desenvolvimento das sociedades empresárias · bulhões pedreira, os séculos xi e xii permitiram o...

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Capítulo I Desenvolvimento das Sociedades Empresárias 1.1 Origem e desenvolvimento das sociedades empresárias A ideia de associação entre pessoas como forma de viabilizar ou otimizar o exercício de uma atividade acompanha a humanida- de há séculos. Suas origens mais rudimentares, aponta a doutrina, podem ser encontradas na antiguidade. Os Romanos as reconhe- ciam (as chamadas societas), ainda que lhes dessem tratamento ci- vil (inexistindo, à época, a concepção de sociedade comercial). Nessas origens, a reunião de pessoas se dava em torno de um objeto comum, por vezes envolvendo a exploração de um negócio por membros de uma mesma família, herdeiros de uma mesma he- rança. Eram as sociedades familiares em que os sócios, em comum, exerciam as atividades decorrentes do negócio, se colocando à fren- te da administração. As sociedades passaram a ter um perfil mercantil, criando a base do direito societário atual, somente na Idade Média, época em que as condições sociais e políticas se mostraram propícias para a mercancia e para a associação como forma de exploração do co- mércio 1 . De fato, como mencionam Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, os séculos XI e XII permitiram o desenvolvimen- 1 Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira apontam que a Idade Média foi a idade da associação, estimulada em razão do vácuo de poder que seguiu à queda do Império Romano, demandando das populações formas de organização e prote- ção. Tal cenário induzia à associação, com as mais diversas finalidades. Cf.: LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S/A. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 25.

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Capítulo I

Desenvolvimento das Sociedades Empresárias

1.1 Origem e desenvolvimento das sociedades empresárias

A ideia de associação entre pessoas como forma de viabilizar ou otimizar o exercício de uma atividade acompanha a humanida-de há séculos. Suas origens mais rudimentares, aponta a doutrina, podem ser encontradas na antiguidade. Os Romanos as reconhe-ciam (as chamadas societas), ainda que lhes dessem tratamento ci-vil (inexistindo, à época, a concepção de sociedade comercial).

Nessas origens, a reunião de pessoas se dava em torno de um objeto comum, por vezes envolvendo a exploração de um negócio por membros de uma mesma família, herdeiros de uma mesma he-rança. Eram as sociedades familiares em que os sócios, em comum, exerciam as atividades decorrentes do negócio, se colocando à fren-te da administração.

As sociedades passaram a ter um perfil mercantil, criando a base do direito societário atual, somente na Idade Média, época em que as condições sociais e políticas se mostraram propícias para a mercancia e para a associação como forma de exploração do co-mércio1. De fato, como mencionam Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, os séculos XI e XII permitiram o desenvolvimen-

1 Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira apontam que a Idade Média foi a idade da associação, estimulada em razão do vácuo de poder que seguiu à queda do Império Romano, demandando das populações formas de organização e prote-ção. Tal cenário induzia à associação, com as mais diversas finalidades. Cf.: LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S/A. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 25.

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to do comércio na Europa, tendo em vista se tratar de época de relativa paz, com rotas mercantis mais seguras e a criação de novas cidades, elementos que permitiram o surgimento do comercian-te profissional, das corporações de ofício2 (entidades criadoras de regras comerciais) e, por consequência das sociedades comerciais, destinadas a reunir pessoas e recursos visando empreendimentos e lucros3.

A partir desse quadro criou-se as condições para o surgimento dos diferentes tipos societários, destinados ao comércio, permitin-

2 Waldemar Ferreira menciona que a queda dos impérios Romano e Carolíngio dei-xaram como resultados imensas perturbações sociais e políticas, que acabaram levando ao surgimento de associações dos mais variados gêneros, destinadas a resguardar seus associados e cumprir uma função econômica e social que as au-toridades não mais logravam fazer. A respeito dessas associações relata que “nego-ciantes, banqueiros, industriais, artejanos, quando se sentiram atraídos por interes-ses comuns, reuniram-se em corporações, vastas e organizadas, sujeitas a rigorosa disciplina, em que residia o segredo de sua força. Estas tornaram-se poderosas. Investiram do direito de regular, por si mesmas, seu interesse próprio e o de seus componentes. Passaram, assim, a exercitar poderes que eram, normalmente, do Estado. Presidiam, por via de seus oficiais, as feiras e mercados, organizando-os, e neles mantendo a ordem. Protegiam seus membros no estrangeiro. Prestavam assistência religiosa e caritativa. Tinham patrimônio e arca suprida com as con-tribuições dos sócios. Taxas. Impostos. Pedágios. Donativos. Multas. Rendas dos seus bens dominiais. Eram, a bem dizer, organismos estatais, tanto se imiscuíam no privado, como no público”. Cf.: FERREIRA, Waldemar Martins. Instituições de direito comercial. 4. ed., vol. I, São Paulo: Max Limonad, 1954, p.19 (na mesma linha, MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. vol. I, Campi-nas: Bookseller, 2001, p. 68). Sobre as corporações de mercadores, especificamente, os comentários de Octávio Mendes: “um elemento que concorreu muito poderosa-mente na Idade Média para a formação do Direito Comercial foi a organização das corporações de mercadores. Os indivíduos que as formavam constituíam uma clas-se separada, com direitos a uma jurisdição especial perante a qual regulavam, com normas autônomas, as suas relações. Dessa faculdade fizeram larguíssimo uso, e assim surgiram, com os usos e costumes dos negociantes, com a jurisprudência dos seus estatutos, normas e institutos de direitos especiais, que só se aplicavam às pessoas da classe e, por isso, formavam um direito singular, que foi o jus mercato-rum, o direito dos mercadores”. Cf.: MENDES, Octávio. Direito commercial terrestre. São Paulo: Saraiva, 1930, p. 58.

3 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S/A. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 26.

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do também o desenvolvimento da noção de separação patrimonial entre a sociedade e seus sócios, o que levou Vivante a afirmar que o conceito de personalidade jurídica da sociedade seria uma conquis-ta do direito medieval italiano4 (visto que as sociedades comerciais tiveram origem nas cidades italianas medievais e, a partir daí, se disseminaram para as demais regiões europeias e, posteriormente, do mundo).

Nesse contexto, o primeiro tipo de sociedade que surgiu5, por volta do século XII, à semelhança das antigas sociedades familiares, foram as sociedades em nome coletivo, pelas quais todos os sócios comerciantes podiam exercer a mercancia de forma coletiva, por meio de uma razão social, ficando os sócios responsáveis, integral-mente, pelas obrigações sociais. Tratou-se, assim, de fenômeno de-corrente da natural reunião de pessoas em torno de uma finalidade comercial comum6. Configurou-se como a estrutura básica da ideia societária, pela qual todos os sócios envolvem-se e responsabili-zam-se pelos negócios sociais.

Não obstante a sociedade em nome coletivo tenha por perfil uma estrutura básica de sociedade, decorrente do natural desejo de associação, observou-se que sua forma não atendia, à plenitude, o

4 VIVANTE, Cesare. Trattato di diritto comerciale. 5. ed., vol. II, Milano: Casa Editrice Francesco Vallardi, 1929, p. 5.

5 Embora, a esse respeito, deve ser consignado que não existe unanimidade doutri-nária quanto à primeira espécie de sociedade comercial surgida, sendo que diversos autores defendem o surgimento da sociedade em nome coletivo, anteriormente à sociedade em comandita, enquanto outra corrente afirma ser a sociedade em co-mandita pretérita à sociedade em nome coletivo. Indiferentemente a isso, é certo que ambas são criações da Idade Média.

6 J. X. Carvalho de Mendonça menciona que: “(...) parece que as sociedades deno-minadas familiares, na Idade Média, serviram de modelo às sociedades em nome coletivo. Aquelas, não visavam especular, mas conservar a administração unitária da propriedade comum, ordinariamente, o patrimônio hereditário, mantendo a responsabilidade ilimitada dos sócios. Os comerciantes aproveitaram essa organi-zação, desenvolveram-na e adaptaram-na aos fins comerciais. Mais tarde, a juris-prudência confirmou a sua obra”, Cf. MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. vol. II, tomo II, Campinas: Bookseller, 2001, p. 174-175.

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interesse dos comerciantes, de modo que passaram a verificar-se inovações destinadas a atender às necessidades do tráfico co-mercial.

No mesmo período da Idade Média, a expansão do comércio passou a demandar mecanismos societários que permitissem criar parâmetros de segurança patrimonial e formas de ocultação de só-cios. Surgem, assim, as ideias da limitação da responsabilidade dos sócios e do sócio oculto, que não se envolve diretamente com o exercício da atividade social. Tais demandas permitiriam, por um lado, a participação de sócios investidores, detentores de capital, mas sem interesse de participar diretamente do exercício da ativi-dade e, por outro lado, a participação (oculta) dos então impedidos de exercer o comércio, ou daqueles que evitavam se expor e infrin-gir as rígidas regras éticas e canônicas então vigentes, que vedavam o comércio a uma série de pessoas.

Atendendo a essas necessidades, se configurou a ideia da chamada sociedade em comandita, que tinha por principal traço distintivo, para com a sociedade coletiva, a divisão dos sócios em classes, sendo que na comandita existiriam os sócios publicamente conhecidos, que exerciam as atividades sociais, e os sócios ocultos, que colaboravam financeiramente para o empreendimento, mas não se revelavam para terceiros.

Parte relevante da doutrina aponta que o surgimento da co-mandita derivou dos chamados “contratos de commenda”. Tais con-tratos possuíam várias modalidades, tal como sua versão marítima, em que o proprietário de um navio tomava dinheiro de investi-dores para realizar negócios além mar. Sendo assim, o proprietá-rio do navio exercia a atividade diretamente, responsabilizando-se perante terceiros, mas que, na realidade, tinha sido custeado por investidores ocultos, que assumiam o risco de perder os capitais investidos em caso de insucesso ou de obter remuneração sobre eles em caso de êxito no empreendimento comum. Assim, configurava--se a ideia da ocultação dos investidores aliada a uma preservação

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de seu patrimônio, cujo risco se limitava aos capitais destinados ao empreendimento específico.

A partir dessa ideia se moldou, então, a sociedade em coman-dita, em que um investidor, desejoso de rentabilizar seus recursos, entregava-os a um comerciante para o exercício de um empreendi-mento comum, ainda que, se expondo perante terceiros, somente o comerciante. Do resultado, parte seria destinada ao sócio inves-tidor que, assim, encontrava uma forma de aumentar seu patrimô-nio sem se expor publicamente, limitando seu risco ao montante empregado.

Essa sociedade, a princípio, era negociada diretamente entre os sócios, sob o manto de um vínculo exclusivamente contratual, independentemente de quaisquer formalidades ou burocracia. Para terceiros, portanto, era desconhecida sua existência, como se esti-vessem negociando com um comerciante individual.

A evolução histórica e, em especial, as fraudes observadas no uso de tais contratos, fizeram com que as corporações de mercado-res italianos, no século XV, passassem a exigir um regime de publi-cidade desses contratos, determinando o seu registro. Assim, as até então informais sociedades passaram a ser objeto de publicidade, tornando de conhecimento público os integrantes de seu quadro societário, revelando-se, então, a distinção entre a sociedade e as pessoas dos sócios.

Desta exigência observou-se a divisão daquele tipo de socieda-de em duas modalidades, a sociedade em comandita e a sociedade em conta de participação, até então indistintas por terem uma fi-nalidade comum e não possuírem regulamentação específica.

Mas, a partir daquele momento histórico, as comanditas pas-saram a ser sociedades regulares e sujeitas a registro de conheci-mento público, enquanto os demais contratos de sociedade, com semelhante perfil, mas não registrados, se caracterizaram como so-ciedade em conta de participação, de conhecimento e efeitos restri-

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tos aos sócios, onde somente o comerciante se apresentava perante terceiros.

Nesse quadro, as comanditas encontraram grande desenvol-vimento, na medida em que, concorrendo com as sociedades em nome coletivo, ofereciam a grande vantagem de limitar a responsa-bilidade dos sócios investidores (não mais ocultos, mas ainda assim com responsabilidade limitada).

Para as situações que demandavam o sigilo em relação à pes-soa do sócio, ou seja, pessoas que desejavam participar de negócios mercantis, mas não poderiam fazê-lo oficial e publicamente, seja por possuírem impedimento ou por questão de valores morais, re-ligiosos, bem como pela vedação ao empréstimo a juros, prestou-se a sociedade em conta de participação, que mantinha sua caracterís-tica de “oculta e não regulamentada”, de conhecimento exclusivo dos sócios. À época, a finalidade de tal sociedade era acomodar, na qualidade de sócio oculto, pessoas que não poderiam figurar ofi-cialmente em negócios mercantis, tais como nobres que exerciam poder político (a quem não era adequada a prática de negócios vi-sando lucro) e religiosos (porque a eles era vedada a participação em negócios econômicos). Logo, essa estrutura viabilizava a parti-cipação em negócios de pessoas que, por alguma razão, não pode-riam se expor nesse sentido. Para o empreendedor, por outro lado, era uma forma de obtenção de recursos para o desenvolvimento de seus negócios, ao mesmo tempo preservando a imagem de seus sócios, visto que perante terceiros era como se o comerciante os-tensivo atuasse de forma individual.

Consolidado esse cenário, tinha-se um quadro em que as so-ciedades, consideradas como entidades distintas de seus sócios, adotavam as formas de sociedade em nome coletivo ou sociedade em comandita simples (não se incluindo nesse rol a sociedade em conta de participação, por não se prestar a exercer atividades em nome próprio e de forma direta). Tais espécies, contudo, caracteri-zavam-se como tipos societários com perfil de pequenos negócios,

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destinados a associar poucas pessoas e montantes relativamente pequenos de capital.

Frente a isso, o novo quadro econômico observado no século XVII, com uma política colonialista e expansiva, ensejou a criação de um novo instrumento jurídico, que se prestasse a reunir eleva-dos montantes de recursos, destinados a projetos bem mais am-biciosos. Para suprir tal função, surgiram as sociedades por ações.

Boa parte da doutrina aponta o surgimento definitivo das sociedades por ações nas companhias holandesas, criadas por vol-ta de 16007, destinadas à exploração do comércio marítimo, não obstante diversos autores comentem a existência de indícios des-sas sociedades em tempos mais antigos, como é o caso do Banco de San Giorgio, fundado em Gênova em 1407, e que possuía os traços característicos das futuras sociedades por ações, tal como a existência de estatutos reguladores de direitos e obrigações sociais, administração e sistema de eleição de administradores, e títulos que tinham o perfil semelhante às ações, em que seus detentores adquiriam direito a lucros nas operações do banco, sendo a respon-sabilidade dos sócios limitada à importância com que entravam para o capital8.

Quando da constituição de sociedades destinadas a explorar terras descobertas (as companhias coloniais), foram utilizados os princípios já concebidos no Banco de San Giorgio. A primeira socie-

7 Cf.: GALGANO, Francesco. Lex mercatoria. Bologna: il Mulino, 2001, p. 78.

8 Embora, em sua maioria, a doutrina comercialista concorde em caracterizar o Ban-co de San Giorgio como uma fase embrionária da sociedade anônima. Outras hipó-teses são apresentadas em relação à origem remota das sociedades anônimas; nesse sentido, Vera Helena de Mello Franco e Rachel Sztajn mencionam, além do clássico caso do Banco de San Giorgio, a forma associativa de exploração de moinhos, me-diante concessão feudal, como verificado em Toulouse, as associações mineiras medievais (em regime de co-propriedade da mina, corporificadas em documentos de livre circulação), as Rhedereien (consórcios de armadores dos países do norte – em que se observava a divisão do empreendimento comum – expedições navais – em frações ideais alienáveis), entre outras, conforme FRANCO, Vera Helena de Mello e SZTAJN, Rachel. Manual de direito comercial 2. São Paulo: RT, 2005, p. 22-23.

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dade com esse perfil foi a Companhia Holandesa das Índias Orien-tais, criada em 1602, e a ela se seguiram outras sociedades com igual destinação, e semelhante estrutura, nas mais diversas nações (como França, Holanda, Portugal9 e Inglaterra), estabelecendo-se, assim, os parâmetros que viriam a configurar a sociedade anônima. Essas sociedades, constituídas mediante licença dos governos (re-gime de privilégio), viabilizaram a captação de recursos dos parti-culares, com a obtenção de elevados montantes, que permitiam o exercício do objeto social, qual seja, a exploração de terras ultrama-rinas, em contrapartida ao estabelecimento, em favor dos sócios, de uma limitação de risco ao valor do investimento realizado. A partir de então os Estados passaram, cada vez mais, a criar normas para regular a constituição e o funcionamento dessas grandes so-ciedades, mecanismos ímpares de promoção do desenvolvimento econômico. Como atesta Ascarelli, “a sociedade anônima apresen-tou-se como o instrumento típico da grande empresa capitalística e, com efeito, surgiu e se desenvolveu com este sistema econômico e em relação às suas exigências”10.

Note-se que, nessa época, com a formação do Estado moder-no, as relações de poder que envolviam o comércio europeu so-freram um deslocamento. O poder político e comercial, anterior-mente centrado nas cidades medievais italianas11, passam, então,

9 Portugal viria a criar companhias colonizadoras com a finalidade de viabilizar o comércio com o Brasil. Inicialmente, a Companhia Geral do Comércio do Brasil, de 1649, posteriormente a Companhia do Estado do Maranhão e Pará de 1682, seguida da Companhia Geral do Grão Pará e do Maranhão de 1755 e depois ainda a Companhia de Pernambuco e Paraíba, de 1759.

10 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campi-nas: Bookseller, 2001, p. 457.

11 O poderio das cidades italianas, no período entre 1300 e 1400, foi relatado por Octávio Mendes. De acordo com seus estudos, o maior centro comercial da época era Veneza, que possuía uma frota mercante de 3.000 navios, e uma frota de guerra com mais de 50 navios (destinados também à proteção dos navios mercantes, em especial contra ataques de corsários) e 10.000 marinheiros. Menciona o referido jurista que, até a descoberta da América, Veneza era a cidade mais rica e bem go-

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a concentrar-se na Espanha, Holanda e, especialmente, na França, de modo que as antigas normas consuetudinárias dão lugar a uma nova realidade, a das regras instituídas e aplicadas pelos Estados. Assim, paralelamente a esse período de desenvolvimento das socie-dades por ações, a Ordenança de Comércio Francesa (Ordonnance sur le Commerce de Terre)12, de 1673, disciplinou as demais sociedades então existentes, ou seja, a sociedade coletiva, sob a nomenclatura de sociedade geral (société générale), a sociedade em comandita e a sociedade em conta de participação (naquele diploma nomeada como sociedade anônima, em razão do anonimato característico que ela proporcionava ao sócio oculto – razão pela qual não se pode confundi-la com a outra estrutura de sociedade que veio a ser cha-

vernada de toda a Europa. Em sequência, a cidade de Florença, então cidade mais industrializada da Europa, e depois Gênova (sede do mencionado Banco de San Giorgio), também detentora de relevante comércio marítimo. Após a descoberta da América, e dos impactos em relação ao comércio e à navegação (com o avanço sobre os oceanos Atlântico e Pacífico e a consequente perda de importância do mediterrâneo), se verificou o declínio de Veneza e demais cidades italianas, em contraposição ao fortalecimento de nações como a França, Países Baixos, Inglaterra etc. Cf.: MENDES, Octávio. Direito commercial terrestre. São Paulo: Saraiva, 1930, p. 24-25 e p. 32-33.

12 A importância histórica que se atribui à Ordenança de Comércio Francesa de 1673, criada pelo Rei Luis XIV, foi o fato de que tal documento revelou-se como uma das primeiras regulamentações destinadas a ordenar, de forma pormenorizada, a atividade do comércio. Antes dela, existiam somente disposições esporádicas pro-mulgadas em alguns países, mas sem o perfil amplo instituído pela Ordenança de 1673. Tal diploma era dividido em 12 títulos e 122 artigos, disciplinando inúmeros temas atinentes ao comércio terrestre, dentre os quais as regras a respeito dos ne-gociantes, mercadores, agentes de bancos e corretores, sociedades, falências, entre outros. Referida legislação ficou em vigor por mais de um século, e foi uma das principais influências do Código Comercial de 1807. Posteriormente, em 1681, foi criada a Ordenança da Marinha (Ordonnance sur le commerce de mer), regulando o direito marítimo, e que serviu também de influência para o Código de 1807. Cf.: MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 31. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 9-10, e MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. vol. I, Campinas: Bookseller, 2001, p. 74-75.

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mada de sociedade anônima, essa sim representando a forma até hoje conhecida).13

Porém, o grande marco legal que definiu e consolidou as estru-turas societárias foi o Código de Comércio Francês de 180714, pro-mulgado por Napoleão Bonaparte em 15 de setembro (e que entrou em vigor em 1o de janeiro de 1808). Referido diploma disciplinou a sociedade em nome coletivo, a sociedade em comandita, a socieda-de em conta de participação (cuja nomenclatura foi alterada para

13 A título de curiosidade, note-se que as estruturas de direito societário criadas na França ao longo do referido período se mostraram propícias à criação e à preser-vação de sociedades ao longo do tempo, de modo que verificamos a existência de sociedades contemporâneas cuja constituição remonta ao referido período. É o caso da Saint-Gobain, companhia multinacional da área de vidros, que foi cria-da em 1665, por determinação do rei francês Luis XIV, sob a nomenclatura de Compagnie de Saint-Gobain, com a finalidade de fornecer espelhos para o Palácio de Versalhes (ramo esse então dominado pelos venezianos). Portanto, referida so-ciedade, existente há quase três séculos e meio, conviveu e sobreviveu aos perío-dos da monarquia, revolução francesa, guerras napoleônicas, revolução industrial, além de, ao longo de sua história, ter se envolvido em diversas fusões, estatizações, privatizações, pulverização de capital acionário, conflitos societários (tal como o famoso caso de oferta de aquisição de controle entre Saint Gobain x BSN – Société Boussois-Souchon-Neuvesel, relatado por Fábio Konder Comparato na obra “Aspectos jurídicos da macro empresa”, páginas 38-41), sendo que, após todos esses eventos, ainda hoje, figura como uma das grandes empresas do mercado em escala mundial no seu ramo de atuação. Logo, é notável que uma mesma sociedade, que no século XVII forneceu espelhos para a construção do Palácio de Versalhes, ainda existia ao final do século XX, a ponto de participar de nova obra mundialmente conhecida, a construção da pirâmide de vidro do museu do Louvre. Referido exemplo personifi-ca bem a ideia de que as sociedades viabilizam a “imortalidade legal” (legal immor-tality), como mencionado por William Blackstone em “Commentaries on the laws of England” (Book the first: The right of persons – Chapter the eighteenth: of corporations – disponível em http://avalon.law.yale.edu/18th_century/blackstone_bk1ch18.asp. Acesso em 10/03/2009).

14 Observa Waldemar Ferreira que o Código de Comércio francês não foi apenas o primeiro código comercial moderno. Surgido em época oportuna, de grande de-senvolvimento comercial decorrente de descobertas científicas e avanço dos meios de comunicação, constituiu o “marco legislativo lindeiro de nova época do direito comercial”, de modo que, ainda nas palavras do autor, “tornou-se o código padrão, reproduzido, imitado, ou adaptado no velho e no novo mundo”. Cf.: FERREIRA, Waldemar Martins. Instituições de direito comercial. 4. ed., vol. I, São Paulo: Max Limonad, 1954, p. 33-34.

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“associação em conta de participação”) e a sociedade anônima, e criou ainda a sociedade em comandita por ações15, sendo que refe-rido texto formulou a base legal (e definiu os caracteres) que tanto influenciaria o direito societário de diversos outros países (dentre eles, a Espanha e seu código de 1829, Portugal e seu código de 1833 e a Itália e seu código de 1865 – não obstante os mencionados có-digos tenham sido substituídos, respectivamente, em 1885, 1888 e 1882), inclusive o Brasil (e seu código de 1850, que veio a ser subs-tituído, na sua grande parte, somente com o Código Civil de 2002).

Deste modo, a configuração criada pelo Código Francês, to-mando por base as práticas mercantis vigentes à época, definiu as linhas mestras do direito societário, com resultados até hoje pre-sentes em diversas legislações (com as devidas alterações, eviden-temente).

Embora o rol clássico de sociedades tenha sido definido no Código Francês, algumas outras figuras societárias foram criadas à época, sem obter tanta repercussão e não contando com aceitação generalizada. Foi o caso da sociedade de capital e indústria16, que tinha por característica a existência de duas categorias de sócios, os de capital (que ingressavam na sociedade com recursos) e os de indústria (que ingressavam exclusivamente com seu trabalho). Como observam J. X. Carvalho de Mendonça17 e Waldemar Ferrei-

15 Que na definição de J. X. Carvalho de Mendonça representa o resultado da com-binação da sociedade em comandita simples com a sociedade anônima. Cf.: MEN-DONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. vol. II, tomo III, Campinas: Bookseller, 2001, p. 237.

16 Comentários dos doutrinadores evidenciam o descrédito atribuído à sociedade de capital e indústria. Carvalho de Mendonça a descreve como construção “esdrú-xula” (Tratado de direito comercial brasileiro. vol. II, tomo II, Campinas: Bookseller, 2001, p. 223). Waldemar Ferreira menciona que sua adoção na Argentina foi alvo de severas críticas (Instituições de direito comercial. 4. ed., vol. I, São Paulo: Max Li-monad, 1954, p. 401).

17 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. vol. II, tomo II, Campinas: Bookseller, 2001, p. 222-223.

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ra18, a referida sociedade, imaginada em Milão em 1807, no projeto de Códice di commercio di terra e di mare riformato dalla Commissione dietro le osservazioni dei Tribunali e Camere di Commercio del Regno d´Italia, foi adotada pelo Código Português de 1833. Entretanto, seu substituto, o Código Comercial Português de 1888, não mais a reconheceu como tipo societário. Indiferente a isso, a sua presença na lei portuguesa de 1833 influenciou sua adoção em alguns pou-cos países que, igualmente, a aceitaram como tipo societário au-tônomo, como ocorrido no Brasil, no Uruguai e na Argentina. No entanto, foi rejeitada nas demais nações, em geral, e mesmo parte daquelas que um dia a adotaram foram com o tempo eliminando-a de suas legislações, de modo a se tratar hoje de tipo quase extinto19.

Não obstante o rol clássico de tipos societários criados no Có-digo Francês contemple estruturas aptas a diferentes necessidades dos empreendedores, com adoção até os dias atuais, a evolução do comércio passou a demandar uma nova estrutura, destinada a preencher uma lacuna existente dentre as sociedades então conhe-cidas. Essa nova estrutura configurar-se-ia a partir de uma integra-ção de diferentes elementos presentes nas antigas sociedades, de modo a criar um meio termo entre as sociedades contratuais e a complexa sociedade anônima, ou seja, um novo tipo que permi-tisse aliar a simplicidade estrutural das sociedades contratuais à garantia patrimonial oferecida pela sociedade anônima.

Referido tipo societário veio a ser concebido somente em 1892, na Alemanha, quando o legislador local criou a chamada GmbH (Gesellschaft mit beschränkter Haftung), que permitia a constituição de uma sociedade de perfil simples e com poucos sócios, à seme-lhança das sociedades em nome coletivo e em comandita simples,

18 FERREIRA, Waldemar Martins. Instituições de direito comercial. 4. ed., vol. I, São Paulo: Max Limonad, 1954, p. 400-401.

19 A total extinção só não se deu em razão de alguns poucos países que ainda a man-tém em suas legislações, tal como o Uruguai, que ainda a disciplina na sua lei de sociedades comerciais (Ley n. 16.060 de 1989), e a Argentina, que igualmente a mantém em sua legislação societária (Ley n. 19.550 de 1984).

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mas aliando a essa característica um mecanismo de limitação da responsabilidade dos sócios, pela importância com que contribuí-ram para a formação do capital, à semelhança da sociedade anôni-ma. Tratou-se de uma sociedade concebida pelo legislador, no sen-tido de ter sido criada sem um correspondente prático. Isto porque, enquanto as demais sociedades foram criadas naturalmente pelos comerciantes20, e só depois regulamentadas em lei (como forma de ordenar a atividade prática), a GmbH foi criada pelo legislador, destinada a cumprir a função específica de mecanismo político de incentivo à atividade econômica21. Logo, nesse caso, somente após

20 Acerca de tal característica, comenta Rachel Sztajn que as diversas formas de so-ciedades comerciais são decorrentes da autonomia privada, de modo que os comer-ciantes, partindo do contrato de sociedade concebido no direito romano, foram transformando-o e adaptando-o às condições econômicas e sociais no decorrer da história, de modo a ajustar a sociedade (e respectivo contrato), em sua estrutura organizacional, às necessidades e interesses dos empreendedores, concluindo que a importância da autonomia privada em relação às formas societárias diz respeito à criação dos costumes que levam à consolidação dos modelos socialmente tipifi-cados, e que em etapa posterior, acolhidos pela legislação, se tornam os modelos societários legalmente tipificados, conforme SZTAJN, Rachel. Contrato de sociedade e formas societárias. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 173-174.

21 A respeito de tal perfil ou função atribuída à GmbH, menciona Sylvio Marcondes Machado que “o rápido desenvolvimento da indústria e do comércio alemães, em seguida à guerra de 1870, pôs em evidência o embaraço que, para a atividade indi-vidual, decorre do princípio da responsabilidade ilimitada e, consequentemente, a insuficiência da legislação sobre as sociedades anônimas, cuja severidade era pre-ciso atenuar. Tratava-se, segundo Feine, de encontrar um tipo de organização que enchesse o grande vazio existente entre as anônimas, completamente impessoais e rigorosamente capitalistas, e as coletivas e comanditas, tão identificadas com a personalidade dos sócios, e no qual se consagrassem as vantagens dessas formas extremas”, Cf.: MACHADO, Sylvio Marcondes. Problemas de direito mercantil. São Paulo: Max Limonad, 1970, p. 193-194. Comentando o mesmo contexto, Vera He-lena de Mello Franco relata que a fase de desenvolvimento industrial que se seguiu ao fim da guerra franco-prussiana de 1870 pôs em evidência a inadaptabilidade das formas societárias então existentes ante as demandas da vida econômica, o que levou comerciantes e industriais a reivindicar forma mais adequada, resultan-do na criação da GmbH, conforme FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial. 2. ed., São Paulo: RT, 2004, p. 219. No mesmo sentido, observa Rachel Sztajn que, com a criação da GmbH “visava-se facilitar a criação de orga-nizações econômicas de pequeno ou médio porte, em contraposição às anônimas,

28 Fernando Schwarz Gaggini

sua previsão legislativa é que se passou a verificar o uso prático de tal instrumento.

A criação alemã logo influenciou o direito de inúmeros ou-tros países que não tardaram a inspirar-se na iniciativa germânica e criaram suas sociedades de responsabilidade limitada, modelo esse que veio a ser adotado em várias nações. Assim, na sequência da Alemanha, Portugal adotou referido tipo de sociedade em 1901, a Áustria o adotou em 1906, a Inglaterra em 1907 e, em especial, após o fim da 1a Guerra Mundial, foi inserida em inúmeros outros países como o Brasil e a Polônia (1919), Tcheco-Eslováquia (1920), Rússia (1922), Chile (1923), Bulgária (1924), França22 (1925), demonstran-do uma tendência crescente de aceitação, que dentre muitos outros países ainda envolveu a Argentina (1932), Uruguai (1933), Suíça (1936), Japão (1938), Itália (1942) e Espanha (1953)23.

Consolidada e inserida nas leis de diversos países, essa nova estrutura veio se juntar ao rol de sociedades então existentes, for-mando o quadro de sociedades até hoje presentes em grande parte do mundo.

reservadas à grande empresa; aprovava-se um esquema organizacional que limita a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, ao mesmo tempo em que se preservam elementos das sociedades personalistas”, Cf.: FONSECA, Priscila Maria P. Correa da; SZTAJN, Rachel. Código Civil comentado – vol. XI – Direito de empresa. São Paulo: Atlas, 2008, p. 421. Ainda, o jurista português Raul Ventura sintetizou a ideia ora em discussão, mencionando que as sociedades de responsabilidade li-mitada representam “uma deliberada tentativa de fomento econômico por meio de uma instituição jurídica”, com a finalidade de incentivar a criação de novas empresas, apud FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial. 2. ed., São Paulo: RT, 2004, p. 219.

22 Acerca da sociedade limitada francesa, instituída em 1925, comenta Fran Martins que se tratou de uma legislação que atribuiu às sociedades limitadas características bastante diversas do modelo original concebido na Alemanha, vindo a influenciar algumas legislações criadas após 1925, dentre as quais a de Liechtenstein (1926) e Cuba (1929), Cf.: MARTINS, Fran. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 151-153.

23 Conforme MARTINS, Fran. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 19-21.

A Responsabilidade dos Sócios nas Sociedades Empresárias 29

Evidentemente que as características específicas aplicadas às sociedades variam de legislação para legislação. Nesse sentido, di-ferentes distinções podem ser apontadas. Um primeiro exemplo é o fato de algumas legislações atribuírem, às sociedades de pessoas, personalidade jurídica, ao passo em que outras legislações não ou-torgam tal condição a essas sociedades (como ocorre na Alemanha, Inglaterra, Itália, EUA, entre outros, em que a personificação so-mente é aplicável a algumas espécies de sociedades empresárias). Também gera distinção o fato de algumas legislações condiciona-rem a constituição de um determinado tipo societário a um capi-tal social mínimo24, enquanto outras não obrigam a esse respeito. Algumas legislações limitam (tanto em termos de mínimo quanto de máximo) o número de sócios para um determinado tipo socie-tário25. Também variam as regras em relação à integralização do capital (existindo países que exigem a integralização total, à vista, para algumas sociedades, enquanto outros determinam a integrali-zação de percentuais mínimos conforme o tipo societário, e outros

24 Tal situação se verifica na Itália, Alemanha, França, Portugal, dentre outros. A títu-lo exemplificativo, com base na situação vigente no ano de 2010, Portugal exige um capital mínimo de 5.000 euros para as sociedades por quotas, 50.000 euros para as sociedades anônimas e em comandita por ações, e não impõe valor mínimo para as sociedades em nome coletivo e em comandita simples. A França estipula um capi-tal mínimo de um euro para as sociedades de responsabilidade limitada (SARL), e 37.000 euros para a sociedade anônima (SA e SAS). Na América do Sul, o Uruguai adotava a estipulação de capital mínimo e máximo para a sociedade limitada, regra essa que foi revogada em 2007. Do mesmo modo, a Argentina já adotou a regra de capital mínimo, que foi igualmente revogada.

25 Nesse sentido, o Uruguai limita às sociedades limitadas um numero máximo de cinquenta sócios, mesma situação verificada na Bélgica; em Portugal, as sociedades em comandita por ações devem ser compostas por no mínimo seis sócios (sendo um comanditado e cinco comanditários), as sociedades anônimas, em regra, devem ser constituídas por cinco sócios, ao passo que a sociedade por quotas pode ser constituída com o mínimo de um sócio, não havendo nesse país limites máximos de sócios para qualquer tipo de sociedade. Na França, as sociedades de responsabi-lidade limitada (SARL) podem ter um máximo de cinquenta sócios, e um mínimo de um (no caso da unipessoal EURL), enquanto as sociedades anônimas devem ter um mínimo de sete sócios, e as sociedades em comandita por ações devem ter no mínimo quatro sócios (ao menos um comanditado e três comanditários).

30 Fernando Schwarz Gaggini

ainda nada impõem a esse respeito, deixando a cargo dos sócios tal definição).

Não obstante tais diferenças pontuais, constata-se que o rol de sociedades hoje adotadas em diversas legislações correspondem, em essência, aos tipos consagrados pelo Código de Comércio fran-cês, acrescidos das sociedades de responsabilidade limitada. Por-tanto, basicamente, o quadro de sociedades permanece inalterado em relação àquele que se estabeleceu entre o final do século XIX e início do século XX.

É certo que a evolução do direito societário, ao longo do século XX, produziu inovações, como a possibilidade de constituição de sociedade com sócio único (a denominada “sociedade unipessoal”, como adotada em diversos países europeus), ou, como noticiado na Alemanha, o surgimento de sociedades criadas a partir da junção de tipos societários (ou deformação dos tipos societários), como as “GmbH & Co. KG” (sociedade em comandita que tem por só-cio comanditado uma sociedade de responsabilidade limitada26) e as Publikums-Kommanditgesellschaft (sociedades em comandita que emitem cotas no mercado de capitais), ou ainda na França as société par actions simplifiée – SAS (sociedades anônimas simplificadas).

Contudo, como se vê, mesmo essas inovações foram feitas com base nos tipos societários clássicos (seja por intermédio de uma mescla dos tipos, ou da deformação de suas características), não representando, propriamente, o surgimento de uma nova es-pécie societária.

Permanece, assim, inalterado, na sua essência, o rol de socie-dades adotadas nas mais diversas legislações. Analisando o direito

26 Coutinho de Abreu menciona que, nesses casos, é admitido ainda que os sócios da sociedade limitada sejam sócios comanditários da sociedade em comandita. Informa ainda que esse tipo de estrutura, cuja licitude foi, por tempos, questionada na Ale-manha, acabou sendo admitida também pelo Código das Sociedades Comerciais de Portugal, que prevê expressamente a hipótese de uma sociedade por quotas ou uma sociedade anônima ser sócio comanditado, conforme ABREU, Jorge Manuel Couti-nho de. Curso de direito comercial II. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2007, p. 73.

A Responsabilidade dos Sócios nas Sociedades Empresárias 31

comparado, constatamos a presença dos tipos clássicos nas mais diversas legislações contemporâneas.

A “sociedade em nome coletivo” é adotada na Itália (società in nome collettivo), na França (societé en nom collectif), em Portugal (sociedade em nome colectivo), na Alemanha (offene handelsgesells-chaft), na Inglaterra e EUA (general partnership), na Argentina (so-ciedad colectiva), entre outros.

A “sociedade em comandita simples” é adotada na Itália (so-cietà in acommandita semplice), na França (société en commandite sim-ple), em Portugal (sociedade em comandita simples), na Alemanha (Kommanditgesellschaft), na Inglaterra e EUA (limited partnership), na Argentina (sociedad em comandita simple), entre outros.

A “sociedade em comandita por ações” é adotada na Itália (so-cietá in acommandita per azione), na França (société en commandite par actions), em Portugal (sociedade em comandita por acções), na Ale-manha (Kommanditgesellschaft auf Aktien), na Argentina (sociedad em comandita por acciones), entre outros (notando que, em relação a esse tipo, não se verifica um modelo correspondente no direito anglo-saxão).

A “sociedade em conta de participação” é adotada na Itália (associazione in partecipazioni), na França (société en participation), em Portugal (associação em participação), na Alemanha (stille Ge-sellschaft), na Argentina (sociedad accidental o en participación), entre outros (notando que, em relação a esse tipo, não se verifica um modelo correspondente no direito anglo-saxão).

A “sociedade de responsabilidade limitada” é adotada na Itália (società a responsabilità limitata), na França (société a responsabilité limitée – SARL), em Portugal (sociedade por quotas), na Alemanha (Gesellschaft mit beschränkter Haftung – GmbH), na Inglaterra (li-mited liability partnership), nos EUA (limited liability company), na Argentina (sociedad de responsabilidad limitada), entre outros.

A “sociedade anônima” é adotada na Itália (società per azio-ne), na França (société anonyme), em Portugal (sociedade anónima),

32 Fernando Schwarz Gaggini

na Alemanha (Aktiengesellschaft), na Inglaterra (company), nos EUA (corporation), na Argentina (sociedad anónima), entre outros.

Apesar da presença comum das espécies de sociedades acima mencionadas em grande parte das legislações, é tendência univer-sal a predominância da sociedade de responsabilidade limitada e da sociedade anônima em relação aos demais tipos tradicionais que, embora ainda existentes, na prática, acabam ocupando um peque-no nicho da economia. Nesse sentido, Philippe Merle27 apresenta um quadro das sociedades existentes na França em 2004, demons-trando essa predominância. À época, existiam 984.625 sociedades de responsabilidade limitada (société à responsabilité limitée – SARL), 128.085 sociedades anônimas (société anonyme – SA), 63.624 socie-dades anônimas simplificadas (société par actions simplifiée – SAS), 37.298 sociedades em nome coletivo (societé en nom collectif) e 2.919 sociedades em comandita (sem discriminar a espécie de coman-ditas). No mesmo ano, Portugal apresentava 534.337 sociedades por quotas (das quais 45.123 são unipessoais), 26.014 sociedades anôni-mas, 657 sociedades em nome coletivo e 29 sociedades em coman-dita (sem discriminar a espécie de comandita)28.

Essa realidade repete-se em outros países, representando uma característica geral do direito societário atual, que, em síntese, mantém o cenário societário criado há mais de um século, mas com amplo predomínio do uso das sociedades de responsabilidade limi-tada e das sociedades anônimas.

1.2 As sociedades empresárias no Brasil

No Brasil, no período compreendido entre a descoberta (ano de 1500) até a vinda da família Real, em 1808, vivenciou-se uma

27 MERLE, Phillipe. Droit commercial: sociétés commerciales. 10. ed., Paris: Dalloz, 2005, p. 2.

28 Dados de Portugal obtidos em ABREU, Jorge Manuel Coutinho de. Curso de direito comercial II. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2007, p. 76-84.

A Responsabilidade dos Sócios nas Sociedades Empresárias 33

época de estagnação em termos de desenvolvimento do comércio, na medida em que Portugal impusera a exclusividade da mercancia brasileira para com os portugueses, em uma situação de monopó-lio que inviabilizava o desenvolvimento comercial da colônia (isso do ponto de vista legal, pois, extra-oficialmente, existia um fluxo de contrabando facilitado pela extensão costeira e territorial do Brasil).

No referido período não existia um direito comercial próprio brasileiro. Eram aplicáveis, à colônia, as regras de direito de Portu-gal e, dentre essas, em especial, as Ordenações Filipinas de 160329 (período do Rei Felipe II), que a partir daí vigorou por todo o perío-do colonial brasileiro, e a Lei da Boa Razão, de 1769, que restringiu a influência do direito romano sobre o direito português, ao auto-rizar a aplicação de leis dos povos cultos para sanar omissões das regras portuguesas.

Tal situação somente começaria a mudar com a vinda de Dom João VI para o Brasil em 1808. Como consequência do estabele-cimento da corte no Brasil, no mesmo ano se deu a abertura dos portos brasileiros, viabilizando o início do desenvolvimento do co-mércio brasileiro (até então fadado à situação monopolística im-posta pela metrópole). Ainda, no mesmo ano de 1808, criou-se a “Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação”, que tinha por finalidade a reunião dos comerciantes para tratar de seus negócios, mas, também, se prestava ao estudo das regras de comér-cio, semente para a concepção de um direito comercial brasileiro. Também, em 1808, se fundou o primeiro Banco do Brasil (conside-

29 Que tinha influência das regras de Direito Romano, em substituição à influência do Direito Canônico presente em legislação anterior. Dentre outras matérias dis-ciplinadas em seus cinco livros, as Ordenações Filipinas tratavam dos temas do comércio em seu terceiro livro, sobre o processo civil e comercial, e em seu quarto livro, sobre o direito das pessoas e das coisas sob o ponto de vista civil e comercial, Cf.: MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 31. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 50-51.

34 Fernando Schwarz Gaggini

rada a primeira sociedade por ações do Brasil30, objeto também da primeira oferta pública de ações).

Em matéria de leis, entretanto, ainda continuaram vigentes as Ordenações portuguesas. Mesmo a Proclamação da Independência, em 1822, não alterou tal cenário, visto que, após a emancipação política, continuaram vigentes no Brasil as leis de Portugal promul-gadas até 25 de abril de 182131 e, posteriormente a essa data, as leis promulgadas por Dom Pedro (na condição de regente do Rei-no até a Proclamação da Independência e de imperador após tal ocorrência)32.

Constatada uma inadequação das leis vigentes para o comér-cio brasileiro33, em 1832 se constituiu uma comissão, destinada à

30 Nesse sentido, LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S/A. 3. ed, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 103-104.

31 Regra instituída por força de uma lei de 20 de outubro de 1823. A esse respeito, ob-serva Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa que tal medida era realmente necessária, como forma de suprir as inúmeras lacunas decorrentes do fato de que até então inexistia um ordenamento jurídico brasileiro, conforme VERÇOSA, Haroldo Ma-lheiros Duclerc. Curso de direito comercial 1. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 56. Sobre o assunto, Waldemar Ferreira relatou que: “erigido em nação, não podia o Brasil, de um dia para outro, mudar de leis, que se não improvisam, e fossem consentâneas com as contingências de seu novo papel histórico e político. Eis porque a lei de 20 de outubro de 1823 mandou vigorar no Império as Ordenações, Leis e Decretos, promulgados pelos Reis de Portugal e pelas quais o Brasil se governara até o dia 25 de abril de 1821(...)”, Cf.: FERREIRA, Waldemar Martins. Instituições de direito comercial. 4. ed., vol. I, São Paulo: Max Limonad, 1954, p. 36.

32 Carvalho de Mendonça observa que, pela aplicação no Brasil da Lei da Boa Razão (Carta de Lei portuguesa de 18 de agosto de 1769), que autorizava aplicar como subsídio em questões do comércio as leis das “nações cristãs, iluminadas e polidas”, na prática a legislação mercantil aplicada no Brasil era o Código de Comércio fran-cês, de 1807; o código espanhol de 1829 e o português de 1833, Cf.: MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. vol. I, Campinas: Bookseller, 2001, p. 90.

33 Dentre as dificuldades verificadas, pode-se mencionar o fato de que, embora autori-zada a aplicação de leis estrangeiras para sanar as constantes omissões da legislação comercial brasileira, na prática tal situação não gerava qualquer segurança ou pre-visibilidade, visto que as leis estrangeiras, em razão dos costumes típicos de cada povo, acabam apresentando diferenças em maior ou menor grau, o que levava, à

A Responsabilidade dos Sócios nas Sociedades Empresárias 35

elaboração de um projeto de Código Comercial. Referido projeto foi concluído em 1834, sendo notório que o seu texto continha evidente influência do Código Comercial Francês de 1807, do Espa-nhol de 1829 e do Português de 1833.

Após 16 anos de discussões legislativas, o projeto foi, enfim, aprovado em 1850 como a Lei n. 556, de 25 de junho, que se carac-terizou como o Código Comercial Brasileiro. Estruturalmente, o Código Comercial foi dividido em três grandes partes, quais sejam: (i) Do comércio em geral (arts. 1o a 456 – que tratavam sobre o co-merciante, sociedades comerciais, banqueiros, contratos, títulos de crédito, entre outros temas); (ii) Do comércio marítimo (arts. 457 a 796) e (iii) Das quebras (arts. 797 a 913). É de se notar que, passado mais de um século e meio de sua promulgação, o referido código continua em vigor, embora em sua maior parte tenha sido revo-gado ao longo do tempo. Em especial, a parte dedicada às quebras foi inicialmente substituída em 1890, pelo Decreto n. 917, matéria essa que foi, posteriormente, tratada por diversas legislações, com destaques para o Decreto-Lei n. 7.661 de 1945 que, por sua vez, foi revogado pela nova lei de falências e recuperação de empresas, Lei n. 11.101 de 2005. A parte sobre o comércio em geral, embora tenha sofrido diversas mudanças ao longo do tempo34, veio a ser revogada na sua totalidade somente com o Código Civil de 2002. A parte sobre comércio marítimo, por sua vez, continua em vigor

época, ao resultado de que cada magistrado, ao julgar uma causa comercial, aplica-va a lei que considerasse melhor, de modo que não existia qualquer homogeneidade quanto às regras aplicáveis ao comércio.

34 Por exemplo, em relação às sociedades anônimas (arts. 295-299) já em 1882 se ope-raram alterações (por força da Lei n. 3.150), sendo posteriormente destinadas ao tema leis específicas, em especial o Decreto-Lei n. 2.627 de 1940, que por sua vez foi substituído pela atual Lei n. 6.404/76. A parte de títulos de créditos, envolven-do letras de câmbio, notas promissórias e créditos mercantis (arts. 354-427) foi revogada, em 1908, pelo Decreto n. 2.044. O capítulo dos agentes de leilões (arts. 68 a 73) foi revogado pelo Decreto n. 21.981, de 1932.

36 Fernando Schwarz Gaggini

até os presentes dias (embora com alterações pontuais35). Por fim, o Código Comercial comportava um Título Único, composto por 30 artigos, denominado “Da administração da justiça nos negócios e causas comerciais”. Referido título, entretanto, foi revogado pelo Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-Lei n. 1.608/39).

É válido comentar que, em sequência à criação do Código Co-mercial, diversas leis comerciais foram promulgadas, com especial destaque para os Regulamentos ns. 737 e 738, criados ainda no ano de 1850, em atendimento à determinação do artigo 27, do Título Único do código. O Regulamento n. 737 disciplinava as regras dos processos comerciais (e teve imensa repercussão no Brasil em razão de ter definido os atos de comércio, suprindo a lacuna do código em relação ao tema de indiscutível importância para a própria defini-ção de comerciante), enquanto o Regulamento n. 738 disciplinava os tribunais do comércio e os processos de quebras.

Com a criação do Código Comercial, formalmente, o Brasil passou a ter a disciplina legal de suas sociedades comerciais36. Co-meçava, então, a história das sociedades comerciais no Brasil, com base em uma legislação efetivamente nacional. O código contem-plava cinco espécies de sociedades, quais sejam: (i) as companhias de comércio ou sociedades anônimas, tratadas em seus artigos 295 a 299; (ii) as sociedades em comandita, tratadas nos artigos 311 a 314; (iii) as sociedades em nome coletivo ou com firma, disciplina-das nos artigos 315-316; (iv) as sociedades de capital e indústria, tratadas nos artigos 317-324; e, por fim, (v) as sociedades em conta de participação, regulamentadas nos artigos 325 a 328.

35 É o caso do título sobre naufrágios e salvados (arts. 731-739), revogado pela Lei n. 7.542 de 1986.

36 Embora alguns diplomas anteriores ao código já tratassem aspectos da matéria societária. Nesse sentido, J. X. Carvalho de Mendonça comenta que, em 1949, por-tanto um ano antes da criação do Código Comercial, o Decreto n. 575 estabeleceu regras para a incorporação de sociedades anônimas, Cf.: MENDONÇA, J. X. Carva-lho de. Tratado de direito comercial brasileiro. vol. I, Campinas: Bookseller, 2001, p. 91.

A Responsabilidade dos Sócios nas Sociedades Empresárias 37

Do quadro acima se observa que o código brasileiro, basi-camente, adotou o rol clássico de sociedades comerciais estabe-lecido pelo Código de Comércio Francês de 1807, com exceção da exclusão da sociedade em comandita por ações (prevista no francês e inexistente no brasileiro) e com a inclusão da sociedade de capital e indústria (inexistente no código francês, mas adota-da no brasileiro por influência do código português de 1933, que continha tal tipo).

Esse quadro societário inicial viria a sofrer uma primeira mudança significativa em 188237, por força da Lei n. 3.15038, que passou a regular as sociedades anônimas. Se o Código Comercial tinha destinado somente cinco artigos ao tema, a nova legisla-ção buscou dar um tratamento mais detalhado ao longo de seus 42 artigos.

Por outro lado, a disciplina das sociedades anônimas, no códi-go de 1850, seguiu um padrão, antes vigente na França, de impor a necessidade de autorização governamental para a constituição de companhias39. Nesse sentido, constava do artigo 295 do Código Comercial Brasileiro que:

37 Embora deva ser ressaltado que ocorreram mudanças pontuais entre o período da criação do Código Comercial e a Lei n. 3.150, tal como as previstas na Lei n. 1.083 e no Decreto n. 2.711, ambos de 1860.

38 A Lei n. 3.150 trouxe mudanças tão significativas para as sociedades anônimas que levaram Lamy Filho e Bulhões Pedreira a qualificá-la como o marco inicial da fase moderna das sociedades por ações no Brasil, conforme LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S/A. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 108.

39 Embora tal padrão, na França, já tivesse sido abandonado em 1867, quando da revogação, no Código de Comércio, da regra que previa tal exigência. Antes ainda que a França, tal exigência foi pioneiramente abandonada pela Inglaterra, como relata Sylvio Marcondes Machado (Problemas de direito mercantil. São Paulo: Max Limonad, 1970, p. 186-189), mencionando que tal medida demonstrou-se um sério obstáculo ao desenvolvimento das grandes empresas no início do século XVIII, em especial as grandes explorações de estradas de ferro, em virtude da dificuldade para obtenção de uma lei de incorporação. Frente a isso, a legislação inglesa foi alterada para inicialmente permitir a concessão pelo Governo de cartas de incorporação.

38 Fernando Schwarz Gaggini

“as companhias ou sociedades anônimas, designadas pelo objeto ou em-presa a que se destinam, sem firma social e administrável por mandatários revogáveis, sócios ou não sócios, só podem estabelecer-se por tempo de-terminado, e com autorização do Governo, dependente da aprovação do Corpo Legislativo quando hajam de gozar de algum privilégio: e devem provar-se por escritura pública, ou pelos seus estatutos, e pelo ato do Poder que as houver autorizado.”

Tal regra, restritiva quanto à constituição de companhias, foi abandonada com a lei de 1882, que eliminou a necessidade de auto-rização governamental para a criação de sociedades anônimas logo em seu 1o artigo, que dispunha que “as companhias ou sociedades anônimas, quer o seu objeto seja comercial ou civil, se podem esta-belecer sem autorização do Governo”40.

Ainda, a lei de 1882 estipulou o número mínimo de sete sócios para a formação de uma sociedade anônima (vide seu artigo 3o), disciplinou a constituição e a dissolução das companhias, a admi-

Em um segundo momento, em 1844, se permitiu a constituição de companhias independentemente de autorização governamental, embora nesse caso ficando a limitação de responsabilidade dos sócios condicionada à posição do parlamento ou da Coroa, sendo que a terceira etapa, indicadora da grande mudança, ocor-reu em 1862, com o Companies Act, que, complementando a lacuna da mudança anterior, permitiu a constituição de companhias sem necessidade de autorização governamental, através do registro de seus atos constitutivos, ficando assegura-da a personificação da sociedade, a transferibilidade de suas participações sociais e a limitação da responsabilidade dos sócios. Como menciona Sylvio Marcondes Machado, “a dispensa de autorização governamental, consagrada nessa lei, dá à Inglaterra, na instituição do regime de liberdade regulamentada para as sociedades anônimas, a precedência sobre todas as outras legislações” (obra citada, p. 187). E, nesse sentido, relata ainda que, a mudança na França em 1867, foi consequência direta da inovação implementada na Inglaterra em 1862, em razão especialmente da interação de sociedades experimentada por esses dois países em razão de um convênio celebrado entre eles, que autorizou o livre funcionamento de sociedades inglesas em território francês, o que colocou em evidência a diferença de padrão após 1862 (e a desvantagem do padrão francês).

40 O abandono do sistema de autorização governamental tratou-se de regra geral, que comportava exceções. Assim, continuava obrigatória a exigência de autorização governamental para a constituição de companhias que tinham por objeto o forne-cimento de gêneros alimentícios, associações e corporações religiosas, entre outros casos listados nos parágrafos do artigo 1o da referida lei de 1882.

A Responsabilidade dos Sócios nas Sociedades Empresárias 39

nistração social, as assembleias de sócios, regulamentou as ações e autorizou expressamente a emissão de títulos de dívida (“obri-gações ao portador”) como forma de captação de recursos, dentre diversas outras disposições sobre o tema, elencadas entre os artigos 1o e 34, destinados a regular as sociedades anônimas.

Por sua vez, os artigos 35 em diante inseriram, em nosso orde-namento, a figura da sociedade em comandita por ações que, ape-sar de prevista já no Código Francês de 1807, não fora acolhida pelo Código Brasileiro de 1850 (sendo ainda que sua utilização foi ob-jeto de vedação expressa pelo Decreto n. 1.487, de 185441). Assim, com a lei de 1882, o ordenamento brasileiro passou a adotar mais um tipo societário, criando-se a divisão entre as sociedades em co-mandita “simples” (originalmente previstas no Código Comercial Brasileiro) e as recém instituídas sociedades em comanditas por ações, computando-se, portanto, à época, um total de seis tipos societários comerciais no Brasil42.

41 Tal vedação foi justificada em razão do surgimento de sociedades em comandita por ações no Brasil, mesmo frente à ausência de previsão no Código Comercial (sendo que os interessados justificavam a iniciativa com base na liberdade contra-tual). Exemplo real de tal situação, comentado por Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (A lei das S/A, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 107), foi a sociedade “Mauá, MacGregor & Cia - comandita por ações”, de iniciativa do Barão de Mauá. Referida sociedade foi posteriormente dissolvida em razão do Decreto n. 1.487 de 1854.

42 É questionável a lógica de inserir a sociedade em comandita por ações juntamente com a dispensa da autorização governamental para a constituição de sociedades anônimas. Como relata Priscila Maria P. Corrêa da Fonseca (in FONSECA, Priscila Maria P. Correa da; SZTAJN, Rachel. Código Civil comentado – vol. XI – Direito de empresa. São Paulo: Atlas, 2008, p. 583-584), as comanditas por ações foram criadas, na França, como alternativa às sociedades anônimas, visto que essas úl-timas exigiam autorização governamental para sua constituição. Logo, era uma forma de empreendedores terem acesso à maioria das características das socieda-des anônimas (não obstante a responsabilidade ilimitada dos administradores nas comanditas), sem se submeter à regra de autorização governamental. Entretanto, como menciona a referida autora, quando a França aboliu a regra de autorização governamental para as sociedades anônimas, em 1867, a comandita por ações per-deu o interesse que até então justificava sua existência, entrando em declínio (que se mantém até os tempos atuais, vide a estatística de sociedades francesas apre-

40 Fernando Schwarz Gaggini

A legislação das sociedades por ações, dada sua intrínseca complexidade, viria a sofrer numerosas modificações ainda no século XIX. Dentre tais leis, observe-se o surgimento do Decreto n. 434 de 1891 (que consolidou diversas leis anteriores43 sobre a matéria e assumiu a função de nova disciplina das sociedades por ações), sendo digno de nota o fato de tal diploma já estar situado em período posterior à proclamação da República. Ainda nesse ce-nário, persistiam as seis espécies de sociedades comerciais criadas e consolidadas até a lei de 1882.

A essa época (final do século XIX), surgia, na Alemanha, a figu-ra da sociedade de responsabilidade limitada (GmbH) que, conforme mencionado anteriormente, buscava mesclar, em um único tipo so-cietário, elementos típicos das sociedades contratuais de pessoas (tal como a exigência de poucos sócios, simplicidade estrutural, necessida-de pequena de capital) com a garantia patrimonial típica das socieda-des anônimas (limitação da responsabilidade do acionista ao valor das ações por ele subscritas – que em contrapartida exigia a observância de regras complexas, elevado número mínimo de sócios etc), algo até então inalcançável por meio dos tipos societários disponíveis à época.

O sucesso da iniciativa germânica destinada a criar instru-mento de incentivo ao desenvolvimento econômico logo foi segui-do por Portugal, que em 1901 foi a segunda nação a adotar referida estrutura. Tal cenário acabou influenciando o Brasil, que passou a buscar, também, a criação de uma estrutura à semelhança daquela.

sentada no tópico anterior). Não obstante tais fatos, o Brasil optou pela inserção desse modelo juntamente com a revogação da regra de autorização governamental, criando portanto um novo tipo societário sem grande atrativo prático, destinando--o à irrelevância econômica.

43 Dentre elas figura o Decreto n. 164 de 1890, que instituiu novo regime para as sociedades por ações, e foi criado na sequência da proclamação da República. A ele se seguiram inúmeras outras leis tratando de aspectos pontuais atinentes às sociedade por ações, que viriam a se consolidar no Decreto n. 434. A esse respeito, ver LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S/A. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 108-109.

A Responsabilidade dos Sócios nas Sociedades Empresárias 41

Frente a isso, já em 1912, no contexto de um projeto de re-forma do Código Comercial, se propôs a adoção de novo tipo so-cietário com base no modelo criado pelos alemães e, já na época, adotado também em Portugal, Áustria e Inglaterra. Embora o pro-jeto de reforma do código não tenha vingado, a parte destinada às sociedades limitadas acabou servindo como base para o projeto que o deputado Joaquim Luiz Osório apresentou à Câmara, em 1918, e que foi aprovado sem emendas e convertido na lei das socieda-des por quotas de responsabilidade limitada, ou seja, o Decreto n. 3.708 de 1919. Tratou-se, assim, da criação de tipo societário apto a estimular o processo de industrialização em andamento no Brasil.

Com tal lei, inseriu-se no ordenamento jurídico brasileiro a séti-ma espécie de sociedade comercial, completando o quadro societário, conjuntamente com os demais tipos vigentes, que são as sociedades em nome coletivo, as sociedades em comandita simples, as socieda-des em comandita por ações, as sociedades de capital e indústria, as sociedades anônimas e as sociedades em conta de participação.

É importante notar que, poucos anos antes da criação da so-ciedade por quotas de responsabilidade limitada, foi promulgado o Código Civil Brasileiro, de 1916, que, dentre inúmeras mudanças impostas ao ordenamento jurídico brasileiro, reconheceu a atri-buição de personalidade jurídica às entidades públicas e privadas, dentre as quais figuravam as sociedades comerciais, afirmando, por consequência, a autonomia patrimonial societária, com evidentes efeitos no campo da responsabilidade dos sócios.

Nova mudança relevante nas regras societárias seria imposta em 1940, com a promulgação do Decreto-Lei n. 2.627, que instituiu nova disciplina para as sociedades por ações (assim compreendidas as sociedades anônimas e as sociedades em comandita por ações). O referido diploma substituiu o Decreto n. 434 de 189144 e, ao lon-

44 Decreto n. 434 que, por sua vez, já tinha sido objeto de diversas reformas pontuais, dentre as quais algumas ocorridas logo após sua criação em 1891 e outras mais nos anos que se seguiram (destacam-se, a título exemplificativo, o Decreto 177-A

42 Fernando Schwarz Gaggini

go de seus 180 artigos disciplinou, de forma detalhada, diversos aspectos concernentes às sociedades anônimas.

Também deu nova regulamentação para a sociedade em co-mandita por ações, conferindo-lhe as características gerais que a acompanham até a atualidade (alterando características até então atribuídas a essa sociedade por legislações anteriores45, como os De-cretos ns. 164 de 1890 e 434 de 1891).

Nesse momento histórico, o ordenamento brasileiro conti-nuava contando com sete espécies de sociedades comerciais (com o detalhe de que as sociedades anônimas e em comandita por ações passavam a contar com nova estrutura legal).

Embora tenha sofrido diversas reformas pontuais, como de praxe na matéria de sociedade por ações, o Decreto-Lei n. 2.627 vigorou por mais de três décadas e meia, vindo a ser substituído somente em 1976.

A referida substituição sofreu forte influência do cenário eco-nômico brasileiro do início da década de 1970, quando uma forte es-peculação financeira desencadeou em crise, comprometendo a con-fiabilidade do mercado de valores mobiliários (então recentemente organizado pela Lei n. 4.728/65) perante o público investidor.

Frente a essa situação, o poder público se viu diante da ne-cessidade de reorganizar o mercado de valores mobiliários e, por consequência, as regras das companhias, como forma de resgatar a confiança dos investidores.

Nesse contexto, optou-se por reestruturar a regulação do merca-do de valores mobiliários, abandonando o sistema instituído pela Lei

de 1893, que regulamentou a emissão de debêntures, a Lei n. 2.024 de 1908, que submeteu as sociedades anônimas ao procedimento falimentar comum, o Decreto n. 21.536 de 1932, que instituiu as ações preferenciais, entre outros).

45 É o caso da equiparação entre os sócios. Enquanto as legislações anteriores dife-renciavam entre os sócios comanditados e os demais acionistas, a Lei n. 2.627/40 eliminou essa distinção, criando uma única categoria de sócio, qual seja, acionistas, embora aqueles responsáveis pela direção da sociedade assumem responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais.

A Responsabilidade dos Sócios nas Sociedades Empresárias 43

n. 4.728/65 e adotando uma nova modelagem regulatória, bastante inspirada na experiência norte-americana do pós-crise de 192946.

Com tal finalidade, foram criadas as duas novas leis que, efeti-vamente, reformularam o mercado de valores mobiliários brasileiro (e que se encontram até hoje vigentes, observadas as mudanças pontuais ocorridas ao longo dos anos), de um lado a Lei do Mer-cado de Valores Mobiliários (Lei n. 6.385, de 07 de dezembro de 1976), seguida da Lei das Sociedades por Ações (Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976)47. Dentre as regras impostas, ao longo dos seus trezentos artigos, destaca-se que a Lei n. 6.404/76 buscou de-finir a figura e as responsabilidades do acionista controlador (como se observa dos artigos 116 e 117), atribuir direitos aos acionistas minoritários, distinguir as companhias abertas das fechadas (ten-do como traço distintivo a admissão ou não à negociação pública de seus valores mobiliários, vide o artigo 4o da lei, com disposição equivalente constando ainda do artigo 22 da Lei n. 6.385/76), entre outros aspectos.

Logo, a Lei n. 6.404 de 1976 passou a figurar como novo diplo-ma legislativo regulamentador das sociedades anônimas e das socie-

46 Como fato marcante do novo sistema, a Lei n. 6.385/76 criou a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão especializado cuja destinação específica é regular o mer-cado de valores mobiliários, em substituição à atuação do Banco Central do Brasil nesse setor. Assim, essa nova estrutura, como resposta à crise ocorrida, estabeleceu um novo quadro regulatório, atribuindo suas funções ao CMN e à recém criada CVM, buscando uma regulação mais adequada do setor. Ainda, por ocasião dessa reestruturação, adotou-se, como principio fundamental da regulação do mercado, o chamado “princípio da informação completa no mercado de capitais (ou princí-pio do “full disclosure”). Essa opção seguiu o modelo que fora adotado pelo governo norte-americano por ocasião da reorganização de seu mercado de valores mobiliá-rios após a crise de 1929, quando, através do Securities Act de 1933 e do Securities Exchange Act de 1934, os Estados Unidos reorganizaram seu mercado de valores mobiliários tendo por característica principal a adoção da política de transparência no fornecimento de informações ao mercado.

47 Ambas decorrentes de anteprojetos elaborados por José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho.

44 Fernando Schwarz Gaggini

dades em comandita por ações e que, não obstante reformas pon-tuais sofridas ao final do século XX, manteve intacta a sua essência.

Sendo assim, na virada do século XX para o XXI o cenário socie-tário brasileiro continuava composto por sete espécies de sociedades comerciais: as sociedades em nome coletivo (disciplinadas pelo Có-digo Comercial de 1850), as sociedades em comandita simples (disci-plinadas pelo Código Comercial de 1850), as sociedades de capital e indústria (disciplinadas pelo Código Comercial de 1850), as socieda-des em conta de participação (disciplinadas pelo Código Comercial de 1850), as sociedades por quotas de responsabilidade limitada (dis-ciplinadas pelo Decreto n. 3.708 de 1919), as sociedades anônimas (disciplinadas pela Lei n. 6.404 de 1976) e ainda as sociedades em comandita por ações (disciplinadas pela Lei n. 6.404 de 1976).

Da trajetória de um século e meio, contada da promulgação do Código Comercial, em 1850, até o fim do século XX, constatou-se um grande contraste em termos de matéria legislativa societária, na medida em que, enquanto as sociedades por ações foram objeto de muitas e constantes mudanças legislativas, em contrapartida as sociedades contratuais se mantiveram basicamente inalteradas desde sua criação.

Entretanto, o início do novo século eliminaria o referido con-traste, impondo mudanças drásticas a todo o direito societário bra-sileiro. Isso porque, em um período inferior a três meses, decorridos entre outubro de 2001 e janeiro de 2002, todas as espécies de socie-dades sofreram enormes mudanças no Brasil. De um lado, a Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, efetivou uma grande reforma na legislação das sociedades por ações. Portanto, embora a Lei n. 6.404 de 1976 continuasse vigente, muitas de suas disposições foram al-teradas em razão da referida Lei n. 10.303.

Transformação ainda mais significativa (possivelmente a mais representativa desde 1850) viria a seguir, em janeiro de 2002, com a promulgação da Lei n. 10.406, o novo Código Civil, que revogou a parte primeira do Código Comercial. As-

A Responsabilidade dos Sócios nas Sociedades Empresárias 45

sim, o Código de 2002 criou nova regulamentação aplicável às sociedades, não mais chamadas de comerciais, mas agora “empresárias”48.

De acordo com o Código Civil, são previstas agora, como so-ciedades empresárias (assim como definido no artigo 983), (i) a so-ciedade em nome coletivo (artigos 1.039 a 1.044, em substituição à disciplina do Código Comercial), (ii) a sociedade em comandita simples (artigos 1.045 a 1.051, em substituição à disciplina do Có-digo Comercial), (iii) a sociedade limitada (artigos 1.052 a 1.087, em substituição à disciplina do Decreto n. 3.708 de 1919, revogado tacitamente pelo novo código), (iv) a sociedade anônima (previs-ta nos artigos 1.088 e 1.089, sendo que o último determina sua regência por lei especial, no caso a Lei n. 6.404 de 1976, recepcio-nada pelo novo código) e (v) a sociedade em comandita por ações (artigos 1.090 a 1.092, além das regras previstas na Lei n. 6.404 de 1976). Ainda, o novo código regulamentou também a socieda-de em conta de participação (artigos 991 a 996, em substituição à disciplina do Código Comercial), embora não a inclua no rol de “sociedades empresárias”.

Por outro lado, o código de 2002 levou à extinção, no Brasil, da sociedade de capital e indústria (anteriormente regulamentada no Código Comercial, mas não prevista no novo código), a exemplo do ocorrido em Portugal por ocasião da substituição do código de 1833 pelo de 1888.

Consolidado esse novo quadro de sociedades em 2002, ele per-manece inalterado até os dias atuais, configurando o estágio atual da evolução das sociedades empresárias no Brasil.

48 Relevante ressaltar também que o Código Civil de 2002 introduziu a figura da sociedade simples, que se destina às atividades civis, em substituição à antiga so-ciedade civil do código de 1916. Contudo, embora fora do rol das sociedades empre-sárias, a sociedade simples acaba exercendo influência em relação a essas em função do código ter definido sua estrutura como base para suprimento de lacunas legais das outras sociedades.

46 Fernando Schwarz Gaggini

1.3 Cenário atual das sociedades empresárias no Brasil

O atual cenário societário brasileiro se estabeleceu após as re-levantes mudanças legislativas ocorridas no início do atual século, em razão da vasta reforma implementada à lei das sociedades por ações e, principalmente, em função da promulgação do Código Ci-vil de 2002, atual regra maior do Direito Comercial (ou também chamado Direito de Empresa ou Direito Empresarial, nomencla-turas empregadas atualmente para designar o mesmo ramo, que fazem referência direta ao título do Livro II do Código Civil).

Contudo, embora presentes na legislação cinco espécies de so-ciedades empresárias personificadas, a prática negocial acabou eli-minando três delas, reduzindo o interesse prático efetivo às socie-dades anônimas (que se sobrepuseram às sociedades em comandita por ações) e às sociedades limitadas (que se sobrepuseram às socie-dades em nome coletivo e as sociedades em comandita simples), por razões que serão objeto de exposição no próximo capítulo.

Desta forma, observa-se no Brasil que o resultado da evolução do direito societário levou a uma situação prática equivalente à no-tada em diversos outros países (como demonstrado no ponto 1.1, em estatísticas francesas e portuguesas), de maneira que, dentre as sociedades empresárias constituídas no país, no período compreen-dido entre o ano de 1985 e o ano de 2005, de acordo com dados do Departamento Nacional de Registro de Comércio49, 4.300.257 são sociedades limitadas, 20.080 são sociedades anônimas, com men-ção genérica de 4.534 referentes a “outros tipos” (não identificados pelo DNRC), no que fica evidente a preponderância dos dois pri-meiros.

49 Fonte de consulta: www.dnrc.gov.br, acesso em 15/11/2009. A título de curiosi-dade, observe-se que, no mesmo período, foram inscritos 4.569.288 empresários individuais no país.