(séculos xi-xii)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ ESQUECER OS FAVORITISMOS E OS ÓDIOS. ANNA COMNENA E A HISTORIOGRAFIA BIZANTINA (SÉCULOS XI-XII). RAFAEL JOSÉ BASSI

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ESQUECER OS FAVORITISMOS E OS ÓDIOS.

ANNA COMNENA E A HISTORIOGRAFIA BIZANTINA

(SÉCULOS XI-XII).

RAFAEL JOSÉ BASSI

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2

RAFAEL JOSÉ BASSI

ESQUECER OS FAVORITISMOS E OS ÓDIOS.

ANNA COMNENA E A HISTORIOGRAFIA BIZANTINA

(SÉCULOS XI-XII).

Monografia de bacharelado apresentada em

cumprimento às exigências do curso de

Bacharelado e Licenciatura em História da

Universidade Federal do Paraná, sob a orientação

da Professora Dr.ª Andréa Doré.

CURITIBA

2009

Page 3: (séculos xi-xii)

3

Você me encontrou esculpindo uma figura de madeira e perguntou:

– Por que não faz alguma coisa para mim?

Indaguei o que você queria e me respondeu:

– Uma caixa.

– Para quê?

– Para pôr coisas.

– Que coisas?

– Tudo o que você tiver.

Pois aqui está a sua caixa. Quase tudo o que tenho está nela. Apesar

disso, não está cheia. Angústia e excitamento, sentimentos bons e

maus, pensamentos bons e maus… o prazer do projeto, alguma

angústia, a alegria indescritível da criação.

… E por cima de tudo estão a gratidão e o amor que tenho por você.

Mesmo assim, a caixa não está cheia.

John Steinbeck – A leste do Eden.

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4

Sumário

Agradecimentos ...............................................................................................p. 5

Introdução .......................................................................................................p. 7

Capítulo I – Anna Comnena, historiadora medieval ......................................p. 15

1.1 – Formação de Anna Comnena, uma educação incomum............................p. 17

1.2 – Anna Comnena, porfirogênita...................................................................p. 19

Capítulo II – As cruzadas vistas pelos bizantinos.............................................p. 22

2.1 – O chamado à Cruzada..................................................................................p. 22

2.2 – O caso da Primeira Cruzada.Os cruzados n’A Alexíada............................p. 27

2.3 – Construção da imagem dos cruzados.........................................................p. 32

Capítulo III – Para se contar à posteridade.....................................................p. 36

3.1 – E o prólogo: por quê?...............................................................................p. 36

3.2 – História no Ocidente.................................................................................p. 38

3.3 – A historiografia Bizantina a partir do século IX: de Constantino VII

Porfirogênito a Anna Comnena.........................................................................p. 42

3.4 – “De vossas fontes bebi”: o pensamento clássico e a concepção de História d’A

Alexíada.............................................................................................................p. 48

Considerações Finais...........................................................................................p. 53

Anexos..................................................................................................................p. 56

Referências Bibliográficas...................................................................................p. 72

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5

Agradecimentos

Agradecer é uma das partes mais complicadas de um trabalho. Agradece-se a

vida, ao mundo, e a tudo que há neles.

Agradeço aos professores do Departamento de História. Muitos deles me

mostraram um caminho de ética, moral e competência no trabalho histórico. Entre eles,

destaco alguns, imprescindíveis à minha formação: Joseli Mendonça, pelas leituras de

meus textos, muitos deles nem pertencentes ao seu tema de estudo; a Marcella

Guimarães, por ter me mostrado a fonte com a qual trabalhei; Carlos Lima, pelo

exemplo de historiador; ao professor substituto Rafael Benthien, pela amizade e

orientações bibliográficas; Renata Garrafoni, Roseli Boschilia. Ao Marcelo Cândido,

que na USP me deu todo auxílio possível para a realização de meus trabalhos

acadêmicos.

Agradeço muito à minha orientadora, Andréa Doré, que em uma tarde de suas

férias, apareci em seu escritório pedindo orientação, mesmo sobre um tema à margem

de suas pesquisas principais.

Aos funcionários Marilene, Serginho e Maria Cristina, que não sendo nem um

pouco burocráticos, facilitaram todos os trâmites possíveis referentes às documentações.

Agradeço muito à Professora Susana da Costa Ferreira, do setor de Educação,

que já em meu primeiro ano de graduação me possibilitou uma bolsa de Iniciação

Científica sobre História e Cinema. A esta IC devo muito do que aprendi para fazer uma

pesquisa histórica. Além de gostar ainda mais de cinema.

Aos colegas da Reitoria, que muito me auxiliaram, por tantas vezes em

discussões descabíveis no meio do pátio ou em frente à cantina. Também aos amigos,

que foram sendo feitos ao longo destes quatro anos de graduação. Suas discussões e

auxílios foram muito úteis, não apenas quanto ao trabalho histórico, mas também

quanto à formação pessoal: Paulo Romanowski, Janira Pohlmann, Daniel Augusto,

Walter Lossio, Sandro Aramis, Eric Tratz,

Aos 5 Beatles, que se transformaram no mais prodigioso grupo histórico-

filosófico-pessoal jamais visto na Reitoria. São eles, além de mim, Juliana Fleig (com

suas caronas e risadas), Pérola Sanfelice (com seus puxões de orelha no resto da banda),

Marta Savi (com sua organização imprescindível) e Daniele Starck (com seu jeito único

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6

de ser, e demonstrar). Sem esse grupo, tudo teria sido muito mais complicado durante o

percurso.

Ao amigo Thiago Felipe, futuro historiador, pelos anos de amizade,

companheirismo e conversas e divagações históricas. Aquele, que nos dias mais

calamitosos, soube dar seu conselho para a espera da calmaria.

A minha querida família, sempre a base de tudo, todo o processo. Minha mãe,

que toda vez acenava enquanto eu ia para as aulas. Meu pai, que sempre falava ―ta indo

tudo bem , né?‖. Aos meus avós, que mesmo tão distantes, em Santa Mariana, sempre

foram presentes e cheios de orgulho. Aos meus irmãos, Ana Lígia e Júnior, que

propiciaram muitos encontros ―bassônicos‖ e por vezes souberam me acalmar e tirar a

ansiedade da vida. Minhas sobrinhas, que, meigas como são, sempre pediam ajuda pro

trabalho de casa em meio a alguma leitura minha. À família, dedico. Espero ter-lhes

dado todo o meu melhor e orgulho. O meu orgulho são vocês!

À minha noiva, Franciane Mochenski, que esteve ao meu lado nesta

caminhada, na feitura deste ensaio sobre as Histórias. Pra ela dedico, além deste

trabalho, meu amor, e digo, olhando em seus olhos, que ―estranho seria se eu não me

apaixonasse por você!‖, pois o ―sal viria doce para os novos lábios‖. A ela dedico, com

todo amor, para que seu sorriso lindo e cativante sempre encante o meu pensamento.

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7

Introdução

Este trabalho é resultado de aproximadamente três anos de estudo sobre

Bizâncio. Nele, pesquisamos de que forma a historiografia de Anna Comnena, autora de

uma livro de Histórias1, se insere numa tradição historiográfica bizantina, que é corrente

desde o início do Império até o final dele, que por sua vez, traz toda uma influência

clássica. Alguns propósitos como o da obrigação da imparcialidade que os autores

tentam demonstrar ser necessária, a visão de que o que se deve escrever é aquilo que se

viu, aquilo que se ouviu, são preceitos fundamentais que encontramos nestas fontes.

Para tanto, dividimos este trabalho em três capítulos, num primeiro momento,

demonstramos a formação de Anna Comnena, como historiadora medieval. Assim

trazemos sua biografia, sua educação, que foi incomum para uma mulher na época em

que viveu e os seus anseios de se tornar basilissa (imperatriz) pelo fato de ser a

primogênita, além da grande frustração que teve – que pode ser observada em seu texto

– quando o trono foi para seu irmão.

No segundo capítulo trazemos uma análise de seu texto e discussões que são

referentes ao movimento da Primeira Cruzada, movimento de exércitos nobres

europeus que partiram em direção à Terra Santa para libertá-la dos turcos seljúcidas. O

livro de Anna Comnena se mostra importantíssimo para o entendimento desse

movimento pelo fato de ser o único relato bizantino sobre a Primeira Cruzada, sobre a

chegada dos ocidentais latinos em território bizantino.

Por fim, no capítulo três, pesquisamos de que forma a sua historiografia se

constrói, a partir de quais influências, com quais pressupostos e com quais intenções.

De que forma os textos, os autores, historiadores clássicos – tais como Heródoto,

Tucídides e Políbio – se encontram presentes em sua obra, ou seja, em que fontes foi

―beber‖ Anna Comnena para compor as suas próprias reflexões sobre a História, o saber

histórico e a feitura de um livro de Histórias, na Idade Média Bizantina. Questões que

ora são demonstradas nas fontes, ora através da análise do contexto de época de Anna

Comnena, na tentativa de compor um estudo sobre a historiografia medieval bizantina.

Ao fim desse trabalho, também tivemos o cuidado de colocar alguns anexos, nos

quais podem ser consultados mapas, imagens, e extratos de fontes, para que as pessoas

1 COMNENO, Ana. La Alexiada. Traducción de Emilio Díaz rolando. Sevilla: Editorial Universidad de

Sevilla, 1989.

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8

possam ter um primeiro contato com os textos dessa historiadora, dessa princesa

bizantina, que escreveu sobre o período em que seu próprio pai comandava o Império

Bizantino.

O que se segue, nas próximas linhas, é uma breve discussão sobre como a

historiografia viu o Império Bizantino após a sua queda e de como se criaram alguns

valores e desvalores sobre esse período e essa civilização.

A história bizantina é um longo caminho a se trilhar no Brasil ainda. Esse

império que perdurou por aproximadamente mil anos durante toda a Idade Média, ainda

deve ser muito explorado e debatido em nosso país. Isso vem acontecendo desde

meados da década de 1980, quando pesquisadores brasileiros começaram a se

especializar nesse período. Bizâncio tem seus vários adeptos, mas mesmo assim ainda

se caracteriza muitas vezes pelo desconhecido ou pela abordagem superficial do

Império. Nessas linhas, vamos dar um breve resumo dos estudos sobre Bizâncio, desde

o século XVI até o alvorecer dos estudos dos bizantinistas no século XX, o que

gostaríamos de nomear, conforme a denominação dada pelo bizantinista francês Charles

Diehl, como ―O lugar de Bizâncio na História‖2...

No século XVI, na Europa, começam a ser reeditadas as obras tanto da

Antiguidade clássica greco-romana quanto dos escritos bizantinos da Idade Média. É

nesse ponto que podemos notar um aumento de interesse por essa produção, que pode

ser comprovada pelo grande número de edições que surgem desses autores em países

como Alemanha, Países Baixos e Itália.

A França teve papel fundamental nos estudos bizantinos – tanto para enaltecer o

período como para criar uma imagem pejorativa, como veremos adiante –. Na época de

Luis XIV (1643-1715), a França se tornava um modelo para a Europa, com a criação de

várias bibliotecas, públicas ou particulares, que tinham como função primária reunir

vários manuscritos antigos e medievais. Administrando esse movimento de reunião e

seleção de manuscritos na França, já no século XVII, está Du Cange (1610-1688), um

erudito com uma vasta obra publicada, que merece reconhecimento até nossos dias.

Dele advêm algumas das obras mais importantes sobre Bizâncio, como o De Familiis

Byzantinis, que reúne elementos genealógicos e a Constantinopolis Christiana, que traz

a datação dos acontecimentos do Império; além de um glossário que ainda hoje se

2 DIEHL, Charles. Os grandes problemas da história de Bizâncio. São Paulo: Editora das Américas,

1961.

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9

configura como um dos mais importantes sobre não apenas Bizâncio, mas a Idade

Média em geral.

O século XVIII trouxe o Iluminismo e a Revolução à França. Ao chegar a essa

época, a qual a historiografia posterior denominaria como a Idade da Razão, os

eruditos, com a crítica à monarquia, ceticismo religioso, acabaram por refutar o passado,

negando-o e perdendo o interesse por Bizâncio. Vasiliev afirma que ―toda a história da

Idade Média foi considerada então como uma época ‗gótica‘, bárbara, fonte de

ignorâncias e trevas‖3. Bizâncio, um império baseado em um poder monárquico,

apoiado pelo clero bizantino, não foi valorizado pelos filósofos franceses do século

XVIII.

Nesse período, escreveu Montesquieu as suas Considerações sobre as causas da

grandeza dos romanos e sua decadência4, em 1734. O autor afirma que o Império

Bizantino se caracterizava por ser a continuação direta do Império Romano. Seu

julgamento é severo, dizendo que Bizâncio apresenta uma ―acumulação de vícios

orgânicos em sua estrutura social, sua vida religiosa e sua organização militar, que só

dificilmente se pode imaginar como um mecanismo tão deteriorado pode subsistir até

meados do século XV‖5.

Gibbon foi um dos maiores historiadores do século XVIII. Inglês de nascimento,

apaixonado pela França, foi muito influenciado pelo Iluminismo francês. Sua obra

maior foi a História da decadência e queda do Império Romano6, lançado entre 1776 e

1788. Segundo o próprio historiador inglês, sua obra descrevia o ―triunfo da barbárie e

da religião‖, que significa que o desfecho das sociedades humanas a partir do século II

d.C. significaria uma ―regressão humana‖, nas palavras de Vasiliev7. Porém sua obra no

período medieval do Império, que é o nosso ponto de interesse, foi marcada pela rapidez

da escrita, já que Gibbon estava fortemente influenciado pelas ideias do século XVIII e

pelos acontecimentos que o cercavam nos instantes da Revolução Francesa.

A beleza e o esplendor da cidade moderna podem ser atribuídos ao abuso do

governo, à influência da superstição. Cada reinado (as exceções são raras) se

assinalou pela rápida elevação de uma família, enriquecida pelo pontífice sem

filhos às custas da Igreja e do país. Os palácios desses sobrinhos afortunados

3 VASILIEV, Alexander A. Historia del Imperio Bizantino. Barcelona: Ibéria, 1945.

4 MONTESQUIEU. Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e sua decadência. São

Paulo: Editora Saraiva, 2005. 5 Apud VASILIEV, op. cit., p. 10.

6 GIBBON, E. Declínio e Queda do Império Romano. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

7 VASILIEV. op. cit., p. 13.

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10

são os mais dispendiosos monumentos de elegância e servidão; as artes perfeitas

da arquitetura, da pintura e da escultura se prostituíram a serviço deles; e suas

galerias e jardins estão decorados com as mais preciosas obras da Antiguidade

que o gosto ou a vaidade os incitou a colecionar (…) [Na história do Declínio e

Queda do Império Romano] as diversas causas e os efeitos progressivos

vinculam-se a muitos dos acontecimentos mais interessantes dos anais

humanos; a política ardilosas dos césares, que manteve por longo tempo o nome

e a imagem de uma república livre; as desordens do despotismo militar; o

surgimento, estabelecimento e seitas do cristianismo; (…) as instituições do

direito civil; o caráter e a religião de Maomé; a soberania temporal dos papas; a

restauração e decadência do Império Ocidental de Carlos Magno; as Cruzadas

dos latinos no Oriente; as conquistas dos sarracenos e dos turcos (…)8.

A opinião negativa sobre a Idade Média e o Império Bizantino é manifesta até o

século XIX. Mas em meados deste, as opiniões começam a mudar. É a época dos

românticos, que começaram a exaltar essa história. Assim, vemos surgir um novo

interesse pela história bizantina e um grande número de trabalhos sobre o tema.

É nesse século que alguns autores elevam o seu nacionalismo ao âmbito de suas

pesquisas, pelo fato de estarem em meio a crises internas em seus países9. George

Finlay foi um historiador inglês, que tal como Gibbon se apaixonara pela França, se

encantara com a Grécia. Tanto que como pró-heleno convicto, animado com o que

poderia vir a ser o novo Estado grego, decidiu fixar-se na Grécia e ali permanecer. Sua

obra principal é a História da Grécia desde a conquista romana até nossos dias, de

1864, em que o historiador estuda e lança sua tese sobre as dominações estrangeiras no

território heleno. Para ele, a dominação estrangeira que antecedeu a formação do Estado

Nacional Grego mostra a decadência e as desgraças daquela ―nação‖, que na

Antiguidade alcançou o mais alto grau de civilização. Dessa forma, para Finlay, nem o

Império Romano nem o Império Otomano fizeram parte da História Grega, pois não

eram aceitos pelo mundo grego. Seu único papel foi o de dominador estrangeiro. Para

esse estudioso, o Império Bizantino, com suas práticas políticas, foi o único que os

gregos acataram e do qual fizeram parte, pois se identificaram com a administração

imperial.

Assim, a obra de Finlay assinala um importante passo nas pesquisas sobre o

Império Bizantino, já que ele tem o mérito de ter sido o primeiro a atrair a atenção para

a organização interna de Bizâncio, com suas instituições jurídicas, sociais, econômicas,

etc.

8 GIBBON, op. cit., pp. 596-597.

9 Vale ressaltar que não é algo inédito, haja vista o caso de Maquiavel, na Florença do século XVI.

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11

Outro pesquisador importante é Paparrigópolus, professor da Universidade de

Atenas, que dedicou toda a sua vida ao estudo do passado do seu país. Escreveu em

grego a obra História do povo grego desde os tempos mais antigos até a época

contemporânea, publicada entre 1860 e 1877, depois editado em francês em uma edição

resumida, sob o nome de História da civilização helênica10

.

Sua obra é extremamente nacionalista, já que é um patriota convencido, mas

ainda assim, de digna menção. Examina todos os aspectos de um ponto de vista

puramente nacional. Analisa todos os fenômenos importantes a partir de um princípio

grego, além de considerar a influência romana como acidental e superficial na

civilização helênica. Para ele, o helenismo se conserva durante a Idade Média em

Bizâncio, sendo que a queda de Constantinopla nas mãos dos cruzados em 1204 não é

fruto de uma causa interna, mas sim da força dos cruzados invasores. Para Vasiliev, na

obra de Paparrigópolus, ―o helenismo viveu, em uma ou outra forma, uma vida cheia de

vigor durante toda a história bizantina‖11

e seu nome é digno de menção nos estudos

ainda hoje, pelo fato de ter demonstrado toda a importância e complexidade do

movimento iconoclasta para a história de Bizâncio.

Charles Hopf, professor da Universidade de Koenigsberg, foi um grande

compilador de fontes sobre o Império Bizantino. Suas obras se focaram na dominação

franca do Império, ou seja, o domínio ocidental em Bizâncio a partir da tomada de

Constantinopla pelos Cruzados em 1204. Mas sua grande contribuição para o

bizantinismo foi realmente o grande número de documentos que compilou em suas

viagens à Itália, o que possibilitou novas descobertas nos estudos sobre a Idade Média

em Bizâncio.

A obra de Hopf é de difícil acesso ao público em geral, por isso seus seguidores

fizeram com que suas ideias fossem passadas no ambiente acadêmico. Um deles é

Hertzberg, que colaborou muito na divulgação dos trabalhos de seu professor. Outro foi

F. Gregorovius, que além de propagador do pensamento de Hopf, em sua tese, transfere

o centro de divulgação de conhecimento na Idade Média para outro lugar: Atenas.

J. B. Bury foi professor na Universidade de Cambridge, no início do século XX.

Sua maior obra são os três volumes da História geral de Bizâncio, de 192312

. Bury

10

PAPARRIGÓPOLUS, Constantine. History of the Greek Nation. Pavlos Karolidis, Editions:

Eleftheroudakis, 1925 11

VASILIEV, op. cit., p. 18. 12

BURY, J. B. History of the later Roman Empire. From the death of Theodosius I to the death of

Justinian. New York: Dover, 1958.

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12

aparece como defensor da tese de continuidade do Império Romano durante toda a

Idade Média. Assim, o Império Bizantino é o continuador do Império Romano, que não

deixa de existir até 1453, com a queda de Constantinopla nas mãos dos turcos

otomanos. Mas para o autor, é errado utilizar-se das expressões de ―Império Bizantino‖,

―Império Grego‖, ou ―Greco-romano‖, pois isso só faz com que sejam geradas

confusões sobre o que ele realmente foi: o Império Romano. Ainda que aceite que a

partir do século IX ele possa ser designado como Império Romano do Oriente.

Outro historiador é Heinrich Gelzer, professor da Universidade de Jena, que,

sendo político militante, acaba por colocar suas simpatias políticas em suas apreciações

históricas sobre a época bizantina. Sua tese central é a de que o Império Russo

representa a verdadeira continuação do Império Bizantino.

Em 1910 em Londres F. W. Bussel escreveu uma obra intitulada O Império

romano: ensaios sobre sua história constitucional desde o advento de Domiciano até a

retirada de Nicéforo III13

. Nela, o autor expõe sua tese de que as formas republicanas da

constituição romana, que estavam claras nos primeiros séculos do Império Romano,

seguiram existindo, de uma forma ou de outra, até o período da dinastia dos Comnenos,

quando foram definitivamente substituídas por uma forma de autocracia bizantina. O

que podemos caracterizar como tirania.

O século XX torna-se, então, o grande século da História. É nele que as novas

escolas históricas tornam-se críticas quanto ao método, quanto à teoria, quanto às

discussões sobre a história em si. Surgem novos preceitos, novas ideias, e, também,

variados tipos de interpretações.

Com a história de Bizâncio não é diferente. Grandes pesquisadores se debruçam

sobre seus estudos. E como salienta Franz Georg Maier, ―a história bizantina não

necessita atualmente de nenhuma justificação‖14

. A história bizantina se torna mais

crítica, e novos olhares são colocados sobre o Império.

Alguns trabalhos se tornam verdadeiros clássicos, como o de Georgina Buckler,

Anna Comnena, a study15

, onde encontramos um dos únicos trabalhos sobre esta

princesa historiadora da Idade Média. Neste livro, Buckler faz um estudo sobre as

influências, sobre o modo de vida da corte, sobre a escrita, sobre as vontades e anseios

13

BUSSEL, F. W. Essays on the Constitutional History of the Roman Empire. London, 1910. 14

MAIER, F. G. Bizancio. Historia Universal Siglo XXI. Buenos Aires, Córdoba: Siglo XXI Argentina,

S. A., 1974. 15

BUCKLER, Georgina. Anna Comnena, a study. London: Oxford University Press, 1968.

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13

da princesa. Um livro de cabeceira para todo historiador que se debruce sobre o período

da dinastia Comnena.

Outros pesquisadores também demonstram sobre o período várias reflexões.

Paul Lemerle, professor da Academia Francesa, em seu Histoire de Bizance16

, expôs a

sua periodização da história bizantina, em que a dinastia dos comnenos diferencia-se

pelo fato de ocorrer durante este período o movimento das Cruzadas. A eles se juntam

Charles Diehl, David Talbot Rice, que estudam a sociedade bizantina através da

iconografia do período.

Uma análise interessante é a que faz Gérard Walter, em seu A vida quotidiana

em Bizâncio no século dos Comnenos (1081-1180)17

. Um livro de fortes traços

marxistas, que traz uma explicação através dos conceitos de classe dominante e classe

dominada, sobreposição de uma elite sobre uma população mais ampla que se torna

oprimida por essa elite, na civilização bizantina do período dos comnenos.

Os estudos se intensificam de forma espetacular no final do século XX. De

forma que surgem vários pesquisadores não somente na Europa, mas também em outras

várias partes do mundo. Os italianos aparecem com vários congressos e livros sobre o

Império Bizantino, principalmente nos temas relacionados à época em que a península

itálica fazia parte do território bizantino. Uma coleção muito importante que citamos é o

Homem Bizantino18

, dirigida por Guglielmo Cavallo, onde se encontram vários

pesquisadores que através de seus textos, que têm nomes simples, tais como A Mulher,

O Professor, O Homem de negócios, entre outros, trazem um amplo quadro de como se

organizava socialmente o Império Bizantino, desde a fundação de Constantinopla até a

sua queda, nas mãos dos turcos otomanos.

Nos Estados Unidos da América surgem vários pesquisadores influenciados pela

historiografia inglesa e pela alemã. Eles fazem um grande número de pesquisas nas

áreas da história cultural. Um autor que citamos é P. Stephenson, com seu artigo Anna

Comnena’s Alexiad as a source for the Second Crusade?, no qual o autor se questiona

se a obra de Anna Comnena pode ser, como o próprio título aponta, uma fonte para os

estudos sobre a Segunda Cruzada, tendo em vista que a escrita do texto de Anna se deu

exatamente no momento em que acontecia o movimento da Segunda Cruzada latina.

16

LEMERLE, Paul. Histoire de Byzance. Paris: Presses Universitaires de France, 1975. 17

WALTER, Gérard. A vida cotidiana em Bizâncio no século dos Comnenos (1081-1180). Lisboa:

Edição ―livros do Brasil‖, s/d. 18

CAVALLO, Guglielmo (org.). O Homem Bizantino. Lisboa: Presença, 1998.

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14

Recentemente, muitos estudos surgiram no Chile, onde encontramos um grupo

de estudos voltados para o Oriente grego antigo e medieval, o Fotios Malleros, com

uma revista destinada à publicação de estudos sobre o Oriente antigo e medieval,

Byzantion Nea Hellás, que criado pelo professor Hector Herrera, grande estudioso da

cultura bizantina, tem hoje em dia continuidade com seus ex-alunos, entre eles o

professor José Marín, com um variado leque de estudos sobre a civilização bizantina,

dentro dos quais destacamos Ana Comneno en el panorama de la cultura bizantina, em

que o autor mostra todo ambiente cultural bizantino à época dos comenos e de que

forma há uma influência clássica nesta cultura, que julga a si própria continuadora do

Império Romano e detentora da tradição clássica oriunda tanto deste império quanto da

época grega clássica.

Muitos trabalhos são produzidos, mas a grande contribuição do século XX foi a

tentativa de se fazer uma história bizantina de forma crítica, a fim de que as pesquisas

pudessem ser discutidas, aperfeiçoadas e cada vez mais demonstrar a civilização

bizantina de forma que não se tenha mais a imagem negativa que teve, tal como a Idade

Média como um todo, grande difusão no início do século XX. Ou como pensa Jacques

Le Goff, não exaltar a Idade Média – e Bizâncio também – mas apenas demonstrar uma

sociedade de homens, que viveram em seu determinado período e que deixaram um

grande legado para a construção do mundo moderno e contemporâneo.

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15

Capítulo I

Anna Comnena, historiadora medieval

La obra de Ana Comnena se ofrece al

lector como un mundo cuajada de

impresiones apasionantes. Vivo reflejo de

un ámbito lejano a nosotros y, por ello,

atractivo. Con el avance en su lectura se

llega a una relación casi de amistad con

esa mujer que, en retiro de un convento,

frustrada, pero digna como una princesa

de sangre imperial, compuso un

monumento de amor hacia su padre y

hacia su cultura en un esfuerzo

incansable19

Ao final do século XI, temos uma nova dinastia tomando o poder imperial em

Bizâncio, a dinastia dos Comnenos, iniciada por Aleixo, dito I (Αλέξιος Α' Κομνηνός).

Este era um militar, que através de vários acordos com as diversas famílias da

aristocracia bizantina consegue tomar o trono imperial para si. Mostrou-se um bom e

eficiente administrador, já que o período em que foi imperador – ou basileu, como era a

designação bizantina – o Império se encontrava em constantes crises, nos mais diversos

âmbitos. A moeda estava desvalorizada, as disputas por poder no Império Bizantino

eram freqüentes, ataques invasores eram perceptíveis nas fronteiras imperiais e foi no

período em que governou que começaram as cruzadas do Oriente, para as quais, pelo

menos no que se refere à primeira, esse basileus teve responsabilidade e participação20

.

Aleixo era casado com Irene, pertencente à importante família aristocrática dos

Ducas. Seu casamento se situa na gama de alianças feita para que Aleixo conseguisse

tomar e se sustentar no poder imperial. Dessa união nasceria Anna Comnena, filha

primogênita do casal e porfirogênita.

19

ROLANDO, E. D. ―La Alexíada de Ana Comnena‖. Erytheia, 9.1 (1988), p. 28. 20

Fora ele quem pedira auxílio ao papa Urbano II para que milícias o ajudassem na guerra contra os

muçulmanos na Terra Santa. Ver: RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas: a Primeira Cruzada e o

Reino de Jerusalém (vol. I). Rio de Janeiro: Imago, 2003.

Page 16: (séculos xi-xii)

16

A porfirogenia era a designação dada aos filhos dos imperadores bizantinos que

nasciam enquanto seus pais estivessem no poder – nascimento este ocorrido dentro da

Sala Púrpura, daí o nome de porfirogênito. Foi o caso de Anna Comnena, nascida nesta

sala do Palácio Imperial21

e, portanto, herdeira de toda a dinastia que estava por se

estabelecer. A própria Anna Comnena relataria seu nascimento anos mais tarde, que

aconteceu após o retorno de imperador de uma das batalhas contra alguns invasores:

O imperador retornou vencedor e triunfante à capital, em companhia dos latinos

do conde Briênio, que por própria iniciativa havia passado para seu bando,

como dissemos anteriormente; era um de dezembro da sétima indicação [1083].

Ali se encontrou com a imperatriz na estância destinada desde antigamente às

soberanos que estão a ponto de dar à luz, a qual nossos antepassados deram o

nome de pórfira, razão pela qual a denominação de porfirogênito se estendeu

por todo o mundo fazendo referência aos ali nascidos. À Alba (era sábado) deu

à luz a uma menina que apresentava total aparência, segundo se dizia, com seu

pai. Era menina era eu22

.

Anna casou-se com o conde Briênio e sempre foi marcante a sua vontade de ser

a herdeira também do cetro imperial, conforme notamos por outras fontes posteriores;

cetro que acabou herdado por seu irmão mais novo João II Comneno23

. Essas

perspectivas podem ser notadas no livro que nos legou, A Alexíada. Esta obra trata da

vida do Imperador Aleixo I Comneno, e foi ―encomendada‖ a Nicéforo Briênio, marido

de Anna, que já havia escrito uma outra obra de Histórias. Entretanto, Briênio morreu

antes da escrita deste texto. Esse, por sua vez, foi assumido por Anna, que havia

decidido escrever, a partir de toda uma larga tradição da historiografia bizantina, os

feitos do Imperador Aleixo, seu pai. Partindo de uma análise do proêmio de sua obra,

21

A cerimônia que envolvia os porfirogênitos era praticada de longa data em Bizâncio. Notamos

referências a ela no livro das Cerimônias, de Constantino VII Porfirogênito, que era um compêndio de

cerimoniais imperiais, o qual ele resolvera compilar para manter esses atos imperiais cheios de ―grandeza

e esplendor‖. Anna Comnena também demonstra como era o cerimonial em sua obra. Tivemos a

oportunidade de trabalhar com este assunto, o que resultou a escrita de um texto: BASSI, R. J. ―Eu, filho

da púrpura. Porfirogenia Bizantina no Panorama Cultural dos séculos X a XII: Algumas considerações

sobre Constantino VII Porfirogênito e Anna Comnena‖. No prelo. Texto apresentado no evento: Fontes,

Saberes e Tradições. Primeira Semana de Estudos antigos e medievais do NEMED. 22

Anna Comn. Alex. Liv. VI, cap. VIII, 1 [tradução ao português nossa]. ―El emperador retornó vencedor

y triunfante a la capital en compañia de los latinos del conde Brienio que por propria iniciativa se habían

pasado a su bando, como hemos dicho anteriormente; era el uno de deciembre de la séptima indicción.

Allí se encontró a la emperatriz en la estancia destinada desde antiguo a las soberanas que están a punto

de dar a luz, a la que nuestros antepasados dieron el nombre de pórfira, razón por la que la denominación

de porfirogêneto se ha extendido por todo el mundo haciendo referencia a los allí nacidos. Al alba (era

sábado) dio a luz a uma niña que presentaba un total parecido, segun se decía, con su padre. Esa niña era

yo‖, p. 280. 23

Niceta Coniata escreveria mais tarde sobre o plano de Anna para se apoderar do trono imperial que

havia sido legado ao seu irmão.

Page 17: (séculos xi-xii)

17

notamos que Anna se insere nesta tradição historiográfica bizantina, que vai beber em

fontes clássicas para construir as bases do seu fazer historiográfico. Assim, Anna

Comnena assumiu a responsabilidade de fazer uma história visando os feitos do

Imperador, a partir de relatos orais daqueles que o conheceram24

.

1.1 – Formação de Anna Comnena, uma educação incomum

Culturalmente, o Império nessa época esteve inserido num dos mais altos patamares

de sua história. A corte dos Comnenos se caracterizou muito pelo apoio à produção

cultural, por esse mesmo motivo Constantinopla passa a ser a capital cultural do Império,

como nos aponta o historiador José Marín Riveros25

. O imperador Aleixo encarrega Ana

Dalassena, sua mãe, de fazer com que a corte, que antes não era totalmente ligada a essas

questões, se tornasse um grande local de oração e de estudos. A própria Anna Comnena

nos mostra o resultado do trabalho de Dalassena: ―ela transformou, melhorou e impôs uma

ordem digna de elogio no gineceu do palácio‖26

.

A questão da educação das mulheres, nesse contexto da sociedade bizantina

medieval, era um tanto quanto diferenciada, pois, como podemos notar, Anna era não só

instruída, mas sábia27

. Ao nos depararmos com o texto de Alice-Mary Talbot, notamos que

a mulher bizantina não tinha muito acesso à educação, pois sua principal função era criar

os filhos28

. A formação das meninas ―limitava-se a saberem ler e escrever, decorar os

Salmos, estudar as Escrituras‖29

. Justamente por isso, a autora classifica a experiência

educacional de Anna como ―excepcional‖, pois ela conseguia ter acesso a diversos autores

clássicos e a diversas disciplinas, ainda que seus pais não a encorajassem desde cedo ao

24

Tivemos a possibilidade de escrever sobre esse assunto em um Evento de História Medieval no Rio de

Janeiro. O resultado pode ser encontrado em: BASSI, Rafael José. ―De vossas fontes bebi: A presença do

pensamento de Heródoto, Tucídides e Políbio na concepção de História d‘A Alexíada de Anna Comnena

(Séculos XI e XII)‖. In: Atas da VII Semana de Estudos Medievais. Rio de Janeiro: PEM – UFRJ, 2008, pp.

155-162. 25

―En general, a corte de los Comneno se caracterizo por su refinamiento y Constantinopla, en ese entonces,

es el principal centro cultural del imperio‖. In.: RIVEROS, José Marín. ―Ana Comneno en el Panorama de la

Cultura Bizantina‖. In.: Bizantino Nea Hellás. Nº 23, 2004. p. 107. 26

Anna Comn. Alex. Liv. III, cap. VIII, 1: ―ella transformó, mejoró e inpuso un orden digno de elogio en el

gineceo del palácio‖. Podemos ainda salientar com a passagem sobre Ana Dalassena: ―diré que era la mayor

gloria tanto del sexo femenino, como del masculino, y un adorno de la naturaleza humana‖, p. 193. 27

Apud. DIHEL, Charles. In.: RIVEROS. Op. cit. p. 112. 28

TALBOT, Alice-Mary. ―A mulher‖. In.: CAVALLO, Guglielmo (dir.). O homem bizantino. Lisboa:

Editorial Presença, 1998. p. 118. Um outro trecho do texto interessante é a divisão comum da vida da mulher

bizantina: ―pode subdividir-se em três fases: a infância, o período do casamento e da maternidade, e,

finalmente (se a mulher sobrevive ao marido), a viuvez e a velhice‖, p. 119. 29

TALBOT. Op. cit. p. 119.

Page 18: (séculos xi-xii)

18

estudo da literatura profana30

, que nessa época era composta pelos clássicos gregos e

romanos. José Marín, entretanto, nos mostra que as mulheres tinham acesso ao estudo,

como no caso da mãe de Miguel Psellos (1018-1078), que não apenas o estimulou a

estudar, mas ela própria estudava às escondidas. Este mesmo Miguel fala com muito

louvor de sua filha Estiliana, que, mesmo morrendo muito nova, em vida estudava

abertamente. Como nos aponta Riveros, o historiador bizantino Psellos pode nos dar o

exemplo das transformações que as mulheres viveram nos fins do século X a meados do

XI, sendo que, ao que parece, não havia dificuldade para que a mulher estudasse, ainda que

poucas eram as que queriam fazê-lo31

. Podemos destacar que os autores divergem no que

se refere aos grupos sociais, porque Talbot trata da mulher na sociedade em geral, sendo

que Riveros nos fala de um círculo restrito aos arredores do Palácio Imperial.

A formação de Anna Comnena foi sempre voltada para a leitura dos clássicos

gregos e romanos (não nos esqueçamos que Bizâncio era a continuadora dessas duas

culturas), ainda que seus pais não aprovassem, querendo que ela apenas se aprofundasse

nos estudos dos textos sagrados. Mas sua avó, Ana Dalassena, fez com que ela tivesse

amplos estudos e que tivesse acesso a diversas leituras, até mesmo a profana, ou seja, os

clássicos. Por isso Alice Mary-Talbot afirma que Anna Comnena foi um caso

excepcional dentro da sociedade bizantina, não estando destinada apenas ao estudo dos

já mencionados textos sagrados – os Evangelhos – e das práticas de organização da casa

e cuidados com os filhos32

. Os estudos da princesa foram voltados para os textos

clássicos, a ponto de utilizá-los diversas vezes durante sua obra, quando a historiadora

se refere ―conforme diz a tragédia‖ referindo-se aos textos de Homero ou Sófocles, ou

ainda ―conforme o poeta‖, entre outros.

Ao longo da leitura d‘A Alexíada, encontramos diversas referências ao poeta

Homero, o que de fato acontece pela vasta leitura que Anna Comnena realiza deste

autor, ou pelo menos conforme ela mesma caracteriza em seu proêmio:

não só não sou inculta em letras, como inclusive estudei a cultura grega

intensamente, que não desatendo a retórica, assimilei as disciplinas aristotélicas

e os diálogos de Platão e madurei o quadrivium das ciências (devo revelar que

possuo estes conhecimentos – e não é jactância o feito - todos os quais me

30

Idem. p. 120. 31

RIVEROS. Op. cit. p. 106. 32

TALBOT. Op. cit.

Page 19: (séculos xi-xii)

19

foram concedidos pela natureza e pelo estudo das ciências, que Deus desde o

alto me presenteou e as circunstâncias me aportaram)(…)33

.

Assim, vemos uma autora que se afirma enquanto historiadora e que, ao mesmo

tempo, nos demonstra toda a sua educação erudita, e por isso incomum, para a época em

que viveu. Essa característica de Anna Comnena demonstra que ela não seguiu apenas

aquilo que as mulheres em Bizâncio estudavam, mas foi além.

1.2 – Anna Comnena, porfirogênita

A porfirogenia, conforme salientamos em linhas acima, era a nominação dada

àqueles filhos de imperadores bizantinos que nasciam na Sala Púrpura do Palácio

Imperial. Era um privilégio dos que nasciam enquanto seus pais estavam no comando

do Império. Dessa forma temos Anna Comnena nascendo na sala púrpura e sendo

afirmada como porfirogênita, como aquela que recebe os desígnios da púrpura para dar

sucessão a uma dinastia já estabelecida.

Após o nascimento de um porfirogênito, um complexo cerimonial é celebrado.

Anna Comnena escreve que após seu nascimento as tradições e os rituais que vinham

desde os tempos passados foram realizados. Estes consistiam em aclamações,

distribuição de presentes por parte da aristocracia senatorial e militar. Depois de

percorridos alguns dias, segundo a historiadora, seus pais consideravam-na já como

digna da coroa e do diadema imperial. Dessa forma parte Anna para as aclamações em

cortejo. Segundo a autora, ―este cerimonial esteve se cumprindo durante bastante

tempo‖34

conforme escutara de seus pais posteriormente. Quando do nascimento do

filho varão do imperador, João (Ιωάννης Β' Κομνηνός), Anna demonstra que esses

nascimentos eram muito comemorados, os habitantes do Império se alegravam de ver

que seu imperador e imperatriz estavam alegres35

. João, por sua vez, foi, conforme

mandava a tradição, levado até a igreja de Santa Sofia e ali, sob sua cúpula iminente,

33

Anna Comn. Alex.Proémio, cap. I, 2 : ―no sólo no soy inculta em letras, sino incluso he estudiado la

cultura helénica intensamente, que no me despreocupo de la retórica, que he releído bien las artes

aristotélicas y los diálogos de Platón y he madurado en el quadrivium de las ciencias (pues es preciso

revelar estos conocimientos -y no es jactancia el hecho- cuantos la naturaleza y el estudio en torno a las

ciencias me han dado, Dios desde lo alto me recompensó y las circunstancias me han aportado)‖, p. 80.

34 Anna Comn. Alex. Liv. VI, cap. VIII. ―Este ceremonial se estuvo compliendo durante bastante tiempo,

como despues he oído contar muchas veces a mis parientes y a mis progenitores‖, p. 281-282.

35 Anna Comn. Alex. Liv. VI, cap. VIII. ―Todos los súditos saltaban viendo a sus gobernantes tan felices,

se alegraban unos con otros y disfrutaban del regocijo‖ (p. 282). Ainda que Anna comente que alguns

deles estavam fingindo, todos se mostravam alegres em uníssono.

Page 20: (séculos xi-xii)

20

batizado e coroado. Conforme nossa fonte salienta: ―em suma, essas são as cerimônias

que nos competem a nós, os porfirogênitos, desde o primeiro momento de nossa vida

(…)‖36

.

***

Uma palavra que poderia muito bem classificar a vida de Anna Comnena é

frustração. Vários historiadores nos apontam isto, entre eles, seu tradutor ao espanhol,

Emilio Diaz Rolando37

. Frustração pelo fato de que sua vontade maior era tomar para si

o cetro imperial, ser ela mesma a basilissa do Império Bizantino. Isso se demonstra em

seus escritos e em outras fontes, como, por exemplo, as Histórias38

, de Niceta Coniata.

Anna Comena nasceu, foi criada e educada para ser imperatriz. Era prometida a

Constantino Ducas, que seria seu marido e que assumiria o trono após o período que

Aleixo governasse. Era o que poderia acontecer, caso não morresse esse Constantino em

1094, deixando, deste modo, desfeito o acordo inicial, que consistia na união entre os

dois representantes dessas famílias – Comnena e Ducas – com a intenção de dar

continuidade à dinastia vigente.

Juntamente com a perda de seu futuro marido, nasceu um ódio permanente a seu

irmão João Comneno, que passou a ser o sucessor do trono bizantino. Como bem

ressalta Rolando, ―a princesa odiou por toda a sua vida seu irmão‖39

, a tal ponto que,

após a morte de Aleixo, tramou com sua mãe um forma de tomar o poder da mão do

irmão. Trama que fracassou, tendo em vista o pouco auxílio que teve daqueles que

estavam ao seu lado. A tentativa de destronar o irmão lhe rendeu apenas a perda de seus

bens, uma vez que João Comneno resolveu não condenar e punir a irmã e a mãe por

terem cometidos planos de assassínio.

Esses foram períodos de intriga profunda, durante toda a sua vida, ora por tentar

fazer com que seu pai aceitasse a ideia de não dar o trono a João, ora no planejamento

de tentativas de tomada de poder. Rolando afirma,

36 Anna Comn. Alex. Liv.VI, cap. VIII, 5: ―En suma, éstas son las ceremonias que nos competen a

nosotros, los porfirogénetos, desde el primer momento de nuestra vida; lo que ocurrió después, será

contado en su momento‖, p. 282. 37

ROLANDO, Emilio Díaz. ―Estudio Preliminar‖. In: COMNENO, Ana. La Alexiada. Sevilla: Editorial

Universidad de Sevilla, 1989. 38

CONIATA, Niceta. Grandezza e catastrofe di Bisanzio. Milano: Mondadori, 1999. 39

ROLANDO. Op. cit. p. 13.

Page 21: (séculos xi-xii)

21

a imaginação se figura toda uma vida de intrigas. Parece ser que o próprio

Nicéforo [Briênio] não era muito adito a estes propósitos. O ponto culminante

se produziu quando, no leito de morte, tanto Irene quanto Anna, pediram ao

agonizante Aleixo para que na última instância se apartasse de seus projetos

sucessórios, sem que tal empenho tivesse êxito40

.

Após todas as tentativas – frustradas – de ascender ao trono imperial, Anna

Comnena e sua mãe, Irene Ducas, retiram-se a um monastério, onde passam seus dias

até o leito de morte. É nesse local que Anna Comnena abraça o monacato e volta a ler

os clássicos gregos. Também é neste lugar onde começa a redigir a história sobre seu

pai, sua Alexíada.

40

Idem, ―La Alexiada de Ana Comneno‖. Erytheia, 9.1 (1988), ―La imaginación se figura toda uma vida

de intrigas. Parece ser que el proprio Nicéforo no era muy adicto a esos propósitos. El punto culminante

se produjo cuando en el lecho de muerte tanto Irene como Ana acosaron al agonizante Alejo para que en

ultima instancia se apartase de sus proyectos sucesorios, sin que tal empeño fuera culminado con el

éxito‖, p. 24.

Page 22: (séculos xi-xii)

22

Capítulo II

As Cruzadas vistas pelos bizantinos

Na década de noventa, do século XX, Amin Maalouf, escreveu um livro que se

tornou muito famoso, seu nome era As Cruzadas vistas pelos árabes41

. Nele, o autor

traz várias fontes árabes que relatam o movimento cruzadístico, de forma a demonstrar a

visão que os muçulmanos faziam dos latinos, que chegavam às portas da Terra Santa. O

livro tornou-se um clássico. Por se tratar de um outro olhar, de uma nova visão sobre o

mesmo acontecimento, parafraseamos o título, a fim de demonstrar, com nossas fontes

bizantinas, qual era a visão que o Império Bizantino fez sobre os latinos que passaram

por Constantinopla durante esse período, esse processo histórico, as Cruzadas.

2.1 – O chamado à Cruzada

As Cruzadas foram um movimento iniciado no Ocidente – a Europa cristã

medieval – que partiu em direção ao Oriente – o Império Bizantino e mais

especificamente Jerusalém, as Terras Santas. Tinha como campo de batalha os limites

da Cristandade, ou seja, à época, as regiões da Síria e da Palestina. Em sua

peregrinação, os cruzados deveriam passar por Constantinopla, capital do Império

Romano do Oriente, ou Império Bizantino.

A região do Mediterrânico foi um ponto de confluência de diversas culturas,

como germânicas, nórdicas, judaicas, bizantinas, ibéricas, italianas e árabes, o que

contribuiu para um maior número de visões culturais. A isso se soma uma explosão

demográfica e social que vinha acontecendo desde os séculos IX e X na Europa

Ocidental, salientada pela época do Ano Mil42

. Essa sociedade era caracterizada pela

trifuncionalidade descrita por Georges Duby. Dividiam-se entre aqueles que

trabalhavam, aqueles que oravam e aqueles que guerreavam; simplificando, o povo, o

clero e a nobreza, respectivamente43

. O bispo Adalbéron de Laon44

escreve que:

41

MAALOUF, Amin. As Cruzadas vistas pelos árabes. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. 42

FRANCO JÚNIOR, Hilário. O Ano 1000. Tempo de medo ou de esperança? Série Virando Séculos.

Rio de Janeiro: companhia das Letras, 1999. 43

DUBY, Georges. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.

Page 23: (séculos xi-xii)

23

A sociedade dos fiéis forma um só corpo, mas o Estado compreende três.

Porque a outra lei, a lei humana, distingue duas outras classes: com efeito,

nobres e servos não são regidos pelo mesmo estatuto. Duas personagens

ocupam o primeiro lugar: uma é o rei, outra o imperador; é pelo seu governo

que vemos assegurada a solidez do Estado. O resto dos nobres tem o privilégio

de não suportar o constrangimento de nenhum poder, com a condição de se

abster dos crimes reprimidos pela justiça real. São os guerreiros, protetores da

igreja; são os defensores do povo, dos grandes como dos pequenos, enfim, de

todos, e asseguram ao mesmo tempo a sua própria segurança. A outra classe é a

dos servos: esta raça infeliz apenas possui algo à custa do seu penar. Quem

poderia, pelas bolas da tábua de calcular, fazer a conta dos cuidados que

absorvem os servos, das suas longas caminhadas, dos seus duros trabalhos?

Dinheiro, vestuário, alimentação, os servos fornecem tudo a toda a gente. Nem

um só homem livre poderia subsistir sem os servos.

A casa de Deus, que acreditam uma, está pois dividida em três: uns oram, outros

combatem, outros, enfim, trabalham. Estas três partes que coexistem não

suportam ser separadas; os serviços prestados por uma só a condição das obras

das outras duas; cada um por sua vez encarrega-se de aliviar o conjunto. Por

conseguinte, este triplo conjunto não deixa de ser um; e é assim que a lei pode

triunfar, e o mundo gozar da paz45

.

Assim o bispo Adalbéron nos mostra de que forma estavam divididas as funções

na sociedade medieval. Somente com essa divisão e a justa função exercida por cada um

dos representantes é que se poderia gozar de uma justiça e paz nas sociedades. Era a

imposição de uma ordem pré-estabelecida, que deveria ser seguida, a fim de que a ―casa

de Deus‖ mantivesse sua distribuição, que se mostra como a formação de um corpo,

44

Segundo Maria Guadalupe, este bispo foi ―homem de confiança de Hugo Capeto. É o tipo ideal de

prelado político da tradição carolíngia, guia da sociedade leiga e conselheiro real. No poema a Roberto, o

Piedoso, descreve a sociedade tripartida, segundo uma hierarquia que durante o século XI acabará por se

impor. (…) Adalberón dirige-se ao rei Roberto como a um igual, já que por meio de um rito e uma

sagração semelhantes o bispo e o soberanos receberam de Deus a sabedoria que lhes permite penetrar a

véu das aparências. Ao realizar a defesa da monarquia, não poupa críticas a Cluny‖. PEDRERO-

SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. História da Idade Média. Textos e Testemunhos. São Paulo: Editora

UNESP, 2000, p. 268-269. 45

Adalbéron de Laon: « La société des fidèles ne forme qu‘un corps ; mais l‘Etat en comprend trois. Car

l‘autre loi, la loi humaine, distingue deux autres classes : nobles et serfs, en effet, ne sont pas régis par le

m~eme statut. Deux personnages accupent le premier rang : l‘un est le roi, l‘autre l‘empereur ; c‘est pas

leur gouvernement que nous voyons assurée la solidité de l‘Etat. Le reste des nobles a la privilège de ne

subir la contrainte d‘aucun pouvoir, à condition de s‘abstenir des crimes réprimés par la justice royale. Ils

sont les guerriers, protecteurs des églises ; ils sont les défenseurs du peuple, des grands comme des petits,

des tout enfin, et assurant du même coup leur propre securité. L‘autre classe est celle des serfs : cette race

malheureuse ne possède rien qu‘au prix de sa peine. Qui pourrait, par les billes de la table à calcul, faire le

compte des soins qui absorbent les serfs, de leurs longues marches, de leur durs travaux ? argent,

vêtement, nourriture, les serfs fournissent tout à tout le monde ; pas un homme libre ne pourrait subsister

sans les serfs. (…) La maison de Dieu, que l‘on croit une, est donc divisée en trois : les uns prient, les

autres cambattent, les autres enfin travaillent. Ces trois parties qui coexistent ne souffrent pas d‘être

disjointes ; les services rendus par l‘une sont la condition des ouvres des deux autres ; chacune à son tour

se charge de soulager l‘ensemble. Ainsi, cet assemblage triple n‘en est pas moins un ; et c‘est ainsi que la

loi a pu trionpher, et le monde jouir de la paix », in DUBY, Georges. L’An Mil. Paris : Gallimard, 2006,

pp. 93-94.

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24

onde cada um dos membros acaba por ser necessário aos outros para sua própria

existência.

Para que a nobreza continuasse exercendo sua função, deveria existir a guerra.

Nesta sociedade encontra-se, também, a ―cristalização da idéia de ‗Cristandade‘,

havendo, pois a transformação de um ‗ser cidadão‘ do Império Romano a um ‗ser

cristão‘ na Idade Média‖46

. É a explicação dada por Fátima Fernandes, de que, na época

do Império Romano, havia a ideia de que, para participar do Império, deveria ser um

cidadão romano; na Idade Média, não encontramos mais um cidadão de determinado

lugar, mas sim aquele que está seguindo as doutrinas cristãs, por isso a nova

caracterização é a de um ―ser cristão‖, participar da religião e assumir a defesa de seus

pressupostos. Essa caracterização era mais abrangente do que a antiga, já que a simples

conversão poderia inserir o indivíduo no intento da Cristandade. Seu berço de

posicionamento estava, pois, onde os cristãos estivessem. Era serviço, então, dos

nobres, enquanto bellatores, proteger essa Cristandade. Neste ponto encontramos a

necessidade da prática da guerra para que a nobreza continuasse com o seu lugar bem

fundamentado dentro da sociedade medieval.

O historiador Henri Pirenne escreve que esse movimento surge como uma

tentativa de ofensiva contra o Islam. Mas para ele, não se trata de uma guerra religiosa,

mas sim uma guerra de conquista, sendo que muitas vezes não se tinha diferenciação

entre muçulmanos e bizantinos, logo, cristãos, na hora do ataque.

Na metade do século XI, o Ocidente cristão inicia, com tentativas isoladas, a

ofensiva contra o Islã. Mas não é nada que se assemelhe a uma guerra religiosa.

São guerras de conquista que são feitas até mesmo contra gente da mesma

religião, se as circunstâncias e a posição geográfica se preste a isso. Quanto aos

normandos, atacaram indiferentemente tanto Bizantinos quanto Muçulmanos47

.

Assim, a Cruzada seria a continuação da iniciativa da luta cristã contra o avanço

muçulmano pelo mundo. Quem poderia reunir tamanho número de homens dispostos a

enfrentar essa batalha? O papa. Para Pirenne, a Cruzada é obra do papado48

, e deveria

46

FERNANDES, Fátima Regina. ―Cruzadas na Idade Média‖. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História

das Guerras. São Paulo: contexto, 2006. p. 100. 47

―In breve, dalla metà dell‘XI secolo, l‘Occidente Cristiano inizia, con tentativi isolati, l‘offensiva

contro l‘Islam. Mo non è niente che assomigli a una guerra religiosa. Sono guerre di conquista che si

farebbero anche contro gente della stessa religione, se le circostanze e la posizione geografica si

prestassero. Quanto ai Normanni, attaccano indifferentemente Bizantini e Musulmani‖, PIRENNE, Henri.

Storia d´Europa dalle invasioni al XVI secolo. Roma: Orsa Maggiore, 1991, p. 150. 48

Idem, p. 121: ―Le Crociate sono essenzialmente opera del papato‖.

Page 25: (séculos xi-xii)

25

estar totalmente desvinculada das questões temporais, somente as questões espirituais

deveriam ser levadas em consideração. Essas questões estavam envoltas na ideia da

retomada dos Lugares Santos, nas mãos dos turcos seljúcidas. O que movia, na sua

forma inicial, a Cruzada, era a fé. E a situação européia favorecia o surgimento desse

movimento49

. Pirenne coloca que, não somente o entusiasmo religioso e a autoridade

papal puderam criar o movimento, mas toda a condição européia do período.

Assim, para estes autores, a Cruzada foi uma obra verdadeiramente feita pela

cavalaria, pelos bellatores, detentores de condições bélicas para tal empreendimento.

Vindos em sua maior parte dos territórios da Inglaterra, da Gália franca e dos Países

Baixos, eram os nobres que comandavam as expedições, que formavam, como ressaltou

Pirenne, uma guerra feudal, onde o feudalismo tornou-se um corpo único, com o mesmo

ideal. Ainda que mais tarde esse ideal se mostrasse não apenas religioso, resultado das

tentativas de tomada de vários territórios, além dos lugares santos.

No âmbito bizantino e europeu, encontramos em 1054 o Cisma50

, que dividiu a

Cristandade entre Oriental e Ocidental, ainda que esse fenômeno não tenha tido tanta

percepção dentro do Império Bizantino. Os cristãos, segundo Le Goff, viam o outro, e

esse outro era o bizantino, como cismático, como aquele que seguia a religião de acordo

com preceitos errados, ainda que não conseguissem colocar nenhuma definição bem

49

―L‘entusiasmo religioso e l‘autorità del papa non sarebbero tuttavia bastati a promuovere um‘impres

così grandiosa, se la situazione sociale dell‘Europa non l‘avesse reso possibile. Alla fine dell‘XI secolo,

fu necessario che questo ardore di fede, questa supremazia del papato e questi condizioni sociali

coincidessero. Un secolo prima, sarebbero stato impossibile, e così un secolo dopo, l‘idea realizzata

nell‘XI secolo, si è prolungata, dopo, come un‘idea-forza, in condizioni assai diverse, e comunque,

affievolendosi via via sempre più. È sopravvissuta anche nel Rinascimento, perché, nel XVI secolo, i

papi ci pensano ancora contro i Turchi. Ma la vera Crociata, la madre de tutte le altre, è la prima ed è

veramente figlia del suo tempo‖, idem, ibidem. 50

Jacques Le Goff escreve sobre o Cisma de 1054, em seu clássico A Civilização do Ocidente Medieval:

―A realidade, é a Cristandade. É em função dela que o cristão da Idade Média define o resto da

humanidade e se situa em relação aos outros. E em primeiro lugar, em relação ao Bizantino. (…) Desde

1054, o Bizantino é o cismático. Mas se esta separação, se esta secessão é essencial, os ocidentais não

conseguem bem defini-la nem nomeá-la. Apesar das divergências teológicas – em particular a questão do

Filioque, com os Bizantinos rejeitando a dupla procissão do Espírito Santo, que eles pensavam proceder

apenas do Pai e não do Filho – apesar sobretudo do conflito inconstitucional, o patriarca de

Constantinopla recusando-se a reconhecer a supremacia do Papa, os Bizantinos eram também cristãos.

Desde a metade do século 12, por ocasião da Segunda Cruzada, vê-se o bispo de Langres, um fanático

ocidental que já sonha com a tomada de Constantinopla e a ela impeliu o rei Luis VII da França, declarar

que os Bizantinos não eram ‗cristãos de fato mas apenas de nome‘ e que eram culpados de heresia; e um

forte partido no interior do exército cruzado considerava que ‗os gregos não eram cristãos e matá-los não

era muita coisa‘. Este antagonismo era o resultado de um distanciamento que desde o século 4º tinha-se

transformado num abismo. Uns e outros não se compreendiam mais, notadamente os Ocidentais que,

mesmo os mais letrados, ignoravam o grego: graecum est, non legitur [é grego, não se lê]. (…) Esta

incompreensão transformou-se pouco a pouco em ódio, filho da ignorância. Os latinos nutrem pelos

gregos uma mistura de cobiça e de desprezo que vem do sentimento mais ou menos reprimido de sua

própria inferioridade. Aos gregos, os latinos reprovam serem afetados, covardes, trapaceiros. É o reflexo

do guerreiro bárbaro e pobre diante do civilizado rico‖, pp. 133-134.

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fundamenta sobre o que seria ser cismático. Com o pedido de auxílio de Aleixo

Comneno a Urbano II, a Igreja católica poderia ter a oportunidade de impor a

supremacia Ocidental perante a Oriental, que vivia numa esfera de Patriarcas e do

Cesaropapismo51

, que era a subordinação dos patriarcas às suas decisões.

Jacques Le Goff afirma que, além da questão demográfica, uma segunda

determinante do chamado à Cruzada foi o fato da Igreja não poder entrar em guerra

contra os cristãos, portanto foi ―preciso voltar as paixões belicosas do Ocidente para

aqueles contra os quais o ataque é justo, quer dizer, os hereges e os infiéis‖52

. Para um

pensamento que era regido pelos escritos de Santo Agostinho, essa era uma guerra

necessária, portanto, uma guerra justa53

.

Em 25 de novembro de 1095 reuniu-se na França o Concílio de Clermont-

Ferrand, com aproximadamente 250 bispos, onde Urbano II conclamou os nobres a

ajudarem os irmãos do Oriente na sua luta contra os infiéis, a pedido do Imperador

Aleixo I. Seu pedido foi registrado por diversos cronistas e historiadores da época,

conforme podemos notar no relato do bispo e mestre da Escola de Chartres Fulquério54

:

Considerando as exigências do tempo presente, eu, Urbano, tendo, pela

misericórdia de Deus a tiara pontifical, pontífice de toda a terra, venho até vós,

servidores de Deus, como mensageiro para desvendar-vos o mandado divino

[…] é urgente levar com diligência aos nossos irmãos do Oriente a ajuda

prometida e tão necessária no momento presente. […] Por isso eu vos apregôo e

exorto, tanto aos pobres quanto aos ricos – e não eu, mas o Senhor vos apregoa

e exorta – que como arautos de Cristo vos apresseis a expulsar esta vil ralé das

regiões habitadas por nossos irmãos, levando uma ajuda oportuna aos

adoradores de Cristo. Eu falo aos que estão aqui presentes e o proclamo aos

ausentes, mas é o Cristo quem convoca […]55

O chamado evoca àqueles que querem colaborar com a empreitada que, na

realidade, é feita pelo próprio Cristo. Não há distinção, no discurso deste cronista, entre

51

FERNANDES, op. cit. p. 101. 52

Na realidade, este texto, intitulado ―A I Cruzada: e Jerusalém se torna um sonho. Crônica de uma

imensa infelicidade‖, foi publicado na revista L‘Histoire, n. 191, de setembro de 1995, mas compilado

junto com outros artigos e entrevistas pela Editora Civilização Brasileira, ver: LE GOFF, Jacques. Uma

longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 93. 53

RIVEROS, José Marín. Bizâncio, Cruzada y Guerra Santa. In: tiempo y espacio, nº 11-12, 2001-2002,

Universidade de Bío-Bío, Chillán, pp. 77-101. 54

Pedrero-Sanchez coloca que o bispo Fulquério (960-1028) era ―originário da Aquitânia. Discípulo de

Gerberto de Aurillac em Reims e Chartres e, posteriormente, bispo de Chartres. (…) Nomeado Mestre da

Escola de Chartres, estabeleceu a reputação desta como um dos mais notáveis centros de saber da Europa.

(…) Foi, também, conselheiro de Roberto II da França e exerceu o cargo de tesoureiro de Saint-Hilaire-

le-Grand, em Poitiers, nomeado pelo duque Guilerme V da Aquitânia. In.: PEDRERO-SANCHEZ. Op.

cit., pp. 289-289. 55

Idem, p. 112.

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27

os ricos e os pobres. Todos são chamados, até mesmo aqueles que não se encontram

presentes, a seguir em direção à Terra Santa, em auxílio aos ―irmãos do Oriente‖. Dessa

forma, reuniram-se os nobres e prepararam a Cruzada em direção ao Oriente. Essa

organização, como aponta Fátima Regina Fernandes, é proclamada pelo papa, mas a

captação de todos os recursos é responsabilidade dos reis e senhores que aceitaram o

chamado para participação56

.

2.2 – O caso da Primeira Cruzada. Os cruzados n’A Alexíada.

A Alexíada tem uma importância fundamental para os estudos sobre o

movimento cruzadístico, tendo em visto ser a única fonte bizantina sobre a Primeira

Cruzada. Assim, não é apenas uma obra que relata um movimento, mas uma obra

consciente que deixa, para se ―guardar à posteridade‖, a imagem construída por alguém

do Império Bizantino sobre os latinos que cruzaram o território imperial. O que mais se

ressalta é esse personagem narrador, justamente a princesa, ligada tão profundamente à

administração imperial, por isso mesmo tão relutante em alguns aspectos da descrição

dos cruzados latinos. A autora trata do movimento cruzadístico como um todo nos

livros X e XI de sua obra.

No início do livro X, há o relato dos enfrentamentos bélicos entre bizantinos e

cumanos, que resultam na vitória do Imperador Aleixo. Na descrição dessas batalhas,

Anna sempre ressalta o caráter que seu pai possuía de saber planejar as batalhas que

eram travadas e, também, escutar aqueles que lhe eram fiéis, nas questões e

colaborações sobre a guerra e táticas militares. Entretanto, assim que retornou à

Constantinopla, ocorreu a chegada dos primeiros cruzados. Enquanto preparava mais

uma barreira contra invasões inimigas, escutou ―rumores acerca da chegada de

inumeráveis exércitos francos‖57

. Essa notícia preocupou o Imperador, pois os Celtas –

Anna Comnena os chama de celtas, Κελτοί, em grego58

–, segundo Aleixo, eram pessoas

de temperamentos volúveis, e ―paralisados pelo brilho do dinheiro, sempre rompiam os

56

FERNANDES. op. cit. p. 102. 57

Anna Comn. Alex. Liv. X, cap. V, 4: ―rumores acerca de la llegada de innumerables ejércitos francos‖,

pp. 406. 58

RIVEROS. op. Cit.

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28

tratados sem reservas de nenhum tipo e abertamente, argumentando o primeiro motivo

que lhes viesse a gana‖59

. Aleixo se mostra tranqüilo, mas recebe a notícia de que:

Todo o Ocidente, a raça dos bárbaros por completo, que habita as terras

compreendidas desde a outra margem do Adriático até as colunas de Hércules,

toda em uma massa compacta, mobilizava-se até a Ásia, através de toda a

Europa, e marchava fazendo a rota com todos os seus60

.

O primeiro franco a chegar a Constantinopla foi Pedro, o Ermitão. Este homem

havia estado na Terra Santa, e, retornado à sua região – a Gália medieval – após sofrer

em Jerusalém, tomada pelos sarracenos; não aceitava o fato de ter falhado em seu

propósito. Queria voltar aos lugares santos, conquanto não deveria fazer o trajeto

sozinho. Dessa forma, proclamou aos latinos que uma voz divina lhe falava para que

chamasse a todos os condes da região da França. Estes deveriam abandonar seus lugares

e partir com ele para que venerassem o Santo Sepulcro e dedicassem todas as forças e

pensamentos no resgate da região de Jerusalém das mãos dos turcos.61

O peregrino

conseguiu reunir vários homens, muitos armados com cavalos, armas e demais

instrumentos bélicos62

. Também se juntaram ao grupo numerosos seguidores

desarmados, os quais Anna Comnena relata como sendo um número que superava ―aos

grãos de areia e as estrelas, levando palmas e cruzes em seus ombros‖63

. Mas a

impressão que ficou impregnada ante os olhares bizantinos, foi uma visão pessimista em

relação àquelas pessoas:

Precedeu à chegada de tão numerosos exércitos uma praga de gafanhotos, que

respeitava os trigais, mas devorava sem compaixão os vinhedos. (…) quando se

expandiu por todo o mundo os rumores daquela convocatória, o primeiro que

vendeu suas propriedades e se pôs a caminho foi Godofredo. Este homem era

rico e presumia enormemente por seu valor, valentia e ilustre linhagem; e, em

59

Idem, ibidem: ―paralizados por el brillo del dinero, siempre ronpián los tratados sin reservas de ningún

tipo y abiertamente, argumentando El primer motico que les viniera en gana‖. 60

Anna Comn. Alex. Liv. X, cap. V, 4: ―Todo el occidente, la raz de los bárbaros al completo, que habita

las tierras compreendidas desde la otra orilla del Adriático hasta las columnas de Hércules, toda en una

masa compacta, se movilizaba hacia Asia a través de toda Europa y marchaba haciendo la ruta con todos

sus enseres‖, p. 406. 61

Anna Comn. Alex. Liv. X, cap. V, 7: ―Como era consciente de en esta ocasión no debía ponerse a

caminar en solitário hacia el santo Sepulcro, concibió um astuto plan para evitar posibles desgracias. Éste

consistia en lanzar la siguiente proclama por todos los países latinos: ‗uma voz divina me ordena

anunciar a todos los condes de Francia que deben abandonar sin excepición sus hogares y partir para

venerar el Santo Sepulcro, así como dedicar todas sus fuerzas y pensamientos a rescatar Jerusalén del

poder de los agarenos‘‖, pp. 407. 62

OLDENBOURG, Zoe. As Cruzadas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. pp. 107-119. 63

Anna Comn. Alex. Liv. X, cap. V, 7: ―(…) superaba en número a los granos de arena y a las estrellas,

llevando palmas y cruces em sus hombros (…)‖.

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29

efeito, cada um dos celtas se afanava em adiantar-se ao resto. Foi aquele um

movimento de massa que nunca ninguém vira: havia tanto homens e mulheres

com a idéia de correr e prostrar-se diante do Santo Sepulcro do Senhor e

contemplar os lugares, como seres muito pérfidos, por exemplo, Boemundo e

seus seguidores, que guardavam em seus pensamentos outras intenções, a dizer,

apoderar-se também da cidade imperial, como se houvessem descoberto nela

alguma possibilidade de proveito. Boemundo, em concreto, turvava as almas de

muitos e mui valentes cavaleiros à causa do seu antigo rancor que guardava do

soberano64

.

Estes signos, gafanhotos precedendo aos cruzados, foram discutidos pelos

adivinhos, por suas diversas teorias sobre o seu significado. Muitos deles buscaram

explicações na mitologia grega ou no Antigo Testamento. Entretanto, a autora registra

em seus escritos que, pelo menos às pessoas mais sábias, algumas suspeitas foram

levantadas. Estranhava-lhes o fato de que tamanha comitiva quisesse visitar os lugares

santos ao mesmo tempo; não era comum. Chegavam à terra firme uma leva, depois

outra, depois mais outra. ―E como falamos, a cada um dos seus exércitos, precedia uma

imensa praga de gafanhotos. Todos, pois, quando puderam observar por várias vezes,

chegaram à conclusão de que anunciava a chegada dos batalhões francos‖65

.

Aleixo ordenou então que comitivas fossem direcionadas às regiões de Dirráquio

e suas proximidades. Deveriam estes chefes das forças militares bizantinas recebê-los

―amavelmente‖ e prover as necessidades que lhes houvesse. Entretanto, não deveriam

deixar de supervisioná-los em todos os atos que fizessem. Aleixo ainda mandou que um

intérprete acompanhasse os chefes militares, para que facilitasse a comunicação.

Partiu às fronteiras orientais, portanto, a frota de Pedro o Ermitão, mesmo com o

imperador alertando-o que o melhor seria esperar os outros nobres latinos chegassem,

segundo Anna Comnena. Pedro partiu e a sua cruzada, dita ―popular‖, acabou sofrendo

grandes reveses, mesmo com todas as tentativas de Pedro de fazer os seus resistirem. O

golpe final foi dado quando da tentativa de Pedro de retornar à Constantinopla para

64

Anna Comn. Alex. Liv. X, cap. V, 7-10: ―precedió a la llegada de tan numerosos ejércitos una plaga de

langosta que respetaba el trigo, pero devoraba sin compasión los viñedos. (…) cuando se expandió por

todo El mundo el rumor de aquella convocatoria, el primero que vendió sus propiedades y se puso en

camino fue Godofredo. Este hombre era adinerado y presumía grandemente de su valor, valentía y ilustre

linaje; y, en efecto, cada uno de los celtas se afanaba en adelantarse al resto. Fue aquél un movimiento de

masas como nunca nadie recuerda: había tanto hombres y mujeres con la sincera Idea de correr a

postrarse ante El Santo Sepulcro del señor y contemplar los sagrados lugares, como seres muy pérfidos,

por ejemplo Bohemundo y sus seguidores, que albergaban en su seno otras intenciones, es decir, poder

apoderarse también de la ciudad imperial como se hubieran descubierto en Ella una cierta posibilidad de

provecho. Bohemundo, en concreto, turbaba las almas de muchos e muy valientes caballeros a causa del

antiguo rencor que Le guardaba al soberano‖, pp. 407-409. 65

Anna Comn. Alex. Liv. X, cap. V, 8: ―Como hemos dicho, a cada uno de sus ejércitos lo precedía una

inmensa plaga de langosta. Todos, pues, cuando pudieron observarla varias veces, llegaron a la

conclusión de que anunciaba la llegada de los batallones francos‖, p. 408.

Page 30: (séculos xi-xii)

30

solicitar o apoio de tropas imperiais. Acabou deixando um exército despreparado, sem

comando algum, que, partindo contra os turcos seljúcidas, perderam a luta. Tanto

historiadores bizantinos quanto latinos afirmam que foi uma carnificina66

.

A cruzada chamada ‗popular‘ estava terminada, e Pedro, o eremita, nada mais

fez do que esperar, com seu punhado de sobreviventes, a chegada dos barões.

Reunir-se-ia ao grande exército e aí continuaria a desempenhar seu papel de

pregador e animador das multidões. Seu prestígio, apesar de abalado,

permanecia ainda muito grande, senão junto aos barões, pelo menos junto à

plebe do exército. Decidiu-se que os infelizes peregrinos haviam se tornado

mártires e que suas almas, dos altos dos céus, acompanhavam e protegiam o

exército de Cristo67

.

Aleixo tenta alertar aos nobres que estão na cidade quanto à ineficiência daquele

grupo e sua imprudência relativa às questões militares. Entretanto, Boemundo, outro

latino que vai em direção à Terra Santa com uma frota de navios e muitos homens, se

mostrou saliente a continuar com a empreitada, alimentado por outras intenções,

segundo a opinião de Aleixo, conforme podemos notar no extrato a seguir:

Em conclusão, os latinos que como Boemundo e seus sequazes ambicionavam

desde muito tempo governar o império dos romanos e queria apropriar-se dele,

como havemos dito, acharam uma desculpa na proclamação de Pedro para

provocar uma imensa mobilização e enganam as pessoas mais puras; enquanto

isso, venderam suas terras com o pretexto de que partiam contra os turcos para

libertar o Santo Sepulcro68

.

É, pois, recorrente a idéia de que Boemundo tem o princípio de conquistar o

cetro imperial bizantino e não apenas retomar as posses das terras de Jerusalém, ponto

no qual se fundamenta a grande desconfiança bizantina frente aos cruzados. Quais

seriam suas verdadeiras intenções com aquelas jornadas, com aquelas peregrinações?

Eram migrações religiosas, militares, coloniais69

? Para os bizantinos parecia clara a

tentativa de tomada da cidade de Constantinopla nestas primeiras cruzadas. Boemundo

66

OLDENBURG. Op. Cit. p. 117. 67

Idem, ibidem. 68

Anna Comn. Alex. Liv. X, cap. VI, 7: ―En conclusión, los latinos que como Bohemundo y sus secuaces

ambicionaban desde hacía tiempo gobernar el império de los romanos y querían apropriárselo, como

hemos dicho, hallaron uma excusa en la proclama de Pedro para provocar tan inmensa movilización y

engañar a las personas más puras; mientras, vendieron sus tierras com el pretxto de que partían contra los

turcos para libertar El santo Sepulcro‖, idem, pp. 411-412. 69

SOT, Michel. Peregrinação. In: LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude (org). Dicionário

Temático do Ocidente Medieval. Bauru, SP: Edusc, 2006. vol. 2. p. 357.

Page 31: (séculos xi-xii)

31

foi visto como o grande usurpador, já que sua história conflituosa com o império vinha

de longa data70

. Um homem que chega com sua intenção pré-estabelecida e que, mesmo

depois de uma dura investida dos ―infiéis‖ contra uma primeira tentativa, continua, para

os olhares bizantinos, com sua fixação pelo trono imperial de Aleixo I Comneno.

Enquanto os latinos chegavam, cada um a seu tempo, mas num espaço temporal

pequeno, o imperador se utiliza de sua habilidade política que, na maioria das vezes,

ajudou o império a se manter. Entretanto, com a chegada de Godofredo de Bouillon,

ficou-lhe clara a intenção dos nobres que estavam ocupando suas terras:

Também o conde Godofredo fez a travessia nesse momento com outros condes

e um exército de dez mil cavalos e sessenta mil infantes e, uma vez na capital,

situou suas tropas pelo lado de Propóntide em um terreno que se estendia desde

o poente, situado perto do Cosmidio, até são Focas. Ainda que o imperador o

exortasse para que cruzasse o estreito de Propóntide, o conde atrasava o passo

dia após dia, com desculpas atrás de desculpas. Em uma palavra, aguardava a

chegada de Boemundo e dos demais condes. Efetivamente, enquanto Pedro

aceitara desde o começo fazer o longo caminho com a finalidade de adorar o

Santo Sepulcro, Boemundo, mais que os outros condes, guardava um velho

rancor ao imperador e buscava uma oportunidade para vingar-se daquela

brilhante vitória que havia tido em Larisa; como os condes estavam de acordo e

sonhavam em apoderar-se da capital, concordaram em levar adiante o mesmo

plano (isto mencionamos em repetidas ocasiões anteriormente) que consistia em

seguir aparentemente o caminho que conduzia a Jerusalém, quando em

realidade o que queria era arrebatar do soberano o trono e tomar a cidade71

.

Aleixo Comneno tentou de todas as formas negociar com os latinos, que

adentraram o território bizantino. Sempre receoso quanto aos objetivos reais daqueles

combatentes, tentou fazer com que apoiassem as decisões de Bizâncio, afinal de contas,

70

Sobre essas relações entre os bizantinos e os normandos, ver: GALLINA, Mario. ―La ‗precrociata‘ di

Roberto il Guiscardo: um‘ambigua definizione‖. In: Porfira, n. 5, 2005; também MOLA, Alessandro.

―Anna Comnena, lo stato degli studi‖. Porfira, n. 5, 2005.; tivemos a oportunidade de analisar essas

relações em texto publicado na Anpuh São Paulo: BASSI, R. J. ―As relações entre romaioi e venezianos

quando do ataque normando ao Império Bizantino (século XI), a partir d'A Alexíada, de Anna Comnena‖.

2008, texto publicado em anais eletrônicos; além dos manuais de MAIER, Franz Georg. Bizancio.

Historia Universal Siglo XXI. Buenos Aires, Córdoba: Siglo XXI Argentina, S. A., 1974; VRYONIS,

Speros. Bizâncio e Europa. Lisboa: Editorial Verbo, 1980. 71

Anna Comn. Alex. Liv. X, cap. IX, 1: ―también el conde Godofredo hizo la travesía en ese momento con

otros condes y un ejército de diez mil caballos y sesenta mil infantes y, una vez en la capital, situó sus

tropas por el lado de la Propóntide en un terreno que extendía desde el puente situado cerca del Cosmidio

hasta san Focas. Aunque el emperador lo exhortaba a que cruzase el estrecho de Propóntide, el conde

retrasaba el paso un día tras otro, ideando excusa tras excusa. En una palabra, aguardaba la llegada de

Boemundo y de los demás condes. Efectivamente, mientras Pedro había aceptado desde el mismo

comienzo hacer tan largo camino con la finalidad de adorar el Santo Sepulcro, Bohemundo, más que el

resto de los condes, le guardaba un viejo rencor al emperador y buscaba una oportunidad para vengarse de

aquella brillante Victoria en Larisa; como los condes estaban de acuerdo y soñaban con apoderarse de la

capital, acordaron llevar adelante un mismo plan (esto lo hemos mencionado en repetidas ocasiones

anteriormente) que consistía en seguir aparentemente el camino que conducía a Jerusalén, cuando en

realidad lo que querían era arrebatarle al soberano el trono y adueñarse de la capital‖, pp. 418-419.

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era a ajuda que ele mesmo, o imperador, havia solicitado ao papa. Sua habilidade se

dava a partir de tentativas de negociações, nas quais tentava ganhar tempo, objetivando

fazer com que os condes latinos que chegassem fossem mais cautelosos no seu afã de

luta contra o inimigo árabe. Inimigo conhecido de longa data do imperador Aleixo, que

os combatia em suas fronteiras desde antes da chegada destes cruzados.

2.3 – Imagem construída dos cruzados.

Com os escritos de Anna, uma imagem é construída, já que, como salienta

Fátima Fernandes, historiadores como a princesa e, nas Cruzadas posteriores, Niceta

Coniata, ambos bizantinos, foram críticos em relação ao empreendimento cruzadístico,

já que havia uma ameaça à soberania bizantina. Enquanto isso, no Ocidente, muitos

cronistas descreveram os cruzados como soldados que defenderam a fé cristã. Segundo

a autora, ―todos os relatos dão uma visão parcial e comprometida do movimento dos

Cruzados e refletem os discursos predominantes no seu grupo e na sua época‖72

.

Para os bizantinos, os cruzados eram bárbaros – era essa a denominação usada

por Anna para caracterizá-los. Constantinopla era a ―Rainha das Cidades‖, onde tudo

que existia de esplendido e refinado se encontrava lá; seus mercados eram centros

enormes, que possuíam produtos de todos os lugares da terra73

. Era, evidentemente,

contrastante com o Ocidente, tão voltado para a guerra, segundo a concepção bizantina,

por isso mesmo a ênfase dada na defesa da cidade, que era uma das mais importantes à

época. Até mesmo os clérigos não tinham opiniões que se acordavam e possuíam, para

essa imagem, um barbarismo, como se pode notar pela participação destes nos

enfrentamentos entre bizantinos e cruzados, ainda em territórios cristãos:

Não há coincidência de opiniões sobre a questão dos clérigos entre nós e os

latinos: aos nossos, valem os cânones, as leis e o dogma evangélico: ‗Não

toques, não murmures, não ataques, pois estás consagrado‘. O bárbaro latino,

sem embargo, manejará os objetos divinos que se colocará um escudo na

esquerda e aferrará na direita uma lança, e de igual modo comunga com o corpo

e o sangue divinos, que contempla matanças e se converte em um ser

sanguinário, como diz o salmo de Davi. Assim, essa bárbara espécie não são

menos sacerdotes do que guerreiros74

.

72

FERNANDES. Op. Cit. p. 108. 73

RIVEROS, idem. 74

Anna Comn. Alex. Liv. X, cap. VIII, 8: ―No hay coincidencia de opiniones sobre la cuestión de los

clérigos entre nosotros y los latinos; a nosotros se nos prescribe por los cánones, las leyes y el dogma

evangélico: ‗No toques, no murmures, no ataques; pues estás consagrado‘. El bárbaro latino, sin embargo,

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33

Por outro lado, encontramos em fontes latinas, ocidentais, referências à essa

ajuda que os cristãos deram aos bizantinos, como forma de demonstrar que o seu

empreendimento, o movimento cruzadístico, tinha apenas a intenção de ajudar a manter

a Cristandade e salvar os lugares santos.

Como se aproximasse já aquele termo que o Senhor Jesus anuncia

quotidianamente aos seus fiéis, especialmente no Evangelho onde diz: ―Se

alguém quiser me seguir, renuncie a si próprio, tome a sua cruz e siga-me‖, deu-

se um grande movimento por todas as regiões das Gálias, a fim de que quem, de

coração e espírito puros, desejasse seguir o Senhor com zelo e quisesse

transportar fielmente a cruz, não tardasse em tomar depressa o caminho do

Santo Sepulcro.

Com efeito, o apostólico da Sé Romana, Urbano II, alcançou rapidamente as

regiões ultramontanas com os arcebispos, bispos, abades e presbíteros e

começou a pronunciar discursos e sermões sutis, dizendo que quem quisesse

salvar a alma não devia hesitar em tomar humildemente a via do Senhor e que,

se o dinheiro lhe faltasse, a misericórdia divina lhe daria o suficiente […]

Tendo-se este discurso espalhado a pouco e pouco por todas as regiões e

províncias das Gálias, os Francos, ouvindo tal, começaram sem demora a

costurar cruzes sobre o ombro direito, dizendo que queriam unanimemente

seguir as pegadas de Cristo, pelas quais haviam sido resgatados pelo poder do

Tártaro […]75

.

Uma série de pressupostos vai fazer com que a construção da imagem bizantina

sobre aqueles ―peregrinos‖76

seja formulada de modo que se possa considerar um

choque entre civilizações distintas. Riveros, citando Diehl, ressalta que desde um

primeiro momento, latinos e bizantinos se olharam e tiveram um sentimento de

desconfiança e ―o antagonismo fundamental que separava as duas civilizações, se fez

manifesto em suspeitas mútuas, contínuas dificuldades, incessantes conflitos, acusações

recíprocas de violência e traição‖77

. Ainda que Aleixo os tenha feito jurar vassalagem ao

chegarem a seus territórios, e também fazê-los prometerem a devolução dos lugares

santos que fossem recuperados pelas armadas ocidentais, não foi exatamente o que

ocorreu com a sucessão dos eventos deste movimento.

lo mismo manejará los objetos divinos que se colocará un escudo en la izquierda y aferrará en la derecha

la Lanza, y de igual modo comulga con el cuerpo y la sangre divinos, que contempla matanzas y se

convierte en un ser sanguinario, como dice el salmo de David. Así, esta bárbara especie non son menos

sacerdotes que guerreros‖, p. 417. 75

Histoire anonyme de la Première Croisade. Apud. GUADALUPE-SANCHEZ, op. cit. pp. 84-85. 76

SOT, Michel. Peregrinação. In: LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude (org). Dicionário

Temático do Ocidente Medieval. Bauru, SP: Edusc, 2006. vol. 2 77

―(…) el antagonismo fundamental que separaba las dos civilizaciones, se hizo manifesto en sospechas

mutuas, continuas dificultades, incesantes conflictos, acusaciones recíprocas de violencia y traición‖, in

RIVEROS. Op. Cit. s/p.

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34

O choque que houve entre os cruzados e os bizantinos causou estranheza no

contato entre eles. Aleixo é descrito pelas fontes como um homem surpreso frente a

uma multidão ocidental adentrando os portões de Constantinopla. Seu pedido de ajuda

foi de apenas alguns mercenários para a luta contra os turcos em suas fronteiras

orientais, pela retomada dos lugares sagrados, mas não uma Cruzada78

. Também

surpreende aos ocidentais o fato de os bizantinos não aceitarem o acontecimento desta

guerra santa79

. O império estava constantemente em meio a conflitos, principalmente

militares, com os povos vizinhos – e não devemos nos esquecer que os Comnenos eram

integrantes duma família pertencente à aristocracia militar Bizantina80

– mas o que lhes

estranhava era os latinos lutarem com os estandartes sagrados. Segundo Zoé

Oldenbourg, ―para os gregos a guerra, mesmo sendo ‗santa‘ continuou sempre um

pecado, um negócio puramente humano‖81

.

Anna Comnena, que à época contava catorze anos, conta a história do império

neste momento mais de cinqüenta anos depois, relembrando as passagens com uma

escrita de relatos horrorizados82

.

Em todos os momentos salienta como a instituição do Império estava ameaçada

com a presença ocidental (ou celta, ou keltoí) dentro da cidade de Constantinopla, com

suas belezas, poderio e tesouros. Sua construção imagética mostra a presença militar dos

nobres do Ocidente como terríveis usurpadores do esplendor bizantino, como bárbaros

que só intentavam tomar o cetro imperial. Entre eles principalmente Boemundo, que

tinha razões rancorosas em relação a Aleixo, por causa de outras batalhas por disputas

territoriais entre os dois ou entre Aleixo e seu pai, Roberto de Guiscardo83

.

Afora as interpretações oriundas do misticismo – a utilização de explicações

místicas, tais como a quiromancia, era muito recorrente no Império Bizantino –, Anna

utiliza-se dos textos sagrados para criar um modelo de comparação para os cruzados que

adentram os territórios em 1099: as pragas do Egito. Refere-se os cruzados como uma

praga de gafanhotos que veio do Ocidente e que chegou ali para arrasar com o império,

para tomá-lo, vindos em quantidades que nunca antes haviam sido vistas, arrasando com

toda sua riqueza. Dessa forma, Anna mostra as reações de Aleixo como um meio de

78

ROLANDO, Emilio Díaz. ―Estudio Preliminar‖. In: COMNENO, Ana. La Alexiada. Sevilla: Editorial

Universidad de Sevilla, 1989. p. 47. 79

RIVEROS, idem. 80

DIAS, op. cit. 81

OLDENBOURG, op. cit. p. 107. 82

WALTER, Gérard. A vida quotidiana em Bizâncio no século dos Comnenos (1081-1180). Lisboa:

Edição ―livros do Brasil‖, s/d. p. 128. 83

BASSI, op. cit.

Page 35: (séculos xi-xii)

35

manter a independência de Constantinopla frente ao Ocidente. Os cruzados têm um

objetivo maior do que apenas recuperar os santos lugares, o Santo Sepulcro. Para os

bizantinos, eles querem se espalhar por todo o território imperial, ceifando, como o

fazem as pragas de gafanhotos, tudo o que há de esplendor na ―Rainha das cidades‖. É

uma previsão que Anna Comnena faz ao escrever sua obra. Fato que se concretizará em

1204 com a tomada de Constantinopla, na Quarta Cruzada.

Page 36: (séculos xi-xii)

36

Capítulo III

Para se contar à posteridade

Neste terceiro capítulo, discutem-se quais eram alguns fundamentos da

historiografia medieval e também bizantina, a fim de poder compreender qual o

entendimento de algumas questões postas à obra de Anna Comnena, como: o que a

autora entendia por História? Quais suas influências, os autores que ela leu para

formular seus conceitos? Quais seus objetivos ao escrever um livro de Histórias?

Muitas questões são feitas, vamos, a partir de agora, discuti-las, com o intuito de

contribuir para a discussão acerca do fazer histórico na Idade Média…

3.1 – E o prólogo: por quê?

A escrita da história, na Idade Média, foi muito praticada. Não como as outras

atividades, principalmente as artes liberais do trivium – gramática, lógica e retórica –,

ou o quadrivium – aritmética, geometria, astronomia e música –, nem foi o ofício

principal das pessoas, sempre sendo relegada a uma atividade secundária, mas várias

obras foram escritas e elas são importantes testemunhos sobre as diversas épocas do

período medieval. Por exemplo, as Histórias do bispo Gregório de Tours, sem as quais

não se poderia ter muito mais do que algumas linhas sobre todo o período merovíngio.

Ou então Procópio de Cesaréia, que deixou com suas Histórias e com a História

Secreta, vários relatos sobre o período do Império de Justiniano e de Teodora, em

Bizâncio. Outro autor foi Raoul Glaber, monge borguinhão, que escreveu uma obra de

Histórias no entorno do Ano Mil. Sua obra até hoje é fonte não apenas para o estudo

das mentalidades da época medieval, da cultura popular, mas também dos estudos sobre

a política medieval à época dos reis da Dinastia Capetíngia, na França medieval.

Na Idade Média, um importante centro de difusão da cultura histórica foi o

mosteiro. Claro que nem todos os mosteiros foram centros de produção histórica, mas

muitos deles determinavam que alguns de seus monges exercessem essa função. Essa

História, segundo o historiador francês Bernard Guenée, era mais próxima da teologia,

Page 37: (séculos xi-xii)

37

da hagiografia e da liturgia, que continuava a ser o essencial de sua cultura84

.

Geralmente estas obras destes monges tinham um público específico, pois, como

Guenée salienta, na Idade Média, o entendimento da obra de um historiador depende da

análise na qual está inserido este mestre de ofício e qual o seu público. Dessa forma,

uma obra histórica nasce, pois, do encontro entre uma cultura, um autor e seu público85

.

A pesquisa sobre a historiografia medieval é importantíssima para o

entendimento dessa sociedade e dos estudos históricos. É salutar o entendimento de

como se dava justamente a percepção sobre a História na Idade Média. Muitas vezes, e

desde a Antiguidade para ser mais exato, encontramos nas obras um prólogo. Esses

prólogos foram renegados após o período medieval – até o século XX –, sendo que

muitas vezes foram deixados de lado tanto sua leitura quanto sua publicação. Isso por

decorrência de achar, os pesquisadores posteriores, que nestas páginas apenas eram

encontrados alguns lugares-comuns, algumas fórmulas já supracitadas, algumas ideias

que em nada contribuiriam para a análise da obra, da sociedade, da pesquisa histórica.

Há nessa premissa um erro gravíssimo. É nos prólogos que se encontram alguns

pressupostos importantíssimos para o estudo da historiografia medieval. É no prólogo,

por exemplo, que podemos encontrar o testemunho do autor, seu relato pessoal,

demonstrando que sua obra é uma obra consciente86

.

Alguns prefácios, ou prólogos, não contêm mais do que algumas linhas, outros já

nem estão dispostos no texto com a denominação de ―prólogo‖ e certas obras nem ao

menos possuem um, mas, conforme salienta François Hartog, é na observação desses

documentos, que, em uma longa, ou longuíssima duração, pode-se apreender todo um

projeto historiográfico, as ―configurações do saber‖, as ―conjunturas intelectuais e

políticas‖87

. É nestas linhas também que se encontra, se é que existem, os discursos do

método de cada historiador, onde ele resume quais seus ideais sobre o ofício de

historiar.

Luciano de Samosata, historiador do século II d.C., de origem síria, autor de

numerosos tratados, escreveu um obra intitulada Como se deve escrever a história,

onde, em suas linhas iniciais, demonstra o caráter do gênero histórico.

84

GUENÉE, Bernard. História. In: LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude (org). Dicionário

Temático do Ocidente Medieval. Bauru, SP: Edusc, 2006. vol. 1. 85

Idem, p. 525. 86

Idem, p. 87

HARTOG, François. A história de Homero a Santo Agostinho. Belo Horizonte: Editora da UFMG,

2001, p. 10.

Page 38: (séculos xi-xii)

38

Portanto, assim deve ser para mim o historiador: sem medo, incorruptível, livre,

amigo da franqueza e da verdade; (…) alguém que não admita nem omita nada

por ódio ou por amizade; que a ninguém poupe, nem respeite, nem humilhe; que

seja juiz equânime, benevolente com todos até o ponto de não dar a um mais

que o devido; (…) É preciso que a história seja escrita com a verdade, visando a

esperança futura, mais que com bajulação, visando ao prazer dos presentes

elogios. Aí tens o cânon e o prumo de uma história justa88

.

Assim, no prólogo deste autor, encontra-se a ideia de que a História deve ser

justa, onde o relato seja feito baseado na verdade e não apenas nos interesses que

possam gerar algumas recompensas ou elogios. A história para ser justa, deve ser

verdadeira, e o historiador, um homem incorruptível, acima de todos os vícios e pecados

que possam surgir quando se assume a função de escrever. É, pois, os pressupostos

acerca do fazer histórico, as configurações do saber, conforme escreveu Hartog.

3.2 – História no Ocidente

A Idade Média foi uma época de poucos historiadores, tanto no Oriente quanto

no Ocidente. Quanto a este, a produção de uma cultura histórica se deu em alguns

ambientes específicos, os meios clericais. Mas não todos os meios, apenas alguns

―apaixonados‖ pela história é que se tornavam historiadores.

Cassiodoro, no século VI, foi o grande incentivador e produtor de escritos

históricos no Ocidente. Mandou reproduzir, traduzir e conservar inúmeras obras no

ateliê do qual participava, o Vivarium, na Calábria. Este autor dispôs de algumas ideias

que se tornaram verdadeiros cânones na historiografia medieval ocidental: a ideia de

que somente cristãos mereciam atenção nas obras históricas. Assim, selecionou algumas

personalidades que mereciam destaque pelo fato de terem abraçado a fé cristã; entre

eles, figuravam Eusébio de Cesaréia, Flávio Josefo, Paulo Orósio e São Jerônimo, entre

outros. Durante o milênio que se caracteriza como Idade Média, o ocidente viveria

sobre esta influência do sul da Itália89

.

Até mesmo a continuação do trabalho dos Vivarium se deu nos scriptorium,

onde os monges faziam o trabalho de contar as Histórias daqueles tempos. Com isso,

nota-se uma quebra, uma ruptura com as ideias pagãs antigas, passando-se ao elogio das

premissas dos Padres da Instituição Eclesiástica, cujo modelo que se estenderia pelos

88

SAMOSÁTA, Luciano. Como se deve escrever a história. In.: HARTOG, op. cit. pp. 225-233. 89

Idem, p. 36.

Page 39: (séculos xi-xii)

39

anos seria ―um guia inestimável e insuperável por toda elite intelectual ocidental que se

inspiraria em seus métodos, suas ideias e, sobretudo, sua mística‖90

.

Dessa forma, os grandes historiadores medievais vinham de dentro da Instituição

Eclesiástica. Alguns nomes como os dos monges Beda, o Venerável, Paulo Diácono,

Raoul Galber, ou então Gregório de Tours ou Isidoro de Sevilha. Alguns deles

contavam a história de sua diocese ou sua região, remontando sempre a época da

Criação do mundo, até chegar aos seus dias, resultava-se, pois, quase sempre numa

visão escatológica do mundo e do tempo.

A partir de Cassiodoro, os cristãos passam a ver a história como um instrumento,

que está sempre a serviço de Deus. Ora eles utilizam esse instrumento para deturpar

alguma administração real, ora para enaltecê-la, de acordo com as necessidades dos

historiadores e de acordo com os reis, se eram cristãos ou não.

É claro que o tempo deveria ser mudado, afinal de contas não se tinha mais um

paganismo por trás das obras, mas sim o cristianismo. O tempo passa a ter uma

concepção linear e unitária de um tempo ―regido por Deus, da Criação ao Apocalipse

(escatologia)‖91

. Inserido neste tempo, o historiador tinha a função de narrar a Gesta

Dei, as ações de Deus, que eram dignas de memória dos homens, que por sua vez

deveriam espelhar-se nestas ações.

A historiografia medieval ocidental distancia-se, em certo ponto, da influência

clássica grega. Segundo Arnaldo Momigliano, os gregos tinham diferente percepção de

tempo do que tinha os religiosos. Dessa forma, a historiografia grega, iniciada com

Heródoto, não traz a narração de todo o passado, mas sim uma seleção, principalmente

dos grandes feitos, aqueles que eram ―dignos de memória‖ e ―admiráveis de relato‖.

Portanto, não se encontra na historiografia grega uma tentativa de escrever todo o

passado, mas sim uma seleção que era determinada, primeiramente, pela importância de

tal acontecimento, e, por segundo, pela disponibilidade de fontes confiáveis para tal

ação92

. Dessa maneira, temos que para Tucídides, a escolha da Guerra do Peloponeso se

dá em virtude da importância de tal acontecimento, e depois, pela confiança com a qual

poderia relatar tais eventos em sua obra.

Assim, para Momigliano, o historiador clássico, tal qual o poeta clássico, trata

de acontecimentos em um tempo limitado. Porém o historiador deve justificar ao seu

90

Idem, ibidem. 91

CADIOU, François et. all. Como se faz a história. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2007, p. 37. 92

MOMIGLIANO, Arnaldo. ―El Tiempo en la historiografia antígua‖. In.: Idem. Ensayos de

Historiografía Antigua y Moderna. México: Fondo de Cultura Económica, 1993, p. 167.

Page 40: (séculos xi-xii)

40

público quais os critérios de importância e de confiabilidade para tal registro93

. A luta

contra o esquecimento de tais eventos se dá a partir da escrita dos testemunhos daqueles

que estiveram presentes e que são confiáveis de menção e escuta.

Analisemos agora o exemplo do historiador franco Raoul Glaber. Nasceu na

Borgonha no final do século X. Entre 1025 e 1030, residiu no monastério de Saint-

Bénigne, a Dijon. Em 1010 encontra-se com o monge Guillaume de Volpiano, em

Moutiers-Saint-Jean. Fato que marcaria muito a sua vida, tanto que anos mais tarde

escreveria uma hagiografia sobre esse monge, a Vie de Saint Guillaume de Volpiano

abbé de Dijon. A partir de 1039, reside na abadia de Saint-Germain d‘Auxerre.

Além da obra sobre Guillaume de Volpiano, citada acima, escreveu um livro de

Histórias, que são Les cinq livres de ses histoires94

. Segundo Giancarlo Andenna, a obra

de Raoul Galber, revela o ―modo de pensamento do europeu do Ano Mil, com seus

medos, as suas esperanças, os seus defeitos e as suas qualidades‖95

. Essa é a visão que

também partilha Georgers Duby, que se debruçou por anos no estudo do Ano Mil e

sobre as mentalidades da época medieval, resultando no clássico livro L’an Mil96

. Mais

do que isso, a obra de Raoul Glaber é um importante documento sobre a época, sobre as

atividades sociais, sobre as instituições e sobre a política do Ano Mil, na época da

dinastia Capetíngia na Gália Franca.

Sua obra sempre esteve muito ligada aos estudos do Ano Mil, dos medos que as

pessoas demonstravam ter e de como elas estavam amedrontadas com a chegada do Fim

dos Tempos. Haja vista suas narrações sobre as mais variadas interpretações sobre os

acontecimentos naturais de seu tempo: tempestades, ventanias, eclipses, todo tipo de

fenômeno natural era entendido como sinal do final dos tempos. Os Terrores do Ano

Mil se deveram muito a partir das análises feitas sobre a obra de Raoul Glaber.

O livro de História de Glaber possui uma grande particularidade dentro da

produção historiográfica medieval. Seu relato não começa com a criação do mundo até

chegar aos dias atuais do autor da obra, mas, sim, tem início no ano 900 da Encarnação

93

Idem, p. 168. 94

Historiarum libri quinque ab anno incarnationis DCCCC usque ad annum MXLIV (Cinco livros de

História depois do ano 900 da Encarnação até o ano de 1044). 95

ANDENNA, Giancarlo. Mille anni dopo. Rodolfo il Glabro: un acuto interprete del segno dei tempi.

―La sua opera (…) si rivela il modo di pensare di un europeo dell‘anno Mille, con le sue paure, le sue

esperanze, i suoi difetti e le sue qualità‖, p. 11. In.: Rodolfo il Glabro. Storie dell’anno mille. Milano:

Editoriale Jaca Book, 1982. 96

DUBY, Georges. L’an … op. cit.

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41

de Cristo e vai até 1031. Isso se caracteriza como uma novidade neste âmbito

historiográfico medieval. Como contrapartida, o exemplo dos dez livros de Histórias do

bispo Gregório de Tours contam desde a criação do mundo até o século V; o espaço

relegado para a Criação até o século Iv se encontram resumidas no primeiro livros, após

isso, toda a história é recente ao bispo.

Os livros de Glaber estão da seguinte maneira distribuídos: o primeiro mostra

rapidamente uma revisão da História, de 900 ao Ano Mil, é, em suma, um resumo dos

primeiros carolíngios e dos primeiros imperadores da Alemanha; o segundo e o terceiro

livros são referentes aos anos que entornam ao Ano Mil, vai, a saber, de 987 a 1030, e é

nestes livros que Raoul aponta que os prodígios se multiplicam com o milênio da

Encarnação de Cristo; os sinais do ano que comemora o milênio da Paixão de Cristo são

descritos no livro quarto; e, por fim, no livro quinto, encontra-se uma série de eventos

referentes aos anos de 1040 a 104497

. É por esses aspectos que podemos caracterizar

Raoul Glaber dentro da larga tradição historiográfica medieval, baseada nos clássicos,

de que a História, é uma História contemporânea98

.

Sua obra tem a intenção de descrever os acontecimentos de todo o mundo99

.

Claro é que esta pretensão de universalidade não se verifica ao longo da obra,

entretanto, a ideia esta presente no início do livro.

Em primeiro lugar, farei observar como se dá a discrepância entre os anos da

salvação calculados desde a origem do mundo segundo o método da história

hebraica e a versão dada pelos Setenta interpretes. Nós acolhemos plenamente a

tese de que o ano de 1002 da Encarnação do Verbo coincide com o primeiro ano

do reino de Henrique da Saxônia, e o ano do Senhor de número 1000 com o

décimo terceiro ano do reino de Roberto II, rei dos francos. Pegamos como

ponto fechado para determinar a cronologia estes dois reis, porque no nosso

continente são considerados cristianíssimos e grandíssimos soberanos, e o

primeiro destes, ou seja, Henrique se tornou Imperador Romano. Portanto

havemos fixado sobre seu recordo a cronologia. (…) Ainda porque falaremos

dos acontecimentos acontecidos nos quatro cantos do mundo (…)100

.

97

PROU, Maurice. Préface. In.: Raoul Glaber. Les cinq livres de ses Histoires. Ed. Maurice Prou. Paris :

Alphonse Picard, Éditeur, 1886, pp., VII – VIII. 98

Mathieu Arnoux comenta isso em sua Introduction : « Le couer de son ouvrage concerne les années

1010-1040 : c‘est aussi, à peu de choses près, le période de composition de l‘ouvrage », op. cit., p. 17. 99

Mathieu Arnoux salienta: « Il faut lire avec attention les premières lignes du texte de Raoul pour

comprendre son projet, et voir comment il s‘intègre dans une historiographie en plein renouvellement.

L‘ambition du prologue a frappé de nombreux lecteurs, hostiles ou favorables au chroniqueur » op. cit.

pp. 14-15. 100

Raoul Glaber. Hist., 1. ―In primo luogo faró osservare come vi sia discrepanza tra gli anni della

salvezza calcolati dall‘origine del mondo secondo il metodo della storia ebraica e la versione data dai

Settanta interpreti. Noi accogliamo pienamente la resi che l‘anno 1002 dall‘Incarnazione del Verbo

coincida con il primo anno del regno di Enrico di Sassonia, e l‘anno del Signore 1000 con il tredicesimo

anno di regno di Roberto II re di Franchi. Abbiamo preso come punto fermo per determinare la

Page 42: (séculos xi-xii)

42

Dessa forma, Glaber expõe o objetivo de sua escrita: a história daqueles que

serviram a fé católica e seguiram na retidão da justiça. Uma história dos homens

ilustres. Salienta, também, que há duzentos anos não se tem notícia de alguém que se

pôs a historiar sobre os acontecimentos. Faz menção aos escritos de Beda, na Inglaterra,

e a Paulo Diácono, na Itália, como os últimos relatos históricos escritos, sendo que,

após estes, ―não houve ninguém que se interessasse a estes estudos e deixado qualquer

escrito histórico‖101

. Assim, este é o motivo que o leva a debruçar-se num livro de

Histórias.

3.2 – A historiografia Bizantina a partir do século IX: de Constantino VII Porfirogênito

a Anna Comnena

Constantino VII Porfirogênito pertenceu à dinastia dos macedônios, que figurou

no poder imperial de 867-1057. A historiografia costuma ressaltar essa época como de

grande prosperidade, em quase todos os aspectos, desde o expansionista – resultado das

pretensões imperiais, principalmente das partes de Basílio I e Leão VI – quanto à

organização interna muito forte – principalmente nos aspectos culturais e legais, com o

exemplo do código de leis (Basilica) começada por Basílio e terminada por Leão102

. Por

todo o contexto imperial, foi considerada uma época em que ―o império atingiu o zênite

de sua glória medieval‖103

Leão VI teve, após o quarto casamento, Constantino VII, filho legítimo da

púrpura, por fim denominado Porfirogênito104

. Durante seu reinado, os autores

costumam considerar como um dos ápices das produções culturais do império medieval

bizantino. Ainda que sua ascensão ao posto de basileus e ao cetro imperial tenha sido

cronologia questi due re perché nel nostro continente sono considerati cristianissimi e grandissimi

sovrani, e il pirmo di essi, cioè Enrico, diventò poi imperatore romano. Pertanto abbiamo fissato sul loro

ricordo la cronologia. (…) Inoltre, porché parleremo degli avvenimenti accaduti nelle quattro parti del

mondo, ci è sembrato opportuno – anzi ci sta a cuore, visto che ci rivolgiamo a uomini di religioni –

premettere all‘opera intrapresa una parte riguardante il significato della divina ed immateriale quaternità

con la sua intrinseca armonia‖. 101

Raoul Glaber, Hist., I, 1.

102 Essas leis serviram de base para o sistema legal bizantino até 1453.

103 RUNCIMAN, Steven. A civilização bizantina. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977, p. 37.

104 Pode-se surgir a questão do porquê não ser Leão VI porfirogênito, já que ele era filho de Basílio I e

sucessor do cetro imperial – questão pertinente – que nos é acalmada por Runciman em sua A civilização

bizantina, quando numa nota de rodapé, nos escreve que a paternidade de Leão VI era duvidosa, pois sua

mãe fora amante de Miguel III, imperador que antecedeu Basílio no comando do Império, e que fora

assassinado por este. Ver, entre outros: RUNCIMAN, idem, p. 37. E GIORDANI, Mário Curtis. História

do Império Bizantino. Petrópolis, RJ: Vozes, 1968, p. 67.

Page 43: (séculos xi-xii)

43

um pouco demorada: entre 912-913, segue no trono, juntamente com Constantino VII

Porfirogênito, Alexandre, seu tio por parte de Leão. No ano posterior, com a morte

daquele, reina o Patriarca Nicolau, alcunhado de o Místico; que fica com o cargo por

apenas um ano. De 914-919, junto com Constantino, fica no poder sua mãe, Zoé, que

não obtendo vitórias contra as investidas búlgaras, cai. Todos esses se mostram

ineficazes na administração imperial.

Segue-se, pois, dividindo o cetro com o Porfirogênito, Romano Lecapeno,

durante o período de 919-944. Durante sua administração – que por sinal se mostra

eficaz105

– Constantino é controlado por ele, que possuí as pretensões de fundar sua

própria dinastia. Casa Constantino VII Porfirogênito com sua filha e coroa seus três

filhos para darem sucessão à sua administração, que em menos de um ano devolvem o

cetro a Constantino VII, que, só então em 944, começa a administrar o império, que vai

até 959.

Em sua administração encontra-se aquilo que Speros Vryonis caracterizou como

um florescimento literário e artístico106

. E Constantino VII Porfirogênito contribuiu de

forma decisiva para que esse florescimento se desse no mundo bizantino. Isso, claro,

provinha de seus estudos, que o elevaram a uma condição erudita privilegiada para a

época. Mario Curtis salienta algumas das características da educação de Constantino VII

Porfirogênito:

O reinado de Constantino Porfirogênito caracteriza-se por empreendimentos

culturais, como v. g. a reorganização da Universidade Imperial com o

recrutamento de professores entre os melhores intelectuais do império. O

próprio imperador, que vivera tantos anos uma vida solitária, (…) adquirira

vasta erudição, conseguindo abranger toda a ciência bizantina da época (…)107

.

E José Marín Riveros mostra que, enquanto Romano Lecapeno retinha em sua

mão o cetro imperial, Constantino VII Porfirogênito aproveitou para se dedicar àquilo

que lhe interessava: as letras:

105 Neste ponto faço menção às aulas que assisti de História Medieval com a Professora Marcella Lopes

Guimarães, que dizia sempre em suas classes e em seus cursos, que o rei medieval tinha que funcionar –

faço este paralelo com o imperador bizantino, que era, conforme o texto de Michel McCormick, O

Imperador, inserido na coletânea de Guglielmo Cavallo, como o sol.

106 VRYONIS, Speros. Bizâncio e Europa. Lisboa: Editorial Verbo, 1980, pp. 88. Ainda podemos

verificar que não foi uma iniciativa única e exclusiva da dinastia macedônica, mas sim parte de um

processo histórico que, com práticas já iniciadas na época de Miguel III, ganharam força nova na dinastia

que se iniciava.

107 GIORDANIS, op. cit. p. 71.

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44

Constantino não deve sua fama a seu gênio político nem a uma carreira militar

coroada de vitórias; governante medíocre, passou a maior parte de sua vida no

palácio – enquanto outros, especialmente Romano Lecapeno, faziam o cargo da

condução do Império – dedicando seu tempo e energias a seu maior interesse: as

letras108

.

Ainda que com palavras um tanto fortes no desígnio das atividades

governamentais de Constantino, Marín faz ressaltar um interesse enorme do

Porfirogênito pelos escritos. O que se prova com a quantidade de textos que ele mesmo

escreveu ou que organizou a escrita. Podemos considerar a obra Theophanes

Continuatus um empreendimento de Constantino VII. Esta era, como o próprio nome

diz, uma continuação da crônica de Teófanes109

, do século anterior a Constantino VII.

Dos seis livros que se tem notícia do Continuatus, pode-se auferir que os cinco

primeiros foram escritos sob a supervisão do Porfirogênito110

. Tratavam eles, de uma

maneira geral, dos imperadores que exerceram a função imperial entre o século IX até a

fundação da Dinastia Macedônica por seu avô, Basílio I111

.

O papel de Constantino VII Porfirogênito na escrita destas obras figura não de

modo como conhecemos a escrita nos dias de hoje, mas sim como um ordenador dos

escritos, recopilando o material que foi utilizado na feitura dos textos e fazendo a

ordenação do texto depois de pronto para que a compreensão figurasse de maneira

lógica. Signes Condoñer nos mostra que os proêmios do Continuatus (que

provavelmente foram escritos a próprio punho por Constantino VII Porfirogênito) nos

―indica claramente que o papel de Constantino foi ativo, enquanto que o dos escribas foi

108 RIVEROS, José Marín. ―Croatas y Serbios en el de Administrando Imperio de Constantino VII

Porphyrogenito‖. Trabalho apresentado no II Coloquio de Estudios Medievales da Universidade de Bio-

Bio, 1994. Tradução ao português nossa.

109 Juan Signes Condoñer afirma em seu artigo ―Algunas consideraciones sobre la autoria del

Theophanes Continuatus‖ que: ―Se sabe que el emperador, insatisfecho con la version de los hechos que

realizó Genesio en su obra, decidió proceder a la ‗reescritura‘ de la misma, que es lo que vino a

desembocar en la crónica que hoy conocemos como Theophanes Continuatus, por más que la crónica de

Genesio sea, también Ella, uma ‗continuación‘ de la de Theophanes‖. In. SIGNES CONDOÑER, Juan.

Algunas consideraciones sobre la autoria del Theophanes Continuatus. Erytheia, n. 10-1, 1989, p. 18.

110 O último seria uma edição posterior, provavelmente sob o período de administração de Nicéforo II

Focas (963-969)

111 O livro I era sobre Leão V (813-820), seguido do II sobre Miguel II (820-829), III sobre Teófilo

(829-842), IV sobre Miguel III (842-867), o livro V sobre seu avô Basílio I, fundador da Dinastia da qual

fazia parte (867-886). Sobre o tema, ver: SIGNES CONDOÑER, Juan. ―Algunas consideraciones sobre la

autoria del Theophanes Continuatus‖. Erytheia, n. 10-1, 1989. O sexto livro, posteriormente escrito,

conforme salientado em linhas acima, abarca num fôlego único os períodos que compreendem as

administrações de Leão VI, Alexandre, Romano I Lecapeno, Constantino VII Porfirogênito e Romano II.

Para maiores informações: MARCÓPOLUS, Atanasio. ―La historiografia bizantina y Constantino VII

Porfirogénito‖. Erytheia, n. 7-2, 1986.

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45

mecânico, ‗manual‘‖112

. Assim, este autor considera que devemos entender o

Porfirogênito como autor da obra toda, recordando os métodos de trabalho da escrita do

século X em Bizâncio, quando o imperador não realizava um trabalho sozinho, mas

sempre com o auxílio de escribas e ajudantes113

.

Constantino também é conhecido por outros dois trabalhos, o De Administrando

Imperio e o livro De Cerimonii, o primeiro livro um ―manual‖114

, escrito

aproximadamente entre 948-952, dedicado a seu filho Romano, para que aprendesse

como deveria ser feita a administração do império que lhe legaria; o segundo um

compêndio das cerimônias do império, com o intuito de que não fossem esquecidos os

cerimoniais; entraremos neste texto um pouco mais a frente.

Na análise do proêmio do De Administrando Imperio, encontramos o ―conselho‖

de Constantino VII Porfirogênito, para seu filho, também porfirogênito, que ele deve ter

uma instrução educacional que o engrandeça, pois, destarte, tornar-se-á sábio e adquirirá

a prudência necessária a um basileus. Conforme as palavras do autor porfirogênito: ―um

filho sábio (sophós) faz feliz a seu pai, e um pai afetuoso se deleita com um filho

prudente (phrónimo)‖115

. Ao que se segue, encontramos Constantino VII afirmando a

posição dos porfirogênitos como encarregados por Deus para o exercício do poder, este

que deve ser feito com o auxílio de sabedoria:

Porque o Senhor lhe dá sabedoria para falar no momento oportuno e lhe agrega

um ouvido para escutar. Com Ele está o tesouro da sabedoria, e dele vêm os

dons perfeitos; Ele coloca reis no trono (basiléis epí thrónou) e lhes dá o

senhorio por sobre todos. Agora escuta-me, filho meu, e seguindo meus

ensinamentos serás sábio entre os prudentes e considerado prudente entre os

sábios116

.

Constantino crê ser uma das funções do jovem príncipe a instrução nos estudos,

para que, mais uma vez, ele seja considerado sábio perante os outros povos (laoí) e

nações (ethnón), conseguindo assim demonstrar toda a sua realeza aos seus súditos e

aos demais.

112 SIGNES CONDOÑER, op. cit. pp. 19-20.

113 Idem, p. 27.

114 RIVEROS, op. cit. p. 62.

115 Const. Porf. De Adm. Imp. Proêmio. In: RIVEROS, José Marín. HERRERA C, Héctor. El Imperio

Bizantino. Introducción Histórica y Selección de documentos. Santiago de Chile: Centro de Estudios

Griegos, bizantinos y Neohelénicos ―Fotios Malleros‖, 1998, pp. 54-55. Tradução ao português nossa.

116 Const. Porf. De Adm. Imp. Idem.

Page 46: (séculos xi-xii)

46

Instrua-te no que te interessa antes que alguém o saiba e apóia-te firmemente no

elmo da realeza (basiléias). Estuda as coisas que há agora e instrua-te nas que

serão, para que possas conseguir experiência com juízo são e possas ser

competentes em teus assuntos117

.

Para que o filho, porfirogênito, alcance o seu poder imperial, Constantino

estabelece ―uma doutrina diante de ti para que possas agudar em experiência e

sabedoria‖118

afirmando a História ser importante para que o príncipe saiba quais são as

diferenças entre os bizantinos (romanos) e os outros povos, ao longo dos tempos.

O porfirogênito ainda deve saber preservar as cerimônias imperiais, que

demonstram a beleza e a magnitude da instituição imperial. Isso encontramos no

proêmio do livro De Cerimonii, que traz a preocupação com o possível desaparecimento

do cerimonial palaciano bizantino, deixando uma lacuna nos símbolos imperiais.

Constantino VII Porfirogênito, com o intuito de manter a honra dessas imagens

imperiais, resolve reunir ―de muitas partes todas as cerimônias inventadas pelos antigos,

ou narradas por testemunhos, ou vistas por nós e estabelecidas em nosso tempo‖, tendo

em vista que

(…) Muitas coisas são capazes de desaparecer no processo do tempo… entre

elas, uma magna e preciosa, a exposição e descrição da cerimônia imperial.

Descuidar esta cerimônia, e condená-la como estava à morte, é ficar com uma

visão do império vazia de ornamento e privada de beleza. Se o corpo de um

homem não estivesse elegantemente formado, e se seus membros fossem

casualmente e sem harmonia dispostos, alguém diria que o resultado é caos e

desordem. O mesmo é verdade acerca da instituição do império (basilikon

politeuma); se não está guiado e governado pela ordem, não diferirá em nenhum

modo do comportamento vulgar de uma pessoa natural.nota119

Dessa forma, é prudente e necessário para aquele que está no poder, manter todo

―ornamento‖ e ―beleza‖ dessa instituição, senão poderia muito bem ser instalada a

desordem tal como, conforme o exemplo do Porfirogênito, um corpo com órgãos mal

distribuídos. É interessante destacar, também, que a função da instituição imperial é ser

governada por esta ordem, representada pela cerimônia, pois se não o fosse, não se

distinguiria de uma pessoa normal; afinal, o imperador é como o sol120

.

Tal como o livro De Administrando Imperio, o livro das Cerimônias também

tem a função de instruir os porfirogênitos, sucessores do cetro, pois, conforme as

117

Const. Porf. De Adm. Imp. Proêmio.

118 Idem, ibidem.. 119

Idem, ibidem.

120 Mais uma vez faço analogia ao texto de Michel McCormick, da Coleção O Homem Bizantino.

Page 47: (séculos xi-xii)

47

palavras de Constantino VII, ao reunir tais cerimoniais em compêndio ―podemos

iluminar os nossos sucessores na tradição dos costumes herdados, os quais chegaram a

ser descuidados e abandonados‖.

O florescimento cultural do Império à época dos Macedônios pode ser

caracterizado como um processo histórico com permanências posteriores. Do mesmo

modo que vemos que muitas formas de produções históricas tiveram seu início na

dinastia anterior aos Macedônios, essas formas continuaram até a época dos Comnenos,

quando a capital do Império, Constantinopla, foi considerada como a capital cultural do

Império Bizantino121

. Ainda que o Império tenha sofrido gravíssimas perdas com a

Batalha de Mantzkiert em 1071122

– o que fez com que a historiografia considerasse

esse evento como o início do fim do Império Bizantino –, e sofresse, também, com

diversas brigas entre as aristocracias militares para tomada de poder, dificuldades

econômicas, entre tantas outras coisas, no panorama cultural, há um prolongamento de

longo prazo. Ainda podemos encontrar, pois, a forte influência dos clássicos dentro da

educação bizantina, ainda que esta fosse para poucos. O que inclui os porfirogênitos na

escala do ambiente palaciano de Constantinopla.

Nas palavras de Atanásio Marcópolus, ―no século X, o poder imperial era objeto

de uma competição entre famílias da aristocracia; a historiografia estava obrigada a

refletir este fenômeno‖123

. Este historiador ainda comenta que ―Constantino VII se

utilizou da tradição cronográfica anterior porque seu objetivo é político, a dizer, o

elogio da dinastia macedônica e seu fundador, Basílio I‖124

. Assim, tem-se a afirmação

da dinastia Macedônica através dos textos de um porfirogênito, sucessor por excelência

do cetro imperial. Isso fica bem eminente quando se depara com obras como o De

Administrando Imperio e o De Ceremonii, sendo que ambos escritos servem para

demonstrar a importância daquele imperador e de como ele deve fazer para exercer seu

poder, um dom recebido por Deus.

Da mesma forma, encontramos em Anna Comnena uma afirmação da instituição

imperial a partir de uma obra historiográfica. O herói dos antigos poemas homéricos

não é mais um Ulisses, mas sim um Aleixo, daí a derivação do nome da obra: Alexíada.

121 RIVEROS, op. cit. p. 107.

122 Bizâncio perde cerca de dois terços dos seus territórios para os muçulmanos, incluindo Nicéia, então

considerada como a segunda cidade de maior importância dentro do Império.

123 MARCÓPOLUS, op. cit. p. 204.

124 Idem, ibidem.

Page 48: (séculos xi-xii)

48

E, tal como Constantino VII Porfirogênito, há o eu dos autores muito presente em seus

textos. Anna Comnena, ao estar sempre presente em sua obra – entenda-se que de modo

subjetivo – acaba por ir de frente com a idéia exposta por Bernard Guenée no verbete

―História‖125

, quando este diz que uma das características dos historiadores medievais é

não figurarem em suas obras; questão que está longe de ser encontrada no escrito da

princesa. Mas, de toda forma, podemos notar uma apologia de afirmação às suas

famílias através de seus textos, colocando que os sucessores dos basileus são aqueles

nascidos na sala púrpura, conforme demonstra a tradição e o cerimonial.

Ambos autores demonstram a importância dos estudos para a formação de um

porfirogênito. Tanto em Constantino VII Porfirogênito quanto em Anna Comnena

encontra-se também uma apologia aos estudos, pois dessa forma podem alcançar a

sabedoria. Não à toa Constantino VII aconselha seu filho a se instruir nas coisas que são

conhecidas, ressaltando que assim conseguirá o domínio da prudência na administração

do Império. Essa educação, claro é, possibilitou com que ambos pudessem se interessar

pelo fazer histórico126

e que pudessem executá-lo, de forma a compor uma obra de

próprio punho (caso de Anna Comnena) ou organizar a feitura (Constantino VII

Porfirogênito). Portanto, sua educação também serviu como elemento afirmador de uma

sucessão imperial dinástica, quando em um império envolto em disputas aristocráticas

pelo cetro imperial.

3.3 – “De vossas fontes bebi”: o pensamento clássico e a concepção de História d’A

Alexíada

―Não há historiador sem biblioteca e não há bons historiadores sem boas bibliotecas‖

Bernard Guenée127

Em seu prólogo Anna define o caráter da história como preservação da memória,

porque o tempo é fluído e, portanto, este gênero não permite que os acontecimentos

125 GUENÉE, Bernard. ―História‖. In. LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude (org). Dicionário

Temático do Ocidente Medieval. Bauru, SP: Edusc, 2006. vol. 1.

126 Ainda que no caso de Anna Comnena ela tenha recebido o pedido de sua mão após a morte de seu

marido, Nicéforo Briênio, que havia sido o primeiro encarregado da feitura de uma obra de história com

os feitos de Aleixo I Comneno. 127

GUENÉE, Bernard. História. In: LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático

do Ocidente Medieval. Bauru, SP : Edusc, 1999. Vol. II. p. 528.

Page 49: (séculos xi-xii)

49

caiam no ―abismo do esquecimento‖128

. Há aqui uma aproximação com a idéia de

Heródoto (e não somente dele, como da maioria dos historiadores que o sucederam), de,

com a impossibilidade de se conter o tempo, o gênero histórico vir a suprir as lacunas

que o esquecimento causa, como pode-se notar pelo início da obra História, de

Heródoto:

Ao escrever a sua história, Heródoto de Halicarnasso teve em mira evitar que os

vestígios das ações praticadas pelos homens se apagassem com o tempo e que

grandes e maravilhosas explorações dos gregos, assim como dos bárbaros,

permanecessem ignoradas129

.

A essa idéia segue o desejo de Anna de querer contar os feitos de seu pai, a

partir de quando começam suas campanhas militares até o período de seu império, para

que as suas ações não se ―apaguem no tempo‖, segundo a visão herodotiana:

Quero, por meio deste escrito, contar os feitos do meu pai, indignos de serem

entregues ao silêncio, nem de que sejam arrastados pela corrente tempo, como

um a um pélago de esquecimento; serão estes todos os feitos que levou a cabo

depois de tomar possessão do cetro e os quais realizou a serviço de outros

imperadores antes de tomar o diadema130

.

Cabe salientar que, do mesmo modo que Heródoto deseja, ―sobretudo, expor os

motivos que os levaram [aos homens] a fazer guerra uns aos outros‖131

, a obra de Anna

Comnena, tratando especificamente da época em que sua família detinha o poder

imperial, traz um longo e vívido quadro das batalhas pelas quais seu pai lutou, porque,

como dissemos em linhas acima, foi um período em que o Império Bizantino tinha

enfrentamentos em todos os pontos de batalhas, e o líder era Aleixo, um militar

renomado. Para Guenée, a História era um ―instrumento da memória‖, entretanto nem

tudo devia ser conservado, ―só devia fixar o que era digno de lembrança e relatar coisas

128

Anna Comn. Alex. Liv.Proémio, I, 1: ―El tiempo, fluyendo inconteniblemente y moviéndose siempre,

arrastra y lleva todo lo engendrado y lo sumerge en el abismo de la oscuridad, donde no existen hechos

dignos de mención, ni donde los hay grandes y dignos de la memoria (…), la narración de la historia se

convierte en una muy poderosa defensa contra la corriente del tiempo y detiene, de algún modo, el flujo

incontenible de éste; y todo lo acontecido dentro de él, que ha recogido superficialmente, lo contiene, lo

encierra y no permite que se deslice a los abismos del olvido‖ (p. 79). 129

HERÓDOTO. História. São Paulo: Ediouro, s/d. p. 31. 130

Anna Comn. Alex. Liv. Proémio, I, 2: ―Quiero por mediación de este escrito contar los hechos de mi

padre, indignos de ser entregados al silencio ni de que sean arrastrados por la corriente del tiempo, como

a un piélago de olvido; serán estos todos los hechos que llevó a cabo tras tomar posesión del cetro y los

que realizó al servicio de otros emperadores antes de ceñirse la diadema‖, p. 80. 131

HERÓDOTO. Op. cit. p. 31.

Page 50: (séculos xi-xii)

50

memoráveis. Isto é, os prodígios, as guerras, os atos de príncipes e santos‖132

e, no caso

específico d‘A Alexíada, os feitos do basileus.

Tucídides, em sua História da Guerra do Peloponeso133

, inicia falando que as

pessoas não sabem da exatidão do passado e acabam crendo em idéias que são inexatas,

porque ―tão pouco importa à maioria a busca pela verdade e quanto mais acabam por se

inclinar pelo primeiro relato que encontram‖134

. Muitas pessoas acabam por acreditar

nos escritos dos poetas ou dos prosadores, que, segundo Tucídides, buscam sempre

agradar aos seus auditórios, chegando a não ter, por vezes, nenhuma prova e acabam por

cair no mito135

. Para compor sua obra, Tucídides recolhe os discursos das pessoas que

participaram dos eventos, mas nota que há alguns que os visam adequar ao momento em

que aquele narrador se encontra, dessa forma, Tucídides, segundo ele próprio, fez com

que se mantivesse a idéia geral do discurso no texto. Mas salienta:

E em quanto aos feitos aquecidos no curso da guerra, considerei que não era

conveniente retratá-los a partir da primeira informação que caia em minhas

mãos, nem como a mim me parecia, senão escrevendo sobre aqueles que eu

mesmo presenciei e que, quando possível, outros me informaram, investiguei

caso por caso, com toda a exatidão possível136

.

Portanto, Tucídides escreve uma história coeva, baseando-se naquilo que ele viu

e no que lhe foi contado, sendo que, para esses casos tentou verificar tais informações.

Ou seja, segundo Guenée, essa idéia persiste durante a Idade Média, quando o

―historiador compunha sua narrativa com aquilo que tinha visto, ouvido e lido‖137

. Anna

Comnena, em seu Proêmio, nos mostra que sua obra pode muito bem ser analisada pelas

outras pessoas e atestada sua veracidade, pois como ela mesma informa, as pessoas que

viveram naquela época podem comprovar os feitos escritos:

E no tocante a mim, a estes e aqueles, aos que desagradamos e aos que nos

aceitam, poderia tranqüilizá-los fundamentada nas obras mesmas e nos que as

viram por seu testemunho a favor da veracidade dessas ações. Pois os pais e os

avós dos homens que vivem agora foram testemunhos destes feitos138

.

132

GUENÉE. Op. cit. p. 526. 133

TUCÍDIDES. Historia de la guerra del Peloponeso. Madrid: Editorial Gredos, 1996. 134

Idem. ―¡Tan poco importa a la mayoría la búsqueda de la verdad y cuánto más se inclinan por lo

primero que encuentran!‖. pp. 160-161. 135

Idem. p. 161. 136

TUCÍDIDES. Op. cit. p. 163. ―Y en cuanto a los hechos acaecidos en el curso de la guerra, he

considerado que no era conveniente relatarlos a partir de la primera información que caía a mis manos, ni

como a mi me parecía, sino escribiendo sobre aquellos que yo mismo ha presenciado o que, cuando otros

me han informado, he investigado caso por caso, con toda la exactitud posible‖. 137

GUENÉE. Op. cit. p. 527. 138

Anna Comn. Alex. Liv. Proémio, cap. II, 3: ―En lo tocante a mi, a éstos y a aquéllos, a que los

desagrademos y los que nos acepten, podría tranquilizarlos fundamentada en las obras mismas y en los

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51

Ela usa esse excerto, para justificar uma idéia apropriada de Políbio, fazendo

quase uma ―citação‖ literal deste em seu texto. O autor clássico nos diz que as pessoas

não são destituídas de seus favoritismos, mas que esses devem imperar em ―outras

espécies de relacionamento na vida‖, porque, no fazer histórico, as pessoas devem ser

julgadas pela imparcialidade do historiador. Destarte, a historiadora afirma que:

(…) quando se assume o caráter do gênero histórico, é preciso esquecer os

favoritismo e os ódios e adornar muitas vezes aos inimigos com os melhores

elogios, quando suas ações assim o exijam, e outras muitas vezes desqualificar

aos mais próximos parentes, quando os erros de suas empresas assim o

mandem. Pelo que não se deve vacilar nem em atacar aos amigos nem em

elogiar os inimigos139

.

Assim, vai-se construindo a idéia vigente entre os historiadores medievais que

tem sua origem na historiografia clássica140

, e que ―estavam cada vez mais convencidos

de que a memória era frágil (labilis memoria), era fugaz (fugitiva memoria).‖ Dessa

forma, caberia aos historiadores o fazer histórico, para que a lembrança do passado

fosse legada à posteridade141

.

Portanto, Anna Comnena vai se utilizar de toda a erudição, toda a cultura, que a

corte de seu pai lhe favoreceu para uma apropriação dos conceitos clássicos, os quais

vinham se reafirmando com o passar dos anos, formulando o seu conceito de história,

para dessa forma, escrever sobre os feitos do basileus Aleixo I. Devemos salientar, pois,

que essa apropriação é feita com base em uma transformação, uma adequação dos

clássicos aos preceitos que a autora pretende utilizar-se no seu período da escrita.

Trazendo à discussão o sonho da imparcialidade que era perpetuado pelos textos,

muitas vezes pode surgir a questão da parcialidade de Anna Comnena, pelo fato de ser

filha deste basileus sobre quem estava disposta a escrever a história — questão que

pode ser auferida também por Anna ser um ―eu‖ sempre presente dentro de sua obra, o

que las han visto por su testimonio a favor de la veracidad de esas acciones. Pues los padres y los abuelos

de los hombres que viven ahora fueron testigos de esos hechos‖, p. 81. 139

Anna Comn. Alex. Liv. Proémio, cap. II, 3: ―(…) cuando se asume el carácter del género histórico, es

preciso olvidar los favoritismos y los odios y adornar muchas veces a los enemigos de los mejores

elogios, cuando sus acciones lo exijan, y otras muchas veces descalificar a los más cercanos parientes,

cuando los errores de sus empresas lo manden. Por lo que no se debe vacilar ni en atacar a los amigos ni

en elogiar a los enemigos‖, p. 81. Ademais, a citação do autor clássico pode ser verificada em Políbio, I,

14. 140

Podemos notar um trânsito de textos, como demonstra Emilio Díaz Rolando em seu estudo preliminar

da obra na tradução em espanhol d‘A Alexíada, que ―Debemos prestar atención al influjo indudable que

en Ana Comneno tuvieron los clásicos, pero como muy bien nota A. Garzya, estos clásicos llegaron a

Bizâncio a través de la lente del helenismo tardio y temido de la óptica romana‖. In.: ROLANDO, Emilio

Díaz. Estúdio Preliminar… . In: COMNENO. Op. cit. 141

GUENÉE. Op. cit. p. 527.

Page 52: (séculos xi-xii)

52

que não era corrente dentro da historiografia ocidental da época. É importante notar,

como salienta Riveros, que mesmo que ela não relate muitos feitos negativos de seu pai,

temos que enfatizar que ela escreveu sobre as virtudes que Aleixo realmente possuía e

dramatiza feitos que foram realmente dramáticos142

. Dessa forma, ―é preciso saber

entender o silêncio dos historiadores‖143

, como mostra Guenée. Ver que Anna

Comnena, a princesa porfirogênita, foi, antes de qualquer coisa, uma mulher de saber,

que se utilizou das possibilidades culturais que lhe foram abertas pela sociedade para se

instruir e registrar eventos ou considerações conforme sua necessidade. Além de ser o

único caso na Idade Média de uma mulher a exercer o ofício do fazer histórico.

142

RIVEROS. Ana Comneno en el Panorama… op, cit. p. 117. 143

GUENÉE. Op. cit. p. 529.

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53

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Algumas considerações finais podem ser esboçadas ao final deste trabalho

monográfico. Basearemo-nos na sequência dos capítulos escritos para tecer tais

considerações.

Anna Comnena foi uma princesa bizantina. Filha do Imperador, nascida

enquanto seu pai tinha o cetro, era designada porfirogênita. Isso possibilitou que ela

pudesse usufruir de uma educação incomum para uma mulher na Idade Média. Estudou,

aprendeu sobre a cultura clássica lendo Platão, Aristóteles, Homero, Sófocles,

Heródoto, entre tantos outros. Portanto, seus estudos não ficaram restritos ao

conhecimento dos textos sagrados, conhecimento máximo que uma mulher no Império

Bizantino poderia conseguir. Teve, pois, essa princesa, uma formação privilegiada. Isso

fez com que toda uma cultura fosse formada, através do conhecimento de uma outra

cultura: a clássica grega.

Seu sonho de ser basilissa não se realizou. Conquanto, pode escrever uma obra,

deixando claro todos os feitos memoráveis de seu pai. Para isso, se utilizou da escrita de

um livro de Histórias, a fim de colocar em texto o que as pessoas não deveriam se

esquecer: todo o esplendor que havia feito o Imperador Aleixo I Comneno, que era o

seu pai.

Anna Comnena foi uma historiadora medieval. Único caso que se tem notícia de

uma mulher a exercer o ofício de historiar na Idade Média. Seu relato, ainda que

demonstrasse a intenção da imparcialidade, não consegue colocar-se imparcial no

decorrer da escrita da obra. Seu texto traz sempre a exaltação daqueles que a autora

considera dignos de serem exaltados, ou então propor uma visão muito salutar quanto

aos defeitos sobre determinados personagens de suas Histórias.

Os exemplos máximos disso são as imagens que descreve de seu pai e o

movimento cruzadístico. A historiadora sempre ressalta as qualidades de seu pai, um

homem sempre muito virtuoso, sempre muito inteligente, que soube, antes de mais

nada, governar o império de forma diplomática quando necessário e de forma guerreira

quando as exigências determinavam tais medidas. Por outro lado, os cruzados ocidentais

aparecem como aqueles que queriam tomar o cetro imperial. Homens inescrupulosos,

que, não escutando as autoridades religiosas que haviam conclamado a Cruzada, tinham

em mente muito mais do que tomar os lugares da Terra Santa e devolvê-los para a

Page 54: (séculos xi-xii)

54

possessão bizantina, mas sim tomar estes lugares e também Constantinopla, cidade de

riquezas e de esplendor; uma das principais cidades medievais. Dessa forma, uma visão

é construída. Essa visão coloca os cruzados ocidentais como usurpadores do poder do

basileus. Homens que têm em seu espírito a ambição de tomar um império que é bem

estabelecido, para a autora.

Mas está fonte não é apenas um riquíssimo material para análise do século X e

XII em Bizâncio. Com toda certeza o é, mas não somente. Este documento traz também

em si ligações com toda uma tradição de escrita da História no Império Bizantino. É

uma forma de colocar uma certa propensão da historiografia bizantina, que é

fundamentada nos clássicos gregos. Bizâncio se considera a detentora e continuadora de

toda a cultura clássica. Isso é motivo de exultação em Bizâncio. A historiografia

somente demonstra o que boa parte da população se considera: continuadores dos

gregos clássicos.

Baseados em preceitos como o de seleção de eventos, da escolha de exultação de

alguns heróis, de fazer com que feitos de grandes homens não caiam no esquecimento,

pois o tempo é fluído e leva as lembranças embora, se constrói uma tradição de uma

produção historiográfica. A memória é frágil e para isso serve a História, para facilitar a

rememoração destes exemplos, que são sempre esquecidos.

Preceitos dos antigos historiadores gregos são encontrados nas premissas dos

historiadores bizantinos. Na análise de seus prólogos encontra-se muito daquilo que

Hartog ressaltou, as configurações do saber, as formas de pensamentos e as conjunturas

intelectuais e políticas. Há também nestes proêmios um método, pelo qual acreditam se

basear tais historiadores. Sempre na busca da exatidão dos acontecimentos, dá-se

créditos a pessoas merecidas, que são fontes para a composição do texto do historiador.

Essas pessoas são aquelas que participaram dos eventos, que viram, que ouviram, que

podem confirmar a veracidade daquilo que está para ser relatado.

Um ponto importantíssimo destas considerações está baseado numa análise e

comparação entre a tradição desta cultura histórica bizantina – medieval oriental – com

a produção latina – medieval ocidental.

No livro Como se faz a história, os autores comentam que, no Ocidente, a

Bíblia, os textos sagrados, e os pressupostos pensados pelos padres católicos serão a

base para as produções históricas medievais.

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55

A bíblia, obra histórica por excelência e fundamento da cultura ocidental,

apareceu como um modelo e uma fonte abundantemente utilizada pelos

historiadores que a interpretaram de modo literal e tentaram prolongar seus

propósitos144

.

Isso faz com que a produção historiográfica ocidental esteja intimamente ligada

com a Instituição Eclesiástica, haja vista os maiores centros de difusão histórica na

Idade Média serem os mosteiros, onde estavam os scriptorium. No oriente, demonstra-

se muito mais influente para a escrita os trabalhos dos demais historiadores clássicos,

com seus métodos e percepções de conceitos de história.

A historiografia medieval ocidental está muito ligada com a precisão da datação,

o que a distancia dos pagãos clássicos, que utilizavam-se muito mais da retórica, da arte

de inventividade para a composição de seus relatos. Além do fato de os ocidentais se

remeterem quase sempre ao Início do mundo, à Criação de Deus. Conforme demonstrou

Arnaldo Momigliano145

, os clássicos, e após, os bizantinos, delimitavam o período de

sua análise, colocando um espaço temporal bem definido, que estava quase sempre

ligado à possibilidade de conteúdo que suas fontes possuíam e que poderiam ser

atestadas. Por isso o caso da Alexíada traz a história de um único império, o de Aleixo I

Comneno. A história centra-se na figura de um único personagem neste relato.

Dessa forma, Anna Comnena, com sua obra, A Alexíada, insere-se numa larga

tradição historiográfica bizantina, que assenta suas bases sobre os pressupostos clássicos

gregos, que, segundo os bizantinos se consideram, têm sua continuidade neste Império,

nesta Civilização.

A análise de tal obra permite com que algumas dúvidas sejam sanadas, que

muitas outras surjam. Isso demonstra que o trabalho apenas inicia-se. As discussões

devem continuar, os debates, as pesquisas e análises sobre essa obra devem rendem

muitos frutos, através de um trabalho histórico pautado em um método de análise

crítico, fazendo, assim, com que o trabalho histórico sempre se enriqueça mais e mais.

144

CADIOU, op. cit., p. 37. 145

MOMIGLIANO, op. cit.

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56

Anexos

Anexo I

Proêmio146

Apresentação da autora e propósitos de sua obra.

I – A história como gênero que conserva a verdade e a transmite. Apresentação da

autora.

1 – O tempo, fluindo incontidamente e movendo-se sempre, arrasta e leva todo o

engendrado e o submerge no abismo da obscuridade, onde não existem feitos dignos de

menção, nem onde os há grandes e dignos de memória, fazendo surgir o que está oculto,

como diz a tragédia147

e escondendo o que é patente. Sem embargo, a narração da

história se converte em uma mui poderosa defesa contra a corrente do tempo e detém,

de algum modo, o fluxo incontido deste; e todo o acontecido dentro dele, que foi

recorrido superficialmente, o contém, o encerra e não permite que se deslize aos

abismos do esquecimento.

2 – Posto que tenho consciência disto, eu, Anna, filha de Aleixo e Irene, filha e

produto da púrpura148

, que não só não sou inculta em letras, como inclusive estudei a

cultura grega intensamente, que não desatendo a retórica, assimilei as disciplinas

aristotélicas e os diálogos de Platão e madurei o quadrivium das ciências (devo revelar

que possuo estes conhecimentos – e não é jactância o feito - todos os quais me foram

concedidos pela natureza e pelo estudo das ciências, que Deus desde o alto me

presenteou e as circunstâncias me aportaram) quero por mediação deste escrito contar os

feitos de meu pai, indignos de serem entregues ao silêncio nem de que sejam arrastados

pela corrente do tempo como a um oceano de esquecimento; serão estes todos os feitos

que levou a cabo depois de tomar possessão do cetro e os que realizou a serviço de

outros imperadores antes de conseguir o diadema.

II – A objetividade como norteadora da obra de Anna Comnena.

1 – Ao contá-los, venho não com o interesse de oferecer uma certa mostra de

minha perícia literária, mas sim para que tamanha gesta não seja legada sem

testemunhos aos que nos seguirão; dado que inclusive as mais grandes obras, se de

alguma maneira não se conservam através da narração histórica e se entregam à

memória, se apagam na sombra do silêncio. Era, pois, meu pai, como os feitos mesmos

demonstraram, especialista em mandar e obedecer, quando é preciso, aos que mandam.

146

Fizemos uma tradução livre ao português, direto da própria tradução espanhola por nós utilizada, para

que o documento seja disponibilizado em nossa língua. A tradução, e seus possíveis equívocos, é obra

única e exclusivamente do autor destas linhas. 147

Sófocles, Ajax, 646. 148

A púrpura era o nome da sala onde nasciam os filhos dos imperadores; daí que o qualificativo

Porfirogênito se aplique só aos filhos de imperadores que ocupavam o trono no momento do seu

nascimento. Anna Comnena distingue entre os filhos porfirogênitos de imperadores e não porfirogênitos.

Page 57: (séculos xi-xii)

57

2 – Mas também, ao optar pela descrição de suas obras temo cair ancorada e

interrompe-la, não seja que em certo modo possa pensar-se que elogio meus próprios

atos ao descrever os de meu pai, e que pareça falsidade todo o conteúdo de minhas

histórias, ou pareça um aberto encômio, se admiro alguma de suas feituras. Mas, se em

algum momento sua mesma personalidade me levara a ele ou o curso da obra me

obrigara a tocar alguma gesta, temo de novo, não Poe ele, mas pela natureza de seus

atos, que os amigos das burlas me recordem ao filho de Noé, Cam149

lançando a todos

eles olhadas de inveja sobre os demais, sem fixar-se no que está bem à causa de sua

maldade e a seus cuidados, e acusem ao inocente, segundo disse Homero150

.

3 – Pois quando se assume o caráter do gênero histórico, é preciso esquecer os

favoritismos e os ódios e adornar muitas vezes aos inimigos dos melhores elogios,

quando suas ações o exijam, e outras muitas vezes desqualificar aos mais próximos

parentes, quando os erros de suas empresas o mandem. Pelo que não se deve vacilar

nem em atacar aos amigos nem em elogiar aos inimigos151

. No tocante a mim, a estes e

àqueles, aos que desagradamos e aos que nos aceitam, poderia tranqüilizá-los

fundamentada nas obras mesmas e nos que as viram pelos seus testemunhos em favor

da veracidade dessas ações. Pois os pais e os avós dos homens que vivem agora foram

testemunhas desses feitos.

III – Motivos da autora para escrever sua história.

1 – Ante todo, vim a historiar as ações de meu pai pela seguinte razão. O césar

Nicéforo, descendente do tronco familiar do tronco dos Briênios, homem que

largamente sobrepassava aos seus coetâneos pelo exagero de sua beleza, a agudez de

sua inteligência e pela exatidão de suas palavras, havia se convertido em meu legítimo

esposo. Era maravilhoso tê-lo em frente e ouvi-lo falar. Porém a fim de que nossa

história não se aparte de sua rota, continuemos com nosso assunto.

2 – Era, pois, o homem mais esclarecido de todos, e acompanhou a meu irmão, o

soberano João, quando organizou uma campanha contra diversos bárbaros, quando se

lançou contra os sírios e se pões de novo baixo sua autoridade a cidade de Antioquia.

Porém o césar, que não podia desatender sua afeição pelas letras, inclusive entre as

dificuldades e trabalhos, redatava também outro tipo de escritos dignos de menção e

recordação, e se encarregou ante a tudo, por ordem da imperatriz152

, de descrever os

feitos de Aleixo, soberano dos romanos e meu pai, e de levar às páginas as ações de seu

reinado, quando, distanciado momentaneamente das armas e da guerra, o tempo lhe

permitia dedicar-se aos escritos e aos seus afazeres literários. Começou, portanto, seus

escritos levando o início de suas histórias à época prévia à do soberano, obedecendo

também com isto às ordens de nossa senhora, e começou pelo soberano dos romanos,

Diógenes153

, para descender até aquele cuja vida informava o plano da obra. Foi durante

aquele reinado quando a idade pressagiava em meu pai uma florescente adolescência.

Quando à sua vida prévia, nem sequer eram um adolescente e nada havia realizado

digno de escrever-se, a não ser que se apresentasse sua infância como argumento para

um elogio.

149

Gen., 9, 18-27. 150

Il., 653; XIII, 775; Od., XX, 135. 151

Políbio, I, 14. 152

A imperatriz que aqui cita Anna Comnena é sua mãe, Irene Ducas. Nicéforo Briênio compôs uma Hyle

Historias. 153

Romano VI Diógenes (1068-1071). Durante seu reinado teve lugar a batalha de Mantzikert (1070), que

marcou o início do fim da hegemonia bizantina na Anatólia e o começo do irresistível avanço turco.

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58

3 – Estes eram, pois, os objetivos do césar, como nos mostra sua obra. Sem

embargo, não resultou o que esperava nem concluiu toda a sua história e deteve sua

redação até chegar á época do soberano Nicéforo Botaniates: as circunstâncias não o

permitiram avançar em seus escritos, causando um prejuízo ao tema de seu trabalho e

privando do prazer aos leitores. Por isso, eu mesma optei por escrever quanto meu pai

fez, para que semelhantes obras não escapem a nossos descendentes. Ademais, que

harmonia, quanta graça tinham as palavras do césar, conhecem-nas todos os que leram

seus escritos.

4 – Quando havia chegado àquele capítulo, como disse, quando tinha percorrido

sua obra e nos remetia inacabada desde a fronteira, contraiu ao tempo, ai de mim, uma

enfermidade mortal, talvez originada pelas inumeráveis fatigas, talvez pelas demasiada

freqüentes campanhas, ou por sua indizível dedicação a nós. Pois a dedicação era algo

inato nele e o trabalho, incessante. Ademais, a contínua troca de ares e os climas

adversos lhe serviram uma bebida mortal. Por isto, ainda se encontrava terrivelmente

enfermo, realizava campanhas contra sírios e cilícios: Síria entregou a este homem

debilitado aos cilícios, os cilícios aos panfílios, los panfílios aos lídios, Lidia a Bitinia e

Bitinia à imperatriz das cidades154

e a nós com suas entranhas inchadas pela grande dor.

Porém, ainda se falava assim do débil, desejava narrar emocionadamente os sucessos

que havia vivido, ainda que não pudesse fazê-lo tanto pela sua enfermidade, como pelos

obstáculos que nós lhe colocávamos com intenção de evitar que suas feridas se abrissem

ao descrevê-los.

IV – Lamento de Anna Comnena pelo rumo que tomou sua vida.

1 – Quando chegou a este ponto, me enche de vertigem a alma e se umedecem

meus olhos como as torrentes de minhas lágrimas. Que conselheiro perdeu o império

dos romanos! Que certíssima experiência teve ele na vida e que amplitude: seus

conhecimentos literários, seu saber polivalente, a dizer, o profano e o sagrado! Que

graça também lhe corria pelos membros e que aspecto não digno de um reino daqui

senão, como alguns dizem, de um mais divino e melhor! Eu mesma, não obstante, já

havia me relacionado com muitas outras circunstâncias funestas desde o meu berço da

Púrpura, por dizê-lo de alguma maneira, e tratei com uma fortuna não favorável, ainda

que ninguém considerasse sorte adversa e sorridente a que me presenteou uma mãe e

um pai imperadores e a sala Púrpura em que nasci. Por quanto aos demais regalos, ai

das calamidades e ai das revoltas! Enfim, Orfeu cantando movia inclusive as pedras, os

bosques e até a natureza inanimada; Timóteo, o flautista, ao tocar uma vez o ortio155

para Alexandre impulsionava em seguida o macedônio às armas e à espada; mas, oxalá

meus relatos não originem um movimento tópico ate às armas e as batalhas, senão que

movam o leitor às lagrimas e obriguem ao sofrimento não só a natureza sensível como

também a que carece de hálito vital.

154

Constantinopla é denominada indistintamente ―a imperatriz das cidades‖ (outros traduzem como

―rainha das cidades‖), ―a capital‖ (―metrópoles‖) ou simplesmente ―a cidade‖. 155

O orthion é uma das ―estructuras melódicas definidas, cada una de las cuales debía servir para una

determinada ocasión ritual: cada nomos mencionaba en el título su lugar de origen (…) o sus

características formales, como los nomoi ortio, trocaico y agudo (en los cuáles la denominácio hace

referência a la forma rítmica o la extensión tonal) o a la destinación sacral (…)‖ em COMOTTI,

Giovanni. La música en la cultura griega y romana. Madrid, 1986, pág. 16. Respecto a los poderes de

Orfeo, veáse también GUTHRIE, W. K. C. Orfeo y la relión griega. Buenos Aires, 1970, especialmente

pág. 42 y ss. y APOLONIO DE RODAS. Argonáuticas, I, 4292 y ss., donde Orfea calma con su canto

uma reyenda.

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59

2 – A dor que experimentava pelo estado do césar e sua inesperada morte

alcançaram minha alma e causaram uma profunda ferida. Creio que as precedentes

desgraças frente a esta insuportável desgraça são como gotas em comparação com todo

o oceano Atlântico ou as orlas do mar Adriático. É mais, segundo parece, eram aquelas

prelúdio desta e se apoderava de mim a fumaça desse fogo próprio de um forno, a

queimadura aquela de chamas indescritíveis e a tocha diária de um indizível ardor. Oh

fogo sem matéria, que reduzes a cinzas, fogo que iluminas com furor inexpressável e

que ardes, porém sem consumir e queimas ao coração, porém com a aparência de que

não nos queimamos, ainda que recebamos o vermelho vivo até os ossos, a medula e os

pedaços da alma!

3 – Porém sou consciente que me afasto de meu propósito e, ao me dominar a

recordação do césar e do sofrimento do césar, um imenso sofrimento se destila em mim,

assim pois, até secar-me o pranto de meus olhos e me recuperar de minha dor,

suportarei o que vem a continuação, ganhando segundo diz a tragédia156

, duplas

lágrimas, como se me recordasse da desgraça na desgraça. Pois expor em público a vida

de semelhante imperador supõe rememorar suas virtudes e suas gestas, o que me faz

brotas as mais cálidas lágrimas em um pranto que se une ao de todo o universo.

Recordá-lo e explicar publicamente seu reinado é um esforço que provoca em mim

lamentos e nos demais, pena. Comece, pois, a história de meu pai desde o momento em

que é mais adequado começar; e o momento mais adequado é aquele desde onde nossa

obra seja mais clara e mais histórica.

156

Eurípedes, Hecuba, 518.

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60

Anexo II

Europa, com seus diversos reinos, e o Império Bizantino em torno do século XII.

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61

Anexo III

Rotas dos Cruzados Ocidentais na Primeira Cruzada.

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62

Anexo IV

Constantinopla no período do Império Bizantino.

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63

Anexo V

Imagem de Anna Comnena.

Imagem de Aleixo Comneno.

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64

Anexo VI

Arvore genealógica de Anna Comnena, oriundo da mescla entre as famílias

aristocráticas dos Ducas e dos Comnenos.

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65

Anexos VII

LA ALEXÍADA DE ANA COMNENO Y LA PRIMERA CRUZADA157

Libro X

V. Inicio de la Primera Cruzada. Proclama de Pedro el Ermitaño a occidente.

1. Después de haberse repuesto un poco de sus grandes fatigas y a raíz de unos informes

sobre las correrías y los despiadados pillajes que los turcos estaban haciendo por el

interior de Bitinia, aprovechando los problemas surgidos en occidente que habían

absorbido la atención del soberano en esta parte del imperio y que lo habían entretenido

más en éstos territorios que en aquéllos (dedicaba sus esfuerzos a lo más urgente),

elaboró un proyecto grandioso y digno de su persona, pensado para reforzar Bitinia y

protegerse de las incursiones de los turcos gracias a las medidas que expondremos a

continuación, ya que merece la pena contar en qué consistían aquellas medidas.

2. El río Sangaris y la costa que se extiende en línea recta hasta la aldea de Quele y la

que se repliega hacia el norte encierran un extenso país dentro de los limites que

forman. Pues bien, los hijos de Ismael, que desde siempre hemos tenido como pérfidos

vecinos, a causa de la enorme carencia de defensores que sufría devastaban fácilmente

este país, pasando por la región de los mariandenos y por la de los que viven al otro lado

del río Sangaris, que solían cruzar para acosar Nicomedia. Mientras el emperador

intentaba reprimir el empuje de los bárbaros y fortificaba sobre todo Nicomedia contra

las incursiones al interior de su región, observó un extenso foso que se encontraba más

abajo del lago Baanes y cuyo curso él siguió hasta el final; por su configuración y su

posición concluyó que este accidente no era un producto espontáneo de la tierra y que

no había sido excavado de modo natural, sino que era obra del hombre. Gracias a sus

indagaciones junto a algunas personas acabó sabiendo que esa zanja había sido cavada

por orden de Anastasio Dícuro, aunque esas personas no podían explicar su finalidad; el

soberano Alejo, por su parte, opinaba que aquel soberano había proyectado trasvasar

agua del lago a ese canal artificial. Pues bien, con el mismo propósito el soberano Alejo

ordenó cavar el foso a gran profundidad.

3. Temiendo que las aguas no fueran vadeables en el punto de enlace de las corrientes,

erigió una poderosa fortaleza, segura e inexpuguable en toda su extensión tanto por el

agua como por la altura y grosor de sus murallas; ésta fue la causa de que se la llamara

Sidera. Aún hoy ese férreo baluarte es una plaza fuerte delante de una plaza fuerte y una

muralla delante de una muralla. El soberano en persona inspeccionaba la construcción

de la fortaleza desde la mañana a la noche y, aunque hacia mucho calor por estar en

plena estación estival, soportaba polvo y ardores. Invirtió gran cantidad de fondos para

que de allí surgiera una muralla poderosa e inexpuguable, recompensando

generosamente a cada uno de los que acarreaban piedras, ya fueran cincuenta o cien. A

partir de ese momento, no sólo los que a la sazón se encontraban en el sitio de las obras,

sino todo soldado o sirviente, lugareño u oriundo de otro país, se movilizaba para

acarrear dichas piedras al ver los generosos salarios y al emperador mismo presidiendo

157

Seleção do Professor José Marín Riveros. Aproveitamos para agradecer o grande auxílio desse

estudioso de Bizâncio durante todo o período em que nos debruçamos sobre as análises dessa ―civilização

bizantina‖.

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66

la marcha de los trabajos como si fueran unos juegos. Gracias a este recurso afluía

mucha gente y el acarreo de aquellas enormes piedras podía hacer con mayor rapidez.

Así era él, un ser capaz de las más profundas reflexiones y de las más grandiosas

acciones.

4. En suma, los hechos que el soberano protagonizó hasta la (...) indicción del año (...)

se habían desarrollado como hemos descrito; pero aún no había tenido tiempo de

descansar un poco, cuando oyó rumores acerca de la llegada de innumerables etércitos

francos. Como es natural, temía su aparición porque conocía su incontenible ímpetu, su

inestable y voluble temperamento y todos los demás aspectos que posee de forma

permanente el carácter de los celtas tanto en sus simples rasgos como las consecuencias

del mismo; igualmente sabia cómo, paralizados por el brillo del dinero, siempre

rompían los tratados sin reservas de ningún tipo y abiertamente, argumentando el primer

motivo que les viniera en gana. Y efectivamente, siempre había tenido ocasión de

comprobar los rumores sobre esta conducta. Pero no se dejó abatir y se preparaba con

todo empeño para estar listo en el momento en que fuera preciso pelear. Ahora bien la

realidad resultó más aterradora incluso que los rumores que se difundían. Todo el

occidente, la raza de los bárbaros al completo, que habita las tierras comprendidas desde

la otra orilla del Adriático hasta las columnas de Hércules, toda en una masa compacta,

se movilizaba hacia Asia a través de toda Europa y marchaba haciendo la ruta con todos

sus enseres. Aproximadamente, las causas de tan enorme movimiento de masas fueron

las siguientes.

5. Un celta de nombre Pedro y de apodo Pedro de la Cogulla tras haber sufrido en su

peregrinación hacia el Santo Sepulcro muchas calamidades por culpa de los turcos y

sarracenos que devastaban toda el Asia, a duras penas logró regresar a su casa. Pero no

encajaba el hecho de haber fracasado en sus planes y quería volver a emprender el

mismo camino. Como era consciente de que en esta ocasión no debía ponerse a caminar

en solitario hacia el Santo Sepulcro, concibió un astuto plan para evitar posibles

desgracias. Éste consistía en lanzar la siguiente proclama por todos los países latinos:

"Una voz divina me ordena anunciar a todos los condes de Francia que deben abandonar

sin excepción sus hogares y partir para venerar el Santo Sepulcro, así como dedicar

todas sus fuerzas y pensamientos a rescatar Jerusalén del poder de los agarenos."

6. A pesar de todo tuvo éxito. Como si hubiera grabado un oráculo divino en el corazón

de todos los hombres, consiguió que los celtas, desde lugares distintos sin importar

cuáles fueran, se congregaran con armas, caballos y demás impedimenta de guerra.

Tanto ánimo e ímpetu tenían, que todos los caminos vieron su presencia; acompañaba a

aquellos guerreros celtas una muchedumbre de gente desarmada que superaba en

número a los granos de arena y a las estrellas, llevando palmas y cruces en sus hombros,

mujeres y niños que habían partido de sus respectivos países. Pudo verse entonces

cómo, igual que ríos que confluyen de todas partes, avanzaban masivamente hacia

nuestros territorios a través del país de los dacios.

7. Precedió a la llegada de tan numerosos ejércitos una plaga de langosta que respetaba

el trigo, pero devoraba sin compasión los viñedos. Esto era signo, como los adivinos de

entonces profetizaban, de que los ataques de tan gran ejército celta se apartarían de

objetivos cristianos y se dedicarían con celo a combatir contra los bárbaros ismaeltas,

que están esclavizados por la ebriedad, el vino y Dioniso. Esta raza, en efecto, es

seguidora de los cultos de Dioniso y del dios Amor, está sumida en la práctica de toda

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67

clase de promiscuidad, de modo que, si bien su carne está circuncidada, no lo están sus

pasiones y no es más que esclava y mil veces esclava de las perversiones de Afrodita.

Es por esto por lo que ellos adoran y veneran a Astarté y Astarot y estiman muchísimo

la imagen de ese astro junto con la imagen dorada de Cobar. Precisamente, el trigo era

símbolo del cristianismo en esa profecía por su sobriedad y su gran valor alimenticio.

Ésta fue, pues, la interpretación dada por los adivinos a los viñedos y al trigo.

8. Dejemos en este punto las cuestiones relacionadas con la adivinación; el hecho de

que la llegada de los bárbaros viniera acompañada de estos signos provocaba, al menos

en las personas inteligentes, ciertas extrañas sospechas. La venida de tan gran cantidad

de gente no se producía de manera uniforme ni en el mismo instante (¿cómo hubiera

sido posible que tan numerosa muchedumbre procedente de diferentes lugares,

atravesara en masa el estrecho de Longibardía?); hubo una primera travesía, luego una

segunda a la que siguió otra más hasta que, una vez la hubieron hecho todos,

emprendieron camino por tierra firme. Como hemos dicho, a cada uno de sus ejércitos

lo precedía una inmensa plaga de langosta. Todos, pues, cuando pudieron observarla

varias veces, llegaron a la conclusión de que anunciaba la llegada de los batallones

francos.

9. Ya en el momento en que algunos empezaban a atravesar aisladamente el estrecho de

Longibardía, el soberano hizo llamar a determinados jefes de las fuerzas romanas y los

envió a la zona de Dirraquio y de Aulón con orden de recibir amablemente a los que

hiciesen la travesía y darles abundantes provisiones sacadas de todas las regiones que

hay en el camino hacia aquellos lugares; luego, tenían órdenes de no perderlos de vista y

de emboscarse para alejarlos con breves escaramuzas, cuando vieran que realizaban

incursiones y correrías para forrajear por las regiones vecinas. Los acompañaban

también algunos intérpretes del idioma latino a fin de evitar los enfrentamientos que

pudieran surgir entre tanto.

10. Pero, para dar más detalles y profundizar en este episodio añadiré que, cuando se

expandió por todo el mundo el rumor de aquella convocatoria, el primero que vendió

sus propiedades y se puso en camino fue Godofredo. Este hombre era adinerado y

presumía grandemente de su valor, valentía e ilustre linaje; y, en efecto, cada uno de los

celtas se afanaba en adelantarse al resto. Fue aquél un movimiento de masas como

nunca nadie recuerda: había tanto hombres y mujeres con la sincera idea de correr a

postrarse ante el Santo Sepulcro del Señor y contemplar los sagrados lugares, como

seres muy pérfidos, por ejemplo Bohemundo y sus seguidores, que albergaban en su

seno otras intenciones, es decir, poder apoderarse también de la ciudad imperial como si

hubieran descubierto en ella una cierta posibilidad de provecho. Bohemundo, en

concreto, turbaba las almas de muchos y muy valientes caballeros a causa del antiguo

rencor que le guardaba al soberano. Así pues, tras su proclama Pedro se adelantó a

todos, atravesó el estrecho de Longibardía con ochenta mil jinetes y llegó a la capital a

través de las tierras de Hungría. Como puede adivinarse, la raza de los celtas tiene

además un temperamento muy ardiente e inquieto y es incontenible cuando se lanza a

alguna empresa.

VI. Derrota del primer contingente de cruzados cerca de Nicea.

1. Como el emperador conocía los sufrimientos que había padecido Pedro en su primer

viaje a causa de los turcos, le aconsejó que aguardase la llegada del resto de los condes;

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68

pero no logró convencerlo, ya que confiaba en el número de quienes lo acompañaban en

aquel momento. Atravesó, pues, el estrecho y una vez en la otra orilla, fijó su

campamento en una ciudadela llamada Helenópolis. Los diez mil normandos que lo

seguían se separaron del resto de la expedición y se dedicaron a devastar los alrededores

de Nicea, dando muestras de extrema crueldad con todo el mundo. De los recién

nacidos, a unos los descuartizaban, a otros los empalaban y los quemaban al fuego y

atormentaban con toda clase de mortificaciones a los adultos.

2. Sus habitantes, al percatarse de lo que estaba pasando, abrieron las puertas e hicieron

una salida en contra de ellos. Tras un violento combate, retrocedieron hasta meterse

dentro de la plaza derrotados por la decidida manera de combatir que mostraban los

normandos; de este modo, una vez hubieron recogido todo el botín, volvieron de nuevo

a Helenópolis. Como suele suceder en semejantes circunstancias, se produjo una disputa

entre ellos y quienes no los habían acompañado en sus correrías a causa de la envidia

que corroía a los que se habían quedado; tras un enfrentamiento, los osados normandos

se separaron de nuevo, llegaron a Jerigordo y se apoderaron de ella al primer asalto.

3. Cuando se enteró de lo ocurrido, el sultán envió contra ellos a Elcanes en unión de

numerosas fuerzas. Tras llegar a Jerigordo, la tomó y de los normandos, a unos los hizo

victimas de la espada y a otros se los llevó prisioneros; mientras, planeaba acciones

contra los que estaban junto a Pedro de la Cogulla. Preparó emboscadas en lugares

apropiados, para poder sorprenderlos por el camino hacia Nicea y matarlos; como

conocía la codicia de los celtas, mandó buscar a dos hombres de carácter arrojado y les

ordenó que se dirigieran al ejército de Pedro de la Cogulla, para darle a conocer que los

normandos habían ocupado Nicea y estaban hacienda el reparto de las riquezas que

había en ella.

4. Esta noticia intranquilizó tremendamente a los que acompañaban a Pedro. Pero tan

pronto como oyeron hablar de reparto y de riquezas, se pusieron desordenadamente en

camino hacia Nicea, olvidando no sólo sus conocimientos militares, sino incluso la

formación correcta que conviene guardar cuando se parte a la batalla. Como hemos

dicho anteriormente, la raza de los latinos es asimismo muy codiciosa y cuando ha

resuelto atacar un país, es imposible contener su invasión a causa de su desenfreno. En

su avance carente de orden y formación, vinieron a caer en manos de los turcos que

estaban emboscados en el Dracón y fueron masacrados miserablemente. Tan grande fue

lamuchedumbre de celtas y normandos que cayó víctima de la espada de los ismaelitas,

que cuando se reunieron los despojos existentes por doquier de los hombres muertos,

hicieron no digo ya un enorme collado, ni un montículo, ni una colina; sino una especie

de montaña elevada que tenía una longitud y extensión considerables: tan voluminoso

fue el amontonamiento de huesos. Posteriormente, algunos bárbaros del linaje de los

masacrados, al edificar unas fortificaciones aparentemente semejantes a las de una

ciudad, colocaron los huesos de los que habían caído intercalados como argamasa,

haciendo que la ciudad les sirviera de algo parecido a una tumba. Aún hoy día sigue en

pie esa ciudad, cuyas fortificaciones fueron erigidas con piedras y huesos mezclados

entre sí.

5. En consecuencia, como todos habían caído bajo la espada, sólo Pedro en unión de

unos pocos regresó y se introdujo de nuevo en Helenópolis. En cuanto a los turcos, le

estuvieron tendiendo emboscadas nuevamente para capturarlo. El soberano, al oir todas

estas noticias y confirmarse tan gran matanza, se indignaba al pensar que Pedro pudiera

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ser capturado. Mandó buscar enseguida a Constantino Euforbeno Catacalon, de quien ya

hemos hablado en muchas ocasiones, embarcó bastantes fuerzas en naves de guerra y lo

envió por mar en su auxilio. Los turcos, al observar su llegada, se dieron a la fuga. Él,

sin perder un instante, rescató a Pedro y a sus acompañantes, que eran contados, y logró

ponerlos a salvo junto al emperador.

6. Durante la entrevista en la que el emperador le recordó la imprudencia que había

demostrado tener desde el primer momento y cómo por hacer caso omiso de sus

recomendaciones se había sumido en tan horrendas calamidades, él, como altivo latino

que era, no reconoció su propia culpabilidad en tan enormes desgracias y se la achacaba

a aquellos que no lo habían obedecido, sino que habían seguido sólo sus particulares

deseos, y los calificaba de piratas y ladrones; por todo ello afirmaba que Nuestro

Salvador no había permitido que pudieran presentarse a venerar el Santo Sepulcro.

7. En conclusión, los latinos que como Bohemundo y sus secuaces ambicionaban desde

hacía tiempo gobernar el imperio de los romanos y querían apropiárselo, como hemos

dicho, hallaron una excusa en la proclama de Pedro para provocar tan inmensa

movilización y engañar a las personas más puras; mientras, vendieron sus tierras con el

pretexto de que partían contra los turcos para liberar el Santo Sepulcro.

VIII. Hazañas de Mariano maurocatacalón.

7. (...) Un sacerdote latino, que estaba junto a otros doce compañeros de armas del

conde y que se hallaba a proa, al ver estos hechos disparó numerosos dardos contra

Mariano. Pero tampoco así cedía Mariano y mientras combatía, exhortaba a hacer lo

mismo a los que estaban a su mando, de modo que en tres ocasiones hubo que relevar a

los hombres heridos y agotados que rodeaban al sacerdote latino. En cuanto al

sacerdote, aunque había recibido muchos impactos y estaba empapado en su propia

sangre, aguantaba a pie firme.

8. No hay coincidencia de opiniones sobre la cuestión de los clérigos entre nosotros y

los latinos; a nosotros se nos prescribe por los cánones, las leyes y el dogma evangélico:

'No toques, no murmures, no ataques; pues estás consagrado'. El bárbaro latino, sin

embargo, lo mismo manejará los objetos divinos que se colocará un escudo a la

izquierda y aferrará en la derecha la lanza, y de igual modo comulga con el cuerpo y la

sangre divinos que contempla matanzas y se convierte en un ser sanguinario, como dice

el salmo de David. Así, esta bárbara especie no son menos sacerdotes que guerreros.

Pues bien, aquel combatiente, mejor que sacerdote, lo mismo se vestía con la estola

sacerdotal que manejaba el remo o se dedicaba a combatir en batallas navales, luchando

con el mar y con los hombres simultáneamente. En cambio, como acabo de decir,

nuestro modo de vida se remonta a Aarón, a Moisés y a nuestro primer pontífice.

X. Llegada del conde Raúl y de los demás condes

6. Después de que todos los condes comparecieran, incluido Godofredo, y prestaran

juramento, uno de aquellos nobles tuvo la osadía de sentarse en el trono del emperador.

El emperador soportó esta injuria sin decir una palabra porque hacía tiempo que conocía

el temperamento altivo de los latinos. El conde Balduino se le acercó, lo tomó de la

mano, lo levantó de allí y le recriminó su actitud en estos términos: "No deberías haber

hecho eso, ya que has prometido ser vasallo del emperador. Tampoco es costumbre de

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los emperadores romanos el compartir su trono con los que les son inferiores en rango;

los que por su juramento se han convertido en vasallos de Su Majestad deben observar

las costumbres de su país." El otro no respondió nada a Balduino y fijando su penetrante

mirada en el emperador, se dijo a sí mismo en su propio idioma: "Mirad cómo un

campesino es el único que está sentado, mientras a su lado están en pie tan magníficos

caudillos."

7. El emperador reparó en el movimiento de los labios del latino y llamando a un

intérprete, le preguntó sobre lo que había dicho. Cuando hubo oído la frase de aquél,

prefirió no dirigirse al latino por el momento y reservó para sí sus reflexiones. Cuando

todos se despedían del emperador, hizo venir a aquel soberbio y desvergonzado latino y

le preguntó quién era, de donde procedía y a qué linaje pertenecía. Él le respondió: "Soy

un franco de pura raza, de una familia noble; y una cosa sé, que en un cruce del país de

donde procedo existe un antiguo santuario, al que se acerca todo el que esté dispuesto a

enfrentarse en un combate singular y tras plantarse allí como un solitario combatiente,

solicita ayuda a Dios desde las alturas y espera con tranquilidad al adversario que se

atreva a contender con él. En dicho cruce pasé yo mucho tiempo inactivo, buscando a

alguien que luchara conmigo; pero en ninguna parte había un hombre que se atreviera a

ello." Cuando hubo oído estas palabras, el emperador le dijo: "Si buscando entonces el

combate no lo hallaste, te ha llegado el momento de hartarte con innumerables

combates; te recomiendo que no te coloques ni en la retaguardia, ni en la vanguardia de

la falange: pues hace mucho tiempo que conozco el método de combate de los turcos."

No sólo le daba a él estos consejos, sino también a todos los demás y les adelantaba

todos los problemas que iban a encontrar en su camino; asimismo les recomendaba que

no se obstinaran en perseguir a los turcos hasta el final, cuando Dios les concediera la

victoria contra los bárbaros, para no caer muertos en medio de sus emboscadas.

Libro XIV

IV. Enfermedades del emperador y sus causas.

5. Al amanecer, nada más salir el sol por el horizonte del oriente, se sentaba en el trono

imperial ordenando diariamente a todos los celtas que entraran sin reservas, para que le

comunicasen sus peticiones y, al mismo tiempo, para intentar ganárselos mediante todo

tipo de razones. Los condes celtas, que eran por naturaleza desvergonzados, atrevidos y

codiciosos y que hacían gala de una intemperancia y una prolijidad por encima de toda

raza humana en lo relativo a sus deseos, no se comportaban con decoro en su visita al

soberano, sino que en su recepción a todos debía soportar, a éste, al otro y a

continuación a aquél y al de más allá. Una vez dentro los celtas, no se ceñían al tiempo

marcado por la clepsidra, como una vez fuera deseo de los oradores, sino que cada uno,

quien quiera que fuese el que hacía aparición y deseara conversar con el soberano, tenía

tanto tiempo como quería. Estos, pues, eran tan inmoderados en su conducta y

respetaban tan poco al soberano que no se preocupaban del paso de su turno ni temían la

indignación de quienes los estaban mirando ni procuraban un hueco en la audiencia a

los que venían detrás, reiterando sin contención sus palabras y sus peticiones. Su

charlatanería y la insolencia y mezquundad de sus expresiones las conocen todos

cuantos se interesan en investigar las costumbres de los hombres. A los entonces

presentes la experiencia se lo mostró con mayor exactitud.

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71

6. Cuando caía la tarde, después de haber permanecido sin comer durante todo el día, se

levantaba del trono para dirigirse a la cámara imperial; pero tampoco en esta ocasión se

libraba de la molestia que suponían los celtas. Uno tras otro iban llegando, no sólo

aquellos que se habían visto privados de la diaria recepción, sino incluso los que

retornaban de nuevo, y mientras exponían tales y cuales peticiones, él permanecía en

pie, soportando tan gran charlatanería y rodeado por los celtas. Era digno de verse cómo

una y la misma persona expertamente daba réplica a las objeciones de todos. Mas no

tenía fin su palabrería impertinente. Cuando alguno de los funcionarios intentaba

interrumpirlos, era interrumpido por el emperador. Pues conociendo el natural irascible

de los francos, temía que con un pretexto nimio se encendiera la gran antorcha de una

revuelta y se infligiera entonces un grave perjuicio al imperio de los romanos.

7. Realmente, era un fenómeno completamente insólito. Como una sólida estatua que

estuviera trabajada en bronce o en hierro templado con agua fría, así se mantenía

durante toda la noche desde la tarde, frecuentemente hasta la media noche y con

frecuencia también hasta el tercer canto del gallo y alguna vez hasta casi el total

resplandor de los rayos del sol. Todos, agotados, generalmente se retiraban,

descansaban y volvían a presentarse enfadados. Por ello ninguno de sus asistentes podía

soportar tan prolongada situación sin reposo y todos cambiaban de postura

alternativamente: el uno se sentaba, el otro doblaba la cabeza para reclinarla en algún

lado, otro se apoyaba en la pared, sólo el emperador se mantenía firme ante tan grandes

fatigas. ¿Qué palabras podrían estar a la altura de aquella resistencia a la fatiga? Las

entrevistas eran infinitas, cada uno hablaba por extenso y chillaba desmesuradamente,

como dice Homero (Il. II, 212); cuando uno cambiaba de lugar era para cederle a otro la

oportunidad de parlotear y éste mandaba buscar a otro y, a su vez, éste a otro, Y

mientras ellos sólo debían permanecer en pie durante el momento de la entrevista, el

emperador conservaba su postura inmutable hasta el primer o segundo canto del gallo.

Y tras descansar un poco, salido de nuevo el sol, se sentaba en el trono y volvía a

encajar nuevas fatigas y redobladas contiendas que prolongaban aquéllas de la noche.

ANA COMNENA, La Alexiada, X, V, 1-10; X, VI, 1-7; X, VIII, 7-8; X, X, 6; XIV, 5-7,

Trad. de E. Díaz Rolando, Editorial Universidad de Sevilla, 1989, Sevilla, pp. 404-409,

409-412, 416-417, 426, 563-565, respectivamente.

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