a exclusao de socio nas sociedades por quotas

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1 MARCELO MENDONÇA DE CARVALHO A EXCLUSÃO DE SÓCIO NA SOCIEDADE POR QUOTAS RELATÓRIO ESCRITO DO SEMINÁRIO DE DIREITO COMERCIAL DO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA NA ÁREA DE ESPECILIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS JURÍDICO-COMERCIAIS DO ANO LECTIVO 2001 - 2002, COORDENADO PELO EXMº SENHOR PROFESSOR PESSOA JORGE.

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Page 1: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

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MARCELO MENDONÇA DE CARVALHO

A EXCLUSÃO DE SÓCIO NA SOCIEDADE POR QUOTAS

RELATÓRIO ESCRITO DO SEMINÁRIO DE DIREITO COMERCIAL DO CURSO

DE MESTRADO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

NA ÁREA DE ESPECILIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS JURÍDICO-COMERCIAIS DO ANO

LECTIVO 2001 - 2002, COORDENADO PELO EXMº SENHOR PROFESSOR

PESSOA JORGE.

Page 2: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

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PLANO GERAL DE ESTUDO

PARTE I

PRELIMINARES

A Origem Histórica da Exclusão

Noção de Exclusão

A Sociedade e o Papel dos Sócios nas Sociedades

O FUNDAMENTO ÉTICO-JURÍDICO DA EXCLUSÃO DE SÓCIOS

A Teoria Contratualista da Exclusão

A Natureza Jurídica do Direito de Exclusão

PARTE II

A EXCLUSÃO DE SÓCIOS NAS SOCIEDADES POR QUOTAS

As Causas Legais de Exclusão

As Causas Contratuais de Exclusão

As Causas Judiciais de Exclusão

O PROCEDIMENTO DE EXCLUSÃO

Os Formalismos subjacentes à exclusão

A Imperatividade do Regime Legal

Conclusões Finais

Page 3: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

3

MODO DE CITAR

As referências bibliográficas feitas ao longo do texto são citadas de forma uniforme,

indicando-se o nome académico do autor, o título da obra, o local de publicação, o ano da

publicação e a página. Exceptuam-se os casos das obras escritas em latim, que são citadas

pela sua designação mais comum, e dos artigos publicados em boletins periódicos, onde a

referência das referidas publicações será feita através da utilização de siglas seguidas da

indicação da numeração da publicação, o ano e página.

Apenas na primeira referência bibliográfica a citação se fará pela indicação de todos estes

elementos, nas referências posteriores a citação será feita apenas pela indicação do autor, do

primeiro título da obra ou artigo e da página. No caso de serem citadas mais do que uma

obra do mesmo autor manter-se-á esta forma de referenciação, operando-se a distinção entre

as obra do mesmo autor através da indicação do primeiro título da obra ou artigo.

As obras de autores estrangeiros são referidas na língua original excepto quando

correspondem a traduções, altura em que se fará a referência tal como resulta da tradução e

identifica-se que a obra consultada corresponde a uma tradução.

Na bibliografia indicada a final far-se-á a referência completa dos elementos acima

mencionados bem como a inclusão do nome completo do autor (quando possível), pela

ordem alfabética do último nome académico por que são conhecidos.

As disposições legais indicadas que não se indique a fonte dizem respeito ao Código das

Sociedades Comercias português vigente, quando assim não for no próprio local será

indicada a sua fonte.

ABREVIATURAS UTILIZADAS

BMJ – Boletim do Ministério da Justiça CC – Código Civil CJ – Colectânea de Jurisprudência CM – Código Comercial CPC – Código de Processo Civil CSC – Código das Sociedades Comerciais RFDUL – Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa RDC – Rivista di Diritto Civile RLJ – Revista de Legislação e Jurisprudência RTDPC – Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile STJ – Supremo Tribunal de Justiça

Page 4: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

4

PARTE I

1. INTRODUÇÃO

1.1 RAZÃO E ORDEM

De acordo com o objectivo estabelecido para o presente relatório início o estudo da exclusão

de sócio pela origem histórica da figura, tratando de seguida a noção de exclusão de sócio, o

papel exercido pelos sócios na sociedade e, findando a primeira parte do estudo, a

fundamentação ético-jurídica deste instituto. Para a segunda parte do trabalho, a parte

especial, fica a análise em concreto das situações em que lei portuguesa admite a exclusão e

findando-a com as conclusões.

1.2 GENERALIDADES

Na economia de mercado em que actualmente se vive as sociedades comerciais

desempenham uma função vital, este papel é o resultado de um aprofundar das necessidades

e contingências que estiveram na origem destas sociedades. Como refere Pupo Correia1, “Os

empreendimentos comerciais e industriais em regra exigem meios financeiros e capacidade de gestão que estão

além das forças de um só indivíduo”.

Estas duas necessidades e contingências não são novas e nem, tão pouco, correspondem a

um problema actual. Muito pelo contrário, foram elas que estiveram na origem das

sociedades comerciais e do seu reconhecimento pela ordem jurídica no séc. XIX2, ainda que

em grande parte devido ao ideal capitalista então reinante. As sociedades comerciais surgiram

naquela altura, essencialmente, por duas grandes ordens de razão.

A primeira, diz respeito às grandes quantidades de capital que era necessário reunir para

realizar um investimento numa actividade comercial. Esta necessidade foi sempre crescente,

dado o cada vez maior investimento financeiro que era exigível para, com sucesso, as

1 Ver do mesmo autor, Direito Comercial, Lisboa, 1988, p. 283.

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5

sociedades comerciais se estabelecerem e conseguirem encontrar um lugar no mercado3. A

segunda razão, não menos importante que a primeira, diz respeito ao risco inerente à

actividade comercial. Os investimentos nas actividades comerciais importam sempre um

risco patrimonial que cresce à medida do capital investido.

Ponderados estes dois factores a sociedade apareceu como uma solução, por um lado

permitiu, através da reunião de diversos sócios, a acumulação de elevadas quantias de capital

e, por outro, possibilitou a diminuição do risco, uma vez que os sócios mantinham o seu

património pessoal a salvo pela responsabilidade limitada4. O único risco patrimonial que os

sócios corriam era o de perderem o capital investido na sociedade e que, em regra, era o

correspondente à participação de cada um no capital social.

Actualmente por força do desenvolvimento do mercado mais célere, da globalização, da

tecnologia empregue e das novas técnicas de gestão, deve-se ainda ter em conta, como razão

de ser das sociedades comerciais, a capacidade de gestão de quem a dirige. A

profissionalização dos cargos de gestão das sociedades é, sem dúvida, um fenómeno

inevitável e constitui actualmente uma terceira justificação do reconhecimento jurídico e do

recurso às sociedades comerciais.

As sociedades de tipo familiar, em que o órgão de gestão é constituído e as respectivas

funções são desempenhadas pelos próprios sócios, são cada vez menores. Os sócios das

sociedades actuais procuram, cada vez mais, correr menos riscos com capital investido e,

para o efeito, investem em sociedades dotadas de órgãos de gestão constituídos por

membros profissionalizados no desempenho de tais funções. Deve-se no entanto notar

que a dimensão do capital e risco a suportar por cada sócio não se referem a algum valor

patrimonial pré-estabelecido, mas sim àquilo que para o património de cada um representa

um grande investimento e risco. Apesar de nas sociedades por quotas, em regra, o capital

investido ser menor do que o investido nas sociedades anónimas, isto não quer dizer que o

investidor da primeira corra menos riscos e invista menos capital do que o da segunda. Pelo

contrário, dadas as características deste tipo societário o risco e capital investido podem até

serem maiores, uma vez que não se está no domínio dos chamados pequenos accionistas,

2 As sociedades com as características actuais tem a sua origem no séc. XIX, mas podemos encontrar em

períodos anteriores algumas estruturas próximas que na sua altura desenvolviam uma actividade muito

próxima da que é hoje desenvolvida pelas sociedades comerciais. 3 Ainda que hoje exista uma economia de mercado mitigada.

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6

mas sim de proprietários de quotas, que, em geral, não são muitas e nem são tão fáceis de

vender como as participações das sociedades anónimas. Pelo que, os sócios das sociedades

por quotas ainda mantêm alguma preocupação com a gestão da sociedade e com o seu dia-a-

dia, razão pela qual estas ainda vivem num mundo à parte, não evoluíram no mesmo sentido

que as congéneres sociedades anónimas, não é caso raro em Portugal o órgão de gestão das

sociedades por quotas serem constituídos e os respectivos cargos desempenhados pelos

próprios sócios.

Os sócios acabam assim por desempenhar nestas sociedades uma grande influência, quer

através do exercício da gerência, quer através das deliberações do colectivo. A faculdade legal

de se promover a exclusão de um sócio nas sociedades por quotas, ao contrário do que

sucede nas anónimas, é um reflexo claro e inequívoco da importância que os sócios

desempenham neste tipo de sociedades, para o bem e para o mau, razão pela qual pode ter

lugar a exclusão.

É neste contexto que se desenvolve a figura da exclusão de sócio, uma figura antagónica à

própria ideia de sociedade e que aqui se procurará justificar e compreender, em especial, no

domínio das sociedades por quotas5.

2. A ORIGEM HISTÓRICA DA EXCLUSÃO DE SÓCIOS

2.1. A EXPERIÊNCIA NO DIREITO ROMANO

Ponderada a origem histórica dos grandes institutos jurídicos existentes, conclui-se, sem

grande dificuldade, que a maioria tem a sua origem no direito romano. Assim, no estudo da

origem histórica do instituto da exclusão de sócios se impõe o início da pesquisa

precisamente no direito romano. No entanto, a excepcionar a regra da origem romana dos

institutos jurídicos, constata-se que no direito romano não existe qualquer referência à

exclusão de sócios. Esta ausência relaciona-se com a própria noção que envolve a sociedade

no direito romano de então. A concepção de sociedade dessa altura configurava-a como um

4 Esta diminuição do risco só é possível nas sociedades em que se verifica uma responsabilidade limitada

dos sócios. 5 A exclusão nas sociedades anónimas praticamente não existe e nos restantes tipos societários apesar de

existir não justifica um estudo dessa figura nessas mesma sociedades, uma vez que estes tipos societários

praticamente não existem.

Page 7: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

7

acordo de vontades que era estabelecido entre os sócios com o fim de realizar um só acto ou

obra. Daqui naturalmente decorria que a sociedade romana tinha uma duração no tempo

limitada à realização do objecto do contrato que, por regra, se esgotava rapidamente. Para

além desta característica, à noção de sociedade romana está ainda ligada a pessoa do sócio,

ou seja, existia um carácter de intuitus personae na participação de cada sócio naquela. Assim,

surgindo algum impedimento6 relativo à continuação de um sócio no esforço comum da

sociedade, resultava, indiferentemente, a dissolução da sociedade. Se os restantes sócios

quisessem manter em funcionamento a sociedade teriam que constituir um novo acordo,

onde já não participa o sócio impedido, formando-se uma nova sociedade.

Numa fase posterior o direito romano admitiu a cláusula contratual que impedia a dissolução

automática da sociedade no caso da morte de um sócio, permitindo conservar a sociedade

no caso de morte de um dos sócios. Pode-se configurar como uma exclusão mortis causa, no

entanto, longe daquilo que hoje se entende por exclusão de sócio.

2.2 A EXPERIÊNCIA NO DIREITO MEDIEVAL

No direito medieval a sociedade apresentava alguns contornos diferentes dos apresentados

pela sociedade romana, contudo por razões diferentes não era igualmente possível a exclusão

de sócio. A sociedade medieval, fruto das contingências que então se viviam, era

essencialmente familiar e desta característica resultava uma união forte e duradoura entre os

sócios, consubstanciada nos laços de sangue que os unia, pelo que a exclusão de um familiar

da sociedade era algo que não fazia na altura qualquer sentido.

Mas verifica-se já uma evolução perante o direito romano7 que foi a transmissão da posição

dos sócios mortis causa.

2.3 A EXPERIÊNCIA NO DIREITO MODERNO Ultrapassada a época medieval, o entendimento de que seria útil permitir a dissolução parcial

da sociedade em vez da dissolução total ganhou peso permitindo-se assim a extinção do

vínculo societário relativamente a um só sócio e mantendo-se relativamente aos restantes.

6 A morte de um sócio, a sua incapacidade física, etc.

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8

No século XVIII, o Código Prussiano de 1794 consagrava expressamente nos § 273 e 274 a

faculdade de exclusão de sócios nas sociedades civis e comerciais respectivamente. A

exclusão nesta altura era vista como uma alternativa à dissolução total da sociedade, pelo que

as hipóteses que permitiam operar a exclusão eram as mesmas que davam origem à

dissolução total da sociedade. Esta visão da exclusão foi mantida na legislação alemã

posterior, onde a exclusão era consagrada como um meio de evitar os inconvenientes da

dissolução total da sociedade.

2.4 A EXPERIÊNCIA NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

No século XIX o direito espanhol consagrou pela primeira vez o instituto da exclusão de

sócios, desta feita tratava-o como uma particular situação de rescisão parcial do contrato de

sociedade. Assim, os fundamentos da exclusão eram comuns aos da rescisão de contratos

com a excepção de alguns fundamentos autónomos e privativos da exclusão de sócios.

Neste mesmo século, em 1865 e 1882, no ordenamento jurídico italiano8 surgiu uma nova

forma de ver a exclusão de sócio. A exclusão passou a ser vista como uma figura diferente e

autónoma da dissolução da sociedade, operando unicamente por via deliberativa e estava

restrita aos sócios das sociedades civis, comerciais com responsabilidade ilimitada e

cooperativas. Nas sociedades comerciais com responsabilidade limitada não se falava em

exclusão mas sim perca da participação para a sociedade e tinha lugar nos casos de não

cumprimento da obrigação de entrada.

Com a progressiva extinção e desuso das sociedades de responsabilidade ilimitada o

instituto da exclusão de sócios foi adaptado às sociedades de responsabilidade limitada e

a outros tipos de necessidade e fins. Hoje este instituto tem consagração e é aceite em

quase todos os ordenamentos jurídicos como uma figura fundamental para a vida societária,

não deixando, com isso, de ter uma natureza controversa em razão das consequências

extintivas que a exclusão importa para o sócio excluído e do natural afrontamento de

interesses que se verificam, dos quais apenas um sai tutelado.

7 O direito romano durante as invasões bárbaras foi objecto de uma grande distorção que se manteve na

época medieval, só mais tarde, fruto do trabalho iniciado pelos glosadores voltou a ser erigido nos moldes

originais. 8 Como é habitual foi a lei e doutrina italiana que trouxeram um grande desenvolvimento do instituto da

exclusão.

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3. ABORDAGEM PRELIMINAR À EXCLUSÃO DE SÓCIOS

3.1 A NOÇÃO DE EXCLUSÃO DE SÓCIOS E OS INTERESSES EM CAUSA

Do nosso regime actual, constante do CSC, não decorre uma definição legal de exclusão de

sócio, a lei limita-se a determinar as situações em que tal exclusão pode ter lugar, os

formalismo, os procedimentos necessários para a concretizar e os efeitos desta, pelo que

coube à doutrina e à jurisprudência determinar a noção de exclusão de sócios9.

Raúl Ventura10 define a exclusão de sócios “como a perda da participação na sociedade, que a um

sócio é imposta, quer por deliberação da sociedade fundada em caso previsto na lei ou em caso respeitante à

pessoa ou comportamento do sócio previsto no contrato, quer por sentença judicial baseada em facto previsto na

lei”. Na expressão de Teresa Alvarenga11 a exclusão pode ser entendida como “(...) um direito

da sociedade, materializado por deliberação dos sócios cujo efeito necessário é o afastamento de um sócio, por

lhe ser imputável um facto ou situação, que constitui um impedimento ou prejuízo ao normal funcionamento

da sociedade”.

No fundo a exclusão de sócio é um instituto jurídico que permite a uma sociedade civil ou

comercial, através de um prévio impulso dos sócios excluir de si mesma um dos seus sócios

em razão da conduta adoptada por aquele contrária aos fins que estiveram na origem da

conjugação de esforços que o contrato de sociedade consigna. A figura da exclusão é assim

contrária e oposta à própria ideia de sociedade, pois ao invés de promover uma conjugação

de esforços que está subjacente à ideia de sociedade, procura antes dissociar e afastar a

colaboração entre os seus membros e um determinado sócio. Obviamente que neste

contexto a expulsão de um sócio, de resto contra a sua própria vontade, só faz sentido

perante um determinado circunstancialismo que se há de reportar a um conjunto de

comportamentos e condutas que sejam contrárias ou prejudiciais à prossecução dos

9 A exclusão de sócios não deve ser confundida com a exoneração e a amortização de quotas. A primeira

vem prevista no artigo 240º do CSC e, apesar de produzir os mesmos efeitos que a exclusão, a saída do

sócio da sociedade, é, no entanto, uma figura com fins distintos. Na exoneração é o sócio que se afasta da

sociedade enquanto na exclusão é a sociedade que quer afastar contra a sua vontade o sócio.

Na segunda, a amortização visa essencialmente impedir a entrada de novos sócios para a sociedade e, para

o efeito, absorve em certas situações as quotas dos sócios que se enquadrem na previsão legal ou contratual. Pode aproximar-se da exclusão quando está-se perante a amortização compulsiva, mas mesmo neste caso

exerce um fim diferente daquele que é atribuído à exclusão. 10 Ver do mesmo autor, Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Vol.

II, p. 44. 11 Ver da mesma autora, Da Exclusão de Sócios nas Sociedades por Quotas, Lisboa, 1989, p. 16.

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10

objectivos que, em tempos, levaram os sócios a conjugarem esforços através de um contrato

de sociedade.

Como adiante se verá com mais cuidado, as sociedades são, regra geral, constituída por

vários sócios que desenvolvem uma actividade em comum. Porém, a lei permite perante

certos condicionalismos que um dos sócios, pessoa que através do contrato de sociedade se

vinculou com os restantes sócios, e vice-versa, a desenvolver essa actividade comum, possa

ser afastado dessa sociedade de que faz parte, contra a sua vontade, por promoção de um

interesse em exclui-lo de que, por certo, não partilha. No fundo, o problema da exclusão de

sócios resume-se a se deixar de ser sócio por iniciativa e vontade exteriores à do próprio

sócio. Obviamente é uma solução extrema, porque trata-se de colocar fora de um contrato

uma pessoa que é parte nele e que sem ela tal actividade comum não existia ou se existisse

teria, com certeza, contornos diferentes.

Mário Ghidini12 defende que funcionalmente a exclusão visa defender a sociedade de um

sócio cuja presença possa provocar perturbações graves na vida social, justificando-se assim

a exclusão pela necessidade de defesa da empresa social. A afirmação deste autor é correcta,

mas para promover essa protecção será, obviamente, necessário encontrar limites que evitem

colocar em causa o direito individual de cada sócio a ser sócio e nessa qualidade continuar a

fazer parte dessa mesma sociedade. Se assim não fosse, como afirma Menezes Leitão13, “A

atribuição absoluta à sociedade de um direito de excluir o sócio destruiria o princípio do respeito dos contratos

previstos no artigo 406º, do Código Civil, o que viria reduzir drasticamente a celebração destes contratos”.

A possibilidade de a sociedade promover a exclusão sem limites poderia ainda dar azo a

situações de abuso de direito, que de resto podem ocorrer com alguma frequência nas

deliberações sociais mesmo fora do âmbito de aplicação da figura jurídica da exclusão, que

aqui tem necessariamente efeitos mais graves. A inexistência de limites, para além de poder

levar a uma restrição da actividade económica, poria ainda em causa a certeza e a segurança

que o direito procura salvaguardar e, não sendo essa a intenção deste instituto, pelo

contrário, pretende preservar a sociedade, a lei na esteira do que seria de esperar fixou limites

à exclusão de sócios.

12 Ver do mesmo autor, Societá Personali, Pádua, CEDAM, 1972, pág. 550. 13 Ver do mesmo autor, Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais, 1ª reimpressão,

Lisboa, 1995, pág. 13.

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11

3.2 O PAPEL DESEMPENHADO PELOS SÓCIOS NAS SOCIEDADES

3.2.1 A noção de sociedade comercial

Para a correcta apreensão e justificação jurídica da figura da exclusão de sócio é

fundamental analisar a noção de sociedade e, a partir dela, o papel que os sócios

desempenham neste tipo de associação. Só assim será possível descortinarem-se os

interesses tutelados por este instituto e o seu verdadeiro alcance e limites.

As sociedades comerciais têm um regime legal próprio integrado no direito comercial que,

enquanto direito privado especial, acaba por recorrer em função da sua especialidade e

fraguementaridade ao direito civil, numa estreita relação que resulta da própria lei comercial,

mais especificamente, do artigo 2º do CSC. Neste contexto, o CSC no seu artigo 1º, nº 2,

não dá uma noção de sociedade, limita-se a indicar as características que dão a uma

sociedade a qualidade comercial. De acordo com esse mesmo preceito “São sociedades

comerciais aquelas que tenham por objecto a prática de actos de comércio e adoptem o tipo de sociedade em

nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de

sociedade de comandita por acções”. Este artigo, seguindo aliás o que estava estabelecido no artigo

104º do CM, apenas refere quais são os requisitos que permitem a uma sociedade ser

comercial e não civil, estabelecendo para o efeito dois requisitos cumulativos, o do objecto e

da forma comercial.

Assim, a noção e sociedade que está por trás da sociedade comercial terá de ser encontrada

noutro texto legislativo que não o CSC. Seguindo a orientação estabelecida pelo artigo 2º do

CSC e artigo 3º do CM, e de acordo com o próprio estatuto fragmentário do direito

comercial, encontra-se a noção de sociedade, subjacente à sociedade comercial, no direito

civil ou direito privado comum. O legislador, tal como já o tinha feito anteriormente,

entendeu que a noção de sociedade pertence ao direito privado comum e, nessa medida, a

noção de sociedade do direito civil é válida para o direito comercial, pelo que, é no artigo

980º do CC que se estabelece a noção de sociedade que se deve ter em conta para os efeitos

da sociedade no âmbito do direito comercial. Assim, a sociedade comercial será uma

sociedade de acordo com a definição e os elementos dela constante, estabelecidos neste

último artigo, acrescida de dois requisitos de verificação cumulativa, o do objecto e da forma

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12

comercial impostos pelo artigo 1º, nº 2, do CSC. Daqui decorre que a sociedade comercial é

uma espécie do género da sociedade civil14.

Desta noção de sociedade, que como se viu também é válida para as sociedades comerciais15,

a doutrina16 17 costuma identificar ou isolar quatro elementos do contrato de sociedade:

Elemento pessoal, respeitante à pluralidade de sócios;

Elemento patrimonial, relativo à contribuição com bens ou serviços;

Elemento finalístico ou o fim imediato, a actividade económica a desenvolver;

Elemento teleológico ou o fim mediato, relacionado com o lucro.

Em todos estes elementos a figura do sócio da sociedade está presente, de forma mais

significativa em uns e menos nos outros, contudo em todos estes elementos caracterizadores

do contrato de sociedade o sócio acaba por desempenhar algum papel. A análise dos

diversos elementos do contrato de sociedade e do papel desempenhado pelos sócios em cada

um deles torna-se, assim, fundamental para a correcta delimitação do instituto da exclusão

dos sócios, as razões que estão por de trás desta e os efeitos que ela produz na vida societária

e na esfera do próprio sócio excluído.

3.2.1.1 O Elemento pessoal

O elemento pessoal é o primeiro elemento resultante da noção de contrato de sociedade

estabelecida no artigo 980º do CC. Compreende-se que assim seja, afinal é o elemento mais

importante do contrato de sociedade18. Sem pessoas, ou melhor, sem os sócios19 o contrato

de sociedade não existiria, mesmo uma sociedade comercial unipessoal por quotas20, pois

14 Neste sentido, Pupo CORREIA, Direito..., pp. 283 e segs. e Oliveira ASCENSÃO, Direito Comercial, Vol. I,

Lisboa, 1994, pp. 401 e segs. 15 A noção é válida mas carece de algumas adaptações resultantes das particularidades das sociedades

comerciais, entre as quais salienta-se a possibilidade de existirem sociedades comerciais constituídas por

uma só pessoa e ainda as sociedades designadas por non profit companies. 16 Neste sentido, Pupo CORREIA, Direito..., p. 286. 17 Oliveira ASCENSÃO, Direito..., p. 403, faz referência a estes mesmos elementos, contudo, recorre a uma

classificação diferente: pessoas; bens; organização e fins. 18 Ver ainda sobre esta matéria, Ferrer CORREIA, Lições de Direito Comercial, Coimbra, Vol II, pp. 146 e segs. e Brito CORREIA, Direito Comercial, Vol. II, pp. 10 e segs.. 19 O sócio não tem se ser uma pessoa física, pode ser uma pessoas colectiva, nas sociedades por quotas

geralmente os sócios são pessoas físicas. 20 Sobre as sociedades unipessoais ver com interesse Ana Maria PERALTA, Sociedades Unipessoais in

Novas Perspectivas do Direito Comercial, Lisboa, 1988, pp. 105 e segs.

Page 13: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

13

esta não adquire existência sem o sócio único. Faltaria em ambos os casos um dos elementos

do contrato de sociedade, os sócios ou o sócio único.

Sendo o contrato de sociedade uma espécie do género associação21 em sentido lato, o

agrupamento de pessoas que nela se verifica, que se reúnem para a prossecução de um fim

comum, acaba por ter um papel e um relevo fundamental. A sociedade resulta de um

contrato, e esse acordo de vontades é o coroar de um consenso de várias pessoas,

desenvolvendo, cada uma delas, um papel preponderante nele, pois, em princípio, esse

contrato não seria celebrado ou concluído sem a presença de um dos contraentes. E mesmo

que fosse celebrado, esse contrato de sociedade sem um dos contraentes seria diferente.

Cada sócio tem um espírito empreendedor e anímico único, diferente um do outro, pelo que,

o papel – intuito personae – desempenhado pelos sócios quer enquanto contraentes e

instituidores da sociedade, quer enquanto colectivo de sócios no funcionamento e na tomada

de decisões da sociedade, é fundamental, decisivo e insubstituível. Neste contexto o instituto

da exclusão de sócio surge como uma figura contrária à presença e participação de um sócio

na sociedade, pois, cominando com a sua exclusão, que mais não é do que a sua expulsão da

sociedade e do contrato a que ele deu origem e auxiliou a definir, vai por em causa a

importância dessa pessoa na sociedade e a sobreposição dos interesses desta e dos restantes

sócios sobre a pessoa do sócio excluído22.

Note-se que a importância do elemento pessoal não se verifica só com o acto constitutivo da

sociedade, o próprio facto de existir um regime de exclusão de sócio manifesta a importância

que a pessoa do sócio desempenha na sociedade, quer seja para seu bem ou para o seu mau.

O próprio regime de dissolução reflecte a importância dos sócios na sociedade ao impô-la no

caso de diminuição a número inferior de sócios exigido por lei para cada tipo social. Como

refere Pupo Correia23 “Assim, a regra geral que prevalece é a de que a sociedade deve ter uma pluralidade

de sócios, quer no momento inicial, quer durante a sua restante existência, como espécie que é do género

associação”. Esta expressão é demonstrativa da importância que cada sócio desempenha no

seio de uma sociedade e o impacto que a figura da exclusão de sócio pode provocar. Isto não

só a nível moral como jurídico, onde representa um antagonismo à noção e natureza do

21 Ver neste sentido Pupo CORREIA, Direito..., p. 290. 22 Obviamente que isto não se aplica no caso das sociedades unipessoais, assim como o instituto da

exclusão de sócios. 23 Ver do mesmo autor, Direito...,p. 292.

Page 14: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

14

contrato de sociedade, pois a sociedade enquanto espécie do género associação terá sempre

na sua essência um grupo de pessoas.

3.2.1.2 O Elemento patrimonial

Do artigo 980º do CC resulta em segundo lugar o elemento patrimonial, este elemento da

noção de contrato de sociedade está relacionado com a contribuição dos sócios para a

sociedade com bens e serviços. Aqui evidencia-se por um lado o carácter obrigacional e

consensual do contrato de sociedade e, por outro, o carácter real que este produz no que diz

respeito às entradas dos sócios, um direito real de propriedade cuja transferência opera por

efeitos de contrato obrigacional, nos termos do artigo 408º, nº 1 do CC. No caso especifico

das sociedades comerciais estes bens e serviços com que cada sócio deve contribuir assume a

designação de entrada24 e assume uma vital importância porque é com base na sua entrada

que se irá definir a posição que cada sócio ocupa na sociedade. A entrada irá determinar a

sua participação no capital social e a partir desta concretizar-se-á o quantitativo de direitos e

obrigações de cada sócio dentro da sociedade25. No caso específico das sociedades por

quotas o bem com que o sócio entra na sociedade26 pode não ser entregue ou realizado de

imediato, podendo o sócio deferir para outro momento a entrada em dinheiro desde que se

respeitem os condicionalismos dos artigos 202º, nºs 2 e 3, e 203º do CSC. Não promovendo

o sócio a realização da sua parte de capital deferida pode vir a incorrer na exclusão da

sociedade. Desta consequência decorre que também na vertente patrimonial do contrato de

sociedade podem decorrer efeitos na permanência do sócio na sociedade, uma vez que pode

ser desencadeada a sua exclusão por motivos relacionados com a sua participação

patrimonial na sociedade.

Ou seja, também aqui a pessoa do sócio tem uma intervenção importante, podendo resultar

dessa intervenção um conflito de interesses entre o sócio e a sociedade. Compreende-se que

assim seja, porque a final as contribuições ou entradas dos sócios vão desempenhar três

funções imprescindíveis27 para a constituição e actividade da sociedade:

24 Cfr. Ferrer CORREIA, Lições..., pp. 5 e segs. e Brito Correia, Direito...pp. 13 e segs. 25 Participação nos lucros, etc. 26 Estes bens nos termos do artigo 202º, nº 1, do CSC, não podem revestir a natureza de uma contribuição

de indústria. 27 Neste sentido, Pupo Correia, Direito..., pp. 294-295.

Page 15: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

15

No seu conjunto vão formar o fundo comum com o qual a sociedade vai iniciar a sua

actividade;

Permite operar a definição da proporção da participação de cada sócio na sociedade

e, nessa medida, o quantitativo dos direitos e obrigações dos sócios;

Por fim, fixa o capital social da sociedade.

A função desempenhada pela entrada de cada sócio na sociedade acaba, assim, por ser vital

na vida societária quer no seu arranque, quer como garantia dos credores, daí o rígido regime

de realização e do deferimento das entradas e das consequências que podem advir para o

sócio que não realize a sua entrada. Pelo que, também no elemento patrimonial do contrato

de sociedade a pessoa do sócio e a sua conduta, no que respeita a esta, é determinante na

vida societária, podendo condicionar quer a actividade da sociedade, quer a presença do

sócio naquela.

3.2.1.3 O Elemento finalístico

O artigo 980º do CC faz ainda referência à actividade social, que corresponde na expressão

generalizada da doutrina ao fim imediato28. Quando o CC se refere ao exercício de uma

actividade económica procura incluir no leque das actividades sociais todas aquelas que

relacionadas com a produção de bens ou utilidades, materiais ou imateriais de qualquer

sector da economia. De acordo com esta visão, ficariam de fora do elemento finalístico do

contrato de sociedade as actividades de carácter meramente ideal, cultural, político, religioso,

entre outras. No âmbito das sociedades comerciais, a actividade desenvolvida pela sociedade

relaciona-se com o objecto da sociedade, que como já foi referido tem de ser comercial29. Na

definição do que se entende por objecto comercial de uma sociedade devem ser tidos em

conta dois factores distintos de qualificação do objecto comercial.

O primeiro respeita ao próprio critério que decorre da lei, do artigo 1º, nº 2, do CSC, que a

sociedade tenha por objecto a prática de actos de comércio, este critério deve obviamente ser

conjugado com os artigos 1º e 2º do CM.

28 Cfr. Ferrer CORREIA, Lições..., p. 7, Brito CORREIA, Direito..., pp. 18 e segs. e Pupo CORREIA, Direito...,

pp. 295 e segs. 29 O CSC, no artigo 1º, nº 4, abriu as portas para a existência de sociedades comercias sem objecto

comercial, são as designadas sociedades civis sob forma comercial. Nesta hipótese não se está perante uma

Page 16: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

16

O segundo critério está directamente ligado às actividades comerciais previstas no artigo

230º do CM, o exercício de qualquer destas actividades permite operar a qualificação de o

objecto de uma sociedade como comercial.

O artigo 980º do CC exige, para além do exercício de uma actividade económica, que essa

actividade desenvolvida ou a desenvolver seja certa. Assim, a actividade económica que a

sociedade vai desenvolver deve ser previamente definida de forma concreta e específica. Não

deve ser indefinida nem vaga a actividade a que a sociedade se vai dedicar. Esta

concretização é igualmente reflectida no regime das sociedades comerciais, artigo 9º, nº 1,

alínea d), artigo 11º e 85º do CSC. O artigo 980º do CC exige ainda que esta actividade

económica deve ser exercida em comum e que não deve ser de mera fruição. Deste modo o

legislador parece-se ter afastado a sociedade das situações de mera comunhão e fruição de

bens, ainda que próprios30.

No elemento finalístico a participação dos sócios das sociedades comerciais é pelo menos

importante na definição do objecto societário. Esta intervenção é importante quer no

momento da constituição da sociedade, em que são os sócios por mútuo acordo que

definirão qual o objecto da sociedade, quer em momento posterior, pois no decorrer do

exercício social os sócios podem deliberar a alteração do objecto social.

No domínio do exercício da actividade em comum a presença do sócio é menos acentuada31

e, no essencial, nas actuais sociedades comerciais caracteriza-se mais pela conduta do sócio

não prejudicar o funcionamento da sociedade, que como adiante se verá pode dar origem à

exclusão do sócio.

3.2.1.4 O Elemento Teleológico

Por fim, estabelece o artigo 980º do CC como parte integrante da noção de sociedade, o

também conhecido por fim mediato, o fim lucrativo das sociedades32. Deste elemento não

verdadeira sociedade comercial, pois falta-lhe o objecto comercial, não sendo assim um comerciante para

efeitos do artigo 13º do Código Comercial. 30 A questão da fruição de bens próprios é delicada existindo algumas sociedades comerciais cujo objecto

se aproxima da mera fruição. Cfr. Brito CORREIA, Direito..., pp. 22 e segs., Pires de LIMA e Antunes

Varela, Código Civil Anotado, 198, 2º Vol., p. 277 e Pupo CORREIA, Direito..., p. 299 e segs.. 31 Varia com o tipo societário, nas designadas sociedades de capital essa intervenção é menos importante,

contudo, nas sociedades de pessoas é fundamental. 32 A propósito do fim mediato da sociedade comercial discute-se na doutrina vários aspectos que, contudo,

não se relacionam com a matéria desenvolvida no presente relatório e, nessa medida não merece aqui

desenvolvimento.

Page 17: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

17

resulta grande participação dos sócios na sociedade. É certo que os sócios ao constituírem

uma sociedade procuram dela retirar proveitos, e a participação que nela tem, com esse

propósito, quase que se limita à determinação do quantitativo de lucros a distribuir. Não

sendo possível estabelecer uma ligação directa entre os lucro que uma sociedade deve gerar e

a exclusão de um sócio, salvo se a ausência de lucros for motivada pelo comportamento de

um dos sócios.

3.3 CONCLUSÕES SOBRE O PAPEL DESEMPENHADO PELOS SÓCIOS NA SOCIEDADE

COMERCIAL

Em conclusão pode-se afirmar, com rigor, que a figura do sócio na constituição da

sociedade, na definição dos seus termos e no desenvolvimento da sua actividade é

fundamental. Nem outra coisa seria de esperar, a final, a razão de ser de uma sociedade é o

prosseguimento de interesses de várias pessoas associadas e reunidas na sociedade. Na figura

jurídica da exclusão do sócio existe um claro confronto entre a importância da participação

de um sócio na sociedade e a possibilidade de a sociedade exclui-lo num determinado

momento, prescindindo a dele e da sua presença no desenvolvimento da actividade que ele

ajudou a constituir, a desenvolver e, com a qual, partilhava algo.

Este confronto é tanto maior em razão do tipo societário em discussão, será menor nas

designadas sociedades de capital e maior nas sociedades de pessoas. A sociedade por quotas

são considerada uma sociedade de capital, contudo, dado o carácter familiar e restrito que

nelas se verifica no nosso ordenamento jurídico a exclusão acaba por ter ainda um peso mais

significativo e que está reflectido no seu regime que de seguida explorará. Mas não há

dúvidas que o grande interesse que é protegido com o instituto da exclusão dos sócios é o

dos sócios e o da sociedade. Torna-se, no entanto, importante analisar as diversas

fundamentações jurídicas encontradas pela doutrina para esta figura e, através delas,

delimitar os interesses tutelados com a exclusão de um sócio de uma sociedade.

Cfr. Ferrer CORREIA, Lições..., p. 9, Brito CORREIA, Direito..., pp. 29 e segs. e Pupo CORREIA, Direito...,

pp. 304 e segs..

Page 18: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

18

4. FUNDAMENTO ÉTICO-JURÍDICO DA EXCLUSÃO DE SÓCIO

4.1 GENERALIDADES

O fundamento ético-jurídico do instituto da exclusão dos sócios tem sido objecto de

diversas construções jurídicas, em todas elas se procura a conciliação entre os interesses

opostos, o da sociedade e o do sócio, sendo certo à partida que um deles há de ser superior

ao outro e, nesse sentido, prevalecer. Consoante a posição adoptada e, por via dela o

interesse protegido, se faz variar o fundamento ético-jurídico da exclusão de sócio.

Avelãs Nunes33, na análise que fez sobre a fundamentação desta figura, de expulsar um sócio

de uma sociedade, apontou várias teorias que agrupou em três grupos:

A teoria da disciplina taxativa legal

A teoria do poder corporativo disciplinar

A teoria contratualista

4.1.1 A disciplina taxativa legal

Esta teoria34 apresenta como fundamento ético-jurídico da exclusão de sócios a ideia da

necessidade, ditada pela economia, da preservação da empresa social. Acentua o relevo que

as sociedades em geral têm no quadro económico enquanto empresa e, neste contexto, a

intervenção do legislador no domínio da exclusão teria por fim proteger a empresa do

comportamento de um determinado sócio, tendo sempre em vista salvaguardar o papel que

aquela desempenha na sociedade económica e, por fim último, proteger a economia do

Estado.

33 Avelãs NUNES, O Direito de Exclusão de Sócios nas Sociedades Comerciais, Coimbra, 1968, p. 23 e

segs.. 34 De acordo com Avelã NUNES (obra cit. p. 26, nota) esta construção teve origem na Alemanha por Müller,

Erzbach e Alexander Katz tendo sido difundida em Itália por Mossa. Menezes LEITÃO (obra citada, p. 18, nota) discorda da posição adoptada por Avelã Nunes relativamente ao posicionamento doutrinal de Mossa.

Avelã Nunes acaba por inserir as posições defendidas por Mossa na doutrina da disciplina taxativa legal

com a qual Menezes Leitão discorda e, a meu ver, com razão pois a posição adoptada por Mossa no que

respeita ao direito da exclusão tem fundamentalmente por base a relação contratual sócio-sociedade e não

socieadade-interesse geral.

Page 19: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

19

Assim, perturbando um sócio o correcto funcionamento da sociedade e, nessa medida, o da

empresa, prejudicaria igualmente a economia do Estado, pelo que o ordenamento jurídico

reconheceria o direito à sociedade de excluir o sócio por via a garantir a prossecução do

objecto social da sociedade-empresa e o bom funcionamento da economia.

De acordo com Mossa35 seria o interesse económico-geral de conservação da empresa a

grande fundamentação da exclusão de um sócio. A manutenção da empresa seria do

interesse de toda a sociedade36. Um interesse colectivo e público37 com sede na sociedade em

geral. Para além de Mossa também Brunetti entendeu que o código civil italiano havia

consagrado a formulação da disciplina taxativa legal. De acordo com este último autor “O

Código submeteu-se evidentemente ao critério da disciplina taxativa legal. Os princípios são os adoptados por

Mossa e Vivante, pelos quais a sociedade não deve sofrer as consequências das adversas vicissitudes pessoais

dos sócio, sendo que não é a reacção contra a violação das obrigações sociais que se justifica a exclusão mas as

exigências de conservação da empresa. Para salvá-la das desventuras e das culpas pessoais dos sócios é

necessário conceder à sociedade faculdade de excluir aqueles que põe em perigo a sua existência” 38.

Mas como a exclusão tinha graves efeitos na esfera pessoal e económica do sócio excluído

esta só deveria ter lugar em casos limites previstos na lei e a título sancionatório. Esta última

ideia configurava a exclusão como um instituto de carácter penal, restritivo e excepcional,

sendo, portanto, insusceptível de aplicação analógica. Assim, as situações delimitadas na lei

eram taxativas e típicas, não sendo possível invocar a figura da exclusão de sócios fora das

situações taxativamente tipificadas na lei. Esta última característica desta teoria acabou por

determinar o próprio nome que foi conferido pela doutrina a esta fundamentação e a

identificar uma das suas principais falhas.

Do exposto é fácil concluir-se que esta construção não é isenta de crítica, isto porque desde

logo com a exclusão se promovem interesses de ordem privada39, dos sócios e da sociedade

que procuram salvaguardar o bem estar económico da sociedade e não um qualquer interesse

colectivo. Esta ideia é confirmada pela faculdade da exclusão ser exercida pela sociedade

através de uma prévia decisão deliberativa dos seus sócios e não por uma qualquer iniciativa

35 MOSSA, L´ esclusione del socio nella societá di due soci, Rivista di Diritto Commerciale e del Diritto

Generale dell Obligazione, Vol. XIII, 1915, p. 638. 36 DARMARTELLO, L´esclusione del soci dalle societá commerciali, Pádua, CEDAM, 1939, pp. 41 e segs. 37 O STJ pronunciou-se neste sentido através do acórdão de 13.11.1987. 38 BRUNETTI, Tratado de Derecho de las Sociedades, I, tradução espanhola, pp. 484-485 e pp. 390 e segs.

na versão original (Milão, 1946). 39 Neste sentido, Menezes LEITÃO, Pressupostos..., pp. 20 e segs..

Page 20: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

20

externa à sociedade e aos sócios ou por qualquer outra entidade fiscalizadora exterior e

estranha à sociedade.

Note-se que os sócios são livres em dissolverem a sociedade, e com essa dissolução também

se preconizaria um prejuízo ao interesse geral e nada os impede de o fazer, porquê? Porque a

sociedade é constituída, acima de tudo, para promover os interesses particulares dos sócios e,

nessa medida, os sócios são livres em fixar o destino a dar à sociedade, pois são só os seus

interesses particulares que estão em jogo e não públicos, ainda que gerais ou difusos.

A esta critica à concepção institucionalista da exclusão pode-se ainda acrescentar que o

interesse da economia em geral está presente em qualquer tipo de contrato e não só no de

sociedade e nem, por isso, daí se retira um carácter público na resolução destes outros

contratos. Qualquer contrato exerce influências na economia e tem uma utilidade económica

e o mesmo ocorre no contrato de sociedade, no entanto este interesse não é preponderante

nem suficiente para atribuir à exclusão um fundamento público40.

Para além da crítica que é dirigida à base institucionalista desta doutrina ela é ainda

susceptível de ser criticada pelos contornos que dá à exclusão, designadamente, ao carácter

penal, restritivo e excepcional. A exclusão não pode ser vista como uma pena41 para o sócio

excluído, porque no ordenamento jurídico nacional ela pode ter lugar sem a concorrência de

culpa por parte do sócio excluído. À semelhança do que ocorre no divórcio, a exclusão deve

funcionar como uma solução de um conflito, um remédio que permite sair de um impasse e

não um castigo ou sanção.

Por fim como refere Avelãs Nunes42, o carácter excepcional e restritivo seria incoerente com

a própria teoria, porque não lhe permite prever todos os casos de necessidade de intervenção

para conservar a empresa por força da taxatividade e tipicidade. É, assim, de repugnar uma

consideração juspublicista e institucionalista do instituto da exclusão dos sócios.

4.1.2 O poder corporativo disciplinar

A teoria do poder corporativo disciplinar associa a exclusão de sócios ao exercício de um

poder disciplinar em que a sociedade estaria investida, estar-se-ia, assim, perante uma

40 Neste sentido, DARMARTELLO, L´esclusione..., pp. 42 e segs. 41 O acórdão do STJ de 24.05.1955 abordou a exclusão como um pena infringida a um sócio. 42 Avelãs NUNES, O Direito..., p. 37.

Page 21: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

21

manifestação da soberania que todos os entes associativos, nos quais se insere a sociedade,

exercem sobre os seus associados43. De acordo com os defensores desta teoria é fundamental

que a sociedade disponha da faculdade de remover os obstáculos que se lhe apresentem,

inclusivamente os colocados por um sócio sempre que daí resulte o risco de se tornar

dificultado ou impossível o desenvolvimento da actividade social. Assim, a sociedade poderia

impor uma disciplina aos sócios, por sobre eles dispor de um poder disciplinar e uma

capacidade de os sujeitar à sua disciplina.

Na defesa deste poder disciplinar e soberano da sociedade sobre os sócios um dos

percursores desta teoria, Ramella44, entende que as razões de disciplina social colocam o juiz

numa posição de ausência de controlo quanto ao mérito da exclusão, portanto, não haveria

possibilidade de haver qualquer controlo judicial da exclusão ordenada pela sociedade.

Menezes Leitão45 entende que “A razão de tão estranha afirmação é o facto de Ramella considerar o

contrato social como uma verdadeira lex contractus, ou seja, como ordenamento jurídico especial no qual o

sócio se insere por via do contrato”. Assim, a sociedade ao determinar a exclusão de um sócio, por

intermédio dos órgãos sociais, desempenharia funções de tipo jurisdicional legitimada pela

cláusula compromissória constante do contrato de sociedade e na qual assentaria a pena

disciplinar.

Como foi acima referido os tribunais não poderiam se imiscuir no exercício de tal poder

disciplinar, não podendo exercer qualquer controlo do mérito sobre a decisão de excluir, mas

tão só de exercer o controlo sobre os formalismo e tramites que a exclusão teria que

obedecer. De fora ficaria também a possibilidade de os tribunais se pronunciarem sobre a

decisão de não exclusão. O que é compreensível à luz desta teoria, pois só a sociedade estaria

em condições de determinar a verificação dos pressupostos que consideraria como

fundamentadores da exclusão e, nesse sentido, a sua decisão seria insubstituível por um

tribunal. Quer no sentido da decisão de excluir, quer no sentido da não exclusão.

43 Neste sentido, DARMARTELLO, L´esclusione..., pp. 59 e segs.. 44 RAMELLA, Dell` esclusione dei soci nelle societá ed associazioni, Il Diritto Commerciale, 2ª Série, Vol.

VI, 1914, pág. 56 e segs., maxime pp. 61-62. 45 Menezes LEITÃO, Pressupostos..., p. 23.

Page 22: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

22

Ramella46 justifica ainda o não controlo jurisdicional dos fundamentos materiais com o facto

de que tal controlo implicaria uma revelação pública dos factos que eram imputáveis ao

sócio a excluir e isso traria prejuízos à sociedade.

O que dizer relativamente ao mérito desta construção jurídica? Pelo que atrás se adiantou é

perceptível existirem um conjunto de factores inerentes a esta construção que são todo

inaceitáveis nos dias que correm. É ostensivo não ter qualquer cabimento no Estado de

Direito em que actualmente se vive impedir ou restringir o acesso aos órgãos jurisdicionais,

tribunais, seja a que tipo de matéria e efeitos jurídicos for, assim, numa decisão tão

importante quanto aos efeitos como a exclusão de um sócio não tem qualquer justificação

plausível a restrição do acesso aos tribunais, ainda que arbitrais, para se controlar o mérito da

decisão, sobretudo se se tiver em conta as dificuldades que se têm apresentado noutras

ordens jurídicas relativas aos abusos das maiorias e das minorias, no funcionamento do

colectivo de sócios. Seria atentatório dos princípios constitucionais vigentes na nossa ordem

jurídica impedir o controlo do mérito deste tipo de decisão ou deliberação social. Note-se

que mesmo no direito do trabalho, onde se encontra no direito privado o expoente máximo

do exercício do poder disciplinar, se admite o controlo jurisdicional do seu exercício.

No que diz respeito ao poder disciplinar, Darmartello47 rejeita a ideia de a exclusão resultar

do exercício de um poder de tipo disciplinar. Fá-lo por entender que a sociedade enquanto

ente dotado de personalidade jurídica não pode ser dissociada do contrato que a instituiu e,

nessa medida, destina-se somente a regular e coordenar a execução do contrato, sendo a

personalidade da sociedade um mero instrumento de execução do contrato. Concluindo este

autor que a concessão de um poder disciplinar à sociedade extravasaria a sua função, porque

a sociedade enquanto instrumento de execução de um contrato só disporia da capacidade

jurídica necessária para executar esse contrato e na qual não caberia nenhum poder

disciplinar. Por outro, este mesmo autor, dá ainda relevo à destruição do equilíbrio existente

entre os sócios, defendendo que se a sociedade tivesse um poder disciplinar sobre os sócios

estes ficariam desprotegidos face à maioria o que seria contrário ao princípio da igualdade

dos contraentes.

46 Ramella (obra citada p. 59, nota 33) tem sido indicado como o principal defensor desta teoria em Itália,

mas não estava só, outros autores como Ascarelli e Navarrini, segundo Darmatello defendiam esta teoria

enquanto fundamento jurídico da exclusão. 47 DARMARTELLO, L´esclusione..., pp. 63 e 64.

Page 23: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

23

Mas esta teoria é ainda criticável pela própria ideia da existência de um poder disciplinar da

sociedade sobre os sócios, desde logo porque, como já foi anteriormente referido a

propósito da teoria da disciplina taxativa legal, resultando a exclusão do exercício de um

poder disciplinar ela teria uma natureza sancionatória, penal e, como aí já foi referido, a

exclusão pode ter lugar em situações em que não se verifica por parte do sócio excluendo

nenhuma conduta merecedora de censura quer social, quer jurídica, ou seja, sem culpa48. De

resto a própria construção na sua essência é merecedora de um reparo, é que não parece na

relação sócio/sociedade existir uma relação hierárquica de tipo disciplinar entre os sócios e a

sociedade, estabelecer um poder disciplinar da sociedade sobre os sócios é algo que não faz

muito sentido, porque bem vistas as coisas a sociedade é que serve os interesses dos sócios e

não os sócios que servem os interesses da sociedade. Aceitando a ideia que a sociedade tem

um papel instrumental de mera execução do contrato de sociedade que a instituiu perde todo

o sentido se conceder a ela um poder disciplinar sobre os sócios. Aliás, não resulta da lei

qualquer subordinação jurídica dos sócios à sociedade49, os sócios na vida societária têm

sempre uma participação importante e, regra geral, os sócios é que tomam as decisões mais

importantes na vida societária, e quem executa essas decisões é precisamente a sociedade

Pelo que, a existir alguma subordinação jurídica há mais apoio legal da subordinação jurídica

da sociedade aos sócios do que o inverso basta pensar-se na dissolução da sociedade.

Quando a sociedade adopta uma determinada decisão que impõe aos sócios uma

determinada conduta, estas assumem a forma de obrigação e não uma ordem no sentido de

uma disciplina a obedecer e, para além disso, quem a adopta por excelência são os próprios

sócios que ao deliberarem ou estipularem tais obrigações se vinculam a si mesmos.

Menezes Leitão50, a propósito do poder disciplinar, discorda da construção de Ramella, mas

faz ainda uma referência ao poder organizativo da sociedade que de acordo com alguns

autores poderia justificar o eventual poder disciplinar da sociedade noutros moldes quanto à

sua fundamentação. De acordo com este autor o papel de execução do contrato atribuído à

48 Neste sentido, Avelãs NUNES, O Direito..., pp. 32-33. 49 A subordinação da vontade de um ente jurídico à vontade de outrem e que se traduz numa ordem a que

uma dada pessoa teria de obedecer, por legalmente estar obrigada a obedecer, é algo que só faz sentido

numa relação de contrato de trabalho, faz parte da sua essência, tentar transpor esta relação para o nível societário é algo de absurdo. O sócio ao contratar a instituição de uma sociedade ou aderir a ela não cria

uma relação de subordinação à sociedade, pelo contrário, é a sociedade que a partir daquele momento vai

promover e executar o interesse do sócio, se assim não fosse tal pessoas nunca seria sócio pois com certeza

não veria satisfeito os seus propósitos em relação à sociedade satisfeitos. 50 Menezes LEITÃO, Pressupostos..., p. 25.

Page 24: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

24

sociedade “não é um entrave à existência de um poder disciplinar, pois este pode-se verificar entre

contraentes, como acontece no contrato de trabalho”. Defendendo que o poder disciplinar da

sociedade não depende da existência de uma autonomia entre a sociedade e o contrato, mas

sim do facto de o próprio contrato se considerar ou não um contrato cuja execução careça

de um poder disciplinar entre as partes. Afirma, à semelhança de Giorgio Fornasiero51 que

da configuração jurídica da sociedade dada pelo artigo 980º do CC e pelo artigo 2º do

CSC resulta um contrato onde não há uma troca de prestações, mas antes a realização

delas ordenadas em função da prossecução em comum de uma actividade económica com

fins lucrativos e atribui naturalmente um elemento organizativo conformador de toda a

actividade societária. Esta organização implicaria que neste tipo de contratos tenha de

estar presente o elemento poder de acordo com Fois52

. Pelo que, na organização o ente

colectivo iria dispor de poderes específicos onde se inclui o poder disciplinar na

prossecução do objecto social.

Menezes Leitão põe em causa esta construção pois considera excessivo considerar haver

uma subordinação jurídica dos sócios à autoridade da sociedade que lhe permita impor

sanções aos sócios, acabando por recusar a possibilidade de existir um poder disciplinar da

sociedade ainda que fundamentado na organização que a sociedade preconizaria, afigurando-

se uma critica correcta. De resto, por qualquer forma que se tente construir ou fundamentar

uma disciplina da sociedade sobre os sócios terá sempre as dificuldades acima expostas, pelo

que, ainda que procurando configurá-la noutros moldes será sempre excessivo e uma

inversão dos papéis subordinar os sócios ao ente que eles próprios criaram para servir os

seus interesses e fins. Não é concebível que sejam os sócios a promover ou executar os

interesses da sociedade, quando muito não os prejudicar. Não devem ser autonomizados os

interesses dos sócios dos interesses da sociedade porque o que promove o interesse da

sociedade promove igualmente os interesses dos sócios e vice-versa, não faz sentido atribuir

à sociedade um interesse próprio e autónomo do dos sócios.

51 Giorgio FORNASIERO, Organizzazione e intuitus nelle societá, Pádua, CEDAM, 1984, pp. 77 e segs..

Page 25: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

25

4.1.3 A teoria contratualista

Os defensores53 desta tese entendem que o fundamento da exclusão tem sede no contrato

social. A exclusão seria ditada em razão do interesse dos outros sócios em excluir da

sociedade um sócio que prejudicasse a vida societária e com isso a execução do contrato que

lhe deu origem.

Assim, de acordo com a fundamentação defendida por esta doutrina, a exclusão seria uma

resolução por incumprimento do contrato de sociedade. A sociedade através da exclusão

romperia a relação contratual que a ligava ao sócio excluído. Na origem deste acto estaria a

conduta menos própria, do sócio excluído, que não adoptando uma conduta de

cumprimento das suas obrigações, decorrentes do próprio contrato de sociedade e de

colaboração para com ela, prejudicaria ou impediria o normal desenvolvimento do objecto

social. A assunção desta teoria teve desde logo por efeito considerar que o contrato de

sociedade não tinha uma base personalística, um intuito personae. Para Dalmartello54 a exclusão

de um sócio deixou de por fim à sociedade porque actualmente dar-se-ia mais importância à

conservação da sociedade enquanto empresa do que à figura do sócio55. Assim, a resolução

do contrato originava a exclusão do sócio incumpridor e não a extinção da sociedade através

da dissolução. Portanto, para Dalmartello56 a exclusão seria “uma resolução por incumprimento do

contrato, temperada por força da aplicação do princípio conservativo da empresa”.

Alguma doutrina italiana57 indicou como obstáculo a esta teorização o facto de que o

instituto da resolução por incumprimento contratual só puder ser aplicável aos contratos em

que exista uma correspectividade entre a prestação e a contraprestação, o que não ocorria no

contrato de sociedade. Dalmartello58 resolve a questão e, na sua obra, indica que no contrato

de sociedade é possível aplicar o instituto da resolução por incumprimento contratual através

da concepção do contrato de sociedade como um contrato de tipo plurilateral. De acordo

52 FOIS, Cláusula di Gradimento e Organizzazione delle societá per Azioni, Milão, 1979, p. 51 nota 50. 53 O principal defensor desta teoria foi Dalmartello. 54 DALMARTELLO, L´esclusione..., pp. 75 e segs.. 55 Sem que com isso se caia na teoria da disciplina taxativa legal. Note-se que actualmente, sobretudo nas

designadas sociedades de capital a pessoa do sócio perde importância e se se tiver em conta as sociedades anónimas essa importância é quase inexistente. 56 DALMARTELLO,56 L´esclusione…, pp.105-106. 57 BRUNETTI foi um dos críticos, tendo adoptado a teoria da disciplina taxativa legal criticou a construção

contratualista afirmando que “A teoria contratualista contrasta com a essência plurilateralda relação da

sociedade escolhida pelo código” (obra e autor citado, pp. 484-485).

Page 26: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

26

com este autor59 o nexo do contrato de sociedade, por ser um contrato plurilateral,

caracteriza-se por se verificar uma correspectividade entre a prestação de um único sócio e a

totalidade das prestações dos outros sócios. Isto permite que mesmo saindo o sócio excluído

se mantenha o contrato de sociedade, por via do sinalagma entre a sociedade e os restantes

sócios, que se mantêm. Pode-se ainda apontar a esta doutrina a dificuldade resultante das

situações de exclusão em que não está em causa o cumprimento de obrigações por parte

sócio perante a sociedade, ou seja, casos de exclusão relacionadas com obrigações que se

afastam desses deveres sociais e até mesmo situações de exclusão que não envolvem nenhum

tipo de incumprimento contratual.

A teoria contratualista é dominante em Itália, sendo defendida por Aulleta60, Galgano61 e

Simoneto62, com a excepção de Brunetti63. De facto a posição adoptada por Dalmartello

acaba por ter apoio na própria lei ao consagrar-se nos artigos 1420º, 1459º64 e 1466º do

respectivo código civil a concepção do contrato plurilateral, fundamental para a sustentação

da sua teoria e de toda a tese contratualista.

4.2 POSIÇÃO A ADOPTAR

Em Portugal todo o estudo da exclusão de sócio foi, até hoje, dominado pela obra de Avelãs

Nunes65, autor que acabou por defender igualmente o fundamento contratual da exclusão

aderindo à teoria contratualista, ainda que com algumas nuances institucionalistas. De acordo

com o pensamento deste autor “(...) a exclusão de sócios, configurada e actuada no interesse social, visa

garantir a estabilidade da empresa social, no interesse da economia em geral e no interesse da comunidade dos

sócios, satisfazendo do mesmo passo exigências do próprio comércio jurídico”66.

58 DALMARTELLO,58 L´esclusione..., p.108. 59 Que de acordo com Avelãs Nunes (obra citada, p. 40, nota nº 30) seguiu a construção originalmente

protagonizada por ASCARELLI (in Appunti, II, 1931, pp. 18 e segs. e Il contrato plurilaterale, Saggi

Giuridici, 1949, pp. 259 e segs.). 60 AULLETA, La risoluzione del raporto sociale per inadepimento, RTDPC, 1955, pp. 525 e segs.. 61 GALGANO, Le societá di Persone, Trattato di Diritto Civile e Commerciale, Vol. XXVIII, 1972, pp. 277

e segs. 62 SIMONETTO, Fallimento del socio e esclusione, Rivista delle Societá, IV, 1959, p. 159 e In tem di

esclusione di socio, RDC, VI, 1960, Vol. II, pp. 50 e segs. 63 BRUNETTI, Tratado..., pp. 484-485. 64 Em especial o artigo 1459º do código civil que consagra a ideia de que a resolução do contrato para uma

das partes, quando plurilateral, não resolve em princípio o contrato em relação às restantes partes. 65 Avelãs NUNES, O Direito..., pp. 60 e segs. 66 Avelãs NUNES, O Direito..., p. 47.

Page 27: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

27

Desta forma, para Avelãs Nunes, o fundamento jurídico do instituto da exclusão de sócios

deriva directamente da noção do contrato de sociedade. O contrato de sociedade é

caracterizado por este autor como sendo um contrato de fim comum e como organização

económica que é deve ser estável. Pelo que, a sociedade terá a faculdade ou direito –

potestativo a meu ver – de excluir um sócio que prejudique ou levante obstáculos à

realização do fim comum que está presente no contrato de sociedade. Da mesma forma

poderá a sociedade promover a exclusão de sócio que perturbe e ponha em risco a

organização económica que a sociedade representa. Como esclarece este autor, “(...) as

sociedades comerciais de todos os tipos não podem ser privadas do direito de excluir do seu seio os sócios que

não colaboram na prossecução do escopo para que foram criadas (...) o direito de exclusão é consequência

necessária da própria estrutura da sociedade como contrato de fim comum, como organização económica que se

quer estável, no interesse geral e no interesse dos próprios sócios”.

A posição defendida por Avelãs Nunes parece, sem dúvida, ser reconduzível às teorias

contratualistas, ainda que com uma aproximação das teorias institucionalistas da disciplina

taxativa legal, por colocar em relevo a tutela do interesse geral presente na organização

económica. De certa forma Avelãs Nunes a parti de um interesse institucionalista67 e constrói

uma solução contratualista, o que acaba por trazer, porventura, algum eclectismo à sua

posição, ainda que o carácter contratualista pareça prevalecer, o que não ajuda muito à

correcta determinação do fundamento jurídico do instituto da exclusão de sócio apontado

por este autor.

Menezes Leitão68, entende que se deve recusar o apelo ao conceito de necessidade de conservação

da empresa, por entender que a concepção institucionalista não permite retirar conclusões

dogmáticas válidas, concluindo inclusivamente que a noção de interesse económico geral é

exterior ao direito e não explicativa. Defende então que a exclusão é um fenómeno interno

da sociedade e, nessa medida, por trás da exclusão de sócio está o interesse social e não o

interesse geral de conservação da empresa, que pressuporia a admissibilidade da exclusão

num conjunto de situações muito amplas que não se verificam.

Assim, a figura da exclusão solucionaria um conflito que se estabeleceria entre a sociedade e

o sócio, dando-se prevalência ao interesse social por se considerar superior. Conclui ainda

que o interesse geral que está por trás da exclusão é o dos sócios, aderindo à teoria

67 Avelãs NUNES, O Direito..., pp. 47 e segs. 68 Menezes LEITÃO, Pressupostos..., pp. 32 e segs..

Page 28: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

28

contratualista do interesse social, e não de terceiros em relação à sociedade, “A exclusão surge

quando o interesse social, entendido como interesse comum dos sócios na realização do contrato, vem a ser

posto em causa por um sócio que dificulta essa realização”.

Raúl Ventura69 tem uma posição ambígua, entende que não há a necessidade de encontrar

um fundamento jurídico para admitir que uma sociedade possa excluir um sócio. No

entanto, ao mesmo tempo, reconhece a utilidade de tais teorias para “explicar e porventura

justificar o regime legal ou para determinar rigorosamente extensão de tal regime”. Entende que justificar

todas as situações que possam conduzir à exclusão de um sócio com uma só teoria não é

viável, a não ser que a teoria seja tão ampla que nada teorize.

4.3 POSIÇÃO ADOPTADA

Todas as correntes aqui referidas têm algo aceitável e criticável, porém umas mais que outras.

O fundamento ético-jurídico da figura da exclusão de sócio não radica só numa ordem de

interesses mas sim em várias, que têm um grau de importância variável. Destes interesses

acaba um só por ser o original e verdadeiro, sendo os restantes reflexos e consequências

deste interesse predominante. Como já foi visto anteriormente, regra geral, as sociedades

comerciais são constituídas por vários sócios, que através de um contrato vão reunir esforços

e dar início a uma actividade comum. Para o efeito constituem uma entidade autónoma, com

personalidade jurídica e vontade própria, que terá por missão executar o contrato celebrado

pelos sócios. Daqui resulta que a sociedade é criada a partir do contrato de sociedade que,

enquanto contrato de fim comum, irá ter como missão levar a cabo o interesse comum dos

sócios.

A este propósito, pode-se colocar um conjunto de questões fundamentais. Desde logo se

impõe saber se a sociedade promoverá o interesse comum de forma totalmente

independente da vontade dos sócios. A resposta a esta questão é negativa, os sócios após a

constituição da sociedade mantêm uma importante intervenção na vida societária, pelo

menos nas sociedades por quotas.

Coloca-se então a questão de como conciliar esta intervenção dos sócios com a

personalidade e vontade jurídica própria da sociedade. Esta intervenção é perfeitamente

conciliável porque, apesar de dispor de personalidade jurídica e constituir um ente com

Page 29: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

29

existência própria, a sociedade só existe por uma razão, para executar as vontades e fins

comuns dos sócios reunidos através do contrato de sociedade por eles celebrado, e para a

qual tem capacidade jurídica. Daqui se pode então concluir que a sociedade existe por causa

dos interesses e vontades comuns dos sócios, pelo que ela mais não é do que um braço, uma

extensão dos próprios sócios, tendo a sua existência suporte no interesse comum dos sócios

que está constantemente presente na sociedade. Numa palavra a sociedade e a sua autonomia

são um meio de execução dos interesses comuns dos sócios. Note-se que o interesse comum

dos sócios não está só presente na sociedade no início da sua actividade, mas também ao

longo da sua existência, basta pensar-se na alteração do objecto social e, porque não, na

própria dissolução da sociedade. São matérias do interesse dos sócios e que podem produzir

efeitos em várias esferas jurídicas exteriores à sociedade e aos sócios, e é tão só sobre eles

que recai a decisão de o fazer ou não, cabendo à sociedade, enquanto ente autónomo e

subordinado à vontade dos sócios, apenas executá-las e aos terceiros nesta relação sócio-

sociedade suportá-las.

Que conclusão se pode retirar? Pode-se concluir que a sociedade foi criada e existe para

executar os interesses dos sócios, seja em que altura for e que a sua personalidade jurídica e

vontade própria estão sempre ao serviço dos interesses dos sócios e são, nessa medida,

simples meios de execução dos interesses comuns deles reunidos no pacto social. Por outras

palavras, a sociedade existe e vive para os sócios.

De acordo com o atrás exposto, a exclusão de sócio há de necessariamente ser promovida

no interesse dos sócios e não da sociedade enquanto ente autónomo face aos sócios, ainda

que em termos formais a exclusão seja promovida pela sociedade. A vida societária interessa

em primeiro plano aos sócios e a mais ninguém. Num segundo plano, obviamente, a

exclusão poderá promover interesses de terceiros. Prejudicando um sócio a vida societária e,

com isso, pondo em risco a sobrevivência da sociedade poderá por em colapso outros

interesses para além dos dos sócios, como os dos trabalhadores da sociedade, credores,

clientela e até interesses mais genéricos como os da economia, etc.. Mas, nenhum destes

interesses é tão importante como os dos sócios, basta imaginar-se a decisão dos sócios em

dissolver a sociedade pondo em causa os interesses dos terceiros mencionados. O que

podem fazer estes para tutelar os seus interesses perante tal decisão dos sócios? Nada, os

69 Raúl VENTURA, Sociedade..., pp. 45-46.

Page 30: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

30

sócios são livres em decidir o destino da sociedade, do ente autónomo que eles criaram para

prosseguir os seus fins e interesses.

Do ponto de vista do interesse tutelado com a exclusão de sócio não há dúvidas que é o

interesse dos sócios que está em causa e, reflexamente, o da sociedade. É essencialmente no

seu interesse dos sócios que é promovida a exclusão daquele que prejudica o bom

funcionamento da sociedade, pois o bom funcionamento da sociedade só aos sócios diz

directamente respeito.

Numa primeira abordagem parece haver uma incoerência, uma vez que o sócio está

prejudicar directamente a sociedade e não os sócios, mas não há de facto de qualquer

incoerência, a sociedade materializa interesses dos sócios e, neste sentido, a sociedade

intermedeia os interesses destes, e é precisamente o que ocorre na exclusão. Afinal são os

sócios que tem a última palavra na decisão de excluir um sócio, a sociedade limita-se a

executar a decisão do colectivo. E excluem esse sócio porque deixou de partilhar com os

restantes um interesse e fim comum, que deve estar presente em todos os momentos no

contrato de sociedade, pondo, dessa forma, em causa os interesses dos restantes sócios,

legitimando-os a excluir aquele sócio que não mais partilha esses interesses.

Assim, com a exclusão tutelam-se, verdadeiramente, apenas interesses dos sócios, uma vez

que todos os restantes interesses não tem intervenção nem relevância no âmbito da decisão

da exclusão, nem da vida societária. O interesse da própria sociedade é uma questão falsa

porque não existe um verdadeiro interesse próprio da sociedade e autónomo dos dos sócios,

existe sim interesses dos sócios na sociedade.

Desta forma deve-se recusar a teoria da disciplina taxativa legal e do poder corporativo

disciplinar, pelas razões atrás apontadas e pelas críticas feitas no lugar próprio relativamente

a cada uma destas construções.

A formulação contratualista parece ser, ainda hoje, a mais coerente com os fins que se

promovem com a exclusão. Enquanto fundamento ético-jurídico é a que mais se aproxima

da razão de ser material da figura da exclusão. Acaba-se por cair na tutela do interesse social

configurado de acordo com a teoria contratualista do interesse social 70 por ser aquela que mais de

aproxima dos interesses verdadeiramente tutelados com a exclusão. A exclusão terá lugar

70 De acordo Pier Giusto JAEGER, in L’interesse sociale, Milão, 1972, pp. 14 e segs., existem diversas

teorias sobre a configuração do interesse social, no entanto, podem-se reunir em duas grandes teorias, as

teorias contratualistas e as institucionalistas. Na primeira o interesse social diz respeito ao interesse dos

sócios e na segunda diz respeito aos interesses dos sócios e terceiros.

Page 31: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

31

quando um sócio não cumpre as obrigações resultantes do contrato de sociedade, quer

principais, quer as acessórias ou as de conduta.

5. NATUREZA JURÍDICA DA EXCLUSÃO

5.1. A RESOLUÇÃO CONTRATUAL

Encontrado o fundamento ético-jurídico da figura da exclusão do sócio resta agora

determinar qual a figura jurídica que a exclusão reflecte no âmbito do contrato de sociedade.

Neste domínio Menezes Leitão71 defende, a meu ver com razão, que a figura da exclusão de

sócio é recondutível à figura da resolução do contrato. Sendo a resolução do contrato uma figura do

direito civil é susceptível de aplicação ao direito comercial, neste caso específico ao direito

societário. Como se sabe o direito comercial é um direito privado especial e, nessa medida,

fragmentário, recorrendo frequentemente às técnicas do direito civil para regular o que não

precisa de tratamento especial pelo direito comercial, pelo que não repugna minimamente a

ideia do recurso a um instituto do direito civil como é o da resolução de contrato. Contudo,

isto não significa que a aplicação da figura da resolução de contrato no domínio da exclusão

de sócios não careça de uma adaptação, a que podemos chamar de especialidades. Desde

logo salienta-se o facto de a resolução no âmbito da exclusão de sócio não operar

relativamente aos restantes sócios, mas tão só e unicamente face à relação do sócio excluído.

Menezes Leitão72 a este propósito entende que a exclusão é promovida pela sociedade e não

pelos sócios, constituindo este facto uma especialidade da resolução por exclusão face ao

regime geral do artigo 801º do CC. Embora formalmente a deliberação de exclusão ou de

proposição da acção de exclusão seja juridicamente imputada à sociedade, por força da sua

personalidade jurídica, discordo que seja um facto de todo relevante porque, como atrás

defendi, quem delibera a exclusão são os sócios e é a eles que cabe tomar a decisão final, a

sociedade acaba por limitar-se a executar a vontade dos sócios.

A principal dificuldade que se coloca nas teorias contratualistas, e que se põe também na

recondução da exclusão à figura da resolução do contrato é de facto a configuração do

71 Menezes LEITÃO, Pressupostos..., pp. 42 e segs. 72 Menezes LEITÃO, Pressupostos..., pp. 42, nota 44.

Page 32: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

32

sinalagma73. Os contratos, geralmente, preconizam prestações correspectivas,

desempenhando o sinalagma um papel fundamental pois é condição fundamental de

celebração e cumprimento do contrato para ambas as partes que o subscrevem. Daqui deriva

a velha regra do direito civil de que a falta de uma prestação justifica a falta da prestação

correspectiva, a excepção do não cumprimento. Mas do não cumprimento de uma prestação

pode resultar também o desinteresse do credor nela, permitindo-lhe unilateralmente resolver

o contrato nos termos do disposto no artigo 801º, nº 2, do CC.

Isto nos contratos de prestações correspectivas, no contrato de sociedade a composição do

sinalagma sofre algumas adaptações que são plenamente justificáveis em função da

especialidade do direito comercial. Como atrás se viu, o contrato de sociedade é um contrato

de fim comum e dá origem a um ente dotado de personalidade jurídica, pelo que, o

sinalagma não deve ser colocado entre a prestação de um sócio e a prestação de outro sócio

como ocorreria nos contratos de prestações correspectivas. O sinalagma deve ser colocado

noutro plano, num plano mais genérico e menos individualizado, entre a prestação de um

sócio e o resultado útil dessa prestação na sociedade74. Menezes Leitão entende que o

sinalagma no contrato de sociedade é triangular, sócio-sociedade-sócio, contudo indica que a

não existência de uma correspectividade directa entre as prestações implique, na exclusão, a

interposição do ente social, ou seja, da sociedade, concluindo que o titular do direito da

exclusão de sócio é a sociedade e não os sócios. De facto em termos formais pode ser

imputada à sociedade a exclusão, nem poderia ser de outra forma em virtude da

personalização da sociedade, mas entendo que materialmente esta não é a realidade. Como já

se viu, é aos sócios que compete valorar, através da deliberação de exclusão ou de

proposição da acção de exclusão, a exclusão ou não do sócio, e é em função dos efeitos do

comportamento, do sócio a excluir, no funcionamento da sociedade que os sócios vão

73 A palavra sinalagma deriva da expressão synallagma e relaciona-se com os contratos quando estes

consolidam um entrelaçar de obrigações. A doutrina usa o conceito de sinalagma genético para salientar as

situações em que na origem do contrato está a obrigação assumida por ambas as partes, ou seja, a obrigação

estabelecida a cada um dos contraentes constitui a razão de ser da obrigação contraída pelo outro contraente

e vice-versa.

A doutrina refere ainda o sinalagma funcional, onde o cumprimento de uma obrigação implica, em

simultâneo, o cumprimento da outra obrigação, a contraprestação respectiva. Esta ligação entre prestação e contraprestação é tão forte que qualquer acontecimento na vida de uma das prestações repercute efeitos na

contraprestação respectiva. No fundo corresponde à ideia de que na vontade dos contraentes e a execução

de cada uma das prestações só tem lugar no pressuposto lógico do cumprimento da outra. Neste sentido,

Antunes VARELA, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª, Coimbra, pp. 406 e segs. 74 Neste sentido, Menezes LEITÃO, Pressupostos..., 1995, pp. 42-43.

Page 33: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

33

decidir exclui-lo ou não. São os sócios que de facto vão decidir e não a sociedade, a

sociedade só vai executar uma vontade que, apesar de lhe ser imputada juridicamente, foi

definida pelos sócios. O sinalagma triangular não impede que a exclusão seja imputada aos

restantes sócios, pelo contrário, vem ainda dar mais força à concepção triangular do

sinalagma.

Pelo que, discordo que a exclusão exija, em razão do sinalagma triangular, a existência de um

terceiro ente na exclusão, até porque são os sócios quem melhor podem valorar os efeitos da

prestação de cada um, ou da falta dela, na sociedade. Note-se que nas sociedades civis pode

ocorrer a exclusão de sócio e não é pacífica a atribuição de personalidade jurídica a estas

sociedades.

Em conclusão, a aprovação de uma deliberação que leve à exclusão de um sócio ou à

proposição da acção respectiva, é resultado de uma valoração promovida pelos restantes

sócios da sociedade, que são chamados a esta deliberação para valorarem a conduta do sócio

a excluir e os efeitos que esta possa ter ou tem na vida societária, designadamente na

prossecução do fim comum. A operar a exclusão, ela reveste a natureza jurídica de resolução

do contrato, resolução que tem algumas especificidades face ao regime geral do direito civil,

designadamente não conduz à resolução do contrato de sociedade entre todos os sócios75,

mas tão só entre aquele sócio e os restantes sócios76, em função do sinalagma que está

presente neste contrato de fim comum, que sofre desvios em relação aos contratos de

prestações correspectivas.

5.2 NATUREZA DO DIREITO À EXCLUSÃO

Uma referência às características do direito de exclusão, ou, na expressão de Raúl Ventura,

dissolução parcial do contrato, que este assume a natureza de um direito potestativo,

constituindo, assim uma faculdade conferida à sociedade de, após a deliberação dos sócios,

por um acto unilateral extinguir uma relação jurídica. Ao sócio excluendo resta, uma vez

verificados os pressupostos da exclusão, aguardar a deliberação ou a sentença de exclusão

numa posição de sujeição.

75 Tal levaria à dissolução e não à exclusão, a dissolução é uma figura com uma tramitação própria e efeitos

diferentes da exclusão.

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34

PARTE II

1. A EXCLUSÃO DE SÓCIOS NAS SOCIEDADES POR QUOTAS

1.1 GENERALIDADES

1.1.1 A relação sócio-sociedade

O fundamento ético-jurídico da exclusão liga-se com a tutela dos interesses dos sócios em

manter a vida societária adequada à prossecução dos fins comuns para cuja execução ela

existe. Assim, as causa de exclusão enquanto motivos de facto pelos quais poderá um sócio

vir a ser excluído de um contrato de sociedade e, por força dessa exclusão, ver resolvido

relativamente a si esse mesmo contrato, hão de representar uma perturbação na vida

societária criada pela conduta de um sócio, ainda que por vezes possa não lhe seja imputável,

cujos efeitos põe em causa a prossecução do fim comum.

É da estreita relação que existe entre os sócios que instituem a sociedade e a própria

sociedade que há de resultar a exclusão, relação que é de tal forma estreita, nas sociedades

por quotas, que o comportamento de um sócio pode por em causa a viabilidade e

continuação da sociedade. Esta relação estreita entre os sócios e a sociedade é demonstrativa

da ideia de que apesar da sociedade ser autónoma dos sócios – dotada de personalidade e

capacidade jurídica própria – acaba por representar e depender dos interesses dos sócios.

Como já atrás referi, esta relação sócio-sociedade é tão mais forte conforme o tipo societário

em causa, nas designadas sociedades de capital esta relação tende a ser mais fraca, pelo que a

possibilidade de exclusão é menor, pois os sócios com o seu comportamento em princípio

não afectam a vida societária, pois pouca influência exercem no quotidiano da sociedade.

Note-se que as sociedades por quotas, sobre a qual estudar-se-á a exclusão, é tida como uma

sociedade de capital, mas a sociedade por quotas acaba por ter no ordenamento jurídico uma

grande participação dos sócios na sua gestão, aproximando-se, por isso, das sociedades de

pessoas. O mesmo não se pode afirmar relativamente às sociedades anónimas, que no

ordenamento nacional representam o expoente máximo das sociedades de capital, onde os

76 A resolução dá-se entre os sócios, pois o contrato de sociedade existe entre os sócios e não entre a

sociedade e os sócios.

Page 35: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

35

accionistas poucos poderes de gestão dispõe e, regra geral, pelo menos para os pequenos

accionistas, não se preocupam em se inteirar da vida societária, pelo que, em função de todos

estes elementos, exercem pouca influência na prossecução do fim comum da sociedade.

Assim, a figura da exclusão é praticamente irrelevante neste tipo societário.

Inversamente, nas sociedades de pessoas os sócios tem uma intervenção fundamental no dia-

a-dia da sociedade, o que deriva da sua própria responsabilidade ilimitada, e, nessa medida, a

pessoa do sócio exerce uma grande influência na gestão da sociedade e no nome comercial

desta. É nestas circunstâncias que a figura da exclusão de sócio é importante e acaba por ter

um grande relevo.

Daqui decorre que a possibilidade da exclusão de um sócio varia consoante o tipo societário,

sendo que nas sociedades de pessoas, como as sociedades em nome colectivo e em

comandita simples a pessoa do sócio é mais relevante, logo as hipóteses de exclusão são

vastas77. Pelo contrário nas sociedades de capital dada a menor importância que é atribuída à

pessoa do sócio, os pressupostos de exclusão dos sócios são mais rigorosos – artigos 241º e

242º do CSC para a sociedade por quotas – e nas verdadeiras sociedades de capital, como é o

caso das sociedades anónimas, nem sequer existe a exclusão.

1.1.2 Evolução da exclusão no direito português e as características do actual regime

Não sendo útil abordar aqui com profundidade as raízes do instituto da exclusão de sócio no

direito português, limitar-me-ei a referir que esta teve uma raiz e evolução paralela à ocorrida

no continente europeu, desde o auge do direito romano até ao seu esquecimento nas

invasões barbaras e desenvolvimento no direito medieval. Concentrando o estudo no direito

português contemporâneo, verifica-se que no código civil de Seabra, de 1867, a figura da

exclusão não estava consagrada, surgindo algum conflito entre a conduta de um sócio e a

sociedade só existia uma forma de o resolver, dissolvia-se a sociedade78. No Código

Comercial de Veiga Beirão, 1888, o artigo 221º permitia a exclusão de sócio nas sociedades

cooperativas, desde que estivesse consagrada contratualmente tal faculdade. Posteriormente

a Lei das Sociedades por Quotas de 1901, na esteira da Lei das Sociedades de

Responsabilidade Limitada alemã, estabeleceu no artigo 12º a possibilidade de exclusão do

77 Em conformidade do disposto nos artigos 186º e 242º do CSC. 78 Neste sentido, Cunha GONÇALVES, Comentário ao Código Comercial Português, I. Vol., Lisboa, 1913.

Page 36: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

36

sócio que não realize atempadamente a sua entrada. Não se afigurando nesta lei societária

qualquer outro fundamento da exclusão. Porém recorria-se a outro instituto para enfrentar

as situações em que o comportamento indecoroso de um sócio punha em causa o correcto

funcionamento da sociedade, a amortização de quotas. A amortização de quotas estava

prevista no artigo 25º da Lei de 1901 e § 34 da lei alemã, lei inspiradora da portuguesa. Esta

solução foi aceite na altura e manteve-se durante largas décadas79. Esta posição em parte era

justificada pela não distinção funcional e conceptual entre a exclusão de sócios e a

amortização de quotas80. Na Alemanha, França e Itália entedia-se que estas duas figuras eram

funcionalmente equivalentes, a amortização dizia respeito às sociedades de responsabilidade

limitada, devido ao tipo objectivo de relações estabelecidas entre os sócios, e a exclusão de

sócios era própria das sociedades de responsabilidade ilimitada, devido ao tipo subjectivo de

relações estabelecidas entre os sócios e a sociedade.

Mesmo assim, em Portugal a única referência que existia nesta altura à exclusão era nas

sociedades por quotas, que tinham responsabilidade limitada, nos restantes tipos societários

não se fazia qualquer referência à exclusão. Este cenário só foi alterado com a entrada em

vigor do Código Civil de 1966. No entanto os artigos 1003º e seguintes do CC tinham a sua

aplicação limitada às sociedades civis, permanecendo as sociedades comerciais sujeitas ao

regime resultante do Código Comercial e ao estabelecido na Lei das sociedades por quotas

de 1901. Avelãs Nunes81 defendeu então que com a entrada em vigor do novo CC se

poderiam aplicar os preceitos deste às sociedades comerciais a título subsidiário,

preenchendo as omissões existentes na lei comercial. Este entendimento permitiu separar a

exclusão da amortização e aplicar o regime da exclusão da sociedade civil às sociedades

comerciais, no entanto não teve acolhimento imediato mas sim gradual. O STJ82 veio mais

tarde a aceitar a distinção entre a amortização e a exclusão e o Decreto-lei 363/77, de 2 de

Setembro, veio permitir a aplicação do regime estabelecido para as sociedades civis sobre a

exclusão às sociedades em nome colectivo.

79 Neste sentido ia a doutrina e a jurisprudência, cfr. os acórdãos do STJ de 24.11.1933, 28.07.1939 e

17.12.1946 onde consideram que a amortização de quotas é o meio correcto para excluir o sócio e, com isso, permitir à sociedade continuar a sua actividade social em vez de dissolver a sociedade, ainda que com

o fundamento da impossibilidade do seu objecto nos casos de incompatibilização entre os sócios. 80 Neste sentido o acórdão do STJ de 15.05.1972. 81 Avelãs NUNES, O Direito..., pp. 82 Acórdão de 01.02.1977.

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37

Note-se que a posição de Avelãs Nunes foi-se cimentando e no projecto de António Caeiro,

Ferrer Correia, Lobo Xavier e Maria Ângela Coelho, bem como nos diversos projectos de

Raúl Ventura a exclusão de sócios surge de forma autónoma face à amortização de quotas.

Destes diversos projectos acabou por vingar o projecto de Coimbra tendo o legislador se

afastado das posições de Raúl Ventura, que ainda hoje fala em dissolução parcial do contrato.

Hoje a exclusão tem tratamento próprio no CSC, resultando do artigo 241º, nº 1 do CSC que

um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei, bem

como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato. Da

letra da lei é manifesta a intenção do legislador em não permitir a exclusão de um sócio que

não nestas condições estabelecidas na lei, o que é compreensível já que estamos a falar duma

situação que implica a saída não voluntária de uma pessoa que faz parte de um contrato e

que é dele colocado fora contra a sua vontade. Não pode aqui haver lugar à arbitrariedade.

A referência da lei à expressão presente lei deve ser entendida como referência a qualquer

causa legal, mesmo constante de diploma avulso, que não o CSC, mas aplicável às sociedades

por quotas, excluindo-se desta forma a aplicação do artigo 1003º do CC que não é direito

subsidiário neste caso nem recorrendo-se à analogia. Porque não existe lacuna no CSC, o

qual contém uma regulamentação especial, completa e independente da exclusão dos sócios

nos artigos 241º, 242º e o artigo 186 º do CSC. Daqui resulta que o direito de excluir um

sócio só surge quando se verifique um dos casos, que para esse mesmo efeito, esteja previsto

na lei ou no contrato de sociedade, pondo-se, assim, totalmente de parte a possibilidade de a

sociedade poder excluir um sócio de forma arbitrária ou com base num facto que não esteja

previsto na lei ou no contrato como idóneo para justificar a exclusão. Sendo assim necessário

a nível do contrato determinar com rigor o que dá origem à exclusão, isto porque o contrato

pode prever outras situações que levem por exemplo à amortização da quota que em termos

práticos conduz ao mesmo efeito mas por uma via diferente e com consequências

diferentes83.

Page 38: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

38

1.1.3 Classificação das causas de exclusão

Segundo Raúl Ventura84, a doutrina italiana através dos artigos 2286º, 2287º e 2288º do Codice

Civile, estabeleceu uma classificação entre as espécies de exclusão de sócios, a exclusão de

direito, artigo 2288º (falência do sócio e execução da quota por credor), a exclusão judicial,

artigo 2287º (exclusão de um sócio nas sociedades com dois sócios) e a exclusão voluntária

ou facultativa, artigo 2286º (incumprimento grave das obrigações legais ou sociais,

interdição, inabilitação, condenação e interdição de cargos públicos, perecimento da entrada,

etc.). Esta classificação não é, contudo, aplicável no ordenamento jurídico português, pelo

menos nas sociedades por quotas85, isto porque no CSC não se estabelecem exclusões de

direito e regime da exclusão dos sócios prevê situações diferentes das dos italianos, não

fazendo qualquer tipo de enumeração taxativa ou exemplificativa das causas legais de

exclusão. As situações que no nosso ordenamento podem originar a exclusão estão

espalhadas pela lei societária e pelos pactos sociais. Ainda que as causas exclusão dependam

de prévia deliberação dos sócios, não é equiparável à exclusão facultativa do artigo 2286º do

Codice Civile.

Sendo ainda de salientar, segundo este mesmo autor, e com razão, que não seria possível nos

termos do artigo 246, nº1 , alínea c), do CSC, estipular no pacto social a exclusão automática

ou de direito de um sócio porque a exclusão de sócios está sempre subordinada a uma

deliberação do colectivo de sócios da sociedade86. Vai de encontro ao que atrás defendi, a

propósito do fundamento ético-jurídico da exclusão, onde a última palavra sobre a exclusão

é dada pelos sócios, são eles que melhor posição tem para valorar a conduta de outro sócio e

os efeitos que esta pode ter na vida societária, bem como a oportunidade ou conveniência da

exclusão naquele momento, através de deliberação do colectivo de sócios. A partir do

esquema legal da exclusão português é possível estabelecer outra ordem de classificação,

consoante o critério que a preside. Assim, pode-se efectuar uma classificação relativa à

exclusão de acordo com a fonte que as institui, podendo estar-se perante uma causa de

83 Neste sentido, Raúl VENTURA, Sociedade..., p. 50. 84 Ver do mesmo autor, Sociedade..., p. 47. 85

Segundo Raúl Ventura estas classificações poderão no entanto ter algum interesse para efeitos de

aplicação dos artigos 1003º do CC e 186º do CSC. 86

Cfr. parecer de Antunes VARELA a propósito de tal previsão nas Sociedades Anónimas, Cláusula de

Exclusão de Sócios em Estatutos de Sociedades, Colectânea de Jurisprudência 1987, pp. 1-7.

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exclusão legal ou contratual. Quanto à forma como a exclusão de sócio, esta pode operar por

deliberação dos sócios ou por sentença judicial. Por fim, quanto à causa da exclusão, esta

pode ser especificamente enunciada ou genericamente enunciada.

No que diz respeito à segunda classificação, quanto à forma como operam, as duas

classificações de acordo com esse autor são paralelas e nesse sentido as causas legais e as

contratuais tanto podem ter lugar por deliberação dos sócios como por sentença judicial,

conforme na lei assim for estabelecido ou no contrato assim for estipulado. Relativamente às

causas de exclusão, as causas legais operantes por deliberação dos sócios são todas

especificamente enunciadas e assim também devem ser as causas contratuais. Genericamente

enunciadas estão as causas legais operantes por sentença judicial, o que é compreensível,

dado o risco que poderia existir se coubesse ao colectivo de sócio, por si só, decidir a

exclusão com fundamento numa causa genericamente enunciada, lhes daria uma grande

margem de discricionariedade que não deve ter lugar numa matéria tão sensível quanto aos

interesses em causa como a da exclusão.

2. AS CAUSAS DE EXCLUSÃO NAS SOCIEDADES POR QUOTAS

2.1 CAUSAS LEGAIS DE EXCLUSÃO DE SÓCIO POR DELIBERAÇÃO DA SOCIEDADE

As causas de exclusão de sócio através de deliberação dos sócios por causa especificamente

prevista na lei, vêm estabelecidas no artigo 241º, nº 1, do CSC. Estas situações estão contidas

ao longo da lei societária, pelo que não se encontram enunciadas neste artigo e fundamenta-

se em factos diversos.

2.1.1 A exclusão fundada no não cumprimento de prestações de entrada

Dispõe o artigo 204º do CSC que o sócio que não realizar no prazo estabelecido na

interpelação a prestação da entrada, em falta, fica sujeito à exclusão e a perda total ou parcial

da quota.

Não promovendo o sócio a entrada de capital em falta a lei comina-lhe a consequência da

exclusão. Contudo, tal exclusão não é, como foi anteriormente visto, automática, depende de

Page 40: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

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prévia deliberação do colectivo de sócios e só depois de este órgão decidir a exclusão da

sociedade é que esta tem lugar.

2.1.1.1 Particularidades da exclusão do sócio remisso

Esta primeira situação de exclusão de sócio, que abrange o sócio remisso que falta ao

cumprimento de prestações suplementares de capital, é um caso com várias particularidades

no regime aplicável e com efeitos diferentes do regime geral da exclusão. De salientar desde

já que enquanto a exclusão leva à amortização da quota, nos termos dos artigos 241º, nº 2, e

242º, nº 3, do CSC, a exclusão do sócio remisso leva à perca da quota e dos pagamentos das

entradas já parcialmente realizados, nos termos do artigo 204º, nº 1, do CSC87. Raúl

Ventura88 entende, que a exclusão neste caso se baseia em três pressupostos:

a) A mora no cumprimento da prestação;

b) O aviso do sócio remisso, de acordo com o artigo 204º, nº 1;

c) A não realização da prestação até à data da deliberação.

Este autor separa analiticamente estes três pressupostos, cuja verificação cumulativa seria o

fundamento da exclusão. Referindo a propósito da anterior lei das sociedades por quotas que

“a responsabilidade por mora existe desde a data em que se devia efectuar a prestação (...) e o aviso por carta

registada não a condiciona nem altera, embora manifestamente a mora termine se o sócio avisado cumprisse a

obrigação”89.

Menezes Leitão90 discorda deste ponto de vista, pois defende que, “o efeito da verificação conjunta

destes três pressupostos é a transformação da mora em incumprimento definitivo, sendo este último o que

fundamenta a exclusão”. Refere que de acordo com o artigo 804º, nº 1 do CC, a constituição em

mora tem por efeito tornar o devedor responsável pelos danos que causar ao credor, excepto

o caso da verificação das duas situações do artigo 808º, nº 1 do CC:

87 Menezes Leitão justifica esta diferença do regime com base no facto de já a Lei das Sociedades por

Quotas de 1901 promover esta distinção no seu artigo 12º, referindo este mesmo autor que Santos LOURENÇO, in Das sociedades por quotas, Lisboa, 1926, p. 200, nota nº 1, sustentava esta solução do artigo

12º da Lei de 1901 por se inspirar no parágrafo 21º, alínea 3ª, da lei alemã. 88 Raúl VENTURA, Sociedades..., Coimbra, P. 154. 89 Raúl VENTURA, Sociedades por quotas de responsabilidade limitada, separata da RFDUL, Vol. XX,

1966, pp. 132-133.

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a) Perda do credor do interesse na prestação;

b) Não realização no prazo razoavelmente fixado pelo credor.

Nestes casos a mora passa a incumprimento definitivo, constituindo o caso do sócio remisso

a verificação desta segunda situação do artigo 808º, nº 1 do CC. O sócio entraria em mora,

nos termos do artigo 203º, nº 3, do CSC, quando tivesse lugar a interpelação, ficando então

obrigado a reparar os prejuízos. A lei permitiria que tal mora se transformasse em

incumprimento definitivo, efectuando o aviso por carta registada, este aviso teria uma

natureza admonitória, onde a fixação do prazo não é deixada ao arbítrio da sociedade, mas

sim fixado imperativamente, um prazo de trinta dias nos termos do artigo 204º, nº 1. Como

qualquer interpelação admonitória o aviso da sociedade por carta registada deveria conter os

seguintes elementos:

Intimação para o cumprimento;

Indicação de um prazo peremptório, neste caso de trinta dias;

A cominação do não cumprimento definitivo (dentro do prazo);

Um especifico resultante do artigo 204º, nº 1, de que fica sujeito à exclusão.

Perante a questão da exigibilidade ou não do aviso, Raúl Ventura entende que tal aviso não

teria qualquer utilidade quando a sociedade tinha conhecimento que a prestação não seria

efectuada por se ter tornado impossível, não haveria mora mas sim inexecução definitiva da

prestação, sendo dispensável o aviso, restando ao sócio impugnar a deliberação, provando a

simples mora.

Avelãs Nunes91 ia no sentido inverso, defendendo que o aviso teria sempre de ter lugar. A

posição de Raúl Ventura parece ser juridicamente sensata92, de facto o artigo 204º do CSC

tem como pressuposto a existência da mora na realização da prestação de capital, tendo o

aviso aí previsto a função de transformar a mora em incumprimento definitivo para os

efeitos do artigo 808º, nº 1, do CC. No entanto a lei impõe, através de um regime

imperativo, a obrigatoriedade de realizar tal aviso, pelo que me parece que mesmo nestas

90 Menezes LEITÃO, Pressupostos..., 1995, p. 80. 91 Avelãs NUNES, O Direito..., p. 99. 92 Neste mesmo sentido, Menezes LEITÃO, Pressupostos..., p. 83.

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situações deve sempre ter lugar tal comunicação. Por constituir um mero formalismo não

deixa de ser um pressuposto legal, e só a partir dele é que se pode sujeitar o sócio remisso à

exclusão. Note-se que de outra forma não se daria a conhecer ao sócio remisso a sua sujeição

à exclusão e, dessa forma, alheio à adopção de outras formas de evitar a perca da quota e da

parte entrada já realizada93. Constituiria a preterição de uma formalidade que é imposta pela

lei e que reputo como essencial à exclusão do sócio remisso.

Note-se que a solução proposta por Menezes Leitão94 no caso de impossibilidade definitiva

não culposa de o sócio devedor se exonerar e a sociedade, por força do artigo 793º, nº 1, do

CC, e reduzir proporcionalmente a sua quota de acordo com o que o sócio houvesse pago,

excepto verificação do nº 2 do mesmo artigo, não tem cabimento legal porque não é possível

ocorrer a exoneração enquanto a quota não estiver totalmente liberada de acordo com o

disposto no artigo 240º, nº 2, do CSC. A exclusão do sócio remisso não é uma consequência

automática e, por outro, pode a sociedade, sem o recurso aos preceitos do CC, reduzir a

quota do sócio remisso nos termos do artigo 204º, nº 1, do CSC, à parte correspondente à

entrada já realizada. Esta faculdade pode ter lugar por pedido do próprio sócio remisso e, se

ele não tiver conhecimento da sujeição à exclusão por intermédio da segunda comunicação,

não poderá usar de tal faculdade, pelo que, é impreterível que este aviso tenha lugar.

Um efeito específico que a exclusão do sócio remisso acarreta é a perda da quota e dos

pagamentos parciais já efectuados. Alguma doutrina e jurisprudência entenderam este efeito

como uma sanção, uma pena imposta pela sociedade ao sócio, a fim de tornar mais coercível

a obrigação de realizar o capital, uma vez que nestas sociedades o capital é a única garantia

dos credores95. Como foi anteriormente visto, a propósito da fundamentação ético-jurídica

da figura jurídica da exclusão, deve-se rejeitar qualquer consideração sancionatória ou

penalista da exclusão. O facto de o sócio remisso excluído perder a quota e entrada já

realizada é apenas uma consequência da exclusão. O legislador teria de optar entre restituir

93 O sócio sempre poderia ceder a quota ou tentar, no prazo fixado na lei, obter o montante em falta. 94 Menezes LEITÃO, Pressupostos..., 1995, p. 84. 95 Neste sentido, Avelãs NUNES (obra e autor citado p. 37, nota 22) e Acórdão do STJ de 24.06.1955, BMJ,

nº 49, p. 548.. Menezes LEITÃO (autor e obra citada, p. 86) a este propósito entende que a perca da quota e

dos pagamentos desta já realizados justificar-se-ia pelo carácter de sinal da entrada. Contudo, não me parece que nesta situação aplica-se o disposto no artigo 442º do CC, porque como resulta do artigo 440º do

CC regra geral as quantias entregues no momento da celebração do contrato são tidas como antecipação

total ou parcial do pagamento, salvo se outra for a vontade das partes, altura em que adquire a natureza de

sinal. Neste contexto não encontro fundamento quer legal quer contratual que no domínio societário possa

atribuir à entrada parcialmente realizada a natureza de sinal.

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ou não a quantia já entregue à sociedade, tendo optado pela sua perca em favor da sociedade.

Por certo, fê-lo no intuito de tornar a exclusão nestas situações mais gravosa e tendo em

vista incentivar o sócio remisso a cumprir a prestação de capital em falta, em vez de aguardar

a exclusão e, com isso, a restituição da entrada já realizada. Se ocorresse esta última hipótese

colocar-se-ia em risco a certeza e a segurança dos negócios jurídicos, bastaria a um sócio

mais precavido realizar a parte obrigatória da sua entrada e, aguardando pelo

desenvolvimento da actividade da sociedade, em momento posterior decidir, em função dos

resultados da sociedade, se realiza o capital em falta ou não. Se concluísse que a sociedade

não teria sucesso financeiro limitar-se-ia a não cumprir a obrigação de entrada, deixava-se

excluir e ainda teria direito a reaver a quantia entregue. Seria a fórmula mágica de investir

sem riscos e deixaria a sociedade numa situação delicada assim como os sócios não remissos

que seriam responsáveis solidariamente pelo cumprimento da entrada em falta. Assim, para

além de o sócio remisso perder a quota e a respectiva entrada feita por conta dela permite-se

à sociedade recorrer à sua venda para realizar o capital em falta, e se o produto da venda

exceder o capital em falta deve o excesso ser restituído ao sócio remisso. Pelo que, a solução

legal é aquela que melhor serve os interesses da sociedade e dos sócios não remissos, não

tendo a opção legislativa qualquer intuito sancionatório ou penal.

2.1.1.2 A exclusão operada por credores

Outra questão que se levanta é a de saber se os credores da sociedade poderão desencadear

com base no artigo 30º do CSC, em substituição da sociedade, o processo do artigo 204º,

excluindo o sócio quando a sociedade não o faça. Note-se que o artigo 30º do CSC confere

legitimidade aos credores da sociedade para em substituição desta exercerem os direitos dela

quanto às entradas dos sócios.

Avelãs Nunes96 entendia, ao abrigo do regime anterior, que tal seria possível, pois, se assim

não fosse, os credores não teriam por outro meio acesso às regras dos artigos 13º e 14º da lei

de 1901, que pressupõe a exclusão do sócio. Menezes Leitão, face ao regime actual, entende

que tal não seria possível, de acordo com esse autor o artigo 30º, nº 1, alínea a), mais não é

do que uma manifestação do princípio da acção sub-rogatória do artigo 606º do CC, e esta

não pode ser exercida quanto a direitos que só possam ser exercidos pelos respectivos

96 Avelãs NUNES, O Direito..., p. 103.

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titulares e neste caso, estando em causa o interesse social, não lhe parece que os credores o

pudessem fazer, acrescentando ainda que o argumento de Avelãs Nunes perde actualidade

face ao disposto no artigo 207º, nº 4, que pode ser desencadeada pelos credores ao abrigo do

artigo 30º, nº 1, alínea a).

A construção de Avelãs Nunes está de facto desfasada e perde o sentido perante o regime

actual, relativamente à posição de Menezes Leitão o resultado a que chega parece-me

correcto, contudo, não me parece ser necessário recorrer ao instituto da acção sub-rogatória

para justificar a impossibilidade de os credores promoverem a exclusão. De facto trata-se e

uma simples questão interpretativa da alínea a) do nº 1 do artigo 30 do CSC. Se a expressão

exercer os direitos da sociedade inclui o direito a promover a exclusão do sócio ou não. Parece-me

que da interpretação da lei não é possível que os credores, ao abrigo deste preceito do CSC,

nem ao abrigo de qualquer outro preceito legal, o possam fazer. Como foi anteriormente

explorado, a exclusão é um instituto jurídico que essencialmente visa tutelar interesses dos

sócios, sem prejuízo de reflexamente ao proteger-se os interesses dos sócios tutelarem-se

interesses de terceiros, e, nesse sentido, a lei atribuiu a competência de excluir ao colectivo

de sócios, quer para num caso deliberar a exclusão, quer noutro caso deliberar a proposição

da necessária acção judicial de exclusão. Pelo que, os sócios exercem no processo de

exclusão um papel fundamental que não pode ser exercido por terceiros, não só porque a lei

não lhes confere nem tal competência, nem tal legitimidade em nenhum preceito legal97 e,

por fim, só aos sócios é possível determinar os efeitos que a conduta remissa de um

determinado sócio pode ou não inviabilizar a actividade comum que a sociedade exerce e a

conveniência de excluir ou não um sócio98. Neste contexto não faria sentido os credores ao

abrigo do artigo 30º, nº 1, alínea a), do CSC poderem promover a exclusão do sócio

remisso99, seria caricato distribuir-se pelos credores o capital da sociedade para deliberarem e

obterem a maioria necessária para excluir um sócio. Obviamente os poderes conferidos por

este artigo limitam-se à interpelação e, eventualmente à proposição de uma acção executiva

97 Refira-se que nas situações previstas no artigo 30º do CSC, a lei só excepcionalmente confere

legitimidade a terceiros. 98 O facto de um sócio estar numa situação de falta para com a sociedade não quer dizer que ele não seja

fundamental para a sociedade, basta pensar-se naquelas situações, que não são raras, em que o prestígio de

uma sociedade deriva da pessoas dos sócios. 99 Também neste sentido ver, Teresa ALVARENGA, Da Exclusão..., p. 17.

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contra o sócio remisso ou aos restantes sócios, uma que vez que são responsáveis de forma

solidária para com o cumprimento da capital social da sociedade.

2.1.2 Exclusão de sócio pelo não cumprimento de prestações suplementares

O artigo 212º, nº 1 do CSC prevê outro caso de exclusão de sócio, nesta situação a exclusão

poderá ter lugar quando ao sócio seja exigível alguma prestação suplementar, para além da

obrigação de entrada. Esta disposição remete para o disposto nos artigos 204º e 205º do

CSC, pelo que, por força desta remissão o não cumprimento da prestação suplementar

poderá conduzir o sócio inadimplente à exclusão da sociedade.

2.1.3 A exclusão fundada na falta de outras prestações acessórias

Esta possibilidade decorre do artigo 209º, nº 4, onde o CSC dispõe que o incumprimento

das prestações acessórias não afecta a situação do sócio, salvo se houver disposição

contratual em contrário. A lei permite assim à sociedade excluir o sócio que falta ao

cumprimento de outras prestações, designadamente acessórias desde que tal consequência

esteja prevista no contrato. Contudo como refere Menezes Leitão100 a opção legislativa é

estranha, porque o incumprimento de uma prestação acessória pode ter efeitos mais graves do

que a não realização do capital por parte do sócio remisso. Como no exemplo dado por este

último autor, o de não efectuar suprimentos obrigatórios ao abrigo do artigo 244º, alínea a),

do CSC, pode ter efeitos e consequências para a sociedade iguais ou mais devastadoras do

que o não cumprimento da prestação de entrada101. Por certo, está-se perante uma

incoerência legal a rever numa oportunidade futura.

2.1.4 A exclusão por uso inadequado de informação societária

É outro caso de exclusão de sócio resultante da lei, está estatuída no artigo 214º, nº 6, do

CSC, e ocorrerá nos casos em que o sócio socorra-se de informação prestada pela sociedade,

100 Ver do mesmo autor, Pressupostos..., p. 89, nota nº 60. 101 Sobretudo se tivermos em conta que é prática normal nas sociedades por quotas os suprimentos serem

de valor superior ao da própria quota.

Page 46: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

46

ao abrigo deste mesmo artigo, e com essa informação venha a prejudicar injustamente a

sociedade ou outros sócios. Tal sócio para além de ficar responsável pelos prejuízos que daí

possam advir fica ainda sujeito à exclusão da sociedade. É uma opção correcta do legislador

e que deveria ter sido igualmente consagrada para as sociedades anónimas.

2.1.5 A exclusão como medida adequada para satisfazer um direito

Segundo Raúl Ventura102, pode ainda haver lugar a exclusão com fundamento no artigo 50º,

nº 1, do CSC. No caso de ser proposta acção para fazer valer o direito conferido pelo artigo

45º desse mesmo código, seria admissível de acordo com este autor que a sociedade ou um

dos sócios requeresse ao tribunal a homologação da exclusão de sócio como uma medida

adequada para satisfazer o direito do autor e em ordem a evitar a consequência jurídica a que

a acção se dirige. Esta construção parece-me não ser de todo criticável, de facto não se

encontra uma razão que obste à promoção da exclusão como forma de satisfazer o direito

do autor naquelas circunstâncias e evitar assim a dissolução da sociedade.

2.2 A JUSTA CAUSA DE EXCLUSÃO E O DIREITO À EXONERAÇÃO

O artigo 240º, nº 1, b), do CSC atribui o direito de exoneração aos sócios quando a

sociedade não exclua um sócio por justa causa. A lei vem aqui estabelecer uma válvula de

escape ao permitir a um sócio, isolado ou não, que peça a sua exoneração da sociedade, em

virtude de existindo uma justa causa de exclusão, de um outro sócio, esta não tenha sido

promovida.

De acordo com Menezes Leitão103 poderíamos interpretar este preceito de três formas:

“a) Demonstraria que nem em todos os casos em que se verificasse um direito de exclusão e a

sociedade não excluísse o sócio, poderia haver direito de exoneração dos restantes sócios, mas só

naqueles casos restritos em que a exclusão tivesse justa causa;

102 Raúl VENTURA, Sociedades..., p. 51. 103 Menezes LEITÃO, Pressupostos..., pp. 89 e segs., nota nº 98, no entanto este autor aborda este preceito

simultaneamente com o artigo 185º, nºs 1 e 2, alínea b), do CSC, por razões do âmbito do objecto de estudo

não será analiso este último preceito por dizer respeito às sociedades em nome colectivo.

Page 47: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

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b) Significaria que os outros sócios teriam direito de exoneração em caso de verificação de qualquer

dos pressupostos de exclusão especialmente previstos na lei;

c) Demonstraria que o regime jurídico da exclusão se funda por inteiro numa cláusula geral de justa

causa, aparecendo os casos especialmente previstos na lei como mera enumeração exemplificava e

tendo os sócios direito à exoneração quando, em qualquer situação justificativa da exclusão de um

deles, a sociedade não deliberou excluir o sócio”.

Menezes Leitão inclina-se pela terceira opção, entende que com esta interpretação que os

pressupostos da exclusão, apesar de se fundarem em cláusulas gerais, de algum modo se

reconduzem a situações de não cumprimento do sócio ou violação por este dos deveres

acessórios de conduta. De acordo com este autor, tendo a relação societária um carácter

duradouro, coloca-se a questão se estes casos vistos esgotam as situações em que pode ter

lugar a exclusão de sócio, isto porque as vicissitudes que a sociedade pode vir a sofrer ao

longo do tempo podem levar a que seja do interesse social excluir o sócio por se terem

alterado as circunstâncias que justificavam a sua presença na sociedade.

Avelãs Nunes104, ao admitir a exclusão como uma figura do instituto de resolução por

incumprimento dos contratos, admite que para além desses casos, que a sociedade deveria

sempre poder excluir um sócio quando motivos graves o justificassem. Assim, nos contratos

sociais estaria sempre inserida de forma tácita uma cláusula, pela qual, os sócios se

reservariam ao direito de excluir o sócio sempre que a permanência na sociedade fosse

incompatível com a prossecução do interesse comum. Salientando ainda que tal solução

derivaria do princípio da boa fé, pois segundo este último autor, constituiria um abuso de

direito o sócio querer permanecer na sociedade sabendo que a sua simples presença é

impeditiva do bom desempenho da sociedade. O direito de exclusão de sócio, nestas

situações, fundar-se-ia numa interpretação do artigo 239º do CC.

Para Menezes Leitão105 esta construção seria desnecessária, porque provoca uma

heterogeneidade de pressupostos de exclusão com fundamentos diferentes que prejudica

uma elaboração científica dos pressupostos da exclusão e colocaria em causa a protecção dos

104 Avelãs NUNES, O Direito..., Coimbra, 1968, pp. 265 e segs. 105 Menezes LEITÃO, Pressupostos..., pp. 100-101.

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sócios assim o impõe. Pelo que, a exclusão legal devia ter lugar apenas perante os

pressupostos do tipo legal de resolução do contrato.

Este último autor resolve a questão da limitação das situações tipificadas de exclusão,

recorrendo à inserção, da figura da exclusão de sócio, no seu género, o instituto da resolução

dos contratos. Assim, para além das situações de incumprimento, os contratos em geral

podem ainda ser resolvidos com fundamento em alteração anormal das circunstâncias em

que as partes fundaram a decisão de contratar, artigo 437º do CC. Este preceito permitia a

aplicação de acordo com o tipo concreto de contrato e, como aplicação subsidiária,

asseguraria a tutela dos sócios tal como aliás assegura em qualquer outro contrato.

Atento os argumentos utilizados, quer por Avelãs Nunes, parece-me não ser necessário, pelo

menos face ao regime actual, tentar construir um sistema que permita a exclusão noutras

situações de carácter mais genérico e, mesmo que tal construção fosse necessária, não parece

a solução encontrada por este autor a melhor. A ideia de estabelecer que sociedade deveria

ter o direito de poder excluir um sócio quando motivos graves o justificassem não é absurda,

mas parece-me absurdo o meio encontrado por Avelãs Nunes, recorrendo a uma cláusula

tácita que resultaria do contrato e da sua interpretação ao abrigo do artigo 239º do CC. A

aceitar uma tal construção ter-se-ia que admitir igualmente a aplicação desta ideia a todos os

contratos que tivessem um carácter duradouro, com todos os inconvenientes que daí

resultam, designadamente a falta de certeza e segurança nas relações jurídicas. Enquanto

cláusula tácita o seu conteúdo acabaria sempre por depender duma vontade presumida dos

sócios cujo conteúdo seria sempre susceptível de criar situações jurídicas embaraçosas, como

de abuso de direito pela maiorias e minorias.

Menezes Leitão, procurando contornar os problemas inerentes à construção de Avelãs

Nunes, aceita no essencial a sua construção, contudo, em vez de recorrer à cláusula tácita de

resolução, aplica directamente o instituto da resolução de contratos. A ideia está correcta,

afinal sendo o contrato de sociedade um contrato, nada impede que se recorra ao artigo 437º

do CC, que consagra a o instituto da resolução contratual por alteração anormal das

circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, para colmatar as lacunas do

regime jurídico da exclusão previsto no CSC. No entanto, pelas mesmas razões acima

apontadas, não me parece viável aplicar directamente o instituto da resolução e contratos

prevista no CC. Sem prejuízo da natureza jurídica da exclusão, que acima referi insere-se no

instituto jurídico da resolução, não me parece correcto aplicar, a todos os casos de exclusão

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49

não previstos no CSC, o artigo 437º do CC. Como atrás foi dito, do artigo 241º do CSC

resulta que a exclusão de sócio só pode ter lugar nas situações legalmente previstas, fora

destas, tendo em conta a gravidade que representa a exclusão e os efeitos que esta provoca

aos nela interessados, a lei restringe a exclusão às situações legalmente previstas106. E coloca-

se então a questão, e nas situações não previstas na lei? Sendo certo que a lei nunca consegue

prever todas as situações susceptíveis de gerar, entre a conduta de um sócio e a sociedade,

perturbação da vida societária há que encontrar uma solução que evite este impasse. E a

solução existe, resulta directamente da lei comercial, não há a necessidade de se recorrer à

interpretação do contrato nos termos do artigo 239º do CC nem tão pouco recorrer ao artigo

437º do CC107.

É o próprio CSC que estabelece uma válvula de escape, uma causa genérica de exclusão, no

artigo 242º, que mais à frente se analisará, e que visa exactamente responder a esta situação,

sendo, assim, desnecessário recorrer a um instituto do direito civil, com efeitos e

consequências diferentes, quando a o direito comercial resolve a questão de forma directa e

especial face ao direito civil. Se o que se procura é excluir o sócio deve-se dar prioridade à

exclusão porque é a figura própria para o fazer e não recorrer a figuras de aplicação genérica

e não adaptadas às especificidades das sociedades comercias. Resolver um contrato por

ocorrer uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de

contratar pode ter lugar mas, por certo, fundada em factos distintos aos que podem levar à

exclusão.

Voltando à questão original, da justa causa que permite aceder à exoneração, parece-me, em

coerência com o que agora se escreveu, que o seu sentido será o da verificação de qualquer

causa legalmente admitida para a exclusão, quer específica, quer genérica. Nem poderia ser

outro o sentido, porque qualquer causa de exclusão representa um situação grave e

perturbadora do funcionamento da sociedade, não faria sentido, a propósito da aplicação

deste preceito estar a distinguir o que seria uma justa causa de exclusão e o que não seria.

Esta faculdade legal de exoneração vem, de certa forma, confirmar a ideia desenvolvida

quanto aos interesses que estão tutelados com a figura da exclusão de sócio, a ideia de que o

106 Os casos de exclusão especialmente previstos na lei não constituem no meu entender uma enumeração

exemplificativa. 107 Com isto não se quer dizer que não tinha aplicação no contrato de sociedade a previsão do artigo 437º

do CC, este tem aplicação, porém, não a propósito da exclusão de um sócio.

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50

grande e principal interesse protegido com a exclusão são os dos sócios, que não ocorrendo

a exclusão podem exonerar-se por não verem os seus interesses reflectidos na sociedade.

Assim, não sendo promovida a exclusão, o que pode ocorrer por diversas razões, porque não

foi proposta a deliberação dos sócios a exclusão, ou porque tendo sido não foi aprovada,

poderão os sócios, que não o excluendo, decidirem-se pela exoneração.

3. CAUSAS CONTRATUAIS DE EXCLUSÃO POR DELIBERAÇÃO DOS

SÓCIOS

3.1 GENERALIDADES

Como já se viu, a exclusão é promovida no interesse dos sócios e, nessa medida, também da

sociedade. Sendo certo que ninguém como os sócios, pelo menos nas sociedades por quotas,

conhecem quais são os seus interesses e os da sociedade. A lei ao considerar o conjunto de

situações legais que levam à exclusão teve em conta uma panóplia de acontecimentos que

prejudicam a vida societária e consagrou-as como causas legais de exclusão, nestas situações

a própria lei presumiu a existência de um prejuízo ao interesse social. Tendo em conta que é

de todo impossível ao legislador antecipar todas as situações que coloquem em risco a

prossecução pela sociedade do interesse social o artigo 241º do CSC vem abrir a porta para a

possibilidade de a exclusão de sócio ter por fundamento, para além das causas legalmente

previstas na lei, uma estipulação contratual. Os sócios, os verdadeiros interessados numa

vida social sã, estão nas melhores condições, em que mais ninguém está, para determinarem

quais são as condutas ou comportamentos que podem por em causa a vida societária. Podem

assim, a coberto da lei societária, estipular na constituição ou em momento posterior108 no

pacto social as causa contratuais de exclusão que bem entenderem.

108 Na hipótese de cláusula de exclusão não originária, mas superveniente, ou alteração à existente, no pacto

social aplicam-se as regras dos artigos 233, nº 2 e 241, nº 1 do CSC.

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51

3.2 A ADMISSÍBILIDADE E OS LIMITES INTERNOS DAS CLÁUSULAS DE EXCLUSÃO

No direito privado desde sempre se admitiu que as partes estipulassem cláusulas resolutivas

expressas como uma forma de acautelar os seus interesses, tendo tal princípio consagração

expressa no artigo 432º, nº 1, do CC. O contrato de sociedade na qualidade de negócio

jurídico bilateral do direito privado não é uma excepção a esta regra sendo, portanto,

perfeitamente legitimo que as partes tutelem o seu interesse no pacto social através de

cláusulas contratuais resolutivas. Mas põe-se, e correctamente, a questão de qual o âmbito da

exclusão dentro destas cláusulas. Se teria um âmbito ilimitado ou, pelo contrário, estaria

sujeito aos limites mínimos impostos pelo princípio da boa fé. Como refere Menezes

Leitão109 “Poder-se-á, por exemplo, admitir a estipulação de uma cláusula ad nuntum?”.

Como se tem referido ao longo do trabalho a exclusão de sócio é uma figura que põe em

confronto e em causa interesses diversos que pela gravidade dos efeitos que ela produz a lei

necessariamente tem de limitar a sua aplicação. A possibilidade de se dar à exclusão legal um

âmbito sem limites colocaria, por certo, em causa os mais elementares princípios do direito

privado, como o da boa fé, da segurança nos negócios jurídicos e da igualdade entre as

partes, para não referir outros como o da protecção das minorias e das maiorias.

Pelo que, será de todo lógico à partida caracterizar a exclusão contratual como uma

faculdade sujeita aos mais elementares princípios do direito, recusando-se desde já à partida

uma exclusão contratual ilimitada nas suas causas.

Note-se que da própria configuração legal da exclusão resulta que ele é um instituto

condicionado à verificação de certos motivos ou causas relevantes para o interesse social, e

será esse mesmo interesse social que deverá funcionar como bitola das causas de exclusão

contratual, pois sendo este interesse social o fundamento ético-jurídico da exclusão, há de ser

um limite intrínseco da exclusão contratual. A exclusão operada em função de uma causa

contratual há de necessariamente reflectir um interesse social relevante e não um mero

capricho de um ou mais sócios, operando como um limite interno à estipulação próprio do

instituto da exclusão.

109 Menezes LEITÃO, Pressupostos..., p. 106.

Page 52: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

52

Cabendo à sociedade fazer a prova desses motivos que constituem o seu direito nos termos

gerais do artigo 342º, nº 1, do CC, Aulleta110 refere que na possibilidade de a sociedade não

conseguir fazer prova desses factos ou ao tornar públicos esses factos puder ser prejudicada,

levanta a questão se no contrato de sociedade poderiam os sócios se defender contra estas

situações através da estipulação de uma cláusula resolutiva não sujeita a limites.

Segundo Aulleta haveriam três cláusulas capazes de produzir esse resultado:

a) Não permitir o recurso pelo sócio ao Tribunal para apreciar os fundamentos da

exclusão;

b) Inverter o ónus da prova dos motivos de exclusão;

c) Considerar residir na deliberação o fundamento da exclusão.

A primeira é de todo inadmissível no nosso ordenamento jurídico, não está na disposição

das partes afastar a intervenção dos tribunais, excepto na situação dos tribunais arbitrais,

pelo que seria nula por contrária à lei e à ordem pública nos termos do artigo 280º, nº 2, do

CC e artigo 1º do CPC. No actual Estado de Direito seria intolerável esta limitação aos

direitos individuais. É um reflexo das ideias defendidas na teoria do poder corporativo

disciplinar e demonstrativo da inadmissibilidade desta corrente doutrinária.

Raúl Ventura111 a propósito deste problema, das cláusulas que impedem a apreciação pelos

tribunais das deliberações de exclusão, conclui que tal não seria uma cláusula que admita a

exclusão ad mortum. A sociedade com tal cláusula teria liberdade total para poder excluir

arbitrariamente um sócio. Porém tal não decorreria necessariamente da cláusula, pois esta

não desobriga à necessária existência de uma deliberação de exclusão. A invalidade da

cláusula resultaria sim da ideia de retirar a uma relação jurídica a garantia judiciária, uma

forma diferente de ver o problema e de resolver a questão com resultados idênticos quanto à

inadmissibilidade de tal estipulação.

A segunda solução apontada por Aulleta cai igualmente por terra perante o disposto no

artigo 345º, nº 1, do CC, que acarreta a nulidade deste tipo de convenções probatórias que

110 AULLETA, Il Diritto Assoluto d’Esclusione nelle Societé de Persone, Scritti giuridici in onore de

Francesco Carneluti, Vol. III, Pádua, 1950, pp. 670 e segs. 111 Ver do mesmo autor, Sociedades..., p. 52-53.

Page 53: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

53

para além de dificultarem a prova, neste caso do sócio excluendo seria de factos negativos,

retirariam aos tribunais a livre apreciação da prova.

Quanto à última, considerar residir na deliberação dos sócios da sociedade o fundamento da

exclusão, leva a que a vontade maioritária tenha um papel fundamental na exclusão,

deixando para um segundo plano, como que irrelevante, o fundamento material da exclusão

e, assim, deixando o sócio excluendo nas mãos da maioria.

Pelo que, se já no âmbito das deliberações sociais em geral se põe a problemática de tutelar

as minorias aqui, no domínio da exclusão, a tutela das minorias tem ainda mais justificação,

não sendo por isso admissível tal solução contratual como forma de obviar ou aligeirar o

procedimento de exclusão contratual de sócio. Note-se que esta solução não é de hoje, já

Avelãs Nunes112 no seu estudo sobre a exclusão entendia que a admissão de tal cláusulas,

ainda que limitadas pelo instituto do abuso de direito, não era protectora das minorias.

Assim, se conclui que mesmo baseada em estipulação contratual, a exclusão terá sempre que

ocorrer com base em uma causa que terá de ser alegada e provada pela sociedade, estando

ainda sujeita a um controlo jurisdicional.

A este propósito Avelãs Nunes113 citando Auletta114, refere que os interesses que podem

justificar a exclusão contratual de um sócio podem corresponder ao interesse:

Social colectivo, respeitante à prossecução conjunta do objecto social;

Social individual, respeitante ao interesse individualizado de cada sócio em prosseguir

o objecto social sem com isso sofrer constrangimentos;

Extra-social, respeitante à exclusão motivada por interesses não directamente

relacionados com a prossecução do objecto social.

Aulleta refere que as únicas circunstâncias com a capacidade de justificar a exclusão

contratual de um sócio, hão de ser as relevantes em ordem ao interesse social colectivo e ao

interesse social individual115. O interesse extra-social fica de fora, pois refere-se a factos que

não são susceptíveis de controlo jurisdicional e como tal insusceptíveis de servirem de base à

exclusão contratual, no entanto, admite perante certos condicionalismos a possibilidade de

112 Avelãs NUNES, O Direito..., pp. 231 e segs. 113 Avelãs NUNES, O Direito..., pp. 251? e segs. 114 AULLETA, Il Diritto..., pp. 671 e segs.

Page 54: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

54

haver exclusão contratual motivada por interesses extra-sociais, contudo criticáveis por

trazerem um cunho muito personalizado ás sociedades e tornar o leque da exclusão

contratual muito vasto e ir além daquilo que já referi acima quanto aos critérios que hão de

delimitar as situações de exclusão contratual. Raúl Ventura116 considera que esta questão

parece hoje ter pouco interesse perante o nosso actual regime, porque existindo uma relação

entre a exclusão de um sócio e a amortização da quota, muito do que não possa ser acordado

no contrato de sociedade como causa de exclusão sempre poderá servir de fundamento à

amortização. Mas, chama a atenção para alguns aspectos, designadamente às restrições que

resultam do artigo 241º, nº 1, do CSC. E mesmo quanto a estas causas sempre entende que

se pode colocar a questão se estas causas podem fundamentar a exclusão se não forem

relevantes para a colaboração social, que como acima se concluiu não seria possível. Este

autor, contudo, indica que se estas cláusulas estão previstas no pacto é porque alguém as

considerou relevantes para a questão da colaboração social, e essa alguém são os sócios.

Assim, para este autor o limite da estipulação contratual lícita é fixado pelas regras gerais dos

limites da autonomia da vontade, como não ser contrária à lei, bons costumes, etc.

Menezes Leitão117 conclui que as cláusulas de exclusão estipuladas desempenham um papel

caracterizador do regime legal de exclusão e, assim, o regime da exclusão estaria delineado

em função do tipo societário em causa, permitindo aos sócios estipular casos específicos de

exclusão (resolução do contrato) por incumprimento, adequando o regime legal da exclusão

às situações específicas de cada sociedade.

A posição adoptada por Raúl Ventura não é meritória, pois não é o facto de os sócios

promoverem a amortização da quota em vez da exclusão que resolve o problema, pelo

contrário, tais práticas vêm ainda agudizar mais o problema.

A posição defendida por Menezes Leitão parece-me aproximar-se das necessidades actuais.

De facto, a consagração legal da possibilidade conferida pela lei de os sócios estipularem as

situações em que julgam ser conveniente excluir um sócio, vem permitir que os sócios

procurem adaptar as situações legais de exclusão às suas necessidades próprias, colmatando

as situações não previstas na lei.

115 Este último no sentido de não alteração dos sacrifícios impostos aos sócios. 116 Ver deste mesmo autor, Sociedades..., pp. 52 e segs.. 117 Menezes LEITÃO, Pressupostos..., pp. 117-118.

Page 55: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

55

Porém as situações que não estão previstas como causa de exclusão nem sempre são

relevantes ou pura e simplesmente a lei não quis que elas fossem aptas a justificar a exclusão.

Assim, os sócios poderão estipular situações não previstas na lei como operadoras da

exclusão, porém, podem fazê-lo dentro de limites, desde logo deve representar a tutela de

um interesse social, dos sócios e da sociedade, e deve ainda não colocar em causa a boa-fé, o

abuso de direito e o direito das minorias. Em concreto a validade da estipulação só poderá

ser verificada em juízo, não sendo assim possível estipular contratualmente que a decisão de

exclusão contratual de um sócio não contenciosamente impugnável. Relativamente ao

recurso de outras figuras, cujos efeitos se aproximem da exclusão, como é o caso da

amortização, parece-me ilícito utilizar a amortização para promover outros fins como o da

exclusão, seria um fraude à lei e uma forma fácil de contornar a tutela dos direitos e

interesses que o regime legal da exclusão visa proteger.

3.3 OS LIMITES EXTERNOS À ESTIPULAÇÃO DAS CLÁUSULAS DE EXCLUSÃO

Para além dos limites internos ao próprio instituto da exclusão há ainda que ter em conta os

limites fixados de forma positiva pela própria lei, designadamente pelo artigo 241º do CSC.

Em conformidade do disposto neste preceito um sócio só pode ser excluído, com

fundamento na estipulação do contrato de sociedade, por uma causa relacionada à sua

pessoa ou ao seu comportamento. Assim, a estipulação de exclusão contratual terá que dizer

respeito à pessoa ou comportamento do sócio por imposição legal, tudo o que não diga

respeito a nenhum dos dois elementos apontados pela lei não poderá servir de suporte a uma

cláusula de exclusão.

Porém, só parte do problema da limitação fica resolvido, porque a limitação legal não deixa

de ser vaga e genérica, dentro da construção legal do comportamento ou da pessoa do sócio podem

ser subsumidas muitos factos respeitantes quer à pessoa do sócio, quer o seu

comportamento. Estes limites à estipulação são completados pelos acima indicados, ou seja,

para além das causas fixadas no contrato deverem obedecer aos limites externos fixados no

artigo 241º, nº 1, do CSC, devem ainda respeitar os limites internos do próprio instituto da

exclusão. Deve-se ter em conta que o regime da exclusão está construído em função de cada

tipo social, pelo que, se admite que as partes estipulem no contrato social casos específicos

Page 56: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

56

da resolução por incumprimento com o fim de adequar os pressupostos da exclusão à

situação específica da sociedade dentro destes limites.

4. PROCESSO DE EXCLUSÃO NAS CAUSAS LEGAIS E CONTRATUAIS

ESPECÍFICAS

4.1 DELIBERAÇÃO DE EXCLUSÃO

Comum a todos os casos de exclusão em que não é exigida sentença judicial é a necessidade

de esta deliberada pelo colectivo sócios, artigo 246º, nº 1, alínea c), estando o sócio

excluendo impedido de votar de acordo com o artigo 151º, nº 1, alínea d), do CSC. No que

respeita à maioria não determinando o regime da exclusão uma maioria própria aplica-se o

disposto no artigo 250º, nº 3, do CSC, ou seja, basta a maioria simples.

4.2 A REMISSÃO PARA O REGIME DA AMORTIZAÇÃO

O artigo 241º não prevê de forma directa qual o regime que é aplicável à exclusão promovida

com fundamento em causas especificamente previstas na lei, isto porque nessas situações a

própria lei determina o que sucede à participação do sócio excluído, como é o caso da

exclusão do sócio remisso ou pela falta do cumprimento de prestação suplementar. No

entanto nas restantes situações de exclusão especificamente prevista na lei não existe a

indicação de qual o regime que regerá o destino atribuído à quota do sócio excluído. No

entanto, não levanta qualquer dificuldade a supressão desta lacuna através da aplicação a

estas situações do regime da amortização de quotas que é aplicável por força da lei a todas as

restantes situações de exclusão.

O artigo 241º, nº 2, do CSC determina que ao procedimento de exclusão de um sócio são

aplicáveis as regras da amortização de quotas. Esta remissão tem de necessariamente ficar

limitada ao regime da amortização de quota sem o consentimento do sócio, ainda que nada

impeça que um sócio tendo conhecimento da sua provável exclusão antecipe-se e requeira

Page 57: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

57

amortização da sua quota ou a sua exoneração se tal for possível, sendo que nesta última

hipótese estaremos evidentemente fora do âmbito da exclusão118.

O artigo 235º, nº 1, do CSC tem um especial relevo pois fixa a contrapartida a que o sócio

excluído tem direito. Mas, temos de ter em atenção a regra especial prevista no artigo 241º,

nº 3, do CSC, que permite ao contrato de sociedade estabelecer, para o caso da exclusão, um

valor ou critério para a determinação do valor da quota diferente do preceituado para os

casos de amortização. Nestas situações fica afastada aplicação do artigo 235, nº 1, do CSC.

O sócio formalmente excluído pode manter-se algum tempo na sociedade, mas nunca voltar

a ser sócio porque não faz em sede de exclusão aplicar a remissão directa, e outras vezes

indirecta, para o artigo 225º, nº 4 e 5, 235º, nº 3 e 236º, nºs 3, 4 e 5, todos do CSC. Assim, se

a sociedade escolheu a aquisição da quota , os efeitos desta ficam suspensos enquanto a

contrapartida não for paga, mas não sendo paga tempestivamente a contrapartida o sócio

não pode escolher a amortização parcial da quota por que foi excluído, resta-lhe efectivar

judicialmente os seus créditos contra a sociedade.

4.3 A EXCLUSÃO NA FASE DE LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE

A entrada em liquidação da sociedade, ou seja, o desencadeamento do processo de extinção

de uma sociedade, não afasta em absoluto a possibilidade de decorrer na pendência desse

processo a exclusão de um sócio119.

No entanto, impõe algumas mudanças, a perturbação do funcionamento da sociedade e o

prejuízo que daí possa advir não serão analisados pelos mesmos critérios que seriam se a

sociedade estivesse em plena actividade crescente, pelo contrário, haverá uma actividade

decrescente, se não estiver mesmo inactiva. Haverá sempre que ter em conta que procurando

a exclusão resolver o contrato relativamente a um determinado sócio e a dissolução resolver

o contrato para todos os sócios e sempre será questionável o interesse, em perante os efeitos

eminentes da dissolução, promover a exclusão. Por ventura haverá interesse em actuar desta

118 Neste sentido, Raúl VENTURA, Sociedades..., Coimbra, p. 54, esta situação é diferente da que acima

critiquei onde se excluía um sócio através da amortização para contornar as dificuldades impostas pelo

regime da exclusão.

119 Neste sentido, Raúl VENTURA, Sociedades..., p. 56.

Page 58: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

58

forma, desde logo a sociedade poderá estar temporariamente activa e até pode ocorrer

regresso à actividade por deliberação caso estivesse inactiva.

4.4 A EXCLUSÃO NAS SOCIEDADES COMPOSTAS POR DOIS SÓCIOS

Antes da entrada em vigor do CSC, Avelãs Nunes entendia que nas sociedades por quotas

seria válida a deliberação tomada apenas por um sócio, desde a votação desse único sócio

correspondesse à maioria exigida para tornar tal deliberação válida. Solução diferente da

preconizada pelo CC no artigo 1005º, nº 3, onda para as sociedades civis se determina que a

exclusão, na hipótese de serem apenas dois sócios, deve ser proferida pelo tribunal120. No

entanto, este mesmo autor entendia que nos casos em que o motivo da exclusão estivesse

ligado à pessoa do sócio, este estaria impedido de votar, como tal deliberação seria válida por

reunir a unanimidade dos votos, mas recomendava, à cautela, que se invocasse o artigo

1005º, nº 3 do C.C. por analogia e, assim, a exclusão fosse proferida pelo tribunal.

Regra geral a existência de apenas dois sócios não impede que sejam tomadas deliberações

sociais com as maiorias correspondentes aos votos tidos por cada sócio. Estando um dos

sócios impedidos de votar contam-se só os do que pode votar. Porém em situações paralelas

o próprio CSC impõe o recurso ao tribunal, como é o caso de destituição de gerente por

justa causa previsto no artigo 257º, nº 5.

Ghidini121 refere que a ser assim, na deliberação de exclusão, assim como outras deliberações

importantes para a vida societária, se colocaria um sócio sob o poder absoluto do outro in

balia del altro. Mas contra este argumento se pode argumentar que o outro sócio e a sociedade

teriam de suportar o sócio excluído e os efeitos que a sua presença teria na sociedade durante

a pendência da acção e se tivermos em conta a morosidade normal dos tribunais essa demora

será sempre um factor a ter em conta. Também é verdade que sempre será possível recorrer

a medidas cautelares para o sócio excluído não ficar afastado da sociedade caso deseje

impugnar judicialmente a exclusão. Tal orientação que protege o sócio excluendo, forçando

o outro a recorrer à via judicial.

120 Esta solução é próxima da estabelecida pelo artigo 2287º, nº 3, do código civil italiano, no entanto,

existe uma diferença substancial, no preceito italiano determina-se que neste tipo de acções a legitimidade

processual activa cabe ao sócio não excluendo e não à sociedade. 121 Autor citado por Raúl Ventura, Sociedades.., p. 57.

Page 59: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

59

Quer numa orientação quer noutra encontram-se expedientes de protecção quer do sócio

excluído, quer do outro sócio e da sociedade.

Raúl Ventura122 entende que dos artigos 1005º, nº 3, do CC, 186º, nº 3 e 257º, nº 5, do CSC,

resulta uma orientação legislativa que procura proteger o sócio excluendo e, nessa medida, o

outro sócio será forçado a recorrer à via judicial para promover a exclusão. No entanto

reconhece que esta posição tem se ser adaptada ao regime das sociedades por quotas. Dessa

adaptação resultaria que a exclusão por intermédio do tribunal não teria lugar quando se

tratasse de uma causa especificamente fixada na lei, por entender que nestes casos a lei fixa

os termos em que ela deve se dar. Nos restantes casos, entende este autor, que a exclusão, no

caso das sociedades compostas apenas por dois sócios, deve operar com a intervenção do

tribunal. Nesta última hipótese defende ainda que a acção de exclusão não carece de prévia

deliberação social, devendo a acção, à semelhança do que ocorre 2287º do código civil

italiano, ser proposta pelo outro sócio contra o sócio a excluir123.

Relativamente à posição defendida por Raúl Ventura, parece-me que está muito influenciada

pela doutrina italiana. Ainda que o actual CC português tenha recebido alguma influência do

código civil italiano, o que é certo é que nesta matéria a solução adoptada pelo legislador é

diferente e, por certo, não o é por acaso mas sim porque quis se afastar da solução italiana.

Por outro, convém ter presente a diferente estrutura comercial italiana, que como se sabe

adoptou um critério definidor da comercialidade diferente do nosso, o da empresa comercial,

que é extensível às sociedades comerciais.

Há que ter em conta que a aplicação, no ordenamento jurídico português, das regras da

sociedade civil à sociedade comercial só ocorre em situações muito próprias, artigo 2º do

CSC. E da análise do CSC não parece resultar alguma lacuna neste domínio, aplicam-se as

regras gerais sobre as deliberações sociais. Note-se que nos casos em que o legislador

entendeu ser necessária uma adaptação desse regime às deliberações nas sociedades

122 Ver do mesmo autor, Sociedades..., p. 58. 123 A própria posição adoptada por Raúl VENTURA a defender em algumas casos a intervenção do tribunal

para promover a exclusão, que em princípio deveria ocorrer por mera deliberação da sociedade, acaba por

ser incoerente. Este autor apela à intervenção dos tribunais nestas hipóteses com o fim de evitar que um sócio fique na mão do outro, no entanto acaba por reconhecer que a mesmo após a exclusão o sócio

excluído pode impugnar a tal decisão. Como ele mesmo escreveu (obra e autor citado, p. 60) tudo não

passa de uma questão formal de o tribunal intervir antes ou depois da exclusão, defendendo que se os

sócios conhecem, especificamente, por via lei ou do contrato que podem ser excluídos com o seu

comportamento não há a necessidade de haver um controlo jurisdicional prévio à exclusão.

Page 60: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

60

compostas apenas por dois sócios estabelceu um regime especial, o que não ocorre

relativamente à exclusão.

Das duas uma, ou estamos perante uma lacuna, a resolver de acordo com os critérios fixados

no CSC, ou simplesmente o legislador entendeu não ser necessária na exclusão nenhuma

regra especial, como ocorre na destituição de gerente por justa causa prevista no artigo 257º,

nº 5. Parece-me não haver aqui a necessidade de se estabelecer uma regra especial dentro do

regime geral das deliberações sociais, nem tão pouco recorrer ao regime das sociedades civis.

A posição do sócio excluído é perfeitamente salvaguardada através dos procedimentos

cautelares existentes, designadamente, pela suspensão de deliberações sociais. Note-se que o

sócio excluído pode até nem por em causa a sua exclusão e, mesmo que o faça, sempre pode

contar com a intervenção do tribunal a controlar o mérito da exclusão. Por fim o prejuízo do

sócio incorrectamente excluído é, com certeza, inferior do que o que a sociedade teria com a

sua presença enquanto não houvesse sentença do tribunal.

Assim, é perfeitamente admissível a exclusão operada por deliberação social, nas sociedades

compostas por dois sócios, mesmo estando o sócio a excluir impedido de votar124.

5. EXCLUSÃO DE SÓCIO POR VIA JUDICIAL

5.1 GENERALIDADES

Seguindo a classificação atrás efectuada relativamente ao modo como é operada a exclusão

de sócio resta agora analisar a exclusão de sócio por via judicial. O CSC, no que diz respeito

às sociedades por quotas, para além da exclusão por via de deliberação da sociedade, prevê

ainda a exclusão de sócio por via judicial, ou seja, por decisão judicial, é o que resulta do

artigo 242º do CSC. Esta distinção, como se viu noutro lugar, tem por base um critério que

resulta da própria lei e não da doutrina. O artigo 241º, já analisado, prevê a exclusão por

deliberação e o artigo 242º, sobre o qual agora se debruçará o estudo, estabelece a exclusão

por via judicial, ou seja, por intermédio de uma decisão do tribunal. A distinção levada a

124 Note-se que na hipótese do artigo 257º, nº 5, do CSC, relativo à destituição de gerente com justa causa, a

questão é mais delicada, daí a necessidade de prévia intervenção do tribunal. Como facilmente se

compreenderá a intervenção de um gerente numa sociedade é fundamental à actividade normal da

sociedade, é diária, ao invés do sócio onde a sua intervenção só é fundamental nas matérias que são da

competência do colectivo de sócios.

Page 61: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

61

cabo pelo legislador tem razão de ser no fundamento que leva à exclusão de sócio, enquanto

a exclusão por deliberação da sociedade é promovida nos casos que tem como fundamento

um facto para o qual a lei ou contrato de sociedade especificamente culminam a exclusão, a

exclusão judicial terá lugar quando a sociedade promova a exclusão de sócio com

fundamento num facto que está genericamente formulado na lei, mais concretamente no

artigo 242º do CSC.

Sendo este facto susceptível de uma subsunção na formulação genérica prevista na lei por

razões de segurança jurídica o comportamento do sócio deve ser apreciado e valorado por

um ente independente aos interesses em discussão, o tribunal. No entanto, como escreve

Raúl Ventura125 “O processo de exclusão por deliberação dos sócios não afasta a intervenção do tribunal;

apenas a difere para depois da exclusão, à qual o sócio pode opor-se impugnando a deliberação tomada pela

sociedade. Isto compreende-se porque a previsão, na lei ou no contrato, do facto justificativo da exclusão habita

os interessados ao conhecimento directo e seguro da situação existente”.

No fundo a distinção operada pela lei para distinguir as situações de exclusão por deliberação

social das situações de exclusão por via judicial tem por fio orientador o princípio da

segurança jurídica. Enquanto nas hipóteses que admitem exclusão por deliberação dizem

respeito a comportamentos dos sócios que estão em concreto e especificamente previstos na

lei ou no contrato, sendo por isso do conhecimento dos sócios, só incorre nesse

comportamento o sócio que o desejar e sabendo à partida que pode ser excluído, o que não

ocorre na exclusão judicial. Verificados os pressuposto legais ou contratuais de exclusão por

deliberação fica na disponibilidade da sociedade fazer uso do seu direito potestivo de excluir

o sócio que praticou um acto tipificado na lei ou no contrato como susceptível de

fundamentar a exclusão.

O mesmo não ocorre na exclusão por via judicial, esta exclusão tem por base uma conduta

que não está em concreto e especificamente descrita na lei ou no pacto social, pelo contrário,

está genericamente formulada pela lei. Assim, a subsunção de uma conduta de um sócio a

essa previsão genérica, por razões de segurança jurídica e para evitar abusos tem de ser

previamente analisada pelo tribunal e só este, a pedido da sociedade, poderá promover ou

não a exclusão do sócio, consoante a decisão a que chegue do confronto da conduta do

sócio com a previsão genérica da lei.

125 Ver do mesmo autor, Sociedades..., p. 60.

Page 62: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

62

A exclusão judicial acaba por ser uma válvula de escape126 de todo o regime da exclusão,

porque não conseguindo a lei e o contrato antever especificamente todas as situações em que

pelos sócios é posto em causa o interesse social, dos sócios e a prossecução do fim comum

pela sociedade, a única solução seria munir a sociedade de um meio que lhe permitisse

superar estas condutas e circunstâncias imprevisíveis, sem ter de recorrer ao instituto geral da

resolução, designadamente através do artigo 437º do CC. A única forma de o fazer era

consagrar uma causa de exclusão genérica do tipo cláusula geral ou através de conceitos

indeterminados, de forma a permitir uma análise individual e concreta de cada caso e

ponderados todos os interesses em jogo adaptar a norma a cada situação e em cada

momento127.

5.2 PRESSUPOSTOS DA EXCLUSÃO JUDICIAL

Por força do disposto no artigo 242º, nº 1, do CSC, a exclusão judicial depende da

verificação de dois factos, ou seja, é mister que no caso concreto se verifiquem duas

situações de ordem distintas, que devem, assim, ser alegados e provados pela sociedade. Só

após a verificação comulativa destes dois requisitos legais é que o tribunal pode decretar a

exclusão do sócio128.

1º Factos respeitantes ao comportamento do sócio

Que sejam qualificados como desleais ou como gravemente perturbadores do

funcionamento da sociedade.

2º Factos relativos aos prejuízos causados

Prejuízos causados ou a causar à sociedade com aquele comportamento desleal ou

gravemente perturbador da prossecução do interesse comum.

126 Em sentido inverso, Teresa ALVARENGA, Da Exclusão..., pp. 38 e segs. 127 O que não é uma técnica legislativa inovadora, não faltam na nossa legislação e mesmo no CC exemplos

do recurso a conceitos indeterminados, e com um fim semelhante ao aqui se procura consagrar.

Page 63: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

63

5.2.1 Factos respeitantes ao comportamento do sócio

Relativamente à previsão legal da existência de um comportamento desleal ou gravemente

perturbador do funcionamento da sociedade pode-se concluir que o legislador estabeleceu

dois tipos de condutas diferentes: por um lado, apela a um comportamento desleal, um

comportamento que viole a lealdade que deve existir no relacionamento sócio/sociedade,

onde sobressaem as violações dos deveres sociais, para os quais a lei não culmine nenhum

tipo de exclusão autonomamente prevista na lei129. Uma questão que se debate neste domínio

é a da admissibilidade de a violação de deveres acessórios de conduta poder levar à exclusão

judicial do sócio prevaricador. Pela função desempenhada pela exclusão judicial nas

sociedades por quotas, parece-me que a violação de deveres acessórios de conduta é um dos

fundamentos de exclusão judicial, pois enquadra-se na formulação genérica do artigo 242º,

nº 1, do CSC e muitas causas de exclusão legal por deliberação reflectem a violação de

deveres acessórios de conduta. No entanto, mesmo no domínio da violação dos deveres

acessórios de conduta, este preceito, para além da ilicitude objectiva da violação do dever,

exige ainda a previsibilidade da verificação de prejuízos relevantes130.

Dentro do primeiro requisito da exclusão judicial a lei estabelece ainda um outro facto que

pode originar a exclusão judicial, o comportamento do sócio que seja gravemente

perturbador do funcionamento da sociedade. A relação entre este tipo de factos e o primeiro

(comportamento desleal) para efeitos do preenchimento do primeiro requisito da exclusão

judicial, é alternativa. Tanto faz o comportamento do sócio ser desleal ou gravemente

perturbador do funcionamento da sociedade, basta a verificação de um deles. No entanto,

nada impede que se verifiquem os dois cumulativamente, até porque um comportamento

desleal pode vir a ser gravemente perturbador do comportamento da sociedade, assim, como

128 Raúl VENTURA, Sociedades..., p. 60, entende que no caso particular de o sócio ser igualmente gerente

deverá ser separado o seu comportamento como gerente, podendo ser destituído do desempenho de tal

função, e a sua conduta como sócio, da qual poderá resultar a sua exclusão. 129 Nesta última hipótese aplica-se a exclusão legal estabelecida no artigo 241º do CSC e não a exclusão

judicial do artigo 242º. 130 Aqui o regime afasta-se, compreensivelemente, do das sociedades de pessoas, onde basta que a violação provoque uma ruptura da confiança depositada no sócio, enquanto nas sociedades de capital a lei exige

ainda a verificação de prejuízos na actividade social. A valoração que se faz da violação dos deveres

acessórios de conduta acaba por ser diferente nas sociedades de pessoas e nas sociedades de capital, na

primeira basta o abalo da confiança depositada em um sócio, enquanto, na segunda, é necessária a

verificação de prejuízos. Esta diferença é plenamente justificável uma vez que a pessoa do sócio e sua

Page 64: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

64

se pode qualificar um comportamento gravemente perturbador do funcionamento da

sociedade como desleal. De facto a opção legislativa é estranha, porque recorre a dois

conceitos amplos, e de certa forma abstractos, que permitem inserir diversas condutas dos

sócios dentro de e outro em simultâneo. Apesar da ténue fronteira sempre é possível afirmar

neste contexto que um comportamento desleal pode não por em causa o funcionamento da

sociedade, mas o inverso não parece possível, que um comportamento gravemente

perturbador do funcionamento da sociedade não é desleal.

5.2.2 Factos relativos aos prejuízos causados

Quanto ao segundo requisito de verificação comulativa com o primeiro, a existência de um

prejuízo relevante ou a séria probabilidade da sua existência, cabe desde já fazer aqui uma

distinção: a verificação de prejuízos relevantes, por um lado e a séria probabilidade da sua

existência, por outro. Na primeira hipótese verifica-se já o resultado da actuação do sócio, o

prejuízo relevante, nesta situação a sociedade terá de provar em juízo que aquele prejuízo

relevante, que entretanto sofreu, é resultado da conduta do desleal ou perturbadora da

sociedade, tendo de demonstrar o nexo de causalidade entre este comportamento e o

prejuízo. A lei não prevê um qualquer prejuízo e compreensívelmente, dados os gravosos

efeitos que exclusão tem para o sócio excluendo, exige que o prejuízo seja relevante.

O que é um prejuízo relevante para cada sociedade é algo que dependerá de uma apreciação

caso a caso, pois o prejuízo que é relevante para uma sociedade pode não ser para outra. No

entanto, deve ser um prejuízo que coloque em causa a sobrevivência da sociedade, ou seja,

ao ponto de os restantes sócios, caso não existisse o instituo da exclusão, ponderassem a

hipótese de dissolver a sociedade.

A lei parece recorrer aqui a prejuízos materiais e não morais, porém nada impede que de um

prejuízo não patrimonial resulte um prejuízo patrimonial relevante e, nesta hipótese, fica

aberta a exclusão.

A lei permite ainda que a exclusão judicial tenha lugar quando, não estando consumados os

prejuízos relevantes, exista a probabilidade de estes terem lugar. Esta previsão legal é

aceitável porque quanto mais se evitar um prejuízo à sociedade e a se evitar a colocação de

participação no dia a dia da sociedade é mais importante e exerce menos influência do que nas sociedades

de capital.

Page 65: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

65

entraves à sua sobrevivência melhor será para todos, para os sócios, sociedade e até para o

sócio excluendo.

5.3 A ACÇÃO DE EXCLUSÃO

A acção de exclusão segue a forma comum131, sendo autora a sociedade e réu o sócio a

excluir, operando neste domínio em pleno o princípio processual do pedido, o tribunal não

pode por si só iniciar o processo. A exclusão judicial inicia-se após a deliberação do colectivo

de sócios que habilita a sociedade a pedir em tribunal a exclusão de sócio.

5.3.1 A Deliberação dos sócios

A proposição de tal acção fica dependente de uma prévia deliberação tomada pela sociedade.

O órgão competente para tomar esta deliberação é o colectivo de sócios que reunidos em

assembleia-geral ou extraordinária deliberam a proposição ou não da acção. É o que resulta

expressamente dos artigos 242º, nº 2, e 246º, nº 1, alínea g), do CSC.

A exclusão judicial fica assim subordinada a uma prévia deliberação da sociedade, o que

confirma a ideia expressa a propósito do fundamento ético-jurídico do instituto da exclusão,

de que a exclusão promove essencialmente os interesses dos sócios e, por essa via,

reflexamente o interesse da sociedade e de terceiros. A possibilidade de ocorrer a exclusão de

um sócio, quer seja por deliberação, quer seja judicial depende sempre de uma ponderação

dos sócios quanto ao mérito da exclusão, neste caso não definitiva pois carecerá da

intervenção judicial. O mesmo ocorrerá relativamente a uma eventual desistência do pedido

ou da instância ou transacção da acção de exclusão.

Relativamente à forma de deliberação, não existe qualquer restrição, seguindo os preceitos

gerais, com a excepção da impossibilidade de deliberação unânime por escrito. O sócio a

excluir, por razões óbvias está impedido de votar. No que concerne à maioria, lei não indica

qual é a necessária e, portanto, bastará a maioria dos votos emitidos, não se considerando

como tal as abstenções, a não ser que o contrato disponha diversamente, o que é permitido

pelo artigo 250º, nº 3, do CSC.

131 Segue a forma comum, pois o artigo 1484º do CPC apenas adjectiva o artigo 986º do CC segundo o

Acórdão da Relação de Coimbra de 05.07.1994, CLJ, 1994, 4, p. 24.

Page 66: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

66

O objecto da deliberação é a proposição da acção e tem de se basear em factos enquadrados

no artigo 242º, nº 1, do CSC. Não basta alegar genericamente um comportamento desleal ou

gravoso, devem ser especificados os factos que o preenchem. Isto é importante porque tais

factos limitam a causa de pedir da acção de exclusão, uma vez que o representante da

sociedade deve propor a acção com os fundamentos da deliberação e não em outros, sobre

os quais não haja recaído a deliberação dos sócios.

O artigo 242º, nº 2, do CSC permite hoje que tal ocorra132, sendo que o intuito, de acordo

com Raúl Ventura133, é claro, pois “trata-se de assegurar que a sociedade será representada na acção por

quem execute fielmente a deliberação tomada”. Sendo de salientar que o representante especial não é

mandatário judicial, mas tão só uma pessoa que para os efeitos desta acção represente a

sociedade competindo-lhe de acordo com este autor “(...) outorgar, em nome da sociedade, a

procuração ao mandatário judicial, pois é um acto essencial para que a acção seja proposta. Competir-lhe-á

também prestar depoimento de parte, se for requerido”.

A lei não diz quem pode ser nomeado como representante especial, pelo que poderá ser um

outro gerente, nesta situação a nomeação não lhe atribui poderes que ele não tinha, mas sim

vem retirar poderes ao outro gerente que por ventura exista, poderá igualmente recair sobre

um sócio, que até então, não exerça a gerência. Relativamente à nomeação de um

representante especial estranho à sociedade nada impede que tal aconteça, não me parecendo

ser necessário recorrer à analogia com a situação da gerência que Raúl Ventura faz para

justificar esta possibilidade.

5.3.2 A execução pela sociedade da sentença de exclusão

De acordo com o disposto no artigo 252º, nº 3, do CSC, nos trinta dias seguintes ao trânsito

em julgado da sentença, que exclua o sócio, deve a sociedade amortizar a quota do sócio,

adquiri-la ou fazê-la adquirir sob a pena de a exclusão ficar sem efeito. A amortização da

quota do sócio excluído ou aquisição da quota seguem-se necessariamente à sentença de

exclusão e a contrapartida é igualmente paga depois de algum destes actos. O legislador fugiu

aqui da solução do depósito à ordem do tribunal da contrapartida a que o sócio tem direito

132 De salientar que a nomeação de um representante especial é uma faculdade e não uma obrigação, pelo

que não havendo nomeação especial a sociedade será representada pelo seu representante legal, o gerente. 133 Ver do mesmo autor, Sociedades..., p. 62.

Page 67: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

67

em virtude da exclusão, seria uma forma de garantir o pagamento desta evitando o risco de a

sociedade não o fazer no momento devido. Foi uma falha do legislador uma vez que no

nosso ordenamento o pagamento da contrapartida não é condição de eficácia da exclusão.

Mas por outro, compreende-se porque não deveria ser efectuado o depósito da

contrapartida, uma vez que compete à sociedade determinar qual o destino a dar à quota do

sócio excluído. Como a análise destas questões escapa ao tribunal e como este não pode

escolher o meio, não sabe nem vai negociar a aquisição da quota, a lei é forçada a deixar a

efectivação da exclusão para depois da sentença, como faz o artigo 242º, nº 3, do CSC.

A sociedade dispõe de trinta dias para escolher o destino a dar à quota e efectivar a exclusão.

Esse prazo é contado a partir do trânsito em julgado da sentença e dentro dele devem ser

executados todos os actos de amortização ou aquisição da quota. A sociedade deverá

deliberar qual o meio a utilizar e esta deliberação depende, para o caso da amortização, da

observância do disposto nos artigos 231º, nº 3, e 236º, nº 1, e na hipótese de aquisição pela

sociedade do requisito do artigo 220º, nº 2, todos do CSC. Este dever é sancionado com a

exclusão ficar sem efeito, não quer dizer que a sentença fica sem efeito, a exclusão decretada

pela sentença é que fica sem efeito. Se o sócio para além da exclusão for condenado a pagar

os prejuízos causados à sociedade, obviamente, terá de paga-los, sob pena de a sentença ser

executada nessa parte.

Logo daqui tira-se uma conclusão de que a sentença, por si só, não basta para o sócio ser

excluído, mas é o elemento fundamental para que a sociedade efective a exclusão. Assim, o

sócio irá manter a sua qualidade de sócio durante o tempo que mediar o trânsito em julgado

da sentença e alguma das providências previstas no nº 3.

De acordo com Raúl Ventura134 o processo conducendente à exclusão judicial de sócio é

composto por três fases:

1ª A deliberação de proposição da acção;

2ª A sentença de exclusão;

3ª A amortização ou aquisição da quota.

Não se efectivando este último elemento o resultado pretendido não é alcançado, sem que

com isso se tenham por inexistentes ou ineficazes os elementos das fases anteriores e que

Page 68: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

68

dentro deste processo produziram efeitos específicos. A lei acaba por forçar a sociedade a

encerrar a questão de forma expedita para que a questão não se arraste por muito tempo e

acabe por prejudicar, quer a sociedade, quer o sócio excluído que tem de aguardar para

receber a sua contrapartida. Por outro, se a sociedade não executa de imediato os actos

atenientes à exclusão é porque, por ventura, perdeu o interesse na exclusão135 e para evitar

que o sócio excluído tenha que novamente admitido em termos formais na sociedade,

simplesmente não se promove a exclusão e passados trinta dias tudo estará como se nada

tivesse ocorrido.

5.3.3 A contrapartida do sócio excluído

O sócio excluído tem o direito a receber o valor da sua quota, a pagar pela sociedade, como

resulta do disposto no artigo 242º, nºs 4 e 5, do CSC.

Em princípio o sócio excluído tem direito ao valor da sua quota, que é calculado com

referência à data da propositura da acção e pago nos termos prescritos para a amortização de

quotas. O contrato de sociedade pode porém criar um regime diverso, tanto para o montante

como para o pagamento da contrapartida. No caso de opção por adquirir a quota segue o

regime do artigo 225º, nºs 3, 4 e 5, do CSC.

6. O CARÁCTER IMPERATIVO DO REGIME DA EXCLUSÃO

A natureza imperativa ou não destes preceitos surge-nos com interesse relativamente à

possibilidade de o contrato eliminar o direito de exclusão, pelo menos na hipótese de

exclusão voluntária do direito italiano e no direito alemão onde é admitido um direito

especial sonderrecht a não ser excluído da sociedade.

No nosso ordenamento a imperatividade ou não destas normas, dos artigos 241º e 242º do

CSC tem de ser objecto de uma análise individual. No que diz respeito às causas legais de

exclusão, as estipulações contratuais são inoperantes para as afastar. Nestas hipóteses

exclusão é facultativa no sentido de que a sociedade pode deixar de exercer esse direito, mas

134 Ver do mesmo autor, Sociedades..., p. 65. 135 O que não seria uma aberração, basta imaginarmos que os restantes sócios ou parte deles transmitam as

suas quotas para outras pessoas e estas não tenham interesse na exclusão, etc..

Page 69: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

69

a atribuição do direito de excluir o sócio não parece ser facultativa ou dispositiva. Porque o

facto de a lei não operar nesses casos a exclusão automática ipso iure, fazer antes depender a

exclusão de uma prévia deliberação da sociedade, o caracter imperativo desta disposição não

se aufere no inevitável efeito de excluir um sócio mas sim na atribuição à sociedade do

direito de excluir um sócio ainda que o exercício de tal direito não seja obrigatório. Pelas

mesmas razões não é admissível a consagração de um direito especial à não exclusão.

No que diz respeito às causas contratuais de exclusão previstas no pacto social esta questão

não tem qualquer interesse porque as causas contratuais só existem se forem estipuladas e

obviamente uma disposição contratual não pode eliminar causas não estipuladas, pelo

contrário pode é vir revogar causas anteriormente estipuladas.

No que se refere às causas de exclusão judicial a questão da imperatividade do artigo 242º, nº

1, do CSC assume alguns problemas. De acordo com o último autor citado podem-se

conceber três hipóteses:

Simplesmente estipula-se que o sócio não pode ser excluído;

Transporta-se a causa judicial para causa contratual de exclusão;

Instituem-se as causas judicias como causas de dissolução da sociedade.

Para a primeira situação aplica-se nos mesmos termos o que anteriormente foi referido

quanto à imperatividade destes preceitos, não pode ser afastado por vontade das partes mas

pode-se não exercer o direito de exclusão.

As outras duas hipóteses têm em comum o facto de o contrato de sociedade permitir um

efeito próximo ao produzido pelo artigo 242º, nº 1 do CSC, mas com a particularidade de se

recorrer a um outro processo técnico. Mas pode-se distinguir uma e outra hipótese através

das diferenças entre uma e outra, na segunda continua a existir apenas um sócio excluído

enquanto na terceira a sociedade se dissolve.

Raúl Ventura136 considera válidas estas duas últimas hipóteses, com o fundamento de que o

artigo 242º, nº 1 do CSC “fornece à sociedade um meio judicial para excluir o sócio, nas hipóteses ali

previstas, mas não afasta, em princípio, que o contrato preveja um meio mais radical para ser atingida a

mesma finalidade (...) Na segunda hipótese, (terceira do presente trabalho) a cláusula contratual

sacrifica interesses dos outros sócios, que, podendo conservar a sociedade, pelo expediente da exclusão, proferem

Page 70: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

70

terminar inteiramente o contrato, fazendo dissolver a sociedade. Não parece que a essa intenção dos sócios

possa ou deva a lei criar obstáculo”.

No fundo o que este autor defende é que com o mecanismo da exclusão dos sócios a lei

confere uma faculdade que permite à sociedade prosseguir mesmo quando um dos sócios

seja afastado e se, mesmo perante essa faculdade, os sócios entendem que a sociedade deve

ser extinta deve essa vontade dos sócios ser respeitada. E como refere esse mesmo autor137

“a lei não impede que ao mesmo resultado se chegue, mediante um rodeio: o contrato pode estabelecer que a

sociedade se dissolva no caso de um sócio ser excluído”. Relativamente ao transporte de uma causa

judicial para uma causa contratual parece-me não ser possível, porque as situações em que é

admissível a estipulação de causas de exclusão contratual não permitem a estipulação com

carácter genérico que ficam, assim, reservadas à exclusão judicial. Numa situação paralela o

artigo 58º, nº 2, do CSC manda aplicar directamente a lei e não o preceito contratual que se

limita a reproduzi-lo, sendo a solução encontrada por este preceito válida para a hipótese de

fixar contratualmente uma causa reservada à exclusão judicial.

7. CONCLUSÕES

Do estudo realizado sobre a exclusão de sócio nas sociedades por quotas é possível

retirar diversas conclusões que acabam por caracterizar a própria exclusão.

1. A exclusão de sócios é aceite na generalidade dos ordenamentos jurídicos tendo a

sua consagração e desenvolvimento jurídico tido lugar, sobretudo, a partir do séc.

XIX.

2. O conteúdo da exclusão é oposto e contrário à própria ideia subjacente à

sociedade de conjugação de esforços no desenvolvimento de uma actividade

comum, em virtude de se procurar com a exclusão precisamente por fim essa

conjugação de esforços.

3. O instituto jurídico da exclusão de sócios constitui actualmente uma figura de

elevada importância e fundamental no funcionamento da sociedade comercial

por quotas, permitindo na relação sócios/sociedade manter o equilíbrio

136 Ver do mesmo autor, Sociedades..., p. 49. 137 Raúl VENTURA, Sociedades..., p. 50.

Page 71: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

71

necessário para o correcto funcionamento da sociedade e visa proteger os sócios

e a sociedade de um comportamento comprometedor para prossecução do fim

comum adoptado pelo sócio excluendo.

4. Na exclusão são colocados em causa dois grandes interesses, opostos, o do sócio

excluído e o dos restantes sócios e da sociedade, residindo o seu fundamento

ético-jurídico no próprio contrato de sociedade.

5. Quando se refere que se procura tutelar o interesse da sociedade quer-se com

isso também dizer o interesse dos sócios, pois é aos sócios que o bem estar da

sociedade interessa em primeiro plano. Defender que o interesse social tem

autonomia dos interesses dos sócios é um falso argumento porque, como atrás se

referiu, os sócios podem deliberar a dissolução da sociedade contra qualquer

outro interesse, seja de quem for. Não faz sentido defender a existência de um

interesse social própria da sociedade e independente do dos sócios, a final a

sociedade vive e existe por causa dos sócios que a constituíram, para promover os

seus interesses individuais reunidos, e a mantém enquanto esse interesse for

promovido.

6. A exclusão não é uma sanção mas sim uma solução que permite sair-se de um

impasse e de, com isso, não comprometer a viabilidade da continuação da

sociedade sem o sócio excluído.

7. A exclusão assume, sem dúvida, a natureza jurídica de resolução contratual, por

incumprimento, tendo o regime da resolução sido adaptado ao regime da

exclusão, de forma a admitir a resolução parcial do contrato.

8. O direito a promover a exclusão pertence à sociedade, sem prejuízo dos

interesses que se operarem com ela dizerem respeito, em primeiro plano, dos

sócios e assume as características de um direito potestativo, pois o sócio

excluendo fica numa situação de sujeição jurídica.

9. A exclusão pode ser operada por factos previstos especificamente na lei ou no

contrato.

10. Esta exclusão é sempre operada por via deliberativa, competindo ao colectivo de

sócios a decisão de excluir o sócio uma vez verificados os requisitos legais ou

contratuais.

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72

11. A estipulação contratual de causas de exclusão deve obedecer a limites internos e

externos, os primeiro diz respeito a limites intrínsecos ao próprio instituto da

exclusão e o segundo a limites fixados pela própria lei.

12. A exclusão pode ainda ter lugar pela ocorrência de factos genericamente previsto

na lei, situação que está reservada à exclusão pela via judicial.

13. Esta última exclusão por razões de segurança jurídica carece de uma decisão

judicial.

14. A exclusão, judicial, contratual ou legal, nunca é automática carece sempre de

uma deliberação do colectivo de sócios, que na hipótese de exclusão judicial tem

por função permitir a proposição pela sociedade da acção de exclusão.

15. Pela gravidade dos efeitos da exclusão a lei determina com rigor as situações em

que a exclusão poderá ter lugar, estabelecendo para o efeito um regime

imperativo e fechado, contudo, flexível o suficiente para consagrar alguma

autonomia à vontade das partes e consagra ainda uma válvula de escape que

permita afrontar as situações imprevisíveis, não previstas na lei nem no pacto

social, que possam surgir.

Page 73: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

73

- Bibliografia

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Page 74: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

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Page 75: A Exclusao de Socio Nas Sociedades Por Quotas

75

ÍNDICE

Parte I

1.Introdução...........................................................................................................................................4

1.1 Razão e Ordem................................................................................................................................4

1.2 Generalidades..................................................................................................................................4

2. A origem histórica da exclusão de sócios......................................................................................6

2.1. A experiência no direito romano.................................................................................................6

2.2. A experiência no direito medieval...............................................................................................7

2.3 A experiência no direito moderno...............................................................................................7

2.4 A experiência no direito contemporâneo...................................................................................8

3. Abordagem preliminar à exclusão de sócios................................................................................9

3.1. Noção de exclusão de sócios e os interesses em causa...........................................................9

3.2 O papel desempenhado pelos sócios nas sociedades.............................................................11

3.2.1 A noção de sociedade comercial.............................................................................................11

3.2.1.1 O Elemento pessoal...............................................................................................................12

3.2.1.2 O Elemento patrimonial.......................................................................................................14

3.2.1.3 O Elemento finalístico imediato..........................................................................................15

3.2.1.4 O Elemento Teleológico…..................................................................................................16

3.3 Conclusões sobre o papel desempenhado pelos sócios na sociedade comercial...............17

4. Fundamento ético-jurídico da exclusão de sócio......................................................................18

4.1 Generalidades...............................................................................................................................18

4.1.1 A disciplina taxativa legal.........................................................................................................18

4.1.2. O poder corporativo disciplinar.............................................................................................20

4.1.3 A teoria contratualista...............................................................................................................25

4.2 Posição a adoptar..........................................................................................................................26

4.3 Posição Adoptada.........................................................................................................................28

5. Natureza jurídica da exclusão .......................................................................................................31

5.1. A resolução contratual................................................................................................................31

5.2 Natureza do direito à exclusão...................................................................................................33

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76

Parte II

1. A Exclusão de sócios nas sociedades por quotas....................................................................34

1.1 Generalidades..............................................................................................................................34

1.1.1 A relação sócio-sociedade......................................................................................................34

1.1.2 Evolução da exclusão no direito português e as características do actual regime.........35

1.1.3 Classificação dos causas de exclusão....................................................................................38

2. As causas de exclusão nas sociedades por quotas ..................................................................39

2.1 Causas legais de exclusão de sócio por deliberação da sociedade.......................................39

2.1.1 A exclusão fundada no não cumprimento de prestações de entrada .............................39

2.1.1.1 Particularidades da exclusão do sócio remisso.................................................................40

2.1.1.2 A exclusão operada por credores.......................................................................................43

2.1.2 Exclusão de sócio pelo não cumprimento de prestações suplementares........................45

2.1.3 A exclusão fundada na falta de outras prestações...............................................................45

2.1.4 A exclusão por uso inadequado de informação societária ................................................45

2.1.5 A exclusão como medida adequada para satisfazer um direito.........................................46

2.2 A justa causa de exclusão e o direito à exoneração................................................................46

3. Causas Contratuais de Exclusão por Deliberação dos Sócios................................................50

3.1 Generalidades...............................................................................................................................50

3.2 A admissibilidade e limites externos às cláusulas de exclusão..............................................51

3.3 Os limites internos à estipulação das cláusulas de exclusão..................................................55

4. Processo de Exclusão nas causas legais e contratuais específicas..........................................56

4.1 Deliberação de exclusão.............................................................................................................56

4.2 A remissão para o regime da amortização...............................................................................56

4.3 A exclusão na fase de liquidação da sociedade.......................................................................57

4.4 A exclusão nas sociedades compostas por dois sócios..........................................................58

5. Exclusão de sócio por via judicial...............................................................................................60

5.1 Generalidades...............................................................................................................................60

5.2 Pressupostos da exclusão judicial..............................................................................................62

5.2.1 Factos respeitantes ao comportamento do sócio................................................................63

5.2.2 Factos relativos aos prejuízos causados................................................................................64

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77

5.2.2 Factos relativos aos prejuízos causados...............................................................................67

5.3 A acção de exclusão...................................................................................................................65

5.3.1 A deliberação dos sócios........................................................................................................65

5.3.2 A execução pela sociedade da sentença de exclusão.........................................................66

5.3.3 A contrapartida do sócio excluído........................................................................................68

6. O carácter imperativo do regime da exclusão..........................................................................68

7. Conclusões.....................................................................................................................................70

Bibliografia.........................................................................................................................................73

Índice..................................................................................................................................................75