segundo número da revista inarte

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Textos de Paulo Bom�im e Lilian do Amaral Villa-Lobos, por João Carlos Martins Realizações artísticas monumentais em espaços públicos de São Paulo Impressões de Fiammetta Emendabili, Victor Brecheret Filho e Paulo Nathanael COLÉGIO DANTE ALIGHIERI Abril 2014 Ano 2 - Nº 02

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Page 1: segundo número da revista InArte

Textos de Paulo Bom�im e Lilian do AmaralVilla-Lobos, por João Carlos Martins

Realizações artísticas monumentais em espaços públicos de São Paulo

Impressões de Fiammetta Emendabili, Victor Brecheret Filho e Paulo Nathanael

COLÉGIO DANTE ALIGHIERI

Abril 2014Ano 2 - Nº 02

Page 2: segundo número da revista InArte

D a P r é - H i s t ó r i a a o S é c u l o X X I

- Arte Rupestre

500 A.C.

- Arte Grega: O escultor Fídias é seu expoente

4.000 A.C.

- Surgimento da Escrita

Século XVI

- Bandeiras

1.889

- Construção da Torre Ei�el, na França

1.822

- Independência do Brasil

1.991

- Inauguração da escultura “Caminho”, de Lilian do Amaral e Jorge Bassani, em comemoração aos 90 anos da Avenida Paulista

1.960

- Inauguração do Monumento a Duque de Caxias, de Victor Brecheret

1.955

- Inauguração do Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32 (Obelisco do Ibirapuera), de Galileo Emendabili

1.554

- Missão jesuítica que dá origem à cidade de São Paulo

2.007

- Inauguração da estátua “Andando”, de Galileo Emendabili, no Bairro do Morumbi, em São Paulo

1.988

- Inauguração do Monumento 80 anos da Imigração Japonesa, de Tomie Ohtake

1.953/1.954

- Inauguração do Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret

AntiguidadePré-História Idade Média Idade Contemporânea

1.500

- Renascimento- Descobrimento do Brasil

Idade Moderna

1.932

- Revolução Constitucionalista: tropas de São Paulo são derrotadas pelo governo de Getúlio Vargas

1.922

- Inauguração do Monumento à Independência, de Ettore Ximenez- Semana de Arte Moderna, em São Paulo

1.918

- Fim da Primeira Guerra Mundial

1.917

- Revolução Russa- No Brasil, passa a ser usado o�cialmente o brasão do município de São Paulo criado pelo poeta Guilherme de Almeida em parceria com o histo-riador José Wasth Rodrigues, com a expressão em Latim "non ducor duco"

1.914

- Início da Primeira Guerra Mundial

1.913

- Conclusão do prédio Leonardo Da Vinci, do Colégio Dante Alighieri

1.934

- Inauguração do Monumento a Ramos de Azevedo, de Galileo Emendabili

Page 3: segundo número da revista InArte

por José de Oliveira MessinaPresidente do Colégio Dante Alighieri

Este 22 de abril de 2014, adiante dos 514 anos da descoberta do nosso Brasil, passa a ser mais um dia que enriquece a história, já secular, do nosso Colégio Dante Alighieri.

Nele é festivamente publicado o segundo número da revista InArte, organizada pelo ex-aluno Cláudio Callia – neto do maestro Salvador Callia, que, cultor da arte musical, ministrou-a, por meio século, no nosso “chão que tem memória”, no dizer poético de Paulo Lébeis Bomfim.

Por solicitação de Cláudio, coube-me fazer a apresentação deste número, como o fiz com o primeiro, lançado no ano de 2012.

Nada posso fazer senão desfiar algumas linhas falando da arte, o que é, em última análise, abrir o coração e desbordar sentimentos imaginários na forma da escrita.

Em princípio, creio sermos criaturas do primeiro “Artista” que a tudo deu existência e movimento: o nosso Deus.

Assim sendo, como criaturas dele, recebemos dons e talentos, para sonhar e materializar.

Criamos a partir da harmonia das forças artísticas, que equilibram o universo, permitindo-nos estar culturalmente enraizados na terra que pisamos.

A arte está, então, em tudo que nos cerca: seja nos produtos naturais postos à nossa disposição pela mão divina; seja nos produtos aos quais damos formas, beleza ou utilidade, tudo para a interpre-tação de terceiros, que lhes dirigirão críticas positivas ou negativas.

Penso num bloco de mármore, penso numa massa de argila, penso numa tela, penso em esculpir, moldar, ou pintar.

Penso, também, em tracejar, fotografar, cortar, colar, ou mesmo destruir, enraivecido, tudo que compus, e mais tarde, fatalmente, me arrepender disso.

Afinal, é no arrependimento, na tristeza, na esperança, e até na dor da morte, que pode despontar, por exemplo, a arte pura, aquela armada pelas sete notas musicais.

Em alusão, especialmente, à virtude da esperança, cabe registrar um fato que presenciei e muito me comoveu. Após a inauguração do Fórum Doutor João Mendes, colocou-se na praça homônima

uma estátua em bronze, representando o engraxate e o jornaleiro. Ambas as figuras, titulares de profissões humílimas (em particular o menino), se equiparavam, assim, às figuras de guerreiros, cientistas e artistas de outros monumentos.

É de inferir, portanto, que cada obra de arte encerra, na própria representação, não apenas a sugestão de suas qualidades formais, mas um simbolismo que remete a aspectos políticos, sociais e econômicos da sociedade, o que lhe confere, enfim, a autêntica expressão histórica.

À parte a natureza social da arte, não posso deixar de pôr em evidência o ser humano, com suas qualidades e, também, defeitos. Todos nós habitamos um jardim! Há os que nele apreciam até uma folha amarela que no outono se desprende de um galho, outros que nem sequer sentem a fragrância de um botão de rosa...

No fundo, a arte é um ideal que o homem desenvolve, algo que, a um só tempo, se materializa e se espiritualiza no espaço, revestindo-se de qualidades próprias que edificam épocas.

São essas épocas que modelam, com maestria, o trabalho da equipe que construiu este sólido edifício artístico no nosso Colégio.

InArte: ideal solidez

Page 4: segundo número da revista InArte

Departamento de Audiovisual do Dante

Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante

Dr. José de Oliveira Messina, presidente do Colégio Dante Alighieri

Escultura “Contando a féria ou O Engraxate e o Jornaleiro”, de Ricardo Cipicchia, localizada na Praça João Mendes, em São Paulo

Page 5: segundo número da revista InArte

EDITORIAl

Bem alto... o espírito criativo.

Quando recebemos a tarefa de desenvolver a 2ª edição da Revista InArte, eu e a equipe de jornalismo do Colégio Dante Alighieri entendemos que estávamos diante de uma situação maior. Nossas conversas, embasadas sempre em conhecimentos e em experiências de eruditos afeitos aos princípios do nosso Colégio, determinaram os caminhos desta publicação. Quais temas publicaríamos e de que for-ma? Resolvemos “iluminar” alguns monumentos da cidade de São Paulo; descrever resumidamente suas heroicas ori-gens motivadoras, bem como enaltecer os valores dos cria-dores e executores... os artistas.

Mas, para expressar a notoriedade desses trabalhos, foi necessária uma análise cuidadosa das influências do tempo em uma sociedade em transformação cultural, estimulada a participar de movimentos de estilo que mudaram a visão da arte em todas as suas manifestações. Por esse motivo, a revista InArte exibe seus documentários em ordem crono-lógica dos acontecimentos, enriquecidos pelos comentários de historiadores, acadêmicos, professores, mestres e fami-liares dos artistas destacados nesta Edição.

Enquanto Michelangelo finalizava sua conhecida obra “Pie-tà”, caravelas ancoravam em nossas praias. A Europa bus-cava seu renascimento; e as Américas, recém-descobertas, conferiam jovialidade e colorido ao Velho Mundo. O tempo mostraria os passos dessa nova sociedade em formação. Desbravando e conquistando, somos hoje o resultado de tantas aflições e fortunas. O nosso país despontaria, grande território e forte povo.

Momentos marcantes de nossa história foram eternizados através de monumentais concepções artísticas. São eles, portanto, nosso foco direto, juntamente com sua impor-tância histórica, aqui interpretada por estudiosos de hoje, que acrescentaram elementos analíticos de grande alcance elucidativo do passado, do presente e de tendências futuras. As páginas seguintes rememoram fatos que, por certo, se-

rão entendidos segundo o olhar dos historiadores, que se abstêm de valores atuais, para enxergar a vida em séculos passados de forma mais fidedigna possível. A partir des-sas referências, pudemos confrontar as novas expressões artísticas, cujas linguagens propiciam outras modalidades de intervenções em espaços públicos, e, ao evidenciarmos o vasto potencial tecnológico presente em instituições de Ensino Superior voltadas para os novos conceitos de arte e design, poderemos colaborar com os alunos, que hoje buscam suas carreiras profissionais.

Através desta “construção”, pretendemos transmitir aos lei-tores uma jornada cultural, conforme os preceitos humanís-ticos de nosso Colégio Dante Alighieri, de nobre existência secular e detentor de posição ímpar como instituição de ensino formadora de cidadãos.

Claudio CalliaEditor da revista InArte

Ex-aluno do Colégio Dante Alighieri

Page 6: segundo número da revista InArte

PresidenteDr. José de Oliveira Messina

Diretora Geral PedagógicaSilvana leporace

Conselho EditorialJosé de Oliveira Messina, Fernando Homem de Montes, Claudio Callia, Maria Beatriz Perotti e Gustavo Antonio

Jornalista responsávelFernando Homem de MontesMTb 34598

EditorClaudio Callia

Editor-assistente e repórter: Gustavo Antonio

Revisãoluiz Eduardo Vicentin

ColaboradoresPaulo Bomfim, Lilian do Amaral Nunes, Maria Cleire Cordeiro, Fernando Homem de Montes,- Departamento de História, Filosofia e Sociologia do Colégio Dante Alighieri - Jackson F. Costa de Farias, Edson Martins Jr, Jaqueline lourenço, José Marcelo de O. Bussab, Christian Tadeu Gilioti, Nilda A. de Castro, Maria Angela Comegna, Antonio Gonçalves, Carlos Roberto Diago.

Agradecimentos: João Carlos Martins, Fiammetta Emendabili, Victor Brecheret Filho, Paulo Nathanael, liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, MUBE (Museu Brasileiro da Escultura), Olívio Guedes, Célio Debes, Francisco Savoldi, Antônio Fernando Cestari, IED (Istituto Europeo di Design), Museu da Casa Brasileira, Jaime Trindade, Claudio Canato, Instituto Tomie Ohtake, Instituto Victor Brecheret, Flávio Tavares, Conservatório Musical Beethoven, Casa Guilherme de Almeida, Departamento de Audiovisual do Colégio Dante Alighieri, Joyce Buitoni, MASP, USP, Polícia Militar de São Paulo, Prefeitura Municipal de São Paulo

Projeto Gráfico, Arte e Diagramação

Grappa Editora

[email protected]

Colégio Dante AlighieriAlameda Jaú, 1601 CEP 01420-001 | SPwww.colegiodante.com.br

SUMáRIO

12Testemunhos históricos e evolu-ção da arte

104A contemporaneidade artística, novos conceitos e tecnologias:Monumento 80 anos Imigração Japo-nesa: texto “Tomie Ohtake - Breve per-curso de sua história”, de Maria Beatriz Perotti, e texto “Geometria intuitiva - as quatro ondas de Tomie Ohtake”, de Christian Tadeu Gilioti.Texto “Os monumentos se movem”, de Edson Martins Jr..Texto “Arte Pública: derivações con-temporâneas”, de Lilian Amaral (Monu-mento “Arcos” ou “Caminho”).Texto “Arte e design: talento criativo aplicado no mercado profissional” e im-pressões de Giancarlo Latorraca sobre o design de Giugiaro.Texto “Eu te amo São Paulo”, de Paulo Bomfim

88Os Rumos da República: Monumento Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932: depoimento de Paulo Nathanael Pereira de Souza, texto “Marco da Revolução de 32: o Obelisco do Ibirapuera”, de Carlos Ro-berto Diago e Maria Angela Comegna, e poema “Os jovens de 32”, de Paulo Bomfim

60As transformações do século XX e suas influências políticas, econô-micas, sociais e culturais no Brasil: Monumento a Ramos de Azevedo: depoimento de Fiammetta Emendabili e texto “O monumento ao progresso desalojado pelo progresso”, de Jackson F. Costa de Farias.Guilherme de Almeida, por Maria Cleire Cordeiro .Texto “As artes da primeira metade do século XX”, do prof. Antonio Gonçalves.Villa-lobos, por João Carlos Martins

561889 - Um tiro de canhão em Paris prenunciou o fim da monarquia no Brasil

42Os caminhos para a democracia - a República: Monumento a Duque de Caxias: texto “O Monumento a Duque de Caxias”, de Nilda A. de Castro.Texto “liceu de Artes e Ofícios de São Paulo”

36Independência do Brasil: Monumen-to à Independência: texto “Monumento à Independência: marco paulista do nascimento da nação brasileira”, de Jaqueline lourenço.

26As Bandeiras – A superação de São Paulo: : Monumento às Bandei-ras: depoimento de Victor Brecheret Filho e texto “O Monumento às Bandeiras de Victor Brecheret”, de José Marcelo de O. Bussab

20Brasil, o despertar de uma nova era

13Grécia – a elevação do espírito

16Renascimento

Page 7: segundo número da revista InArte

“Enquanto Michelangelo finalizava sua conhecida obra “Pietà”, caravelas ancoravam em nossas praias. A Europa buscava seu renascimento; e as Américas, recém-descobertas, conferiam jovialidade e colorido ao Velho Mundo”.

Claudio Callia

Wikimedia Commons

Ano 1500

Jaime Trindade, óleo sobre tela, série “Índios”

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Márcio Freitas Lopes/Departamento de Audiovisual do Dante

“Pietà”, de Michelangelo, cópia do original – Acervo liceu de Artes e Ofícios de São Paulo

Ano 1500

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Page 10: segundo número da revista InArte

“A arte nasceu com o homem. E deu-lhe a consciência de sua capacidade cria-dora, da possibilidade de interpretar, de imaginar”.

( Victor Civita – 1907/1990 )

Prelúdio...

Fernando Homem de Montes

Page 11: segundo número da revista InArte

A busca pela expressão do ser humano por meio da arte surgiu há cerca de 40 mil anos com os homens pré-históricos. Inicialmente, retratavam suas mãos nas paredes das cavernas com uma substância colorida extraída de rochas trituradas. Com o passar dos tempos, o artista primitivo passou a observar e a reproduzir formas figurativas que representavam o mundo ao seu redor e seus significados.A partir desse período, a busca por retratar a natureza e o cotidiano das civilizações acompanha a própria evolução humana. Porém, o grande salto para a conquista da perfeição em termos geométricos e anatômicos despontou a partir do século VII a.C., na Grécia, cuja predominância nos fundamentos teóricos e nos processos de execução iria influenciar toda a história da arte, até os nossos dias.

Testemunhos históricos e evolução da arte

Claudio Callia

Page 12: segundo número da revista InArte

Na constante busca pela per-feição, os ar tistas gregos criaram uma ar te de elaboração intelectual em que predominam o ritmo, o equilíbrio e a harmonia. Valorizan-do as medidas e desenvolvendo o estudo das proporções, as obras gregas atingiram os mais elevados e duradouros padrões de beleza na representação da forma humana da história.

A evolução da ar te grega distingue--se em quatro longos períodos: o Geométrico (séculos IX e VIII a.C.), o Arcaico (VII e VI a.C.), o Clássico (V e IV a.C.) e o He-lenístico (do século III ao I a.C.)

Os exemplos ar tísticos mais co-nhecidos e os que mais inf luen-ciaram as gerações posteriores pertencem ao período Clássico, cujos alicerces se fundamentam numa f ilosof ia antropocêntrica de sentido racionalista: por um lado,

a dimensão humana e o interesse pela representação naturalista do homem; por outro, a tendência para o idealismo, traduzido na proposição de cânones ou regras f ixas que def iniam sistemas de proporções e de relações formais para as produções ar tísticas.

Porém, a ar te da Grécia Antiga não se resume ao período Clássico – que abrange apenas pouco mais de cem anos de sua longa história. Houve manifestações de grande importância antes e depois do Clássico, apresentando conceitos e práticas bastante distintos. No Helenismo –período que sucedeu o Classicismo e representou a últi-ma f loração cultural originalmente grega, embora se colorindo de inúmeras outras inf luências exter-nas – a ar te passou def initivamen-te a se aproximar do público de um modo mais íntimo e pessoal, expressando todo o espectro da

– a elevação do espírito

Colégio Dante Alighieri | Abril 2014 | InArte

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Afrodite, conhecida como Vênus Genitrix, escultura grega da escola de Fídias – séculos V/IV a.C., pre-sente no acervo do liceu de Artes e Ofícios

Márcio Freitas Lopes (Departamento de Audiovisual do Dante)

experiência humana: do cômico e do obsceno ao heroico e ao trágico; e do of icial e cívico ao prosaico e doméstico.

Em seu conjunto, pela impressio-nante série de conquistas concei-tuais, formais, técnicas e funcionais de grande consistência, pela for te base f ilosóf ica e ética e excitante novidade, e pela alta sof isticação e qualidade técnica de seu produ-to, a ar te da Grécia Antiga vem sendo, desde sua aparição, uma referência onipresente na cultura ocidental, repetidamente invoca-da pelos ocidentais como a mais

sublime manifestação do engenho e da inspiração humana.

Péricles, Fídias e Mirone foram algumas das personalidades mais inf luentes dessa época, cujas obras empreendedoras, ar tísticas e ar-quitetônicas deixaram um legado para a eternidade.

Porém, foram necessários, apro-ximadamente, 2 mil anos para que o Velho Mundo – ao f im da Idade Média –, inf luenciado pelos prin-cípios e conceitos helenísticos e romanos, caminhasse à Idade Mo-derna: iniciava-se o Renascimento.

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Colégio Dante Alighieri | Abril 2014 | InArte

Grécia - a elevação do espírito

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O Renascimento foi um gran-de movimento de mudanças culturais que atingiu as camadas urbanas da Europa ocidental en-tre os séculos XIV e XVI, carac-terizado pela retomada dos va-lores da cultura greco-romana, ou seja, da cultura clássica. Esse momento é considerado como um importante período de tran-sição dos valores e das tradições medievais, envolvendo as estru-turas socioeconômicas.

As bases desse movimen-

to eram propiciadas por uma corrente f ilosóf ica reinante, o humanismo, que minimizava a escolástica medieval, até então predominante, e propunha o retorno às vir tudes da antigui-

dade, em que as preocupações, os sentimentos e os compor-tamentos humanos passavam a ser extremamente valorizados no campo da literatura, da pin-tura, da escultura e até nas ins-tituições políticas.

Além da tendência antropo-cêntrica, o Renascimento tam-bém esteve próximo ao he-donismo, quando o corpo, os prazeres terrenos, a busca pelo belo e pela perfeição se tor-naram vigentes no campo das ar tes. Paralelamente, o Renas-cimento também teve um traço naturalista ao explorar os míni-mos detalhes da natureza, das plantas, animais e da própria anatomia humana.

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Colégio Dante Alighieri | Abril 2014 | InArte

renascimento

À esquerda, detalhe da obra “leda e o Cisne”, de leonardo da Vinci; ao lado, estudo da cabeça

de leda.

Wikimedia Commons

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ARS – Revista de Arte – 1954, nº 66 – Homenaje a Miguel Angel, Buenos Aires, Argentina

“A Sagrada Família”, de Michelange-lo, galeria dos Ofícios, em Florença

renascimento

Do ponto de vista histórico, todas essas inovações tiveram seus primeiros passos desenvol-vidos no interior das ricas cida-des comerciais italianas. Através do mar Mediterrâneo, o co-mércio entre essas regiões e o Oriente intensif icou-se e possi-bilitou importantes mudanças, como a formação de uma cama-da burguesa enriquecida que necessitava de reconhecimento social e estava disposta a f inan-ciar a obra de ar tistas e intelec-tuais. O comércio comandado pela burguesia foi responsável pelo desenvolvimento urbano, e, nesse sentido, responsável por um novo modelo de vida, com novas relações sociais. Des-sa forma, a nova mentalidade da população urbana representou a essência dessas mudanças e possibilitou, mais tarde, a pro-dução renascentista.

É necessário se diferenciar a cultura renascentista – aque-la caracterizada por um novo comportamento do homem da cidade, a par tir de novas con-cepções de vida – e a produ-ção renascentista, que trata das obras de ar tistas e intelectuais que retrataram essa nova visão de mundo e foram fundamen-tais para sua difusão e desen-volvimento. Essa diferenciação é importante para que não se trate o Renascimento como um movimento de “alguns grandes homens”, mas como o ref lexo de uma nova sociedade urbana, caracterizada pelos novos valo-res burgueses e ainda associada a valores cristãos.

Além de modif icar a natureza das ar tes, com a introdução de técnicas mais apuradas, o Re-nascimento também provoca uma mudança no meio científ i-

co. Por meio de ações que en-volviam a observação e a expe-rimentação, os cientistas dessa época conquistaram importan-tes conhecimentos que contri-buíram no desenvolvimento da medicina, da astronomia, da fí-sica e, consequentemente, da navegação, já que a car tograf ia passou a revelar maior preci-são das medidas terrestres. O aperfeiçoamento da náutica, o astrolábio, o conhecimento dos astros, o surgimento de novas embarcações, como a carave-la, contribuíram, sobremaneira, para a exploração aventureira europeia.

Assim, no ano de 1500, en-quanto Michelangelo f inalizava uma de suas mais importantes obras escultóricas, a “Pietà”, ventos tropicais inf lavam as ve-las das caravelas de Pedro álva-res Cabral.

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A 22 de abril de 1500, quando os portugueses desembarcaram neste mundo desconhecido, houve uma estase. luzes, cores,

corpos desnudos e pintados de um povo selvagem provocaram uma perplexidade... mútua.

o despertar de uma nova era

Fernando Homem de Montes.

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Colégio Dante Alighieri | Abril 2014 | InArte

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De um lado, os navegantes portugueses trazendo na baga-gem tradições de conquistado-res; de outro, a incompreensão dos nativos diante de pessoas brancas com suas indumentárias e objetos estranhos. Em breve, tais objetos mostrariam sua fun-ção, fazendo prevalecer a vonta-de dos conquistadores.

Tela de Flávio Tavares, intitulada “A primeira missa no Brasil”

Foto de Antonio David

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Após a extraordinária notícia do descobrimento da nova Terra de Santa Cruz, de vastidão apenas ima-ginada, terra cujo nome a ambição do comércio transformou em Brasil, pelo interesse do pau assim chamado, a Coroa portuguesa enviou algumas expedições exploratórias para fazer o levantamento preliminar do litoral brasileiro, com avaliações sobre suas características geográficas e riquezas.

Nos trinta anos seguintes, conhecidos como período Pré-Colonial, iniciou-se o ciclo de extração do pau-brasil, com emprego de mão de obra in-dígena. A obtenção dos pigmentos extraídos dessa matéria-prima para fins de tingimento de tecidos e para a produção de mobiliários conferiam grande valor comercial àquelas árvo-res, disputadas no mercado europeu. O primeiro negociante a receber autorização régia de Portugal para a extração do pau-brasil foi Fernando de Noronha, em 1502.

Em 1530, após abalos comerciais com as Índias e sistemáticas ameaças de estrangeiros em solo brasileiro, que contrabandeavam o pau-brasil, o rei de Portugal entendeu a necessidade urgente de estabelecer núcleos de colonização permanentes no Brasil, e assim o fez: enviou uma expedição de 50 embarcações comandadas por Martim Afonso de Souza à futura colônia com o propósito de povoar, explorar e proteger o litoral contra

a presença de invasores.

A expedição chegou ao litoral brasileiro em janeiro de 1531, e o primeiro núcleo de colonização foi estabelecido em um local que le-vou o nome de Vila de São Vicente. Dando prosseguimento às suas mis-sões exploratórias e colonizadoras, Martim Afonso de Souza incentivou a ocupação da região litorânea e a incursão pela Serra do Mar, em direção ao planalto.

Promoveu um grupo de colonos e jesuítas (entre os quais José de Anchieta) para subir a Serra do Mar, nos idos de 1553, a fim de buscar um local seguro para se instalar e catequizar os índios. Àquela época, foram orientados a seguir pela Trilha dos Tupiniquins até os Campos de Piratininga, onde João Ramalho, um náufrago português que vivia entre os indígenas da região, estabelecera uma pequena vila conhecida como Vila de Santo André da Borda do Campo. Ao atingir o planalto de Piratininga, os religiosos deram inicio à constru-ção de um barracão numa pequena colina, próxima aos rios Tamanduateí e Anhangabaú. Celebraram a pri-meira missa no dia 25 de janeiro de 1554, precisando a data da fundação de São Paulo. Anos mais tarde, os padres ergueram uma igreja e um colégio, construção cujas fundações originais se encontram até hoje no “Pateo do Collegio”.

Brasil - o despertar de uma nova era

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Colégio Dante Alighieri | Abril 2014 | InArte

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“Fundação de São Paulo”, de An-tônio Parreiras, que integra o Acervo da Pinacoteca Municipal

de São Paulo

Wikimedia CommonsPiratininga demorou 157 anos para

ser reconhecida como uma cidade chamada São Paulo, decisão ratificada pelo rei de Portugal. Nessa época, São Paulo era o principal ponto de partida das Bandeiras, expedições

que cortavam o interior do Brasil em busca de ouro, escravos, outras riquezas, e que, frequentemente, ignoravam os limites fronteiriços estabelecidos, aumentando o ter-ritório brasileiro.

Brasil - o despertar de uma nova era

Page 25: segundo número da revista InArte

Entre o f im do século XVI e ao longo do século XVII, as ins-tabilidades do regime colonial instalado no Brasil trouxeram interessantes transformações. A partir da chamada União Ibéri-ca, ocorrida entre 1580 e 1640,

o território colonial passou a ser controlado por autoridades es-panholas e, nesse mesmo con-texto, os holandeses invadiram a região nordeste, onde passa-ram a controlar a produção de açúcar.

– A superação de São Paulo

“Menino Cortador de Cana”de Claudio Canato

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Reprodução

Page 26: segundo número da revista InArte
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Todas essas mudanças causa-ram situações muito peculiares. Destaca-se, entre tantas, a crise econômica que afetou os colo-nizadores e a população situada na região sudeste. Sem o apoio holandês, focado na região nor-deste, e sem o auxílio espanhol, os colonos paulistas sofreram com a retração da economia açucareira e a falta de alterna-tivas de sustento mais seguras.

Foi nesse contexto que co-meçaram a se formar comitivas, oriundas principalmente de São Paulo, que partiam em direção ao interior do Brasil. Conhe-cidas como “Bandeiras”, essas expedições reuniam vários co-lonos que buscavam as riquezas que pudessem livrá-los dos já ressaltados problemas econô-micos daqueles tempos.

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Monumento às BandeirasArtista: Victor Brecheretlocalização: Praça Armando de Sal-les Oliveira, em São Paulo-SPInauguração: 25 de janeiro de 1953Medidas e materiais: Peça – Grani-to (8,00m x 7,00m x 40,0m); Pe-destal – Granito (2,54m x 8,40m x 43,80m)

Gilmar Ferreira/Departamento de Audiovisual do Dante

as Bandeiras– a superação de são paulo

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Colégio Dante Alighieri | Abril 2014 | InArte

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Com o passar do tempo, a atividade dos “bandeirantes” se transformou em fonte econô-mica de grande movimentação. Por meio de suas ações, grandes regiões auríferas e diamantíferas foram encontradas em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.

Nessa época, temos notícias das primeiras regiões mineradoras a serem sistematicamente ex-ploradas durante todo o século XVIII. Em pouco tempo, porém, a Coroa portuguesa interveio no controle dessas regiões ricas em metais e pedras preciosas.

Quando o presidente Washington luis lançou, em 1921, a proposta de se homenagear a cidade de São Paulo com um conjunto de monumentos que comemorassem o centenário da Independência, Victor Brecheret (1894-1955) era um jovem escultor ítalo-brasileiro que já ganhava prestígio nacional ao lado de grandes artistas e literatos, muitos dos quais partici-pariam, mais tarde, da Semana de Arte de 1922.

Brecheret disputou o concurso para projetar a obra que homenagearia os bandeirantes, cujo título seria “Monu-

mento às Bandeiras”. Desenvolveu, para tanto, um grandioso projeto que mais lembrava as grandes obras realistas do século anterior do que o modernismo, então em moda na Europa. Perdeu o concurso para o italiano Nicola Rollo.

Ao saber que seu colega não empla-cara a obra, já que Rollo não conse-guia vencer as etapas estipuladas pelo governo do Estado de São Paulo em seus devidos prazos, Brecheret, agora em temporada na Europa, transfor-mou o rascunho original numa apa-rência claramente influenciada pelo

modernismo em voga naquela época. Seu novo projeto, agora aprovado, contava com a geometria de Picasso, misturada aos movimentos de Rodin.

O tempo histórico também não ajudava Brecheret. São Paulo vivia momentos de crise econômica e política. A República Velha e a for-ça dos cafeicultores estavam sendo questionados pelas dissidências oligár-quicas e grupos urbanos de vanguar-da, apoiados por uma classe média ávida por maior reconhecimento e participação política.

O MOnuMentO às Bandeiras de VictOr BrecheretJosé Marcelo de O. Bussab - professor do Departamento de História, Filosofia e Sociologia do Colégio Dante Alighieri

as Bandeiras– a superação de são paulo

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Divulgação/Instituto Victor Brecheret

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32

Com Vargas no poder, os monu-mentos mais peremptoriamente de-fensores de um ideal paulista, como o Monumento às Bandeiras, foram engavetados ou abandonados. Vargas defendia a redução da importância de São Paulo em troca de um maior centralismo do poder em suas mãos.

Numa clara reação ao centralismo varguista, os paulistas buscavam, na figura de um herói local, seduzir a população a apoiar a causa constitu-cionalista contra o poder “usurpador” e “ditatorial” da capital federal.

Há muito que se tentava encontrar, na figura do Bandeirante e das ban-deiras, a imagem de uma identidade paulista. Desde o século XIX, quando alguns intelectuais não se conforma-vam com a ideia de São Paulo não ter um reconhecimento político à al-tura de sua expansão econômica, os bandeirantes começaram a ser vistos como sinônimo de desbravadores, destemidos, empreendedores e outros atributos que muito passavam a se identificar com a construção da imagem do paulista – trabalhador, incansável empresário, que não foge à labuta, mesmo nas maiores adversidades. Se-gundo Cassiano Ricardo “o costume de só vermos o herói no chefe de bandeira nos leva a esquecer, ainda, outros aspectos de sua figura entre os quais o governador investido de todos os poderes, o chefe de um executivo que tudo ordena, o legis-

lador que decreta as leis ... o juiz que dá remédio às desavenças e queixas ... provê todos os atos da vida civil”. (RICARDO, 1942, p. 27)

Para alguns, no entanto, a figura do bandeirante remonta a uma época de caça implacável e cruel ao índio, como vemos em Cipriano de Abreu neste trecho a seguir: “compensará tais horrores a consideração de que por favor dos bandeirantes pertencem agora ao Brasil as terras devastadas?” (Davidoff, Carlos Henrique.Bandei-rantismo: verso e reverso. São Paulo: Brasiliense, 1986, p88)

É significativa a imagem publicitária na Revolução Constitucionalista de um gigante bandeirante esmagando um anão representando Vargas com os dizeres “abaixo a ditadura”.

Vargas, no entanto, venceu a Revolu-ção e manteve o projeto engavetado, sobretudo, no período subsequente, agora escancaradamente ditatorial: o Estado Novo (1937 a 1945).

Finalmente, com a abertura de-mocrática promovida em 1945, o projeto do conjunto escultural volta a se tornar realidade e Victor Bre-cheret, agora um artista muito mais maduro, parecia ser, cada vez mais, o homem talhado para emplacar o monumento. A proposta, agora, era a comemoração do quarto centenário

de São Paulo e a obra foi inaugurada em 1954.

Numa linha bem modernista, a obra passa a ideia de uma massa humana miscigenada (o índio, o português e o negro estão presentes) representando a força da mistura de raças, bem ao estilo de Gilberto Freire, outro inspirador de Brecheret, além de empurrarem num esforço solidário e contínuo, a embarcação rumo ao desconhecido, à aventura, às conquistas.

Brecheret e sua obra sem dúvida lembram uma época de muitas dú-vidas quanto ao significado político de São Paulo perante a consolidação de uma imagem nacionalizante que foi imposta pelo período varguista.

Mas, se o heroísmo dos bandei-rantes e as pretensões das bandeiras são motivo de eterna discussão, não resta dúvidas que o autor do Monu-mento às Bandeiras e sua obra são unanimemente reconhecidos como grandiosos. Brecheret morreu em 1955, um ano após a inauguração de sua grande obra, e nunca mais perdeu ou perderá seu posto de um dos maiores escultores do mundo.

Fontes – Webgrafia de referência (acessadas em 08 de dezembro de 2013):

- Revista de História:http://www.revistadehistoria.com.br/secao/perspectiva/mito-mutante

as Bandeiras– a superação de são paulo

Page 32: segundo número da revista InArte

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- Pinacoteca do estado de São Paulo: http://www.pinacoteca.org.br/pinacoteca-pt/default.aspx?mn=545&c=acervo&letra=V&cd=2339

- pinturabrasileira.com:http://www.pinturabrasileira.com/artistas_bio.asp?cod=34&in=1

- Portal do Governo do Estado de São Paulo:http://www.saopaulo.sp.gov.br/conhecasp/turismo_monumentos_bandeiras

Cantaria dos irmãos Incerpi: tra-balhos de entalhe em pedra de vários monumentos, entre eles, o

Monumento às Bandeiras

Reprodução do livro “Artistas italianos nas praças de São Paulo”

Colégio Dante Alighieri | Abril 2014 | InArte

as Bandeiras– a superação de são paulo

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A partir de então, a sociedade e a economia colonial sofreram mudanças signif icativas. Várias cidades se formaram pelo in-terior do território, a f iscaliza-ção colonial se intensif icou e a

economia interna ganhou maior ritmo. Com o passar do tempo, a ação dos bandeirantes acabou se enfraquecendo e se associan-do ao desenvolvimento da mi-neração colonial.

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Eu e meu pai (o escultor Victor Brecheret) éramos muito apegados. Eu vivia grudado nele. Íamos muito a São Vicente, onde passávamos lon-gos períodos. Também tivemos uma convivência muito intensa no ateliê. Ele era muito calado, e eu ficava no ateliê em meio às estátuas. No Ibirapuera, havia galpões imensos vazios. Dos meus 7 aos 13 anos, tivemos essa forte convivência.

Quanto ao Monumento às Ban-deiras, a autorização dos órgãos ofi-ciais para erguê-lo demorou certo

tempo. Nesse intervalo, meu pai foi morar na França e acredito que voltou ao Brasil pela oportunidade de realizar o monumento. Porém, quando retomou o contrato para executar o trabalho, ele mudou toda a concepção da obra. A construção só se iniciou efetivamente em 1937.

Para mim, o seu significado está expresso no próprio monumento: representa a mescla da população que habitava São Paulo (negros, índios, mamelucos, portugueses) na época das Bandeiras. Tenho a impressão de

que meu pai quis representar essas figuras no monumento. A esse res-peito, há também símbolos religiosos na obra. Brecheret ficou órfão e veio (da Itália) para o Brasil com os tios. Teve que trabalhar muito e sofreu bastante. Uma de suas primeiras peças é uma Pietà de madeira. No fim de sua carreira artística, há vá-rias peças religiosas. Por exemplo, a via-sacra do Hospital das Clínicas de São Paulo. É um reencontro dele com a religião.

Na verdade, vejo duas vertentes

MOnuMentO às Bandeiras representa a Mescla da pOpulaçãO de sãO paulO

Depoimento concedido à revista InArte por Victor Brecheret Filho, presidente do Instituto Victor Brecheret

as Bandeiras– a superação de são paulo

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fortes na obra do meu pai: uma religiosa e outra indígena/marajoara (ele se empolgava com o cenário que estava sendo descoberto pelos irmãos Villas Boas nos anos 1940 e 1950). Ele era fascinado com a história da Ilha de Marajó. Acho que foi um encontro de Brecheret com a natureza também que o trouxe ao Brasil. A Amazônia, as tribos en-cantavam muito meu pai.

OS MOnuMentOS De BrecHeret atualMente

Hoje, o tráfego de veículos estran-gula o Monumento às Bandeiras. Mas penso que ele ganha a cada dia que passa. Ele representa um

dos episódios mais importantes da nossa história. A inscrição do poeta Guilherme de Almeida (“Brandiram achas e empurraram quilhas vergando a vertical de Tordesilhas”) simbo-liza tanto o monumento quanto a epopeia dos bandeirantes.

Recentemente, o Monumento às Bandeiras sofreu um ataque [por parte de manifestantes que protesta-vam contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, projeto que tira do Executivo a definição sobre a delimitação de terras indígenas e a passa para o Congresso Nacional]. Isso foi sério. Antes disso, apesar de sempre haver gente em cima da obra, as pessoas não a danificavam.

Para mim, significava que a população havia aprendido a conviver com o monumento.

Já o Monumento a Duque de Ca-xias está em uma situação crítica, localizado em um lugar em que fica acuado e não recebe muitos cuidados. Quando meu pai o estava moldando, a intenção era colocá-lo na Praça das Bandeiras. Mas acabou instalado na Praça Princesa Isabel porque [o prefeito] Prestes Maia previa uma expansão da cidade para aquela re-gião. Entretanto, o desenvolvimento de São Paulo acabou caminhando para outro lado. Esse monumento precisa receber melhores cuidados.

Victor Brecheret Filho (à esquerda) tinha uma relação muito forte com seu pai, como pode ser visto na foto ao lado

Divulgação/Instituto Victor Brecheret/MUBE

as Bandeiras– a superação de são paulo

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A descoberta do ouro foi um dos mais importantes feitos das expedições que partiram de São Paulo para o interior, pois pro-vocaram alterações em toda a estrutura colonial da época. O apogeu das atividades minerado-ras provocou um intenso fluxo populacional para a região das minas, acarretando um estrei-tamento nas relações inter-re-gionais e o desenvolvimento de um mercado interno de abaste-cimento de suprimentos e servi-ços no sudeste do Brasil.

Esses fatores culminaram na ge-ração de um novo polo econômi-co na região e foram determinan-tes para a transferência da capital brasileira da Bahia para o Rio de

Janeiro. A proximidade com o novo centro comercial permitiu aos colonizadores maior contro-le e resolução sobre as questões ligadas à mineração.

“InDePenDêncIa Ou MOrte”

As altas exigências e as vulto-sas cobranças de impostos infligi-das aos mineradores se tornaram motivo de grande insatisfação do povo e, principalmente, dos fazen-deiros rurais e donos de minas. Estes dois grupos, em particular, influenciados pelas ideias de liber-dade que vinham do Iluminismo europeu, começaram a se reunir para buscar uma solução definiti-va para o problema: a conquista da independência do Brasil.

Monumento à IndependênciaArtista: Ettore Ximeneslocalização: Praça do Monumento, s/nº, Ipiranga, São Paulo-SP Inauguração: 7 de setembro de 1922Materiais: bronze sobre pedestal em granito; relevos em bronze no frontão de laterais aplicados na base de granito

Danilo Prudêncio Silva/Dornicke/Wikimedia Commons

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O grito de liberdade dado por Dom Pedro (1798-1834) que libertaria efetivamente a América Portuguesa (que já gozava do estatuto de Reino Unido a Portugal e Algarves desde 1815) partiu das margens do riacho do Ipiranga para o resto da colônia em 7 de setembro de 1822, colônia que dali em diante se tornaria livre politicamente do jugo de Portugal e aclamaria Pedro como o primeiro imperador da recém-criada nação. Tais fatos mereceriam, na concepção dos donos do poder em 1917, uma

construção que legitimasse a visão de São Paulo como o berço da nacionalidade brasileira. Tratava-se de cravar efetivamente na capital paulista a memória do marco inicial da nação brasileira: a ruptura po-lítica com Portugal e a criação do Estado Nacional. Assim, teve início o primeiro concurso para a escolha dos projetos que dariam origem ao Monumento à Independência, atualmente chamado também de Monumento do Ipiranga e Altar da Pátria.

O projeto vencedor foi o de autoria do artista italiano Ettore Ximenes (1855-1926), escultor especializado em temas religiosos e mitológicos, cujas obras estão expostas na Itá-lia, Estados Unidos (com destaque para a escultura de Dante Alighie-ri exposta no Meridian Hill Park, em Washington) e Argentina. Na ocasião, o projeto de Ximenes foi criticado por não conter elemen-tos que representassem os fatos relativos à Independência e, por isso, foram incluídas referências à

MOnuMentO à independência: MarcO paulista dO nasciMentO da naçãO BrasileiraJaqueline lourenço - professora do Departamento de História, Filosofia e Sociologia do Colégio Dante Alighieri

Uma crise marcada por rebeli-ões de emancipação, destacando--se a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, determinou os primeiros movimmentos so-ciais da história do Brasil a ques-

tionar o pacto colonial e assu-mir um caráter republicano. Foi apenas o início do processo de independência política do Brasil, que se estendeu até 1822, com o “Sete de Setembro”.

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Revolução Pernambucana (1817) e à Inconfidência Mineira (1789), além de personagens como José Bonifácio de Andrada e Silva, Hi-pólito da Costa, Diogo Antônio Feijó e Joaquim Gonçalves ledo, articuladores do movimento.

Em 7 de setembro de 1922, o Monumento à Independência foi inaugurado, antes mesmo de ser to-talmente concluído, o que ocorreu apenas quatro anos depois. Feito em bronze (impressionantes 131 peças) e granito, foi pensado e construído com o auxílio do conceituado arquiteto italiano Manfredo Manfredi (1859-1927) e constitui parte integrante do conjunto urbanístico do Parque da Independência, onde se encon-tra também o edifício-monumento erguido em 1890, que hoje abriga o Museu do Ipiranga, além da Casa do Grito.

No interior do Monumento à In-dependência está a cripta imperial, construída em 1952 para abrigar os restos mortais da primeira família imperial brasileira. Assim, os despojos da primeira esposa de D. Pedro I, Dona Leopoldina Habsburgo (1797-1826), arqueduquesa da áustria, foram trazidos do Convênio de Santo Antônio no Rio de Janeiro em 1954, por ocasião do quarto centenário da cidade de São Paulo. Em 1972 foram trasladados do Pan-teão dos Bragança, no Convento

de São Vicente de Fora os despojos de D. Pedro I, embora o coração tivesse ficado na Igreja da Lapa, na cidade do Porto. Finalmente, em 1982, chegaram de lisboa os restos mortais de Dona Amélia de Beauharnais, duquesa de leuchtem-berg (1812-1876) e segunda esposa do imperador.

Devido à sua importância históri-ca, o Monumento à Independência passou por uma série de reformas, incluindo a que possibilitou a aber-tura da cripta à visitação pública, iniciada no ano 2000, e a recente retirada dos restos mortais do im-perador D. Pedro I para exumação. Desde sua abertura, o monumento passou a receber em média 6 mil visitas diárias e hoje é um marco histórico da mais alta importância na cidade de São Paulo.

Webgrafia (acessada em 7 de fevereiro de 2014):

http://www.museudacidade.sp.gov.br/monumentoaindependencia.php

http://www.monumentos.art.br/monumento/monumento_da_inde-pendencia

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130149.shtml

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Maquete do Monumento à Independência

Reprodução do livro “Gli Italiani nel Brasile”

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Ettore Ximenes, autor do Monumento à Independência

Divulgação

Essa situação de crise do antigo sistema colonial foi, na verdade, parte integrante da decadência do Antigo Regime europeu, de-bilitado pela Revolução Industrial na Inglaterra e, principalmente, pela difusão do liberalismo eco-nômico e dos princípios iluminis-tas, que juntos formaram a base ideológica para a independên-

cia dos Estados Unidos (1776) e para a Revolução Francesa (1789). Trata-se de um dos mais impor-tantes movimentos de transição na História, assinalado pela pas-sagem da Idade Moderna para a Contemporânea e representada pela passagem do capitalismo co-mercial para o industrial.

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O Brasil nasceu como país autô-nomo sob o signo da estagnação econômica e do endividamento externo. Seguidas quedas no va-lor das exportações e negocia-ções draconianas com Portugal e Inglaterra para a conquista da soberania geraram instabilidades no plano político, social e insti-tucional. O endividamento que se seguiu à independência quase levou o Brasil à falência, ocasio-nando inclusive o fechamento do Banco do Brasil (criado em 1808 por Dom João VI).

Esse fato, somado à eclosão de diversas revoltas pelo país, en-fraqueceu a autoridade instaura-da por D. Pedro I e reduziu as margens de manobra de seu go-verno. Em 7 de abril de 1831, ab-dicou do trono em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, que contava com apenas cinco anos

de idade, e partiu para Portugal.

O vácuo no trono resultou numa situação delicada e rapi-damente organizou-se um novo governo, em nome do príncipe herdeiro.

O ponto de ar ticulação política era o Parlamento, onde ecoava um movimento antiabsolutista existente em alguns setores da sociedade. Com maioria liberal e sem a presença de portugue-ses, montou-se um colegiado de três membros, chamado de Regência Trina. A Regência ten-tou conter a crise econômica e debelar revoltas que se espalha-ram pelas províncias. Controlou gastos e apertou o f isco. De certa forma, o período regen-cial foi um embrião de Repúbli-ca, por mais que seus membros se comprometessem com a ma-

nutenção da Monarquia.

Nesse período, começava a ganhar corpo um novo produ-to de exportação, o café, plan-tado nas províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo. A partir dos anos 1840, ele se tornaria o principal produto da pauta de exportações, alterando a inser-ção do país no cenário interna-cional. A balança comercial se reequilibrou, forçando o recuo da crise.

Então, aos 14 anos de idade, Pedro de Alcântara assumiu o trono, tornando-se Impera-dor. Sob seu comando, houve um período áureo na econo-mia brasileira. Estradas de ferro foram construídas, a indústria se desenvolveu e a produção nacional aumentou quase dez vezes. A estabilidade política

Os caminhos para a democracia - a República

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foi amplamente favorecida pe-las exportações do café, que patrocinou a consolidação dos interesses dos grandes proprie-tários rurais. A expansão da lavoura cafeeira impulsionou a economia agroexportadora e proporcionou a urbanização, o desenvolvimento e a moderni-zação de vários setores produ-tivos.

“Em 1873, em meio a essas transformações galopantes, surgiu em São Paulo, cidade provinciana de 30 mil habitantes, a Sociedade Propagadora da Instrução Popu-lar. Nove anos mais tarde, o nome dessa instituição mudou, passan-do a ostentar a nomenclatura que conhecemos nos dias de hoje: Li-ceu de Artes e Ofícios de São Pau-lo”.(chamada para o box do Liceu de Artes e Ofícios).

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Obra “O lavrador de café”, de Cândido Portinari

Divulgação/Acervo MASP

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Três dos principais personagens desta segunda edição da InArte – a saber, Ramos de Azevedo, Galileo Emendabili e Victor Brecheret – apresentam como ponto comum a relação que tiveram com o liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

Fundada em 14 de dezembro de 1873 pelo Conselheiro Leôncio de Carvalho e mais 130 cidadãos pau-listas, a Sociedade Propagadora da Instrução Popular tinha entre seus objetivos formar mão de obra para a indústria que começava a se de-senvolver em São Paulo. Em 1882, com a introdução dos cursos profis-sionalizantes, a instituição passou a se chamar liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

O arquiteto Ramos de Azevedo, diretor do liceu de 1895 a 1928 (ano em que faleceu), foi o grande responsável por tornar a instituição um sinônimo de excelência na época. “Procurei transformar aquele esta-belecimento em uma grande escola noturna para ilustração dos operários e seus filhos no curso preliminar de

letras e no curso prático das belas artes, e em uma vastíssima oficina de aperfeiçoamento do operariado e ensino dos aprendizes para todas as artes subsidiárias da arquitetura”, explicou Ramos de Azevedo certa feita.

Nesta época, os produtos elaborados pelos alunos do liceu começaram a ser comercializados. Assim, logo as oficinas foram separadas da escola. Também neste período, a instituição implantou cursos de aperfeiçoamento em desenho e pintura.

Na parte de produtos, o liceu era reconhecido, principalmente, pelos trabalhos de marcenaria, encader-nação e fundição artística. Em 1911, por exemplo, a oficina da instituição foi a responsável pela elaboração do mobiliário, das poltronas, das cadeiras e de outros itens do Theatro Mu-nicipal – cujo projeto arquitetônico coube ao escritório de Ramos de Azevedo. Os portais da Catedral da Sé são outro trabalho famoso do liceu. “Deve-se exigir dos mestres um rigor absoluto na execução da-

quilo que o engenheiro projeta. E a realização da beleza, isto é, daquilo que nos agrada a vista, deve aí entrar também como uma parcela enor-me”, dizia Ramos de Azevedo para ilustrar o que esperava dos alunos e profissionais formados.

Coube também a Ramos de Aze-vedo projetar o prédio que abrigou o liceu até 1951 na Avenida Tiradentes e que hoje sedia a Pinacoteca do Estado. “A feição eclética da cidade de São Paulo é, em grande parte, esboçada pelo escritório de Ramos de Azevedo e realizada na escola do liceu”, segundo Ana Maria Belluzzo. Diante de toda sua importância para a cidade de São Paulo e para a insti-tuição, o arquiteto foi homenageado em 1934 com um monumento.

O artista italiano Galileo Emen-dabili, que havia trabalhado no li-ceu como entalhador de madeira e professor de escultura, venceu o concurso e criou o Monumento a Ramos de Azevedo, fundido em bronze na própria instituição pelo mestre Giovanni Rabelato. A obra

liceu de artes e OfíciOs de sãO paulOGustavo Antonio

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foi inaugurada em 1934 ao lado do então prédio do Liceu (mais tarde, no entanto, seria removida para a Cidade Universitária da USP).

Já Victor Brecheret foi aluno do liceu de Artes e Ofícios em 1912. Tempos mais tarde, no mesmo lo-cal, produziu uma de suas principais obras: o Monumento a Duque de Caxias. Considerado o maior mo-numento equestre do mundo, este trabalho de Brecheret apresenta um fato curioso sobre sua construção: em 1950, o então governador de São Paulo Adhemar de Barros pro-moveu um almoço para mais de 50 convidados dentro da barriga do cavalo de bronze.

“Eu acho que o liceu teve uma importância extraordinária com a ideia de aproveitar a competência de imigrantes italianos. Meu pai (Victor Brecheret) aprendeu demais no liceu com professores que ele admirava muito, e que o fizeram voltar para a Itália para completar seus estudos. O liceu teve um papel essencial”, afirma Victor Brecheret Filho.

Nos anos 1980, o liceu apresen-tava três braços: a lAO Indústria, que se destacava na produção de hidrômetros, a Escola Técnica e o Centro Cultural. Neste local, além de oferecer cursos livres de artes plásticas (pintura, tapeçaria, escul-

tura-entalhe, escultura em barro), a instituição promovia o espetáculo “Arte e humanismo” (um show de som e luz que apresentava parte da história da arte aos visitantes utilizando o acervo de réplicas em gesso do liceu, entre as quais estava Davi, de Michelangelo, em tamanho original).

Há alguns anos, porém, o espetá-culo não era mais apresentado. Em 4 de fevereiro de 2014, um incêndio no Centro Cultural destruiu parte do acervo da instituição.

Bibliografia:

“Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo 120 anos”, RMC Comunicação, São Paulo, 1993

“Liceu de Artes e Ofícios de São Pau-lo: missão excelência”, Editora Marca D’Água, São Paulo, 2000

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O liceu participou da execução de importantes obras, como o Monu-mento a Duque de Caxias, de Vic-tor Brecheret; na foto acima, Adhe-mar de Barros, então governador de São Paulo, almoça, com mais 50 convidados, dentro da barriga do

cavalo do monumento

Acima à esquerda, trabalhos de acabamento nas partes fundidas do monumento; ao lado, funcioná-rios do liceu dentro da barriga do cavalo de bronze

Divulgação/Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo Divulgação/Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo

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No entanto, um conjunto de fatores sociais e econômicos in-duziu à queda da Monarquia no Brasil. Entre eles, o abolicionis-mo, a Igreja e um movimento re-publicano inspirado em países vi-zinhos, somados ao prestígio do Exército, que, após a guerra do Paraguai, exigia maior participa-ção na política – o que ajudou a

precipitar a mudança do regime.

Apoiados pelos latifundiá-rios, por agricultores de café e por uma Igreja Católica hos-til a Dom Pedro II, os militares rebelaram-se. Em 15 de novem-bro de 1889, sob o comando do marechal Deodoro da Fonseca, efetivou-se um golpe militar. Os

movimentos abolicionista e re-publicano foram responsáveis pelo f im da servidão, pelo f im do Império e pela proclama-ção da República. O imperador Dom Pedro II se exilou em Pa-ris, onde faleceu em 5 de de-zembro de 1891, levando con-sigo uma pequena trouxa, com um punhado de terra do Brasil.

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Monumento a Duque de caxiasAutor: Victor Brecheretlocalização: Praça Princesa Isabel, em São Paulo-SPInauguração: 25 de agosto de 1960Medidas e materiais: Peça – Bronze (15,88m x 4,10m x 13,20m); Pedes-tal – Granito (25,28m x 6,70m x 11,51m)

Sandro Mitter/Departamento de Audiovisual do Dante

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A construção do monumento em homenagem a Duque de Caxias fez parte do processo de construção da imagem desse personagem da his-tória do período imperial brasileiro, até hoje lembrado como patrono do Exército do país.

O movimento político de constru-ção da imagem do “herói” Duque de Caxias atendia, na época, às necessi-dades da República conservadora de Getúlio Vargas, estabelecida no Brasil após um longo período marcado por conflitos político-militares vividos nas primeiras décadas do século XX. A imagem do Duque se encaixava no perfil desejado: militar do Exército, de carreira vitoriosa, uma vez que garantira a “pacificação” do país e mantivera a integridade do território brasileiro em ocasiões de confronto, como a Balaiada, além da destacada carreira como político conservador do Império.

Em São Paulo, o monumento cons-truído em sua homenagem localiza-se na praça Princesa Isabel, nos Campos Elíseos, e foi inaugurado em 25 de

agosto de 1960. Nesse dia comemora--se o Dia do Soldado.

Para a construção do monumento, a Prefeitura de São Paulo arrecadou fundos junto à população e realizou-se um concurso internacional, no qual os candidatos apresentaram maquetes. O vencedor foi Victor Brecheret, que se tornou conhecido por construir outros monumentos na cidade – como o Monumento às Bandeiras.

Entre o concurso e a inauguração do Monumento a Duque de Caxias, foram quase vinte anos. A demora na construção foi causada pela falta de verbas públicas. A estátua equestre foi construída pelo liceu de Artes e Ofícios e inaugurada pelo então go-vernador Ademar de Barros – que inclusive participou de um famoso almoço no interior da barriga do cavalo presente no momunento . É considerada a maior estátua equestre do mundo (16 metros de estátua e 25 metros de pedestal).

QueM FOI DuQue De caxIaS?

luís Alves de lima e Silva, Barão e

Duque de Caxias, nasceu em 25 de agosto de 1803 e se destacou tanto na carreira militar quanto na política do Império. Desde jovem, ingressou na vida militar, inicialmente no 1º Regi-mento de Infantaria do Rio de Janeiro.

Em 1841, tornou-se presidente da província do Maranhão, após repressão violenta à revolta conhecida como Balaiada e, posteriormente, foi eleito deputado por essa mesma província. Mais tarde, foi nomeado governador da província do Rio Grande do Sul após ter pacificado a região, colocando um fim à Guerra dos Farrapos (1835/1845), considerada a mais longa revolta do período imperial.

Sua vida política não parou por aí: foi vice-presidente da província de São Paulo, senador, ministro da Guerra e presidente do Conselho de Ministros do Império.

Os títulos de Barão e Duque de Caxias foram concedidos pelo im-perador D. Pedro II após destacada atuação em conflitos como a Balaiada no Maranhão e a Guerra do Paraguai (, maior conflito internacional em que

O MOnuMentO a duque de caxias

nilda a. de castro - professora do Departamento de História, Filosofia e Sociologia do co-légio Dante Alighieri

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o Brasil se envolveu ao lado da Ar-gentina e Uruguai, no século XIX, e saiu vitorioso).

O ano de 1880 marcou o fim da vida desse destacado personagem, que foi sepultado num cemitério do

Rio de Janeiro de forma muito mo-desta. Somente no ano de 1949, foi alçado ao panteão dos heróis brasi-leiros. Na época, houve um segundo sepultamento, marcado por pompas e honrarias. Seus restos mortais e os de sua esposa foram exumados e

enterrados no panteão construído na Avenida Presidente Vargas, em frente ao antigo Ministério da Guerra no Rio de Janeiro. Em 1962, tornou-se patrono do Exército brasileiro.

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Divulgação/Instituto Victor Brecheret

Detalhe do Monumento a Duque de Caxias

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Sandro Mitter/Departamento de Audiovisual do Dante

Brecheret e o cavalo do Monu-mento a Duque de Caxias

Divulgação/Instituto Victor Brecheret

Detalhe do Monumento a Du-que de Caxias

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Processo de montagem do Monu-mento a Duque de Caxias

Divulgação/Acervo Liceu de Artes e Ofícios

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Inaugurada no dia 31 de março de 1889, a Torre Eiffel foi cons-truída como arco de entrada da Exposição Universal de Paris, a

fim de comemorar o centenário da Revolução Francesa, tornan-do-se o símbolo mais importan-te da Cidade luz.

1889 - Um tiro de canhão em Paris e o fim da monar-quia no Brasil

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Torre Eiffel, construída para celebrar o centenário da Revolução Francesa

Wikimedia Commons

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1889 - um tiro de canhão em paris prenunciou o fim da monarquia no Brasil

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Essa exposição contou com a presença de 61.722 expositores, entre os quais 838 expositores brasileiros, destacando-se o pin-tor Victor Meirelles. Esse artista expôs sua obra intitulada “Pa-norama do Rio de Janeiro”, um gigantesco painel giratório de 36,6 metros de diâmetro por 115 metros de comprimento, que ofereceu uma vista comple-ta da capital brasileira da época. Sua criatividade foi reconhecida com a premiação máxima em artes plásticas: a medalha de ouro. “Minha intenção era jus-tamente fazer o Brasil f icar co-nhecido na Europa, mostrando

não só a beleza sem par de nos-sa esplêndida baía, como o grau de adiantamento já atingido pela capital”, comemorou Meirelles.

O encerramento da Expo-sição Universal de Paris teve como momento culminante o disparo de um canhão que ha-via sido posicionado no topo da Torre Eiffel. Duas semanas após esse acontecimento, e um sécu-lo após a Revolução Francesa, proclamava-se a República no Brasil. O distanciamento exis-tencial entre a Europa e o jovem Brasil era atenuado...

Estudo para o panorama do Rio de Janeiro (Ilha das Cobras e Morro de Santo Antônio), de Victor Meirelles

Wikimedia Commons

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Em 1906, Santos Dumont voa com o 14 Bis, iniciando-se a era da aviação. Já 1913 marca um mo-mento histórico importante para a arquitetura de São Paulo. Dois projetos de Giulio Micheli têm suas construções finalizadas: o Viaduto Santa Ifigênia, como tes-temunho da belle époque, deu

uma nova feição à região central da cidade, e o Colégio Dante Ali-ghieri, fundado dois anos antes, abriu as portas de seu prédio, demarcando, juntamente com a Avenida Paulista e o Parque Tria-non, uma região próspera e vol-tada para a cultura e o lazer.

As transformações do sé-culo XX e suas influências políticas, econômicas, so-ciais e culturais no Brasil

Prédio do Colégio Dante Alighieri em 1913

Divulgação

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as transformações do século XX e suas influências políticas, econômicas, sociais e culturais no Brasil

No ano seguinte, 1914, um fato envolve a Europa em um gran-de conflito armado: eclode a 1ª Guerra Mundial. Em 1917, os Es-tados Unidos também entram na guerra, que terá seu fim em 1918, ratificado pelo Tratado de Versalhes, em 1919.

Antes, porém, em 1917, a Re-volução Russa derruba a monar-quia, enquanto, no Brasil, o poe-ta Guilherme de Almeida, cria o escudo do estado de São Paulo, com a conhecida frase em latim Non Ducor Duco .

Um dos maiores escritores bra-sileiros, injustamente esquecido pelos amantes da ar te literária. Sua obra vasta e riquíssima encanta o leitor que redescobre seus textos. Basta um soneto para que o co-ração bata com mais força. Basta um único haikai e a obra desse grande autor se descortina. Fica no coração. Explode o coração. Basta ler um soneto, um dos mais belos já escritos pelo PRÍNCIPE DOS POETAS BRASIlEIROS:

O pOeta da reVOluçãO cOnstituciOnalistaGuilherme de Ameida, por Maria Cleire Cordeiro (coordena-dora do Departamento de língua Portuguesa do colégio Dante Alighieri)

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eSSa Que eu HeI De aMar...

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia,será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,trazer luz e calor a esta alma escura e fria.

E, quando ela passar, tudo o que eu não sentiada vida há de acordar no coração que vela...E ela irá como o sol, e eu irei atrás delacomo sombra feliz... — Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ourodo poente, me dizia adeus como um sol triste...

E falou-me de longe: “Eu passei a teu lado,mas ias tão perdido em teu sonho dourado,meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!”

(De Messidor, 1935)

Como não se lembrar de um poeta que escreve um soneto des-ses? Como não revisitar sua obra rica? Vivo, for te, ávido, romântico, apaixonado por Baby, amada es-posa, foi redator de jornais, entre os quais O Estado de São Paulo. Também participou ativamente como combatente da Revolução Constitucionalista de 1932. Seu amor a São Paulo, imenso, f icou para sempre gravado no poema “Nossa Bandeira”(Bandeira que é o nosso espelho!/ Bandeira que é nossa pista!/ Que traz, no topo vermelho,/ O Coração do Pau-

lista!) Também escreveu a letra do Hino dos Bandeirantes. Como heraldista, criou os brasões de armas de São Paulo, Petrópolis e Brasí lia, entre outros.

Não bastasse tudo isso, Gui-lherme de Almeida foi um exímio tradutor: as palavras de Baudelaire, Rudyard Kipling, Rabindranath Ta-gore, Sófocles e Jean Paul Sar tre f icam mais for tes, mais essenciais, mais aprofundadas nas traduções de nosso célebre poeta.

Sua casa, ali na rua Macapá, hoje

Casa Guilherme de Almeida, re-vela-nos sua simplicidade: livros, pinturas de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, lasar Segall e Anita Malfatti, edições ricas de livros de Mário de Andrade e de Oswald de Andrade, uma escultura de Victor Brecheret. Nossos olhos se enchem, a Casa da Colina (como ele a chamava) cresce; nela con-tinua viva a presença de um dos maiores escritores brasileiros. Era um refúgio. Ali, como ele mesmo dizia, “nem era preciso erguer os olhos para olhar o céu, nem bai-xar o pensamento para pensar

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em mim”.

No coração do leitor, o haikai.

Foi Guilherme de Almeida que os criou magistralmente em portu-guês. A síntese e a concisão nos

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InFÂncIa

Um gosto de amoracomida com sol. A vida

chamava-se “Agora”.

levam a outras épocas, importan-tes, marcantes. Uma delícia de ler.

A leitura do poema leva-nos a outro mundo, outra época, outro sol, outro gosto. A infância mora em nós, é o início de um processo de evolução de todo ser huma-no. Guilherme de Almeida sentia isso. E os papeis brancos sobre a escrivaninha de sua mansarda na Casa da Colina iam-se preen-chendo com palavras que f icaram para a eternidade, abarrotadas de emoção e sensibilidade.

Guilherme de Almeida? Sim. Vale a pena revisitar sua obra. Vale a pena ler “Nós”, “A dança das ho-ras”, “Messidor”, “Livro de horas de sóror Dolorosa”, “Era uma vez...”, “Meu”, “Raça”, “Você”, “Cartas ao meu amor”, entre outras. Encan-ta a tradução do poema “Se” de

Rudyard Kipling.

E vale a pena conhecer a Casa Guilherme de Almeida, primeiro museu biográf ico e literário de São Paulo. Ali, renovados, deixamo--nos acolher pela luz das palavras escritas pelo grande poeta, pela luz de sua biblioteca, das obras de ar te que deixam gulosos nos-sos olhos; encantamo-nos com a simplicidade dos móveis e nos emocionamos com a pequena cama onde dormia a cachorrinha que ele e Baby tanto amavam.

Guilherme de Almeida descansa no Mausoléu do Soldado Consti-tucionalista em São Paulo.

Um pouquinho mais da geniali-dade de nosso poeta. É só ouvir o coração e se deixar envolver por suas palavras...

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a DanÇa DaS HOraS

Frêmito de asas, vibração ligeirade pés alvos e nus,que dançam, tontos, como dança a poeiranuma réstia de luz...

São as horas, que descem por um fiode cabelo do sol,e vivem num contínuo corrupio,mais obedientes do que o girassol.

Dançando, as doze bailarinas tecema vida; e, embora irmãs,não se veem, não se dão, não se parecemas doze tecelãs!

E, de mãos dadas, confundidas quase,no invisível sabá,elas são silenciosas como a gaze,ou farfalhante como o tafetá.

Frágeis: têm a estrutura inconsistentede teia imaterial,que uma aranha teceu pacientementenos teares de um rosal.

E, entre tules volantes, noite e dia,o alado torvelimvertiginosamente rodopia,numa elasticidade de Arlequim!Vêm coroadas de rosas, num remoinhocambiante de ouro em pó:cada rosa, que esconde o seu espinho,dura um minuto só.

Sessenta rosas, vivas como brasas,traz cada uma; e, ao baterda talagarça diáfana das asas,

põem-se as coroas a resplandecer...

À proporção que gira à minha frenteo bailado fugaz,cada grinalda, vagarosamente,aos poucos, se desfaz.

E quando as doze dançarinas, feitasde plumas, vão recuar,levam as frontes, claras e perfeitas,circundadas de espinhos, a sangrar...

Assim, depois que a estranha sarabandana sombra se dilui,penso, vendo o outro bando que cirandaem torno do que fui,

que há uma alma em cada gesto e em cada passodas horas que se vão:pois fica a sombra de seu véu no espaço,fica o silêncio de seus pés no chão!...

(A dança das horas, 1919.)

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O poeta Guilherme de Almeida, figura importante na história de São Paulo

Acervo Casa Guilherme de Almeida

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Ao lado, brasão do município de São Paulo (criado por Guilher-me de Almeida e pelo pintor e historiador José Wasth Rodri-gues); e abaixo, o mesmo bra-são fundido em bronze no Mo-numento a Ramos de Azevedo, de Galileo Emendabili

Acervo Casa Guilherme de Almeida/Jacson Abreu/Departamento de Audiovisual do Dante

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Em 1922, a semana de Arte Moderna, realizada em São Pau-lo, demonstrou para o mundo que o Brasil também estava in-serido no grande movimento modernista das artes: o escultor Victor Brecheret, os pintores Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila

do Amaral, o maestro e compo-sitor Heitor Villa-lobos, os escri-tores Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Pic-chia, Manuel Bandeira, entre outros artistas, impressionaram, com seus trabalhos, o universo cultural.

“Nas primeiras décadas do século XX, uma autêntica explosão de experiências inovadoras convul-sionou as ar tes. Continuando o percurso aberto na centúria anterior, ar tistas e escritores derrubaram, uma após outra, as convenções acadêmicas, criando uma estética inteiramente nova.

Este movimento cultural, conhe-cido como Modernismo, por ter revolucionado as ar tes plásticas, a arquitetura, a literatura e a mú-sica, estendendo-se também às restantes manifestações culturais,

reivindicou a liberdade de criação estética ao substituir os preceitos acadêmicos.

O Modernismo irradiou de Paris, que era, então, o centro ar tístico da Europa. A cidade, cerne da vanguarda cultural europeia, re-cusava os cânones estabelecidos, antecipando tendências. Toda a cidade estava cheia de entusiasmo e plena de talentos.

Agrupados de acordo com os seus interesses, ar tistas e homens de letras par tilhavam ideias e ex-periências, criando, em conjunto,

as numerosas correntes estéticas que revolucionaram a cultura do século XX, marcada por uma série de intuitos. Estes intuitos deriva-ram do dinamismo e da euforia ar tísticos que então se vivia, mas eram, sobretudo, uma reação às novas condições de vida do século XX: industrialização e urbanismo, desenraizamento apressado das populações, desenvolvimento téc-nico e tecnológico, avanço das comunicações e da publicidade etc.

Se a ar te da primeira década do nosso século [século XX] tem uma

as artes da priMeira Metade dO séculO xxProfessor Antonio Gonçalves

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orientação genericamente “mo-dernista”, na medida em que visa ref letir e exaltar a nova concep-ção do trabalho e do progresso, a par tir de 1910 af irmam-se em vários países europeus em vias de industrialização movimentos ditos de vanguarda, cuja pretensão era

a de fazer da ar te um incentivo à transformação radical da cultura e do costume social: a ar te de vanguarda propõe-se antecipar, com a transformação das próprias estruturas, a transformação social. Mais precisamente, propõe-se ade-quar a sensibilidade da sociedade

ao ritmo do trabalho industrial, ensinando-lhe a discernir o lado estético ou criativo da dita ‘civi-lização das máquinas’”.

Prof. Antonio Gonçalves, Lisboa – Portugal

“Obra “Torso da sombra”, de Rodin, um dos precursores do Modernismo na escultura

Reprodução do livro “Expressões do corpo na escultura de Rodin, Leopoldo e Silva, De Fiori, Brecheret e Bruno Giorgi”, Edição Pinacoteca 90 anos

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“Nós não sabíamos o que que-ríamos, mas sabíamos muito bem o que não queríamos”. A frase, de autoria de Mario de Andra-de, sintetiza o contexto laboral dos artistas modernistas brasilei-ros que abalou as estruturas do meio intelectual e artístico pau-lista naquele ano.

Um dos destaques da Semana de 22, Heitor Villa-lobos foi o principal responsável pela desco-

berta de uma linguagem musical peculiarmente brasileira, o que o levou a ser considerado o maior expoente da música do Moder-nismo no Brasil. O artista com-pôs obras que contêm nuances das culturas regionais brasileiras, com os elementos das canções populares e indígenas. No país, sua data de nascimento (5 de março) é celebrada como o Dia Nacional da Música Clássica.

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Na semana da Arte Moderna de 1922, Villa-lobos certamen-te foi a grande estrela musical, evidentemente, como nos outros segmentos, causando polêmica. Nessa época, ele dizia: “Não é um público inculto que vai julgar as ar tes, mas sim são as ar tes que mostram a cultura de um povo.”

Em sua carreira, Villa-lobos con-seguiu unir o Brasil de norte a sul, e de leste a oeste, com todas as formas de expressões musicais

regionais. Se analisarmos o seu culto a Johann Sebastian Bach, poderíamos dizer que ele foi um dos personagens que convidou Bach a realizar uma viagem ao século XX, da mesma forma que ele realizou a sua jornada até o século XVIII.

VIlla-lOBOS e a eDucaÇãO MuSIcal

Apesar dos erros políticos na época do Estado Novo contra

o regime democrático [o Estado Novo, de Getúlio Vargas, apoiou Villa-lobos na aplicação do pro-jeto de educação musical], não podemos negar a importância da implantação do canto orfeônico nas escolas, que, além de ajudar a formação musical das crianças, cer tamente conseguiu fazer com que elas, já na infância, respeitas-sem o nosso hino nacional.

Villa-lOBOs, pOr JOãO carlOs Martins Depoimento concedido à revista InArte pelo maestro e pianista João Carlos Martins

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InFluêncIaS

Sob o ponto de vista do desen-volvimento de uma obra, em que os principais temas são explora-dos para alcançar um clímax, sem dúvida alguma, Richard Wagner inf luenciou toda uma geração no

século XX. Villa-lobos teve como inspiração, na sua obra, principal-mente J.S.Bach, razão pela qual criou as Bachianas Brasileiras. Mas, se analisarmos bem, Bach foi a síntese e a profecia de tudo. Wagner faz parte dessa profecia e, no que diz respeito à construção

de uma obra, cer tamente serviu como exemplo para Villa-lobos.

Quanto a Giacomo Puccini, sob o ponto de vista melódico e no que diz respeito à dramaticidade, Villa lobos certamente deve ter tido uma enorme admiração pelo mestre italiano.

O pianista e maestro João Carlos Martins

Divulgação

Heitor Villa-lobos em foto de 1922, ano em que foi um dos destaques da Semana de Arte e

Moderna

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Ainda quanto à Semana de 22, o palco que sediou o evento foi inaugurado em 1911 como sím-bolo de progresso e imponência de São Paulo. O Theatro Muni-cipal, uma das mais belas obras executadas por Francisco de Paula Ramos de Azevedo, de

arquitetura eclética, combinava os estilos renascentista, barroco dos setecentos e art nouveau.

Cumpre destacar que, para a realização da Semana de Arte Moderna, foi alugado o edifício--ícone do gosto da belle époque

e do decorativismo – justamente os elementos que o Modernismo propunha contestar. Mas, mesmo assim, era o Theatro Municipal, o monumento ao progresso da ca-pital paulista e importante polo dinâmico de cultura no meio ur-bano da época.

Detalhe do Monumento a Ramos de Azevedo, destacando o rosto do arquiteto

Acervo Fiammetta Emendabili

Monumento a Ramos de AzevedoArtista: Galileo Emendabililocalização: Parque Cidade Uni-versitária (USP), em São Paulo-SPInauguração: 25 de janeiro de 1934Medidas e materiais: conjunto escultórico mede 23,70 m x 4,10 m x 7,58 m; alegorias em bronze e base e colunata em granito

Jacson Abreu/Departamento de Audiovisual do Dante

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Conjunto do Monumento a Ra-mos de Azevedo denominado “o Progresso”

Jacson Abreu/Departamento de Audiovisual do Dante

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Em um de seus mais célebres livros, o historiador Jacques le Goff escreveu que a “memória coletiva e a sua forma científica, a história, aplicam-se a dois tipos de materiais: os documentos e os monumentos”. A partir da análi-se dos radicais dessas palavras, o medievalista francês esclareceu aos leitores que o monumento, do latim moneo, relacionava-se a recordar ou aconselhar, e documento, do latim docere, a instruir e ensinar1.

Recordar e instruir foram, prova-velmente, algumas das inspirações que nortearam os professores do liceu de Artes e Ofícios de São Paulo (Laosp) quando propuseram a criação de um monumento em homenagem a Francisco de Paula Ramos de Azevedo, morto em junho de 1928. Tratava-se de marcar na memória de São Paulo a importân-cia do engenheiro-arquiteto que fundou a Escola Politécnica e que legou à cidade monumentos como

o Teatro e o Mercado Municipal; os Palácios do Correio e das Indústrias, e a entrada principal do Cemitério da Consolação.

Para a escolha do monumento em homenagem a Ramos de Aze-vedo, foi realizado um concurso internacional2, vencido pelo es-cultor Galileo Emendabili, que se dirigiu à comissão julgadora e des-creveu seu futuro trabalho com as seguintes palavras: “o projecto de monumento que tenho a honra de submetter ao juizo da commissão julgadora constituida para o fim de escolher a ‘maquette’ que servirá de base essencial para a construção do monumento commemorativo do grande architecto brasileiro que foi Ramos de Azevedo, consta em linhas geraes, do seguinte: sobre uma base rectangular, de 18,50 metros de comprimento, 13 de largura de comprimento, 17 de largura e 5,60 de altura, erguem-se duas theorias de columnas, em estylo dorico, sus-

tentando, cada uma, uma architrave, em que, por sua vez, se apoia a grande massa symbolica, constituida por um cavallo alado, montado, que é o topo do monumento.”4

Após uma campanha de arrecada-ção que contou com a participação da sociedade civil e obteve cerca de 3.600 contribuições, totalizan-do 1.000 contos de reis, o monu-mento foi inaugurado na avenida Tiradentes – diante do edifício da Pinacoteca do Estado, uma das mais emblemáticas obras de Ramos de Azevedo – em 25 de janeiro 1934, dia do aniversário de fundação da cidade de São Paulo.

Executada em bronze e granito, a obra destaca-se não apenas pelas dimensões, mas, particularmente, pela riqueza e plasticidade de seus detalhes. Quatro figuras femininas, posicionadas nas laterais do monu-mento, representam alegoricamente a Pintura, a Escultura, a Engenharia

O MOnuMentO aO prOgressO desalOJadO pelO prOgressOJackson F. costa de Farias - professor do Departamento de História, Filosofia e Sociologia do Colégio Dante Alighieri

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e a Arquitetura, e ensinam aos ob-servadores uma das mais marcan-tes características dos trabalhos de Ramos de Azevedo: a busca pela harmonia, beleza e funcionalidade, na conjugação de diversas técnicas.

O arquiteto-engenheiro foi re-tratado à frente do monumento, sentado com plantas de projetos repousando sobre as pernas. Com semblante sério, Ramos de Aze-vedo é ali apresentado com um olhar reflexivo, como se buscasse inspiração para a execução de um novo projeto.

Na face sul da escultura, do lado oposto a Ramos de Azevedo, um grupo de homens simbolizando os construtores sustenta o brasão da cidade de São Paulo. Com os mús-culos ressaltados, a imagem busca recordar o sacrifício humano e pes-soal em prol de um objetivo maior – o da construção dos projetos em benefício do coletivo.

No topo da escultura, comple-tando quase 25 metros de altura, Emendabili projetou a figura de um homem sobre um cavalo alado, num conjunto denominado “o Progres-so”. Nela, o “homem do futuro” guarda sobre a mão direita a figura da deusa Nike, a deusa da Vitória, inspirando o progresso da ciência, da tecnologia e do trabalho.

A homenagem a Ramos de Aze-

vedo materializava os auspícios da elite dirigente paulistana que, em pleno processo de industrialização impulsionado pela crise da economia cafeeira, se empenhava em instruir e orientar os novos caminhos da cidade por meio dos monumentos. Tratava-se de assegurar não apenas uma lembrança permanente do legado do célebre engenheiro-arquiteto numa das áreas mais importantes da cidade, mas, sobretudo, de marcá-la como fonte de energia visionária e transformadora, ligada às iniciativas de superação da realidade agroex-portadora e de consolidação de uma economia urbana e industrial. Não foi por acaso que, na memória coletiva, o monumento a Ramos de Azevedo ficou mais conhecido como “Monumento ao Progresso”.

Passadas três décadas de inaugu-ração da obra de Galileo Emendabili na avenida Tiradentes, o processo que ela pretendia simbolizar es-tava já concretizado, e São Paulo figurava como um dos principais polos econômicos da América latina. Industrializada e com uma população periférica em expansão, a cidade começava a enfrentar, nos anos de 1960, o problema que até hoje, de forma crescente e mais intensa, preocupa os moradores e as autoridades – o da locomoção urbana.

À época, uma das soluções en-

contradas foi a criação do sistema metropolitano de transporte, o me-trô, ligando os bairros de Santana e do Jabaquara. Em 1967, com o início das obras para a construção da estação Tiradentes, o monu-mento em homenagem a Ramos de Azevedo foi desmontado e, seis anos depois, remontado na Cidade Universitária, diante dos prédios do Biênio da Escola Politécnica e do Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT).

Curiosamente, o monumento com o qual se pretendeu simbolizar o progresso da cidade acabou, de certo modo, “devorado” e “de-salojado” pelo próprio progresso de São Paulo.

Fontes: LE GOFF, Jacques. História e

Memória. Campinas: Ed. Unicamp, 2003, p.525.

2 FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2005, p.69.

3http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=1864&cd_idioma=28555 (Acesso em 11.12.2013)

4 http://www.galileoemendabili.org/monumento-a-ramos-de-azevedo/ (Acesso em 11.12.2013)

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Emendabili e os membros do Comitê que f inanciou a cons-trução do Monumento

As quatro deusas presentes no Monumento a Ramos de Azevedo

Acervo Fiammetta Emendabili Jacson Abreu/Departamento de Audiovisual do Dante

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Em 1929, meu pai, o ar tis-ta italiano Galileo Emendabili, conquistou o primeiro lugar no concurso para executar o mo-numento a Ramos de Azevedo. Este fora um grande transfor-mador da cidade de São Paulo, até então um local de aspecto colonial muito simples. Com as obras de seu escritório (tais como os prédios do Theatro Municipal, dos Correios, da li-ght and Power (que atualmente é um shopping) e da Casa das Rosas na Avenida Paulista), Ra-mos de Azevedo transformou a cidade de São Paulo em uma “pequena Paris”.

Emendabili fez o projeto ar-quitetônico e escultórico do monumento. A execução da obra deu-se na rua Bela Cintra, onde se localizava o segundo ateliê do ar tista em São Paulo. A peça foi esculpida no gesso úmido e não na argila. Portan-

to, é uma obra ar tística ciclópica (gigantesca).

O monumento a Ramos de Azevedo foi inaugurado em 25 de janeiro de 1934 na Praça Ti-radentes, no centro de São Pau-lo, tendo ao seu lado o prédio do então liceu de Artes e Ofí-cios de São Paulo (atual Pinaco-teca do Estado), obra de Ramos de Azevedo.

No f im de sua vida, Emendabi-li considerou que este conjunto escultórico, idealizado por ele aos 31 anos, foi, das obras de sua autoria, a que mais o entu-siasmou. Infelizmente, em 1968, o prefeito Faria lima não teve nenhum colaborador urbanista que o aconselhasse a não retirar o monumento da Avenida Tira-dentes.

Na ocasião, haveria a neces-sidade de estudos de engenha-

ria de tráfego que pudessem resguardá-lo do progresso tec-nológico que avançava na cida-de de São Paulo. O motivo do desmonte dessa obra de ar te foi a construção do metrô e, principalmente, o f luxo viário para a Zona Norte (Anhembi, Campo de Marte). Mas neste ponto, questiono: o que seria do Arco do Triunfo, situado na Avenida Champs Elisée, na Pra-ça d’Etoille, em Paris, se a pre-feitura daquela cidade tivesse que desmontá-lo pelo f luxo vi-ário que não comportaria as 12 avenidas que o circundam?

Emendabili foi comunicado sobre o desmonte, situação para ele de grande tristeza, e a Companhia de Engenharia res-ponsável por desmontar o mo-numento teve como supervisor o próprio ar tista, que precisou cerrar anatomicamente a f igura de bronze do cavalo ao meio e,

O MOnuMentO que Mais eMpOlgOu eMendaBili

Depoimento concedido à revista InArte por Fiammetta Emendabili, curadora da obra de seu pai, o escultor Galileo Emendabili

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posteriormente, fundi-la nova-mente. Foi um trabalho de mui-tos meses, inclusive para não quebrar o granito andorinha, que naquela época já estava es-casso nas jazidas da Serra do Mar. Todo o desmonte foi colo-cado no Parque da luz.

Desgostoso, Emendabili teve três enfar tes, vindo a falecer no último deles, em 14 de janeiro de 1974. Assim, apesar de saber de antemão que o monumento seria instalado na Cidade Uni-versitária da USP, em frente à Praça do Instituto de Pesquisas

e Tecnologia (IPT) e muito pró-ximo da Escola Politécnica – da qual Ramos de Azevedo foi um dos fundadores e o segundo reitor –, Emendabili (que havia dado orientações à f irma de engenharia que iria remontá-la, a Iamsi Engenharia) não pôde acompanhar os trabalhos f inais e ver o monumento ser reinau-gurado em 1975.

De qualquer modo, o Monu-mento a Ramos de Azevedo deu a Emendabili a autonomia f inan-ceira para realizar seu sonho de construir duas casas: uma para

ele, e outra para os dois f ilhos (o médico dr. Plínio Emendabi-li, já falecido, e sra. Fiammetta Emendabili, que estudaram no Dante). Havia, nessas residên-cias, afrescos de 1939 de autoria do amigo Fulvio Pennacchi.

Em 25 de janeiro de 2014, completaram-se 80 anos da inauguração do Monumento a Ramos de Azevedo. Nosso pla-no é restaurar esse monumento durante 2014, dando as caracte-rísticas originais à obra.

Fiammetta Emendabili, f ilha de Galileo Emendabili

Acervo Fiammetta Emendabili

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Acervo Fiammetta Emendabili/Acervo liceu de Artes

e Ofícios

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O Monumento de Ramos Azeve-do foi originalmente instalado na Avenida Tiradantes, mas teve que ser deslocado para a Cidade Uni-versitária da USP devido às obras do metrô

Acervo Liceu de Artes e Ofícios

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Inauguração do Monumento a Ramos de Azevedo na avenida Ti-radentes, em 25 de janeiro de 1934

Acervo Fiammetta Emendabili

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A Primeira República, geral-mente chamada de República Velha (em oposição à República Nova, iniciada posteriormente com o governo de Getúlio Var-gas), foi o período da história do Brasil que se estendeu da Pro-clamação da República, em 1889, até a Revolução de 1930.

A República Velha caracteri-zou-se por dar maior poder às elites regionais, em especial às do sul e sudeste do país. As oli-garquias dominantes eram as forças políticas republicanas de São Paulo e Minas Gerais, que se revezavam na presidência da Re-pública. Essa hegemonia paulista e mineira denominou-se “políti-ca do café com leite”, em razão da importância da produção do café paulista e do leite mineiro para a economia brasileira da época.

Entretanto, uma crise havia se prolongado ao longo da déca-da de 1920 na República Velha, época em que seus expoentes políticos perderam força através da mobilização do trabalhador industrial, das revoltas nazifas-cistas e das dissidências políticas que enfraqueceram as grandes oligarquias.

Em 1929, lideranças de São Paulo romperam a aliança com os mineiros, e indicaram o pau-lista Júlio Prestes como candida-to à presidência da República.

Em março de 1930, foram rea-lizadas as eleições presidenciais, que deram a vitória ao candidato governista Júlio Prestes; porém, ele não tomou posse em virtu-de do golpe de Estado ocorrido em 3 de outubro de 1930, e foi exilado.

Apoiado pelo Exército e li-derado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, o Golpe de 1930 foi o movimento político que depôs o presidente da República Wa-shington luís, impediu a posse do presidente eleito Júlio Pres-tes, pôs fim à República Velha e colocou Getúlio Vargas no po-der. Iniciava-se a Era Vargas.

Dois anos mais tarde, em 9 de julho, desencadeou-se a Revolu-ção de 1932, em que os revolto-sos paulistas – eles exigiam que Vargas promulgasse a Consti-tuição que prometera em 1930 – acabaram derrotados pelas forças federais.

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José de Oliveira Messina, atual pre-sidente do Colégio Dante Alighieri, com 4 anos de idade, no centro da foto; atrás, seu primo Antônio San-tos Oliveira, combatente no conflito

de 1932 Cartaz conclamando os paulistas para a Revolução Constitucionalista

Acervo José de Oliveira MessinaWikimedia Commons

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Em 1937, outro golpe permi-tiria a permanência de Getúlio Vargas na Presidência, suspen-dendo as eleições que já estavam marcadas para o ano seguinte. O gaúcho tornou-se um ditador, estabeleceu uma nova Consti-tuição para o Brasil e governou sem limite de mandato. Sob tal configuração política, iniciou-se o período conhecido como Esta-do Novo, que só chegaria ao fim no ano de 1945, quando Getúlio seria finalmente deposto.

O fim da Era Vargas não sig-nificou, porém, o fim de Getúlio Vargas. Em 1951, ele retornou à Presidência pelo voto popular, onde se manteve até 1954, ano em que se suicidou.

No campo das artes, esse pe-ríodo ficou marcado pela exe-cução de grandes monumentos públicos – principalmente na cidade de São Paulo. O Monu-

mento às Bandeiras, de Victor Brecheret, teve duas inaugura-ções – uma em 1953, com a base por concluir, e outra, em janei-ro de 1954. Em 1955, celebrou--se a Revolução de 1932 com o Monumento-Mausoléu ao Solda-do Constitucionalista, de Galileo Emendabili. Por fim, em 1960, na praça Princesa Isabel, instalou-se o Monumento a Duque de Ca-xias, também de Brecheret.

Obelisco - Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932Artista: Galileo Emendabililocalização: Parque do Ibirapuera, em São Paulo-SPInauguração: 9 de julho de 1955Medidas e materiais: Peça Obelisco – Mármore (72,00m), Cripta – Con-creto (5,00m x 110,00m x 81,00m)

Jacson Abreu/Departamento de Audiovisual do Dante

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Revolução Constitucionalista, Revolução de 1932 ou Guerra Paulista foram os nomes dados ao movimento armado ocorrido no Brasil entre julho e outubro de 1932. A questão democráti-ca se tornou a grande herança política desse movimento em um país de tradição conserva-dora e elitista.

Naquele período, era grande a insatisfação no estado de São Paulo com o governo provisó-rio do presidente Getúlio Var-gas (compreendido entre 1930 e 1934). Os paulistas esperavam a convocação de eleições, mas dois anos tinham se passado e o governo provisório se mantinha. Os fazendeiros paulistas, que perderam o poder após a Re-volução de 1930, eram os mais contrariados e encabeçaram uma forte oposição ao governo Vargas, havendo também gran-de participação de estudantes universitários, comerciários e

prof issionais liberais.

Os paulistas exigiam do go-verno provisório a elaboração de uma nova Constituição e a convocação de eleições para presidentes (dos estados e da República). Exigiam também, de imediato, a saída do interventor pernambucano João Alberto, bem como a nomeação de um interventor paulista no estado de São Paulo. Como Getúlio Vargas não atendeu às reivindi-cações, em maio de 1932, teve início uma série de manifesta-ções de rua contrárias ao gover-no federal.

A Revolução Constitucionalis-ta começou, efetivamente, em 9 de julho de 1932. Os paulistas f izeram uma campanha, usando jornais e rádios, para conseguir mobilizar grande parte da po-pulação. Os combates ocorre-ram, principalmente, no estado de São Paulo, na região sul do

Mato Grosso e na região sul de Minas Gerais. O resultado foi a derrota e rendição paulista em 28 de setembro de 1932. Cerca de 3 mil brasileiros morreram em combate, e mais de 5 mil f i-caram feridos.

ParQue DO IBIraPuera

No ano de 1954, a cidade de São Paulo festejou o IV Cente-nário, celebrando o fenômeno de sua metropolização como o auge do desenvolvimento eco-nômico e cultural do Brasil. Para realçar o brilho das festividades, a Comissão do IV Centenário viabilizou a construção do par-que do Ibirapuera, como palco das comemorações realizadas.

localizado no bairro homô-nimo da cidade, e em um local privilegiado de lazer da capital paulista, o parque do Ibirapuera foi escolhido pelas autoridades públicas a par tir da segunda me-

MarcO da reVOluçãO de 32: O OBeliscO dO iBirapueraMaria angela comegna - professora do Departamento de História, Filosofia e Sociologia do Colégio Dante Alighieri

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tade do século XX para abrigar, além das demais edif icações da exposição comemorativa do aniversário de São Paulo, um dos maiores empreendimentos ar tísticos de caráter monumen-tal realizados até o IV Centená-rio: o Monumento Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932.

O OBelIScO

Esse monumento funerário, também chamado de Obelisco do Ibirapuera ou Obelisco de São Paulo, é o símbolo maior da Revolução Constitucionalista de 1932.

O Obelisco do Ibirapuera foi tombado pelos conselhos es-tadual e municipal de preser-vação do patrimônio histórico. O mausoléu do monumento guarda as cinzas dos estudan-tes Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, mortos em maio de 1932, e lembrados pelo acrôni-mo MMDC. A sigla, de fato, deu nome ao levante revolucionário paulista que precedeu a Revolu-ção Constitucionalista de 1932.

As cinzas de outros 713 ex--combatentes, assim como do poeta Guilherme de Almeida, um dos fundadores da mo-dernista revista Klaxon, e de

Ibrahim de Almeida Nobre, co-nhecido como o herói e tribuno de 32, são exemplos daqueles que se encontram sepultados no mausoléu.

Também se encontram no lo-cal os restos mortais do agri-cultor Paulo Virgínio, da cidade de Cunha, considerado mais um dos heróis da Revolução na re-gião do Vale do Paraíba. Paulo Virgínio foi executado pelas tro-pas f luminenses por se recusar a entregar o local onde estavam as tropas paulistas. Paulo, que foi obrigado a abrir sua própria sepultura antes de ser assassi-nado, teria gritado “Morro, mas sou paulista e São Paulo vence”.

Para homenagear os revolto-sos e preservar a memória da rebelião, há cenas bíblicas e pas-sagens da história paulista, ela-boradas com pastilhas de mo-saico veneziano.

O monumento é um projeto do escultor ítalo-brasileiro Ga-lileo Ugo Emendabili, que che-gou ao Brasil em 1923, quando tinha 34 anos de idade, fugindo à prepotência do regime fascista italiano.

Feito em mármore traverti-no, o monumento foi inaugura-do em 9 de julho de 1955, um

ano após a abertura do parque do Ibirapuera. Em 1958, foram inauguradas as portas de bron-ze e, em 1960, os painéis que enfeitam a cripta. Do projeto original, ainda faltam duas piras que f icariam ao lado dos três arcos da entrada. A construção do monumento teve início em 1950, sendo concluída em 1970. A execução da obra foi realiza-da pelo engenheiro alemão ra-dicado no Brasil Ulrich Edler.

O maior monumento da ci-dade tem 81 metros de altura (contando da base do mausoléu até a ponta do obelisco). Reali-zado segundo princípios plásti-cos característicos de diferentes correntes ar tísticas, o Obelisco tem inscrições acompanhadas de ícones em suas quatro faces: iniciando pela face norte, se-guindo pela oeste e sul, e f inali-zando na face leste.

O poema ali escrito é um tex-to de Guilherme de Almeida, feito em homenagem aos revo-lucionários de 1932. Abaixo se-gue o texto:

Aos épicos de julho de 32,que, f iéis cumpridores da sa-

grada promessa feita a seus maiores - os que moveram as terras e as gentes por sua força e fé - na lei puseram sua força e

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em São Paulo sua Fé.

Na base do monumento, junto à entrada da capela e da cripta, voltadas ao Parque do Ibirapue-ra há uma inscrição de Machado Florence:

Viveram pouco para morrer bem morreram jovens para vi-ver sempre.

O monumento teve sua con-cepção baseada em relações numéricas, que levam sempre a algum número da data da revo-lução: 9/7/1932.

A largura maior do interior da cripta é de 32 metros lineares. Cada lado da base menor do obelisco trapezoidal tem 9 me-tros lineares. Cada lado menor do obelisco trapezoidal, em seu topo, mede 7 metros lineares. No centro da cripta, olhando--se para os lados e para o alto, obtém-se a seguinte relação numérica: 32-09-07 — ou seja, ano, dia e mês da Revolução de 1932.

Do lado de fora, o Obelisco é a imagem de uma espada, com quatro faces, voltadas para cada um dos pontos cardeais da cida-de, f incada numa praça em for-mato de coração.

No centro da cripta está a

escultura do “Herói Jacente”. De olhos semiabertos, ele zela pelos ideais de democracia que nortearam a Revolução de 32. Esse é o signif icado original atri-buído pelo escultor italiano Ga-lileo Emendabili.

O monumento, porém, sofreu com problemas administrativos. Até 1954 foi gerido pela funda-ção que o criou. Naquele ano, passou para a Sociedade dos Veteranos de 32. Ambas não ti-nham verba nem estrutura para gerir e manter o complexo. A partir de 1991, a direção f icou a cargo da Polícia Militar do Esta-do de São Paulo.

Por f im, cabe ainda ressaltar a importância da preservação do Obelisco e do Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932, que expressa material-mente o momento e a disposi-ção demonstrada por São Paulo para enfrentar a ditadura daque-le período, em meio às tensões políticas e sociais da época, pois somente dessa forma a constru-ção da história e da identidade paulista serão mais bem com-preendidas.

Fontes:

ANDRADE, Manuella Marian-na. O processo de formação do Parque do Ibirapuera. In.: Revista do Arquivo Histórico Municipal de

São Paulo, v 204. Departamento do Patrimônio Histórico. Ano 1, nº 1 (1934) - São Paulo: DPH, 1934 - 2006. pp. 49-67.

CAPELATO, Maria Helena. O movimento de 1932, a causa pau-lista. São Paulo: Brasiliense, 1981.

COLÉGIO DANTE ALIGHIERI. Obelisco dos Heróis. São Paulo: Educacional. Trabalho realizado pelos alunos Bruno, Fernando e Mayco, da 7.ª série, turma J, do Colégio Dante Alighieri. Disponível em <http://www.educacional.com.br/repor tagens/sp450/textodan-teobelisco.asp > Acesso em 12 dez. 2013.

MARINS, Paulo César Garcez. O Parque do Ibirapuera e a cons-trução da identidade paulista. Disponível em < http://www.scie-lo.br/pdf/anaismp/v6-7n1/02.pdf >Acesso em 11dez. 2013.29 p.

MOREIRA, Regina da Luz. São Paulo pega em armas: a Revolu-ção Constitucionalista de 1932. Rio de Janeiro: CPDOC /FGV : Centro de Pesquisa e Documen-tação de História Contemporânea do Brasil, s.d.

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Interior do Mausoléu ao Soldado Constitucionalista

Jacson Abreu/Departamento de Audiovisual do Dante

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Uma das portas de bronze do Obelisco (à esq); ao lado, inscri-ção de uma frase de Guilherme de Almeida presente no monu-mento

Jacson Abreu/Departamento de Audiovisual do Dante

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Para entender os motivos que levaram à Revolução de 1932, de-vemos antes atentar para uma peculiaridade de São Paulo: ter um sentido muito for te de liberdade. Isso vem da época do Brasil Co-lônia, quando São Paulo era uma vila muito pobre. Como núcleo populacional interiorano, teve que viver longe das facilidades dos nú-cleos litorâneos, mais privilegiados pela Metrópole. Então, por estarem fora do contexto das facilidades metropolitanas, os paulistas vão desenvolver a duras penas esse espírito de liberdade.

Essa situação gera o Bandeiran-tismo e seus grandes nomes, como João Ramalho, Fernão Dias, Raposo Tavares e Borba Gato. Inicialmente, tinham eles o objetivo de caçar índios usados como mão de obra escrava. Com essa ida para o inte-rior, eles descobrem as rotas dos rios, pelos quais os bandeirantes

ultrapassam a linha de Tordesilhas, e as terras exploradas acabam aos poucos sendo incorporadas ao Brasil. Em seguida, descobrem as minas de ouro.

Saltando no tempo, temos o café como a primeira riqueza de São Paulo. Foi a par tir dele que a região começou a se desenvol-ver. Seus recursos foram utilizados para realizar a modernização e a industrialização. Assim, São Paulo vira um polo de atração de mão de obra da migração. Fica, então, para os paulistas, a ideia de que eles não deviam essa prosperidade a ninguém. Só a eles mesmos. Isso acentua a noção de liberdade, a vocação libertária desse povo.

A proclamação da República tam-bém deve bastante a São Paulo. Em 1870, houve a Convenção de Itu, a primeira manifestação pública dos republicanos. Na verdade, São Paulo nunca aceitou imposições

do governo central, que viessem a ferir a autonomia provincial.

Na Revolução de 1930 – uma continuação civil da Revolta Militar de 1924, adotando o ideário te-nentista –, São Paulo inicialmente, apoiou Getúlio Vargas, pois ele havia prometido governar sob um regime democrático e republicano. Mas Vargas não cumpriu o pro-metido. Tornou-se um ditador e perseguiu São Paulo, que sofria com a crise do café (os produtores tiveram que sacrif icar estoques inteiros, situação que ameaçou a viabilidade econômica do Estado).

São Paulo reclamava o cumpri-

mento das promessas de Vargas e, principalmente, a aprovação de uma Constituição para o Brasil. Getúlio, porém, não atendeu. Co-meçou, então, uma conspiração pró-revolta entre os paulistas. As motivações eram a realidade

reflexÕes sOBre 1932 e seu OBeliscO nO iBirapuera

“O Obelisco representa o espírito autônomo de São Paulo na defesa de suas liberdades”

Depoimento concedido à revista InArte pelo Professor Paulo nathanael Pereira de Souza

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econômica insuportável e a ân-sia pela liberdade através de uma Constituição.

Vê-se nesse momento o forta-lecimento da vocação libertária dos paulistas. Na época, o gover-no federal alegou que São Paulo queria se separar do Brasil e ser um estado autônomo. Chegou até a ser divulgado que os imigran-tes italianos, presentes em grande número em São Paulo, queriam criar um estado fascista na região, com o apoio de Mussolini!

Contudo, todos os documentos mostram que a revolução dos pau-listas par tiu do desejo uniforme do povo por uma Constituição. Dizem que foi uma revolução da elite. Não é verdade. [o momento] mobilizou membros da elite, ope-rários, povo, jovens, que lutaram por um ideal. Até hoje, há muito preconceito contra a Revolução de 1932. E isso é um problema, porque o que explica um movi-mento revolucionário na história é sua motivação.

E tanto é verdade que a nossa motivação era a Constituição. O Brasil ganhou-a em 1934. Essa Constituição era bastante liberal, mas não prosseguiu em vigor por-que as condições da época davam margem para governos totalitários. O período não permitiu a São

Paulo desfrutar da Constituição de pela qual tanto lutou.

O MOnuMentO MauSOléu aO SOlDaDO cOnStItucIO-nalISta De 1932

De fato, São Paulo devia uma homenagem aos seus heróis, como Martins, Miragaia, Dráu-zio e Camargo [estudantes que foram mortos por tropas federais durante uma manifestação pró--Constituição, fato que acabou sendo um dos estopins da Re-volução em 1932].

E ela veio por meio de monu-mentos, que estão localizados em cidades onde ocorreram ações revolucionárias. Coube a Galileo Emendabili esculpir essa homena-gem no Ibirapuera [Monumento Mausoléu ao Soldado Constitu-cionalista de 1932], e ele para isso se valeu dos conhecimentos de Guilherme de Almeida [poeta e jornalista da Revolução].

Esse monumento é uma home-nagem permanente ao espírito de liberdade do paulista e à sua Revolução Constitucionalista, que, cabe mais uma vez destacar, foi motivada por um anseio coleti-vo de legalidade e não por um suposto plano de separatismo de São Paulo. É daí que surge o lema “Non ducor duco” (“Não sou

conduzido conduzo”) a traduzir a vocação libertária e legalista do povo de São Paulo.

Monumentos concretizam me-mórias. E o brasileiro não costuma respeitar o passado. Nossos mo-numentos não recebem o cuidado necessário, e o povo passa por eles de forma indiferente.

A condenação do Regime Militar [ditadura militar vigente no Bra-sil de 1964 a 1985] trouxe para o civismo brasileiro um sentido pejorativo, quando na verdade defender o civismo é defender o DNA da nação. Civismo é exer-cício de cidadania.

Como os monumentos parecem ser considerados símbolos da elite que domina o país, acabam sendo vistos com ressalva. Ocorre em relação aos monumentos uma mistura de política com simpa-tias ou antipatias circunstanciais. O Ibirapuera devia ser um ponto de referência da história do país. O Brasil está acima de governos e de idiossincrasias de facções política.

De qualquer forma, o Obelisco expressa algo muito maior que a Revolução de 1932: representa o espírito autônomo de São Paulo na defesa de suas liberdades. É a visão que tenho dessa questão.

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O professor Paulo Nathanael Pereira de Souza

Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante

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Um dos relevos entalhados por Galileo Emendabili em uma das

faces do Obelisco

Acervo Fiammetta Emendabili

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Onde estais com vossos ponchos,Os fuzis sem munição,Os capacetes de aço,Os trilhos do trem blindado,O lema de vossas vidas,A saga de vossos passos,Ó jovens de 32!Em que ossário vossa audáciaFala aos que dormem por fuga,Em que campo vossa morteClama aos que morrem em vida,Em que luta vosso lutoAmortalha os tempos novosÓ jovens de 32!Voltai daquelas trincheiras,Voltai de vosso martírio,Voltai com vossos ideais,Voltai com o sangue que destes,Voltai com os brios de Julho,Voltai ao chão ocupado,Voltai à causa esquecida,Voltai à terra traída,Voltai, apenas voltai,Ó jovens de 32!

“Os JOVens de 32”

Paulo Bomfim

Mosaico de Emendabili execu-tado em Veneza e presente no interior do Mausoléu do Solda-do Constitucionalista

Jacson Abreu/Departamento de Audiovisual do Dante

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Política e cultura tiveram uma convivência difícil a partir de 1964, quando se instalou no país uma ditadura militar que oprimia a liberdade de criação cultural. Apesar desse cerceamento, no-vos conceitos artísticos, somados ao desenvolvimento de materiais inovadores, originaram trabalhos escultóricos cuja plástica não de-pendia mais do uso de bronze ou mármore. Obras em mate-riais alternativos despontaram pela cidade de São Paulo com linguagens leves e de grande sig-nificado introspectivo, mas pro-vocadoras.

As obras monumentais de Yu-taka Toyota, da década de 1970, refletem essas questões; bem como os trabalhos de Emanuel Araújo, Oscar Niemeyer, Franz Weiss Mann, entre outros, cujas delicadas concepções convivem

com materiais produzidos tecno-logicamente.

É nesse caminhar que, na dé-cada de 1980, Tomie Ohtake inaugura seu Monumento Co-memorativo ao Centenário da Imigração Japonesa: As Quatro Ondas, e reafirma, assim, os no-vos conceitos de concepção plás-tica no tratamento iconográfico.

A contemporaneidade artística, novos conceitos e tecnologias

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MOnuMentO 80 anOS Da IMIgraÇãO JaPOneSaArtista: Tomie Ohtakelocalização: Avenida 23 de maio, em São Paulo-SPInauguração: 10 de novembro de 1988Medidas e materiais: as quatro lâ-minas de concreto têm cerca de 40 metros de comprimento, 4 metros de altura e dois metros de largura

Gilmar Ferreira/Departamento de Audiovisual do Dante

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a contemporaneidade artística, novos conceitos e tecnoloGias

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Confinados dentro dos auto-móveis ou em meio à correria da cidade, poucos são aqueles que podem apreciar, com a devida se-renidade, o Monumento 80 anos da Imigração Japonesa. Dividindo as duas pistas da avenida 23 de Maio, próximo ao Centro Cultural Vergueiro, há quatro esculturas, dotadas de uma beleza incomum que, a bem dizer, só se revela aos observadores sensíveis ao sutil.

Def initivamente, não se trata de um monumento convencional. Ali não encontramos a feição de grandes personagens históricos – tampouco símbolos de imponência e heroísmo. Sequer uma imagem pela qual poderíamos identif icar o rosto de ao menos um dos imi-grantes japoneses que, em 1908, desembarcaram do navio Kasato Maru na cidade de Santos.

Projetado pela imaginação su-ave e intensa da ar tista Tomie

Ohtake, o monumento, inaugu-rado em 1988, se constitui como “quatro ondas” de concreto que se projetam com energia e, no entanto, repousam delicadamente sobre o chão, representando as quatro gerações de japoneses que vieram viver no Brasil, formando uma colônia de mais de 15, milhões de pessoas. Uma combinação de exuberância e simplicidade, cuida-dosamente elaborada, produzindo leveza e harmonia sem, contudo, desfazer do sentimento. A poe-sia das formas geométricas não é atingida a partir da construção racional, marcada pela exatidão que almeja o perfeito, mas sim pela apropriação intuitiva da geometria, que pode apresentar variações sem deixar de ser precisa.

Marca registrada da obra de To-mie, o abstrato não é frio, tam-pouco caótico. Não por acaso, é muito comum a presença de movimentos sinuosos e forma-

ções circulares que, variando em curvas, apontam na direção da continuidade, quase que sugerindo um sentimento de inf inito, ainda que serenamente.

Certamente, a contribuição dos imigrantes japoneses para a cultura nacional extrapola o meio ar tístico. Ao longo dos anos, através da culinária, dos esportes, da ciência e da tecnologia, apenas para citar alguns setores, inegavelmente os japoneses e seus descendentes se integraram e participaram dos solavancos de progresso do país. Contudo, isso só foi possível graças à força de um povo que, tal como as esculturas de Tomie, carrega consigo a exigência da precisão e o desejo de delicadeza. Por isso, embora abstrato, o monumento das ondas toca não apenas o sen-timento, mas o próprio espírito da cultura japonesa.

geOMetria intuitiVa - as quatrO Ondas de tOMie Ohtake

christian tadeu gilioti - professor do Departamento de História, Filosofia e Sociologia do Colégio Dante Alighieri

a contemporaneidade artística, novos conceitos e tecnoloGias

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“Monumento 80 anos da imigra-ção japonesa”

Gilmar Ferreira/Departamento de Audiovisual do Dante

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Nascida em Kioto, no Japão, em 1913, Tomie Ohtake chegou ao Brasil em 1936, em visita a um irmão (Masutaro) que trabalha-va em São Paulo. Contudo, com a iminência da Segunda Guerra Mundial, não pôde voltar ao seu país de origem. logo, casou-se com o engenheiro agrônomo ja-ponês Ishio Ohtake, um amigo de seu irmão, e se f ixou em solo brasileiro.

Fato curioso é que a ar tis-ta começou a pintar apenas quando já estava próxima dos 40 anos. Em 1952, iniciou seus estudos de pintura com o ar tis-ta plástico japonês Keisuke Su-gano. No ano seguinte, expôs junto com o Grupo Seibi, ao lado de Flávio Shiró, Tadashi Ka-minagai, Manabu Mabe, Tikashi Fukushima, entre outros. Natu-ralizou-se brasileira na década de 1960, período decisivo para sua maturação como pintora da

abstração informal. O domínio da técnica e o controle do pro-cesso pictórico coincidiram com a nova orientação dada progres-sivamente ao seu trabalho, no qual a imaterialidade vai sendo substituída pelo estudo da rela-ção forma/cor.

A capacidade de renovação de Tomie se expressa em diferen-tes fases de seu trabalho na pin-tura, gravura e escultura. Assim, sua carreira, construída ao lon-go de 60 anos, deixa evidente a clareza de propósitos tanto em relação à vida quanto à ar te: o eterno reinventar.

Na arte da gravura, seu expe-rimentalismo incomum trouxe rápido reconhecimento interna-cional. Em 1972, foi convidada a participar da sala Grafica D’Oggi, na Bienal de Veneza, exposição que contou com a presença dos mais importantes artistas do

mundo, como os norte-america-nos da Pop Art. Seis anos mais tarde, também expôs na Bienal de Gravura de Tóquio.

A escultura é outro ramo das ar tes plásticas explorado por Tomie, autora de obras de gran-des dimensões para espaços pú-blicos que fazem parte da paisa-gem urbana de algumas cidades brasileiras. Exemplos disso são a escultura em homenagem aos 80 anos da imigração japonesa no Brasil, em concreto armado, na avenida 23 de Maio, em São Paulo, e os quatro painéis da estação Consolação do metrô, também na capital paulista, que, feitos com pastilha vitrif icada, simbolizam as estações do ano.

centenárIO

Desde a década de 1960, a participação de Tomie em im-portantes cenários da arte na-

“tOMie Ohtake - BreVe percursO de sua história”

Maria Beatriz Perotti - Coordenadora do Departamento de Arte do Colégio Dante Alighieri

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a contemporaneidade artística, novos conceitos e tecnoloGias

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a contemporaneidade artística, novos conceitos e tecnoloGias

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cional e internacional vem se ex-pandindo. Expôs obras em cinco edições da Bienal Internacional de São Paulo e em muitas outras exposições individuais e coletivas de grande importância.

Sua primeira retrospectiva deu-se em 1983, no Museu de Arte de São Paulo (MASP), al-cançando grande sucesso de público.

Em 2001, foi inaugurado, em São Paulo, o Instituto Tomie Ohtake, idealizado e coordena-do por Ricardo Ohtake e proje-tado por Ruy Ohtake, ambos ar-

quitetos e f ilhos de Tomie. Esse Centro Cultural veio homena-gear, de forma excepcional, uma ar tista em franca produção.

O centenário de Tomie foi amplamente celebrado em 2013 com 15 exposições pelo Brasil – o instituto que leva o nome da ar tista, por exemplo, realizou as mostras “Tomie Ohtake – Cor-respondências”, “Tomie Ohtake – Inf luxo das Formas” e “Tomie Ohtake – Gesto e Razão Geo-métrica”.

A nota triste f icou por conta do incêndio, em 29 de novem-

bro de 2013, do auditório do Memorial da América latina, onde está localizada uma tape-çaria de 70 metros de extensão de autoria de Tomie. Nada, po-rém, capaz de abalar a ar tista. Segundo reportagem do jornal “O Globo”, ao ser informada por Ricardo Ohtake de que sua obra havia sido danif icada, To-mie Ohtake, 100 anos recém--completos, não pestanejou. “Então, temos que começar a trabalhar para refazer a tapeça-ria rapidamente”, disse a ar tista plástica.

Tomie Ohtake completou 100 anos em 2013

Palácio do Planalto

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Essas mudanças revelarão, através de trabalhos como a es-cultura em comemoração aos cem anos da Avenida Paulista, de lilian Amaral, o processo mu-tante e abrangente dessas novas expressões. Batizada de “Arcos” ou “Caminho”, mas também chamada de “Arco-íris Metálico”, a escultura, de autoria da artista

plástica em parceria com o ar-quiteto Jorge Bassani, é compos-ta por 12 arcos coloridos de dois a dez metros de comprimento. Sua forma obedece a uma sequ-ência tridimensional que explora o espaço, permitindo a passagem do público por entre os arcos.

Os últimos anos do século XX esboçaram novas definições e conceitos plásticos que reesta-beleceram a relação entre a sim-plicidade estética e a essência do existir. Dessa forma, os espaços urbanos passaram a ser os “mo-numentos”, medidos pela impor-tância dos acontecimentos que lá ocorreram.

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MOnuMentO arcOS (caMInHO)Artistas: lilian do Amaral Nunes e Jorge Bassanilocalização: Praça Marechal Cordeiro de FariasInauguração: 10 de novembro de 1991Medidas e materiais: Cada arco tem de 2 a 10 metros de com-primento

Gilmar Ferreira/Departamento de Audiovisual do Dante

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Partilhamos da ideia sobre a arte contemporânea como sen-do uma “ultrapassagem” que constrói no construído, que tem entre suas funções a resistên-cia, entendida como questiona-mento constante dos próprios limites, dos próprios axiomas, do próprio lugar, por colocar-se fora dos limites tradicionais, seja na relação com o público, seja na realização, que utiliza o disfarce, a negação, o hibridismo, a con-testação e a transformação.

Entendemos que longe de exercer a função negativa (pró-pria do movimento vanguardis-ta), a arte contemporânea coloca em pauta a existência humana, focalizando não a duração, mas o acontecimento singular descontí-nuo e ahistórico, voltado para um agora passível de infinitas transformações. Dentro desse enfoque, desenvolve-se o con-ceito de “pequena obra”, onde,

através da organização sintática de materiais, experimentam-se a cada instante pequenas verda-des; ordens ou desordens provi-sórias que substituem a grande narrativa da humanidade por his-tórias do cotidiano, trabalhando no espaço da transformação ao invés da representação.

Em meio à atmosfera de mu-tação e flexibilidade caracterís-ticas da paisagem pública atual, a presença de objetos duráveis expressando permanência/per-petuidade tem dado lugar a ma-nifestações do efêmero e do surpreendente. Nesse contex-to sem pontos fixos, a arte e a vida públicas vão refazendo suas texturas continuamente, movi-mentando, com isso, a própria definição de público, assim como a relação entre público/privado que a sustenta.

Nessa trama, a Arte Pública

mostra-se como sendo, ao mes-mo tempo, específica e tempo-rária. Não vigora, nesse campo, a ideia de exprimir valores eter-nos para uma vasta plateia nem a expectativa de se expressar um tema irrepreensível e acessível a todos. Irreverente a esses as-pectos, a Arte Pública contem-porânea frequentemente suscita controvérsias no âmbito de sua recepção, permitindo-se ocorrer e instalar em lugares indiscretos, marginais e não tradicionais.

Filia-se historicamente à escul-tura ambiental – de grande por-te, não devendo, contudo, ser com ela confundida. Em cono-tações mais recentes, sua deno-minação como sendo “pública” transcende a estrita referência da obra locada em espaços ex-ternos nos quais pode ser ampla-mente apreendida, atendo-se ao seu modo de acesso ou massa de espectadores. Tem sido defi-

arte púBlica: deriVaçÕes cOnteMpOrâneas

*texto retirado da tese de doutorado da profa. dra. lilian do amaral nunes, intitulada “Derivações da Arte Pública Contemporânea”

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nida como uma manifestação de atividades e estratégias artísticas que tornam a ideia de público como gênese e tema de análise. Em outros termos, sua adjetiva-ção tem sido construída sobre sentidos, situações ou conflitos urbanos para os quais se volta, e não em função do seu volume de audiência.

Noções estéticas idealistas que tratam a arte como “linguagem universal”, assim como paradig-mas que afirmam haver na arte uma “essência estética indepen-dente”, mostram-se inoperantes no confronto com essa prática urbana. Categorias como autor/estilo/obra são esmaecidas em

suas acepções tradicionais diante do atual panorama da arte con-temporânea.

No âmbito da recepção estéti-ca, existem aspectos de rejeição e aceitação que monopolizaram o debate público no campo da cultura, como ocorreu no caso de “Tilted Arc”, de Richard Ser-ra. Comissionada em 1979 pela General Services Administration (GSANY), por US$175.000,00, para a New York Federal Plaza. Obra instalada em 1981,foi alvo de hostilidade de certas facções do público urbano, a ponto de culminar na sua remoção do lo-cal em 1989. R. Cembalest, em “Public sculpture: race, sex and

politics”, referindo-se a uma sé-rie de obras relocadas ou remo-vidas definitivamente da esfera pública, focaliza a acidez política, ética e estética dessa dimensão da falência da obra, questionan-do quem decide se o trabalho deve ser removido.

lilian do Amaral Nunes

Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante

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Monumento “Arcos” ou “Ca-minho”, de lilian do Amaral Nunes e Jorge Bassani

Márcio Freitas Lopes/Departamento de Audiovisual do Dante

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Compreender o espaço urba-no em sua totalidade revela-se uma tentativa, cada vez mais, irrealizável. As cidades consti-tuem-se como uma verdadeira trama de sentidos e significados que sua população, historica-mente, compõe de forma pú-blica. Nesse sentido, investigar as marcas presentes nas cidades significa também compreender as relações entre os diferentes grupos e culturas em sua hete-rogeneidade, em seus conflitos.

Por isso, o estudo do espaço urbano revela a necessidade de percebermos as tramas de po-der que ocorrem nas cidades. Por mais que convivamos, espe-cialmente em uma cidade como São Paulo, com o repetitivo dis-curso da utopia da cidade plane-jada, fato é que, por mais que o espaço urbano seja racionalizado em sua funcionalidade (o que, em si, já constitui um exercício de poder), as dinâmicas coletivas

e particulares acabam por fazer com que esse espaço racionali-zado seja desafiado, contestado, afrontado, reconstruído: torna--se público.

Uma das marcas mais desta-cadas dos espaços urbanos é justamente a dos monumentos. Desde a Antiguidade, podemos constatar a existência de mo-numentos em espaços públicos. Porém, é exatamente na passa-gem do século XIX para o XX, particularmente na Europa, que os monumentos proliferam nas mais diversas cidades.

Estávamos, então, diante de um importante momento de afirmação das nacionalidades e, nesse sentido, deixar em espaço público, para toda a população, a seleção de heróis ou feitos his-tóricos – que, acreditava-se, im-primiam a identidade das cidades – era algo vital.

Tal prática disseminou-se por diversos lugares e, evidentemen-te, chegaria à América e, parti-cularmente, ao Brasil. No caso de São Paulo, temos uma grande quantidade de monumentos ex-postos em espaço público com o mesmo intuito original de ce-lebrar momentos e personagens históricos.

Cada um desses monumentos revela, a julgar pela homenagem, o local e sua encomenda, inte-resses e formas de alguém (ou algum grupo) manifestar sua pro-eminência na cidade. Revelam, portanto, sua “politicidade”, por mais que seu valor propriamen-te estético revele também sua grandiosidade.

Duque de Caxias revela uma mensagem. Brecheret também revela. E o Obelisco do Ibirapue-ra, o que revela?

Os monumentos são de enor-me importância, portanto, por

Os MOnuMentOs se MOVeMedson Martins Jr - professor do Departamento de História, Filosofia e Sociologia do colégio Dante Alighieri

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representarem marcos do dina-mismo político, cultural e socie-tário de uma cidade. Também revelam uma alta vitalidade, uma vez que o sentido inicial de suas mensagens compreende apenas um ponto de partida simbólico, colocado à prova para a poste-ridade, a qual se apropriará de cada um deles das mais variadas formas.

Recentemente, nas chamadas Jornadas de Junho de 2013, ti-vemos diversas manifestações de contestação, muitas vezes violentas, contra uma série de monumentos públicos (embora, para muitos dos manifestantes, a ação de depredação seja uma reação diante de outras violên-cias, mas esta discussão na cabe aqui...). Do ponto de vista da ordem, do reforço simbólico às ditas imagens, trata-se do que muitas vezes foi chamado pela grande mídia de vandalismo.

Entretanto, do ponto de vista da percepção da politicidade de tais monumentos, trata-se antes de uma batalha simbólica entre o estabelecido e sua contestação, entre o poder e a política, entre a força e a transgressão.

E, neste momento, a despeito do evidente lamento que senti-mos ao vermos criações monu-mentais como as de Niemeyer depredadas, percebemos que os monumentos não estão parados. Eles se movem. Ressignificam--se, por assim dizer. Mostram a vida republicana de forma clara. Servem como ícones da batalha pelo espaço público e pelo que se pensa da vida na cidade.

Justamente por isso, os monu-mentos estão vivos. Movem-se. Olham para nós, como espelhos de nossa intrincada e complexa forma de viver neste emaranha-do de forças a que chamamos carinhosamente de cidade.

Que estejamos abertos para compreender a movimentação dessas obras de metal e concre-to. Dialoguemos com elas.

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Hoje, técnicas inovadoras im-primem um alcance incalculável à produção artística, e o reconhe-cimento do virtual como instru-mento de expansão criadora ma-ximizará os resultados plásticos

de quaisquer dimensões. Assim, a criação artística de produtos funcionais estabelecerá outras carreiras de artistas e designers. O design será entendido como design estratégico.

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Um ponto que temos que dei-xar claro de início é que o design é uma prof issão. Porque há pais de alunos que têm um pouco de medo nesse sentido. Costumam pensar: “Ah, o que meu f ilho vai fazer da vida com isso?” O desig-ner é um prof issional que antes era mais especializado. Hoje, é sempre mais estratégico nas em-presas, e conhece todo o proces-so de produção. No mundo imo-biliário, por exemplo, o designer é

procuradíssimo. É uma prof issão do futuro, que se encaixa dentro da economia criativa. Países como Inglaterra, Austrália e Coreia do Sul entenderam muito bem isso. O Brasil também entendeu e está buscando apoio nesse sentido. O governo federal quer saber como fazer as universidades brasileiras se tornarem mais inovadoras, olharem para o futuro. E, se o futuro é a economia criativa, o design permeia todos os segmen-

tos. Porque design pode ser es-tratégico, de serviço, de produto, de moda, de interiores, gráf ico, digital, de joias.

Geralmente, os alunos de de-sign já começam a trabalhar a partir do 3º ou 4º semestre em empresas de moda, de varejo, em indústrias têxteis. Na parte de de-sign industrial e de produto, eles se encaixam nas agências. Muitos abrem a própria agência, pois há

arte e design: talentO criatiVO aplicadO nO MercadO prOfissiOnal

*Depoimento dado por Victor Megido, diretor-geral do IED (Istituto Europeo di Design) Brasil

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uma veia de empreendedorismo muito for te nesta geração. Digo que, no IED (Istituto Europeo di Design), adotamos a metodologia do “saber” e do “saber fazer”. Por exemplo: quem faz moda apren-de a costurar também. Vai ser modelista? Não. Mas sabe fazer. Aprendem todo o processo que precisam saber dentro da moda. Trata-se de uma nova realidade que passa por uma revisão, diria, de como vai ser a vida no futuro pela experiência do design.

áreaS De atuaÇãO

O design pode ser visto como estratégia, como revisão de mo-delo de uma empresa. Sua função é observar a visão do consumidor f inal. É uma prof issão cheia de possibilidades. Assim, quando falo no design de moda, não se trata só do estilista. Design de moda é uma indústria, que passa pelo têxtil até o marketing. Já o design de serviços pode ser prestado na aviação, na náutica e em diversas indústrias que não sejam necessa-riamente fabricante de um móvel ou de produtos mais tradicionais.

O transporation design (design automobilístico), por exemplo, é uma área em que não encontra-mos muitos prof issionais, em um momento em que o Brasil está passando de mercado comprador

para vendedor de design automo-tivo. Trata-se de carros brasileiros desenhados por designs brasilei-ros. Essa é a grande mudança: nos próximos 30, 40 anos, o Brasil será um player internacional que promove design.

cultura DO DeSIgn e eDu-caÇãO

O estudante que compreende a importância do design pode ir para o IED, para a FAAP, para a Belas Artes, para a Mauá ou para outra faculdade. Ou seja, se o jovem for para uma universidade cursar design, será algo bom para o Brasil. A cultura do design fará bem ao país.

arte e DeSIgn

O aspecto funcional é o primá-rio para o design, cuja missão é fazer algo que funcione e seja útil. Não é um ato ar tístico e, em prin-cípio, não deve levar a pessoa a uma ref lexão. Pelo contrário: ele tem que resolver um problema.

Entretanto, não basta que o produto seja funcional. Em uma sociedade pós-industrial, as pes-soas querem sonhar, demandan-do, assim, soluções estéticas. Po-rém, a estética também já virou commodity. E é neste ponto que

a ar te entra ajudando o design. A ar te é exclusiva, rara e tem alma. O design está tentando se inspirar na ar te para colocar alma no produto, ou no serviço ou na-quilo que é o ato do design, que agrega valor e leva a pessoa a dizer: vou levar este produto aqui e não aquele outro. O design, do funcionalismo e da estética, passa a oferecer aspiração, alma.

Nesse sentido é importante aprender com os ar tistas. Na verdade, eu não faço uma grande diferenciação entre a prof issão do ar tista e a do design. Acho que a diferença é que eles atendem a demandas distintas da sociedade. O artista é um visionário, anteci-pa. Ele provoca, não precisa ser compreendido imediatamente. O design tem que ser atual, aten-der a uma demanda específ ica no momento certo, porque ele trabalha a serviço de empresas que querem vender.

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Victor Megido, diretor-geral do IED Brasil

Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante

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Um dos projetos desenvolvidos pelos alunos da pós-graduação

de design automobilístico do IED

Danilo Barreto/Departamento de Audiovisual do Dante

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Apesar de obrigatoriamente terem um caráter funcional, os produtos do design podem ad-quirir características geralmente atribuídas a obras de arte. Como serem expostos em um museu. Foi o que aconteceu em 2013 com a mostra “Giugiaro: 45 anos de design italiano”, promovida pelo Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. Na ocasião, o pú-blico teve a chance de conferir diversos produtos criados pelos consagrados designers italianos Giorgetto Giugiaro e Fabrizio Giugiaro (pai e filho), como car-ros (Golf, Uno), câmeras foto-gráficas e cadeiras.

“Os Giugiaro conseguem unir soluções técnicas e estéticas. O designer não pode querer ser só um artista. Um bom design vai tentar unir os dois parâmetros. Giugiaro tenta desenvolver cada projeto como se fosse uma obra-

-prima, uma obra única, mesmo sendo o produto algo para ser fa-bricado em série”, explica Gian-carlo latorraca, diretor-técnico do Museu da Casa Brasileira.

Para o arquiteto e designer, de qualquer forma, o talento artís-tico é um ponto positivo para quem deseja seguir carreira na área do design. “No design, é imprescindível o conhecimento da parte técnica de produção, do uso adequado de materiais. Por exemplo, não se faz um car-ro sem pensar nos aspectos téc-nicos. A arte, por sua vez, é um conhecimento que já é um pou-co nato. Ele tem quer ser esti-mulado e levado para as diversas carreiras. Com um olhar criativo, você pode desafiar o que está posto. É isso que leva Giugiaro a ter uma carreira como a que tem”, afirma Giancarlo.

Os próprios membros do clã “Giugiaro” têm suas opiniões so-bre a relação entre arte e design. “O design e a arte são mundos próximos que, às vezes, se so-brepõem”, afirma Giorgetto, en-quanto seu filho, Fabrizio, deixa clara a distinção existente: “Tudo que é design é aplicado a uma função. Diferentemente da arte, que às vezes é estática.”

“uM BOM design tenta unir técnica e estética”, diz giancarlO latOrraca

Um dos modelos automobilísti-cos que levam a marca Giugiaro

Overlaet/Wikimedia Commons

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Eu te amo São Paulo, em teu mistério de chão antigo, em teu delírio de cidades novas; e por-que teus cafezais correm por meu sangue, e tuas indústrias aquecem o ritmo dos meus mús-culos; pela saga dos meus mortos que vêm voltando lá do sertão, pela presença dos que partiram, pela esperança dos que têm vin-do – eu te amo São Paulo!

Em teu passado em mim pre-sente, em teus heróis sangrando rumos, em teus mártires santi-ficados pela liberdade, em teus poetas e em teu povo de tantas raças, tão brasileiro e universal – eu te amo São Paulo!

Pela rosa dos ventos do sertão, pelas fazendas avoengas, pelas cidades ancestrais, pelas ruas da infância, pelos caminhos do amor – eu te amo São Paulo!

Na hora das traições, quando tantos se erguem contra ti, no instante das emboscadas, quan-do novos punhais se voltam con-tra teu destino – eu te amo São Paulo!

Pelo crime de seres boa, pelo pecado de tua grandeza, pela loucura de teu progresso, pela chama de tua história – eu te amo São Paulo!

Desfazendo-me em terra roxa, transformando-me em terra ru-bra, despencando nas corredei-ras do meu Tietê, rolando man-so nas águas santas do Paraíba, vivendo em pedra o meu des-tino nos contrafortes da Manti-queira, salgando pranto, dor e alegria na areia branca de nossas praias, na marcha firme dos cafe-zais, nas lanças verdes do cana-vial, no tom neblina deste algo-dão, na prece de nossos templos,

no calor da mocidade, na voz de nossas indústrias, na paz dos que adormeceram – eu te amo São Paulo!

Por isso, enquanto viver, por onde falar, levarei teu nome pul-sando forte no coração, e quan-do esse coração parar brusca-mente de bater, que eu retorne à terra donde vim, à terra que me formou, à terra onde meus mortos me esperam há séculos; por epitáfio, escrevo apenas so-bre meu silêncio, minha primei-ra e eterna confissão – EU TE AMO SÃO PAUlO!

*Texto retirado do livro “In-sólita Metrópole: São Paulo nas Crônicas de Paulo Bomfim”

eu te aMO sãO paulO

Poeta Paulo Bomfim

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O Poeta Paulo Bomfim

Jacson Abreu/Departamento de Audiovisual do Dante

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