estão conquistando programas próprios, masaos pardos, que representam a grande maioria entre os não-brancos,têm em média um perl socioeconômico tão baixo quanto o dospretos, mas simplesmente não são citados nas políticas, ou são “or-çados” a se identicarem como negros. Some-se a isso o ato de mui-tos pardos, principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, mastambém no Nordeste e no interior do Sudeste, não serem de atoaro-descendentes, o que torna a sua identicação como negros ain-

da mais problemática. Esse problema, contudo, pode ser contornadopela adoção pura e simples das categorias do IBGE, com ganhospara as políticas de ação armativa no tocante à democratização doensino superior.

CoNCLUSÃo

Um aspecto interessante do conjunto de artigos é sua relação coma temporalidade. Se olharmos para eles a partir desta perspectiva, ou-

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tro tipo de agrupamento torna-se possível. Alguns deles pertencemclaramente ao que Reinhart Koselleck chamou de espaço da experi-

ência [Erahrungseld] e outros enatizam um horizonte de expectati-vas [Erwartungshorizont] (Koselleck, 1985). O espaço da experiênciacorresponde ao diagnóstico do presente baseado na acumulação deexperiências passadas, enquanto o horizonte de expectativas consisteem uma prognose sobre desenvolvimentos uturos. Assim, argumentoscomo o da “impossibilidade de separar pessoas com base na raça noBrasil”, ou mesmo argumentos técnicos, como o da importação de umsistema binário de identidade racial americano, o da intervenção esta-tal nas relações sociais, ou o da violação da igualdade legal, pertencem

à categoria do espaço de experiência. Isso signica que eles podem sertestados por meio de dados empíricos. Porém, os outros argumentossão prognoses baseadas em dados escassos ou inexistentes. As políti-cas de ação armativa têm poucos anos de existência no Brasil e quasenenhuma avaliação global de seus resultados oi produzida. Além domais, as poucas avaliações de programas especícos que oram ei-tas não revelaram qualquer das conseqüências neastas previstas pelaoposição.28 Os dados acerca das experiências com as políticas de açãoarmativa de outros países também não permitem tais especulaçõespessimistas, a menos que devamos interpretar o auto-sacriício de al-guns universitários brâmanes em protesto contra as políticas de reservapara outras castas e tribos “atrasadas”29 na Índia como uma orma típi-ca de confito racial causado pela adoção da ação armativa.30 Anal,esse é o principal programa da maioria desses argumentos, são puraespeculação sem base em qualquer evidência sólida. Inelizmente, seestas especulações orem levadas a sério, elas produzirão a conseqü-ência prática da negação do acesso à educação superior – o caminho

mais eciente para a mobilidade social no país – aos muitos brasilei-ros não-brancos, pretos e pardos.31 

28 Para uma análise pioneira, ver Mattos (2006). André Augusto Brandão edi-tou um pequeno livro com um conjunto de avaliações interessantes (Brandão,2007).29 Em inglês, Other Backward Castes and Tribes.30 Como o az Thomas Sowell (2004), um publicista conservador negro ame-ricano erozmente contrário à ação armativa.31

Sobre este tema, ver Hasenbalg (1988) e Hasenbalg e Silva (2003).

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Não devemos nos esquecer que estamos tratando aqui de uma po-lítica pública, que infuencia o destino de centenas de milhares de

pessoas, e não de um assunto meramente acadêmico que pode serdebatido calorosamente dentro da “torre de marm” sem qualquerconseqüência no mundo real. E quando o assunto é política pública, oprocedimento mais sábio e progressista a se adotar é o pragmatismo.Não no sentido vulgar do termo, mas em seu sentido losóco. A so-ciedade tem problemas – extrema desigualdade, super-representaçãode brancos em todas as posições de poder e prestígio etc. – e nós cida-dãos não podemos nos urtar a tentar resolvê-los. Isso quer dizer quenão podemos esperar para que questões como o conhecimento exato

das relações raciais, ou dos mecanismos de desigualdade em nossopaís sejam nalmente resolvidas no plano teórico para só então agir.Isso não redunda em uma postura obscurantista, pelo contrário. Deve-mos usar o conhecimento que temos agora para agir agora. Ademais,o pragmatismo é uma doutrina conseqüencialista, que nos ensina anos preocuparmos mais com os resultados de nossas ações do quecom a exatidão dos princípios e parâmetros que as guiam. Isso porqueo que importa mesmo é o resultado, o bem social, e não a correçãodaqueles princípios. Ademais, esses princípios e parâmetros podemsempre ser modicados com vistas a melhorarem os resultados dasações, em um processo de contínuo apereiçoamento. Isso quer dizerque é imprescindível que contemos com mecanismos de avaliaçãoperiódica das políticas de ação armativa. Mas, acima de tudo, issotambém quer dizer que devemos ter a coragem de tentar mudar osmecanismos iníquos de perpetuação da desigualdade em nossa socie-dade, e a ação armativa é uma entre as várias políticas que devemosadotar para esse m.

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