bertazzo, juliana. a atuação da otan no pós guerra fria

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Introdução A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi criada pelo Tratado de Washington, um instrumento que estabeleceu si- multaneamente seu caráter de aliança militar e sua expressão institu- cional, na forma de uma organização internacional. Consta do texto original do tratado, redigido em 1949, além das disposições sobre a garantia da paz inter alia e sobre segurança coletiva, a forma de sua dimensão institucional: a decisão de estabelecer imediatamente um 91 * Artigo recebido em agosto de 2008 e aprovado para publicação em maio de 2010. A autora agrade- ce à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro. ** Doutora em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora da Berghof Foundation for Conflict Studies. E-mail: [email protected]. CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 32, n o 1, janeiro/junho 2010, p. 91-119. Atuação da OTAN no Pós-Guerra Fria: Implicações para a Segurança Internacional e para a ONU* Juliana Bertazzo**

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Por que aOTAN, que atravessa aGuerra Fria sem engajamento militaralgum, tem um grande ativismo no período pós-Guerra Fria,quando se espera que ela deixe de ser relevante ou necessária? Porque ela passa a atuar além da sua região, em outras áreas do globo emoperações de manutenção de paz? Para melhor entender a nova fasedaOTANe suas consequências para a segurança internacional, é precisoestudar o impacto de sua transformação em relação às missõesque esta cumpria durante a Guerra Fria.

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  • Introduo

    A Organizao do Tratado do Atlntico Norte (OTAN) foi criada

    pelo Tratado de Washington, um instrumento que estabeleceu si-

    multaneamente seu carter de aliana militar e sua expresso institu-

    cional, na forma de uma organizao internacional. Consta do texto

    original do tratado, redigido em 1949, alm das disposies sobre a

    garantia da paz inter alia e sobre segurana coletiva, a forma de sua

    dimenso institucional: a deciso de estabelecer imediatamente um

    91

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

    * Artigo recebido em agosto de 2008 e aprovado para publicao em maio de 2010. A autora agrade-

    ce Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro.

    ** Doutora em Cincia Poltica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora

    da Berghof Foundation for Conflict Studies. E-mail: [email protected].

    CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 32, no 1, janeiro/junho 2010, p. 91-119.

    Atuao da OTAN no

    Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a

    Segurana

    Internacional e para a

    ONU*

    Juliana Bertazzo**

  • conselho para que os membros pudessem se reunir a qualquer

    momento.

    Este conselho poderia, por sua vez, estabelecer corpos subsidirios,

    tantos quantos forem necessrios, e em particular um comit de de-

    fesa (OTAN, 1949, art. 9). Tal agncia estaria encarregada de super-

    visionar o desenvolvimento de capacidades individuais e coletivas

    para resistir a um ataque armado e organizar os atores para que esta

    resistncia fosse efetiva.

    O quartel-general da OTAN fundar-se-ia nas proximidades de Paris

    apenas dois anos aps a assinatura do Tratado de Washington. Logo

    em 1952, dois novos membros seriam convidados a integrar a Alian-

    a. A ratificao do acordo pela Grcia e pela Turquia fez com que a

    organizao, de uma s vez, deixasse de ser um elo apenas entre a Eu-

    ropa e os Estados Unidos, e tambm perdesse fundamentalmente a li-

    gao com o Atlntico Norte. A expresso ao norte do Trpico de

    Cncer passou a representar melhor a abrangncia da Aliana.

    Desde o fim da Guerra Fria, entretanto, a OTAN passou por uma srie

    de mudanas e persistiu, mesmo diante do fim do conflito Leste-Oes-

    te. Em um perodo de apenas dois anos, a OTAN perdeu dois dos

    principais motivos de sua fundao: a ameaa sovitica e a Alemanha

    Oriental socialista.1

    Foi estabelecido um sistema de cooperao com a Federao Russa e

    outros membros do Pacto de Varsvia, a comear pela ex-Alemanha

    Oriental, que foram convidados a integrar a Aliana, com requeri-

    mentos especficos para a garantia do acesso (SIMON, 1996).

    Internamente, a organizao tambm passou por constantes mudan-

    as, a comear por sua doutrina, o seu conceito estratgico (OTAN,

    1991). A partir de ento, os organogramas da organizao tm muda-

    do constantemente, assim como as suas concepes estratgicas,

    Juliana Bertazzo

    92 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 32, no 1, janeiro/junho 2010

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • para se adaptar s constantes alteraes de cenrios e emergncia de

    novas ameaas (SMITH, 1997).

    Logo no comeo da dcada de 1990, em funo dos conflitos nos

    Blcs, a OTAN declarou que a instabilidade na Europa Central afe-

    tava diretamente a segurana de seus membros. Foi ento iniciada a

    primeira operao militar da OTAN fora do territrio dos pases-

    membros. O objetivo deste primeiro engajamento militar da OTAN

    na sua histria era monitorar um embargo areo sobre o territrio da

    ex-Iugoslvia, atendendo a um pedido da Organizao das Naes

    Unidas (ONU). importante lembrar que esta ao no foi motivada

    por uma ameaa ou ataque real OTAN por parte do Estado onde foi

    desenvolvida a ao militar. Ao contrrio, a OTAN atuou neste con-

    flito apenas como uma fora de restabelecimento da paz, sem montar

    aliana alguma com uma parte no conflito. Esta foi apenas a primeira

    de uma srie de atuaes com e sem mandatos da ONU e, desde

    ento, a OTAN expandiu sua rea de interesse para alm da Europa e

    passou a atuar tambm na frica, no Oriente Mdio e na sia.

    Por que a OTAN, que atravessa a Guerra Fria sem engajamento mili-

    tar algum, tem um grande ativismo no perodo ps-Guerra Fria,

    quando se espera que ela deixe de ser relevante ou necessria? Por

    que ela passa a atuar alm da sua regio, em outras reas do globo em

    operaes de manuteno de paz? Para melhor entender a nova fase

    da OTAN e suas consequncias para a segurana internacional, pre-

    ciso estudar o impacto de sua transformao em relao s misses

    que esta cumpria durante a Guerra Fria (CORNISH, 2004; SMITH,

    2000).

    Este trabalho analisa a possvel reduo no ativismo humanitrio da

    ONU em termos absolutos e em relao ao aumento do ativismo da

    OTAN. A hiptese principal de que o ativismo da OTAN busca su-

    prir uma reduo da atuao da ONU. Contudo, uma hiptese secun-

    dria de que a prpria dinmica interna da OTAN tem consequnci-

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a Segurana Internacional...

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    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • as importantes para este fenmeno. As teorias das alianas e as teori-

    as das instituies e organizaes, apresentadas a seguir, ofere-

    cem-nos elementos para analisar as mudanas pelas quais ainda pas-

    sa a OTAN, e que refletem uma mudana mais ampla em conceitos de

    segurana internacional.

    Alm disso, uma anlise jurdica do papel da OTAN na manuteno

    da paz internacional, tambm realizada neste trabalho, lana luz so-

    bre as consequncias do fenmeno de sua atuao global e sua cres-

    cente autonomia em relao ao Conselho de Segurana da ONU.

    Esta situao tem dois problemas fundamentais: primeiro, a autono-

    mia da OTAN enquanto organizao vai de encontro s previses do

    direito internacional para a atuao de agncias regionais de seguran-

    a; segundo, tampouco se justifica o envolvimento da OTAN en-

    quanto aliana militar em operaes de manuteno de paz, pois

    nesse caso ela no parte em um conflito armado.

    A OTAN enquanto Aliana

    A literatura sobre alianas, um fenmeno central das relaes inter-

    nacionais, concentra-se na anlise da formao e da dinmica desse

    tipo de arranjo, mas falha ao explicar sua persistncia. esperado

    que uma aliana criada para dissuadir um potencial agressor se dis-

    solva assim que a ameaa que a motivou esteja extinta. Por que, en-

    to, uma aliana militar em particular, a OTAN, no se esvaziou

    quando a principal ameaa aos seus membros deixou de existir? Ao

    contrrio, esta organizao se expandiu, acolhendo inclusive mem-

    bros do arranjo anteriormente identificado como potencial agressor

    (Pacto de Varsvia) e removendo os limites sua ao impostos pela

    condio estrita de aliana militar. Poderia uma aliana se organizar

    para agir imparcialmente em um conflito alheio aos seus membros,

    como o caso das operaes de paz? A literatura sobre alianas

    oferece algumas tentativas de resposta a estas indagaes.

    Juliana Bertazzo

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  • Entre as teorias mais influentes sobre as alianas, podemos destacar a

    teoria dos jogos e a teoria do equilbrio de poder (tambm conhecida

    como balana de poder), que est presente em grande parte dos estu-

    dos da rea de Relaes Internacionais. A ideia de um equilbrio de

    foras entre unidades polticas j foi observada por David Hume no

    mundo antigo (BULL, 1977, p. 101) e, na viso de Raymond Aron

    (1986, p. 189), esta uma regra de bom-senso e sobrevivncia: ne-

    nhum dos Estados deve ter fora tal que incapacite uma coalizo de

    Estados vizinhos a defender seus direitos contra um ataque que parta

    dele.

    A teoria realista das Relaes Internacionais, em sua formulao tra-

    dicional, estabelece que a distribuio das capacidades de cada Esta-

    do no sistema internacional determina as posies de cada um na luta

    pelo poder. Uma das definies oferecidas por Hans J. Morgenthau

    (1993, p. 26) para o equilbrio de poder : mecanismo autorregula-

    trio das foras sociais que se manifesta na luta por poder no cenrio

    internacional.

    Em outras palavras, o equilbrio de poder uma configurao resul-

    tante das polticas dos Estados na luta pelo poder. Este tipo de intera-

    o pode levar guerra, porque sua funo manter o sistema de

    Estados, e no necessariamente garantir a paz. Hedley Bull (1977)

    estuda os tipos e as funes dos equilbrios de poder e observa que a

    preservao deste equilbrio tem relaes com o direito internacio-

    nal. Embora as potncias possam sempre desrespeitar a soberania de

    seus vizinhos localmente, absorvendo seus territrios, um equilbrio

    de poder geral impede que isso seja feito em escala mundial.

    Para grande parte dos realistas, as alianas maximizam essencial-

    mente a segurana dos Estados, e no necessariamente seu poder,

    justamente porque no so concebidas como arranjos permanentes.

    Alianas podem contribuir para o estabelecimento de um equilbrio

    de poder, a fim de neutralizar distrbios causados pela emergncia de

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a Segurana Internacional...

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  • um adversrio poderoso. Enfim, as alianas no so estveis por duas

    razes: primeiro, porque limitam a liberdade dos Estados para agir

    em funo de seu interesse nacional; e, segundo, porque podem

    fortalecer os aliados do presente, sempre possveis adversrios do

    futuro.

    No equilbrio de poder geral, um Estado mais poderoso ser contra-

    posto a uma aliana de poderes menores, que se uniro para equili-

    brar as foras existentes no cenrio internacional e impedir a forma-

    o de um imprio global. Esse mecanismo est fundado em grande

    medida na estratgia da dissuaso, que incentiva o aumento do poder

    de um Estado de tal forma que desencoraje o ataque de outro, o qual

    dever desistir ao perceber a certeza do fracasso.2

    Uma das premissas

    desta teoria a racionalidade dos atores, neste caso, os Estados, que

    agem a partir de um clculo estratgico.

    J a teoria dos jogos, tambm baseada na racionalidade dos atores,

    introduz, alm da ideia de busca do equilbrio, a ideia oposta, de que

    os atores podem decidir se aliar ao Estado mais poderoso. Em vez de

    se contrapor a um possvel ator hegemnico, de forma a equilibrar o

    sistema, Estados mais fracos unir-se-iam a ele. Esta seria a atitude

    dos chamados caronas,3

    que decidem se aliar ao Estado mais forte

    para no pagarem os custos envolvidos na estratgia da dissuaso.

    Muitos desses estudos tm como base a racionalidade econmica

    atribuda aos atores na teoria dos bens coletivos, com destaque para a

    contribuio de Mancur Olson. A impossibilidade de restringir a al-

    guns membros de uma aliana os benefcios gerados pela mesma faz

    com que ela seja considerada uma espcie de bem coletivo (OLSON;

    ZECKHAUSER, 1966). No ambiente da Guerra Fria, os Estados

    mais fracos utilizavam a disputa ideolgica para valorizar seu alinha-

    mento e, assim, conseguir vantagens. A tentao de embarcar em

    uma aliana junto com o Estado mais forte expe um Estado mais

    Juliana Bertazzo

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  • fraco, contudo, ao risco de abandono, quando o mais forte no tem

    interesse em seu apoio.

    Muitas crticas foram feitas a estas abordagens tradicionais do fen-

    meno das alianas. Entre as mais relevantes para o nosso objeto de es-

    tudo, encontramos a de Avery Goldstein (1995), que critica o argu-

    mento de Mancur Olson, sugerindo que os benefcios para a seguran-

    a, surgidos a partir de uma aliana, necessariamente falham no teste

    de impossibilidade de excluso. Isso porque os Estados esto imer-

    sos em um ambiente anrquico que permite que seu comportamento

    se desvie significativamente daquele esperado pela teoria dos bens

    coletivos.

    Este mesmo autor desqualifica o argumento de que a dissuaso, in-

    clusive a nuclear, existente na Guerra Fria reforce os incentivos para

    que os atores se tornem caronas. Muito pelo contrrio, ele acredita

    que a bipolaridade e os armamentos nucleares exacerbaram as dvi-

    das dos aliados sobre a proviso de segurana por parte das potncias

    lderes. Goldstein (1995) estuda os casos da Gr-Bretanha, Frana e

    China durante a Guerra Fria. Em funo da desconfiana em relao

    ao compromisso de seus lderes, estes trs atores, conquanto manti-

    vessem seu alinhamento a uma das superpotncias, deixaram de ser

    caronas para tentar garantir sua prpria segurana, investindo em

    defesa e adquirindo suas prprias armas nucleares.

    Percebemos at aqui que as alianas no so formadas de forma neu-

    tra, imparcial para atuao desinteressada em um conflito alheio.

    Qual seria, ento, o comportamento tpico dos atores na formao de

    alianas? Seriam eles mais inclinados a equilibrar ou a reforar o po-

    der de um Estado mais forte? Stephen M. Walt (1988) analisou as po-

    lticas externas do Ir, da Turquia, da ndia e do Paquisto na Guerra

    Fria. Sua concluso a partir dos casos apresentados que o equilbrio

    de poder a opo mais frequente. A Amrica Latina lembrada, po-

    rm, como uma notvel exceo a esta regra. Durante a Guerra Fria,

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    Implicaes para a Segurana Internacional...

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  • os Estados latino-americanos pegaram carona sob a influncia do po-

    der dos Estados Unidos e esperaram que este pas agisse em favor da

    segurana de cada um dos aliados do continente. No houve sequer

    um mimetismo do comportamento da Frana, da Gr-Bretanha ou da

    China, descrito por Goldstein (1995). Tal atitude seria irracional de

    acordo com a teoria do equilbrio de poder, pois, antes de qualquer

    outra considerao, o prprio aumento do poder dos Estados Unidos

    deveria representar uma ameaa aos seus vizinhos, que deveriam ten-

    tar prover a prpria segurana ou ento buscar uma aliana com a

    Unio Sovitica.

    A teoria do equilbrio de ameaas, desenvolvida por Stephen Walt

    (1988), capaz de explicar at mesmo tal comportamento anmalo

    dos latino-americanos. Segundo esta teoria mais geral, o poder ape-

    nas uma das fontes de ameaas aos Estados. O grau em que um Esta-

    do ameaa o outro o produto de seu poder agregado, proximidade

    geogrfica, capacidade ofensiva e agressividade de suas intenes.

    Desequilbrios de ameaas, e no apenas de poder, promoveriam a

    formao de alianas contra o Estado mais ameaador.

    No caso da Amrica Latina, as intenes dos Estados Unidos no

    eram vistas como agressivas. Mesmo tendo realizado vrias inter-

    venes, direta ou indiretamente, nos pases da regio, a conteno

    do comunismo era um objetivo declarado dos Estados Unidos, e que

    ia ao encontro dos interesses das elites dominantes locais em toda a

    regio. Isso porque tal poltica preservaria sua posio dominante,

    que seria provavelmente abalada pela instalao do comunismo.

    Walt (1988) afirma, contudo, que os Estados Unidos erraram ao con-

    siderar que as questes ideolgicas fossem determinantes para o ali-

    nhamento. De fato, coalizes sempre foram possveis entre Estados

    de estruturas internas diferentes, e muitas vezes mantidas mesmo

    quando as estruturas internas se alteravam.

    Juliana Bertazzo

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  • A teoria do equilbrio de ameaas, elaborada por Walt, pode ser vista

    como um refinamento da teoria do equilbrio de poder. Ela pode ex-

    plicar parte das polticas da OTAN no ps-Guerra Fria; por exemplo,

    a sua expanso em direo ao leste da Europa. Ainda assim, ela no

    explica a persistncia das alianas, quando excludas as ameaas que

    motivaram sua formao, como o caso da OTAN.

    O Tratado de Washington previa uma reavaliao de seus termos

    aps dez anos em vigor, seja em funo de uma mudana de cenrio

    para a segurana regional ou do desenvolvimento de outros mecanis-

    mos sob a Carta da ONU. Aps vinte anos de vigncia, estava tam-

    bm prevista a possibilidade de denncia por parte de qualquer um

    dos membros, desde que avisassem aos outros com um ano de ante-

    cedncia.

    Embora seu prprio instrumento de fundao contivesse as clusulas

    de seu possvel encerramento, o Tratado de Washington s registrou

    adeses nos primeiros vinte anos de existncia, atravessou mais de

    quatro dcadas de Guerra Fria sem alteraes e j completou 60 anos,

    sem denncia alguma. Muito pelo contrrio, o fim do conflito bipolar

    registrou adeso recorde, mais que dobrando o nmero de membros

    fundadores, e existe uma lista de espera de candidatos a adeso. Nem

    mesmo o fim da ameaa que motivou sua adeso inicial foi uma mu-

    dana suficiente, na avaliao dos membros, para determinar o seu

    prprio fim.

    Diferentemente de outras organizaes criadas aps a Segunda Guer-

    ra Mundial, o texto do tratado deixa claro que a OTAN no foi conce-

    bida como um arranjo permanente. No ignorando este caso, e reco-

    nhecendo que a OTAN possui um carter dual, de aliana e organiza-

    o, a literatura tambm procura explicar a persistncia desta aliana

    utilizando a teoria institucional e a dos regimes.

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a Segurana Internacional...

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    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • A OTAN enquanto

    Organizao

    Vimos que a OTAN uma aliana militar que se funda sobre um tra-

    tado de segurana coletiva, o qual, por sua vez, indica a criao de

    uma organizao internacional com o objetivo de manter a paz e a

    segurana entre seus membros e a democracia dentro deles

    (WALLANDER, 2000). Alm da questo militar, o Tratado de

    Washington tambm menciona condies polticas e at econmicas

    para a estabilidade e a paz entre os aliados e prope a criao de um

    frum e outras estruturas para que eles coordenem polticas. Como

    lembrado h pouco, esse texto j continha as clusulas de seu poss-

    vel encerramento: previa uma reavaliao de seus termos aps dez

    anos em vigor e, aps vinte anos de vigncia, estava tambm prevista

    a possibilidade de denncia por parte de qualquer um dos membros.

    Este tratado, entretanto, nunca recebeu uma denncia ou emenda, e

    mesmo com uma mudana de cenrio, o fim da Guerra Fria, apenas

    registrou a adeso de novos membros. Somados, o total de novos

    membros maior que o nmero original de doze Estados fundadores.

    Alm disso, a expanso da OTAN teve um sentido claro de abrigar

    sob sua proteo o territrio do arranjo anteriormente adversrio, o

    Pacto de Varsvia, com a notvel exceo da Federao Russa.

    Algumas alianas podem continuar a existir apenas enquanto trata-

    dos, pblicos ou secretos, mas perdem seus efeitos em geral com a

    falta de compromisso dos membros. Um exemplo o Tratado Intera-

    mericano de Assistncia Recproca (TIAR), ou Pacto do Rio, que no

    o documento que serviu como carta para a criao da Organizao

    dos Estados Americanos (OEA).4

    Esperava-se que a Aliana Atlntica no sobreviveria ao fim do con-

    flito, pois os prprios membros veriam-na como irrelevante. As orga-

    nizaes, contudo, tendem a permanecer. No estudo da OTAN, por-

    tanto, a sua dimenso institucional e organizacional, estabelecida

    Juliana Bertazzo

    100 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 32, no 1, janeiro/junho 2010

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • desde a fundao da aliana militar, pode ser a chave para a compre-

    enso de sua permanncia e de seu novo papel ao fim do conflito

    bipolar.

    Embora o ambiente ps-Guerra Fria tivesse gerado um desequilbrio

    de poder favorvel aos aliados da OTAN, esta no se dissolveu. Todas

    as demais previses dos neorrealistas, apoiados na teoria das alian-

    as, se concretizaram: a OTAN de fato cortou custos, de certa forma

    renacionalizou a defesa5

    e seus membros buscaram outras formas de

    cooperao internacional, notadamente, dentro da Poltica Europeia

    de Segurana e Defesa (PESD). A teoria organizacional prev que os

    interesses da instituio, mais que os dos membros, devem manter

    seu funcionamento quando ela se encontra neste tipo de situao. Ro-

    bert B. McCalla (1996) mostra que os membros tambm tm o desejo

    de manter uma organizao existente, ao invs de criar uma nova (o

    que implicaria em custos extras) para cumprir novas tarefas.

    Em seu estudo sobre a permanncia da OTAN, Robert McCalla

    (1996) prope trs nveis de anlise: 1) a dinmica do comportamen-

    to da OTAN enquanto organizao; 2) a relao entre seus membros

    dentro do regime de segurana que envolve a OTAN; e 3) as polticas

    domsticas de seus membros. Quanto ao comportamento da OTAN,

    o autor destaca, entre as vrias mudanas que a organizao sofreu,

    uma mudana de objetivo: ela deixa de se preparar para reagir a um

    ataque de um adversrio claramente definido para se voltar conten-

    o de conflitos localizados, ao apoio defesa civil na ocasio de

    emergncias e luta contra o terrorismo.

    A OTAN passou por todas as posies possveis para organizaes

    em face de mudanas fundamentais: negao da mudana, afirmao

    prpria e adaptao. Um exemplo da negao da mudana que a

    Rssia permaneceu como uma ameaa aos aliados no conceito estra-

    tgico da organizao, mesmo com o fim da Unio Sovitica.

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a Segurana Internacional...

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    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • Podemos dizer, contudo, que a posio mais importante para sua per-

    sistncia tenha sido a adaptao. Afirmar que a ameaa do arsenal so-

    vitico ainda era preocupante no sustentaria uma aliana daquela

    magnitude: a OTAN teve que mudar seu comportamento e logo

    transformou o ex-adversrio em aliado, quando foras russas inte-

    graram uma misso da OTAN na Bsnia-Herzegovina. importante

    lembrar que a Rssia j integrava, desde a dtente, um arranjo de coo-

    perao com os pases-membros da OTAN, a Conferncia para Segu-

    rana e Cooperao na Europa (CSCE), que se tornou uma organiza-

    o (identificada como OSCE) aps o fim da Guerra Fria.

    O Tratado de Washington no menciona a Unio Sovitica como

    ameaa, indicando apenas um possvel ataque armado ou fatores

    que afetem a paz e a segurana dos membros, ou seja, no identifica

    um inimigo em particular (OTAN, 1949). Pode-se, ento, afirmar

    que, de certa forma, a OTAN continua mantendo sua misso princi-

    pal de preservar a segurana de seus membros, ainda que o contexto

    mundial e, principalmente, as ameaas segurana de seus membros

    tenham mudado radicalmente. Aqui est uma abertura para a inclu-

    so de novas misses. Prova disso que, no discurso dos membros,

    figura como um dos objetivos precpuos da OTAN a estabilidade in-

    ternacional em um sentido mais amplo, alm da mera estabilidade in-

    ter alia.

    J a teoria institucional v a OTAN como parte de uma ampla relao

    entre seus membros, que abrange vrios assuntos e se d em vrios

    nveis. Tal relao est baseada em normas e regras implcitas e ex-

    plcitas, ou seja, constitui um regime. A literatura de regimes clara

    quanto aos benefcios que eles podem trazer, sendo o principal deles

    a reduo da insegurana dos atores, por meio do aumento do custo

    de uma ao desviante das regras. Em uma Europa historicamente di-

    vidida entre mltiplas rivalidades, esse benefcio sensvel

    (DUFFIELD, 1992). Quanto aos constrangimentos, podemos dizer

    que os Estados Unidos conseguiram manter sua supremacia como l-

    Juliana Bertazzo

    102 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 32, no 1, janeiro/junho 2010

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • der da aliana mesmo com o desenvolvimento das capacidades dos

    outros membros, as quais, contudo, ainda no se igualaram sua

    (YOST, 1998).

    Em resumo, a abordagem institucionalista prev que os membros da

    OTAN procuraro mant-la: 1) utilizando suas normas e procedi-

    mentos j internalizados para lidar com novas ameaas, em vez de

    criar novas regras; 2) modificando sua estrutura organizacional para

    adapt-la aos novos problemas; 3) utilizando esse mesmo regime

    para se ligar a outros atores a fim de realizar os objetivos dos

    membros do regime.

    Os membros da OTAN tomaram todas estas medidas por meio do en-

    gajamento em operaes de paz, das diversas reestruturaes inter-

    nas e do estabelecimento de programas, tais como a Parceria para a

    Paz (em ingls, Partnership for Peace (PfP)) com pases da Eursia, o

    Dilogo Mediterrneo (MD) com pases do Norte da frica, e tam-

    bm da cooperao com a Unio Europeia e com a ONU. Na Cpula

    de Istambul, em 2004, foi lanado inclusive um programa de coope-

    rao com o Oriente Mdio, a Iniciativa de Cooperao de Istambul

    (OTAN, 2004).

    A OTAN foi alm da rea poltico-militar prevista no seu formato

    institucional original. Em maior ou menor grau de coordenao,

    constituiu-se uma comunidade poltica, sendo um frum para discus-

    so dos assuntos de interesse comum dos membros. Mais recente-

    mente, tambm diversificou sua ao por meio da criao de progra-

    mas nas mais diversas reas. Meteorologia, educao, pesquisa cien-

    tfica e ambiental esto entre os temas de programas especiais desta

    organizao.

    Quanto aos fatores internos analisados pela teoria institucional, po-

    demos destacar o papel de frum consultivo desempenhado pela

    OTAN desde a sua fundao, e previsto no Tratado de Washington. O

    alto nvel de coordenao de polticas externas e a efetiva resoluo

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a Segurana Internacional...

    103

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • de disputas possibilitada pela estrutura desta organizao fazem com

    que ela ultrapasse a definio de uma aliana militar comum, cum-

    prindo as funes de uma organizao poltica e tornando-se um ins-

    trumento valioso de poltica externa para seus membros, do qual eles

    no esto dispostos a abrir mo (DUFFIELD, 1994).

    A atuao da OTAN no

    ps-Guerra Fria

    Apesar de poder ser considerada uma organizao regional de segu-

    rana, desde o fim da Guerra Fria a OTAN tem incrementado sua rea

    de atuao, para alm do que dispe o Captulo VIII da Carta das Na-

    es Unidas. O artigo 52 deste captulo permite a criao de tais

    agncias para a ao regional, desde que sob os princpios e propsi-

    tos da ONU (ONU, 1949, art. 52).

    No texto deste documento, fica estabelecido que as organizaes re-

    gionais de segurana devem tentar resolver disputas locais entre seus

    membros antes de lev-las ao Conselho de Segurana da ONU, e que

    este poder utiliz-las para fazer cumprir suas decises. Contudo, o

    artigo 53 prev que nenhuma medida coercitiva poder ser tomada

    por estas agncias sem autorizao prvia do Conselho de Seguran-

    a, salvo medidas contra Estados considerados inimigos segundo o

    artigo 107 da mesma Carta, ou seja, os Estados inimigos de qualquer

    signatrio da Carta durante a Segunda Guerra Mundial (ONU, 1949,

    art. 53).

    O envolvimento da OTAN em operaes de paz e de ajuda humanit-

    ria um dos pontos mais controversos da nova fase da Aliana. Como

    a organizao tem carter de uma aliana puramente militar, suas

    operaes no possuem componente civil. Alm disso, com questio-

    nvel legitimidade, desde a primeira ocasio do emprego das foras

    armadas da OTAN em misses de paz, em apoio a uma operao da

    ONU na Bsnia-Herzegovina, a OTAN adquiriu uma relativa inde-

    Juliana Bertazzo

    104 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 32, no 1, janeiro/junho 2010

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • pendncia em relao ONU. Apesar de vrios questionamentos so-

    bre a sua atuao expedicionria, em funo de seu carter regional

    de adeso restrita, a maior parte das operaes da OTAN no partiu

    de iniciativa prpria, mas sim de pedidos externos. A OTAN j aten-

    deu, inclusive, um pedido de interveno vindo diretamente de um

    chefe de Estado no-membro, o Paquisto,6

    e j atuou repetidamente

    na frica atendendo pedidos da Unio Africana (UA).

    Ao final de 2008, a OTAN mantinha sete operaes em andamento

    (OTAN, 2008a), o que corresponde a aproximadamente metade do

    nmero de operaes mantidas no mesmo momento pela ONU.7

    Enquanto as operaes da ONU esto dispersas entre os cinco conti-

    nentes, a OTAN no se restringe ao territrio dos pases-membros

    nem Europa e opera atualmente tambm na frica, no Oriente M-

    dio e no sul da sia, conforme mostra a Tabela 1.

    Tabela 1

    Lista Completa das Operaes da OTAN em Andamento

    (Dezembro/2008)

    Operao Localidade

    ISAF AfeganistoSFOR* Bsnia-HerzegovinaAllied Provider SomliaAllied Harmony* MacedniaNTM-I IraqueKFOR KosovoActive Endeavour Mediterrneo

    * Estas operaes persistem, ainda que as misses de paz tenham se encerrado oficialmente. AOTAN mantm quartis-generais em Sarajevo e Skopje para dar suporte s operaes da UnioEuropeia instaladas nesses pases.Fonte: OTAN (2008a).

    interessante notar que apenas uma das operaes da OTAN em an-

    damento em 2008 envolve claramente o princpio de segurana cole-

    tiva. A primeira evocao desta clusula na histria da Aliana acon-

    teceu em resposta aos ataques terroristas realizados no territrio dos

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a Segurana Internacional...

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    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. Ainda que tenha carter

    dissuasrio, tal operao, iniciada com sistemas de controle areo

    enviados aos Estados Unidos, foi mantida pela Aliana na forma de

    controle martimo no Mediterrneo e integra os esforos de uma

    mobilizao ainda maior, de sua luta antiterrorismo.

    A partir de 2004, a OTAN autorizou o ingresso, em sua frota, de em-

    barcaes de naes parceiras que ofereceram apoio operao em

    curso no Mediterrneo. Em 2006, um navio russo passou a integrar a

    operao e, no ano seguinte, tambm uma fragata ucraniana. Contu-

    do, entre os eventos destacados pela OTAN como os mais significati-

    vos desta operao, est o resgate de vtimas de acidentes na regio

    do Mar Mediterrneo (OTAN, 2008b).

    O ativismo militar da OTAN em relao ao estabelecimento de ope-

    raes militares abordado por Martin A. Smith (2000), que concor-

    da com a anlise de Robert B. McCalla (1996) sobre a burocracia da

    OTAN. Esta tende a assumir a defensiva em relao a outras organi-

    zaes semelhantes, para evitar perda de sua relevncia: um exemplo

    disso a reafirmao, por parte de altos funcionrios da OTAN, de

    que esta deveria manter sua liberdade de ao institucional em rela-

    o ONU (SMITH, 2000, p. 172). Houve tambm quem defendes-

    se a independncia da Aliana para decidir sobre operaes militares

    at mesmo em relao OSCE.

    A aliana poltico-militar transatlntica estaria preenchendo um de-

    clnio do ativismo humanitrio da ONU? De acordo com dados ofici-

    ais, houve um aumento sem precedentes no nmero de misses inici-

    adas pela ONU a partir do final da Guerra Fria. A Figura 1 compara o

    nmero total de operaes da ONU em andamento e o total de

    operaes encerradas.

    Durante a dcada de 1990, o Conselho de Segurana da ONU esteve

    particularmente ativo na resoluo de conflitos, tendo lanado o mai-

    or nmero de novas misses em toda a sua histria. Foram iniciadas

    Juliana Bertazzo

    106 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 32, no 1, janeiro/junho 2010

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • pelo menos duas novas misses a cada ano, o que corresponde ao

    patamar mximo dos perodos anteriores.

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

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    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

    Figura 1

    Grficos Comparativos do Nmero de Operaes de Paz da ONU

    Encerradas e em Andamento

    Fontes: ONU (2009) e Military Periscope (2008).

  • A OTAN passa a se envolver em operaes de paz a partir de 1992,

    inicialmente em complementaridade com as atividades da ONU. O

    nmero de novas misses estabelecidas pela ONU de fato apresenta

    um declnio no momento em que a OTAN realiza sua interveno no

    Kosovo sem um mandato especfico da ONU, ou at mesmo um da

    OSCE. A Figura 2 apresenta o nmero de operaes da OTAN a cada

    ano, desde a sua primeira atuao em 1993. Os dados so apresenta-

    dos de forma a permitir a comparao entre o total de operaes

    encerradas e o total de operaes em andamento em dezembro de

    2008.

    Se em sua primeira atuao militar a OTAN cumpriu estritamente o

    que foi estabelecido na Carta das Naes Unidas, servindo como ca-

    pacidade area adicional daquela organizao, com um mandato do

    Conselho de Segurana para o monitoramento do embargo areo na

    Bsnia, depois disso a OTAN atuou de diversas outras formas,

    inclusive sem um mandato da ONU.

    Um ponto particularmente interessante na anlise das operaes

    que o recurso OTAN, visando especialmente a utilizao de suas

    capacidades militares de transporte areo, no partiu mais apenas da

    ONU. Em um procedimento idntico ao observado para com o secre-

    trio-geral da ONU, pedidos de chefes de Estado, por meio de cartas

    ao secretrio-geral da OTAN, j foram atendidos duas vezes.

    A primeira delas ocorreu em resposta ao pedido do governo do Pa-

    quisto para viabilizar o envio de ajuda humanitria aps um grave

    terremoto. A Aliana transportou as doaes no s de seus membros

    como tambm as do Alto Comissariado das Naes Unidas para Re-

    fugiados (ACNUR), levando tambm posteriormente equipes de m-

    dicos e engenheiros para auxiliar nas tarefas de resgate e

    reconstruo das reas atingidas.

    A segunda ocasio tambm envolveu um pedido de uso de avies, em

    apoio a uma misso da UA. O presidente da comisso da UA pediu

    Juliana Bertazzo

    108 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 32, no 1, janeiro/junho 2010

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • apoio OTAN para sua operao de paz em Darfur, tambm por meio

    de uma carta. A OTAN consultou a Unio Europeia e a ONU para de-

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a Segurana Internacional...

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    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

    Figura 2

    Grficos Comparativos do Nmero de Operaes de Paz da OTAN

    Encerradas e em Andamento

    Fonte: OTAN (2008a).

  • terminar qual tipo de auxlio ela poderia oferecer. Depois de vrias

    extenses de mandato, a participao da OTAN em Darfur comple-

    tou dois anos, e h planos da UA para incluir a OTAN em novas

    misses.

    A ltima nova misso da ONU foi lanada em setembro de 2007 e,

    desde ento, a OTAN continua lanando novas operaes. Com man-

    dato da ONU, por exemplo, a OTAN passou a integrar em dezembro

    de 2008 os esforos de vrios pases contra a pirataria na costa da So-

    mlia e j lanou uma nova operao de apoio para esta misso.

    Portanto, a hiptese de que a OTAN estaria suprindo um espao aber-

    to pela omisso da ONU no se confirma, pois, embora a OTAN re-

    gistre um total de operaes ligeiramente maior que o da ONU na pri-

    meira dcada do sculo XXI, esta no menos ativa para o departa-

    mento de operaes de paz da ONU do que as vrias dcadas da

    Guerra Fria. Ainda que em menor nmero em relao dcada de

    1990, a partir de 2002 foi mantida a frequncia de estabelecimento de

    novas operaes da ONU a cada ano, com exceo apenas de 2008

    at o momento.

    Em funo da forma como a OTAN se insere no campo da segurana

    global, contudo, necessrio examinar questes ligadas legitimida-

    de de sua atuao militar.

    A Questo da Legitimidade

    A participao da OTAN em operaes militares fora do territrio

    dos Estados-membros e alm da clusula de defesa coletiva contra

    um agressor por si s j coloca uma srie de questes controversas

    para o cenrio da segurana internacional. Uma complicao adicio-

    nal surge quando esta Aliana deixa de se submeter autorizao do

    Conselho para iniciar operaes, ainda que de alegado carter huma-

    nitrio. Quando chefes de Estado passam a solicitar intervenes di-

    Juliana Bertazzo

    110 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 32, no 1, janeiro/junho 2010

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • retamente OTAN, cria-se um precedente no relacionamento inter-

    nacional que questiona o critrio regional ou subsidirio reservado s

    organizaes regionais de segurana no ordenamento internacional.

    Este novo padro de comportamento da OTAN, por exemplo, j foi

    assumido pela Unio Europeia.

    Conforme o estudo realizado por Albane Geslin (2005), este proble-

    ma de legitimidade tem como causa tanto a atitude das organizaes

    internacionais de segurana, quanto a do prprio Conselho de Segu-

    rana. Ao contrrio do que determina a Carta das Naes Unidas, as

    organizaes regionais de segurana no necessariamente pedem au-

    torizao prvia ao Conselho de Segurana para adotar medidas co-

    ercitivas. Por seu lado, o Conselho de Segurana evita, em suas reso-

    lues, recorrer especificamente s organizaes regionais de segu-

    rana na concesso de mandatos para aes militares.

    No caso da interveno internacional no Afeganisto, em termos le-

    gais a OTAN atua como uma coalizo multilateral com mandato da

    ONU. A partir de um perodo de comando rotativo com envolvimen-

    to individual dos Estados-membros, a OTAN s passa a assumir o

    controle operacional dois anos aps o incio da operao ISAF.

    Este problema prtico abre espao tanto para aes ilegais das orga-

    nizaes quanto para a perda de autoridade do Conselho de Seguran-

    a. Para tentar legitimar suas aes, as organizaes recorrem a ha-

    bilitaes implcitas, em geral referentes aos membros da ONU e

    que so estendidas s organizaes em decorrncia de suas prprias

    interpretaes do texto de resolues adotadas pelo Conselho de

    Segurana.

    Para a interveno da OTAN em Kosovo, por exemplo, este tipo de

    tentativa de legitimao falhou, j que na Resoluo em questo no

    h a autorizao para o recurso fora (GESLIN, 2005, p. 35-36).8

    J

    para uma ao derivada da solicitao direta de um chefe de Estado

    para que a OTAN realizasse uma operao militar, como aconteceu

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a Segurana Internacional...

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    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • no caso do Paquisto, por exemplo, a legitimidade poderia advir sim-

    plesmente do consentimento. Tal consentimento pode, contudo, ser

    questionado, j que difcil determinar a existncia de constrangi-

    mentos anteriores ou at posteriores delegao de poder em favor

    de um interventor.

    Outras organizaes regionais, tais como a Unio Africana, possuem

    maior coordenao com a ONU, o que ficou evidenciado at mesmo

    em ocasies nas quais a UA solicitou o apoio da OTAN para a AMIS,

    sua operao de paz na Somlia (AFRICAN UNION, 2004). Esse

    apenas um exemplo da atividade consistente com os princpios da

    Carta, que refora a afirmao de Geslin (2005, p. 37): somente a

    habilitao [dada pelo Conselho de Segurana] pode conferir inter-

    veno coercitiva de uma organizao regional um fundamento

    jurdico.

    Algumas Concluses

    Aps o fim da Guerra Fria, a OTAN, considerada ao mesmo tempo

    uma aliana militar e uma agncia de segurana regional, comea a

    participar de operaes militares fora dos territrios de seus mem-

    bros e em misses no motivadas pela segurana coletiva destes. Na

    tentativa de explicar a permanncia da OTAN no ps-Guerra Fria e

    sua transformao, este artigo ressaltou o seu carter dual, de aliana

    militar e organizao de segurana, e analisou os dados sobre sua

    participao em operaes militares.

    As teorias sobre as alianas analisam arranjos localizados e ad hoc.

    Sua preocupao central explicar a formao e a coeso, mas no a

    possvel persistncia das alianas na forma de instituies. A teoria

    realista, que domina a produo acadmica sobre as alianas, tende a

    basear suas explicaes sobre a manuteno prolongada destas de

    forma simples: em funo da persistncia de uma ameaa comum

    Juliana Bertazzo

    112 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 32, no 1, janeiro/junho 2010

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • que inicialmente motivou a coalizo, ou da forte possibilidade de

    emergncia de uma nova ameaa comum.

    As teorias institucional e organizacional, aplicadas ao fenmeno da

    persistncia da OTAN, envolvem os seguintes elementos: sua estru-

    tura organizacional robusta, sua capacidade de se adaptar mudana

    de cenrios e de buscar novas tarefas que possa realizar quando seus

    objetivos iniciais esto cumpridos ou perdem a relevncia.

    Contendo trs dos cinco membros permanentes do Conselho de Se-

    gurana da ONU, a OTAN consegue construir um consenso na rea

    militar com certa frequncia. Ainda assim, as intervenes da OTAN

    no so sempre identificadas como legtimas pela ONU. At mesmo

    o rtulo de interveno humanitria no est livre de questionamen-

    tos no campo da poltica internacional.

    Os dados apresentados neste trabalho mostram que houve certo de-

    clnio no nmero de novas misses autorizadas pelo Conselho de Se-

    gurana da ONU na primeira dcada do sculo XIX quando compa-

    rada dcada anterior. A frequncia de lanamento das misses, con-

    tudo, difere de toda a histria anterior, e mantm paridade com os

    anos 1990. No mesmo perodo, o nmero de novas operaes da

    OTAN tambm cresceu, e entre os anos 2000 e 2008 atingiu um total

    ligeiramente maior que o registrado para a ONU no mesmo perodo.

    Mais do que isso, a atuao independente por parte da OTAN em es-

    cala global e o recurso direto OTAN por parte de membros da ONU

    representam precedentes importantes.

    Contudo, a questo da legitimidade de operaes militares por parte

    de outras organizaes deve ser discutida tendo como parmetro as

    disposies da Carta das Naes Unidas. Representando um grupo

    de Estados mais restrito do que a Assembleia Geral, mas bem mais

    amplo do que os membros permanentes do Conselho de Segurana

    da ONU, a OTAN tem uma capacidade instalada e mobilizada

    relevante em um cenrio internacional bastante conflituoso.

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a Segurana Internacional...

    113

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • O problema da legitimidade ocorre quando se verifica que esta capa-

    cidade no est disposio apenas da ONU, nem restrita ao espao

    regional, mas tem alcance global para atender unilateralmente aos in-

    teresses dos membros e eventualmente de terceiros, de forma bilate-

    ral. Tendo em vista a atuao recente da OTAN no cenrio de segu-

    rana internacional, possvel, ento, afirmar que uma reforma do

    Conselho de Segurana, e at mesmo da prpria ONU, no poder

    prescindir de instrumentos que mantenham a sua responsabilidade

    primordial sobre a paz internacional.

    Notas

    1. Outro forte motivo para a criao da OTAN foi, sem dvida, a garantia da re-

    soluo pacfica das controvrsias entre os aliados na Europa, um continente

    marcado por grandes guerras.

    2. Existe uma diferena importante entre uma estratgia de dissuaso e uma

    estratgia defensiva: nesta, um ator capaz de desencorajar o ataque de um

    agressor porque ameaa oferecer uma forte resistncia em sua prpria defesa.

    Na estratgia de dissuaso, um ator desencoraja um ataque porque seu poder

    parece insupervel aos olhos do inimigo.

    3. A literatura em ingls traz os termos free-riding e band-wagoning para des-

    crever esse tipo de comportamento.

    4. O TIAR foi largamente ignorado quando da Guerra das Malvinas/Falk-

    lands em 1982 e recebeu fraca ateno dos Estados Unidos na ocasio dos aten-

    tados de 11 de setembro de 2001, quando evocado pelo Brasil.

    5. A renacionalizao da defesa refere-se tambm emergncia de uma pol-

    tica europeia comum de segurana e defesa. Tal poltica uma tentativa de redu-

    o da diferena de capacidades entre o pilar europeu e o norte-americano, e ao

    mesmo tempo uma expresso da vontade poltica de lderes europeus de assu-

    mir compromissos na rea de segurana regional. Como exemplo desta inten-

    o, temos as operaes de paz da OTAN na Europa, que ou j passaram ao co-

    mando da Unio Europeia ou esto em fase de transferncia de comando.

    Juliana Bertazzo

    114 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 32, no 1, janeiro/junho 2010

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • 6. A OTAN atendeu a um pedido do Paquisto para apoio em uma emergncia

    humanitria. Este pas havia sofrido em 2005 um forte terremoto, e a OTAN au-

    torizou o uso de suas capacidades militares areas para o transporte de ajuda hu-

    manitria e, em seguida, enviou um time de engenheiros militares para ajudar o

    Paquisto em seus esforos de reconstruo.

    7. A ONU mantm quinze operaes de paz no mundo todo, das quais seis es-

    to na frica, que tem o maior nmero. As operaes restantes esto assim divi-

    didas: uma nas Amricas, duas na sia (exceto o Oriente Mdio, regio que tem

    outras trs operaes em atividade) e trs na Europa.

    8. A resoluo 1199 de 23 de setembro de 1998, enquanto enfatiza a necessi-

    dade de evitar uma catstrofe humanitria em Kosovo e a necessidade de garan-

    tir o respeito aos direitos humanos dos kosovares, tambm reafirma que tais ob-

    jetivos devem ser atingidos por meios pacficos e que as atividades de estrangei-

    ros no pas se limitam a operaes de monitoramento dos acordos estabeleci-

    dos. Ao fim, o documento menciona que, em caso de descumprimento das me-

    didas exigidas nesta resoluo e na resoluo 1160 (1998), o Conselho de Segu-

    rana decide considerar ao futura e medidas posteriores para manter ou

    restabelecer a paz e estabilidade na regio (ONU, 1998, p. 5).

    Referncias

    Bibliogrficas

    AFRICAN UNION. Report of the Chairperson of the Comission on the situ-

    ation in Darfur, Sudan. Addis Ababa: African Union Documentation Center,

    2004.

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    Resumo

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra

    Fria: Implicaes para a Segurana

    Internacional e para a ONU

    Aps a Guerra Fria, a Organizao do Tratado do Atlntico Norte (OTAN)

    utilizou seus recursos militares pela primeira vez em um conflito. Desde en-

    to, ela vem atuando com regularidade, sob mandato da ONU ou no. Este

    trabalho apresenta a discusso terica em torno da permanncia da OTAN

    aps o fim da Guerra Fria, e analisa sua transformao e seu novo papel em

    um contexto mundial distinto. As teorias das alianas no explicam a per-

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a Segurana Internacional...

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    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • sistncia de tal tipo de arranjo. As teorias dos regimes, por sua vez, vislum-

    bram a permanncia da OTAN em um contexto diverso, desde que ela consi-

    ga se transformar para se adaptar s novas condies. O levantamento de da-

    dos realizado sobre a atividade da ONU procura testar a hiptese de que

    existe um declnio do seu ativismo humanitrio no perodo recente, abrindo

    espao para que novos atores atuem no campo da segurana global. A con-

    cluso de que h um declnio, o qual no , todavia, significativo em rela-

    o ao perodo da Guerra Fria. Portanto, mais do que uma possvel omisso

    da ONU, a necessidade de justificar a permanncia da aliana transatlntica

    no novo cenrio estratgico surge como fator fundamental para que a OTAN

    assuma este carter intervencionista e expedicionrio, alheio aos seus fun-

    damentos. A questo da legitimidade da OTAN para este tipo de misso

    tambm discutida. So destacados, finalmente, os problemas de ordem le-

    gal da atuao da OTAN vis--vis a ONU na manuteno da segurana

    internacional, os quais esto contidos em uma questo maior: a necessidade

    de reviso dos arranjos globais de segurana coletiva e do Conselho de

    Segurana, em particular.

    Palavras-chave: OTAN Segurana Internacional Interveno Inter-

    nacional Conselho de Segurana da ONU

    Abstract

    NATOs Action in the Post-Cold

    War Era: Implications for

    International Security and for the

    United Nations

    After the end of the Cold War, the North Atlantic Treaty Organization

    (NATO) used its military capabilities for the first time in actual conflict.

    Since then, it has been acting regularly, either under a United Nations

    mandate or not. This work presents the debate in the literature on the

    permanence of NATO after the end of the Cold War and analyzes its

    transformation and new role in a distinct world context. Alliance theory

    does not explain the persistence of such an arrangement. Regime theory, on

    the other hand, allows for NATO persistence in a changed context,

    provided that it is able to transform itself and adapt to new conditions. The

    data obtained are used to test the hypothesis that there is a recent decline in

    UN humanitarian activism, which would make room for new actors to work

    on the field of global security. The conclusion is that although there is a

    decrease in UN activity, it is not significant compared to the Cold War

    Juliana Bertazzo

    118 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 32, no 1, janeiro/junho 2010

    Contexto Internacional (PUC)Vol. 32 no 1 jan/jun 20101 Reviso: 07/07/2010

  • period. Thus, instead of a possible omission on the part of the UN, it is the

    need to justify the permanence of the transatlantic link in a new strategic

    scenario that rises as a key factor in explaining why NATO takes on this

    interventionist and expeditionary character, quite distinct from its original

    one. The legitimacy NATO could have or lack for this type of missions is

    also part of the discussion. Finally, it is stressed here that legal problems of

    NATO action vis--vis the UN are included in an overarching question: the

    need for review of global collective security arrangements and of the

    Security Council, particularly.

    Keywords: NATO International Security International Intervention

    UN Security Council

    Atuao da OTAN no Ps-Guerra Fria:

    Implicaes para a Segurana Internacional...

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