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CAPÍTULO III O INTERIOR DA IGREJA BARROCA

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CAPÍTULO III

O INTERIOR DA IGREJA BARROCA

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Função e organização do espaço interior

____________________________________________________________

A primeira função da arquitectura em geral é a de abrigo. Desde os mais remotos

tempos que o homem procurou abrigar-se dos rigores do frio e da intempérie, numa

gruta, numa cabana, numa casa. Logo a seguir surgiu a necessidade estética, como se a

beleza seja inerente ao ser e ao saber estar no mundo.

Seguindo o primordial exemplo da arquitectura civil, também a arquitectura religiosa

responde a essa função radical: abrigar os ícones das divindades, em primeiro lugar, e

acolher os fiéis que aí buscam protecção, auxílio e abrigo.

Por conseguinte, não se imagina um sítio sagrado, muito menos se trata de uma igreja

cristã e católica, sem os aposentos reservados a Deus e a outras entidades da corte

celestial, promovidas pela história sagrada dos homens à categoria de divindades

intercessoras junto do Pai.

Tais aposentos respeitam uma determinada organização – definida e regulada pelos

Doutores da Igreja responsáveis pela Teologia –, vigiada ou fiscalizada, com mais ou

menos regularidade, através de visitações pastorais dos prelados e seus representantes,

sobretudo a partir dos finais da Idade Média. E é lógico que assim seja, porque os

serviços da liturgia carecem de espaços bem definidos, organizados e decentemente

ornamentados, cuidadosamente apetrechados em conformidade com as exigências do

rito Católico, Apostólico e Romano.

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Antes de mais, os espaços reservados ao padroeiro e aos eleitos do santuário devem ser

decentes, assim o exigem as visitações dos bispos, sítios dignos das imagens a venerar,

devidamente enquadrados por estruturas complexas, feitas tanto quanto possível de

materiais nobres.

No século XVII emergiu o estilo barroco, que se propagou rapidamente por toda a

Europa, ultrapassando largamente o mundo católico. Sobretudo na segunda metade

deste século e na primeira metade do século XVIII, no nosso país em particular, a

madeira de excelente qualidade entalhada e recoberta a folha de ouro, estofada e

pintada, sobressaiu na confecção dos altares e retábulos, estes inspirados em elementos

estruturais da arquitectura (a coluna e a pilastra, o arco de volta perfeita, o friso e o

nicho, entre outros), destinados ao acolhimento das imagens sagradas.

Depois da recuperação da independência face a Espanha, em 1640, foram-se criando as

condições para que tal acontecesse. É sabido que muito ouro corria do Brasil, com a

exploração das jazidas auríferas a partir do último quartel do século, enriquecendo o

erário régio, os altos dignitários e o património nacional. Ainda que muitas das riquezas

coloniais – provenientes das especiarias e artigos de luxo orientais, do açúcar, do

tabaco, do tráfico negreiro, do ouro e diamantes – acabassem por desaguar nos portos

das nações poderosas, sobretudo nos da Inglaterra.

Arte cénica, onde a luz, o movimento e o som desempenham um papel

fulcral, o barroco procura, utilizando todos os processos, fazer apelo aos

sentidos. Arte de contrastes, onde dor e júbilo se misturam, se festeja a Vida

e a Morte, se coloca, lado a lado, magnificência e horror, o barroco é a

manifestação colectiva grandiosa, a exaltação da glória, a apoteose

sensorial […].

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, a arte da talha sofre um grande

desenvolvimento no nosso país. Reflexo da prosperidade ocasionada pelo

ouro do Brasil, e respondendo aos critérios estéticos da época, as

encomendas para retábulos – e outras obras de talha – sucedem-se,

obedecendo a um único objectivo: a glorificação de Deus1.

1 FERREIRA-ALVES, Natália Marinho – A Arte da Talha no Porto na Época Barroca (Artistas e

Clientela. Materiais e Técnica), Vol. I, p. 39.

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No interior do Senhor Bom Jesus da Cruz, como é característico das igrejas barrocas,

são várias as formas de expressão artísticas que o vão revestindo e decorando ao longo

de várias décadas.

O espírito barroco tem horror ao vazio, por isso é necessário o máximo de

ornamentação no preenchimento das paredes, pendurar telas de pinturas, colocar

imagens nos nichos e nas peanhas ou mísulas, encher todos os espaços a partir dos quais

se realiza o culto. Saturar e transbordar os espaços pelo excesso decorativo.

Nas igrejas barrocas, apenas as salas ou naves permanecem relativamente desafogadas,

para permitirem a concentração de grandes assembleias de fiéis. No interior destas

igrejas, a atmosfera carrega-se dos fumos da cera ardida nos castiçais, do azeite das

lâmpadas e do incenso queimado nos turíbulos; da luz quente e intensa que as largas

frestas deixam invadir, dos sons do cantochão e da musicalidade do órgão, das

salmodias e das rezas que se cantam, tudo para louvar a Deus e acentuar o fervor

religioso.

Nos finais do século XVII e na primeira metade do século XVIII, este horror ao vazio

amplia e diversifica substancialmente o mobiliário religioso e todos os objectos a ele

associados visando enriquecer o ritual litúrgico, impressionar pela riqueza e pela beleza,

pela luz, pela cor e pelo som, pela quantidade de peças de elevado valor material a que

Pormenores do interior do templo do Senhor Bom Jesus da Cruz.

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se acrescenta um inolvidável valor espiritual. É pois impossível vislumbrarmos um

templo católico da primeira metade do século XVIII sem esta profusão decorativa.

O templo do Senhor Bom Jesus da Cruz não foge à regra. Estando a estrutura

arquitectónica erecta, necessário era preenchê-la, mobilá-la e ornamentá-la. Uma casa

habitável, sobretudo a casa de Deus, só tem verdadeiro sentido depois de mobilada e

decorada.

Antes de mais havia que resolver o problema dos altares destinados às três capelas (a

maior e as duas colaterais, todas voltadas para as portas de acesso ao interior),

integrados em estruturas de retábulos inspiradas em elementos arquitectónicos (o

retábulo é, não raras vezes, desenhado por arquitectos), conferindo-lhe um aspecto

cenográfico. Retábulos elaborados em boa madeira, rica e exuberantemente trabalhada.

Esta exuberância da arte da talha revestida a folha de ouro não se limita aos retábulos e

aos seus altares: também as sacras, os castiçais e as jarras, as credencias e os anjos que

alumiam a entrada da capela-mor, as sanefas que sustentam os cortinados de damasco

vermelho, o cadeiral do coro e a caixa do órgão, fazem parte do repertório da arte

entalhada para o Senhor Bom Jesus da Cruz, depois de 1709.

Uma vez resolvido o problema dos retábulos e seus altares, verdadeiramente

prioritários, era imperioso pensar nas imagens (um altar sem imagens é como um jardim

sem flores), nos castiçais das banquetas, nos crucifixos, nos missais e breviários, nas

sacras, nos evangelhos, nos lavabos, nas flores para os dias festivos e solenes.

Pormenor da caixa do órgão, executada pelo entalhador Miguel Coelho, em 1730.

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As imagens podiam sair das mãos de excelentes escultores, algumas magnificamente

trabalhadas, ou resultavam da sua armação de roca, estas compostas com vestes de luxo,

geralmente de damasco, seda, tafetá, holandilha, brocado, com seus galões de ouro e de

prata… para esconderem o corpo da divindade.

Dos mesmos tecidos ricos, franjados a ouro ou a prata, eram encomendados os

paramentos dos sacerdotes que oficiavam no Senhor da Cruz, sobretudo nos dias de

maior solenidade, e os cortinados para os altares, as janelas, os púlpitos, a portada

principal e as portas de acesso à sacristia e à sala das sessões da mesa da irmandade.

O mesmo esmero, ou superior, era observado na ornamentação do sacrário e do trono

eucarístico em cujo topo era exposta a sagrada custódia, quando devidamente autorizada

pela autoridade eclesiástica.

Exemplo de sacras e de

jarras, em talha dourada,

existentes no templo do

Senhor da Bom Jesus da

Cruz, dos séculos XVIII e

XIX.

Capa de damasco bordado a fio de ouro e pormenor da custódia

de prata, século XVIII.

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Evidentemente que o luxo e o requinte, o colorido festivo e a utilização de valiosas

alfaias em torno do cerimonial litúrgico permanecem, nos dias que correm, muito

semelhantes aos do passado.

Surgem também imagens narrativas em pinturas sobre telas, como se fizera no retábulo

maneirista do século XVII, e como se fez no século XVIII nas grandes telas destinadas

às paredes da capela maior, numa das remodelações deste espaço fundamental.

Quanto às paredes do corpo da igreja, foram revestidas com painéis azulejares que, uma

vez mais, recontam aspectos fulcrais da história sagrada, com uma finalidade

eminentemente didáctica. Afinal, as obras de arte nas igrejas servem para acentuar o

carácter pedagógico da acção pastoral do bispo, os ofícios do capelão, o verbo do

sacerdote/pregador.

Como veremos, nas proximidades de 1730 hão-de figurar os painéis de azulejo azul e

branco com os Passos da Paixão de Cristo e os expressivos anjos alados que nos exibem

os instrumentos do martírio, num revestimento da generalidade das paredes

impecavelmente harmonizadas com a robustez do granito.

Elegância, serenidade e fidalguia nos trajes e expressões dos personagens, no

enquadramento geral de uma temática alusiva a um sofrimento atroz e que nos muros se

evoca quase festivamente, porque se sabe que depois da dor sem limites e da morte

cruel sobreveio a Ressurreição.

Painel azulejar com um anjo, exibindo num estilo

muito humano e barroco um dos instrumentos da

Paixão de Cristo.

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Mais tarde, mas ainda no século XVIII, oito quadros de pinturas bíblicas e da Paixão de

Cristo vêm recobrir os oito panos de parede (dispostos nos registos superiores do eixo

central), banhados pela luz redonda do óculo da cúpula.

Ao triunfo e à festa do barroco temos ainda de juntar a paramentaria, como atrás se

disse, as ricas toalhas dos altares, os cortinados de damasco vermelhos ou roxos (a

serem utilizados consoante as festividades), os missais de luxo, os objectos em metais

preciosos – sobretudo as alfaias do culto como os cálices, as galhetas e patenas, os

sanguinhos, os turíbulos, a custódia –, mas também as cruzes, as estantes e credencias, o

canto coral e a música ecoada do órgão de tubos tipo ibérico, o cheiro inebriante do

incenso e o verbo inflamado da pregação.

Painel pictórico representando o tema da Crucifixão, elaborado pelo pintor

barcelense Manuel Luís Pereira, talvez na segunda metade do século XVIII,

e restaurado na década de 1990 pelo pintor Fernando Rosário, de Esposende.

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Imaginária e devoção no novo templo

____________________________________________________________

Senhor absoluto na velha capela durante duzentos anos (desde cerca de 1505), o Senhor

Bom Jesus da Cruz vai deixar-se acompanhar por outras invocações e imagens, agora

que novas condições foram criadas, com a nova igreja, a partir de 1710.

Os inventários dos séculos XVIII e XIX e as imagens que ainda existem denunciam

uma nova dinâmica vitalizadora deste famoso pólo de devoção cristológica, ao longo

dos últimos quase trezentos anos.

À imagem do Senhor Bom Jesus (da Cruz, dos Passos, de Barcelos…), exclusiva

durante os séculos de Quinhentos e Seiscentos, acrescentaram-se novas invocações, em

conformidade com a evolução do culto, por vezes imposta pela insistência dos devotos.

Antes de mais, naturalmente, a imagem da Senhora das Dores, que foi colocada no seu

altar em 1717, ocupando a capela do lado da Epístola; depois, pelo menos a partir de

1726, a imagem do Menino Jesus (patrono de uma irmandade que em sua honra se

fundou no templo, como à frente se verá), ocupando logicamente um lugar de destaque

ao lado de Sua mãe, a Nossa Senhora das Dores, por vezes também chamada das

Angústias.

Mas outras e novas invocações têm vindo a invadir o templo ao longo dos quase três

séculos da nova igreja.

Para além do Senhor Crucificado – duas formosas estátuas, uma de médias dimensões

que se colocou cerca de 1715 na banqueta do altar-mor, junto ao sacrário, e outra que

Algumas das imagens existentes no templo do Senhor

Bom Jesus da Cruz.

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mede 1,84 m e que se plantou no coro, encostada às suas grades e de costas voltadas à

capela-mor –, e do Senhor Ressuscitado, entraram no moderno templo as invocações

(acompanhadas das respectivas imagens) de S. João Evangelista e Santa Maria

Madalena, Nossa Senhora da Piedade, Santo Agostinho, Santo Inácio de Loiola

(invocando-se o espanhol fundador da Companhia de Jesus, mas também, quem sabe,

homenageando Inácio Medela, atendendo a que foi colocada sobre uma estante do coro

por ele instituído), Santo António, S. José e várias Nossas Senhoras: a da Conceição, a

do Auxílio, a da Assunção, a do Sameiro, a de Fátima, a Peregrina…

Isto sem esquecermos o Cristo

dos Santos Passos, em diversos

momentos da Paixão,

representado não apenas nos

painéis de azulejo azul e

branco, mas ainda em diversas

telas de apreciável valor

histórico e estético, quadros

que poderão ter integrado o

retábulo do século XVII e que

é urgente restaurá-los… antes

que o tempo e a nossa

desatenção completem a obra

da demolição.

IMAGENS EXISTENTES NO TEMPLO DO SENHOR DA CRUZ SEGUNDO O

INVENTÁRIO DE 1840

Imagem/Invocação Localização

Senhor Bom Jesus da Cruz – escultura de

madeira.

Altar da capela colateral, lado do

Evangelho. Apenas se mostrando nas

principais festas e às Sextas-feiras,

durante a primeira missa. Nossa Senhora das Dores – imagem “feita de

armação de roca, e vestida de seda”. Altar da capela colateral, lado da

Epístola. Nossa Senhora das Dores – idêntica à

anterior. Utilizada na Semana Santa.

Nossa Senhora das Dores – armação de roca. Guardada mas já sem serventia. Nossa Senhora da Conceição – escultura. Altar da capela colateral, lado da

Epístola. Santíssimo Coração de Jesus – escultura. Altar da capela colateral, lado da

Aspecto de uma das telas figurando um dos momentos da

Paixão, em que Sireneu ajuda Cristo a erguer-se de uma

das quedas no percurso a caminho do Calvário.

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Epístola. Menino Jesus – imagem com um vestido. Altar da capela colateral, lado da

Epístola. Nossa Senhora e o Menino – pintura sobre

tela. Cunhal junto ao altar da capela colateral,

lado da Epístola.

As Cinco Chagas – pintura sobre tela. Cunhal do lado oposto ao anterior. Senhor Crucificado “em ponto grande e as

imagens do pé da cruz” – pintura sobre tela. Frente à tribuna do altar-mor.

Nossa Senhora da Piedade – escultura. Altar-mor, lado do Evangelho. Santo Agostinho – escultura. Altar-mor, lado da Epístola.

Santo Inácio – escultura. Estante dos livros do coro. Senhor dos Passos “que vai na procissão no

segundo Domingo da Quaresma” – armação

de roca.

Andor – Procissão dos Passos.

Senhor Crucificado “grande” – escultura

feita em pasta.

Monte do Calvário, no dia da Procissão

dos Passos.

S. João Evangelista – armação de roca. Utilizada na Procissão dos Passos.

St.ª Maria Madalena – armação de roca. Utilizada na Procissão dos Passos.

Corpo do Senhor – articulação de

madeira, com “dois andares de braços e

pernas”.

“Serve de diversos modos nos sermões

das tardes da Quaresma”.

Senhor Preso à Coluna. Sem uso.

Crucifixo. Sacristia “aonde os clérigos se

paramentam”.

Cruz prateada. Altar-mor.

Cruz dourada. Altar do Senhor da Cruz.

Cruz de estanho. Altar da Senhora das Dores.

Santo Sudário.

Dois anjos “encarnados” – esculturas de

madeira.

Em cima de “seus tamboretes, ao lado dos

arcos da capela-mor”, cada um com sua

tocha na mão.

Os Dois Ladrões do Calvário – imagens

de pasta, palha e lona.

Utilizadas na Procissão dos Passos.

Remodelações na capela-mor

____________________________________________________________

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Como atrás se disse, em 19 de Novembro de 1709 o escultor Miguel Coelho foi

contratado para a execução dos três retábulos, o da capela-mor e os das capelas

colaterais, entalhados segundo dois desenhos, um por si elaborado e outro

encomendado ao arquitecto lisboeta João Antunes. Nessa data, o mestre entalhador

recebeu 40 moedas em ouro no valor de 192.000 réis, como entrada inicial de uma obra

que foi orçada em 320.000 réis, conforme o teor do contrato então celebrado.

Pela análise documental concluímos que aquando da provável inauguração da igreja em

1710, apenas o retábulo do altar-mor estaria concluído e que o da capela de Nossa

Senhora das Dores ainda estava por colocar em 1715, pois nesta data o tesoureiro

Manuel Ferreira tinha na sua posse 30.000 réis para entregar ao artista assim que o

mesmo “assentar o retábulo”2.

Aliás, em 1718 Miguel Coelho anda ainda às voltas com o frontal do altar do Senhor da

Cruz, ano em que esculpiu os magníficos anjos lampadários que se encontram junto à

capela-mor, de cujas obras recebeu 16.000 réis. Foi também neste ano que o mestre

entalhador fez a moldura de uma “vidraça do Senhor”, decerto para proteger a

veneranda imagem dos devotos (que sempre querem tocar nas figuras, para se

insuflarem do sagrado), o que nos fornece uma imagem completamente diversa da que

conhecemos do actual retábulo do Senhor Bom Jesus da Cruz.

Como é sabido, e adiante se salientará, o retábulo que saiu das mãos de Miguel Coelho

virá a ser substituído pelo actual, este saído da arte de Luís Pereira da Costa, aquando

das obras de remodelação nas capelas colaterais, em 1736.

Quanto à capela-mor, esta foi bem cedo remodelada, primeiro com a renovação do altar

e do seu retábulo, depois com a realização de duas grandes telas afixadas nas paredes

laterais, entre o retábulo e o arco-cruzeiro.

2 AISC, Livro das receitas e despesas de 1706-1721, fl. 33.

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Seguindo as contas encerradas em Fevereiro de 1723 (oficialmente aprovadas a 18 de

Maio do mesmo ano pelo Dr. José Pereira Coutinho – desembargador de sua majestade,

provedor e contador da fazenda real com alçada na comarca e na provedoria da vila de

Viana, foz do Lima)3, várias rubricas atestam a realização de diversas obras no interior

da igreja em geral e na capela-mor em particular.

Miguel Coelho, estando aparentemente em Braga em 1722, foi chamado para renovar o

retábulo da capela-mor, antes de mais devendo apresentar um esboço ou desenho, tarefa

em que será assistido, na tomada de medidas, pelo mestre pedreiro Miguel Fernandes.

Com efeito, o tesoureiro José Gomes Garcia despendeu nesse ano 240 réis pelo aluguer

do animal que transportou Miguel Coelho no seu retorno à cidade de Braga, quando o

mesmo “veio fazer o rascunho” para o retábulo, e 100 réis para um homem que “foi

buscar a besta”; também pagou 50 réis a um rapaz que foi levar uma carta ao mestre

Miguel Fernandes “para vir assistir” com Miguel Coelho no registo das medidas para a

planta do novo altar-mor. Pouco tempo depois o mesmo tesoureiro efectuou um

pagamento de 220 réis a quem veio de Braga trazer à irmandade a planta elaborada por

Miguel Coelho, “quando se quis pôr a lanços o retábulo”4.

Uma vez posta a obra a lanços, sabemos que foi seleccionado o mestre entalhador de

Barcelos, que assinou o contrato em 15 de Novembro de 1722, confirmado pelo

apontamento que se segue.

Despendeu para o mestre Miguel Coelho imaginário que tomou a obra do

retábulo da capela-mor e o conserto e acrescentamento do dito retábulo na

forma da planta […] e apontamentos na forma de uma escritura feita na

nota do tabelião Manuel Lopes da Costa em 15 dias do mês de Novembro

de 1722 anos e se lhe entregou em princípio de paga noventa e seis mil réis

3 AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 39-40.

4 Idem, fls. 33 e 34.

Capela-mor com seu retábulo, desenhado e entalhado

pelo mestre barcelense Miguel Coelho, 1722-1724.

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como consta do assento na escritura que foi o preço de duzentos e sessenta

mil réis o retábulo – 96.0005.

Infelizmente não dispomos do contrato, mas dispomos do retábulo, ainda que

parcialmente mutilado aquando da intervenção em 1910, com a substituição do trono

eucarístico.

No novo retábulo Miguel Coelho libertar-se parcialmente do chamado estilo nacional,

que obedecia a um esquema algo rígido organizado em arcos de volta inteira, com a

pilastra de permeio, incorporando a peanha para a colocação de imagens da Senhora e

de santos de elevadíssimo estatuto na corte celestial.

O retábulo maior do Senhor da Cruz acabará por receber duas magníficas esculturas:

uma representando Santo Agostinho e a outra Nossa senhora da Piedade.

Não é evidentemente ainda um retábulo tipicamente joanino, altamente cenográfico e

teatral, mas a robusta graciosidade dos arcos rematam e coroam uma estrutura de tipo

arquitectónica, escultoricamente trabalhada, como que garantindo a simbiose entre duas

tendências do gosto, uma ainda ligada ao estilo nacional e outra com laivos inovadores

e de recorte joanino.

5 Idem, fls. 34-34v.

Pormenor do retábulo do altar-mor, executado pelo

mestre entalhador Miguel Coelho e dourado pelo

mestre dourador e pintor João Alves da Barca, da

freguesia de Poiares, Barcelos, em 1725-1726.

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No meio das colunas ainda pseudo-salomónicas (tão em voga no estilo nacional), de

madeira douradas, as pilastras sugeridas, mais do que afirmadas, quase desapareceram,

para darem lugar a peanhas e nichos, num retábulo que parece favorecer a

multiplicação de imagens e invocações, reservando-lhes honroso lugar. Enquanto no

lado do Evangelho se colocará a Senhora da Piedade, o lado da Epistola acolherá um

dos maiores Doutores da Igreja, Santo Agostinho.

Trata-se, seguramente, de um retábulo de transição entre o estilo nacional e o estilo

joanino.

Em 1724 Miguel Coelho assentou o moderno retábulo e no ano seguinte entalhou o

magnífico frontal do altar-mor, pelo preço de 12.000 réis6.

6 Idem, fl. 77.

As imagens de Nossa Senhora da Piedade e de Santo Agostinho, duas obras de arte do século XVIII de

excelente qualidade, ocupando um lugar de destaque no retábulo do altar-mor.

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(Em 1741 há-de proceder-se a uma ligeira alteração, talvez relacionada com a melhor

circulação na zona do altar-mor e sua tribuna: o mestre carpinteiro João da Silva

recebeu nesse ano 1.600 réis “por mudar o altar-mor mais para fora, com tabuado de

castanho barrotes e pregos e uma tábua na tribuna com três dobradiças e um remendo

de soalho com tábuas de castanho junto ao lavatório da sacristia”)7.

Para além do mestre entalhador, escultor e imaginário Miguel Coelho, vários artistas e

artífices participaram na remodelação total da capela-mor, na década de 1720.

Nela encontramos os mestres pedreiros Miguel Fernandes, Domingos Francisco, da

freguesia de Cossourado, Domingos Lourenço, da vila e Paulo da Silva e vários

oficiais, em trabalhos de adaptação do espaço arquitectónico à novíssima obra de talha.

A pedra “que faltava” para a construção da banqueta veio do monte de Remelhe, tendo

sido pago pela sua extracção 1.440 réis.

O mestre ferreiro António da Costa Leitão, da vila, foi chamado a fornecer e colocar as

ferragens e um mestre serralheiro de Barcelinhos forneceu uma fechadura, as

dobradiças e os pregos para o sacrário novo.

Por seu lado, o pintor Manuel Furtado de Mendonça, natural do Porto mas assistente

em Barcelos (note-se que este artista será contratado em 1728 para pintar a sacristia e

os coros alto e baixo da igreja de S. Bento, hoje conhecida como igreja do Terço)8,

executou uma pintura sobre tela para se dependurar frente à tribuna, enquanto o mestre

pintor e dourador João Alves da Barca foi contratado para o douramento do retábulo e

7 Idem, fl. 234.

8 ADB, Registo Notarial de Barcelos, Livro 180, fls. 134-135v.

Frontal do altar-mor, entalhado por Miguel Coelho em 1725 e dourado por

João Alves da Barca, em 1726.

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quatro anjos foram encomendados ao mestre Miguel Coelho, de Barcelos e outros

tantos ao mestre António de Campos, da cidade de Braga.

Em 2 de Novembro de 1725 foi arrematada a obra do douramento do retábulo-mor, pelo

mestre barcelense João Alves da Barca. Esta arrematação ocorreu depois da petição ao

“juízo geral” da vila nesse sentido, entidade que nomeou o tabelião Manuel Lopes da

Costa (que se fez acompanhar do porteiro do mesmo juízo geral, Francisco Gonçalves

Pimenta) para a execução do público acto.

Uma vez colocada a obra a lanços no adro da igreja, na presença de vários mestres

pintores e douradores, a sua execução foi confiada ao mestre dourador e pintor que

lançou a mais baixa oferta – João Alves da Barca, da freguesia de Poiares –,

comprometendo-se o mestre a dourar o retábulo pelo valor de 435.000 réis, empreitada

que deverá concluir até às Endoenças de 1726. (Este valor deve ter sido posteriormente

renegociado, porquanto nas despesas de 1731-1734 mencionou-se a entrega de 22.000

réis ao pintor João Alves, dinheiro “que se lhe ficara devendo do acréscimo que a mesa

lhe mandou dar como consta do livro dos termos”)9.

Segundo o contrato de 1725, o artista obrigou-se a concretizar a obra nas condições

estabelecidas por uns apontamentos que ele próprio assinou naquele instante; mas, para

que fosse garantida a perfeição, o mestre dourador obrigou a sua pessoa e seus bens

9 AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 161v.

Remate do retábulo maior, entalhado por Miguel Coelho e dourado

por João Alves da Barca, 1722-1726.

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móveis e de raiz, podendo vir a apresentar fiadores nos termos a definir pela mesa da

irmandade. O pagamento da obra ocorreria em três partes ou conforme a obra fosse

correndo.

Este contrato envolveu 10 homens, que nele

deixaram a sua assinatura: o mestre dourador João

Alves da Barca, o juiz da irmandade Dr. Manuel de

Andrade e Almada e o cónego Manuel de Faria de

Eça, mais quatro elementos da mesa, duas

testemunhas (Manuel da Costa, da freguesia de S.

Pedro de Vila Frescainha e José Gomes Garcia, da

vila) e o tabelião Manuel Lopes da Costa10

.

Os apontamentos pelos quais o mestre devia guiar-

se foram realmente elaborados e estão ainda,

felizmente, a salvo.

Trata-se de um documento não datado, mas que é seguramente daquela altura já que nas

contas de 1725 surge uma despesa de 120 réis relacionada com uma mulher que foi a

Braga “buscar os apontamentos” para se dourar o retábulo da capela-mor11

e revela-se

como uma importante fonte para uma melhor compreensão da obra e do processo da sua

execução.

Mais do que o contrato notarial, os apontamentos descrevem ao pormenor as obrigações

do mestre dourador e mostram-nos a complexidade do douramento e pintura das obras

de talha.

Depois de devidamente espanado, para a remoção de terra e de poeiras, o retábulo seria

primeiramente aparelhado com duas de mão de gesso grosso e estucado nas partes

necessárias para o tapamento de buracos, fendas ou rachas da madeira; de seguida seria

aplicada uma terceira de mão de gesso grosso e lixado, a fim de ficar a obra bem lisa,

sem borbotos; uma quarta de mão de gesso grosso precederia a aplicação de cinco mãos

de gesso mate e outras tantas de bolo; finalmente o retábulo era dourado, com aplicação

10

AISC, Caixa 1, Documento da arrematação do douramento do retábulo-mor. 11

AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 91.

Pormenor do retábulo do altar-mor.

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de ouro subido (da melhor qualidade) em toda a superfície do retábulo, excepto nas

partes foscas e a estofar nas quais havia de levar ouro comum.

O documento era também claro quanto às partes a

dourar. Assim, do meio das colunas para baixo seria a

obra “toda dourada”.

Os meninos e os serafins seriam “encarnados” e

levariam um “polimento de bom lustre”, estofando-se-

lhes as asas. Também as flores e os pássaros eram para

estofar com uma policromia de tintas “finas”, levando a

folhagem seus rubis “onde mais convier”.

Para além do retábulo propriamente dito, nos mesmos apontamentos faz-se referência a

10 anjos com 7 palmos cada, “que serão estofados dois a dois, com correspondência da

cor” e pintados com tintas “subidas e finas”, com aplicação de rubis verdes e

vermelhos.

A alusão a 10 anjos de tamanho quase natural, leva-nos a formular a hipótese de que

poderiam tratar-se dos dois conjuntos de quatro jovens (mais dois anjos lampadários)

com ar festivo e quase ingénuo, que suportam os andores onde actualmente se

Quatro anjos suportam o altar/andor inamovível, da Senhora

das Dores.

Page 20: Sc 3 de 8 capítulo iii

encontram o Senhor da Cruz e a Senhora das Dores e que devem ter sido encomendados

aos escultores Miguel Coelho e António de Campos.

Estamos também em crer que estes oito jovens/anjos foram encomendados para a área

da capela-mor, porquanto das duas verbas pagas em 1725 ao mestre escultor e

imaginário de Braga, António de Campos, a de 24.000 réis foi efectuada por “conta dos

quatro anjos que faz para a capela-mor de que passou paga”12

. Os outros quatro foram

esculpidos por Miguel Coelho.

Quanto aos dois anjos que faltam para completar a dezena, os apontamentos

mencionam os “dois anjos presbitérios”, o que nos faz pensar nos anjos lampadários

que tinham sido esculpidos em 1718 por Miguel Coelho, pelo preço de 16.000 réis.

É certo que nas contas de 1718-1719 surge-nos uma despesa de 4.800 réis relacionada

com o pagamento ao pintor Manuel Fernandes Pinto, relacionado com o “encarnamento

dos anjos das lâmpadas”, tratando-se, evidentemente, dos anjos lampadários esculpidos

pelo mestre barcelense.

Todavia, acreditamos que o ímpeto de renovação de toda a capela-mor, 1722-1728,

obrigou ao seu repinte e douramento, ficando os presbitérios anjos concordantes com o

novíssimo retábulo do altar-mor.

Na mesma ocasião, cerca de 1725, devem ter sido esculpidos, pintados e dourados os

jovens/anjos que actualmente suportam os andores do Senhor da Cruz e da Senhora das

Dores.

12

AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 79v.

Quatro anjos suportando o altar/andor inamovível do Senhor Bom Jesus da Cruz.

Page 21: Sc 3 de 8 capítulo iii

No século XVIII, estas belas estátuas que carregam actualmente os andores das capelas

colaterais, deveriam suportar outras imagens das mesmas invocações, não nos retábulos

onde se encontram, mas muito possivelmente na zona da capela-mor.

Advertimos, porém, que nenhum documento foi ainda encontrado que confirme esta

hipótese. Oxalá, venhamos a ser cabalmente iluminados e corrigidos pela luz

documental.

Por enquanto resta-nos a luminosidade das obras de

arte; o brilho emanado do ouro, o traje e os corpos

graciosos, coloridos, numa pose cerimonial de quem

vai num cortejo, numa procissão muito

religiosamente humana; a solenidade e a elegância

quase sensual, furtivamente mirada por donzelas

devotas da elite social; a serenidade esboçada num

sorriso ingénuo, mas contido, subjugado pela

firmeza dos oito imberbes cortesãos carregando

cada conjunto de quatro a sua imagem – um grupo

transporta o Senhor Bom Jesus da Cruz e o outro

Nossa Senhora das Dores.

Tudo ditado pelo gosto e pela mentalidade da primeira metade do século XVIII. E pela

sensibilidade e criatividade do artista!

Fosse como fosse, todo este cortejo de anjos humanos que vimos referindo, e ainda mais

dois “que se hão de pôr sobre o sacrário”, deveriam ficar totalmente dourados e

estofados tanto pela parte da frente como pela parte de trás – estofados “à moda”, com

tudo o necessário à sua beleza, para além de ornamentados com rendas douradas e

pintadas.

Sobre estes últimos – a colocar talvez na banqueta junto ao sacrário –, as contas de 1726

fazem referência a “dois anjos pequenos” que duas mulheres de Barcelos tinham ido

buscar à cidade de Braga e às quais o tesoureiro pagou 300 réis pelo frete13

.

13

Idem, fl. 94.

Em baixo, um dos dois anjos lampadários feitos em 1718 por Miguel

Coelho. À esquerda, um dos 8 jovens/anjos que suportam os andores

do Senhor da Cruz e da Senhora das Dores, devendo datar de 1725.

Pormenor de anjo segurando o andor

inamovível do Senhor da Cruz.

Page 22: Sc 3 de 8 capítulo iii

Quanto ao belo frontal do altar-mor, à sacra e aos evangelhos, diz o documento que

serão todos dourados em harmonia com o retábulo, quer na qualidade do ouro, quer na

policromia e no estofado.

Ao mestre coube ainda o tratamento da

cantaria, já que no envasamento onde assenta

o retábulo dever-se-ia aplicar um muito fino

alvaiade, de modo a não ferir a graciosidade e

a alvura da pedra, devendo aplicar-se nele

“ouro mate subido”, nomeadamente nas faixas

dos pedestais e nos filetes das suas molduras,

bem como na parte superior, circular, nos seus

enrolamentos.

Define-se nestes apontamentos a própria metodologia do andamento da obra.

Na sua execução, e depois de limpa de poeiras e devidamente engessada, a obra devia

realizar-se em 3 etapas ou lanços consecutivos: na primeira etapa o retábulo seria

tratado até ao friso; na segunda, completava-se até ao envasamento de granito e, numa

terceira e última etapa, tratar-se-ia do banco propriamente dito. Este método seria

utilizado tanto no estofar como no encarnar e no esmaltar, isto para “ficar mais limpa a

Pormenor do frontal do altar-mor.

Page 23: Sc 3 de 8 capítulo iii

dita obra”. Toda esta obra de pintura e douramento do retábulo maior e sua tribuna

deveria estar pronta de modo a permitir a sua utilização aquando das Endoenças de

1726, pelo que o artista que a arrematar “pegará logo nela”.

Quanto às estadas ou andaimes necessários para a sua execução, seriam da

responsabilidade “de quem tomar a obra”.

Para além de se poder exigir ao artista uma fiança nos termos a estabelecer pelos

encomendadores, na fase final poderia ser solicitado, desde que tal se justificasse, um

parecer técnico – caso se detectasse algum incumprimento, a irmandade contrataria dois

“louvados” a expensas do dourador, sem excluir as obrigações resultantes da arbitragem

dos técnicos14

.

O chamado “quadro da tribuna”, uma pintura sobre tela encomendada ao pintor Manuel

Furtado de Mendonça, para colocar frente ao trono eucarístico, custou à irmandade

50.000 réis. O tema representado deve ter sido o da Ressurreição e a tela estaria exposta

quotidianamente. Mas em ocasiões especiais, nomeadamente aquando da Exposição do

Santíssimo Sacramento, um sistema de roldanas e cordas fazia deslizar a pintura,

guardando-a num fosso cavado no subsolo da capela-mor.

Diz o documento que o tesoureiro entregou aos dois pedreiros “que fizeram o fosso

para se descer o painel da tribuna” 960 réis, por três dias de trabalho e despendeu 140

réis com outro pedreiro que “acabou o fosso para receber o quadro”; para além dos

14

AISC, Caixa 1, Apontamentos para o duramento e pintura do retábulo-mor.

À esquerda, o sacrário do altar-mor e pormenores do frontal e

da banqueta do retábulo. Em cima, um pormenor do sacrário.

Page 24: Sc 3 de 8 capítulo iii

gastos com a comida fornecida aos “lavradores que tiraram a terra do dito fosso”,

envolvendo 270 réis.

Mas era ainda necessário preparar o espaço remodelado, para a colocação de cortinados

novos. Por isso um pedreiro “abriu e broqueou” a abóbada da capela-mor, para se fixar

o ferro dos cortinados, por 200 réis e o mestre ferreiro da vila, António da Costa Leitão,

forneceu as ferragens para prender as cortinas, apresentando a despesa de 6.000 réis.

Nas contas do tesoureiro Gervásio Barroso e Basto, encerradas a 12 de Dezembro de

1726, surge a despesa de 29.250 réis despendida com 195 côvados de holandilha e

algodão, para as cortinas do altar-mor, preço considerado satisfatório “porque saíram

compradas na mão do Inglês à razão de 3.400 a peça […] sem direitos alguns que não

pagou, nem nisso quis ter lucro algum”15

.

Em 1727-1728 Domingos Pereira recebeu 2.400 réis pela “grade corrediça do quadro

da tribuna do altar-mor”; foi pago pelo “caixão para receber o dito quadro” a quantia de

4.500 réis; por alguns arranjos nas grades dos fossos (do adro) e nos taburnos fronteiros

aos altares gastou-se 300 réis; e pelo sobrado que “fez por detrás da tribuna” 4.500 réis.

O carpinteiro António Dinis, de Barcelinhos, consertou uns castiçais, enquanto Manuel

Nogueira fez a armação para as Endoenças de 1727, por 480 réis e o alfaiate Bento da

Silva “fez as cortinas do altar-mor” por 1.440.

Enfim, despenderam-se várias rubricas relacionadas com as capela mor e colaterais:

240 réis com uma sacra, um evangelho, e um lavabo para o altar-mor; 500 em fitas

“com que se fizeram as cortinas”; 1.980 por “nove oitavas de serrilha de ouro para as

ditas cortinas”; 580 em damasco branco e 290 em holandilha para o sacrário (e pagou-

se 30 réis a quem limpou a ferrugem da sua chave); e 9.420 pelas “esteiras para os

taburnos da capela-mor e altares colaterais”16

15

AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 98. 16

Idem, fls. 109-110.

Aspecto do altar-mor, cujo frontal foi parcialmente escondido pela

intrusão da moderna mesa, e dois castiçais de talha dourada de apreciáveis

dimensões, enquadrando o espaço central das celebrações litúrgicas.

Page 25: Sc 3 de 8 capítulo iii

DESPESAS COM A REMODELAÇÃO NA CAPELA-MOR – 1722-172817

MESTRE, ARTISTA OU

ARTÍFICE

TIPO DE DESPESA E OBRA EFECTUADA VERBA

(RÉIS)

Aluguer do animal que transportou Miguel Coelho na sua ida à cidade de Braga, aquando da

vinda a Barcelos deste mestre entalhador para fazer o desenho do retábulo, incluindo “cem

réis para um homem que foi buscar a besta”.

340

Pagamento a um rapaz que foi levar uma carta ao mestre pedreiro Miguel Fernandes, para vir

ajudar Miguel Coelho a “tomar as medidas” para a planta do altar-mor.

50

Pagamento a quem veio de Braga trazer à Irmandade do Senhor da Cruz a planta elaborada

pelo mestre Miguel Coelho, “para se pôr a obra a lanços”.

220

Mestre entalhador Miguel

Coelho – da Porta do Vale,

vila de Barcelos.

Entrada inicial aquando da assinatura do contrato para a renovação do retábulo do altar-mor.

96.000

Mestre pedreiro Domingos

Lourenço – da vila.

Pelo corte do “arco de pedra tosco” da capela-mor para colocação “mais atrás” do novo

retábulo (a mesa deu-lhe a pedra sobrante, conforme “ajuste que com ele se fez”).

8.000

Mestre pedreiro Miguel

Fernandes – Cossourado.

Pela participação de oficiais seus na banqueta do retábulo do altar-mor. 30.000

Mestre pedreiro Domingos

Lourenço – Barcelos.

Pelo corte da pedra “que faltava para a dita banqueta”, no monte de Remelhe. 1.440

Mestre ferreiro António da

Costa Leitão – da vila de

Barcelos.

Pelo aguce dos picos e cinzéis “para a dita obra”.

1.550

António da Costa Leitão. Pelas ferragens das cortinas do altar-mor. 6.000

Bento da Costa – de

Barcelos.

Para “gastos com os carreteiros da dita pedra”. 210

17

AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 33v-97 e 109-110.

Page 26: Sc 3 de 8 capítulo iii

Oito alqueires de cal “para a mesma obra”. 600

Um carro de saibro. 100

Miguel Coelho. Pagamento efectuado nesta data, além dos 96.000 réis que lhe haviam sido entregues aquando

da assinatura da “escritura do retábulo”, verba lançada “nas contas do outro ano”.

62.400

Oficiais. Pagamento aos “oficiais do retábulo quando assentaram a fronteira”. 80

Miguel Coelho. Novo pagamento, “além das 33 moedas que já tem […] tudo pelo retábulo” da capela-mor. 9.600

Mestre Domingos

Francisco – Cossourado.

Pela abertura de uma porta para a tribuna – verba alusiva a “jornais para ele e oficiais, e

ferreiro que aguçou os picos”.

2.220

Miguel Coelho. Despesa que “com a qual quantia e com as mais parcelas que lhe tinha dado ajusta quarenta

moedas de ouro tudo a conta do retábulo da capela-mor ou renovação dele”.

24.000

Mestre pedreiro Paulo da

Silva – Barcelos

Pagamento de jornais ou ordenados dos seus oficiais que picaram a abóbada da capela-mor,

“quando se assentou o retábulo”

600

Miguel Coelho. Completamento do “ajuste do computo do retábulo, que importou duzentos e sessenta mil

reis, e lhe tinha já antecedentemente satisfeito o mais”.

68.000

Miguel Coelho. Pela escritura de distrate feita com o mestre, “de estar pago de todo o preço”. 240

Miguel Coelho. Despesa que o mestre “tinha pago a um pedreiro […] quando assentou o retábulo”. 80

Mestre serralheiro – de

Barcelinhos.

Por uma fechadura, dobradiças e pregos “para o sacrário” do altar-mor. 432

Miguel Coelho. Por conta dos anjos que estava a esculpir. 19.200

Pagamento a quem retirou o entulho e a pedra que estavam por detrás da tribuna do altar-mor. 100

Pagamento a uma mulher que foi a Braga buscar os apontamentos para o douramento do

retábulo do altar-mor.

120

Pintor Manuel Furtado –

do Porto, assistente na vila

de Barcelos.

Pagamento pela pintura do “quadro da tribuna” – um painel de tela que se colocou frente à

tribuna do altar-mor, podendo deslizar para o subsolo sempre que se pretendia mostrar o trono

eucarístico ou fazer a Exposição do Santíssimo Sacramento.

50.000

Despesa com “os pedreiros que fizeram o fosso para se descer o painel da tribuna em que

gastaram três dias que eram dois homens”.

960

Despesa com “os lavradores que tiraram a terra do dito fosso em lhe dar de comer”. 270

Despesa com o pedreiro que “acabou o fosso para receber o quadro”. 140

Despesa com o pedreiro que “abriu e broqueou a abóbada da capela-mor para se meter o ferro 200

Page 27: Sc 3 de 8 capítulo iii

para as cortinas”.

Miguel Coelho. Pelas plumas que esculpiu para os anjos. 1.200

Miguel Coelho. Pagamento por conta “do pagamento dos quatro anjos”. 9.600

Miguel Coelho. Compra de pregos para fixar as plumas dos anjos. 94

Miguel Coelho. Novo pagamento pelos anjos “que fez”. 13.200

Com o “porteiro que apregoou a arrematação do retábulo da capela-mor”. 240

Mestre imaginário António

de Campos – da Porta de

S. Tiago, Braga.

Pagamento por conta “dos anjos que há de fazer”.

9.600

António de Campos. Verba entregue a José Velho, da Rua das Chagas, Braga, para dar ao mestre escultor e

imaginário António de Campos, por “conta dos quatro anjos que faz para a capela-mor”.

24.000

Mestre pintor e dourador

João Alves da Barca –

Poiares.

Pagamento do douramento e pintura do retábulo-mor e dos anjos, de acordo com o “preço por

que arrematou a dita obra conforme escritura de obrigação”.

435

Carpinteiro Domingos

Pereira – Barcelos.

Pela “grade corrediça do quadro da tribuna do altar-mor”. 2.400

Domingos Pereira. Pelo caixão para receber o referido quadro fronteiro à tribuna. 1.500

Domingos Pereira. Pelo sobrado que “fez por detrás da tribuna”. 4.500

Domingos Pereira. Consertos dos taburnos e das grades dos fossos. 300

Por uma sacra, um evangelho e um lavabo para o altar-mor. 240

Compra de fitas para as cortinas do altar-mor. 500

Compra de meio côvado de damasco branco para as cortinas do sacrário. 580

Compra de “nove oitavas de serrilha de ouro para as ditas cortinas”. 1.980

Compra de holandilha para aplicar no sacrário, “por baixo do livro”. 290

Pagamento a quem limpou a ferrugem da chave do dito sacrário. 30

Alfaiate Bento da Silva –

Barcelos.

Confecção das cortinas do altar-mor. 1.440

Esteiras para os taburnos da capela-mor e das capelas colaterais. 9.420

Page 28: Sc 3 de 8 capítulo iii

Oito anos depois voltou-se a remodelar a capela-mor, desta vez na ornamentação das

suas paredes laterais. Havia que preenchê-las com nova luz, cor, movimento e acção

dramática.

Para esse efeito ter-se-ão encomendado em 1736 ao pintor italiano João Baptista

Pachini, radicado no Porto, duas telas de grandes dimensões, cada uma com 4 x 3,50

metros18

.

O encerramento das contas em 23 de Julho de 1737 permite-nos saber que, nesta data,

já os referidos quadros tinham sido entregues, embora só viessem a ser afixados em

1738. O documento não refere os temas representados (tão-pouco o nome do pintor),

mas não é difícil adivinhar que também estas pinturas estariam relacionadas com a

Paixão de Cristo.

Abra-se um parêntese para

observarmos os painéis de

azulejo azul e branco, que

actualmente revestem as

paredes laterais da capela-

mor, elaborados aquando da

intervenção de 1909-1910 e

nos quais se reafirmou a

temática da Paixão de Cristo,

patenteada nas paredes do

templo desde 1730.

Estes painéis revivalistas feitos em Gaia pelo ceramista Domingos Costa obrigaram à

retirada dos velhos quadros de João Baptista Pachini, dos quais lamentavelmente não

sabemos o destino que lhes foi dado.

Regressando ao século XVIII, para além da irmandade ter gasto 105.600 réis “com o

pintor dos quadros da capela-mor pela factura deles”, pagou mais 800 pelo aluguer do

animal quando o tesoureiro se deslocou ao Porto a fim de “saber do pintor”. De

seguida, desembolsaram-se 1.130 réis pelo “caixão e papel para trazer os quadros” e

18

Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., pp. 67-68.

Painel azulejar da capela-mor, lado da Epístola, 1910.

Page 29: Sc 3 de 8 capítulo iii

1.390 réis por nova deslocação à cidade invicta para, entre outras incumbências,

despachar as telas que estavam prontas. A quem trouxe do Porto as telas pintadas, mas

ainda não emolduradas, pagaram-se 300 réis.

Do Porto só vieram realmente as pinturas, já que quem executou as molduras de talha

dourada foi o carpinteiro de Barcelos António Simões, que também forrou as paredes

onde haviam de encostar os quadros.

Mas era preciso ainda pintar e dourar as molduras e pregar-lhe as telas feitas por João

Baptista Pachini, antes da sua fixação nas paredes, tarefas que aparentemente foram

executadas entre 1737-1738, a avaliarmos pelas despesas então lançadas.

Nesta data gastaram-se 1.200 réis com João da Silva, carpinteiro que veio “fazer as

estadas para assentar os quadros da capela-mor e fazer quatro cavaletes de madeira para

os pintores se usarem e pintarem as molduras”; gastaram-se mais 1.060 réis por se

“fazer segunda vez a estada para os quadros da capela-mor e no carreto das madeiras

para ela e pregos”. Na pintura e douramento das molduras participou o mestre pintor

João Gonçalves Ribas, da freguesia de Balugães, recebendo de salários que “ganhou na

obra dos quadros” 5.400 réis. As tintas foram fornecidas pelos estabelecimentos dos

comerciantes Bento da Costa e Paulo Roiz e, para o douramento propriamente dito,

compraram-se 10 livros de ouro que custaram à irmandade 7.320 réis. Antes de,

finalmente, se colocarem nas paredes os famosos e desaparecidos quadros de Pachini,

foi ainda preciso chamar o mestre ferreiro António Leitão, a quem se pagaram 200 réis

por chumbar os ferros nas paredes onde se fixaram os quadros19

.

Na década de 1740 decorrem ainda algumas obras relacionadas com a capela-mor.

Nas contas de 8 de Janeiro de 1742 a 20 Abril de 1743, o tesoureiro Manuel Miranda

registou o pagamento de 9.600 réis a Manuel de Oliveira, de Barcelinhos, por uma

credência para a capela-mor.

Ao mestre carpinteiro João da Silva fez o tesoureiro várias pagamentos, uma boa parte

dos quais relacionados com a tribuna do altar-mor: 3.300 réis por 3 braças de taburnos

(estrados frente aos altares); 640 por 4 jornais para fazer uns alçapões e levantar os

taburnos “com chaços mais altos para guardar a escada de mão”; 390 pela madeira para

“as testas, chaços, travessas e pregos” para o referido conserto; 160 por um jornal que

gastou em apertar os sinos e pregar duas fechaduras; 5.600 por fazer “uma planta ou pé

19

AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 188-191, 189v, 197, 198v e 200.

Page 30: Sc 3 de 8 capítulo iii

para assentar a imagem da Ressurreição” (cujo feitio custara 4.480 réis e, de “encarnar

e dourar a mesma imagem”, tinha-se pago 3.480 réis); 5.600 por fazer 4 portas de

castanho, com suas “fixas chumbadas por detrás da tribuna para reparar o vento que

nela entrava”; 200 por tapar de “tabuado a fresta de trás da tribuna”; 920 por 20

dobradiças para as portas de trás da tribuna e para os alçapões da escada e pregos; e

1.200 réis pelo chumbo e de chumbar as quatro portas20

.

Outras despesas de 1742 surgem associadas à Quaresma e à Festa das Cruzes.

Assim, ao “trombeta” que tocou nos Passos da Quaresma pagou-se 800 réis; os

adereços para os anjos e para a Verónica custaram 2.170; gastou-se em retrós roxo para

o pavilhão do Senhor dos Passos 740; o padre pregador, “guardião dos Capuchos”

recebeu, pelos sermões do Mandato e da Soledade, 4.800 réis.

A quem foi a Braga buscar a licença para se expor o Santíssimo Sacramento nas

Endoenças e na festa da Invenção da Santa Cruz pagou-se 220 réis; pela pregação dos 3

sermões na festa da Invenção da Santa Cruz desembolsou-se 14.400; aos gaiteiros e

clarinete deu-se-lhes 1.380; aos cónegos e acólitos pagou-se-lhes 2.250 e aos sacerdotes

que assistiram 1.200; ao padre Manuel, pela celebração da missa festiva, pagou-se-lhe

9.600. Em velas de sebo e lumes gastaram-se 600 réis21

.

Nos anos seguintes encontramos a trabalhar no templo do Senhor da Cruz o mestre

carpinteiro João da Silva em várias obras de carpintaria relacionadas com o sino, os

taburnos, a cruz dos Santos Passos, entre outras. Mas no Senhor da Cruz trabalham

também ferreiros, sineiros, pedreiros, entalhadores, douradores, pintores.

O carpinteiro ou entalhador Manuel Oliveira, por exemplo, recebeu 3.000 réis em 1744-

1745, “por fazer as sanefas das portas da sacristia e casa da mesa” e mais 9.600 por ter

feito quatro peanhas “para os anjos”22

.

No mesmo ano o tesoureiro Manuel de Miranda “despendeu para um sacrário novo

3.000 réis – em damasco para o forro, dobradiças e fechadura da porta, “o qual se fez

para colocar o Santíssimo Sacramento nas ocasiões em que se acha impedido o

principal do altar-mor para a administração da sagrada comunhão”. Gastou ainda 700

réis na compra de 4 micheiros para os anjos “do pé da tribuna para neles se sustentarem

as tochas que têm nas mãos” e no conserto de outros “que estavam quebrados”; pagou

20

Idem, fls. 242-242v. 21

Idem, Ibidem. 22

Idem, fl. 265.

Page 31: Sc 3 de 8 capítulo iii

por 6 mesas de corporais para os altares e 4 varas de renda para uma toalha de renda,

pano e feitio, 3.620 réis; para o “ornato da tribuna” comprou 8 dúzias e meia de ramos,

por 4.820 réis e pagou a Manuel Nogueira 2.880 réis, pelo conserto dos seguintes

Passos: para os sermões das Sextas-feiras da Quaresma, para o do Calvário e para os da

Procissão dos Passos23

.

Em 1746-1748, o mestre carpinteiro João da Silva volta a destacar-se nas obras do

Senhor da Cruz. Para além de intervir em várias reparações de carpintaria, João da

Silva executou um arco em madeira de castanho “que faz em volta 20 palmos e quatro e

meio de largo para se cobrir o tecto da tribuna para se armar o Passo do Calvário e os

mais nas Sextas-feiras da Quaresma e ficar para o tempo futuro”, pelo preço de 600

réis. Na mesma data recebeu 2.000 réis “pela madeira e jornais de fazer o concerto na

tribuna na ocasião das Endoenças a qual madeira fica servindo para os mais anos e por

meter os chumbadouros no coro”24

.

Ornamentar o interior barroco

____________________________________________________________

Ao mesmo tempo que se realizaram as obras de remodelação na capela-mor (tendo a

primeira ocorrido em 1722-1728), outras iam decorrendo no interior da igreja, uma

parte delas, como se viu e se verá, relacionadas com a mesma capela maior.

Mas havia que ornamentar, embelezar e enriquecer todo o templo, dotando-o, por

exemplo, das imagens necessárias ao desenvolvimento do moderno culto.

23

Idem, fls. 266v-267. 24

Idem, fls. 297-297v.

Page 32: Sc 3 de 8 capítulo iii

A antiga e célebre imagem do Bom Jesus, flamenga, maciça, feita de carvalho e em

tamanho natural, carregando no Seu ombro esquerdo uma pesada cruz, era de todo

insuficiente.

Já sabíamos que, desde 1714, se encontravam na tribuna do altar-mor as imagens de

Nossa Senhora e de S. João Evangelista, feitas pelo imaginário Gualter de Sousa, da

freguesia de Lijó. Sabíamos também que, desde 1717, Nossa Senhora das Dores

ocupava o seu lugar na capela colateral, do lado da Epístola.

Desde 1722, e destinada ao seu papel tradicional na dramatização/recriação dos Santos

Passos, foi a vez de Maria Madalena fazer a sua entrada triunfal no templo. Foi neste

ano, pois, que o mesmo artista de Lijó, Gualter de Sousa, recebeu 8.000 réis por fazer a

imagem de Santa Maria Madalena25

.

No entanto, o patrono do templo e da sua

irmandade não perdeu nenhuma

importância, antes pelo contrário:

começaram a multiplicar-se as cruzes, os

crucifixos, as insígnias da Paixão e os

principais momentos do martírio, enfim

as imagens alusivas ao Senhor Bom

Jesus da Cruz.

Em primeiro lugar, o pintor barcelense

Luís de Oliveira pintou a extraordinária

imagem de Cristo Crucificado, que

desde 1714 se encontrava no centro do

altar-mor.

Mais tarde, julgamos que ainda no século XVIII (não aparece referida nos inventários

de setecentos e de oitocentos), uma poderosa escultura do Senhor Crucificado, com

1,84 m, foi plantada junto à grade do coro, voltada de costas ao altar-mor, esmagando

com o seu vivo exemplo de homem sacrificado a pequenez do grupo de capelães, quem

sabe se ociosos e pouco dados a sacrifícios (como se poderá depreender das palavras

25

Idem, fl. 28.

Imagem do Senhor Crucificado, cerca de

1714.

Page 33: Sc 3 de 8 capítulo iii

quase cáusticas do instituidor do coro, Inácio da Silva Medela, que bem cedo parece

olhar os capelães como homens interesseiros e materialistas).

Era preciso ornamentar, dar vida, cor e luz ao interior barroco. Por isso, antes de

Fevereiro de 1723 foram colocadas as cortinas nas janelas maiores da nave. De cor

rubra.

Para esse efeito compraram-se cerca de 70 côvados de serafina vermelha para as

“frestas grandes do meio da igreja para as cortinas”, que, com o feitio incluído, ficaram

por 21.260 réis; o mestre ferreiro António da Costa Leitão fez os varões e “mais ferros”

para os referidos cortinados “donde entrou em desconto os ferros do sino pequeno que

estava detrás da porta principal” e por isso só se lhe pagou 1.010 réis; pelas franjas

verdes para as mencionadas cortinas e por 24 argolas de bronze pagou-se 7.200 réis e

com o carpinteiro Domingos Pereira, por duas tábuas de castanho “que fez donde estão

as sanefas das cortinas pregadas” gastou-se 120 réis; com um pedreiro de Cossourado

“que andou a abrir os buracos nas frestas” para chumbar os ferros das cortinas 180 réis;

pelo chumbo comprado na casa de Agostinho Nogueira, “que se gastou nos ferros das

cortinas e no ferro que tem mão na porta principal” 310 réis; pelo cordel das referidas

cortinas 75; e pelas tachas para “pregar as sanefas nas tábuas que estão nelas” 10 réis26

.

Para além das capelas mor e colaterais, todas as aberturas que ligam os espaços do culto

ao exterior e às diversas dependências do templo recebiam o seu cortinado de damasco

vermelho que, em ocasiões como a Quaresma, era substituído em geral por outro, de

cor roxa.

26

Idem, Ibidem.

Page 34: Sc 3 de 8 capítulo iii

Em 1719, os retábulos e seus altares haviam sido já objecto de atenção e asseio,

passando pela aquisição de uma vassoura de “cabelo estrangeiro” para a sua limpeza27

.

Aliás, com alguma frequência verificamos na documentação dos séculos XVIII e XIX

esta preocupação com a remoção da sujidade e do pó dos retábulos e dos azulejos,

sobretudo nas vésperas da festividade de Maio.

Em 1721 comprou-se uma sacra para o altar do Senhor da Cruz e o imaginário Gualter

de Sousa, de Lijó, cobrou 6.500 réis pelo “feitio da imagem de S. João”; posteriormente,

talvez no ano seguinte, recebeu “do resto que se lhe estava devendo do feitio da Senhora

do altar-mor” 2.660 réis. Foi-lhe ainda paga a factura de 225 réis na estalajadeira “A

Braga”, de quando o mestre imaginário de Lijó veio ao Senhor da Cruz “aperfeiçoar as

imagens” de S. João e de Nossa Senhora28

.

Como atrás se mencionou, no retábulo executado por Miguel Coelho entre 1722-1724 e

dourado por João Alves da Barca, entre 1725-1726, podemos hoje observar a imagem

de Santo Agostinho, no seu aparente nicho do lado da Epístola e a imagem de Nossa

Senhora da Piedade, feita de madeira mandada do Brasil por Inácio da Silva Medela,

colocada no lado do Evangelho.

27

AISC, Livro das receitas e despesas de 1706-1721, fl. 58. 28

AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 14 e 15.

Neste pormenor da capela-mor pode ver-se o belo

efeito do cortinado pendurado numa das suas portas.

Page 35: Sc 3 de 8 capítulo iii

Na sua carta de 30 de Junho de 1730, endereçada ao juiz e mais irmãos da mesa da

irmandade, Inácio Medela dá-nos indicações claras, quer quanto ao envio do toro de

cedro para a referida imagem e sua colocação, que desejava fosse sobre a banqueta, quer

quanto à motivação de mais esta dádiva ao Senhor Bom Jesus da Cruz29

(assunto que

retomaremos no Capítulo IV, relacionado com o coro do Senhor da Cruz).

Ainda no ano de 1721 encomendou-se um

palio roxo e suas varas ao mestre Francisco de

Araújo, da cidade de Braga, cujos “custo e

feitio aparelhado” orçaram em 37.640 réis.

O aluguer da mula para ir a Braga buscá-lo

ficou por 240 réis, aproveitando-se a viagem

para trazer um Breve de Indulgências emitido

para o “altar privilegiado do Senhor” e que

custou à irmandade 1.920 réis30

.

Em Fevereiro de 1723 registaram-se algumas despesas relacionadas com o

funcionamento do culto, com alguns arranjos e a ornamentação da igreja. Foram pagos

a Gervásio Barroso e Basto 1.620 réis, porque “o mais se fez de esmolas”, para um

29

AISC, Caixa 2, Carta III de Inácio da Silva Medela. 30

AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 13.

Edital do breve papal que instituiu o

altar do Senhor da Cruz como altar

privilegiado, 1721.

Page 36: Sc 3 de 8 capítulo iii

frontal roxo; comprou-se uma corrente para o breve papal das Quarenta Horas de Maio,

que veio de Roma, válido para os três primeiros dias de Maio por um período de 7 anos,

breve “que está no cartório desta confraria”; repararam-se as vidraças e colocaram-se as

portas das sacristias, feitas no ano anterior por António Simões; pagaram-se a

Domingos Pereira 1.970 réis, pelas portas dos púlpitos, para os quais o pedreiro

Domingos Cardoso, de Cossourado, “mandou um homem abrir os chumbadouros”;

vários artífices e artistas participam em obras de acabamentos; o mestre pintor de

Balugães, João Gonçalves Ribas, utilizou 7 varas de pano de linho para pintar 6 painéis

dos 7 Passos que existiam; as imagens de S. João e de Nossa Senhora, feitas por

Gualter de Sousa, foram pintadas por Manuel Ferreira Pinto, por 8.500 réis.

Ainda em 1723, Miguel Coelho comprou em Braga por 2.880 réis duas pedras de ara,

uma para o altar-mor e outra para o altar da Senhora das Dores, exigidas pela

autoridade eclesiástica, aquando de uma visitação, por “estarem os cultos incapazes”.

Na sequência da reforma dos estatutos (1714-

1721), ou porque a autoridade bracarense assim

o exigiu, todos os irmãos da mesa passaram a

participar na Procissão dos Santos Passos, cada

um transportando a sua bandeira.

Para esse efeito, coube ao carpinteiro Domingos

Pereira fornecer as 13 varas necessárias,

enquanto as telas pintadas a pendurar, ilustrando

motivos condizentes com a evocação da Paixão,

foram executadas pelo pintor Manuel Fernandes

Pinto, pelo preço de 1.650 réis31

.

Ao longo da primeira metade do século XVIII, o ensejo de modernizar, enriquecer e

embelezar o interior do templo continuou incessantemente. Os livros das contas e das

actas (alguns infelizmente ausentes do arquivo), os inventários dos séculos XVIII e

XIX e outra documentação são bem elucidativos do rebuliço de obras relacionadas com

o revestimento das paredes e o equipamento do coro; com a remodelação das capelas e

a encomenda de obras de arte (sem esquecermos a aquisição de alfaias e outros objectos

31

AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 31-36.

Page 37: Sc 3 de 8 capítulo iii

sagrados, paramentos, toalhas, cortinados e as pequenas intervenções quase bianuais,

por ocasião da Festa das Cruzes); com a repavimentação após a abertura do cemitério

municipal; enfim com o brilhantismo das festas definidas estatutariamente e os

cuidados com a beleza e riqueza dos lustres que iluminam a igreja.

Remodelação nas capelas colaterais

____________________________________________________________

Segundo se pode apurar das contas apresentadas pelo tesoureiro Manuel de Miranda, na

ocasião da encomenda e colocação dos quadros na capela-mor, 1736-1738, procedeu-se

a uma profunda remodelação dos altares colaterais, que incluiu a substituição dos

retábulos entalhados por Miguel Coelho entre 1709 e 1715.

Vários mestres e oficiais, artistas e artífices, estiveram envolvidos nesta remodelação.

Miguel Coelho, que se encontrava a trabalhar em Caminha, foi chamado “para a obra

dos retábulos” novos das capelas do Senhor da Cruz e da Senhora das Dores. Todavia, a

sua execução foi confiada ao entalhador portuense Luís Pereira da Costa, conforme se

pode ler no livro de receitas e despesas de 1721 a 1750.

Da cidade invicta foi também contratado o arquitecto António Pereira32

que veio a

Barcelos “a tomar as medidas dos retábulos e idear a forma das plantas” e ao qual se

pagou na altura 9.600 réis, depois de se registar uma despesa de 480 réis, com o homem

que foi ao Porto “chamar o mestre que fez a planta que aí se não achou por ter partido

para Lisboa”.

Destaque-se, pois, a presença de mestres entalhadores e arquitectos de relevo no

panorama artístico, em obras de remodelação no templo do Senhor da Cruz,

nomeadamente Luís Pereira da Costa, exímio entalhador do Porto, António Pereira,

arquitecto e mestre de estuque e Miguel Francisco da Silva, arquitecto e mestre

32

Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., pp. 67 e 70.

Page 38: Sc 3 de 8 capítulo iii

entalhador, estes últimos oriundos de Lisboa mas radicados no Porto – dois homens que

desempenharam “um papel da maior importância como arquitectos na Sé” portuense.

António Pereira, enquanto arquitecto na cidade invicta, virá mesmo a ocupar “um lugar

de grande relevância no segundo quartel do século XVIII” 33

.

Outras despesas patentes no livro referido confirmam a presença do mestre em

Barcelos: foram pagas duas quantias, uma no valor de 720 réis e outra de 1.180, “dos

gastos que fez na estalagem”, enquanto o risco das "plantas para os dois retábulos”,

feito arquitecto António Pereira terão custado 14.400 réis.

Tal como na capela-mor, também aqui foi necessário adaptar o espaço arquitectónico

para receber os novos retábulos. Várias despesas aparecem relacionadas com a

participação de oficiais de pedreiro barcelenses, que vieram cortar o “arco tosco” das

capelas colaterais.

Como se disse, Luís Pereira da Costa foi o mestre entalhador contratado para a

execução dos dois retábulos das capelas colaterais. Várias despesas registadas entre

1734 e 1737 provam não apenas a responsabilidade deste mestre entalhador na

elaboração dos retábulos mas ainda a sua participação no fabrico de peças de talha

essenciais, como eram o frontal do altar e também a sacra, o evangelho e o lavabo (trio

de pequenos quadros emoldurados que normalmente se colocavam sobre a mesa do

altar e que funcionavam como ponto ou auxiliares de memória do sacerdote quando da

celebração da missa).

33

FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. – O Porto na Época dos Almadas. Arquitectura. Obras

Públicas, Vol. I, Edição da Câmara Municipal do Porto, 1988, p. 68.

Page 39: Sc 3 de 8 capítulo iii

A arrematação da obra deve ter ocorrido em 1735, pelo preço de 500.000 réis, quantia

que foi entregue antes de Julho de 1737 ao artista pelos “dois retábulos colaterais” que

fez e que já se destinava a liquidar “todo o preço que por eles se ajustou”. Mas alguma

alteração deve ter sido entretanto introduzida no contrato, na medida em que ser-lhe-

iam entregues mais 74.400 réis, “pelo acréscimo da obra dos retábulos”.

Entretanto, sabemos que foram pagos 480 réis pelo “tabuado do altar do Senhor” e

1.350 por pregos e salários relacionados com o mesmo altar, pelo que a irmandade

forneceu pelo menos parte da madeira e a mão-de-obra coadjuvante.

Ao mesmo entalhador Luís Pereira da Costa foram ainda pagos 33.600 réis pelos

frontais “dos dois altares colaterais” e 5.000 pelos “pilares sacra e evangelho e lavabo

de um altar”, certamente o altar do Senhor da Cruz já que ao entalhador Miguel

Francisco da Silva, residente também no Porto, coube a execução da “sacra, evangelho,

e lavabo do altar da Senhora das Dores” obras pelas quais auferiu a quantia de 2.800

réis.

O pormenor do frontal, que a seguir se apresenta, evidencia todo um programa

iconográfico e estético de altíssimo significado: todo o rectângulo é profusamente

trabalhado, com motivos vegetais e meninos dourados e policromados. No centro da

composição, em campo liso de oiro delimitado por um ondulante losango curvilíneo, o

artista esculpiu os três cravos da Crucifixão apontados à cruz aureolada e uma inscrição

de elevado interesse iconológico, onde pode entrar o nome do Jesus Senhor, o Homem

da Santíssima Trindade.

No frontal do altar da Senhora da Dores, o conjunto da composição conheceu a mesma

organização formal, mas no seu centro pontifica uma simbólica menos complexa,

alusiva à Virgem enquanto rainha e mãe de Deus. Três estrelas de David ajudam a

preencher o fundo liso e dourado.

Retábulos do Senhor Bom Jesus da Cruz e de Nossa Senhora das Dores, duas obras do mestre

entalhador Luís Pereira da Costa, entalhadas entre 1735-1737.

Page 40: Sc 3 de 8 capítulo iii

Na sequência desta remodelação, em 1736 foi vendido o velho retábulo do altar do

Senhor da Cruz a António Carneiro Leão, da freguesia da Carvalhosa, Paços de

Ferreira, pelo preço de 72.000 réis. Ao homem que foi à Carvalhosa “avisar o homem

que comprou o retábulo”, já se havia pago 480 réis.

Do antigo retábulo de Nossa Senhora das Dores nada se sabe acerca do seu destino. O

mais certo, no entanto, é ele ter sido reutilizado, no todo ou em parte, noutros espaços

de culto existentes na vila ou fora dela. As contas de 1737-1738 referem uma receita de

2.400 réis proveniente do “frontal de madeira que se vendeu para a capela do Espírito

Santo por não ter serventia no templo”.

Pormenor do frontal do altar do Senhor da Cruz, cerca de 1736.

Page 41: Sc 3 de 8 capítulo iii

Para se proceder à instalação dos retábulos, logicamente que as imagens tiveram de ser

deslocadas. Sabemos que a imagem do Senhor da Cruz foi transferida para o altar-mor

enquanto decorreram as obras, porquanto a irmandade pagou 180 réis por um barrote

“para o altar do Senhor quando se mudou para o altar-mor”, e por meio-dia de trabalho

a um carpinteiro.

Para a colocação do retábulo e do frontal do altar da Senhora das Dores, foi preciso

remover os restos mortais dos cadáveres que se encontravam sepultados no seu subsolo:

pagou-se então ao coveiro Francisco Gomes a quantia de 1.200 réis “por mudar ou

trasladar os ossos dos cadáveres que estavam sepultados no supedâneo do altar da

Senhora das Dores para outras sepulturas”.

Miguel Coelho foi chamado em 1740, aquando do douramento dos retábulos, para

“limpar o frontal da cera e consertar os retábulos colaterais nas partes em que abriram

para se dourarem”, recebendo 800 réis relativos a quatro dias de salário. Neste conserto

foi utilizado tecido de linho, que ficou por 2.700 réis e uma quarta de cola, no valor de

30 réis.

No mesmo ano, foi contratado o mestre dourador Jacinto de Azevedo para dourar os

dois retábulos, os frontais, as banquetas e as sacras dos altares colaterais, pelo preço de

540.000 réis. Porém, a irmandade teve ainda de gastar 1.600, em Braga, para clarificar

as dúvidas colocadas pelo “pintor da dita cidade” relacionadas com o mencionado

douramento.

Pormenor do frontal do altar de Nossa Senhora das Dores, cerca de 1736.

Pormenor do retábulo de Nossa Senhora das Dores, entalhado

ao gosto joanino por Luís Pereira da Costa e dourado pelo

mestre Jacinto de Azevedo.

Page 42: Sc 3 de 8 capítulo iii

Uma vez resolvido o problema dos retábulos, havia que compor e refazer os taburnos

ou estrados fronteiros aos altares e colocar cortinados novos. Embora se tenha pago

1.400 réis por braça e meia de taburnos “que se fez de novo no altar do Senhor”, o

carpinteiro João da Silva foi chamado em 1738 para construir outros dois, novos, para

os altares colaterais e consertar o do altar-mor, tudo pelo preço de 3.000 réis.

Algumas despesas com ferros e chumbo (fornecidos pelo mestre Leitão, da vila) estão

associadas à colocação das cortinas azuis nos dois altares colaterais e que custaram

28.162 réis.

Ainda em 1738 gastaram-se 20.025 réis por 22 côvados de damasco carmesim para as

cortinas da Senhora das Dores e 720 com Manuel Nogueira por “pratear duas varas

para os estandartes da tribuna que servem nas ocasiões que se expõe o Santíssimo

Sacramento e pratear também a espada para a imagem da Senhora das Dores”. No

mesmo ano pagou-se 1.370 réis ao alfaiate Manuel Pereira, por “fazer as cortinas da

Senhora, e o pavilhão do vazo, e o pavilhão do sacrário e consertar o pavilhão do trono

quando se queimou, e fazer o véu de ombros, e consertar dois frontais”.

DESPESAS RELACIONADAS COM O SACRÁRIO – 1737-173834

Descrição da despesa Quantia

(réis)

Pagou-se ao mestre “prateiro”, filho de António Dias, que fez o vazo de

prata para o sacrário – “pelo que mais pesou o dito vazo do que o cálice de

prata que se lhe deu para converter no dito vazo”.

3.200

Ao mesmo mestre, pelo feitio do dito vazo, entrando nesta verba 240 réis

dos consertos de um cálice, de uma colher e da custódia.

4.000

Ao portador que foi ao convento de Palme para sagrar o vazo. 120

Com a “preparação do breve” no Juízo Apostólico de Braga, para se colocar

o Santíssimo Sacramento no sacrário.

1.360

Ao padre Domingos da Costa, do Carregal, pela despesa feita em Braga

relacionada com o breve para se colocar o Santíssimo Sacramento no

templo.

240

Por 4,5 côvados de tafetá para o forro do sacrário. 1.305

Por 4 oitavas e meia de renda de prata para ornar o vazo do sacrário. 900

Damasco branco para o pavilhão do sacrário. 7.000

Tafetá carmesim para o forro do sacrário. 2.900

Damasco branco para o forro do sacrário. 610

Galão de ouro “que faltou” para o sacrário. 4.060

34

AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 197v-204.

Page 43: Sc 3 de 8 capítulo iii

Mais damasco “que faltou” para o sacrário. 910

Uma folha de papelão para o sacrário. 100

Quatro alamares de ouro para o pavilhão do sacrário. 1.230

Franja de ouro para o mesmo pavilhão. 4.250

Por cera que se comprou para a “festa do Sacramento no dia da colocação

dele no sacrário”.

33.150

A Manuel Pereira, alfaiate, de “fazer as cortinas da Senhora, e o pavilhão do

vazo, e pavilhão do sacrário, e consertar o pavilhão do trono quando se

queimou, e fazer o véu de ombros, e consertar dois frontais”.

1.370

Ao mestre carpinteiro João da Silva, por “um banquinho ou escabelo que

fez para com mais facilidade se abrir e fechar a porta do sacrário por este

ficar alto”.

200

Por uma sacra lisa para o altar-mor “que se fez para mais comodamente se

poder mover e não ocupar nem embaraçar o fechar e abrir a porta do

sacrário”.

200

Mas as grandes e pequenas obras no templo do Senhor da Cruz não paravam. Aliás, a

leitura da documentação disponível permite-nos perceber uma dinâmica quase

permanente de grandes ou pequenas obras, algumas de remodelação dos espaços, outras

de simples manutenção.

Em 1740 compraram-se duas dúzias de argolas para as cortinas dos altares colaterais.

Mas em 1741 o alfaiate Manuel Pereira cobrou 1.200 réis pelo feitio de novas cortinas,

desta vez feitas de damasco roxo e que custaram 69.160 réis. É preciso ainda juntar

17.720 de galão, 300 de retrós e 480 réis que custaram as quatro dúzias e meia de

argolas de metal compradas para os cortinados roxos.

Pelas contas de 1740-1741 o tesoureiro Manuel de Miranda pagou ao mestre ferreiro

Francisco António 8.400 réis, pelo ferro para as portas principal e do lado poente; ao

mestre ferreiro Manuel Gomes liquidou a conta de 2.980 relacionada com o conserto

dos ferros dos sinos, a roldana do sino “que se toca nas missas”, 6 micheiros para a

tribuna do altar-mor e os ferros das cortinas roxas dos altares colaterais.

Também o mestre carpinteiro João da Silva recebeu várias quantias da sua ampla

participação em pequenas obras no Senhor da Cruz: 2.700 réis por 3 dúzias de tábuas

de forro “para amparar os foles do órgão da humidade”; 2.000 de barrotes e “terceiros

também de castanho”; 480 de pregos e dobradiças, 1.700 de jornais; 2.680 do conserto

da porta lateral do lado nascente e do tabuado com que a forrou por dentro, de “pôr em

pedaços o sino que quebrou” e de consertar um caixilho das cortinas que quebrou e

chumbar o ferro do sino “que se tange para as missas”; 4.770 por forrar e chapear as

duas portas, a “principal e a travessa da parte das casas”; 2.220 por “fazer umas portas

Page 44: Sc 3 de 8 capítulo iii

novas de castanho para o Passo de trás da sacristia da colegiada com sua fechadura e

almofadas de ponta de diamante“; e 480 por “dois bancos que fez de castanho para

sobre eles estar o andor com a imagem do Senhor dos Passos no tempo que se dilata na

colegiada” 35

.

Nos finais do século XVIII e inícios do século XIX, hão-de renovar-se as sanefas da

capela-mor, as das capelas colaterais e as dos púlpitos.

Em 1793, o mestre pintor André Lopes de Oliveira foi contratado para reparar todos os

ferros das cortinas dos altares e, em 31 de Agosto do mesmo ano, assinou um

documento em como recebeu 33.535 réis, dizendo-se pago dos seus jornais e do seu

oficial, inclusive “o custo do ouro, e chumbos de barra para chumbar os ferros das

cortinas” dos altares do templo do Senhor da Cruz36

.

Já no início do século XIX, um entalhador do Porto, José Luís de Freitas, foi contratado

para fazer as novas sanefas dos altares colaterais, certamente ao gosto neoclássico então

vigente. Também as sanefas do púlpito sairão das suas mãos.

Em 1800 fora encomendado o desenho e o entalhe da sanefa do arco-cruzeiro37

, talvez

da autoria do mestre João António de Sousa e Azevedo, a fazermos fé num documento

não datado, assinado pelo padre e membro da mesa António de Matos Faria e Barbosa,

no qual se pode ler que “o mestre João António de Sousa e Azevedo que tem ultimado a

sanefa do Bom Jesus da Cruz desta vila pretende ser satisfeito dos acréscimos que fez,

do risco que fez, das vindas a esta vila fora do seu ajuste, e de alguma gratificação do

bom desempenho na obra”.

35

Cf. AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fls. 176v, 182v, 183v-184, 185v, 187-188v, 191,

195v, 202, 203, 221-223v e 229v. 36

AISC, Caixa 1, Documento sobre o douramento dos ferros das cortinas. 37

Cf. FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto, ob. cit., p. 67.

Page 45: Sc 3 de 8 capítulo iii

Não podendo o referido mestre esperar pelo regresso do clérigo que seguiria

imediatamente “para banhos do mar”, diz António Barbosa que é favorável ao

pagamento dos referidos “acréscimos” e do “risco segundo o seu valor que costuma ser

estimativo, visto que não houve ajuste, e as jornadas segundo constar”; uma gratificação

que correspondesse “à honra, e dignidade da mesa segundo também o estado de

possibilidade actual”38

.

Entre 1800 e 1802 encontrámos a trabalhar no Senhor da Cruz, José Luís de Freitas,

residente no Porto. A 29 de Agosto de 1800 este entalhador recebeu 28.800 réis, verba

que lhe foi entregue pelo tesoureiro Carlos Luís de Sousa, relacionada com o tratamento

das portas principais do templo e suas almofadas39

. A 1 de Maio de 1802, José Luís de

Freitas assinou um documento em como recebeu do mesmo tesoureiro a quantia de

103.006 réis como “produto das duas sanefas que lhe fiz para os altares colaterais”.

Com data de 20 de Agosto de 1802, o mesmo entalhador portuense assinou em como

recebeu 28.800 réis relativos ao entalhamento das duas sanefas dos púlpitos, verba que

lhe foi entregue pelo mesmo tesoureiro40

.

A pintura e douramento de todas as sanefas foi realizado em 1804, já que a 25 de

Novembro deste ano o padre António Manuel de Melo assinou um texto no qual se diz

que “importou a pintura, e douramento das sanefas” do templo do Senhor da Cruz em

78.340 réis e, acrescenta, “menos importariam se me não dessem a palavra de que lhe

botasse o oiro, que fora bastante para as enriquecer, visto não serem todas douradas”,

verba que lhe foi entregue “em dinheiro de metal” por José António Rodrigues

Dourado41

.

38

AISC, Caixa 1, Documento sobre o risco e entalhe da sanefa do arco-cruzeiro. 39

Idem, Recibo das almofadas da portada principal. 40

Idem, Documento sobre o entalhamento das sanefas dos altares colaterais e dos púlpitos. 41

Idem, Documento sobre a pintura e douramento das sanefas.

Sanefa do arco da capela-mor, encomendada em 1800 e

dourada e pintada em 1804.

Page 46: Sc 3 de 8 capítulo iii

O revestimento azulejar

____________________________________________________________

Não sabemos se constaria ou não dos planos do arquitecto João Antunes a ideia de

mandar revestir o interior da igreja com painéis de azulejo azul e branco.

Sabemos, todavia, que estava incorporada na tradição seiscentista forrar parcial ou

totalmente o os muros interiores dos espaços sagrados, em tons amarelos e azuis, tendo

merecido do investigador Santos Simões um comentário face ao que vira na igreja de

Marvila, Santarém, que é um inequívoco elogio aos ceramistas da capital: “o génio dos

azulejadores de Lisboa transformou essa enorme caixa de pedraria na mais equilibrada

sinfonia cromática, em acordes melódicos de azuis e amarelos sobre a limpidez do

reticulado dos azulejos”42

.

A partir dos finais do século XVII vingou a moda dos painéis de azulejo azul e branco

que, a par da talha dourada e da pintura a óleo, transformam por completo o espaço

arquitectónico.

O espaço amplia-se quando o azulejo se converter em estrutura narrativa,

através da cena perspectivada ou do trome l’oeil. O azulejo impõe-se então

ao olhar do crente, sedu-lo, convence-o, domina-o. É o reino da cor, da

vibração lumínica, de uma outra realidade tectónica que mascara a pobreza

dos muros […]. Um outro aspecto é dado pela enorme riqueza do azulejo

como meio narrativo, relacionado com a literatura e a cultura da época43

.

O país não teria os meios financeiros nem os arquitectos necessários ao

desenvolvimento de monumentais obras de arquitectura (com uma ou outra excepção),

mas dispunha de excelentes entalhadores, douradores/pintores, nomeadamente no norte,

incluindo o Minho.

42

Citado por PEREIRA, José Fernandes, in Arquitectura e escultura de Mafra. Retórica da perfeição,

Lisboa, Editorial Presença, 1994, p. 26. 43

PEREIRA, José Fernandes, ob. cit. p. 27.

Page 47: Sc 3 de 8 capítulo iii

Também dispúnhamos de ceramistas, homens que começavam pela pintura a óleo e

daqui passavam ao azulejo, justificando-se deste modo, segundo José Fernandes Pereira,

a concentração de oficinas em Lisboa. E foi exactamente da capital que vieram os

mestres azulejadores enriquecer os interiores das mais belas igrejas barcelenses, entre as

quais a do Senhor Bom Jesus da Cruz.

Datava de 1726, pelo menos, a intenção de

se revestir as paredes desta igreja com

painéis de azulejo azul e branco. Nesse ano

foram gastos 170 réis com uma “merenda

que se deu a João Neto e a quem assistiu

com ele a tomar as medidas para o azulejo

que se quer mandar vir de Lisboa”44

. Nas

contas de meados de 1728 aos inícios de

1730 mencionou-se que o tesoureiro,

Gervásio Barroso e Basto, entregou 57.600

réis ao prior da colegiada, quantia a ser

enviada ao padre Domingos de Santa Maria,

assistente em Lisboa, relacionada com a

encomenda “que se tem mandado fazer […]

para despesa à conta do azulejo”45

.

Estamos em crer que a encomenda da obra deve ter ocorrido em 1728, embora não

conheçamos a data exacta da celebração do contrato entre o artista e os

encomendadores, nem as gravuras ou desenhos inspiradores dos ceramistas da oficina

lisboeta onde foram fabricados, tão-pouco existem quaisquer apontamentos onde

figurem a natureza da obra e condições da sua execução.

44

AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 95. 45

Idem, fls. 122v e 23v.

Painel de azulejos figurando a Agonia no Horto,

uma obra do mestre lisboeta João Neto, 1730.

Page 48: Sc 3 de 8 capítulo iii

Já quanto a uma parte significativa do processo construtivo, nomeadamente ao

transporte, os materiais, o assentamento dos painéis de azulejo e as pessoas envolvidas,

estamos na posse de alguns elementos esclarecedores.

O mestre azulejador foi, sem qualquer dúvida, João Neto da Costa, a quem foram pagos

54.450 réis de “assentar o azulejo”, totalizando cerca de 9 “milheiros” e 900 azulejos,

dando-se assim cumprimento ao “que se ajustou na mesa” e que teria sido a cerca de

5.400 réis o milheiro46

.

Mas para que os painéis fossem colocados no seu devido lugar, algumas tarefas prévias

foram feitas e remuneradas, a saber: pelo “frete, e mais despesa que fez o azulejo desde

a cidade de Lisboa até se recolher na cidade do Porto”, pagou-se 19.160 réis; aos 10

carreteiros que trouxeram os caixotes do azulejo do Porto entregou-se-lhes 7.680 réis; a

Bento Domingos, de Remelhe, 2.520 réis pelo carreto de 12 sacos de cal que trouxe do

Porto; e Domingos António, também de Remelhe, forneceu 4 sacos de cal para o

azulejo, pelos quais cobrou 3.600 réis.

Compraram-se 8 carros de areia que custaram à irmandade 820 réis e mais 3 sacos de

cal por 2.700. A quem arrumou as caixas do azulejo deu-se 60; por um cadeado para

“reserva do azulejo, e de mudar a cal” pagou-se 240; mais 5 carros de cal que custaram

500 réis.

Enfim pagou-se 380 réis por “um jornal de um pedreiro que picou uma pedra para se

assentar o azulejo”47

.

46

Idem, fl. 141. 47

Idem, fls. 138v-139.

Painel evocativo da prisão de Cristo no Monte das Oliveiras.

Page 49: Sc 3 de 8 capítulo iii

Outros homens e outras despesas surgem associados ao mestre que revestiu as paredes

de azulejo, nomeadamente Brás Gomes, que recebeu da irmandade 20.300 réis por

126,5 dias de jornal, a 160 cada, por “gramar a cal” e ajudar João Neto da Costa.

Por sua vez José Domingos, “que andou a ajudar” o referido Brás Gomes na cal e a

“picar a velha” durante 17 dias, a 160 réis, auferiu 2.720 réis de jornais. O carpinteiro

Bento Pereira trabalhou 32 dias a fazer as estadas ou andaimes para assentar o azulejo,

vindo a receber 4.800 réis. De novo Brás Gomes, que andou “a gramar a cal” e pelo

“último ajuste” recebeu 960 réis relativos a mais 6 dias de jornal.

Compraram-se ainda 25 rasas de cal por 1.400 réis e mais 12 rasas, que vieram do Porto

e que custaram 8.640 e mais 3 carros de areia, por 300 réis.

Talvez na fase final do cumprimento do contrato, antes de 9 de Março de 1731, João

Neto recebeu 900 réis, sempre na qualidade de “assentador do azulejo”48

.

Para além destas referências documentais, temos os painéis azulejares quase intactos,

descontando um ou outro arranjo de mão pouco hábil e o desgaste inevitável do tempo e

do uso.

Uma vez descontados estes senãos, que aliás são de pouca monta, a obra fala por si: é

simples e concisa nas mensagens que transmite: narra-se os episódios fundamentais

associados ao martírio do Homem que Deus concebera e destinara à condição de

Redentor da humanidade pecadora: entra-nos pela retina, com gosto ou a contra-gosto, o

reino da barbárie, contra um homem que clamava justiça.

48

Idem, fls. 141-141v.

Pormenor do painel onde se representou a Coroação de Cristo.

Page 50: Sc 3 de 8 capítulo iii

Os painéis de azulejo, que muito enriquecem o interior do templo do Senhor da Cruz (a

exemplo do que se passara na vizinha igreja beneditina cujos muros da nave e da

capela-mor foram completamente recobertos com a azulejaria azul e branca, da qual,

aliás, não faltam exemplos em Barcelos e em todo o país), completam de forma plena a

simbologia de uma igreja que se fundou e fundamentou há quinhentos anos no milagre

da Santa Cruz.

Não bastava à irmandade e à

mentalidade dos séculos XVII e XVIII

proclamar a devoção ao Senhor Bom

Jesus da Cruz e à corte celestial em Seu

redor. Era forçoso impressionar os fiéis,

embelezando os espaços sagrados,

multiplicar e sacralizar os instrumentos

da Paixão, teatralizar o sacrifício da

Morte, exaltar a Vida. Porque o mundo

pecador espera pela Ressurreição, por

uma hipótese de imortalidade.

Nas alas laterais do templo, onde o espaço o permitia,

forraram-se as paredes com quatro importantes Passos

– a Agonia no Horto, a Prisão do Senhor, a Flagelação

e a Coroação de Espinhos – e nas pequenas superfícies

entraram os anjos, uns grandes, outros de menor

dimensão, todos participando na festa da Morte que se

aproxima, exibindo sinais ou instrumentos do flagelo:

Painel com a cena da Flagelação.

Pormenor de anjo com o martelo como

instrumento da Crucifixão de Cristo.

Page 51: Sc 3 de 8 capítulo iii

o cálice anunciador do pior, o martelo, os três cravos,

a escada, a turquês, a esponja, a lança… Magníficos

anjos representados de forma quase pecaminosa, as

asas os denunciam alados mas o traje é mundano (e os

anjinhos, afinal, têm sexo), são anjos que participam

da festa, sem a alegria dos anjos/rapazes que

transportam os andores do Senhor da Cruz e da

Senhora das Dores, mas insinuando-se com uma

postura algo mundana e sensual.

O luxo sugerido pelos panejamentos, a nudez do peito, dos braços, das pernas e das

coxas (tudo carnes bem alimentadas), a leveza da sandália deixando perceber um sexto

dedo no pé que se deixa ver inteiro (querendo com esta deficiência o artista demonstrar

o quê? O excesso face à simplicidade dada pela vida de Cristo? Que codificação se

esconde neste pormenor que não escapa ao olhar do curioso?).

O revestimento azulejar das paredes laterais da capela-mor, que hoje pode observar-se,

teve lugar aquando das obras de remodelação de 1909-1910, previsto num orçamento

elaborado em 3 de Fevereiro de 1909 e que incluía a “reconstrução do pavimento,

paredes laterais da capela-mor, adro e uma tribuna no templo do Senhor Bom Jesus da

Cruz”49

. Sem referir a temática a desenvolver pelo artista a contratar (e ao destino a dar

às telas pintadas por Pachini, que se encontrariam nas paredes laterais da capela-mor e

49

AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Orçamento de 3 de Fevereiro de 1909.

Painel de azulejos da capela-mor, lado da Epístola, evocando o

Caminho do Calvário, uma obra de Domingos Costa, 1910.

Page 52: Sc 3 de 8 capítulo iii

das quais nada se sabe) o orçamento perspectivava um revestimento de azulejos

“imitação renascença”, que andaria pelos 3.895.700 réis.

Segundo as condições então registadas, os referidos painéis de azulejo deveriam ser “a

reprodução perfeita de desenhos, que sobre estudos prévios nos azulejos existentes,

artista competente apresentará, para ser convenientemente apreciados e aprovados”. Na

execução da obra aplicar-se-iam “os melhores materiais, devendo o seu colorido e

desenho confundir-se com o dos existentes e na sua colocação será observada a maior

segurança e perfeição”50

.

Estes painéis, estilisticamente revivalistas do período barroco (para condizerem com os

restantes painéis que revestem as paredes interiores do templo), foram executados pela

oficina de Domingos Costa, de Vila Nova de Gaia. Iconograficamente representam os

Passos do “Ecce Homo” e do Caminho do Calvário.

50

Idem, Ibidem.

Painel azulejar da capela-mor, lado do Evangelho, figurando o Ecce

Homo.

Page 53: Sc 3 de 8 capítulo iii

O sistema de iluminação do templo

____________________________________________________________

Para além da luz natural que

invade a igreja pelos vãos das

paredes e do zimbório, dois

lampadários de prata resolviam a

iluminação do interior, devendo

um ter transitado da capela

seiscentista já que nas contas de

1710, ano da inauguração, surge

uma pequena verba relacionada

com a limpeza do lampadário de

prata.

Em 1719, o mestre ferreiro António da Costa Leitão fez a roldana de um lampadário e

colocou-se a corda para o pendurar, comprada na loja do comerciante e ex-tesoureiro

Agostinho Nogueira. Tratava-se de um lampadário de prata “que está no altar-mor” mas

que foi preciso acrescentar-lhe um “balaústre que faltava para o remate dele”. Pela

prata, mão-de-obra e limpeza deste lampadário, “para condizer tudo ao nível desta

obra”, pagou a irmandade 9.240 réis51

.

Para um lampadário também de prata que estava “no meio da igreja” será igualmente

comprada uma corda em 1721, na loja do mesmo Agostinho Nogueira52

.

Mais tarde, em 1723, regista-se a despesa com um candeeiro de madeira novo, feito

para as Endoenças; um ferreiro de Cima de Vila preparou 6 chapas de ferro para o dito

candeeiro, por 180 réis, enquanto António Mendes cobrou 830 pelos ferros das

lâmpadas; gastou-se 260 com um quartilho de óleo e dois de zarcão para o pintar e

1.600 réis por 48 vidros para as lâmpadas do mencionado candeeiro53

.

Foi neste ano de 1723 que Inácio da Silva Medela, um rico comerciante barcelense

estacionado no Rio de Janeiro, iniciou o patrocínio do combustível utilizado nos

candeeiros, através do donativo anual de 16.000 réis destinados a azeite.

51

AISC, Livro das receitas e despesas de 1706-1721, fl. 58. 52

AISC, Livro das receitas e despesas de 1721-1750, fl. 15. 53

Idem, fls. 28v-29.

Fresta da fachada nascente, junto a uma das abóbadas.

Page 54: Sc 3 de 8 capítulo iii

Recebeu [o tesoureiro] de Joaquim da Costa e Silva da vila de Guimarães

dezasseis mil reis por mão de Francisco Pereira da Costa desta vila de

esmola que mandou dar todos os anos Inácio da Silva Medela assistente no

Rio de Janeiro para azeite das lâmpadas do Senhor e principiou o ano desta

esmola em Fevereiro de 1723 e acaba em Fevereiro de 1724 anos de que

lhe passou recibo em Maio de 1723 – 16.00054

.

De notar que esta esmola enviada anualmente do Brasil teve início um ano antes de

Inácio da Silva Medela manifestar a intenção de instituir um coro permanente no

Senhor da Cruz, que inicialmente será dotado de 7 capelães, mas que a partir de 1728

contará com 9 capelães e 2 meninos.

Aquando da remodelação das capelas colaterais, surgiram várias despesas relacionadas

com três lampadários – do conserto dos 3 lampadários de prata, da compra de roldanas

e das cordas para os mesmos; da aquisição de 4 vidros para as lâmpadas; do pagamento

de 1.050 réis ao mestre carpinteiro, João da Silva, de fazer e desfazer os andaimes para

a colocação das roldanas das lâmpadas; uma outra despesa com salários alusivos à

colocação das referidas roldanas e também do “movimento da sepultura de Sebastião

Luís”, no valor de 1.980 réis –, o que parece indicar que em 1736 foram colocados

candeeiros defronte às referidas capelas55

.

Sob a cúpula do templo havia, como atrás se referiu, um lampadário de prata.

Entre 1746-1748 surgem várias despesas relacionadas com a sua renovação numa

ourivesaria de Lisboa.

Entretanto, a obra envolveu outros actores, nomeadamente um escultor de nome

Francisco Pereira, a quem a irmandade pagou 4.300 réis “por fazer a águia e um tarjão

para o lampadário”; os pedreiros que assentaram e chumbaram o ferro para o dito

lampadário receberam 500 réis; o mestre ferreiro Manuel Gomes cobrou 6.680 réis “no

forro que se fez para o mesmo lampadário” e 3.720 réis por 31 palmos de cadeado de

ferro para o pendurar.

Em 1749 o mestre dourador António Vieira recebeu 40.000 réis por dourar a credência,

as peanhas dos anjos, um sacrário portátil, a tarja e a águia e por pratear o cadeado do

54

Idem, fl. 42v. 55

Idem, fls. 189v e 191.

Page 55: Sc 3 de 8 capítulo iii

lampadário. Por seu lado, o ourives Domingos da Silva recebeu pelo conserto do dito

lampadário de prata e pela limpeza de um outro a quantia de 1.200 réis56

.

Despesa do lampadário conforme a conta mandada pelo ourives de

Lisboa.

Pesou o dito lampadário cento e dois marcos duas onças e três oitavas que

a respeito de seis mil e quatro centos por marco importou o dito peso […]

654.700; importou o feitio […] 306.750; custou a borla de retrós e ouro

[…] 4.000; custou o caixão de madeira […] 2.000; custou o carreto do

transporte […] 10.400; […] pano de linho que se mandou em

agradecimento a quem aplicou e tratou da dita obra […] 13.400; custou o

porte do correio do dito pano […] 760; despendeu mais no conserto que se

fez ao mesmo lampadário no acaso que teve quando caiu, cujo conserto foi

o ourives desta vila […] 6.00057

.

Entretanto, junto às capelas colaterais, para além da luz do dia oriunda das grandes

frestas deveria parecer insuficiente e pobre a luminosidade dos candeeiros que aí foram

colocados 34 anos antes.

Tanto mais que o lampadário central fora renovado. Era fundamental acentuar a

importância dos altares, particularmente o do Senhor da Cruz. Impunha-se iluminar,

enriquecer e embelezar este espaço sagrado.

Por isso em Fevereiro de 1770 a mesa da irmandade requereu autorização para mandar

fazer dois lampadários de prata, para se colocarem frente aos altares do Senhor da Cruz

e da Senhora das Dores. Neste seu querer, os lampadários contribuiriam para melhor

ornamentar a igreja e melhor servir o culto divino, devendo ser concebidos “ao

moderno”, isto é, dentro do estilo neoclássico então em voga. A licença foi passada pela

autoridade no dia 6 de Fevereiro, recomendando-se aos requerentes que os lampadários

fossem feitos “com a decência precisa”58

.

Porém, vários meses passaram sem que os referidos lustres fossem colocados, conforme

podemos deduzir de uma certidão de termos exarada pelo tabelião António José de

Queirós (no cumprimento de um despacho do juiz de fora Dr. José Lourenço do Vale,

56

Idem, fls. 306v-307 e 317v. 57

Idem, fl. 306v. 58

AISC, Caixa 4, Licença para a colocação do lampadário de prata.

Page 56: Sc 3 de 8 capítulo iii

relativo a um pedido do procurador da Irmandade do Senhor da Cruz, Caetano Ribeiro),

pela qual somos informados que, na sua reunião de 4 de Junho de 1770, a mesa

determinou mandar fazer dois lampadários de prata “a moderno”, para cujo efeito já

tinha licença do provedor, isto em prol duma maior veneração da milagrosa imagem do

Senhor Bom Jesus da Cruz, e porque os que existiam “estavam incapazes” de servirem

o culto.

Desconhecemos a data da colocação dos lampadários de prata frente aos altares

colaterais, assim como o mais que provável descaminho que levaram – estes e o do

centro da igreja –, na conturbada primeira metade do século XIX:

As invasões francesas entre 1807-1810; a agonia e a queda da Monarquia

absoluta, com a revolução liberal iniciada no Porto a 24 de Agosto de 1820; a

instabilidade sócio-política a preencher toda a década de 20, opondo absolutistas

e liberais; a guerra civil de 1832-1834 entre liberais e miguelistas e a vitória

definitiva do liberalismo sob a liderança de D. Pedro, o quarto; a prolongada

crise do liberalismo e a instabilidade social provocada pelo governo autoritário

de Costa Cabral, já na década de 1840; enfim, a revolta popular apelidada de

Maria da Fonte, seguida da Patuleia, em 1846-1847, fortemente vividas na

província do Minho mas projectada em todo o território nacional.

Em 1858 foram comprados no Porto novos lampadários para se colocarem frente aos

altares do Senhor da Cruz e da Senhora das Dores. A ideia e o apoio financeiro foram

dados pelo abade da freguesia de Creixomil, D. António de Nossa Senhora Delgado,

que foi secundado pelo colega da mesa Manuel Sebastião Rodrigues da Cunha.

Diz o documento que, estando o secretário e mais elementos da mesa reunidos em 14 de

Abril de 1858 – em cuja reunião decidiram celebrar a Festa das Cruzes nos dias 2, 3 e 4

de Maio, devido às eleições gerais no país estarem convocadas para o dia 2 (Domingo),

o que muito afectaria o concurso das gentes, de dentro e fora da vila, sobretudo no

segundo dia do tríduo festivo, caso este ocorresse como de costume nos três primeiros

dias de Maio –, o abade de Creixomil, D. António Delgado, propôs a aquisição de um

lustre ou lampadário de vidro cristalizado, que contribuísse para uma maior veneração,

decência e ornamentação do altar do Senhor da Cruz.

Acto contínuo, D. António Delgado fez a promessa de contribuir com 25.000 réis, que

concretizaria logo que a compra fosse efectuada. A mesa não só aprovou a proposta e

aceitou a oferta, como nomeou um dos seus membros, David Barros e Silva Botelho,

Page 57: Sc 3 de 8 capítulo iii

para procurar um lampadário dentro das características apontadas, “que servisse a

veneração e ornato do altar do Bom Jesus da Cruz” mas cujo preço, depois de contar

com a verba oferecida, fosse proporcional aos meios de que a irmandade dispunha.

Aquando da reunião de 30 de Abril do mesmo ano de 1858, Silva Botelho dá-nos conta

das indagações feitas no Porto, onde encontrou dois lampadários que tomou logo a

liberdade de trazer e pendurar, para serem examinados pela mesa, um no valor de

50.000 réis e o outro 36.000 réis.

Uma vez observados e avaliados pelos irmãos, e eis que Manuel Sebastião Rodrigues da

Cunha ponderou que, uma vez colocado um lustre frente ao altar do Senhor da Cruz era

indispensável que outro fosse igualmente colocado frente ao altar da Senhora das Dores.

Sequentemente, Rodrigues da Cunha propôs aos seus pares a compra dos dois

lampadários, o de 36.000 réis para ser colocado em frente ao altar de Nossa Senhora das

Dores (a ser pago pela irmandade) e que, nessas circunstâncias, contribuiria também

com 25.000 réis para o lampadário ou lustre do Senhor da Cruz.

Assim, decidiu-se a mesa pela compra dos dois lampadários, até porque, argumentou-se,

para além de um deles ser pago com as esmolas referidas, acrescia que “a colocação de

um exigia a colocação do outro” e porque, enfim, o preço daquele que a mesa tinha de

pagar era barato, atendendo à sua qualidade59

.

Destes lampadários ficou-nos uma pequena parte da sua memória escrita. Nada sabemos

quanto ao seu destino. De quando em vez, parece que “milagrosamente”, vão

desaparecendo parcelas patrimoniais de inolvidável valia.

O lustre central que actualmente existe sob a cúpula da igreja parece ter resultado de

uma subscrição dos inícios de 1868, liderada por Custódio Rodrigues Leite, irmão do

tesoureiro Anselmo Costa Leite, conforme informação dada em reunião da mesa de 14

de Fevereiro.

Desejava-se um lustre “para ser colocado no centro do templo, pendente na abóbada

dele”, um candeeiro que já estava a ser fabricado, e em estado adiantado, por “um

curioso desta vila”, o pintor Joaquim Borges de Queirós.

Segundo o tesoureiro,

existiriam condições para a

sua colocação pela Festa das

59

AISC, Livro das actas de 1842-1861, fls. 29v-30v.

Page 58: Sc 3 de 8 capítulo iii

Cruzes. E, com efeito, na

reunião de 28 de Abril de

1868, em plena reunião da

mesa da irmandade, os

irmãos Leite fizeram a

entrega do mencionado

lustre, que custou 159.700

réis e se colocou de imediato

“pendente debaixo da

abóbada”.

Ficou registado em acta que a comissão de subscrição foi constituída pelo padre

António Bernardino da Silva Machado, pelo mesário Manuel Pereira Leite de Carvalho,

Manuel José de Sousa e presidida por Custódio Rodrigues Leite60

.

Quanto aos que actualmente existem fronteiros aos altares colaterais, parece terem sido

adquiridos na sequência de uma decisão da mesa de 2 de Fevereiro de 1885 que foi no

sentido de incluir no orçamento ordinário “para o corrente ano” as verbas necessárias “e

arbitradas por peritos para a compra de dois lustres de cristal para os altares laterais da

igreja da nossa irmandade”61

.

60

AISC, Livro das Actas de 1865-1893, fls. 15-15v. 61

Idem, fl. 90.

Page 59: Sc 3 de 8 capítulo iii

O culto aos mortos e a função cemiterial

____________________________________________________________

A par do culto ao Senhor Bom Jesus da Cruz, à Senhora das Dores e a vários santos e

santas que vão ocupando os seus lugares a partir do século XVIII, o templo do Senhor

da Cruz, como a generalidade das igrejas até ao último quartel do século XIX,

funcionou como um amplo cemitério, morada segura dos irmãos que ali eram

enterrados.

Como é sabido, o culto aos mortos e o espaço que

lhes era reservado nas igrejas e nos mosteiros ou

conventos, desde a Idade Média, andavam em

conformidade com o poder e a riqueza dos cristãos.

Evidentemente que a função funerária se destinava

a todos os fregueses, num mundo em que toda a

freguesia se sentia cristã.

Mas é também evidente que as condições de vida, o

trato social e a posição institucional projectavam-se

além-túmulo, como se o poder e a riqueza fossem

denominador comum no acesso mais célere à

salvação.

A benfeitoria e a compra do lugar na igreja garantiam mais e melhores celebrações,

sobretudo um espaço especial para o jacente, desde que o pudesse pagar e sustentar.

Logicamente que o preço variava em função do sítio que por sua vez se destinava,

aparentemente, aos melhores protectores.

Page 60: Sc 3 de 8 capítulo iii

Excluindo importantes excepções, parece que a Igreja sempre se deu melhor com os

poderosos. Assim parece ser desde a conversão do imperador Constantino, no primeiro

quartel do século IV. Apenas perante Deus todos permanecem iguais. Nada que nos

escandalize: ainda se vão reproduzindo no cemitério contemporâneo as desigualdades

socioeconómicas e culturais da vida do aquém.

A escassa documentação relativa ao século XVII deixa-nos entender que a antiga capela

cumpria o dever de acolhimento dos irmãos e seus familiares, uma vez falecidos.

O mesmo veio a acontecer na actual igreja: depois do dobre de finados, ou dos “sinais”

badalados na torre da igreja pela morte dos irmãos e seus entes queridos, o corpo era

colocado em câmara ardente, designada no século XVIII pela expressão “pôr o corpo

sobre terra”, seguindo-se depois o funeral com os ofícios determinados pela Igreja e

pelos estatutos da irmandade.

Assim, nos séculos XVIII e XIX, centenas de cristãos da vila e de várias freguesias

foram sepultados no chão do templo do Senhor da Cruz, pelo que se tratava de um

espaço algo diferente daquele que hoje contemplamos.

Em 1870 foram registadas em livro próprio 42 sepulturas, na maioria das quais estavam

depositados vários cadáveres.

Entre 1870 e 1879 (ano em que se inaugurará o cemitério municipal) foram sepultados

64 defuntos, a maioria residentes na vila e seus arrabaldes – Rua Direita, Rua dos

Loureiros, Rua da Nogueira, Rua da Nogueira de Baixo, Rua da Nogueira de Cima, Rua

Nova dos Lanterneiros, Rua de S. Francisco, Largo do Apoio, Rua das Capelas, Campo

da Feira, Rua da Fonte de Baixo, Largo da Porta do Vale, Largo do Benfeito, Campo de

S. José, Rua Nova de S. José, Rua da Estrada, Rua do Soalheiro, Casa da Quinta da

Barreta, Rua dos Ferreiros, Rua das Velhas, Largo do Pelourinho, Campo dos Touros,

Rua da Palha –; mas também de outras freguesias e lugares, nomeadamente: Alvelos,

Lugar do Pinheiro; Santo André de Barcelinhos, Rua de Baixo e Largo da Ponte; S.

Pedro de Adães, Lugar do Paço; Santa Eulália de Rio Covo, Lugar da Devesa; S.

Martinho de Aborim, Quinta de Celeiro; Santa Maria de Lijó, Lugar de Raindo; S.

Mamede de Arcozelo, Lugar das Torgas; Santa Maria do Abade de Neiva, Quinta do

Castelo; Vilar de Figos; e Póvoa de Varzim.

Devidamente identificadas, as sepulturas privadas, ainda que simples e modestas,

destacavam-se no pavimento do templo, ocupando os fiéis defuntos o subsolo do espaço

Page 61: Sc 3 de 8 capítulo iii

de culto dos fiéis vivos. No chão do templo do Senhor da Cruz dominava a morte, na

esperança duma ressurreição prometida.

Junto dos altares e das paredes do templo destacavam-se algumas tumbas privativas,

que mereceram a descrição do sacristão, responsável pelo seu registo em livro próprio:

Sepultura 1 – Sepultura de pedra com a cobertura de lousa, pertencente a Guilherme

Augusto Ferraz de Sá Felgueiras Benevides, residente na Casa da Lamela, na freguesia

de S. Salvador de Minhotães. Era dos seus antepassados, tendo-a reedificado em 1869

entre Agosto e Outubro, juntamente com outras sepulturas e lajeamento contíguo. Tinha

a seguinte inscrição: “Sepultura particular de Guilherme Benevides e seus descendentes

– reedificada em 1869 – N.º 1 = Aos 3 de Janeiro de 1870 e setenta”.62

Sepultura 2 – Tratava-se de uma tumba “toda encaixilhada de pedra com tampa de

madeira”, com sete palmos de profundidade, pertencente ao bacharel Francisco António

Luís da Costa e Silva – sepultado a 16 de Março de 1870 – e ao António José Rodrigues

Leite, solteiro – ali depositado em 27 de Agosto de 1875. Eram moradores no Campo da

Feira.63

Sepultura 3 – Também “encaixilhada” de pedra e com sete palmos de profundidade.

Ali jaziam António José dos Santos Figueiredo, enterrado a 20 de Janeiro de 1867, e D.

Maria Teresa Rodrigues Leite, a 30 de Setembro de 1877. Eram também do Campo da

Feira.64

Sepultura 4 – Igualmente de pedra e com lousa por cima, esta sepultura pertencia ao

negociante Joaquim Barroso e Matos, morador no Lugar da Calçada, e aos seus

descendentes. Tinha pertencido à extinta casa da Bagoeira cuja sucessora, a viúva D.

Ana Augusta de Sousa Gomes, a cedeu ao novo proprietário. A mesa da irmandade não

se opôs a tal cedência “em razão do dito Barroso fazer a expensas suas todas as obras,

não só de reedificação na mesma sepultura mas ainda das mais que lhe ficam contíguas

e competente lajeamento naquele quarteirão deste templo”65

.

Nesta remodelação, operada também entre Agosto e Outubro de 1869, terá gasto o

comerciante Joaquim Barroso e Matos 148.745 réis, cujo “beneficio feito a esta real

irmandade, tomou a mesa em consideração”. Na cobertura foi gravado o seguinte:

“Sepultura de Joaquim Barroso e Matos, desta vila – 1869 – N.º 4. Aos 3 de Janeiro de

62

AISC, Livro dos óbitos e sepulturas, fl. 107. 63

Idem, fl. 108. 64

Idem, fl. 109. 65

Idem, fl. 110.

Page 62: Sc 3 de 8 capítulo iii

1870 e setenta”. De salientar que para esta tumba foi trasladada a irmã de Joaquim

Barroso, D. Maria Emília Barroso Pereira Matos, em 22 de Março de 1870, trasladada

da sepultura n.º 27 que se encontrava “junto ao altar de Nossa Senhora das Dores”, onde

inicialmente se encontrava66

.

Saliente-se que, de facto, na reunião de 4 de Julho de 1869, o proprietário e negociante

da vila, Joaquim Barroso e Matos apresentou na sessão da mesa da irmandade a

cedência de uma sepultura dos senhores da Bagoeira, feita pela “actual senhora da

casa”, sepultura localizada defronte ao altar do Senhor da Cruz; o comerciante pediu

autorização para a transferência do respectivo domínio e para “forrar de pedra e lajear a

mesma sepultura”, colocando-lhe a tampa com uma inscrição; e como esta obra tinha de

“jogar com as sepulturas contíguas”, uma das quais era a de Guilherme Benevides, já se

havia acordado com este proprietário para arranjar igualmente a sua sepultura “e se

obrigava a preparar as três restantes à sua custa, bem como a fazer o lajeamento daquela

parte da igreja”.

A mesa aceitou a proposta apresentada, mas sob a condição de que logo que cessasse a

“faculdade de enterramentos no templo […] pelo estabelecimento do cemitério público,

nenhuma indemnização poderia exigir-se”67

.

Sepultura 5 – Esta sepultura pétrea, com sua tampa de madeira, encontrava-se sem

residente e “sem terra alguma”68

, provavelmente à espera de freguês.

Sepultura 6 – Sepultura com “lousa de pedra” e com armas safadas, localizada nas

proximidades da capela-mor. Pertencia à extinta Casa de Perna Longa e ali fora

sepultado D. António de Bragança, em 30 de Maio de 1823.69

Sepultura 7 – Com tampo de pedra, localizada junto à capela-mor. Nela estavam José

António Pereira da Fonseca, depositado a 1 de Outubro de 1863; e D. Ana Emília

Bezerra da Silva, a 18 de Fevereiro de 1873. Haviam sido residentes na Fonte de

Baixo.70

Sepultura 42 – Do legatário e benfeitor Dr. Manuel de Andrade e Almada, morador no

Campo da Feira, jacente a 9 de Setembro de 174571

. De notar que este defunto foi juiz

da irmandade durante longos anos, conforme a correspondência enviada do Brasil por

Inácio da Silva Medela documenta.

66

Idem, Ibidem. 67

AISC, Livro das actas de 1865-1893, fls. 19-19v. 68

AISC, Livro dos óbitos e sepulturas, fl. 111. 69

Idem, fl. 112. 70

Idem, fl. 113. 71

Idem, fl. 148.

Page 63: Sc 3 de 8 capítulo iii

A função cemiterial das igrejas tinha, no entanto, os dias contados. Há muito que a

legislação exigia lugares públicos para os enterramentos. Os governos liberais exigiam

o cumprimento da lei, tendo dado origem a revoltas e tumultos (embora andassem

associados outros motivos, como a pesada carga fiscal), sobretudo no norte do país, e

das quais se destacou a revolta de Maria da Fonte, em 1846.

Em Barcelos, o cemitério municipal será

construído ainda na década de 1870. Num

ofício datado de 7 de Março de 1874, dirigido

ao provedor da Real Irmandade do Senhor da

Cruz, o presidente da CMB comunicava a

intenção de dar início às obras do cemitério e

perguntava se a irmandade pretendia reservar

algum espaço privativo para irmãos,

considerando que, uma vez concluídas as

obras, não mais poderiam realizar-se enterros

fora dele. A autarquia também pretendia

inteirar-se da contribuição possível da

irmandade para as obras do cemitério, caso a

mesma desejasse um espaço privativo.

Tratando a Câmara Municipal […] de dar princípio à construção do

cemitério público de urgente necessidade para esta vila, e sendo certo que

construído que ele seja nenhuns enterramentos se podem fazer fora dele,

convido por isso a V. Ex.ª antes de mais nada para que em sessão com a

mesa […] resolver se para o enterramento dos irmãos dessa confraria

pretende ter local privativo dentro do mesmo cemitério e qual a área a fim

de que nos estudos a que se vai proceder se tomar isso em consideração, e

ainda sobre o quanto em tal caso essa confraria contribuirá para a mesma

construção72

.

Cinco anos depois, no dia 25 de Maio de 1879, o cemitério seria benzido pelo arcebispo

primaz, no final de uma procissão que saiu da igreja colegiada às 10 horas da manhã em

72

AISC, Caixa 4, Correspondência da CMB, Ofício n.º 39 de 1874.

Cemitério Municipal de Barcelos,

inaugurado em 1879.

Page 64: Sc 3 de 8 capítulo iii

direcção ao cemitério. O convite endereçado ao provedor da irmandade, para participar

na efeméride, foi assinado pelo presidente da câmara, José de Abreu do Couto de

Amorim Novais73

.

A partir de 1879, ano da inauguração do cemitério municipal, alguns restos mortais

começam a ser trasladados, cessando definitivamente a função de cemitério no templo

do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos.

A repavimentação da igreja e do adro: 1909-1910

____________________________________________________________

Datava de 1907 a intenção de se proceder a obras de renovação na igreja do senhor da

Cruz. No dia 26 de Maio deste ano foi elaborado um documento intitulado “medição e

orçamento” pelo denominado “chefe de conservação”, José António Monteiro Torres.

No documento prevêem-se obras de pedraria, carpintaria, assentamento de mosaico e

“cercadura”, tudo orçado em 608.692 réis. Prefigurava-se o levantamento do lajeado

existente e a sua remoção, seguido de um calcetamento e uma cobertura de chapas,

terminando com um soalho de riga, travado e suportado por barrotes. Previsivelmente, a

referida obra incluía “mosaico e cercadura”, assentes em cimento74

. Porém, as intenções

de 1907 não tiveram sequência.

Com data de 3 de Fevereiro de 1909, e aprovado pela mesa a 6 do mesmo mês,

elaborou-se um novo orçamento prevendo-se uma despesa global de 1.800$000 réis,

contemplando-se: a repavimentação do interior e do adro da frontaria da igreja, o

revestimento a azulejos das paredes laterais da capela-mor e a construção de uma

tribuna para o altar-mor75

. Embora passando por algumas vicissitudes, este projecto veio

a concretizar-se.

73

AISC, Caixa 4, Correspondência da CMB, Ofício n.º 14 de 1879. 74

AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Orçamento de 1907. 75

Idem, Orçamento de 1909.

Page 65: Sc 3 de 8 capítulo iii

Em 16 de Maio de 1909, António Miranda, mestre-de-

obras da vila de Barcelos arrematou a empreitada de

reconstrução do pavimento do interior da igreja do

Senhor da Cruz e da parte do adro frente à fachada

principal.

No auto de arrematação então escrito estabeleceram-se

30 condições, a maioria das quais relacionada com a

salvaguarda da qualidade técnica e artística da

intervenção, como pelo extracto que de seguida se

apresenta se pode conferir.

Primeira – todo o pavimento do templo e adro fronteiro, será desmontado

de modo a não danificar o material existente; segunda – a escolha do

material existente, que ainda possa ser aproveitado, será feita pelo

encarregado da fiscalização da obra, que designará a forma do seu

emprego; terceira – a pedra que tiver qualquer mancha, ou defeito de

construção, será substituída por outra à custa do empreiteiro, sem que este

possa exigir qualquer indemnização pelos prejuízos que porventura possa

haver; quarta – toda a pedra branca a fornecer, será da mais dura que se

encontrar no monte da Penida; quinta – toda a pedra azul a fornecer, será

da freguesia de São João de Vila Boa, e será escolhida a mais escura que se

encontrar; sexta – a pedra lavrada a escoda, terá a superfície perfeitamente

lisa e as juntas corridas a cinzel, não sendo admitidas falhas de qualquer

natureza; sétima – todas as juntas perpendiculares serão sem falhas, numa

espessura de dez centímetros e nenhuma pedra terá menos de vinte

centímetros de espessura; oitava – todas as juntas serão cimentadas, tanto

no templo como no adro; nona – os desenhos, que serão formados por

varias fiadas de pedra, sendo uma azul e outra branca, não são mais que a

reprodução do existente; e, para que não haja dúvidas depois da

desmontagem, estará patente no acto da arrematação uma planta, que

depois será entregue ao arrematante; décima – a qualidade da pedra será

toda igual a duas amostras que estarão patentes no acto da arrematação, e

Page 66: Sc 3 de 8 capítulo iii

a pedra que não for aplicada no templo e adro será lavrada e aplicada

debaixo dos taburnos, por fiadas, o mais regular e artisticamente possível76

.

Sendo António Miranda o único concorrente, a obra foi-lhe adjudicada, no valor de

720.000 réis, a ser liquidado em três partes. A obra deveria concluir-se em 4 meses77

.

Todavia, uma acta da mesa da irmandade, datada de 4 de Outubro do mesmo ano, revela

que foram aprovadas alterações ao projecto inicial de repavimentação da igreja e do seu

adro, tendo-se seguido parcialmente as orientações de um parecer que havia sido

encomendado ao arquitecto de Leiria, Ernesto Korrodi78

, parecer este confirmado por

uma nota de despesa de 5 de Janeiro de 1909 na qual se dizia que foi “pago ao Korrodi

arquitecto” a quantia de 31.8000 réis”79

.

Pensamos que se pretenderia realizar as obras de modernização no pavimento da igreja

antes da vinda do rei D. Manuel II a Barcelos, atendendo a que, com data de 28 de

Fevereiro, foi registada uma despesa de 505 réis relacionada com os telegramas

dirigidos a sua majestade80

.

Mas tratava-se, sem dúvida, de uma obra fundamental. Uma vez terminada a função

cemiterial na igreja, era imperioso dignificá-la com uma pavimentação que não

desmerecesse em qualidade técnica e artística. Por isso, na reunião convocada para

aprovar as alterações ao projecto inicial (que parece ter levado pouco em consideração

as opiniões do arquitecto, que defendera a aplicação do mármore de várias cores), o

provedor António Albino Marques de Azevedo expôs as dificuldades que se depararam

na execução das obras de pedraria, então a decorrer:

A pedra negra escolhida torna-se quase impossível de ser trabalhada, além

de que, contra aquilo que havia informado o técnico, desmerece muito em

76

AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Auto de arrematação da obra do pavimento em

1909. 77

Idem, Ibidem. 78

As alterações ao projecto inicial virão a ser ratificadas pelo Governo Civil de Braga, em 7 de Julho de

1710, conforme despacho registado na parte superior direita da cópia da acta enviada. 79

AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Caderno de receita e despesa de 1908-1909. 80

Idem, Ibidem.

Page 67: Sc 3 de 8 capítulo iii

cor, de modo a não estabelecer o pretendido contraste para melhor realce

do respectivo desenho81

.

Juntavam-se a estas preocupações técnicas e estéticas o custo avultado da mencionada

pedra, já que excedia em mais do dobro o preço do granito branco. É neste contexto que

se reconsidera e leva mais em consideração o parecer, ainda que não na totalidade,

elaborado pelo arquitecto Ernesto Korrodi:

Sabido era de todos que o ilustre arquitecto, senhor Ernesto Korrodi, que a

mesa havia consultado para proceder às reparações e restaurações

necessárias sem incorrer nos muitos desatinos que aí se têm perpetrado e

não contribuir por sua vez para novas desfigurações, dissera que o

pavimento, para não prejudicar a feição monumental do templo, devia ser

feito em pedra sob um desenho conveniente, que inscrevesse uma cruz

central, debaixo do elegante zimbório. Aconselhava especialmente o

mármore branco e preto, e, para o painel circular do centro da aludida

cruz, roxo e amarelo82

.

A opção inicial prendera-se com as dificuldades financeiras pelo que apenas se havia

considerado, e muito parcialmente, a questão da cor (o granito escuro a contrastar com o

granito branco). Ora, como permaneciam as mesmas dificuldades de financiamento, a

mesa optou pela aplicação parcial das ideias do arquitecto, circunscrevendo ao centro da

igreja a aplicação dos mármores, conforme pode hoje observar-se. E sem os mármores

roxo e amarelo.

81

Idem, Ibidem. 82

Idem, Ibidem.

Page 68: Sc 3 de 8 capítulo iii

Com efeito, “o mais curial era adoptar em todo o templo granito branco, salientando-se

o desenho por filetes de massa hidráulica preta e que a cruz fosse então de mármore, nos

termos precisos da consulta do arquitecto Korrodi. Deste modo ajustavam-se

perfeitamente as circunstâncias financeiras da irmandade às indicações do proficiente

consultor, não se ofendia a arte, nem se maculava a estrutura arquitectural do templo.

Além disso, mantinha-se o projecto devidamente aprovado que era apenas alterado

quanto ao material”83

.

Foram pois estes aspectos que justificaram as opções da direcção da irmandade.

No projecto inicial havia sido ainda determinada a construção de seis taburnos em

madeira, para cuja construção estava contratado o carpinteiro José António de Barros,

da freguesia de S. Paio de Carvalhal. Esta obra de carpintaria, arrematada por 155.000

réis, deveria estar concluída no mês de Setembro de 1909. Segundo as condições do

contrato, o carpinteiro deveria seguir o esquema delineado numa planta, desenhada a

tinta azul e na qual figurava a distribuição dos taburnos; estes deveriam ser executados

em pinho de riga de excelente qualidade, sem manchas nem nós; cada taburno seria

dotado de quatro aberturas laterais para garantir a ventilação, enquanto o soalho seria

pregado em forma de xadrez, conforme o desenho da referida planta84

.

Todavia, esta obra não chegou a realizar-se. Concordou a mesa com a proposta do

provedor António Albino Marques de Azevedo, que defendeu a não construção dos

taburnos de madeira por se concluir que a sua colocação em tão nobilitado espaço seria

“uma forçada transigência que não deixava de ofender o aspecto monumental do

templo”. Encarregou-se um elemento da mesa, Sousa e Silva, de proceder ao necessário

entendimento com o carpinteiro a quem tinha sido entregue a obra, visando a rescisão

do contrato85

.

Ainda relacionada com as obras de 1909-1910, surgem-nos várias despesas envolvendo

a participação de pedreiros, carpinteiros, pintores, materiais e o seu transporte:

83

Idem, Ibidem. 84

AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Auto de arrematação da obra dos taburnos 1909. 85

Idem, Acta de 4 de Outubro de 1909.

Page 69: Sc 3 de 8 capítulo iii

QUADRO RESUMO DE DESPESAS COM OBRAS – 1909-191086

DATA TIPO DE DESPESA MONTANTE

(RÉIS)

10/10/1909 Francisco Jorge da Silva, por desmontar os confessionários. 680

10/12/1909 Jornais (dias de salário) a Francisco Jorge da Silva. 1.880

20/03/1909

Jornais a Francisco Jorge da Silva. 4.460

Jornais ao trolha José Gomes Rodrigues. 3.100

Jornais a José Gomes Rodrigues. 980

01/04/1910

Por 10 dobradiças, trinques e chapas para os anteparos. 4.960

João Gonçalves da Silva, pela raspagem e arranjos nos

confessionários.

12.000

Jornais a João Gonçalves da Silva. 2.760

Outros jornais. 2.030

Jornais a duas mulheres. 900

Jornais a José Gomes Rodrigues. 5.320

07/04/1910

Por 2 crivos para os confessionários. 480

Jornais a Francisco Jorge da Silva. 1.400

Jornais a José Gomes Rodrigues. 7.200

Jornais a João Gonçalves da Silva. 5.560

Outros jornais. 2.360

Abril de

1910?

António Miranda, arrematante da obra de pedraria:

“Por virtude da liquidação a que se procedeu”.

Pelos reparos no adro, lado poente.

Por salários.

Mais salários.

667.806

23.104

32.576

41.946

Gratificações ao fiscal Faria. 42.500

Gratificações aos artistas de Fanzes. 2.500

Ao servo dos Terceiros. 5.000

Pelo mármore que veio de Lisboa. 160.010

Prémio de seguro e selo. 905

Transporte do mármore, da estação dos caminhos-de-ferro da

vila.

500

Transporte do mármore, pelo caminho-de-ferro de Lisboa. 16.450

Hospedaria de um operário que veio de Braga. 2.890

Hospedaria de outros operários. 11.560

Deslocação a Braga, de comboio. 500

Gratificações aos homens que assentaram o mármore. 1.000

Despacho no caminho-de-ferro. 190

Cimento, ferros e parafusos. 30.300

Cal e cimento. 2.570

Cimento comprado ao Maciel. 7.550

Mármore e salário a Artur Teixeira da Silva, de Braga. 40.000

30/06/1910

Domingos Alves Teixeira, de Fanzes:

Limpeza de 4 portas e decorações metálicas. 35.000

Limpeza e pintura das portas laterais do templo. 38.000

Limpeza e pintura da porta principal. 38.000

Restauro do guarda-vento. 47.000

Restauro da grade do coro. 15.000

Restauro da grade do antecoro. 10.000

Restauro de duas portas na capela-mor. 9.000

86

Idem, Caderno da receita e despesa de 1909-1910.

Page 70: Sc 3 de 8 capítulo iii

Envernizamento dos confessionários. 8.000

Restauro da balaustrada dos púlpitos. 18.000

A substituição do trono eucarístico

____________________________________________________________

Surpreende ao visitante atento a cor branca da tribuna do retábulo do altar-mor do

século XVIII. Também a nós nos surpreendia a obra inacabada, por dourar, e, por outro

lado, evidentes cicatrizes nesta composição de talha denunciavam diferentes mestrias,

ainda que seja notada a aproximação estilística entre o retábulo propriamente dito e a

sua tribuna. Ali houvera obras de restauro, sabíamos.

Mas quando?... Uma pequena luz acendeu-se no túnel documental e, na escuridão, uma

notícia pequena transformou-se numa grande candeia. Uma preciosa lamparina, pois,

esclareceu-nos que no dia 5 de Outubro de 1867, Joaquim Borges de Queirós, da vila de

Barcelos, recebeu 2.250 réis “por uma planta que tirou para a reforma da tribuna que se

projecta fazer”87

.

Mas, como acontece com frequência, quando outro documento surge, nova e mais luz

acrescenta melhor conhecimento ao objecto de estudo. Era preciso procurar. Encontrar.

E eis que nova fonte documental surgiu,

graças à procura quase desenfreada doutras

fontes documentais e graças à sorte de nos

vir parar às mãos mais um papel velho, com

quase um século de idade.

Ficamos então a saber que a actual tribuna

foi restaurada em 1910 pela oficina de

Soares Barbosa, da cidade de Braga, pelo

87

AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Caderno da conta particular de 1866-1869.

Page 71: Sc 3 de 8 capítulo iii

preço de 760.000 réis, conforme proposta de

orçamento de 12 de Março, aprovada pela

mesa da irmandade, reunida no dia 15 do

mesmo mês.

Na proposta apresentada, o entalhador

comprometeu-se a realizar um restauro

correcto e completo da tribuna (trono e sua

maquineta), em madeira de castanho, de

acordo com um desenho elaborado88

.

Uma cuidada observação e análise de todo o

retábulo permitiu-nos concluir que a tribuna do

século XVIII era mais profunda que a actual,

devendo o trono onde se expõe a sagrada hóstia

encostar à parede fundeira da capela-mor.

O entalhador e quem o autorizou negaram-nos

uma parte da obra de arte. Mais de meio metro

de talha do retábulo do século XVIII ficou

escondida entre a parede fundeira da capela-mor

e a maquineta do trono eucarístico, onde se

expõe o Santíssimo Sacramento. Talvez para

facilitar o acesso ao topo, pelas traseiras.

No restauro efectuado por Soares Barbosa nota-se a tentativa de aproximação, em

termos formais e estilísticos, ao modelo pré-existente, porém, o resultado não foi de

modo algum feliz: faltou ali mão de artista, que casasse de forma harmoniosa a sua arte

de restaurar com a arte de entalhar do mestre Miguel Coelho, autor do retábulo do

século XVIII.

Um restauro que, para além de imperfeito, não se completou. Ficou a obra

inexplicavelmente por dourar, denunciando à vista desarmada, com o gesso branco que

mostra, a enorme nódoa numa obra de grandíssimo valor artístico. Um erro que é

88

AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Orçamento do restauro da tribuna.

Pormenor do retábulo do século XVIII,

escondido por detrás do trono eucarístico

de 1910.

Page 72: Sc 3 de 8 capítulo iii

preciso reparar. Não basta classificar o templo do Senhor Bom Jesus da Cruz como

património nacional!

Em 7 de Setembro do mesmo ano de

1910, Soares Barbosa elaborou outro

orçamento, desta vez destinado ao

fabrico de 10 bancos e 13 mochos para

a nave da igreja. A obra seria realizada

em madeira de castanho, com couro

escuro e aplicações de metais

decorativos, conforme um croqui

remetido pelo entalhador, tudo no

valor de 208.000 réis89

.

Estes bancos – aos quais se juntaram outros

recentemente, numa imitação perfeita dos que

se fizeram em 1910 –, vieram acrescentar

beleza e requinte ao interior do templo.

E mostram ao devoto atento que neles se senta

e ao visitante que os vê uma expressiva

gravura no seu couro escuro, condizente com

o tema da Paixão.

89

Idem, Orçamento de mobiliário para o Senhor da Cruz.