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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal Processo n. 2007.82.00.006980-6 Ação penal pública Autor: MPF Réu: Reginaldo Marcelino Pereira S E N T E N Ç A 1 DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (CP, 168-A). Impossibilidade material da empresa decorrente de dificuldades financeiras. Comprovação. Causa supralegal de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. Absolvição. RELATÓRIO Tratam os presentes autos de AÇÃO PENAL PÚBLICA promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra REGINALDO MARCELINO PEREIRA, já devidamente qualificado, dando-o a peça denunciativa como incurso no art. 168-A c/c o art. 71, ambos do Código Penal brasileiro. Narra a denúncia (f. 03-4) que o acusado, na condição de representante legal da empresa denominada CONSTRUTORA BRISA LTDA., teria deixado de repassar aos cofres do INSS as contribuições previdenciárias descontadas dos respectivos empregados no período de abril/2001 a dezembro/2003. A documentação acostada à denúncia comprovaria a condição de representante legal do acusado, bem como a existência do débito no valor de R$ 7.821,67 (sete mil oitocentos e vinte e um reais e sessenta e sete centavos), conforme NFLD n. 35.609.659-9. Pediu ainda a oitiva de duas testemunhas. 1 Sentença tipo D, cf. Res. CJF n. 535/2006.

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A conduta descrita na denuncia consiste no desconto e retencao das contribuicoes previdenciarias devidas pelos empregados sem o repasse aos cofres do INSS. O acusado alega a ausencia de recursos para tal repasse em razao das severas dificuldades financeiras por que passava a pessoa juridica.

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JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA

SEGUNDA VARA FEDERAL

ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU

Juiz Federal

Processo n. 2007.82.00.006980-6

Ação penal pública

Autor: MPF

Réu: Reginaldo Marcelino Pereira

S E N T E N Ç A1

DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA

PREVIDENCIÁRIA (CP, 168-A). Impossibilidade material

da empresa decorrente de dificuldades financeiras.

Comprovação. Causa supralegal de exclusão da

culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa.

Absolvição.

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de AÇÃO PENAL PÚBLICA promovida pelo

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra REGINALDO MARCELINO PEREIRA, já

devidamente qualificado, dando-o a peça denunciativa como incurso no art. 168-A

c/c o art. 71, ambos do Código Penal brasileiro.

Narra a denúncia (f. 03-4) que o acusado, na condição de

representante legal da empresa denominada CONSTRUTORA BRISA LTDA., teria

deixado de repassar aos cofres do INSS as contribuições previdenciárias

descontadas dos respectivos empregados no período de abril/2001 a

dezembro/2003. A documentação acostada à denúncia comprovaria a condição de

representante legal do acusado, bem como a existência do débito no valor de R$

7.821,67 (sete mil oitocentos e vinte e um reais e sessenta e sete centavos),

conforme NFLD n. 35.609.659-9. Pediu ainda a oitiva de duas testemunhas.

1 Sentença tipo D, cf. Res. CJF n. 535/2006.

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A Receita Federal informou que o referido débito não havia sido

parcelando, encontrando-se em situação INSCRIÇÃO DE CRÉDITO EM DÍVIDA

ATIVA (f. 10).

Recebida a denúncia em 30/10/2007 (f. 12).

Citação regularmente realizada (f. 20-1).

Interrogatório do réu REGINALDO MARCELINO PEREIRA (f. 31-4).

Oitiva das testemunhas indicadas pelo MPF: Robert Jubert (f. 53-4) e

Maria do Céu da Silva (f. 55-6).

Oitiva da testemunha indicada pela defesa: Cléssio Galdino do

Nascimento (f. 75-6 e 86).

Determinei, em vista de requerimento de diligências pelo MPF, o envio

de ofício à Receita Federal para informar se a empresa ainda se encontrava em

atividade, bem como para fornecer cópias das declarações de imposto de renda do

acusado e da empresa no período de 2001 a 2004 (f. 81). As informações foram

enviadas pela Receita Federal (f. 88-149).

A defesa requereu diligências (f. 153-4), pedindo que se oficiasse à

SUPLAN solicitando-se informações acerca dos contratos celebrados com o governo

do Estado, dos respectivos pagamentos à empresa e eventuais débitos. Juntou

documentos que comprovam a realização dos contratos e o recebimento das

respectivas obras (f. 155-79).

Resposta da SUPLAN (f. 187-279). A defesa insistiu em que a

SUPLAN se manifestasse sobre o valor de que ainda seria credora a

CONSTRUTORA BRISA LTDA. em face do Estado da Paraíba (f. 289), o que fora

deferido (f. 290). A SUPLAN informou (f. 294) não existir naquele órgão qualquer

processo com pendência de pagamento à empresa.

Em alegações finais:

a) O MPF alegou que teriam restado provadas a autoria e a

materialidade do crime imputado, bem como que não teria o réu demonstrado as

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dificuldades financeiras por ele alegadas e que o teriam impedido de cumprir suas

obrigações perante o INSS. Pediu, assim, a procedência do pedido.

b) O acusado alegou que, malgrado sejam verdadeiros os fatos

narrados, não houve como efetuar o repasse dos valores ao INSS por absoluta

impossibilidade financeira da empresa. Salientou que a empresa somente trabalhava

em contratos com o Estado e que deixou de receber valores devidos em razão de

obras entregues.

É o breve relatório.

DECIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

Não há preliminares ou questões prejudiciais a decidir.

Passo ao exame do mérito.

O Ministério Público Federal denunciou o acusado REGINALDO

MARCELINO PEREIRA como incurso nos artigos 168-A e 71 do Código Penal em

razão da suposta prática de, na qualidade de administrador da CONSTRUTORA

BRISA LTDA., ter deixado de repassar ao INSS as contribuições previdenciárias

descontadas dos salários dos respectivos empregados. A defesa não nega os fatos,

mas aduz que foram motivados por impossibilidade fática decorrente de problemas

financeiros que culminaram na cessação das atividades da empresa.

Em seu interrogatório, o réu REGINALDO MARCELINO PEREIRA

confirmou a veracidade do fato tal como narrado na denúncia, inclusive afirmando-se

como o administrador da CONSTRUTORA BRISA LTDA. Confirmou a existência dos

descontos das contribuições dos empregados sem o repasse ao INSS no período

mencionado na denúncia. Esclareceu que tal se deveu ao fato de haver realizado

duas obras para o governo do Estado da Paraíba, precisamente os contratos PGU n.

97/2001 (prédio da PM para condicionamento das armas) e PGU n. 179/2002

(escola fundamental Pedro Ribeiro de Lima, em Riachão), sem que tenha recebido o

pagamento, encontrando-se o dinheiro até então retido na SUPLAN. Destacou que

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pouco tempo antes do interrogatório a imprensa noticiou o fato de seis construtores

haverem se acorrentado em frente à SUPLAN para receberem os pagamentos por

obras construídas e entregues ao governo do Estado, sendo que o interrogado era

um daqueles construtores. Destaca que desde 2003 a empresa não estaria mais em

atividade por fato de condições para sua manutenção. A ausência do repasse ao

INSS, explica, se deveu à falta de dinheiro no caixa da empresa. Os valores das

contribuições descontadas e não repassadas decorreram da contratação de

empregados para as obras feitas ao governo do Estado. No mesmo período, houve

outras obras cujo valor das contribuições fora retido e repassado ao INSS. Mesmo

que quisesse ter adiantado o pagamento, não tinha dinheiro em caixa. Em razão do

não pagamento desses tributos, a firma foi desativada.

Em arrimo a tais afirmações, sua defesa juntou aos presentes autos (f.

155-79) documentos que, a meu juízo, comprovam satisfatoriamente a realização

dos contratos, bem como o respectivo recebimento das obras construídas pela

CONSTRUTORA BRISA LTDA.

A testemunha ROBERT JUBERT afirmou que empreendera

fiscalização na CONSTRUTORA BRISA LTDA., tendo constatado problemas na

escrituração dos lançamentos, motivo pelo qual teria encontrado problemas para sua

interpretação. Destacou que constatou a existência de fatos contábeis já ocorridos e

até então não escriturados. O cálculo do tributo devido fora feito por “aferição

indireta”. No trabalho de auditoria, constatou que a empresa teria deixado de

repassar ao INSS contribuições previdenciárias de retenção obrigatória do salário

dos empregados, não sabendo precisar o período, salientando que esse dado

consta do relatório. Não lhe foi possível constatar qualquer sinal sobre a saúde

financeira da empresa. Constatou que houve a retirada de prolabore da empresa em

um período grande.

Observo que o depoimento de ROBERT JUBERT confirma aquilo que

registrou o MPF em sua denúncia, mas nada diz – por não lhe ser realmente

possível – sobre a condição financeira da empresa. O ponto controvertido da

presente lide, considerando a linha de defesa, é a possibilidade material de a

empresa ter efetuado o repasse ao INSS dos valores supostamente retidos dos

salários dos empregados a título de contribuição previdenciária.

A declarante MARIA DO CÉU DA SILVA, cunhada do acusado,

confirmou que o acusado era o administrador da empresa, a qual estava em nome

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dela e de sua irmã. A empresa existiu de 2000 a 2004, vindo a fechar suas portas

nesse ano por motivo de falência. Por vezes, recebia um prolabore da empresa, o

que não ocorria quando a empresa não tinha dinheiro em caixa. Destaca que o

motivo da falência foi o fato de construírem obras para o governo do Estado que não

foram pagas, tendo conhecimento de que os débitos da empresa perante o INSS

não foram pagos por problemas financeiros. Destacou que não tinha bens para

alienar e tentar salvar a empresa; que, com exceção do prolabore, não tinha

qualquer outra fonte de rendimentos; e, finalmente, tudo que a empresa tinha era

destinada a pagar os funcionários.

Não se juntou aos autos prova de que tenha havido realmente um

processo de falência. Na verdade, não houve: tanto que a empresa continua em

situação cadastral “ativa” perante a Receita Federal (tratarei disso mais adiante). O

que entendi, contudo, daquilo que falou a testemunha, foi que a empresa

simplesmente fechou suas portas e encerrou suas atividades. Segundo a declarante,

tal fato teria decorrido de impossibilidade financeira de dar continuidade à

exploração do negócio.

A testemunha indicada pela defesa, CLÉSSIO GALDINO DO

NASCIMENTO, disse que, de seu conhecimento, a construtora do réu fazia obras

apenas para o governo do Estado, sendo que havia constantes atrasos e chegaram

a deixar de receber determinados valores, o que motivou um protesto em frente à

SUPLAN, com construtores se acorrentando. Teve conhecimento também de que

um carro teria sido vendido para pagar fornecedores e alguns funcionários da

empresa, bem como um terreno, ao que lhe parece. Ambos os bens seriam do

acusado, não da construtora. Tem conhecimento de que na época dos fatos a

empresa do réu tinha dívidas perante fornecedores, bem como débitos trabalhistas.

O evento relacionado ao protesto de construtores em frente à SUPLAN,

referido pelo interrogado e pela testemunha, tornou-se fato notório, amplamente

divulgado pela imprensa paraibana. Os depoimentos apenas confirmam a presença

do réu no movimento e, o que é mais importante, a situação de inadimplência do

governo do Estado frente à CONSTRUTORA BRISA LTDA. Muito embora a

SUPLAN tenha informado não ter conhecimento de um processo naquele órgão com

pendência de pagamento em benefício da empresa, isso não me parece

suficientemente convincente diante da participação do réu no referido protesto que,

repito, tornou-se fato notório e amplamente divulgado por diversos veículos de

imprensa no Estado da Paraíba.

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Voltando ao tema da atual situação da empresa (ativa ou inativa), a

Receita Federal informou (f. 88) que, em consulta feita pelo CNPJ da empresa em

seus registros, a referida pessoa jurídica estaria em situação cadastral ATIVA.

No entanto, examinando atentamente a declaração de imposto de

renda pessoa jurídica do ano de 2004 (ano-calendário 2003), constatei que a

empresa só teve receita no primeiro trimestre desse ano, o que me leva a crer que,

embora não se tenha dado a devida baixa cadastral (o que permitiu à empresa

continuar com situação “ativa”), simplesmente paralisou suas atividades, o que

corrobora plenamente a tese sustentada pela defesa. Outrossim, discordo do MPF

quando afirma que nos anos anteriores a empresa teve rendimentos consideráveis.

Na verdade, esses rendimentos se mostraram, a meu juízo, decrescentes até

simplesmente desaparecerem, como comprova a declaração prestada no ano 2004.

Nessa mesma linha, consultando as declarações anuais de

rendimentos para o imposto de renda pessoa física em nome do acusado

REGINALDO MARCELINO PEREIRA, constatei que, realmente, não havia como ele

pudesse alienar bens pessoais para empregá-los na empresa.

Ademais, o fato de que retirava prolabore da empresa não pode ser

utilizado para infirmar sua linha de defesa, baseada na impossibilidade financeira:

segundo sua declaração de IRPF, REGINALDO MARCELINO PEREIRA tinha quatro

(depois três) dependentes e sua única fonte de renda era o módico prolabore que

recebia da empresa por ele administrada. Não se poderia, de forma alguma, dele

exigir que simplesmente deixasse de retirar o prolabore pois, de outro modo, deixaria

de ter como manter dignamente a si e a sua família.

Em razão de tudo isso, não tenho como concordar com o MPF quando

afirma nas alegações finais que o réu não conseguiu comprovar sua tese de defesa,

baseada na impossibilidade de fazer o aludido repasse dos valores aos INSS em

razão de problemas financeiros enfrentados pela empresa. A empresa simplesmente

fechou suas portas, cessando suas atividades e, muito embora ainda esteja

registrada perante a Receita Federal como ativa (que pode ser motivado pela

existência de débitos tributários pendentes), a verdade é que ela simplesmente não

tem receita ou lucro.

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A ruína da empresa, em meu sentir, é um sinal evidente – quando não

definitivo – de que a empresa passava por dificuldades financeiras severas. Parece-

me claro e óbvio que não se extingue do nada uma empresa lucrativa e produtiva.

Apenas empresas seriamente “doentes”, salvo raríssimas exceções que apenas

confirmam a regra, são extintas enquanto ainda lucrativas. No caso da

CONSTRUTORA BRISA LTDA., chego à conclusão de que fechou suas portas e

encerrou suas atividades em razão dos alegados problemas financeiros decorrentes

da inadimplência de seus fornecedores.

Além disso, não posso crer que tenha o réu protegido seu patrimônio e

sua qualidade de vida enquanto a empresa definhava. A meu juízo, ficou

completamente demonstrado que ele retirava um prolabore não excessivo (quantia

inferior a dois mil reais em valores brutos para o sustento de pelo menos quatro

pessoas), que consistia sua única fonte de renda.

Tem-se sustentado amiúde que não poderia a empresa buscar sua

recuperação à custa do dinheiro público, como se pagar todos os tributos fosse o ato

mais importante, senão o único importante, a ser praticado por todas e cada uma

das empresas em atuação. A função social da empresa é uma realidade que não

pode ser simplesmente desprezada pelo direito, seja pelo direito civil empresarial,

seja pelo direito penal. Permitindo-me utilizar uma expressão metafórica nem de

longe original, penso que matar a galinha não é uma solução inteligente para o

problema da baixa arrecadação de ovos...

Analisando os autos, não constatei qualquer prática fraudulenta da

parte do acusado. Em momento algum sua defesa procurou esconder ou maquiar os

fatos tal como apresentados pelo MPF em sua peça vestibular. Em vez disso,

apresentou seus fundamentos e trouxe elementos que, aliados às declarações de

rendimentos enviadas pela Receita Federal, me convenceram plenamente de que a

empresa não tinha como fazer frente à obrigação de repasse dos valores ao INSS.

A tese de que, uma vez descontadas as contribuições previdenciárias

deveriam e poderiam ser repassadas aos cofres do INSS não me convence, por um

motivo muito simples: não há uma prova material nos autos de que tenha ocorrido o

fato da retenção de valores descontados dos salários dos empregados. Registrar a

retenção como lançamento contábil não depende da existência do dinheiro; já o

efetivo repasse ao INSS não pode ser feito, a menos que esse dinheiro exista

efetivamente à disposição da empresa. Logo, não entendo que a existência da

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escrituração contábil sobre a retenção prove a efetiva retenção e, assim, não há

provas de que a empresa tinha disponibilidade econômica em caixa para repassar

aos cofres do INSS.

Em razão disso, considerando ter sido demonstrada a impossibilidade

fática no repasse de valores aos cofres do INSS a título de retenção da contribuição

previdenciária dos empregados, amolda-se a situação em causa supralegal de

exclusão da culpabilidade por ausência de exigibilidade de conduta diversa.

Como se sabe, a culpabilidade se compõe de imputabilidade, potencial

consciência sobre a ilicitude do fato e exigibilidade de conduta diversa. Estando

ausente a exigibilidade da conduta conforme o direito, não se poderá atribuir

culpabilidade ao réu. Ausente a culpabilidade, e sendo essa um dos elementos do

crime, excluído estará o próprio crime, o que impõe a absolvição do acusado com

base no art. 386, VI, do Código de Processo Penal.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, com fundamento no art. 386, VI, do Código de

Processo Penal brasileiro, julgo improcedente a pretensão punitiva estatal para, em

conseqüência, absolver REGINALDO MARCELINO PEREIRA.

Custas ex lege.

Transitada em julgado a presente sentença, após a devida certificação,

dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.

Sentença publicada em mãos do diretor de secretaria da vara.

Registre-se no sistema informatizado. Intime-se o réu e sua defensora. Cientifique-

se o MPF.

João Pessoa, 07 de outubro de 2009.

Juiz federal ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU

Substituto da segunda vara federal (SJPB)