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CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS 2015 TÓPICO A: 20 ANOS DO MASSACRE DE SREBRENICA TÓPICO B: CRISE HUMANITÁRIA NA ÁFRICA MARCELA EMEDIATO PATRICIA SIQUEIRA AMABILY BONACINA ANDRÉ AMARAL GUILHERME SODRÉ BELO HORIZONTE MAIO DE 2016

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CONSELHO DESEGURANÇA DASNAÇÕES UNIDAS

2015

TÓPICO A: 20 ANOS DO MASSACRE DE SREBRENICATÓPICO B: CRISE HUMANITÁRIA NA ÁFRICA

MARCELA EMEDIATOPATRICIA SIQUEIRA

AMABILY BONACINAANDRÉ AMARAL

GUILHERME SODRÉ

BELO HORIZONTEMAIO DE 2016

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TEMAS 12 – Direitos Humanos

Amabily Bonacina, André Amaral, Guilherme Sodré, Marcela Emediato e

Patrícia Siqueira

CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS

Belo Horizonte

2015

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SUMÁRIO

1. AS NAÇÕES UNIDAS 4

1.1. O Conselho de Segurança 4

2. A GUERRA DOS BÁLCÃS 5

2.1. O Império Otomano 5

2.2. A primeira e a segunda Guerra Mundial 6

2.3. O massacre de Srebrenica 10

2.4. A atuação da ONU e da OTAN 14

2.5. O Acordo de Dayton 16

2.6. O(s) conceito(s) de Genocídio: definindo o indefinível 17

2.7. Posicionamento das delegações acerca do tópico 38

3. CRISE HUMANITÁRIA NO CONTINENTE AFRICANO 47

3.1. Contexto histórico sobre o continente Africano 47

3.2. A questão da República Centro-Africana 47

3.3. A questão do Sudão e do Sudão do Sul 54

3.4. Posicionamento das delegações acerca do tópico 65

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1. AS NAÇÕES UNIDAS

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, havia na comunidade internacional

um sentimento generalizado de que era preciso encontrar uma forma concreta e

eficaz para manter a paz entre os países. Assim, notada a ineficiência da Liga das

Nações, em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada com a

ratificação de sua Carta pelos Estados-Membros, com o principal dever de

restabelecer e assegurar a paz entre todas as nações, além de promover o

progresso social, melhores padrões de vida e direitos humanos.

1.1. O Conselho de Segurança

O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) tem a

responsabilidade, segundo a carta da ONU1, de manter a paz e a segurança

internacional. Quando uma questão relativa à segurança chega ao Conselho, a

primeira ação do órgão é recomendar que as partes envolvidas no conflito tentem

chegar a um acordo por meios pacíficos

O CSNU é constituído por quinze nações-membros das Nações Unidas, cinco

delas membros permanentes2 e dez outros Estados membros não-permanentes,

eleitos pela Assembleia Geral da ONU com o critério de distribuição geográfica. Ou

seja, cinco oriundos da África e da Ásia, um da Europa Oriental, dois da América e

dois da Europa Ocidental para um mandato de 2 anos não prorrogável. Ainda de

acordo com a Carta, segundo o artigo nº25, todos os Estados-Membros concordam

em aceitar e a executar as decisões do Conselho.

1 Carta das Nações Unidas, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-

1949/d19841.htm>. Acesso em 27 de julho de 2015. 2

Os membros permanentes do Conselho são a República Popular da China, a Federação Russa, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, a República Francesa e os Estados Unidos da América.

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2. A GUERRA DOS BÁLCÃS

2.1. O Império Otomano

Desde o século XIX, o Império Otomano, que durante cinco séculos manteve

uma sólida presença na Europa, fora ultrapassado em influência política e

econômica pelas novas potências industriais europeias: Grã-Bretanha, Alemanha e

França. Estas, além dos vizinhos, Império Austro-Húngaro e Rússia, incentivaram

rebeliões entre as inúmeras nacionalidades que compunham o Império. Em 1875, a

minória da sérvia da Bósnia se rebelaram contra os turcos na província da Bósnia-

Herzegoniza e, dois anos depois, os russos entravam em guerra contra o Império

Otomano.

Em 1878, no Congresso de Berlim, que organizou a disputa das potências

europeias por novos territórios na Ásia e na África, o Império Austro-Húngaro

desejava avançar sobre os antigos territórios turcos da Europa enquanto os czares

russos aspiravam ter acesso ao mar Negro, com a justificativa de também serem

eslavos.

Em meio a briga dos três grandes impérios – turco, austro-húngaro e russo –

outros países tinham interesses na região. A Sérvia, que representava um poder

importante na Europa até o século XIV, apoiava o pan-eslavismo, tentativa de

unificar todos os eslavos, com destaque para as minorias sérvias espalhadas em

territórios ainda sob o domínio turco, como a Macedônia. A monarquia sérvia

mantinha contatos imediatos de primeiro grau com russos, franceses e ingleses,

estes tinham interesse em limitar o expansionismo austríaco. Em 1903, oficiais

ultranacionalistas sérvios, sob liderança do capitão Dimitrievic, mais conhecido por

Ápis, derrubaram e assassinaram o rei da Sérvia, Alexandre Obrenovich, que, em

seu lugar, foi coroado Pedro I. Dimitrievic passou a pressionar o novo soberano a

incentivar a luta pan-eslava nos territórios turcos.

Outra parte interessada era o reino de Montenegro, cujo rei era sogro de

Pedro I, da Sérvia, o que, além das semelhanças étnicas, os tornavam aliados.

Ademais, na região dos Bálcãs ainda havia a Bulgária, que já havia obtido a

autonomia e o reconhecimento enquanto nacionalidade dentro do Império Otomano.

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Em 1908, porém, sob o comando do czar Ferdinando, a Bulgária declarou sua

independência.

Cada um desses agentes do processo político tratava de fincar raízes no que

restava do território europeu sob domínio turco, isto é, a Macedônia. As formas de

disputa eram as mais variadas: as novas igrejas ortodoxas, independentes da Grécia

e Sérvia disputavam, uma a uma, as conversões de cristãos macedônios. Sérvios,

búlgaros e gregos também criaram associações culturais e grupos guerrilheiros que

operavam na Macedônia. Desde 1893, funcionava a Organização Revolucionária da

Macedônia Interior, fração pan-eslava. Ápis fomentou a Mão Negra, grupo terrorista

formado por sérvios na Eslovênia, na Bósnia e na Macedônia.

Nesse período de início de século, o quadro dos Bálcãs era de grande disputa

entre os impérios europeus e outros países supracitados, que foram conquistando

sua independência e entrando na luta pelo espólio otomano.

2.2. A primeira e a segunda Guerra Mundial

Em 1908, com a anexação da Bósnia pelos austro-húngaros, a Mão Negra e

seus aliados da Jovem Bósnia3 realizavam atentados contra figuras importantes da

casa real austríaca, que dava força aos militares linha-dura na Áustria. Estes

queriam declarar guerra à Sérvia. Do lado sérvio, Ápis e seus aliados pressionavam

Pedro I a lutar pela unificação dos povos eslavos e entrar em guerra contra a

Áustria. Nesse contexto de instabilidade, os ultranacionalistas pró-Sérvia do grupo

Jovem Bósnia, juntamente com a Mão Negra, planejaram, em 1914, um ataque

terrorista a Franciso Ferdinando.

Com o sucesso do atentado, a Áustria responsabilizou a Sérvia pelo

assassinato. Pouco depois, o Império Austro-Húngaro declarava guerra à Sérvia.

Esta logo ganhou apoio dos russos, franceses e ingleses, enquanto aquele foi

apoiado pela Alemanha, pela Bulgária e pela Turquia.

3 Organização pan-eslavista

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Em 1919, com o fim da guerra, foi estabelecido o Tratado de Versalhes, que

tentou penalizar nações e evitar novos conflitos. Com ele, houve uma tentativa de

agrupar os eslavos, criando a Tchecoslováquia e o Reino dos Sérvios, Croatas e

Eslovenos.

O Reino era totalmente dependente economicamente de potências europeias

e muito instável socialmente. Contudo, esses não eram os únicos problemas da

região: apesar de o país englobar todas as etnias em seu nome, ele estava sobre o

domínio da antiga Sérvia. Croatas e eslovenos, que haviam recebido a promessa de

autonomia, diziam que o acordo não estava sendo cumprido. Os macedônios nem

eram reconhecidos como nacionalidade.

Em 1929, após vários conflitos internos que agravaram a instabilidade do

país, o rei da época, Alexandre Karageorgevic, deu um golpe de Estado com apoio

da maior parte dos comandantes (sérvios). O país passou a se chamar Iugoslávia e

a promessa de autonomia deixou de existir.

Durante o governo de Alexandre, após o golpe, vários grupos

ultranacionalistas anti-sérvios se organizaram internamente. O auge de suas

atividades aconteceu em 1934, quando um grupo macedônio matou o soberano.

Seu sobrinho, Paulo Karageorgevic, assumiu, mas ele fez com que o país se

afastasse da França e da Grã-Bretanha e se aproximasse da Alemanha de Hitler.

Com o começo da Segunda Guerra, Paulo decidiu aderir ao Eixo. Feito iso,

dois dias depois, oficiais nacionalistas lideraram um golpe de Estado que forçou

Paulo a renunciar em favor do novo rei, Pedro II. Hitler se sentiu prejudicado e

decidiu ocupar a Iugoslávia. A rendição por parte de Pedro II foi assinada após 12

dias. A Itália ficou responsável por Montenegro, a Eslovênia divida entre alemães e

italianos e outros participantes também receberam vantagens. Hitler adotou uma

prática de favorecer minorias que se sentiam oprimidas sob a monarquia, por

exemplo, tornando a Croácia independente.

Durante o período em que o país foi dominado pelos nazistas, os movimentos

comunistas dentro do país ganharam força e, em 1945, a República Socialista da

Iugoslávia foi declarada independente por Josip Broz, mais conhecido como Tito,

sobrevivente da direção histórica do Partido Comunista no país. Os comunistas

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conseguiram lidar com as aspirações nacionalistas de cada uma das seis repúblicas,

dando status igualitário para todas as seis dentro de uma única nação. Apesar de

Tito, quando mais jovem, ser um grande admirador de Stalin, em 1948, ele opta por

seguir uma posição de não alinhamento à União Soviética.

O diferencial do governo de Tito foi perceber que, se não houvesse direitos e

deveres iguais para o grande número de nacionalidades que compunham a

Iugoslávia, o país se desintegraria. Por isso, ele decidiu instituir a república

autônoma da Bósnia-Herzegovina e criar a nacionalidade bósnia, de modo a impedir

que a região fosse anexada à Croácia ou à Séria. Além disso, adotar um modelo de

federação com seis repúblicas com direitos iguais: Sérvia, Croácia, Eslovênia,

Montenegro, Macedônia e Bósnia-Herzegovina.

Esse molde conseguiu manter a nação unida e com um alto índice de

crescimento econômico até a década de 70, quando o modelo econômico da

Iugoslávia começa a enfraquecer por falta de investimentos externos. Cada

república tratou de buscar suas próprias alternativas para a crise, começaram a

crescer pressões por maior autonomia e, em 1980, quando Tito veio a falecer, não

se esperava que o modelo iugoslavo se mantivesse por muito mais tempo.

Slobodan Milosevic, ex-comunista que se tornou oficial nacionalista, usou as

tensões entre sérvios e albaneses para ganhar popularidade entre a população

sérvia. Ele prometeu impedir os maus-tratos dos sérvios em Kosovo pelos albaneses

e começou uma campanha contra o Partido Comunista da República da Sérvia,

adotando um discurso nacionalista (GRAHAM, 2012).

A dissolução da Iugoslávia veio em meados de 1991, quando Macedónia,

Croácia, Eslovênia e Bósnia-Herzegovina declararam a independência, após os

resultados dos referendos realizados em cada uma dessas repúblicas. A situação

mais delicada foi a da independência da Bósnia, pois a república autônoma abrigava

três principais grupos étnicos: os bósnios (1.812 milhões - cerca de 48%), sérvios

(895 mil - cerca de 24%) e croatas (578 mil - cerca de 15%). Quando foi realizado o

referendo nessa região, 96% dos cidadãos optaram pela independência, mas os

sérvios ainda desejavam a anexação da Bósnia à Grande Sérvia4.

4 Seria um estado envolvendo toda a região balcânica

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Milosevic, como esperado, não aprovou essas votações, uma vez que seu

objetivo principal era colocar toda a Iugoslávia sob o seu controle e o de seus

aliados sérvios. Para isso, ele contava com um trunfo decisivo: a maioria dos

comandantes, oficiais e soldados do antigo exército federal eram sérvios e seguiriam

as orientações de Milosevic. Além disso, usou o Exército Popular Iugoslavo (JNA)

para tentar controlar o país (GRAHAM, 2012), declarou um estado sérvio-bósnio

dentro do território da Bósnia e incentivou as minorias sérvias a se rebelarem nas

repúblicas.

Em 6 de Abril de 1992, os sérvios bósnios começaram a sua tomada de

Sarajevo. Eles cortaram a comida, utilidades e comunicação de seus opositores.

Mais de 12.000 residentes de Sarajevo foram mortos, dentre eles 1500 crianças.

Teve início a chamada “limpeza étnica” no território bósnio, que consistia na prática

dos sérvios de atacar civis e retirar, ou eliminar, de seus territórios qualquer cidadão

que não fosse de origem sérvia. As atrocidades cometidas pelos sérvios chegavam

a tal ponto que soldados e milicianos servo-bósnios haviam feito listas de eminentes

intelectuais, músicos e profissionais liberais mulçumanos e croatas. Passados

poucos dias da secessão da Bósnia, eles começaram a deter não sérvios,

espancando-os brutalmente e com freqüência executando-os. Unidades servo-

bósnias destruíram a maioria dos centros culturais e religiosos para apagar toda e

qualquer lembrança da presença mulçumana ou croata (POWER, 2002).

Além disso, era imposto aos mulçumanos e croatas em áreas de controle

sérvio quais tipos de ações eles não deveriam fazer. Cartazes eram colocados nas

ruas impondo proibições aos não-sérvios bósnios de reunirem-se em cafés em

cafés, restaurantes ou outros lugares públicos; banharem-se ou nadar nos rios

Vrbanija ou Josavka; reunirem-se em grupos de mais de três homens; dentre outras

proibições.

Muitas vezes, vilas habitadas por cidadãos não sérvios eram bombardeadas

para fazer a população fugir, outras vezes os homens eram presos e acusados de

“terrorismo”. As propriedades dessas pessoas eram queimadas ou destruídas,

retirando a possibilidade dessa população de retornar ao território.

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Visando controlar a comunidade internacional, Milosevic dava continuidade a

suas iniciativas diplomáticas: reunia-se com chefes de estados, declarava-se amante

da paz e negava a ocorrência de ataques e massacres.

2.3. O massacre de Srebrenica

A República Srpska é a região sérvia fundada no território da Bósnia em

1992, com intuito de unir os sérvios bósnios. Em Podrinje, região ao redor de

Srebrenica predominantemente bósnia, os sérvios descobrem um fundamental ponto

estratégico, uma vez que Podrinje propicia integridade territorial à nova entidade

política. Com essa vantagem, os sérvios deram início a uma campanha de limpeza

étnica no leste da Bósnia e no centro de Podrinje. Uma vez tomadas às cidades e

aldeias, as forças sérvias - os militares, a polícia, os paramilitares e, às vezes, até

mesmo os moradores sérvios – cometeram atos sistemáticos: Saquearam e

queimaram casas e apartamentos de mulçumanos; caçaram, capturaram e, por

vezes, agrediram e assassinaram líderes mulçumanos. Além disso, Homens e

mulheres foram separados, sendo muitos homens detidos na antiga prisão local.

Fugitivos na cidade vizinha Bratunac, bósnios foram mortos ou forçados a

fugir para Srebrenica, resultando em 1.156 mortes, de acordo com dados do

governo da Bósnia. Milhares de bósnios também foram mortos em Foca, Zvornik,

Cerska e Snagovo. Estima-se que 296 aldeias tenham sido destruídas pelas forças

sérvias em torno de Srebrenica durante os primeiros três meses de guerra (abril-

junho 1992). Ademais, calcula-se o desenraizamento forçado de cerca de 70.000

bósnios, com o massacre sistemático de, pelo menos, 3.166 bósnios (mortes

documentadas), incluindo muitas mulheres, crianças e idosos.

Entre abril de 1992 e março de 1993, a cidade de Srebrenica e as aldeias da

região estavam constantemente sujeitas às agressões militares sérvias, incluindo

ataques de artilharia, franco-atiradores e bombardeios ocasionais de aeronaves. Em

uma dessas ocasiões, soldados e paramilitares sérvios cercaram uma aldeia

muçulmana bósnia, obrigaram a população a render-se, recolheram as armas e

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então começaram com bombardeios e tiros indiscriminados. Como nessa situação,

na maioria dos casos a população não oferecia nenhuma resistência significativa.

A cidade de Potočari, em particular, foi um forte alvo da infantaria e artilharia

Sérvia, porque era um ponto sensível na linha de defesa em torno de Srebrenica.

Ademais, outros assentamentos bósnios mulçumanos foram periodicamente

atacados, dessa forma, como era de se esperar, surge uma grande população de

refugiados e vítimas.

Forças sérvias da área da Bósnia e de áreas vizinhas da Bósnia oriental

tomaram o controle de Srebrenica durante várias semanas no começo de 1992,

período em que mataram e expulsaram civis bósnios. Até que, em maio do mesmo

ano, o governo bósnio conseguiu recuperar a cidade. Durante o restante de 1992, o

governo bósnio de Srebrenica intensificou suas ofensivas e aumentou as áreas sob

seu controle. Dessa forma, foram incorporadas as regiões de Žepa ao sul e Cerska a

oeste.

Contudo, a retaliação não demorou e nos meses seguintes, os militares

sérvios capturaram as aldeias de Konjević Polje e Cerska, cortando a ligação entre

Srebrenica e Žepa. Com isso, a cidade de Srebrenica ficou ilhada entre ataques que

ocorriam ao redor, de forma que residentes bósnios das áreas periféricas

convergiram para a cidade e sua população aumentou para entre 50.000 e 60.000

pessoas. Superlotação e escassez de água, devido ao fato dos sérvios terem

destruído o local de abastecimento da cidade, além da insuficiência de alimentos e

remédios foram consequências dessa migração.

Entre março e abril de 1993, milhares de bósnios foram evacuados de

Srebrenica sob os auspícios do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados

(ACNUR), que realizou o ato como precaução. O governo bósnio posicionou-se

contrário, porque interpretava isso como uma contribuição para a limpeza étnica do

território predominantemente bósnio. Contudo, a evacuação parcial não foi suficiente

para os sérvios que, em 13 de abril, comunicaram aos representantes do ACNUR

que atacariam Srebrenica no prazo de dois dias, caso os bósnios não se rendessem

e aceitassem serem completamente evacuados. Mas os Bósnios recusaram.

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Três dias após os sérvios terem feito a ameaça, o Conselho de Segurança

das Nações Unidas aprovou a Resolução 819, que declarava Srebrenica uma área

de segurança, que deveria ser livre de qualquer ataque armado ou qualquer outro

ato hostil. Assim, em 18 de abril de 1993, o primeiro grupo de tropas da UNPROFOR

chegou à Srebrenica, e em maio foi alcançada a desmilitarização da cidade. De

acordo com relatórios da ONU, o General Sefer Halilovic e o General Ratko Mladic

chegaram ao acordo sobre que medidas seriam tomadas na região de Srebrenica e

no território adjacente de Žepa. Eles definiram que as forças bósnias iriam entregar

as suas armas, munições e minas a UNPROFOR. Os sérvios, por sua vez,

concordaram com a retirada de armas pesadas e unidades que constituíam uma

ameaça para as zonas desmilitarizadas.

Ambas as partes do conflito violaram o acordo de desmilitarização das zonas

seguras desde o início. Bósnios em Srebrenica queixaram-se de ataques por

soldados sérvios. Enquanto que, para os sérvios, parecia que as forças do governo

bósnios em Srebrenica estavam usando a "área de segurança" como uma base

conveniente para lançar contraofensivas ao Exército da Republica Srpska (VRS), e

que UNPROFOR não tomava quaisquer medidas para impedi-los. E, de fato, as

instruções específicas da sede das Nações Unidas em Nova York afirmaram que

UNPROFOR não devia ser muito zelosa em busca de armas dos bósnios e, mais

tarde, que os sérvios deveriam retirar suas armas pesadas antes que os bósnios

entregassem suas armas. Contudo, os sérvios nunca retiraram suas armas pesadas.

Em 1994, respondendo aos ataques contínuos à Sarajevo, capital da Bósnia, a

Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) autorizou ataques aéreos aos

sérvios, tal fato só serviu para aumentar a tensão entre os grupos, trazendo

consequências para Srebrenica.

Em 1995 a situação só foi deteriorando-se, pois cada vez menos comboios de

abastecimento conseguiam chegar à Srebrenica. A situação de violência, tendo em

vista as dificuldades de vigorarem leis, era caótica: roubos, existência de mercado

negro e prostituição entre as jovens mulçumanas foram comuns. Até mesmo as

forças da ONU sofriam restrições, pois estavam com escassez de alimentos,

medicamentos, munição e combustível. Em março e abril, os soldados holandeses,

que trabalhavam pela UNPROFOR notaram uma acumulação de forças sérvias

perto de dois dos postos de observação.

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Em março de 1995, Radovan Karadžić, presidente da Republika Srpska,

apesar da pressão da comunidade internacional para acabar com a guerra e os

esforços em curso para negociar um acordo de paz, emitiu uma diretriz para as VRS,

em que determinou que as VRS completassem a separação física entre Srebrenica

e Žepa, o quanto antes, evitando até a comunicação entre indivíduos das duas

regiões. Além disso, as VRS deveriam criar uma situação insuportável de total

insegurança, sem esperança de sobrevivência para os habitantes de Srebrenica.

Em meados de 1995, a situação humanitária era catastrófica, a Divisão 28,

que controlava a região, emitiu uma série de relatórios, incluindo apelos urgentes

para que os mantimentos chegassem. Entretanto, os esforços foram em vão e nessa

época, civis bósnios começaram a morrer de fome. Em 4 de junho de 1995, o

comandante das forças da ONU na ex-Jugoslávia, general Bernard Janvier, reuniu-

se secretamente com Ratko Mladić para obter a libertação de reféns. E Mladić exigiu

de Janvier que não houvesse mais ataques aéreos.

A ofensiva sérvia contra Srebrenica propriamente dita começou em 6 de julho

de 1995. Os sérvios derrubaram cinco postos de observação da UNPROFOR na

parte sul do perímetro. Simultaneamente, as forças bósnias de defesa ficaram sob

fogo pesado e foram empurradas de volta para a cidade. Uma vez que o perímetro

sul começou a desmoronar, cerca de 4.000 residentes bósnios que viviam em um

complexo imobiliário sueco para os refugiados, nas proximidades, fugiram para o

norte da cidade de Srebrenica. Soldados holandeses relataram que os sérvios foram

avançando para "limpar" as casas na parte sul do enclave.

Mais tarde, em 9 de julho de 1995, encorajado pelo sucesso inicial e pela

pouca resistência dos bósnios, em grande parte desmilitarizados, e incentivado pela

ausência de qualquer reação significativa por parte da comunidade internacional, o

Presidente da República Srpska, Radovan Karadžić, emitiu uma nova ordem que

autorizou a VRS a prosseguir na captura da cidade de Srebrenica.

Na manhã de 10 de julho de 1995, a situação em Srebrenica era tensa. Os

moradores lotavam as ruas, as tropas holandesas da UNPROFOR disparavam tiros

de advertência sobre as cabeças dos atacantes sérvios bósnios e os morteiros

dispararam foguetes. O tenente-coronel Karremans enviou pedidos urgentes e

repetidos para o apoio aéreo da OTAN para defender a cidade, mas o apoio só

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chegou por volta de 14:30 em 11 de julho de 1995. Aviões da Otan também

tentaram bombardear posições de artilharia das VRS com vista para a cidade, mas

tiveram que abortar a operação por causa da má visibilidade. Além disso, eles

sofreram ameaças do VRS de matar as tropas holandesas e os reféns franceses

(pilotos na custódia do VRS), bem como o complexo da ONU, Potočari, do lado de

fora da cidade, e áreas vizinhas para onde de 20.000 a 30.000 civis haviam fugido.

Na noite de 11 de julho de 1995, cerca 25.000 refugiados, em sua maioria

crianças, idosos, mulheres e deficientes, bósnios de Srebrenica foram reunidos em

Potočari, em busca de proteção dentro de sede da UNPROFOR. A cidade estava

lotada e as condições humanas eram precaríssimas. Como se não fosse suficiente,

sérvios se misturavam no meio da multidão e executavam sumariamente diversas

pessoas. Estupros frente aos familiares das vítimas, abusos e mortes arbitrárias, até

mesmo de crianças, por motivos tolos foram comuns. A partir da manhã de 12 de

julho, as forças sérvias começaram a reunir homens e meninos a partir da população

de refugiados em Potočari e mantê-os em locais separados, onde relatam-se

diversos assassinatos também.

A paz do conflito só seria selada meses depois, a instabilidade, entretanto,

permaneceria além. Muitos refugiados fugiram ou tentaram fugir por rotas diversas, a

região de Tuzla e Žepa foram dois dos destinos frequentes, os caminhos eram

longos e com a falta de condições, água e mantimentos muitos morriam no trajeto.

Sobreviventes afirmam que foram bombardeados e atacados com forte elemento

químico no caminho. Mas não se sabe ao certo quantos foram presos, interceptados

ou mortos no caminho.

2.4. A atuação da ONU e da OTAN

Em 1991, em resposta à situação de guerra supracitada, o Conselho de

Segurança das Nações Unidas decretou embargo de armas à Iuguslávia5, fato que

provocou grande disparidade de capacidade militar. De um lado, os servo-bósnios

5 Resolução 713 do CSNU. Disponível em:

<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/713(1991)>. Acesso em 30/07/2015.

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apoiados e armados pelo exército nacional iugoslavo, de outro os mulçumanos e

croatas sem terem acesso a armamentos. Em 1992, a fim de criar condições

necessárias para alcançar um acordo, o Conselho de Segurança estabeleceu6 a

Força de Proteção das Nações Unidas (UNPROFOR), inicialmente, na Croácia.

Contudo, a guerra se extendeu ao território da Bósnia e Herzegovina, que também

se declarou independente com o apoio dos croatas e dos muçulmanos da Bósnia e

com a oposição dos sérvios bósnios. Ainda em 1992, a ONU reconheceu a

Eslovênia, a Croácia, e a Bósnia e Herzegovina como Estados-Membros7.

Houve a intervenção dos exércitos sérvios e dos croatas e o Conselho de

Segurança impôs sanções econômicas8 contra a República Federal da Iugoslávia,

composta no momento por Sérvia e Montenegro.

A guerra se intensificou e gerou a maior crise de refugiados registrada na

Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Em vista das denunciadas generalizadas

sobre “limpeza étnica”, o Conselho de Segurança criou9, em 1993, um tribunal

internacional para julgar os crimes de guerra. Também estabeleceu alguns lugares

como “zonas seguras”, numa tentativa de isolar certos locais do combate.

A UNPROFOR tentou assegurar a entrega de ajuda humanitária na Bósnia e

defender Sarajevo, a capital, assim como outras “zonas seguras”. No entanto,

embora o controle das forças da manutenção da paz tenha solicitado 35.000

efetivos, o Conselho de Segurança autorizou apenas 7.600. Para parar os ataques

contínuos a Sarajevo. Em 1994, a Organização do Tratado do Atlântico Norte

(OTAN) autorizou ataques aéreos solicitados pelo Secretário-Geral.

Os combates se intensificaram em 1995 e a Croácia lançou grandes

ofensivas contra suas áreas onde havia população sérvia. A OTAN respondeu ao

bombardeio constante de Sarajevo pela artilharia dos sérvios da Bósnia com

ataques aéreos intensos. As forças sérvias da Bósnia ocuparam as “zonas seguras”

6

Resolução 779 do CSNU. Disponível em:

<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/779(1992)>. Acesso em 30/07/2015.

7 Resoluções 753 e 754 do CSNU. Disponíveis em:

<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/753(1992)> . Acesso em 30/07/2015. 8

Resolução 760 do CSNU. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/760(1992)>. Acesso em 30/07/2015

9Resolução 808 do CSNU. Disponível em:

<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/808(1993)>. Acesso em 30/07/2015

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de Srebrenica e de Zepa e mataram cerca de sete mil homens e crianças

desarmados em Srebrenica, fato que consistiu no maior massacre ocorrido na

Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Em um informe10 em 1999, o Secretário

Geral da ONU, Kofi Annan, reconheceu os erros cometidos pela organização e seus

Estados Membros em responder a campanha de limpeza étnica que resultou na

tragédia de Srebrenica e afirmou que o ocorrido “assombrará para sempre a história

da Organização”.

2.5. O Acordo de Dayton

A guerra da Bósnia foi oficialmente encerrada com a assinatura do acordo de

Dayton na França, após três semanas de intensas negociações na base aérea da

cidade americana de Dayton. O acordo foi concluído nos Estados Unidos em 21 de

novembro de 1995 e oficialmente assinado na França em 14 de dezembro de 1995.

Sob testemunho do presidente francês Jacques Chirac, do presidente dos Estados

Unidos Bill Clinton, do primeiro-ministro britânico John Major, do chanceler alemão

Helmut Kohl e do primeiro-ministro russo Viktor Chernomyrdin.

Dois acordos antecederam o acordo de Dayton, o primeiro, em 10 de

novembro de 1995, no qual a República Bósnia-Herzegovina e a Federação Bósnio-

Croata acertaram a instituição da Federação Bósnia-Herzegovina e a definição de

um governo de transição para a cidade de Mostar. Dois dias depois, em 12 de

novembro, sérvio-bósnios e croatas firmaram um acordo-base sobre a Eslovênia

Oriental, Barânia e Sírmio Ocidental, como pré-requisito para o tratado de paz de

Dayton.

O principal objetivo do acordo de Dayton é promover a paz e a estabilidade na

Bósnia e Herzegovina, além de melhorar o equilíbrio regional em torno da antiga

República da Iugoslávia. As atuais divisões políticas da Bósnia e Herzegovina e sua

estrutura de governo foram acordadas no âmbito da constituição que compõe o

10 Press Release 7489 do Secretário Geral das Nações Unidas. Disponível em:

<http://www.un.org/press/en/2000/20000710.sgsm7489.doc.html> . Acesso em 30/07/2015

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Anexo 4 do Acordo concluído em Dayton. Neste, o Estado da Bósnia-Herzegovina

foi definido como da Federação da Bósnia-Herzegovina e da República Srpska.

Bósnia e Herzegovina é um estado completo, ao contrário de uma confederação;

nenhuma entidade ou entidades poderiam ser separadas da Bósnia, a menos que

através de devido processo legal. Assim, a parte Bósnia ficou definida como parte

croata-muçulmana e outra como sérvia. A capital Sarajevo permaneceu sob controle

bósnio. As ex-zonas sob proteção da ONU: Pale, Srebrenica e Zepa, por sua vez,

foram mantidas na tutela sérvia. Uma tropa internacional de paz, comandada pelos

Estados Unidos e a encargo da OTAN, foi estacionada na Bósnia e na Croácia para

fiscalizar o cumprimento do acordo.

2.6. O(s) conceito(s) de Genocídio: definindo o indefinível

“Existem crimes que os homens não conseguem nem punir,

nem perdoar. Quando o impossível foi feito possível se tornou

impunível, imperdoável, inesquecível mal absoluto que não

mais pode ser explicado por motivos maldosos de auto

interesse, avareza, ressentimento ou desejo pelo poder e

covardia, e dessa forma a raiva não podia vingar, o amor não

pode relevar, a amizade não pode perdoar. “

Hannah Arendt

“Em todos os períodos da história, o genocídio gerou enormes

perdas de humanidade"

Preambulo da Convenção contra o Genocídio, ONU, 1948

2.6.1. O debate acerca do genocídio e a Convenção de 1948

O extermínio e a barbárie não são episódios raros na história da humanidade.

Obras tão antigas quanto a Bíblia nos descrevem cenas como o aniquilamento dos

Amalecitas e dos Midianitas, ao terem barrado aos Hebreus o “acesso a lei divina”

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(BIBLIA, Mateus, 5: 13). Os gregos, muito antes de qualquer registro cristão,

narravam durante os relatos da guerra de Tróia, o projeto dos devotos de Agamenon

de total erradicação dos habitantes da cidade de Priam (HOMERO, 700 a.c). Quase

2200 anos depois, o processo de colonização do “Novo Mundo” e da África marcou

um período de “apagamento” de culturas, subjugação de povos, estupros coletivos e

uma sanguinária cruzada contra os povos originais, sem precedentes na história.

Foi após o nazismo que o “crime sem nome11”, tantas vezes cometido ao

longo da história, passou a ser estudado com afinco na busca de uma definição

clara e geral de sua natureza. Esse debate foi iniciado no campo do Direito

Internacional quando, durante a Quinta Conferência Internacional para Unificação do

Direito Criminal, situada em Madri em 1933, o jurista polonês Richard Lemkin “

submeteu a proposta de declarar a destruição racial, religiosa e social de coletivos,

um crime no Direito das nações” (ANDREOPOULOS, 1994). Sem embargo, foi

apenas em 1946 que Lemkin viria a utilizar pela primeira vez o termo “Genocídio”,

que para ele era “a tentativa criminosa de destruir ou ferir permanentemente um

grupo humano. Os atos são dirigidos contra grupos, como um todo, e os indivíduos

afetados são selecionados para serem eliminados apenas porque são membros do

referido grupo” (LEMKIN, 1946, grifo nosso, tradução nossa).

A palavra parte da junção de duas palavras gregas: genos, referente a raça

ou trive, e o termo cide, que significa assassinato. Com o exemplo da expansão

racista da Alemanha nazista, o jurista julgou que a destruição de uma grupo étnico e

sua cultura não passa apenas pelo total aniquilamento de uma população mas,

principalmente, por ataques sistemáticos a elementos chave da própria existência

desse grupo como uma coletividade, tais como: a língua, a memória, relações

socioeconômicas, etc. Ao criar o termo, o jurista não apenas ampliou os estudos

acerca do terrível movimento Nazifascista na Europa, mas criou todo um novo

campo jurídico que coordenou os países da comunidade internacional para o

combate aos crimes contra a humanidade (ANDREOPOULOS, 1994).

Como resultado desse esforço, em 11 de dezembro de 1946, a Assembleia

Geral da ONU passou uma resolução que utilizava as teses de Lemkin como coluna

11 Winston Churchill, em 1944, falando sobre os horrores do regime Nazista perpetuado pela

Alemanha, afirmou que Hitler estava cometendo um “crime sem nome” (BRUNETEAU, 1998)

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vertebral da primeira definição oficial de Genocídio12 no Direito Internacional. Esse

foi o primeiro passo para que, em 1948, a Convenção de Genocídio da ONU fosse

estabelecida e definisse de maneira permanente o crime de genocídio (STAUB,

1989).

“Na presente Convenção, genocídio significa os seguintes atos

cometidos com intenção de destruir, como todo ou em parte,

um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como:

a) matar membros do grupo;

b) causar séria agressão física ou mental aos membros do

grupo;

c) deliberadamente infligir no grupo condições de vida

calculadas para trazer destruição física, ao todo ou em parte do

grupo;

d) impor medidas com a intenção de prevenir nascimentos

dentro do grupo;

e) transferir forçadamente crianças do grupo para outro grupo.”

(CONVENÇÃO PARA PREVENÇÃO E PUNIÇÃO DO CRIME

DE GENOCÍDIO, 1948, tradução nossa, grifo nosso)

Ao compararmos a definição original, de 1946, com aquela tornada oficial pela

aprovação da Convenção em 1948, notamos sutis diferenças que, apesar de

parecerem pequenas, geram uma completa transformação na compreensão do

crime de genocídio e nas possibilidades de aplicação dessa definição em termos

práticos.

12

A resolução afirmava, de maneira bastante análoga à proposição de Limken, que

“Genocídio é a negação do direito de existência de um grupo humano (...) Várias das instâncias de tais crimes ocorrem quando grupos raciais, religiosos, políticos, dentre outros tenham sido destruídos, em sua totalidade ou em parte” (ONU, 1946)

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A primeira dessas diferenças, é a supressão do termo “grupos sociais e

políticos” dentre àqueles que poderiam ser vítimas de genocídio. A razão dessa

supressão foi o intenso debate gerado sobre a possibilidade dessa inclusão “abrir

brechas para intervenção externa em assuntos internos do Estado”, os principais

defensores desse argumento foram a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a

Iugoslávia e, surpreendentemente, o Brasil (STAUB, 1989). Essa exclusão apresenta

consequências diretas na aplicação do conceito, tanto em termos teóricos (nos

estudos do campo de Genocídio) quanto em termos práticos (CHALK, 1990). Em

sua obra “The History and Sociology of Genocide”, o sociólogo Frank Chalk destaca

em sua crítica que além de ter sido “uma definição de pouco uso acadêmico”, foi

uma definição que culminou em “diversos casos de absolvição de Genocidas como

Macias na Guinea Equatorial e a liderança paquistanesa durante seus assassinatos

em massa em Bangladesh” (CHALK, 1990).

A segunda é a problematização do termo “intenção”, grifado no texto

supracitado da convenção. Na definição de 1948, é dada grande relevância a

questão de que o accountability das ações de genocídio só se encaixam se o

objetivo final do perpetrador for declaradamente a destruição de um grupo. Esse fato

gerou enorme debate entre acadêmicos que afirmam que essa nebulosidade em

relação ao que caracteriza tal intencionalidade geraria um enfraquecimento nos

termos em que seria possível punir regimes genocidas (ANDREOPOULOS, 1994).

Dois exemplos claros dessa brecha legal foram: o genocídio promovido pelo Iraque

contra os curdos e o genocídio armênio promovido pelos turcos, em ambos os

casos, os governos alegaram que os assassinatos em massa foram “baixas de

guerra”, não alvos de um processo de limpeza étnica. Outra crítica a perspectiva da

intencionalidade, provêm de acadêmicos como Wallimann e Dobkowski, que

afirmam que essa abordagem estruturalista é praticamente impossível de ser

localizada em uma sociedade “cada vez mais amorfa, onde as forças estruturais são

demasiadamente complexas” (WALLIMANN, DOBKOWSKI, 2000). Ademais,

também é criticado o termo da intenção por “gerar uma hierarquia dos assassinatos

em massa” (CHARNY, citado em ANDREOPOULOS, 1994).

Dessa maneira, a definição cunhada na Convenção de 1948 apresenta o

problema de ser, ao mesmo tempo, ampla demais - no que tange à questão de

intencionalidade, enfraquecendo sua aplicabilidade em casos reais de Genocídio - e

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também fechada, ao limitar a um grupo demasiadamente específico as possíveis

vítimas do Genocídio. O sociólogo Bernard Bruneteau na obra “O Século dos

Genocídios”, aponta ainda que ao utilizar o termo “destruir, como um todo ou em

parte, um grupo”, a ONU dificulta a diferenciação do crime do Genocídio com o de

massacres ou assassinatos em massa.

Fica evidente, portanto, que apesar de ser um claro avanço nas brechas da

Lei Internacional em seu enfrentamento ao Genocídio e do entendimento dos

Estados acerca de sua responsabilidade de intervenção em casos de grandes

crimes contra a humanidade (POWER, 2003), a Convenção apresentava uma

inúmera série de lacunas. Muito disso, se deve ao fato inerente de que toda decisão

das Nações Unidas, necessariamente, se torna o “acordo que mais beneficie os

Estados membros (...) Uma resposta as necessidades práticas dos governos, não

necessariamente das vítimas ou dos estudiosos do campo” (CHALK, 1994). É

necessário o aprofundamento nas múltiplas definições que se sucederam após a

Convenção para que seja possível a construção de um conhecimento crítico e amplo

de todas as diferentes definições e suas aplicações em casos concretos, em

especial, no massacre de Srebrenica.

2.6.2. Perspectivas do pós-48: profundidade e alargamento

Como em todas ciências, a abertura de um novo campo de estudos é

marcada, primeiramente, por um período de ceticismo. A luta solitária de Lemkin,

durante 10 anos, tentando consolidar o crime de Genocídio no Direito Internacional é

um exemplo desse período (POWER, 2002). O segundo período, diretamente após

o tardio reconhecimento da definição com a Convenção de 1948, é um momento de

profunda crítica e busca por uma definição que extrapolasse a mera definição

jurídica, cunhando uma interpretação congruente à realidade (BRUNETEAU, 2004).

Os esforços realizados para concepção de uma denominação alternativa

àquela utilizada pela ONU geraram uma vasta gama de elaborações que variavam,

especialmente, em aspectos dos atos considerados genocidas, as intenções dos

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perpetuadores, a natureza do grupo de vítimas e o papel do Estado como agente da

violência (FEIN, 1993).

Não cabe a esse estudo buscar uma genealogia das teorias alternativas de

Genocídio, mas cabe, sim, uma avaliação das mais importantes, expoentes e

diversas dessas que sirvam de ferramenta de análise e que sejam capazes de

demonstrar as diferentes abordagens adotadas por agentes, estatais ou não, ao

tratar do tema.

Um dos teóricos que buscou expandir a gama de possíveis vítimas de

práticas genocidas foi Irving Horowitz em seu livro Taking lives: Genocide and State

power. Na obra, o sociólogo americano afirma que “O Genocídio é a destruição

estrutural e sistemática de inocentes (...) É um homicídio de Estado em grande

escala” (HOROWITZ,1976). Muito dessa crítica se dá pela grande cruzada do

cientista social contra os Estados socialistas, em especial à fase Stalinista da União

Soviética. Horowitz destaca que pouco importa se a motivação ao assassinato em

massa é a raça ou a classe de um grupo, mas sim, na “perspectiva genocidária”

estabelecida pela quantidade de mortos e pela ação sistemática ostensiva do

Estado, na perpetuação da violência.

Apesar de mais abrangente no que tange a classificação das vítimas, a

classificação de Horowitz peca em aspectos fundamentais: Primeiro, no

estreitamento daqueles que podem ser considerados genocidas, Horowitz classifica

que apenas a máquina Estatal pode realizar o genocídio, o que claramente exclui

grande parte dos episódios cruéis que hoje classificamos nessa denominação;

Segundo, a teoria de Horowitz tinha como claro alvo político repúblicas socialista, o

que é evidente quando o sociólogo afirma que “países com perseguição de classe

(...) são, em geral, genocidas” (HOROWITZ, 1976) e também por seu longo histórico

de crítica ao marxismo na sociologia como um todo. Na obra The decomposition of

sociology, o teórico afirma que “A decomposição da sociologia começa quando essa

grande tradição [tradição sociológica americana] se tornou subjugada e uma tradição

inferior [marxismo científico] surgiu na aurora dos triunfos totalitários” (HOROWITZ,

1994); Terceiro, da mesma forma que a utilização do conceito intenção na definição

da Convenção de 48, o uso do conceito inocentes também é abrangente e

problemático. Como abordado pelo linguista Tzvetan Todorov, “(...) todo terrorista

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julga que seus atos são contra-terroristas (...)” (TODOROV, 2010), ou seja, todo

agente de violência se julga em uma posição defensiva a algum tipo de ameaça. Na

narrativa nazista, os verdadeiros agressores eram os judeus, os ciganos, os

comunistas, entre outros grupos que ameaçavam a “pureza” do Estado germânico,

portanto utilizar o termo inocentes abre brechas tanto para Estados que tenham

praticado Genocídio, que utilizariam o termo para se absolver, quanto para Estados

que queiram instrumentalizar o termo com intenção de intervenção em assuntos

externos.

Evitando parte desses problemas, o historiador Frank Chalk apresenta uma

definição distinta que, de maneira inovadora, passa a conceber a identidade do

grupo como algo “construído pelo perpetrador”. Essa interpretação fica mais clara

quando se analisa a definição do autor:

“Genocídio é uma forma de unilateral assassinato em massa,

no qual o Estado ou outra autoridade tem a intenção de destruir

um grupo, e o grupo e a filiação de um membro nesse grupo

são definidas pelo perpetuador. “

(CHALK, 1994, tradução nossa)

Essa interpretação buscava sanar, sobretudo, as seguintes vicissitudes: a

classificação estreita de quais grupos poderiam ser vítimas de práticas genocidas, a

questão da intencionalidade e o papel do Estado no processo de extermínio

(CHALK, 1994). O primeiro problema é resolvido por definir que qualquer grupo pode

ser vítima dependendo da classificação do perpetrador, de maneira que não há

distinção alguma acerca da motivação que levou a coletividade a sofrer agressões,

mas sim um fator discricionário independente. O segundo e o terceiro problemas são

resolvidos com o mesmo fator, a definição do Estado como agente do Genocídio, de

forma que qualquer assassinato de massa perpetrado por um governo, fora de um

contexto de guerra, é um Genocídio. No quesito “responsabilidade do Estado”, a

definição de Chalk aparece como análoga à análise de Horowitz, porém com uma

diferença cabal. Ao passar a questão identitária das vítimas para o Estado

responsável pela violência, a intencionalidade está incluída de maneira lógica e

tácita (ibid).

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As questões que essa delimitação de Genocídio traz são complexas. Chalk

apresenta um grande avanço em termos identitários, visto que em muito dos casos

de Genocídio, a perseguição não se dá a um grupo coeso entre si, às vezes, tratam-

se de coletividades construídas por um imaginário estatal que afirma a existência de

grupos “malévolos, que ameaçam o seio da sociedade” (ibid). Contudo sua definição

apresenta, novamente, o problema de categorizar o Estado como único causador da

prática.

Outra crítica à concepção de Chalk é a de que “Incluir grupos construídos pela

imaginação paranoica de déspotas - como o caso dos “Wreckers”13 de Stálin (...)

gera um ambiente no qual todo àquele que é visto como inimigo do Estado é vítima

de Genocídio (...) Ao alargar o conceito, Chalk perdeu as causas específicas e as

consequências de destruir coletividades reais em oposição à intimidação e o

terror de massas” (FEIN, 1994). Essa crítica, construída pela socióloga Helen Fein, é

a base para a construção epistemológica do que ela chama de “paradigma do

genocídio”.

A autora, ao invés de propor uma definição fechada, sujeita a interpretações

diversas, aponta uma série de eventos que caracterizam um genocídio. As

condições ou eventos apontados são:

“1- Houve um ataque contínuo, ou ataques contínuos,

causados pelo perpetrador para destruir fisicamente os

membros de um grupo;

2- O perpetrador era um coletivo ou um ator organizado

[usualmente o Estado] ou um comandante de grupo

organizado;

3- A vítima foi escolhida porque faziam parte de uma

coletividade específica;

13 O “wrecking” (sem tradução conceitual no português) na União Soviética era o crime de

“desestabilizar órgãos e indústrias deliberadamente, com intuito de atrapalhar o funcionamento normal do Estado.”. Com a abertura dos casos de Stálin durante o regime Kruschov, verificou-se diversos casos nos quais acusados de wrecking eram enviados para campos de trabalho forçado e

também expostos à fome. Na maioria das vezes, não havia prova alguma de crime ou julgamento dos acusados.

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4- As vítimas não tinham defesa ou foram assassinadas

independentemente se resistiram ou se renderam; e

5- A destruição dos membros do grupo foi levada a cabo com

intenção de matar e foi sancionada pelo perpetrador “

(FEIN, 1994, tradução nossa)

Helen Fein busca, segundo suas próprias palavras, uma concepção

sociológica do genocídio e novas terminologias que diferenciem suas orientações.

As tipologias de genocídio que as pesquisas apontam, usando esse paradigma

como modelo, são: o genocídio de desenvolvimento (àquele perpetrado contra

grupos que apresentam obstáculos a um projeto econômico), o genocídio despótico

(de um grupo que apresenta oposição real ou potencial ao poder) e o ideológico

(destruição de um grupo considerado cruel, diabólico ou naturalmente, perigoso)

(BRUNETEAU, 2004). A tese de Fein sustenta que o genocídio é um assassinato

calculado levado a cabo por “uma elite, uma equipe ou uma multidão” (FEIN, 1992).

No campo da teoria, a perspectiva do “paradigma sociológica” de Helen Fein

foi uma enorme revolução em termos de relativizar ambos os aspectos, vítima e

perpetrador, construindo uma relação dialética na qual a contextualização de um

genocídio se dá na relação violenta de um grupo em posição de poder a um grupo

subalterno, de maneira unilateral, com intenções de destruição motivadas por

tipologias específicas. Assim, praticamente todo assassinato sistemático de grupos,

fora de tempos de guerra e com intenções de destruição do grupo como um todo,

eram considerados genocídio.

Israel Charny, psicólogo americano e grande estudioso da “anatomia do

genocídio”, por sua vez extrapola o último limite das teorias de genocídio que é a

intencionalidade. Para o autor, é fundamental a “construção de uma definição

genérica de genocídio”.

De maneira alguma o uso do termo “genérico” deve ser usado de maneira

depreciativa, pelo contrário, a busca por uma teoria genérica seria uma definição que

se encaixe em todos os casos de grandes massacres. Nas palavras de Charny, “A

definição de genocídio adotada no direito e pelos profissionais de ciências sociais

precisa estar coadunada com a realidade, então não deve haver situação alguma

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em que milhares ou até milhões de vítimas indefesas de massacres não sejam

“qualificadas” como como vítimas de genocídio” (CHARNY, 1994). Dessa forma, o

que se busca é uma teoria geral e irrestrita da aplicação do conceito de genocídio,

buscando evitar possíveis brechas aos Estados que cometem crimes contra a

humanidade, fortalecer os laços diplomáticos entre os países e promover a paz,

evitar a “hierarquização” de atrocidades nas quais grandes perdas humanas

ocorreram e evitar “revisionismos” históricos. Sua definição genérica de genocídio é,

portanto:

“Genocídio é, no sentido genérico da palavra, o assassinato em

massa de um número substancial de seres humanos, quando

não envolvidos em disputas militares entre exércitos em

tempos de belicância, em condições nas quais as vítimas estão

indefesas “

(CHARNY, 1994, tradução nossa)

Propondo seis diferentes tipologias em relação às motivações do genocídio,

essas são: o massacre genocida (massacres em que um grupo menor de pessoas

são mortas), genocídio intencional (assassinatos com intenção de destruir, em parte

ou no todo, grupos étnicos, políticos, religiosos, nacionais, biológicos, etc), genocídio

no processo colonizador ou de consolidação do poder (assassinatos de grandes

massas populacionais com intenção de consolidar o poder de um Estado em terra

estrangeira), genocídio no curso de guerra injusta (causado por um Estado belicoso

em agressão à outros), crimes de guerra contra a humanidade (uso de força

desmedida em ato de guerra) e genocídio como resultado de destruição ecológica e

abuso de recursos (aquele causado por destruição criminosa do meio ambiente

como poluição de nascentes d´água, vazamento tóxico, etc.) (ibid).

Tal proposição atinge um nível de extremo alargamento e aprofundamento na

aplicação do termo genocídio, entretanto, conforme apontado anteriormente, quanto

mais ampla a aplicação do termo, mais enfraquecido fica o peso jurídico do

genocídio, ao passo que praticamente todo abuso de força é classificado como

genocídio.

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Tais pontos de vista teóricos sustentaram por muito tempo o debate acerca

das diferentes definições de genocídio e foram as mais empregadas durante a maior

parte do século XX e XXI, apesar de que nenhuma delas chegou perto de se tornar

tão consagrada quanto aquele de Lemkin, tanto por ser ela a que foi legitimada na

convenção de 1948, mas também pelo fato de que muitas das definições

supracitadas atingem diretamente os interesses de grandes potências mundiais. No

caso da teoria de Charny, seriam as ações realizadas pelos Estados Unidos no

Camboja na década de 60 -com o uso indiscriminado de bombas químicas e o

assassinato de milhões de pessoas fora de um contexto de conflito com o país-

consideradas ações genocidas? A fome induzida na Ucrânia pela União Soviética,

não encaixaria como um genocídio a ser enfrentado pela Rússia?

Essas questões fomentam um debate importante acerca da

instrumentalização das definições de genocídio pelos Estados e da importância do

fomento a uma perspectiva crítica acerca do genocídio.

2.6.3. Srebrenica no "pós"- Guerra: um outro conflito

“Ainda estamos lutando a mesma guerra. Um dos fronts da guerra está aqui

mesmo, agora e é isso que estamos fazendo…. As apostas ainda são as

mesmas. E a razão de nossa luta é pelo nosso direito de viver, de viver

onde quisermos de acordo com os nossos direitos e crenças"

Emir Suljagic', um dos fundadores do movimento "Eu voto por Srebrenica"

(Glasacu za Srebrenica) comentando as eleições de 2012 (citado em

NETTELFIELD, WAGNER, 2014)

Em regiões afetadas por conflitos cruéis, marcados pela negação dos direitos

humanos mais básicos, o fim da guerra das balas e baionetas marca o início a

guerra epistemológica do direito à verdade, a justiça e a reparação. Como declaram

as professoras de Cambridge, Nettelfield e Wagner, "O que acontece numa guerra,

define o que vai acontecer depois da mesma. No caso de Srebrenica, a falta de

intervenção durante a guerra e a paralisia moral dos membros da comunidade

Internacional responsáveis pela defesa dos civis criaram o contexto para a

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intervenção pós-guerra" (NETTELFIELD, WAGNER, 2014, tradução nossa).

As intervenções, assim como a construção da memória acerca do genocídio

de Srebrenica, marcam um novo front onde a disputa se dá em torno dos

discursos14. Dessa forma, cabe expor a reconstrução de Srebrenica como um

processo duplo: de reconstrução física - no retorno dos refugiados, reedificação de

casas, desmantelamento de cemitérios clandestinos - e de reconstrução moral e da

psique coletiva - nas estruturas de memória, nos enterros em massa, nas “marchas

da Paz”, na busca por justiça - que não são dois movimentos análogos, mas duas

faces de um só movimento de tentativa de superação do massacre.

Para expor a situação atual de Srebrenica, é necessário entender esses

esforços. Assim, serão expostas três etapas do processo de transição da Bósnia: a

construção da memória, o retorno dos refugiados e deslocados internos para suas

casas e o direito à justiça por meio dos julgamentos. Depois de esclarecidos estes

três pontos, deverá ser feito o questionamento da eficácia (ou não) desses

mecanismos e o panorama atual da Bósnia, como reflexo desses resultados.

2.6.4. A construção da Memória: em busca do reconhecimento

Apesar da discricionariedade utilizada pelo senso comum de dividir o presente

e o passado como blocos distintos, é papel das ciências sociais apontar que a

história não é formada por pontos desconexos e sim por uma constante linha de

tempo na qual a contemporaneidade é reflexo das sementes de futuro plantadas

anteriormente.

14

O conceito de "discurso" aqui é usado nos termos de Michel Foucault, onde se assume que a disputa política é, basicamente, "a guerra continuada por outros meios" invertendo a famosa hipótese de Clausewitz. Nessa guerra a disputa é pelo "discurso vencedor", ou seja, o conjunto de símbolos socialmente aceitos que configuram os termos da "realidade" nas quais uma sociedade se constrói: sua legitimidade, seus limites e sua origem. Por exemplo, o discurso liberal com os símbolos da meritocracia, liberdades individuais, democracia, legitimam relações sociais desiguais, limita à ação violenta dos indivíduos e ao mesmo tempo, gera uma origem natural do "mercado" que passa a ser símbolo, ritual e instituição.

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Dessa forma, em um país marcado por um período de abusos em massa de

direitos humanos são necessárias uma série de ferramentas e mecanismos para

buscar a verdade, fortalecer a memória e punir os perpetradores, essa série de

mecanismos é definida como Justiça de Transição. A justiça de transição é

fundamental não só para o resgate da dignidade humana das vítimas, mas também

para curar as feridas do passado, pavimentar um caminho de paz entre os setores

da sociedade civil e, principalmente, restabelecer e legitimar o Estado Democrático

de Direito.

Como exposto previamente, nesse texto serão abordadas três partes do

processo de Justiça de Transição da Bósnia e o primeiro deles é a construção da

memória. A construção da memória, ou como colocado pela historiadora Jay

Winters, o “trabalho de lembrar” é uma forma de resgatar um movimento entre

passado e presente para construir uma unidade, uma ponte entre os dois momentos

com intuito de construir uma história coletiva ligada a termos de política, sociedade e

religião (NETTELFIELD, WAGNER, 2014, tradução nossa).

Uma das importantes ferramentas nesse “trabalho de lembrar” é a construção

de lugares de memória. Prática comum na América Latina, os lugares de memória

são ambientes em que se recupera a memória das atrocidades vividas em um

período de abusos contra os direitos humanos, com o objetivo de nunca

esconder/nunca negar/nunca repetir. Para Victor Abramovich, Secretário Executivo

do IPPDH15 do Mercosul, esses ambientes são “fundamentais para oferecer uma

reparação simbólica às vítimas, contribuir com a construção da memória social do

que aconteceu, e tomar medidas para julgar crimes contra a humanidade”

(ABRAMOVICH, 2012).

No caso da Bósnia, o grande espaço de memória foi a construção do

Memorial do Genocídio de Srebrenica, o cemitério de Potočari. Estabelecido como

um local de celebração da memória das vítimas e também de luto para os parentes e

amigos, que podem velar seus mortos no local. O ambiente é importante tanto por

questões práticas quanto em termos políticos, serve como um ambiente de

resistência e de resgate histórico no coração da República Sérvia e também como

15 Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos

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incentivo para o retorno dos deslocados internos e refugiados políticos para suas

antigas casas (NETTELFIELD, WAGNER, 2014, tradução nossa).

O grande esforço do Memorial é buscar as histórias por trás das mais de 8000

ossadas de muçulmanos encontrada, é buscar reconhecer quem são essas pessoas

tanto no stricto sensu com a tecnologia forense e, não menos importante, resgatar

as histórias dessas pessoas por meio de objetos e relatos.

O Memorial também é palco de uma das mais importantes celebrações da

Bósnia, a “Marcha da Paz” na qual anualmente pessoas do mundo inteiro,

especialmente parentes daqueles que foram assassinados, marcham pelo caminho

que as vítimas teriam feito “se lhes fosse permitido fugir” (NETTELFIELD, WAGNER,

2014).

Mulher muçulmana reza no Memorial de Srebrenica

O memorial foi construído com financiamento de grupos privados, organismos

internacionais (dos quais destaca-se a ONU) e também por muitas potências

internacionais. Os Estados Unidos, por exemplo, doaram 1 milhão de dólares para o

Memorial, o premiê inglês David Cameron, por sua vez, anunciou em 2015 que o

Reino Unido investirá 1.2 milhão de Libras para a comemoração dos 20 anos do

massacre, para “garantir que os eventos desse dia não sejam esquecidos”, os

holandeses não publicam números, mais são declaradamente uns dos maiores

financiadores dos mecanismos de memória de Srebrenica.

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Apesar das potências afirmarem que esses esforços servem para “reconhecer

o passado” (CAMERON, 2015), “celebrar a manutenção de um tempo de paz”

(CLINTON, 2015) ou “lidar com traumas coletivos” (NETTELFIELD, 2013), os críticos

têm uma visão mais cética. Novas evidências apontam provas concretas de que o

Ocidente não foi apenas incompetente no combate ao massacre, mas foi conivente

com o mesmo e dessa forma busca jogar uma cortina de fumaça para que sua

posição não seja investigada.

Durante os preparativos para os eventos de 20 anos da tragédia de

Srebrenica, documentos confidenciais, entrevistas e relatos de oficiais foram

compilados no livro “The Srebrenica Affair: The Blood of Realpolitik” da jornalista

Florence Hartmann, que indicam esse entendimento. Um documento da CIA,

recentemente “declassified” afirmava que “o enclave da ONU é uma espinha de

peixe na garganta dos Sérvios (...) devemos estar dispostos a ceder”. Mladic já havia

declarado abertamente o plano de “limpar a área dos enclaves” e não era nenhuma

novidade para as grandes potências de que a situação era “incontrolável”, como

afirmado em relatórios dos conselheiros de Estado da França e do Reino Unido. Em

caso mais grave, sabendo de toda situação, o diplomata americano Anthony Lake,

conselheiro de segurança estadunidense, afirmou que os Estados Unidos deveriam

apoiar um mapa no qual Srebrenica fosse cedida aos sérvios, retirando a ONU de

uma posição de vulnerabilidade.

Outra crítica a esse esforço das potências ocidentais se dá em termos

geopolíticos. Países como a Rússia e a Sérvia acusam esses países de utilizarem

das doações e ingerências acerca de Srebrenica como uma maneira de aumentar

sua própria influência nos Balcãs, uma região estratégica em termos de energia e

localização na contenção do poder russo.

Dessa forma, a disputa de discursos acerca do Memorial se dá nos fronts da

memória e do pragmatismo, no qual, infelizmente, o sofrimento de milhares de

pessoas afetadas pelos crimes ocorridos em Srebrenica muitas vezes são

pormenorizados e instrumentalizadas em nome de disputas políticas externas.

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2.6.5. O resgate das vítimas

No pós-conflito, uma das principais questões enfrentadas pelo sistema

internacional era o retorno dos refugiados e dos deslocados internos para seus

antigos lares. Esse retorno trazia uma série de desafios para sua plena conclusão: a

recuperação da infraestrutura destruída pela guerra, o enfrentamento à xenofobia

ainda latente, a garantia de segurança para as vítimas, a garantia de estabilidade

para as vítimas, entre outros.

Para lidar com esses desafios, a primeira necessidade era financiamento. No

período que marca a fase de fim dos anos 90, o início da operação de retorno, o

principal vetor de financiamento foi o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), que buscou focar em estímulos microeconômicos como a

doação de vacas e pequenas quantias de dinheiro para que os muçulmanos que

voltassem tivessem a oportunidade de iniciar a vida como pequenos comerciantes

(NETTELFIELD, 2013). A ingerência do PNUD não se limitava a essas ações, o

organismo também buscou reconstruir a prefeitura da cidade, construir uma nova

malha viária e oferecer transporte para que os deslocados internos e refugiados

pudessem voltar.

Esses incentivos tiveram poucos resultados e, ao invés de encorajar os

muçulmanos a retornarem a suas casas, as medidas da ONU foram levadas como

uma piada de mau gosto por muitos ativistas, que afirmavam ser um absurdo que

uma organização cuja ineficácia causou a morte de milhares de pessoas, hoje

fincasse (literalmente) sua bandeira na prefeitura da cidade para convidar aqueles

que sobreviveram para retornar “ao maior palco de seu fracasso” (NETTELFIELD,

2013).

O esforço não foi solitário, em um arranjo feito pela comunidade internacional

- em especial pelos Estados Unidos e Holanda - foi fornecido um transporte para que

cerca de 400 deslocados pudessem visitar sua antiga cidade e, em alguns casos,

rever suas casas. A operação contou com o apoio da Força de Estabilização da

OTAN, a polícia Federal Bósnia, o Alto Comissariado das Nações Unidas para

Refugiados (ACNUR) e, mesmo que contrariadas, autoridades sérvias. A visita foi

marcada por manifestações xenófobas, com ataques aos comboios e xingamentos

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sendo proferidos.

Em meados de 2000, a situação de ajuda internacional se alterou. ONGS,

programas como o USAID e doações diretas de países aumentaram seu peso na

balança da reconstrução de Srebrenica, entretanto, o vetor desses esforços tem sido

durante todo o tempo o Srebrenica Regional Recovery Programme do PNUD que

ainda é o principal esforço da comunidade internacional para trazer estabilidade na

região.

A mudança no tipo de esforço pouco alterou a realidade dos resultados. Os

números de imigração interna de muçulmanos na Bósnia apontam que a taxa de

evasão da região de Srebrenica por essa minoria étnica é maior que a taxa de

retorno. Segundo Nettelfield, podem ser apontados duas questões primordiais para

isso: a insegurança dos muçulmanos em Srebrenica, ainda latente nos dias de hoje,

e a falta de perspectiva de um futuro na região (NETTELFIELD, WAGNER, 2014).

Com o retorno de refugiados e deslocados internos no início dos anos 2000, o

número de ataques perpetrados contra esses grupos extrapolaram as dezenas com

fuzilamentos em casas dos repatriados, ataques com carros bombas e execuções

sumarias realizadas por nacionalistas sérvios. A falta de punição para os executores

de tais práticas desencoraja os muçulmanos bósnios a acreditarem em um futuro

que não repita o passado (HUMAN RIGHTS WATCH, 2002). Em 2009, o número de

muçulmanos bósnios retornando de deslocamento interno e refúgio decresceu ao

ponto de não chegar em 600 pessoas e aquelas que chegaram buscaram lugares

afastados onde sua etnia era maioria (HUMAN RIGHTS WATCH, 2009).

Esses números estão atrelados a outro fator preocupante, a falta de

perspectiva laboral para aqueles que retornam. Desde 2002 até hoje, a Bósnia tem

tido indicadores de desemprego que variam de 56% de desemprego aos atuais 42%,

em regiões como Srebrenica, onde as estruturas de mercado ainda não estão

desenvolvidas, essas taxas chegam a ser maiores. Separando por recortes, a

situação fica ainda mais complexa: a porcentagem de jovens desempregados chega

à 57%, e se você é muçulmano, suas chances são ainda menores.

Assim, a pressão demográfica exercida pelo movimento de retorno é grande.

Pela falta de oportunidades e insegurança, pessoas jovens se veem pouco

motivadas a voltarem para uma região insegura, da qual tem pouca memória e

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pouca esperança de futuro, de maneira que a maior parte de pessoas que retornam

são idosos da área rural (HUMAN RIGHT WATCH, 2012). O grande número de

idosos e o baixo número de jovens geram uma pressão demográfica muito forte. Os

idosos dependem de benefícios da previdência social e, sem uma grande população

economicamente ativa, o Estado compromete seu crescimento.

Cabe ao governo Bósnio, em conjunto com o resto da comunidade

internacional, pensar mecanismos para aumentar o número de oportunidades de

emprego para jovens na região, em especial nas regiões afetadas pelos massacres,

de forma que as vítimas possam se reinserir na sua comunidade com dignidade e

segurança.

2.6.6. Julgamentos dos crimes na ex-Iugoslavia

Uma das pedras basilares da Justiça de Transição na antiga Iugoslávia é o

julgamento daqueles envolvidos diretamente nos crimes contra a humanidade

ocorridos em Srebrenica. A primeira singularidade desse processo foi a

implementação de um tribunal específico para lidar com esses julgamentos ad hoc, o

Tribunal Penal Internacional para Antiga Iugoslávia. Fundado em 1993, o tribunal foi

criado como um braço da ONU para julgar graves crimes contra a Humanidade

cometidos no território da antiga Iugoslávia, tendo sua sede em Haia na Holanda.

O tribunal foi o primeiro de seu tipo após os julgamentos de Nuremberg e

Tóquio no pós-II Guerra Mundial e levou 161 pessoas à julgamento por crimes

contra a humanidade, o maior número de processos de Crimes contra a

Humanidade na história. Todos os acusados foram investigados e encontrados por

meio de buscas transnacionais, os últimos a serem capturados foram o general

Ratko Mladić, acusado de ordenar e comandar o ataque que matou mais de 7000

muçulmanos sérvios, e Goran Hadžić, ex-presidente da Croácia acusado diversos

crimes dos quais ordenamento de extermínio, tortura e deportação ilegal, ambos

foram capturados em 2011 (ICTY, 2015).

Entretanto, apesar dos inegáveis avanços na quantidade de processados e na

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construção de um legado internacional de responsabilização de crimes contra a

humanidade, são inúmeras as críticas ao trabalho que o Tribunal vem

desempenhando e o resultado dos julgamentos para Bósnia não tem sido o

esperado.

Uma das críticas feitas ao trabalho do tribunal é que ele teria hierarquizado

crimes contra a humanidade. Segundo reportagem do Women’s Media Center,

especialistas da ONU em Violência Sexual em Conflito alegam que os casos de

violência de gênero e estupro como arma de guerra totalizam de 50 a 60 mil casos

(WOMEN UNDER SIEGE, 2012). Segundo o mesmo estudo, verdadeiros “campos

de estupros” foram construídos, onde testemunhas alegam que mais de 70 mulheres

foram presas por um período de um mês e estupradas todos os dias, por diversos

soldados sérvios. Contudo, apenas 28 criminosos foram condenados por crimes de

violência sexual e eles foram indiciados a penas mais brandas do que aqueles que

cometeram deportações forçadas, por exemplo.

Outra crítica é a lentidão dos processos. Alguns dos indiciados levaram 10

anos para serem julgados, e isso não é só por conta da complexidade dos

processos, é pela falta de estrutura. Segundo Barria e Roper, falta financiamento

para que o Tribunal possa contar com mais juízes e dessa forma acelerar o processo

de justiça (BARRIA, ROPER, 2013). Outros problemas apontados por esse estudo é

o de que o caso da antiga Iugoslávia se encaixa em uma situação de guerra civil,

onde muitas vezes se foge do escopo da lei internacional fazendo com que os

processos dependam de estudos caso a caso, paralelamente com a lei interna do

país (BARIA, ROPER, 2013).

Mas, enfim, os julgamentos do TPIAI conseguiram seus objetivos? Esses

esforços fortaleceram a reconciliação entre as diferentes etnias da antiga Iugoslávia?

A resposta direta é: não. Pelo contrário, muitos especialistas observam que os

julgamentos, ao invés de criarem um sentido de identidade, provocaram um

fortalecimento do nacionalismo sérvio e “um sentimento de ódio contra Haia”. O

sentimento que foi propagado para a maioria dos Sérvios é que os tribunais serviram

para perseguir apenas líderes sérvios, não para fazer justiça. A pergunta que os

sérvios se fazem é “porquê nenhum albanês ou muçulmano foi indiciado? ”.

Esse sentimento resultou em uma enorme crise política. Condenados como

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perpetradores de crimes de guerra são chamados de “heróis” por parte da

população sérvia, manifestações de apoio e celebração do Genocídio se tornaram

cada vez mais comuns e políticos envolvidos com o massacre usam o massacre

como propaganda. Em fevereiro de 2004, nas eleições gerais da República Sérvia,

os dois partidos que disputavam o poder estavam envolvidos com o processo de

limpeza étnica contra os muçulmanos, o Partido Socialista e o Partido Radical

Sérvio. O líder do PRS chegou a afirmar na corrida presidencial que “Os Socialistas

foram brandos com os muçulmanos, nós não”.

Protesto sérvio em defesa de Ratko Mladíc. Na faixa está escrito “Herói Sérvio”

Assim, é possível concluir que a falta de inclusão dos cidadãos da antiga

Iugoslávia do processo de justiça, distancia os esforços do TPAI dos seus objetivos

concretos. O fortalecimento de nacionalismos e um sentimento de “revanche” geram

um clima instável politicamente e ameaçam a segurança dos muçulmanos bósnios,

dificultando ainda mais sua integração e seu retorno.

2.6.7. Conclusão: Os desafios para a paz em Srebrenica

Na comemoração dos 20 anos do cessar fogo, poucos são os motivos de

celebração. Como supracitado, a Bósnia ainda vive uma situação de instabilidade

política e econômica que coloca em xeque a superação dos traumas do passado.

Tensões étnicas ainda existem e são fortalecidas por um sentimento, por

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parte dos sérvios, que eles tenham sido escolhidos como bodes expiatórios do

conflito. Com o sentimento de insegurança, a tendência é a formação de guetos

onde as minorias étnicas, como os muçulmanos, não se sintam tão vulneráveis à

constante violência existente.

Mapa demográfico da Bósnia antes e depois do genocídio. Em verde,

muçulmanos, em vermelhos sérvios e azul croatas.

Esses fatores também tem um impacto econômico. A falta de integração do

país prejudica o comércio e as relações financeiras, visto que a segregação espacial

se configura também em territórios de maior ou menor concentração de Capital, o

que por sua vez faz com que as minorias étnicas tenham menos oportunidades de

emprego e renda do que sérvios e croatas. Mas a segregação não é o único fator

para explicar as taxas de desemprego em 50% e de desemprego jovem em 60%,

críticos afirmam que, por ter recebido tanta ajuda humanitária internacional, o

crescimento interno foi desmotivado. Outro fator que estrangula o desenvolvimento

na Bósnia é o complexo sistema de governo estabelecido no pós-guerra. Mesmo

após o processo contra diversos líderes políticos na Bósnia por conta de crimes

contra a humanidade, muitos “afilhados” desses líderes ainda são vozes poderosas

no Congresso nacional e criam engrenagens que favorecem a corrupção e o

nepotismo. O acordo de Dayton, apesar de seus avanços, gerou uma enorme

burocracia na qual são estimuladas mais disputas internas entre os presidentes do

que verdadeiros esforços para o desenvolvimento.

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Outro problema é a persistência da violência étnica. Não é difícil ver

manifestações nacionalistas, pichações de supremacia sérvia ou até atentados

terroristas contra minorias étnicas em território bósnio. Mesmo em regiões onde

existe a convivência pacífica entre as múltiplas etnias, muitas famílias muçulmanas

preferem que seus filhos não vão para a escola, ou que vão em turnos diferentes

que o resto dos alunos. Segundo o relatório do Humans Rights Watch, a situação

tem piorado gradativamente com a exclusão de outras minorias como os grupos

ciganos, que não tem acesso aos serviços mais básicos de registro civil e, portanto,

são excluídos do exercício da cidadania na Bósnia.

Sem perspectiva de um futuro estável, refugiados e deslocados internos

preferem não retornar aos seus antigos lares, abrindo mão da memória e de seus

familiares em busca de um futuro mais próspero. Cabe a comunidade internacional

repensar os mecanismos para reconstrução da Bósnia e Herzegovina e

compreender o seu papel de culpa na situação atual que o país vive, sem o

fortalecimento de laços transnacionais e o reconhecimento do papel que o Ocidente

teve no genocídio, o cenário mais provável é de que episódios como Srebrenica

voltem a acontecer.

2.7. Posicionamento das delegações acerca do tópico

2.7.1. Angola

A delegação de Angola acredita que, independentemente de ser considerado

um genocídio, assassinato em massa ou massacre, o fato é que em 11 de julho de

1995, eventos extremamente graves equivalentes ao crime de genocídio, como foi

reconhecido pelo Tribunal Internacional para a ex-Iugoslávia, ocorreram em

Srebrenica. Para além disso, o país reconhece que vários outros massacres, de

igual relevância, ocorreram na região durante a Guerra da Bósnia e eles devem,

também, ser levados em consideração pelo Conselho de Segurança das Nações

Unidas.

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Além disso, Angola crê ser papel do Conselho de Segurança facilitar e

acelerar o processo de reconciliação nos Bálcãs, criando ações que promovam a

cooperação e a reconciliação genuína, vendo o passado como uma lição a ser

aprendida, ajudando a entender e enfrentar as necessidades do presente e do

futuro.

2.7.2. Chade

O Chade acredita que o massacre em Srebrenica, enquanto crime de guerra,

enquadra-se na categoria de genocídio. Para o país, o massacre teve o intuito de

promover uma limpeza étnica, por meio de um ataque brutal, que incidiu justamente

em uma área que havia sido declarada segura pela ONU.

A classificação do episódio como genocídio teria um caráter dúplice.

Primeiramente, seria uma reposta clara ao mundo de não tolerância a crimes dessa

magnitude, que expressam a maior afronta aos direitos humanos no âmbito de

cenários de guerra. Em segundo lugar, seria um meio de apaziguar as tensões

étnicas que persistem na área, por trazer conforto às vítimas e fazer com que o

sentimento de injustiça cessasse, o que possibilita que cenário de paz prospere.

O país também compara o genocídio com o massacre dos Tutsis em Ruanda

e acredita que é dever do Conselho de Segurança assegurar que tragédias como

essa nunca mais na história aconteçam.

2.7.3. Chile

O Chile acredita que é imprescindível que se debata o massacre ocorrido em

Srebrenica, pois o direito à verdade e à memória das sociedades deve ser sempre

assegurado. Portanto, é importante que a comunidade internacional demonstre sua

solidariedade para com as vítimas e famílias, rejeitando e qualificando corretamente

as atrocidades ocorridas na cidade. O Chile condena vigorosamente as violações

aos Direitos Humanos, defendendo a importância de transmitir esse tema à

consciência coletiva e reconhecer as situações em que, os países, como Nações

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Unidas, falharam. Pois uma vez que investigar e perseguir esses crimes é uma das

responsabilidades da comunidade internacional, esta deve acompanhar e apoiar os

estados membros quando esses, voluntariamente ou por manifestada incapacidade,

não cumprem com suas obrigações.

2.7.4. China

A República Popular da China destina seus maiores esforços no cenário

internacional para a manutenção da paz e a promoção do desenvolvimento comum

das nações. O país sempre respeitou a soberania e a independência da Bósnia e

muito se preocupa com os acordos realizados pelas Nações Unidas e a eficácia

destes para a promoção da paz e da estabilidade duradores na Bósnia. Com isso, o

Estado acredita que se devem priorizar projetos construtivos, que de fato

estabeleçam a paz na região, e sejam capazes de promover uma reconciliação. A

nação chinesa entende que o tema genocídio é muito delicado e deve ser abordado

com o devido cuidado para não acabar gerando mais divergências entre as etnias

que vivem em um impasse na região há anos. O país considera importante que se

recorde os descumprimentos dos Direitos Humanos por ambas as partes do conflito

na época, e lamenta muito o massacre ocorrido.

2.7.5. Espanha

Como integrante da União Europeia, a Espanha partilha da visão de que o

ocorrido em Srebrenica foi um genocídio, e que é dever do Conselho de Segurança

prevenir que outros aconteçam, por isso, espera-se que os 20 anos do

massacresejam lembrados e que ele seja condenado devidamente como genocídio.

Durante o período do conflito a Espanha enviou tropas para as missões da ONU de

estabelecimento de paz na Bósnia e, junto da França, Grã-Bretanha e EUA,

participou de um acordo estratégico para manter áreas seguras, contra a invasão

sérvia. Ademais, a Espanha também mantém apoio a missão da União Europeia na

Bósnia e Herzegovina (EUFOR ALTHEA) e entre dezembro de 2007 e dezembro de

2008 o Major General espanhol Ignacio Martín Villalaín foi o comandante da missão.

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Nesse sentido, a Espanha entende que quando crimes assim ocorrem é uma derrota

pra todos, não apenas para as vítimas. Reconhecemos os esforços feitos pela ONU

ao longo dos anos para erradicar essas práticas, bem como os abusos sexuais

contra mulheres e crianças. Sendo assim, é papel do Conselho de Segurança

condenar Srebrenica como genocídio.

2.7.6. Estados Unidos da América

A atuação dos Estados Unidos da América na Conferência de Dayton, em

1995, para o fim da Guerra da Bósnia foi decisiva. A tropa internacional de paz que

atuou na região conflituosa e supervisionava o cumprimento dos acordos firmados

foi comandada pelos EUA sob a responsabilidade da OTAN.

Para a delegação americana, é essencial reconhecer a falha da atuação das

Nações Unidas em Srebrenica e, por isso, classificar o massacre ocorrido como um

genocídio é urgente. O país afirma contínuo compromisso em responsabilizar os

autores das atrocidades ocorridas, uma vez que mais de 8.000 homens e meninos

foram mortos e inúmeras mulheres e meninas foram estupradas, em parte porque os

autores acreditavam que nunca seriam punidos. A delegação crê que negar o

genocídio ocorrido em Srebrenica se equipara a negar o Holocausto e o genocídio

em Ruanda, pois conclui que essa é a classificação do ocorrido baseada em

diversas provas do Tribunal Internacional para a ex-Iugoslávia e pelo Tribunal

Internacional de Justiça.

2.7.7. Federação Russa

A Rússia não teve atuação direta no conflito entre sérvios e bósnios, mas foi

veemente contra a liberação de armas ao governo bósnio no decorrer da guerra e

procurou auxiliar, mesmo que distante, no fim do conflito.

Entre as posições que reconhecem o conflito em Srebrenica como guerra civil

e genocídio, o governo russo coaduna com a primeira. A Rússia tende a discordar

da classificação do massacre de 11 de julho de 1995 em Srebrenica como

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genocídio, defendendo que tal reconhecimento seria motivado por questões

políticas, e que tal fato só agravaria as tensões étnicas na região. O posicionamento

russo reflete também um pedido direto do governo sérvio, porém a Federação Russa

enfatiza que isso não implica em não reconhecimento do sofrimento das vítimas do

massacre e em outras ocasiões na Bósnia e Herzegovina. A própria Sérvia

reconheceu o episódio como um crime muito grave, mas sem fazer menção ao

termo genocídio

2.7.8. França

Para a França essa reunião é de extrema importância e marca uma

reconciliação entre o que aconteceu no passado e o presente, sendo primordial para

que a paz seja alcançada no país. Durante o período da Guerra da Bósnia, a França

compunha as forças da OTAN, que estiveram atuando na região. Mesmo no período

do conflito as relações entre os países nunca cessaram, tendo destaque para os

quesitos militares e diplomáticos. Em 1992 a França contribuiu para a UNPROFOR e

foi o primeiro Estado que abriu uma embaixada em Sarajevo. Atualmente, a França

ainda mantém apoio a uma missão mantida pela União Europeia na Bósnia e

Herzegovina (EUFOR ALTHEA). A França concorda que o que aconteceu em

Srebrenica foi genocídio e vê como responsabilidade especial do Conselho de

Segurança prevenir que tais atrocidades sejam condenadas e jamais se repitam.

2.7.9. Jordânia

A Jordânia condena fortemente o massacre ocorrido em Srebrenica e assim

como vários países considera que o foi um genocídio. Consideramos que o ataque

poderia ter sido evitado se a atuação da ONU, que tinha operações de paz na

região, tivesse sido mais efetiva. Com isso, a Jordânia espera que lições tenham

sido aprendidas, uma vez que é dever da ONU e de toda a comunidade internacional

evitar que tais tragédias aconteçam. O embaixador jordânio Príncipe Zeid al Hussein

serviu ao exército da ONU de manutenção da paz na Bósnia entre 2002 e 2005 e a

Jordânia aderiu ao boicote a Assembleia Geral na sessão em que uma

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representante das Mulheres de Srebrenica foi impedida de se pronunciar pelo

presidente de assembleia. A Jordânia acredita que essa reunião seja de extrema

importância para que se reconheça o que aconteceu em Srebrenica e que se tire

uma lição de tudo que passou.

2.7.10. Lituânia

A Lituânia reconhece o episódio de Srebrenica como sendo o pior crime de

guerra na Europa pós Segunda Guerra, motivado pelo intuito de uma limpeza étnica,

que dizimou milhares de vidas inocentes e deixou vítimas abusadas e marcadas

para sempre. Para a delegação, a justiça só se procede mediante a verdade e o

reconhecimento do massacre como genocídio tem força política e caráter preventivo.

A denominação correta demonstraria o reconhecimento do Conselho de

Segurança e da comunidade internacional da dor e da verdade dos fatos, essencial

para a justiça e conforto das famílias e vítimas sobreviventes. O reconhecimento no

seu caráter político consolidaria os esforços dos governos locais em cooperarem

para estabilizar o cenário de paz e de superação. Na perspectiva preventiva, emite-

se uma mensagem a todos que atentam contra a dignidade humana nos cenários de

guerra de que a injustiça não prospera.

2.7.11. Malásia

A delegação da Malásia acredita que o fim da impunidade é fundamental para

prevenir futuras atrocidades. Já que não foi possível impedir o massacre de

Srebrenica, é necessário não medir esforçamos em garantir que a justiça seja feita

por suas vítimas. Nesse sentido, a Malásia continua a apoiar o trabalho do Tribunal

Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, a fim de garantir a responsabilização pelos

crimes cometidos durante a guerra na região.

A delegação acredita que há uma necessidade de olhar para a futuro e

promover a reconciliação na Bósnia-Herzegovina e na região. É preciso, através de

nossos projetos de investimentos, procurar trazer os vários grupos étnicos na Bósnia

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e Herzegovina juntos no caminho para a integração econômica e social.

A Malásia acredita firmemente que os primeiros passos no sentido da

reconciliação devem reconhecer e aceitar o passado, a fim de construir um futuro

comum. Para o país, as Nações Unidas devem isso às vítimas de Srebrenica, pois é

necessário demonstrar que lições foram tiradas dos erros do passado e que esforços

não serão medidos para impedir tais atrocidades de voltar a acontecer.

2.7.12. Nigéria

A delegação da Nigéria acredita que a data de 20 anos dos 8mil mortos em

Srebrenica clama por uma reflexão acerca de quais foram os motivos que permitiram

que o massacre acontecesse e quais medidas devem ser tomadas para que

atrocidades como essas nunca mais voltem a acontecer. Para tanto, é preciso

analisar quais progressos na reconciliação da Bósnia-Herzegovina foram feitos.

Além disso, a Nigéria acredita que todos os membros das Nações Unidas têm

a responsabilidade de proteger seus cidadãos contra tragédias em massa. Por isso,

defende a formação de uma rede global que garanta, de maneira consistente e

efetiva, a responsabilidade de proteger. Por isso, acredita ser crucial desenvolver

instituições necessárias para prever e prevenir o genocídio, mecanismos de alerta

precoce e programas de prevenção de conflitos para garantir uma intervenção rápida

e fortalecer tribunais internacionais para a efetiva punição dos autores.

Para tanto, defende a formulação de um plano de contingência internacional

na prevenção de crises humanitárias como forma de resgatar a memória das vítimas

na data de 20 anos do massacre de Srebrenica.

2.7.13. Nova Zelândia

Para a delegação, o um Conselho têm o dever de lembrar o passado, a fim de

fazer todo o possível para evitar que a história se repita.

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As Nações Unidas e o Conselho falharam com as vítimas do conflito na ex-

Iugoslávia, especialmente com aquelas em Srebrenica. Essas falhas vieram a um

custo terrível para as pessoas inocentes de todos os lados. Olhando para o futuro, a

fim de evitar um outro evento como o em Srebrenica, ou mesmo outra Ruanda, é

preciso fazer mais do que apenas se esforçar para projetar melhores mandatos e

trabalhar para melhorar as capacidades de missões de manutenção da paz.

É evidente que o Conselho deveria ser mais ativo na tentativa de evitar

conflitos violentos antes que eles comecem. Contudo, o país acredita que é preciso

honestidade suficiente para admitir que a única garantia de evitar que os horrores

testemunhados em Srebrenica aconteçam novamente é os Estados-Membros das

Nações Unidas viverem de acordo com os compromissos assumidos na Carta

assumimos como condição de adesão a Organização e, um dos passos para isso se

concretizar é admitir o cárater de genocídio os acontecimentos de Srebrenica.

2.7.14. Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte

O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte repudia e lamenta muito o

evidente genocídio ocorrido em Srebrenica. Para o país, o enfrentamento do legado

de violência em massa do passado é um pré-requisito para a reconciliação e

estabilização da região. O acontecimento que se desdobrou na morte de cerca de

8000 pessoas não pode ser amenizado, é necessário que a comunidade

internacional dê uma resposta que demonstre respeito às vítimas e aos seus

familiares. É importante reiterar-se que o episódio já foi classificado como genocídio

tanto pelo Tribunal Internacional de Justiça quanto pelo Tribunal Internacional para a

ex-Iugoslávia, fato que parece ser ignorado por muitos.

Assim, o principal desejo do Reino Unido é que a reunião do Conselho de

Segurança leve em consideração todo o sofrimento dos atingidos pelo massacre e

dos que morreram nele, de forma que se busque, como forma de reparação,

promover a lembrança e a correta designação do ocorrido. Pois o direito à memória

e à verdade das sociedades deve ser respeitado. Por fim, é válido ressaltar que os

vestígios dessa época ainda vivem na região, que atualmente sofre com tremenda

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instabilidade, de forma que a reunião deve zelar pela reconciliação da mesma, que

começa com a constatação do genocídio.

2.7.15. Venezuela

A Venezuela condena fortemente o crime de genocídio ocorrido em

Srebrenica há 20 anos, época em que a comunidade internacional já era atuante e

presente. Assim, o fato ocorrido deve servir para que se questione a eficácia dos

mecanismos existentes. Apesar de qualificar o massacre como genocídio, o país crê

que a abordagem desse tema deve ser prudente e ter como principal propósito uma

reconciliação entre as partes e não promover mais ódio e rivalidade entre as etnias.

A reunião deve chegar à um consenso construtivo para a Bósnia, que ofereça

suporte para a reconciliação entre as etnias.

3. CRISE HUMANITÁRIA NO CONTINENTE AFRICANO

3.1. Contexto histórico sobre o continente Africano

Desde o processo de descolonização, iniciado na década de 1950, o

continente Africano vem buscando meios de se firmar no cenário internacional. É

importante destacar a vida política africana, uma vez que muitas das crises

humanitárias que o continente vive hoje derivam de um contexto histórico turbulento

e em muitos casos, das crises políticas dos países. Existe seis fases definidas: 1) a

ascensão à independência, 2) a formação de um sistema de Estados Africanos, 3)

os conflitos da Guerra Fria, 4) a “pacificação” e a marginalização, 5) a reinserção da

África do Sul e o conflitivo reordenamento geopolítico da África Central e 6) a

reafirmação africana (VISENTINI, 2010).

A partir da década de 1960, começam as primeiras tentativas de organização

do continente. Na busca de tentar desenvolver a cooperação entre os novos

Estados, surge a Organização da Unidade Africana (OUA) em 1963. Nos anos

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seguintes vários fatos internacionais influenciam diretamente no comportamento dos

novos Estados, como a Guerra Fria e a bipolarização, o Movimento dos Não

Alinhados, as Crises do Petróleo e a Conferência de Bandung.

3.2. A questão da República Centro-Africana

3.2.1. Contexto Histórico

A atividade governamental instaurada na República Centro-Africana remete

ao clientelismo, uma vez que cargos são distribuídos arbitrariamente, portanto, é

comum a nomeação de gestores com base em critérios étnicos e benefícios

pessoais. Essa realidade de falhas governamentais é originária da confluência de

vários fatores históricos. Em 1990, durante o governo de Kolingba, um movimento

pró-democracia surgiu no país, inspirado na queda do Muro de Berlim. Na mesma

diretriz, um grupo de países e agências, representado localmente, chamado

GIBAFOR (França, EUA, Alemanha, Japão, União Europeia, o Banco Mundial e a

ONU) pressionou Kolingba a adotar eleições livres para a RCA. Ele cedeu às

pressões e acabou convocando as eleições, que ocorreram em outubro de 1992,

assessoradas pelo Escritório de Assuntos Eleitorais da ONU. Contudo, Kolingba não

sai vitorioso e, visando manter-se no poder, alega supostas irregularidades nas

eleições. Com isso, o GIBAFOR volta a pressioná-lo, dessa vez para estabelecer um

Conselho Político Provisório Nacional (CNPPR) e para criar uma "Comissão Eleitoral

Mista", que incluísse representantes de todos os partidos políticos. Contudo, nada

disso se concretiza. Quando finalmente é realizada uma segunda eleição, em 1993,

novamente com a ajuda da comunidade internacional, Ange-Félix Patassé vence e

assume o governo.

Patassé remove muitas das características de Kolingba do governo e vários

partidários de Kolingba acusam-no de conduzir uma perseguição, ou "caça às

bruxas", como nomearam, contra a etnia Yakoma. Uma nova constituição é

aprovada em 28 de dezembro de 1994, mas essa não revela grande impacto sob a

política do país. A realidade era de múltiplos problemas sociais, alta corrupção e

muita insatisfação por parte da população. Entre 1996 e 1997, refletindo o abalo da

confiança pública e a impopularidade do governo, ocorrem três motins contra a

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administração de Patassé. Os motins foram seguidos por uma destruição

generalizada de propriedades e pelo acirramento da tensão étnica. Durante esse

período, o Corpo da Paz, instalado para auxiliar a conturbada situação da RCA,

evacuou seus voluntários para o país vizinho, Camarões, também em situação

crítica, de forma que o país ainda teve sua assistência defasada.

Com isso, foi assinado em janeiro de 1997, o Acordo de Bangui, que prevê o

envio de uma missão militar interafricana para a República Centro-Africana e a

permissão reentrada de ex-amotinados para o governo em 7 de abril de 1997.

Porém, A missão militar interafricana acabou sendo substituída por uma força de

manutenção de paz das Nações Unidas, em 1998, que foi chamada de MINURCA16

16

Minurca: foi implantado em abril de 1998 para ajudar na manutenção e reforço da segurança e da estabilidade em Bangui e arredores; supervisionar, controlar o armazenamento e monitorar a disposição de armas recuperadas no exercício de desarmamento; auxiliar na capacitação de polícia nacionais; fornecer aconselhamento e apoio técnico para as eleições legislativas. Mais tarde, MINURCA também foi mandatada para apoiar a realização de eleições presidenciais e supervisionar a destruição de armas confiscadas.

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Em 1998, as eleições parlamentares resultaram nos aliados de Kolingba

ganhando 20 dos 109 assentos, o que evidencia certa popularidade do opositor de

Patassé. Mas ainda assim, em 1999, apesar da raiva pública generalizada nos

centros urbanos por seu governo corrupto, Patassé ganhou um segundo mandato na

eleição presidencial. Entretanto, os descontentamentos novamente despontaram e

em 28 de maio de 2001, os rebeldes invadiram edifícios estratégicos de Bangui, em

uma tentativa fracassada de golpe. Nesse episódio, o chefe do Exército, Abel Abrou,

e o General François N'Djadder Bedaya foram mortos, na tentativa de conter a

rebelião. Mas a retaliação de Patassé não tardou, e este trouxe pelo menos 300

soldados do líder rebelde congolês Jean-Pierre Bemba, além dos soldados líbios,

que se envolveram na causa, para contra-atacar. Milícias leais à Patassé também

buscaram vingança, fato que ocasionou tumultos e o assassinato de muitos

opositores políticos nos bairros de Bangui.

Patassé chegou a suspeitar que o general François Bozizé estivesse

novamente envolvido em outra tentativa de golpe contra ele, o que levou Bozizé a

fugir com tropas leais ao Chade. Patassé estava certo em relação às intenções de

Bozizé, entretanto, não quanto à data, pois foi só em março de 2003, que Bozizé

organizou um ataque surpresa contra ele, que estava fora do país na ocasião. Os

rebeldes e as forças de Bozizé atacaram como veemência, e, apesar das tropas

líbias e cerca de 1.000 soldados da organização rebelde congolesa de Bemba

tentarem impedir, Bozizé derrubou Patassé.

Posicionando-se quanto à tomada de poder pela força e destituição do

presidente Ange-Félix Patassé o Conselho de Segurança condenou3 o golpe e pediu

encarecidamente para que as autoridades de Bangui elaborassem um plano que

promovesse o diálogo de modo a promover a realização de eleições o mais rápido

possível. Em 2005, eleições foram realizadas e o General Bozizé foi eleito no

segundo turno com 64,6% dos votos.

O governo Bozizé, especialmente a Guarda Presidencial, foi acusado de

cometer abusos graves de direitos humanos, especialmente no norte da RCA. A

Human Rights Watch entrevistou ex-prisioneiros encarcerados sob o governo de

3 Declaração feita pelo presidente do CSNU em 2004: Disponível em:

<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/PRST/2004/39>. Acesso em 31/08/2015.

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Bozizé, que foram recentemente libertados de um centro de detenção ilegal no

centro de treinamento militar do Bossembélé. Eles foram mantidos incomunicáveis

por meses, alguns até por anos enquanto estavam presos; a eles foram negados

alimentos, água e outros serviços básicos, além disso, foram torturados.

A má administração evidenciada nesse conturbado período exposto tem

efeitos muito danosos à economia, empobrecendo o povo e prejudicando os

investidores, de forma que o colapso da economia se torna um colaborador para

o colapso do estado. O governo da República Centro-Africana (RCA), não

conseguia prestar as funções estatais básicas, ademais, eram quase inexistentes os

serviços sociais, que acabavam sendo prestados por Organizações Não-

Governamentais. Além disso, constata-se que a RCA é um estado fracamente

institucionalizado, em que é perceptível a falta de segurança, gerando uma

atmosfera de alta vulnerabilidade a rebeliões e golpes, tão comuns na região.

3.2.2. A crise de 2013

O ano de 2012 foi marcado por uma forte onda de desestabilização nacional

(ALT, 2014). Em dezembro, as forças rebeldes do grupo Séléka (aliança de três

principais grupos rebeldes, composto majoritariamente por muçulmanos) começaram

sua mobilização contra o Governo de Bozizé, que culminou com a tomada da capital,

Bangui, em março de 2013. Com a destituição do presidente Bozizé, o líder do grupo

rebelde, Michel Djotodia, assumiu o cargo, deixando um rastro de destruição, abusos

e pavor pelas províncias que saqueou, até a chegada na capital (HUMAN RIGHTS

WATCH, 2013). Djotodia também suspendeu a Constituição e se intitulou

presidente-interino. Os avanços do grupo – que partiu do norte do país – eram

violentos e prejudicaram a agricultura e a mineração (ALT, 2014).

A oposição ao grupo que está no poder é formada por rebeldes do anti-balaka

– que existiam desde a década de 1990, e que, a partir de 2013, passaram a atacar

o Séléka. O Anti-balaka é constituído por diversos grupos étnicos, como Gbayas e

Bandas. Também não possuem unidade religiosa, sendo cristãos católicos,

protestantes ou tendo crenças locais. O conflito entre as milícias começou a partir de

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setembro daquele ano, quando os Anti-balakas passaram a agir contra as ações

adotadas pelo presidente Djotodia – que iria desmanchar o grupo Séléka e incluir

seus componentes nas Forças Armadas, privando-os da representação política que

havia sido prometida (ALT, 2013). Logo, além de enfrentarem agentes externos,

internamente a situação também se tornou instável e o novo governo perdeu o

controle da situação, dando espaço para confrontos extremamente violentos entre os

diversos grupos insurgentes. Ademais os dois lados têm matado civis (HUMAN

RIGHTS WATCH, 2013).

Nesse contexto, a França atrai atenção mundial para a crise que a RCA vinha

enfrentando. Como ex-colônia francesa, o país ainda possui certos vínculos com os

franceses, que fizeram, seja por interesse político, seja por interesse econômico,

junto da ONU voltarem seu olhar para a situação. Com isso, mais uma missão no

continente africano foi aprovada pelo Conselho de Segurança (resolução 2127) em

cooperação com a União Africana. A MISCA (Missão internacional de apoio à

República Centro Africana sob mandato africano) foi a primeira tentativa de

implementação de uma missão no país e no ano seguinte passa o mandado para a

ONU, passando a se chamar MINUSCA (Missão multidimensional integrada da ONU

para a estabilização da República Centro Africana). No fim de 2013 a ONU aprovou

que a França enviasse uma tropa para intervir no país, chamada de operação

Sangaris, para tentar controlar as rebeliões, desarmar milícias e reforçar a MISCA.

A situação local, então, engloba falta de polícia ou qualquer tipo de segurança

pública, escolas fechadas e hospitais ocupados pelos rebeldes, agravando a crise

humanitária. Apesar de tudo, o presidente Djotodia afirma que nenhum abuso foi

cometido por parte do Séléka, mesmo com a confirmação por parte de um dos

membros da milícia. Além disso, após 2013 a maioria dos ataques realizados contra

civis foi em províncias controladas pelo Séléka (HUMAN RIGHT WATCH, 2013).

A crise de 2013 abalou o país já frágil. As atrocidades cometidas tanto pelo

grupo Séléka, quanto pelo grupo Anti-balaka não causaram só uma enorme crise

humanitária. A economia, já deficitária, declinou ainda mais, violentas tensões nas

comunidades e ataques a muçulmanos ocorreram no oeste do país

(INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2014).

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3.2.3. A ação da MINUSCA e a crise humanitária

Em setembro de 2013 a crise humanitária chega a um ponto insustentável.

Através de uma iniciativa francesa que “alertou o mundo para um possível genocídio

na RCA” o CSNU aprovou a implementação da MISCA, já citada. Os rebeldes do

Séléka realizavam ataques usando facões, chamados de balakas (ALT, 2014),

contra civis desarmados, cometendo estupros e assassinatos a sangue frio de

crianças e idosos. Nas províncias, moradores eram obrigados a deixarem suas

casas para que os rebeldes pudessem saqueá-las. Mais de mil casas foram

destruídas ao longo de 34 vilas pelas quais eles passaram (HUMAN RIGHTS

WATCH, 2013).

Em janeiro de 2014, após a renúncia de Djotodia, Catherine Samba-Panza é

eleita presidente da RCA. Em abril, o CSNU aprovou a transição da MISCA em

MINUSCA, mobilizando 12 mil capacetes azuis para atuarem no país. Apesar das

eleições, a situação de insegurança continuou. Os ex-rebeldes do Séléka atacaram

um comboio de 1300 muçulmanos que saiam da capital em direção ao norte do país.

Emboscadas e ataques a vilas continuaram ao longo de 2014. Em julho desse ano,

em Brazzaville no Congo, houve uma reunião na tentativa de abrir um diálogo entre

os grupos opostos e reestabelecer a paz. Um cessar fogo foi assinado entre

rebeldes do ex-Séléka e a milícia Anti-balaka, após aqueles abrirem mão da ideia de

divisão do país com base na religião.

Após o acordo no Congo, a ONU e a RCA concordam em criar uma corte,

com juízes locais e internacionais para julgarem os crimes cometidos no país

durante os conflitos e de punirem seus responsáveis. Contudo, em outubro, cinco

pessoas foram assassinadas na capital e outras ficaram feridas em novos confrontos

entre comunidades. Nesse contexto, o CSNU, em 2015, prolongou por um ano o

mandato da MINUSCA e clama pela aceleração das eleições, que estão previstas

para dezembro de 2015. Entretanto, em abril nesse ano, o jornal britânico The

Guardian revela que relatórios confidenciais da ONU denunciam que abusos infantis

estariam sendo cometidos pelas forças armadas internacionais. O testemunho de

algumas vítimas revela que elas eram violentadas em troca de alimentos ou dinheiro.

14 soldados franceses e 5 militares estrangeiros foram acusados, tendo os fatos

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acontecidos entre dezembro de 2013 e junho de 2014. Em setembro de 2015 mais

atos violentos ocorrem próximos a um bairro muçulmano, nos quais pelo menos 20

pessoas foram mortas, fazendo com que o primeiro-ministro clamasse por ajuda à

missão francesa Sangaris e à MINUSCA para reforçar as patrulhas nacionais.

A MINUSCA foi estabelecida em 10 de abril de 2014 pela resolução 2149

(2014) do CSNU, tendo como prioridade máxima a proteção de civis, o respeito aos

direitos humanos e a assistência humanitária. Também está previsto o suporte na

transição política a fim de garantir a soberania do Estado. Ela é composta

atualmente de 10.806 pessoas, entre militares, voluntários e empregados. A grande

questão envolvendo a missão são as recorrentes denúncias de abusos cometidos

por militares em um ambiente em que deveria prevalecer a proteção e a garantia de

condições dignas aos refugiados. Até agosto de 2015 diversos jornais e ONGs,

como a Anistia Internacional, denunciaram mais ou menos 57 incidentes. Em

resposta a ONU iniciou uma série de investigações para apurar tais crimes e afirmou

que haverá “tolerância zero” em relação aos culpados (ANISTIA INTERNACIONAL,

2015)

3.2.4. Panorama socioeconômico

A situação da República Centro Africana é agravada não só pela insegurança

pública, mas também pela insegurança alimentar que em 2015 afetava 28% da

população, 33% necessita de alguma ajuda humanitária, 700 mil cidadãos estão fora

de casa e 288 mil estão refugiados em países vizinhos (AFRICAN ECONOMIC

OUTLOOK, 2015). Os rebeldes do Séléka, que surgiram para lutar contra as más

políticas executadas pelo Bozizé, acabaram por repetir suas ações, saqueando a

população civil e acabando com a agricultura e mineração do país através de

práticas ilegais, como o contrabando de diamantes e combustíveis

(INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2014).

O presidente Djotodia realizava gastos sem informar o Ministro das Finanças,

repassando 50% dos ganhos econômicos do país para o setor presidencial além das

despesas exorbitantes em viagens. Os “barões” do Séléka controlavam ministérios

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cobiçados, onde repetidamente fraudavam documentos, orçamentos e encobriam a

entrada ilegal de armas e diamantes. Não havia controles orçamentários no governo

que assumiu e a desorganização das finanças ficou visível ao final do ano de 2013,

quando, com o esvaziamento dos cofres públicos, não havia dinheiro para quitar os

salários dos funcionários públicos.

Uma companhia francesa, no governo de Bozizé, era responsável pelo setor

securitário que treinava as tropas de policiamento. Com Djotodia a companhia que

assumiu era registrada nos EUA, sob o comando de um cidadão francês. Na nova

presidência, em 2014, novamente uma companhia francesa tentou assumir a função,

porém as negociações estagnaram. Durante o governo de Djotodia, um esquema de

“economia ilegal” foi armado e sustentava os ganhos ilícitos da milícia. A conjuntura

do país se configurava em um ambiente propício para o surgimento de tais práticas,

com a pobreza generalizada, uma administração corruptível e a falência do Estado.

(INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2014)

Em 2014 com a formação de um governo e a eleição de Catherine Samba-

Panza, a economia passa por um período de re-estabilização. Apesar disso, o

cenário ainda é muito precário. O país, sem saída para o mar, depende muito da

agricultura e carece de infraestrutura. O governo planeja um desenvolvimento por

localidades, para tentar atender as necessidades específicas de cada região,

entretanto, ainda restam resquícios das tensões de 2013 que precisam ser

superadas. Grande parte da recuperação econômica que se observa vem de

investimentos estrangeiros e de investimentos do governo em infraestrutura, a fim de

reorganizar e reerguer o país. As eleições e a ação da MINUSCA deram uma

perspectiva de melhora nas condições socioeconômicas do país (AFRICAN

ECONOMIC OUTLOOK, 2015).

3.3. A questão do Sudão e do Sudão do Sul

3.3.1. Contexto histórico do Sudão

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A República do Sudão está situada no continente africano, faz limite a norte

pelo Egito, ao leste pelo Mar Vermelho, possuindo fronteira também com a Arábia

Saudita, Eritréia e Etiópia. A sul, faz limite com a Republica do Sudão do Sul e a

oeste pela República Centro-Africana, Chade e Líbia. O país tem por religião

predominante o islamismo e quase um quinto de sua população, está abaixo da

linha internacional da pobreza, aferido pelo senso de 2011, último registrado no país.

Até a separação do Sudão do Sul, o Sudão era o maior país do continente africano e

a sua população estimada é de 44.632.406 habitantes. Ademais, o país é divido pelo

Rio Nilo em parte ocidental e oriental.

A nação é membro da ONU, da Liga Árabe, do Movimento de Países Não

Alinhados, da União Africana e é membro observador da Organização Mundial do

Comércio. A capital política do país é Cartum, principal cidade, polo comercial,

cultural e econômico. O país é uma República federalista presidencialista,

democrática e representativa. O poder legislativo do estado sudanês é exercido pela

Assembleia Nacional, baseada na lei islâmica.

O Sudão foi incorporado ao mundo árabe na expansão islâmica do século VII.

O Sul se revoltou contra o controle muçulmano e sofreu incursões de caçadores de

escravos. Entre 1820 e 1822, é conquistado e unificado pelo Egito e posteriormente

entra na esfera de influência do Reino Unido. Em 1881 eclode uma revolta

nacionalista chefiada por Muhammad Ahmed bin' Abd Allah, líder religioso conhecido

como Mahdi, que expulsou os ingleses em 1885. Ele morre logo depois e os

britânicos retomam o Sudão em 1898. No ano seguinte, a Nação é submetida ao

domínio egípcio-britânico. Obtém autonomia limitada em 1953 e independência total

em 1956.

O Sudão está em guerra civil há 59 anos, com intervalos de paz. O conflito

entre o governo muçulmano e guerrilheiros não-muçulmanos, baseados no sul do

território, revela as realidades culturais opostas da Nação. A guerra e prolongados

períodos de seca já deixaram mais de 2 milhões de mortos.

A introdução da Sharia, a lei islâmica, causou a fuga de mais de 350 mil

sudaneses para países vizinhos. Ademais, a lei determina a proibição de bebidas

alcoólicas e punições por enforcamento ou mutilação.

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A formação do estado sudanês é marcada por diversos conflitos étnicos,

como reflexo da problemática divisão político geográfica dos países africanos. O

país foi colonizado pela Inglaterra e Egito e sua independência deu-se em 1956,

encadeando uma guerra civil com término em 1972. A segunda guerra civil perdurou

de 1983 a 2005, sua história perpassa o embate cultural, racial e religioso. Um

medidor de percepção da corrupção em vários países apontou o Sudão entre os

cinco países mais corruptos do mundo. O país, segundo o Índice Global de Fome

de 2013, tem um valor indicador GHI de 27, demonstrando um dado preocupante de

situação de fome. Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de 0,414, o coloca

entre os países com menores níveis de desenvolvimento humano do mundo.

Mesmo com os recentes investimentos em infraestrutura, o país tem uma

situação econômica grave. Desde o final da década de 1990 que o Sudão tem

acatado medidas de diretrizes macroeconômicas aconselhadas pelo FMI,

começaram a exportar petróleo, principalmente, para a China. A prospecção, em sua

maioria, está no Sudão do Sul e as refinarias e porto para escoamento pelo Mar

Vermelho no Sudão. Apesar de todos os desenvolvimentos do setor petrolífero, a

base da economia está no setor primário, em especial, a agricultura que emprega

80% da força de trabalho e contribui com quase metade do Produto Interno Bruto

(PIB) do país.

3.3.2. Contexto histórico do Sudão do Sul

Os povos do Nilo: os Dinka,Nuer, Shilluk, e outros entraram pela primeira vez

no Sudão do Sul em algum momento antes do século X. Durante o período que vai

do século XV ao século XIX, as migrações tribais, em grande parte da área de Bahr

el Ghazal, trouxeram esses povos aos seus locais atuais. O povo não nilótico

Azande, que entrou no Sudão do Sul no século XVI, estabeleceu o maior estado da

região. Os Azandes são o terceiro maior grupo étnico do Sudão do Sul. Eles são

encontrados na faixa de floresta tropical do estado de Equatória Ocidental e no

estado de Bahr al-Ghazal Ocidental.

No século XVIII, o povo Avungara entrou e rapidamente impôs sua autoridade

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sobre os Azandes. O poder dos Avungaras permaneceu praticamente sem

contestação até a chegada dos ingleses no final do éculo XIX, período

neocolonialista. Barreiras geográficas impediram a propagação do Islã para os

sulistas, permitindo-lhes manter a sua herança social e cultural, bem como suas

instituições políticas e religiosas.

No século XVIII, os azandes tiveram relações difíceis com seus vizinhos, os

povos Moru, Mundu, e pequenos grupos de Bahr el Ghazal, devido à política

expansionista do rei destes Gbudwe. No século XIX, os azandes lutaram contra os

franceses, belgas e mahdistas para manter sua independência. O Egito, sob o

governo do Quediva Isma'il Paşa, tentou primeiro controlar a região na década de

1870, estabelecendo a província de Equatória na porção sul. O primeiro governador

egípcio da província foi Samuel White Baker, comissionado em 1869, seguido por

Charles George Gordon em 1874 e por Emin Paşa em 1878. A revolta Mahdista da

década de 1880 desestabilizou a nova província e Equatória deixou de existir como

posto avançado egípcio em 1889. Importantes assentamentos na Equatória

incluíam: Lado, Gondokoro, Dufile e Wadelai. Em 1947, as esperanças britânicas de

unir o sul do Sudão com Uganda foram frustradas pela Conferência de Juba, que

unificou o norte e o sul do Sudão.

A República do Sudão do Sul é um país de recente formação, sua

independência do Sudão, inserção como membro das Nações Unidas e União

Africana ocorreram em julho de 2011. Sua constituição deriva da formação do

estado sudanês, que por sua vez derivou da colônia Sudão Anglo-Egípcio, tornando-

se independente em 1956. Ao fim da Primeira Guerra Civil Sudanesa em 1972, o Sul

tornou-se uma região autónoma, essa autonomia durou até 1983. Durante a

Segunda Guerra Civil Sudanesa a parte do Sul foi reincorporada ao poder central,

sendo isso fonte dos conflitos que refletiram a disparidade étnica religiosa no país. A

autonomia da região foi retomada em 2005, com o fim da Guerra, pelo Tratado de

Naivasha, assinado no Quênia, com o Exército Popular de Libertação do Sudão.

Além da divisa com o Sudão ao norte, o Sudão do Sul faz fronteira a leste

com a Etiópia, ao sul com o Quênia, Uganda e República Democrática do Congo e a

oeste com a República Centro Africana.

A sede de governo e administração do Sudão do Sul é Juba, a capital, que é a

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maior cidade do país no aspecto populacional. Apesar da sua riqueza mineral em

Petróleo, é um dos países mais pobres do mundo, com altas taxas de mortalidade

infantil, enquanto reflexo de um sistema de saúde quase que inexistente,

considerado um dos piores do mundo. Em termos educacionais, somente 30% da

população acima dos 15 anos é alfabetizada, e é praticamente nulo o investimento

em educação de base no país.

No Sudão do Sul encontram-se 75% das reservas de petróleo que pertenciam

ao estado sudanês, localizadas principalmente na região de Abyei, que

correspondem a 90% do PIB do país. Porém as refinarias e oleodutos de

escoamento da exportação encontram-se no Norte, responsável pelo transporte até

o Mar Vermelho.

3.3.3. A criação da MINUSS e a eclosão do conflito no Sudão do Sul

A Missão das Nações Unidas na República do Sudão do Sul (MINUSS) foi

criada em 2011 pelo Conselho de Segurança da ONU, por via da Resolução 1996,

uma missão de peacekeeping, que, inicialmente, teria a duração de um ano, com as

finalidades de consolidação da paz e da segurança bem como prover subsídios que

articulem um melhor desenvolvimento para a região.

Logo após a independência do Sudão do Sul do Sudão, como consequência

de um referendo realizado em julho de 2011, que propôs a divisão do então Sudão

entre as partes norte e sul. Ademais, a missão intentava fortalecer os pilares

democráticas do governo central de Juba, capital sul-sudanesa, bem como aprimorar

as relações exteriores com as nações circundantes.

Em dezembro de 2013, uma onda de violência brutal abalou o país recém-

criado, devido a tensões políticas entre o presidente, Salva Kiir, e o ex-vice-

presidente, Riek Machar, que fora deposto sob acusações de tentativa de perpetrar

um golpe de Estado. Machar alegou que as acusações eram inverídicas e, na

verdade, serviram para incitar um conflito com o intuito de desviar a atenção do

fracasso da má administração do presidente, cujo passado militar o tornou

intolerante aos dissensos. Kiir, em resposta, descreve seu rival como o “profeta da

destruição”, responsabilizando-o pelo desequilíbrio doméstico que tomou forma no

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solo sul-sudanês.

O desenrolar do antagonismo entre os líderes políticos culminou no

envolvimento dos dois maiores grupos étnicos locais, o Dinka e o Nuer. Os Dinka

representam a maior parcela da população, cerca de 35.8%. Nômades e criadores

de gado, movimentam-se nos períodos de estiagem em direção às regiões

ribeirinhas e retornam aos assentamentos definitivos durante a época das chuvas.

Os Nuer, segundo maior grupo, abrangem aproximadamente 15.6% dos habitantes e

apresentam uma configuração social semelhante àquela dos Dinka, com quem têm

um histórico de disputas territoriais (CIA, 2014).

O embate remonta ao período pré-independência, das divisões internas do

Movimento de Libertação do Povo Sudanês (MLPS) durante a Segunda Guerra Civil

sudanesa, o qual posteriormente viria a ser um dos partidos políticos dominantes no

país. O movimento foi criado na década de 1980, por John Garang, um Dinka, que

pregava maior autonomia aos povos sulistas, sem, no entanto, quebrar a unidade

territorial com a porção norte. Por conta de divergentes percepções acerca da

situação, que culminaram na contestação da liderança de Garang, sob acusação de

autoritarismo e clientelismo, surge na década de 1990 o MLPS-Nasir, liderado Riek

Machar e Lam Akol, uma organização radical de ideologia secessionista (divisão

territorial) que buscava derrubar a liderança Dinka do MLPS. Passados anos de

violência, contabilizados milhares de mortos, os líderes das facções assinaram um

acordo de paz em 2002, marco que possibilitou o retorno de Riek Machar ao seio do

MLPS.

Após sua deposição do cargo de vice-presidente, Riek Machar ressuscitou as

rivalidades históricas entre os Dinka e os Nuer ao organizar levantes militares contra

a administração de Juba, dando início a uma crise humanitária que afeta sete dos

dez estados sul-sudaneses. Estima-se que a onda de violência tenha ocasionado 10

mil mortes e mais de um milhão de refugiados, além de violações dos direitos

humanos por ambas as partes dos conflitos (ONU, 2014). Um acordo de cessar-fogo

foi assinado entre o presidente Kiir e Machar, em maio 2014, na capital da Etiópia,

todavia, o abuso da força física continuou a ocorrer.

A Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento, bloco comercial

que integra oito países da África Oriental, interveio na região para garantir que os

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resultados da guerra fossem menos danosos à economia e que um acordo de paz

efetivo fosse iminente. O grupo enviou forças armadas para assegurar a

preservação dos campos de petróleo, alvos frequentes de ataques dos revoltosos, e

outras áreas frágeis onde se localizam obras de infraestrutura do país. Desse modo,

a Autoridade propôs reformas na estrutura institucional do MLPS e uma revisão da

carta magna sul-sudanesa para evitar que novos conflitos emerjam no decorrer das

próximas eleições previstas para junho de 2015. Com o apoio a União Africana, a

IGAD buscou, ainda, promover uma metodologia de mediação para o problema.

Uma autorização temporária para aumentar o efetivo de tropas de 7.000

para 12.500 foi aprovada pelo Conselho de Segurança (ONU, 2014). Em fevereiro

de 2014, o Subsecretário Geral de Operações de Paz (Peacekeeping Operations),

Hervé Ladsous, anunciou que a missão passaria a seguir quatro novos propósitos:

segurança dos civis, proteção dos direitos humanos, ajuda aos atores humanitários e

auxílio na mediação de resolução de conflitos.

3.3.4. O mandato da MINUSS

Com o fim de alcançar os propósitos do seu mandato, a MINUSS tem

desenvolvido complexas atividades e projetos, com o auxílio de organizações

humanitárias, no intuito de tentar mitigar os efeitos nefastos da guerra civil. Nesse

sentido, a missão forneceu assistência médica a centenas de feridos e suporte a

dezenas de mulheres grávidas, as quais acabaram dando à luz sob os cuidados da

equipe médica dos agentes humanitários.

Em parceria com o governo sul-sudanês, a UNICEF e várias organizações

não governamentais, a MINUSS atuou no sentido de garantir a muitas crianças

deslocadas a possibilidade de prosseguir regularmente nos estudos, facilitando sua

trajetória à escola para a realização do período de provas.

A missão também tem trabalhado para a atenuação de problemas

infraestruturais sul-sudaneses, como se observa na elaboração e implementação de

projetos que facilitam o acesso à água encanada e na construção de uma ponte

ligando as cidades de Madubai Boma e Maridi.

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Além disso, a missão busca trabalhar de forma transparente e imparcial,

assumindo uma posição de neutralidade em relação ao conflito, isto é, não

favorecendo nenhuma das partes envolvidas e atendendo a todos aqueles que

procuram seu amparo de igual maneira. Uma de suas características fundamentais,

ainda, consiste no monitoramento do cumprimento dos tratados de direitos humanos.

Equipes de profissionais foram designadas para a investigação de casos de

desrespeito aos direitos humanos e posterior elaboração de relatórios, a fim de que

sirvam de provas para uma eventual punição dos acusados pelas agências

internacionais responsáveis.

3.3.5. As limitações da missão

As bases da ONU no Sudão do Sul chegaram ao ápice da sua atuação em

2014, dando abrigo a cerca de 85.000 pessoas que precisaram se deslocar em

função da situação de calamidade do país (JOHNSON, 2014). No entanto, o governo

de Juba começou a disseminar um discurso anti-MINUSS, questionando a

neutralidade e imparcialidade da missão e alegando que os agentes humanitários

estavam, na verdade, apoiando os grupos revoltosos contra as forças do Estado.

Provocando uma visão negativa por parte de setores da população, uma vez que

muitos dos sul-sudaneses ficaram receosos em relação ao papel imparcial da

MINUSS, o que pode ter impedido que mais pessoas recebessem auxilio dos

capacetes azuis, além de ter limitado a ação dos agentes humanitários. Houve,

inclusive, na capital e em várias cidades do Sudão do Sul, manifestações contra as

Nações Unidas, pedindo a retirada da missão.

Assim como em outras missões dessa natureza, até que o Direito

Internacional seja reformulado em alguns aspectos que concernem à relação entre a

soberania estatal e o imperativo de agir em defesa dos direitos humanos, há fatores

limitadores para que a ONU tenha maior sucesso em suas missões, tais como

inúmeras leis municipais, regionais ou nacionais que impedem uma ação mais

efetiva e intensa da organização, de forma a realizar seu potencial. Por essa razão,

a MINUSS tem sido muito criticada por não exercer seu papel finalístico. Um país

inteiro está à beira de um colapso quase impossível de ser evitado em um pequeno

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espaço de tempo, tendo em vista que a nação conquistou sua independência muito

recentemente e não possui uma estrutura política e socioeconômica forte, estável e

coesa.

A base da missão de paz da ONU em Tomping em Juba, capital do país, tem

sido abrigo para pessoas que fugiram para salvar suas vidas quando o conflito

eclodiu em dezembro. Elas estão lotando as partes baixas do complexo, que

geralmente inundam. Casos de doenças diarreicas, infecções respiratórias e

doenças de pele representam mais de 60% dos atendimentos das agências

humanitárias internacionais. O plano da ONU para estabelecer um local alternativo

tem sofrido atrasos na implantação e não é, atualmente, realista. Repetidos pedidos

de organizações para que o campo de Tomping fosse expandido para outros

espaços não sujeitos a inundações dentro do complexo, ao menos como medida

paliativa para salvar vidas, foram recusados sem explicações. (Médicos Sem

Fronteiras, 2014. Disponível em: http://www.msf.org.br/noticias/lideranca-da-missao-

das-nacoes-unidas-no-sudao-do-sul-demonstra-atitude-vergonhosa-no-trato>).

Segundo os Médicos Sem Fronteiras, 40.000 pessoas estão abrigadas, por

causa da guerra civil ocorrida no Sudão do Sul, numa área de acampamento

inundada e superlotada estabelecida pela ONU, e suportam condições “mal

compatíveis com a vida e incompatíveis com a dignidade humana”, devendo ser

ajudadas antes que algum desastre ou um tipo de doença as forcem a voltar para as

zonas de conflito. Os habitantes dos arredores da cidade de Bentiu, perto da

fronteira com o Sudão, têm também que lidar com a ameaça de violência vinda dos

grupos armados existentes sempre que empreendem a coleta de madeira para

cozinhar.

Ivan Gayton, coordenador em casos de emergência dos MSF, reconheceu a

extrema insuficiência da área, onde tiros e explosões são ouvidos diariamente e

onde a pista de decolagem local foi recentemente bombardeada. A cidade de Bentiu

tem, frequentemente, oscilado entre o governo e o controle dos rebeldes. Em agosto

de 2014, a MINUSS mostrou-se “seriamente preocupada” depois de soldados do

governo celebrarem o dia dos veteranos de guerra no espaço aéreo por meia hora.

Os tiros machucaram uma criança dentro do acampamento e a MINUSS encontrou

nove balas em suas acomodações e no prédio que continha vários escritórios. Três

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dias antes, a violência em Bentiu obrigou 340 pessoas a buscarem abrigo no

aeroporto junto às tropas da MINUSS. Gayton concluiu, então, que “a ONU está

fazendo um bom trabalho protegendo as pessoas que têm fugido da violência

decorrente da guerra civil, mas nós precisamos de mais” (JONES, 2014).

A partir desse contexto, podem-se apontar as principais falhas da MINUSS:

mesmo que a ONU tenha enviado um alto número de capacetes azuis, eles não têm

obtido sucesso; a violência continua a se alastrar pelo país e milhares de pessoas já

morreram por causa dos conflitos envolvendo as disputas de poder; um grande

número de habitantes teve que se mudar para outros lugares em razão das

hostilidades, aumentando a quantidade de refugiados; os mandatos governamentais

localizados restringem os esforços para se manter a paz; as pessoas no Sudão do

Sul temem que a missão seja igual às tentativas de manutenção da paz dos

capacetes azuis da ONU no caso de Darfur e que não consiga conter as

altercações, pois, além de tudo, envolvem também conflitos intertribais.

Portanto, reflete-se sobre a eficiência da missão. Mais de sete mil tropas de

mais de 60 países estão distribuídas no Sudão do Sul, são gastos 1 bilhão de

dólares por ano para o cumprimento do mandato e sem embargo os objetivos

estabelecidos não são alcançados. Sabe-se que “os elementos políticos e

diplomáticos da responsabilidade internacional para com a maioria dos conflitos nos

países africanos são muito lentos e não têm apresentado eficácia”, como afirma

John Predergast, ativista da organização humanitária Enought Project, atuante no

Sudão e no Sudão do Sul (RAGHAVAN, 2014).

3.3.6. O futuro da MINUSS

Por conseguinte, pode-se inferir que a atuação da UNMISS não tem obtido

êxito satisfatório por diversos fatores como, mandatos fracos, insuficiência de

recursos, embates tribais e a ocorrência de uma clara divisão dentro do MPLS, que

havia se tornado o partido oficial do governo. Esse é um cenário perfeito para

inviabilizar qualquer tentativa de estabilidade nacional e de manutenção da paz.

Desse modo, com o país à beira de um conflito geral, e com a impossibilidade de

estabilização num futuro próximo, as perspectivas negativas em relação à missão

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tendem a continuar e seus objetivos não serão satisfatoriamente alcançados.

No entanto, embora a Missão das Nações Unidas na República do Sudão do

Sul tenha muitas fragilidades, ineficiência, e seja passível de inúmeras críticas, não

se deve diminuir a relevância dos feitos da ação humanitária. Por mais que os

resultados, de maneira geral, sejam rasos, é impossível calcular a diferença que os

capacetes azuis podem ter desempenhado na existência individual de cada uma das

pessoas que procuraram a proteção da ONU. Certamente, haveria uma conjuntura

um tanto mais caótica e trágica na ausência da intervenção humanitária.

No mais, deve-se considerar que os agentes humanitários da missão

desenvolveram ações para além de seu mandato e conseguiram auxiliar, ainda que

de forma insuficiente, milhares de sul-sudaneses vítimas do conflito. Em novembro

de 2014, observando a situação caótica do país, o Conselho de Segurança

determinou a prorrogação do tempo de vigência da MINUSS, estendendo seu

mandato até 2015, visto que o conflito na região se mostra distante de uma possível

resolução.

3.3.7. A UNAMID

A União Africana em parceria com a Organização das Nações Unidas criou a

missão mista de paz em Darfur (UNAMID, sigla em inglês), desde 2007 atuam no

âmbito humanitário com assentamentos para os refugiados, distribuição de

medicamentos, atendimento médico, e outras atividades de apoio prestadas pelos

agentes humanitários. Os líderes das duas entidades têm demonstrado grande

preocupação, devido o recrudescimento dos combates entre o Governo do Sudão e

o Exército de Libertação do Sudão/Abdul Wahid, na região de Jebel, em Darfur, e às

suas consequências nas populações civis.

Dlamini Zuma e Ban Ki-moon lançaram igualmente um apelo para a liberdade

de movimento dos trabalhadores humanitários sublinhando os seus esforços e

apoiados destes para proteger e socorrer populações civis afetadas pelos combates.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas vem demonstrando interesse

em cooperação plena com a União Africana no Sentido de as entidades se apoiarem

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não somente na perspectiva de pacificação do conflito, mas também da

responsabilização criminal dos líderes governistas e dos grupos armados que

cometem crime de guerra, por meio da investigação e julgamento pela Corte

Internacional Criminal, que já realiza investigações concernentes aos conflitos em

Darfur.

3.4. Posicionamento das delegações acerca do tópico

3.4.1. Angola

Expressa séria preocupação sobre a situação do continente africano. Acredita

que, além das missões de paz, é preciso que sejam estabelecidos outros tipos de

cooperação entre os governos necessitados, os governos próximos e as Nações

Unidas. Para a delegação, o Conselho de Segurança precisa estreitar o diálogo com

a União Africana e reiterar as decisões da organização para conseguir uma real

mudança nos conflitos.

3.4.2. Chade

O Chade defende que o conflito de Darfur deve ser resolvido não somente

pela via do diálogo e cooperação dos governistas e rebeldes, mas defende a

integração dos trabalhos do Conselho de Segurança ao da União Africana, entidade

esta que defende a efetiva e imparcial investigação dos possíveis crimes de guerra

cometidos por ambos os lados do embate. A delegação crê na necessidade de

responsabilização criminal cabível pelo Tribunal Penal Internacional, para que a

impunidade não seja um combustível aos que atentam contra a paz e a vida.

O país é contra intervenções militares na região de Darfur, mas acredita que o

processo de paz deve ser simultâneo ao de justiça e que todos os grupos armados

devem ceder, no sentido de cooperarem com a construção de um diálogo viabilizado

pela União Africana que pode mostrar-se mais efetivo ao ser sintonizado com a

atuação do Conselho de Segurança.

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Quanto ao conflito na República Centro Africana o país coaduna com a

posição geral do Conselho de Segurança, e enfatiza a necessidade de atuação

conjunta com a União Africana no apoio ao desarmamento, a reforma do sistema de

segurança, o desenvolvimento social e econômico e a responsabilização pelos

crimes de guerra cometidos.

3.4.3. Chile

O Chile lamenta imensamente a situação de calamidade das regiões em crise

humanitária na África e enfatiza a importância de reuniões que visam combater essa

situação. É imprescindível que as nações se mobilizem para impedir que mais

inocentes sejam atingidos e para garantir que os mantimentos e auxílio cheguem

devidamente aos que passam necessidade e vivem em constante perigo em seus

próprios países. Contudo, o Chile está consternado com a quantidade de denúncias

de abusos cometidos pelas forças das Nações Unidas nos países africanos. As

regiões já tão conturbadas têm encontrado mais formas de violência de quem vem

sob o pretexto de ajudar, o que é inadmissível. Assim, mesmo acreditando que os

países não devem poupar esforços para resolver os embates africanos e amenizar

seus danos, crê que as missões e intervenções devem ser implantadas com muita

cautela, para que não se tornem novos problemas para a tão sofrida região.

3.4.4. China

A China tem sido um fiel investidor das economias africanas, objetivando o

desenvolvimento e prosperidade das nações, é um dos maiores parceiros

comerciais das regiões africanos. A nação chinesa encaminhou médicos e

engenheiros civis para a República Central Africana no final da década de 90 e o

comércio com a República vem intensificando-se desde então. Além disso, o país

ofereceu ao Sudão uma oportunidade de cooperação econômica muito benéfica.

Ademais, O Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) propicia reuniões entre

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líderes africanos e chineses desde 2000. Foram conquistados diversos progressos

nestas, que, além do desenvolvimento das nações, propõem parcerias estáveis de

longo prazo, com benefícios mútuos para os participantes, são pautadas também

maneiras de estabelecer a paz nos países africanos conflituosos. A República

Popular da China vê com grande tristeza a crise humanitária enfrentada pelo

continente e urge por ações que modifiquem esse cenário, contudo, não acredita em

intervenções que desrespeitem a soberania do país.

3.4.5. Espanha

A Espanha se mostra muito satisfeita com a discussão das crises

humanitárias na África por entender que é missão da comunidade internacional fazer

o que está ao seu alcance para ajudar a resolver a questão. Em relação a RCA,

como membro da União Europeia, a Espanha enviou uma tropa para atuar na

EUFOR RCA e seu ministro da defesa declarou que “a Espanha não pode ficar cega

diante da situação”. Também prestou apoio a operação francesa Sangaris. Na

questão do Sudão e do Sudão do Sul, a Espanha participa do embargo promovido

pela União Europeia. Ela também, em 2007, fez uma doação de 10 milhões de euros

para ajuda humanitária no Sudão. Mantendo-se sempre alinhada à UE, a Espanha

espera que essa reunião possa progredir nessas questões tão delicadas.

3.4.6. Estados Unidos da América

A delegação americana reconhece a crise humanitária estabelecida no Sudão

do Sul, em Dafur e na República Centro Africana. Os EUA defendem o papel das

missões de paz em garantir a proteção de civis e assegurar o cumprimento de

acordos estabelecidos visando garantir a estabilidade dos países em conflito.

3.4.7. Federação Russa

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A Rússia mantém uma posição de cautela quanto ao conflito no Sudão do

Sul, tendendo a apoiar moderadamente os líderes governistas de Darfur. O país

enfatiza a responsabilidade solidária dos grupos rebeldes, afirmando suas violações

ao direito humano, seja por culpa na morte de civis, recrutamento de crianças para o

combate tanto na criação de obstáculos as ações da missão de paz das Nações

Unidas.

Ao passo que o governo russo reconhece a responsabilidade das forças

governistas, ressalta em seu posicionamento a tentativa de se buscar uma solução

por meio da aproximação de tribos rivais. A repudia ao uso de escudo humano

composto por civis para barrar ataques por ambos os lados é sempre claro nos

posicionamentos russos.

A Federação Russa é veemente contra o emprego indiscriminado de sanções

ao governo do Sudão por acreditar em um efeito reverso e nocivo dessas, preza

pela cautela nas investigações e imparcialidade, principalmente no que tange a

responsabilização criminal dos envolvidos por meio do Tribunal Penal Internacional.

Quanto ao que tange os acontecimentos na República Centro Africana, é

unanimidade a posição dos países que compõem o Conselho de Segurança a

necessidade de fortalecimento das instituições democráticas do país, a realização de

eleições e uma nova constituinte. A Rússia defende a intensificação e manutenção

das punições internas concomitantemente ao aprimoramento da aplicação das

penas e segurança das prisões, visando combater a impunidade.

3.4.8. França

A França se mostra consternada com as crises humanitárias que vem

acometendo o continente africano. Por mais de 50 anos o país possuiu colônias no

continente, incluindo a República Centro Africana. No ano de 2013 com a aprovação

do CSNU, a França enviou uma tropa para a execução da operação Sangaris,

visando reforçar a MISCA e as forças nacionais contra os rebeldes. Também a

França foi um dos países que levou a crise a primeira vez ao CS, reforçando o quão

atuante o país é nesta questão. Essa reunião se mostra extremamente importante,

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visto que há várias denúncias de abusos cometidos pelas forças das Nações Unidas

e que a França mantém uma relação próxima com o país seja no quesito político

seja no quesito econômico. Atualmente a França compõe o grupo de auxilio formado

por membros da União Europeia, provendo suporte logístico e ajuda humanitária

para estabilizar a crise na região. Na questão envolvendo o Sudão e o Sudão do

Sul, a França presta forte apoio a UNAMID e participa dos embargos propostos pela

ONU e pela União Europeia. Desde o começo do conflito a França presta todo tipo

de apoio a crise, visando a estabilização da região. A França clama para que haja

diálogo entre governos e movimentos de libertação, e que os rebeldes permitam o

acesso de ajuda humanitária nas áreas afetadas, pelo bem dos civis.

3.4.9. Jordânia

A Jordânia vê a situação toda com grande pesar e entende a importância da

reunião para tentar estabilizar as duas áreas de crises humanitárias. A Jordânia vem

prestando auxílio para as crises através das forças de paz da ONU e o atual

embaixador representando o país no CSNU é um ex-soldado dos capacetes azuis,

sendo um grande defensor dos direitos humanos e valorizando a ajuda nas crises

humanitárias que ainda acometem a África.

3.4.10. Lituânia

A Lituânia em seu posicionamento exalta fortemente a atuação da Corte

Internacional, o trabalho de investigação e responsabilização dos crimes de guerra

cometidos pelos líderes governistas do Sudão e pelos rebeldes das tribos em

conflito. A impunidade é o combustível para a persistência na infração dos direitos

humanos e impede que as ações de paz prossigam com todas suas forças e

recursos na guerra.

O país defende a atuação concreta do Conselho de Segurança em resposta a

não cooperação dos líderes governistas e grupos armados quanto os ataques a

civis, que acontecem principalmente por meio de bombardeios aéreos. A

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responsabilização criminal dos envolvidos deve ser simultânea aos esforços para

reestabelecimento da paz e ordem na região, a cooperação para a concretização

das resoluções adotadas deve ser não somente por parte dos envolvidos diretos no

conflito, mas de todos os países que possam interferir na solução.

O país no que toca o conflito na República Centro Africana defende a urgente

necessidade de extinção dos grupos armados e que atentam contra o governo de

transição, salienta a importância de repatriação dos refugiados, do incentivo ao

desenvolvimento social e também ao fortalecimento das instituições políticas do

país. A responsabilização criminal interna e externa como meio de combate à

impunidade e incentivos a novas violências.

3.4.11. Malásia

A Malásia enxerga a crise humanitária na Africana como consequência direta

dos problemas persistentes de segurança precária e da falta de estabilidade política

tanto no Sudão, quanto na República Centro Africana.

Apoia veementemente o trabalho da Corte Internacional no seu trabalho de

Investigação, processo e julgamento dos culpados pelo cenário de horror na região e

reclama aos líderes governistas o combate à impunidade no âmbito de suas

jurisdições internas tanto pelos crimes de guerra, ataques a civis. E também a

responsabilização pelas mortes dos agentes da ONU e União e Africana que se

mostra tática absurda de uso de força contrária ao reestabelecimento de paz e

ordem, visando manter um cenário caótico por busca de poder sem nenhuma

ponderação do impacto social e humanitário sobre a população sudanesa e centro

africana.

3.4.12. Nigéria

A Nigéria reconhece a importância das missões de paz no continente africano,

bem como as dificuldades enfrentadas pelos enviados a locais de extremo risco e

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violência. Condena, portanto, ações violentas contra os soldados da ONU que

dedicam suas vidas para assegurar a devida manutenção da segurança de civis.

A delegação não deixa de acreditar que abusos por partes das tropas devem

ser prontamente identificados e investigados para que os culpados sejam levados à

justiça, principalmente quando envolvem relatos de abusos sexuais contra mulheres

e meninas menores de idade.

3.4.13. Nova Zelândia

A Nova Zelândia tem uma posição forte quanto a não cooperação e não

cumprimento das resoluções do Conselho de Segurança sobre a crise humanitária

na África. Mesmo que haja divergências sobre as posturas a serem tomadas quanto

a inércia dos agentes políticos e organizações frente às deliberações resolutivas, é

urgente que o assunto esteja em pauta e que seja salientada a necessidade de

aplicação dos mecanismos de efetividade e concretização, a fim de se evitar a

impunidade e estagnação na situação conflituosa e caótica atual.

Outro ponto importante do posicionamento do país é quanto à necessidade de

se fortalecer a relação e o canal de comunicação do Conselho com os países em

foco, mais do que fortalecer, construir um novo relacionamento. A junção de

cooperação efetiva e de alternativas de diálogo tendem a restaurar a credibilidade

das resoluções e da atuação das Nações Unidas nesse cenário de crise humanitária

que se prolonga há muito.

3.4.14. Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte

Quanto a crise humanitária na África, o país defende fortemente a cooperação

de todos os agentes e instituições políticas, tanto internos como os externos aos

países dos conflitos, para a concretização das resoluções já adotadas que visam o

reestabelecimento de um cenário de paz, segurança e estabilidade. O Reino Unido

defende a atuação da Corte Internacional Criminal e vem reclamando pela atuação

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efetiva do governo sudanês na execução das prisões dos condenados por crimes de

guerra, que atualmente ocupam altos cargos no governo, a fim de combater a

impunidade que é combustível para a guerra.

No âmbito da República Centro Africana o país vê como urgente a

estabilização politica, os incentivos ao desenvolvimento social e econômico e o

combate aos empecilhos para as ajudas humanitárias e de apoio na manutenção da

segurança. A diretriz defendida pelo país é o da efetiva cooperação política e

institucional, demonstrando a necessidade de alinhamento das atividades das

Nações Unidas com as da União Africana.

3.4.15. Venezuela

Muito preocupa a Venezuela a situação de crise humanitária que assola a

África. O país acredita que a mobilização das Nações Unidas é importante para

ajudar à região, entretanto, a soberania dos países deve ser respeitada. Ademais, as

medidas tomadas devem ser eficazes, manejadas apenas para melhorar as

condições conturbadas das regiões africanas, e não para sobressair os interesses

das nações poderosas. Além disso, o país crê que recorrer a medidas como

sanções, muitas vezes, não é a maneira mais eficiente de resolver os problemas,

pois as soluções pacíficas, baseadas no diálogo, devem sempre prevalecer.

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