pobreza e exclusao social e educação

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação Antonia Valbenia Aurélio Rosa Pobreza e Educação: um estudo teórico-epistemológico sobre a produção do conhecimento no período de 2000 a 2010 Rio de Janeiro 2012

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sociologia

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  • Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Centro de Educao e Humanidades

    Faculdade de Educao

    Antonia Valbenia Aurlio Rosa

    Pobreza e Educao: um estudo terico-epistemolgico sobre a produo

    do conhecimento no perodo de 2000 a 2010

    Rio de Janeiro

    2012

  • Antonia Valbenia Aurlio Rosa

    Pobreza e Educao: um estudo terico-epistemolgico sobre a produo do

    conhecimento no perodo de 2000 a 2010

    Dissertao apresentada, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Educao, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de concentrao: Educao.

    Orientadora: Profa. Dra. Carmen Lcia Guimares de Mattos

    Rio de Janeiro

    2012

  • CATALOGAO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

    Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta dissertao. ___________________________________ _______________ Assinatura Data

    R788 Rosa, Antonia Valbenia Aurlio. Pobreza e Educao : um estudo terico-epistemolgico sobre a produo do conhecimento no perodo de 2000 a 2010 / Antonia Valbenia Aurlio Rosa. 2012. 169 f. Orientadora: Carmen Lcia Guimares de Mattos. Dissertao (Mestrado) Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

    Faculdade de Educao. 1.Pobreza Teses. 2. Democratizao da educao Teses. 3. Desenvolvimento econmico Efeito da educao Teses. 4. Educao

    Aspectos Sociais. 5. Literatura cientfica. 6. Publicaes cientficas. I. Mattos, Carmen Lcia Guimares de. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Educao. III. Ttulo.

    es CDU 37.014.53

  • Antonia Valbenia Aurlio Rosa

    Pobreza e Educao: um estudo terico-epistemolgico sobre a produo do conhecimento no perodo de 2000 a 2010

    Dissertao apresentada, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Educao, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de concentrao: Educao.

    Aprovada em 05 de Setembro de 2012. Banca Examinadora:

    _____________________________________________ Prof. Dr. Carmen Lcia Guimares de Mattos (Orientadora) Faculdade de Educao da UERJ

    _____________________________________________ Profo. Dro. Luiz Antonio Gomes Senna Faculdade de Educao da UERJ

    _____________________________________________ Prof. Dr. Paula Almeida de Castro Universidade Estadual da Paraba UEPB _____________________________________________ Prof. Dr. Sandra Cordeiro de Melo Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

    Rio de Janeiro

    2012

  • DEDICATRIA

    Aos meus pais, Jos Augusto Rosa (in memoriam) e Liduna Aurlio do Nascimento Rosa, por acreditarem na educao. Ao meu marido, Miguel Neto, pelo incentivo.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus pela proteo.

    minha orientadora, Profa. Dra Carmen Lcia Guimares de Mattos, por acreditar no

    meu trabalho, pelo apoio e confiana.

    Aos professores do Programa de Ps-graduao em Educao ProPEd, pela

    contribuio acadmica ao longo do curso de Mestrado.

    minha famlia pelo constante apoio, carinho e dedicao.

    Ao meu marido, presente e ausente, por compreender, acreditar e apoiar.

    equipe netEDU pelo acolhimento e contribuies acadmicas, em especial, Paula

    Castro, Suziane Vasconcellos, Tatiana Fagundes, Daiane Costa, Flvia Mesquita e Juliana

    Oliveira.

    A todos que de alguma forma contriburam para a construo deste estudo.

  • RESUMO

    ROSA, Antonia Valbenia Aurlio. Pobreza e Educao: um estudo terico-epistemolgico sobre a produo do conhecimento no perodo de 2000 a 2010. 169 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

    A relao entre a pobreza e a educao objeto de estudo desta dissertao. A

    abordagem metodolgica foi a reviso bibliogrfica de conceitos e aspectos tericos e epistemolgicos. O estudo desenvolveu-se a partir do acesso a teses, dissertaes e artigos cientficos da literatura nacional, produzidos no perodo de 2000 a 2010, que compuseram o corpus de dados que foram analisados com o auxlio de mapas conceituais e do software Atlas.ti. O objetivo deste estudo foi investigar, analisar e categorizar a relao entre a pobreza e a educao a partir de produes acadmicas que discutiram as temticas e sua relao. O estudo apresenta uma anlise sobre a Pobreza: processos sociais e a Educao: desigualdade e excluso. Dentre os autores que contriburam para a fundamentao terica e epistemolgica do estudo destaca-se Castel (2005; 2008; 2010) Paugam (2003, 2004), Bourdieu e Champagne (2001), Dubet (2001; 2003; 2004). Esta dissertao est composta da seguinte forma: Introduo, com a escolha da temtica, as motivaes e justificativas; captulo I, Excluso pela pobreza face educao, que busca compreender os processos de excluso escolar a partir da relao pobreza e educao; captulo II, Abordagem terico metodolgica, no qual apresenta a metodologia da pesquisa e o desenvolvimento do estudo; captulo III, Pobreza e Educao Resultado das anlises dos artigos cientficos, teses e dissertaes do perodo de 2000 a 2010, em que apresenta os resultados com base nas tematizaes que surgiram da anlise dos dados e, por fim, Consideraes finais com os principais resultados do estudo. Neste sentido, produzir um estudo sobre a relao entre a pobreza e a educao contribuiu para analisar a escolarizao do aluno que vive em situao socioeconmica desfavorecida.

    Palavras-chave: Pobreza. Educao. Excluso. Produo do conhecimento.

  • ABSTRACT

    The relationship between poverty and education is the object of study of this dissertation. The methodological approach was a literature review of the theoretical and epistemological concepts. The study evolved from access to theses, dissertations and papers of national literature produced in the period from 2000 to 2010, who formed the corpus of data were analyzed with the aid of conceptual maps and software Atlas.ti. The aim of this study was to investigate, analyze and categorize the relationship between poverty and education from academic productions that discussed the themes and their relationship. Therefore, the study presents an analysis of poverty: social processes and Education: inequality and exclusion. Among the authors who contributed to the theoretical study stands Castel (2005; 2008; 2010) Paugam (2003; 2004), Bourdieu and Champagne (2001), Dubet (2001; 2003; 2004). This dissertation is composed as follows: Introduction, with the choice of the theme, the motivations and justifications; Chapter I, face exclusion from poverty to education, which seeks to understand the exclusion processes from school about poverty and education; Chapter II theoretical methodological approach, which presents the methodology of the research and development of the study, chapter III, Poverty and Education - Results of the analysis of scientific papers, theses and dissertations from 2000 to 2010, which shows the results based on subjects that emerged from the data analysis and, finally, the final considerations with the main results of the study. In this sense, produce a study about the relation between poverty and education contributed to analize the students schoolarization who lives in disadvantaged socioeconomic. Keywords: Poverty. Education. Exclusion. Knowledges Production.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    BIRD Banco Internacional de Reconstruo Desenvolvimento

    BPC Benefcio de Proteo Continuada

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CRH Centro de Recursos Humanos

    ECA Estatuto da Criana e Adolescente

    FCC Fundao Carlos Chagas

    FGV Fundao Getlio Vargas

    FIOCRUZ Fundao Oswaldo Cruz

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INED Instituto Nacional de Estudos Demogrficos

    INSEE Instituto Nacional de Estatstica e de Estudos Econmicos

    IUPERJ Instituto universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro

    netEDU Ncleo de Etnografia em Educao

    PBF Programa de Bolsa Famlia

  • PIB Produto Interno Bruto

    PNADs Pesquisas Nacionais por Amostras de Domiclios

    PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    ProPEd Programa de Ps-Graduao em Educao

    PUC-RJ Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro

    PUC-RS Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    RAE Revista de Administrao de Empresas

    SAEB Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica

    SciELO Scientific Eletronic Library Online

    UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    UFBA Universidade Federal da Bahia

    UFF Universidade Federal Fluminense

    UFMA Universidade Federal do Maranho

    UFMG Universidade de Minas Gerais

    UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

  • UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

    UNAMA Universidade da Amaznia

    UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

    UNICEF Fundao das Naes Unidas para a Infncia

    USP Universidade de So Paulo

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................. 11

    1 EXCLUSO PELA POBREZA FACE EDUCAO .............................. 19

    1.1 Excludos pela Pobreza ..................................................................................... 21

    1.2 Ser pobre no Brasil: famlia, renda e programas assistencialistas................ 28

    1.3 A excluso vai escola: da sociedade ao sistema de escolarizao ............... 35

    2 A ABORDAGEM TERICO-METODOLGICA ..................................... 49

    2.1 Procedimentos de coleta de dados e o processo de anlise ............................ 50

    2.1.1 Mapa conceitual: um novo olhar sobre a produo do conhecimento ............... 52

    2.1.2 A anlise das teses, dissertaes e demais produes acerca do objeto: pobreza e educao ..........................................................................................................

    54

    2.2 A tematizao de dados ................................................................................... 60

    3 POBREZA E EDUCAO RESULTADO DAS ANLISES DOS ARTIGOS CIENTFICOS, TESES E DISSERTAES DO PERODO DE 2000 A 2010 .................................................................................................

    64

    3.1 Pobreza: processos sociais ............................................................................... 65

    3.2 Educao: Desigualdades e Excluso .............................................................. 89

    4 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................... 104

    REFERNCIAS ................................................................................................ 107

    APNDICE A - Teses e Dissertaes.............................................................. 119

    APNDICE B - Artigos Cientficos ................................................................. 134

  • 11

    INTRODUO

    A relao entre Pobreza e Educao o objeto de estudo desta pesquisa que

    resultou na dissertao com o ttulo Pobreza e Educao: um estudo terico-

    epistemolgico sobre a produo do conhecimento no perodo de 2000 a 2010. A

    opo metodolgica da pesquisa foi a abordagem terica e de anlise conceitual,

    sobre pobreza e educao para explicar a relao entre estes com a escolaridade do

    aluno de classes populares.

    Pobreza e Educao fazem parte da experincia vivenciada como um dos

    resultados do deslocamento entre a rea rural e urbana, em destaque, na regio Serto

    do Estado do Cear, sendo parte do cotidiano do aluno e de sua famlia que residem

    nesta regio. Uma das marcas que caracteriza esta relao a profunda desigualdade,

    econmica, social, cultural e educacional que delimita esses espaos. Marcas estas,

    tambm, vivenciadas pela pesquisadora desse trabalho de Mestrado.

    A situao geogrfica permite caracteriz-la pelo bioma caatinga, extenses de

    terras semiridas atingidas pela seca, distino entre os espaos rurais e urbanos, entre

    estes, o das pequenas cidades, assentadas nas atividades agrrias sem expressividade

    econmica. Local que desenvolveu um tipo particular de atividade, relaes de poder

    monopolizado dos proprietrios de terras, combinado com as lavouras de subsistncia,

    disperso espacial em relao ao interior do Estado e uma organizao familiar que

    conserva em seus traos a cultura popular e religiosidade. A representao

    sociocultural desta regio se d pela socializao familiar, convvio entre pares,

    relaes de trabalho e escola. Qualquer que seja a forma de representao desta regio

    ela marcada pela forte integrao do indivduo sociedade, particularmente, esta a

    fora, ao mesmo tempo, a fragilidade desta regio.

    Assim, os sertes se fizeram, com a fora de trabalho de baixa remunerao,

    subemprego, desemprego, onde parte das famlias vive da ajuda financeira, dos que

    emigraram para as reas mais desenvolvidas situadas nas Regies Sul e Sudeste, em

    busca de trabalho para o sustento de suas famlias, os indicadores sociais demonstram

    baixa escolaridade, o IBGE (2000-2010) indica analfabetismo em 3,4% da populao

    brasileira entre 25 a 59 anos. Este cenrio contribui para o que se conhece como a

    indstria da seca (RIBEIRO, 2010, p. 349) que em resumo justifica inmeros

    projetos polticos de tentativa de fixao do nordestino em sua regio e explorao da

  • 12

    mo-de-obra dos que se deslocam para os grandes centros em busca de melhores

    condies de trabalho e vida. O que ocorre como resultado desta indstria que a

    cada perodo de estiagem, os programas sociais se intensificam para a melhoria das

    condies de vida precrias ampliando ainda mais a explorao econmica.

    A situao aqui descrita um recorte da forma de vida das pessoas e de

    caractersticas de um local marcado por diferenas. Ao considerar como ocorreu a

    organizao nessa sociedade, pode-se afirmar que as disparidades existentes nas

    vrias reas ocupadas resultante do processo histrico, econmico e social,

    possibilitando assim, uma entendimento sobre a formao da sociedade brasileira. No

    entanto, a sociedade e a cultura brasileira tm em seu processo de formao a

    explorao e a diferenciao cultural estabelecida, atravs de uma relao voltada

    para interesses econmicos, formando assim, estratos sociais.

    Considerando a formao tnica, cultural e econmica da sociedade brasileira,

    nas vrias fases da economia, observou-se como explicada a necessidade da

    educao escolar. A escolarizao no era uma condio para o trabalho, aos poucos

    essa integrao das populaes educao foi se constituindo como uma condio

    para ocupao nas frentes de trabalho, ocasionando mudanas nas formas de vida dos

    trabalhadores, em relao ao lugar que ocupam, bem como no entendimento ao acesso

    dos direitos sociais. No curso desse movimento, foram se acentuando as

    desigualdades, manifestadas nas mais diversas formas: econmica, cultural e social o

    que provocou um distanciamento entre as pessoas.

    A condio de vida das famlias que residem em reas degradadas como a

    descrita acima ou em reas povoadas em periferias urbanas, prope algumas reflexes

    sobre as possibilidades de gerao de renda, bem como o acesso a escolarizao.

    Algumas explicaes podem ser encontradas a partir do entendimento da oposio

    entre classes sociais, em que a escolaridade e a renda apresentam discrepncias.

    Como justificado acima a partir da motivao inicial de natureza pessoal para o

    desenvolvimento desta dissertao surgem as primeiras indagaes tericas sobre a

    relao entre Pobreza e Educao e sua interface com a escolarizao de alunos, no

    somente do Estado do Cear, como tambm de outras regies onde a pobreza uma

    marca social dos alunos do Brasil. Deste modo, buscou-se entender como os estudos

    sobre Pobreza e Educao podem explicar as diferenas educacionais entre os alunos

    pobres, que, frequentemente, so associados tambm ao fracasso escolar e excluso

    scio-educacional.

  • 13

    Ao avanar nos estudos sobre este pressuposto, ampliou-se a reflexo em

    torno da questo ao verificar-se a existncia de limites e possibilidades que envolvem

    esta questo na medida em que a escolarizao da criana e jovens pobres se d de

    forma diferenciada das demais faixas da sociedade e que sua permanncia na escola

    no necessariamente possibilita a melhoria das condies de vida, visto que sua

    passagem por esta escola marcada tambm pela pobreza do tipo de ensino e

    aprendizagem nela promovida e que resulta na reproduo dos mesmos mecanismos

    scio-estruturais da sociedade.

    Sobre os temas, estudos desenvolvidos pelo Ncleo de Etnografia em

    Educao (netEDU), o relatrio Fracasso escolar: Gnero e pobreza (2008-2010),

    correlacionou fracasso escolar s categorias gnero, pobreza, violncia, juventude,

    polticas pblicas, sade, entre outras. As categorias foram selecionadas e agrupadas

    considerando a frequncia em que aparecem no texto e a seguir, pelo significado dado

    as mesmas durante o estudo, atravs da anlise indutiva de 2.017 (dois mil e

    dezessete) textos cientficos. Segundo Mattos, Castro (2010), a pobreza est em 3

    lugar com uma participao 13, 10% (p. 34), da recorrncia dos temas identificados.

    No estudo, a pobreza no est associada somente a baixa renda das famlias, a fome e

    a misria, a locais degradados como as periferias dos centros urbanos, e, ainda a

    locais que sofrem com fenmenos naturais como a seca no serto cearense, no

    entanto, agregam-se fatores associados s desigualdades de condies bsicas, ligadas

    s famlias desta classe nas escolas da rede pblica. Em relao ao desempenho na

    escola, o estudo apontou descontinuidades de polticas educacionais, os processos de

    avaliao na escola, a origem familiar dos pais e o processo migratrio entre as

    regies Nordeste e Sudeste, o vnculo com o emprego ou a ausncia, o local de

    moradia, entre outras (MATTOS; CASTRO, 2010).

    Os estudos de Mattos (2009; 1995) sobre a construo do fracasso escolar

    indicam que os estudantes que fracassam na escola, em sua maioria, pertencem a

    segmentos mais degradados como nos grandes centros urbanos. Algumas explicaes

    para esse fenmeno, apontam diversos culpados, entre eles: aluno, famlia e escola,

    podendo contribuir para os processos de excluso escolar. A partir desses dados, a

    motivao do estudo, quando se pergunta sobre quem este aluno?, foi a questo

    que direcionou o olhar no incio do estudo, voltado para o aluno que vive

    vulnerabilidades: no acesso escola em funo da condio da famlia e ao contexto

    que habita como a violncia, as situaes do cotidiano que o afastam da escola, as

  • 14

    marcas que o identificam como aluno pobre, consequentemente, o estigma em relao

    aprendizagem.

    Ao correlacionar fracasso escolar pobreza, uma incluso, de alguma forma a

    condio de vida das famlias pobres est presente na escola brasileira, nos ltimos

    anos, mais intensamente, atravs de medidas redistributiva de combate pobreza. As

    desigualdades muitas vezes levam o afastamento das pessoas de baixa renda ao acesso

    s necessidades bsicas, passando a ter uma relao de assistncia com segmentos do

    governo atravs das polticas sociais, que neste tipo de relao, direito e benefcio se

    confundem, dentro de uma sociedade de desiguais. As famlias assistidas, atravs de

    programas redistributivos de renda, tiveram experincias de marginalidade social, e

    tm sido atradas a participarem de programas de insero social de combate

    pobreza, entre eles, os que esto em foco na escola.

    Diante de tais consideraes, delineou-se o projeto de pesquisa para o Curso

    de Mestrado, Programa de Ps-graduao em Educao (ProPEd), vinculado Linha

    de Pesquisa: Educao Inclusiva e Processos Educacionais, Projeto: Gnero e

    Pobreza: Prtica, Polticas e Teorias Educacionais Imagens de Escola, orientado

    pela Profa. Dra. Carmen Lcia Guimares de Mattos. Assim, para justificar a escolha

    do tema de estudo buscou-se discutir as relaes entre pobreza e educao para a

    compreenso dos processos de excluso escolar.

    Sobre a pesquisa

    A natureza da pesquisa terico conceitual, a partir produo cientfica

    nacional, onde buscou-se na literatura quais as explicaes sobre o desempenho

    escolar do aluno em situao de pobreza. A pesquisa inclui artigos cientficos,

    dissertaes e teses que foram levantados durante a execuo do estudo, de acordo

    com as necessidades em aprofundar os conceitos, teorias e de outras explicaes que

    pudessem contribuir para conceito de pobreza no Brasil e a relao com a

    escolaridade do aluno.

    No primeiro momento da pesquisa buscou-se o levantamento dos dados em

    programas de ps-graduao em educao, delimitado pelas categorias pobreza e

    educao, entretanto, entendeu-se que a relao entre eles ocorre atravs das

  • 15

    desigualdades, entre tais como a educacional, excluso e programas sociais voltados

    para o atendimento das famlias de baixa renda. Neste sentido, a busca foi

    redirecionada atravs destas palavras que entrelaam as principais.

    A literatura na rea de Educao indica que o pas vem apresentando

    disparidades econmicas e sociais sofrendo perdas salariais e instabilidades, iniciada

    de forma mais acentuada nos anos de 1990, a partir do contexto de polticas de cunho

    Neoliberal, quando neste perodo o governo priorizou a estabilidade econmica e a

    credibilidade no cenrio internacional. Para isso, foi necessria uma recesso nos

    gastos pblicos, gerando consequncias em vrios mbitos, o que tem contribudo

    para o crescimento do mercado informal e das precrias condies de vida. Diante

    desta realidade, o Estado foi intervindo junto s famlias de baixa renda por meio de

    polticas pblicas, algumas explicaes podem ser encontradas na literatura, atravs

    de vrios estudos, entre eles: Camargo (2004), Ug (2004), Souza (2004), Pochmann

    (2004), Lavinas (2003; 2006), Ivo (2004). Os estudos apontam um conceito de

    pobreza baseado na mensurao de renda mnima para o sustento familiar, e ainda,

    associado a medidas de proteo social, para estas famlias. Assim, as polticas sociais

    assumem papis na redistribuio de renda e de carter compensatrio de

    enfrentamento da pobreza, tendo pouco impacto na superao das desigualdades

    sociais.

    As polticas pblicas e programas assistenciais tm sido implantados nos

    nveis Federal, Estadual e Municipal, a partir de indicadores educacionais que visam a

    correo do fluxo escolar e acesso escola, por meio de benefcio atribudos s

    famlias e atravs de programas compensatrios. O atendimento volta-se para o aluno

    que, historicamente excludo do processo de ensino formal, inserido na escola a

    partir das diretrizes de reduo das desigualdades sociais e melhoria na aprendizagem.

    Tais iniciativas demonstram a vinculao de polticas sociais focalizadas com a

    realidade da escola pblica, assim, a necessidade de compreender na perspectiva dos

    mecanismos sociais que produzem as desigualdades educacionais, quem o aluno

    desta escola? a questo que aproxima os temas pobreza e educao, atravs dos

    fatores eleitos para indicar a condio de renda das famlias e estabelecer a sua

    relao com programas de proteo social, uma vez identificados e inseridos no

    sistema de assistncia, estes so acompanhados, tendo como condicionalidade a

    matrcula e permanncia do aluno na escola.

  • 16

    Assim, a relao entre pobreza e educao afirmada na poltica brasileira

    atravs de diversos programas assistenciais e compensatrios, como os de

    transferncias de renda mnima vinculados escola, que teve incio com o Programa

    Bolsa Escola em mbito federal, conforme os estudos de: Draibe (2003), Freitas

    (2007), Vaitsman (2009), Bichir (2010). Algumas evidncias quantitativa apontavam

    a abrangncia do Programa Federal em 2001 e a penetrao dele nos muncipios

    5.469 (cinco mil, quatrocentos e sessenta e nove), em contrapartida, a obrigatoriedade

    de frequncia escola, provendo a garantia da escolaridade bsica s crianas e

    adolescentes em idade escolar atingindo um dos principais objetivos no tocante

    educao (MATTOS, 2009).

    Os ltimos mandatos dos governos federais tm-se voltados para programas

    sociais e de atendimentos s populaes menos favorecidas, de forma que, a

    unificao de programas j criados, priorizou o Bolsa Famlia, pautada na superao

    da fome e pobreza vinculada escola (FREITAS, 2007). Com isso, destina-se um

    valor em dinheiro ao atendimento de famlias em situao de extrema pobreza,

    variando conforme a composio familiar, considerando a faixa etria dos membros

    da famlia entre crianas, adultos e idosos. Os gastos familiares variam em funo da

    necessidade de ateno aos membros de cada famlia, como no caso da sade e escola

    onde as polticas pblicas tm sido associadas aos direitos sociais. Assim, neste

    modelo de polticas de proteo social, a ateno focalizada em populaes-alvo,

    considerando as vulnerabilidades, tais como: sade, educao, assistncia social e

    alimentao.

    Neste momento, faz-se necessrio compreender o que corresponde ao

    benefcio e associao ao direito, quando entende-se por benefcio o que se construiu

    no campo do direito assegurando ao cidado, podendo-se citar como exemplo, a

    aposentadoria por idade ou adquirida por tempo de servio, ainda outras formas de

    auxlios garantido por tempo determinado. Algumas iniciativas no mbito da

    assistncia social se faz presente, reconhecendo-se portanto, uma perda da sociedade

    em relao aos direitos adquiridos e em exercerem a cidadania quando so

    introduzidos mecanismos de dependncia em relao s redes de proteo, ou ainda

    de relao de troca, usada por polticas focalizadas na pobreza, como o caso do

    bolsa famlia e a permanncia do aluno na escola. Alm disso, a assistncia social

    parece estar presente em quase todos os setores, partilhando tambm com as polticas

    de educao, buscando minimizar questes sociais.

  • 17

    Segundo Souza (2004, p. 24), considerando a heterogeneidade do Brasil, h

    diferentes definies de pobreza, ao analisar a pobreza como insuficincia de renda,

    em todo o pas estima-se que cerca de 10% dos domiclios vivem em condies de

    indigncia e cerca de 30% deles so pobres. No mesmo estudo, as diferenas

    tambm aparecem entre os Estados das Regies, dentro destes entre as reas rurais e

    urbanas indigncia e pobreza variam consideravelmente entre as regies urbanas e

    rurais e entre os Estados [...], o Norte e Nordeste apresentam maiores incidncias de

    indigncia e pobreza em relao ao Sul e Sudeste (SOUZA, 2004, p. 24).

    A disparidade regional tambm foi observada nos estudos de Diniz (2009),

    apontando que h arbitrariedade nas escolhas das dimenses de pobreza e nos

    investimentos, quando utilizada a mdia dos resultados para os Estados. Desta

    forma, quando so comparados todos os Estados de uma Regio sem considerar as

    particularidades de cada Estado, podendo estes, apresentarem situaes de

    empregabilidade, renda, educao e outros indicativos, variando entre indicadores

    apontando melhorias ou no. Assim, a partir desses indicadores regionais, as Regies

    Norte e Nordeste aparecem como aqueles que apresentam as maiores dificuldades no

    cumprimento de metas, entre elas as relativas ao ensino bsico. Nesse contexto, a

    anlise dos programas tanto na academia, quanto em outros rgos, apontam para o

    baixo ndice de desempenho escolar dos alunos, conforme tm demostrado os dados

    obtidos atravs de avaliaes realizadas por instituies nacionais e internacionais,

    levando a indagar-se: quem o aluno deste pas? Foi esta pergunta que impulsionou a

    se estudar sobre as condies de vida do aluno em situao de pobreza e de que forma

    sua realidade social interfere no desempenho escolar.

    Os aspectos utilizados como indicativo de pobreza apontam diferenas no

    acesso aos recursos materiais e tambm limitaes, por no serem consideradas outras

    variveis. No entanto, as relaes entre escola e a populao de baixa renda no

    entendida na perspectiva de direito adquirido e na obrigatoriedade do Estado, mas

    como benefcio atribudo as famlias, ocasionando desigualdades no sistema de ensino

    e entre as classes sociais. Considerando o contexto social da criana pobre, esta fica

    numa situao de vulnerabilidade em relao a distncia entre os aspectos culturais

    adquiridos na famlia e aqueles disseminados pela cultura escolar, bem como a outras

    funes atribudas escola em relao aos problemas sociais. A escola, como espao

    de igualdade e oportunidade, para a diminuio das desigualdades sociais, na

  • 18

    perspectiva dos programas sociais vista com condicionalidade estabelecendo a ideia

    da diferena.

    Partiu-se ento para a anlise sobre a educao, na tentativa de compreender o

    desempenho escolar do aluno em condio de pobreza. A literatura estudada aponta

    desigualdades educacionais (FREITAS, 2002; 2007; GENTILI, 2009; DUBET, 2001;

    2003; 2004), envolve ainda, a compreenso das medidas adotadas para insero do

    aluno na escola, e argumentaes sobre a aprendizagem e resultados escolares.

    Considerando o contexto cultural, os autores discutem os processos que conduzem o

    aluno ao fracasso, e excluso social, atravs de prticas articuladas entre a poltica e

    o sistema de ensino.

    Assim, no se trata da excluso em relao ao acesso escola, no entanto, a

    literatura discute os processos sociais e suas interseces com as desigualdades

    educacionais de crianas e jovens que pertencem a uma famlia de baixa renda. As

    diferentes origens familiares e de classe foi um dos argumentos encontrados para

    justificar o capital cultural e alertar para os mecanismos que asseguram a reproduo

    atravs da escola, muitas vezes contribuindo para a sua excluso. Alves e

    colaboradores (2007), discutem a relao entre origem social e risco de repetncia,

    nos resultados educacionais apontam para as diferenas entre gnero e cor sinalizando

    algumas variveis para as desigualdades no Brasil.

    Pelo exposto, esta dissertao foi composta com a seguinte estrutura

    Introduo, delineando a escolha temtica, a motivao e a justificativa para o

    desenvolvimento do trabalho; captulo I, versa sobre Pobreza e Excluso visando

    compreender a relao entre essas temticas e a escolarizao dos alunos; captulo II,

    descreve a metodologia da pesquisa, desenvolvimento do estudo, as formas de acesso

    e os instrumentos de coleta e anlise dos dados; captulo III, so apresentados os

    resultados a partir das temticas e subtemticas que emergiram dos dados; nas

    Consideraes finais, apresentam-se os principais resultados e apontam-se algumas

    limitaes e potenciais para prosseguimento dos estudos sobre o tema. Ao final

    elencaram-se dois apndices construdos para o desenvolvimento do estudo: A) com a

    lista de referenciais das teses e dissertaes seguido dos seus mapas conceituais e B) a

    lista de referenciais dos artigos cientficos e mapas conceituais, o objetivo do

    apndice contribuir para a ampliao e continuao de trabalhos posteriores sobre o

    mesmo tema facilitando aos pesquisadores acessar a lgica formal utilizada para as

    anlises de contedo realizadas para esta dissertao.

  • 19

    1 EXCLUSO, POBREZA E EDUCAO

    Pobreza e Educao como objeto de estudo se insere no mbito da produo

    de conhecimento relativo excluso e a seus processos. Ela uma condio que faz

    parte da existncia de muitos sujeitos sociais e que os encaminha a um

    contingenciamento marginal diante da sociedade. Portanto, para se estudar a relao

    entre pobreza e educao, faz-se necessrio, inicialmente, discutir o conceito de

    pobreza relacionado excluso. E a partir desse enfoque que foi delineado o

    primeiro captulo desta dissertao.

    O conceito de excluso formulado por Castel (2005; 2008; 2010) em seus

    estudos ser tomado nesta dissertao como principal base terica para a sustentao

    das anlises e discusses sobre a pobreza. De acordo com o autor, diferentes formas

    de desigualdades sociais levam o sujeito condio de excludo e uma delas est

    relacionada situao de pobreza. Esta pode deslocar este sujeito para uma situao

    de vulnerabilidade social (CASTEL, 2008, p. 27), em que ele e sua famlia passam a

    depender da proteo do Estado como forma de existncia e sobrevivncia.

    Na viso de Castel (2008; 2010) as polticas de renda mnima associadas

    condio de dependncia do Estado, caracteriza-se como uma forma de

    discriminao, pois as famlias, assistidas ou protegidas por programas de renda

    mnima, vivem em condies de degradao social, visto que eles vivem em locais e

    condies de habitao imprprias e insalubres, seus filhos geralmente fracassam na

    escola e os pais no trabalho.

    Segundo o autor, pode-se considerar que para as famlias assistidas pelo

    Estado, as polticas de proteo e assistncia social, quando dissociadas de uma

    proposta governamental para a insero do indivduo no mercado real de trabalho,

    isto , um trabalho que tenha como caracterstica a estabilidade e a segurana,

    apresentam riscos como a desagregao social. Tal situao fortalece ainda mais as

    polticas assistenciais, criando assim um ciclo vicioso entre a ausncia de trabalho e

    busca por proteo social.

    A teorizao descrita por Castel (2005; 2008; 2010) foi revista na teoria de

    Paugam (2004) sobre a nova pobreza e reformulada recentemente levando em conta

    a crise socioeconmica na Frana, a partir de 2008, assim como em outros pases, em

    especial da Europa. O autor entende, ao formular sua teoria, que a pobreza um dos

  • 20

    processos de desqualificao social que tem como um dos eixos principais o trabalho.

    Para ele a excluso ocasionada por rupturas nas redes de proteo social, e essas

    rupturas passam a atuar de forma mais intensa em momento de crise, criando uma

    relao de dependncia das famlias em relao aos programas sociais de proteo e

    assistncia ao indivduo.

    Por outro lado, Paugam (2003) sustenta que a escolarizao atua como parte

    do processo para a integrao social dos pobres e assistidos sociais. Seus

    argumentos apontam para a escolarizao como possibilidade de os pobres ocuparem

    atividades de trabalho mais qualificadas de modo a contribuir para a melhoria das

    suas condies de vida e de suas famlias. Desse modo, eles podem, at mesmo,

    promover a superao das adversidades e das vulnerabilidades que provm da

    pobreza.

    No entanto, os dados obtidos nos estudos desta dissertao mostram que a

    escolarizao, por si s, no se caracteriza como uma fonte de promoo da igualdade

    social. No caso do Brasil, importante o esforo intelectual na busca por

    compreender a realidade do aluno pobre, sua condio social e seus contextos de vida

    para melhor promover a educao para os mesmos, como veremos no Captulo 3

    dedicado s anlises desta pesquisa.

    Considerando ento as particularidades que envolvem a relao entre pobreza,

    excluso e escola em nosso pas, buscou-se nos estudos de Dubet (2001; 2003; 2004)

    algumas argumentaes sobre esta relao.

    Dubet (2001; 2003; 2004), em suas pesquisas, explora a noo de

    desigualdade associada excluso. Ele explica que a escola representa uma das faces

    dessas desigualdades. Em sua opinio, as diferenas entre os sujeitos da escolarizao

    tm sido acentuadas devido ao reconhecimento dessas diferenas pela escola que, em

    sua maioria, promove uma cultura distanciada da cultura do aluno e que no

    corresponde cultura da maioria de seu alunado. Em decorrncia disso, o

    desempenho escolar baixo e a excluso um fato frequente nessas escolas.

    Os estudos desenvolvidos pela equipe do Ncleo de Etnografia em Educao

    (netEDU), desde os anos de 1980, j associavam a pobreza e a excluso aos maus

    resultados da escolarizao de alunos pobres no Brasil. Um dos eixos mais frequentes

    das anlises desses estudos repousam sobre os aspectos relacionados ao fracasso

    escolar. Esses aspectos, em sua maioria negativos, informam que na percepo dos

    participantes (alunos, professores e gestores escolares) a famlia e os alunos pobres

  • 21

    so os sujeitos do fracasso. Entre as justificativas mais frequentes para o fracasso dos

    alunos elencam-se fatores como: capital cultural; local de moradia; violncia; situao

    financeira e de emprego dos pais; instabilidade familiar, distrbios scio-

    neurolgicos, dentre outros, os quais esta equipe vem criticando ao longo de duas

    dcadas como sendo fatores importantes, mas no nicos para o fracasso, que

    entendido como resultado de um conjunto mais amplo de aspectos estruturais

    endgenos da sociedade brasileira.

    A Pobreza foi eleita como uma das faces da excluso a ser discutida nesta

    dissertao cujo foco a educao do aluno pobre e seu processo de escolarizao.

    Portanto, na seo que se segue explorar-se- aspectos da excluso mediados pela

    pobreza que se estende educao procurando identificar aspectos tericos e

    conceituais desses termos e seus usos para que se possa dar suporte s anlises a

    serem apresentadas no captulo Pobreza e Educao resultados das anlises dos

    artigos cientficos, teses e dissertaes do perodo de 2000 a 2010.

    1.1 Excludos pela Pobreza

    O termo excluso vem sendo utilizado nos estudos acadmicos, de modo

    geral, para explicar processos sociais que acentuam diferenas entre indivduos,

    excluindo-os da sua participao ativa como cidados. Estas diferenas so mais

    evidentes para o grupo daqueles que se inscrevem na condio de vida precria e que

    sofrem forte discriminao devido a alguns fatores, tais como: origem tnica e

    cultural, condio de renda, de sade, de moradia e de dependncia das polticas de

    proteo social. Essas pessoas diferenciam-se de outras numa mesma estrutura social

    pelas seguintes condies: estabilidade ou instabilidade social e empregatcia,

    dependncia ou independncia total ou parcial de servios de proteo e assistncia

    social, dentre outros fatores que conduzem o indivduo por meios prprios ao

    exerccio da cidadania.

    Neste contexto, compreende-se que um indivduo est em situao de excluso

    quando sua situao de vida o resultado de acmulos perversos e perceptveis a que

    submetido, de modo a se confrontar com condies de precariedade. um indivduo

    que reside em reas de risco, em condies degradantes de subordinao e

  • 22

    dependncia de outrem, com empregos incertos ou desempregado, podendo estar a

    caminho da marginalidade e da criminalidade devido a esta precariedade.

    Castel (2010; 2008; 2005) entende por excluso um fenmeno que, na

    contemporaneidade, se d devido s mudanas nas relaes empregatcias. Essas

    mudanas, especialmente ocorridas no final do sculo XX e incio desse sculo,

    acentuam as formas de desigualdade social pela forma dinmica como o emprego e o

    desemprego tm flutuado neste perodo. Embora o autor refira-se situao da Frana

    e a este contexto de vida e de emprego, seu trabalho tem sido amplamente aplicado ao

    Brasil, na medida em que na ltima dcada os vnculos de trabalho tm tomado uma

    direo na contramo do sculo passado. Isto , a maioria das pessoas encontram-se

    no momento em situao de emprego que se costuma chamar de trabalho por conta

    prpria. Esta parece ser uma formula mgica resultante da modernidade que sinaliza,

    embora de modo equivocado, uma sada da instabilidade empregatcia e do

    desemprego para uma condio de autonomia que aos olhos do antigo trabalhador

    de carteira assinada parece ser um progresso em relao aos vnculos sociais de

    relao empregador-empregado. Este modelo de relao de trabalho dos exemplos

    mais citados para caracterizar as mudanas ocorridas no mercado de trabalho no

    Brasil de hoje. Ao mesmo tempo, para os indivduos que no conseguem entrar nessa

    nova modalidade empregatcia e nem permanecer na formulao antiga de carteira

    assinada, recriou-se ou importou-se modelos de seguridade e assistncia social

    baseados em programas de curta durao. Como resultado desta nova forma de

    emprego, criam-se novas formas de pobreza e de risco social, e portanto, de excluso

    e desigualdade.

    Diante da heterogeneidade de usos e significados para a excluso, Castel,

    (2008) explica que o termo amplo e que vem se impondo pouco a pouco para definir

    as modalidades de misria do mundo. O autor refere-se a caractersticas dos prprios

    sujeitos excludos, que em suas palavras so: desempregados de longa durao, jovens

    da periferia, indivduos sem domiclio, dentre outros (CASTEL, 2008, p. 21).

    Neste sentido, o termo excluso pode ser entendido como processos que levam

    a situaes de degradao e vulnerabilidades sociais. Para o autor, o uso indistinto do

    termo pode ocultar uma questo social maior, como o rtulo de qualificao

    negativa (CASTEL, 2008, p.21) sem, contudo, explicar em que consiste esta

    qualificao ou essa negatividade, sem ainda haver a preocupao de entender de

    onde partem essas rotulaes. Uma vez que o termo aplicado a uma variedade de

  • 23

    situaes e que descreve processos, estados e situaes de vida, trajetrias diferentes

    de sujeitos distintos numa mesma sociedade, sua aplicao pode ter tambm

    significado desigual. Isto tomar-se o termo excluso ou incluso de forma

    descontextualizada para explicar do mesmo modo processos de vulnerabilidade e de

    excluso diferentes,

    [...] o primeiro realiza a supresso completa da comunidade, seja sob forma de expulso, como no caso dos judeus ou dos mouros espanhis, e tambm de diferentes categorias de banidos, seja pela condenao morte dos herticos, criminosos e sediciosos. O genocdio representar a forma ltima dessa poltica de excluso por irradicao total. Um outro conjunto, de prticas de excluso consiste em construir espaos fechados e isolados da comunidade no seio da comunidade: guetos, dispensrio para leprosos, asilos para loucos, prises para criminosos. Enfim, uma terceira modalidade essencial de excluso: certas categorias da populao se veem obrigadas a um status que lhe permita coexistir na sociedade, mas com a privao de certos direitos e da participao em certas atividades sociais (CASTEL, 2008, p. 42-43).

    Castel (2008, p. 27) distingue, metaforicamente, zonas da vida social nas

    quais os sujeitos integrados tornam-se vulnerveis, particularmente em razo da

    precarizao das relaes de trabalho. Para ele, as vulnerabilidades oscilam de modo

    diferenciado, embora elas sejam consideradas, de modo geral, como excluso.

    As zonas da vida em sociedade esto caracterizadas, principalmente, pela

    ausncia de trabalho e pelo isolamento social. O autor argumenta que a no rigidez ou

    a flexibilidade nas reas de convivncia social fazem com que as pessoas sejam

    transferidas de uma rea para outra, dependendo das condies de vida. Ou seja, ora

    encontram-se na zona de integrao, ora de desfiliao. De acordo com Castel (2010,

    p. 50-51),

    A desfiliao tal como a entendo, , num primeiro sentido uma ruptura desse tipo em relao s redes de integrao primria; um primeiro desatrelamento com respeito s regulaes dadas a partir do encaixe na famlia, na linhagem, no sistema de interdependncia fundadas sobre o pertencimento comunitrio. H risco de desfiliao quando o conjunto das relaes de proximidade que um indivduo mantm a partir de sua inscrio territorial, que tambm sua inscrio familiar e social, insuficiente para reproduzir sua existncia e para assegurar sua proteo.

    A zona de desfiliao para Castel (2010) entendida como a ruptura das

    relaes do indivduo com as redes primrias de integrao, estas so

    interdependentes das redes de pertencimento comunitrio. Segundo o autor, existe o

  • 24

    risco de se entrar na zona de desfiliao quanto o conjunto das relaes de

    proximidade que um indivduo mantm insuficiente para mant-lo na zona de

    integrao, exigindo que este se mova para uma zona de proteo.

    Castel (2010) argumenta que o desatrelamento ou o encaixe regulados pela

    convivncia familiar, asseguram as trocas sociais necessrias garantia da integrao

    do indivduo para que este no se desloque para as zonas de vulnerabilidade e de

    desfiliao. Da a importncia dada a famlia no processo de socializao primria.

    Pois, o abandono, a rejeio ou perda da famlia, resulta para o indivduo na alterao

    das redes de manuteno do tecido social que sustentam o seu pertencimento ao grupo

    social de forma integrada.

    Ao entrar na zona de vulnerabilidade e desfiliao, o indivduo e sua famlia

    passam a ser facilmente reconhecidos pela sociedade, pela situao de vida que

    evidenciam: a famlia, a escola e o trabalho, por exemplo, so os vnculos mais

    evidentes da excluso ou no de um indivduo e so tambm as redes e vnculos de

    acesso integrao.

    Castel (2010, p. 532) afirma que existem conexes e densidades nas relaes

    sociais que qualificam as diferentes zonas de mobilidade, so elas: zona de

    integrao, zona de vulnerabilidade, zona de assistncia, zona de excluso e zona de

    desfiliao. Alerta o autor que essas correlaes no so mecnicas, dado que existe a

    prevalncia de uma sobre a outra em certo momento da vida social de cada um,

    resultando ora na manuteno, ora na fragilidade do processo de integrao.

    Castel (2008) afirma no ser fcil, conciliar, de um lado, as exigncias da

    competitividade e da concorrncia e, de outro, a manuteno de um mnimo de

    proteo e de garantias para que a conquista de uns no seja paga pela anulao de

    outro (p. 30). Ele refere-se aos grupos de in e out, onde a condio dos que esto em

    out, depende sempre da condio dos que esto in, para controlar essa relao antes

    que se chegue a rupturas que representam a excluso.

    Dada esta diferenciao social, entre aqueles que esto inseridos ou integrados

    na sociedade por meio das relaes familiares, de trabalho e de participao poltica

    ativa e outros que dependem das redes de proteo social e de insero social, as

    politicas assistenciais tomam fora e fabricam populaes marginalizadas.

    O papel das polticas de integrao e incluso o de fazer com que os sujeitos

    no se sintam em condio inferior e margem da vida social, para Castel (2008) isto

    corresponde s polticas de discriminao negativas que evidenciam as condies de

  • 25

    vida de parte das pessoas caracterizadas como de baixa renda e a dependncias aos

    programas de proteo social. No entanto, essas formas de incluso e de ajuda

    precria tornam mais evidentes as diferenas e desigualdades sociais.

    Segundo Castel (2008), embora inseridos em programas de proteo social, a

    maioria dos indivduos permanecem onde esto, sem mudana de zona social. As

    polticas sociais focalizam e delimitam locais de atuao ou atividades de reparao

    que no permitem a mudana e a ascenso dos seus protegidos. Castel explica que

    caracterizando populaes-alvo precisamente a partir de seu dficit, estas

    caractersticas se cristalizam tornando cada vez mais numerosa a populao

    pertencente a este regime especial, por exemplo: invlidos, deficientes, idosos,

    economicamente frgeis, crianas em dificuldades, famlias monoparentais,

    desempregados, dentre outros (CASTEL, 2008, p. 33).

    Assim, os grupos de pessoas alcanadas pelas polticas e programas de

    proteo e assistncia se originam de vrias faixas etrias e de situaes diversas, para

    alm das populaes-alvo originais em que foram identificadas no incio da sua

    insero na zona de vulnerabilidade. Sobre essa nova populao que migra para a

    zona e proteo social, Castel afirma que eles enfrentam dificuldades de integrao

    cada vez mais profundas como o desemprego de longa durao, a falta de

    escolarizao qualificada, a dificuldade na busca de novos empregos e novas formas

    de insero social.

    Sobre a escolaridade dos jovens, Castel (2008) declara que a escola acolhe

    sem distino todos os alunos e a expulso destes ocorrem quando a escola no

    consegue integr-los ampliando as desigualdades entre eles. As anlises do autor

    apontam que a etnia dos jovens, no caso da imigrao francesa, funciona como um

    dos aspectos desfavorveis para a melhoria da escolarizao, agravando num

    momento posterior o acesso ao mercado de trabalho, seja pela baixa escolaridade,

    pela ocupao em atividades desqualificadas e provisrias ou pela baixa remunerao

    que os aguarda no mercado de trabalho.

    Sobre a Escola, Dubet (2003), explica que a relao entre a excluso e escola

    caracterizada, de um lado, por uma grande distncia, entre escola e produo, de

    outro, por uma forte adequao da oferta escolar do sistema das classes sociais

    (p.31). Assim, duas posies ideolgicas pontuam o debate sobre a excluso e a

    escola. Uma na qual o desemprego e a precariedade dos jovens resultado da

  • 26

    inadequao entre a formao escolar e as habilidades necessrias a aquisio do

    emprego; e outra, na qual a excluso resultado das relaes de produo.

    Essa dupla retrica que acusa ora o servio pblico, ora o mercado tambm uma maneira de no tocar num problema relativamente complexo e clssico: os elos das relaes de produo, definidas pela produo de riquezas, e as relaes de reproduo, nas quais a escola distribui escalonamentos e oportunidades (DUBET, 2003, p. 31).

    A citao acima deixa evidente a relao estrutural entre as redes sociais

    individuais de pertencimento e a rede globalizada de aes originrias das instituies

    mais amplas da sociedade permitindo afirmar que a excluso e a pobreza, muitas

    vezes, com faces individuais, esto entrelaadas a uma estrutura social mais ampla

    que as determina e as mantm.

    Neste contexto, a escola enquanto instituio que possibilita a integrao

    social pode interferir pouco na vida dos jovens excludos, pois estes, antes de tudo,

    pertencem a uma estrutura maior que os circunscrevem numa teia de situaes sociais

    e de contingncias liberando pouca margem para a mobilidade entre as zonas que lhes

    permitem esta integrao.

    O modelo de escola que se apresenta ao aluno excludo se encontra distante do

    modelo necessrio adaptao do excludo cultura escolar legitimada socialmente,

    os excludos se encontram enfileirados na busca pelo emprego que lhes permita a

    integrao social e a vida plenamente democrtica, conforme afirma Castel, (2008, p.

    49).

    [o excludo] devotado ao desemprego ou a instalao na precariedade [social] geralmente comea com o abandono da escola a menos que estes jovens sem futuro na ordem do trabalho no desistam de procurar empregos to aleatrios e to pouco atrativos e no optem pelos setor da economia informal ou da delinquncia.

    Nos ltimos anos, as dificuldades de integrao atravs do trabalho, criaram

    um processo que levou a excluso de muitas pessoas pela sua prpria condio e que

    hoje necessitam de ateno, no corresponde, portanto, a grupo de pessoas com

    problemas de invalidez, deficincia, entre outros, mas que, tornaram-se invlidas

    pela conjuntura: a transformao recente da regra do jogo social e econmico que

    as marginalizou (CASTEL, 2008, p. 35). De acordo com o autor, a nova regra de

    uma mesma poltica econmica e social, uma vez que, exigncias da competitividade

  • 27

    e concorrncia, reduo de oportunidades e de emprego contriburam no agravamento

    desta situao. De acordo com esta compreenso, ao enfrentamento da insero das

    novas populaes correspondem medidas de outra ordem na conjuntura econmica e

    social.

    Repensar a anlise da proteo social exige um olhar para a sociedade que tem

    o salrio como medida, criando uma hierarquizao entre alto e baixo quanto s

    diferenas de renda. No entanto, h na sociedade direitos de proteo como os

    adquiridos em relao ao trabalho, e outras medidas redistributivas para os

    considerados pobres, necessitando de clareza quanto s funes atribudas ao Estado e

    o direito dos cidados, talvez, um dos motivos da tolerncia face as desigualdades.

    Uma implicao dessa mudana no regime de proteo tem duas razes: a primeira,

    no reconhecimento das populaes mais pobres significando a ausncia da insero

    social em funo das situaes de pobreza; a segunda, atribuio de medidas de

    proteo significando privao e estigmatizao (CASTEL, 2005).

    Portanto, as intervenes do Estado tem se transformado, marcando a

    passagem de polticas desenvolvidas em nome da integrao para polticas conduzidas

    em nome da insero (CASTEL, 2010). Para Castel (2010), as polticas de integrao

    desenvolvem diretrizes voltadas para o acesso aos servios pblicos e educao, tendo

    como possvel desdobramento a reduo das desigualdades sociais e diviso de

    oportunidades. As polticas de insero podem ser compreendidas como um conjunto

    de medidas voltadas para grupos de pessoas ou reas especficas, por apresentarem

    situaes degradadas, assim,

    [...] obedecem uma lgica de discriminao positiva: definem com preciso a clientela e as zonas singulares do espao social e desenvolvem estratgias especficas para elas [...]. De fato, sofrem um dficit de integrao, como os habitantes de bairros deserdados, os alunos que fracassaram na escola, as famlias mal socializadas, os jovens mal empregados ou no empregveis os que esto desempregados h muito tempo. (CASTEL, 2010, p. 538).

    No Brasil, polticas de proteo social tm feito parte do cotidiano de muitas

    famlias associadas classe menos favorecida da sociedade, como exemplo, atravs

    dos programas redistributivos de renda mnima para os mais pobres. Contudo a

    situao de pobreza no est associada somente baixa renda das famlias, mas s

    condies de moradia, a fome, a misria, portanto, privao de direitos, atravs de

    uma relao de assistncia entre os sujeitos e os programas que visam medidas de

  • 28

    reparao. Nesse sentido, as discusses apontadas por Castel se inserem na

    perspectiva das anlises da realidade brasileira por contribuir para a compreenso dos

    problemas sociais tensionado com as formas precrias de incluso social. Insere-se

    ainda na discusso sobre o papel da famlia, do emprego e da escola como instituies

    que, afetadas pela pobreza, modificam as redes de interaes sociais e inviabilizam a

    escolarizao da criana e do jovem pobre no Brasil.

    1.2 Ser pobre no Brasil: famlia, renda e programas assistencialistas

    Paugam (2003; 2004; 2010) estudou a nova pobreza como uma formulao

    conceitual que se reveste de uma condio social desvalorizada e estigmatizada,

    explicada a partir da desqualificao social que caracteriza o movimento de expulso

    dos sujeitos para fora das relaes do mercado de trabalho, atravs de um processo

    multidimensional, dinmico e evolutivo da pobreza e sua relao com a assistncia

    social. A contribuio terica no entendimento da pobreza no Brasil, se d a partir da

    introduo do modelo neoliberal que tem adotado polticas de proteo social

    apontando para um nmero significativo de pessoas consideradas como pobres e, por

    isso, vinculadas a programas sociais.

    Paugam (2003), em uma pesquisa realizada na Frana, no final do sculo XX,

    identifica as trajetrias sociais como um dos aspectos que contribui para condio de

    aparecimento dos sujeitos marginalizados. Os sujeitos da pesquisa eram originrios de

    um meio social desfavorecido. Do total de quinze entrevistados, sete deles foram

    separados dos pais biolgicos quando crianas e alojados em famlias acolhedoras.

    Alguns dos fatores que os caracterizavam a todos eram: meio social desfavorecido,

    ruptura familiar e violncia domstica. A ausncia das relaes familiares fez com

    que muitos deles tivessem dificuldades, o que contribuiu para que se tornassem

    usurios de drogas e alcolatras, aumentando o sentimento de desvalorizao em

    relao integrao social e ao trabalho.

    Muitas vezes, as condies sociais em que vivem consequncia direta ou

    indireta de um passado familiar transmitido de gerao em gerao, de uma

    identidade aviltante e dificuldade de insero social, o que os torna sujeitos

  • 29

    marginalizados. Paugam (2003, p. 178) considera, ainda, como marginalizados

    aqueles que:

    no conseguem, em sua maioria, encontrar um equilbrio e se organizar para resistir reprovao social. Cansados das dificuldades materiais e morais de sua situao alguns tentam renegar esse modo de vida, que consideram inseguro, instvel e, ao mesmo tempo, aviltante.

    Para o autor, as trajetrias de vida dos sujeitos levam a situaes diversas, em

    alguns casos, marginalidade, isto , sujeitos mal integrados socialmente e sem

    qualificao profissional, que vivem margem da sociedade e em busca de melhores

    condies de vida. Assim, a mudana de trabalho, do local de moradia, perda de

    referncias familiares, falta de qualificao profissional, incapacidade de encontrar

    equilbrio na vida, de aceitar normas de emprego, vivncia s margens do dinamismo

    social, so caractersticas inerentes aos sujeitos que podem vir a se tornarem

    marginalizados.

    O autor separa a marginalidade em dois tipos de experincias: a

    marginalidade renegada e a marginalidade organizada. A primeira revela tentativas de

    integrao social dos que sofrem pela situao de desequilbrio, sendo possvel prever

    as condies necessrias para a insero; a segunda, refere-se construo simblica

    de adaptao individual em relao aos conflitos e fracassos vivenciados, por

    exemplo, em relao ao lugar de morada. Alm disso, de acordo Paugam (2003, p.

    197):

    Enquanto os marginais do primeiro tipo no aceitam ou no mais aceitam a ausncia de status e de poder, desejando se desfazer totalmente do estigma que os aflige, os do segundo tipo negociam a desqualificao social recriando um conjunto de normas num ambiente muito desvalorizado. Essa duas experincias permitem compreender as aspiraes dos indivduos que ocupam os ltimos degraus da hierarquizao social e o sentido que atribuem sua existncia.

    Em quase todos os espaos habitados, no difcil perceber casas e barracos

    que representam dificuldades materiais, para os que passam pela experincia da

    marginalidade organizada sentem a necessidade de dar um sentido sua vida e de se

    identificar com valores (PAUGAM , 2003, p. 191). Neste caso, a moradia representa

    um valor fora da lgica do consumo. No entanto, se encaixa na forma de vida e de

    trabalho que conseguem realizar, considerando tambm, a temporalidade para

    determinadas atividades.

  • 30

    Alm da constatao da marginalidade que configura os processos sociais, o

    autor refere-se ao conceito de desqualificao social como: o movimento de

    expulso gradativa, para fora do mercado de trabalho, de camadas cada vez mais

    numerosas da populao e as experincias vividas na relao de assistncia,

    ocorridas durante as fases desse processo (PAUGAM, 2004, p. 68). Neste processo

    esto envolvidos sentimentos de pertena a uma classe e dependncia em relao aos

    servios sociais. A partir do momento em que recebem a assistncia, passam a

    participar do grupo caracterizado pela pobreza. Simmel (apud PAUGAM, 2004 p.

    69), ajuda no entendimento do conceito de pobreza, com maior clareza, ao afirmar

    que: [...] os pobres enquanto categoria social, no so os indivduos que sofrem de carncias ou privaes especficas mas os que recebem assistncia ou os que deveriam receb-la segundo as normas sociais. Nesse sentido, a pobreza no pode ser definida a partir de critrios quantitativos, mas a partir de reaes sociais provocadas por circunstncias especficas.

    O autor introduz o conceito de pobreza como uma categoria para alm dos

    aspectos quantitativos a que remete o termo, seguindo de adjetivos como misria e

    necessidade, mas pela incluso em programas assistenciais e suas relaes com a

    sociedade, que inclui e exclui atravs das relaes econmicas e do ponto de vista

    social. O autor explica, ainda, que a desqualificao social uma das possveis

    formas de relao entre a populao identificada como pobre e a sociedade, a partir de

    alguns elementos que permitem definir essa relao, so eles: estigmatizao,

    assistncia, excluso, as relaes com os servios sociais e as condies histrico-

    sociais.

    A condio social de pobreza leva a alguns estigmas como a desvalorizao

    em relao ao lugar que ocupa na sociedade, alm da constatao de que a

    estigmatizao aprofunda um sentimento de humilhao. Assim, atravs da relao de

    assistncia, os pobres so integrados sociedade mesmo ocupando uma posio

    desvalorizada. Para a situao dessas populaes, Paugam (2004), afirma que o

    conceito de desqualificao social permite uma anlise mais profunda, que no

    sinnimo de excluso: no uma forma de excluso relativa, mas sobretudo, de

    relaes de interdependncia entre as partes constitutivas do conjunto da estrutura

    social (PAUGAM, 2004, p. 70). O conceito utilizado pelo autor, possibilita uma

    compreenso de todo o processo que conduz a ocupao s margens da sociedade.

  • 31

    Para os que vivem o processo de desqualificao social, os elementos que os

    constituem depende dos modos de resistncia em relao a assistncia, j que alguns

    agrupamentos de pessoas que residem em reas degradadas, individual ou

    coletivamente, desaprovam a dependncia da assistncia para manter ou resgatar a sua

    legitimidade cultural. A relao com a assistncia apresenta-se de maneira

    heterognea, pois assim como as populaes, atravs da classificao dos grupos os

    servios de assistncia criam formas diversas de interveno.

    Em estudos sobre a comparao entre as formas das pobreza nas sociedades

    contemporneas, o ltimo elemento para a compreenso da desqualificao social

    explicado na perspectiva histrico-social. De acordo com Paugam (2004), alguns

    fatores esclarecem o crescimento da assistncia nestas sociedades, so eles:

    o nvel de desenvolvimento econmico associado a uma forte degradao do mercado; a grande fragilidade dos vnculos sociais, em particular no que se refere sociabilidade familiar e s redes de auxlio privado; um estado social que assegura maioria um elevado nvel de vida, cujos modos de interveno junto s populaes desfavorecidas revelam-se contudo, inadaptadas (PAUGAM, 2004, p. 71).

    As aes de assistncia denunciam as situaes de pobreza, o crescimento das

    populaes que dependem de servios sociais e a diversificao de categorias de

    pobres. No entanto, preciso considerar nesta relao, os que foram excludos para

    fora das relaes do mercado entre aqueles que apresentam trajetrias diferentes e que

    ainda mantm situaes instveis. A desqualificao social, portanto, uma relao

    de interdependncia entre os pobres e o resto da sociedade, que gera uma angstia

    coletiva, j que um nmero crescente de indivduos considerado como pertencente

    categoria de pobres ou de excludos(PAUGAM, 2004, p. 71).

    Buscando estabelecer relaes sobre a excluso social e a pobreza, talvez seja

    possvel afirmar que Castel privilegia a dimenso social atravs de um processo onde

    as polticas pblicas tm sido atuantes em decorrentes das mudanas econmicas.

    Para Paugam o foco de ateno no est na pobreza em si, mas a partir da

    desqualificao como um processo de dimenso histrico-social e trajetrias de vida

    diferentes, a assistncia uma das relaes estabelecidas entre os que so

    considerados pobres e a sociedade em que vivem.

    Na discusso at aqui, o uso do termo excluso est presente nos argumentos

    dos dois autores, ainda que Paugam (2004) no explicite no texto, porm discute a

  • 32

    desqualificao social, onde levanta a questo da excluso para uma parte da

    populao identificada como pobre, encaminhando o entendimento para o campo das

    polticas sociais em sua relao com a assistncia social. Castel (2010) recorta em sua

    anlise a questo social para os processos da excluso e proteo social. Assim, as

    formas precrias de vida, que marcam a existncia dos chamados excludos, na

    compreenso de Castel, contribui para o entendimento do conceito de pobreza em

    Paugam, que tambm traz a perspectiva econmica e social.

    Para estes autores, a relao com a assistncia social parece naturalizar a

    situao de pobreza diante da ao do Estado ao agrupar algumas categorias que tm

    em comum as famlias de baixa renda, crianas com dificuldades escolares e pessoas

    idosas. Na realidade brasileira, alguns programas assistenciais tm sido a marca dos

    governos federais desde a dcada de 1990, esta uma das formas de desigualdade que

    tem permitido a distino entre os sujeitos e o lugar que ocupam na sociedade.

    Ribeiro (2010) esclarece que a formao histrica e cultural da sociedade

    brasileira tem contribudo para a formao de estratos sociais. A pertena dos grupos

    sociais a estratos sociais representado pelo rendimento, cujo valor tem como base

    nacional o salrio mnimo que a renda caracterstica da maior parte da populao

    marginalizada e excluda socialmente.

    O autor identifica estratos sociais diferenciados, em que os dominantes,

    atravs da organizao econmica, impem s classes intermedirias e subalternas

    variados empregos. Para alm dos que ocupam posies em relao a um emprego

    estvel e trabalhadores especializados, concentra-se a grande parte dos oprimidos,

    marginalizados, entre eles de etnias negros e mulatos e que residem nas reas mais

    perifricas das grandes cidades: os empregados de limpeza, as empregadas

    domsticas, os boias-frias e com baixa escolaridade.

    As classes subalternas so formadas pelos que esto integrados regularmente na vida social, no sistema produtivo e no corpo de consumidores, geralmente sindicalizados. Seu pendor mais para defender o que j tem e obter mais, do que transformar a sociedade. O quarto estrato, formado pelas classes oprimidas, o dos excludos da vida social que lutam por ingressar no sistema de produo e pelo acesso ao mercado (RIBEIRO, 2010, p. 210)

    As condies sociais so, portanto, resultante de um processo de formao

    social e que tem ocasionado o distanciamento entre as classes, formando aglomerados

    de populaes de baixa renda que se constituram a partir da descendncia indgena e

  • 33

    africana, e onde se encontram os mais excludos. Por fim, para o autor estas so

    formas de desigualdades que ocorrem de forma acentuada considerando tambm o

    desenvolvimento histrico do Brasil.

    O agravamento das condies de vida das populaes tem sido associada, em

    alguns pases, com a entrada de capital estrangeiro e a partir das organizaes de

    trabalho que caracterizam os pases que adotam polticas neoliberais. Nesse contexto,

    numa sociedade de pressupostos neoliberais, tais polticas consistem na reduo do

    papel do Estado e na flexibilizao dos mercados. Tais medidas tem ocasionado uma

    instabilidade econmica em vrios setores, afetando principalmente a ocupao das

    pessoas no mercado de trabalho. Assim, o conceito de pobreza, que tem sido adotado

    por organismos internacionais nas ltimas duas dcadas (UG, 2004), aparece

    vinculado a varivel de renda e das condies de acesso a bens materiais, sendo

    possvel, a partir dessa categorizao, a identificao e quantificao para a adoo de

    polticas de proteo social. nessa relao entre a assistncia do Estado atravs de

    polticas redistributivas de renda e direitos sociais que pode ser identificada uma

    contradio quanto ao seu pressuposto ideolgico. Para as classes populares esta

    relao tem se dado de maneira desigual.

    Os processos sociais produzem efeito de marginalizao evidenciando limites

    quanto aos direitos sociais. Gentili (2009) explica que vrias tendncias caracterizam

    a histria da educao na Amrica Latina, marcada por um processo de excluso

    educacional atravs das instituies de ensino, assim, o autor recorre noo de

    direito, bem como a sua negao, envolvido em todo o processo de segregao dentro

    e fora da escola, ao afirmar que os pobres viram suas oportunidades educacionais se

    dilurem em um arsenal de dispositivos e argumentaes mediante os quais se

    justifica sua baixa ou nula presena nos mbitos educacionais (GENTILI, 2009, p.

    1061), ainda de acordo com o autor,

    [...] a probabilidade de que os meninos e as meninas com menos de 5 anos terminem seus estudos primrios em 2015 igual ou superior a 95% na Argentina, Chile, Colmbia, Equador, Mxico, Panam, Peru e Uruguai, e se situa entre 90% e 95% no Brasil, Costa Rica e Venezuela (UNICEF, 2006, p. 44, apud GENTILI, 2009, p. 1061).

    Para Gentili, em pases como os da Amrica Latina a incidncia de pobreza

    maior entre a populao mais jovem, quando comparada ao restante da populao,

    podendo condicionar as oportunidades de vida e os direitos da populao menor de

  • 34

    dezoito ano, pois desde a primeira infncia at a adolescncia, as condies de

    pobreza e indigncia interferem de maneira intensa nas oportunidades educacionais

    dos mais pobres (2009, p. 1066).

    Mas do que a crtica ao sistema de ensino, Gentili identifica alguns fatores que

    contribuem para a universalizao sem direito, apontando-a como excluso

    includente:

    Trs dos fatores que contribuem para produzir a universalizao sem direitos e a expanso condicionada dos sistemas educacionais latino-americanos so: a) a combinao e articulao de condies de pobreza e desigualdade vividas por um significativo nmero de pessoas em nossas sociedades; b) o desenvolvimento fragmentado dos sistemas escolares e os enormes diferenciais de oportunidades que as escolas oferecem; c) a promoo de uma cultura poltica sobre os direitos humanos e particularmente sobre o direito educao marcada por uma concepo privatista e economicista, que longe de ampliar restringe as fronteiras desse direito s oportunidades de acesso e permanncia do mercado de trabalho (GENTILI, 2009, p. 1064).

    Os indicadores de pobreza, misria e fome da populao associada

    precarizao nas relaes de trabalho, como j citado, pode interferir no acesso s

    instituies educacionais. Outro aspecto observado em pases latinos o ingresso

    prematuro no mercado de trabalho e entre as meninas, a maternidade precoce

    (UNICEF, 2008b, apud GENTILI, 2009). A pobreza no corresponde apenas a uma

    problemtica da populao mais jovem, mas, tambm entre as populaes de origem

    indgenas e africanas, em pases como o Brasil, os nveis de pobreza e indigncia da

    populao indgena ou afro-latina, chegam em alguns casos a duplicar em relao aos

    nveis de pobreza e indigncia entre a populao no indgena ou negra (GENTILI,

    2009, p. 1066).

    Desde o incio deste captulo, o quadro terico delineado apontou para

    excluso e pobreza como processos relacionados condio de desigualdades sociais.

    A importncia da discusso na sociedade brasileira resulta das condies histricas e

    das mudanas que surgiram quanto a questo social, no entanto, os processos de

    excluso so produzidos a partir de um controle em relao ao trabalho, mas que tem

    ultrapassado a esfera do trabalho para outras esferas, como a educao produzindo

    processos sociais excludentes. A educao como um direito funda-se nas sociedades

    capitalistas de forma desigual, retomando a expresso de Gentili quando refere-se a

    excluso includente, esse movimento cria novos processos de escolarizao para as

  • 35

    classes mais pobres. Aqui retoma-se a questo inicial sobre a excluso, agora

    voltando-se para a educao.

    1.3 A excluso vai escola: da sociedade ao sistema de escolarizao

    A pobreza um dos desdobramentos das relaes sociais e histricas, que na

    sociedade brasileira marca a oposio entre os indivduos baseadas nas desigualdades

    sociais e econmicas que em alguns pases assemelha-se a diviso de classe. No

    Brasil essa diviso no parece ser to ntida, a ponto de se ter criado recentemente

    uma nova classe mdia (NERI, 2001), que, na realidade, caracteriza as pessoas que

    migraram da misria absoluta para uma faixa menos pobre. Na atualidade, o

    significado de excluso social, como um conjunto de processos que se estabelecem no

    campo social, assemelha-se tambm a esta oposio de classes sociais. Para a

    compreenso dessas relaes sociais pode-se citar que os conceitos de desqualificao

    social (PAUGAM, 2004) e de excluso social (CASTEL, 2008) contriburam para a

    compreenso das relaes de desigualdades. Nessas relaes, inclui-se a escola no

    conjunto das explicaes sobre as desigualdades, principalmente, com a expanso de

    oportunidades e a entrada das camadas populares na escola a partir das ltimas

    dcadas.

    No campo terico, esta dissertao busca a compreenso da excluso

    educacional e como esta tem se manifestado atravs das relaes escolares, criando

    acessos e sadas no interior da escola. Assim, a discusso que orienta esta parte do

    trabalho remete ao conceito de excluso da escola e de excluso na escola,

    identificado a partir dos estudos de alguns autores, tais como: Ferraro (1999) in

    Ribeiro (2006), Dubet (2001; 2003; 2004), Bourdieu e Champagne (2001).

    De acordo com Ferraro (1999), o conceito de excluso da escola e de excluso

    na escola se faz necessrio para identificar fenmenos de no-acesso, evaso,

    reprovao e repetncia de crianas das camadas populares (FERRARO,1999, apud

    RIBEIRO, 2006, p. 158). No contexto da sociedade brasileira, como em outros pases,

    a partir de avaliaes, reconheceu-se serem inaceitveis as desigualdades sociais entre

    as pessoas de diferentes grupos e baixos rendimentos educacionais, assim foram

    traados objetivos e metas para avanar nos indicadores educacionais nos prximos

  • 36

    anos. Entre algumas medidas, pode-se citar a reestruturao da escola quanto

    universalizao do ensino, atravs da expanso do acesso escola e a avaliao da

    aprendizagem do aluno. Essa reordenao tem sido acompanhada desde o final da

    dcada de 1990. Diante do quadro atual da poltica educacional, indicadores como a

    distoro srie-idade, evaso e fracasso escolar passaram a ser repensadas.

    Na anlise de Freitas (2007), o conceito de excluso refere-se s polticas de

    equidade, que foram criadas para a incluso das camadas populares na escola. E ao

    faz-lo, coloca em discusso a qualidade da educao para as classes populares,

    atravs do conceito de eliminao adiada, que foi utilizado para identificar uma das

    formas de excluso no interior da escola, assim, o conceito referia-se permanncia

    dos alunos dessas camadas na escola durante algum tempo, postergando a sua

    eliminao da escola e realizando-a em outro momento mais oportuno (FREITAS,

    2007, p. 972).

    De acordo com o autor, as polticas educacionais atravs da universalizao do

    ensino amplia as vagas escolares possibilitando o ingresso do aluno na escola, entre

    algumas medidas adotadas retoma-se o significado das polticas de insero social

    citadas por Paugam (2003) e Castel (2008), j discutidas inicialmente. Assim, a

    excluso como um processo social, dentro do contexto da escola se manifesta em

    desigualdades de aprendizagens e consequentemente, resultam na excluso escolar,

    uma vez que a cultura da escola difere da origem social do aluno. Esta afirmao

    parte da compreenso do Brasil como um pas com ampla diversidade sociocultural e

    neste contexto est inserida a escola que reflete as demandas eminentes da sociedade,

    portanto, reproduzidas no espao de sala de aula.

    A anlise de Bourdieu e Champagne (2001), tambm refere-se excluso da

    escola, atravs do conceito de excluso branda, que se assemelha ao conceito de

    eliminao adiada. Para estes autores, a escola incluiu precariamente alunos de classes

    antes excludas dos processos de escolarizao, mas atravs da legitimao seletiva

    criaram-se formas de excluso, tambm nos espaos escolares, justificada pelo

    fracasso escolar, repetncia e abandono escolar. Assim, afirma:

    Os alunos ou estudantes provenientes das famlias mais desprovidas culturalmente tm todas as chances de obter, ao fim de uma longa escolaridade, muitas vezes paga com pesados sacrifcios, um diploma desvalorizado; e, se fracassam, o que segue sendo seu destino mais provvel, so votados a uma excluso, sem dvida, mais estigmatizante e mais total do que era no passado: mais estigmatizante, na medida em que,

  • 37

    aparentemente, tiveram sua chance [...] Assim, a instituio escolar tende a ser considerada cada vez mais, tanto pelas famlias quanto pelos prprios alunos, como um engodo, fonte de uma imensa decepo coletiva: essa espcie de terra prometida, semelhante ao horizonte, que recua na medida em que se avana em sua direo (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 2001, p.221).

    Deste modo, os excludos no interior correspondem, na atualidade, a

    compreenso de que o aluno est no interior da escola, pois dela faz parte, ento

    excludo de outros segmentos sociais, como o caso do trabalho. Neste sentido, est

    imbricada a qualidade do ensino, provido e desprovido culturalmente, sem fazer

    parte ou mesmo acreditar na escola.

    Portanto, em outras situaes educacionais a excluso da escola poderia

    referir-se ao no acesso. Autores como Bourdieu e Champagne (2001) mostram como

    a excluso se d no acesso a escola, atravs da eliminao que acontece em espaos

    escolares, uma vez que a possibilidade de o aluno seguir uma trajetria regular na

    escolarizao, depende, entre outros fatores, de um capital cultural diferente das

    camadas sociais no dominantes. Esta nova forma de excluso cria critrios seletivos

    de matrcula, polticas assistenciais vinculadas escola legitimada a partir de uma

    ideologia que responsabiliza o aluno.

    Dubet (2001; 2003), analisando o contexto escolar, afirma que a educao no

    mais um bem raro, no entanto tornou-se mais hierarquizado, quando se pensa na

    garantia de matrcula na escola e na aprendizagem do aluno. A partir do contexto

    social e escolar da Frana do final do sculo XIX, o autor apresenta questes

    relacionadas ao desemprego dos jovens, que resulta da falta de adequao entre

    formao e emprego. Os argumentos aos poucos foram se modificando e a excluso

    social dos jovens no ocorre apenas nas relaes de trabalho, mas tambm, na

    insero escolar. Dubet (2003), explica como a escola vai se estruturando e que o

    dualismo escolar resulta das diversas clientelas no interior da escola, para este

    entendimento, a escola parece ser justa e neutra, no entanto, as injustias sociais

    que so diretamente a causa das desigualdades escolares (DUBET, 2003, p. 32)

    Em relao s desigualdades sociais Dubet (2001) apresenta duas posies:

    uma relacionada s escalas e registros, e a outra como um conjunto de processos

    sociais e de mecanismos individuais e coletivos. Para o autor, a segunda perspectiva

    mostra a dupla natureza das desigualdades, entre as quais algumas se reduzem,

    enquanto outras crescem. essa a relao que se estabelece em uma sociedade onde

    direito de igualdade e oportunidade aparecem de forma oposta entre as classes sociais.

  • 38

    Assim, a desigualdade vai sendo explicada a partir das relaes econmicas e da

    estrutura de classe, das desigualdades tnicas e educacionais e entre faixas etrias,

    como uma demonstrao de desigualdades injustas. O autor afirma ainda que, no se

    pode ignorar as determinaes das desigualdades sociais, pois:

    tudo muda na escola democrtica de massa que se empenha, e no s formalmente, em oferecer condies iguais de oportunidades. Os alunos j no so selecionados na entrada do sistema escolar, mas, sim, durante os estudos, em funo unicamente do seu desempenho (DUBET, 2001, p. 16).

    Ainda de acordo com Dubet (2001), as desigualdades vo se acentuando em

    vrias reas de ocupao, seja em relao educao ou ao trabalho, mas quando a

    educao responsabiliza os prprios alunos pela o sucesso ou insucesso na escola

    pode ser um princpio da legitimao da desigualdades, onde a prova da dominao

    das desigualdades injustas primeiramente vivida como uma manifestao de

    desprezo, de reduo da pessoa em seu papel e ao olhar do outro (DUBET, 2001, p.

    17). O autor se refere a um sentimento que para os alunos dos bairros desfavorecidos,

    esbarram na contradio entre igualdade e desigualdade; quando os valores

    individuais so colocados prova, por exemplo, em relao ao insucesso na escola,

    outras estratgias so criadas como a retirada e violncia (DUBET, 2001, p. 17).

    Tais sentimentos resultam na remoo ou negociao como parte de um jogo no

    ambiente escolar e que os mantm integrados a um grupo; uma estratgia utilizada

    pelos alunos para o rompimento so os atos de violncia e ameaas entre eles e aos

    professores como uma forma de inverso do jogo e no serem culpados por fracassos.

    Esse dualismo escolar e o recrutamento das diversas clientelas permitem ou

    no o acesso as diversas formas de ensino. O papel da escola na excluso escolar

    implica isolar de maneira terica e abstrata, os mecanismos e os fatores pelos quais a

    escola acrescenta, alia fatores de desigualdade escolar e de excluso que

    ultrapassam a simples reproduo das desigualdades sociais (DUBET, 2003, p. 35).

    A escola, portanto, opera as grandes divises e as desigualdades sociais, ocasionando

    a seletividade escolar, onde um dos aspectos de diferenciao o percurso construdo

    e a trajetria escolar dos sujeitos, os alunos com dificuldades so orientados para

    trajetrias escolares mais ou menos desvalorizadas no interior de uma hierarquia

    (DUBET, 2003, p. 36), cuja estratgia aprofunda as desigualdades e acentuam a

    excluso escolar.

  • 39

    Assim, diante da realidade do contexto escolar e do aluno de camadas mais

    populares na escola, as pesquisas e estudos em sociologia da reproduo foram

    substitudos pelos problemas sociais na escola e na anlise dos mecanismos internos,

    tratando-se como um problema construdo tanto pela realidade quanto pelas respostas

    polticas sociais. O problema das escolas e dos alunos difceis se imps, em poucos

    anos, como o ponto no qual se focaliza o conjunto de problemas sociais: periferias,

    desemprego, imigrao, delinquncia, violncia, abandono escolar (DUBET, 2003,

    p. 37).

    Para os atores sociais, h diferentes linguagens, o aluno de classe social

    desfavorecida foi substitudo por aluno difcil e com dificuldades, assim, nesse

    contexto que, pela primeira vez polticas de discriminao positivas so esboadas

    com a configurao das Zonas de Educao Prioritrias (DUBET, 2003, p. 37).

    Essas zonas correspondem s periferias urbanas, nas quais se concentram populaes-

    alvo das polticas de insero social e com caractersticas de excluso. Assim, alguns

    autores colocam em evidncia a distncia entre desigualdades educacionais e sociais,

    ao explicarem as diferenas entre empregos qualificados e o acesso a diplomas, que

    embora sejam relaes independentes, alteram as relaes de produo e encaminham

    os menos qualificados a outras trajetrias aumentando oportunidades de desemprego e

    precariedade em relao aos vnculos de trabalho (DUBET, 2003).

    Ainda em relao diviso de classes na escola, Dubet (2004) alerta para a

    discriminao, pois a escola participa de vrios mecanismos: escolas pblicas e

    privadas, escolas fracas e fortes, que afastam da lgica da igualdade, e introduzem

    mecanismos de polticas de discriminao positiva que evitam a concentrao de

    grupos de alunos idnticos, como os pobres e com dificuldades educacionais. Assim,

    tal poltica no corresponde apenas a entrada do aluno na escola, mas no espao da

    sala de aula, atravs de um acesso ao conhecimento que favorea a sua prpria

    excluso, em que o sistema justo ou menos injusto, no o que reduz as

    desigualdades entre os melhores e os mais fracos, mas o que garante aquisies e

    competncias vistas como elementares para os alunos menos bons e menos

    favorecidos (DUBET, 2004, p. 547).

    O autor afirma ainda que, a segmentao do mercado de trabalho no se

    opera apenas em funo das necessidades econmicas, ela ativa e exacerba

    diferenciaes sociais em funo do sexo, idade, do capital escolar da origem tnica

    (DUBET, 2001, p. 9). Algumas mudanas podem ser identificadas em relao s

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    desigualdades econmicas, a populao ativa no mercado de trabalho se feminizou,

    embora reconheam-se diferenas entre os salrios de homens e mulheres e tambm

    na ocupao dos setores de emprego demonstrando domnios sexualmente marcados.

    As desigualdades etrias tambm sofreram mudanas a partir das polticas de insero

    ao emprego e das formas de distribuio de renda. Para os jovens, a realidade o

    desemprego, perodos longos de incertezas e precariedades antes do emprego estvel,

    quando comparado aos adultos. As desigualdades tnicas convivem com a

    segregao, quanto formao de bairros mais degradados socialmente,

    estigmatizados, formando assim, as zonas de exlio (DUBET, 2001).

    Lahire (2003), ao discutir desigualdades a partir do contexto histrico da

    educao afirma que, as teorias estruturalistas e funcionalistas da reproduo,

    utilizavam uma viso macrossociolgica para entender as desigualdades promovidas

    pela escola,

    basicamente, lanavam mo dos mtodos estatsticos, tentavam dar conta das desigualdades sociais perante a escola em funo da posio das famlias dos alunos nas relaes de produo econmica (Baudelot; Establet, 1971) ou na estrutura de distribuio do capital cultural (Bourdieu; Passeron, 1970) (LAHIRE, 2003, p. 984).