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64-1-2006/71534 033/1.05.0036332-6 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE SÃO LEOPOLDO 5ª VARA CÍVEL Av. João Corrêa, 1350 _______________________________________________________________________ PROCESSO: 033/1.05.0036332-6 (antigo 03301337872) ESPÉCIE: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO AUTORES: MARIA REGINA FARIA DÉBORA FARIA MATHEUS FARIA RÉU: ALEXANDRE RUBIO ROSO JUIZ PROLATOR: Leandro Raul Klippel DATA: 1 de junho de 2006 SENTENÇA Nº: SENTENÇA Vistos. MARIA REGINA FARIA, DÉBORA FARIA e MATHEUS FARIA ajuizaram Ação de Indenização contra ALEXANDRE RUBIO ROSO, narrando que SÉRGIO FARIA, marido da primeira autora e pai dos demais requerentes, sendo obeso, pesando cerca de 198 quilos, habilitou-se junto ao Hospital Nossa Senhora da Conceição em Porto Alegre para submeter-se a tratamento cirúrgico a fim de diminuir a obesidade. Enquanto aguardava a chamada para entrevista no referido Hospital, conheceu o réu, que o induziu a se submeter imediatamente à cirurgia visando a redução do estômago. Sem qualquer exame específico, foi internado no Hospital Centenário em São Leopoldo, tendo o réu realizado tal cirurgia. Afirmaram que Sérgio faleceu em 23 de julho de 2002. Disseram que o demandado realizou a cirurgia sem as precauções e procedimentos preconizados. Mencionaram que o Hospital Centenário não é credenciado junto ao SUS para a realização de tal cirurgia. Asseveraram que o réu adulterou o código do procedimento, já

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64-1-2006/71534 033/1.05.0036332-6

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DE SÃO LEOPOLDO 5ª VARA CÍVEL Av. João Corrêa, 1350 _______________________________________________________________________ PROCESSO: 033/1.05.0036332-6 (antigo 03301337872)

ESPÉCIE: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO

AUTORES: MARIA REGINA FARIA

DÉBORA FARIA

MATHEUS FARIA

RÉU: ALEXANDRE RUBIO ROSO

JUIZ PROLATOR: Leandro Raul Klippel

DATA: 1 de junho de 2006

SENTENÇA Nº:

SENTENÇA

Vistos.

MARIA REGINA FARIA, DÉBORA FARIA e MATHEUS FARIA ajuizaram Ação

de Indenização contra ALEXANDRE RUBIO ROSO, narrando que SÉRGIO FARIA,

marido da primeira autora e pai dos demais requerentes, sendo obeso, pesando cerca de

198 quilos, habilitou-se junto ao Hospital Nossa Senhora da Conceição em Porto Alegre

para submeter-se a tratamento cirúrgico a fim de diminuir a obesidade. Enquanto

aguardava a chamada para entrevista no referido Hospital, conheceu o réu, que o induziu

a se submeter imediatamente à cirurgia visando a redução do estômago. Sem qualquer

exame específico, foi internado no Hospital Centenário em São Leopoldo, tendo o réu

realizado tal cirurgia. Afirmaram que Sérgio faleceu em 23 de julho de 2002. Disseram

que o demandado realizou a cirurgia sem as precauções e procedimentos preconizados.

Mencionaram que o Hospital Centenário não é credenciado junto ao SUS para a

realização de tal cirurgia. Asseveraram que o réu adulterou o código do procedimento, já

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que o SUS não autorizaria cirurgia de redução de estômago. Alegaram que somente

Sérgio trabalhava, sendo que a sua morte deixou a família ao desamparo. Requereram a

condenação do demandado ao pagamento de indenização que compreenda as suas

necessidades e pelo dano moral sofrido em decorrência da morte da vítima e dos

sofrimentos suportados durante o mês em que Sérgio esteve internado. Juntaram

documentos.

Foi concedido o benefício da Assistência Judiciária Gratuita aos autores. Citado, o

requerido ofereceu contestação (fl. 152), na qual disse que Sérgio Faria o consultou,

dizendo que desejava fazer cirurgia de obesidade mórbida, informando que fizera

avaliações e exames pré-operatórios na PUC. Mencionou que tecnicamente foram

realizadas as cirurgias denominadas gastroenteroanastomose e enteroanastomose, cujos

códigos da Tabela do SUS foram colocados corretamente na AIH do autor. Afirmou que o

paciente foi operado em 24 de junho de 2002, tendo a cirurgia transcorrido sem

alterações, assim como o pós-operatório imediato. No dia 04 de julho o paciente

começou a apresentar alterações no quadro clínico, com hipertermia, drenagem de

serosidade pela incisão e vômitos de tipo hematêmese. Em 10 de julho começou nutrição

parenteral ao paciente, abatendo-se infecção na ferida operatória. No dia 19 de julho o

paciente apresentou hemorragia digestiva em grande quantidade, sendo que no dia

seguinte foi submetido à endoscopia digestiva alta, que constatou que a hemorragia era

proveniente de um vaso anômalo no esôfago, fora do local onde havia sido realizada a

cirurgia. Esse vaso anômalo trouxe piora ao paciente que apresentou insuficiência

respiratória grave e insuficiência renal aguda, vindo a óbito em 22 de julho de 2002. Disse

que inexiste nexo causal. Afirmou que a endoscopia constatou que a anastomose

realizada pelo réu na cirurgia se mostrava pérvia, isto é, com boa passagem,

demonstrando o acerto da cirurgia. Disse que não induziu o paciente à cirurgia e que

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seguiu as precauções médicas. Impugnou os pedidos. Alertou acerca do interesse

político subjacente no presente feito. Juntou documentos.

Em réplica, o autor reiterou os termos da inicial. Determinada a realização de

prova pericial, o perito juntou seu laudo (fl. 366) e respondeu aos quesitos formulados

pelas partes (fl. 391). Foi apresentado laudo do assistente técnico do réu (fl. 401). Foram

prestados novos esclarecimentos pelo perito (fl. 439). Designada audiência de instrução,

foram ouvidos os depoimentos do réu (fl. 406) e das testemunhas arroladas pelas partes

(fl. 500, 504, 519, 624, 640 e 669). Foi indeferida a realização de nova perícia. Declarada

encerrada a instrução, somente o autor apresentou alegações finais na forma de

memoriais. O Ministério Público exarou parecer no sentido da procedência da ação.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Passo a decidir.

Cuidam os presentes autos de ação ordinária, na qual os autores pretendem a

condenação do requerido ao pagamento de indenização pelo dano material e moral que

alegadamente teriam sofrido em decorrência do falecimento de Sérgio Faria, esposo e

pai dos requerentes. Conforme se depreendo dos autos, o demandado executou cirurgia

para correção de obesidade mórbida na vítima em 24 de junho de 2002, sendo que,

depois de pouco menos de um mês de tal procedimento (em 23 de julho de 2002)

ocorreu o óbito, sem que houvesse a alta do paciente. Assim, a presente demanda tem

como fundamento a alegação da existência de erro médico nos procedimentos do réu

que tenham causado o falecimento da vítima. Passemos a apreciar tal questão.

Deve-se esclarecer que o requerido, além de médico, mantém intensa atuação

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política, sendo que na legislatura anterior (qual seja, durante a época dos fatos) era

vereador nesta cidade de São Leopoldo. Já pleito de 2004 concorreu ao cargo de vice-

prefeito, em coligação com o Partido dos Trabalhadores, tendo vencido as eleições,

exercendo atualmente tal função. Necessário também referir que o réu foi o denunciante

do rumoroso ‘caso das fitas’, no qual diversos vereadores do Município de São Leopoldo

foram flagrados recebendo propina, sendo filmados por câmera escondida, tendo tal

acusação resultado na cassação de diversos edis, a instauração de processos criminais

contra estes, inclusive com a prisão preventiva de alguns.

Inicialmente devem ser refutadas com vigor duas assertivas do demandado

formuladas ao longo do feito. A primeira delas diz respeito à ilação de que o provável

motivo do presente processo é político, bem como a existência de ressentimentos

políticos contidos no processo (contestação, fl. 154 penúltimo parágrafo). Ocorre que em

momento algum há qualquer referência de que os autores tivessem qualquer interesse

pela política local. Ademais, por óbvio, estamos tratando da morte de um pai de família,

sendo que qualquer interesse político se desvaneceria em face das gravíssimas

conseqüências de tal situação, chegando tal assertiva ser ofensiva e injuriosa contra os

autores e contra a memória da vítima. Quem, em sã consciência, daria conotação política

a um processo judicial tendo perdido o esposo e pai? O fato de o réu ter intensa atividade

político-partidária e estar envolvido em diversos casos graves do ponto de vista político

(ou policial, como queiram), como é o caso de corrupção na Câmara de Vereadores de

São Leopoldo, não conduz a conclusão de que toda a acusação contra ele dirigida tem

caráter político. Destarte, tal ilação deve ser refutada com vigor.

A segunda afirmativa do requerido que merece ser repelida é a formulada em

sede de depoimento pessoal de que o procedimento realizado no demandado - qual seja,

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cirurgia em pacientes com obesidade mórbida, com o fim de redução de estômago, ou

técnicas similares - é procedimento simples. Ao contrário, tais cirurgias devem ser

consideradas como de alta complexidade e de alto risco para os pacientes que a ela se

submetem, conforme esclarecido pelos documentos dos autos e como considerado pelo

Sistema Único de Saúde. Caso não seja assim considerada, restaria escancarada a

imperícia do requerente na realização de tais procedimentos, haja vista a grande

quantidade de óbitos de pacientes deste, conforme noticiado nos autos (em especial

denúncia criminal de fl. 525 e seguintes).

Cabe também tecer algumas considerações acerca da polêmica instaurada nos

autos acerca da permissão de realização de cirurgias para correção de obesidade

mórbida no Hospital Centenário de São Leopoldo pelo Sistema Único de Saúde. Disse o

demandado que tal entidade hospitalar é credenciada para efetuar o procedimento

realizado na vítima. E no caso concreto assim foi procedido, tendo o SUS arcado com os

custos da cirurgia. Contudo, considero que requerido utilizava-se de subterfúgios para

que houvesse autorização para a realização desta espécie de cirurgia e,

conseqüentemente, recebesse seus honorários do Poder Público.

Inicialmente reitere-se que tais cirurgias devem ser consideradas como de alta

complexidade e de alto risco para os pacientes que a ela se submetem. Por estas razões,

justifica-se que Poder Público normatize de forma restritiva e pormenorizada a

possibilidade de realização destes procedimentos por meio do Sistema Único de Saúde.

Desta forma, o tratamento cirúrgico da obesidade mórbida foi regulado no âmbito do

Sistema Único de Saúde pela Portaria 628/GM do Ministério da Saúde. Segundo esta,

somente hospitais credenciados poderiam realizar cirurgias bariátricas, sendo

incontroverso que o Hospital Centenário de São Leopoldo não possui tal credenciamento,

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conforme se verifica pelo ofício de fl. 643. O autor, nas suas manifestações ao longo do

feito, sustentou a tese de que a referida portaria regulou somente uma técnica de

procedimento cirúrgico para tratamento da obesidade mórbida, qual seja, a gastroplastia.

Segundo suas alegações, como teria realizado as cirurgias de obesidade mórbida em

seus pacientes com a utilização de outras técnicas (quais sejam, a

gastroenteroanastomose e a entero-enteroanastomose), argumentou que não havia

vedação para realizar tais procedimentos cirúrgicos no Hospital Centenário pelo Sistema

Único de Saúde, recebendo remuneração do Poder Público, pelo fato de tais

procedimentos serem permitidos pelo SUS, tendo códigos próprios.

Embora aparentemente correta esta última assertiva, o requerente, em verdade,

utilizava-se de um artifício para receber autorização para realizar as indigitadas cirurgias,

e receber a respectiva remuneração. Segundo o site www.gastronet.com.br,

Gastroplastia é o termo usado para designar a modificação que se faz no estômago no

tratamento cirúrgico da obesidade mórbida, sendo que o próprio nome sugere plástica do

estômago. Portanto, tal termo está vinculado estritamente ao caso em comento,

referindo-se a cirurgias bariátricas. Desta forma, considero que a Portaria 628/GM

regulou todas as formas de cirurgias que tem como finalidade corrigir a obesidade

mórbida no paciente, independentemente da técnica utilizada. Por via de conseqüência,

somente os estabelecimentos hospitalares credenciados de acordo com tal Portaria para

a realização de cirurgia de obesidade mórbida poderão efetuá-la, independentemente da

técnica utilizada.

Ocorre que o requerente classificava as cirurgias que fazia em seus pacientes

obesos como gastroenteroanastomose e entero-enteroanastomose. Ambos são

procedimentos autorizados pelo SUS, conforme Portaria 727/99 do Ministério da Saúde,

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conforme mencionado nos documentos juntado com a contestação, fl. 177/8, com

códigos próprios no Sistema Único de Saúde, estando o Hospital Centenário habilitado

para realizá-los. A gastroenteroanastomose é técnica cirúrgica utilizada para diversas

patologias, como por exemplo, o caso de úlcera com obstrução pilórica, situações de

emergência em caso de acidentes com agressão ao estômago, câncer gástrico, conforme

informado por Juarez Cardoso Galiego (fl. 586). Esta a razão pela qual há possibilidade

de ser realizado tal procedimento pelo SUS no nosocômio local, uma vez que este está

vinculado basicamente a situações de emergência, para as quais o Hospital Centenário

está credenciado. Refira-se por fim, que a Portaria 727/99 do Ministério da Saúde em

momento algum faz qualquer alusão à possibilidade de que a gastroenteroanastomose

seja utilizada para cirurgias de obesidade mórbida. Ao contrário, somente refere

situações de emergência e urgência, as quais são opostas à situação dos autos, uma vez

que a cirurgia de obesidade mórbida é, na imensa maioria dos casos, eminentemente

eletiva - no sentido de que passam por agendamento prévio -, não se caracterizando por

ser procedimento de emergência ou urgência.

Conforme o site acima referido, a Gastroenteroanastomose é a emenda

(anastomose) do estômago com o intestino delgado. Serve para desviar os alimentos e

as secreções quando o estômago não é retirado ou após a gastrectomia. Embora tudo

leve a crer que este procedimento estava contido nas cirurgias realizadas pelo autor, a

operação de obesidade mórbida com ele não se confunde.

De acordo com o site do Memorial São José Hospital e Clínicas, “Em geral, a

cirurgia bariátrica mais frequentemente realizada tem como objetivo alcançar dois

fundamentos básicos: Diminuir a ingesta de alimentos (restritivo) com a confecção de

uma nova bolsa gástrica que comporta inicialmente de 30 a 45 ml de líquidos; e promover

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um desvio intestinal que proporcione a diminuição da absorção de nutrientes

(disabsorção). A combinação destes dois princípios leva a uma perda excesso de peso

em um período médio de dois anos, sendo a maior perda nos primeiros seis meses. Esta

cirurgia é denominada de gastroplastia vertical com anel de contenção e

gastroenteroanastomose em y de Roux, ou simplesmente Cirurgia de Capella, que foi o

seu idealizador, Rafael Capella.”

Segundo relatado pelo requerente, este realizava as aludidas cirurgias pela

técnica desenvolvida pelo Dr. Capella, conforme se depreende de diversas passagens

nos autos (fl. 137, 371, 402, 611). Por tal técnica, de acordo com o site Terra – Vida e

Saúde, “grampea-se uma parte do estômago e forma-se um ”pequeno estômago"

(gastroplastia). Em seguida, é colocado um anel de silicone em volta da gastroplastia e é

feito um desvio (Bypass) do intestino de cerca de 1 metro (o órgão tem 4 a 7 metros). Por

fim, a gastroplastia é ligada ao intestino desviado para que a comida possa passar

novamente” (gastroenteroanastomose). Portanto, a cirurgia de obesidade mórbida

envolve uma série de procedimentos, sendo que a gastroenteroanastomose é somente

um dos realizados.

Destarte, se chega à conclusão de que o autor não poderia utilizar-se dos códigos

da gastroenteroanastomose para requerer autorização para a realização de cirurgias pelo

SUS com o fim de solução da obesidade mórbida de seus pacientes. Tal sistemática era,

em verdade, uma burla às normas que regem a espécie, com o fim de contornar a

limitação determinada pela Portaria 628/GM, que vedava a realização de tais cirurgias no

Hospital Centenário.

Veja-se que nos prontuários, requisições e outros documentos o autor não

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mencionava a realização de cirurgia de obesidade mórbida, certamente sabendo que não

seria permitida a sua realização, pois o Hospital Centenário não é credenciado para

realização destes procedimentos, de conformidade com a Portaria 628/GM. Desta forma,

pode o cirurgião proceder uma gastroenteroanastomose no Hospital Centenário desde

que esta tenha causa externa, como lesão por arma de fogo ou arma branca, tumor,

obstruição intestinal, situação esta que, evidentemente, não era o caso da vítima Sérgio.

Esclareça-se ainda que a redução de estômago por obesidade mórbida tem, no SUS,

código diverso dos procedimentos gastroenteroanastomose e enteroanastomose.

Igualmente a auditoria realizada pela Secretaria Estadual de Saúde no Hospital

Centenário, cuja juntada foi autorizada pelas partes na audiência de fl. 504, concluiu pela

incorreção no procedimento do requerente. Conforme conclusão ‘2’, “Foram efetivamente

realizadas cirurgias bariátricas pelo SUS no Hospital Centenário, usando outros códigos

relacionados a cirurgias gástricas para a cobrança da AIH”, sendo que tal nosocômio não

estava habilitado a realizar tais cirurgias, conforme conclusão ‘1’ e já amplamente

debatido nesta sentença.

Por todos estes argumentos, forçoso concluir que o requerente usava artifícios

para que pudesse realizar, pelo SUS, cirurgias para solução de problemas de obesidade

mórbida em seus pacientes, embora o Hospital Centenário não fosse credenciado para

tanto. Utilizava-se o requerido de artifício que visava burlar a sistemática do Sistema

Único de Saúde para que houvesse o pagamento das cirurgias realizadas.

Contudo, não há evidências de que o requerido não tinha qualificação técnica

para a realização da cirurgia em comento. Ocorre que a prova dos autos é no sentido de

que o requerente tinha qualificação para efetuar cirurgias de obesidade mórbida. Neste

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sentido, o currículo do réu, não impugnado pelos autores. A Cirurgia Bariátrica é uma

técnica cirúrgica para tratamento da obesidade mórbida, não sendo estabelecida como

especialidade médica. Os médicos habilitados para realizarem esta espécie de cirurgia

são os médicos especialistas em cirurgia geral ou cirurgia do aparelho digestivo,

qualificação esta que o requerente possui. Também não há qualquer evidência de que o

Hospital Centenário não tinha condições técnicas de realização deste procedimento,

sendo que o depoimento das testemunhas ouvidas indicam a possibilidade de realizar tal

técnica no nosocômio local, a despeito de não estar cadastrado junto ao SUS.

Feitas estas considerações preliminares, passemos a apreciar a questão fulcral

da demanda, qual seja, a existência de erro médico no proceder do demandado quando

da realização da cirurgia na vítima Sérgio Faria. Esclareça-se inicialmente que o réu

responde por sua conduta não só durante ato cirúrgico em si, mas também pela

indicação correta da necessidade da intervenção cirúrgica, os procedimentos prévios a

esta e sua conduta durante todo o período em que a vítima esteve internada, qual seja, o

pós-operatório. A responsabilidade do réu abrange também período anterior e posterior

ao ato cirúrgico em si considerado, inclusive durante a recuperação (frustrada,

lamentavelmente) do paciente após a cirurgia. O médico assume um dever de cuidado do

paciente até sua pronta recuperação. Tal obrigação do requerido não é negada em sede

de contestação, sendo que a testemunha Antônio Luís do Canto Vinadé bem esclarece

tal questão, mencionando que o requerido foi o responsável médico pelo paciente Sérgio

desde a cirurgia até o óbito.

Outro esclarecimento necessário é que, embora incida ao caso concreto as regras

do Código de Defesa do Consumidor, necessária a apuração de culpa do requerido,

porque, conforme esclarecido pelo parágrafo 4º do art. 14 daquele diploma legal, “A

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responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação

de culpa”. Desta forma, para a responsabilização do réu necessária a constatação de que

este agiu de forma negligente, imprudente ou imperita, infringindo regras atinentes ao

ofício.

A responsabilidade dos profissionais liberais médicos representa na grande

maioria das vezes, obrigação de meio. Destarte, o médico não se compromete a curar o

paciente, mas simplesmente em envidar todos os esforços (de natureza técnica e

científica) nesse sentido. Não obtida a cura, disso não decorre automaticamente a

responsabilização civil do médico, cabendo à vítima demonstrar que o dano teria

decorrido de falha atribuível ao profissional. No caso concreto, a responsabilidade do réu

em indenizar é baseada na culpa, a qual deve ser buscada na perquirição da observância

por parte dos requeridos das regras técnicas da profissão.

Hoje se tem como certo que assume o médico um dever de cuidado, não qualquer

cuidado, mas, sim, o cuidado necessário, de acordo com os conhecimentos técnicos

disponíveis, para obter a cura ou melhora do enfermo. Assim, no caso de insucesso do

tratamento, deve o médico demonstrar que o diagnóstico era acertado, que o tratamento

era aquele que as circunstâncias impunham, que foi realizado no momento adequado,

respeitando os procedimentos prévios consagrados pela literatura médica e que foi feita

com a técnica habitual.

Também, como a obrigação do médico não é de obter um resultado mediato, e

como não assegura a cura, nem a recuperação da integridade física do paciente, tal

profissional pode eximir-se de toda a responsabilidade demonstrando que o evento

danoso se produziu apesar de ter cumprido ele com o seu dever.

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Deve ser reputado erro médico o emprego de técnicas inaceitáveis pela

dogmática da classe médica, ou ante a constatação de falta de diligência ou de prudência

do médico. Deve o médico proporcionar ao paciente todos os cuidados exigíveis para o

caso, mediante a utilização de todos os recursos da técnica médica para alcançar a cura

do paciente, obediente aos preceitos fundamentais da ciência. A conduta profissional

suscetível de engendrar o dever de reparação é aquela vinculada a erro no diagnóstico

ou no tratamento clínico ou cirúrgico, negligência na sua atuação para obtenção da cura

do paciente, de forma que se ponha em evidência a falta culposa no desempenho do

múnus.

Portanto, necessária a apuração de culpa na conduta do réu, ou seja, no caso

concreto, no ato cirúrgico realizado na vítima Sérgio Faria e nos dias que se seguiram a

este procedimento para a responsabilização do demandado. Entretanto, o conceito de

culpa para a esfera civil é muito mais tênue, bastando a existência da culpa levíssima

para haver a responsabilização civil. Hoje se tem como certo que assume o médico um

dever de cuidado, mas não qualquer cuidado, mas, sim, o cuidado necessário, de acordo

com os conhecimentos técnicos disponíveis, para obter a cura ou melhora do enfermo.

Assim, no caso de insucesso do tratamento, deve o médico demonstrar que o diagnóstico

era acertado, que o tratamento era aquele que as circunstâncias impunham, que a

cirurgia era necessária e foi feita com a técnica habitual. Além disso, cumpre ao médico

demonstrar que obrou com celeridade própria ao caso, sem perdas de tempo, sem

demoras inúteis. Utilizando as técnicas conhecidas e padrões para o caso. Este é o

ensinamento de JORGE MOSSET ITURRASPE, (in Responsabilidade Civil del Médico,

Ed. Astrea, Buenos Aires, 1985, pág. 35).

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O nexo causal para o direito civil é buscado pela Teoria da Causalidade

Adequada. Segundo tal teoria, um fato é considerado causa de outro fato quando seja

uma conseqüência logicamente possível e previsível de outro fato anterior. Frente ao

caso concreto, deverá se apreciar se a conduta do demandado (ou a sua omissão em

ministrar os devidos cuidados e procedimentos adequados ao paciente) poderia gerar

como conseqüência o evento morte da vítima. Utiliza-se a chamada prognose

retrospectiva, ou seja, perquire-se quais os fatos que poderiam ser causadores do

evento. Parte-se de uma formulação negativa, se procurando identificar o que é causa

inadequada para o fato danoso. Tal teoria obriga o demandado comprovar que a causa

não foi adequada, ou foi irrelevante à ocorrência do evento.

Também necessário referir que, na questão da condenação civil por erro médico

sempre surge a dificuldade de se aportar uma prova clara da responsabilização deste

profissional, pela obscuridade dos fatos ocorridos, nascidos de uma multiplicidade de

causas, além do desconhecimento por parte das vítimas da etiologia do mal, da evolução

do processo patológico, o acerto ou desacerto dos serviços profissionais, ou seja, a prova

acabada da relação entre o dano e o fato médico afirmado de culposo, por não terem

estas os conhecimentos técnicos necessários para a real compreensão dos fatos

acontecidos e, conseqüentemente, para a produção da prova.

Assim, a moderna jurisprudência, inclusive estrangeira, vem aplicando vários

critérios de avaliação do ônus da prova a fim de possibilitar às vítimas realmente alguma

chance de sucesso em demanda judicial desta espécie.

Em primeiro lugar cabe referir que, como a obrigação do médico não é de obter

um resultado mediato, como não assegura a cura, nem a recuperação da integridade

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física, nem a vida do enfermo, tal profissional pode eximir-se de toda a responsabilidade

demonstrando que o evento danoso se produziu apesar de ter cumprido ele com o seu

dever. Ao médico sempre será mais fácil demonstrar que fez tudo o que estava ao seu

alcance que para o enfermo provar que não fez o médico o que devia.

Tanto o médico quanto o paciente devem aportar a maior quantidade de provas

de que disponham para facilitar o julgamento da causa. Este enfoque se enquadra na

chamada Teoria das denominadas Cargas Probatórias Dinâmicas, segundo a qual, em

determinadas circunstâncias se produz uma transferência da carga probatória para o

profissional, por encontrar-se este em melhores condições de desincumbir-se da

produção de tal prova. Não se trata de fazer recair o ônus probatório sobre o profissional,

mas de repartir-se a produção da prova, de forma que seja atribuído tal ônus a parte que

mais facilmente a pode produzi-la. Desta forma, os contendores em um processo judicial

colaboram com a administração da justiça, de forma com que possa ser atingida a

verdade real, e, por conseqüência, um julgamento mais justo. Este o ensinamento de

LUIS O. ANDORNO, (La Responsabilidade Civil Médica, in AJURIS, 59/224). Também

não se exige a produção de uma prova de um evento negativo - inexistência de culpa -,

mas, sim, a comprovação de que foram envidados todos os esforços, e de que o evento

danoso teria acontecido mesmo com toda a atuação diligente do requerido.

No caso concreto, é importante referir que a conduta do requerido não pode ser

considerada como absolutamente correta com relação ao pronto e claro esclarecimento

de como efetivamente se passaram os fatos, para dizer o mínimo, resvalando o

demandado na ética em vários aspectos. Em primeiro lugar, a já mencionada burla na

indicação do procedimento médico realizado, com o fim de que o SUS pagasse a cirurgia

realizada. Em segundo lugar, não há nos autos nota de baixa, não podendo se avaliar o

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tipo exato de tratamento cirúrgico proposto, nem foi feita a descrição padrão do ato

cirúrgico, conforme informado pelo perito a fl. 367 (é certo que há alegação defensiva de

que tal documento fora subtraído e substituído por outro. Contudo tal circunstância não

se encontra completamente esclarecida). Também o requerido não procedeu à anotação

da evolução médica do paciente nos prontuários, conforme se pode aferir nos

documentos juntados nos autos e mencionado pela perícia a fl. 368 e 392. Como também

informado pelo perito a fl. 392 ao responder o quesito 24, não há nos autos ficha clínica

do paciente e nota de baixa, não se sabendo se o réu não preencheu tais documentos,

ou deliberadamente deixou de juntá-los aos autos.

O requerido alegou em sede de contestação e de depoimento pessoal que a

morte do paciente ocorreu porque este apresentou hemorragia digestiva localizada no

esôfago, causada por uma anomalia vascular, qual seja, uma artéria anômala neste

órgão (Síndrome de Delafoye). Tal circunstância restou comprovada nos autos pela

juntada do laudo da endoscopia realizada na vítima no dia 20 de julho de 2002 (fl. 163),

bem como pela oitiva da médica que realizou tal procedimento, Dra. Cíntia Presser da

Silva (fl. 509). Esclareceu ainda o réu que tal hemorragia teria causado volemia (baixa

quantidade de sangue no paciente) da qual teria decorrido isquemia (falta de oxigenação)

em diversos órgãos, que teria causado falência destes. O déficit de sangue também

poderia causar a septicemia (infecção generalizada em mais de um órgão), sendo que

esta sucessão de causas levou a morte do paciente.

Contudo, embora deva ser reconhecido que a aludida hemorragia efetivamente

ocorreu, tal circunstância não foi, no mínimo, a causa única da morte da vítima, bem

como há nos autos indícios suficientes para que se possa concluir que o requerido não

obrou com diligência necessária para evitar que tal evento levasse a morte do paciente.

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PODER JUDICIÁRIO

Ocorre que a vítima, durante os 29 (vinte e nove) dias que ficou internada,

apresentou um quadro progressivamente regressivo, conforme se constata pelo

prontuário médico do paciente. Respondendo ao quesito 11 do demandado, o perito

esclareceu a fl. 392 que as alterações no quadro clínico do paciente tiveram início antes

de 04 de julho de 2002. Além disso, o paciente que tem volemia baixa (decorrente da

perda de sangue) apresenta taquicardia e hipotensão (pressão baixa), conforme o próprio

réu esclareceu em seu depoimento pessoal de fl. 436v.

Ocorre que, ao contrário do que se seria esperar se a causa da morte fosse a

hemorragia interna mencionada, a vítima somente apresentou hipotensão nas últimas

horas de vida, conforme prontuário médico e laudo pericial (fl. 370). Sérgio, ao longo de

toda a sua internação, sempre manteve sinais vitais estáveis, havendo inclusive menção

de pico de hipertensão no dia 02 de julho, conforme prontuário médico – fl. 329.

Assim, ou tal hemorragia não era significativa, ou somente ocorreu quando o

quadro do paciente já estava de tal forma agravado que não conseguiu suplantar tal

perda de sangue. Destarte, esta sucessão causal para a morte da vítima não encontra

subsídio em todos os elementos de prova do presente feito, não devendo ser

reconhecida como idônea.

A testemunha Cíntia Presser da Silva ainda mencionou que, para o vômito se

tornar borráceo é necessário que o sangue permanecesse certo tempo dentro do

estômago para que fosse parcialmente digerido. Desta forma, como Sérgio havia sofrido

redução de estômago, tal sintomatologia indicava sangramento mínimo, uma vez que o

estômago não tinha volume suficiente para que o sangramento se tornasse borráceo.

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PODER JUDICIÁRIO

Necessário ainda referir que a testemunha Carlos Antônio Veronese Arpini

esclareceu ainda que, com o procedimento tomado pela endoscopista (Dr. Cíntia Presser

da Silva), qual seja, injeção de álcool absoluto e adrenalina, o sangramento deve ter sido

estancado, não mais prosseguindo, eliminando tal causa de debilidade do paciente.

Ademais, mesmo que considerássemos a hemorragia no vaso anômalo como

causa significante para o êxito letal, ainda assim, de rigor o reconhecimento de que o réu

não teria agido com toda a diligência necessária para a cura do paciente. Conforme

esclarecido pelo Dr. Antônio Luiz Vinadé, a ocorrência de vômito fecalóide é indicativo da

existência de sangramento nas vias digestivas. Assim, constatada a existência de tal

sintoma, seria recomendado fazer investigação médica imediata das causas do

sangramento associado. Ocorre que no dia 30 de junho a vítima apresentava vômitos

com indícios de sangue, os quais se repetiram no dia 1º de julho, conforme informação do

perito e cópias do prontuário médico (fl. 328 e 329). Já no dia 16 de julho o paciente

apresentou vômito fecalóide, episódio que se repetiu várias vezes nos dias seguintes,

conforme se pode constatar pelo prontuário médico de fl. 334 e seguintes (ressalte-se

que algumas vezes é mencionada a existência de hematêmese, vocábulo este que

significa vômito com sangue, conforme esclarecido pelo perito, fl. 369, última linha),

sendo que somente no dia 20 de julho foi realizada a endoscopia que constatou a

existência da hemorragia na região do esôfago e que procedeu ao estancamento deste

sangramento com a utilização de álcool absoluto e adrenalina. Ressalte-se que a

testemunha Antônio Luiz Vinadé mencionou em seu depoimento de fl. 507v que a

existência de vômito fecalóide é indicativo da existência de sangramento nas vias

digestivas, bem como que, constatado esse tipo de vômito, o procedimento correto é

fazer investigação médica de imediato (grifo nosso), acerca das causas deste

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sangramento. No mesmo sentido o esclarecimento da Dra. Cíntia Presser da Silva, que,

em seu depoimento de fl. 509 mencionou que “a cirurgia realizada pode originar um

sangramento da área da anastomose. Constatados sangramentos posteriores (7 a 10

dias depois da cirurgia), por vômitos borráceos, é recomendável fazer investigação

imediata (grifo nosso)”. No caso concreto, o demandado somente interveio depois de

passados vários dias do início dos sintomas que indicavam sangramento nas vias

digestivas. Necessário referir que no Hospital Centenário há possibilidade de realizar

endoscopia a qualquer momento, conforme informado pela testemunha Antônio Luiz do

Canto Vinade a fl. 507v.

Destarte, se tal hemorragia foi de tal forma significativa para o falecimento da

vítima como assegurado pelo réu em suas manifestações defensivas nos autos, de rigor

o reconhecimento de que o demandado foi negligente ao ignorar a sintomatologia

apresentada pelo seu paciente de que este apresentava sangramento nas vias

digestivas, não realizando a tempo a necessária investigação da origem deste, bem como

procedendo a necessária intervenção para estancá-lo.

Contudo, considero que tal sangramento não foi causa significante para a morte

de Sérgio, ou ao menos não foi o único fator determinante do seu falecimento. Conforme

já referido, a vítima durante os 29 dias que ficou internado apresentou um quadro

progressivamente regressivo, conforme se constata pelo prontuário do paciente.

Já no dia 1º de julho iniciou-se discreta anemia no paciente, bem como o

leucograma começou a apresentar desvio à esquerda, sinalizando padrão infeccioso do

paciente. Tal situação persistiu durante os dias seguintes, havendo piora progressiva

deste quadro, com agravamento da anemia e da infecção. Veja-se que nesta data ainda

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não havia indicativo de sangramento causado pelo vaso anômalo, já que os vômitos

fecalóides se iniciaram somente 2 semanas depois, no dia 16 de julho. O paciente já

estava internado a mais de 25 dias quando se iniciaram tais sintomas, sendo que a não

concessão da alta hospitalar decorreu de outras causas de intercorrência, quais sejam a

mencionada anemia e a infecção, as quais guardam estreita relação com a cirurgia

realizada. Portanto, estabelece-se um nexo de causalidade entre esta piora do paciente e

a fase pós-operatória, na qual o paciente ainda estava sob os cuidados e sob

responsabilidade médica do requerido.

Necessário ainda referir que ao longo de todo o período posterior à intervenção

cirúrgica, a vítima Sérgio apresentou secreção borrácea no ferimento e no dreno

instalado, conforme se depreende das anotações do prontuário do paciente. A

testemunha Carlos Antônio Veronese Arpini, médico que realiza cirurgias semelhantes às

objeto do presente feito, esclareceu que a secreção borrácea não costuma perdurar por

mais de 10 dias, sendo que tal testemunha mencionou que, em um caso em que estava

presente tal situação (qual seja, a persistência da secreção borrácea por mais de 10

dias), chegou a cogitar a possibilidade de reintervir cirurgicamente, demonstrando a

gravidade desta situação.

No caso da vítima Sérgio não há notícias de que o requerido tenha tomado

qualquer providência ou realizado qualquer procedimento para estancar tal sintomalogia,

a qual denota que a evolução da cirurgia não estava dentro do esperado. Ressalte-se

que tal testemunha ainda mencionou que o sangue decorrente da hemorragia interna não

pode sair pela cicatriz cirúrgica, indicando que esta jamais teve evolução normal. Tal

secreção evoluiu ao longo do período de internação da vítima, passando a se tornar

purulenta (menção no dia 18 de julho e seguintes), com claro indicativo que havia

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infecção na ferida operatória. Assim, tal omissão denota negligência do réu em realizar a

necessária intervenção com o fim de afastar tal situação. É de se ressaltar ainda que,

quando Sérgio foi levado à UTI do Hospital Centenário, o médico responsável por tal

setor referiu no prontuário do paciente que havia sangramento através dos drenos de

Penrose (fl. 370 e 338), no abdômen, denotando problemas com a cirurgia. O fato da

endoscopia ter constatado que a anastomose estava pérvia, qual seja, a passagem

estava liberada, e sem sinais de sangramento (fl. 163 e depoimento da testemunha Cíntia

Presser da Silva, fl. 509) não afasta tal conclusão, pois tal exame não refere o estado das

estruturas e tecidos além do estômago, não examinadas pela endoscopia e que também

foram objeto de incisão e posterior sutura durante o ato cirúrgico.

Veja-se que o atestado de óbito, firmado pelo médico Antônio Luiz Vinadé,

mencionou como causas da morte de Sérgio Faria falência múltipla de órgãos,

insuficiência renal aguda, insuficiência respiratória, septicemia e obesidade mórbida (fl.

19). É necessário referir que tal profissional realizou acompanhamento clínico da vítima,

conforme esclarecido em seu depoimento de fl. 507v, sendo que sabia da existência da

mencionada hemorragia decorrente de vaso anômalo no esôfago. Destarte, soa estranho

que não tenha feito qualquer referência a esta causa (que seria significante segundo a

versão apresentada pelo réu em sua defesa) quando da elaboração do atestado de óbito

e que tenha alterado a causa da morte da vítima quando do seu depoimento em juízo. O

detalhamento das causas da morte descrito no atestado de óbito de fl. 19 tem

fundamental importância para a apuração da responsabilidade do demandado uma vez

que realizado no momento do falecimento da vítima, sem a influência de fatores

estranhos a real significância dos fatos. É de se ressaltar que tal profissional fez constar a

obesidade mórbida como condição significativa que contribuiu para a morte, mas ignorou

completamente a mencionada hemorragia, denotando assim a pouca (ou nenhuma)

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significação que tal causa teve para o falecimento da vítima. Saliente-se ainda que o

perito em sua conclusão mencionou que “a intervenção cirúrgica apresentou, como

complicação, um quadro infeccioso pós-operatório, que evoluiu para sepse. Houve

evolução progressiva do quadro para choque séptico, desnutrição, falências de múltiplos

órgãos”. Tal conclusão vai ao encontro das causas da morte da vítima mencionadas no

atestado de óbito da vítima.

Destarte, ao longo dos dias que a vítima Sérgio esteve internada, jamais teve

evolução normal do seu quadro, no sentido de iniciar a recuperação da cirurgia, com

regular cicatrização da ferida operatória e o restabelecimento de sua saúde. Depois da

intervenção realizada, Sérgio somente passou a apresentar complicações várias, as

quais levaram a sua morte, sendo que não houve por parte do requerido a necessária

intervenção forte que a gravidade do quadro exigia.

Saliente-se ainda que, embora a reiterada menção do requerido e de seus

colegas médicos de que havia equipe multidisciplinar auxiliando o Dr. Alexandre com os

pacientes que eram submetidos à cirurgia para correção da obesidade mórbida, jamais

houve comprovação efetiva de que tais pacientes tinham tais atendimentos prévios, de

molde a uma correta avaliação da efetiva indicação e necessidade da realização da

cirurgia para redução de estômago, bem como se o paciente detinha condições físicas e

psicológicas para se submeter a tal operação.

Tal atendimento prévio por psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, fisioterapeutas,

profissionais de educação física se faz necessário pela mudança radical no modo de vida

do paciente, em especial com relação à alimentação. Também prudente a avaliação

prévia de que o paciente tinha condições físicas de suportar a radical intervenção

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cirúrgica, sendo imprescindível o exame do paciente por cardiologista, endocrinologista e

profissionais de outras especialidades médicas a ser realizado especificamente para o

ato cirúrgico em si. A submissão dos candidatos à cirurgia de redução de estômago a

esta equipe multidisciplinar está prevista em protocolo próprio, o qual, no caso concreto,

não foi obedecido. Nos autos há somente a menção de que o de cujus fez poucos

exames, a maioria deles vinculados ao seu atendimento junto ao Hospital Conceição de

Porto Alegre, no qual Sérgio estava inscrito para a realização da cirurgia de redução de

estômago. Contudo, tais exames jamais podem caracterizar atendimento por equipe

multidisciplinar. Em verdade, de toda a análise denota-se que o proceder do demandado

era, para dizer o mínimo, um tanto amadorístico, situação esta que não se coaduna com

a gravidade e risco da intervenção realizada. Portanto, de rigor o reconhecimento de que

o réu foi imprudente ao realizar a cirurgia na vítima sem que fossem observados todos

os requisitos prévios para tal procedimento.

Em face de todos estes argumentos, de rigor o reconhecimento do agir culposo do

réu, bem como o nexo de causalidade deste com o evento morte da vítima ocorrida no

decorrer do pós-operatório. Ressalte-se que este agir culposo ocorreu no período pré e

pós-operatório, uma vez que não há evidências, sequer indícios, de que no ato cirúrgico

em si tenha o réu cometido qualquer ato em desobediência a boa técnica médica.

Contudo, evidentemente a responsabilidade médica em caso de cirurgia abrange também

a correta indicação desta, a correta avaliação prévia do paciente e todo o período de

recuperação do paciente, durante o qual o médico tem a obrigação de observação

permanente da evolução de quadro de saúde do paciente, com as necessárias

intervenções para solução de eventuais problemas decorrentes da cirurgia.

Destarte, em face de todos estes argumentos, de rigor a responsabilização civil do

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requerido pelo evento morte da vítima Sérgio, com o conseqüente reconhecimento do

seu dever de indenizar, porquanto o artigo 159 do Código Civil/16 (vigente ao tempo dos

fatos, e com redação semelhante aos artigos 186 e 927 do Código Civil/2002) determina

a obrigação de reparar o dano quando o agente violar direito ou causar prejuízo a outrem,

agindo com culpa. A conduta culposa do agente, mencionada supra, contribuiu para o

resultado, uma vez que, se esta não estivesse presente, o evento danoso (morte da

vítima) não se teria produzido. O dever de indenizar os danos decorrentes do falecimento

do esposo e pai dos requerentes é corolário lógico da responsabilidade pela causação do

evento.

Passemos a analisar as verbas indenizatórias requeridas na inicial. Esta faz

basicamente 2 (dois) requerimentos: (a) indenização que compreenda as necessidades

dos autores; e (b) indenização pelo dano moral. Passemos a apreciá-los:

Com relação ao pedido de pagamento de indenização com o fim de suprir as

necessidades dos autores, a prova dos autos indicou que estes eram dependentes

economicamente da vítima, conforme se depreende do depoimento da testemunha Maria

do Carmo Silveira Pedrozo (fl. 505) e Eloir Rosa Ramos, que mencionou que Sérgio

estava em plena atividade profissional quando do falecimento. Assim, tal pretensão deve

ser acolhida, uma vez que os autores, com o falecimento da vítima, perderam a sua fonte

de sustento. Ademais, tal circunstância não foi especificamente impugnada pela parte ré

em sua contestação, sendo de rigor o reconhecimento de sua veracidade, por

incontroversa.

Pretendem os requerentes a condenação do réu ao pagamento de quantia fixa

para fins de indenização destes danos materiais. Tal forma de ressarcimento não deve

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ser deferida, uma vez que não adequada à restituição ao statu quo ante, bem como não

foram mencionadas a forma e discriminação de como foi obtido o valor consignado na

inicial. Assim, mais conveniente que tal indenização seja procedida na forma de

pagamento de pensão mensal, a qual vai atingir a pretensão da inicial de suprimento das

necessidades dos requerentes, em face da privação da renda proporcionada pelo

trabalho da vítima Sérgio. O pensionamento é uma espécie de dano material, derivado da

perda de uma renda futura, ou seja, os lucros cessantes. O dever de pagamento da

pensão é certo, de acordo com o art. 1537, II, do Código Civil/1916 (art. 948, II, do

Código Civil/2002).

Desta forma, tal pedido deve ser acolhido com o fim de condenar o réu ao

pagamento de uma pensão mensal em favor dos autores, restando apenas fixar o

quantum desta, bem como o período abrangido. A quantificação de tal pensionamento

deverá ser efetuada em liquidação de sentença por arbitramento, na qual deverá ser

apurada a média da remuneração percebida pela vítima Sérgio Faria nos seus últimos 12

(doze) meses de trabalho, corrigindo-se os valores percebidos. Sobre o valor apurado

deverá se proceder ao desconto de 1/3 (um terço), a título de despesas pessoais da

vítima, conforme remansosa jurisprudência. Desta forma, a pensão devida aos autores é

fixada em 2/3 (dois terço) da média da remuneração da vítima durante os 12 (doze)

últimos meses anteriores ao seu falecimento a ser apurada em liquidação de sentença.

Desta importância caberá metade à esposa da vítima, sendo que a outra metade

deverá ser dividida entre os filhos. Estes perderão o direito a suas respectivas cotas-parte

quando completarem 21 (vinte e um) anos de idade, porquanto se presume que, com

esta idade, adquirirão independência financeira e constituirão família, não dependendo

mais dos rendimentos de seu pai para sobreviver. Entretanto, tal cota parte deverá

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acrescer na pensão devida à autora Maria Regina, pois assim normalmente ocorreria

caso a vítima estivesse viva, ou seja, com a saída do lar do filho restaria maior numerário

para os gastos pessoais do casal.

Tal pensão deve ser paga desde o falecimento da vítima até a data em que esta

completaria 72 anos de idade, segundo reiterada jurisprudência, pois esta é a idade

média dos gaúchos.

Sobre as parcelas vencidas incidirão correção monetária, de acordo com a

variação do IGPM/FGV, e juros de mora a base de 1 % (um por cento) ao mês, ambos

calculados desde a data do vencimento de cada parcela até o efetivo pagamento.

Deverá o réu constituir capital com o fim de garantir a renda da prestação de

alimentos, na forma do art. 602 do C.P.C.

Desde já deve ser esclarecido que não deve ser efetuado o desconto de eventual

benefício previdenciário percebido pelos autores em decorrência da morte de seu esposo

e pai na pensão devida aos autores, fixada na presente sentença. Ocorre que, enquanto

a primeira advém da relação securitária entre o obreiro e o INSS, esta última decorre de

culpa extracontratual. Têm ambas, portanto, fundamento jurídico e legal diverso, não

podendo ser deduzida da indenização devida sob esta rubrica, mesmo que advinda do

mesmo fato.

O benefício previdenciário é de natureza alimentar, portanto compensatório como

contraprestação da contribuição do trabalhador ao sistema de seguro previdenciário. Já a

decorrente da responsabilidade civil é de caráter indenizatório, objetivando restabelecer a

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situação anterior ao fato danoso. Assim, desimporta eventual condição ou recebimento

de benefício previdenciário, tendo em vista que este último não se relaciona com a

responsabilidade civil do requerido.

Igualmente deverá o réu ser condenado ao pagamento de uma indenização pelo

dano moral. A indenização do dano moral puro foi estabelecida pela Constituição Federal

nos incisos V e X do art. 5º, finalizando com as discussões jurisprudenciais existentes

anteriormente à edição da Carta Magna acerca da possibilidade de ressarcimento

pecuniário do dano extrapatrimonial, justamente pelo seu caráter não-avaliável

monetariamente. A partir da vigência da atual carta constitucional, pacificada esta

discussão, surgiu a dúvida sobre a possibilidade de cumulação da indenização do dano

material e moral, tendo como origem o mesmo evento. O S.T.J. firmou posição favorável

a esta cumulação, editando súmula, consolidando tal posicionamento (verbete nº 37). A

jurisprudência dos Tribunais Estaduais também é unânime neste sentido. Encontra-se,

pois, pacificada a posição que admite a possibilidade de indenização do dano moral e

sua cumulação com o dano material, mesmo que sejam oriundos do mesmo fato.

Revela-se o dano moral como uma dor interior, não apreciável economicamente,

pois se cinge a um sentimento negativo, que não causa modificações no mundo exterior,

mas, tão-somente na esfera íntima do ofendido. A existência de dano de ordem

extrapatrimonial da esposa da vítima e de seus filhos é inegável. Tal lesão moral em

decorrência da morte da vítima é de presunção indesmentível. É indiscutível a existência

do dano moral, caracterizado pela dor e sofrimento causado pela perda de um ente

querido, a qual traz um claro prejuízo a psique de qualquer pessoa, não havendo

necessidade de maiores comprovações, uma vez que esta circunstância faz parte do

senso comum, sendo de todos conhecida, aplicando-se, conseqüentemente, o artigo 334,

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I, do C.P.C.

Na grande maioria das situações da vida, a dor sofrida pela perda do esposo e pai

é inimaginável, maior que qualquer valor pecuniário recebido a título de ressarcimento

pela morte de uma pessoa. Não há valor financeiro que possa aplacar o sofrimento

causado pelo desaparecimento de um familiar. Imagine-se o sofrimento de uma mulher

com a perda de seu marido. Imagine-se a angústia e o padecimento de um filho com a

morte de seu pai, tendo que completar a sua formação sem a presença da figura paterna.

No caso concreto, mais agravada ainda a dor dos requerentes, tendo em vista que

compartilharam da longa agonia da vítima após a realização da cirurgia, até o seu

falecimento.

Não havendo possibilidade de se restituir os fatos a situação anterior ao evento,

pela óbvia irreversibilidade de suas conseqüências, as quais já geraram efeitos, não

sendo possível a sua retirada do mundo, deve o direito criar condições de, ao menos,

diminuir este mal causado, compensando os requerentes por meio de uma indenização

pecuniária. Deve o direito criar condições de, ao menos, atenuar a dor e o sofrimento dos

autores causada pelo falecimento do esposo e pai, propiciando uma sensação agradável

com o fim de compensar o efeito maléfico sofrido. Desta forma, é de rigor a indenização

monetária do dano moral sofrido pelos requerentes.

Caracterizada a existência do dano moral cabe ao Judiciário delimitar qual a

indenização, mensurando o valor devido por tal rubrica. Esta tem sido uma das maiores

dificuldades dos juristas de nosso tempo, pois se tem o ônus de quantificar a dor interna,

subjetiva, sofrida por uma pessoa. Tal apreciação do valor indenizatório ao mal interior

causado é jurídica. Somente o profissional do direito tem condições de corretamente

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avaliar o grau e a intensidade do dano causado pelo ofensor, cabendo, destarte, sua

fixação nesta sentença. Evita-se, assim, a morosa forma de liquidação de sentença por

arbitramento, a qual se mostra inadequada para tal tipo de condenação, pois qualquer

forma de avaliação pericial da quantificação de tal indenização não conseguirá apreciar

corretamente a questão, por não terem os eventuais experts os parâmetros jurídicos para

tal quantificação.

Deve, destarte, o próprio julgador fixar o valor desta, por ser este quem tem as

melhores condições de avaliação do quantum reparatório. Já disse o grande mestre J. M.

DE CARVALHO SANTOS que “o arbitramento dessa indenização ou reparação deve ser

feito pelo próprio juiz ou tribunal; pelos debates e exame da causa, um e outro ficam em

condições de bem apreciar a situação da vítima e do culpado, para fixar uma soma que

represente o castigo justo de uma falta e a atenuação do padecimento moral pelo consolo

trazido com a não impunidade absoluta do culpado” (in Código Civil Brasileiro

Interpretado, vol. XXI, 4ª ed., ano 1952, pág. 72).

A quantificação desta indenização deve se pautar em alguns critérios como a

intensidade da dor, a culpa do ofensor, a situação econômica deste, bem como a

situação social, familiar e cultural da vítima. Também deve ser dada uma natureza

punitiva à reparação.

Assim, no caso concreto devem ser considerados como parâmetros para a

fixação da indenização: a dor intensa da esposa e dos filhos pela morte da vítima; a

posição social desta; a culpa do requerido; a circunstância de que os filhos da vítima

foram alijados do contato paterno durante a sua formação. Há igualmente a necessidade

de se estabelecer um caráter punitivo na presente indenização, devendo assim existir

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uma forte reprimenda na sua conduta, para que não mais se permita que atos danosos

de tal natureza se repitam.

Em face destes parâmetros, fixo a indenização pelo dano moral em R$ 50.000,00

(cinqüenta mil reais) para cada um dos autores, totalizando R$ 150.000,00 (conto e

cinqüenta mil reais), acrescidos de juros de mora de 1 % (um por cento) ao mês, nos

termos do art. 406 do Código Civil/2002 c/c art. 161 do CTN e de atualização monetária

de acordo com o IGP-M/FGV, ambos a contar da data da publicação da presente

sentença.

Ante o exposto, julgo procedente a presente Ação de Indenização ajuizada por

MARIA REGINA FARIA, DÉBORA FARIA e MATHEUS FARIA contra ALEXANDRE

RUBIO ROSO, com o fim de condenar o réu ao pagamento de:

a) Indenização com o fim de suprir as necessidades dos autores, consistente no

pagamento de uma pensão mensal equivalente a 2/3 (dois terço) da média da

remuneração da vítima durante os 12 (doze) últimos meses anteriores ao falecimento

de Sérgio Faria a ser apurada em liquidação de sentença, corrigindo-se os valores

apurados de acordo com o IGPM/FGV. Tal pensionamento é devido desde o

falecimento da vítima até a data em que esta completaria 72 (setenta e dois) anos de

idade, cabendo metade à autora Maria Regina e a outra metade aos filhos Débora e

Matheus. Estes perderão o direito a suas respectivas cotas partes quando

completarem 21 (vinte e um) anos de idade, acrescendo tais cotas à da primeira.

Sobre as parcelas vencidas incidirão correção monetária, de acordo com a variação do

IGPM/FGV, e juros de mora a base de 1 % (um por cento) ao mês, ambos calculados

desde a data do vencimento de cada parcela até o efetivo pagamento. Deverá o réu

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constituir capital com o fim de garantir a renda da prestação de alimentos, na forma do

art. 602 do C.P.C.;

b) Indenização pelo dano moral arbitrada em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) para

cada um dos autores, totalizando R$ 150.000,00 (conto e cinqüenta mil reais),

acrescidos de juros de mora de 1 % (um por cento) ao mês e de atualização monetária

de acordo com o IGP-M/FGV, ambos a contar da data da publicação da presente

sentença.

Condeno o requerido ao pagamento das custas processuais, honorários periciais

já fixados e honorários advocatícios em favor do patrono dos requerentes, estes

arbitrados em 10 % (dez por cento) do valor da condenação dos danos morais e de uma

anualidade da pensão fixada, de acordo com artigo 20, § 3º, do C.P.C., em face da

natureza da causa e o trabalho despendido.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

São Leopoldo, 1 de junho de 2006.

Leandro Raul Klippel Juiz de Direito