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43 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 27, p. 43-63, nov. 2006 Juliana Lyra Viggiano Barroso SEGURANÇA E USO DA FORÇA NO CONTEXTO DA OTAN PÓS-GUERRA FRIA Recebido em 3 de maio de 2006 Aprovado em 4 de julho de 2006 A redefinição das relações de força no sistema internacional, decorrente do esgotamento do arranjo bipolar, teve implicações significativas para a Aliança Atlântica. Pautada por um modelo de defesa coletiva que privilegiava as variáveis geoestratégicas, a Aliança não dava conta dos imperativos de segurança da nova configuração sistêmica. Ao assimilar essa incompatibilidade, os membros da Aliança redefiniram seu plano estratégico em 1991 e atribuíram às possíveis instabilidades econômicas, políticas e sociais provenientes, em especial, dos países do Leste Europeu, seu principal foco de ameaça. Em 1999, por meio da prática da intervenção e do maior comprometimento norte-americano a partir de meados da década, a OTAN lapida seus critérios ao harmonizar o uso da força e a leitura das ameaças de segurança em seus preceitos normativos. PALAVRAS-CHAVE: segurança; OTAN; regimes internacionais. I. INTRODUÇÃO Ainda que não compartilhada por todas as cor- rentes de pensamento internacionalista, a prolife- ração dos estudos na área de organizações inter- nacionais com o fim da Guerra Fria demonstra certo otimismo por parte dos pesquisadores e dos formuladores de política em geral acerca do papel mais atuante a ser ocupado pelos arranjos multila- terais e pelos regimes na coordenação dos assun- tos externos dos estados. Dessa percepção posi- tiva não escaparam também as organizações res- ponsáveis pelas questões de guerra e de paz no sistema, cujo sucesso do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas em mediar os esforços dos países membros para a investida militar na Guerra do Golfo serviram de motivação e exemplo. As transformações sistêmicas alçaram temas de política soft, tais como aspectos econômicos 1 , de direitos humanos e de meio ambiente, a posi- ções de destaque na agenda internacional, ao con- trário do privilégio concedido ao debate das ques- tões estratégico-militares 2 . O viés essencialmente polarizado da agenda militarista dominante nos anos da Guerra Fria inviabilizava a elaboração de uma pauta comum de segurança a todos os esta- dos. Contudo, a promoção dos temas de terceira geração como também se denominam os assun- tos de política soft permearam todas as esferas do discurso internacional, inclusive os elementos relacionados à segurança. A partir de então, dilu- em-se ainda mais as fronteiras de separação entre as grandes áreas englobadas pelas relações inter- nacionais 3. Em outras palavras, observa-se a cres- cente complexidade dos processos de interdependência entre esses diversos temas na política externa dos estados 4 . O conceito de se- gurança adquire natureza multidimensional, ou 1 As questões econômicas são tratadas por alguns autores como temas intermediários. 2 A emergência dos temas de direitos humanos no período posterior à Guerra Fria, na realidade, ganharam maior visi- bilidade. Villa aventa a possibilidade de se pensar a diplo- macia dos direitos humanos na era Carter como “a primeira fissura relevante do quadro conceitual de premissas realis- tas na Guerra Fria” (VILLA, 1999, p. 106). No entanto, se momentos de desanuviamento das tensões durante o perí- odo bipolar permitiram o surgimento embrionário de con- cepções menos rígidas de segurança, foi a partir dos anos 1990 que “novos” temas tiveram de fato a oportunidade de aflorar e ganhar espaço na agenda de política internacional. 3 Para aprofundar-se na relação entre segurança e direitos humanos no período posterior à Guerra Fria, consultar Patriota (1998), em especial o capítulo 4, e Rodrigues (2000). 4 Acompanha a intensificação da interdependência temática a maior interconexão entre os níveis de análise do sistema internacional.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 27: 43-63 NOV. 2006

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 27, p. 43-63, nov. 2006

Juliana Lyra Viggiano Barroso

SEGURANÇA E USO DA FORÇA NO CONTEXTO DAOTAN PÓS-GUERRA FRIA

Recebido em 3 de maio de 2006Aprovado em 4 de julho de 2006

A redefinição das relações de força no sistema internacional, decorrente do esgotamento do arranjo bipolar,teve implicações significativas para a Aliança Atlântica. Pautada por um modelo de defesa coletiva queprivilegiava as variáveis geoestratégicas, a Aliança não dava conta dos imperativos de segurança da novaconfiguração sistêmica. Ao assimilar essa incompatibilidade, os membros da Aliança redefiniram seu planoestratégico em 1991 e atribuíram às possíveis instabilidades econômicas, políticas e sociais provenientes,em especial, dos países do Leste Europeu, seu principal foco de ameaça. Em 1999, por meio da prática daintervenção e do maior comprometimento norte-americano a partir de meados da década, a OTAN lapidaseus critérios ao harmonizar o uso da força e a leitura das ameaças de segurança em seus preceitos normativos.

PALAVRAS-CHAVE: segurança; OTAN; regimes internacionais.

I. INTRODUÇÃO

Ainda que não compartilhada por todas as cor-rentes de pensamento internacionalista, a prolife-ração dos estudos na área de organizações inter-nacionais com o fim da Guerra Fria demonstracerto otimismo por parte dos pesquisadores e dosformuladores de política em geral acerca do papelmais atuante a ser ocupado pelos arranjos multila-terais e pelos regimes na coordenação dos assun-tos externos dos estados. Dessa percepção posi-tiva não escaparam também as organizações res-ponsáveis pelas questões de guerra e de paz nosistema, cujo sucesso do Conselho de Segurançada Organização das Nações Unidas em mediar osesforços dos países membros para a investidamilitar na Guerra do Golfo serviram de motivaçãoe exemplo.

As transformações sistêmicas alçaram temasde política soft, tais como aspectos econômicos1,de direitos humanos e de meio ambiente, a posi-ções de destaque na agenda internacional, ao con-trário do privilégio concedido ao debate das ques-tões estratégico-militares2. O viés essencialmentepolarizado da agenda militarista dominante nos

anos da Guerra Fria inviabilizava a elaboração deuma pauta comum de segurança a todos os esta-dos. Contudo, a promoção dos temas de terceirageração como também se denominam os assun-tos de política soft permearam todas as esferasdo discurso internacional, inclusive os elementosrelacionados à segurança. A partir de então, dilu-em-se ainda mais as fronteiras de separação entreas grandes áreas englobadas pelas relações inter-nacionais3. Em outras palavras, observa-se a cres-cente complexidade dos processos deinterdependência entre esses diversos temas napolítica externa dos estados4. O conceito de se-gurança adquire natureza multidimensional, ou

1 As questões econômicas são tratadas por alguns autorescomo temas intermediários.2 A emergência dos temas de direitos humanos no períodoposterior à Guerra Fria, na realidade, ganharam maior visi-

bilidade. Villa aventa a possibilidade de se pensar a diplo-macia dos direitos humanos na era Carter como “a primeirafissura relevante do quadro conceitual de premissas realis-tas na Guerra Fria” (VILLA, 1999, p. 106). No entanto, semomentos de desanuviamento das tensões durante o perí-odo bipolar permitiram o surgimento embrionário de con-cepções menos rígidas de segurança, foi a partir dos anos1990 que “novos” temas tiveram de fato a oportunidade deaflorar e ganhar espaço na agenda de política internacional.3 Para aprofundar-se na relação entre segurança e direitoshumanos no período posterior à Guerra Fria, consultarPatriota (1998), em especial o capítulo 4, e Rodrigues(2000).4 Acompanha a intensificação da interdependência temáticaa maior interconexão entre os níveis de análise do sistemainternacional.

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seja, a segurança “já não pode mais ser visada emtermos de acréscimo de poder” (VILLA, 1999, p.177)5.

Reconhecer a multidimensionalidade dos as-suntos de segurança suscita problemas relevantespara a Organização do Tratado do Atlântico Norte(OTAN), cuja natureza encontra-se intimamenterelacionada ao mecanismo de segurança coletivaque comporta em suas diretrizes normativas. Aquestão tratava-se de adaptar seu principal instru-mento de ação, o uso dos recursos militares paraautodefesa, aos desafios impostos pela naturezamultifacetada dos desafios de segurança identifi-cados com o mundo pós-Guerra Fria.

Com esse espírito, a OTAN reavalia suas fun-ções e seu papel no contexto europeu em confor-midade com essa leitura heterodoxa da segurançae dos eventuais elementos perturbadores da paz.As primeiras mudanças significativas de caráternormativo datam de 1991, ano em que seus mem-bros ratificaram os novos objetivos estratégicosda aliança. A partir da aceitação formal do docu-mento intitulado Conceito Estratégico da Aliança,a OTAN passa a ser regida por um autêntico con-junto de normas, caracterizando uma alteração emseu regime de segurança. As cláusulas do Concei-to apresentam uma imprecisão entre as possibili-dades previstas para o uso de força militar e aconcepção de segurança pautada na promoção eno desenvolvimento dos valores democrático-li-berais. Essa dificuldade normativa é sanada pelaAliança Atlântica com a revisão do Conceito Es-tratégico em 1999, ao inserir em suas cláusulasconstitutivas a viabilidade tanto de agir quanto denão agir, em termos defensivos, para a preserva-ção de um ambiente seguro na Europa.

A OTAN redefine seu papel ao associar direta-mente a noção de segurança à estabilidade regio-

nal, derivada da consolidação dos valores demo-cráticos e liberais no continente, sobretudo comreferência aos direitos humanos. Ainstitucionalização normativa da democracia libe-ral nos remete ao interessante debate do papel dasidéias enquanto variáveis explicativas para a açãoexterna dos estados. Se, por um lado, não há muitacontrovérsia acerca da importância da questãoideológica como causa motivadora do agir na po-lítica, por outro, as conseqüências esperadas dasidéias enquanto causas diferem nas diversas pers-pectivas teóricas.

A abordagem liberal apresenta as crenças ouexpectativas como modeladores das preferênciastradicionais. Nesse sentido, inclui critérios domundo das idéias aos cálculos de política externados estados. A institucionalização dos valores dademocracia liberal nas diretrizes normativas daOTAN, na realidade, reflete a incorporação, aomenos parcial, desses mesmos valores pelos paí-ses membros em suas percepções do que devemser as relações interestatais. Da mesma forma, amaleabilidade assumida pelas cláusulas do Con-ceito em 1999, acerca da interferência armada daorganização em favor da manutenção da estabili-dade européia, conquistada pela perfeita observa-ção desses valores, evidencia a fragilidade do pro-cesso no âmbito do uso da máquina militar nocenário internacional.

Como se poderá verificar ao longo da últimaparte desse trabalho, as idéias institucionalizadaspela OTAN moldam as preferências de acordocom as circunstâncias. A heterogeneidade com queos eventos afetam os diferentes atores envolvidosnas decisões demonstra a incompleta internalizaçãodos valores democrático-liberais pela opinião pú-blica e pelos formuladores de política acerca dalegitimidade de se agir exclusivamente em nomedas idéias6. A participação ativa da aliança no con-flito da Bósnia (1992-1995) e do Cosovo (1999)instiga a pensar o caminho futuro para o qual semovimenta a relação entre valores, preferências eorganizações internacionais.

Em contraste com a guerra no Cosovo, oconflito da Bósnia sensibilizou a opinião públicade forma favorável à intervenção das potênciasocidentais somente depois de três anos de lutas

5 No que diz respeito ao foco dessa pesquisa, no entanto,não cabe se trabalhar com o conceito de segurança globalmultidimensional desenvolvido pelo autor (VILLA, 1999).A singularidade da segurança global multidimensional resi-de na impossibilidade de admitir a guerra como meio desolução de conflitos, nem mesmo como ultima ratio (idem,p. 177). A intervenção humanitária em resgate àqueles quesofrem abusos ou violações dos direitos humanos, comofoi o caso da Guerra da Bósnia e do Cosovo, contraria emprincípio a conceituação. O empréstimo do termomultidimensional, contudo, convém pela precisão ao deno-tar as variadas origens dos temas que passam a permear oconceito de segurança.

6 Para uma leitura sobre o papel das idéias nas relaçõesinternacionais a partir da perspectiva institucionalista, verGoldestein e Keohane (1993).

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caracterizados, desde o seu início, pela políticade limpeza étnica. Essa reação tardia deve-se, prin-cipalmente, aos problemas internos que os Esta-dos Unidos enfrentavam e à incapacidade dos pa-íses europeus de encontrarem consenso acercada estratégia de uma eventual intervenção. A pers-pectiva de repetição do desastre bósnio de massivaviolação dos direitos humanos no Cosovo mobili-zou a opinião pública com maior rapidez. Emborao conflito balcânico do final da década de 1990possuísse um caráter geopolítico ausente naBósnia, a justificativa de intervenção em ambosos casos foi fortemente atribuída à necessidadede defesa dos direitos humanos7.

As análises dos conflitos na Europa corrobo-ram a proposta da deficiência dos valores comomotivador central para a ação externa dos esta-dos, via instituição, uma vez que tanto na Bósniaquanto no Cosovo o estímulo dos líderes foi fun-damental para a aceitação pública das investidasmilitares. Contudo, não parece haver interessesparalelos na intervenção bósnia além daquelesexplicitados nos discursos humanitários. Se essarelação não pode ser estabelecida para o caso dosegundo conflito, certamente as ameaças estraté-gicas não constituíram a base das explicaçõespúblicas dos governos dos países membros, nempelos representantes da OTAN, para oenvolvimento na ação armada. Em suma, foi exa-tamente a crença na necessidade de manter a or-dem de acordo com os preceitos democrático-liberais que viabilizou, em último plano, a estraté-gia intervencionista da Aliança Atlântica.

Se as idéias no contexto da OTAN ainda nãoestão suficientemente internalizadas a ponto depermitir a demanda pública de ação intervencionistaexclusivamente calcada nos valores, os exemplosmencionados tornam plausível especular um mo-vimento a favor da completa legitimação dos ato-res políticos, no seu sentido mais amplo, e de açõesdo Estado motivadas pelas crenças em primeiroplano8.

O presente artigo divide-se em três partes, alémda introdução. A seção seguinte analisará o docu-mento de formação da OTAN, o Tratado de Wa-shington, com o objetivo de apresentar, na tercei-ra seção, as diferenças fundamentais encontradasnas cláusulas do Conceito Estratégico da Aliança,implementado pela organização em 1991, referen-tes ao uso da força. A última parte dedica-se aestudar com cuidado o documento ratificado em1999, que vem substituir o Conceito Estratégicodo imediato pós-Guerra Fria, com o intuito deidentificar maior consistência em seus precei-tos normativos frente aos estabelecidos em 1991,refletindo o amadurecimento do regime ao longoda década de 1990.

II. A ORIGEM DA ALIANÇA: A IMPORTÂNCIADA SEGURANÇA COLETIVA

A Organização do Tratado do Atlântico Nortenasce em 4 de abril de 1949 com o Tratado deWashington, e entra em vigor em 24 de agosto domesmo ano após o depósito da ratificação de to-dos os países signatários. O documento original écomposto por 14 artigos que descrevem os obje-tivos e o alcance da aliança no contexto da GuerraFria.

O surgimento da OTAN responde à ameaçaimposta pelo sistema bipolar aos interesses e aoconjunto de valores que subsidiam a visão demundo Ocidental. Embora seu texto não façamenção explícita à União Soviética, a organizaçãocatalisou o desejo de unir a Europa e os EstadosUnidos em uma única frente contra o desafio co-munista. A Europa era vulnerável devido a suaproximidade geográfica do território soviético e,ao mesmo tempo, era considerada a área de influ-ência mais importante para os Estados Unidos. Aconcretização, portanto, de um organismo funda-mentado no princípio de defesa coletiva firmavao comprometimento americano com a segurançade seus aliados europeus. Além de poder contarcom um aparato militar tradicional, a presença di-reta dos EUA oferecida pela aliança destacava-se,primordialmente, pelo “guarda-chuva” nucleardisponibilizado por estes, estabilizando a balançade poder na região9.

7 Para uma análise mais detalhada dos conflitos menciona-dos e do papel da OTAN nesse contexto, ver Viggiano(2005).8 Essa leitura aproxima-se muito da análise construtivistarealizada por Messari no tocante às instituições internaci-onais de segurança. Para o autor, essas instituições consti-tuir-se-iam no novo locus de identidade, tornando as inter-venções humanitárias em ações legítimas (MESSARI, 2003,p. 171-195).

9 Em fins dos anos 1960, contudo, um confronto militarentre uma potência européia e a URSS tornara-se poucoprovável. O alto grau tecnológico que alcançaram os dispo-sitivos nucleares e a paridade quantitativa do arsenal namaior parte do período que se segue desencadeou uma situ-

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A intenção de arregimentar um bloco homogê-neo em suas expectativas, liderado politicamentepelos Estados Unidos, aparece de duas formas noTratado. Já no artigo 2 afirma-se que “as partescontribuirão para o desenvolvimento de relaçõesinternacionais pacíficas e amigáveis por meio dofortalecimento de suas instituições livres, da me-lhor compreensão dos princípios sobre os quaisessas instituições estão fundamentadas e promo-ver condições para estabilidade e o bem-estar”(NATO, 1949, art. 2º)10. Dessa maneira, “a OTANdesenvolveu-se como uma parceria entre estrutu-ras governamentais democráticas similares ondeexistem e são verbalizadas diferenças, muito em-bora se reconheça a liderança incontestável de umdos membros” (FRANÇA, 2004, p. 102). O mo-delo de estruturação das relações sugerido pelotexto, portanto, estimula a criação de elementospolíticos e sociais de identidade comuns e laçosde interdependência econômica. Nessa direção, otexto de 1949, na continuação do artigo 2º, tira ofoco de sua atenção das questões exclusivamentemilitares para estabelecer a responsabilidade dospaíses signatários em procurar “eliminar confli-tos de suas políticas econômicas internacionais e[encorajar] a colaboração econômica entre algu-mas ou todas as partes” (NATO, 1949, art. 2º),com o propósito de extinguir, definitivamente, estespaíses de qualquer influência do Leste.

A segunda questão elaborada com o objetivode fortalecer a integração dos países livres refere-se aos arranjos de segurança propriamente, pre-vistos pelo Tratado de Washington. De modo acumprir o objetivo, textualizado na parteintrodutória do documento, de “salvaguardar a li-berdade, a herança comum e a civilização de seuspovos, baseados nos princípios de democracia,

liberdade individual e a regra da lei” (idem), o ar-tigo 3º anuncia o direito dos membros da aliançaem “manter e desenvolver sua capacidade indivi-dual e coletiva de resistir a ataques armados” pormeio de “continuada e efetiva auto e mútua ajuda”(idem, art. 3º). Associado a esta dimensão do di-reito de autodeterminação, o famoso e comenta-do artigo 5º define a OTAN enquanto um organis-mo de segurança e defesa coletiva11. A referidacláusula estipula: “um ataque armado contra umaou mais das Partes na Europa ou na América doNorte será considerado um ataque a todos e, con-seqüentemente, as Partes concordam que, se umtal ataque armado se verificar, cada um [dos esta-dos membros] [...] prestará assistência à Parte,ou Partes assim atacadas, praticando sem demo-ra, individualmente e de acordo com as restantespartes, a ação que julgarem necessária, inclusiveo emprego da força armada, para restaurar e ga-rantir a segurança na região do Atlântico Norte”(idem, art. 5º).

Um mecanismo de defesa coletiva, tambémdenominada de defesa territorial, opera como umasalvaguarda à inviolabilidade territorial dos esta-dos que dele se beneficiam, ao garantir “a prote-ção aos seus membros contra agressões ou coer-ção” (YOST, 1998, p. 135). A presença da OTANno contexto de uma Europa Ocidental debilitadaao fim de seis anos de guerra e, portanto, vulne-rável às investidas expansionistas soviéticas ofe-recia um lastro institucional para a participaçãoefetiva dos EUA nos assuntos de segurança do

ação de paralisia garantida “por complexas equações deequilíbrio nas armas, [sendo] a sigla americana que exprime[tal] impasse [...] sintomaticamente [chamado] MAD(mutual assured destruction)” (FONSECA JÚNIOR., 1995,p. 132). O reconhecimento da MAD no caso de umenfrentamento sem intermediários entre as superpotênciasminimizava a possibilidade de violação territorial dos paí-ses da Europa Ocidental, uma vez que o mecanismo dedefesa coletiva da OTAN garantiria o envolvimento dosEstados Unidos em situações que ameaçassem a segurançade um dos países signatários.10 As citações referentes ao Tratado de Washington foramretiradas da versão portuguesa do documento. Pequenasalterações foram realizadas somente com o intuito de ade-quar o linguajar.

11 Os termos segurança coletiva e defesa coletiva nãopossuem significado homônimo, alerta Yost. Segurança co-letiva remete à idéia kantiana ou wilsoniana de estabeleceruma “associação geral de nações, a ser constituída atravésde convênios específicos, tendo em vista proporcionar ga-rantias mútuas de independência política e integridadeterritorial tanto aos grandes quanto aos pequenos estados”(NYE JUNIOR, 2000, p. 103). O termo ainda responde auma segunda acepção, derivada da aspiração fundamentalda segurança coletiva, pautada “na construção de um sensode solidariedade e responsabilidades compartilhadas pere-ne em questões relativas à paz e segurança internacionais”(YOST, 1998, p. 137). Embora a OTAN não tenha porobjetivo criar um sistema coletivista unicamente calçadonessa visão, pois a “atuação prática em favor da segurançacoletiva, atualmente, em geral, consiste em intervençõesmultilaterais”, por muitos anos a aliança tem encampadoalgumas das idéias dessa tradição. Entre elas “transparên-cia com relação às capacidades e planos militares, democra-tização (incluindo o controle militar, civil e democrático) ea proposição de que ‘segurança é indivisível’” (idem, p.138).

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continente, os únicos capazes de equilibrar a ba-lança de poder na região12.

No que diz respeito especificamente aos inte-resses norte-americanos, por mais de 40 anos,seus líderes “aceitavam, em geral, que a presençados Estados Unidos na Europa desempenhava umpapel construtivo na estabilização do Oeste euro-peu [...] e esperavam prevenir o renascimento deconflitos internos” entre tais países (SLOAN,1995, p. 219). Assim, a OTAN contribuía parafortalecer a unidade e a segurança nessa parte docontinente e proporcionava uma estruturaorganizacional que possibilitava à superpotênciaamericana engajar-se ativamente na sua recons-trução política e econômica e introduzir novospadrões de cooperação entre antigos adversários(SLOAN, 1995).

Nas décadas seguintes à formação da aliança,a intensificação da disputa entre os dois pólos quecompunham o sistema internacional no períododa Guerra Fria evolui para uma situação de détenteque paralisou o funcionamento da OTAN enquan-to organismo de defesa coletiva. A certeza demutual assured destruction demandava cautela, eimpediu qualquer ação agressiva que incitasse aparticipação das superpotências em conflitos ar-mados diretos. Graças ao mecanismo de defesacoletiva da OTAN, os territórios dos países euro-peus, resguardados sob o guarda-chuva norte-americano providenciado pela aliança, não sofre-ram nenhuma violação. Portanto, a organizaçãocumpriu um papel mais simbólico do que efetivoao longo deste período da história. De maneiraalguma, contudo, esta última afirmação questionaa eficácia do organismo enquanto instrumento deuma política de contenção13. Na realidade, suainoperância mais atesta do que desmente a eficá-cia do método.

A mudança verificada na lógica do sistemainternacional com o fim do regime comunista so-viético tornou questionável a existência da OTAN.Ao longo da segunda metade do século XX até1989, a organização tinha dois papéis centrais ede consistente justificativa. Em primeiro lugar, aaliança intermediava a presença dos Estados Uni-dos na região, necessária como contrapeso aopoderio militar soviético (DUFFIELD, 1994-1995). Diretamente associado ao problema dabalança de poder, o segundo motivo recai noenfrentamento ideológico que sustentava a dinâ-mica do sistema bipolar. Em um mundo pautadopela disputa armamentista e pelo interesse de ex-pansão de dois modelos de organização política,econômica e social contrapostos, manter uma ins-tituição nos moldes da OTAN na mais importanteárea de influência dos EUA não gerava nenhumtipo de alarmante controvérsia entre os setores dapolítica doméstica, quer nos países europeuspartícipes, quer nos Estados Unidos. Contudo, emapenas dois anos, o contexto que subsidiava suaraison d’etre desapareceu: em 9 de novembro de1989 caiu o Muro de Berlim, onze meses depois aAlemanha reunificou-se; em 1º de abril de 1991 oPacto de Varsóvia rompeu-se, seguido, em 25 dedezembro do mesmo ano, pelo desmembramentoda União Soviética.

A erosão do sistema que coordenava as açõesdos estados na Guerra Fria e, com ele, as amea-ças patentes à segurança das fronteiras, dissipou-se. A insurgente ordem internacional propõe umadistinção nebulosa entre a clássica dicotomia ami-go/inimigo, variável central pela determinação doperfil das relações interestatais no período prece-dente, sobretudo das questões de segurança in-ternacional. A falta de clareza para definir o binômiodecorre da falência do modelo de segurança tradi-cional, cuja formulação apoiava-se em preocupa-ções de natureza geopolítica. Ausente o “perigovermelho”, e com ele o enfrentamento ideológicoe sua ambição expansionista, potencial motivadorde um conflito armado entre os dois mundos, oelemento territorial perde parcialmente sua impor-tância para os Estados Unidos e os principais pa-íses europeus no contexto internacional.

Se a capacidade bélica russa, maior herdeirado legado militar soviético, ainda assombra ospaíses vizinhos dado seu potencial destrutivo, apartícula motivadora subjacente a manipulaçãocom propósitos ofensivos de um aparato de tal

12 A Aliança do Atlântico Norte também cumpria outropapel fundamental: garantir a estabilidade na Europa. Re-cém-liberta do pesadelo de duas devastadoras guerras, aorganização amenizava os receios europeus de uma poten-cial investida expansionista alemã.13 A aliança serviu, ao mesmo tempo, aos objetivos ofen-sivos e defensivos de uma política de contenção. Enquantoa idéia de defesa coletiva ambicionava “uma política maislimitada de contenção da União Soviética”, a proposta maisampla de segurança coletiva cuidava de conter a dissemina-ção do conteúdo ideológico da disputa, o comunismo (NYEJUNIOR, 2000, p. 137).

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magnitude em uma investida contra os países eu-ropeus dissipa-se. Permanecem os meios pararealizar a ação, porém desvanece o elemento ca-paz de dar sentido lógico à ação, de justificá-la.Devido a esta perda da essência do ato de agres-são, o problema da violação territorial perde signi-ficativamente sua importância14 15.

Ao esvaecer-se o padrão de relacionamentoentre estados pautado na noção amigo/inimigo, aOTAN, enquanto uma organização de segurançafundamentalmente voltada para o exercício dadefesa territorial, sente a necessidade de reavaliarseus objetivos. Essa idéia reflete-se nas palavrasdo Secretário Geral, Manfred Wörner16: “a Alian-ça Atlântica [...] gerou aspirações. Esses são osresultados, quando falamos de conseqüências: um

mundo em imensa transição, o fracasso do co-munismo, a demanda por novas estruturas de pazbaseadas nos preceitos da Aliança de liberdade,dignidade humana e auto-determinação [...]. Ofuturo da OTAN é determinado pelo contexto comque nos deparamos: primeiramente, providenciaruma estrutura de estabilidade e coesão em ummomento de grandes mudanças: No entanto, e tãoimportante quanto, ser um instrumento dessamudança – encorajá-la e oferecê-la sólidos pilaresnos quais possa apoiar-se. [...] E essa Aliançaconsiste na única instituição ocidental capaz deadministrar a estratégia adequada requerida. Pro-postas políticas, econômicas, militares e de direi-tos humanos não podem ser trabalhadas isolada-mente” (WÖRNER, 1989).

Com esse espírito, a Aliança Atlântica começaa traçar os rumos do caminho a percorrer nessapróxima etapa da história em que o mundo entãoentrava.

III. O CONCEITO ESTRATÉGICO DE 1991: OINÍCIO DA MUDANÇA

O Conceito Estratégico da Aliança resulta doencontro entre chefes de Estado dos países daOTAN na cidade de Londres em julho de 1990,apresentado em sua versão final em 8 de novem-bro de 1991. Ao reconhecerem no artigointrodutório o impacto das transformações em

14 Contudo, não há um desinteresse completo pelas ques-tões territoriais, apesar de assumirem uma posição margi-nal no contexto da aliança. O processo de transiçãoinstitucional iniciado na Rússia no início da década de 1990gera incertezas quanto ao rumo futuro do país.15 Nem todos os autores concordam com essa perspectivade desenvolvimento do cenário internacional. Mearsheimer,em seu artigo Back to the Future:Instability in Europe Afterthe Cold War, exprime a opinião de que, ao desvencilhar-secompletamente da estrutura bipolar herdada da Guerra Friae se mover para um sistema multipolar, os Estados euro-peus, devido à maior instabilidade do sistema então confi-gurado, arriscam-se a entrar em um período de anarquia,onde as alianças sofrerão alternâncias constantes e as insti-tuições serão de pouca validade. Nesse contexto, o retornoàs opções militares seria uma inevitável conseqüência(MEARSHEIMER, 1990). A aposta dessa pesquisa emuma visão mais voltada para o desenvolvimento político daOrganização do Tratado do Atlântico Norte a partir de1991 reflete a própria percepção da aliança, apresentadadesde o artigo introdutório do Conceito Estratégico do fi-nal da década analisado a seguir.16 Questiona-se, no entanto, por que não o desativar,visto que se tratava de um organismo anacrônico para asdificuldades a serem enfrentadas no novo sistema em cons-trução. A resposta recai nos interesses norte-americanos eeuropeus em sua continuidade. A cooperação via OTAN éa porta de entrada “para os EUA influenciarem nas ques-tões de segurança européia e dividirem os gastos militares efinanceiros de policiar a segurança internacional e do conti-nente de forma mais eqüitativa com seus aliados mais pró-ximos” (SLOAN, 1995, p. 218). Ademais, seu incompará-vel poderio militar concede-lhes posição de destaque nasnegociações laterais que ocorrem antes e durante os pro-cessos decisórios. E, embora os valores liberais e institui-ções democráticas já se encontrem arraigadas nas ativida-des políticas e econômicas de seus membros, a partir doseventos que ocorrem logo após a queda do Muro de Berlim,é plausível pensar que os Estados Unidos encarem a sobre-

vivência da aliança como uma ótima oportunidade paradisseminação destes mesmos valores para os países do ex-bloco comunista. Os termos do novo regime de segurançada OTAN aprovado pelos Estados-membros em 1991,analisados a seguir, corroboram para validar tal hipótese.No tocante à perspectiva dos países europeus, a existênciada OTAN ainda era sinônimo de estabilidade na balança depoder da região. Assistiu-se ao término do comunismo so-viético, porém, reforçando argumento a pouco menciona-do, a capacidade russa no que se refere a armamentos man-tém-se desproporcionalmente superior ao arsenal dos paí-ses europeus, em particular quando o assunto são armasnucleares. A prudência, portanto, recomenda aos paíseseuropeus não desistirem da organização de defesa regional,já que a OTAN constitui o meio pelo qual os EUA atuamno continente, não só, mas também, para contrabalançarpoder. Vale salientar que hostilidades advindas de umaRússia dependente do capital estrangeiro para realizar umasérie de transformações estruturais necessárias para suareinserção no cenário internacional, contudo, são poucoprováveis no curto prazo (EYAL, 1997). Esse é o motivopelo qual o cumprimento da função de balança de poderperdeu relevância, mas não foi banido do texto do ConceitoEstratégico da aliança, documento que guiará os passos dainstituição a partir de 1991, data de sua oficialização.

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processo na Europa na definição dos seus objeti-vos futuros, os representantes de governo opta-ram por uma revisão estratégica dos princípiosda aliança, cujos resultados estão registrados nos59 pontos em que se divide o documento.

Ao especificar o novo contexto estratégico emque a organização se encontrava, o artigo 5º ob-serva que “[a] ameaça monolítica, massiva e po-tencialmente imediata que constituía a preocupa-ção central da Aliança em seus primeiros 40 anosdesapareceu” (NATO, 1991, art. 5º). Não obstante,completam os pontos 12 e 13, “[...] [mesmo] emuma relação não-conflitiva e cooperativa, a capa-cidade e o potencial de desenvolvimento militarsoviéticos, ainda constitui o fator mais significati-vo com o qual a aliança deve lidar ao manter abalança estratégica na Europa [...]” (idem, art. 12)e reafirma sua posição de que “[qualquer] ataquearmado ao território dos aliados, independente daprocedência, será respondido de acordo com osartigos 5º e 6º do Tratado de Washington [...]”(idem, art. 13).

Ao evocar o artigo 5º do Tratado do AtlânticoNorte, o artigo 12 do Conceito Estratégico de-monstra cuidado com a dimensão geopolítica quecaracteriza o conceito tradicional de segurança aoreafirmar a função de defesa coletiva do organis-mo. No entanto, o artigo 14 não deixa dúvidasquanto ao foco estratégico estabelecido pelo do-cumento: “[...] o novo ambiente não muda o pro-pósito ou as funções de segurança da aliança, mas,ao contrário, sublinha sua contínua validade [...]por outro lado, a mudança no ambiente oferecenovas oportunidades para a aliança enquadrar suaestratégia em uma visão mais ampla de seguran-ça” (NATO, 1991, art. 12; sem grifo no original).

A percepção mais abrangente das noções desegurança responde aos desígnios da nova con-formação do sistema internacional. ManfredWörner, Secretário Geral da OTAN em 1990, ob-serva que a fase de mudanças históricas vivenciadano início da década oferece a oportunidade para aAliança Atlântica concretizar seus desejos “de umaEuropa livre e unificada fundamentada em umaordem pacífica, segura e duradoura”. Nesse con-texto, importa especialmente o conteúdo substan-tivo responsável pelo estabelecimento de tal or-dem: “direitos humanos e livre escolha para todosos cidadãos, igualdade perante a lei, abertura dasfronteiras, autodeterminação, democracia e a pro-teção dos direitos das minorias” (WÖRNER,

1990). Com base nessa visão de mundo, a Aliançareestrutura seu projeto de segurança coletiva em1991 e abre caminhos para um modelo de regimeoriginal.

Com o fim da Guerra Fria, mais precisamen-te, com a dissolução do socialismo no Leste Eu-ropeu, a percepção de segurança, pautada exclu-sivamente nas preocupações de cunho geopolítico,tornava-se pouco convincente. A questão maisrelevante para se compreender os termos do regi-me da OTAN que se forma, e suas conseqüentesimplicações práticas nos primeiros anos da déca-da de 1990, portanto, consiste em apreender oque se encontra subentendido no conceito de se-gurança de natureza heterogênea adotado peloConceito Estratégico em 1991 (NATO, 1991).

A agenda internacional conformada à época docolapso final do sistema comunista no continenteeuropeu assume contornos mais cooperativos aodesbancar a preeminência dos assuntos de natu-reza militar característicos do período da GuerraFria e atribuir destaque aos temas de política soft.A emergência de uma pauta mais abrangente emenos constrangedora (determinante) das relaçõesestatais apresentou-se como efeito dareestruturação sistêmica desse período e refletia aesperança de uma “[...] nova e mais promissoraera na Europa”, relatadas no artigo de introduçãoao texto do Conceito Estratégico. A crença emum vindouro mundo melhor e menos conflituosono continente soa como o resgate do idealkantiano, em que comércio e democracia surgemcomo os pilares de sociedades que vivem em har-monia, possibilitados pelo “triunfo” da ideologiaocidental após a queda do Muro de Berlim17.

A proposta americana de difundir sua visão demundo, utilizando a OTAN como instrumento, co-aduna-se com a expectativa européia de consolidaros valores democráticos e processos de coopera-ção na Europa. Interesse este que é demonstradopelo “progresso substancial no controle de armas[que] já fortaleceu a estabilidade e a segurança naEuropa pela diminuição dos níveis de armas e au-

17 A idéia de triunfo no texto remete à percepção pelosatores da inexistência de um modelo que oferecesse umacontraproposta alternativa e suficientemente atraente aosdemais membros da comunidade internacional do Ocidentepara o modelo de democracia liberal logo após odesmantelamento da URSS, que levou ao descrédito total aexperiência do comunismo real.

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mentando a transparência militar e a confiançamútua” (idem, art. 3º), por meio, dentre outros ins-trumentos jurídicos, do adensamento do arranjoinstitucional do Conselho para Segurança e Coope-ração na Europa, a CSCE, que “contribuiu signifi-cativamente para superar a divisão na Europa”(idem, art. 4º). A homogeneização de valores e pro-cessos econômicos entre os países europeus emer-ge como uma necessidade para a própria viabilizaçãode uma União Européia que, já nos primeiros cincosanos da década de 1990, esforçou-se no sentido deaprofundar seus processos cooperativos e criaroportunidades para estender sua abrangência. Comoera de se esperar, o regime de segurança da OTANabsorveu conceitualmente essa mudança da per-cepção dos atores envolvidos com relação ao papelda aliança.

Nesse sentido, declara o Presidente Bush, em1992, acerca do posicionamento dos EstadosUnidos frente aos aliados europeus, sua relaçãocom a OTAN e as possibilidades que a organiza-ção oferece para estender os princípios liberaiscomo base de reconstrução dos países recém afas-tados da influência soviética: “Presidentes de am-bos os partidos lideraram uma Aliança Atlânticaunida pelos laços do princípio e amor à liberdade[...]. O povo americano demonstrou que iria su-portar os custos de defesa, qualquer que fossem,e fazer qualquer sacrifício necessário para asse-gurar nossa liberdade e proteger nossos aliados einteresses. E nós fizemos uso dessa soberbatecnologia que nosso sistema de livre iniciativaproduziu. E [os soviéticos] aprenderam que nãopoderiam dividir nossa aliança [...]. Recentemen-te, com os soviéticos em seu leito de morte, opotencial para crises e conflitos nunca foi maior.Conforme os povos da Europa Oriental caminha-vam rumo à liberdade, nós os conduzimos porvias pacíficas. Eles se voltaram para nós. Eles sevoltaram para a América, e nós não os viramos ascostas. E quando nossos amigos alemães pega-ram em seus martelos para derrubar aquele Muro,nós encorajamos uma Alemanha unificada, segu-ra sob a proteção da OTAN [...]. Nós transfor-mamos a Aliança Atlântica [...] em uma parceirade uma Europa mais unida, uma parceria primor-dialmente voltada para encarar novos desafios desegurança nessa época de incertezas. E o novoperfil de nossa aliança, a North AtlanticCooperation Council, permite à OTAN englobarnossos antigos adversários do Pacto de Varsóvia”(BUSH, 1992).

A nova percepção das questões de segurançaanunciada no Conceito Estratégico funda-se nagarantia de estabilidade e na promoção de institui-ções livres e da economia de mercado nos paísesdo continente. Os riscos a segurança dos paíseseuropeus, explica o artigo 9º, “[...] são menosprováveis de resultar da agressão calculada con-tra o território dos aliados do que serem decor-rentes de conseqüências adversas de situações deinstabilidade decorrentes de sérias dificuldadeseconômicas, políticas e sociais, incluindo rivali-dades étnicas e disputas territoriais, enfrentadaspor muitos países no Centro e Leste da Europa[...]” (NATO, 1991, art. 9º)18.

O aspecto mais interessante da definição desegurança adotada pelo documento é seudistanciamento das questões militares propriamen-te ditas e o vasto conjunto de alternativas políti-cas para a resolução de problemas referentes àsegurança, isto é, a garantia de estabilidade e adap-tação a um novo arcabouço institucional, de acor-do com as diretrizes de 1991. A inclusão de for-mas alternativas de encarar a segurança para alémdas questões tradicionais proporcionadas pelaredefinição da agenda internacional foi textualmen-te reconhecida no artigo 24: “[...] a oportunidadepara alcançar os objetivos da organização atravésde meios políticos [...] [maior] do que nunca”(idem, art. 24). Assim apresentam-se as tarefasessenciais (mister) da Aliança Atlântica no tocanteà segurança: “Providenciar os fundamentos indis-pensáveis para um ambiente de segurança estávelna Europa, baseado no florescimento de institui-ções democráticas e o compromisso com a reso-lução pacífica de disputas, no qual nenhum paísseja capaz de intimidar ou coagir qualquer nação

18 O novo foco para as questões de segurança tambématendia aos interesses dos Estados europeus em resgatara primazia sobre as decisões de segurança em seu conti-nente, autoridade perdida com o fim da Segunda GuerraMundial. Os europeus encaram os novos desafios de se-gurança como uma oportunidade de intensificar sua atua-ção nessa área, e não exclusivamente por meio da OTAN.A Western European Union (WEU), o equivalente militarda Comunidade Européia, ganha maior visibilidade e, em1992, o Tratado de Maastrich oficializa o desejo da re-cém-criada União Européia de erigir uma política de segu-rança comum, batizada de Política Externa de SegurançaComum (PESC). Minimizar a dimensão militar significadiminuir o peso relativo da balança de poder nas decisõesde segurança e, por conseqüência, no caso europeu, maiordesvencilhamento da influência norte-americana.

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européia, ou de impor hegemonia por meio deameaça ou uso da força; servir, como estipuladono artigo 4º do Tratado do Atlântico Norte, comoum fórum transatlântico para consulta entre osaliados em qualquer assunto que afete seus inte-resses vitais, inclusive possíveis desenvolvimen-tos que apresentem riscos para a segurança dosmembros, e para coordenação apropriada de seusesforços em áreas de interesse comum; deter edefender contra qualquer ameaça de agressão con-tra o território de qualquer Estado membro daOTAN; preservar a balança estratégica na Euro-pa” (idem, art. 20).

Embora as tarefas contempladas pelo docu-mento incluam, nos últimos dois pontos, as fun-ções para as quais a aliança foi originalmente pen-sada, a observação de que “a ameaça de ataquesem grande escala, simultâneos, em todas as fren-tes européias foi efetivamente removida e, por-tanto, não constitui mais o foco da aliança estra-tégica [...]” (idem, art. 7º), revela a proeminênciadas novas questões de segurança a seus signatári-os.

Não obstante o documento ser explícito comrelação aos objetivos futuros a serem perseguidospela organização, ainda que de forma vaga, o Con-ceito Estratégico não discrimina com clareza quaiseventos caracterizam-se como ameaças à segu-rança dos países europeus no período posterior àGuerra Fria, tampouco estipula que artifícios se-rão utilizados para restabelecer a ordem caso sejaperturbada. Assim apresenta-se a questão no tex-to: “os riscos para a segurança dos aliados [en-contram-se nas] conseqüências adversas de situ-ações que podem originar-se de sérias dificulda-des econômicas, políticas e sociais, incluindo ri-validades étnicas e disputas territoriais. [Tais] ten-sões, contanto que se mantenham limitadas, nãoameaçam diretamente a segurança e a integridadeterritorial dos membros da aliança. Contudo, po-dem levar a crises inimigas a estabilidade européiae até evoluírem para um conflito armado, quepoderia envolver potências externas ou atingir[spill-over] os países da OTAN, afetando direta-mente dessa maneira a segurança da aliança” (idem,art. 9º).

Pode-se observar que, na realidade, a declara-ção encontrada no artigo 9º indica somente a na-tureza dos possíveis elementos detonadores desituações de instabilidades e o contexto em que asegurança dos aliados possa, eventualmente, ser

comprometida, sem especificar quais seriam es-ses elementos. “[O] conceito de ameaça à segu-rança é redigido de forma tão elástica que agoracobre tudo, desde reformas econômicas não con-cluídas até violações de direitos humanos e meioambiente, sem definir qual o alcance desses con-ceitos” (FRANÇA, 2004, p. 119). Ou seja, qual-quer sintoma de instabilidade de caráter econômi-co, político ou social, em qualquer país do conti-nente, representa uma potencial ameaça aos mem-bros da OTAN? Qual o critério para identificaruma situação de instabilidade de natureza econô-mica, política ou social prejudicial à segurança?Qual o momento certo de agir quando se suspeitada possibilidade de expansão de uma crise ou quan-do essa crise de fato começa a se expandir? Oque se considera extensão da crise? Em nenhumadas 15 páginas de texto do documento encontram-se respostas a essas ou outras perguntas interes-sadas em pontuar as características específicasda ameaça.

Conclui-se que a imprecisão da idéia de insta-bilidade incute à escolha dos atores um alto graude flexibilidade frente às chances de agir, e atribuiao processo de definição da ameaça à segurançaum caráter político. Isto é, a infinidade de fenô-menos que podem ser considerados conseqüên-cias nefastas advindas de instabilidades no meiopolítico, econômico ou social, de acordo com asugestão do documento analisado, torna osparâmetros de definição altamente subjetivos.Dessa maneira, a possibilidade de definir uma si-tuação como ameaçadora à segurança de um país,seguindo interesses circunstanciais dos membrosenvolvidos, confere significativa margem deinstrumentalização à Aliança.

Embora econômico quanto ao uso do termoprevenção, o sistema operacional previsto peloconceito para cumprir as exigências do novo con-texto de segurança europeu baseia-se quase ex-clusivamente nessa idéia. À exceção da defesa doterritório, o Comunicado Ministerial intituladoNATO’s Core Security Functions in the New Europereitera o propósito essencial da Aliança em “salva-guardar a liberdade e a segurança de seus mem-bros por meios políticos e militares, de acordocom os princípios da Carta das Nações Unidas,[baseados] em valores comuns de democracia,direitos humanos e a regra da lei” (NATO, 1991b).Adiante, assegura a “manutenção de capacidademilitar suficiente para prevenir a guerra e para

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garantir defesa efetiva, capacidade extensiva deadministrar com sucesso crises que afetem a se-gurança de seus membros, o direcionamento doesforço político em favor do diálogo com outrasnações” como os meios para alcançar sua políticade segurança.

De fato, conforme atestam os eventos maisimportantes da organização em 1991 o desenvol-vimento de relações cooperativas com outros pa-íses evidencia-se como parte central do novo Con-ceito. E nesse sentido, a aliança avançou. Impor-tante citar, em especial, as atividades proporcio-nadas pelos acordos do Combined Joint Task For-ce (“Força-Tarefa Combinada”) e do Partnershipfor Peace (“Parceria para a Paz”), desenvolvidosjá nos primeiros anos da década. Quanto à resolu-ção de crises de instabilidade, pouco foi feito parauma maior especificação política dos conceitosnormativos. A indefinição da aliança frente à esca-lada da violência no conflito da Bósnia, em partedecorre da ausência de regras de intervenção bemestabelecidas, embora a “doutrina aliada tivessepassado do equilíbrio global à prevenção de cri-ses” (MIÑON, 1999, p. 57).

A falta de especificidade quanto à determina-ção de quadros políticos, econômicos ou sociaisminimamente identificáveis, tais como fluxo ma-ciço de refugiados ou a suspensão do processoeleitoral, por exemplo19, enquanto sinais de peri-go eminente para a segurança confere (sugere)uma certa inconsistência nas propostas apresen-tadas no corpo do documento. Sintomaticamen-te, para a questão do uso da força, a incongruên-cia reside na dificuldade de criar-se estratégiascontra-ofensivas, de caráter preventivo, à adequa-da administração de crises. O sucesso das inicia-tivas em favor da paz realizadas pela Aliança Atlân-tica apóia-se com exclusividade na proposta dadiplomacia preventiva, como explicita o artigo 31.Esse aspecto ressalta, uma vez mais, a importân-cia da dimensão política nos assuntos de segu-

rança da OTAN ao adentrar em um cenário inter-nacional cujos contornos de distribuição de podere padrões de relacionamento entre estados aindacarecem de maior precisão. O conceito reflete essadificuldade ao propor métodos anacrônicos paraatender os novos objetivos estabelecidos à aliança

Duas alternativas foram aventadas para expli-car o caráter genérico que assume o problema dasegurança no regime idealizado em 1991. A incer-teza com relação à motivação de futuros conflitose, mais relevante, a natureza diversificada dos fe-nômenos capazes de motivá-los, talvez tenhamimpossibilitado aos membros da OTAN a criaçãode um padrão de atuação adequado a essas novasameaças.

Concretamente, o Conceito Estratégico nãotraça nenhuma linha relacionada à implementaçãode ações caso o modelo preventivo venha a fa-lhar. Embora seu texto reitere, com constância, aprimazia das questões políticas na garantia da se-gurança, o documento peca em concatenar osnovos desafios estipulados, ou novas ameaças denatureza não militar, com elementos de naturezamilitar. A referência que se faz à atuação da alian-ça ainda encontra-se arraigada no uso tradicionalda força, tal qual desenvolvido em 1949. Em ou-tras palavras, o conceito de segurança coletivaabsorveu novos temas, mas continuou exclusiva-mente pautado no princípio de defesa territorial. Aintervenção armada para salvaguardar a estabili-dade da região, a menos que encarada como umaviolação direta à segurança de um de seus mem-bros, não está prevista normativamente em 1991.

Ou seja, as questões de segurança no períodoposterior à Guerra Fria continuaram a ser trata-das pela lógica estratégico-militar, embora sejaquestionável se esse conteúdo mais poroso doconceito coaduna-se com este tipo de prática.Assim, segundo o artigo 35, “nunca nenhuma dasarmas da OTAN será usada exceto para autodefe-sa [...]” (NATO, 1991, art. 35). A amplitudeinterpretativa a que se presta a definição de amea-ça, contudo, sugere que a concepção de autode-fesa nesse contexto, de uso da força, portanto,recaia em uma decisão de caráter político, vistoque a infinidade de eventos englobadas nessa per-cepção indistinta da ameaça permite a incorpora-ção de interesses externos dos atores em açõesdesignadas como meios de restaurar a paz.

Sem dúvida, um dos motivos condicionantespara a ausência de regras claras quanto ao

19 Evidentemente, não se pode prever toda a sorte deproblemas que tenham origem na desestabilização econô-mica, política e social. No entanto, nem todo tipo dedesequilíbrio desperta o interesse da OTAN em se envol-ver. Portanto, esse artigo aposta na possibilidade de a orga-nização pontuar fenômenos considerados mais relevantes.Ainda que a imprevisibilidade dos fatos justifique certamargem de subjetividade, tais considerações poderiam tran-sitar dentro de limites significativamente mais estreitos dosque os apresentados no planejamento estratégico.

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restabelecimento da paz em casos de conflitosfoi o zelo da organização pela Carta das NaçõesUnidas. Assim como em seu documento de ori-gem, o Conceito Estratégico preocupa-se em es-clarecer sua subordinação aos desígnios do ór-gão máximo no sistema internacional nas ques-tões referentes à paz e à guerra, o Conselho deSegurança da ONU. A Carta que rege as ações doConselho de Segurança não sofreu modificaçõestextuais com a queda do Muro de Berlim. O quesignifica que o capítulo VII da Carta ainda legiti-ma o uso da força exclusivamente em caso deagressão20.

Por um lado, a necessidade de adaptação desuas funções e as limitações exógenas aos ter-mos a serem adotados enquanto arranjo de segu-rança regional, em que se encontra classificada aOTAN, induz a essa sutil contradição. O Concei-to Estratégico associa a segurança de seus mem-bros a uma esfera que extrapola a legalmente per-mitida para sua atuação. A afirmação justifica-seao identificarmos a necessidade da aliança de li-mitar sua ação armada à autodefesa para ser com-patível com as prerrogativas do Conselho de Se-gurança da ONU. Portanto, para garantir o ambi-ente de estabilidade multifacetado, que julga sau-dável para segurança dos seus membros, enfatizaa prevenção.

Por outro, é plausível especular-se as eventu-ais conseqüências delicadas para a aliança de umainconteste delimitação dos seus parâmetrosdecisórios acerca de iniciativas militaresdirecionadas a restaurar a estabilidade. A análiseem retrospectiva aqui realizada permite-nos lan-çar tal argumento com maior grau de certeza, emespecial quando se coloca em foco a lentidão comque as potências mundiais responderam aos con-flitos étnicos na Bósnia e o conjunto de variáveisde interesse clássicos associados a Realpolitikque interferiram no processo. Vale lembrar que aconcepção de segurança adotada pela OTAN paraguiar seus passos a partir de 1991 assume umapostura fundamentalmente valorativa. Ao contrá-rio do período da Guerra Fria, em que seu funci-onamento encontrava-se estritamente associadoa querelas de teor geopolítico, o Conceito Estra-tégico aponta qualquer desvio na instituição de

processos democráticos e difusão dos valores li-berais como uma anomalia capaz de desestruturara ordem. Lida no espelho, a segurança dos países-membros está diretamente associada, portanto, aofortalecimento da democracia liberal no continenteeuropeu.

No entanto, a própria preocupação do Concei-to em associar de forma mecânica a ameaça deinstabilidade à autodefesa demonstra satisfatoria-mente os limites da premência dos aspectosvalorativos, à época da formulação do documento.De certa maneira, significa a ciência por parte dospaíses-membros da fragilidade da diplomacia pre-ventiva enquanto instrumento capaz de manter aordem. No mínimo, o reconhecimento de que aorganização não poderia, ou seus atores não esta-riam dispostos a comprometerem-se por incertasdemandas à estabilidade advindas da responsabili-dade de disseminar os valores liberaisindiscriminadamente no continente europeu.

A leitura que aqui se fez do documento elabora-do pela OTAN em 1991, tentou identificar as prin-cipais mudanças que se processaram na percep-ção das questões de segurança, referentes ao usoda força, com o fim da Guerra Fria, comparando-as com o Tratado de Washington de 1949, e bus-cou, também, apreender de que forma a AliançaAtlântica transformou-as em seus objetivosinstitucionais.

Resumidamente, as conclusões da análise de-monstram que o conceito de segurança deixou deser uma questão meramente geopolítica e adquiriuuma natureza mais abrangente, cujos parâmetrosseriam os valores da democracia liberal e da soci-edade de mercado, que atribuem à estabilidade po-lítica, econômica e social do continente a condiçãode garantia da segurança. Embora o Conceito Es-tratégico sugira o investimento em ações preventi-vas, peca em estabelecer meios de reverter situa-ções de crise que abalam a paz na região caso essemodelo de atuação não seja eficaz. De tal sorte quea garantia da estabilidade continuou pautada nosrequisitos estratégico-militares de defesa coletivatradicional ao associar, necessariamente, a práticamilitar à autodefesa.

III. O CONCEITO ESTRATÉGICO DE 1999:VARIAÇÕES NO REGIME DE SEGURANÇADA OTAN NO FINAL DA DÉCADA

A dificuldade de operacionalizar o conceito desegurança previsto pela Aliança Atlântica em 1991

20 Houve, contudo, de acordo com Patriota (1998), umanova forma de interpretar os artigos da Carta referente àintervenção armada após da Guerra do Golfo.

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pode-se sentir logo na primeira prova enfrentadapela organização, a Guerra da Bósnia. Um grave eprolongado conflito, cuja dinâmica não apresen-tava nenhuma ameaça direta à segurança dos paí-ses membros, sem dúvida consistia em uma fon-te de instabilidade que colocava em risco as insti-tuições e os valores democrático-liberais, confir-mado pela massiva violação dos direitos humanosdesde a etapa inicial do conflito21.

A elaboração de um novo conjunto de diretri-zes para a OTAN inicia-se em 1997 e culmina coma ratificação de mais um Conceito Estratégico em1999. A Reunião de Cúpula de Madri, realizadaem junho do ano citado, tinha em vista a continui-dade do “processo de revisão da estratégia da or-ganização e do perfil que teria no século XXI”, econfirmou sua validade enquanto “uma institui-ção relevante para a segurança européia [...]”(CASTILHOS FRANÇA, 2004, p. 109). Revisitaro conteúdo do documento ratificado em 1991, esubstituí-lo em 1999, foram decorrências da per-cepção declarada, já no segundo artigo das novasestratégias, de que esse intervalo de anosvivenciou “profundos desenvolvimentos políticose na área de segurança” (ibidem).

Embora a organização alegasse necessidade dereavaliar seu projeto, o novo texto adotado emseu 50º aniversário na sua maior parte reitera oscompromissos firmados na primeira versão. A dis-tinção significativa refere-se a uma maiorespecificação de seu conteúdo. O documentomoldado no final da década de 1990 estabelececom mais clareza os elementos condicionantes daatuação da aliança. Outro ponto que merece des-taque é o refinamento da relação imediata entresegurança e estabilidade previamente realizada.Convém iniciar a discussão pelo segundo ponto.

O ambiente estratégico no qual a OTAN de-senvolvia suas atividades pouco se diferenciavadaquele anunciado em 1991: a improbabilidade deuma agressão direta a alguns de seus membros ea susceptibilidade dos países aliados terem suasegurança abalada por uma “ampla gama de ris-cos [...] não-militares” (NATO, 1999, art. 20). Oreconhecimento da natureza multidimensional daameaça garantiu uma abordagem extensiva danoção de segurança, que inclui “fatores políticos,

econômicos, sociais e ambientais, adicionados àdimensão indispensável da defesa” (idem, art. 25).De fato, o documento atribui o sucesso da aliançaem preservar a estabilidade do continente Euro-peu na década de 1990, ao mencionar sua presen-ça decisiva nos conflitos balcânicos, exatamentea essa definição heterogênea de segurança (idem,art. 3º).

No entanto, ao contrário das formulações de1991, o problema da estabilidade, alçada ao planode estratégia central da organização, ganha outrocontorno e assume parte de uma relação causalnos preceitos normativos que guiarão os seguin-tes passos da aliança. De acordo com a argumen-tação da segunda parte do presente artigo, o Con-ceito Estratégico precedente, desenvolvido pelosrepresentantes dos países membros, designou duasfunções para a organização. Em primeiro lugar, aOTAN responsabilizar-se-ia por assegurar a pazna região euro-atlântica ao conter eventuais insta-bilidades decorrentes da alteração do equilíbrio depoder propiciado pela queda e fragmentação doimpério soviético. Isto é, a aliança contribuiria paradirimir distúrbios econômicos, políticos e sociaisresultantes de transformações estruturais ou rei-vindicações de cunho étnico ou nacionalista nosestados da Europa Central e do Leste (NATO,1991, art. 7º). O engajamento não militar da orga-nização Atlântica em tais eventos, por meio da di-plomacia preventiva, estaria condicionado à per-cepção de iminente ameaça que um abalo na peri-feria da área abarcada pela aliança causaria à se-gurança de seus membros.

A segunda questão refere-se à manutenção domecanismo de defesa coletiva, previsto nas cláu-sulas originais de criação da OTAN, o Tratado deWashington. Ambas as funções continuam pre-vistas pelo regime que se instaura, às portas donovo milênio. No entanto, inverte-se a relevânciade uma e da outra no plano normativo.

A proposta inicial do Conceito Estratégico de1991 analisa o porvir no cenário internacional demaneira positiva. Confiante na convergência deaspirações e interesses entre os partícipes da ali-ança e ex-membros da URSS quanto às bases desustentação de uma Europa unificada pelos valo-res, a organização elegeu medidas cooperativasnos campos político, econômico e militar como ocavalo de batalhas no seu esforço de minimizar opotencial de instabilidade na região. Prevenir con-turbações na arena européia consistia no cerne das

21 A literatura constata a implementação da política delimpeza étnica por todas as partes desde 1992, data oficialdo início do conflito.

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preocupações da OTAN em 1991, devido à rela-ção simbiótica que se formulou entre estabilidadee segurança.

Embora o documento atribua a encaminhamen-tos indesejados de distúrbios na região euro-atlân-tica a principal fonte de ameaça à segurança dospaíses membros, nem toda convulsão de ordempolítica, econômica ou social caracteriza-se porrisco à liberdade e à soberania dos demais esta-dos. Esse tipo de circunstância desestabilizadora,mas que não possui implicações diretas nos pro-cessos internos das potências comprometidas compacto de segurança coletiva regional, conduz a umaparalisia quando se trata do critério de ação esti-pulado pelos trâmites institucionais. Ou seja, ocaráter não previsto normativamente de conten-ção de conflitos que não por meios políticos resi-de nas restrições ao uso da força, dedicado, deacordo com o artigo 35, exclusivamente ao casode autodefesa. Observe-se o caso emblemáticodo conflito étnico oficialmente deflagrado naBósnia em 1992.

O envolvimento mais incisivo nos primeirosanos da Guerra da Bósnia por parte da aliança so-freu uma série de constrangimentos circunstan-ciais, como a incapacidade de coordenação entreos membros europeus acerca da postura a seradotada pela organização e a falta de liderança dosEstados Unidos em decorrência de dificuldadesno âmbito doméstico enfrentadas pelo Presidentenorte-americano Bill Clinton22. De qualquer modo,considerada como uma crise humanitária, cujadinâmica não apresentava perigo à segurança po-lítica e territorial dos países da aliança, a únicasolução prevista para o engajamento da OTAN,de acordo com suas diretrizes estratégicas, era anegociação.

Já as vésperas de adotar o Conceito Estratégi-co de 1999, a disputa armada no Cosovo possuía,por outro lado, uma importância distinta no con-texto europeu. A possibilidade latente de o confli-

to alastrar-se para a Albânia e a Macedônia con-cedeu ao embate entre sérvios e albaneses umadimensão geoestratégica ausente na guerrabalcânica que a antecedeu. Embora uma modifi-cação no status quo territorial da Europa afetassede forma mais agressiva a segurança da região,por abrir um precedente, a ênfase para a interven-ção deu-se na violação maciça dos direitos huma-nos. Ao não se concentrar nas eventuais conse-qüências nefastas para a segurança dos países daEuropa Ocidental, o Conceito mostrou, mais umavez, que não contemplava em suas premissas oenvolvimento militar da organização no embate.

A incompatibilidade entre o conceito de segu-rança, baseado na estabilidade, e a viabilidadenormativa de usar a força em seu nome foi sana-da, de alguma maneira, no Conceito Estratégicode 1999. O documento desvincula, parcialmente,a segurança dos membros da organização da ques-tão da estabilidade ao inverter e limitar seu propó-sito.

Ao reconhecer a natureza distinta das amea-ças que podem infligir insegurança aos paísesmembros da OTAN no contexto posterior à Guer-ra Fria, o sétimo artigo do texto, ratificado em1991, determina o direcionamento a ser adotadopelas políticas da aliança da seguinte forma: “Osdesafios e riscos à segurança que a OTAN en-frenta são diferentes na sua natureza daqueles dopassado. A ameaça de ataque em grande escala,simultâneos, em todas as frentes européias foiefetivamente removida e, portanto, não constituimais o foco da aliança estratégica [...]” (ibidem).Essa afirmação permite concluir que a questão dadefesa territorial foi relegada a segundo plano, paraser substituída, como se argumenta acerca dodocumento elaborado em 1991, por ações pre-ventivas capazes de dirimir a potencialidadeconflitiva contida nas transformações, então emandamento, do ambiente político da região.

A diferença fundamental percebida no docu-mento de 1999 refere-se a uma alteração da prio-ridade estratégica da aliança. Como indica o arti-go 6º, “o propósito essencial e duradouro daOTAN, estabelecido no Tratado de Washington, éresguardar a liberdade e a segurança de seus mem-bros por meios políticos e militares” (NATO, 1999,art. 6º). Na realidade, o que se observa é um re-torno à proposta inicial de 1949 de garantir a inte-gridade dos membros da organização, ainda queos termos cunhados no texto do final da década

22 A forte recessão econômica que assolava os EstadosUnidos nesse período direcionou as atenções da opiniãopública e da campanha presidencial de fins de 1992 para osassuntos domésticos, marginalizando as questões exter-nas. Embora o envolvimento norte-americano com a situa-ção na Bósnia date de 1993, ele foi esporádico em suasdemonstrações públicas e majoritariamente extra-oficiais.As iniciativas mais incisivas do governo Clinton para en-contrar meios de terminar o conflito remetem a meados de1994. Para mais detalhes, ver Viggiano (2005).

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de 1990 transcendam de forma mais explícita afunção de defesa territorial. Ao incluir a idéia degarantia da liberdade, por meios políticos tantoquanto militares, a aliança mantém a linha de raci-ocínio desenvolvida em 1991 e reafirma seu com-promisso com a segurança coletiva.

No entanto, a relação entre segurança e estabi-lidade não foi completamente rompida, o que ex-plica a hipótese, acima mencionada, de suadesvinculação parcial. A percepção da OTAN, noque diz respeito aos riscos que eventuais situa-ções de instabilidade na região podem ocasionar àsegurança de seus membros, continua presenteno corpo do documento de 1999. Contudo, aoinvés de incorporar a tentativa de evitar adeflagração de crises como sua função primordi-al, a organização limita-se a declarar que “não so-mente assegura a defesa de seus membros, mastambém contribui para a paz e a estabilidade naregião” (ibidem). Nesse sentido, a manutenção derelações estáveis, de alguma forma, aparece comoconseqüência da própria busca dos países aliadospor um ambiente seguro. Vale ressaltar que a OTANnão deixa de desenvolver políticas cooperativas,com o intuito de “preservar a paz, prevenir a guerrae fortalecer a segurança e a estabilidade” (idem,art. 31); e de encará-las como fundamentais paraa segurança da organização, uma vez que “riscoscomplexos [...], tais como opressão, conflitosétnicos, dificuldades econômicas, o colapso deordens políticas e a proliferação de armas de des-truição em massa” (idem, art. 3º) podem minar aestabilidade da região e, por extensão, intervir deforma negativa nos interesses dos estados parti-cipantes. Não obstante, a garantia da estabilidadeperdeu o posto de função básica e passou a sertarefa complementar da organização, unicamenteenquanto forma de servir à segurança de seusmembros.

O segundo ponto significativo que merece seranalisado refere-se aos determinantes para o usoda força. De acordo novamente com o artigo 35,anunciado em 1991, a organização disporia as ar-mas somente em favor da autodefesa. A indefiniçãofrente ao que seria uma ameaça que justificasse areclamação da autodefesa suscita duas conside-rações contraditórias. Por um lado, ao associar agarantia da segurança à estabilidade, a instituiçãoencontrava-se presa à utilização de medidas pre-ventivas, pois a impossibilidade de agir em nomeda autodefesa em situações de pouca relevância

imediata para os países membros tornava-se umconstrangimento ao uso da força. Por outro, amaleabilidade do conceito de ameaça, que nãoaparece de forma lapidada nas linhas do ConceitoEstratégico de 1991, permitia certa flexibilidadepolítica com relação à determinação do que seentende por autodefesa.

No que diz respeito ao uso da força, no entan-to, a publicação de 1999 não faz menção, em ne-nhum dos seus artigos, a delimitações específicasquanto à intervenção armada, pelo contrário. AOTAN, a partir dessa data, disponibiliza sua capa-cidade militar para conduzir operações não pre-vistas pelo artigo 5º do Tratado de Washington23.Dessa maneira, a organização liberta-se das amar-ras que enredam sua atuação bélica.

As duas questões trabalhadas, a inversão nasfunções da organização e a perda de especificaçãoquanto ao uso da força, correm em sentido inver-so quando se considera suas implicações para oregime. Ou seja, enquanto o enfoque pautado nasegurança coletiva dos membros da aliança res-tringe a sua atuação, a possibilidade de fazer usode seu potencial militar para sanar crises alheiasàs previstas pelo artigo 5º do Tratado do AtlânticoNorte permite a organização estender suas ativi-dades para além do campo de atuação previamen-te estipulado. Nesse espaço de intersecção entreessas duas perspectivas paradoxais é que a ques-tão dos direitos humanos, no bojo da defesa dosvalores liberais, passa a integrar de forma maisexplícita o regime da organização.

Assim como em 1991, a expressão “interven-ção humanitária” não permeia o vocabulário dodocumento de 1999. No entanto, os direitos hu-manos aparecem textualmente como valores aserem perseguidos pela comunidade dos paísesaliados do mesmo jeito que situações de emergên-cia humanitária surgem como singular exemploque justificaria o envolvimento da organização emcrisis management. O artigo 31 faz a seguinteobservação a respeito do tema da resolução decrises: “Ao perseguir sua política de preservar apaz, prevenir a guerra e fomentar a segurança e aestabilidade, [...] a OTAN procurará, em coope-ração com outras organizações, prevenir confli-

23 O artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, ou Tratadode Washington, é exatamente aquele que atribui à aliançaseu caráter de defesa coletiva.

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tos, ou, caso se deflagre uma crise, contribuirefetivamente para sua resolução, [...] incluindo apossibilidade de conduzir operações responsivasnão previstas pelo artigo 5º. A prontidão da aliançaem comandar operações dessa natureza se alicerçano objetivo mais amplo de reforçar e expandir aestabilidade e freqüentemente envolve parceirosda OTAN” (NATO, 1999, art. 31).

Apesar da disposição demonstrada nessas li-nhas em contribuir para o apaziguamento de con-flitos, o décimo artigo apresenta um importanteporém. Afirma o artigo 10º que em situações decrisis management a OTAN estará alerta, mas suaatuação será decidida “caso por caso, e via con-senso, em conformidade com o artigo 7º do Tra-tado de Washington, para contribuir de forma efe-tiva para a prevenção de conflitos e para se engajarativamente nas resoluções de conflito, inclusiveem operações responsivas a crises” (idem, art.10º). A proposta de decisões ad hoc sobre oenvolvimento da organização no conflito remetenovamente à dimensão política primordial que as-sume a OTAN nos anos 1990. Nesse sentido, oConceito de 1999 oferece ainda maior flexibilida-de política aos membros da aliança que o docu-mento de 1991. No final da década, seu preceitonormativo contempla tanto a opção política de agirquanto a de não agir, enquanto em 1991, devidoaos constrangimentos estipulados pelo conceitode autodefesa, os limites legais no plano estratégi-co da organização justificavam somente a ação.Portanto, desvincula a obrigatoriedade da inter-venção, mas a viabiliza, sob o manto de garantir asegurança do ambiente. A possibilidade de atuarda maneira que for mais conveniente aos mem-bros da organização, sem desrespeitar os pressu-postos do Conceito, confere maior mobilidade elegalidade à OTAN, o que explica, de certa forma,a opção por restringir sua função principal.

Para os propósitos desse trabalho, o conceitode intervenção humanitária é definido pelas pala-vras de Holzgrefe: “a ameaça ou uso da força atra-vés das fronteiras de um Estado por outro Estado(ou grupo de estados) com o objetivo de prevenirou findar grave e disseminada violação dos direi-tos humanos fundamentais de indivíduos outrosque não seus cidadãos, sem a permissão do Esta-do em cujo território a força é aplicada”(HOLZGREFE, 2003, p. 18). Embora aoperacionalização desse conceito em tais moldesseja relativamente contemporânea, a idéia da in-

tervenção humanitária não consiste em um fenô-meno recente. Ao longo da história, pode-se veri-ficar que a violação de fronteiras com o objetivode resgatar povos vítimas de desastres humanitá-rios, dá-se quando os estados interventores comeles identificavam-se. A diferença fundamentalentre a prática intervencionista antes e depois de1945 reside na alteração dos critérios utilizadospara qualificar a natureza da ação, decorrentes docaráter interativo e interdependente das normasque influenciam o comportamento internacional(FINNEMORE, 2003), isto é, uma alteração napercepção e definição de direitos humanos.

A forma exclusivista de identidade calcada emaspectos unidimensionais, alicerce dointervencionismo humanitário no século XIX einício do século XX24, foi substituída por umapercepção universal de “humanitarismo”. A De-claração Universal dos Direitos Humanos, adota-da e proclamada pela assembléia Geral da ONUem 10 de dezembro de 1948, institucionaliza oprincípio da igualdade jurídica dos homens25, semdistinção de nenhuma natureza. Portanto, a partirdessa data, legaliza-se a percepção abrangente do“humanitário” como reflexo do processo de mu-tação na crença da comunidade internacional.

As duas últimas guerras nos Bálcãs vêm ates-tar a ineficiência da Carta em garantir tais direi-tos, e confirma a completa inexistência de meca-nismos estabelecidos normativamente para con-trolar seu cumprimento ou punir as violações(ALVES, 1997). A dificuldade em se estabelecermecanismos de verificação encontra barreiras naprópria organização do sistema, respaldada no di-reito internacional. Uma medida dessa naturezainfringiria o direito de soberania e autodetermina-ção dos estados, e, portanto, criaria um prece-dente para violação de qualquer outra ordem aesses direitos. A intervenção armada para defen-der os direitos humanos, estudada caso por caso,tal como propõe o regime da OTAN, foi a manei-ra encontrada para a aliança responder às pres-sões internacionais, fortemente realizadas pelamídia e pela opinião pública, em alguns momen-

24 Por exemplo, a intervenção com bases em crenças reli-giosas. Para descrições de intervenções ocorridas no séculoXIX e início do XX, ver Finnemore (2003, p. 58-66).25 Pois, na verdade, a proposta em si da igualdade doshomens remete à revolução Francesa.

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tos particulares, como após o massacre de Zepa eSrebrenica26 na guerra da Bósnia, e o massacrede Racak, no conflito do Cosovo.

Sem dúvida, a adoção de intervenções comopolítica para solucionar conflitos, por meio de crisismanagement, para não se afastar dos termos doConceito Estratégico, extrapola os limites legaisdo direito internacional27. No entanto, a validadedesse tipo de ação goza de algum reconhecimen-to28. De acordo com as modalidades de interven-ção humanitária relacionadas por Stromseth, aOTAN encaixar-se-ia no que denomina deexcusable breach. Essa perspectiva política, em-bora considere a intervenção humanitária comotecnicamente ilegal sem um mandato expresso daONU29, acredita que o uso da força “pode sermoral e politicamente justificáveis em certas cir-cunstâncias especiais [e que] [...] a extraordiná-ria circunstância de cada situação seja confronta-da e analisada caso por caso” (STOMSETH, 2003,p. 242). A opção por essa modalidade, como faz oregime da OTAN, traz benefícios por reconhecer“a natureza verdadeiramente excepcional da legí-tima intervenção humanitária não-autorizada”(STROMESETH, 2003, p. 243). Na realidade, a

incorporação das questões de direitos humanosao regime de 1999, embora estas não estejam ex-clusivamente associadas à intervenção30, soacomo reflexo da aceitação legítima por parte dospaíses membros das operações realizadas nosBálcãs no intervalo de anos entre o primeiro e osegundo Conceito Estratégico.

A questão da legitimidade é tratada de duasmaneiras nesse artigo: a legitimação da forma edo conteúdo da ação intervencionista. A mudançana percepção provocada pela institucionalizaçãodos direitos humanos gera uma sensibilidade ne-gativa do ato unilateral, tal como acontecia comas intervenções do passado, por parte da opiniãopública, que passa a encará-lo como uma atitudeparticularista dos estados. Ou seja, para seremconsideradas politicamente legítimas31, as inter-venções humanitárias a partir desse momento,devem assumir um caráter multilateral(FINNEMORE, 2003). A postura dos membrosda OTAN condiz com o desencadeamento lógicoda noção de direitos humanos universais. A pre-missa universalista exige que o reconhecimentoda violação de tais direitos seja encarado comouma ofensa que agride o princípio valorativo de-fendido por todos, ou, pelo menos, por váriosdaqueles que compartilham dessa mesma visãode mundo.

A proposta de Stromseth sugere a emergência“de uma norma costumeira do direito internacio-nal na qual a intervenção humanitária poderia serconsiderada legal em casos raros, sob certas cir-cunstâncias” (STROMSETH, 2003, p. 246). Emoutras palavras, essa forma não-institucionalizadade ingerência procuraria identificar um determi-nado padrão nos conflitos em que a comunidadeinternacional tenha se envolvido para justificarpersuasivamente a ação. No entanto, a primaziada dimensão política nas decisões sobre crisismanagemet no Conceito Estratégico de 1999, de-

26 Em setembro de 1995, após o ocorrido, “[o] apoiopotencial de tropas norte-americanas em esforços aliadosangaria uma substancial maioria de norte-americanos queacreditavam que tanto as preocupações realistas de impe-dir que a guerra se alastrasse (63%) quanto o desejo huma-nitário de cessar as atrocidades (64%), justificavam o enviode forças dos EUA (CBS, 12/9/1995)” (SOBEL, 1998, p.255).27 Ultrapassa o escopo desse trabalho analisar a legalidadedas ações intervencionistas. Para um estudo mais detalha-do sobre o tema, ver França (2004, cap. 5º).28 Embora a OTAN tenha desrespeitado a superioridadelegal do Conselho de Segurança, nem o Conselho tampoucoo Secretário Geral da ONU condenaram a ação da aliançano Cosovo. “[...] O Conselho de Segurança rejeitou a reso-lução que taxaria a ação da OTAN uma violação à Carta. OSecretário Geral Annan [...] enfatizou a deficiência da Cartada ONU em providenciar refúgio para aqueles vítimas deatrocidades” (STROMSETH, 2003, p. 242).29 Novamente, sem desconsiderar a importância einterdependência entre as questões aqui trabalhadas e alegalidade da intervenção, a pesquisa preocupa-se em tra-balhar a legalidade no âmbito do regime da OTAN, de acor-do com o recorte realizado. Para fins de melhor compreen-são das citações transcritas, a idéia de ilegalidade para aautora alicerça-se na autorização da ONU para as interven-ções humanitárias.

30 A aliança cuida de tratar a intervenção de maneiraeufemística. As expressões “crisis management” e “ope-rações responsivas a crises” empregados quando relacio-nados ao uso da força e não à negociação ganham o mesmosignificado de “intervenção”.31 Foge ao escopo do trabalho discutir a legitimidade jurí-dica da intervenção humanitária, embora seja uma questãorelacionada ao problema aqui analisado. Sobre esse tema,consultar Byers e Chesterman (2003) e França (2004, emespecial cap. 5º e 6º).

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monstra a ausência de interesse da aliança em de-finir critérios claros para sua atuação.

Ainda que, caso a caso, o grande feito do Con-ceito Estratégico instituído em 1999 foi o de per-mitir à organização a chance de agir de forma maiseficaz em nome dos valores promulgados pela ali-ança. Em outras palavras, o documento vislum-bra a possibilidade de usar a força, a ultima ratio,para fazer valer a manutenção das idéias demo-crático-liberais na Europa.

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho procurou discorrer sobre o re-gime da OTAN ao longo da década de 1990. Ini-cialmente modificado em 1991, o Conceito Estra-tégico da Aliança Atlântica procurou adaptar asdiretrizes da organização aos novos desafios queo contexto posterior à Guerra Fria oferecia à se-gurança dos países aliados. Pautada nas questõespolíticas, econômicas e sociais, o novo conceitode segurança adotado apontou como o cerne daspreocupações de segurança as eventuais situaçõesde instabilidades na região euro-atlântica.

No entanto, se a OTAN logrou apreender aspeculiaridades que a iminente configuração docenário internacional apresentava, a organizaçãonão foi capaz de conciliar essa percepção aosmecanismos de atuação a serem utilizados paracombater as ameaças esperadas.

A proposta normativa disposta nos artigos dodocumento de 1991 privilegiava as ações preven-tivas como forma de dirimir as instabilidades de-correntes do processo de transformação políticae econômica que os países da Europa Central edo Leste enfrentavam. Na realidade, não somenteprivilegiava como não previa nenhum outro tipode ação que pudesse ser comportada pelos pre-ceitos estabelecidos. Essa situação de limitaçãooperacional decorre do fato de que o uso da forçacontinuava atrelado à definição original, concebi-

da em 1949. Ou seja, as armas da OTAN só seri-am disponibilizadas para garantir a autodefesa deseus membros.

Reservar o uso da força para a autodefesa sig-nifica não contemplar a possibilidade de intervirmilitarmente em ocasiões em que nem as açõespreventivas nem as negociações sejam bem suce-didas em findar uma crise. Além disso, há falta deespecificação com relação ao que se considerammomentos de instabilidade capazes de interferirno interesse dos países aliados. Isto é, a ausênciade um enquadramento padronizado de situaçõesque poderiam ser consideradas como ameaçado-ras à segurança dos membros da organização – e,portanto, justificar a utilização da força em nomeda autodefesa – atribui um forte teor político aosprocessos decisórios.

Essas debilidades foram solucionadas pelodocumento de 1999, também intitulado ConceitoEstratégico que substituiu as primeiras diretrizesestratégicas da aliança, implementadas ainda nomesmo ano do desmembramento da União Sovié-tica. Em especial, a OTAN dissociou o uso daforça exclusivamente das questões de autodefe-sa. Essa alteração criou um espaço, no âmbitonormativo, para que a aliança de fato se adaptasseao novo conceito de segurança já fixado em 1991,e vislumbrasse a utilização de instrumentos mili-tares para crisis manegement.

A análise aqui realizada permite concluir quehouve, de fato, um aprimoramento do regime daOTAN na década de 1990. As mudanças funda-mentais residem no retorno do foco às funçõesoriginalmente desempenhadas, que ganham umapimentado tempero político, e na contemplaçãonormativa do uso da força tanto para a atuaçãoquanto para a omissão do seu envolvimento emcasos que não se caracterizam como autodefesa.

Juliana Lyra Viggiano Barroso ([email protected]) é mestre em Ciência Política pela Universidade deSão Paulo (USP), doutoranda do Departamento de Ciência Política da mesma instituição e professora docurso de Relações Internacionais da Universidade Anhembi Morumbi.

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